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TOLEDO, Rodrigo. Homofobia e Heterossexismo na Escola: um estudo sobre significações de professores gays que atuam na educação básica. 2018. 189 f. Tese (Doutorado em Educação: Psicologia da Educação) Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018. APÊNDICES I TRANSCRIÇÃO DA CONVERSAÇÃO COM FILADELFO BRANDÃO 2 II TRANSCRIÇÃO DA CONVERSAÇÃO COM GIOVANE OLIVEIRA 13 III TRANSCRIÇÃO DA CONVERSAÇÃO COM MARCOS ANTÔNIO FELIX 22 IV TRANSCRIÇÃO DA CONVERSAÇÃO COM JEOVAN BANDEIRA 34 ANEXOS I ROTEIRO DE CONVERSAÇÃO 46 II TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 47
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TOLEDO, Rodrigo. Homofobia e Heterossexismo na Escola

May 09, 2023

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TOLEDO, Rodrigo. Homofobia e Heterossexismo na Escola: um estudo sobre

significações de professores gays que atuam na educação básica. 2018. 189 f.

Tese (Doutorado em Educação: Psicologia da Educação) – Programa de Estudos

Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, São Paulo, 2018.

APÊNDICES

I – TRANSCRIÇÃO DA CONVERSAÇÃO COM FILADELFO BRANDÃO 2

II – TRANSCRIÇÃO DA CONVERSAÇÃO COM GIOVANE OLIVEIRA 13

III – TRANSCRIÇÃO DA CONVERSAÇÃO COM MARCOS ANTÔNIO FELIX 22

IV – TRANSCRIÇÃO DA CONVERSAÇÃO COM JEOVAN BANDEIRA 34

ANEXOS

I – ROTEIRO DE CONVERSAÇÃO 46

II – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 47

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Apêndice I – Transcrição da Conversação com Filadelfo Brandão

Rodrigo Toledo: Hoje é dia 11 de janeiro de 2017 e vou conversar com o professor Filadelfo Brandão. Então, Filadelfo Brandão, novamente quero te agradecer pela sua disponibilidade e a ideia é que hoje a gente possa bater um papo. Eu tenho aqui alguns pontos para nos orientar durante nossa conversa. Primeiramente, eu gostaria que você me contasse de você, o que você faz, onde você mora, enfim, fale um pouco sobre você.

Filadelfo Brandão: Bom, eu sou o Filadelfo Brandão, eu moro em Eldorado, cidade da grande Mórdor. Moro com meu pai e minha mãe e trabalho em duas escolas aqui da Prefeitura de Doriana. No período da manhã, no CEI [Centro de educação infantil] do CEU Ceiuci e neste ano vou ter uma turma de bebês de 0 a 1 ano e é a primeira vez com essa faixa etária. Nesse CEI eu já trabalho há doze anos, mas sempre com bebês de 1 a 2 anos, então, esse ano agora vai ser novo, de verdade. E no período da tarde eu trabalho no [Ensino] Fundamental I, numa escola também no bairro de Ceiuci, lá geralmente trabalho com o com primeiro ano, nas turmas de alfabetização. Sobre a minha formação, eu fiz magistério no CEFAM de Passárgada, depois fiz graduação em Pedagogia, na Universidade Uraricoera, e hoje faço Ciências Sociais lá também. E agora em março, eu inicio o mestrado na Faculdade de Educação da Universidade Uraricoera, na área de Sociologia da Educação. Hoje eu tenho 33 anos e já dou aula há treze anos.

Rodrigo Toledo: Que bacana...

Filadelfo Brandão: Na Prefeitura de Doriana tem doze anos que eu trabalho. Trabalhei um ano na Prefeitura de Eldorado. Em Tapanhumas, também tenho uma experiência de 5 anos em escolas do Estado. Acho que é isso.

Rodrigo Toledo: E a sua trajetória profissional foi toda constituída na escola?

Filadelfo Brandão: Sim. Sempre na escola pública. Desde o meu primeiro emprego sempre foi na escola pública.

Rodrigo Toledo: Muito bacana! Você disse que trabalha com bebês na educação infantil, como é esse trabalho?

Filadelfo Brandão: Eu acho que eu acabei naturalizando um pouco a minha estada na escola de educação infantil e nunca questionei muito. Mas o que eu posso dizer é que é assim: nesses treze anos, aconteceram alguns enfrentamentos que não foram muitos, mas que eu também consegui, sei lá, cristalizar direitos ali e a minha permanência lá. Então, são doze anos na mesma escola, doze anos com a mesma faixa etária e aí você acaba construindo uma reputação de bom profissional. Mas o que eu posso dizer: quando eu cheguei na escola, tinham dois professores homens já, sendo um deles homossexual e um outro heterossexual. Então, já não fui eu que abri enfrentei primeiro essas barreiras. Talvez eles tivessem tido outros problemas que eu não. Agora, é uma situação contraditória por que trabalho na creche que é uma profissão feminilizada, só tem eu e mais um companheiro homem lá. Mas que ao mesmo tempo, não me constrange. Por eu ser homem, eu acho que cria até algum certo privilégio, na verdade. E isso também é difícil de se questionar. Todos os anos, no início do ano, as famílias se assustam, as famílias ficam inseguras, talvez não declarem, mas eu já percebo. E aí no decorrer do ano, e eu não costumo ter problema, de ter criança desistente da minha turma por conta disso. Mas algumas dúvidas, as famílias têm sim. Por ser homem, por ser gay, e isso é algo que é bem claro para as famílias, também para as minhas companheiras de trabalho, não há dúvidas da minha sexualidade, eu faço questão de que não haja. Mas é isso.

Rodrigo Toledo: Então, você está me dizendo que esse trabalho e, principalmente por você já estar lá há bastante tempo, isso de alguma maneira se naturalizou?

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Filadelfo Brandão: É, mas tem dois lados. Um que é muito bom, por que eu acho que é isso que a gente quer mesmo. A gente quer participar dos lugares e ter voz e ter visibilidade, mas por outro, às vezes eu fico pensando que falta um pouco de discussão também, que talvez não dá pra gente naturalizar assim, não é o tempo todo que está tudo tranquilo. Acaba tendo um certo distanciamento.

Rodrigo Toledo: E como funciona na sua escola?

Filadelfo Brandão: Lá tem um grupo de professoras, e eu falo professoras por que 95% é professora. É um grupo que estuda bastante, a gente já teve temas de estudo, por que a gente tem três horas de estudo semanais coletivos. A gente já teve temas de estudo por dois anos que era relações de gênero, então é um grupo interessante de se trabalhar. Das minhas companheiras, eu não sinto nenhum tipo de discriminação ou preconceito. E posso dizer também pelo outro rapaz que trabalha lá, que é um homem heterossexual, que eu acho também que ele não sofre nenhum tipo de discriminação. A desconfiança que a gente tem é das famílias que são novas, geralmente estão ingressando na creche com seus bebês e que, pela sociedade que a gente vivemos, eu acho que é bastante certo que elas tenham esse tipo de desconfiança mesmo. Por falta de informação, mas depois, no convívio, as coisas se resolvem.

Rodrigo Toledo: E essa desconfiança é traduzida como?

Filadelfo Brandão: Olha, faz bastante tempo eu tive um caso pontual nesse tempo todo, que foi quando eu já tinha uns cinco anos de escola. E eu estava desse jeito que eu estou te dizendo, no piloto automático, pra mim estava tudo certo, não tinha problema nenhum e tal. E as turmas funcionam assim: as crianças ficam em período integral, mas as professoras não. Então, eu trabalhava só no período da tarde lá. E as minhas crianças chegavam de manhã e iam embora só à tarde. E de manhã elas ficavam com outras professoras. E eu tinha uma mãe com quem eu me dava muito bem e nunca tinha percebido nada. E um dia minhas companheiras da manhã vieram falar comigo, bastante constrangidas, uma até chorou, que essa mãe não queria que eu trocasse o filho dela. Por que eu troco fraldas, então, não queria que eu trocasse o filho dela, não queria que eu cuidasse do filho dela, e pra mim foi assim muito forte, por que era uma mãe com quem eu conversava bastante, com quem eu tinha uma boa relação. Porque na creche, a gente tem essa dinâmica com as famílias, a gente conversa bastante com elas. As crianças, algumas vão de transporte escolar, mas a maioria eu pego dos braços dos pais, da família, então tem esse tempo de conversar. E eu tinha um bom contato com ela. E ela não me falou nada, nem deixou transparecer nada. Mas as coisas que ela falou para as professoras do período da manhã foram muito pesadas, porque ela particularmente tinha um histórico de violência sexual e ela tinha certeza que era a mesma coisa que eu ia fazer com o filho dela. Foi muito constrangedor. Daí eu tive que falar com minha direção, com minha coordenadora. A minha coordenadora tentou resolver da melhor maneira possível, que era conversando, mas pra mim também não foi bom, não tinha vontade nenhuma de conversar com aquela mãe. E, assim, foi o único caso que eu tive conhecimento e que foi daí que eu parei pra pensar melhor, que as coisas não eram assim tão tranquilas como eu pensava e que, pra mim também, é uma história que não se resolveu, por que nessa reunião a mãe chorou, ficou se defendendo, falando que não era nada daquilo, não tirou o menino da minha turma, mas também não me pediu desculpas, eu também não me expliquei pra ela por que eu não tinha a menor vontade de me explicar mesmo. E levamos o ano inteiro assim. O menino continuou, provavelmente a mãe sofrendo, eu muito magoado com ela e foi assim até o final do ano. Mas foi o caso mais pontual. De resto eu não tenho. Pelo menos, não chegou ao meu conhecimento e eu procuro manter muito diálogo com as famílias também. Então, eu acho que é uma forma de me apresentar para eles e de eles terem alguma confiança em mim.

Rodrigo Toledo: Difícil, essa situação?

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Filadelfo Brandão: Sim, e eu nem gosto de lembrar muito, isso ainda me chateia. Acho que é porque nunca resolvemos direito essa situação.

Rodrigo Toledo: Você me disse que durante esse período de doze anos, você está na creche, e este mesmo tempo você está também nessa outra escola?

Filadelfo Brandão: Não. Na outra escola que eu estou, esse é o meu sétimo ano lá. Eu estou lá desde 2010. E lá são crianças maiores. Agora, depois que eles começaram a ter nove anos no fundamental, que eles entram com cinco, seis anos, mas antes eu trabalhava com crianças já de sete, pra fazer oito anos. Lá as coisas eu acho que são ainda mais tranquilas. Aí vem a diferença. Eu tenho menor contato com as famílias, por ser ensino fundamental, eu vejo as famílias na reunião de professores com as famílias. Algumas eu vejo na hora da entrada e na hora da saída, mas é mais raro do que na creche. Lá realmente eu acredito que nunca tive nenhum problema. É uma escola que fica dentro de uma comunidade, dentro de uma favela. E lá eu nunca tive nenhum tipo de problema, de recusa de família de que eu fosse professor ou algum comentário ou discriminação do grupo, embora eu entenda, que é um grupo de menos discussão política, de menos discussão pedagógica do que na minha creche, também é um grupo que se não é progressista, não se mete na vida dos outros, entende? Eu nunca tive nenhum problema com nenhuma parceira ou parceiro de trabalho por ser homossexual. E com os alunos, eles são muito pequenos, então eles pouco me questionam isso e quando questionam eu tento resolver da maneira mais tranquila, não me aprofundar muito, mas também não nego nunca.

Rodrigo Toledo: E essa experiência que você vive nessas escolas é comum em outros espaços escolares? Outros companheiros vivem experiência semelhantes à sua?

Filadelfo Brandão: Não, eu acho que não. Eu tenho muita consciência, de que eu vivo, não sei se com privilégios, se é uma bolha. Mas eu tenho muita consciência de que o que eu vivo não reflete a totalidade de experiências. Eu tenho amigos que são gays e que não são assumidos no ambiente de trabalho, outros que são assumidos e que sofrem algum tipo de violência, mesmo que seja simbólica, dentro da escoa, Mas eu acho que essa na verdade é a regra, das pessoas LGBT em geral sofrerem algum tipo de violência ainda que simbólica dentro do ambiente de trabalho, principalmente em escola, principalmente se você é uma minoria no grupo e acaba se levando pelas burocracias, acaba se deixando levar pela dinâmica da escola, pela realidade da escola, pelo funcionamento da escola. Então, eu acho que eu vivo um certo privilégio, mas que eu entendo também que eu galguei isso, que foi por conta da minha militância, por conta da minha prática mesmo dentro da escola.

Rodrigo Toledo: Entendo, e você acabou citar a sua militância, como é que ela se constituiu?

Filadelfo Brandão: Não sei dizer, acho que é de vivência mesmo. Eu acho que é coisa da vida mesmo, por que na graduação eu tive duas disciplinas sobre gênero e eram optativas. Então, assim, academicamente, foi bem pouco. E acho que na minha vida pessoal mesmo. Eu procuro me engajar, ainda que virtualmente, ainda que pelas redes sociais, eu procuro me engajar na luta pelos direitos LGBT, faço disso minha bandeira. É algo que ocupa um espaço fundamental na minha vida. Então, não poderia deixar essa militância fora do meu trabalho.

Rodrigo Toledo: E você participa de algum grupo organizado, de algum movimento?

Filadelfo Brandão: Não, de movimento LGBT, mas eu milito no movimento sindical. Eu participo é de um sindicato dos professores da prefeitura de Doriana, mas que também é um lugar que eu acho que tem mais enfrentamento nessas questões de gênero do que na escola.

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Rodrigo Toledo: Espaço bastante importante para militar! E na sua trajetória escolar, como aluno, como foi?

Filadelfo Brandão: A minha vida escolar é toda marcada pela homofobia, com certeza. É que naquela época gente não sabia nem nomear, sei lá, uns vinte anos atrás. Não tinha nem nome, mas tinha sofrimento. Você tinha perguntado de onde vinha a militância, eu acho que a mudança da minha vida foi no magistério. Eu acho que foi que me transformou em parte do que eu sou hoje. Eu estudei numa escola de tempo integral, pública, que era bastante progressista e foi lá a primeira vez que eu tive muito contato com outros homossexuais, com transexuais, com travestis, que eram alunos e alunas regulares da escola e a escola tinha um pensamento muito positivo sobre a diversidade, isso lá entre 2000 e 2003. Que como algumas pessoas dizem, não era nem moda ainda ser homossexual, que não fácil de se discutir e eu nem era assumido ainda. Era assumido pra poucas amigas e amigos, mas eu acho que foi lá que a minha cabeça mudou mesmo, que eu passei a me empoderar e prestar atenção nessas discussões. E não só de gênero, mas raciais também e de luta de classes e essas coisas. Mas, não sei, minha vida escolar acho que foi toda muito marcada por homofobia, era esse o tipo de violência que eu sofria na escola, com certeza. Mas na minha experiência profissional, eu acho que não. Acontece ainda hoje em dia, as pessoas fazem algum tipo ou outro de comentário, talvez não sobre mim, mas que é carregado de homofobia, é carregado de transfobia, mas que talvez não percebem, ou que não sabem, mas eu geralmente às corrijo. Eu não deixo passar muita coisa não.

Rodrigo Toledo: Então o CEFAM foi o lugar que fortaleceu o que você é hoje?

Filadelfo Brandão: É, eu acho que aquilo que a gente fala de Orgulho Gay e eu acho que foi ali que eu construí, que eu percebi, por que a gente mesmo sendo homossexual, a gente mesmo sendo pobre e preto, a gente tem uma série de preconceitos e, principalmente, essa questão da autoimagem também é bem difícil, quando você é menino, você ouve o tempo todo que ser gay é feio, tem aqueles estereótipos horríveis de gay na televisão, você não quer ser aquilo de forma alguma, e foi no magistério, no ensino médio, que eu tive outros exemplos de homens gays, de mulheres gays, de transexuais, de travestis muito positivos. Eu acabei percebendo outras formas que eu podia ser também e de me aceitar e também percebi os reais problemas de como que a gente podia lutar, de como que a gente tinha que se impor e se assumir e se aceitar e ter muito orgulho disso e de lutar. Eu acho que foi lá no CEFAM. Não tenho muita lembrança de outro momento, da minha vida, de um grande despertar para as causas LGBT e para as questões raciais.

Rodrigo Toledo: Entendi. E você citou também de ter vivido experiências de preconceito e de discriminação na escola, o que você pode me contar dessa sua trajetória escolar anterior ao CEFAM?

Filadelfo Brandão: Bom, é viver aquelas experiências que infelizmente são comuns como: apelido, comentários, perguntas descabidas, agressões. É horrível pra gente adolescente, criança homossexual, por que as pessoas não têm o menor pudor de te perguntar coisas que não perguntam para um adolescente heterossexual, não perguntam para uma criança heterossexual. As pessoas são muito más, em alguns momentos, diria que até sádicas. É aquela coisa de desumanizar mesmo a pessoa LGBT. Então, chegam, perguntam qualquer coisa, passam a mão, pegam, a vida da criança, adolescente LGBT é essa, muito difícil. Você é tocado, você não tem o privilégio de manter o seu corpo seu, de ter o seu espaço preservado. Esse tipo de coisa, a gente enquanto LGBT não tem. E vários apelidos. E eu lembro que um desconforto que eu tinha muito grande na escola, era medo dos professores e professoras ouvirem alguma coisa sobre mim e me defenderem, não era nem de que eles me atacassem também. Eu morria de medo. Pra mim, eu pensava que ia ser uma decepção para os professores, era algo que eu preferia evitar. Então, também nunca levava nenhuma reclamação pra nenhum deles. Não achava que tinha direito de reclamar ou de tentar contornar aquela situação.

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Rodrigo Toledo: Medo também dos professores e professoras?

Filadelfo Brandão: É, eu era um aluno excelente. Acho que o meu refúgio eram os estudos, sempre fui um aluno ótimo, mesmo. E vivia essas duas coisas, eu ia muito bem em provas e nos afazeres escolares, mas a minha vida social não era tão boa. E eu tinha algumas amigas, sempre andei muito com as meninas, pouquíssimos amigos meninos. Mas eles em algum momento ou outro também eram homofóbicos comigo, mas para mim a maior preocupação era dos professores descobrirem e de alguma maneira, sei lá, deixar de ser um aluno querido, como deixar de ser querido pelos meus pais.

Rodrigo Toledo: E como foi viver essas experiências de descobertas e a relação com a sua família?

Filadelfo Brandão: Olha, eu tive um momento de bastante desgaste com minha irmã mais velha. Eu já estava trabalhando, já nem era adolescente, já estava com 21, 22 anos. E ela não aceitava a minha orientação sexual. Teve aquela reação clássica de família, de chorar, de gritar, pedir por Deus e tudo. Por que, olha, é claro que rolou mágoa, claro que a minha relação com ela se estremeceu muito e nunca mais voltou a ser a mesma, mas ao mesmo tempo serviu muito pra eu fortificar o que eu pensava, o que eu achava, o que eu acreditava como correto pra minha vida. Foi pra isso que serviu essa conversa com ela, que foi bastante desgastante, mas que me serviu pra pensar que não é só teoria, não é só coisa de politica, não é pauta de esquerda, é minha vida mesmo, é contra isso que eu tenho que lutar, a homofobia está em todos os lugares.

Rodrigo Toledo: Momento difícil...

Filadelfo Brandão: Sim, foi. Mas com os meus pais, é assim: nunca me perguntaram, eu nunca falei também, mas é obvio que eles sabem, não há dúvida que meus pais sabem da minha orientação sexual, mas eu acho que com eles eu não teria tanto problema quanto tive com essa minha irmã, por exemplo. Minha mãe, às vezes, faz alguns comentários assim, me pergunta sobre namoraDO, me fala de homens e tal. Então, é bastante aberto, mas nunca teve aquele momento de eu chegar e sentar e falar, olha, eu sou gay, por que eu acho que não precisava também.

Rodrigo Toledo: Como assim não precisava?

Filadelfo Brandão: Eu sempre fui muito espontâneo desse jeito que eu sou aqui, que sou no trabalho, que eu sou em casa. Aliás, sempre não, foi no magistério que eu decidi que não dava pra ficar sendo várias pessoas em vários lugares diferentes. Eu pensei que se eu era espontâneo na escola e mesmo afeminado não dava para ser diferente em outro lugar ou tentar esconder quem eu era verdadeiramente. Esconder quem eu era, só ia me gerar mais sofrimento. Então, eu sou assim em qualquer lugar e faço questão mesmo de que as pessoas saibam da minha sexualidade e das minhas preferências políticas, etc.

Rodrigo Toledo: Então, você está me dizendo que na sua trajetória, você foi enfrentando situações de preconceito, discriminação, é isso?

Filadelfo Brandão: É, e isso tem me contribuído para que eu possa me fortalecer ainda mais pra buscar outras medidas, outras saídas, outras situações. Pra estudar também, pra pesquisar, pra me engajar nas causas antimachistas, feministas e LGBTs. Eu acho que foi isso. Esmorece a gente, claro, chateia, magoa, endurece, eu morro de medo de ficar uma pessoa mais dura do que eu já sou, mas não faz perder as esperanças não. Me faz procurar outras saídas, procurar aliadas, aliados, por que isso que eu acho que eu fui encontrando também no caminho, além das violências que eu vivi. Não estou na escola sozinho. Não sou só eu que falo das questões LGBT, de gênero e feministas e nem são só pessoas LGBTs que falam, os héteros, os cisgêneros, são muito bem-vindos nessa luta. E construí uma rede de boas companheiras e companheiros nesses anos de trabalho também. E que não estou

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sozinho na escola, não estou sozinho na sala de aula, na minha profissão. Então, eu acho que é isso. Esses momentos de dificuldade me fizeram encontrar apoio em outras pessoas, em outros lugares. E na academia também.

