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TRABULSI, José Antônio Dabdab. ''Crise Social, Tirania e Difusão Do Dionisismo Na Grécia Arcaica''

Feb 16, 2018

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  • 7/23/2019 TRABULSI, Jos Antnio Dabdab. ''Crise Social, Tirania e Difuso Do Dionisismo Na Grcia Arcaica''

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    Crise social tirania e difuso do dionisismo na Grcia

    arcaica

    Jos Antonio Dabdad Trabulsi

    Universidade Federal de Ouro Preto Mariana

    Os historiadores que estudam o perodo arcaico da histria grega

    assinalam com freqncia que os tiranos desta poca (meados do sculo

    VII ao final do sculo VI) incentivaram os cultos populares, dentre os

    quais o dionisismo. O interesse de tal observao evidente. Tratando-se

    de uma transformao religiosa estritamente vinculada a uma mudana

    na formao econmica e social das cidades gregas, poderamos obter de

    tal estudo preciosas observaes tericas sobre as relaes entre o eco-

    nmico, o poltico e o religioso num dado momento, num quadro geogr-

    fico delimitado. Tanto mais que, em se tratando do fim do arcaismo

    grego, estamos situados no momento em que o prprio "poltico" se

    constitui em esfera sentida como autnoma, em que o mito comea a ser

    reelaborado segundo novos princpios, que se mostram cada vez mais

    questionadores dos seus fundamentos.

    Os estudos sobre o dionisismo, muito numerosos, no se ocuparam

    suficientemente destes problemas, situando-se o mais das vezes numa

    perspectiva puramente filosfica, ou, quando muito, procurando explorar

    o vivido do dionisismo, mas sem a preocupao de situ-lo historicamente

    ou investigar como este "vivido" evoluiu junto com as transformaes

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    da sociedade grega . Quanto ao problema das relaes entre crise social,

    tirania e dionisismo a produo muito insuficientemente (1).

    Neste artigo pretendo apresentar parte das minhas concluses de

    pesquisa. No posso, nos quadros deste artigo, estudar longamente os

    problemas relativos s origens do dionisismo, seu lugar no mundo mi-

    cnico, nos poemas homricos, nem tampouco em Hesodo . Isto, e as

    relaes mais gerais entre a crise social e o dionisismo estar disposio

    dos pesquisadores mais atentos brevemente, em publicaes de circulao

    mais limitada (2).

    Pretendo aqui empreender uma anlise do material (literrio, numis-

    mtico e iconogrfico) disponvel para o estudo do dionisismo arcaico,

    procurando investigar quais seriam as relaes entre a crise social, o sur-

    gimento de tiranias e a difuso do dionisismo. Trata-se, em linhas gerais,

    de uma crise agrria, de uma transformao poltica que resultar, em

    algumas cidades, numa tirania, e cuja manifestao na esfera ideol-

    gico-religiosa ser uma reorganizao dos cultos . O econmico no "de-

    termina" o poltico e, para alm dele, as estruturas ideolgicas . Devemos

    antes pensar em relaes dialticas, na busca de novas relaes de cau-

    salidade, que podem fazer com que, em determinados momentos, o tcni-

    co. o militar, o poltico ou o religioso desempenhe um "papel motor" .

    Caso tpico, por exemplo, da reforma hopltica, que deve ter ace-

    lerado em muitas cidades as transformaes polticas (3). A adoo

    da falange no criou uma situao revolucionria, mas deu aos descon-

    Jeanmaire, II, no seu imenso

    Dionysos. Histoire du culte de Bacchus.

    Paris, 1978, no dedica mais que dois pargrafos a este problema (p. 10-11).

    Num ensaio que no tem por tema o dionisismo, Detienne, M.

    Crise agraire et

    attitude religieuse chez Hsiode,

    Bruxelas, 1963, escreve uma nota bastante longa

    (p. 12-14) para voltar em outros trabalhos numa perspectiva comparatista. Will,

    Ed., na sua tese,

    Korinthiaka. Recherches sur l'histoire et la civilization de Co-

    rinthe des origines aux guerres mdiques.

    Paris, 1955 faz observaes preciosas

    (p. 216-223), assim como Lvque, P. numa comunicao feita em Madri, num

    colquio da Fundao Pastor, em 1976, "Gense de la cit, contradictions sociales

    et mutations religieuses". Cours polycopi de l'Universit de Besanon,, s. d.

    A pesquisa dever ser retomada em breve com o estudo do dioni-

    sismo no contexto da crise do sculo IV, e com uma primeira tentativa de com-

    preender o "vivido" do dionisismo neste amplo quadro de transformaes. A

    parte j concluda, e que dividido em trs artigos para fins de publicao, foram

    originalmente apresentadas e defendidas em conjunto, junto a Pierre Lvque

    na Universidade de Besanon, sob o ttulo de "Religion et socit en Grce an-

    cienne: crise sociale, tyrannie et diffusion du dionysisme l'poque archaque".

    Para o debate sobre o papel da reforma hopltica, que no podemos

    estudar aqui, Snodgrass, A. "The hoplite reform and history",

    Journal of hellenic

    studies, 85, 1965, p. 110-122; Salmonj, J. "Political hoplites?",

    Journal of Hellenic

    Studies,

    97, 1977, p. 84-101; Detienne, M. "La phalange: problmes et contro-

    verses", in Vernant, J. P., Problmes de la guerre en Grce ancienne.

    Paris,

    1968, p. 119-142.

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    tentes ao menos a uma parte deles um meio de se fazer escutar.

    Ao mesmo tempo, ela eliminava, ao nvel das conscincias, uma das jus-

    tificaes do monoplio aristocrtico . Nesse sentido, ela foi a pr-con-

    dio indispensvel de uma mudana poltica importante. Temos vrias

    indcios do controle dos hplitas pelos tiranos quando de seus "golpes

    de estado" e depois deles (4) . Mas no devemos falar em ligao exclu-

    siva . O descontentamento era mais vasto (5). Por outro lado, a maior

    parte dos tiranos vinha de famlias aristocrticas, o que nos leva a ima-

    ginar lutas de faces.

    Os hplitas no eram suficientemente fortes e organizados para ins-

    taurar um novo regime em seu benefcio. Eles foram o instrumento uti-

    lizado pelos tiranos na tomada do poder, manobrando entre as insufi-

    cincias da ordem aristocrtica e suas fissuras e o descontentamento

    popular. Isto no exclui, evidentemente, que uma parte das medidas

    adotadas pelos tiranos tenha vindo em proveito deles, ainda que eles

    no tenham tido acesso tomada de decises . E, se a poltica dos tiranos

    no pode ser entendida como uma satisfao aos hplitas que o apoiaram,

    isto se deve precisamente ao fato de que a reforma hopltica fez aparecer

    um instrumento para a mudana, mas no foi a sua motivao profunda.

    Quais poderiam ser, deste ponto de vista, as relaes entre reforma

    hopltica e difuso do dionisismo? A mais importante , sem dvida,

    que, acelerando a queda dos regimes aristocrticos, a reforma removeu

    um obstculo importante ao reconhecimento dos cultos populares e que

    os tiranos, procurando alargar as bases sociais do seu poder, favoreceram

    estes cultos.

    Mas h pelo menos um outro fator importante: que a reforma

    representa uma promoo dos rurais; como diz M. Detienne (6) "no

    apenas que todos os proprietrios de um lote suficiente para pagar as

    armas do hplita tenham acesso funo militar e funo poltica,

    tambm que se reduzem, se apagam os antagonismos antigos entre guer-

    reiros e camponeses", plancie e

    a s t y . Ora, o

    dionisismo

    era antes de

    mais nada um culto dos rurais.

    Os limites deste tipo de associao hplitas-dionisismo so os prprios

    limites que o novo equilbrio polade estabelece. No podemos lev-la

    muito longe, mas entender o sentido destes limites . No para agradar aos

    hplitas que os tiranos favoreceram o dionisismo, sobretudo no incio,

    quando os exrcitos eram menos numerosos, e recrutados entre os mdios

    proprietrios. E no devemos esquecer que a reforma vai-se constituir

    Alguns exemplos em Salmon,

    J .&

    art . cit.,

    p. 97.

    ibd p. 98.

    Dtienne. M. La phalange... , pp. 129-130.

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    num dos pilares da ordem polade, contra a qual o dionisismo se apresenta,

    antes de ser integrado. Finalmente, a falange solidria de um com-

    portamento muito diferente do dionisaco . No se vai mais guerra

    como uma

    thyade

    em delrio (7), mas com o controle de si mesmo e do

    ardor combatente, a

    sphrosyne

    (8) . O

    combate baseado na ordem, na

    harmonia, , se no tememos cair na armadilha da dicotomia clebre,

    apolnzo

    O monoplio aristocrtico e a religio tradicional.

    Se, em todas as sociedades, o poltico e o ideolgico esto em cons-

    tante interao e colaborao, tanto mais neste fim de arcaismo grego,

    quando a conscincia destas "esferas" ou "nveis" apenas comeava a

    se delinear.

    A sociedade aristocrtica fundada sobre a hegemonia dos nobres,

    o que supe "um assentimento mnimo por parte das camadas exploradas

    aristocracia dominante" (9) . E, se a base material desta dominao

    o controle da terra na sua maior parte, ela no poderia se manter

    sem o controle das magistraturas, sobretudo da justia. E o que d

    coerncia ao sistema inteiro, e de maneira imediata ao monoplio da

    justia, a religio . Os sacerdotes, magistrados como os outros, so

    escolhidos na mesma camada da sociedade, a aristocracia fundiria, que

    todos os outros magistrados.

    A religio aristocrtica tem trs componentes: uma religio polade

    dos deuses da cidade; a religio herica dedicada aos antepassados das

    grandes famlias, que aumenta e assegura o prestgio destas ltimas; e

    finalmente a religio dos grandes santurios panhelnicos (10). Na me-

    dida em que a ideologia aristocrtica sobreviver ao perodo arcaico (11),

    as trs componentes tambm resistiro . Mas a segunda delas, a religio

    herica, preponderante na sociedade aristocrtica de antes da crise, dever

    ceder seu lugar a uma religio propriamente polade cada vez mais im-

    portante .

    A poltica dos tiranos arcaicos tende a quebrar o monoplio aristo-

    crtico em todos os nveis. Os legisladores faro o mesmo de forma menos

    violenta . Tiranos e legisladores se inserem no mesmo processo de alar-

    gamento da base poltica da cidade. No que concerne a difuso do dio-

    nisismo, a poltica dos tiranos deveria, forosamente, ser mais signifi-

    cativa que a dos legisladores, na medida em que a ruptura que eles pro-

    squilo,

    Sete contra Tebas, v. 49&, a propsito de Tideu.

    Dtienne, M. La phalange... , p. 126.

    Lvque, Gense de la cit... , p. 2.

    ibid.,

    pp. 6-7.

    Fourchard, A. La crise de l'idologie aristocratique , Seminrio

    de Terceiro Ciclo, Besanon, 1981 (tese que ser publicada em breve) .

