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RIO DE JANEIRO
INTERVENÇÕES FARMACOLÓGICAS PARA CONTROLE DAS
ALTERAÇÕES NEUROQUÍMICAS NO QUADRO DA
DEPRESSÃO
Grupo 2 - Turma 123
Rio de Janeiro, Outubro de 2011
FUNDAÇÃO TÉCNICO-EDUCACIONAL SOUZA MARQUES
ESCOLA DE MEDICINA SOUZA MARQUES
FUNDAÇÃO TÉCNICO - EDUCACIONAL SOUZA MARQUES
ESCOLA DE MEDICINA
Eneas Bessa
Erika Domingues
Fábio Duarte Gonçalves
Felipe Fernandes Gonzalez
Gabriel Pesce
Guilherme Carneiro Rodrigues
Guilherme da Rocha Lee
Gustavo Gomes Castro
João Pedro Cantarini
Juliana Vasconcelos
Karen Gonçalves Costa
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Rio de Janeiro, Outubro de 2011
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INTERVENÇÕES FARMACOLÓGICAS PARA CONTROLE DAS ALTERAÇÕES NEUROQUÍMICAS NO
QUADRO DA DEPRESSÃO
Monografia (trabalho) apresentada a
Disciplina de Farmacologia Básica da
Escola de Medicina Souza Marques,
como parte dos requisitos
necessários para a composição da
avaliação prática da disciplina para o
4º bimestre.
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FICHA CATALOGRÁFICA
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Bessa, Eneas. Domingues, Erika. Gonçalves, Fábio. Gonzalez. Pesce, Gabriel. Lee, Guilherme. Rodrigues, Guilherme. Gomes, Gustavo. Cantarini, João Pedro. Vasconcelos, Juliana. Gonçalves, Karen.Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressãov, 84 fOrientadora: Patrícia e MônicaCoordenadora da Disciplina de Farmacologia:
Trabalho de Farmacologia. Fundação Técnico Educacional Souza Marques. Escola de Medicina Souza Marques.1-DEPRESSÃO. 2- ANTIDEPRESSIVOS. 3- TRATAMENTO.I. Patrícia. II. Fundação Técnico Educacional Souza Marques. III. Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão
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Monografia (trabalho) apresentada a
Disciplina de Farmacologia Básica da
Escola de Medicina Souza Marques,
como parte dos requisitos
necessários para a composição da
avaliação prática da disciplina para o
4º bimestre.
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ÍNDICE
1. Resumo2. Lista de Abreviaturas3. Introdução 4. Material e Métodos 5. Discussão
I. Histórico da DoençaII. EpidemiologiaIII. EtiologiaIV. Patogenia1.1- Teorias da depressão: Teoria das monoaminas1.2- Mecanismo fisiológico de um paciente sem depressão1.2.1- Neurotransmissão noradrenérgica1.2.2- Neurotransmissão dopaminérgica1.2.3- Mecanismo da neurotransmissão serotoninérgica V. Clínica2.1- Transtorno Afetivo Bipolar2.1.1- Bipolar I ou psicose maníaco depressiva:2.1.2- Bipolar II:2.2- Episódio Depressivo2.2.1- Episódio depressivo leve: 2.2.2- Episódio depressivo moderado: 2.2.3- Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos: 2.2.4- Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos2.3- Transtorno Depressivo Recorrente2.4- Transtorno Depressivo Maior ou Unipolar2.5- Distimia e Ciclotimia2.6- Outras Origens da Depressão2.6.1- Primária:2.6.2- Secundária2.6.3- Genética2.6.4- Depressão pós-parto
VI. Diagnóstico VII. Prognóstico VIII. Tratamento da DepressãoIX. Perspectivas Futuras
6. Farmacologia da Depressão 7. Conclusão 8. Referências Bibliográficas
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RESUMOO estudo a seguir apresenta os aspectos fisiopatológicos e clínicos,
além das intervenções farmacológicas para alterações neuroquímicas na
depressão, um transtorno psicológico cada vez mais frequente na
população. Inclui seus diferentes tipos e aborda, juntamente, a descoberta
de novos fármacos para essa doença. Além disso, explica os mecanismos
de ação dessas drogas, tomando por base conceitos farmacológicos gerais
previamente introduzidos.
A depressão é um distúrbio afetivo que acompanha a humanidade ao
longo de sua história. No sentido patológico, há presença de tristeza,
pessimismo, baixa autoestima, que aparecem com frequência e podem
combinar-se entre si. A causa exata da depressão ainda não está
totalmente elucidada, mas as pesquisas realizadas nessa área relacionam
a depressão a uma disfunção bioquímica na área responsável pela
regulação do nosso estado afetivo. Há uma série de evidências que
mostram alterações químicas no cérebro do indivíduo deprimido,
principalmente com relação aos neurotransmissores (serotonina,
noradrenalina e, em menor proporção, dopamina), substâncias que
transmitem impulsos nervosos entre as células. Outros processos que
ocorrem dentro das células nervosas também estão envolvidos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) mostra que a depressão é
mais comum no sexo feminino, estimando-se uma prevalência do episódio
depressivo em 1,9% no sexo masculino e 3,2% no feminino. A doença
pode ser classificada em três tipos, baseada na origem do transtorno:
depressão reativa ou unipolar, depressão melancólica ou recorrente e
depressão associada ao distúrbio afetivo bipolar (maníaco-depressivo).
A teoria das aminas forneceu os principais modelos experimentais
para a descoberta de novos fármacos antidepressivos. As drogas
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antidepressivas incluem inibidores seletivos da receptação de serotonina
(ISRS), inibidores da receptação de serotonina e de noradrenalina (IRSN),
inibidores da receptação de noradrenalina e de dopamina (IRND),
inibidores seletivos da receptação de noradrenalina (ISRN), antagonistas α
2, antagonistas inibidores da receptação de serotonina (AIRS), inibidores
da MAO e antidepressivos tricíclicos (GOODMAN, 2003).
Na média, não há diferenças significativas em termos de eficácia
entre os diferentes antidepressivos. No entanto, o perfil, em termos de
efeitos colaterais, preço, risco de suicídio e tolerabilidade varia bastante, o
que implica em diferenças na efetividade das drogas para cada paciente.
A conduta, portanto, deve ser individualizada, e a prescrição profilática de
antidepressivos irá depender da intensidade e frequência dos episódios
depressivos.
Palavras chaves: Depressão. Antidepressivos. Tratamento.
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LISTA DE ABREVIATURAS
OMS- Organização Mundial de Saúde.
DSM-IVR - Manual Diagnostico e Estatístico de Transtornos Mentais.
NA- Noradrenalina.
IMAO- Inibidor da Mono Amino Oxidase.
5-HT- Serotonina.
ISRS- Inibidor Seletivo da Recaptação de Serotonina
ISRN - Inibidores Seletivos da Receptação de Noradrenalina
ISRSN- Inibidor Seletivo da Recaptação de Serotonina e de Noradrenalina
IRND - Inibidores da Receptação de Noradrenalina e de Dopamina
AIRS - Antagonistas Inibidores da Receptação de Serotonina
NE- Norepinefrina
SNC- Sistema Nervoso Central
ADT- Antidepressivo Tricíclicos
GABA- Acido Gama Amino Butirico.
NMDA-N-metil-d- Aspartato.
ECT- Terapia eletroconvulsiva
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INTRODUÇÃO
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O termo “depressão” assume significados diferenciados se utilizado
na linguagem comum ou na psiquiátrica. Se na primeira indica estado de
tristeza e desânimo da pessoa diante de acontecimento desagradável,
decepção ou luto, em âmbito psiquiátrico designa um quadro clínico
preciso (distúrbio depressivo), caracterizado por sintomas biológicos e
psíquicos espontâneos, aparentemente desproporcionais em intensidade e
duração aos acontecimentos que os provocam. Essa condição se distingue
por sintomas como perda de interesse, astenia, incapacidade de sentir
prazer, insônia, falta de apetite, diminuição da libido, facilidade em fatigar-
se e alterações cognitivas, psicomotoras e neurovegetativas
(MALDONATO, M, 2010). Segundo estudo realizado nos Estados Unidos, a
prevalência deste distúrbio é em torno de 4,9% na população geral
(Soleimani, Lapidus et al.; Kessler, Birnbaum et al., 2010)
As primeiras referências à melancolia são atribuídas a Homero. No
século IV a.C., Hipócrates formulou uma hipótese etiopatogênica
“científica”, descrevendo de forma aprimorada as características clínicas e
a evolução do quadro melancólico. O médico grego aventou a idéia de que
o cérebro seria a sede de todas as emoções (“de nada mais se formam os
prazeres e a serenidade e o riso e a brincadeira, a não ser do cérebro, e
da mesma forma as dores, as penas, a tristeza e o pranto”) e atribuiu a
depressão à ação de uma substância endógena nesse órgão, a bile negra
(daí o termo “melancolia”: melas – “negro” – cholé “bile negra”). Porém,
essa hipótese foi abandonada com novos estudos (CORDEIRO et al,
2010).
Em um estudo que almeja abordar a problemática que abarca os
estados depressivos, esbarra-se rapidamente em uma dificuldade de
consenso e de definição dos termos depressão e melancolia, os quais
corriqueiramente se confundem. No século XIX, depressão e melancolia
eram termos indistintos na psiquiatria alemã, embora houvesse a
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propensão para abandonar o segundo deles. No entanto, só em meados do
século XX, com a elaboração da CID-6, é que firmou-se “oficialmente” uma
definição. Nesta edição da CID, apenas três tipos de depressão eram
reconhecidos: a reação maníaco-depressiva, a melancolia involutiva e a
depressão neurótica. Ao chegar à sua décima edição, a CID 10 contava
com mais de vinte e cinco tipos e subtipos depressivos catalogados
(TEIXEIRA, 2005).
Dessa forma, o termo depressão passa a predominar na psiquiatria
sob as modernas classes de transtornos afetivos (CID-10) ou transtornos
de humor (DSM-IV). Já os transtornos bipolares – antiga psicose maníaco-
depressiva – são incluídos nos capítulos sobre os transtornos de humor e
afetivos, e se referem à “depressão-mania”, e não mais à “melancolia-
mania”. Esta desordem bipolar pode apresentar-se de maneira mais suave,
recebendo o nome de “ciclotimia” (Delouya, 2001; Moreira, 2002; Peres,
1996, 1999, 2003; Rodrigues, 2000).
Segundo CORDEIRO et al (2010), a Organização Mundial da
Saúde estima que em 2020 o transtorno será a segunda maior causa de
comprometimento funcional, perdendo apenas para as doenças
coronarianas. Essa projeção, associada aos altos índices de sintomas
depressivos na população portadora de patologias crônicas, reforça a
necessidade da familiarização dos médicos de todas as especialidades
com o diagnóstico e o tratamento desse problema de saúde pública. São
muito frequentes, ocorrem em todas as culturas e níveis socioeconômicos
e podem surgir em qualquer período da vida. Entre os que procuram
atendimento, a prevalência é de 10%. Em adultos, o subtipo transtorno
depressivo maior atinge de 10% a 25% das mulheres e de 5% a 12% dos
homens ao longo da vida, valores que se mantêm constantes em diferentes
raças e culturas. A idade média do início do transtorno depressivo maior
situa-se por volta de 40 anos.
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Além disso, há também a depressão pós-parto, que acomete cerca
de 10% das mulheres, embora um número bem maior sofra de sintomas
depressivos leves que desaparecem espontaneamente após uma semana
(CORDEIRO et al, 2010).
Segundo o Manual estatístico de transtornos mentais, 4ª edição, da
Associação Psiquiátrica Americana (DSM-IV), para diagnosticar os
transtornos depressivos, os profissionais devem levar em conta os
seguintes critérios: humor deprimido na maior parte do tempo, interesse
diminuído ou perda de prazer na realização das atividades de rotina
(anedonia), sensação de inutilidade ou culpa excessiva, indecisão ou
diminuição da capacidade de pensar e concentrar-se, fadiga ou falta de
energia, insônia ou sono excessivo, agitação ou lentidão de movimentos,
perda ou ganho significativo de peso e ideias recorrentes de morte ou
suicídio.
Os transtornos depressivos são classificados em três grupos, de
acordo com o número de sintomas detectados: Depressão menor, com dois
a quatro desses sintomas por duas ou mais semanas; Distimia, três ou
quatro sintomas, durante pelo menos dois anos; Depressão maior, com
cinco ou mais sintomas por duas semanas ou mais. Em todas as
classificações de depressão, há de estar incluso o sintoma de humor
deprimido e/ou anedonia.
Além dessa classificação, há dois tipos distintos de síndrome
depressiva segundo HANG ( 2004, p. 610): a depressão unipolar, na qual
as oscilações de humor são sempre na mesma direção e o distúrbio afetivo
bipolar, no qual a depressão alterna-se com a mania. Mania é em muitos
aspectos exatamente o oposto, com exuberância, entusiasmo e
autoconfiança excessivos, acompanhados por ações impulsivas; estes
sinais com frequência combinando-se com irritabilidade, impaciência e
agressividade e algumas vezes delírios de grandeza do tipo napoleônico.
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Quando o tratamento da depressão ocasiona melhoras de pelo
menos 50% nos sintomas, isto é chamado de resposta. Os pacientes
apresentam melhoras, mas não estão realmente bem. Este costumava ser
o objetivo do tratamento com antidepressivos. Entretanto, o paradigma
para o tratamento antidepressivo mudou drasticamente em anos recentes,
de modo que agora o objetivo é a remissão completa dos sintomas e a
manutenção desse nível de melhora, fazendo com que o episódio
depressivo maior não apresente recidiva logo após a remissão e que o
paciente não venha a ter um episódio recorrente no futuro (STAHL, 2002).
Há diversas estratégias para se montar um esquema de tratamento
antidepressivo para cada paciente. Isto é feito frequentemente utilizando-
se múltiplos mecanismos farmacológicos e isto, cada vez mais, torna
necessário o tratamento com mais de uma droga para se produzirem
numerosas opções terapêuticas e alcançar o objetivo importante, ainda
que, por vezes, difícil, da remissão (STAHL, 2002).
Nas últimas décadas, a neuroquímica vem recebendo um grande
destaque nas pesquisas sobre a fisiopatologia da depressão,
particularmente a partir da observação do mecanismo de ação dos
antidepressivos gerando alterações agudas sobre os níveis sinápticos dos
neurotransmissores. Entretanto, com o passar dos anos, verificou-se que
essas hipóteses eram muito limitadas na sua capacidade de explicar a
fisiopatologia, e foram propostas hipóteses mais complexas, focalizando as
alterações em múltiplos sistemas de neurotransmissão e as adaptações
celulares e moleculares aos medicamentos antidepressivos ( ALVES,
2010).
Evidências indiretas do envolvimento do sistema de
neurotransmissão monoaminérgica surgiram de observações dos efeitos
depressogênicos de drogas e do aumento da concentração de metabólitos
de monoaminas, particularmente serotonina, em urina e líquido
cefalorraquidiano de pacientes com depressão. Os achados provenientes
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desses estudos permitiram a elaboração da hipótese de que os quadros
depressivos surgiriam em decorrência da redução drástica dos níveis de
serotonina, noradrenalina e dopamina no SNC. Tal hipótese foi, então,
corroborada pela efetividade de vários psicofármacos no tratamento da
depressão, cujos mecanismos de ação promovem aumento dos níveis de
monoaminas (CORDEIRO et al, 2010).
O objetivo da utilização de fármacos é aumentar a quantia de
neurotransmissores na fenda sináptica, o que restauraria o fluxo da
sinalização entre os neurônios de regiões cerebrais associadas à
regulação do humor. O principal neurotransmissor envolvido é a
serotonina, embora a noradrenalina e a dopamina pareçam exercer papel
igualmente importante na regulação das funções psíquicas associadas ao
transtorno (CORDEIRO et al, 2010).
Atualmente, dispõem-se de antidepressivos pertencentes a diversas
classes farmacológicas. O maior fator limitante de adaptação individual a
um antidepressivo continua sendo o perfil de efeitos colaterais. Outro
aspecto que interfere na escolha da medicação é o seu potencial de
interação com outros fármacos já administrados pelos pacientes
(CORDEIRO et al, 2010). Os antidepressivos disponíveis no mercado, hoje,
são os inibidores da monoaminaoxidade (IMAO), os antidepressivos
tricíclicos (ADT), os inibidores seletivos de recaptação de serotonina
(ISRS) e uns mais novos que afetam múltiplos sistemas
neurotransmissores ou usam mecanismos diferentes do bloqueio da
recaptação, como Bupropion, Venlaflaxina, Nefazodona e Mirtazapina
(BREUER H & Lessmollmann A, 2010).
Entretanto, a terapia medicamentosa em geral começa a dar
resultado apenas a partir de três a seis semanas. Um estudo realizado com
tupaias – espécie de esquilo – e coordenado por Eberhard Funchs, do
Centro de Primatas de Gottingen, Alemanha, foi o primeiro a mostrar que
os animais “deprimidos” – sem iniciativa, passivos e que pouco se
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alimentavam – apresentavam o hipocampo, “centro de controle” dos
processos de aprendizagem e de memória, de tamanho reduzido. Contudo,
ministrando antidepressivos aos animais, os pesquisadores conseguiram
deter esse encolhimento progressivo. Algo semelhante foi observado pela
psiquiatra Yvette Sheline, da Universidade de Washington (BREUER H &
Lessmollmann A, 2010).
Portanto, tudo indica que os antidepressivos agem estimulando a
neurotransmissão referente ao humor e protegendo a atrofia do hipocampo,
órgão ligado à memória e aos afetos. Além disso, as pesquisas mostraram
que eles também podem favorecer a geração de células cerebrais e, desse
modo, ser um caminho para a cura de doenças neurodegenerativas.
Porém, ainda há muitas controvérsias (BREUER H & Lessmollmann A,
2010).
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MATERIAL E MÉTODOS
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 12
No estudo presente foi feita uma revisão de literatura acerca do tema
da depressão e suas possíveis intervenções farmacológicas. Foram
utilizados no trabalho pesquisas prévias conseguidas através de bancos de
dados como o Medline e Scielo, além de alguns livros referenciados na
bibliografia. Os trechos de nossa própria autoria estão devidamente
sinalizados.
A partir destes artigos e livros pôde-se reportar e avaliar o
conhecimento produzido e destacar conceitos, procedimentos, resultados,
discussões e conclusões relevantes para o trabalho. Procurou-se
estabelecer um diálogo entre os estudos e dessa forma explicitar um
conhecimento.
As principais informações, até 2011, acerca das intervenções
farmacológicas para alterações neuroquímicas na depressão, incluindo
seus diferentes tipos, serão apresentadas. Ações, mecanismos de ação,
locais de ação, efeitos colaterais, bem como breve discussão do conceito
de depressão. O trabalho é apresentado na forma dissertativa, com
presença de gráficos e tabelas.
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I. HISTÓRIA DA DOENÇA
A modificação do comportamento, do humor e da emoção por drogas
sempre foi uma prática favorita dos seres humanos. O uso de psicoativos
evoluiu ao longo de dois caminhos relacionados: o uso de substâncias para
modificar o comportamento normal e produzir estados alterados de
sensação para fins religiosos, cerimoniais ou recreativos, e seu uso para
alívio de enfermidades mentais (GOODMAN, 2003).
A depressão tem sido registrada desde a antiguidade e descrições
do que chamamos agora de distúrbios do humor podem ser encontradas
em muitos documentos antigos. A história do Rei Saul, no Antigo
Testamento, descreve uma síndrome depressiva, assim como a história do
suicídio de Ajax, na Ilíada de Homero. Cornelius Celsus descreveu a
melancolia em seu trabalho De Medicina, por volta do ano 100 A.D., como
uma depressão causada por bile negra. Na idade média, a Medicina
permaneceu ativa nos países islâmicos e em "Rhazes", Avicena, o médico
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judeu Maimonides considerava a melancolia como uma entidade patológica
discreta.
A melancolia foi também tratada por grandes artistas do passado.
Em 1686, Bonet descreveu uma doença mental que chamou de "maníaco-
melancholicus". Em 1845, Moreau propôs que a intoxicação por haxixe
poderia proporcionar um modelo de psicose útil no estudo da insanidade.
Três décadas depois, Freud apresentou seu estudo sobre a cocaína e
sugeriu seus usos potenciais em farmacoterapia. Em 1854, Jules Falret
descreveu uma condição chamada "folie circulaire", na qual o indivíduo
experimentava humores alternados de mania e depressão. Jules Baillarger
(psiquiatra) descreveu a condição "folie à double forme", na qual o
indivíduo tornava-se deprimido e ficava num estado de estupor do qual
eventualmente se recuperava. Em 1882, Karl Kahlbaum , também
psiquiatra, usou o termo ciclotimia, descreveu a mania e depressão como
estágios da mesma doença. Emil Kraepelin, em 1896, fundou o primeiro
laboratório de psicofarmacologia clínica na Alemanha e avaliou os efeitos
psicológicos de drogas nos seres humanos, descrevendo posteriormente o
conceito de psicose maníaco-depressiva. Ele o diferenciava do conceito de
demência precoce, com base no prognóstico de que a melancolia não
evoluía para a demência. Kraepelin apresentou também a ideia de que a
depressão e a mania estariam associadas. E assim a melancolia como
entidade mórbida isolada deixou de ser incluída na nosografia psiquiátrica,
dando lugar à interligação de depressão e mania.