Rodrigo Toledo: Na academia como assim?

Filadelfo Brandão: Veja bem, acho que quando a gente escolhe um tema de pesquisa, tem muito a ver com o que a gente quer pra sociedade e tal, mas também tem alguma coisa a ver com a nossa vivência. Então, eu passei a me interessar bastante por relações de gênero e trabalho. Lá na graduação, por que eu já tinha discutido alguma coisa sobre o tema, já tinha lido alguma coisa também, mas nunca tinha feito esse estudo de uma forma dentro do currículo, de uma forma institucional, que foi como aquelas duas disciplinas que eu tive na graduação. E elas que me deram um despertar, eu já era velho, já dava aula há algum tempo, mas elas me deram uma nova ideia de como atuar e principalmente me mostraram que havia um campo de pesquisa pra isso, que havia um campo acadêmico pra esse tema, que isso cabia também dentro da academia.

Rodrigo Toledo: Nossa que bacana! É interessante perceber que você tem enfrentado as dificuldades de uma maneira muito interessante e tem permitido que essas experiências possam enriquecer a sua trajetória pessoal e atuação profissional, mas o que você tem ouvido de experiências de colegas em outros espaços escolares?

Filadelfo Brandão: Olha, pra te ser bem sincero, eu acho que eu não sei te dizer. Esse é um medo que eu tenho também, às vezes, de falar em público, de contar minha história ou de falar para jovens gays, porque foi o que eu te disse, a impressão que eu tenho é que eu vivo em uma condição privilegiada.

Rodrigo Toledo: Por que privilegiada? Mas essa condição de privilegio, tem te afastado de outras pessoas, de colegas que vivem experiências diferentes da sua?

Filadelfo Brandão: O que eu posso te dizer é sobre um amigo que é gay e que não se sente a vontade de se assumir no ambiente de trabalho, que é uma escola da prefeitura também. O que eu sinto que é ele parece uma pessoa muito oprimida no ambiente de trabalho, parece que ele vive um tipo de violência que não é contra ele, ele não é perseguido, mas são aquelas falas cotidianas, aquelas violências simbólicas que você acaba sofrendo talvez por não se impor, talvez por não sinalizar para as outras pessoas que determinados comentários e atitudes incomodam ou que não estão corretos.

Rodrigo Toledo: Parece ser difícil viver dessa maneira...

Filadelfo Brandão: É, infelizmente, na nossa vida, com acesso à internet, a redes sociais, a gente vê muita violência. A gente vê pessoas sendo agredido por ser gay, gente sendo agredido por ser confundido com gay. Ultimamente, temos visto que tem até um padrão do que você pode ser ou não para ser taxado como gay. E é isso que mais me assusta, acho que é isso que mais me motiva a continuar militando.

Rodrigo Toledo: Os padrões te assustam...

Filadelfo Brandão: Não sei te dizer exatamente, mas sim. O que eu vejo, por exemplo, nos adolescentes – eu não dou aula pra adolescente, mas a minha escola tem muitos adolescentes então eu acabo convivendo, não tenho contato muito próximo com eles, mas eu os observo – e eles vivem uma certa liberdade e eu não vou nem dizer sexual, mas uma liberdade de comportamento, que muitos de nós não tivemos. Eles conseguem ser mais maleáveis na masculinidade e na feminilidade, eles conseguem brincar com os papéis sexuais, eles conseguem ousar nas roupas, nas vestimentas mais do que o que a gente podia, nas cores e tal. Então, eu acho que por um lado, dentro da escola, esses jovens têm maiores oportunidades, mas fico com a impressão de que o mundo lá fora está muito pior do

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que quando eu era adolescente. Você vê pessoas LGBT sendo espancadas, matam na rua todos os dias, sendo mandado embora de trabalho, sendo ofendida em avião, que eu acho que quando eu era mais jovem não era assim ou a gente não via com tanta frequência. Eu me sentia mais seguro na rua quando eu era adolescente, do que hoje em dia.

Rodrigo Toledo: Você acredita que tem alguma relação essa liberdade que você citou com essa sensação de insegurança?

Filadelfo Brandão: Não sei, acho que eu me sentia mais seguro antes do que hoje em dia. Mas avaliando essa sensação de insegurança, acho que é como uma resposta do conservadorismo que está devastando as nossas vidas. É responsabilidade desse fascismo a gente que vê levantar. Como temos maior visibilidade das LGBT, dos negros, dos pobres, das mulheres, todos em uma mesma luta por conquista ou garantia de direitos básicos, que historicamente foram negados, então é na mesma energia que as forças contrárias vão se levantando e se expressam de uma forma truculenta e violenta de operar na realidade.

Rodrigo Toledo: A gente está falando de gênero, mas em um determinado momento, na sua fala, você menciona a questão de raça – quando fala dos negros – e a questão de classe social – quando menciona a pobreza. Quando a gente tenta fazer uma intersecção entre tudo isso: gênero, diversidade sexual, raça, classe social, o que isso gera?

Filadelfo Brandão: Olha, fazer essa intersecção é um sonho de que isso fosse possível, de que a gente marchasse de mãos dadas, mas é bastante difícil. Eu vejo também com certo receio uma segregação desses movimentos de minorias e tem uma discussão, que pra mim está sendo muito mal feita na academia, que é a do lugar de fala, que eu vejo justificativa, eu vejo legitimidade e tudo, mas, às vezes, da forma que ela está sendo feita, me parece censura ou de “eu lavo minhas mãos mesmo”. Acho hipócrita essa ideia de que dos pretos eles que falem, deixa que das travestis elas mesmo falem, deixa que dos pobres eles falam, e aí parece que a gente na academia continua vivendo aquele sonho nosso de falar de um idealismo, de ficar longe, então às vezes eu tenho medo do tipo de discussão que está sendo feita sobre o lugar de fala.

Rodrigo Toledo: Então, quem fala de quem?

Filadelfo Brandão: O que eu posso dizer é que um grande problema é, por exemplo, no movimento gay. A discussão do movimento gay é para o homem cis gay branco e endinheirado. As discussões esquecem dos afeminados, dos periféricos, dos pretos, etc. Há ainda muita transfobia e um culto aos corpos perfeitos e isso é algo difícil de se discutir dentro do movimento. Nos movimentos negros e afros há uma onda de homofobia e machismo ainda bastante grande. Até no feminismo que não conseguem fazer uma discussão pra além do feminismo branco, norte-americano que é o modelo que a gente segue no Brasil e não consegue olhar para as outras mulheres negras, pobres, mulheres trans e para todas as mulheres que sofrem outro tipo de violência. Mas eu sigo acreditando que essa intersecção é possível e que num dia a gente vai alcançar ela. Então, se é pra ter um sonho é esse o meu. É dessa militância temos que seguir mediados pela luta de classes, que eu acho que ainda é o cerne da nossa sociedade é a desigualdade social, é a necessidade de uma luta de classe organizada.

Rodrigo Toledo: Então temos uma hierarquia de lutas?

Filadelfo Brandão: Então, eu vejo muita importância nas discussões de gênero e de raça, mas eu não coloco isso acima nem abaixo das lutas de classe e dos outros enfrentamentos. Eu não consigo classificar o que é mais ou menos importante. Acho que a questão da classe social permeia todas as outras. Acho que a gente sempre tem que ter esse cuidado, mesmo enquanto militante de minorias, é tentar entender onde está inserido essa minoria da qual eu estou falando. É muito diferente um menino gay, sei lá, daqui das Perdizes, com um menino

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gay de lá de onde moro, são vivências totalmente diferentes, são realidades totalmente diferentes.

Rodrigo Toledo: Como é que a gente pode caracterizar essa diferença?

Filadelfo Brandão: Olha, eu penso, por exemplo, que para os meninos daqui [Perdizes] e de

classe média alta assumir sua homossexualidade, isso pode abalar parte da trajetória sua

trajetória de estudante, profissional, mas eu penso que é algo que é contornável. Já para um

menino de periferia, isso é algo já bem mais complicado, porque ao assumir a sua

homossexualidade isso pode coloca-lo em risco de ser botado pra fora de casa, de ser

estigmatizado, de ser aquelas crianças que acabam sendo expulsas da escola de uma

forma indireta. Que de tanto sofrerem bullying, homofobia e perseguições acabam largando

a escola. Além do que vivem outros problemas fora a sexualidade deles, que é de privação

de um monte de direitos básicos, que pra um menino daqui, da zona oeste, não é uma

realidade. Não precisam de preocupar com o que vai ter pra comer, não precisam se

preocupar onde vão morar, com o trabalho na adolescência, enfim, são os herdeiros que

diferem dos eleitos, como cita o Bourdieu.

Rodrigo Toledo: Então no momento que analisamos as trajetórias dos herdeiros ou dos eleitos não podemos esquecer de fazer as relações de intersecção entre gênero, diversidade sexual, raciais e classe social?

Filadelfo Brandão: Sim, nunca podemos esquecer isso. E a mesma coisa pra questão étnico-racial. O menino gay sofre homofobia, mas o menino gay negro, além de sofrer a homofobia, ele sofre com o racismo, ele sofre com o racismo no próprio grupo LGBT. Então, são coisas que a gente sempre tem que pensar na nossa maneira de atuar e também na nossa maneira de pesquisar. E aí que eu reforço a ideia do lugar de fala. Por mais que ela seja reconhecida com uma pessoa negra, eu não posso deixar de levar essa discussão adiante, eu não posso deixar de falar isso com as minhas crianças, de trabalhar com essa temática, que eu acho que nem é essa proposta de quando as pessoas defendem o lugar de fala, mas eu vejo as vezes um movimento meio que censura os outros, dizem que temos que esperar então alguém que tenha a legitimidade do lugar de fala que fale. Eu acho isso é preocupante.

Rodrigo Toledo: Entendi. Daí você estava dizendo de o quanto a gente precisa fazer essas discussões aparecerem na nossa prática, no exercício do nosso trabalho. Como é que isso aparece no seu trabalho?

Filadelfo Brandão: É, aí é são elas. A gente acaba descobrindo essas coisas cotidianamente. Quando se é professor, ainda mais de crianças tão pequenas, eu acho que o que é mais importante, mais do que o que você fala, é como você age. Então, cotidianamente eu tento me reeducar nas minhas práticas, por que a gente foi educado de uma forma valorizando as diferenciações e as discriminações. Então, eu tento o tempo todo chamar os meus alunos de alunos e alunas, eu tento oferecer brinquedos variados para os meus bebês, eu tento tratá-los de uma forma que não discrimine por sexo, então é uma loucura por que acaba fazendo parte de toda a minha dinâmica de trabalho essa tensão, essa minha atenção por certos termos que eu uso, por certos valores que eu coloco, por certas escolhas de brincadeiras, por certas escolhas de conteúdo. E no ensino fundamental, eu estou ensinando essas crianças a lerem, a escreverem, que é basicamente enxergar de novo e eu tento trazer outros conteúdos, buscando diversificar o que o currículo traz. Então

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eu trabalho com contos africanos, eu trabalho com a temática indígena e tento ali também tratá-los por alunos e alunas, meninos e meninas, pra não deixar essas meninas escondidas no masculino genérico, que acho que isso é um crime tremendo da nossa língua, mas que há possibilidade, há uma alternativa ao masculino genérico, fica mais cansativo de falar e tudo, mas com o tempo você consegue pegar um bom ritmo, consegue essa comunicação com as crianças e que acho que é bastante importante. Não deixar que tenha brincadeiras ou bullyng – eu particularmente não gosto dessa palavra bulling, eu prefiro violência homofóbica – não deixar de forma alguma que isso aconteça. Se acontecer algo, eu paro mesmo tudo que está acontecendo e discuto se há qualquer tipo de xingamento na minha sala. Minhas crianças, elas estão sendo muito livres, mas eu converso com elas que alguns tipos de palavreados não podem estar na escola. Se eles falam palavrão em casa ou sei lá onde, tudo bem, mas que na escola não pode, por que eu não vou falar e eu não quero que eles falem também. E eu tenho um exercício, mas ai não é fácil de fazer, depende do grupo de crianças que eu tenho, que é de falar de alguns xingamentos específicos. Falo para eles, olha, quando a gente está nervoso, a gente xinga mesmo, mas tem alguns xingamentos que são muito específicos, que carregam muitos sentidos neles. E eu peço para eles falarem um xingamento específico pra gente negra, um xingamento específico para mulher, um xingamento específico pra gay e óbvio que eles sabem, óbvio que eles têm um repertório imenso, então quando vem macaco, puta, veado, eu tento ir desconstruindo todos os significados que estão atrás dessas palavras e ensinar que esses são proibidos em qualquer lugar. E aí que eu estou falando, não encontrei ainda uma outra alternativa de trabalho, mas eu falo, esses são proibidos, esses são mesmo pra machucar um determinado tipo de pessoa, eles tem um histórico por trás deles, quando você xinga uma pessoa negra de macaco você está evocando centenas de anos de racismo, de escravidão, de tortura, quando você chama a mulher de puta e assim por diante. E mesmo com as crianças bastante pequenas isso dá certo. Eu vejo que dá certo. E eu não sei exatamente qual que é o resultado disso pra depois. Trabalhar com criança pequena é difícil de você falar, e amanhã eles vão estar assim, isso é bom pra formação do caráter, mas eu sei que exatamente sendo da minha sala de aula, eu fico muito satisfeito com o resultado, que é de mais tolerância, que é de mais diversidade, que é de menos violência. Eu pelo menos costumo observar isso nas minhas turmas, que se há alguma violência ela vai diminuindo conforme o ano passa.

Rodrigo Toledo: Muito bacana o seu trabalho com as crianças. Mas recentemente, temos acompanhado discursos que afirmam que práticas progressistas, como a sua não devem estar na escola. O que você pensa disso?

Filadelfo Brandão: Eu olho com bastante medo pra isso. Acho que a gente vive um perigo muito grande, os planos de educação que a gente teve ano passado, aí discutidos no nível municipal, estadual e federal foram verdadeiras catástrofes. Mas também sinto que eu não posso me furtar dessa obrigação na sala de aula. É o direito das minhas crianças de serem, de existirem e de serem cuidadas, então eu tenho que fazer uma prática de uma forma a acolher todas e todos e propiciar momentos de criação para eles, de felicidade para elas. Então, dá medo às vezes, pra onde que nós estamos caminhando, mas por enquanto ainda eu me sinto nessa obrigação de combater a homofobia, de combater o machismo, de combater o racismo, a xenofobia, que é algo que também vem se avizinhando muito da gente, à medida que a gente está recebendo crianças de vários países. Então, infelizmente é uma realidade também hoje em dia da gente. Mas eu me sinto na obrigação, acho que eu enquanto professor, não posso me negar a isso, não posso pensar que há outra forma de atuar na sala de aula. Não estaria sendo honesto comigo e com os meus alunos e alunas.

Rodrigo Toledo: E no começo da nossa conversa, você disse que ainda têm esperanças, o que te dá esperança?

Filadelfo Brandão: Olha, dá esperança ver companheiras e companheiros onde eu posso me apoiar também, que é isso que eu te disse, não tem essa vivência de pessoa LGBT

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como eu tenho, mas que se apropriam muito dessa luta também. Que fazem dessa briga contra a homofobia, o machismo, o racismo também a sua bandeira. De ver meus alunos e alunas, porque eu comecei a dar aula há treze anos atrás. Então, eu tenho crianças que já terminaram a faculdade. E vê-los também, ver que são pessoas mais progressistas do que eu fui da idade deles. Quando eu vejo um posicionamento político, que eu penso, olha, eles passaram por centenas de professores até hoje, mas eu vejo algo de mim neles também e fico muito orgulhoso disso. Então, é isso que dá muita esperança, pois a educação também é libertadora e não é só jargão.

Rodrigo Toledo: Nossa, muito bonito isso...

Filadelfo Brandão: É mesmo, é bom conseguir reconhecer que mesmo de dentro do ambiente escolar existem possibilidades de mudança, possibilidades de trabalhos diferentes, com companheiros e companheiras muito ativas. E de ver os alunos e alunas também podem ser diferentes, que as escolhas de vida deles, os discursos, eu acho que as coisas têm mudado e para melhor.

Rodrigo Toledo: Encaminhando para o fim, você já tem uma trajetória profissional bastante sedimentada, já está atuando na escola há bastante tempo. O que você diria para alguém que vai começar a carreira, para alguém que está indo para a escola agora, este ano, o que você diria, pensando nessas questões que a gente conversou?

Filadelfo Brandão: Eu tenho muito medo de ser mentiroso, por que eu gosto muito ainda do trabalho com educação, eu não me cansei ainda, por que quando você entra na escola, as pessoas falam, você está começando agora, eu já não estou mais começando, eu já estou descolado na escola. E por isso que pra mim todos os enfrentamentos valem a pena. Pra mim, sempre vejo algo de positivo. Então, tenho medo de pintar uma realidade que talvez não exista em toda a rede. Não sei porque a gente vive uma crise tão grande na educação, a crise de identidade de professores e eu sou tão positivo quanto a carreira. Então eu tenho medo. Então, o que eu diria é pra questionar tudo, é pra discutir tudo mesmo, uma hora a gente vai diminuindo os questionamentos, vai diminuindo as brigas, mas vai tendo maior qualidade nos enfrentamentos também. Tudo que está ali foi construído por alguém, por algum grupo, de alguma forma, tudo tem história, então a gente pode desconstruir e rever a história e fazer algo diferente. Acho que é isso que eu diria. Mas diria também que é muito bom, que é uma carreira ótima.

Rodrigo Toledo: Fico feliz de ter conversado com você e perceber o seu empenho em enfrentar tudo aquilo que está posto como natural na sua prática e na sociedade, parabéns pelo seu trabalho! Tem algo mais que você gostaria de dizer e eu não perguntei?

Filadelfo Brandão: Acho que talvez, se você me perguntasse sobre formação oficial do meu empregador que é a Prefeitura Municipal de Doriana. Aí que vou te dizer que nesses últimos quatro anos a gente teve alguma formação nesse sentido, de direitos humanos, de direitos de minorias, étnico-racial, de gênero, bem menos de gênero do que eu imaginava, mas teve alguma oferta. E que nesses meus treze anos de prefeitura, foi a única vez. Então, o que eu entendo agora também que o novo modelo de administração que chega, muito provavelmente não vai me oferecer isso. Aí eu acho um problema. Eu acho um problema por que quando eu ia pra esses cursos fora do horário de trabalho, que são cursos optativos, eu via muita gente ali que talvez tinha algum preconceito, talvez tinha alguma prática profissional equivocadíssima, mas estava procurando mudança, estavam procurando conhecimento. Então, mesmo levando todos esses problemas de preconceito e discriminação, estava ali procurando se desconstruir, estava ali procurando saídas. Então, eu acho que falta uma formação continuada para os professores e professoras. Falta um plano mesmo. Não sei se é de interesse do governo que isso ocorra, mas eu acho que falta isso. Muita gente não tem ferramentas pra discutir esse tipo de coisa que eu acho muito legítimo, não vivenciou isso, não teve contato com isso na formação inicial, nem na sua

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formação enquanto pessoa então precisa ter essa formação continuada enquanto professor. Acho que quando você acessa os documentos oficiais da prefeitura, as expectativas de aprendizagem e os direitos da educação e que eles tratam da criança global, eles tratam dos direitos mínimos, dos direitos humanos, eu acho que você se sente muito mais seguro pra trabalhar, você se sente muito mais seguro para desempenhar esse papel. Você vai num curso em que você ouve falar sobre as crianças bolivianas que estão chegando e da importância da gente respeitar a língua materna, daí você vai num outro curso e você vê crianças da própria rede apresentando uma peça de teatro como eu vi, falando sobre homofobia, sobre transfobia, sobre violência e feminicídio, então você se sente muito mais seguro pra trabalhar, você vê outras ideias, você tem outras ferramentas. É como eu te disse, precisamos de outros pontos de apoio, você vê que outras pessoas estão fazendo isso, então percebe que não está você sozinho, você não é um Dom Quixote lutando contra moinhos, você tem outras pessoas ali, pessoas com quem você pode dialogar. Então, eu acho que ainda falta mais discussões, ainda falta.

Rodrigo Toledo: Temos muitos desafios para este ano que começa, não é? Estou torcendo para que possamos, ao menos, garantir o que já foi conquistado. Se em um outro momento você tiver algo mais para me dizer, a gente pode marcar uma nova conversa e se eu perceber que algo ficou pendente gostaria de verificar se você me autoriza a te procurar novamente?

Filadelfo Brandão: Sim, eu vou precisar muito do seu trabalho para fazer a minha pesquisa de mestrado.

Rodrigo Toledo: Que bom! Filadelfo Brandão, mais uma vez agradeço pela sua disponibilidade, em um dia, tão lindo, das suas férias. Acho que neste nosso encontro a gente também constrói novas parcerias. Enfim, caso você precise de qualquer coisa, eu me disponibilizo para a gente possa conversar. Muito obrigado!