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    vocam com relao sociedade aristocrtica bem mais clara. O legis-

    lador um mediador. Ele deve levar em conta as reivindicaes popu-

    lares no campo da religio (12). Mas o tirano vai mais longe; ainda

    que seja o mais das vezes um aristocrata, seu golpe de estado se d

    contra a aristocracia . fundamental para ele assegurar o controle das

    magistraturas em geral, da justia e da religio. Trata-se de reforar a

    coisa pblica. Nada melhor do que favorecer os cultos polades e os

    cultos populares. Deste ponto de vista, o estmulo dado aos cultos po-

    pulares foi a resposta, por um lado, reivindicao do

    demos

    cuja insa-

    tisfao foi fundamental para o surgimento das tiranias e, por outro lado,

    um solvente perfeito da religio tradicional.

    A

    difuso do dionisisnw na poca das tiranias O caso de Clstenes

    de S icione.

    A reforma realizada por Clstenes de Sicione, que nos contada

    por Herdoto (V, 67), um dos exemplos mais notveis das modalidades

    desta difuso. A mudana se faz expensas de um heri aristocrtico,

    Adrasto. O testemunho inequvoco: "Dioniso no era honrado; a honra

    ia para Adrasto . Clstenes restituiu os coros a Dionisio e deu o resto

    da cerimnia a Melanipo (13)". Ainda que o relato de Herdoto possa

    contribuir para acentuar esta impresso, no pode haver dvida quanto

    ao fato de se tratar de uma ao poltica, tanto mais consciente quanto

    a tirania marca um dos grandes momentos de afirmao da conscincia

    poltica na Grcia (14) .

    Neste sentido, por exemplo, o valor religioso da

    seisachteia

    soloniana,

    Lvqtke, P., "Gense de la cit. ..", p. 11.

    Hrodote,

    Histoires,

    livro V, traduo de Ph. E. Legrandl, Paris,

    1946, ,pp. 107-108

    Jeanmaire, H.,

    op. cit.,

    pp. 313

    sq.

    insiste no carter anti-aristo-

    crtico da reforma e explica os coros como uma pea de animao cultural tpica

    das cortes tirnicas, e ponto de partida do gnero ao qual pertence o teatro ate-

    niense. No que se refere tirania em Sicione, eu me afasto aqui de Ducat, J.,

    "Clisthne, le porc et l'nel,

    Dialogues d histoire ancienne,

    1976, pp. 359-368,

    onde ele contesta Ed. Will e C. Moss e diz em especial que (p. 365) "o tirano

    arcaico, sado o mais das vezes de uma famlia importante, no tem razo

    alguma para se mostrar solcito em relao a estes sub-homens que so os depen-

    dentes rurais". Mesmo que aceitssemos sua anlise, o tirano teria necessidade,

    na "reorganizao da sociedade" que ele empreende, de uma nova poltica religiosa.

    Sobre estas teses, em geral (se bem que no tenhamos competncia para apreciar

    a anlise textual que ele faz), diramos que elas s so vlidas no quadro geral

    de

    referncia que ele traa no final. Ora, reduzir a crise da sociedade arcaica a

    "rivalidades incessantes dos cls aristocrticos" simplista, exagerado e falso.

    Cf. por exemplo a liberao, por Clstenes(, de dependentes do tipo

    Korinophoroi

    ou

    Katonakophoroi, Terre et paysans dpendants dans les socits antiques,

    Colo-

    que international tenu Besanon les 2 et 3 mai 1974, p. 92; Moss, C.,

    La

    tyrannie dans la Grce antique .

    Paris, 1969, pp. 23-25. Uma boa discusso da

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    Mas os limites desta adoo do dionisismo aparecem tambm muito

    claramente, associado a um heri e ligado s festas cvicas organizadas

    pelo tirano, um Dioniso domesticado, controlado, em vias de integrao

    no novo equilbrio polade que vemos surgir. Esta poltica indispen-

    svel j que o novo regime poltico exaspera as tenses ao concentrar o

    poder na pessoa do tirano, e que ele no tem para sustent-lo, ao menos

    no incio, um substituto para a fora e o prestgio das aristocracias, com

    suas justificativas religiosas.

    Eis um primeiro exemplo (15).

    O caso de Corinto.

    Neste mesmo ambiente de corte tirnica, o exemplo de Corinto se

    afigura igualmente importante. A tradio (16) atribui a um lsbio,

    rion, que viveu na corte de Periandro, a criao do ditirambo literrio .

    Pndaro, que atribuia a Corinto a inveno do gnero, dizia o mesmo,

    noutra passagem, para Naxos (17) . De fato, o primeiro testemunho de

    que dispomos para o ditirambo o de Arquloco, portanto da primeira

    metade do sculo

    VII

    o que torna verossmil a associao Naxos-diti-

    rambo . Mas, em Naxos, ele parece estar a meio caminho entre o ditirambo

    ritual e o ditirambo literrio . Notamos que tambm em Arquloco que

    descobrimos a primeira ocorrncia de "tirania" (18). Tocaremos, em outra

    parte, de novo, no problema do dionisismo em Naxos, mas devemos des-

    de j lembrar que o ditirambo dana ritual que acompanhava o culto

    de Dioniso, no momento dos sacrifcios rituais, destinado a produzir o

    xtase coletivo, est, neste momento, em pleno processo de integrao

    na estrutura polade. Temas hericos e polades ocupam em tal medida

    o lugar de Dioniso no ditirambo que a expresso "o que tem isto a ver

    tirania em Sicione em Leahy, D., The dating of the Orthagorrid dynasty

    Historia,

    17,

    1968, pp. 1-23; quanto ao nvel de elaborao poltica), Finley, M.,

    Les

    anciens grecs.

    Paris, 1971, p. 41 e Will, Ed.,

    Korinthiaka...,

    p. 569.

    Posio contrria em Aurlio Privitera, G.,

    Dioniso in Omero e

    nella poesia greca arcaica,

    Roma, 1970, pp. 37-38, que no explica a escolha feita

    por Clstenes em favor de Dioniso. Ns nos opomos sistemticamente sua anlise ,

    sobretudo no que se refere aos tiranos (pp. 36-42). significativo que no seu

    estudo filolgico (p. 10) ele utilize para a sua argumentao histrica

    pois afinal ela indispensvel a sntese de Berve, H.,

    Die Tyrannis bei den

    Griechen

    2 v, Munique, 1967, a respeito da qual Gauthier, P., Les tyrans dans

    le monde grec antique ,

    Revue des Etudes grecques,

    81, 1968, pp. 555-561 mos-

    trou todas as insuficincias.

    Herdoto, I, 23;

    Lyra Graeca,

    Loeb Classical Library, traduo

    de J. M. Edmonds, v. III, Londres, 1967, p. 668.

    Jeanmaire, H.,

    op. cit.

    p. 232.

    Labarbe, J., L'apparition

    d e

    la notion de tyrannie dans la Grce

    archaque ,

    L antiquit classique,

    40, 1971, pp. 471-504 (para este ponto em espe-

    cial, p. 491).

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    com Dioniso?" torna-se uma frmula corrente para falta de pertinncia

    em geral (19) .

    O ditirambo despojado de sua fora selvagem, utilizado para cantar

    temas estranhos a ele; mais tarde, em Atenas, tornado "competitivo";

    eis uma srie de transformaes que provam a sua domesticao, o seu

    ajustamento cidade; e tudo isto ligado s tiranias (20).

    Como se isto no bastasse, toda a poltica religiosa da tirania co-

    rntia parece confirmar nossas hipteses . No que o culto de Dioniso

    tenha uma importncia capital em Corinto, pelo menos nos perodos mais

    antigos . Ed . Will mostrou como uma evoluo muito particular, asso-

    ciando vrios aspectos do seu culto e da sua personalidade em outras

    divindades, impediu uma grande difuso do dionisismo. Nas suas pr-

    prias palavras: "Associando uma divindade orgistica agrria a um g-

    nio, marinho, e uma courotrofo continental a uma courotrofo pelsgica

    que era uma das nereides, e prefigurando Afrodite anadiomena, este sin-

    cretismo pr-odisseano fechava as portas a Dioniso" (21) . Isto posto, os

    testemunhos indicam um certo surto do dionisismo coincidindo com a

    tirania (22) . Pausnias (23) nos informa que a busca da rvore no Citero,

    e a ereo dos dois

    xoana

    de Dioniso na gora so devidos a um orculo

    de Delfos . Espero mostrar a atitude de Delfos quanto ao dionisismo

    na poca dos tiranos (24). Pndaro se pergunta (25) de onde vm as

    festas de Dioniso, o ditirambo com a perseguio do boi, de forma a

    fazer de Corinto a resposta evidente. (Pretendeu-se ter descoberto um

    santurio de Dioniso em Corinto, mas isto no foi ainda provado (26).

    Lyra Graeca, v . III,

    pp. 667-671.

    Diante destas evidncias, como aceitar os argumentos de Aurlio

    Privitera, G.,

    op. cit.,

    p. 38-39, que fala de Arion como figura "em parte

    lendria" (seria verdade?) como se a lenda fosse um domnio proibido aos

    historiadores.

    Will, Ed. Korinthiaka. .

    p. 179.

    Uma introduo, ou renovaq, a partir de um contacto com a

    Trcia no uma hiptese invivel tambm para Corinto. Hesitamos, para a

    cidade trcia de Cipsela, entre uma fundao por Milcades o antigo, filho de

    Cipselos Filaida ou por Cipselos, o tirano corntio.

    Citado por Will, Ed.,

    Korinthiaka . .

    p. 179.

    O culto corntio se liga tradio dionisaca becia. Will, Ed.,

    Korinthiaka . . p. 217; Jeanmaire, H.,

    op. cit., p. 73 pensa que o relato sobre

    Licurgo introduzido na Ilada foi colhido na Eurpia

    de Eumelos, o primeiro a

    cant-lo, segundo Diodoro, e que era de Corinto; ainda segundo Jeanmaire, os

    dolos de Dioniso Baccheios e de Dioniso Lysios que encontramos em Corinto so

    claramente arcaicos.

    Pndaro, 01. XIII, v. 25,

    sq .

    Referncias e discusso em Will, Ed.,

    Korinthiaka . .

    p. 221 n. 1;

    mas de qualquer forma trata-se de um santurio de uma divindade ctnica.

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    Uma prova decisiva vem reforar tudo isso; sobre um vaso Corntio

    (625-600) que podemos reconhecer pela primeira vez uma representao

    do deus (27). Apario tardia e tmida, teremos ocasio de ver porque .

    necessrio recolocar estes elementos no quadro das transformaes

    religiosas em Corinto . Em primeiro lugar, temos a questo dos jogos

    Istmicos, que teriam sido interrompidos por Cipselos (28) e restaurados

    depois dele . Vrias hipteses so possveis:

    O interesse dos tiranos pelas festas tornando a suspenso in-

    verossmil, a tradio seria o resultado da

    damnat io memor iae dos cips-

    lidas, depois da queda da tirania; teramos, de qualquer modo, a prova

    de que uma tal medida era normalmente associada aos tiranos pelos seus

    inimigos, o que refora a tese de uma poltica religiosa anti-aristocrtica;

    Pode ser que a suspenso seja verdadeira para Cipselos; uma

    vez seu poder estabelecido, Periandro teria restabelecido os jogos . Tam-

    bm neste caso os jogos apareceriam ligados ao estilo de vida aristocrtico;

    Finalmente resta a hiptese dos jogos sendo interrompidos du-

    rante toda a tirania e restabelecidos depois do seu fim (29).