“Na mania não se trata somente de um retorno leal aos estados circulares;
ela não é senão um episódio da loucura maníaco-depressiva. Ali onde
realmente se pode encontrar a excitação maníaca, podemos concluir com a
possibilidade de essas excitações se mostrarem algumas vezes durante a
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vida, além de prognosticar a incursão de estados depressivos
entremeados.” (Kraepelin, 1905, p. 71)
II. EPIDEMIOLOGIA
A depressão é uma enfermidade que afeta aproximadamente 17% da
população mundial e é uma das principais causas de incapacidade. Uma
em cinco pessoas irá experimentar um episódio de depressão em algum
momento de suas vidas. Segundo a OMS, até o ano de 2020 a depressão
será umas das principais doenças a promover incapacidade e morte
prematura. Ainda, estudos epidemiológicos apontam que existe cerca de
40 a 50% de chances da depressão ser desenvolvida por uma
predisposição genética, hereditária.
Os fatores demográficos que têm sido associados à depressão são
relativos a sexo, idade e raça. Os dois primeiros têm sido replicados em
diferentes contextos, enquanto que os achados relativos à raça são
variados e podem ser determinados por fatores de confusão, tais como
renda e escolaridade.
Com relação ao sexo, pesquisas indicam que as mulheres
apresentam cerca de duas vezes mais depressão do que homens. No
entanto, o sexo feminino parece não ser um fator de risco, mas sim o
ambiente e suporte social na maioria das culturas. O fato de os homens
relatarem menos sintomas depressivos do que as mulheres também
colabora para esse achado (LIMA, MAURÍCIO, 1999).
A idade de começo dos transtornos depressivos situa-se entre 20 e
40 anos, apesar de a depressão também ocorrer na infância. De forma
similar ao sexo, também não há porque pensar que a idade seja um fator
de risco isoladamente. Fatores sociais podem colocar as pessoas mais
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jovens em maior risco, da mesma forma que a predisposição biológica para
depressão maior pode aumentar com a idade. Estudos brasileiros
conduzidos na comunidade sugerem que transtornos mentais comuns,
como ansiedade e depressão, aumentam com a idade.
Em relação aos fatores socioeconômicos, vários estudos
populacionais sugerem que pessoas com baixa escolaridade e renda
apresentam maiores prevalência de transtornos mentais.
Com relação à situação conjugal, a depressão parece ser mais
frequente entre pessoas divorciadas ou separadas, do que entre solteiros e
casados. Viuvez recente está associada à alta ocorrência de depressão.
Esses riscos parecem variar de acordo com o sexo. Mulheres solteiras
parecem ser menos suscetíveis à depressão do que casadas. Com os
homens ocorre a situação oposta. As pessoas que moram sozinhas
parecem estar em maior risco para depressão: quanto maior o número de
pessoas que moram no domicílio, menos a chance de apresentar
depressão. A existência de suporte social e ausência de conflitos graves
parecem ser agentes altamente protetores (LIMA, MAURÍCIO, 1999).
Mudanças identificáveis no padrão de vida que representam uma
ruptura do comportamento usual e afetam o bem estar do indivíduo. A
maioria dos estudos epidemiológicos mostra uma associação entre eventos
negativos e depressão maior.
De acordo com a OMS, a doença atinge 340 milhões de pessoas e
causa 850 mil suicídios por ano em todo o mundo. Somente no Brasil,
estima-se que há 13 milhões de depressivos (BOEHRINGER, 2002).
III. ETIOLOGIA
Certas variações de genes, denominadas polimorfismos, podem
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aumentar o risco da depressão, como, por exemplo, genes que controlam o
metabolismo de neurotransmissores e seus receptores específicos. Os
genes que codificam a síntese da serotonina (5-HT) e de seus
transportadores (5-HTT) são os mais estudados atualmente, pois eles
podem estar associados com a vulnerabilidade da depressão. No caso dos
5-HTT, o polimorfismo produz dois alelos diferentes, um longo e um curto.
Cada indivíduo geralmente tem duas cópias de cada gene em seu DNA. No
entanto, um indivíduo pode ser homozigoto para o alelo longo, homozigoto
para o alelo curto ou heterozigoto, com um alelo longo e um curto. O alelo
curto está associado com menor eficiência transcricional comparado ao
alelo longo, ou seja, indivíduos com uma ou duas cópias do alelo curto
apresentam uma redução da síntese do 5-HTT e consequentemente mais
sintomas de depressão do que indivíduos que apresentam homozigose
para o alelo longo. Todavia, o indivíduo que tem uma predisposição
genética pode não desenvolver a depressão, pois tal condição depende
também da interação do ambiente com cada indivíduo, sendo que estes
respondem de forma diferente. Neste contexto, o estresse, juntamente com
a predisposição genética, tem um papel importante no desencadeamento
da depressão. Sabe-se que em cerca de 60% dos casos de depressão, os
episódios depressivos são precedidos pela ocorrência de fatores
estressantes (UNESC, 2000)
Além dos estudos abordando a relação do estresse com depressão,
há a hipótese das catecolaminas, sugerindo um déficit, particularmente da
noradrenalina (NA), em todas as formas de depressão. A hipótese
baseava-se em estudos farmacológicos, mostrando que a ação dos
antidepressivos tricíclicos e inibidores da monoamina oxidase (IMAO) era
mediada pelo aumento da noradrenalina na fenda sináptica.
Posteriormente, surgiu a hipótese serotoninérgica, impulsionada pelo
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 19
desenvolvimento da classe dos antidepressivos denominados inibidores
seletivos da recaptação da 5-HT que, por sua vez, aumentam a
disponibilidade de 5-HT na fenda sináptica. Completando o quadro da
hipótese das monoaminas, Paul Wilnner, em 1990, propôs a hipótese
dopaminérgica, que se baseia no envolvimento da dopamina (DA) na
fisiopatologia da anedonia (falta de prazer) e aumento da resposta
comportamental devido ao uso continuado dos antidepressivos tricíclicos,
que também atuam na neurotransmissão dopaminérgica. Finalmente, a
compreensão dos mecanismos de ação dos antidepressivos complementa
a hipótese das monoaminas. Hoje em dia, sabe-se que a hipótese das
monoaminas é insuficiente para uma explicação plausível da depressão,
porém a manipulação farmacológica envolvendo a neurotransmissão das
monoaminas NA, 5-HT e DA é ainda a melhor abordagem terapêutica da
depressão (UNESC, 2000). Além destes, outros neurotransmissores,
incluindo o L-glutamato, neuropeptídeos como a colecistocinina e o
hormônio liberador de corticotropina, também estão envolvidos com os
transtornos depressivos.
IV. PATOGENIAA depressão é um distúrbio ou transtorno afetivo que pertence a uma
importante classe de psicoses e que tem como base uma anormalidade
bioquímica. Esta doença pode variar desde uma condição muito branda até
uma depressão severa (psicótica), acompanhada de alucinações e delírios
(Hang & Dale, 2004).
São várias as formas de classificação dos transtornos afetivos. Uma
delas, mais antiga, sugere uma abordagem para distinguir depressão e
mania. Atualmente, os transtornos afetivos seguem uma classificação mais
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recente da 4ª edição com texto revisado do Manual Estatístico e
Diagnóstico das Doenças Mentais, publicado pela Associação Psiquiátrica
Americana (DSM-IV-TR/APA, 2000) (Tabela I).
Tabela I- Classificação dos transtornos afetivos de acordo com o
DSM-IV-TR.
Transtornos
depressivos
Transtorno depressivo maior (TDM)
Transtorno distímico
Transtorno depressivo sem especificação
Transtornos
bipolares
Transtorno bipolar I
Transtorno bipolar II
Transtorno ciclotímico
Transtorno bipolar sem especificação
Outros
Transtorno de humor devido a uma condição médica
geral
Transtorno de humor induzido por substância
DSM-IV-TR/APA, 2000 – Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders.
Transtornos depressivos
A principal subdivisão se faz entre depressão maior e distimia.
Os critérios diagnósticos dessas entidades incluem: 1. humor
deprimido a maior parte do tempo, na maioria dos dias; 2. diminuição
marcante no interesse ou prazer em todas, ou quase todas, as
atividades (anedonia); 3. Acréscimo ou perda ponderal ou de apetite;
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4. insônia ou hipersônia quase todos os dias; 5. agitação ou retardo
psicomotor quase todos os dias; 6. fadiga ou falta de energia quase
todos os dias; 7. sentimentos de desvalorização ou culpa excessiva; 8.
diminuição na habilidade de concentração do pensamento; 9.
pensamentos recorrentes de morte ou ideias ou tentativas de suicídio.
O diagnóstico de depressão maior requer a presença dos sintomas 1
e/ou 2 e mais o número necessário dos sintomas 3 a 9 para perfazer
um total de 5 sintomas, com duração mínima de 2 semanas. Já a
distimia necessita da presença crônica (mínimo de 2 anos) de humor
deprimido e mais, pelo menos, dois dos seguintes sintomas: alteração
do apetite; insônia ou hipersônia; fadiga ou falta de energia; baixa
auto-estima; dificuldades de concentração ou de tomar decisões;
sentimentos de desesperança.
Transtornos bipolares
No tipo I ocorre um ou mais episódios maníacos ou mistos.
Frequentemente, também aparecem episódios depressivos maiores.
Já o tipo II caracteriza-se pela ocorrência de episódios depressivos
maiores, com pelo menos um episódio hipomaníaco. A ciclotimia é
caracterizada por alteração crônica e flutuante do humor, com
numerosos episódios de sintomas de hipomania ou depressão, que
não chegam a preencher os critérios de episódios maníacos ou
depressivos maiores.
A depressão pode ser classificada em três tipos, baseada em sua
origem. Esses tipos são:
Depressão reativa ou unipolar, que concentra a maior parte dos
casos de depressão. Está associada á eventos estressantes da
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vida.
Depressão melancólica ou recorrente é um distúrbio bioquímico
geneticamente determinado, se manifestando por uma
incapacidade de sentir normalmente prazer ou de enfrentar os
acontecimentos habituais do cotidiano.
Depressão associada ao distúrbio afetivo bipolar, mais conhecido
como maníaco-depressivo. Este geralmente aparece no início da
vida adulta, é menos comum e resulta em depressão e mania
oscilantes por um período de poucas semanas (Katzung,2007 e
Hang & Dale,2004).
Diversos medicamentos de uso continuo também podem provocar
quadros depressivos. Entre eles estão os Anti-hipertensivos, as
Anfetaminas (incluídas em diversas fórmulas para controlar o apetite), os
Benzodiazepínicos, as drogas para tratamento de gastrites e úlceras
(Cimetidina e Ranitidina), os contraceptivos orais, cocaína, álcool,
Antiinflamatórios e derivados da Cortisona.
Eventos estressantes, como a perda de emprego, o fim de um
relacionamento e a morte de uma pessoa próxima provavelmente disparam
à depressão nas pessoas predispostas, vulneráveis. Além disso, existem
outros fatores que podem ser considerados como desencadeantes para o
surgimento da depressão, como por exemplo: tabagismo; problemas no
momento do parto; uso de álcool e outras drogas, como cocaína, além da
influência genética,
Já se observou que crianças e/ou adultos, cujo pai ou a mãe já
tiveram crises depressivas, tem maior probabilidade de também adquirir
este distúrbio comportamental ou afetivo.
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As causas exatas para a depressão são desconhecidas, mas a
explicação mais provável é o desequilíbrio bioquímico dos neurônios
responsáveis pelo controle do estado de humor. Esta afirmação baseia-se
na comprovada eficácia dos antidepressivos (Posternak, 2004).
A principal teoria bioquímica da depressão é a hipótese das
monoaminas. Esta hipótese sugere que a depressão pode ser causada
pela formação diminuída, no cérebro, de dopamina, norepinefrina ou
serotonina ou ainda de ambas. Existem ainda novas evidências mostrando
que outros neurotransmissores podem também estar envolvidos (Hang &
Dale, 2004).
A principal razão para se acreditar que a depressão poderia ser
causada pela atividade diminuída destes neurotransmissores é que,
fármacos que bloqueiam a secreção dessas substâncias, frequentemente
causam depressão (Guyton e Hall, 2006). Exemplificando estes fármacos
podemos citar a reserpina, cujo mecanismo de ação consiste em inibir o
armazenamento neuronal de neurotransmissores, como a Serotonina e a
norepinefrina. A reserpina induzia a depressão e provocava depleção das
reservas de neurotransmissores amínicos. Em consequência disso, foi
deduzido que a depressão devia estar associada a uma diminuição da
transmissão sináptica funcional dependente de aminas (Katzung, 2007).
.Imagina-se que os sistemas de dopamina, norepinefrina e
serotonina normalmente comandam as áreas límbicas do cérebro para
aumentar a sensação de bem-estar , para criar felicidade, alegria, bom
apetite, desejo sexual adequado e equilíbrio psicomotor- ainda que o
excesso desta ativação possa provocar o estado de mania. O fato de que
os centros de prazer e recompensa do hipotálamo e das áreas
circunjacentes recebem grandes números de terminais nervosos dos
sistemas noradrenérgicos e serotoninérgicos dá suporte a esse conceito.
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1.1- Teorias da depressão: Teoria das monoaminas
A hipótese das aminas forneceu os principais modelos experimentais
para a descoberta de novos fármacos antidepressivos. Em consequência,
todos os antidepressivos atualmente conhecidos, à exceção da
Bupropiona, são classificados de acordo com suas ações primárias sobre o
metabolismo, a recaptação ou o antagonismo seletivo dos receptores de
serotonina, norepinefrina ou ambas (Katzung, 2007).
Sendo assim, formulou-se esta hipótese, através das seguintes
evidencias farmacológicas:
Fármacos Antidepressivos Tricíclicos têm como ação o bloqueio da
captura de NA e 5-HT, resultando no aumento do humor de pacientes
deprimidos.
Fármacos Inibidores da MAO aumentam os estoques de NA e 5-HT,
causando também aumento do humor em pacientes deprimidos.
A Reserpina atua na inibição do armazenamento de NA e 5-HT,
causando uma diminuição do humor dos pacientes.
A α-Metiltirosina inibe a síntese de NA e acalma pacientes maníacos
com a diminuição do humor.
A Metildopa também inibe a síntese de NA, diminuindo o humor.
Na Eletroconvulsoterapia, tudo indica que há aumento das respostas do
SNC à NA e 5-HT gerando aumento do humor nos pacientes.
E o uso de Triptofano, que atua no aumento da síntese de 5-HT,
mostrou em alguns estudos o aumento do humor.
Qualquer teoria da depressão deve levar em conta o fato de que os
efeitos bioquímicos diretos dos fármacos antidepressivos aparecem muito
rapidamente, enquanto seus efeitos antidepressivos levam semanas para
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se desenvolver (Hang & Dale, 2004).
Para testar a hipótese das monoaminas, foram feitos estudos
bioquímicos e estudos neuroendócrinos. O primeiro foi realizado
examinando as anormalidades bioquímicas no líquido cefalorraquidiano, no
sangue, na urina ou ainda em tecido cerebral postmortem de pacientes
depressivos ou maníacos (Hang & Dale, 2004).
Estes estudos bioquímicos e neuroendócrinos incluem informações sobre
os metabólitos, receptores, enzimas e transportadores de monoaminas, em
sua maioria com resultados negativos. Os principais metabólitos da NA e
da 5-HT, respectivamente, são o 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG) e o
ácido 5- hidroxiindolacético (5-HIAA) (Hang & Dale, 2004).
Estudos da excreção urinária de MHPG, em indivíduos normais e
depressivos, mostram claramente que seu nível está reduzido em
pacientes depressivos bipolares e é mais baixo durante a fase de
depressão do que a de mania. Contudo, na depressão unipolar, a
eliminação de MHPG, embora altamente variável entre os pacientes, não é
significativamente mais baixa do que em controles, mostrando assim que a
teoria das monoaminas é questionável. Na realidade, a noradrenalina
plasmática tende a estar mais elevada em pessoas deprimidas do que em
normais, possivelmente porque esta reflete a atividade simpática periférica,
que aumenta com a ansiedade que frequentemente acompanha a
depressão (Hang & Dale, 2004).
Já nos estudos neuroendócrinos, várias tentativas foram feitas em
busca de um déficit funcional das vias monoaminérgicas na depressão.
Neurônios hipotalâmicos que controlam a função hipofisária recebem
aferências noradrenérgicas e seratoninérgicas, que controlam a atividade
destas células. As células hipotalâmicas liberam o hormônio liberador de
corticotrofina (CRH), que estimula as células hipofisárias a secretarem o
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hormônio adrenocorticotrófico, que por sua vez, secreta cortisol. A
secreção do cortisol é alta em pacientes deprimidos e, quando um
esteróide sintético é administrado, é falha em responder com uma queda
normal (Hang & Dale, 2004).
1.2- Mecanismo fisiológico de um paciente sem depressão
O processo de neurotransmissão consiste-se na passagem de um
impulso nervoso, gerado a partir de um estímulo externo, por todo o axônio
ou pela fibra muscular, através de uma junção sináptica ou neuroefetora.
Logo, a transmissão colinérgica é responsável por iniciar este processo de
neurotransmissão, pois é importante lembrar que todos os neurônios pré-
ganglionares, pertencentes tanto ao simpático como no parassimpático,
são colinérgicos. Portanto, estes neurônios liberarão o neurotransmissor
Acetilcolina.
As principais neurotransmissões envolvidas no processo da
depressão são as vias noradrenérgicas, dopaminérgicas e serotoninérgica.
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Neurotransmissão normal
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Alterações neuroquímicas da depressão
1.2.1- Neurotransmissão noradrenérgica:
As catecolaminas são compostos que contêm um catecol (anel
benzênico com dois grupos hidroxila adjacentes) e uma cadeia lateral
amina. Do ponto de vista farmacológico, as catecolaminas mais
importantes são:
-Noradrenalina→ um transmissor liberado pelas terminações nervosas
simpáticas.
- Adrenalina→ um hormônio secretado pela medula da supra-renal
-Dopamina→ o precursor metabólico da noradrenalina e adrenalina, e
também um transmissor/ neuromodulador do sistema nervoso central
Há dois tipos de receptores noradrenérgicos: α e β, definidos em
termos de potência:
α→ noradrenalina > adrenalina
β→ adrenalina > noradrenalina
Todos os receptores noradrenérgicos são receptores acoplados à
proteína G típicos. Cada uma das classes de receptores (α1, α2, β1, β2,
β3) está associada a um sistema específico de segundos-mensageiros.
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Assim, os receptores α1 estão acoplados à fosfolipase C e produzem seus
efeitos principalmente pela liberação de Ca++ intracelular; os receptores
α2 estão negativamente acoplados à adenilato-ciclase e reduzem a
formação de AMPc, assim como inibem canais de Ca++; e todos os três
tipos de receptores β agem por estimulação da adenilato-ciclase.
A distinção entre receptores β1 e β2-adrenérgicos é importante, pois
os receptores β1 são encontrados principalmente no coração, onde são
responsáveis pelos efeitos cronotrópicos e inotrópicos das catecolaminas.
Por outro lado, os receptores β2 são responsáveis pelo relaxamento do
músculo liso em vários órgãos. Estes últimos efeitos são, com frequência,
úteis terapeuticamente, enquanto os primeiros são mais frequentemente
prejudiciais; em consequência, foram realizados esforços consideráveis
para produzir agonistas β2-seletivos, capazes de relaxar o músculo liso
sem afetar o coração, e antagonistas β1 seletivos, que pudessem exercer
um efeito bloqueador útil sobre o coração, sem ao mesmo tempo bloquear
os receptores β2 no músculo liso brônquico. É importante lembrar que a
seletividade desses fármacos é mais relativa do que absoluta. Assim,
compostos usados como antagonistas β1 seletivos invariavelmente têm
também alguma ação sobre os receptores β2 de modo que podem causar
efeitos adversos, tais como broncoconstrição.
Os neurônios noradrenérgicos na periferia consistem em neurônios
pós-ganglionares simpáticos cujos corpos celulares encontram-se nos
gânglios simpáticos. Eles geralmente têm axônios longos que terminam em
uma série de varicosidades inseridas ao longo da rede de ramos terminais.
À exceção da medula supra-renal, as terminações simpáticas são
responsáveis por todo o conteúdo de noradrenalina dos tecidos periféricos.
Órgãos tais como coração, baço, ductos deferentes e alguns vasos
sanguíneos são particularmente ricos em noradrenalina.
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Síntese de noradrenalina
O precursor metabólico da noradrenalina é a L-tirosina, um
aminoácido aromático que está presente nos fluídos corporais e é captado
pelos neurônios adrenérgicos. A tirosina hidroxilase, uma enzima citosólica
que catalisa a conversão da tirosina em DOPA, é encontrada apenas em
células que contêm catecolaminas. Trata-se de uma enzima bastante
seletiva; diferentemente das outras enzimas envolvidas no metabolismo
das catecolaminas. Esta primeira etapa da hidroxilação é o principal ponto
de controle para a síntese de noradrenalina. A tirosina hidroxilase é inibida
pelo produto final da via de biossíntese, a noradrenalina.