Filadelfo Brandão: Abraço!

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Apêndice II – Transcrição da Conversação com Giovane Oliveira

Rodrigo Toledo: Então, hoje é dia 10 de janeiro de 2017 e vou conversar com o professor Giovani Oliveira. Então, Giovani Oliveira, novamente quero te agradecer pela sua disponibilidade e a ideia é que a gente possa bater um papo, eu tenho aqui alguns pontos para nos auxiliar durante nossa conversa. Primeiramente eu gostaria que você me contasse de você, o que você faz, onde você mora, enfim, fale um pouco sobre você.

Giovani Oliveira: Meu nome é Giovani Oliveira, tenho 39 anos, moro na zona sul de Doriana. A minha trajetória dentro da educação começa pela formação no CEFAM, no Itaim Bibi. Até esse momento eu estava ainda muito fechado quanto a minha sexualidade, então não tocava nesse assunto comigo mesmo. Após o período de formação no CEFAM eu fiquei um pouco afastado da educação, fazendo trabalhos voluntários com jovens, e essa é uma outra parte da minha vida.

Rodrigo Toledo: Como assim outra parte da sua vida?

Giovani Oliveira: É que eu moro com meus pais, sou o 15º filho deles, o caçula. Eles já são de idade bastante avançada eles têm 83 e 84 anos. Infelizmente no ano passado meu irmão mais velho faleceu, ele morava conosco também, então ainda estou nesse processo de luto e ajudando meus pais. Trabalho e leio muito, e estou numa fase de pegar escritores portugueses ou os de língua portuguesa, como os angolanos e os de Moçambique. A outra parte é que eu tenho uma vida normal, saio com meus amigos, geralmente vou mais para cafés, bares, restaurantes do que em baladas. Converso bastante sobre política, a situação do país, literatura, filmes que assistimos e assim vai.

Rodrigo Toledo: Entendi. E como é com a sua família?

Giovani Oliveira: Meus irmãos sabem a minha praia [orientação sexual] integralmente. Meus pais, devido à idade, oficialmente não sabem, mas pai e mãe sempre sabem. Mas eu procuro não esconder nada, onde eu estou, o que estou fazendo, com quem estou, eles sabem. Não sabem abertamente, mas sabem. Eu não faço joguinhos. Devido à idade deles, não sei se há tanta necessidade de falar. Se um dia eles perguntarem, eu falo.

Rodrigo Toledo: Como foi esse processo? Você citou no começo da nossa conversa uma dificuldade de se reconhecer. Como foi esse processo de reconhecimento e de explicitar esse reconhecimento na vida?

Giovani Oliveira: Pensando nessa fase escolar e dentro de casa também, uma família que viveu grande tempo no Interior de Doriana e Encruzilhadas, então tinha uma mentalidade conservadora, principalmente os mais velhos, e na escola também essa opressão, então eu acabei criando um pensamento ou uma mentalidade de que aquilo era condenável, ser gay era condenável. Então durante muito tempo eu deixei isso congelado. Durante 20 anos eu também trabalhei numa comunidade religiosa, tinha uma comunidade perto da minha casa, mas ali era onde eu sentia mais liberdade, porque nunca foi apontado lá dentro. Mas é lógico que você tem toda uma teologia de culpabilidade que se coloca, seja dentro da igreja, seja fora da igreja. Talvez eu tenha tido muito mais isso com pessoas que estão fora da igreja, amigos que eram batistas e viam isso como algo de pecado eterno e você estar no inferno, do que dentro da minha própria comunidade em si.

Rodrigo Toledo: E essa comunidade era...

Giovani Oliveira: Católica. Eu falo liberdade porque trabalhei à frente de várias coisas da igreja e fora da igreja também. Nos encontros, isso nunca era questionado, eu nunca era apontado. Por isso eu falo dessa liberdade. As pessoas até perguntam: “Mas dentro da igreja, você encontrou liberdade?” Eu sempre tive, eu podia respirar lá [dentro da igreja]

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dentro, foi o local em que não era apontando, não era xingado, não era humilhado. Então, eu sempre fui acolhido e bem tratado.

Rodrigo Toledo: E o que você fazia nessa comunidade?

Giovani Oliveira: Grupo de jovens, grupos de liturgia, fiz muitos retiros de jovens. A partir dessas atividades, eu conheci as irmãs de Yo Paranan, que moram aqui no bairro da Boiúna e fiquei trabalhando por dez anos com elas e com os grupos de jovens. Com elas também conheci a comunidade francesa chamada Taizé eles são uma comunidade ecumênica. Com eles eu ajudei na organização de três encontros da juventude nacional e fui para a França também. Foi a experiência ímpar da minha vida e foi a partir de lá que eu comecei a questionar a minha sexualidade. Foi onde eu tive uma abertura maior e pude pensar mais claramente sobre o assunto. Para pensar sobre a minha sexualidade, primeiro eu tinha que equacionar a minha identidade com a minha fé. Nesse sentido os irmãos dessa comunidade me ajudaram bastante a realmente tornar possível a minha orientação sexual, a minha identidade e manter a minha fé. Foi esse o primeiro passo, estabelecer dentro de mim essa relação. O segundo passo foi a própria aceitação, que foi um processo mais longo. Eu achava que tinha me aceitado, que estava tudo bem, depois fui fazer terapia, falei pra mim mesmo: “Giovani Oliveira, você não se aceitou porra nenhuma, começa de novo!”. E nesse processo da aceitação, de conversar com meus irmãos e tomar as decisões, se era importante ou não conversar com meus pais. E isso tudo aconteceu mais velho. Eu me assumi aos 29 anos praticamente. O processo começou aos 27, eu assumi aos 29, mas ainda o processo se estende um pouco mais até a aceitação realmente.

Rodrigo Toledo: E com o trabalho na escola, como aconteceu?

Giovani Oliveira: Começo a trabalhar na educação 2006, nessa época estava com 29 anos, quando entro [por aprovação no concurso] na Prefeitura de Yo Paranan e começo a faculdade de História. Eu já estava num processo diferente, me abrindo mais a minha própria sexualidade e pensando em como fazer isso funcionar na minha vida. Dentro desse processo na rede, eu também fui me abrindo com as pessoas que estavam mais próximas, principalmente as profissionais que atuavam junto comigo na escola. Como eu tinha um cargo precário, era uma escola diferente a cada ano, até você ser lotado passa por muitas escolas. Nesse momento, eu já estava me assumindo, pra mim e para as pessoas, e com isso tendo um apoio das minhas colegas de trabalho. Nesses dez, de trabalho na prefeitura de Yo Paranan, foram poucos as colegas que não aceitavam a minha orientação sexual. Em relação ao trabalho, ainda, temos uma cultura muito feminina. Tudo é pensado e esperado que seja do e para o feminino na educação infantil e fundamental I. Então eu sempre brinco com o pessoal que no início eu me sentia meio que em uma jaula de zoológico. A porta da minha sala sempre ficava aberta, porque é uma coisa que eu gosto, e a comunidade que passava sempre voltava para olhar, para se certificar se era um homem mesmo que estava dentro da sala. Eu acho que isso não é uma coisa de ser hetero ou homo, é uma coisa de ser alguém de gênero masculino dentro de sala de aula.

Rodrigo Toledo: Entendi, e hoje você trabalha com crianças de qual idade?

Giovani Oliveira: Hoje eu trabalho com a Educação Infantil e com o Fundamental I. Ultimamente mais com o [Ensino] Fundamental I e as crianças têm entre nove e dez anos. Mas, mesmo trabalhando com crianças maiores, em uma escola que tem como histórico somente mulheres, quando chega um professor homem que não é da educação física, que é um professor de sala de aula, toda a comunidade estranha. E esse estranhamento foi comum em quase todas as escolas em que eu passei. Eu acho que todos os professores homens, que trabalham na educação infantil ou fundamental I, passam um pouco por esse constrangimento. O que foi interessante, é que eu eu nunca tive questionamento sobre a minha sexualidade, tanta das crianças como dos pais, embora eu também sempre me mantenha bem reservado. Eu também tenho uma postura em que acabo sempre sendo um

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pouco mais distanciado dos alunos, não que não haja carinho, não que não haja afetividade com eles. Sempre tenho, mas quando uma professora tocar e abraçar um aluno, é visto como uma demonstração de afeto, mas se um professor faz o mesmo isso é visto de outra forma. Então para evitar qualquer problema, eu sempre me mantive uma postura mais reservada dentro de sala de aula.

Rodrigo Toledo: E o que exatamente essa “outra forma” significa?

Giovani Oliveira: Essa outra forma significa um pensamento que muitas pessoas têm, que a sociedade coloca: se é um homem abraçando demasiadamente uma criança, seja ele homossexual ou heterossexual, pode caracterizar a pedofilia. Se você fizer isso, você estar “mexendo” com a criança. Então a gente nunca sabe qual é a interpretação dos outros sobre as sua ações. Então para me resguardar de algumas coisas, eu acabo sempre fazendo esse recuo, mas nunca deixando de assistir às necessidades da criança. Eu tenho uma preocupação com uma interpretação equivocada muitas vezes de um abuso. É um desafio.

Rodrigo Toledo: Desafio...

Giovani Oliveira: Sim, pois enquanto um funcionário público você pode sofrer um processo, pode sofrer outras sanções e até mesmo não poder exercer um cargo público em outros lugares. Então a gente acaba sempre resguardando um pouco. O mesmo não ocorre com as mulheres, as professoras abraçam os alunos, beijam os alunos e isso é normal.

Rodrigo Toledo: Você está me dizendo que assume uma postura de distanciamento mas garantindo os cuidados que as crianças precisam. Isso é uma orientação que você recebe ou é você que entendeu agir dessa maneira?

Giovani Oliveira: Foi uma escolha que eu fiz, uma escolha no sentido de preservação, preservação da minha carreira profissional. Então eu quero que as pessoas enxerguem que quem está ali é o profissional, o que esse profissional faz na vida particular dele não interessa e não compromete o resultado de todo o seu trabalho. Então sempre foi uma escolha que eu fiz, buscando me cuidar.

Rodrigo Toledo: E você assume essa postura em todas as suas relações de trabalho?

Giovani Oliveira: Sim, enquanto professor, como diretor e assistente pedagógico. Em todos os níveis nos quais eu estou, sempre estou da mesma maneira, mais para o reservado. É lógico que quem está muito mais próximo de mim sabe que eu sou homossexual, a gente conversa. Também tem alguns pais que sabem e tem outros que a gente não deixa muito claro, não deixa de forma explícita, mas as pessoas enxergam. Durante esses dez anos acho que eu tive somente dois problemas.

Rodrigo Toledo: E que problemas foram esses?

Giovani Oliveira: O primeiro foi com uma assistente pedagógica numa escola em que eu estava como professor, nitidamente ela estava me perseguindo, mas nunca explicitamente. Mas entre conversas, observações da minha prática e algumas discussões eu acabei deixando claro qual era a minha posição e a qualidade do meu trabalho e que isso era independente da minha orientação sexual e ela parou de pegar no meu pé. Era interessante que dentro daquela escola, somente as minhas turmas tinham problema, até porque eu era o único professor homem daquela escola. E a outra situação foi quando eu estava atuando como diretor de escola e uma mãe, que era evangélica, começou a questionar a escola por aceitar um casal de gêmeos que tinha como mães duas mulheres e ainda colocar o filho dela nessa turma. Ela muitas vezes me questionava, ela queria mudar o filho e a gente não tinha possibilidade de mudança. E ela me perguntava: “Como ela ia conversar com o filho dela sobre isso?” E eu dizia: “Não tem o que conversar sobre, são crianças que estão juntas e vão estar juntas e elas mesmas dão conta de resolver essa situação.” Aí ela começou a

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também a se reunir com os outros pais para me tirar da escola, indicando o problema das crianças e também por conta da minha orientação sexual. Só que ela acabou perdendo para os pais, pois muitos pais ficaram do meu lado. Tenho clareza que foi devido a essa postura de separar, quem está ali na escola é o profissional, independente de qualquer coisa. Naquele momento, eu tinha que garantir que todos os alunos tivessem seus espaços e direitos garantidos, independente da vida familiar que eles têm.

Rodrigo Toledo: E como essas situações se desdobraram?

Giovani Oliveira: Essa mãe que estava no conselho acabou se afastando. Ela nunca quis partir para um enfrentamento diretor, nem para um diálogo, uma conversa sobre a situação e ela acabou se afastando do conselho e da escola entendeu que não ia ter aquilo que ela queria, tanto a mudança do filho dela como a minha saída da escola. Logo depois eu fui convidado para ser assistente pedagógico em outra escola e acabei aceitando e me afastando da direção. Houve outro caso também em Yo Paranan, nós professores, sempre estamos fazendo hora-extra em uma escola ou outra e eu fui convidado por uma escola para ficar uns dez dias numa licença de uma professora, nessa escola havia um amigo meu, o Hugo, que também é homossexual. E os professores acompanham a merenda e o recreio das crianças, as turmas são divididas em dois grupos, cada grupo vai à merenda, depois vai ao recreio e depois volta para a sala. Nesse movimento os professores acompanham e no primeiro dia fizemos a merenda e o recreio juntos eu e o Hugo. Ficamos conversando porque a gente já se conhecia, conversando daqui, conversando dali. No dia seguinte a diretora quis que a gente fizesse a merenda e o recreio cada um para um lado. O Hugo ficou puto da vida, falou assim: “Não, a gente está fazendo o horário que é o combinado! O horário é das crianças!” Mesmo eu não sendo daquela escola, não íamos tolerar, primeiro porque não havia nada entre nós dois, éramos colegas e amigos, estávamos ali pelas crianças. Mas foi um momento constrangedor e foi uma das escolas que depois eu resolvi não voltar para fazer hora-extra. A diretora não foi direta, mas você percebe o preconceito, para ela não dava para deixar nós dois juntos.

Rodrigo Toledo: Entendi. É interessante que você está me contando três situações onde as coisas aconteceram, mas nada foi dito claramente. São três experiências bem diferentes em contextos bem diferentes, onde tudo está nas entrelinhas. Por que será que existe essa dificuldade das pessoas de dizerem claramente o que pensam ou se posicionarem de uma forma mais contundente diante dessas situações que aconteceram contigo?

Giovani Oliveira: Acho que a gente ainda está vivendo um momento político aqui em Yo Paranan, que não é de hoje, em que as coisas não podem ser ditas claramente. Para que eu possa me relacionar com o outro preciso encontrar formas polidas de diálogo, mas também posso ter algumas atitudes que confundam os grupos com quem me relaciono. É muito fácil um diretor ou um assistente pedagógico perder um grupo de professores, até porque nós nos articulamos de uma maneira muito fácil. Então, se nós estamos numa mesma escola e eu sou seu amigo, se a diretora ou a assistente pedagógica faz alguma coisa que me prejudique, os professores se unem contra a diretora e contra a assistente pedagógica. Então, muitas vezes, não se pode ser muito explícito naquilo que você pensa e acredita, pois aqui tem um grande complicador, porque os cargos são cargos de confiança, você tanto pode estar na gestão ou pode voltar para a sala de aula, pior ainda, você pode ser transferido para uma outra escola que não seja tão central, que seja mais periférica. Quem está nesse cargo em Yo Paranan geralmente pisa em ovos, vivemos essa grande contradição aqui...

Rodrigo Toledo: Entendi...

Giovani Oliveira: Então precisa ter uma certa política nas relações ou de um polimento para dizer aquilo que pensa, mas não sendo ofensivo. Ofensivo em palavras, mas talvez em atos possa ser e também porque em atos quem vai perceber é somente quem vive a agressão,

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quem não vive essa realidade não percebe. Só percebe que uma diretora separa dois colegas, porque os dois são homossexuais, quem vive isso. Os outros pensam que é porque ela está reorganizando as atividades e rotinas da escola, ou seja, para o restante do grupo talvez não fique tão claro, mas para nós é óbvio.

Rodrigo Toledo: Você disse que estamos vivendo um “certo momento político”, ao que está se referindo?

Giovani Oliveira: Hoje talvez a gente tenha um momento político onde as questões politicamente corretas podem ser deixadas de lado e aí você comece a fazer coisas mais explícitas. Nesse cenário político, que nós temos hoje, muitas pessoas acreditam que por a mídia ser mais aberta, dá às pessoas a possibilidade de também se abrirem. Se alguém te trata de uma forma mais explícita, se aquele que está no poder faz algo mais explícito, eu que estou aqui também posso fazer. Se ele não recebe sanção, eu também não vou receber. Então acho que a gente está numa abertura que eu diria ser monstruosa. Vivemos um momento em que aquilo que eu penso é muito mais importante do que aquilo que você é.

Rodrigo Toledo: A gente estava falando de um momento onde as pessoas estavam muito mais polidas e nas experiências que você viveu não diziam explicitamente o que pensavam, mas agiam na direção de um determinado tipo de pensamento. E agora as pessoas se sentem respaldas, pelo o que eu estou entendendo do que você está me dizendo, diante de um cenário político em que podem dizer o que pensam ou o que acreditam, mesmo que isso possa gerar sofrimento, discriminação, preconceito e tantas outras coisas. Na sua percepção, o que gera essa mudança nas relações principalmente no espaço da escola?

Giovani Oliveira: Eu talvez me refira a uma mudança mais negativa do que positiva dentro da escola. É que muitas vezes dentro do espaço você tem discussões importantes, discussões que avancem no trato com o outro, principalmente com os alunos, que é o nosso foco, mas está ainda enraizado dentro do corpo docente um certo conservadorismo. À medida que esse cenário político também traz essa mudança de percepção e reforça questões mais conservadoras e morais, dá um start.

Rodrigo Toledo: Como assim?

Giovani Oliveira: Esse start dentro da escola liga muitas coisas, porque o conservadorismo é muito forte. Apesar dos inúmeros estudos que nós temos, das inúmeras teorias que existem, os professores ainda são muito mais seguros dentro daquilo que é tradicional, seja na questão de conteúdo, no encaminhamento das práticas ou ainda nas relações. Quando você pensa na comunidade escolar, esse conservadorismo também é muito mais forte, porque o entendimento que as professoras, gestoras e a famílias têm sobre escola é o entendimento daquilo que eles viveram na escola na infância deles, ou seja, muito diferente de como a escola se organiza hoje. Embora a gente tenha alunos que trazem para nós informações sobre as violências que vivem, dentro e fora da escola, que muitos pais também demonstrem esse tipo de conhecimento, isso geralmente se resume às crianças que vivem essas violências, não é uma compreensão do todo. Então eu acho que é sempre o conservadorismo enraizado que dá esse start para que a professora faça alguma coisa, e geralmente esse é o problema.

Rodrigo Toledo: E onde surge esse conservadorismo, essa postura tradicional ou como a professora constrói essas práticas mais tradicionais, que você mencionou?

Giovani Oliveira: Acho que pertence à cultura de uma maneira geral e à formação das professoras. Primeiro a cultura escolar é muito forte, porque se eu aprendi dessa forma e eles [os alunos] também vão aprender dessa forma. E a formação não trata muito da relação que você deve ter com o aluno, falamos muito pouco da relação professor e aluno. Muitas vezes, quando os alunos estão passando por qualquer nível de sofrimento dentro de sala de

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aula, muitos professores não têm esse olhar ou não sabem lidar com isso, porque dentro da sua formação não foi dito nada sobre isso, temos uma falha na formação humana do professor. Eu penso que professores mais tradicionais que não tiveram uma formação artística básica não conseguem dar aula sobre isso. Aí eu vou um pouco além, professores que não leem, professores que não vão a teatro, professores que não vão ao cinema, que não vão a exposições, que não abrem o leque de formação, eles estão parados ali numa questão de uma estrutura de conteúdos objetivos, é aquilo que eu tenho que dar, é aquilo que o aluno tem que atingir, fora disso eu não posso fazer nada. Então vivemos em uma cultura, em que a prática do professor se resume a fazer um planejamento e colocar esse planejamento para andar na sala de aula. Temos uma formação deficitária, porque não dá ao professor a capacidade de olhar para o aluno, de analisar e entender o perfil do aluno e a própria formação humana é deficitária, na trajetória das vidas das pessoas as coisas também são muito conservadoras.

Rodrigo Toledo: E a sua trajetória te auxilia nas práticas que você tem hoje?