    Foi lanada tambm a hiptese de que os jogos tenham sido recriados

    (ou reestruturados inteiramente aps a interdio) os Jogos Nemeanos

    em honra de Adrasto exilado, e os Jogos Istmicos para festejar a queda

    dos Cipslidas (30).

    Ed . Will observa ainda uma outra evidncia muito importante (31) .

    A queda dos tiranos coincide com uma mudana do tipo monetrio, onde

    Pgaso subsiste, mas doravante acompan'hado de Atena. Belerofo captu-

    rando Pgaso com a ajuda de Atena: haveria uma relao entre este mito

    e a queda da tirania? Pndaro, no seu elogio do regime ps-tirnico em

    Corinto

    (XIII

    01.) fala do mito de Belerofo e Atena. As virtudes

    Eu-

    nom ia, Dika, Eiren a,

    filhas de

    Thmis,

    aparecem em oposio a

    Hybris,

    associada com freqncia aos tiranos . Outra tradio (32) liga Apolo

    s virtudes da constituio corntia ps-tirnica . Ficamos ainda mais

    seduzidos por este raciocnio quando nos lembramos da construo do

    templo de Apolo, quase certamente uma obra da oligarquia restaurada

    (33) . Ele pode representar uma homenagem da oligarquia a Delfos, ao

    Martin, R. e Metzger,

    H.

    La religion grecaue.

    Paris, 1976, p.

    114.

    Solinusy VII, 14.

    Will, Ed.,

    Korinthiaka

    pp. 378-379.

    Wade-Gery,

    H.

    in Cambridge Ancient History, v. III,

    Cambridge,

    1925, p. 555.

    Will, Ed.,

    Korinthiaka...,

    pp. 406-412.

    Que Will, Ed.,

    ibid.,

    p. 411, vai buscar em Antoninus Liberalis.

    ibid.,

    pp. 410-412.

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    83

    auxiliar eventual, por meio de um orculo (mesmo a hiptese de um

    orculo

    a posteriori

    no deve ser afastada), do golpe de Estado.

    A hiptese de um apoio de Apoio rebelio anti-tirnica , de

    qualquer forma, plausvel. A construo de um templo seria, para a

    aristocracia, uma excelente ocasio para reforar o seu prestgio e as

    bases religiosas do novo regime.

    Isto bastaria, mas h ainda uma ltima aproximao, porm esta um

    pouco perigosa: uma associao mais ampla entre Apoio e as oligarquias .

    O papel de Dioniso em Delfos nos convida moderao, assim como a

    participao de Atena na queda dos tiranos em Corinto, em oposio ao

    seu apoio volta de Pisstrato em Atenas . Poderamos at retrucar di-

    zendo que a tirania em Atenas mais compsita, mais moderna que

    em Corinto, mas seria preciso ento entrar num debate espinhoso sobre

    a poltica dos tiranos de Corinto, o que no possvel aqui .

    Antes de deixarmos Corinto, evocaremos uma ltima evidncia im-

    portante: segundo Aristteles (Pol . 1313a) Periandro o iniciador da

    prtica, "prpria aos tiranos", de proibir "as sissicias, as hetairias da

    paideia e tudo o que se segue". Que medida poderamos ns encontrar,

    mais reveladora de uma poltica religiosa anti-aristocrtica?

    Depois disto surpreendente notar que historiadores ainda neguem

    que uma nova poltica religiosa acompanhe a instalao das tiranias (34) . O

    exemplo de Corinto torna isto evidente, e acrescenta um elemento importante

    nossa investigao sobre a difuso do dionisismo.

    A

    tenas

    Atenas se apresenta frequentemente, no estudo da histria grega

    antiga, como um caso especial, dada a importncia da cidade e a quan-

    tidade dos vestgios arqueolgicos e literrios que ela nos deixou . Tanto

    mais para o dionisismo, quanto mais no fosse pelo teatro, as festas

    de Dioniso e as representaes na cermica . preciso, pois, estudar o

    caso ateniense de perto .

    Pisstrato, como os outros tiranos, devia enfrentar uma aristocracia

    cuja fora repousava no controle da terra, da justia e da religio.

    Esta sociedade, estruturada em quadros como as tribos, frtrias, etc . ,

    (34) Para Corinto, Oost, S., "Cypselos the bacchiad",

    Classical Philo-

    logy

    67, 1972, pp. 10-30 (especialmente pp. 25-30). Eu no poderia deixar de

    transcrever um trecho: "A medida em que Periandro obteve sucesso em abolir

    as fratrias (se isto mesmo que significa aqui hetairiai) um problema. Presu-

    mivelmente ele s deve ter conseguido proibir seus encontros e prticas comuns

    como sacrifcios". Argumento pouco convincente para negar uma mudana religiosa

    (o que ele pretende fazer) este de afirmar que ele podia "apenas" proibir reunies

    e sacrifcios

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    baseava-se no culto de um antepassado, heri ou divindade . Para com-

    bater este domnio dos nobres sobre a religio os tiranos tinham dois

    caminhos: favorecer as divindades polades e/ou as divindades ctonias .

    No caso ateniense, a divindade polade por excelncia Atena . O

    festival Panatenaico e o templo da Acrpole so dois grandes momentos

    de fortalecimento da coisa pblica em Atenas . Atena, tornada smbolo da

    cidade, representada nas moedas . Ora, conhecemos a importncia das

    moeda como elemento de publicidade . Mais ainda; como to bem mostrou

    Ed. Will, a moeda um instrumento de troca social e de justia cujas

    implicaes religiosas ele sublinha (35) . Os tiranos, muito freqente-

    mente, fizeram das reformas monetrias instrumentos de justia social (36) .

    Alis, a busca de situaes simblicas que os associem a uma imagem

    de dispensador de riquezas frequente no comportamento dos tiranos

    (37). Finalmente, e mesmo se ele entra em conciliao com uma parte

    da aristocracia, o tirano continua aparecendo como um adversrio dos

    aristocratas . Estas atitudes confirmam a idia de que um nvel superior

    de conscincia poltica e de conscincia do mundo foi atingido pela so-

    ciedade grega no seguimento da crise social (38). Os poemas de Slon

    so um exemplo muito ntido desta evoluo, por exemplo na utilizao

    da palavra "poder" (39) e na conscincia de estar realizando um ato a

    uma s vez social e religioso com a liberao da terra

    (40) .

    Will, Ed., "De l'aspect thique des origines grecques de la monnaie",

    Revue Historique,

    1954, pp. 209-231.

    ibid.,

    pp. 211-215.

    Por exemplo em Corinto, Will, Ed.,

    Korinthiaka...,

    pp. 498-499, ou

    em Samos, Condurachi, E., "La reforme montaire de Polycrate",

    Athenaeum,

    36,

    1958, pp. 238-247; a respeito da tradio dos tiranos de distribuir dinheiro,

    Herdoto, III, 57; VII, 144; Aristteles, Ath. Pol.,

    7. A mesma atitude pode

    ser encontrada nos legisladores, na medida em que eles tambm deviam levar

    em conta as reivindicaes populares. Sobre este ponto, ver o debate interessante

    (se bem que ambos atribuam uma importncia exagerada ao comrcio de expor-

    tao) entre French, A. "Solon and the Megarian question",

    Journal of Hellenic

    Studies,

    77, 1957, pp. 238-246 e Water, K., "Solon's price equalisation",

    Journal

    of Hellenic Studies,

    80, 1960, pp. 181-190.

    Petre, Z., "Le comportement tyrannique",

    Actes de la XII Con-

    frence Eirene,

    Bucareste, 1975, pp. 563-571.

    Estes progressos da conscincia'

    ', devemos procur-los na dessacra-

    lizao do poder, na laicizao e racionalizao da vida social que acompanham

    o nascimento da filosofia; cf. Vernant, J. P.,

    Les origines de la pense grecque,

    Paris, 1962,

    p.

    102; tambm Vernant, J. P., "Du mythe la raison. La formation

    de la pense positive dans la Grce archaque",

    Annales. conomies, socits,

    civilisations,

    1957, pp. 183-206; Forrest, W.,

    La naissance de la dmocratie grec-

    que.

    Paris, 1966, p. 101.

    Solon, frag. 5. "A venervel me dos Olmpicos, a Terra negra

    da qual eu arranquei os marcos em toda parte plantados: escrava outrora, agora

    ela livre". (traduo e comentrio em Lvque, P., "Gense de la cit...",

    p. 11.

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    Mas os cultos polades no bastavam, na medida em que a sociedade

    aristocrtica podia encontrar uma forma de convivncia com eles e,

    sobretudo, na medida em que eles no atacavam, diretamente e do in-

    terior, a religio tradicional. Mas, se eles eram mais eficazes na luta,

    os cultos ctonianos eram tambm mais perigosos, pondo em questo

    equilbrio da sociedade . teis para combater a polis aristocrtica, estes

    cultos ameaavam a prpria polis . Donde a necessidade de integr-los,

    que os tiranos j fazem; esta necessidade a chave para a explicao

    de inmeros aspectos do dionisismo desta poca .

    A poltica religiosa dos tiranos, favorecendo os cultos polades, dava

    j um golpe no monoplio aristocrtico, j que se tratava de um culto

    centralizado, que tendia a reforar a unidade da polis contra o parti-

    cularismo e o regionalismo aristocrticos . Falamos h pouco da inter-

    dependncia entre religio e justia; podemos pois entender como a insti-

    tuio dos juzes itinerantes respondia a este mesmo objetivo de centra-

    lizao e fortalecimento da coisa pblica.

    Sabemos que, acontecimento bastante significativo, durante o exlio

    de Pisistrato, antes da ltima tirania, os emblemas aristocrticos foram

    de novo representados nas moedas e certas manifestaes da religiosi-

    dade aristocrtica se revestiram de um brilho especial (41). Tocaremos

    ainda neste ponto .

    No obstante, outro episdio nos mostra que pelo menos uma parte

    da aristocracia podia se acomodar tirania e a esta religio polade

    (42) . Penso evidentemente na volta de Pisstrato a Atenas, no momento

    de sua aliana com Megacles, conduzido pela deusa Atena "em pessoa".

    Como diz P . Lvque (43), ele mostra "mais do que a 'ingenuidade'

    dos ateinienses, o recurso divina patrona da polis, ideologia unificadora

    contra o particulismo dos grupos dirigentes mais oligrquicos e contra

    seu controle do Estado". Quer seja o episdio uma inveno de Me-

    gacles ou no, de qualquer maneira ele mostra bem que mesmo os A lcme-

    nidas, faco aristocrtica, concebiam uma poltica de fortalecimento da

    coisa pblica ou, pelo menos, reconheciam a eficcia de uma poltica

    Adcock, F., in Cambridge Ancient History, v.

    IV

    Cambridge,

    1926, p. 65.

    Mesmo neste perodo de intensas lutas polticas, portanto de pola-

    rizao dos campos. evidente que mesmo aps as reformas de Clstenes os dirigentes

    continuaro a ser aristocratas, por muito tempo ainda, e o dionisismo guardar

    sua importncia. Mas, por um lado, o dionisismo cada vez mais controlado e,

    por outro, no se trata mais de uma sociedade

    puramente

    aristocrtica. Quanto

    religio polade, a conciliao se realizar muito mais rapidamente, como

    mostra o episdio que passamos a analisar.