A próxima etapa da conversão de DOPA em dopamina, é catalisada
pela DOPA descarboxilase, uma enzima citosólica que não está confinada
exclusivamente em células que sintetizam catecolaminas. Ela é uma
enzima relativamente inespecífica. A atividade da dopa descarboxilase não
é fator limitante da velocidade da síntese de noradrenalina.
A dopamina β-hidroxilase (DBH) é também uma enzima
relativamente inespecífica, mas está restrita às células que sintetizam
catecolaminas. Essa enzima está localizada em vesículas sinápticas.
Armazenamento de noradrenalina
A maior parte da adrenalina nas terminações nervosas ou células
cromafins está contida em vesículas; e em condições normais, apenas uma
pequena quantidade encontra-se na forma livre no citoplasma.
Liberação da noradrenalina
A despolarização da membrana da terminação nervosa abre canais
de cálcio na membrana, e a conseqüente entrada de Ca++ promove a
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fusão e o esvaziamento das vesículas sinápticas.
Regulação da liberação de noradrenalina
A liberação de noradrenalina é afetada por uma variedade de
substâncias que agem em receptores pré-sinápticos. A noradrenalina,
atuando em receptores pré-sinápticos, pode regular sua própria liberação.
Acredita-se que isso ocorra fisiologicamente, de tal modo que a
noradrenalina liberada exerce um efeito inibitório local sobre as
terminações das quais ela se origina – o chamado mecanismo de
retroalimentação auto-inibitória.
Captura e degradação das catecolaminas .
A ação da noradrenalina liberada termina principalmente pela
captura do transmissor nas terminações nervosas noradrenérgicas. A
adrenalina e a noradrenalina circulantes são degradadas enzimaticamente,
porém muito mais lentamente do que a acetilcolina, onde a
acetilcolinesterase localizada na sinapse inativa o neurotransmissor em
milissegundos. As duas enzimas principais que metabolizam as
catecolaminas estão localizadas intracelularmente, por isso a captação
pelas células necessariamente precede a degradação metabólica.
As catecolaminas endógenas e exógenas são metabolizadas
principalmente por duas enzimas : a monoaminooxidase (MAO) e a catecol-
O-metil transferase (COMT). A MAO ocorre no interior das células, ligada à
membrana externa das mitocôndrias. A COMT está ausente nos neurônios
noradrenérgicos, mas é encontrada na medula da supra-renal e em muitas
outras células e tecidos.
1.2.2- Neurotransmissão dopaminérgica:
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A dopamina é sintetizada no cérebro através da ativação da enzima
tirosina hidroxilase (TH) que converte o aminoácido tirosina em L-dopa,
que por sua vez é descarboxilado para formar a dopamina. Assim, a taxa
de síntese de dopamina é modulada pela atividade da TH e pode ser
atenuada pela ativação dos auto-receptores, ou seja, dos receptores
localizados na célula pré-sináptica.
Disparos de Neurônios Dopaminérgicos e Liberação de dopamina
Os neurônios de dopamina apresentam dois modos distintos de
atividade: a atividade tônica que ocorre através do disparo espontâneo
destes neurônios e a atividade fásica, representada pelo padrão explosivo
de disparos que ocorrem em resposta a estímulos com relevância
comportamental.
Liberação tônica: A dopamina liberada tonicamente determina os
níveis extracelulares deste neurotransmissor em estruturas subcorticais. A
liberação tônica contribui na regulação da intensidade de liberação fásica
através da retro-ativação de auto-receptores pré-sinápticos de dopamina,
implicados na inibição da síntese e liberação de dopamina.
Liberação fásica: a liberação fásica de dopamina ativa receptores
pós-sinápticos e é rapidamente removida da fenda sináptica por
mecanismos de recaptação, através do transportador de dopamina (DAT).
Tem sido proposto um mecanismo alternativo de liberação de dopamina
que envolve o transporte reverso através da amina citosólica pelo
carreador ou transportador DAT, originalmente responsável pela
recaptação, que pode operar em direção oposta, liberando DA do terminal
nervoso.
As formas mais importantes de cessar a ação da dopamina (e de
outras catecolaminas) no cérebro envolvem a recaptação em terminais
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nervosos através da DAT e seu metabolismo através das enzimas
monoaminaoxidase (MAO) e catecol-O-metiltranferase (COMT).
A dopamina liberada é convertida em ácido dihidroxifenilacético (DOPAC)
pela monoamina oxidase intraneuronal (MAO) depois de ser recaptada pelo
terminal nervoso. A dopamina liberada também é convertida em ácido
homovanílico (HVA), provavelmente no espaço extraneuronal, através da
ação sequencial da catecol-O-metiltransferase (COMT) e MAO.
Os principais metabólitos da dopamina no sistema nervoso central
são HVA, DOPAC, e em pequena quantidade o 3-metoxitiramina (3-MT)
que são indicativos da taxa de dopamina.
O DAT é uma proteína integral de membrana do terminal nervoso
dopaminérgico que tem uma função crítica de finalizar a atividade de
dopamina através da recaptação pré-sináptica desse neurotransmissor, ou
seja, o transporte de dopamina para o sítio pré-sináptico.
O DAT é um importante alvo de ação de drogas psicoestimulantes e do
peroxinitrito (ONOO-). Assim, a localização específica do DAT em
neurônios dopaminérgicos e as ações desta proteína fazem dele um forte
candidato envolvido em várias doenças psiquiátricas.
Receptores de Dopamina
Enquanto nos anos 60 e 70 a maior preocupação era estabelecer um
papel independente à dopamina e determinar suas funções
comportamentais e fisiológicas, os anos 80 foram os anos destinados ao
conhecimento dos receptores de dopamina e suas funções específicas nas
diferentes vias cerebrais dentro de um complexo crescente sistema de
interação neuronal.
A primeira evidência da presença de dopamina veio de experimentos
mostrando a estimulação da adenilil ciclase pela dopamina (Kebabian et
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aL., 1972). Pouco tempo depois, Philip Seeman identificou um sítio
inicialmente chamado de receptor de dopamina e neurolépticos (drogas
utilizadas para o tratamento de esquizofrenia) no cérebro (Seeman et aL.,
1976), mas posteriormente foi denominado receptor de dopamina D2. Este
receptor continua sendo o principal alvo dos antipsicóticos, embora ele
esteja ligado a vários efeitos colaterais associados a estas drogas.
Nos anos 80, foi demonstrado que o receptor D2 na hipófise,
envolvido no controle da liberação de prolactina, inibia a adenilil ciclase, ao
contrário da estimulação produzida pelo receptor de dopamina D1. Com o
avanço da biologia molecular nestes anos, foram identificados os outros
receptores de dopamina classificados nas famílias de receptores D1 e D2
baseado na resposta à adenilil ciclase, na seqüência homológica e na
farmacologia (ação de drogas).
Os próximos passos foram determinar a distribuição destes
receptores no cérebro e a relação desta distribuição com as vias
dopaminérgicas e suas funções. Os auto-receptores podem existir no
soma, nos dendritos e nos terminais nervosos de células dopaminérgicas.
A estimulação dos auto-receptores dopaminérgicos na região sômato-
dendrítica diminui a taxa de disparos destes neurônios, enquanto a
estimulação de auto-receptores dos terminais nervosos inibe a síntese e a
liberação de DA. Ambos os auto-receptores de terminais nervosos e
sômato-dendríticos são classificados como receptores do tipo D2. Os auto-
receptores são de 5 a 10 vezes mais sensíveis aos efeitos da DA e da
apomorfina (agonista dopaminérgico) do que os receptores pós-sinápticos
em modelos comportamentais, bioquímicos e de eletrofisiologia. Portanto,
em baixas doses, os efeitos de agentes dopaminérgicos mediados por
auto-receptores são predominantes, resultando em uma diminuição da
função dopaminérgica, enquanto em altas doses ocorre também a
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estimulação pós-sináptica aumentando a função dopaminérgica. O efeito
conjunto de drogas na atividade dopaminérgica dependerá de ambos os
efeitos pós- e pré-sinápticos e da seletividade com que elas agem nos
diferentes sítios.
Os efeitos de drogas na neurotransmissão dopaminérgica podem ser:
i) efeitos na função pré-sináptica, não mediados por receptores; ii) efeitos
mediados por receptores de dopamina; iii) efeitos mediados indiretamente
como um resultado da interação de drogas com outros sistemas de
neurotransmissores que interagem com neurônios dopaminérgicos.
Os receptores dopaminérgicos parecem apresentar alterações em
estados de doença. Na esquizofrenia, as densidades de DAT e de
receptores D1 são normais, entretanto, a de receptores D2 é
consideravelmente elevada em estudos post-mortem em regiões cerebrais
tais como o caudado e putâmen, mesmo em tecidos obtidos de indivíduos
livres de tratamentos com neurolépticos. A perda de DA mesencefálica na
doença de Parkinson é acompanhada de uma perda de DAT e um aumento
da densidade de ambos os receptores D1 e D2.
1.2.3- Mecanismo da neurotransmissão serotoninérgica
A serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT) é uma Indolamina, produto
da transformação do aminoácido L-Triptofano sendo um neurotransmissor
amplamente distribuído em nosso organismo. No SNC, a Serotonina se
encontra armazenada no interior de vesículas e também está presente nos
neurônios do plexo mioentérico, em células enterocromafins e nas
plaquetas. Além disso, a Serotonina está presente tanto em terminações
nervosas centrais como periféricas. O processo de síntese de Serotonina
envolve duas situações: a síntese no terminal e a síntese nas células
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 36
enterocromafins.
O precursor da Serotonina é o aminoácido Triptofano, conhecido
também como 5-HTP (5-hidroxitriptofano). Ele atua no cérebro ajudando a
melhorar o humor, evitando a depressão, a ansiedade e a insônia, e é um
nutriente encontrado em alimentos ricos em proteínas e laticínios, como
carne, peixe, peru, requeijão, banana, tâmara, amendoim,entre outros. O
5-HTP pode ser também, tomado como suplemento dietético auxiliando na
ação dos antidepressivos tradicionais. Este penetra no botão terminal e,
através da Triptofano hidroxilase, é convertido a 5-hidroxi-triptofano. Em
seguida, se transforma na molécula de Serotonina pela ação da
Aminoácido-descarboxilase. Como este processo de síntese ocorre no
citoplasma, a Serotonina formada penetra na vesícula e ficará armazenada
com intuito de protegê-la da degradação.
Após ser liberada pela vesícula na fenda sináptica, a Serotonina irá
atuar em seus receptores específicos. Como qualquer neurotransmissor,
ela pode ser degradada de duas maneiras. A primeira é através da
Aldeído-desidrogenase, existindo uma metabolização extracelular. E a
segunda ocorre quando a mesma é recaptada por transportadores na
membrana pré-sináptica para dentro da terminação e permanece no
citoplasma sendo metabolizada pela enzima mitocondrial Monoamino-
oxidase do tipo A (MAO-A). Para evitar este ultimo tipo de metabolização
ela pode retornar para dentro da vesícula.
Vale ressaltar que existem dois tipos de MAO, a do tipo A e a do
Tipo B. A serotonina é substrato apenas para a MAO do tipo A. Por este
motivo, como existem substâncias inibidoras específicas de cada MAO,
deve-se ficar atento ao uso de uma substancia inibidora da MAO-B, pois
não haverá efeito sobre a serotonina.
A serotonina quando metabolizada tanto pela MAO-A como pela
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Aldeído-desidrogenase, dará origem a um metabólito único, o 5-hidroxi-
indol-ácido-acético (5-HIAA). Esse metabólito pode ser lançado na urina e
pode ser útil para a verificação dos níveis de Serotonina no organismo e no
diagnóstico de doenças como a depressão.
Outro ponto importante é que existem medicamentos, como os
antidepressivos, que agem inibindo seletivamente esta recaptação pela
membrana pré-sináptica e com isso a concentração de Serotonina aumenta
na fenda sináptica.
Já síntese nas células enterocromafins ocorre semelhante a do botão
terminal, ou seja, há entrada de Triptofano que sofrerá Hidroxilação
seguida de uma Descarboxilação e formação e armazenamento de
Serotonina dentro de grânulos destas células. Quanto a metabolização da
Serotonina, nestas mesmas células, é igual à que ocorre nas terminações
sofrendo ação da MAO-A dentro do seu citoplasma, porém não haverá nas
células enterocromafins uma recaptação para dentro da célula.
A maior parte da Serotonina liberada por estas células cai na
corrente sangüínea, e terá um efeito mais generalizado. A metabolização
da Serotonina pode ocorrer nos seguintes locais: Endotélio Vascular,
principalmente no endotélio de vasos pulmonares podendo sofrer ação
tanto da MAO-A quanto da Aldeído-desidrogenase ; essas mesmas
enzimas (MAO-A e Aldeído desidrogenase) estão presentes também no
fígado, indicando que este neurotransmissor sofre então uma
biotransformação hepática. O fígado e o pulmão constituirão os locais de
maior metabolização deste composto, já que terão mais enzimas do que as
células enterocromafins. Quando Serotonina está no sangue, ela é captada
pelas plaquetas por um mecanismo dependente de carreadores (a plaqueta
consegue armazenar ativamente a serotonina). Sempre que houver uma
alteração que promova a formação de um agregado plaquetário, quanto
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mais plaquetas se agregam, maior o estímulo para a secreção de produtos
plaquetários, inclusive a Serotonina. A Serotonina terá o efeito de estimular
a agregação plaquetária e de promover uma vasoconstrição.
Existem receptores serotoninérgicos classificados em 1, 2, 3, 4, 5, 6
e 7, com seus subtipos. Todos estes receptores, com exceção do tipo 3,
são receptores metabotrópicos, ou seja, são receptores associados à
Proteína G e vão estar dependendo de um segundo mensageiro. Estimula
a Proteína Gi, promovendo uma diminuição na concentração de AMP
cíclico. Eles estão distribuídos principalmente no cérebro e causam a
ativação de canais de potássio operados por receptores e a inibição de
canais de cálcio regulados por voltagem, origem dos efeitos
hiperpolarizantes. Os receptores do Tipo 1 são subdivididos subtipos em
1A, 1B e 1D, sendo que o 1B esta presente nos roedores e atua da mesma
maneira que o receptor 1D no homem.
Receptor 5-HT1A: está presente nos núcleos da rafe do tronco
cefálico onde atua como auto-receptor somatodendrítico inibitório nos
corpos celulares de neurônios serotoninérgicos. Ao se ligar a auto-
receptores somatodendríticos 5-HT1A, a Serotonina liberada de colaterais
axônicos ou de neurônios adjacentes lentifica ou inibe o fluxo do impulso
neuronal através do neurônio serotoninérgico devido a hiperpolarização
criada no corpo celular do neurônio devido a ativação dos canais de
potássio e com isso diminui a liberação da 5-HT. Esses receptores estão
distribuídos, também, pós-sinapticamente no sistema límbico. Em baixas
concentrações, já que esses receptores são os mais sensíveis, a 5-HT age
nos receptores 5-HT1A promovendo vasodilatação indireta por dois
motivos: pela liberação de óxido nítrico no endotélio e pela inibição da
liberação de noradrenalina nos nervos simpáticos já que estes possuem
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receptores 5-HT1A.
Receptor 5-HT1D: são encontrados abundantemente na substância
negra e nos gânglios da base. Ele atua como auto-receptor em
terminações axônicas (pré-sináptico), inibindo a liberação de 5-HT, pela
inibição dos canais de cálcio regulados por voltagem. Em altas
concentrações promovem diretamente vasoconstrição nos vasos
sanguíneos cerebrais já que em baixas concentrações predominam os
efeitos dos receptores 5-HT1A. Os fármacos agonistas 5-HT1D são
principalmente utilizados no tratamento da cefaléia, onde há vasodilatação
e que é um sintoma da ansiedade, a fim de reverter a vasodilatação
causada por ela.
Vale destacar, que erroneamente, antigamente existia ainda um
receptor 5-HT1C classificado na família 5-HT1, porém analisando suas
propriedades farmacológicas, função de segundo mensageiro e seqüência
deduzida de aminoácidos, foi constatado que o receptor 5-HT1C pertence à
família dos receptores 5-HT2, de modo que recentemente, recebeu a nova
designação de 5-HT2C.
Os receptores do Tipo 2 são subdivididos nos subtipos 2A, 2B, 2C. Eles
são acoplados a proteína Gq e o segundo mensageiro é a Fosfolipase C,
que aumenta a concentração de trifosfato de inositol (IP3) e de Diacil-
Glicerol (DAG). Esse mecanismo vai favorecer a abertura de canais de
cálcio, contribuindo para o efeito constrictor da serotonina (no músculo
liso).
Os receptores do tipo 3 são receptores ionotrópicos. A Serotonina
se encaixa no sítio receptor de um canal iônico, determinando sua abertura
ou fechamento. Esse canal iônico pode ser de cálcio, sódio ou potássio.
No sistema nervoso periférico estão localizados principalmente nos
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neurônios nociceptivos, e em gânglios autonômicos e entéricos. No SNC
verifica-se uma alta presença no núcleo do trato solitário, na área postrema
do bulbo, envolvida com o reflexo do vômito e no trato solitário. Quando
ativado o receptor 5-HT3 desencadeia uma despolarização rapidamente
dessnsibilizante mediada pela regulação de canais catiônicos regulados
por voltagem. Esses receptores são importantes principalmente a nível
gastro-entérico, pois eles promovem um estímulo nos gânglios
parassimpáticos estimulando a liberação de acetilcolina na fibra muscular
lisa o que aumenta a peristalse intestinal. Além disso, estimulam
terminações nervosas sensoriais, por isso provocam dor local ao serem
injetadas, a zona do gatilho e o quadro de ansiedade. É comum como
efeito colateral de fármacos ansiolíticos e antidepressivos pelo aumento da
concentração de Serotonina, uma superestimulação parassimpática devido
a esses receptores, como por exemplo, vômitos e náuseas. As principais
utilizações farmacológicas se dão a fim de evitar o vômito na quimioterapia
e a ansiedade.
Os receptores do tipo 4 estão associados à estimulação da Adenil
ciclase e levam a um aumento na concentração de AMP cíclico. Em relação
aos receptores do tipo 5, 6 e 7 não há certeza sobre seus efeitos
fisiológicos, sabe-se somente que são metabotrópicos.
De modo geral a Serotonina regula o humor, o sono, a atividade
sexual, o apetite, o ritmo circadiano, as funções neuroendócrinas,
temperatura corporal, sensibilidade à dor, atividade motora e funções
cognitivas.
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IV. CLÍNICA
Quando estudamos depressão concluímos que os estados
depressivos apresentam uma grande riqueza no se que refere à
variabilidade clínica, assim como é certo que muitos subgrupos não são
senão distintas manifestações do mesmo ou diferentes apreciações de
diversos profissionais.
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Hoje em dia, as classificações das Depressões mais conhecida são a
Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão (CID10) e o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª revisão, da American
Psychiatry Association (DSM.IV). Ambas caracterizam a depressão como
um conjunto de sintomas que incluem sentimento de tristeza persistente,
fadiga ou dores no corpo, insônia, mudanças no apetite, dificuldade de
concentração, irritabilidade, medos irracionais e sentimentos de baixa auto-
estima, culpa ou fracasso.
Algumas pessoas apresentam apenas alguns dos sintomas, outros
apresentam inúmeros sintomas, com intensidade variada. De acordo com o
DSM-IV, para ser caracterizado como depressão, este conjunto de
sintomas deve estar presente por no mínimo duas semanas e causar
prejuízo significativo na vida social e/ou ocupacional do indivíduo. Segundo
a CID-10, dependendo da forma como os sintomas são experimentados, a
depressão deve ser classificada como leve, moderada ou severa.
Quanto à classificação da doença consideram-se os Transtornos
Depressivos da seguinte maneira:
- Transtorno Afetivo Bipolar (CID 10).
- Episódios Depressivos (CID 10).
- Transtorno Depressivo Recorrente (CID 10).
- Transtorno Depressivo Maior (DSM IV).
- Distimia e Ciclotimia (CID 10).
2.1- Transtorno Afetivo Bipolar
Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), também conhecido como
Transtorno Bipolar do Humor (TBH) ou, antigamente, Psicose Maníaco
Depressiva (PMD), é uma doença relacionada ao humor ou afeto,
classificada junto com a Depressão e Distimia. O TAB se caracteriza por
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alterações do humor, com episódios depressivos e maníacos (euforia) ao
longo da vida. Sendo esta forma euforia-depressão bem caracterizada e
reconhecível, permitindo o diagnóstico precoce e confiável.
No DSM.IV são classificados 2 tipos de TBH.: Tipo I e Tipo II. A
característica essencial do Transtorno Bipolar I é um curso clínico
caracterizado pela ocorrência de um ou mais Episódios Maníacos ou
Episódios Mistos. Com freqüência, os indivíduos também tiveram um ou
mais Episódios Depressivos Maiores. Por outro lado, a característica
essencial do Transtorno Bipolar II é um curso clínico marcado pela
ocorrência de um ou mais Episódios Depressivos Maiores, acompanhados
por pelo menos um Episódio Hipomaníaco.