Giovani Oliveira: Pensando que eu comecei a minha trajetória escolar em 85, numa época em que a gente estava tendo novamente a abertura para a democracia, mas ainda tinha muitos ranços da ditadura dentro da escola, me faz pensar hoje de que forma consegui sobreviver e estar dentro da escola hoje. Porque eu sofri perseguição, ser xingado ou apanhar, me chamavam de bicha, e eu nem sabia porque estava sendo xingado ou apanhando, só essa experiência já me ajudava a nunca mais voltar para dentro de uma escola. Mas acredito que toda a trajetória que construí me traz para dentro da escola novamente, em um momento diferente pra mim e também da educação brasileira. Embora sendo diferente, algumas coisas ainda acontecem de uma forma velada e tudo o que eu vivi me dá suporte, hoje em dia, para eu me posicionar como professor, como profissional e como homossexual. Quando a gente fala de identidade, essa é a minha identidade e assumi posturas dentro da sala de aula ou da escola que vão contra qualquer tipo de discriminação. Com essa postura a gente entra num caminho difícil muitas vezes, por exemplo, como tratar desses temas com as crianças e com as colegas de trabalho. Numa escola em que eu estava, não sei se fiz certo, mas naquele momento era a possibilidade que eu tinha, quando uma amiga veio conversar comigo porque uma aluna dela tinha muitos jeitos masculinos, e ela perguntou: “Giovani Oliveira, como eu abordo isso, o que eu faço, o que eu não faço?”. Falei assim: “Cida, como os alunos reagem em sala de aula, qual é a reação dos colegas que estão em volta?”. E ela respondeu: “Normal, não falam nada, não há nenhuma reclamação dela”. Disse para ela não mexer nesse vespeiro, se a criança está bem, se ela está confortável, mantenha isso, pois talvez mexer com isso pode ser prejudicial para a criança. Mas se ela não estivesse bem, a gente veria que projeto poderíamos fazer para conversar e deixar isso mais claro para todos os alunos. Então, não sei se eu fiz bem, o que você acha?

Rodrigo Toledo: Por que você fica em dúvida?

Giovani Oliveira: A dúvida que surge é assim: por que não se pode conversar em sala de aula, por que o pisar em ovos? Com os menores nós temos dois pontos, temos a sala de aula e a família, talvez a gente possa trabalhar com a sala de aula e ser um trabalho tranquilo. Mas se tem um aluno que está sofrendo, um aluno que está passando por tudo isso, como chegar nessa família? Qual será a reação dos pais a respeito disso? Aí é preciso conhecer se essa criança é também reprimida na escola e reprimida dentro da família. É um trabalho que muitas vezes os professores não conseguem fazer. Dependendo da família, essa criança pode ser espancada, essa criança pode sofrer mais violência ainda. Então a gente nunca tem uma forma de medir. Ao mesmo tempo fica a questão: em que momento vamos começar a discutir sobre isso para que essa mentalidade também possa mudar a partir das crianças? Na escola em que eu dou aula hoje, os pais vieram questionar por que as crianças estavam levando livros falando sobre sexualidade, a biblioteca da escola tem livros da faixa etária que falam desses temas e os pais não queriam que as crianças

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pegassem esses livros. E sabe qual foi a solução que a secretaria da educação deu para esse impasse, mandou esconder os livros, colocar esses livros nas prateleiras mais altas. Então, fico em dúvida porque qual o respaldo a gente tem para tratar de alguns assuntos dentro da escola? Nenhum!

Rodrigo Toledo: O que você acha que falta para a gente conseguir falar sobre essas temáticas na escola?

Giovani Oliveira: O que falta são políticas públicas de educação efetivas. Por exemplo, o plano nacional veio abrangente, tratando desse tema. Eu sei que foi uma luta dura, só que para os municípios isso foi retirado. Em Yo Paranan foi retirado. Mesmo que eu faça um planejamento coerente, um projeto interessante, uma sequência didática para tratar disso com os alunos, eu não tenho respaldo legal para que possa fazer. Muitas vezes a família vai direto na ouvidoria, questiona e isso vai parar na mão do secretário e ele manda parar com tudo, principalmente porque não existe um respaldo legal, uma política pública. Mesmo havendo algumas pessoas mais progressistas na secretaria, com bons princípios educativos, não é fácil falar sobre isso e então deixamos os livros, mas vão ficar fechados na parte mais alta da estante para as crianças não terem acesso.

Rodrigo Toledo: É interessante você estar me dizendo isso, me parece que a ausência de políticas públicas que abram espaço para que essas temáticas possam aparecer faz com que esses temas fiquem inviabilizados nas práticas e nos espaços escolares. Mas também estou entendendo o quanto essas temáticas são importantes para a sua prática, ao longo da nossa conversa estou entendendo o quanto isso também é importante para você como profissional e como pessoa. Como você tem feito para que essas questões de alguma maneira apareçam na sua prática profissional?

Giovani Oliveira: Enquanto professor, levando aos alunos a discussão dessas temáticas geralmente quando aparece alguma coisa em sala de aula. Sei que é errado, tratar disso só quando o tema surge e é nesse momento que a gente precisa repensar a prática. Essas discussões precisam estar dentro da escola. Geralmente em sala de aula há um outro equívoco de você só tratar do respeito que deve ter ali, mas nunca dialogar sobre, porque você não constrói um outro conceito ou outra forma de pensamento exigindo só o respeito daquele colega que está ali em sala de aula, só muda quando você trata sobre o tema. Aí a gente acaba tratando do tema quando ele aparece. Nesse tempo de sala de aula poucas vezes esses temas apareceram, então eu não tratava muito, talvez uma forma de defesa também, de não exposição. Acho que é um erro didático de prática que precisa ser repensada. Ao mesmo tempo, nas discussões com os professores a respeito de muitas práticas dentro da escola, pensarmos que as práticas não podem ser excludentes. Por exemplo, quando você trata de certas datas comemorativas. Eu tinha um aluno que tinha mudez seletiva a partir do falecimento do pai dele, dentro dessa sala de aula eu não poderia fazer cartão para o dia dos pais e a sala compreendia o porquê. Por exemplo, numa sala que eu tive 30 ou 40% da sala eram crianças abrigadas, então tinha tema sobre pai, mãe ou família que era muito complicado ser tratado ali ou você querer impor uma forma de fazer algumas coisas, mesmo sabendo que aqueles alunos estão sofrendo.

Rodrigo Toledo: Entendi.

Giovani Oliveira: Aí eu tinha um pressuposto de que não poderia excluir esses alunos, eles tinham que ser acolhidos, então a prática tinha que ser outra. A gente fazia esse movimento de não excluir esse alunos, mas também acho que faltava discutir mais sobre o tema. Sempre ficamos com a necessidade de compreender mais a fundo o que estava se passando ali e fazer com que os outros alunos também pudessem pensar sobre isso e até mesmo entender por que muitas vezes esses outros colegas tinham momentos de violência dentro da escola, de se posicionar de uma forma mais agressiva. Acho que me faltou conhecimento e maturidade para enfrentamento sobre essas questões e melhorar a prática.

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Rodrigo Toledo: É uma necessidade constante. No momento em que a gente identifica as necessidades de aprimoramento, a gente corre atrás, acho que isso é muito legal, principalmente quando a gente consegue reconhecer que tem essa necessidade constante de construir. E hoje na sua escola você teria esse respaldo? Pensando na estrutura escola ou na rede...

Giovani Oliveira: Eu ainda vou voltar, porque não sei quem vai ser a diretora e quem vai ser a assistente pedagógica. Esse é um ano atípico, porque conheço o grupo docente e a estrutura da gestão eu ainda vou conhecer, vamos ver o que virá.

Rodrigo Toledo: A proposta política dessa nova gestão é uma proposta mais progressista, mais conservadora ou no meio do caminho?

Giovani Oliveira: Pelo partido no qual ela está seria conservadora.

Rodrigo Toledo: Encaminhando para o fim, você já tem uma trajetória profissional bastante

sedimentada, já está atuando na escola há bastante tempo. O que você diria para alguém

que vai começar a carreira, para alguém que está indo para a escola agora, este ano, o que

você diria, pensando nessas questões que a gente conversou?

Giovani Oliveira: Olha, o que eu diria para essa pessoa é que ela tenha o hábito da leitura, isso amplia as possibilidades, e ter contato maior com o aluno, não olhar somente o conteúdo, o currículo. Quem vai falar para você o que eles precisam são eles. Se eu não consigo conhecer meu aluno, eu não consigo trabalhar com ele. Acho que essas duas coisas, enquanto professor, enquanto profissional, enquanto assistente pedagógico que eu fui e olhando as pessoas novas que estavam chegando, esses são os desafios para elas.

Rodrigo Toledo: Você disse contato, o que é esse contato?

Giovani Oliveira: É diálogo, conhecer mesmo o que os alunos sabem, o que não sabem, o que precisam, que história de vida eles trazem. Nessa escola em que eu vou voltar a dar aula agora tinha um aluno na educação infantil, na época tinha a prova de Saresp e eu tinha que sair da minha sala, não podia ficar na sala, outro profissional ficava, essa sala ficou sem professor e eu acabei ficando dois dias nessa sala. Esse aluno não falava com ninguém, aí comigo e com a professora que estava junto comigo ele deslanchou a falar, foi falando, falando, falando. Tem dois episódios interessantes com ele. O primeiro, eu estava de costas, aí ouvi passos correndo, pensei “vou dar bronca na turma”, até porque professor adora dar bronca. (risos) Quando eu viro, ele abre os braços e assim não dá para dar bronca, eu abaixei, ele veio, me deu um abraço e depois saiu correndo novamente. O segundo, ocorreu no ano seguinte, ele já estava no primeiro ano, uma aluna fez aniversário, a mãe mandou o bolo, e dois dias depois seria o aniversário dele e ele comentou com uma das professoras que ele nunca teve um bolo de aniversário. Aí nos mobilizamos e compramos um bolinho para ele, refrigerante, fizeram uma festa e no momento dos parabéns ele não sabia o que fazer com a vela de aniversário. Eu não quero só alfabetizar um aluno que precisa de outras coisas, se eu insistir que ele precisa escrever palavras, talvez ele nunca vai escrever uma palavra se eu não der outra coisa a ele. Ele está em um outro momento da vida. Se eu não conseguir conhecer isso, não vou conseguir que esse aluno aprenda de verdade. A gente precisa, sei lá, de outras coisas, que muitas vezes não estão no currículo. O professor precisa ter um conhecimento humano muito grande, não que o técnico não seja importante, mas na maioria das vezes só estamos trabalhando com o técnico e esquecemos o humano do nosso trabalho.

Rodrigo Toledo: E esse olhar para o humano se constrói como?

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Giovani Oliveira: Se constrói com uma boa formação. Quando acabaram com o CEFAM, acabou a possibilidade de uma formação muito mais ampla, muito mais humana do que a pedagogia, porque eram professores dedicados ali oito horas por dia, estudávamos o dia inteiro dentro de um projeto em que todos os professores caminhavam juntos. Com esses professores eu pude falar, por exemplo, como eu posso fazer a separação em sala de aula do profissional e daquilo que eu acreditava enquanto fé. Com esses professores eu tive esse tipo de discussão. Então eu entro em sala de aula hoje pensando que estou num espaço laico, estou num espaço com alunos de quinto ano, se eu tiver que falar sobre sexualidade, de falar que vai ter que usar camisinha, embora a minha igreja fale que não, mas aquele espaço é outro. Eu tive professores que conseguiram travar esses debates comigo. E na faculdade, pelo currículo que eles têm, não existe esse tipo de diálogo e preocupação.

Rodrigo Toledo: Entendi. É um desafio, né?

Giovani Oliveira: Sim, é um grande desafio ser professor, a sociedade nos coloca em um lugar que exige de nós um esforço muito grande, mas tem gente que não quer se esforçar e acho que é por isso que o conservadorismo tem vencido.

Rodrigo Toledo: Fico feliz de ter conversado com você e perceber o seu empenho em enfrentar o conservadorismo presente na escola de uma forma progressista, parabéns pelo seu trabalho! Tem algo mais que você gostaria de dizer e eu não perguntei?

Giovani Oliveira: Não, acho que eu consegui dizer tudo.

Rodrigo Toledo: Que bom. Se em um outro momento você tiver algo mais para me dizer, a gente pode marcar uma nova conversa e se eu perceber a necessidade de esclarecer algum ponto gostaria de verificar se você me autoriza a te procurar novamente?

Giovani Oliveira: Sim, claro, tranquilo!

Rodrigo Toledo: Perfeito. Giovani Oliveira, mais uma vez te agradeço pela sua disponibilidade, em um dia das suas férias. Acho que neste nosso encontro a gente também abre parcerias. Enfim, caso você precise de qualquer coisa, eu me disponibilizo para a gente conversa. Muito obrigado!

Giovani Oliveira: Obrigado você, Rodrigo.

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Apêndice III – Transcrição da Conversação com Marcos Antônio Felix

Rodrigo Toledo: Então, hoje é dia 09 de janeiro de 2017 e vou conversar com o professor Marcos. Então, Marcos, novamente quero te agradecer pela sua disponibilidade e a ideia é que a gente possa bater um papo, eu tenho aqui alguns pontos para que eles possam nos auxiliar durante nossa conversa. Então, primeiro eu queria que você me contasse de você, o que você faz, onde você mora, enfim, fale um pouco de você.

Marcos: Eu moro em Pirapitanguá, acabei de fazer 24 anos, eu dou aula desde dos meus 18 anos, mas com 17 anos eu já trabalhava na educação, porque já tinha entrado na faculdade, eu trabalhava no Parque do Conhecimento, e eu fiz Biologia, agora eu curso Pedagogia na Sauron. Sempre quis dar aula, coisa estranha, né, um adolescente assim querer dar aula vendo o sacrifício que os meus professores passavam na sala, que eu era muito difícil na sala de aula, eu era uma criança muito agitada, dava muitos problemas, mas eu sempre quis dar aula e é isso, acho que a minha vida dá para se resumir assim. Quando eu comecei na faculdade já estava trabalhando na educação, já estava atrás de um monte de coisa sempre quis, ainda como dia a minha mãe e alguns professores, eu tenho essa ideia de mudar o mundo e tal, eu acho que isso é uma ideia que o professor ele não pode perder, dar aula hoje em dia a gente não dá... eu não fico tão preso na matéria matemática ou ciências eu não fico tão preso nas disciplinas, eu fico mais preso em tentar fazer com que os meus alunos sejam cidadãos, que eles trabalham juntos então, eu trabalho mais a parte pedagógica do que essa parte de disciplina de matéria, de senta, fica quieto, não sei o que. Então, eu tento trabalhar mais a parte lúdica dos alunos do que essa parte mais centrada, porque isso também é solicitado, é pedido e tal, mas isso eles conseguem ler na casa deles, matéria de ciências dá para ler na internet. Agora, a vida deles como eles vão ser, como eles devem se tratar eu puxo mais isso daí na sala de aula. Mas a minha vida é mais ou menos assim, não tem muita coisa para contar.

Rodrigo Toledo: E você mora com quem?

Marcos: Eu moro com os meus pais, ainda moro com os meus pais, mas acho que daqui a 2020 mais ou menos acho que já estou na minha casa, já estou casado, já estou vivendo feliz para sempre, mas eu moro com os meus pais, eu moro perto da Fundação Pirapitanguá, moro numa casa, mora eu, meu mãe, meu pai, minha irmã, meu irmão é meu vizinho, meus tios, minha família mora todo mundo perto ninguém mora longe acho que os mais distantes é Piracicaba, tem um povo que mora lá nos Estados Unidos, na Nova Zelândia que a gente não vê nunca mais, mas é família, o resto do pessoal mora tudo em Pirapitanguá, acho que tem um primo meu só que mora em Doriana, o resto todo mundo mora muito perto a gente tem um convívio sempre presente.

Rodrigo Toledo: Ah, bacana, isso é legal. Pensando um pouco na discussão que a gente já conversou antes sobre o trabalho, a sua identidade gênero você se reconhece como?

Marcos: Eu me reconheço como gay, como homem gay.

Rodrigo Toledo: Tá, legal, e isso nas suas relações cotidianas como é esse seu reconhecimento se dá nas relações que você tem e com as pessoas de uma forma geral?

Marcos: Então, quando eu tinha acabado de me assumir, primeiro que eu acho o cumulo eu ter que me assumir como se eu tivesse fazendo alguma coisa errada, ou como que se eu tivesse expondo ao mundo alguma coisa que esteja escondida, eu não me lembro, mas os meus pais, a minha família fala que nunca foi escondido, mas pediram para eu me assumir eu me assumi, me assumi. E no meu cotidiano quando a gente fala de andar na rua sou uma pessoa que anda na rua, eu não sinto muito as coisas eu me senti muito mal com a minha família no começo, porque foi muito estranho, porque a minha mãe é professora, a minha mãe defendia os gays na escola dela e me atirava em casa então, era uma coisa bem

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complicada. Então, o sofrimento assim, não preconceito dito por eu ser gay, mas algumas coisas estranhas os meus irmãos ficavam me vigiando, minha mãe falava que era de casa para casa não sei o que, escola, e volta para casa então, eu era muito preso, o meu pai não falava comigo, eu tinha momentos assim um tanto cruéis algumas pessoas da minha família que eu nunca esperei que eu fosse sofrer alguma coisa eu realmente sofri, falaram que eu era uma vergonha, que eu não era natural. Então, eu via isso as vezes na televisão falava, não, isso daí é exagero e ai eu fui passar eu vi que não era, lógico eu não fui tirado de casa, não sofri nenhuma coisa assim agressiva os meus pais não me bateram, o meu irmão não olhava na minha cara o meu irmão sei lá acho que ele era meio religioso demais e ele falava que era pecado, falava umas coisas meio doida, mas depois passou, porque a minha mãe percebeu que todo mundo estava sendo contra mim e eu estava ficando muito fechado no quarto, eu realmente estava fazendo o que ela mandava eu ia de casa para o trabalho do trabalho para casa, da casa para a faculdade então, eu não tinha um convívio e ai deu um estalo na minha mãe, a minha mãe me defendeu de todo mundo fez todo mundo seguir a regra e falou “ó, o Marcos é assim, vocês vão aceitar ele assim então, acabou”, porque na verdade quem manda em casa é minha mãe não é nem meu pai então, ela simplesmente deu um estalo e todo mundo me aceitou naturalmente. No trabalho, não que eu me escondia, mas assim eu chegava lá e ficava na minha, não ia fazer assim: “oi, tudo bem, prazer o meu nome é Marcos, eu sou gay”. Era uma coisa do tipo eu conversava umas besteirinhas aqui, o grupinho de professores que eu tinha mais afinidade falava um pouquinho mais, mas eu tentava ser reservado, mas ser reservado não está em mim então, eu fui aos poucos, eu contava para alguns professores e ai todo mundo “ah, já sabia” ficava na mesma frase sempre, contar para aluno eu fui contar só ano passado, porque eu já tinha me estressado com essa história de “ah, professor é veadinho”, ai eu falei na sala de aula mesmo ai acabou, acabou toda discussão, não tive mais problema com aluno nenhum dessas piadinhas bestas que acho que todo mundo, acho que todo professor passa, mas quando você é gay você se ferra muito mais com as piadas as piadas ficam bem mais tensas, mas aluno assim eu não sei se é porque algumas pessoas falavam “ah, o meio deles é assim” eu não acredito que eu seja, os meus alunos são todos alunos do Estado, é muito difícil você encontrar um aluno homossexual no Estado, porque sofrem demais então, ele não se mostra digamos assim. Então, falar que é no meio deles é muito relativo, mais fácil você ver um grupo de alunos homossexuais na escola particular, porque aí eles se viram lá e na escola pública é muito difícil, porque não tem, eu não sei se é por causa da classe social, eles não têm tanta proteção, eles não têm tanto afeto com os pais e tal e aí eles acabam sofrendo mais não tem tanta ajuda. Mas depois que eu abri para os alunos no ano passado, é assim, você vai tirando cargas quando você se abre com os professores você tira uma carga, quando você abre para outro grupo de professores você tira uma carga então, você vai perdendo peso. Então, mesmo tendo muita dificuldade ano passado, foi ótimo, a hora que eu contei para os alunos eu falei, agora já era, agora eu posso fazer o que eu quiser já não vou mais sofrer mais nada então, foi uma coisa mais tranquila assim.

Rodrigo Toledo: Você está dizendo de um peso que sai, o que que é esse peso?

Marcos: Quando você está dentro do armário você carrega muito peso, porque você não pode ser quem você é e você tem que fingir ser outra pessoa, tentar ser uma pessoa diferente, isso é muito desgastante. Você sai com os seus amigos gritando, sendo super feliz e ai você no seu ambiente de trabalho você tem que ser quieto, reto, não pode falar nada. No meu caso eu tenho que engrossar a voz, porque senão as pessoas vão identificar que você é gay. Você tem uma bagagem psicológica que você tem que sofrer ou você tem que trocar tudo no seu corpo para você ser aceito e isso cansa muito, é muito cansativo. Você começa a criar uma amizade, só que digamos assim, você não está sendo totalmente verdadeiro está sendo falso, pois você não mostra é quem você é, até porque você não quer ser cortado, ser podado. Quando você conta para alguém e essa pessoa não te maltrata e é uma felicidade tão grande e pensa “eu vou ser quem eu sou com essa pessoa”. Quando você vai contando isso para algumas pessoas, esse tipo de peso vai diminuindo e

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você não precisa ficar toda hora sentindo dor, sendo falso, fazendo uso de uma máscara, se preparando de novo para engrossar a voz, não mexe a mão, sentar direito e se preocupando com que roupa vai usar. Então, são várias coisas que você tem que pensar para fazer coisas simples como ir trabalhar, para sair de casa. Então, quando você começa a contar, mas lógico e até eu mesmo já dei conselhos que se assumir é uma coisa muito difícil, como diz a minha família, tem que ser muito macho para você chegar no meio de todo mundo assim e dizer: “Eu sou gay, por que?” Porque você vai deixar tudo de lado, essas falsas reações que as pessoas pensam que são suas e você vai mostrar para todo mundo quem você é de verdade. Você vai ter que começar uma nova amizade, você vai ter que começar tudo de novo, porque a pessoa vai usar de parâmetro o seu antigo eu, você vai ter que reconstruir tudo com esse novo você.