    Lvque,

    P.

    "Formes des contradictions et voies de dveloppement

    Athnes de Solon Clisthne",

    Historia, 27, 1978, pp. 522-549 (para este

    ponto preciso, p. 528); tambm

    C.A.H. v

    IV p. 63.

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    "pr-demos", ou ainda, em outros termos, de alargamento da base pol-

    tica da cidade. A poltica de outro membro da famlia, Clstenes, parece

    confirmar esta idia

    (44) .

    A implantao, por Pisstrato, cie reformas mais profundas, o rom-

    pimento da aliana com os Alcmenidas (45), mostram que mesmo a

    adeso da faco mais "liberal" da aristocracia era muito relativa e

    sublinha o carter revolucionrio e fortemente anti-aristocrtico da poltica

    tiranica, inclusive da poltica religiosa. Neste sentido, a componente cto-

    niana desta poltica e a mais importante para ns, na medida em que

    ela socialmente mais marcada, e mais corrosiva na sua ao sobre a

    religio tradicional.

    O debate sobre a tirania ateniense um assunto dos mais contro-

    vertidos; mas parece que a tendncia atual de situar as bases sociais

    de Pisstrato sobretudo no demos rural. Faz-se necessrio aqui explicitar

    alguns pontos .

    As reformas de Slon no resolveram o problema agrrio ateniense

    de forma definitiva; elas apenas suprimiram seus resultados no momento

    de sua aplicao . claro que o fato da supresso da escravido por

    dvidas ter sido anterior ao desenvolvimento das trocas e da produo

    muito importante, porque ao estabelecer um fosso entre cidados e

    escravos-mercadoria ela estabeleceu esta forma de trabalho dependente

    como a via por excelncia a ser seguida pela cidade clssica. A opo-

    sio cidado-escravo, base sobre a qual se constri a cidade clssica

    (46), nos explica tambm porque os autores insistiro no carter dos

    hectemoros e na natureza da seisachtheia e consideraro Slon o pai

    da democracia (47) quando deveramos falar no mximo de "corpo

    cvico". Mas isto no o fundamental para ns, e depois de Slon o

    mesmo processo de empobrecimento do demos deve ter sido retomado,

    e atingido propores importantes nas vsperas do golpe de Estado de

    Pisstrato .

    O problema talvez tenha sido agravado pelo incio da cunhagem de

    moeda e pela mudana de culturas, oliveiras e vinhas substituindo os

    Numa certa medida a poltica religiosa de Clstenes prolonga a da

    tirania. Aristteles (Pol.,

    IV, 4, 1319b) conta a reduo dos cultos privados

    e sua converso em festas pblicas, como medida democrtica utilizada por Cls-

    tenes em Atenas e pelos fundadores da democracia em Cirene.

    Sobre as relaes entre os Alcmenidas e os tiranos, Bicknell, P.,

    The exil of the Alkmeonidai during Peisistratid tyranny ,

    Historia, 19, 1970, pp.

    129-131.

    Finley,

    M.

    por exemplq,

    Les anciens grecs,

    Paris, 1971, pp.

    40-41

    para os historiadores marxistas uma constatao unnimemente reconhecida.

    cf. Moss, C., Comment s'labore un mythe politique: Solon, `pre

    fondateur' de la dmocratie athnienne .

    Annales conomies, socits, civilisa-

    tions,

    34, 1979, pp. 425-437.

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    cereais, de incio nas grandes propriedades . Isto, e a melhoria do co-

    mrcio deve ter diminudo ainda mais os rendimentos dos pequenos cam-

    poneses, dado que a concorrncia dos cereais de origem externa era

    muito forte. O que explica os cuidados de Pisstrato com relao aos

    pequenos proprietrios, suas inspees dos campos e os emprstimos,

    provavelmente destinados mudana de cultura entre os pequenos campo-

    neses em dificuldades, garantindo sua sobrevivncia enquanto as novas

    rvores no comeassem a produzir. Donde o apoio do demos a Piss-

    trato, sua reputao de moderao provindo do fato que ele financia

    sua poltica no atravs de confiscaes massivas (48), mas atravs

    de uma poltica fiscal e com os rendimentos do comrcio martimo, cujo

    controle Atenas comea a deter

    (49) .

    O problema das bases sociais da tirania ateniense no simples .

    A atitude dos hplitas, por exemplo, coloca um problema. Sabemos que

    em outros lugares eles foram uma fora de apoio ao tirano e o instru-

    mento maior da mudana poltica . Mas em Atenas podemos duvidar dis-

    so. claro que, como em outros movimentos de instalao de tirania,

    Pisstrato deve ter contado com uma convergncia de descontentamentos

    e passividades, o tirano exercendo o papel de catalisador . Segundo J .

    Holladay, os hoplitas no eram partidrios de Pisstrato no incio, quando

    ele toma o poder, donde a necessidade de apelar diretamente Assem-

    blia onde ele poderia contar com o apoio dos tetas, a necessidade de

    uma guarda pessoal (contrariamente a Cipselos) e de mercenrios estran-

    geiros . P . Lvque, ao contrrio, diz (50 ) que Quando Pisstrato toma

    o poder, um general vitorioso de Mgara (talvez na qualidade de

    polemarca) que se impe e eu acreditaria que a sua popularidade

    junto ao camponeses-hplitas que tornou isto possvel", e lembra a obser-

    vao de C. Moss quanto ao carter de classe, campons, dos "porta-

    mas"' da sua guarda (51) . Se numa primeira obra ela os situa em

    contraposio aos "jovens aristocratas", mais tarde (52) ela vai insistir

    neste apoio popular distinguindo claramente os "porta-maa" da guarda

    dos "porta-lana" hoplticos, o que vai mais no sentido da anlise de

    Holladay .

    cf. Cassola, F.6 "La propriet del suolo in Attica fino a Pisitrato",

    La parola del passato,

    28, 1973, pp. 75-87; ele mostra (notadamente na p. 85)

    que no houve confiscao e redistribuio de terras.

    Lvque, P., "Formes des contradictions...", p. 532; Holladay, J.,

    "The followers of Peisistratus",

    Greece and Rome,

    24, 1977, pp. 40-56, est de

    acordo com a idia de ajuda de Pisstrato ao demos em dificuldade, mas no

    aceita a idia de um surto comercial (p. 48) na base da moderao de Pisstrato.

    Lvque, P., "Formes des contradictions...", p. 527.

    Moss, C.,

    La tyrannie...,

    pp. 63-64.

    Terre et paysans dpendants...,

    p. 87.

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    Seria necessrio, para decidir, que chegssemos a determinar de ma-

    neira muito precisa as camadas sociais onde os hplitas eram recrutados

    neste momento . Alm disso, se no admitimos um apoio dos hplitas,

    torna-se mais difcil explicar o golpe de Estado, apenas com as foras

    reunidas no exterior e o apoio dos camponeses mais pobres . Evidente-

    mente eu no posso me pronunciar por uma ou outra das hipteses;

    assinalo apenas que aquela do apoio vindo

    sobretudo

    do demos

    rural (53)

    muito coerente com a poltica que ele vai desenvolver como tirano (no

    terreno da justia, os emprstimos, o favorecimento dos cultos populares,

    por exemplo), se bem que um apoio hopltico no a torna inverossmil,

    longe disso. De qualquer forma, um apoio popular indiscutvel.

    Voltemos ao dionisismo . Vimos que era indispensvel ao tirano

    integrar o dionisismo quando ele o apoia . Este apoio deve ser entendido

    como uma satisfao dada aos camponeses que o apoiaram e tambm

    como uma soluo de substituio, o dionisismo se apresentando como

    religio alternativa . Sem tocar no complexo problema das origens, se

    os testemunhos sobre o dionisismo se multiplicam no VI sculo, porque

    a queda das aristocracias removeu um obstculo poltico, mas tambm

    porque o culto, integrado na cidade, torna-se tolervel.

    Por que o dionisismo representava um perigo para a cidade?

    Deus do espao aberto, ele aparece nas inscries como o deus dian-

    te da cidade" (54), como um deus que se manifesta nos campos e que

    ope camponeses a citadinos sabemos que os aristocratas so pessoas

    da cidade .

    Ele era o

    Isodaits, o que iguala as partes . As idias de liberdade,

    igualdade, libertao esto sempre presentes em Dioniso, em eptetos

    como

    Eleuthereus

    ou

    Lysios

    (55). Deus favorvel aos escravos, como

    percebemos em Calmaco (56), que chama o dia da Pithoigia "dia bendito

    dos escravos" porque eles participavam na festa, como nas Chos do dia

    Aristteles

    Ath. Pol., XVI,

    3) fala dos mveis da poltica de

    Pisstrato. Lvque, P. e Vidal-Naquet, P., Clisthne l'athnien.

    Paris, 1973,

    p. 43, crem "verossmil que os tiranos efetviamente tentaram frear o desenvol-

    vimento de um demos urbano" e que o triunfo de Pisstrato se deve ao apoio

    do

    demos,

    no no sentido que a palavra tomara no V sculo, mas no de habi-

    tantes dos demos, os rurais.

    Festugire, A. J., "Les mystres de Dionysos'i,

    Revue biblique,

    1935, p. 2 do anexo; cf.

    . tambm Gernet, L. e Boulanger, A.,

    Le gnie grec dans

    la religion.

    Paris, 1970, p. 105, n. 526.

    Para os eptetos, estudos e coletneas, citados por Detienne, M.,

    Crise agraire...,

    p. 13.

    Aitia, 2, 1-2, citado por Lvque, P. e Schan, L.,

    Les grandes

    divinits de la Grce,

    Paris, 1966, p. 300.

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    seguinte ele tambm associado s mulheres (57) . Logo que ele intervm

    devemos esperar o no cumprimento de um dever familiar ou cvico.

    A presena do deus provoca sentimentos de alegria, de abandono,

    de paroxismo. As mulheres abandonam seus deveres familiares para se

    tornarem bacantes . A participao intensa das mulheres no seu culto

    (58), assim como a dos escravos, reveladora dos perigos que ele repre-

    senta para a ordem polade . A presena de Dioniso provoca em especial

    um apagamento geral das diferenas, fonte de toda hierarquia. Nas

    Bacantes,

    Cadmos e Tirsias vo se tornar bacantes . Cadmos diz: "Que

    prazer esquecer que ns somos velhos", e Tirsias responde: " tambm

    o que eu sinto; sinto-me todo rejuvenescido e desejoso de dansar" . Mais

    adiante, Tirsias diz:

    "Mas o deus no faz exceo,

    quando se trata da sua dana, entre o jovem e o velho.

    que todos o honram em comum,

    e ele se recusa a fazer distines em favor de quem quer que seja

    (59).

    Segundo uma lenda becia (60), as filhas de Mynias se recusavam

    a participar das danas de Dioniso, a se tornarem mnades, porque elas

    desejavam se casar. No poderamos imaginar algo de mais nefasto

    ordem social que o fato de impedir os casamentos . Alm disto, o que

    poderamos encontrar de mais revelador da natureza anti-polade do dio-

    nisismo que o fim das

    Bacantes, onde a epifania de Dioniso se confunde

    com o desmoronamento do palcio, smbolo da ordem social e da sua

    hierarquia, que ele suprime inteiramente.

