-
HARLES TILLY
Os estados intermedirios, como a Gr-Bretanha e a Frana, entraram
no jogo im-
perial relativamente tarde e se notabilizaram pela combinao da
estratgia capi-tal ista e da coerciva.
A estratgi a capitalista acrescentou um peso relativamente
pequeno ao estadocentral, sobretudo quando foi aplicada atravs de
organizaes essencialmenteprivadas, como a Companhia Holandesa das
ndias Orientais. Contudo, essesmeglitos comerciais se transformaram
em foras polticas a serem disputadas comseus prprios meios; assim,
a privatizao levou o estado a negociar com a suapopulao, ou pelo
menos com a classe comercial dominante. A estratgia deconquista e
povoamento, que exigiu inevitavelmente exrcitos e marinhas
perma-nentes, acrescentou ao estado central a burocracia, sem falar
da cadeia mundial defuncionalismo que ela suscitou. Onde produziu
riquezas - sobretudo na forma doouro e prata em barras ibullion),
como na Espanha - a conquista criou uma alter-nativa tributao
domstica e, desse modo, protegeu os governantes de algumas"das
negociaes que definiram os direitos dos cidados e estabeleceram
limites sprerrogativas do estado em outros locais.
Tanto na frente domstica quanto na ultramarina, a extenso com
que o apa-relho estatal emergiu da interao entre a criao de urna
mquina militar e o de-senvolvimento de mercados dependeu de
diversos fatores: o tamanho da mquinaem relao populao que a
sustentava, a anterior comercializao da economiae o ponto at onde o
estado contou com a mobilizao em tempo de guerra dosdetentores do
poder que forneceram a sua prpria fora militar e conservaram
acapacidade de convert-Ia aos usos pacficos depois da guerra.
Poderamos ima-ginar a existncia de um continuuni desde a Rssia
imperial, em que um aparelhoestatal incmodo se desenvolveu para
extorquir homens e recursos militares deuma economia muito grande e
pouco comercializada, at a Repblica Holandesa,que dependeu
fortemente de suas marinhas, instituiu as suas foras militares
so-bre concesses temporrias de suas provncias dominadas pela
cidade, extraiu fa-cilmente receitas de taxas alfandegrias e
impostos sobre o consumo e nunca criouuma burocracia central de
vulto. No meio poderamos colocar aqueles casos, comoa Frana e a
Prssia, em que os reis tinham acesso a importantes regies de
capi-talismo agrcola e comercial, mas eram obrigados a negociar com
poderosos pro-prietrios de terras para manuteno de sua atividade
militar. No final das contas,as requisies de homens, dinheiro e
provises cresceram tanto que os governan-tes negociaram tambm com a
massa da populao. O captulo seguinte focalizaessa negociao e suas
variaes de um tipo de estado para outro.
4
OS ESTADOS E SEUS CIDADOS
DE VESPAS A LOCOMOTIVAS
Nos ltimos mil anos, os estados europeus experimentaram uma
evoluopeculiar: passaram de vespas a locomotivas. Por muito tempo
se concentraram naguerra, deixando a maioria das atividades para
outras organizaes, somenteenquanto essas organizaes produzissem
tributos em intervalos apropriados. Osestados extorqui dores de
tributos continuaram belicosos, mas leves em peso quandocomparados
aos seus sucessores mais avultados; ferroaram, mas no esgotaram.Com
o passar do tempo, os estados - mesmo as variedades de grande
inverso decapital - assumiram as atividades, os poderes e os
compromissos que foramobrigados a manter. Os dois trilhos em que
essas locomotivas corriam eram odasustentao por parte da populao e
o da manuteno por intermdio de um quadrode pessoal civil. Fora dos
trilhos, as mquinas de guerra no funcionavam.
O mnimo de atividades essenciais de um estado so trs:
criao do estado: atacando e controlando os competidores e
desafiantesdentro do territri'o reclamado pelo estado;
prtica da guerra: atacando os antagonistas fora do territrio j
reclamadopelo estado;
proteo: atacando e controlando os antagonistas dos principais
aliados dosgovernantes, quer dentro quer fora do territrio
reclamado do estado.
Contudo, no dura muito um estado que negligencia uma quarta
atividade crucial:
156 /57
,
-
CHARLES TfLLY
rxtroo: sacando de sua prpria populao os meios de criao do
estado,ti ' prtica da iuerra e de proteo.