Rodrigo Toledo: E o que se reconstrói nesse recomeço?

Marcos: Então, você tem que se transformar numa pessoa totalmente diferente de você era para que as pessoas te aceitem, mas você tem que se perguntar o quer o quer. Quer que as pessoas te aceitem ou você quer ser feliz? Depois de uns anos eu descobri que eu quero ser feliz, eu quero que as pessoas se danem, se quer me aceitar ou não, problemas delas, eu quero ser feliz. Então, eu já descontruo uma boa parte das coisas mas descontruir tudo não dá. Até porque para recomeçar você passar por uns momentos muito complicados, você tem que começar a se firmar para desconstruir tudo.

Rodrigo Toledo: Como assim se firmar?

Marcos: Por exemplo, no ano passado eu acho que foi o ano onde eu realmente mostrei o que eu queria, foi quando eu realmente mostrei quem eu era. Como eu fiz isso? Eu fiz isso organizado em um projeto. Eu fiz um projeto apresentei na escola, apresentei na diretoria de ensino e apresentei até na secretaria da educação. Se você chegar lá na Secretaria de Educação e perguntar pelo Marcos de Pirapitanguá, eles vão falar assim “ah, tá, já sei quem é, é o menino solto, faz o que quer, tá bom”, é isso.

Rodrigo Toledo: Menino solto...

Marcos: Menino solto... porque eu fiz tudo o que eu queria, porque eu mostrei o que queria para todo mundo, porque eu falei o que eu queria falar, eu dou aula do jeito que eu queria, eu trabalhei do jeito que eu quero, eu me vestia do jeito que eu queria. Então, o solto é porque eu não sou mais preso com as ideias da sociedade que diz que mesmo se você for gay, mas você é homem, então tem que usar calça, tem que usar tênis, tem que usar camisetas mais discretas. Você não pode pintar o cabelo, você tem que ter um penteado normal, você não pode isso, você não pode aquilo então, eu descontruí totalmente isso, eu sai dessa bolinha e falei assim “não quero mais essas ideias heterossexuais, eu vou para as ideias homossexuais onde eu posso ser livre do jeito que eu quiser”, eu simplesmente sai de um jeito de sociedade me coloquei em outra.

Rodrigo Toledo: Foi no ano passado...

Marcos: Sim, o ano passado. Por que o ano passado foi tão drástico? Porque no dia que eu fui apresentar o meu projeto de diversidade de gênero [na escola], que nada mais é que um projeto para você possa discutir diversidade de gênero na escola. Que tem duas propostas. Uma forma, os alunos fazem uma pesquisa a gente debate o tema na sala e outra forma é como um tema para a redação para os alunos do terceiro ano do ensino médio.

Rodrigo Toledo: Pode me contar desse projeto.

Marcos: Sim, eu tive um terceiro ano do ensino médio e eles estavam muito preocupados com a redação do ENEM, e eles mesmos fizeram uma pesquisa e falaram “professor, sobre o tema diversidade de gênero, você pode ajudar a gente?”. Eu pensei, “lascou!”. Eu vou ter

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que enfrentar a escola inteira para fazer isso, mas vamos fazer estamos aqui para isso, vamos nessa. Então, dei um auxílio para eles fazerem um documento que eles solicitaram algumas aulas para redação e solicitaram alguns professores específicos então, fui eu, o professor de filosofia, de sociologia, geografia. O diretor aceitou, topou, achou sensacional a iniciativa dos alunos, achou ótimo. A vice-diretora falou que não, só que como a gente [grupo de professores] já estava tendo sérios problemas com ela, com a forma que ela trabalhava, a forma que ela tratava, não só eu, mas a maior parte dos professores, a gente barrou a decisão dela e ainda dissemos você não manda em nada, você não vai dar pitaco, pois se o diretor deixou então, tá liberado. Daí ela começou a causar, ela começou a arrumar briga e isso afetava todo mundo. A parte pedagógica morreu e a gente começou brigar como gente grande, teve situações dela entrar na sala dos professores bater boca com professor e o professor responder como se fosse dois alunos brigando, acabou o respeito. E eu estava fazendo o projeto andar, eu não tive problema nenhum com os alunos, eu não tive problema nenhum com os pais. Eu convoquei os pais eu falei “nós vamos falar isso e isso para os seus filhos, tudo bem?”. Alguns vieram falara que não concordava e ai colocavam o nome daqueles pastores ótimos na roda e eu falava “não, tudo bem, a hora que eu for dar aula sobre isso o seu filho fica na sala de informática!”. E elas diziam “não, o meu filho vai perder aula, não, ele vai ter aula disso mesmo, pode ser, não tem problema”. Então assim, algumas mães assistiram a aula, quando você vai falar sobre sexo com aluno de quinta série é uma coisa muito complicada, com aluno de terceiro ano você pensa, não é complicado, e é muito complicado. Parece que é pior ainda [em comparação aos alunos do 5º ano]. As mães falam que você está instigando o filho a praticar a relação sexual, imagine então quando você vai falar sobre gay. Uma mãe falou assim “você está instigando o meu filho a ser homossexual”, eu falei “pelo amor de Deus, mãe, não fala isso! Mãe, olha o que você está falando, a minha mãe e o meu pai são casados há 28 anos e eu sou homossexual, de onde eu tirei isso? Na minha infância não tinha beijo gay na novela, não tinha casalzinho no desenho, não tinha essas coisas, pelo amor de Deus, o que a senhora está falando” e continuei “mãe se você está falando isso que eu sou homossexual ou que eu vou influenciar o seu filho a ser, porque isso não é por influência não. Você não era para estar casada, porque você tem o que? 36 anos, o seu marido também tem isso aí, o seu marido assistiu o desenho do Pica-pau, não é? O Pica-pau é a primeira drag queen dos desenhos, e o seu marido o não é homossexual, não é?” Aí ela falou assim “Tá... Marcos, tudo bem!”. Essa relação de brincadeira eu tinha com os alunos, eu também tinha com os pais. Então, eu tive a liberação para que todos os alunos do terceiro ano do ensino médio participassem do projeto.

Rodrigo Toledo: E como foi que aconteceu?

Marcos: Quando eu comecei o trabalho no terceiro ano, o resto da escola inteira estava ciente que eu estava fazendo um projeto com alunos de terceiro ano, daí foi interessante o que aconteceu, os outros alunos fizeram abaixo assinado entregaram na coordenação e falaram “Por que a gente não pode ter essa aula também?”. Daí eu conversei com alguns professores meus da faculdade e elaborei um projeto para toda a escola, organizei aulas para os alunos do terceiro, segundo, primeiro ano do ensino médio. Também elaborei aula para o nono, oitavo e para o sétimo ano do ensino fundamental todos com o nome [do projeto] de Diversidade de Gênero. Para o sexto ano, como eles são pequenos, eu não coloquei o nome [do projeto] Orgulho de Ser, que foi uma proposta de um youtuber com a #orgulhodeser, onde a ideia é que a comunidade LGBT falasse do orgulho que eles têm de ser e ai eu fui trabalhar com os pequenos o orgulho de ser o que é.

Rodrigo Toledo: Bacana...

Marcos: É, então, eu fui trabalhando com vídeos, desenhos, trabalhando assim mais a imaginação, o que eles sabem ou ouviram falar do que a propriamente o tema de diversidade de gênero. Quando eu falei de gay para eles, eles falavam “porque o meu primo é, porque meu tio é, porque não sei quem é” e as mães tentaram me dar uma barrada, mas

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aí elas mesmas entenderam e acabaram liberando. Então, entre março e abril de 2016 o projeto estava lindo, a gente estava trabalhando todos os professores estavam engajados, mas aí em maio eu não sei o que aconteceu, que alguns professores começaram a barrar o projeto, algumas mães começaram a aparecer na escola reclamando e eu questionava “mas o que a senhora não gostou?”. Eu tive que trabalhar e explicar de forma pedagógica, de forma clássica, para os professores e para os pais e arranjar uma forma de aguentar a vice-diretora metralhando o projeto.

Rodrigo Toledo: E como foi que aconteceu?

Marcos: Isso tudo já estava me deixando meio doido, porque eu já não sabia o que fazer, que eu comecei a me perder em relação a mãe reclamando, professor reclamando, vice-diretora brigando comigo por causa do projeto e ai algumas mães começaram a ir na diretoria de ensino. E você sabe, mãe na diretoria de ensino para tudo e o projeto parou. As mães reclamavam na diretoria de ensino e os alunos reclamavam na escola, os alunos queriam a aula e as mães não. Conversei com os alunos e dizia “conversa com sua mãe” e a maioria dos alunos respondia “profe, a minha mãe não foi na diretoria de ensino!”. Eu comecei a pensar, se a mãe de ninguém foi na diretoria de ensino, como isso aconteceu? O projeto só acontecia nas turmas da manhã e a tarde não trabalhava com o projeto e as mães da tarde foram me questionar porque eu estava trabalhando esses temas e expliquei que isso só acontecia de manhã e elas responderam “mas a vice-diretora falou que você está!”

Rodrigo Toledo: Puxa, e o que você fez?

Marcos: Eu falei, influência de vice-diretora, agora entendi porque o projeto foi criticado. Ela pegou certos pontos que ela não concordava e muniu as mães para que elas reclamassem na diretoria de ensino. E até a provar que não era a turma da tarde, era somente com a turma da manhã. Já estava dando muito rolo, o desgaste, você realiza um sonho e alguém chega e começa a destruir esse sonho, o desgaste acho que é bem maior do que você nem conseguir realizar aquilo que você acredita. Então, eu comecei a ficar muito desgastado, eu ia para a escola muito estressado e toda vez que eu chegava na escola ela estava lá e dava aquela raiva. E pensava que essa criatura me ferrou, ferrou o projeto, eu já estava exausto por causa da vice-diretora e começou que muitos professores começaram a metralhar o projeto. Eu só pensava “Jesus do céu, e agora?”. Então, toda reunião alguns dos professores acabaram comigo me deixaram pior do que o chão e eles falavam “Porque não dá para trabalhar esse tipo de coisa na escola.” ou ainda “Isso é vergonhoso, isso não pode ser trabalhado, porque você está assediando as crianças!” e eu pensava “Jesus do céu, o que esse povo tem na cabeça?”.

Rodrigo Toledo: Parece que você ficou sem apoio para o projeto...

Marcos: Sim, então tinham uns cinco, seis professores a meu favor e do projeto. Trinta foram contra mais a vice-diretora. Dos que me apoiavam, três desses cinco eram jovens, eram professores que tinham acabado de entrar na escola, então era aquela coisa assim, os dinossauros contra os novinhos brigando para ter uma aula de algo que tem que ter, que está no currículo. Chegou o absurdo da vice-diretora falar assim “Você está incitando as crianças...” eu falava “querida, está no currículo, tem que trabalhar, tem que trabalhar no sétimo ano, tem que trabalhar no oitavo e nono ano e também no primeiro, segundo e terceiro ano do ensino médio. Tudo bem, não vou trabalhar com o sexto ano, mas eu vou trabalhar isso com o sétimo ano, porque está no currículo!”. Teve vezes dela dizer “Você não vai trabalhar, a gente vai barrar!”. Teve uma cena meio antipedagógica com os professores falando um monte de bosta, briguei com eles, brigaram comigo, mas professor é assim mesmo a gente briga e convive. Mas ai eu tive uma briga muito séria com a vice-

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diretora. Ela entrou lá em 2014 e eu já estava dando aula lá nessa escola, assim ela entrou ela conheceu todo mundo e começou a perseguir um professor mais velho, esse professor também era homossexual. Ela estava dando uns ataques, tipo louca, ele estava dando aula ela chamava ele e falava “pode pegar as suas coisas e ir embora que o senhor não pode dar aula aqui hoje” então, a gente via que ela estava dando uns ataques meio estranhos e o professor como já estava bem cansado da sala de aula ele realmente ia embora. A situação ficou tão confusa que em 2016 ele foi e mudou de escola. E quando ele saiu ela veio pra cima de mim, a gente teve altos debates, brigas. Até o dia que eu consegui que ela assumisse perante a supervisora de ensino, que a perseguição dela era homofobia.

Rodrigo Toledo: Como fez isso...

Marcos: Ela começou bem devagar, ela falava para os inspetores vigiarem a minha aula, ela pedia para coordenadora assistir a minha aula e eu nunca liguei, falei “quer assistir, pode assistir”, mandava os inspetores abrirem a porta da minha sala de aula e ver se eu estava dando aula. Perguntava para os inspetores se eu estava influenciando as crianças a terem uma vida errada como a minha. E isso já me irritava demais, “opa, como assim vida errada cara pálida?” Eu trabalho, tenho faculdade, pago as minhas contas não estou entendo aonde está o errado. E aí comecei a cutucar, já que ela cutucou de um lado eu cutucava do outro. Cheguei na coordenadora e perguntei “A dona Boitatá falou alguma coisa sobre mim?” E ela respondeu “Ela está preocupada Marcos! Ela está preocupada porque você é muito afetivo com as crianças, você está interagindo demais com as crianças, elas te abraçam demais!” E continuou “Ela está com medo de você esteja aliciando alguma criança!” Eu falei “Oi, oi, espera aí, o que? Como é que é?” Daí já briguei com a coordenadora e falei “Você está louca, essas crianças eles me chamam de tio, de pai. Eles não têm pai em casa eles estão me chamando de pai aqui, porque eu dou limite, porque eu dou carinho e dou aula, não tem anda a ver. Gente, pelo amor de Deus!” Ficava pensando, ela [vice-diretora] está ficando louca deixa quieto, passou o ano [2014]. Chegou em 2015 ela falou para a agente que era para tirar o meu nome da escola, que a minha sede não era mais lá, a agente me ligou e falou “Marcos, a vice-diretora disse que a sua sede não é mais aqui!” E eu perguntei “Por que, peguei [aula] em alguma escola e não estou sabendo? Então, ela não tem o poder de me tirar dessa escola, quem tem o poder de me tirar dessa escola é somente o diretor, no planejamento estou aparecendo ai!” Quando eu cheguei no planejamento tivemos um bate-boca, porque ela olhou para mim e falou assim “O que você está fazendo aqui? Você não dá mais aula aqui!” Gentilmente respondi “Quem me tirou daqui?” E ela respondeu “Eu tirei!” Respondi “Você não tem poder para me tirar, perante a lei quem pode me tirar daqui é só o diretor, você não tem esse poder.” Ela “Mas o diretor não está, quem manda sou eu!” E eu “Ele não está de férias então, a senhora não vai me tirar daqui!” O diretor é tipo Horácio [referência à personagem de Maurício de Souza] o bracinho dele é bem curto e ele não faz nada. Vou falar aquela coisa bem escrota, a minha mãe e a minha tia tem muitos anos de Estado então, elas conhecem muito bem lei e a minha mãe principalmente ela é muito bem conhecida na diretoria de ensino, ela é professora, agora ela é diretora, mas ela é muito bem conhecida na diretoria de ensino, a minha mãe a minha tia, a minha tia acho que tem 40 anos de Estado, minha mãe tem 35 anos de Estado então, eu sou muito bem preparado em relação a lei, direitos e tal. Então, a gente começou a brigar em 2014 a gente teve altas brigas, porque eu fazia muitas festas na escola para arrecadar dinheiro para APM, para as crianças se divertirem, porque eu achava a gente tem uma cultura do tipo, escola é para aprender, mas você também pode se divertir. Então eles tinham festa, fantasia, e ela começou a dar umas barradas em tudo. Só que os alunos não obedeciam a vice-diretora, mas obedeciam o que eu pedia. Tinha situações em que eles falavam “A vice-diretora falou para a gente que não é para se fantasiar!” E eu olhava e falava “É para se fantasiar sim!” Então, eles iam fantasiados e ela brigava com eles, eles nem ouviam, eles simplesmente se vestiam. Um dia eu falei para ela “Não adianta você ficar gritando com eles falando que não é para eles colocarem as fantasias, se isso está proposto no projeto, todo mundo aceitou, se o diretor assinou, não adianta você gritar

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com eles!” Ela disse que ela que mandava na escola e que as coisas seriam como ela queria e a briga começou a ser exposta, os professores começaram a criticar a vice-diretora mais abertamente, o negócio estava ficando feio. Eu lembro que um dia ela me pegou na sala dos professores, estávamos eu e duas outras professoras de aula vaga, e ela entrou na sala e puxou meu fone de ouvido e falou aos gritos “Você não vai mais dar aula aqui, você vai embora! Você tem uma vida errada, você é contra as leis de Jesus Cristo!” E começou a dar uma pregada em mim ali, ai eu falei “Olha, dona Boitatá, se a senhora não tiver o respaldo da lei para me tirar daqui, você não via me tirar daqui! Eu posso até estar contra a Lei de Jesus Cristo, a lei de quem você quiser, você pode falar que eu tenho uma vida errada, mas eu não ligo para a opinião da senhora! E eu não vou sair daqui desta escola!” Eu coloquei o fone ai ela puxou o fone de novo “Eu estou falando com você!” Mas aí ela já gritava histérica e eu falei “Eu não vou discutir com a senhora, eu não vou perder o meu tempo discutir com a senhora! E eu sei muito bem o que a senhora quer, a senhora quer que eu me estresse, que eu bata na senhora, que eu manda a senhora para algum lugar, para a senhora ter um motivo para me mandar embora, mas eu não vou fazer isso!” Aí eu coloquei novamente o fone ela puxou o fone do computador e começou a gritar comigo e o que eu fiz? Levantei e fui em direção à porta e quando eu fui sair da sala ela me pegou no braço e puxou, nesse momento as professoras se levantaram e fizeram ela me largar e eu fui para a secretaria e falei para a agente “Pelo amor de Deus, me tranca aqui dentro, ela me puxou pelo braço e eu não tomei nenhuma atitude, mas vai que eu tome!” Então a agente me trancou para dentro da secretaria e ela ficou lá fora gritando, gritando horrores, acho que ela estava muito estressada e ai eu comecei a ver isso mais frequentemente.

Rodrigo Toledo: Que situação difícil...

Marcos: Então, essa foi a primeira vez na frente dos professores. Na segunda vez foi na frente dos alunos, mas aí na frente dos alunos eu me impus. Falei alto, falei bem alto e batia na parede gritando com ela, então, ai o negócio começou a ficar tenso, porque os alunos queriam tirar dar a vice-diretora da escola, teve abaixo assinado e tudo. E ficou aquela briga, ninguém mais dava aula, ninguém mais fazia nada, todo mundo brigava com ela, ela brigava com todo mundo e ela não saia daquela escola, porque não tinha motivo suficiente ela não tinha batido em ninguém, estava complicado. E aí o ano passado [2016] foi quando eu cansei, o projeto já estava uma bosta, eu estava com raiva de tudo o que eu já tinha passado com ela e eu pedi para sair da escola.

Rodrigo Toledo: Puxa que pena...

Marcos: É... tudo isso para dizer que em setembro eu fui convidado pela diretoria de ensino para apresentar esse projeto para todos os diretores, vice-diretores, coordenadores, supervisores, toda galera assim do administrativo da diretoria de ensino. E aí foi onde eu vi que muitos dos professores não concordam de você falar sobre homossexualidade, sobre falar sobre diversidade na escola. E foi em uma reunião onde mais diretores e vice-diretores mostraram que não apoiam essa ideia. Porra, o aluno está sofrendo na escola qual que é a sua função? A nossa função é pedagógica e disciplinar, a pedagógica você dá na mão do coordenador ele faz e o disciplinar você não está fazendo e está deixando a desejar! Então, eu fui, como o meu projeto era uma coisa muito light onde discutia se você presenciar uma agressão por homofobia, por cor, por raça, por qualquer coisa, você junta a sala e vamos bater um papo sobre preconceito, sobre o que você e os alunos acham disso. Contei que no projeto que realizei na escola falávamos muito sobre a mulher e sobre homossexualidade lá os alunos estavam puxando muito isso. Então eu via que tinha na escola a ideia primitiva do tipo, os meninos falavam “Mulher tem que ficar em casa, limpando a casa” e as mulheres ao invés de falar “não, a mulher também tem que trabalhar!” elas diziam “ah, professor a gente tem que ficar em casa limpando mesmo” E eu falava “Oi? Você não tem direitos então, seus direitos sumiram?” Contei que a gente trabalhou muito os temas que envolviam direito, igualdade etc. Contei que o meu projeto falava sobre isso, falava sobre igualdade de gêneros, todo mundo tem direito de fazer o que quer, todo mundo pode fazer o que quiser,

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as mulheres têm direitos, os homossexuais, os negros têm direitos, os baixinhos, os altos, os gordos, todo mundo tem direito de ser o que quer e foi onde fui barrado de uma forma drástica, foi a partir deste projeto onde eu sofri mais homofobia na minha vida.

Rodrigo Toledo: Então nessa escola...