2.1.1- Bipolar I ou psicose maníaco depressiva:
Anteriormente chamado de Psicose Maníaco-Depressiva, o
Transtorno de Humor Bipolar I caracteriza-se por uma maioria dos
episódios de alteração do humor do tipo euforia, com ocorrência de no
mínimo dois episódios de mudança brusca de humor, nos quais o indivíduo
apresenta uma perturbação nos níveis de humor e atividade. O período de
duração média de um episódio maníaco gira em torno de quatro meses,
enquanto que o episódio depressivo pode durar mais tempo, cerca de 6
meses. O quadro se manifesta por mudanças abruptas do humor, ou seja,
há ocasiões em que ocorre elevação significativa dos níveis de humor, da
energia e da atividade (episódio maníaco), seguidas de outras em que há
rebaixamento destes mesmos níveis (depressão). Ou seja, oscilações
cíclicas do humor entre "altos" (mania) e "baixos" (depressão).
O aumento da energia no episódio maníaco vem caracterizado por
uma hiperatividade, fala excessiva (logorréia), diminuição da necessidade
do sono, grandiosidade e otimismo excessivo. O indivíduo acredita ser
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capaz de realizar atos inimagináveis, relata ter várias habilidades, gasta
dinheiro em excesso, entre outros. Já no episódio depressivo ocorre o
processo contrário, podendo o paciente apresentar até mesmo idéia
suicida.
A mania prejudica o raciocínio, a crítica (capacidade de julgamento)
e o comportamento social, podendo ocasionar graves conseqüências e
constrangimentos, pois a pessoa em fase mania se envolve facilmente em
negócios mirabolantes e incertos ou em aventuras românticas e toma
atitudes precipitadas e inadequadas. Se não tratada, a mania pode piorar,
evoluindo para quadro psicótico (com delírios e/ou alucinações).
2.1.2- Bipolar II:
A característica essencial do Transtorno Bipolar II é uma maioria de
episódios como sendo depressivos, com ocorrência de ciclos rápidos de
Depressão, acompanhados por pelo menos um Episódio Hipomaníaco.
Estes ciclos podem se alternar de uma semana para outra, de um dia para
outro, ou até num mesmo dia.
2.2- Episódio Depressivo
Devido ao fato dos estados depressivos se acompanharem, com
muita assiduidade, de sintomas somáticos, a existência ou não destes
sintomas faz parte da classificação, assim como também a presença de
sintomas psicóticos. Segundo a CID.10 a classificação dos Episódios
Depressivos ficaria assim:
- Episódio Depressivo Leve.
- Episódio Depressivo Leve sem Sintomas Somáticos.
- Episódio Depressivo Leve com Sintomas Somáticos.
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- Episódio Depressivo Moderado.
- Episódio Depressivo Moderado sem Sintomas Somáticos.
- Episódio Depressivo Moderado com Sintomas Somáticos.
- Episódio Depressivo Grave sem Sintomas Psicóticos.
- Episódio Depressivo Grave com Sintomas Psicóticos.
Sintomas somáticos estariam relacionados a dores vagas e imprecisas,
tonturas, cólicas e falta de ar; e sintomas psicóticos seriam delírios e/ou
alucinações.
2.2.1- Episódio depressivo leve: presentes ao menos dois ou três dos
sintomas citados anteriormente. O paciente usualmente sofre com a
presença destes sintomas, mas provavelmente será capaz de
desempenhar a maior parte das atividades.
2.2.2- Episódio depressivo moderado: geralmente estão presentes
quatro ou mais dos sintomas citados anteriormente e o paciente
aparentemente tem muita dificuldade para continuar a desempenhar as
atividades de rotina.
2.2.3- Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos: presença
de vários dos sintomas de forma marcante e angustiante, tipicamente a
perda da auto-estima e idéias de culpa. As idéias e os atos suicidas são
comuns e observa-se em geral uma série de sintomas "somáticos".
2.2.4- Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos: episódio
depressivo grave mas acompanhado de alucinações, idéias delirantes, de
uma lentidão psicomotora ou de estupor de uma gravidade tal que todas as
atividades sociais normais tornam-se impossíveis; pode existir o risco de
morrer por suicídio, de desidratação ou de desnutrição. As alucinações e
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os delírios podem não corresponder ao caráter dominante do distúrbio
afetivo.
2.3- Transtorno Depressivo Recorrente
Com esse nome a CID.10 classifica os transtornos depressivos que
se caracterizam pela ocorrência repetida de Episódios Depressivos. Eles
podem ser desencadeados por alguma vivência traumática, mas, via de
regra, surgem sem uma causa vivencial aparente. Antigamente, era
chamado de Psicose Maníaco-Depressiva (PMD), ou de Melancolia, assim
como de Depressão Vital ou Depressão Endógena por outros autores.
Esse transtorno pode, contudo, comportar breves episódios
caracterizados por um ligeiro aumento de humor e da atividade
(hipomania), sucedendo imediatamente a um Episódio Depressivo. Sendo
o primeiro episódio depressivo do Transtorno Depressivo Recorrente pode
ocorrer em qualquer idade, durando de algumas semanas a alguns meses.
Depois do surgimento de um segundo Episódio Depressivo, a chance de
um terceiro é em torno de 90%, caracterizando assim o Transtorno
Depressivo Recorrente.
As classificações do Transtorno Depressivo Recorrente são:
-Transtorno depressivo recorrente, episódio atual leve.
-Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado.
-Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas
psicóticos.
Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas
psicóticos.
-Transtorno depressivo recorrente, atualmente em remissão.
-Outros transtornos depressivos recorrentes.
-Transtorno depressivo recorrente sem especificação
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2.4- Transtorno Depressivo Maior ou Unipolar
Para o diagnóstico de Depressão Maior, segundo o Americam
Psychiatric Association (DSM-IV), o indivíduo precisa apresentar pelo
menos 5 dos sintomas descritos a seguir, por um período de no mínimo
duas semanas. Dentre os sintomas, pelo menos um deve ser o humor
deprimido ou a perda do interesse ou prazer. O quadro precisa causar
prejuízo significativo nas atividades sociais, ocupacionais e de lazer do
indivíduo. A Depressão Maior pode ser manifestada apenas por um único
episódio, ou ser recorrente.
2.5- Distimia e Ciclotimia
Conceitualmente entende-se como Distimia uma depressão crônica,
com sintomatologia não suficientemente grave para podermos classificá-la
como Episódio Depressivo ou Transtorno Depressivo Recorrente. A
característica essencial do Transtorno Distímico é um humor cronicamente
deprimido que ocorre na maior parte do dia, na maioria dos dias e por pelo
menos 2 anos. Na Distimia as pessoas se auto-definem como
tristes, geralmente são mal humoradas, amargas, irônicas e implicantes.
Em geral os pacientes distímicos vêem a si próprios como
desinteressantes ou incapazes e, embora experimentem períodos de dias
ou semanas de normalidade afetiva, durante os quais referem como
estando bem, na quase maioria do tempo queixam-se de fadiga, desânimo,
desinteresse e apatia, tendência à tristeza, dificuldade no relacionamento e
na adaptação ambiental.
Para os distímicos, os fatos da vida são percebidos com muita
amargura e são mais difíceis de suportar, de forma que as vivências
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desagradáveis são ruminadas por muito tempo e revividas com
intensidade, sofrimento e emoção. Já as vivências mais agradáveis
passam quase desapercebidas, são fugazes e esquecidas com rapidez. Ao
serem medicados, tais pacientes, normalmente "preferem" perceber os
efeitos colaterais dos medicamentos aos efeitos terapêuticos pretendidos.
O prejuízo no funcionamento social e profissional é a razão que
normalmente leva o paciente a procurar ajuda: há desinteresse, perda da
iniciativa, capacidade de concentração diminuída, perda da libido, memória
prejudicada, fadiga e cansaço constante, vulnerabilidade a outras doenças,
diminuição da auto-estima, inibição psíquica generalizada, perda da
capacidade de sentir prazer pelas coisas da vida, insegurança,
pessimismo, retraimento social, tendência ao isolamento, choro fácil,
insônia, ansiedade e angústia.
Em crianças, nas quais, como sempre, os fenômenos depressivos se
apresentam de forma atípica, o Transtorno Distímico pode estar associado
com Transtorno de Déficit de Atenção por Hiperatividade (antiga
Hipercinesia), Transtornos de Ansiedade e Transtornos de Aprendizagem.
A Distimia infantil acarreta um comprometimento do desempenho escolar e
da interação social. Em crianças, na prática clínica, muitas vezes
encontramos apenas Hiperatividade, baixo rendimento escolar e rebeldia
como sinais da Distimia. Geralmente, tanto as crianças quanto os
adolescentes com Transtorno Distímico, mostram-se irritáveis, ranzinzas,
pessimistas, deprimidos e podem ter redução da auto-estima e fraco
desempenho social.
Além da Distimia, há a ciclotimia, que se caracteriza por um traço de
personalidade cujo humor é oscilante e desregulado, e cujas fases não
chegam a ser configuradas como mania ou depressão, ou seja,
alternâncias leves no humor.
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2.6- Outras Origens da Depressão
2.6.1- Primária:
Quando não se tem uma causa detectável.
2.6.2- Secundária
Atribuível a doenças físicas ou a medicamentos. Entretanto,
frequentemente, a depressão resultante de um distúrbio físico apresenta
tanto causas diretas quanto indiretas. Por exemplo, a AIDS pode causar
depressão diretamente quando o vírus da imunodeficiência humana (HIV),
o qual causa a AIDS, lesa o cérebro. A AIDS pode causar depressão
indiretamente quando ela tem um impacto global negativo sobre a vida do
indivíduo.
2.6.3- Genética
A etiologia genética está relacionada com o padrão de aparecimento
em membros de uma mesma família.
2.6.4- Depressão pós-parto
Estima-se que de 25 a 35% das mulheres apresentam sintomas
depressivos na gravidez e que até 20% das mulheres podem preencher os
critérios para depressão (ZINGA, DAWN, 2005). O conhecimento atual
sugere que algumas mulheres possuem uma sensibilidade particular a
alterações hormonais, começando no início da menarca, o que aumenta
sua vulnerabilidade aos estressores psicológicos, ambientais e fisiológicos
durante a menacme. Em mulheres suscetíveis, esses estressores
desencadeiam a alteração de um estado já vulnerável para a manifestação
de um transtorno do humor especificamente feminino em momentos de
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altas flutuações hormonais, tais como no parto.
A evidência mais reforçada de uma etiologia hormonal significativa
foi demonstrada por um experimento que simulou os níveis
suprafisiológicos do estradiol e da progesterona em fases avançadas da
gravidez e sua subsequente retirada, como no parto, em mulheres com ou
sem histórico de DPP. Foram evidenciadas interações recíprocas entre o
eixo hipotálamo-pituitária-gonadal (HPG) e o sistema serotoninérgico. Os
baixos níveis dos esteróides gonadais que são típicos do puerpério podem
diminuir a atividade serotoninérgica central e proporcionar uma
vulnerabilidade maior ao desenvolvimento de sintomas de humor em
mulheres suscetíveis (ZINGA, DAWN, 2005).
VI. DIAGNÓSTICOA depressão é uma condição médica comum, crônica e recorrente.
Está frequentemente associada à incapacitação funcional e
comprometimento da saúde física. Os pacientes deprimidos apresentam
limitação da sua atividade e bem-estar (Johnson J., et al, 1992).
No entanto, a depressão é sub-diagnosticada e sub-tratada. Em
torno de 50% a 60% dos casos de depressão não são detectados pelo
médico clínico. Muitas vezes, os pacientes deprimidos também não
recebem tratamentos suficientemente adequados e específicos. A morbi-
mortalidade associada à depressão pode ser em boa parte prevenida (em
torno de 70%) com o tratamento correto. Em serviços de cuidados
primários e outros serviços médicos gerais, de 30% a 50% dos casos de
depressão não são diagnosticados (McQuaid J.,et al,1999).
Os motivos para o sub-diagnóstico advêm de fatores relacionados
aos pacientes e aos médicos. Os pacientes podem ter preconceito em
relação ao diagnóstico de depressão e descrença em relação ao
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tratamento. Os fatores relacionados aos médicos incluem falta de
treinamento, falta de tempo, descrença em relação à efetividade do
tratamento, reconhecimento apenas dos sintomas físicos da depressão e
identificação dos sintomas de depressão como uma reação
“compreensível”. Os modernos sistemas classificatórios em psiquiatria
operacionalizaram o diagnóstico de depressão facilitando seu
reconhecimento e a comunicação científica entre profissionais (Tabela 1).
Na Tabela 2, são apresentadas algumas perguntas que podem melhorar a
detecção dos casos de depressão pelo médico não-psiquiatra. Além do
diagnóstico de episódio depressivo, existem outras apresentações de
depressão que apresentam sintomas menos intensos, porém com grau de
incapacitação próximo, sendo muito frequentes nos serviços de atenção
primária. A distimia é um transtorno depressivo crônico com menor
intensidade de sintomas, presente por pelo menos dois anos com períodos
ocasionais e curtos de bem-estar. Além do humor depressivo, devem estar
presentes até três dos seguintes sintomas: redução de energia; insônia;
diminuição da autoconfiança; dificuldade de concentração; choro;
diminuição do interesse sexual e em outras atividades prazerosas;
sentimento de desesperança e desamparo; inabilidade de lidar com
responsabilidades do dia-a-dia; pessimismo em relação ao futuro;
retraimento social; redução de energia e diminuição do discurso.
Além desse critérios de diagnóstico, também é importante o exame
do estado mental, uma pesquisa sistemática de sinais e sintomas de
alterações do funcionamento mental, durante a entrevista psiquiátrica. As
informações são obtidas através da observação direta da aparência do
paciente, da anamnese, bem como do relato de familiares e outros
informantes como atendentes, amigos, colegas ou até mesmo autoridades
policiais. É essencial não só para o diagnóstico de possíveis transtornos
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psiquiátricos, como pode também oferecer indícios importantes de
transtornos neurológicos, metabólicos, intoxicações ou de efeitos de
drogas (Cordioli, A.V. et al).
Há também alguns marcadores biológicos que possam ser
associados ao quadro depressivo e auxiliar no diagnóstico, tais como
redução da ligação plaquetária de imipramina, redução da expressão de
receptores de 5-HT 1 A, aumento de receptores de IL-2 solúveis no soro,
aumento do nível sérico de IL-6, redução do nível sérico de fator
neurotrófico derivado do cérebro, entre outros (Lopes,A.C., 2009).
VII. PROGNÓSTICOA evolução desta patologia, se não tratada, pode se constituir um
problema sério para o paciente, pois quando o mesmo não encontra
solução para seu sofrimento costuma pensar em suicídio. Números
revelam que a maioria dos pacientes deprimidos que não tratados irá tentar
suicídio pelo menos uma vez e 17% deles alcançam sucesso nessa prática.
Porém, quando o paciente recebe um tratamento adequado ele consegue
melhorar seus sintomas e consequentemente retomar sua vida. Lembrando
que este tratamento deve ser mantido de forma constante durante 4 a 9
meses após a remissão completa e ainda avaliar se há a necessidade de
manutenção do mesmo.
Entretanto, não se pode esquecer que alguns tipos de tratamento,
como os anti-depressivos tricíclicos, demoram cerca de 2 a 3 semanas
para se perceber a melhora da depressão. Isto é explicado através da
teoria de que estes fármacos impedem a recaptação de noradrenalina e/ou
serotonina pelo neurônio pré-sináptico o que originaria um aumento da
disponibilidade desses neurotransmissores para serem captados pelos
neuroreceptores pós-sinápticos. Como resposta, estes neurônios pós-
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sinápticos acabam por reduzir o número de seus neuroreceptores e, muito
possivelmente, também da sensibilidade e atividade deles, fenômeno
chamado de down regulation.
Tendo em vista estes fatos, sabe-se que o tratamento da depressão
é longo e que é de extrema importância o engajamento do paciente neste
processo e a confiança do mesmo em seu médico, para obtenção do
sucesso esperado.
VIII. TRATAMENTO DA DEPRESSÃOUma das problemáticas do tratamento com antidepressivos é a
latência para que ocorra o efeito desejável. Geralmente este aparece após
3-4 semanas de tratamento contínuo. Estudos apontam que esta demora
deve-se às alterações neuroadaptativas necessárias que ocorrem em áreas
encefálicas somente após este período de tratamento. Deve-se salientar
que o tratamento psicoterápico é de grande importância no sentido de
promover e auxiliar a reorganização psíquica do indivíduo, tanto pela
abordagem psicológica como psiquiátrica, podendo ser associado com os
medicamentos.
Existem várias opções para o tratamento da depressão, incluindo
terapia cognitiva comportamental, psicoterapia interpessoal,
medicamentos, terapia eletroconvulsiva e a combinação das terapias com
os antidepressivos. O desenvolvimento de drogas específicas para o
tratamento da depressão ocorreu no final da década de 50 do século
passado, com a descoberta dos IMAO e os antidepressivos tricíclicos.
Ambos os mecanismos aumentam a disponibilidade de NA e 5-HT em
certas estruturas do encéfalo. Porém, estas duas classes de drogas
antidepressivas, além de apresentarem muitos efeitos adversos, estão
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associadas com efeitos secundários devido ao risco de interação com
outros medicamentos e alimentos. O lítio, introduzido em 1949, e
comumente conhecido como “estabilizador do humor”, é utilizado para o
tratamento agudo da mania e transtornos bipolares I e II, além de ser
utilizado em regimes combinados, ou quando pessoas com depressão não
respondem ao tratamento com antidepressivos. A busca de novos
medicamentos foi alcançada na década de 80, com os antidepressivos de
segunda geração, denominados inibidores seletivos da recaptação de
serotonina, sendo atualmente os mais empregados para o tratamento da
depressão.
A terapia eletroconvulsiva, introduzida na década de 30, foi o
primeiro tratamento efetivo no combate à depressão. O choque elétrico
provoca uma convulsão de curto período, sendo que esta convulsão induz
a liberação de neurotransmissores, promovendo a estimulação direta de
estruturas encefálicas. Todavia, hoje é utilizada como opção de tratamento
se os medicamentos existentes não oferecerem uma resposta satisfatória.
Outros medicamentos como, por exemplo, os anticonvulsivantes, não
apresentam efeitos antidepressivos robustos, mas podem ser úteis em
alguns casos em combinação com antidepressivos.
IX. PERSPECTIVAS FUTURASA ação dos antidepressivos atuais está diretamente ligada ao
aumento da disponibilidade de neurotransmissores, principalmente de
monoaminas como a 5-HT e NA. Tanto a NA quanto a 5-HT se ligam a
receptores metabotrópicos, ou seja, receptores acoplados a proteína G, e
ativam ou não sistemas de segundos mensageiros. Por exemplo, a ligação
da NA em seus receptores acoplados a proteína Gs desencadeia a
dissociação da subunidade da proteína G das subunidades Gß e G . A
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proteína G ativa a enzima adenilato ciclase (AC) induzindo a produção
de adenosina monofosfato cíclico (AMPc) a partir do ATP. O aumento do
AMPc no citoplasma ativa a proteína cinase A (PKA) dependente do AMPc.
Por sua vez, a PKA induz a fosforilação e ativação de várias proteínas,
como a proteína ligante do elemento de resposta ao AMPc (CREB do
inglês, cAMP response element binding protein) que regula a expressão de
fatores neurotróficos, incluindo o BDNF. No caso da 5-HT, esta pode se
ligar a outro tipo de proteína G, dependendo do tipo de receptor ativado,
por exemplo, a proteína Gq. Assim, a ligação deste neurotransmissor em
alguns de seus subtipos de receptores, dissocia a subunidade G que se
liga e ativa a fosfolipase C (PLC). A PLC catalisa o fosfatidil inositol
bifosfato (PIP2) dando origem aos segundos mensageiros diacilglicerol
(DAG) e trifosfato de inositol (IP3). O IP3 induz a liberação de Ca2+
estocado no retículo endoplasmático para o citoplasma e o DAG ativa a
proteína cinase C (PKC). A PKC induz a fosforilação e ativação de outras
proteínas e também do fator de transcrição CREB, que sintetiza fatores
neurotróficos, como por exemplo, o BDNF (Figura 6).
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 56
Provável mecanismo de ação do tratamento crônico com antidepressivos
inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina
(ISRSNA). A inibição crônica dos transportadores de noradrenalina (NAT) e
serotonina (5-HTT) aumenta a disponibilidade dos neurotransmissores NA
e 5-HT. Consequentemente, estes irão atuar em seus respectivos
receptores metabotrópicos pós-sinápticos produzindo os segundos
mensageiros AMPc, através da adenilato ciclase (AC), e trifosfato de
inositol (IP3) e diacilglicerol DAG pela fosfolipase C (PLC). Os segundos
mensageiros AMPc e DAG ativam as proteínas cinases A e C (PKA e PKC,
respectivamente), induzindo a fosforilação e ativação do fator de
transcrição da proteína ligante do elemento de resposta ao AMPc (CREB),
além de outras proteínas. A CREB sintetiza fatores neurotróficos como, por
exemplo, o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) envolvido no
desenvolvimento, regeneração de neurônios, plasticidade sináptica e
neurogênese.