    Os sintomas de integrao do dionisismo, poderamos j procur-

    los em palavras tais que

    orgon (mesma raiz de

    orgia?

    e

    thiase,

    que

    representam quadros scio-religiosos independentes das frtrias e que foi

    preciso integrar nestas ltimas; parece, pois, que uma recomposio dos

    quadros sociais acompanhou a renovao religiosa (61).

    As festas atenienses e a integrao do dionisismo.

    Na organizao das festas atenienses em honra a Dioniso, sua inte-

    grao transparente.

    Aristteles,

    Pol.,

    1313b, fala de escravos e mulheres como objeto da

    solicitude dos tiranos.

    Exemplos em Jeanmaire, H. op. cit.,

    p. 90.

    Ns que sublinhamos; traduo de Jeanmaire,

    H.

    op. cit.,

    pp. 92-93.

    ibid.,

    p. 202.

    Gernet, L., "Dionysos et la religion dionysiaque",

    Revue des Etudes

    Grecques,

    66, 1953, p. 394.

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    Tomemos inicialmente as Dionisacas dos Campos . Segundo a imagem

    que nos d Aristfanes nos

    Acarnianos,

    ela era composta de sacrifcios,

    procisso flica, cantos, participao massiva e ativa e um ambiente de

    evaso . Aberta aos domsticos e aos escravos, era uma festa alegre,

    numa atmosfera de licena e liberdade. Talvez fosse uma festa muito

    antiga da fecundidade-fertilidade, donde seu carter flico, sobre a qual

    veio se implantar o culto de Dioniso (62) . Rurais ainda por cima, elas

    tinham muito de um dionisismo "selvagem" e perigoso (63) .

    As Lenias eram talvez, em Atenas, as festas correspondentes s Dio-

    nisacas dos Campos (64). O nome da festa foi objeto de muitas discusses:

    associado de incio a

    lnos,

    parece que esta explicao no d conta

    da sua presena em outras cidades jnicas . Procurou-se ento associ-lo

    a

    lnai,

    mnades . A soluo depende em grande parte da identificao

    precisa das cenas de menades dos vasos de figuras vermelhas e dos vasos

    de figuras pretas como sendo um episdio das Lenias ou das Antestrias

    (65) . Isto no altera muita coisa para ns, j que as Lenias so unani-

    memente reconhecidas como fortemente orgisticas . Farnell, Nilsson e Deub-

    ner esto de acordo sobre este ponto; Jeanmaire tambm (66), que res-

    salta a raridade das informaes, que ele atribui "ao acaso" e ao des-

    crdito relativo de que sofrem as Lenias a partir da revalorizao das

    Antestrias e das Grandes Dionisacas, por causa do brilho das cerimnias

    e espetculos destas ltimas. No so, na minha opinio, explicaes satis

    fatrias .

    Sabemos que o perodo dos tiranos foi rico em inovaes, em refor-

    mulaes, como todo perodo de transio . A razo do descrdito das

    Lenias deve ser buscada no seu carter autenticamente dionisaco . Dentre

    as festas de Dioniso elas eram as que menos se ajustavam ao processo

    de integrao do deus e do seu culto no mundo da cidade; elas no

    foram objeto dos cuidados de um regime que deveria favorecer o dio-

    nisismo ao mesmo tempo em que o integrava . Poderamos discutir a

    Jeanmaire, H.,

    op. cit.

    pp. 40-43; Martin, R. e Metzger, H.,

    op. cit. pp. 130-131.

    Lembremos, de passagem, que as escavaes descobriram no Brauron

    um santurio de Artemis "Brauronia" e que, segundo a tradio, sa festas dioni-

    sacas mais orgisticas da tica aconteciam em Brauron (Krenyi, C., "Dionysos

    le crtois. Contribution une histoire religieuse de 1'Europe",

    Diogne,

    20,

    1957, p. 24), o que mostra a importncia dos cultos ctonianos na prpria

    regio onde Pisstrato tinha seus domnios.

    Jeanmaire, H.,

    op. cit.

    p. 44.

    Debate entre Martin, R. e Metzger, H.,

    op. cit.

    pp. 122-123,

    129-130 Um fragmento de Herclito (15 Diels) associa

    lna i

    a bacantes ou mnades,

    o que supe exerccios orgisticos.

    Referncias em Aurelio Privitera, G.,

    op. cit. p. 40; Jeanmaire,

    H.,

    op. cit..

    pp. 44-46.

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    17/30

    91

    respeito do nvel de conscincia de tal "deciso", mas ela parece muito

    coerente com as transformaes religiosas do momento.

    As Antestrias so mais complexas e mais difceis de analisar (67).

    H, claro, todo um lado alegre e de licena, como assinalamos para o

    primeiro dia

    pithoigia)

    e para o segundo chos),

    associado ao vinho.

    um momento de queda das proibies . O casamento entre Dioniso

    a basilina se revestia (68) de um carter inaugural para as unies

    humanas. Poderamos ser tentados a interpretar este casamento como

    um indcio de "integrao", mas parece que lidamos com algo de mais

    antigo, com uma hierogamia, um rito de aliana com as foras da vida

    (69). Mas, trao muito interessante para ns, este contacto estreito com

    deus provocava uma sensao de impureza e uma necessidade de puri-

    ficao, traduzida por libaes, fechamento dos templos (salvo um), fr-

    mulas apotropaicas . Segundo Jeanmaire (70), no h contradio alguma

    aqui, j que Dioniso era a uma s vez o deus da renovao primaveril

    o emissrio do mundo subterrneo . possvel, mas parece que as An-

    testrias, na Grcia da sia, apresentavam apenas o aspecto alegre; o aspecto

    nefasto do terceiro dia poderia ser uma transformao posterior migra-

    o dos gregos em direo costa da Asia Menor (71) . Tratar-se-ia de

    um Dioniso ameaador, com relao ao qual se tentava, aps a efetivao

    do contato estreito e benfazejo, tomar uma certa distncia (em conse-

    quncia, uma transformao recente atenuando o seu aspecto selvagem)?

    A complixidade das Antestrias torna tal hiptese imprudente demais .

    As Grandes Dionisacas aparecem de forma bastante mais clara; so

    um dos exemplos mais significativos da integrao do dionisismo .

    Em primeiro lugar, elas so as mais recentes de todas as festas de

    Dioniso, e o fato de terem sido as festas mais importantes da cidade

    depois das Grandes Panatenias mostra que elas foram "escolhidas" pelos

    tiranos como uma pea importante da sua poltica religiosa . Por que

    as Grandes Dionisacas? Uma primeira resposta pode estar no fato de

    que elas se desenrolavam mais tarde . As Antestrias, no incio da pri-

    mavera, mal correspondiam retomada da navegao . No momento das

    Grandes Dionisacas (maro-abril), ao contrrio, com a estao da nave-

    gao aberta, "toda a Grcia" podia vir assistir manifestao do brilho

    e do poder de Atenas. Isto era certamente muito importante, desde o

    incio, como elemento da propaganda tirnica . Mas a explicao mais

    importante no esta .

    Jeanmaire,

    H.

    op. cit.

    pp. 48-55; Martin, R. e Metzger,

    H.

    op. cit.

    pp. 124-130.

    Jeanmaire, H.,

    op. cit.

    p. 51.

    Lvque,

    P

    e Schan, L.,

    op. cit. p.

    298

    Jeanmaire, H.

    op. cit.

    p. 55.

    Martin, R. e Metzger, H.,

    op. cit.

    pp. 126-127.

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    92

    O orgiasmo dionaco no estava presente nas Grandes Dionisacas .

    Havia faloforias, sacrifcios e banquetes (72), mas nada dos "excessos'

    das outras festas. Religio caracterizada, no seu "estado puro", pela

    intimidade do contacto entre o fiel e o deus, qual no a nossa surpresa

    ao ver intervir um padre, personagem importante nos dias das represen

    taes . O que poderia ser mais polade do que o cortejo que abria as

    cerimnias, liderado pelo arconte epnimo e os efebos em armas (73);

    o que poderia ser mais polade do que as honras rendidas aos benfei-

    tores da cidade (74)? Falamos h pouco do ditirambo; compreendemos

    muito bem, sob esta luz, que Lasos de Hermione (na Arglida) 'tenha

    introduzido em Atenas o ditirambo, tendo vivido na corte de Pisstrato .

    Quer o ditirambo esteja ou no na origem da tragdia, a organizao

    dos concursos de teatro mostra a distncia percorrida desde as manifes-

    taes rituais (ou funerrias) at uma arte profundamente mergulhada

    na realidade polade.

    "O que tem isto a ver com Dioniso?"; poderamos retomar esta

    frmula, que ilustra muito bem a evoluo que encontramos nas festas.

    Uma festa nova (sculo VI?), muito distanciada do dionisismo original),

    favorecida pelos tiranos em detrimento das festas mais antigas, porm

    menos adaptveis s suas necessidades. Um compromisso entre a necessi-

    dade de dar uma satisfao s reivindicaes do demos, componente es-

    sencial das bases sociais do poder tirnico. e a necessidade de reforar

    as estruturas de um estado centralizado contra o particularismo aristo-

    crtico, necessidade que um dionisismo desabrido e corrosivo no poderia

    jamais satisfazer (75) .

    Dioniso em Delfos

    Os problemas da integrao do dionisismo nos levam diretamente

    questo do seu papel em Delfos . Rohde (76) sublinhava j a coexistncia

    entre Dioniso e Apolo, e explicava a mntica por inspirao como o re-

    sultado de uma influncia de Dioniso, j que a Ptia era frequentemente

    descrita como uma mnade ou quase . Nilsson no nega esta predio

    do futuro num estado de transe (77), em oposio a uma mntica por

    Lvque, P. e Schan,

    L.

    op. cit.,

    p. 299.

    ibid.,

    p. 299.

    Martin, R. e Metzger, H.,

    op. cit.,

    p. 132.

    Aurelio Privitera, G.,

    op. cit.,

    pp. 39-42, reconhece a poltica

    anti-aristocrtica de Pisstrato mas nega que tenha havido transformaes religiosas

    de grande alcane. Dioniso , segundo este autor, uma divindade polade como

    Atena. Ele d como prova o favor dos tiranos s Grandes Dionisacas (e no

    s Lenias) . Nossa anlise j respondeu a esta objeo, implicitamente.

    Rohde, E.,

    Psych. Le culte de l'me chez les grecs et leur croyance

    l'mmortalit.

    Paris, 1952, pp. 305-313.

    Nilsson,

    M.

    Les croyances religieuses de la Grce antique.

    Paris,

    1955

    pp.

    23

    sq.

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    93

    interpretao dos signos. Negar o carter inspirado da Ptia falando

    de iluminao serena o que alguns pretenderam no convence.

    Uma argumentao mais interessante seria mostrar que Dioniso no era

    um deus normalmente associado a uma atividade oracular. De fato, no

    conhecemos mais do que um orculo de Dioniso em toda a Grcia, o

    orculo mdico de Anficlia (mas em compensao na Fcida, sobre o

    Parnasso) (78).

