Todo mundo MIOLO - smbrasil.com.br · palito de fósforo, sou ainda uma larva, um bicho raquítico, uma mi-galha, um nadica de nada, e ela, ela fala comigo… — Tenho onze anos.

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1.

Então é isso, estou apaixonado. E ela estáaqui, bem na minha frente, aos meus pés. Poralguns segundos a Terra pára de girar e euperco a respiração. Aos meus pés, sim, elaestá aos meus pés: a vendedora de sapatos daloja do shopping perto de casa… É ela.

— Gregório! — exclama papai, me sacu-dindo pelos ombros. — A moça está pedindopara você tirar os tênis… Você é surdo, é?

Pobre papai, hoje ele vai ficar de cabelosbrancos! E não vai se recuperar jamais. E ma-mãe? Uma mulher vai roubar o seu filhinho.Uma mulher…


Um sorriso indescritível,um olhar que me cega, uma

voz que me deixa sem voz…Durante toda a minha vida, vou me lembrardeste instante: estou sentado, só de meias.Ela chega com duas caixas de papelão nosbraços, se ajoelha, me olha, sorri para mim.E por fim me diz:

— Trinta e nove. Já está usandonúmero de gente grande. Quantosanos você tem?

Ela pergunta a minha idade.Ela se interessa por mim. Por mim!Por mim, que sou minúsculo perto dela, pormim, que sou ridículo perto de sua beleza,por mim, que ouso vir até aqui comprar um

par de tênis de uma princesa. E semdinheiro. Com meu pai e com o

dinheiro do meu pai.Sou um serzinho de ca-

beça grande, parecido comum girino, magro como um

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palito de fósforo, souainda uma larva, umbicho raquítico, uma mi-galha, um nadica de nada,e ela, ela fala comigo…

— Tenho onze anos.Onze — sussurro, quase sem mexer a

boca. Ainda bem que papai não ouviu nada.Não tenho onze anos, tenho exatamentenove. Sei que não é muito… É muito poucopara este mulherão de vinte anos.

Ela me olha de novo com seus olhos deanjo. Ela tinha acabado de colocar dois tênisnos meus pés, um vermelho e um azul.

— Eles ficam superbem em você— diz. — Qual você prefere, overmelho ou o azul?

Que loucura. Umacompleta loucura. Elafala comigo… Comigo!Os vermelhos ou osazuis. Olha para mim.


— diz. — Qual você prefere, o


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Sorri. Os vermelhos. Os azuis. Vermelhos,azuis. E eu olhando para os meus pés.

— E aí? — impacienta-se meu pai.Ele ignora o que está acontecendo entre

estes dois seres tão diferentes. Ele ignoratodo o lance que está em jogo. O amor acabade nascer, aqui, agora. Numa loja do shop-ping center, num sábado à tarde, como tan-tos outros.

Olho para cima. Seus cabelos estão aoalcance das minhas mãos, ruivos, quase ver-melhos. Longos. E que cheiro bom. Meu ros-to fica corado, vermelho e eu respondo:



— Os vermelhos.Depois, tudo acontece muito rápido, tudo

se desmancha, tudo se evapora. Ela tira os tê-nis dos meus pés, meu pai paga e vamos em-bora. Será que algum dia vou vê-la de novo?Será que ela vai se lembrar de mim?

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