Marcos: Nessa escola foi onde eu mais sofri, houve algumas coisas assim bem agressivas, eu lembro que eu ouvia coisas como “Porque você é um lixo, você é um lixo da sociedade! Você tem que ser curado! Tipo como você tem que ser morto!” Eu ouvia isso da minha vice-diretora. Eu pensava ela é louca e continuava vivendo. Sofria por dentro? Sofria, mas eu já fui avisado pela minha família que eu iria encontrar pessoas assim. Eu só não sabia que ia ser tão rápido, eu achei que eu ia estar bem mais velho, mas tudo bem. E ai eu fui e apresentei o projeto na diretoria de ensino, me apresentei em um evento lá na Sauron da Vila Assunção. Me apresentei lá e também foi alguém da secretaria de educação que trabalha com as temática de gênero, ele foi lá apresentar o que a secretaria de educação faz sobre esse assunto, eu achei muito pouco e questionei e o representante da secretaria de educação deixou bem claro “Se alguém é contra você tenta convencer, se você não conseguir convencer não trabalha!” Como assim não trabalha? Está no currículo, eu não tenho que seguir a droga do currículo, sou obrigado perante a lei a seguir o currículo e quando chegar essa discussão eu tenho que pular? Não vou aceitar isso. Algumas pessoas dizem para mim que escola pública é movida pelo pais, gente, para com isso, escola pública é movida pelo Estado. Agora, se a secretaria da educação bater o martelo e falar tem que trabalhar determinado tema a mãe vai enfiar o filho aonde? Vai ter que deixar e ele vai ter que aprender sobre isso. Se não quer que não quer aprenda na escola, ele vai aprender apanhando na rua. Falei isso na diretoria de ensino e disse mais “Vocês não estão preparando os seus alunos, os seus alunos estão saindo da escola homofóbicos, o seu aluno que é gay apanha na escola, na rua, em casa. Porque não discutir isso na escola, contribui e ensina o seu aluno a ser homofóbico!”

Rodrigo Toledo: E quando ocorreu essa reunião, você já tinha mudado de escola?

Marcos: Sim, já tinha saído da escola do Jiguê, eu sai da outra escola em junho e entrei na nova escola em agosto. Então, eu conversei na diretoria de ensino, só que eu fui de uma forma diferente, a minha tia e a minha mãe também estariam lá e eu avisei “Eu vou diferente!” Eu falei “eu vou diferente, o diretor da escola do Jiguê estaria lá e a diretora da nova escola que eu estava trabalhando também estaria lá. Todos eles ficaram bem chocados. Minha família e o diretor lá da escola do Jiguê já tinham me visto em algumas apresentações na escola e eu queria que tivesse o choque do tipo “Você perdeu um professor que está apresentando um puta de um projeto na diretoria de ensino que poderia ser na sua escola, poderia levar o nome da sua escola, mas não, sua vice-diretora que mandou e você perdeu!” Eu cheguei para apresentar o projeto lá na diretoria de ensino montado de drag queen. Então, eu fiz uma puta maquiagem, eu fui com uma camiseta rosa, eu fui com uma calça jeans bem colada e fui de salto alto, e subi lá bem calmo. Na hora que eu cheguei parecia que tinha bosta na minha cabeça, porque todo mundo parou e ficou em choque olhando e eu entrei normal, fui, desci, fiquei lá sentado assisti todas as palestras. No intervalo, os professores me perguntaram “Posso tirar foto com você? ” E eu “Não!” E diziam “Mas por que não?” E eu “Porque eu não sou palhaço, não sou apresentador de programa, não sou nada disso! Eu sou uma pessoa normal, sou um professor e nós não vamos tirar fotos!” Eu sei que a drag queen é considerada uma artista, mas lá eu não estava como um artista, eu estava como professor que estava participando do evento. Era interessante ver vários diretores e diretoras na sua escola eles trabalham com a diversidade, que na escola deles não tem preconceito, que não tem essas coisas de homofobia. Como a dirigente estava lá, entendi que estavam fazendo cena para que ela pensasse que eles estavam fazendo o próprio trabalho. Eu ouvi tudo aquilo, e quando chegou a hora de me apresentar,

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eu tinha 5 minutos mas falei por 20 minutos. Eu subi lá e falei “Vamos ser um pouco, vamos ser verdadeiros com nós mesmos, eu ouvi muitas declarações, não estou falando que ninguém aqui errado, está fingindo, mas vamos trabalhar um pouco a verdade, eu ouvi vários de vocês falado que trabalham a diversidade na sua escola. Então, eu pergunto para vocês diretores, vice-diretores e coordenadores de Pirapitanguá, eu posso dar aula assim na sua escola?” Ninguém respondeu, Rodrigo, ninguém levantou a mão para falar nada, acredita? E continuei “Eu sou homem, sou homossexual, dou aula de ciências e matemática, eu acho que matemática é um matéria importante, não é? E eu sei que tem várias escolas que estão com aulas livres de matemática e eu pergunto para vocês, posso dar aula na sua escola? Mas eu vou assim, porque é assim que eu me identifico, é assim que eu me sinto bem, eu gosto de usar um salto alto, eu gosto de usar maquiagem, posso dar aula assim na sua escola?” A minha mãe para dar uma causada levantou a mão e disse “Não, na minha escola você não pode dar aula assim, você se quiser dar aula lá terá que se vestir como homem, porque assim você não vai dar aula!” Rolou um silêncio, mas assim ninguém se espantou com a fala da minha mãe, daí a Sueli que é minha professora e coordenadora lá na Sauron e é supervisora de ensino disse o seguinte “Se eu tivesse uma escola você poderia trabalhar assim lá!” Outro silêncio e eu disse “Gente, o negócio é o seguinte, a minha mãe que é essa pessoa que falou que não pode, não conta, e a pessoa que falou que pode também não conta, porque ela é minha coordenadora lá na faculdade, sou representante de sala, então, não vale, queria ouvir do resto, posso dar aula na sua escola assim?” E você ouvia os murmurinhos do pessoal conversando, mas sem nenhuma resposta. Daí apresentei o meu projeto, contei tudo o que eu fiz no projeto, falei tudo o que eu sofri na escola, que não tive problemas com os alunos, tive problemas com os adultos, não tive problema nenhum com criança, tive problema com adultos, adultos interferiram no meu projeto. Então, eu pergunto para vocês “O problema são as crianças? Sério, a gente tem que dar aula de diversidade de gênero para as crianças? Acho que sim, mas vou propor aqui, para os dirigentes das escolas, vamos fazer uma aula de diversidade de gênero para os adultos, são eles que não entendem. As crianças entendem, entram no youtube e assistam lá um vídeo chamado „Crianças assistem o beijo gay‟ ao serem questionadas elas dizem „se eles se amam está tudo ótimo‟ e os adultos falam „que nojo, que absurdo, isso está errado‟ então pergunto novamente: Quem é que precisa de aula sobre diversidade?” Continuei dizendo que os alunos saem da escola, eles têm a vida de adolescentes deles e eles convivem com vários gays na vida deles, várias lésbicas, várias travestis, trans, eles conhecem e vivem bem com isso. Então eu contei toda a minha trajetória, que sofri em casa e o que sofri na escola.

Rodrigo Toledo: E como tudo isso repercutiu?

Marcos: Agora de vez em quando faço algumas reuniões lá na Diretoria de Ensino. Faço algumas reuniões na Diretoria de Ensino para eu me especializar, porque eu deixei bem claro que eu também não era especialista nesse assunto para falar sobre isso com adultos ou com crianças, mas eu era uma pessoa que tentava, estava na tentativa de falar sobre isso com as crianças e que estava habilitado para falar o que eu passei. Tenho deixado bem claro que eu não sou especialista, que eles devem perguntar para um psicólogo, para um educador, vocês podem perguntar para alguém que está especializado em diversidade.

Rodrigo Toledo: Se você não é especialista, é o que?

Marcos: Sabe que eu não sei, mas quando você fala de gênero na escola você ajuda o menino que é gay a não sofrer. Porque vocês não sabem como eu sofria, porque eu não sabia o que eu era, as pessoas me xingavam, eu não entendia porque elas me xingavam, elas simplesmente me excluíam pelo o que eu era, eu não sabia o que eu era e nem eles sabiam, os meninos me chamavam na escola de “gazela”. Um dia a diretora chamou a gente e perguntou “por que vocês estão chamando o Marcos de gazela?” E as crianças respondiam que não sabiam, mas eu sofria muito. Então, se a gente trabalhar isso na escola, o que a gente vai evitar? Que a criança sofra e os outros entendam as diferenças.

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Então é necessário trabalhar as diferenças para que ninguém sofra, eu sofri, sofri com a minha mãe, sofri na escola, sofri trabalhando, sofri na faculdade, sofri muito, mas eu tive uma bagagem muito boa e tive uma mãe muito representativa, que simplesmente chegou para mim e falou assim “Vira de frente e bate de frente, para sofrer!” Então, a minha mãe me deu um suporte para que eu pudesse responder as pessoas e poder voltar para casa se alguma coisa desse errado. Muito dos meus alunos não tem suporte e no momento que a escola não dá apoio nós estamos negando ajuda, estamos engando. Lá no evento da Diretoria de Ensino eu perguntei “Vocês são educadores por causa das crianças, porque se vocês são educadores por causa do salário convenhamos, não é pessoal que estamos aqui no lugar errado, não é mesmo? Então, se não é somente pelo dinheiro e status, só deve ser pelo aluno, se é pelo aluno vocês estão fazendo o que? Vocês estão fazendo errado, pois se um aluno está chorando dentro da escola, está apanhando dentro da escola e você não está fazendo nada, você está sentado na sua sala falando que na sua escola não acontece isso, não tem preconceito, ou pior um adulto está afetando a criança, um adulto está xingando a criança dentro da sala de aula e você não está fazendo reunião com os professores, pelo amor de Deus, eu sofri na escola e a minha direção fez o que? Nada! A supervisão fez o que? Nada!”

Rodrigo Toledo: Me parece que essa reunião foi determinante para você...

Marcos: Sim... Eu fui mesmo bem caracterizado para dar um choque. Eu percebi que deu uma certa, assim, bem simples mudança aonde eu comecei a participar mais das reuniões na diretoria de ensino e onde eu recebi mais whatsapp, e-mail de professores solicitando ajuda “Você não pode vim aqui falar na minha escola? Você pode falar com os meus alunos?” Desde então, aí eu comecei a dar alguns direcionamentos, só que convenhamos eu só tenho 24 anos, estou correndo atrás, mas eu não sou um especialista, infelizmente para a gente mudar isso a gente tem que mudar toda a política do estado de São Paulo.

Rodrigo Toledo: É interessante perceber o quanto você mesmo vivendo experiências de preconceito e discriminação, você foi encontrando estratégias para superá-las...

Marcos: Porque assim, eu já sofri o que eu tinha para sofrer, eu sofro ainda? Sofro, mas eu já sei lidar, o meu aluno não sabe, ele não sabe reagir, tem alunos meus que são extremamente agressivos quando são ofendidos e tem alunos meu que são extremamente depressivos, e eu fui aprendendo a lidar com todos os alunos. Então, eu sofri com a diretora? Sofri, mudei de escola e acabou. Vou voltar para escola? Vou. Ela vai estar lá? Não sei, se ela estiver a gente aprende a conviver de novo. Então, eu aprendi a conviver nessas condições. Então assim, eu acho que eu só sairia da escola, se eu apanhasse. Eu só exoneraria se tipo tomasse uma surra e se fosse de um aluno, porque se fosse de um adulto eu ia arrumar uma encrenca ferrada. Por palavras eu já não me ofendo mais não, é muito difícil, mas se aprende.

Rodrigo Toledo: Você acabou de me dizer, que aprendeu a lidar com as experiências de sofrimento, e você voltando para a escola do Jiguê talvez você terá que lidar com a a vice-diretora novamente, não é? Como é lidar com essa experiência cotidiana de preconceitos?

Marcos: Então, é assim Rodrigo, a minha mãe já falava isso quando eu era adolescente. Ignore as pessoas, ignore o máximo que você puder, mas como eu não sou pessoa boa para ignorar, o que eu fazia, o que eu fazia e o que provavelmente eu irei fazer de novo, é totalmente antipedagógico isso, pelo amor de Deus...

Rodrigo Toledo: Fica tranquilo...

Marcos: O que acontecia... Ela entrava em uma sala que só estava eu e ela, eu xingava ela. Xingava porque toda essa raiva dentro de mim saia e não tinha prova do que eu fiz. Várias

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vezes eu chegava de manhã, a gente se cruzava e eu dizia “Vadia, vagabunda!” e saia andando e ela olhava e falava “O que é?” Eu respondia “Nada... bom dia!” Então, tipo toda a minha raiva dela passava brincadeiras assim ofensivas, logico, não é justo ela me ofender e eu ficar quieto, também não sou trouxa, mas são brincadeiras ofensivas mais leves.

Rodrigo Toledo: Você citou muito rapidamente, a sua experiência na escola, como foi para você passar pela escola como aluno?

Marcos: Foi foda, aí foi difícil. Assim, eu passei por psicólogo por muitos anos, passei acho que por uns 12 anos no psicólogo, a minha mãe por incrível que pareça ela escondeu essa minha vida de mim, ela me escondeu. Então, ela dizia “Não tenha trejeitos!” Eu perguntava “Mas, por que?” Ela nunca falava que era coisa de gay, sempre respondia “Porque é feio!” E eu lembro que eu passei no psicólogo muitos anos, mudei muito de escola, porque eu sempre sofria na escola. Era muito cruel, porque eu sofria na escola chegava em casa chorava, “ah, porque estão me chamando de veadinho”, a minha mãe ao invés de me abraçar falava “Filho, você é desse jeito, você sempre foi assim!” A minha mãe olhava para mim e falava assim “Se comporta feito homem que assim você não vai mais sofrer!” Imagina uma criança pensado... como é esse comportar feito homem? E se eu não estou me comportando como homem, eu estou me comportando feito o que? E a psicóloga trabalhava isso comigo? Não, a psicóloga nem eu entendo o que ela fazia, porque eu chegava lá ela ficava jogando, eu ficava brincando, ficava conversando sobre nada com ela, ela nunca chegou para mim e falou assim “Vamos conversar sobre a sua homossexualidade, eu vou te explicar o que que é.” Ninguém nunca me falou o que que é, eu fui descobrir assim quando eu tinha uns 16 anos quando eu entrei no ensino médio. Lá que eu beijei e namorei com meninas e comecei a me questionar. Perdi minha virgindade com 16, quando eu tinha os 17 anos foi onde começou a ter uns baques, porque ai eu comecei a achar os meninos bonitos. Foi tardio? Foi, mas foi a hora que eu tinha compreensão. E os meus pais me vigiavam demais, não dava nem tipo para eu pegar um computador velho e pesquisar o que era ser gay, porque o meu pai se visse, ele ia me bater, ele ia brigar comigo, porque eu não sabia o que era, mas eu sabia que era errado, tipo drogas, eu não sei o que, mas seu sei que é errado não vou usar e aí eu tinha esse parâmetro, drogas, gay, não pode! Então, com 17 anos eu estava ficando muito biruta, já estava ficando meio louco aí eu conversei com uma amiga minha eu falei “Judite, eu vou terminar com a Bibiana, porque eu não gosto disso, não gosto de meninas.” E ela “Finalmente, né, Marcos, só você que não sabia que gostava de meninas!” Eu perguntei “Você está falando do que? ” Ela respondeu “Marcos, você é gay!” Eu só consegui dizer que era gay depois que a Judite me disse isso. Eu já tinha mais de 18 anos, já estava na faculdade e dando aula e uma professora que conhecia minha mãe disse que eu era gay, isso gerou muitos conflitos com a minha família e minha tia ajudou muito, porque foi a única que me apoio desde sempre. Quando eu fiz 20 anos eu questionei a minha mãe “A senhora defende suas alunas travestis para usar banheiro das meninas, para todo mundo aceitar e eu que sou seu filho você está me perseguindo dentro de casa, tá certo isso?” E desse momento em diante ela começou a ser a minha maior apoiadora.

Rodrigo Toledo: Entendi. Então, acho que só para a gente fechar, você acha que tem alguma coisa de importante para me dizer que eu acabei não te perguntando, você esqueceu de falar?

Marcos: Acho que eu tenho feito a minha parte, tenho colocado uma sementinha em um, dois, três lá e sai andando, a gente não vai atingir a todos os alunos, mas alguns a gente tem que começar a atingir, ai depois esses três que a gente atingiu, quando eles tiveram filho, quando eu der aula para os filhos deles, os filhos deles vão ser educados e ai quem sabe a educação, com uma compreensão melhor sobre o eles comecem a influenciar o resto do pessoal, não vai mudar o mundo, mas a gente pode tentar, a gente pode começar com um pedacinho.

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Rodrigo Toledo: Eu acho que a gente pode mesmo com certeza fazer muita coisa e nessa nossa conversa percebi que você tem feito muito pelos seus alunos e alunas e pela educação, Parabéns! Foi muito bom conversar contigo!

Marcos: Obrigado!

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Apêndice IV – Transcrição da Conversação com Jeovan Bandeira

Rodrigo Toledo: Para que possamos começar, gostaria que você me contasse um pouco de você, o que você faz, onde você mora. Enfim, que entender que seja importante.

Jeovan: Eu tenho 29 anos, eu sou professor da Rede Estadual de Ensino há 10 anos. Moro em Bororé, já passei por várias escolas, porque eu sou professor categoria O. Então como [relação de trabalho] é contrato, vai mudando bastante de escolas. Esse ano [2016] eu estou em uma escola só, com poucas aulas, porque não tinha mais quando eu fui pegar. É uma escola em um bairro médio, mas a classe social das pessoas também não é nada boa. Classificaria como média-baixa, digamos assim.

Rodrigo Toledo: Como você se identifica, ou seja, a sua identidade de gênero e a sua orientação sexual. Você define como?

Jeovan: Masculino. Homossexual.

Rodrigo Toledo: E como ter esta orientação sexual no cotidiano?

Jeovan: Para mim é normal, é natural, porque todo mundo sabe, nunca tive problemas, , muito graves com isso. E como eu sou, , totalmente acessível para as pessoas conversarem comigo, e as pessoas sabem da minha orientação sexual, eu trato com naturalidade. É tranquilo na família, no trabalho e politicamente.

Rodrigo Toledo: Com a família, como foi chegar nessa experiência de tranquilidade que você está me dizendo? Como que foi essa construção?

Jeovan: Olha, com os meus pais eu nunca tive problema. Eu tenho um avô, falecido já, que eu achei que daria um certo problema, mas também não, ele levou na boa. O meu avô tinha algumas preocupações, com questão de violência, mas assim, não tinha preconceitos. Soltava umas piadinhas de vez em quando, mas também não me ofendia, porque eu dialogava com ele.

Rodrigo Toledo: Falar sobre sua orientação sexual, foi um ponto que você chegou e contou ou foi acontecendo?

Jeovan: Eu cheguei e contei para toda a família. A minha família organiza uma festa de Dia das Crianças na rua e naquela ocasião, eu tinha 16 anos, estava todo mundo lá fazendo os saquinhos de doce. A família inteira senta, tinha algumas pessoas da rua também, cada um vai fazendo uma etapa do saquinho de doces. Um coloca bala, outro coloca pipoca, e assim vai. Meu avô com as gracinhas dele, falou: “Sua irmã já casou, seu irmão já casou, você não vai casar?”. Falei assim: “Ah, eu vou casar, mas vai demorar um pouco”. Ele: “Por que?”. E eu respondi: “Porque eu vou casar com outro homem”. Aí parou a produção do saquinho de doces, e todo mundo: “Como assim vai casar com outro homem?” E eu respondi: “Sim, vou casar com outro homem”. Depois disso, eu me lembro que meu irmão escreveu algumas perguntas, num caderno que eu tinha de anotações. Ele perguntou, se eu já tinha saído com outro homem, se eu já tinha tido relação sexual, tudo. Eu falei que já e respondi tudo naturalmente. Falei que já tinha me relacionado com outros homens. Ele me abraçou, falou que se eu era feliz assim, que ele me apoiava. Tenho uma tia que chorou quando soube. Mas nunca tive problemas para falar com as pessoas sobre isso [orientação sexual] também, não vou ficar soltando, mas se as pessoas perguntarem eu falo.

Rodrigo Toledo: Então, você avalia que este foi um processo tranquilo?

Jeovan: Sim, e é até hoje. Vai fazer umas três semanas, quase nem um mês atrás, o meus pais foram comigo para em um evento onde eu fui receber uma homenagem, lá em Bororé.

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Tinha shows com drag queen e tudo mais. E meu pai, minha mãe estava me acompanhando.

Rodrigo Toledo: Legal. E hoje você mora com o seus pais?

Jeovan: Sim, moro com meus pais.

Rodrigo Toledo: E você está se relacionando com alguém? E como a sua família lida com o seu relacionamento?

Jeovan: Sim e é “de boa”. Ele [namorado] que levou os meus pais para aquele evento em BORORÉ. Ele levou no encontro, ele que foi buscar os meus pais para levar. Aliás eu nunca tive, em nenhum dos relacionamentos que eu tive, os meus pais sempre aceitaram numa boa.

Rodrigo Toledo: E hoje você mora com seus pais por opção ou tem outro motivo?

Jeovan: Por questões financeiras e também por opção deles e minha também. Eles falam eu que vou cuidar deles. É logico que eu quero constituir uma família, ter uma casa, na verdade eu quero ter um apartamento, mas é uma questão a longo prazo.