    A tradio reconhece a chegada tardia de Apolo a Delfos (79).

    Segundo certos autores, Dioniso teria precedido Apoio . O tmulo de

    Dioniso no

    adyton no atestado para antes do sculo IV (80), o que

    no prova nada, e a afirmao de Plutarco fazendo de Dioniso o igual de

    Apoio verdadeira para a sua poca (81), mas tambm no prova nada

    quanto ao arcasmo.

    Segundo Jeanmaire (82), a mntica em Delfos anterior tanto a

    Dioniso quanto a Apoio, e ele situa a chegada dos dois deuses na poca

    histrica como uma repartio das tarefas, Apoio conservando sozinho

    o monoplio da mntica e o lugar de Dioniso sendo aquele outrora

    ocupado pelas divindades ctonianas do stio, considerado sagrado desde

    o perodo micnico . Este processo no qual Dioniso vinha substituir cultos

    ctonianos mais antigos tinha o interesse de, uma vez conciliado com

    Apoio, integrar as velhas crenas e permitir um controle maior e uma

    difuso mais fcil para Apoio . Ele explica tambm o carter fortemente

    ctoniano do Dioniso que encontramos em Delfos .

    Um problema se coloca neste momento . Como mostrou M. Delcourt

    (83), o Dioniso de Delfos comporta a idia de um deus que morre, es-

    tranha Grcia propriamente dita, mas comum em Creta; no podemos

    entrar aqui no problema de um Dioniso minico e micnico, mas ele

    poderia tornar mais confivel esta antiguidade de Dioniso em Delfos

    Mas, voltemos idia de Jeanmaire, porque ela apresenta um grande

    interesse para ns. Parece que o orculo de Delfos desempenhou papel

    importante na difuso do dionisismo, assim como na colonizao e na

    poltica em geral (84) . Com relao aos tiranos, certo que sua atitude

    Jeanmairq, H.

    op. cit.,

    p. 194; Delconurt, M.

    L oracle de Delphes.

    Paris, 1955, p. 195.

    Jeanmaire, H.,

    op. cit ,

    p. 189.

    Jeanmaire, H.,

    op. cit., p. 188.

    Dlcourt, M.,

    op. cit.,

    p. 194.

    Jeanmaire, H.,

    op. cit.,

    pp. 191-195.

    Dlcourt, M.,

    op. cit.,

    pp. 34, 154; o mesmo para Semele, cf

    Assemat, A., Um personnage mythique foudroy. Semeie ,

    Annales de la Fa-

    cult des Lettres et Sciences Humaines de Nice, H,

    1970, pp. 47-50, que conclui

    por uma herana das tradies pr-helnicas.

    Delcourt, M.,

    op. cit., p.

    109.

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    94

    variou bastante, mas ela foi, em determinados momentos, de um forte

    apoio. No h, pois, nada de inverossmil na tese de um apoio dlfico

    poltica religiosa dos tiranos . Seriam duas foras considerveis agindo

    no sentido de destituir o dionisismo dos seus aspectos mais perigosos

    para a cidade (85).

    Esta influncia no deve ser posta de lado; apesar da existncia de

    um Dioniso Limnaios em Atenas, o

    xoanon

    que foi instalado ao sul da

    Acrpole veio da fronteira becia (Eleutheres), no sculo VI (86); e Jean-

    maire v no Dioniso de Delfos o deus da lenda tebana (87). O calendrio

    dlfico corresponde ao calendrio tico: carter hibernal e popular das

    festas de Dioniso, carter estival e aristocrtico das festas de Apolo (88).

    Encontramos com freqncia confuses entre Dioniso, Apolo e os seus

    atributos (89), como o Dioniso que chamado "musageto" numa inscri-

    o de Naxos (90).

    Dioniso em Naxos e alguns elementos da sua lenda

    A ilha de Naxos nos oferece tambm um exemplo importante da

    difuso do dionisismo. Beneficiria da intensificao do comrcio mar-

    timo e de um incio de cunhagem muito precoce, bem possvel que esta

    evoluo tenha acirrado os conflitos sociais . Certo que no sculo

    VI os conflitos entre os "gordos", a aristocracia fundiria, e elementos

    descontentes provocaram graves discrdias. No uma evoluo exclu-

    siva de Naxos, j que a encontramos um pouco em toda parte no mundo

    das ilhas neste momento, como em Mitilene, em Samos ou, no continente,

    em Mileto (91) . E, se para Lesbos temos apenas a prova da presena

    do dionisismo (91), para Naxos temos maiores informaes.

    Naxos particularmente associada ao dionisismo e cultura da

    vinha (assim como a Naxos do Ocidente) e o dionisismo das ilhas

    Ibid.,

    pp. 116-117, tem uma opinio cautelosa quanto a este

    encorajamento, por Apolo, do culto de Dioniso. Mas ela no nega a influncia

    de Delfos. Por exemplo, p. 197: "Isto permite precisar a originalidade da Fcida

    na religio dionisaca que raramente tem lugar nos cultos oficiais das cidades;

    em Delfos, ela uma instituio de Estado. Se ela tambm o foi em Atenas,

    Esparta, lis, talvez tenha sido por influncia de Delfos. Os orculos que atribuem

    Ptia uma interveno em favor de Dioniso so todos apcrifos; mas um impulso

    decisivo veio, com efeito, no do m a n te i on ,

    mas da comunidade, em virtude da

    vida religiosa que, inteiramente independente do centro fatdico, era prpria dela".

    Lvque, P. e Schan, L., op. cit.

    p. 296.

    Jeanmaire,

    H. op. cit. p. 188.

    Delcourt, M., op. cit . , pp. 199

    sq .

    ibid ,

    p. 203, para exemplos.

    IG, XII,

    5, 46,, citado por Lvque, P. e Schan, L.,

    op. cit

    p. 293.

    Moss, C.,

    La tyrannie .

    pp. 11-12.

    cf. por exemplo, Will, Ed., "Autour des fragments d'Alce rcemment

    retrouvs: trois notes propos d'un culte de Lesbos", Revue Archologique, 39,

    1952, pp.156-169.

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    21/30

    95

    original porque menos influenciado pela lenda tebana (93) . Assim, nas

    representaes sobre as moedas, desde o incio, encontramos elementos

    tipicamente dionisacos como o cntaro, a hera, o tirso, a vinha, a cratera,

    e a cabea do deus . Sem que possamos determinar o sentido da influ-

    ncia, os contatos com os tiranos como Polcrates e sobretudo Pisstrato,

    num momento em que o dionisismo e a vinha recebiam todo o incentivo

    do tirano no podiam ter por resultado seno o reforo do culto .

    Somos mesmo levados a acreditar que a influncia, se que h

    influncia, se exerceu a partir de Naxos, onde a importncia do dionisismo

    e da vinha parece anterior a Ligdamis . Finalmente, certos elementos da

    tradio podem nos ajudar, tanto mais que grande parte dela foi criada,

    redigida ou transformada no intenso movimento intelectual das cortes

    tirnicas . A toponmia da lenda revela ou locais de difuso do culto, como

    Creta, a Frgia, a Trcia, ou locais onde os conflitos sociais levaram a

    um reconhecimento de promoo do dionisismo, no sculo VI, como A rgos,

    Naxos, Atenas, Tebas, etc (94).

    A participao de Ariane na lenda tambm reveladora; ela no

    deve surpreender pois Ariane estava ligada vegetao, e dissimulava

    uma divindade minica muito difundida nas ilhas . Sua reduo a he-

    rona obedece ao mecanismo de difuso do dionisismo que recobre for-

    mas religiosas mais antigas, como acontece com as Horas e as Crites (95)

    Na

    Teogonia ela recebe de Zeus o dom da imortalidade porque se torna

    a mulher do seu filho, o que corresponde ao movimento de organizao

    do mundo divino, mas revela tambm a integrao de Dioniso e do seu

    crculo de acompanhantes a este ltimo . O episdio de Teseu, acrescen-

    tado mais tarde (96) lenda primitiva, introduz em um mito que reune

    duas divindades de mesma natureza, um heri manifestadamente polade.

    Somos levados a pensar que isto, mais a importncia de Naxos no epi-

    sdio, mais as relaes estreitas entre Naxos e Atenas, supe uma tra-

    dio forjada na corte dos tiranos de Atenas.

    O testemunho da cermica

    As representaes na cermica nos fornecem alguns dados preciosos.

    De incio constatamos que os temas dionisacos aparecem tardiamente .

    Os primeiros vasos onde podemos recorihec-los so o alabastro corntio

    do Louvre (97) . Trata-se aqui de representao de danarinos retorcidos,

    um tocador de lira e um flautista, alm de uma grande cabea que, no

    Jeanmaire, H.,

    op. cit., p. 221.

    Para os episdios da lenda, Martin, R. e Metzger, H.,

    op. cit.,

    pp. 133-139; Lvque, P. e Schan, L., op. cit., pp. 286-289.

    Jeanmaire, H., op. cit.,

    pp. 33 sq.

    Lvque, P. e Schan, L., op. cit., p. 287.

    (S1104), ver Metzger, H.,

    Recherches sur Pimagerie athnienne.

    Paris, 1965, p . 49; Martin, R. e Metzger, H.,

    op. dt., pp. 114-115.

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    96

    meio destas personagens, emerge do solo . quase certamente uma epifania

    de Dioniso e o vaso pertence ao primeiro quartel do sculo VI; pode-

    ramos recuar at o final do sculo

    VII

    sempre em Corinto, se reconhe-

    cssemos como Dioniso o "filho da natureza selvagem" de um vaso do

    Museu Britnico, o que tanto mais provvel quanto a cena rene

    vrios elementos caractersticos, como uma pele de pantera, uma mscara,

    danarinos, etc.

    Eis que voltamos Corinto dos tiranos, onde vimos a difuso do

    dionisismo; podemos dizer que, se o tema no aparece antes isto se

    deve aos imperativos polticos e religiosos da sociedade aristocrtica .

    Estas primeiras representaes so ainda mais interessantes na medida em

    que associam Dioniso aos demnios rsticos, o que pe em relevo seu

    carter de divindade dos campos (98), logo no incio do processo de inte-

    grao.

    E

    isto est em perfeita sintonia com o apoio campons ao novo

    regime e poltica de promoo dos rurais .

    Depois destas representaes corntias, passamos a Atenas, onde

    preciso esperar o segundo quartel do sculo VI para reconhecer Dioniso

    pela primeira vez. Isto corresponde ao duplo "atraso" de Atenas: atraso

    na produo de cermica, que apenas neste momento comea a tomar o

    lugar eminente ocupado antes por Corinto; atraso sobretudo na evoluo

    social e poltica, onde a mudana de regime, pr-condio da difuso

    do dionisismo, acontece bem mais tarde . Uma diferena fundamental

    que aqui as representaes de Dioniso mostram melhor ainda, e desde

    o incio, o movimento de integrao do deus no novo equilbrio religioso

    instaurado pela tirania, influenciado tambm pela "moderao" dos tira-

    nos de A tenas .