Muitos estudos estão sendo realizados com o propósito de investigar
os mecanismos de ação dos antidepressivos, sendo um dos focos
principais a expressão do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF do
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inglês, brain-derived neurotrophic factor), encontrado em grandes
quantidades no sistema límbico.
No encéfalo, o BDNF está envolvido no desenvolvimento e
regeneração de neurônios, plasticidade sináptica e neurogênese. Pode ser
mensurado no sangue, mais precisamente em plaquetas, como também em
amostras de encéfalos post-mortem. Vários estudos têm revelado que
ocorre uma diminuição dos níveis do BDNF no sangue de pessoas com
depressão e que a expressão do BDNF é diminuída pelo estresse e
glicocorticóides no hipocampo. É possível que a ação dos antidepressivos
induz neurogênese de neurônios no hipocampo, particularmente no giro
denteado, devido ao aumento da síntese de BDNF e de seu receptor do
tipo tirosina cinase B (TrkB).
Estudos em modelos experimentais de depressão mostram que o
BDNF quando injetado no hipocampo e núcleos da rafe, apresenta efeito
similar ao dos antidepressivos com relação à melhora de comportamentos
depressivos e também promovendo a neurogênese. Entretanto, quando o
BDNF é injetado na área tegmental ventral, via dopaminérgica mesolímbica
relacionada ao comportamento de recompensa e motivação, não é
observado o mesmo efeito.
Outras evidências indicam que o BDNF induz efeito trófico na
neurotransmissão serotoninérgica e noradrenérgica. A injeção do BDNF no
córtex, núcleo accumbens, locus coeruleus, estriado, substância negra,
hipocampo e hipotálamo estimula a taxa de renovação e síntese da 5-HT e
no neocórtex, núcleos basais e hipocampo aumenta os níveis de
noradrenalina.
Como foi visto até aqui, são vários os tipos de depressão, como também
várias opções de tratamento. A farmacoterapia aliada à psicoterapia
caminham juntas melhorando o estado depressivo do indivíduo. A
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 58
problemática é o diagnóstico da depressão e o medicamento correto a ser
administrado. Assim, muitos estudos têm sido conduzidos a fim de se
entender as alterações que ocorrem em encéfalos de pacientes tratados e
não tratados para que no futuro possam ser desenvolvidos medicamentos
com mecanismos de ação mais seletivos e eficazes, minimizando os
efeitos adversos e restabelecendo o funcionamento normal do cérebro.
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59
FARMACOLOGIA DA
DEPRESSÃO
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 60
O tratamento da depressão baseia-se em um grupo variado de
agentes terapêuticos antidepressivos. A descoberta no final da década de
50 de drogas antidepressivas e sua utilização na prática clínica tornaram a
depressão um problema médico passível de tratamento.
Até os anos 80 havia duas classes de antidepressivos, os tricíclicos
(ADTs) e os inibidores de monoaminooxidase (IMAOs). Embora muito
eficazes, apresentavam efeitos colaterais indesejáveis causados pela
inespecificidade de sua ação farmacológica e eram potencialmente letais
em casos de superdosagem. Nas últimas duas décadas surgiram novas
classes de antidepressivos a partir da pesquisa de moléculas desprovidas
dos efeitos colaterais dos heterocíclicos. Eles diferem dos clássicos ADTs
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 61
e IMAOs, irreversíveis pela seletividade farmacológica, modificando e
atenuando os efeitos colaterais.
Os antidepressivos não influenciam de forma acentuada o
organismo normal em seu estado basal, apenas corrigem condições
anômalas. Em indivíduos normais não provocam efeitos. Aproximadamente
70% dos pacientes com depressão se beneficiam com os ADTs, mas 30%
a 40% falham na resposta ao primeiro ensaio farmacológico, necessitando
outra classe de antidepressivos ou mesmo terapia eletroconvulsiva, no
caso de uma gravidade acentuada.
O principal objetivo de um tratamento com antidepressivos é a
remissão completa de todos os sintomas, e a manutenção deste nível de
melhora. Para se alcançar este difícil objetivo, freqüentemente são
necessários esquemas terapêuticos envolvendo múltiplos mecanismos
farmacológicos.
O desaparecimento de sintomas como o humor deprimido,
tendência suicida e retardo psicomotor, são bem sucedidos com o
tratamento de antidepressivos. Os sintomas que mais comumente
persistem após o tratamento, impedindo a remissão do transtorno incluem
a insônia, fadiga, queixas físicas múltiplas, dificuldade de concentração e
falta de interesse ou motivação.
Os antidepressivos não atuam da mesma maneira em diferentes
fases da vida. Adultos com idade entre 25-65 anos apresentam a melhor
resposta e tolerabilidade aos antidepressivos. Idosos e pessoas acima dos
65 anos podem não responder de maneira tão rápida e substancial ao
tratamento. Aqueles com idade entre 18-24 anos tem bom aproveitamento
da eficácia dos antidepressivos, porém há uma preocupação com um maior
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 62
risco de indução de tendências suicidas nesta faixa etária. Finalmente,
quanto mais jovem o paciente, menores as evidencias de eficácia e
maiores são as evidencias de indução a tendências suicidas. Assim,
crianças apresentam o mais alto risco e menor beneficio comprovado dos
antidepressivos.
Os antidepressivos constituem uma classe de fármacos
psicotrópicos (substâncias que atuam no sistema nervoso central,
alterando sua atividade). Podemos dividir os diferentes antidepressivos nas
seguintes categorias:
I. Inibidores da captação de monoaminas:
Antidepressivos tricíclicos: inibidores não-seletivos (ou em alguns
casos seletivos da noradrenalina) da captação das monoaminas.
Inibidores seletivos da captação de serotonina.
II. Inibidores da monoaminoxidase (MAO): tanto inibidores seletivos dos
subtipos de MAO, quanto não-seletivos.
III. Antidepressivos atípicos: compostos com efeitos bloqueadores não-
seletivos de receptor.
De forma geral, todos os antidepressivos são capazes de reforçar a
ação sináptica de uma ou mais de três monoaminas: dopamina,
noradrenalina e serotonina. Esta ação farmacológica é consistente com a
hipótese das monoaminas para a depressão, que afirma que as
monoaminas, de alguma forma, são depletadas e aliviam a depressão
quando estimuladas.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 63
Entretanto, esta relação gera uma dúvida: se os antidepressivos
elevam os níveis das monoaminas com bastante rapidez, como podem
seus efeitos ocorrerem apenas semanas depois? A resposta pode consistir
no fato de que o aumento dos níveis das monoaminas levam a alterações
adaptativas de sub-regulação e dessensibilização dos receptores pós-
sinápticos com o tempo. Este raciocínio é ainda corroborado pela hipótese
dos receptores, que afirma que na depressão, ocorre inicialmente
suprarregulação destes.
As alterações adaptativas no número ou sensibilidade dos
receptores são provavelmente conseqüentes de alterações na expressão
gênica. Isto pode incluir desativação da síntese de receptores, aumento da
síntese de fatores neurotróficos, etc. Esses mecanismos podem se aplicar
de maneira ampla às diversas classes de antidepressivos.
I) Inibidores da monoaminoxidase
Os primeiros antidepressivos clinicamente eficazes a serem
descobertos foram os inibidores da enzima monoaminaoxidase (IMAO).
Além de atuarem como potentes antidepressivos, os IMAO também
mostram-se muito eficazes em alguns transtornos ansiosos. Entretanto,
atualmente são pouco utilizadas, pois necessitam de restrição dietética e
possuem interações farmacológicas importantes com outros fármacos.
Mecanismo de Ação
A monoaminooxidase (MAO) é uma enzima responsável pelo
metabolismo de monoaminas (norepinefrina, serotonina, tiramina,
dopamina). Está presente na membrana mitocondrial de células de quase
todos os tecidos do organismo e apresenta-se em duas isoformas: MAO-A
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 64
e MAO-B, cada uma codificada por um gene diferente, sendo sua
composição semelhante em cerca de 70% dos aminoácidos. A MAO-A
metaboliza preferencialmente as monoaminas ligadas mais estreitamente à
depressão, ou seja, norepinefrina e serotonina, enquanto a MAO-B
metaboliza preferencialmente a dopamina e a feniletilamina. Entretanto,
ambas isoformas metabolizam a dopamina e tiramina também.
A MAO-A se localiza principalmente no cérebro, intestino, fígado,
placenta e pele. Já a MAO-B se encontra no cérebro, plaquetas e linfócitos.
Os neurônios noradrenérgicos e dopaminérgicos contém tanto MAO-A,
quanto MAO-B. Neurônios serotoninérgicos contém apenas MAO-B, o que
parece paradoxal, uma vez que a serotonina é predominantemente
metabolizada pela MAO-A.
A função da MAO é a degradação de monoaminas sendo, portanto,
importante para a interrupção de seus efeitos no organismo. Na região
hepática, a MAO tem um papel diferencial: defesa crucial da inativação as
monoaminas circulantes ou aquelas, como a tiramina, que se originam no
intestino e são absorvidas pela circulação portal.
A inibição farmacológica da MAO é uma importante forma de
tratamento para depressão. Seus efeitos ao inibir essa enzima causam
aumento da concentração de monoaminas elevando sua concentração na
fenda sináptica e elevação da atividade excitatória no sistema nervoso
central. A inibição seletiva da MAO-A leva ao aumento das concentrações
de serotonina e noradrenalina na fenda sináptica, dois dos três
componentes do sistema de neurotransmissao trimonoaminérgico ligado à
depressão. Entretanto, sua inibição não aumenta substancialmente as
concentrações de dopamina, pois esta ainda é metabolizada pela MAO-B
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 65
não inibida. Já a inibição seletiva da MAO-B não é eficaz como ação
antidepressiva, pois não há efeito direto no metabolismo de serotonina e
noradrenalina, além de pouca ou nenhuma acumulação de dopamina, em
função da metabolização por MAO-A.
Quando MAO-A e MAO-B são inibidas simultaneamente, há reforço
tríplice e substancial das três monoaminas envolvidas na neurotransmissão
da depressão, o que proporciona os efeito antidepressivos desta classe de
fármacos.
Fármacos
Os fármacos inibidores da MAO (IMAO) podem ser reversíveis ou
irreversíveis e podem ser classificados em duas categorias: hidrazidas
identificadas pelo composto C-N-N em sua estrutura molecular e não
hidrazidas que não apresentam esse composto. São bem absorvidos pelo
trato gastrointestinal e seus efeitos de inibição da MAO ocorrem
rapidamente, porém os benefícios clínicos podem ocorrem de maneira
retardada produzindo inibição máxima em 5 a 10 dias e os seus efeitos
persistem, mesmo após a concentração plasmática desses fármacos já não
ser mais detectável. Em conseqüência disso, os parâmetros usuais de
farmacocinética dessa classe de medicamento não são muito úteis na
determinação da dose. É Prudente pressupor que o efeito persista por
uma, duas, até três semanas após a interrupção do tratamento. Todavia o
Benefício ótimo terapêutico exige uso de doses diárias, podendo refletir
alterações secundárias como infra regulação de receptores α 2 e β-
adrenérgicos.
Atualmente, dois avanços relacionados aos IMAO ocorreram,
ambos contribuindo para reduzir o risco de reações à tiramina. Um deles
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 66
foi a produção dos inibidores seletivos da MAO-A reversíveis (IRMA) e o
outro foi a produção de um inibidor da MAO administrado por um adesivo
cutâneo, e com capacidade diferencial de inibição.
Os IRMA são inbidores reversíveis da MAO-A, sendo o principal
exemplo a moclobemida. Estes fármacos ligam-se não covalentemente a
MAO-A, e quando há um aumento da liberação de norepinefrina, como
ocorre na ingestão de alimentos ricos em tiramina, o inibidor é deslocado
da MAO-A, reativando essas enzimas no intestino, fígado e neurônios
simpaticomiméticos. Assim, os IRMA apresentam o mesmo perfil
terapêutico dos inibidores irreversíveis da MAO, porém sem o risco de
efeitos hipertensivos após a ingestão da tiramina.
O fármaco usado no aporte transdérmico é a selegilina. A selegilina
é um inibidor seletivo da MAO-B, que em doses mais elevadas torna-se
não seletivo, inibindo também a MAO-B. Quando administrado por via oral,
todas as MAOs do organismo são igualmente inibidas não seletivamente.
Entretanto, quando a selegilina é administrada por um adesivo
transdérmico, isto é, diretamente na circulação sistêmica, atinge o cérebro
em altas doses (evita a primeira passagem hepática), e ao recircular para
intestino e fígado já se encontra em níveis diminuídos, o que inibe
significativamente apenas a MAO-B nesses tecidos. Assim, o efeito
antidepressivo no cérebro é reforçado pela inibição de ambas as MAOs,
enquanto no intestino e fígado apenas a MAO-B está inibida. Dessa forma
não se faz necessária uma restrição dietética para a tiramina.
Tabela: Inibidores da MAO
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 67
Selegilina Inibidor Irreversível da
MAO-B
Tracinilpromina Inibidor Irreversível da MAO
Moclobemida Inibidor Reversível da MAO-
A
Fenelzina Inibidor Irreversível da MAO
Efeitos adversos
É comum o aparecimento de efeitos adversos no uso de
antidepressivos e inibidores da MAO tais como: Cefaléia, sonolência, boca
seca, ganho de peso, hipotensão postural, distúrbios sexuais, interações
com alimentos contendo tiramina (vinho tinto, queijo curado, peixe
defumado...). E em caso de intoxicação, que raramente ocorre, o paciente
costuma cursar com quadro de Agitação, Delírio e excitabilidade
neuromuscular, seguidos de obnubilação, convulsões, choque e
hipertermia.
Farmacocinética
Os Inibidores da MAO costumam ser administrados nas primeiras
horas do dia quando inicia-se o tratamento, visto que podem ser levemente
estimulantes e causar insônia quando administrados tarde. Entretanto,
depois de algumas semanas de tratamento esse efeito deve desaparecer e
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 68
o horário para administração do fármaco durante o dia raramente é
importante. No caso da administração de Fenelzina a dose diária varia de
45 a 75mg e para a tranilcipromina a doze usual é de 10 a 30mg/dia.
Interações Medicamentosas e Contra-Indicações
Algumas importantes interações medicamentosas também devem
ser foco de atenção durante a utilização de inibidores da MAO. Uma
interação importante consiste na administração de MAO com drogas que
reforçam a estimulação noradrenérgica. Isso porque o aumento das
reservas de catecolaminas promovido pela inibição da MAO, sensibilizam o
paciente aos agentes simpaticomiméticos. Esta interação ocorre com
descongestionantes nasais como a fenilefrina (agonista α1 seletivo),
efedrina (agonista α e β, e liberador central de norepinefrina e dopamina),
pseudoefedrina (mesmo mecanismo da efedrina) e fenilpropanolamina
(agonista α1 e liberador central de norepinefrina e dopamina). Além de
descongestionantes, estimulantes (anfetaminas, metilfenidato),
antidepressivos e supressores de apetite com inibição da recaptação de
serotonina não devem ser utilizados. As interações podem levar a reações
hipertensivas perigosas, porém, raramente fatais.
Mais perigosa pode ser a combinação de IMAOs com inibidores da
recaptação de serotonina. Isso inclui qualquer ISRS, qualquer ISRN e o
antidepressivo clomipramina. A combinação destas drogas pode causar
acentuada elevação da serotonina nas sinapses, levando à chamada
síndrome serotoninérgica, que por vezes é fatal, caracterizada por
hipertermia, rigidez muscular, mioclonia e alterações rápidas de estado
mental e sinais vitais. Teoricamente a síndrome pode ser desencadeada
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 69
pela estimulação excessiva dos receptores serotoninérgicos pós-
sinapticos, principalmente 5-HT2A no hipotálamo, que resulta em
desequilíbrio da termorregulação (hipertermia). Adicionalmente, o fato de o
neurônio serotoninérgico possuir apenas MAO-B agrave a severidade deste
acumulo de serotonina, pois esta é metabolizada preferencialmente pela
MAO-A.
Tabela: Interações farmacológicas com Inibidores da MAO
Anti-histamínicos Maior Sedação
Drogas do tipo da beladona Maior pressão sangüínea
Dextrometorfan Maior agitação, convulsões,
coma, morte
Guanadrel Maior pressão sangüínea
Guanetidina Menor pressão sangüínea
Insulina Maior Redução do açúcar
no sangue
Levodopa Maior pressão sangüínea
Metildopa Menor pressão sangüínea
Meperidina Maior agitação, convulsões,
coma, morte
Pseudoefedrina Crise hipertensiva
Reserpina Maior pressão sangüínea e
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 70
temperatura
Succinilcolina Maior bloqueio
neuromuscular
Sulfonilureia Maior Redução do açúcar
no sangue
Drogas simpaticomiméticas Maior pressão sangüínea
Uma das maiores barreiras à utilização dos IMAO tem sido o
risco de reações hipertensivas após a ingestão de tiramina na dieta.
Alimentos como chope, peixes defumados, feijões em fava, queijos
envelhecidos, alguns vinhos, soja, entre outros, são ricos em tiramina. Esta
substancia age deslocando as vesículas de norepinefrina nos neurônios
noradrenérgicos, aumentando sua liberação e conseqüentemente elevando
a pressão arterial do organismo. Este último efeito ocorre em função da
interação entre norepinefrina e receptores α-1 adrenérgicos nos vasos
sanguíneos.
Em condições normais, o efeito hipertensivo seria evitado pela
degradação da tiramina via MAO-A intestinal, que a destrói antes de ser
absorvida. Se parte da tiramina for de fato absorvida, a MAO-A hepática
entra em ação, degradando-a no fígado. Adicionalmente, ainda que alguma
tiramina atinja os neurônios noradrenérgicos, os efeitos da norepinefrina
são evitados pela degradação via MAO-A, que é encontrada também
nestes neurônios.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 71
Entretanto, sob o uso de antidepressivos inibidores da MAO, a
MAO-A é inibida, e uma refeição rica em tiramina é suficiente para elevar a
pressão e pode até mesmo desencadear uma crise hipertensiva,
caracterizada por elevações grandes, súbitas e dramáticas da pressão
arterial. Este risco é controlado pela restrição da dieta com alimentos de
baixo conteúdo de tiramina.
II) Inibidores da captação de monoaminas
Inibidores seletivos da captação de serotonina (ISRS)
Os ISRS fazem a inibição seletiva e potente do transporte neuronal
de serotonina e, aparentemente, resultam em complexas respostas
secundárias. Ao contrário dos antidepressivos tricíclicos, mostram
seletividade e não interferem na captação da noradrenalina, possuindo
menos efeitos colaterais anticolinérgicos, além de serem menos perigosos
em doses excessivas. Mostram-se tão eficazes quanto os TCA e os IMAO
no tratamento da depressão de grau moderado, mas provavelmente menos
eficazes do que os TCA no tratamento da depressão severa.
As indicações clínicas dos ISRS vão além do transtorno depressivo
maior, abrangendo também o transtorno disfórico pré-menstrual,
transtornos de ansiedade, alimentares e outros.
A serotonina (5-hidroxitriptamina, 5-HT) é uma amina biogênica
encontrada principalmente em células enterocromafins do sistema
gastrointestinal, neurônios serotoninérgicos (SNC) e plaquetas. Apesar do
SNC conter menos do que 2% da serotonina total do organismo, a
serotonina tem um papel amplo numa variedade de funções cerebrais,
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 72
tendo ação predominantemente excitatória. Além de ter um papel
importante no controle do humor, a serotonina é ligada a uma variedade de
funções como a regulação do sono, percepção da dor, temperatura
corporal, pressão arterial e atividade hormonal.
No SNC, a serotonina é produzida pelos neurônios
serotoninérgicos, localizados nos núcleos da ráfia, encontrados no córtex
cerebral, mesencéfalo, tronco cerebral, medula oblonga e medula espinhal.
E é posteriormente degradada pelo acoplamento aos receptores pós-
sinápticos: as moléculas de serotonina são readmitidas para dentro do
neurônio serotoninérgico, através da proteína 5-HT transportadora (SERT),
que age como uma bomba de recaptação seletiva da serotonina. Uma vez
dentro do neurônio, a serotonina é degradada pela monoaminoxidase
(MAO), que converte esse neurotransmissor em seus metabólitos.
Os receptores de serotonina são receptores 5-HT. A maior parte é
do tipo metabotrópico, com exceção do 5-HT3, que é um canal iônico
regulado pela serotonina (regula entrada e saída de sódio e potássio).
Existem diversos subtipos de receptores 5-HT, amplamente distribuídos
pelo organismo. A tabela a seguir apresenta os receptores 5-HT, sua
localização e o efeito promovido pela ação da serotonina sobre eles.
Subtipos de receptores de serotonina
Subtipo Transdução de
sinal
Localização Função
5
-HT1A
Gi
(inibição da AC)
Núcleos Pré-sináptico: auto-receptor
somatodendrítico. Pós-
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 73
da rafe
Hipocamp
o
sináptico: inibição neuronal.
Efeitos comportamentais:
sono, alimentação,
termorregulação, ansiedade.