Rodrigo Toledo: Me fale um pouco de onde você mora.

Jeovan: Onde eu moro, já faz divisa com outro município, mas é uma região que também tem crescido. Tem um problema de empregabilidade na cidade não tem sido gerado empregos na região e então as pessoas procuram fora, de fato é uma cidade que você percebe que o trem para em Bororé, todo mundo desce ali. Depois que passou essa estação, o trem fica vazio. No outro dia o trem enche na estação Bororé e com isso você vê que não tem empregos ali. É uma cidade dormitório, mas é uma cidade grande, já passou de meio milhão de habitantes. É uma cidade relativamente grande, mas as pessoas geralmente têm que sair de lá para trabalhar.

Rodrigo Toledo: E você já teve que sair de lá para trabalhar?

Jeovan: Já, o meu primeiro emprego foi aqui em Doriana. Assim, primeiro formal, trabalhei em mercadinho de bairro essas coisas que todo mundo já fez, mas meu primeiro emprego formal, foi aqui em Doriana.

Rodrigo Toledo: E qual foi o seu primeiro emprego formal?

Jeovan: Trabalhei no telemarketing, no telemarketing do Estadão, vendia jornal do Estadão. Vendia bem viu, vendia muito bem, não vendia mal não. Isso em 2005, exatamente no dia 13 de fevereiro de 2005, foi o meu primeiro dia de trabalho no telemarketing no Estadão, mesmo dia que eu comecei a faculdade.

Rodrigo Toledo: Bacana e o que você cursou na faculdade?

Jeovan: História. Mesmo dia que eu comecei a faculdade, eu comecei a trabalhar, mas eu fiquei só uns dois meses. Eu terminei [ensino médio] em 2004, eu fiquei uns dois meses trabalhando em telemarketing, depois eu voltei para trabalhar de inspetor [de alunos] na mesma escola que eu estudava. Fiquei como inspetor um tempo ai depois já comecei dar aulas como eventual na mesma escola.

Rodrigo Toledo: Então, você estudou, trabalhou como inspetor e como professor na mesma escola...

Jeovan: Sim, e eu também tenho um processo [administrativo] que é dessa escola, é um processo por ter denunciado a diretora.

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Rodrigo Toledo: E como o percurso nesta escola?

Jeovan: Alguns alunos confundiram um pouco a cabeça, mas como eu sempre tive, uma certa representatividade dentro da escola, eu era liderança do grêmio dentro da escola. Então, não tive tantos problemas, mas confundiu um pouco, até funcionários, os professores confundiram um pouco, mas eu nunca tive problemas.

Rodrigo Toledo: E para você, como foi viver isso?

Jeovan: Era ver uma evolução minha, porque assim, eu sai de aluno depois de uns três meses eu voltei como inspetor, depois já deu mais uns três meses, eu fiquei pouco tempo como inspetor, porque primeiro semestre quando eu já tinha concluído o primeiro semestre da faculdade eu já comecei a dar aula de eventual então, foi pouco tempo mesmo, mas não teve problemas, para mim foi ver a minha evolução. E hoje se eu for assumir o concurso eu quero assumir nessa escola.

Rodrigo Toledo: Me parece que essa escola é uma escola significativa...

Jeovan: É uma escola significativa, eu tenho problemas na minha vida funcional, por causa dessa escola, processos que eu tenho por causa dessa escola. Então, assim, se eu tiver que voltar eu tenho eu voltar nessa escola, se tiver a vaga lá, eu quero lá.

Rodrigo Toledo: E como foi a sua passagem como aluno nessa escola?

Jeovan: Sempre fui aluno que tive boas notas. Ontem inclusive, encontrei uma colega minha, e ela disse que eu só passava cola para ela. Em relação a vida escolar eu nunca tive problemas não, nem de, as brincadeiras naquela época, fala aquela época, mas eu não sou tão velho assim, as brincadeiras naquela época eram brincadeiras mais sadias, muitas coisas levava na esportiva então não tinha problemas assim em geral na escola, mas sempre fui um bom aluno.

Rodrigo Toledo: Então no seu papel, a escola deu conta?

Jeovan: Sim, e a escola tinha desde a pré-escola e ia até o terceiro do médio. Já tem muitas separadas, mas lá em Bororé tem algumas que são todas juntas. Nessa escola eu peguei tudo, só fiquei dois anos fora dessa escola. Eu fui para outra próxima, acho que cursei a terceira e a quarta série, e depois voltei e fiquei até concluir o ensino médio.

Rodrigo Toledo: Pelo que entendi, hoje você trabalhando em uma outra escola, quanto tempo está lá?

Jeovan: Nessa escola atual eu entrei esse ano [2016]. Eu tive algumas passagens por escola do município vizinho. Nesses dez anos eu passei por escolas em vários municípios da região.

Rodrigo Toledo: A sua licenciatura é em História? Ela te habilita para ministrar outras disciplinas?

Jeovan: Não, só História.

Rodrigo Toledo: E isso dificulta também um pouco as questões as questões dos concursos.

Jeovan: Sim, dificulta. Já passei [no concurso], só estou esperando ser chamado, sou o terceiro da lista, mas [o concurso] não chama. Eu sou 80, eles pararam de chamar no 70 e tantos. Na próxima chamada eu sou o terceiro.

Rodrigo Toledo: E se não tiver lá naquela “sua” escola, o que você pensa?

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Jeovan: A cidade vizinha, mas eu quero muito uma escola no meu município. Vai ter!

Rodrigo Toledo: E fora o trabalho o que você faz?

Jeovan: Faz uns dez anos que tenho poucas questões de lazer, assim vamos dizer. Porque eu atuo em um partido político. E nesses dez anos, normalmente faz reuniões nos sábados, domingos, em dias de feriado. Então, o tempo para o lazer é muito pouco. São nos encontros com o meu namorado, que a gente vai para um cinema. Para o teatro a gente nunca foi. Eu já fui, na semana passada eu fui com uma amiga para o teatro, mas com ele [namorado] nunca fui. Alguns passeios, na [Avenida] Paulista, isso fazemos muito. As vezes em Maanape. Eu acho que temos poucos espaços de lazer. Eu acho que falta muito lazer para mim, as vezes fico em casa também, porque eu gosto de curtir a minha casa.

Rodrigo Toledo: E o que gosta, o que faz em casa...

Jeovan: Eu queria ler mais, mas não está dando, ainda mais agora [refere-se ao momento político em que estava envolvido]. Eu, de vez quando, vou para alguma festinha que alguém convida. Mas acho que nesses últimos dez anos tenho feito pouca coisa. Hoje, por exemplo, eu me arrependo de muita coisa que eu deixei de fazer por questões políticas e deixar esse lazer um pouco de lado, mas assim, já passou e chorar leite derramado não adianta.

Rodrigo Toledo: Tem feito algo para mudar esse cenário?

Jeovan: Agora não dá! Às véspera de campanha não dá muito. Eu tento adequar. Eu gosto muito de certas surpresas, de chegar e alguém falar assim: “Hoje vamos sair para tal lugar!”. Mas nesse período não dá, tem que ser uma coisa bem planejada. Então, assim, “ pode se encontrar no sábado tal hora” e as vezes atrasa um pouco, sábado tal hora, no domingo tal hora e assim vai.

Rodrigo Toledo: E o seu namorado...

Jeovan: Partidariamente não estamos juntos, ele até vai em algumas atividades, mas depende muito do tipo de atividade. E eu não vou obrigar ninguém a ir, se ele quiser ir ele vai, eu falo onde eu vou estar, com quem eu vou estar, o que eu vou estar fazendo, mas é raro ele ir. Ele vai na Parada [LGBT] comigo no domingo lá em Maanape. Em algumas atividades ele vai comigo, mas a maioria não.

Rodrigo Toledo: Voltando para o tema da escola, você me disse que a sua passagem pela escola, como aluno, foi tranquila, mas você acha que esse percurso pode ter relação com o fato de você ter ficado um longo período em uma mesma escola?

Jeovan: Sim, mas também, mas as vezes por personalidade, eu sempre soube me impor. Sempre tinha gracinha eu cortava logo de primeira. Eu sempre escutava, sempre tinha aquelas gracinhas, as piadinhas, tudo, mas eu sempre dei uma cortada, assim, a pessoa quando ela ia fazer na segunda ela pensava duas vezes. Isso até hoje, por exemplo, em março eu cheguei na escola um professor fez uma piadinha logo 06h50 da manhã, eu já dei um corte logo cedo e já ficou aquele “climão” na escola. Ele fez uma piadinha geral com os LGBTs, eu dei um corte logo cedo, não era nem especifico para mim, eu já dei um corte. Acho que assim, é saber se impor em determinados momentos, não vou ficar arranjando briga e nem me indispor, a todo momento, mas tem coisas que não tem como deixar passar e ai se precisar brigar nesses momentos, não tenho problema com isso. Mas, na minha vida, eu sempre soube me impor. Eu troquei o medo pelo orgulho. E isso é verdade, o que eu tentei fazer foi mostrar para a família que a minha condição, a minha orientação sexual não iria interferir no meu caráter. Sempre disse que eu daria orgulho, eu sempre quis dar orgulho para a minha família para que a orientação sexual fosse algo menor, a minha condição sexual fosse bem menor, a minha orientação fosse bem menor do que outros valores. Então, eu fui estudar, militar, e isso até serviu as vezes como uma válvula de escape, mas

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assim, isso deu um certo orgulho para a minha família, hoje há um reconhecimento e a minha família fica orgulhosa de saber que eu não sou reconhecido por ser gay, mas que eu virei uma certa referência em determinados movimentos, eu não fiquei conhecido, por discutir exclusivamente a pauta LGBT, pelo contrário, eu fiquei conhecido por discutir a pauta do transporte, a mobilidade urbana, da educação e depois que eu fui reconhecido pela causa LGBT. Acho que isso foi um dos diferenciais, que daí, isso [orientação sexual] se tornou menor, quando as pessoas descobriram, apesar de eu sempre falar, mas as pessoas se surpreendiam e diziam: “Ah, ele é gay!”. Então, ficou bem menor perante os outros debates que eu já fazia.

Rodrigo Toledo: Você acha que esse reconhecimento também aconteceu na escola, principalmente no momento enquanto aluno?

Jeovan: Eu nunca me considerei frágil, nunca! Pelo contrário, eu sempre quis comandar, desde da época da escola, questões de grêmio, líder de sala, eu sempre quis comandar e eu era muito mimado pelos professores. Os professores me mimavam muito, eu fazia os melhores trabalhos, tem uns [professores] que lembram de mim até hoje. Tem um rapaz que casou com a minha prima, uma vez nos encontramos numa festa, ele falou assim: “Eu não conseguia bater o Jeovan em matemática”. Hoje nem lembro mais como faz conta de matemática, mas naquela época ele tentava me ultrapassar, tentava disputar comigo, mas não conseguia. Mas acho que por eu não me considerar frágil, tentar me considerar igual, em tudo. Se chegava um aluno novo na sala rolava uma piadinha, mas naquela época , que contornar a situação dando a resposta, eu sempre fiz isso, dando a resposta que fosse conveniente ao momento, mas sempre levando para o lado do diálogo, nunca também, acho que foi uma vez só que eu parti para a agressão, mas não foi nem o caso de questões LGBT, foi por outras coisas, acho que tinha mexido com a minha irmã se não me engano, foi briga, de sair no tapa mas acho que foi para defender a minha irmã, não foi nem por causa de mim, mas era questão de se impor. Eu não estou falando que outras [pessoas LGBTs] não se impõe, é diferente, sabe que acontece muitos casos, mas comigo eu sinto, até hoje eu sinto isso. As pessoas, por exemplo, que estão mais próximas a mim, que me auxiliam em algumas coisas dizem assim: “Jeovan, as pessoas te acham muito sério”. Então, as vezes eu sinto que existe uma barreira entre as pessoas e eu. Eu penso que para as pessoas que chegam em mim para conversar logo percebem que eu não sou assim tão sério. Então, não sei, se criou uma uma armação [distanciamento] com as pessoas, mas eu também não acho ruim não, pelo contrário, acho até bom, é melhor elas construírem essa imagem de que sou mais sério do que realmente sou.

Rodrigo Toledo: Construindo imagem...

Jeovan: Sim, foi se construindo, sempre fui considerado o “chatinho”, sabe? O chato da história, que cobra os outros, tem que ser o perfeitinho. Eu sofri muito com perfeição, isso eu sofri bastante. Por exemplo, faz festa no dia das crianças na rua eu queria os saquinhos todos iguais com a bala colocada do mesmo lado, o lacinho feito igual, só que assim, chega uma hora que não dá mais conta, antigamente eram 70 saquinhos, agora são mais de mil então você não dá conta e ai as pessoas que vão ajudar elas olham para mim e falam assim eu sei que você não quer assim, mas tem que ser, elas sabem que eu sou perfeccionista. Então, eu sofri muito com isso, agora nem tanto.

Rodrigo Toledo: Esta festa parecer ser algo bastante importante para vocês?

Jeovan: Quando eu tinha 16 anos na época e resolveu fazer uma festa para as crianças da comunidade. Então um grupo saiu nos comércios locais pedindo ajuda, nas primeiras festinhas não teve tanta adesão, mas depois tinha uma padaria que começou a dar o pão, um açougue começou a dar a salsicha, o sacolão começou a dar as outras coisas, hoje a festa é totalmente por doações. Tem gente que empresta a garagem, entre outras coisas cada um dá a sua parcela. Agora uma atividade instituída no calendário da comunidade.

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Antigamente era uma coisa mais da família, a família fazia, levava para a rua e pronto, agora não, quando está chegando comecinho de setembro as pessoas já começam a perguntar: “Vai ter a festa este ano”?.

Rodrigo Toledo: A festa tem algum vínculo religioso?

Jeovan: Não. Nem política também, porque quando começou isso na verdade eu nem tinha pretensões politicas naquela época, eu lembro que foi no mesmo tempo do pessoal, o pessoal estava nascendo, mas não tinha pretensões de me candidatar a nada. Foi uma coisa bem espontânea mesmo, hoje em dia já não tem mais condições de falar vamos parar de fazer, porque já está marcada no bairro, na comunidade. A comunidade já ajuda. Então não dá para parar de fazer.

Rodrigo Toledo: E a escola participa, a escola está próxima dessas atividades da comunidade?

Jeovan: Tá [risos] essa escola. Inclusive quando teve as primeiras festinhas os professores, funcionários da escola ajudaram muito, a escola teve uma boa participação no começo. Agora, não mais.

Rodrigo Toledo: Você citou os professores, os funcionários da escola, qual a sua relação com eles?

Jeovan: Desde que eu era aluno, eu sempre fui muito solitário na escola. Ás vezes, eu penso, que por eu ser muito chato. Eu sabia que eu era chato, eu reconhecia isso em nunca tive problema. Por ser perfeccionista, eu queria fazer os trabalhos sozinho, porque eu sabia que as outras pessoas não iam fazer do jeito que eu queria. Então é melhor fazer sozinho que sai do seu jeito, era assim. Esse comportamento, as vezes isso gerava um certo isolamento por culpa minha. Eu sempre tentei me isolar um pouquinho, com o passar dos anos isso foi melhorando. Nunca gostei de ir na casa dos outros fazer os trabalhos, era raro, tinha uma colega só a Ana Terra. Nós temos uma relação boa até hoje. Também tinha a Olana e a Kainene. Com os meninos era diferente, teve uma época que o meu primo estudou na mesma sala que eu, a gente sempre teve uma relação boa, tinha uma relação com os meninos da sala também, mas eu sempre tive aquela questão de liderança, eu liderava a sala então, sempre mantiveram dentro dos padrões de respeito nunca teve problema não. E as brincadeiras também as vezes eu fazia com eles, eles faziam comigo.

Rodrigo Toledo: Se olhar para a sua trajetória escolar, você diria que não houve uma experiência de discriminação ou de violência pela questão LGBT?

Jeovan: Violência não, nunca fui agredido fisicamente, mas assim, chacotas, a gente sempre escutou, sempre escutei, mas eu tentava contornar a situação, eu tentava demonstrar que isso não era importante. Então, se fizessem uma chacota minha, o meu empenho para derrotar essa pessoa era eu tirar notas melhores que a da pessoa que fez a chacota. Eu fazia isso, eu queria mostrar que o gayzinho era melhor do que ele. E era isso, naquela época ainda tinha esse negócio de competir para ver quem era o melhor, quem tiraria as melhores notas. Então, eu acho que isso era uma forma de mostrar que independente da minha orientação sexual eu podia ser melhor do que eles inclusive. Então, eu tentei demonstrar dessa forma para eles, eu não ficava batendo boca, as vezes eu soltava e xingava, porque sempre tem o nosso momento de nervoso, mas eu pensava: “Vocês vão ver quem é o gayzinho, eu vou mostrar para vocês”! E eu ia lá fazia os melhores trabalhos e provas e acabava com eles.

Rodrigo Toledo: E fora da escola?

Jeovan: Quando eu era criança, nunca tive problemas, principalmente com os meus irmãos. Eu participava de todas as atividades, porque normalmente as pessoas tendem a pensar

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que os gays só gostam de brincadeiras mais femininas. Eu não, eu fazia as pipas para os meninos soltarem, aliás o meu irmão me elogiava os meus peixinhos eram ótimos, eu fazia pipa e eles soltavam numa boa.

Rodrigo Toledo: Quebra o estereótipo...

Jeovan: Sim, isso eu vejo um certo reflexo ainda hoje. Por exemplo, porque as pessoas se assustam quando elas sabem da minha orientação sexual? Comumente elas me veem discursando em algum lugar, provavelmente imaginam que eu sou hétero. Pelo tom de voz, talvez desconfie, não me pergunta. As pessoas se assustam e dizem: “Mas esse menino é gay? E briga assim”? Existe um estereótipo que gay tem que ser frágil, tem que ser fragilizado. O Jean Willys é um bom exemplo, ele tenta mostrar esse diferencial. Como ele, quebramos o estereótipo, as pessoas se assustam de ver gay brigando, brigando com a polícia, apanhando da polícia, por exemplo, e mesmo assim peitar, as pessoas quebram o estereótipo de gay frágil, somos diferentes.

Rodrigo Toledo: Tem outra história de “quebra” de estereótipo?

Jeovan: Eu lembro uma vez, numa festa da escola, um rapaz que não era da escola me deu uma rasteira e me xingou de “veadinho”. Foi por questões de homofobia mesmo e eu chorei e tudo porque eu tinha sentado do lado da namorada dele. Ele me deu uma rasteira e me xingou, aquela cena me marcou. Alguns anos depois, eu estava fazendo panfletagem na rua, encontrei essa pessoa, acho que ele não lembrava da situação eu fui lá me apresentei. Nessa época eu era candidato, me apresentei e pela conversa eu percebi que ele não estava em boas condições econômicas, que as coisas não estavam muito boas para ele. Na época ainda ofereci ajuda, e acho que ele lembrou da situação [vivida na festa] e daí ele manteve um certo “egoísmo” com relação a mim, um certo distanciamento. Mesmo depois de muito tempo, tem momentos em que o estereótipo permanece.

Rodrigo Toledo: Como conciliar a vida política e todos os enfrentamentos cotidianos?

Jeovan: A Câmara Municipal e a Prefeitura são os espaços que eu mais atuo, e são espaços totalmente machistas e homofóbicos. Isso ficou muito evidente depois da votação do Planos Municipal de Educação. Lá na região, sempre conseguimos implementar coisa na cidade e naquele momento eu vi vereador tirando crucifixo do peito e correndo atrás de pessoas, por exemplo. Vi pessoas da igreja ofendendo, gritando e xingando as pessoas de “Veadinhos, Pedófilos, etc.”. Dizendo que nós queríamos induzir as crianças, mas também vi pessoas parabenizando nossa ação. Por exemplo, lá na Câmara da cidade só tem uma mulher vereadora e não defende nenhuma causa, ou seja, isso mostra como estes são espaços totalmente machistas e homofóbicos. Existe um reconhecimento dos vereadores com relação aos debates que eu faço, isso não posso negar, eles reconhecem isso até na imprensa escrita da região.

Rodrigo Toledo: A sua orientação sexual pesou ou tem pesado de alguma maneira?

Jeovan: Sempre tem, sempre tem, sempre. Hoje não tanto, porque hoje acho que todo mundo sabe. As pessoas já me conhecem, então, todo mundo já sabe. Penso que hoje não pese tanto. Mas tem um trabalho bem grande que é tentar demonstrar que a minha orientação sexual seja percebida como algo menor, que não importa a minha orientação sexual o que tem que importar são as minhas ideias, o meu caráter, o que eu quero fazer e como eu vou fazer, acho que é isso que deve importar. Eu tento levar essa mensagem para as pessoas com quem eu me relaciono e eu penso que tenho conseguido e me orgulho disso.

Rodrigo Toledo: Orgulho...

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Jeovan: Nesse ponto eu tenho um orgulho muito grande. Eu tento mostrar para as pessoas que isso, a diferença da minha orientação sexual, tem que ser menor, não importa e minha sexualidade isso tem que ser menor, este é o menor dos debates. É logico que eu levanto a bandeira, se for para fazer o debate da questão de gênero eu vou fazer, porque é um debate polêmico, eu faço e as pessoas sabem que eu consigo fazer, mas isso para mim é o menor dos debates que eu possa conduzir. Quero que as pessoas pensem assim: “O Jeovan é uma pessoa, a orientação sexual dele é algo menor do que o debate que ele vai fazer, é menos que as ideias que ele vai trazer”. Isto para mim é importante, pois este debate é menor para mim.