    Isto claro desde o incio: no vaso Franois, que devemos situar

    por volta de 570, sua imagem caracterstica do sculo VI, ou seja,

    lembrando muito mscaras com espessa barba e cabelereira, com olhos

    muito grandes; carregando uma grande nfora sobre os ombros, ele apa-

    rece como o deus do vinho, um deus benfeitor. Podemos ler a repre-

    sentao, com Jeanmaire (99), como sendo Dioniso ao lado dos silenos

    reconduzindo Hefesto ao Olimpo. Hefesto sendo associado aos arteses,

    a cena seria um exemplo da poltica de nivelamento das classes promo-

    vida por Pisstrato . Podemos tambm, com Beazley (100), ressaltar o pr-

    prio fato da entrada de Dioniso no Olimpo, por intermdio de Hera. Con-

    trariamente aos outros deuses, mas de acordo com seu carter anti-aris-

    -- Metzger, H.,

    op. cit.,

    p. 50; sempre em Corinto, Dioniso aparece

    com o mesmo aspecto rstico na descrio que Pausnias nos d do cofre de

    Cipselos

    J eanmaire, H. ,

    op. cit.,

    p. 9 o que nos traz de volta mesma poca.

    Jeanmaire, H.,

    op. cit., pp. 10-11., 279.

    Beazley, J.,

    The development of Attic black-figure.

    Los Angeles-

    Londres, 1951, p. 31.

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    97

    tocrtico, Dioniso representado a p . Ao redor do deus aparecem os

    stiros, as ninfas, um tocador de flauta, essencial numa procisso, mas

    tambm um tocador de cmbalo, instrumento orgistico .

    As representaes dionisacos no aparecem antes desta poca (101);

    desde o incio, em Atenas, o deus aparece associado aos olmpicos: eis

    dois fatos que associados s lendas, tradio literria, organizao

    das festas, no permite mais qualquer dvida quanto ao carter do dio-

    nisismo: popular, revolucionrio e perigoso para a polis, utilizado pelos

    tiranos como solvente da religio tradicional e sistema alternativo, mas

    ao mesmo tempo desprovido da violncia que poderia colocar em perigo

    a existncia da polis, onde apesar do alargamento da sua base poltica os

    nobres conservavam um papel importantssimo e onde a ideologia aris-

    tocrtica, reelaborada. continuava a garantir a reproduo das estruturas

    sociais

    Nas representaes que se escalonam at o final do sculo VI a asso-

    ciac

    com os olmpicos e com aspectos essenciais da ordem polade

    continua a se manifestar, seja na insistncia a respeito do episdio de

    Hefesto (102) ou, como em um vaso de Berlim (103) onde Dioniso apa-

    rece no alto, no friso, com stiros (um deles tocando flauta), mnades

    que danam, e Ariane tema que ocupa tambm o outro lado do vaso

    e onde a cena mais importante a que mostra um guerreiro que

    recebe seu armamento . A integrao se manifesta assim em dois nveis:

    no contedo das cenas dionisacas e no fato de que cenas tpicas da

    vida e da ideologia da polis so representadas nos mesmos vasos . As-

    sim, por exemplo, numa nfora de Rycroft (104), onde Dioniso volta

    ao Olimpo, ou uma nfora de Oitos (105) onde figuram hetairas, silenos

    e mnades (106) ou ainda uma assemblia de divindades em um vaso

    de Oitos (107), alm de muitos outros .

    As representaes de Dioniso tm uma certa unidade at a metade

    do sculo V. Ele aparece maduro, viril, barbudo; mas mesmo no interior

    desta primeira fase uma certa humanizao das cenas perceptvel (108),

    medida que nos aproximamos do incio do perodo clssico . Dioniso

    Kraker, Early representations of Dionysos. Mitteilungen des Deutschen

    Archiiologischen Institut&

    Atthenische Abteilung, 23.

    Beazley,

    J.

    op. cit.,

    p. 56.

    ibid ,

    pp. 59-60.

    Arias, P. e Hirmer, M.,

    Le rase grec. Paris, 1962, prancha 70.

    ibid.,

    prancha 98.

    ibid.,

    prancha 101.

    ibid.,

    pranchas 57 e 163.

    Metzger, H. Les reprsentations dans la cramique attique du IV

    sicle.

    Paris, 1951, p. 153, onde ele explica a mudana nas representaes rela-

    cionada ao destino e objetivo do vaso.

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    98 --

    se afasta cada vez mais do seu carter original. No fim do sculo V,

    quando um novo momento de crise vivido pela cidade, o dionisismo,

    agora integrado e transformado, ter sua influncia renovada e as repre-

    sentaes de menadismo se multiplicam. Mas o Dioniso que vemos ento

    um Dioniso imberbe, jovem, semi-nu e s vezes efeminado. Transfor-

    mao artstica e transformao religiosa, que assinalamos por serem

    tambm testemunhos de uma crise, mas que no podemos estudar aqui .

    As moedas

    As relaes entre a cunhagem de moeda e a poltica so as mais

    estreitas possveis; a moeda , desde as origens, um instrumento de troca

    social e de justia. As reformas monetrias tinham uma enorme impor-

    tncia poltica, no exterior (freqentemente atravs de mudanas de padro

    e no interior as desvalorizaes, por exemplo) . Se este instrumento to

    importante, podemos supor que as representaes nas moedas deviam mudar

    de acordo com as vicissitudes da luta poltica. Isto aconteceu, s vezes.

    A tirania ateniense fez da moeda um instrumento de publicidade da sua

    poltica, privilegiando os emblemas cvicos, como Atena, a coruja, a oli-

    veira, o nome da cidade (109); sabemos, por outro lado, que a instalao

    das Grandes Panatenias acompanhada por uma nova cunhagem, as

    duas medidas tendo por objetivo combater os cultos oligrquios . Durante

    o exlio de Pisstrato e ainda que se cunhe moeda com emblemas

    nacionais (110) constatamos a volta dos emblemas das grandes famlias

    como os Eteoboutade (111), que desaparecem em seguida sob Hpias,

    substitudos por emblemas cvicos (112) e as cunhagens coincidem de

    novo com as Grandes Panatenias . Ainda uma vez antes do estabeleci-

    mento definitivo da tendncia cvica das cunhagens a partir de Clstenes,

    os aristocratas marcam a sua vitria sobre os tiranos com uma ltima

    cunhagem que retoma os velhos emblemas (113) .

    Mas, apesar de todas estas evidncias, o testemunho das moedas ,

    na minha opinio, secundrio . Mesmo integrado cidade, Dioniso guarda

    muito do seu carter original de deus "diante da cidade". Ele quase

    nunca ser um deus polade; sua lenda e seu culto fazem dele um deus

    do espao aberto que no est "em casa" em parte alguma . Rarssimos

    so os templos de Dioniso, se levarmos em conta a sua importncia.

    Alm disso, uma explicao de outra ordem intervm aqui: a tendncia

    das moedas estandardizao, ou seja, a adoo de certo tipo monet-

    Seltman, C.,

    Greek coins.

    Londre 1960 p. 48 pr. II 16 17;

    pr. IV 1.

    ibid., p. 50 pr. III 18 20.

    ibid., pr. III 19.

    ibid., pr. IV 2 3 4 5 6 7.

    ibid., p. 52. pr. IV 11 12

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    rio de uma vez por todas . Como a coruja para Atenas. Pgaso para

    Corinto. etc

    Se tentarmos desenhar um mapa das moedas com tema dionisaco

    para o perodo que nos interessa (at as guerras mdicas), notaremos

    que a maior parte das moedas pertence ao domnio traco-macednico,

    s ilhas do Egeu, Itlia do sul e Siclia . Czico, Lmpsaco, Jacinto,

    Lete, Mende, Terone, Tasos, Andros, Cos, Naxos, Naxos da Siclia so,

    de longe, as mais importantes . Trata-se de regies onde as tradies

    dionisacas so muito importantes e/ ou a vinha o produto do qual

    depende a vida da comunidade inteira.

    Mas, mesmo nestes locais, outros elementos do dionisismo so repre-

    sentados com maior freqncia que o deus, salvo nos casos excepcionais

    das duas Naxos. O caso da Naxos egia poderia nos fornecer um

    elemento importante porque as cunhagens de moeda com a cabea de

    Dioniso so contemporneas de Lygdamis e Pisstrato, mas no temos

    nem uma garantia cronolgica nem testemunho literrio de qualquer liga-

    o entre a moedagem e as lutas entre o tirano e os "gordos". A Naxos

    siciliana, onde Dioniso ocupa um lugar de primeirssimo plano, fornece

    uma indicao que vai no mesmo sentido das nossas concluses quanto

    cermica: a cabea de Dioniso muda de aspecto depois de 480, com

    uma amenizao progressiva da sua rudeza primitiva

    (114) .

    Em sntese diramos que, das moedas arcaicas podemos, no mximo,

    tirar uma concluso negativa, ou seja, a de que o dionisismo, a despeito

    da sua integrao a partir da poca dos tiranos, no um par per-

    feito para a polis, o que, alis, sua extraordinria difuso no perodo

    helenstico parece confirmar.

    Pndaro e os lricos: uma ltima polmica

    No tenho a inteno de fazer, ao trmino deste trabalho, uma

    anlise do lugar de Dioniso na poesia lrica . um assunto muito delicado,

    que exige um domnio muito grande de questes bem complexas . Gosta-

    ria apenas de contestar uma tese famosa de Aurelio Privitera que, na sua

    tentativa de negar o carter popular do dionisismo, d uma interpretao

    do lugar de Dioniso nos lricos que me parece inteiramente equivocada. To-

    memos o exemplo de Pndaro. Aurelio Privitera (115) critica Wilamowitz

    quando este afirma que Pndaro prestou homenagem a Dioniso mas que na

    Babelon, E.

    Trait des monnaies grecques et romaines.

    2a parte

    tomo I, Paris, 1907, pr. V, VII, XVI, XXVIII, XXXVII, XXXIX, XLVI, L, LI,

    LII, LV, LVIII, LX, LXII, LXXII; dataes mais precisas, porm menos exaustivas

    em Kraay, C.,

    Archaic and classical greek coins.

    Londres, 1976, e Seltman,

    op. cit. .

    Aurelio Privitera, G., op. cit.

    p. 120 sq.

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    sua mentalidade o deus do xtase era um estrangeiro (116) . A o contrrio, ele

    pensa que Pndaro, partidrio da tradio herica e dos valores aris-

    tocrticos que cantou Dioniso com maior entusiasmo (117) e isto, segun-

    do ele, porque Dioniso no era considerado como um deus da plebe,

    recente e brbaro; nem no passado, nem certamente na poca de Pndaro,

    quando Delfos reconhecia e apoiava seu culto . Na sua opinio, no era

    exatamente Dioniso que era mal visto pela aristocracia, mas sua intruso

    na poesia no-dionisaca, donde a atitude de Pndaro, to entusiasmado

    nos ditirambos mas to cuidadoso em limitar a sua presena em outras

    obras

    Ora, afirmando isto ele reduz todo o problema a uma questo de

    forma; j como isto pode ser relativo, a propsito da nivaso de temas

    no-dionisacos no ditirambo (118) . Alm disso, a maior parte dos

    lricos, e Pndaro notadamente, viveram numa poca de plena transforma-

    o do dionisismo . Anacreonte, o lrico que atribui maior importncia

    a Dioniso na sua obra, viveu na Atenas dos tiranos . Alis, da mesma

    forma que o jovem Pndaro. Eles so, posio poltica a parte, homens

    de seu tempo, e que s vezes at trabalhavam diretamente para os tiranos,

    como Simnides, Lasos, etc (119) . Eles no podiam ignorar a fora

    das novas realidades, polticas e religiosas .