5
-HT1B
Gi
(inibição da AC)
Subículo,
Substância
negra
Músculo liso
vascular
Auto-receptor (ratos)
Vasconctricção pulmonar
5
-HT1D
Gi
(inibição da AC)
Gânglios da
base
Vasos cranianos
Auto-receptor pré-sináptico
Vasconstricção
Efeitos comportamentais:
locomoção
5
-HT1E
Gi
(inibição da AC)
Córtex estriado -
5
-HT1F
Gi
(inibição da AC)
Cérebro e
periferia
-
5
-HT2A
Gq (ativação da
PLC)
Plaquetas
Músculo liso
Córtex cerebral
Agregação plaquetária
Contração
Excitação neuronal (agitação,
ansiedade, insônia, pânico,
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 74
etc)
5
-HT2B
Gq (ativação da
PLC)
Fundo gástrico Contração
5
-HT2C
Gq (ativação da
PLC)
Plexo coróideo Secreção de líquor. Efeitos
comportamentais: ansiedade,
agitação, pânico.
5
-HT3
Canal iônico
ativado por
ligante
Nervos
periféricos
SNC (área
postema)
Excitação de nervos
autônomos e nociceptivos.
Efeitos comportamentais:
ansiedade, náuseas, vômitos.
5
-HT4
Gs (ativação da
AC)
Hipocampo Excitação neuronal
5
-HT5A
Gi
(inibição da AC)
TGI Motilidade GI
5
-HT5B
Desconhecido Hipocampo Excitação neuronal
5
-HT6
Gs
(ativação da AC)
SNC Desconhecida
5
-HT7
Gs
(ativação da AC)
Hipotálamo, TGI
Vasos
sanguíneos
Desconhecida
Page 80
Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 75
Fonte: Goodman e Gilman: as bases farmacológicas da
terapêutica.11ª ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill; 2006.
Mecanismo de Ação
O mecanismo de ação dos ISRS consiste no bloqueio dos
receptores 5-HT, o que aumenta a disponibilidade e reduz a degradação de
serotonina na fenda sináptica. Na depressão ocorre uma diminuição
relativa da quantidade de 5-HT disponível na fenda sináptica e nas áreas
somatodendríticas (pré-sinápticas, próximas ao corpo celular). Ademais,
ocorre um aumento (suprarregulação) do número de receptores 5-HT 1A pré-
sinápticos (auto-receptores) e de receptores pós-sinápticos em
determinadas regiões, principalmente as corticais pré-frontais. Por fim, há
diminuição do fluxo de impulsos estimulando a liberação de serotonina nos
terminais neuronais.
Page 81
Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 76
Fonte: STAHL, Stephen M.. Psicofarmacologia 2ª. Ed. Medsi, 2002.
Quando se administra agudamente um ISRS, o bloqueio do SERT
leva inicialmente ao aumento da concentração de serotonina
principalmente na área somatodendrítica, e não nas sinapses, como
esperado. Nesta área, os receptores de serotonina são do tipo 5-HT1A, e a
elevação dos níveis de serotonina estimulam estes receptores. Isto explica
alguns dos efeitos colaterais causados pelos ISRS no inicio do tratamento,
como sonolência e ansiedade.
O aumento da serotonina na região somatodendrítica é percebido
pelos receptores 5-HT1A, e esta informação é passada ao núcleo celular
do neurônio serotoninérgico. A resposta do genoma consiste na
dessensibilização e redução da síntese destes receptores (sub-regulação).
O tempo necessário para o inicio das ações terapêuticas dos ISRS está
correlacionado com a dessensibilização dos receptores.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 77
Fonte: STAHL, Stephen M.. Psicofarmacologia 2ª. Ed. Medsi, 2002.
Uma vez que os autorreceptores estão dessensibilizados, a
concentração de serotonina não pode mais inibir a sua liberação pelo
neurônio serotoninérgico. Isto leva a um grande aumento no fluxo de
impulsos neuronais e na liberação de serotonina pelos terminais axônicos.
Assim, a serotonina se acumula nas sinapses e atua em diversos
receptores pós-sinápticos, sem seletividade para subtipos, podendo gerar
diversos efeitos adversos. Da mesma forma que na região
somatodentrítica, a serotonina nas fendas é percebida pelos receptores
pós-sinápticos, resultando na sub-regulação e dessensibilização destes
receptores. O tempo necessário para esta sub-regulação está relacionado
ao aparecimento de tolerância aos efeitos colaterais dos ISRS.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 78
Fonte: STAHL, Stephen M.. Psicofarmacologia 2ª. Ed. Medsi, 2002.
Outras alterações secundárias incluem a infra-regulação gradual de
receptores 5-HT2A pós-sinápticos, que quando ativos, fazem excitação
neuronal, provocando agitação, ansiedade, insônia, ataques de pânico, etc.
Assim, sua infra-regulação contribui para o efeito antidepressivo.
Certas adaptações tardias complexas podem ocorrer com o
tratamento repetido por ISRS, incluindo o aumento indireto da descarga de
norepinefrina em função da redução dos efeitos inibitórios dos
heterorreceptores 5-HT2A. Outras alterações podem consistir de
adaptações nucleares e celulares, incluindo um ganho liquido de AMPc
intraneuronal e de fatores de regulação nucleares.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 79
Efeitos Adversos
Em função de sua ação seletiva, os ISRS apresentam perfil mais
tolerável de efeitos colaterais. Entretanto, como os ISRS aumentam a
serotonina em praticamente todas as vias serotoninérgicas, atuam em
certos subtipos de receptores 5-HT que não são alvos para o tratamento
antidepressivo. Os principais receptores indesejáveis no tratamento da
depressão são 5-HT2A, 5-HT2C, 5-HT3 e 5-HT4. Dessa forma surgem os
principais efeitos colaterais relacionados aos ISRS. O desaparecimento ou
amenização destes sintomas ocorre com a dessensibilização dos
receptores pós-sinápticos, como descrito anteriormente.
De forma geral, os efeitos colaterais mais frequentemente relatados
são:
Gastrintestinais: náuseas e vômitos, associados aos estimulo dos
receptores 5-HT3 no hipotálamo ou tronco cerebral. Cólicas abdominais,
aumento da motilidade intestinal e diarreia, associados ao estimulo dos
receptores 5-HT3 e/ou 5-HT4.
Efeitos psiquiátricos: Pode haver aparecimento de agitação, insônia,
ansiedade, ciclagem para a mania e nervosismo. Alguns desses
sintomas podem estar relacionados a estimulação dos receptores 5-
HT2A e 5-HT2C, principalmente. A fluoxetina parece estar mais
relacionada, entretanto, os outros ISRSs podem apresentar os mesmos
efeitos com o emprego de doses mais elevadas.
Disfunção sexual: o uso de ISRSs foi associado principalmente a
retardo ejaculatório em homens e anorgasmia em mulheres. Este efeito
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 80
relaciona-se ao estimulo dos receptores 5-HT2A e 5-HT2C na medula
espinhal.
Síndrome serotonérgica: A seletividade de ação dos ISRSs pode
aumentar o risco de interação com outras substâncias que afetem a
transmissão serotonérgica, levando ao aparecimento de sintomas que
são descritos como “síndrome serotonérgica”. Os sintomas podem
aparecer em casos de intoxicação por ISRSs ou mesmo com o emprego
de doses terapêuticas de substâncias serotonérgicas associadas, como
ADTs, IMAOs, ISRSs e lítio. Também podem ocorrer na substituição
entre fármacos, quando não se observa período de eliminação
adequado para a total eliminação da substância. Foram descritos:
alterações cognitivas e comportamentais (confusão, hipomania,
agitação), do sistema nervoso autônomo (diarréia, febre, diaforese,
efeitos na pressão arterial, náuseas e vômitos) e neuro-musculares
(mioclonias, hiperreflexia, incoordenação e tremores).
Sintomas de retirada: Os sintomas que aparecem na retirada dos ISRSs
podem aparecer dentro de 1 a 10 dias após a retirada e persistir por até
3 semanas. Os sintomas mais freqüentes são tonturas, vertigens,
ataxia, sintomas gastrintestinais (náuseas e vômitos), sintomas gripais,
distúrbios sensoriais (parestesias), alterações de sono (insônia, sonhos
vívidos), e sintomas psíquicos (irritabilidade, agitação, ansiedade). O
aparecimento dos sintomas correlaciona-se com a queda nos níveis
plasmáticos dos ISRSs.
Reações dermatológicas: mais freqüentes com a fluoxetina.
Freqüentemente aparecem na forma de urticária, que pode estar
acompanhada por febre, artralgia e eosinofilia.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 81
Fármacos
Fluoxetina
A fluoxetina também se apresenta como uma mistura racêmica, e
seu (S)-enantiômero, é ativo contra o transporte de serotonina. A
norfluxetina é um metabolito da fluoxetina, que possui ação prolongada e é
farmacológicamente ativo contra o transporte de serotonina.
A fluoxetina tem como propriedade farmacológica secundária o
antagonismo em receptores 5-HT2C. Quando ativados pela serotonina,
estes receptores inibem a liberação de norepinefrina e de dopamina.
Portanto, quando sofrem ação de antagonistas, como ocorre com a
fluoxetina, a inibição deixa de existir, permitindo a liberação de
norepinefrina e de dopamina. Esta ação pode contribuir para os efeitos
terapêuticos da fluoxetina no tratamento da depressão maior. As vantagens
com relação a este mecanismo incluem um efeito energizante, redutor de
fadiga, com melhoras na atenção e concentração, mesmo à primeira dose.
Além disso, o antagonista em 5-HT2C pode contribuir para ações
terapêuticas na anorexia e bulimia, quando em doses altas. Por último, o
antagonismo pode explicar a capacidade da fluoxetina em reforçar as
ações antidepressivas da olanzapina na depressão bipolar, droga que
também possui antagonismo em 5-HT2C.
Outras propriedades específicas da fluoxetina são suas ações
bloqueadoras fracas na recaptação de norepinefrina, que podem ser
clinicamente relevantes em altas doses; e a inibição da CYP 2D6 e 3A4.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 82
Farmacocinética: A fluoxetina é rapidamente absorvida no trato
gastrintestinal, apresentando concentração plasmática máxima entre 6 e 8
horas após administração. Alimentos podem retardar sua absorção. É
metabolizada no fígado, sendo a norfluoxetina o seu metabólito mais ativo.
A excreção é principalmente por via urinária. A fluoxetina apresenta alta
taxa de ligação às proteínas e tem um grande volume de distribuição. A
meia-vida de eliminação da fluoxetina é de cerca de 2 a 3 dias, enquanto
que a da norfluoxetina varia entre 7 e 9 dias. A meia-vida de eliminação
prolongada de ambos asseguram que, mesmo quando o tratamento é
interrompido, o princípio ativo persistirá no organismo por semanas.
Ao se iniciar um tratamento com um inibidor da MAO deve-se atentar
ao tempo prolongado de eliminação, para evitar interação farmacológica.
A fluoxetina se distribui ao leite materno, não sendo recomendada
aos lactentes. Como o citalopram, a fluoxetina pode alterar as respostas de
insulina e glicose, exigindo ajuste da terapia antidiabética em pacientes
com diabetes. Em pacientes com epilepsia ou história de convulsões, a
fluoxetina deve ser administrada com precauções pelo efeito
epileptogênico da droga.
Sertralina
A sertralina possui dois mecanismos farmacológicos secundários:
inibição do transportador de dopamina e ligação aos receptores δ1. Ainda
não esta claro se são necessários altos graus de ocupação do DAT para se
desenvolverem as ações antidepressivas. Talvez seja necessário apenas
um pequeno grau de inibição para causar melhoras na energia, motivação
e concentração. Muitos clínicos gostam de combinar a sertralina com
bupropiona, que também possui propriedades inibitórias fracas do DAT. As
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 83
ações δ1 da sertralina não são bem conhecidas, mas podem contribuir
para seus efeitos ansiolíticos e principalmente para efeitos nas depressões
psicóticas e delirantes.
Farmacocinética: A sertralina demonstra farmacocinética linear, isto
é, os níveis plasmáticos são dose-proporcionais. Tem boa absorção por via
oral e atinge os picos de concentração plasmática em torno de 4,5 a 8,4
horas após a dose. A meia-vida média de sertralina varia de 22 a 36 horas.
Aproximadamente 98% do fármaco circulante está ligado às
proteínas plasmáticas. A sertralina sofre um extenso metabolismo hepático
de primeira passagem. O pico plasmático da sertralina pode aumentar em
até 30% quando o medicamento é ingerido com alimentos, pela diminuição
do metabolismo de primeira passagem.
O principal metabólito no plasma, a N-desmetilsertralina, é
substancialmente menos ativa que a sertralina (cerca de 20 vezes) in vitro
e não há evidência de atividade em modelos de depressão in vivo. A meia-
vida da N-desmetilsertralina varia de 62 a 104 horas. A sertralina e a N-
desmetilsertralina são extensivamente metabolizadas, e seus metabólitos
resultantes são excretados na urina e fezes em quantidades semelhantes.
Somente uma pequena quantidade de sertralina é excretada na urina sob
forma inalterada.
Assim como os outros fármacos, não deve ser usado em conjunto
com IMAOs.
Paroxetina
A paroxetina possui leves ações anticolinérgicas em M1 e ações
inibitórias sobre o transportador de noradrenalina. É comumente usado
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 84
para pacientes com sintomas ansiosos, pois ele tende a ser mais
tranqüilizante, e até sedativo no início do tratamento em comparação com
os outros ISRS. As ações anticolinérgicas em M1 possivelmente
contribuem para este efeito.
Sua fraca ação na inibição da recaptação de noradrenalina poderia
contribuir para sua eficácia na depressão. A paroxetina é um potente
inibidor de CYP2D6 e da óxido nítrico sintase, o que poderia, teoricamente,
causar disfunção sexual. A paroxetina também é notória por causar
reações de abstinência à interrupção súbita do tratamento, podendo gerar
acatisia, inquietação, mal-estar gastrointestinal, tontura, formigamento, etc.
Este efeito pode ainda ser acentuado por um rebote colinérgico e pelo fato
de que é um fármaco substrato e inibidor da CYP2D6, o que leva ao
declínio rápido de seus níveis plasmáticos.
Farmacocinética: A absorção gastrintestinal na administração via
oral é boa com biodisponibilidade entre 50 a 100%. A paroxetina é
extensivamente distribuída para a maioria dos tecidos. Apenas 1% da
droga permanece na circulação sistêmica. A taxa de ligação protéica é de
aproximadamente 95%. A paroxetina é metabolizada no fígado pelo
sistema citocromo P450 à compostos inativos. Apenas 1% da droga é
eliminada na urina na sua forma original, sendo que o resto é excretado
tanto na urina como nas fezes na forma de metabólitos.
A paroxetina apresenta meia-vida plasmática longa
(aproximadamente 24 horas), permitindo sua administração em dose única
diária.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 85
Como os outros antidepressivos, não deve ser administrada em
conjunto com IMAO. Além disso, deve haver precaução na administração a
pacientes com terapia de anticoagulantes.
Fluvoxamina
A fluvoxamina possui propriedade secundária de ligação aos sítios
δ1, de forma mais potente do que a sertralina. Como dito anteriormente, a
função fisiológica destes sítios ainda não esta esclarecida, mas tem sido
relacionada à ansiedade e à psicose. É eficaz na depressão psicótica e
delirante.
Farmacocinética: A Fluvoxamina é bem absorvida via oral. Níveis
plasmáticos máximos são atingidos 3 a 8 horas após sua administração. A
meia-vida plasmática média da Fluvoxamina é de aproximadamente, 13-15
horas após uma dose única, e discretamente mais longa (17-22 horas),
quando da administração de doses repetidas.
A Fluvoxamina sofre metabolização hepática, principalmente via
desmetilação oxidativa, produzindo, pelo menos, nove metabólitos, que são
excretados pelos rins. Os dois metabólitos principais mostraram atividade
farmacológica não significativa e se acredita que os demais metabólitos
não sejam farmacologicamente ativos. A ligação da Fluvoxamina às
proteínas plasmáticas humanas in vivo é de cerca de 80%.
Fluvoxamina não deve ser administrada concomitantemente com
inibidores da monoamino-oxidase (IMAO), para evitar interação
farmacológica. Deve-se atentar também à administração a pacientes com
insuficiência renal e hepática.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 86
Citalopram
O citalopram é o inibidor seletivo da recaptação de serotonina
(ISRS) de maior seletividade descrita até o momento, com nenhum ou
mínimo efeito sobre a recaptação da noradrenalina (NA), dopamina (DA) e
ácido gamaminobutírico (GABA). Se apresenta como uma mistura
racêmica, cujo (S) enantiômero é altamente ativo contra o transporte da
serotonina.
O enantiômero R do citalopram está relacionado às propriedades
farmacológicas secundárias anti-histamínicas e de inibição leve da CYP450
2D6. Recentemente houve sugestão de que este enantiômero possui ainda
capacidade de interferir na ação do enantiômero S, reduzindo a inibição do
SERT e possivelmente as ações terapêuticas finais.
Farmacocinética: a absorção do citalopram é quase completa e
independe da ingestão de alimentos (tempo máximo médio de 3 horas). A
biodisponibilidade oral é boa e de cerca de 80%. A ligação a proteínas
plasmáticas é menor que 80% (baixa). O citalopram é metabolizado no
fígado em metabólitos ativos que também são inibidores seletivos da
recaptação da serotonina (ISRS), porém são mais fracos que o composto
original e não possuem efeito antidepressivo significativo. A meia- vida de
eliminação é de cerca de um dia e meio, e a excreção é feita
principalmente através do fígado (85%) e o restante (15%) através dos
rins.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 87
Deve-se atentar a administração de citalopram a mulheres grávidas,
pois pode se distribuir ao leite materno, e seu uso em lactentes não é
recomendado. Além disso, pode alterar as respostas de insulina e glicose,
exigindo ajuste da terapia antidiabética em pacientes com diabetes. Por
fim, não deve ser usado em combinação com IMAOs em funcao da
interação farmacológica.
Escitalopram
A solução para melhorar o citalopram racêmico é remover o
enantiômero R indesejado. A droga resultante deste processo é o
escitalopram, sendo contituida unicamente do enantiômero S ativo. Isto
remove as propriedades anti-histamínicas e inibitórias sobre a CYP 450
2D6. Considera-se que o escitalopram seja o ISRS mais bem tolerado, com
menos interações medicamentosas mediadas pelo CYP450. Entretanto, é
caro e permanece indisponível como medicamento genérico.
Farmacocinética: A absorção por via oral é quase completa e
independe da ingestão de alimentos, sendo sua biodisponibilidade em
torno de 80%. A ligação às proteínas plasmáticas é menor que 80%.
O Escitalopram é metabolizado no fígado em derivados ativos. Sua
biotransformação em seu metabólito desmetilado é mediada pelo
CYP2C19, sendo possível alguma contribuição das enzimas CYP3A4 e
CYP2D6.
A meia-vida de eliminação após doses múltiplas é de cerca de 30
horas, e o clearance plasmático oral é de aproximadamente 0,6 l/min. Os
principais metabólitos têm uma meia-vida consideravelmente mais longa.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 88
Assume-se que o Escitalopram e seus principais metabólitos são
eliminados tanto pela via hepática como pela renal, sendo a maior parte da
dose excretada como metabólitos na urina.
O tratamento concomitante com IMAOs (inibidores da
monoaminoxidase) é contra-indicado.
Interações Medicamentosas
O potencial para interações medicamentosas difere entre os vários
ISRSs. O principal mecanismo das interações medicamentosas dos ISRSs
envolve a inibição de diferentes isoenzimas do citocromo P450: CYP2D6,
CYP3A3/4, CYP1A2, CYP2C9/10 e CYP2C19. Isso resulta na menor
metabolização de agentes substratos dessas enzimas, o que prolonga seu
tempo de ação e potencializa seu efeito, com alto risco de toxicidade.
Além disso, deve-se atentar ao fato que se ligam a proteínas
plasmáticas, com capacidade de deslocamento. Ao deslocarem outras
substâncias da ligação protéica, aumentam a concentração sérica destas,
levando novamente ao risco de potencialização do efeito e toxicidade.
Por fim, a administração conjunta de ISRSs (ou outras substâncias
potencializadoras da via serotoninérgica) e inibidores da MAO pode ter
efeitos potencialmente fatais, causando a chamada “síndrome
serotonérgica” (acúmulo excessivo de serotonina) anteriormente descrita.
A reação é autolimitada caso haja interrupção dos agentes agressores,
mas caso contrário pode evoluir para convulsões e coma.
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Antidepressivos tricíclicos
Essa classe de fármacos antidepressivos é, assim como os
inibidores da MAO, clássica para o tratamento das depressões. Em um
primeiro momento, esses fármacos foram utilizados com possível uso como
histamínicos, sedativos, analgésicos e antipakinsonianos. Entretanto, após
uma avaliação, em alguns dos compostos foram observadas propriedades
sedativas ou hipnóticas e estes foram levados para estudos terapêuticos.