Rodrigo Toledo: Dentro das pautas políticas, o debate sobre as sexualidades, pode ser entendida como uma pauta menos importante, do que, por exemplo, a pauta de acesso à educação, acesso a saúde, transporte, mobilidade urbana e outras que já citou enfim, como que essas questões se organizam frente a outras pautas?

Jeovan: Eu trato todas com o mesmo peso. Acho que todas as pautas têm o mesmo peso, para mim o mais importante é o combate ao capitalismo. Não tem essa diferenciação para mim, mas é logico que por ter experiências pessoais com a questão LGBT, que eu vou conseguir aprofundar o debate. Eu tenho clareza que eu vou conseguir aprofundar os outros debates, mas esse debate sobre a questão LGBT, a minha vivência pessoal faz com que eu tenha um repertório mais aprofundado, até pelo requisito pessoal, mas eu trato todas as pautas de forma igual. Eu não quero ser apontado como a pessoa que tem uma pauta só, uma pessoa de uma pauta especifica, isso eu não quero.

Rodrigo Toledo: Então a questão LGBTT também tem a sua importância...

Jeovan: É uma pauta importante como todas as outras, é uma pauta muito importante. Mas temos que entender que é um debate difícil para nível municipal, as mudanças com relação a essas temáticas estão na esfera federal, por exemplo. Eu não vou conseguir fazer com que a homofobia seja criminalizada no município, tem que ser a nível federal, por isso que é uma pauta difícil para o debate em esfera municipal. No nível municipal são poucas mudanças que podemos conseguir suplantar. Vamos conseguir fazer, no máximo, ampliar o debate na questão dos planos municipais, tem algumas iniciativas que vão conseguir fazer na saúde, na ação social, mas é mais difícil para uma coisa mais substancial.

Rodrigo Toledo: E na escola, te reconhecem como?

Jeovan: Quando eu chego na escola, normalmente as pessoas já sabem quem eu sou, as pessoas já sabem de tudo pelas redes sociais e para mim não tem problema. É logico que eu vou aprofundar o debate com os alunos do ensino médio que já tem uma mentalidade, uma idade mais adequada para eu fazer um debate mais qualificado. Se um aluno do sétimo ano me perguntar sobre a minha orientação sexual, eu vou responder sem problema nenhum. Eu nunca tive problema com os pais dos alunos, eu nunca reclamação de pais de alunos sobre o meu trabalho. É logico tem datas especificas que tentam trabalhar as temáticas de um jeito mais amplo, como o dia 17 de maio, a escola trabalha essas questões, mas tem temas dentro do próprio currículo que é possível conseguir aprofundar o debate sobre as temáticas LGBT. Na EJA, dá para trabalhar bem, esse ano eu consegui aprofundar um pouquinho mais, acho que é por eles serem adultos, mas de qualquer forma, eu nunca tive problemas com alunos. Eu já cheguei escutar piadinha dos alunos no corredor na hora que eu estou passando, mas aí eu volto e pergunto: “Está acontecendo alguma coisa? Vai mudar alguma coisa na sua vida, a minha orientação sexual?”. Quando eu volto, às vezes, é um escracho para alertar e a pessoa perceber que esse comportamento não passará impune. As vezes eu uso um tom até agressivo, dependendo da idade do aluno, não vai passar assim de boa, porque eles têm uma consciência bem melhor do que eles estão fazendo. Com os alunos o fundamental, é raro eu pegar aulas, eu gosto de trabalhar com

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médio por serem adultos, se perguntar eu respondo numa boa tudo, nunca tive problemas com questões.

Rodrigo Toledo: Você consegue me contar uma experiência mais difícil que você tenha vivido com esses grupos de alunos ou com um aluno em especifico?

Jeovan: Esse ano, quando eu cheguei, logo percebi um aluno, que ficava sozinho, lá no cantinho da sala, eu fui dialogar com ele, eu falei assim: “Você não vai fazer as atividades?”. E ele respondeu: “Ah, professor, não enche o saco, que eu não estou de boa hoje, não estou bem hoje!”. Eu respondi: “Não estou enchendo o seu saco, eu estou fazendo o meu trabalho, eu vim aqui perguntar, porque as vezes você não está bem também, eu preciso saber o que está acontecendo!”. Ele ficou nervoso e disse: “Sai para lá, seu veadinho!”. Eu, novamente: “Nossa, acho eu você está estressado! Vai lá fora toma um ar, depois você volta!”. Mas é como eu te disse, as experiências nas escolas que eu passei, a representatividade e reconhecimento que eu ganhei, faz com que eu chegue nas escolas já com um certo perfil e dessa forma as pessoas já sabem como eu sou, que se fizer uma coisa vai ter a resposta. Me apontam e dizem: “Aquele cara é de briga!”. Acredito que é por isso que não tenho tantos problemas assim.

Rodrigo Toledo: E com o restante da equipe da escola, já teve problemas?

Jeovan: Não. Tenho um processo por outras coisas, mas relacionado com a questão da minha sexualidade. Eu chego e falo: “Olha, eu quero promover um determinado debate com os alunos, assim, assim, assado”! Levo, coloco por escrito se precisar, não tem problema e promovo os debates. Nunca, que eu esteja lembrado, um diretor que me proibiu ou questionou o meu trabalho.

Rodrigo Toledo: E você lembra de alguma experiência de algum aluno que tenha sofrido enfim, alguma experiência de discriminação, de preconceito...

Jeovan: Tem alunos que desistem da escola, percebem que às vezes tem determinadas piadinhas que as pessoas soltam e não é todo mundo que está preparado mentalmente para ficar escutando determinadas coisas e responder. Tem pessoas que não respondem, sofrem caladas e aquilo vai criando uma certa angustia e ele acaba desistindo da escola e acaba não indo mais. Tem alunos, principalmente, quando é no Fundamental II, eles chamam, pedem ajuda, mas ainda acredito que é uma fase de desistência dos alunos LGBT. Penso que é porque nessa fase de autoconhecimento o aluno ainda não consegue entender direito o que está acontecendo com ele. Eu vi muitos casos de aluno que ofende o outro e esses, as vezes, até choram na sala de aula, seja meninos ou meninas. No ensino médio, como eles tem uma mentalidade mais avançada, já sabem que as coisas são mais complicadas que se falar vai ter uma reação, acontece, mas não tanto, mas acho que do quinto ao nono ano acontece mais.

Rodrigo Toledo: Como é estar na escola hoje?

Jeovan: Eu fiquei 3 anos como professor-mediador em uma central, então tinha aluno de tudo que era bairro da cidade e acho que foi uma experiência muito boa. Conversava com os pais, chamava para fazer essas conversas e que tinha casos explícitos de homofobia, que eu chamava os pais e falava: “Olha, o seu filho está sofrendo isso!”. Muitos pais não aceitam, já teve caso de eu ver pai bater no aluno na minha frente, e ter que encaminhar para o Conselho Tutelar, isso tudo porque não aceitavam a condição do filho. Eu sempre tentei buscar o diálogo, conversar com os pais, dos dois lados de quem está sendo ofendido, de quem está ofendendo, para tentar encontrar uma solução. Muitos casos não tiveram soluções, tem pessoas que continuaram sendo preconceituosas, mas acho que tudo isso passa por uma educação, não podemos desistir, é questão de planejamento do futuro, vai passando por fases, eu creio que daqui uns 30, 40 anos nós vamos ter uma geração bem mais liberal com relação a diferença, não tão conservadora.

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Rodrigo Toledo: Conservadora...

Jeovan: Penso que hoje é bem mais difícil, apesar dos jovens aceitarem melhor, eu considero mais difícil pelo avanço conservador inclusive dos professores. Escutamos na sala dos professores fazendo referência aos alunos como: “Aquela gordinha, aquele que é bandido, aquela que é puta, aquele que é gay.”. Tem professor, no momento que está no conselho de classe, vamos fechar as notas e diz: “Aquela que é assim, vocês não sabem...Ela saiu com todo mundo!”. Acho que tem uma parcela, não são todos é logico, mas tem uma parcela do professorado que ainda taxa muitos alunos. Também taxa os alunos na questão dos gays, dizendo: “aquele que é gayzinho, aquele afeminado.”. Então, hoje eu considero mais difícil do que não minha época. E eu tive um psicológico muito bom, até por saber que os meus pais me apoiariam. Eu tentei em toda a minha trajetória fazer uma construção que desse orgulho aos meus pais, independente da orientação sexual. Então, hoje, eu sou o único filho formado, fui tentando construir coisas que fossem dando orgulho para eles, mas não é todo mundo que consegue. Em se tratando de escola, hoje tudo é bullying, não existe mais homofobia, e ainda falam que o aluno que está sofrendo é o culpado. Então, eu vejo que hoje é mais difícil com relação a minha época, na época eram brincadeiras mais sadias, não partiam para agressão física, hoje em dia qualquer coisinha eles já estão se atracando fisicamente dentro da sala de aula, eu vejo isso como algo muito difícil hoje.

Rodrigo Toledo: Como lidar com o conservadorismo na escola?

Jeovan: Eu sempre tentei passar para os alunos independente, se ele é heterossexual ou homossexual, de qualquer identidade de gênero que ele tenha, para mim é um escândalo ficar se beijando dentro da escola, por exemplo, acho que ali não há espaço para isso, eu sempre passei essa compreensão para todos os alunos. Eu lembro que nós tínhamos na escola um casal de alunas lésbicas, que para a diretora era um absurdo elas ficarem se beijando na hora do intervalo. Eu falei assim: “Mas a senhora está vendo que não é um absurdo um casal hetero ficar se beijando, você não está repreendendo esse outro casal!”. Disse que era necessário fazer um debate na escola sobre essa temática e definir que se ninguém pode, ninguém pode, não é porque elas são lésbicas que elas não vão poder fazer. Eu sempre tento passar esse lado para os alunos e professores e falo assim: “Independente da orientação sexual, eu acho que aqui na escola não é espaço para aquilo!”. É logico que na escola sempre acontece o primeiro namoro, acho que eles têm toda liberdade para fazer isso, mas tentar mostrar que aquele não é o espaço para aquilo.

Rodrigo Toledo: Você acha que a escola é um espaço que tem que ser vivenciado de um jeito diferente.

Jeovan: Sim, tanto pelos alunos, tanto até como a própria sociedade e pela escola de hoje. Na minha visão, muito percebem a escola como um deposito, coloca o filho lá e não acompanha. O professor tem que dar conta de tudo. O professor tem que dar educação e também tem que transmitir conhecimento, fica ainda com a responsabilidade de formar aquela criança, aquele jovem. Na minha época a escola era para transmitir conhecimento, ela transmitia o conhecimento, ela não era obrigada a fazer a formação daquela pessoa no quesito cidadã. A escola ajudava, mas os pais faziam mais isso. Hoje os pais estão cobrando muito [da escola], na minha visão, eles cobram que a escola tem que fazer coisas que seriam de responsabilidade dos pais fazerem, mas não sei se eles perceberam, mas uma geração de pais deixou de fazer isso e por isso que a escola está fazendo.

Rodrigo Toledo: De que forma este conservadorismo aparece na escola?

Jeovan: De forma velada, não é algo explicito, tem pessoas, que, não falam na minha cara que me odeiam por eu ser gay, porque sabem que podem sofrer represálias. Se eu fosse uma outra pessoa, que não tem representatividade, não teria problemas em apresentar o

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seu preconceito. Então, existe um avanço velado de pessoa que se manifestam, quando elas sabem que as pessoas não vão fazer outras coisas com ela, existe essa prática velada e fortemente violenta, esse preconceito velado, esse preconceito escondido, existe muito isso. A escola é um reflexo da sociedade. Tem professores lá totalmente conservadores, que não aceitam e que também não respeitam, não aceitam a diferença. Tem aqueles que não aceitam, mas respeitam. Enfim, tem de tudo na escola.

Rodrigo Toledo: E o que você pensa disso?

Jeovan: Eu acho que existem pessoas que não aceitam, mas são tolerantes. Existe uma grande parcela, que as vezes não se posiciona por medo da outra ala que é intolerante, que tem crescido. E com relação aos intolerantes, na verdade estão formando hoje em dia pessoa intolerantes, eu acho que estão preparando, quando não deixam fazer determinadas falas, porque querendo ou não a homossexualidade existe, existe assim como existem outras coisas que estão fora do dito padrão, como as religiões de matriz africanas, a homossexualidade, existem várias coisas que são foras dos padrões de normalidade. Essas pessoas conservadoras não aceitam, porque elas acham que elas têm que ser maioria. Entendem que alguns avanços conquistados, não são legítimos, como a questão de cotas. Eles não consideram que as cotas funcionam como um resgate histórico, uma dívida histórica que se tem com os negros, eles consideram que isso é uma esmola, é uma bobagem. Então, eu equipararia, com o que acontece com os LGBTs hoje é fruto do pensamento atrasado de algumas pessoas, mas elas querendo ou não, vai ter esse debate, nem que precise de força de lei para isso acontecer.

Rodrigo Toledo: O que você tem pensado da militância LGBT?

Jeovan: Eu acho que o ego de alguns grupos é bastante complicado! É um tema complicado, porque assim, dentro da militância isso é muito caro, mas o ego de alguns determinados grupos faz com esse tipo de coisa acabem promovendo uma certa divisão dentro de algo que poderia ser um só, sofremos aversão, o que nós sofremos é aversão por sermos diferentes. E a dificuldade de acaba promovendo essa sopa de letrinha.

Rodrigo Toledo: Como é ser uma pessoa LGBT numa região periférica da cidade

Jeovan: Por questões financeiras eu não vejo problemas, é logico que determinadas condições financeiras vão fazer as pessoas estarem em determinadas condições mais vulneráveis do que pessoas que tem condições financeiras melhores. Supondo, uma pessoa morando aqui numa região central, ela terá mais acesso a determinadas coisas, segurança por exemplo, mas se uma pessoa está numa região periférica terá muito menos acesso. Eu acho que a condição financeira pode ser superada pela condição intelectual das pessoas, pela mentalidade das pessoas, se as pessoas tiverem uma mentalidade, que seja mais aberta ao diálogo e uma criação e uma sociedade de paz de uma sociedade de paz, acho que não vai ter problemas. Estando aqui no centro, eu posso sofrer uma agressão daqui a pouco, mas lá perto de casa não vou sofrer, porque eu consegui construir isso. Então, tem essa diferença, mas é logico, que quem está nessas regiões mais privilegiadas economicamente aqui de São Paulo, não vai sofrer tanto como quem está lá na periferia, vai sofrer de um jeito diferente.

Rodrigo Toledo: Então tem algo mais importante que a questão econômica?

Jeovan: Sim, existem outras configurações, como as educacionais. Vamos pensar, nós estamos na Avenida Paulista, que é um local de visibilidade gay, um lugar que a comunidade LGBT elegeu, se você sofrer alguma violência homofobica aqui a reposta é direta e rápida. Tem uma militância, por ser uma região de fácil acesso, essas pessoas vão ter uma resposta mais efetiva e direta. Isso não aconteceria numa escola periférica, por exemplo, não teria uma resposta direta, até da própria militância. Então assim, falta um pouco para a militância LGBT também ir mais para a periferia, trabalhar um pouco mais

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essa questão de combate a LGBTfobia na periferia. Porque lá acontece muito mais casos do que aqui, é que aqui os casos ficam mais notórios, por estarem numa região central, mas lá acontece muito mais casos que precisaria ser trabalhado e até por questões de difícil acesso também essas pessoas acabam não dando todo esse suporte que precisaria para as LGBTs periféricas .

Rodrigo Toledo: Novamente queria te agradecer e para finalizar queria saber se tem alguma coisa que você gostaria de dizer que eu não te perguntei, que acabou não conversando, que você acha importante dizer?

Jeovan: Não... Acho que o orgulho superou o medo.

Rodrigo Toledo: Ótimo! Então, “o orgulho superou o medo”, eu gostei muito disso, achei essa frase ótima! Novamente obrigado!

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Anexo I – Roteiro de Conversação

EIXO 1: O professor e a sua vida Conversar sobre quem é esse professor. Caracterização das relações sociais estabelecidas, dar visibilidade a seu modo de vida, sua vida cotidiana. Destacar os seguintes aspectos:

onde mora e com quem mora, onde fica (região), descrição do entorno (bairro)

trajetória dos pais - trabalho e vivências escolares

sua identidade de gênero

sua orientação sexual

como vive a sua identidade sexual nas relações cotidianas, ou seja, são declaradas em suas vivencias cotidianas

descrever suas atividades diárias (ocupação principal, formação, etc.)

descrever seus momentos de lazer – outras atividades EIXO 2: O professor e as suas vivências escolares Conversar sobre a sua trajetória escolar, destacando os seguintes aspectos:

como foi sua trajetória escolar – quais, quantos e onde eram os colégios que frequentou

experiência como aluna(o)

relação com os professores/funcionários

relação com os colegas/amigos de escola

relação com a aprendizagem/saber

situações e/ou atividades que você gostava/não gostava na escola Como foi viver sua identidade sexual na escola? O que poderia ter sido diferente na sua trajetória escolar? EIXO 3: O professor e a expressão da identidade sexual e de gênero na escola

Descrever a escola onde trabalha O que significa viver a sua identidade sexual e de gênero na escola, compreender como sua trajetória determina sua prática, destacando os seguintes aspectos:

sua identidade sexual e de gênero são declaradas na sua escola

como é a sua relação com a gestão, professoras/es, funcionárias/os, alunas/os, comunidade escolar com você

Há algum indício de preconceito (explícito/implícito) em relação a você? E em relação a outra/o colega? E entre as/os estudantes? Há casos de discriminação contra LGBT na escola? Como você costuma agir? Como se sente quando percebe que algum estudante sofre preconceito por isso? Pode dar um exemplo? Já fez alguma intervenção neste caso? Desenvolve algum trabalho sistemático sobre o tema?

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Anexo II – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Este formulário de consentimento tem por objetivo informar-lhe sobre esta pesquisa, a qual você foi convidada/o a participar, bem como ter sua autorização explícita para realizá-la. Espera-se através deste, possibilitar-lhe uma idéia básica sobre a pesquisa e o que a sua participação envolverá. Se você deseja mais detalhes sobre algo mencionado aqui, ou informações não incluídas, sinta-se à vontade para perguntar.

Por favor, leia cuidadosamente esse formulário e as informações aqui contidas.

Título do Projeto: Homofobia e Heterossexismo na Escola: um estudo sobre significações de professores gays que atuam na educação básica.

Pesquisador: Rodrigo Toledo – doutorando do programa de estudos pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação pela PUC SP.

Procedimento: Os dados que se pretende coletar referem-se à conversação que será realizada com você, com emprego de roteiro semi-estruturado, disponível para sua apreciação e aprovação preliminar. A conversa será gravada, para posterior transcrição e tratamento dos dados, em princípio durante um único encontro. Se houver necessidade, realizar-se-ão entrevistas recorrentes, visando garantir a fidedignidade do estudo.

Objetivos: A pesquisa tem como objetivo apreender as significações que professores gays constroem sobre as múltiplas violências e os preconceitos vividos por eles, em relação à sua orientação sexual e suas formas de expressão.

Risco ou desconforto: Não há risco associado a esta entrevista, mas se em algum momento, você sentir-se desconfortável, pode solicitar o encerramento da entrevista.

Sigilo: Os nomes dos participantes estarão em absoluto sigilo. Todas as informações obtidas na pesquisa serão utilizadas apenas para a análise científica dos dados e em caso algum, os nomes dos participantes constarão de eventuais publicações.

Consentimento: A sua assinatura neste formulário indica que você está participando voluntariamente. Indica também que leu e entendeu as informações contidas neste formulário. Você é livre para se recusar a responder a específicos itens ou questões durante a conversação. Você é livre para desistir de ser participante do estudo em qualquer momento, sem nenhuma penalidade. Sinta-se livre para pedir explicações ou

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

(Decreto nº 93.933 de 14/01/87; resolução CNS nº 196/96)

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esclarecimentos a qualquer momento durante a pesquisa. Se você tem outras questões que concernem a este estudo, por favor, pergunte ao pesquisador. Uma cópia deste consentimento será entregue ao participante da pesquisa.

Eu, ___________________________________________________, portador/a do RG___________________, declaro ter recebido as devidas explicações sobre a pesquisa intitulada Homofobia e Heterossexismo na Escola: um estudo sobre significações de professores gays que atuam na educação básica e concordo que minha desistência poderá ocorrer em qualquer momento sem que ocorra quaisquer prejuízos.

Declaro ainda estar ciente de que a participação é voluntária e que fui devidamente esclarecido (a) quanto aos objetivos e procedimentos desta pesquisa.

Nome: _________________________________________________________________

Assinatura: _____________________________________________________________

Data: ______/_______/______

Contato Pesquisador:

Rodrigo Toledo

RG. xxxxxxxx

Telefone: (xx) xxxxx-xxxx

E-mail: xxxxxxxxx