    Assim, como reconhece Aurelio Privitera, no h contradio, em

    Pndaro, entre a sua devoo por Apolo e o fato de cantar Dioniso.

    Mas ele tira desta observao concluses ilegtimas . Em resposta s suas

    teses poderamos lembrar o ditirambo 2, onde, em torno de Zeus, os

    olmpicos preparam uma festa para Dioniso . Ou, exemplo impressionante

    de compromisso entre o dionisismo e a cidade, um ditirambo (120) com-

    posto verossimilmente para as Grandes Dionisacas, executado, no no

    santurio do deus, mas no centro da agora, este smbolo da cidade. E

    isto Sem

    que alguns traos tpicos do dionisismo como a evaso "na

    hora em que as preocupaes que cansam os homens saem de seus peitos

    Wilamowitz-Mollendorff, U.,

    Pindaros,

    Berlin, 1966, p. 46.

    Aurlio Privitera, G.,

    op. cit ,

    p. 122 parece menos convencido

    "Certo un paio di difirimenti nel corso di quarantacinque odi sono ben poca cosa;

    ma anche vero que Pindaro avrebbe potuto evitarli dei tutto . La prospiettiva

    va, cio, rovesciata: egli ha menzionato Dioniso malgrado fosse estraneo al mondo

    delle gare. L'ha menzionato perch ha voluto, e v'e riuscito a due condizioni:

    che l'acceno fosse indiretto e che fosse tebano il destinatario (... )".

    A evoluo foi a mesma para o drama satrico tornado gnero

    literrio a partir de Pratinas de Flionte (entre Sicione, Corinto e a Arglida)

    no mesmo ambiente social, poltico e cultural. Cf. Jeanmaire, H.,

    op. cit.

    p.

    305

    3g.

    Lyra Graeca, v. III,

    p. 638.

    Pndaro, ditirambo 4, in

    Pindare ,

    tome IV, texte tabli et traduit

    par Puech, A., Collection des Universits de France, Paris, 1952, p. 151.

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    ( ..)" , ou o apagamento das diferenas "ento o pobre rico,

    ento os ricos . . ", deixem de se manifestar, como vemos no Elogio 5 .

    O testemunho dos lricos no pode, na minha opinio, ser invocado

    contra a tese de um dionisismo contestador em vias de integrao na

    poca dos tiranos arcaicos, muito pelo contrrio .

    Outros aspectos da renovao religiosa. Concluso

    A extraordinria originalidade e criatividade do arcaismo grego nos

    fornece, no domnio religioso, outros elementos de apoio. As novas cor-

    rentes religiosas, coma o orfismo e o pitagorismo, assim como o dioni-

    sismo, tomam suas distncias com relao cidade e sua religio (poucas

    relaes com a estrutura social da polis, inexistncia de santurios) .

    Alm disso, nem rficos nem pitagricos aparecem antes do sculo VI,

    que coloca o surgimento das seitas como contemporneo da difuso

    do dionisismo .

    Encontramos os primeiros traos de uma lenda de Orfeu em Ibicus

    num monumento votivo em Delfos (121) . Os laos tanto do orfismo

    quanto do pitagorismo com a tirania no so menos explcitos, pois apesar

    de devermos buscar suas origens nos meios coloniais do Ocidente, po-

    demos encontr-los em Atenas onde, segundo a tradio (122), se reu-

    niam em torno de Pisstrato, Orfeu de Crotona (autor de escritos rficos),

    Onomcrito e o pitagrico Zopiro de Heraclia, membros da comisso

    que teria sido encarregada de organizar uma edio de Homero. Pau-

    snias (8, 31, 5) faz de Onomcrito o organizador das orgias ( ) e

    que teria tornado os Tits os responsveis pela paixo de Dioniso.

    Mesmo que ela seja falsa, a tradio eloqente porque reveladora da

    idia que os antigos faziam da poltica religiosa dos tiranos.

    Jeanmaire v (123), assim como Nilsson, no episdio da lenda de

    Dioniso no qual o deus, iritado pelas honras rendidas por Orfeu a Apoio,

    faz com que bacantes o despedacem, a prova de um certo conflito entre

    os meios rficos e dionisacos, porque o orfismo condenava prticas

    como o orgiasmo e a homof agia . Esta ligao Orfeu-Apoio pode-se

    explicar atravs da evoluo do dionisismo em Delfos, onde ele se des-

    poja dos seus aspectos selvagens e perigosos (124) . Da mesma forma,

    a presena do orfismo na corte tirnica em Atenas representa uma das

    medidas dos tiranos para fundar um equilbrio religioso diferente, onde

    dionisismo tinha um papel muito importante, mas onde os seus as-

    ibd

    p. 191.

    Jeanmaire, H.,

    op. cit.

    p. 392; Gernet, L. e Boulanger, A.,

    op. cit.,

    p. 120; Cornford in CAH., v. IV, p. 522

    sq.

    Jeanmaire,

    H.,op. cit.,

    p. 392.

    ibd p. 407.

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    102

    pectos corrosivos no deviam predominar, sob pena de arruinar a pol-

    tica de reforo da coisa pblica . A melhor prova de tudo o que aca-

    bamos de falar a hdria tica de figuras vermelhas do incio do IV

    sculo, que mostra a repugnncia de Dioniso em face de uma cena de

    homofagia . O orfismo era, deste ponto de vista, muito eficaz, j que

    frequentemente se confundia com o dionisismo (125), e a importncia

    do mito dionisaco para o orfismo bom lembrar que os textos cons-

    tituam seu elemento central dava a este ltimo a possibilidade de agir

    "do interior" do dionisismo .

    Quer consideremos o sacrifcio, com R. Girard (126), um meio de

    desviar a violncia cega que ameaa se desencadear no seio da sociedade

    em direo a uma vtima sacrificial ("vtima expiatria"), ou com M.

    Detienne, a prtica que funde a diferena entre homens, bestas e deuses,

    de qualquer forma ele a prtica central da religio grega e da eficcia

    dos sacrifcios depende a vida e a morte, a felicidade e a desgraa, a

    prosperidade e a misria dos homens . Isto transparente nos relatos

    dos primeiros sacrifcios, onde os animais foram sacrificados porque

    responsveis por uma injustia contra os homens, devantando as colhei-

    tas, comendo a vinha e destruindo as sementes (127).

    O sacrifcio est na base da vida civilizada, da vida poltica; intil

    retomar aqui a excelente leitura que M. Detienne faz, em torno das

    prticas sacrificiais, das formas de contestao, pelo alto e por baixo,

    do sacrifcio polade e atravs dele, da ordem social da cidade grega

    Gostaria apenas de acrescentar algumas reflexes.

    J em Hesodo, simples testemunha da crise, as foras ctonianas

    so concebidas como um elemento que pe em perigo a ordem do mundo

    Esta ordem, ele no a contesta, ele at o seu organizador e o seu

    sistematizador. A permanncia da crise social lana o descrdito sobre

    Guthrie, W.

    Orphe et la religion grecque.

    Paris, 1956, p. 60,

    d a mesma explicao que Jeanmaire. Herdoto (II, 81) fala de cultos .ditos

    rficos e bquicos ;

    no Hiplito

    lemos: dcil ao regime de Orfeu faze o bacante ;

    citados por Lvque, P.

    La religion grecque au 1 millnaire.

    Cours polycopi

    de la Faculte des Lettres et Sciences Humaines de l'Universit de Besanon.

    Besanon, s.d.

    Girard, R.

    La violence et le sacr.

    Paris, 1972,, em especial os

    cinco primeiros captulos, pp. 9-212.

    cf.. Dtienne, M.,

    Les jardins d'Adonis.

    Paris, 1972, p. 103.

    Ele desenvolveu suas teses em vrias publicaes; anlise que me

    parece mais completa a que encontramos em Detienne, M.,

    Dionysos mis

    mort.

    Paris, 1977, captulos 3 e 4, pp. 134-217.

    Fazemos a descoberta ao seguir Vernant,

    J. P.

    Les origines de

    la pense grecque,

    pp. 102-103: O relato da batalha que ope as duas geraes

    rivais de tits e olmpicos evoca explicitamente a volta do universo a um estado

    original de indistino e desordem. Abalados pelo combate,

    as

    potncias primor-

    diais,

    Gaia, Uranos, Pontos, Okeanos, Tartaros

    que se tinham anteriormente dis-

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    103

    as prticas religiosas tradicionais, que aparecem como ineficazes. As

    transformaes no equilbrio social e poltico promovidas por tiranos e

    legisladores abrem o caminho difuso de prticas at ento violentamente

    contestadoras, mas que devem se acomodar neste novo equilbrio . Estu-

    damos ao longo deste trabalho muitas das provas desta integrao . M

    Detienne lembra uma outra, quando assinala (30) a sobrevivncia de

    uma

    forma atenuada de homofagia num gesto realizado pela sacerdotiza (em

    Mileto, no sculo III), "em nome da cidade", o de depositar na "cor-

    beille" sagrada um pedao de carne crua.

    Dionisismo integrao e seitas (onde alguns pretenderam descobrir

    formas mais "nobres" do dionisismo) correspondem a este novo equil-

    brio, no nvel religioso . A renovao do menadismo, a difuso do cinismo

    (que desafia todas as interdies, promove a demolio completa da

    sociedade, e vai assim mais longe que o dionisismo inscrito na cidade)

    e ainda a transformao de certos grupos de pitagricas em cnicos so

    algumas das principais caractersticas do sculo IV. Esta transformao

    dos pitagricos mostra, segundo M. Detienne (131), "seu fracasso nos

    planos poltico e religioso". Depois de terem constatado o fracasso "pelo

    alto" eles tomam a via da contestao "por baixo". que o equilbrio

    estabelecido no fim do arcasmo e que assegurou a reproduo das es-

    truturas sociais ao longo de todo o classicismo est em processo de

    rompimento, face a uma nova crise da cidade. Na medida em que esta

    crise vai levar ao fim da cidade como quadro essencial da civilizao

    grega, a contesato religio polade se anuncia agora mais radical

    do que na poca que acabamos de estudar.

    Como podemos notar, parece que o dionisismo foi uma componente

    importante da cultura grega em todas as pocas . Mesmo uma noo to

    importante como a

    sphrosyne

    parece ter sido elaborada nos meios reli-

    giosos, como um estado de equilbrio que se segue possesso,

    mania

    (132) . Se no tememos longe demais os laos entre dionisismo e tirania

    tinguido e situado, se encontram mais uma vez misturados. Gaia e

    Uranos,

    cuja

    separao Hesodo tinha contado, parecem se reunir de novo como se tivessem

    se chocado um contra o outro. Seramos levados a acreditar que o mundo subter-

    rneo irrompeu luz: o universo visvel, ao invs de se inscrever estvel e orde-

    nadamente entre os dois limites fixos, a terra em baixo, morada dos homens, o

    cu no alto, onde moram os deuses, retomou se