Durante estes, nas décadas de 1950 e 1960, descobriu-se a ação
antidepressiva e acumularam-se evidencias para a eficácia desta ação e
esses fármacos foram lançados no mercado desde então. (GOODMAN)
O nome de antidepressivos tricíclicos foi devido aos agentes
possuírem um centro molecular com 3 anéis. Apenas a Maprotilina e a
Amoxapina são tetracíclicos,mas na maioria das vezes compartilha
propriedades farmacológicas (Inibição da recaptação de monoaminas) e
clinicas (Antidepressivas e ansiolíticas). Esses antidepressivos podem ser
subdivididos, de acordo com sua cadeia lateral, em: Com amina secundária
(Desmetilprolipramina, nortriptilina e protriptilina) ou metabólitos N-
desmetilados de agentes com amina terciária (Amoxapina, desipramina,
Maprotilina, norclomipramina, nordoxepina e nortriptilina). As diferenças
farmacológicas entre estas substâncias não são muito grandes e
relacionam-se principalmente com os seus efeitos colaterais, que serão
abordados adiante. (Goodman) (Hang & Dale)
Mecanismo De Ação:
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 90
O mecanismo de ação básicos dessa classe de antidepressivos é
de bloquear as bombas de recaptação de norepinefrina ou então de
norepinefrina e serotonina ao mesmo tempo. Alguns tricíclicos possuem
mais potencia na inibição da bomba de serotonina, enquanto outros são
mais seletivos para a noradrenalina. A maioria, entretanto, não possui
seletividade e atua de maneira equivalente nas duas bombas. (STAHL)
Além disso, podem ter efeitos facilitadores indiretos sobre a dopamina, por
meio de interações de aumento da abundancia perissinaptica de NORA,
sobretudo no córtex cerebral, onde as terminações adrenérgicas excedem
as que liberam dopamina. (GOODMAN). Cabe lembrar que a síntese das
aminas, o armazenamento em vesículas sinápticas e a liberação das
mesmas não são diretamente afetados, embora alguns ADTs pareçam
aumentar a liberação do transmissor indiretamente por bloquearem os
receptores a2-adrenérgicos pré-sinápticos. Como estes são receptores
acoplados à proteína Gi, que inibe a adenilil ciclase e diminui, com isso, a
fosforilação e ativação de proteínas quinase e canais de cálcio, por
exemplo, ocorre um aumento da liberação do neurotransmissor pela
inibição do inibidor da exocitose. (Hang & Dale)
A contribuição dos antidepressivos tricíclicos para a elevação do
humor e uma atividade comportamental se deve pela dessensibilização dos
auto-receptores de dopamina D2. Há evidencias de que isso ocorra
indiretamente ao potencializar os mecanismos dopaminérgicos do
prosencéfalo. (GOODMAN)
Esse efeito de inibição da recaptação não é o único dessa classe de
fármacos, que também possuem ação com interações variáveis com
receptores α e β adrenérgicos; muscarínicos (colinérgicos); histaminérgicos
e, mais raramente, dopaminérgicos (Tabela 3). Normalmente, a maioria dos
ADT´S apresentam afinidade pelo menos moderada e seletiva pelos
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 91
receptores α-1, afinidade menor pelos α-2 e praticamente nenhuma
afinidade pelos receptores β. Todos esses efeitos estão ligados com a
atividade pós-sináptica e variam de acordo com o sistema
neurotransmissor envolvido. Entretanto, essas ações não se correlacionam
necessariamente com efeito antidepressivo, mas com efeitos colaterais.
(Tabela 4)
O mecanismo de ação exato não foi completamente esclarecido, mas
sabe-se que os ADTs promovem agudamente aumento na eficiência da
transmissão monoaminérgica e, possivelmente, GABAérgica, envolvendo
os sistemas noradrenérgico e serotoninérgico através do aumento na
concentração sináptica de norepinefrina e serotonina por bloqueio dos
transportadores que seriam responsáveis pela receptação dos mesmos na
fenda. Além disso, a demora para o inicio da ação antidepressiva desse
mecanismo agudo dos fármacos também não foi totalmente explicada.
Cronicamente, por sua vez, os ADTs dessensibilizam receptores
beta-1 adrenérgicos, serotonérgicos 5-HT2 e ,provavelmente, os 5-HT1A
no sistema nervoso central e, com isso, alteram: AMP cíclico, cálcio,
diacilglicerol e fosfolipídios que estimulam a fosforilação de quinases
protéicas, as quais poderiam estar envolvidas na síntese de catecolaminas.
A ligação de proteína G a receptores subseqüentemente dessensibilizados
pode estar aumentada, exercendo ação reguladora no receptor e alguns
hormônios (Estradiol e progesterona, por exemplo) são substâncias
também implicadas na alteração da sensibilidade ou no número de
receptores pelos ADTs, interferindo na capacidade de ligação da
imipramina ao hipotálamo.
Além disso, foram observadas outras alterações em resposta ao
tratamento prolongado dessa classe de antidepressivos. Dentre elas,
encontra-se uma alteração na sensibilidade dos receptores muscarinicos e
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 92
também uma redução dos receptores Gama-aminobutirico (GABAb) e
provavelmente dos receptores de glutamato NMDA. Foi encontrado um
ganho liquido de AMPciclico e alterações da atividade de algumas
proteínas quinases que atuam no citoesqueleto das células ; de algumas
proteínas estruturais que alteram o crescimento neuronal e também de
fatores nucleares reguladores genéticos.
A ação antinevrálgica dos ADTs não está necessariamente
relacionada à melhora da depressão. A analgesia pode ser mediada por
ação antienurética do hidrocloridro de imipramina não está estabelecida,
mas acredita-se que esteja associada com o efeito anticolinérgico da
imipramina. O efeito antiobsessivo da clomipramina talvez se correlacione
com a inibição da recaptura de serotonina e conseqüente subsensiblização
compensatória dos subtipos de receptores serotonérgicos. No transtorno
do pânico, os estudos sugerem prejuízo no funcionamento do sistema
nervoso autônomo, que causa liberação excessiva de norepinefrina do
locus ceruleus. Pensa-se que os ADTs diminuam a taxa de disparo do
locus ceruleus por regulação na função de receptores a2 e b-adrenérgicos;
no turnover de noradrenalina e mudanças na concentração central de
monoaminas, particularmente serotonina, além do efeito direto ou indireto
dos ADTs nos sistemas opióides endógenos. Na úlcera péptica, os ADTs
são eficazes na melhora da dor e ajudam na cicatrização completa pela
sua capacidade de bloquear receptores H2 nas células parietais e pelo
efeito sedativo e anticolinérgico. Na bulimia nervosa parece haver efeito
independente da melhora da depressão. O mecanismo de ação envolvido
na incontinência urinária pode incluir atividade anticolinérgica, resultando
no aumento da capacidade vesical, estimulação direta beta-adrenérgica e
atividade agonista alfa- adrenérgica, resultando em aumento do tônus
esfincteriano e também por bloqueio central de recaptação.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 93
Outras ações dos ADTs incluem efeito anticolinérgico periférico e
central devido à potente e elevada afinidade de ligação por receptores
muscarínicos; efeito sedativo pela forte afinidade de ligação por receptores
histamina H1 e hipotensão ortostática devida a bloqueio alfa-adrenérgico.
Além disto, os ADTs são agentes antiarrítmicos da classe 1A que, como a
quinidina, em doses terapêuticas diminuem moderadamente a condução
intraventricular e em doses elevadas podem causar bloqueio grave de
condução e arritmias ventriculares.
Farmacocinética:
A absorção dos antidepressivos tricíclicos é de 100% pelo trato
gastrointestinal quando a administração é oral. Entretanto, cerca de 55% a
80% é metabolizada no fígado pelo efeito de primeira passagem, o que faz
com que a dosagem seja mais seguramente estabelecida com doses
únicas de ate o equivalente a 150g de imipramina. Entretanto, as doses
altas dos tricíclicos fortemente anticolinérgicos podem retardar a atividade
gastrointestinal e o tempo de esvaziamento gástrico, podendo gerar uma
absorção mais lenta ou errática e possivelmente complicando o tratamento
da dose excessiva. Cabe ressaltar que, em situações especiais, como de
pacientes com anorecis e gravemente deprimidos, que podem recusar a
medicação oral, pode ser feita a administração intramuscular de alguns dos
ADT´s, principalmente amitriptilina e clomipramina.
As concentrações séricas máximas são atingidas rapidamente,
dentre 1 a 3 horas, por aminas terciárias e um pouco mais lentamente
pelas aminas secundarias, levam 4 a 8 horas para atingir esse pico de
concentração. A correlação das concentrações séricas com os efeitos
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clínicos não estão estabelecidas para todos os fármacos, mas há a
exceção de alguns tricíclicos (Principalmente amitriptilina, desipramina,
imipramina e nortriptilina) que possuem concentrações de cerca de 100 –
250 ng/ mL. Entretanto, sabe-se que podem ocorrer efeitos tóxicos em
concentrações acima de 500 ng/mL e que níveis acima de 1 μg/mL podem
ser fatais.
Uma vez absorvidos, esse fármacos distribuem-se amplamente,
principalmente por possuírem um caráter altamente lipofílico. Com isso,
concentram-se no miocárdio e em tecidos cerebrais, se ligando a proteínas
plasmáticas e componentes teciduais. Isso lhes garante um grande volume
aparente de distribuição, que pode atingir 10 a 50 l/Kg. Uma vez que se
concentram no tecido cardíaco, há uma contribuição para os elevados ricos
cardiotóxicos associados.
A vida média de eliminação é variável (Por exemplo, imipramina de
4 a 34 horas, amitriptilina de 10 a 46, clomipramina de 17 a 37 e
nortriptilina de 13 a 88) e o estado de equilíbrio é atingido em cerca de 5
dias. A farmacocinética pode variar entre os sexos e a concentração pode
diminuir antes da menstruação.
A metabolização desses ADT´s é principalmente hepática e, nesse
órgão, sofrem uma oxidação por enzimas microssômicas e, em seqüência,
são conjugados com acido glicurônico. A conjugação dos metabolitos de
anel hidroxilado com acido glicurônico extingue qualquer atividade
biológica remanescente, entretanto alguns metabolitos desmetilados de
determinados ADT´s são farmacologicamente ativos, podendo acumular no
organismo. Essa glicuronidação é feita por um sistema não-CYP, enquanto
a oxidação depende da atividade de enzimas do sistema citocromo
P450(CYP). A maioria dos fármacos sofre extensa oxidação pela isoenzima
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 95
CYP1A2, enquanto outros (Citalopram, imipramina, o metabolito da
trazodona e a nefazodona) são oxidados pela CYP2C19. Além dessas duas
enzimas microssomiais, há também a CYP2D6 e a CYP3A3/4, sendo que
esta utiliza reações de N-desalquilação e N-oxidação e as CYP 1A2 e 2D6
medeiam a hidroxilação aromática.
A inativação e a eliminação da maioria dos antidepressivos ocorre
durante vários dias, com algumas exceções. Os antidepressivos tricíclicos
com amina secundaria e os derivados de N-desmetilados dos inibidores da
recaptação de serotonina apresentam meias vidas de eliminação cerca de
2 vezes maiores que a dos fármacos originais, sendo que a maioria dos
tricíclicos sofre eliminação entre 7 a 10 dias.
Interações Farmacológicas:
Existem alguns antidepressivos que além de servirem como
substrato para metabolismo do sistema CYP, também podem inibir a
depuração metabólica de outros fármacos, o que pode gerar, algumas
vezes, interações farmacológicas clinicamente significativas. Dentre estas,
incluem- se a tendência da fluvoxamina a aumentar as concentrações
circulantes dos benzodiazepínicos metabolizados oxidativamente, da
clozapina, da teofilina e da varfarina. A fluoxetina pode potencializar os
antidepressivos tricíclicos e alguns antiarrítmicos com estreito índice
terapêutico.
A ligação dos antidepressivos tricíclicos à albumina plasmática pode
ser reduzida por competição com diversos fármacos, como a fenitoína,
acido acetilsalicílico, escopolamina e fenotiazinas. Isso pode aumentar a
ação dos fármacos e reduzir a meia-vida dos mesmos. Além disso, os
barbitúricos, alguns anticonvulsivantes (Principalmente a carbamazepina) e
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 96
o fumo de cigarros podem aumentar o metabolismo hepático dos
antidepressivos ao induzirem as enzimas CYP microssomiais hepáticas.
É importante salientar que a atividade anticolinérgica dos ADTs
podem ser somadas àquelas dos antiparksonianos, dos antipsicóticos de
baixa potencia e outros compostos com atividade antimuscarinica, o que
pode levar à efeitos tóxicos. Essa classe de antidepressivos também pode
impedir a ação anti-hipertensiva dos bloqueadores neuronais adrenérgicos
, por um mecanismo semelhante ao do bloqueio dos efeitos de aminas
indiretas, como a tiramina, e também pode bloquear a ação anti-
hipertensiva centralmente mediada pela clonidina, já que, cronicamente,
pode dessensibilizar os receptores alfa-2, local de ação deste fármaco.
Efeitos Colaterais:
O aparecimento de efeitos colaterais clinicamente significativos é
comum nos fármacos antidepressivos tricíclicos. Estes exercem efeitos
autônomos adversos em parte estão associados com seus efeitos anti-
muscarínicos relativamente potentes, podendo gerar: Ressecamento da
boca (Xerostomia), gosto azedo ou metálico, desconforto epigástrico,
prisão de ventre, tonteira, taquicardia, palpitações, visão embaçada (Pela
acomodação deficiente, podendo aumentar o risco de glaucoma) e
retenção urinaria. Além disso, a ação muscarínica pode causar efeitos
cognitivos. O mais comum é o prejuízo da memória de curta duração e, em
pacientes idosos e com déficits cognitivos preexistentes, esse efeito pode
piorar sensivelmente o desempenho cognitivo. Em superdosagens, ADTs
podem causar delírio, também mais freqüente em idosos. (SCALCO,M.Z.)
Podem ser observados, também, efeitos cardiovasculares, que são
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 97
de extrema importância para a limitação do uso dessa classe de fármacos.
Os ADTs causam retardo da condução cardíaca intraventricular, levando a
um aumento dos intervalos PR e QRS no eletrocardiograma.(DIMINUI A
RESPOSTA BETA-1 PELA DESSENSIBILIZAÇÃO E, COMO HÁ UM
TONUS SIMPATICO FISIOLOGICO, A REDUÇÃO DA RESPOSTA A ESSA
CONCENTRAÇÃO DE ESTIMULAÇÃO MINIMA SIMPATICA HÁ UM
EFEITO DE RETARDO DA CONDUÇÃO PELA PREVALENCIA
PARASSIMPATICA) As arritmias também podem ser causadas em
superdosagens ou quando associados a outros antiarrítmicos. Isso ocorre
por conta de uma ação semelhante aos antiarrítmicos de classe 1ª, como a
quinidina, os quais bloqueiam os canais de sódio, atuando nas fases 1 e 4
da despolarização cardíaca e promovem:Aumento do limiar de
despolarização, diminuição da velocidade de condução(Aumenta intervalo
PR e QRS), diminui o automatismo das fibras de Purkinje e aumenta a
refratariedade. Ocorre também uma diminuição da corrente de potássio
com conseqüente depressão da fase 0, redução acentuada da velocidade
de condução e prolongamento da repolarização. (GOODMAN)
(SCALCO,M.Z.)
Além disso, os ADTs causam aumento da frequência cardíaca
sinusal em repouso por meio da ação anticolinérgica.Esse efeito, em
situações específicas, pode ser perigoso. Aumento da frequência cardíaca
de repouso significa aumento do consumo de oxigênio e do fluxo
sanguíneo coronário, que, em coronariopatas, por exemplo, pode
desencadear isquemia cardíaca. Na ausência de cardiopatia, por sua vez,
o principal problema associado a esses fármacos é a hipotensão postural,
explicado adiante. (GOODMAN)(SCALCO,M.Z.)
A excessiva estimulação adrenérgica pode gerar Tremor fino, de alta
frequência, em geral das extremidades superiores, e ocorre em até 10%
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 98
dos pacientes. Além disso, são observadas convulsões em 0,5% a 0,7%
dos casos, associadas a uso prolongado de altas doses em pacientes
vulneráveis, sendo o ADT com maior risco para desencadear esse efeito
colateral a maprotilina. As mioclonias ocorrem freqüentemente, em até
40% dos pacientes, em geral nas primeiras semanas de tratamento e esses
sintomas podem comprometer a aderência ao tratamento ou causar
complicações em pacientes neurológicos. (SCALCO, M.Z.)
Os receptores α-2, por sua vez, também apresentam auto-
receptores pré- sinápticos, que limitam a atividade de neurônios
noradrenérgicos. Os mecanismos desses auto receptores é o de reduzirem
a síntese de norepinefrina através da etapa que limita a velocidade da
enzima tirosinoidroxilase por meio da atenuação da fosforilação da
mesma , já que há menos AMPciclico e não há ativação das proteínas
quinases, como a PKA. Isso ocorre pois esse auto-receptor α-2 atua
associado à proteína Gi, que inativa a adenilil ciclase, diminuindo a
concentração de AMPciclico. Como dito anteriormente, pode ocorrer uma
dessensibilização deses receptores, diminuindo a função dos mesmos e,
com isso, aumentando a liberação de noradrenalina na fenda sináptica.
A inibição dos receptores beta adrenergicos tem pequena
probabilidade de contribuir de modo direto para os efeitos de elevação do
humor, visto que os bloqueadores β tendem a induzir ou a agravar a
depressão em indivíduos vulneráveis. Entretanto, a perda das influencias
inibitórias β-adrenergicas sobre os neurônio serotoninérgicos pode
potencializar a liberação de serotonina e, assim, aumentar a concentração
da mesma e contribuir, indiretamente, para a potencialização dos efeitos
antidepressivos.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 99
Tabela 3- Efeito dos antidepressivos no bloqueio de receptores
(MORENO, 1999)
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 100
Tabela 4- Efeitos colaterais específicos para os receptores
(MORENO, 1999)
Os receptores alfa-1, por sua vez, tem função mais relevante
nos vasos, nos quais estimula a vasoconstricção por meio de um
mecanismo acoplado à proteína Gq, que aumenta a concentração de Ca++
no final de sua via metabólica e, com isso, aumenta a contração da
musculatura lisa vascular. Como os fármacos antidepressivos tricíclicos
antagonizam esse receptor, ocorre uma vasodilatação, que causa o efeito
colateral de hipotensão postural, tonteiras e outros já citados. Essa
hipotensão ortostática é o efeito colateral mais perigoso devido à
imprevisibilidade, pois não é dose-dependente e por possuir um potencial
para causar consequências como: quedas, síncopes, infarto do miocárdio
ou acidentes vasculares cerebrais. Em pacientes com outros fatores
causando hipotensão ortostática, como os com insuficiência cardíaca grave
ou que usam várias medicações hipotensoras, esse efeito pode ser
potencializado.
A dessensibilização dos receptores histaminérgicos causa,
principalmente, efeitos colaterais centrais de sonolência e sedação. Isso
ocorre por conta da inibição desse receptor no córtex cerebral, que recebe
neurônios histaminérgicos do núcleo tuberomamilar (TMN), estimulando a
vigília. Como a ação deste está impedida, não há estimulação do córtex e
o paciente entra em sonolência. Além disso, os neurônios histaminérgicos
não conseguem inibir o núcleo pré-optico ventrolateral (VLPO) e, com isso,
este continua a inibir o TMN. A fadiga e a fraqueza, por sua vez, são
atribuíveis aos efeitos centrais, particularmente das aminas terciárias e da
mirtazapina, que exercem potentes efeitos anti-histaminicos.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 101
Outro risco associado aos ADTs é a mudança, algumas vezes súbita,
da depressão para a excitação hipomaniaca ou maníaca, isso ocorre pelo
excesso de Nora e 5-HT.
Durante a gestação é possível utilizar ADTs, evitando-se
preferencialmente no primeiro trimestre. A Amitriptilina, clomipramina,
desipramina e nortriptilina são antidepressivos que em estudos de
reprodução em animais mostraram algum efeito adverso no feto e com os
quais não há estudos adequados e bem controlados em humanos.
Contudo, não há relatos de associação significativa entre ADTs e
malformações congênitas descritos até o momento, mesmo no primeiro
trimestre. Os ADTs devem ser suspensos duas semanas antes do parto, a
fim de evitar problemas cardíacos, irritabilidade, desconforto respiratório,
espasmos musculares, convulsões ou retenção urinária em neonatos.
Mulheres lactantes podem tomar ADTs, preferencialmente
imipramina e amitriptilina, mas também nortriptilina e clomipramina. A
maprotilina deve ser evitada pela sua meia-vida longa. Entretanto, sabe-se
que a maioria dos antidepressivo e o lítio, um composto capaz de
potencializar os ADTs, são secretados no leite materno, mesmo em
pequenas quantidades, e a segunrança do uso desses fármacos em
lactentes ainda não está estabelecida.
Cabe lembrar que existem efeitos colaterais que podem ser
confundidos com a própria depressão, dentre eles estão: O ganho de peso,
associado ou não à preferência por carboidratos, principalmente com
amitriptilina e imipramina e algumas disfunções sexuais (redução da libido,
retardo ou inibição ejaculatória e inibição do orgasmo).
Além de todos esses efeitos adversos, deve-se estar atento às doses
de antidepressivos tricíclicos utilizada, visto que doses excessivas agudas
é potencialmente fatal. Para isso não ocorrer deve ser respeitada a dose
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 102
terapêutica de cada farmaco especifico.
GOODMAN
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 103
Usos Terapêuticos:
Além de seu uso no tratamento da depressão, os antidepressivos
tricíclicos possuem ampla utilização em outros distúrbios psiquiátricos que
podem ou não estar relacionados com os disturbios de humor.
Existem aplicações de supressão rápida, porem temporária, da
enurese em crianças e em idosos, provavelmente pela ação desses
fármacos na dessensibilização dos receptores colinérgicos, o que diminui a
estimulação da micção feita pela acetilcolina no sistema genito-urinario.
Essa ação é desencadeada pelo uso de nortriptilina e, principalmente, de
imipramina, que são eficazes em doses baixas.
Os ADTs também são utilizados em distúrbios de déficit de atenção-
hiperatividade em crianças e adultos, sendo a imipramina, desipramina e
nortriptilina os fármacos mais eficazes. Com isso, há uma melhora mais
duradoura e continua dos sintomas desse distúrbio quando comparada aos
farmacos estimulantes e não ocorrem os tiques ou outros movimentos
anormais que são, algumas vezes, associados com os estimulantes. Há
indícios que a desipramina e a nortriptilina podem tratar efetivamente o
distúrbio do tique que surgem pelo uso de estimulantes ou, até mesmo, os
que aparecem devido a distúrbios de atenção e síndrome de Tourette.
(GOODMAN)
Pode haver analgesia mediada por mudanças na concentração
central de monoaminas, principalmente da serotonina, além do efeito direto
ou indireto dos ADTs nos sistemas opióides endógenos.(AUMENTO DA
NORA NA VIA DESCENDENTE ATIVA A SUBSTANCIA GELETINOSA A
ATIVAR OS RECEPTORES ENCEFALINERGICOS, QUE LIBERAM A
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 104
ENCEFALINA E, CONSEQUENTEMENTE FECHAM O PORTAL DA DOR).
Na úlcera péptica, os ADTs são eficazes na melhora da dor e ajudam
na cicatrização completa pela sua capacidade de bloquear receptores H2
nas células parietais e pelo efeito sedativo e anticolinérgico. Com isso, há
menos liberação de acido clorídrico pelas células parietais e grande ação
no tratamento da ulcera, já que esse receptor, que é acoplado à proteína
Gs aumentaria os níveis intracelulares de AMPciclico, que é o principal
segundo mensageiro na estimulação da produção e liberação de HCL.
Contra-Indicações:
Os ADTs estão contra-indicados no glaucoma de ângulo fechado, por
conte de seus efeitos anti-colinergicos, que podem agravar um glaucoma já
existente ou retardar o tratamento do mesmo.
Efeitos na condução cardíaca normalmente não apresentam
significado clínico, mas os ADTs são contra-indicados em bloqueios de
ramo esquerdo, bloqueio AV total, alterações na condução intracardíaca e
infarto agudo do miocárdio, associado tanto ao antagonismo de receptores
adrenérgicos e colinérgicos quanto por sua função semelhante aos
antiarrítmicos da Classe 1ª.
Deve haver cuidado especial no termino do uso desses fármacos
que, se ocorrer de forma abrupta, principalmente após um uso prolongado,
pode levar a uma síndrome de abstinência que ocorre nas primeiras 48hs
da interrupção, sendo comum em apenas alguns pacientes. Clinicamente a
síndrome se caracteriza por sintomas de mal-estar geral, alterações
gastrintestinais (náuseas, vômitos, diarréia), ansiedade, irritabilidade,
insônia, sonhos vívidos, movimentos parkinsonianos ou acatisia. Podem
ocorrer ataques de pânico, arritmias cardíacas, delirium e menos
freqüentemente agitação. Esses sintomas podem estar relacionados a um
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 105
efeito rebote de hiperatividade colinérgica.
Fármacos Específicos:
A)Imipramina
- É importante destacar que fármacos como a imipramina possui um
produto ativo, a desipramina, após o seu metabolismo. A biotransformação
de ambos os compostos ocorre, em geral, por oxidaçao em metabolitos 2-
hidroxi, que retem alguma capacidade de bloquear a captação de aminas e
podem ter efeitos depressores cardíacos particularmente proeminentes,
podendo gerar efeitos colaterais importantes.
B)Amitriptilina
Farmacocinética- seu principal produto desmetilado é a nortriptilina, que é
um metabolito 10-hidroxi (Sofre oxidação na posição 10). Estes metabolitos
podem possuir certa atividade biológica, mas são, normalmente, menos
cardiotoxicos que os metabolitos 2-hidroxi da imipramina e desipramina.
III) Antidepressivos atípicos
IV) Usos terapêuticos
Além do emprego na síndrome da depressão maior em adultos, os
antidepressivos encontram ampla utilidade em outros distúrbios
psiquiátricos, que podem ou não estar relacionados psicobiológicamente
com distúrbios do humor.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 106
Uma aplicação atual inclui a supressão rápida, porém temporária,
da enurese em crianças e pacientes geriátricos através de mecanismos
incertos. A imipramina e a nortriptilina se mostraram eficazes nesta função.
No caso de distúrbios afetivos maiores em crianças, os
antidepressivos tem sido cada vez mais utilizados. Os antidepressivos
tricíclicos, entretanto, possuem uma falta de eficácia inexplicável neste
grupo etário, assim como os inibidores da recaptação de serotonina.
Os antidepressivos também são utilizados em distúrbios de déficit
de atenção-hiperatividade em crianças e adultos. Neste caso, a
imipramina, desipramina, nortriptilina e inibidores seletivos mais recentes
demonstraram eficiência. Esses fármacos tendem a proporcionar uma
melhora mais duradoura e contínua dos sintomas, quando comparados aos
estimulantes. Além disso, não induzem os tiques ou outros movimentos
anormais algumas vezes associados ao uso de estimulantes.
Em distúrbios de ansiedade graves, incluindo síndrome do pânico-
agorafobia, distúrbio de ansiedade generalizado, fobia social e distúrbio
obsessivo-compulsivo, os antidepressivos constituem a principal escolha
de tratamento. Para os distúrbios do pânico, os antidepressivos tricíclicos,
inibidores da MAO e inibidores da recaptação de serotonina são eficazes.
Nos distúrbios obesessivo-compulsivos, assim como em síndromes
relacionadas ao descontrole de impulsos e preocupações obsessivas
(bulimia nervosa e distúrbio dismórfico do corpo, por exemplo), os
inibidores da recaptação de serotonina constituem importantes agentes de
escolha.
Além disso, os antidepressivos, principalmente os inibidores da
recaptação de serotonina, também são empregados no controle do
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 107
distúrbio de estresse pós-traumático, caracterizado por ansiedade,
sobressaltos, lembranças dolorosas dos eventos traumáticos e distúrbios
de sono.
Outros distúrbios psicossomáticos podem responder, pelo menos
parcialmente, ao tratamento com antidepressivos tricíclicos, inibidores da
MAO ou da recaptação de serotonina. Esses distúrbios incluem dores
crônicas (síndrome neuropática diabética e outras síndromes neuropáticas
periféricas), fibromialgia, úlcera péptica e síndrome do cólon irritável,
fadiga crônica, cataplexia, tiques, enxaqueca e apnéia do sono.
Antidepressivos atípicos
Os antidepressivos que atuam em serotonina e noradrenalina já são
conhecidos em psiquiatria desde a descoberta da imipramina, por Kuhn em
1957.
As primeiras drogas antidepressivas começaram a ser utilizadas nos
meados da década de 60 (antidepressivos tricíclicos), com altos índices de
eficácia, porém com vários efeitos adversos, uma vez que os tricíclicos
atuam alem da serotonina e noradrenalina, em receptores muscarinicos,
histaminicos e alfa-adrenergicos, alem de outros de menor intensidade.
Os antidepressivos atípicos são fármacos que não podem ser
caracterizados como tricíclicos, inibidores da monoaminooxidase ou
inibidores da recaptação de serotonina. Alguns elevam a transmissão
noradrenérgica, através de ação antagonista nos receptores alfa-2 pré-
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 108
sinápticos no SNC da serotonina por interação com receptores 5-HTA2 e 5-
HT3. A atividade antagonista nos receptores histaminérgicos é responsável
por seus efeitos sedativos, embora não possua nenhuma atividade
anticolinérgica. Com sua atuação ocorre aumento de neurotransmissores
na fenda sináptica através da inibição da recaptação pré-sináptica
serotoninérgica, noradrenérgica, dopaminérgica, podendo ter só uma
destas funções como coexistir as três ao mesmo tempo; porém ainda é
predominante a função serotoninégica.
Existem alguns antidepressivos atípicos que aumentam a
transmissão noradrenérgica, através do antagonismo de receptores α 2 pré-
sinápticos no SNC, modulando também a função central da serotonina
através da interação com receptores 5-HT2 e 5-HT3, como ocorre, por
exemplo, na mirtazapina, que é um fármaco caracterizado como atípico.
Existem outros fármacos considerados atípicos que são inibidores da
recaptação de serotonina e noradrenalina(ou antidepressivos de ação
Dual) porém alguns desse grupo bloqueiam também a recaptação de
dopamina. Algumas dessas drogas reduzem a sensibilidade dos receptores
beta-adrenérgicos, o que pode sugere um início de efeito clínico mais
rápido do que o esperado.
Também podemos encontrar, neste grupo, fármacos que atuam
como inibidores da recaptação da noradrenalina. Atípicos, como a
tianeptina, embora seja serotoninérgica, não inibem a recaptação da
serotonina pré-sináptico, mas, induzem sua recaptação pelos neurônios do
córtex, do hipocampo e do sistema límbico.
Em 1986, com o lançamento da Fluoxetina, foi inaugurada a era das
‘’smart drugs’’, que substancias mais especificas, mais ‘’limpas’’, que
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 109
apresentam menos efeitos adversos e são mais bem toleradas pelo
paciente, aumentando a aderência ao tratamento.
Por atuar especialmente na serotonina, este tipo de antidepressivos
deixava a descoberto uma série de pacietnes que apresentavam
sintomatologia mais severa, que não respondiam satisfatoriamente às
drogas que inibiam apenas a recaptação deste neurotransmissor. Devido a
estes motivos, no início da década de 90, esta nova classe de drogas
antidepressivas foi desenvolvida, com muito maior especificidade, em
virtude de atuarem quase que exclusivamente sobre a Serotonina e
Noradrenalina. Daí o nome ‘’ Dual ‘’ para designá-las.
Como apresentam um mecanismo dual, conseguem sua ação
antidepressiva de forma muito mais intensa, com muito boa resposta,
comparável à dos antidepressivos tricíclicos e; ao não atuarem de forma
significativa em outros sistemas, apresentam muito menos efeitos
adversos, tornando-se as substancias que favorecem a aderência dos
pacientes aos tratamentos de longa duração, como os transtornos
depressivos exigem.
Fármacos:
VENLAFAXINA
Mecanismo de ação:
A venlafaxina é um fármaco antidepressivo dom uma estrutura
química totalmente diferente da dos tricíclicos clássicos, tetracíclicos e
outros agentes conhecidos. Quimicamente denomina-se 1-2dimetilamino-1-
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 110
4metoxifenil-ciclohexano e, comercialmente, é conhecida como Efexor. Seu
mecanismo de ação lembra o de outros antidepressivos conhecidos, já que
está diretamente associado à potenciação da atividade neurotransmissoras
no sistema nervoso central. A venlafaxina e seu metabólito ativo O-
desmetilvenlafaxina (ODV) são inibidores seletivos da recaptação de
serotonina e noradrenalina (ISRSNs), e apresentam fraca atividade como
inibidores da recaptação de dopamina (clinicamente significativo apenas
com doses elevadas). A potência da inibição de recaptura de serotonina é
algo superior à de recaptura de noradrenalina, ocorrendo em doses
inferiores. A venlafaxina e o ODV não apresentam afinidade por receptores
adrenérgicos alfa-1, receptores muscarínicos ou histamínicos e também
não inibem a monoamino-oxidase. Alteram a sensibilidade de receptores
beta-adrenérgicos após dose única, diferente de outros antidepressivos
que levam à dessensibilização desses receptores após doses repetidas.
age sobre a noradrenalina e a dopamina, mesmo assim, não exerce esta
ação sobre os receptores muscarínicos, histaminérgicos ou alfa-
adrenérgicos
Farmacocinética:
A venlafaxina é rapidamente absorvida, sua biodisponibinidade é de
45%, e a ingestão com alimentos retarda, porém não compromete sua
absorção. A liberação da venlafaxina da formulação de liberação
prolongada (XR) é controlada pela membrana e independe do pH. Embora
a absorção da formulação de liberação prolongada ocorra em ritmo mais
lento e em concentrações plasmáticas inferiores, o total absorvido é o
mesmo. A ligação proteica é moderada (cerca de 30% para a venlafaxina e
40% para o ODV). A venlafaxina sofre metabolização hepática com
importante efeito de primeira passagem. O ODV é formado por 0-
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 111
desmetilação pela isoenzima 2D6 do citocromo P450 (CYP2D6). Estudos in
vitro evidenciam o envolvimento do CYP3A4 na metabolização da
venlafaxina na N-desmetil-venlafaxina (menos ativo que o ODV).
Efeitos colaterais:
Os efeitos colaterais mais frequentemente relatados com o uso da
venlafaxina são: náuseas, tonturas, sonolência; com doses acima de 225
mg/dia podem aparecer sintomas como hipertensão, sudorese abundante,
tremores.14 A hipertensão aparece como resultado da inibição da
recaptação de noradrenalina, desenvolvendo-se em cerca de 3% dos
pacientes que fazem uso de 100 mg/dia; 5% dos pacientes em uso de
doses entre 101 e 200 mg/dia; 7% dos pacientes em uso de doses entre
201 e 300 mg/dia; e 13% dos pacientes em uso de doses acima de 300
mg/dia. Porém, em menos de 1% dos pacientes o tratamento deve ser
interrompido por este motivo.9 A magnitude do aumento nos níveis da
pressão arterial é de 2 mm/Hg com doses de 225 mg/dia e de 7,5 mm/Hg
com doses de 375 mg/dia. O tratamento da hipertensão, quando
necessário, inclui o uso de drogas antidepressivas. 14 Os efeitos colaterais
na esfera sexual aparentam ser dose-dependentes e parece não haver
desenvolvimento de tolerância. Podem ser relatados diminuição da libido,
anorgasmia, retardo ejaculatório e impotência.9
Cuidados a considerar em casos especiais:
Não há estudos controlados em gestantes. Estudos com ratos e
coelhos empregando doses superiores às terapêuticas em até 12 vezes
não evidenciaram efeitos teratogênicos. Não se sabe se a venlafaxina é
excretada no leite materno, porém não foram relatados problemas a este
respeito. O uso em pacientes com doenças cardiovasculaes e hipertensão
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 112
deve ser bem avaliado, uma vez que a indução de elevação nos níveis da
pressão arterial ou a hipotensão postural podem agravar condições pré-
existentes. O metabolismo da venlafaxina está alterado em pacientes com
comprometimento hepático e deve-se considerar redução nas doses em
até 50% no caso de comprometimento hepático grave ou moderado. A
excreção da venlafaxina pode ser alterada em pacientes com
comprometimento renal. Pacientes com comprometimento leve ou
moderado devem receber 25% a 50% da dose. Pacientes em hemodiálise
devem receber 50% da dose, que deve ser administrada após a sessão de
diálise.
Interações medicamentosas
MIRTAZAPINA
Mecanismo de ação:
A ação da mirtazapina se dá através do aumento da atividade
noradrenérgica e serotonérgica central. A mirtazapina é um antagonista de
auto e hetero-receptores alfa-2 adrenérgicos pré-sinápticos e antagonista
5-HT2 e 5-HT3 pós-sináptico. Apresenta fraca afinidade pelos receptores
5-HT1a e 5-HT1b pós-sinápticos. Sua afinidade pelos receptores
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 113
histamínicos H1 explica o efeito sedativo. Apresenta fraca atividade por
receptores muscarínicos e dopaminérgicos.15,22
Farmacocinética:
A mirtazapina é bem absorvida pelo trato gastrintestinal, porém
devido ao metabolismo de primeira passagem sua biodisponibilidade é de
50%. Apresenta alta ligação a proteínas plasmáticas (85%). Os picos
plasmáticos são atingidos em cerca de duas horas e o estado de equilíbrio
em cinco dias, apresentando relação linear com a dose ingerida. A
mirtazapina sofre metabolização hepática, principalmente desmetilação e
hidroxilação seguida de conjugação ao ácido glucurônico. Seus metabólitos
são ativos, encontrados em níveis baixos. A meia-vida de eliminação é de
20 a 40 horas (mais longa em mulheres de todas as idades). Os
metabólitos são eliminados na urina (75%) e nas fezes (15%). 9,22
Efeitos colaterais:
A mirtazapina apresenta boa tolerabilidade. Os efeitos colaterais
mais freqüentemente relatados são: sedação excessiva, ganho de peso
(principalmente com o uso de doses baixas), boca seca, edema,
obstipação intestinal, dispnéia. Em estudos clínicos realizados antes de
seu lançamento observou-se a ocorrência de 2 casos (entre 2.796
pacientes) de agranulocitose reversível e de um caso de neutropenia grave
também reversível.22 Sugere-se que a mirtazapina seja suspensa em
pacientes que apresentarem febre ou outros sinais de infecção e tiverem
baixa contagem de leucócitos.
Interações medicamentosas:
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 114
MILNACIPRANO
É um antidepressivo relativamente recente e que apresenta a
propriedade de inibir a recaptação da serotonina e da noradrenalina de
forma equivalente. Apresenta menores efeitos anticolinérgicos e segurança
para pacientes cardiopatas devido à baixa influência no ritmo cardíaco.
O milnociprano não apresenta afinidade pelos receptores
muscarínicos, dopamínicos e histamínicos proporcionando poucos efeitos
colaterais e não provocando sedação dos pacientes.
Os efeitos colaterais mais comuns são vertigem, sudorese,
sensação de calor repentina, ansiedade. Náuseas, vômitos, boca seca e
constipação também podem ocorrer, embora em menor frequência
(Goodman & Gilman, 2006).
Características químicas e farmacológicas :
O milnaciprano é um inibidor não seletivo de recaptação de
serotonina e noradrenalina (IRSN). Ao contrário dos antidepressivos
tricíclicos, o milnaciprano não tem afinidade por receptores colinérgicos
(muscarínicos), a1-adrenérgicos ou histaminérgicos H1. O milnaciprano
também não tem afinidade por receptores dopaminérgicos D1 e D2 ou
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 115
receptores benzodiazepínicos e opióides. Dados pré-clínicos de segurança
indicam, em ingestão repetida, o fígado como órgão alvo em todas as
espécies animais estudadas. Os primeiros efeitos tóxicos observados
aparecem em doses elevadas, aproximadamente 10 vezes a dose
terapêutica em humanos e são reversíveis. Em humanos, a dose
terapêutica e as concentrações plasmáticas do milnaciprano produzem,
consistentemente, um nível de inibição de 50% a 90% da recaptação de
noradrenalina e serotonina. O milnaciprano não induz modificações de
repolarização ou condução cardíacas e tem pouco efeito sedativo.
Farmacocinética:
O milnaciprano é bem absorvido após administração por via oral. Sua
biodisponibilidade é da ordem de 85%, não sendo modificada pela
alimentação. A concentração plasmática máxima (Cmáx) é atingida por
volta de 2 horas (Tmáx) após a ingestão oral.
Esta concentração é da ordem de 120 ng/ml após uma ingestão única de
50 mg. O aumento da concentração plasmática é proporcional à dose até a
concentração de 200 mg por dose. Após ingestões repetidas, o nível
plasmático do estado de equilíbrio é atingido em 2 a 3 dias.
A variação individual é pequena.
DULOXETINA
É um antidepressivo de ação rápida (age na primeira semana de
tratamento). Pertence a uma classe de drogas conhecidas como duplos
inibidores de recaptação, pois afeta a recaptação de dois
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 116
neurotransmissores ao invés de um, sendo eles a Serotonina e a
Noradrenalina (Goodman & Gilman, 2006).
NEFAZODONA
O seu efeito antidepressivo decorre do bloqueio da
neurotransmissão seratoninérgica por competição com os receptores de
tipo II da serotonina (5HT) e por um bloqueio parcial leve na
neurotransmissão alfa-adrenérgica. Não apresenta efeitos anticolinérgicos
e nem anti-histamínicos.
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 118
Os transtornos depressivos são altamente prevalentes, tendem a
afetar adultos jovens e apresentam um curso episódico ou crônico. São
geralmente mais comuns em mulheres e em pessoas com menores rendas
e níveis de escolaridade, e estão associados a uma alta utilização de
serviços de saúde.
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119
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Intervenções farmacológicas para controle das alterações neuroquímicas no quadro da depressão 120
Goodman & Gilman. As bases farmacológicas da terapêutica . 11 ed.
Rio de Janeiro, McGraw-Hill Interamericana do Brasil, 2006.
RANG, H.P., DALE, M.M., RITTER, J.M., MOORE, P.K. Farmacologia.
5a. ed. Rio de Janeiro, Elsevier, 2004.
KATZUNG. Farmacologia Básica. 10 ed. Rio de Janeiro, Guanabara
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