Os estados extorquidores de tributos perm aneceram restritos no
mnimo a esse.onjunto indispensvel de quatro atividades, intervindo
nas vidas de seus sditos
nominal s especialmente para impor o poder da classe dirigente e
para extrair rendas.ntudo, alm de uma determinada escala, todos os
estados acabam aventurando-
se e m trs outros terrenos perigosos:
aplicao de justia: soluo peremptria de disputas entre os membros
dapopulao;
distribuio: interveno na diviso dos bens entre os membros da
populao;produo: controle da criao e transformao de bens e servios
pelos
membros da populao.
As principais vinculaes entre essas atividades funcionam mais ou
menoscomo est mostrado na figura 4.1. A prtica da guerra e a criao
do estadoreforam-se entre si, na verdade perinanecem praticamente
indistinguveis at queos estados comecem a constituir fronteiras
seguras e reconhecidas em torno deextensos territrios adjacentes.
Ambas as atividades induziram a extrao derecursos da populao local.
O jogo de alianas e a tentativa de extrair recursos deatores
relativamente poderosos ou mveis favoreceram o envolvimento do
estadona proteo, controlando ~s competidores e inimigos de clientes
escolhidos. Quandoa extrao e a proteo se expandiram, criaram a
necessidade do acerto de disputasdentro da populao submetida,
incluindo a regulamentao legal tanto da extrao
quanto da proteo.
Produo
Criao do estudo
~~otJ.oAplicao ~ Ide justia ---..... t
--------:-~ . Dis~ibuiuo
l'rticn da guerra
-
:... CHARLES TILLY !. OS ESTADOS E SEUS CIDADOS""
As atividades do estado, portanto, tinham profundas implicaes
para osinteresses da populao em geral, para a ao coletiva e para os
direitos doscidados. No momento de executar todas essas atividades
- prtica da guerra,criao do estado, proteo, extrao, aplicao da
justia, distribuio e produo-, os governantes e agentes do estado
acabaram colidindo com os interesses defi-nidos das pessoas que
viviam dentro de sua rea de controle; e esse impacto muitasvezes
foi negativo, porque os estados repetidas vezes se apossaram, para
uso pr-prio, de terras, capital, bens e servios que antes haviam
servido a outras finalidades.A maior parte dos recursos que os reis
e ministros usaram para construir a foraarmada proveio, em ltima
anlise, do trabalho e da acumulao de pessoas comunse constituiu um
desvio de meios valiosos dos objetivos aos quais as pessoas
comunsatribuam uma prioridade muito maior. Mesmo que s vezes os
capitalistas tenhaminvestido voluntariamente nas finanas do estado
e na proteo que o poder doestado deu ao seu negcio, e mesmo que os
magnatas regionais tenham algumasvezes se aliado aos reis com o
intuito de controlar os seus prprios inimigos, amaioria das pessoas
que haviam investido nos recursos de que os monarcas
tentaramapoderar-se opuseram-se tenazmente s exigncias reais.
O trabalho, os bens, o dinheiro e outros recursos que os estados
exigiamestavam, afinal de contas, embutidos em redes de obrigao e
eram destinados aobjetivos que as famlias e comunidades
priorizavam. Entre as perspecti vas a curtoprazo do cidado comum,
aquilo que em alegre retrospecto denominamos "forma-o do estado"
comprendia a instigao de arrendatrios de impostos impiedososcontra
os camponeses e artesos pobres; a venda forada, para pagar
impostos, deanimais que poderiam servir para dotes; a priso de
lderes locais como refns dopagamento, por parte da comunidade
local, dos impostos devidos; o enforcamentode outros que ousavam
protestar; a incitao de soldados brutais contra umapopulao civil
desafortunada; o recrutamento de jovens que representavam
aprincipal esperana de conforto na velhice de seus pais; a compra
compulsria desal impuro; a elevao dos j arrogantes proprietrios
locais a funcionrios doestado; e a imposio de unidade religiosa em
nome da ordem pblica e da mo-ralidade. No de admirar que os
europeus sem poderes tenham tantas vezes aceitoa lenda do "bom
czar" que fora enganado, ou mesmo mantido prisioneiro, por
mausconselheiros.
O carter e o peso da atividade de estado variaram
sistematicamente em fun-o da economia que predominava dentro das
fronteiras de um estado. Nas regiesde aplicao intensade coero, era
comum os governantes extrarem recursos paraa guerra e para outras
atividades em espcie, atravs de requisio direta e de re-crutamento.
Nas economias pouco cornercializadas as taxas alfandegrias e o
,"imposto sobre o consumo geravam retornos pequenos, mas a insti
tuio de impostossobre o indivduo e sobre a terra criou pesadas
mquirrs fiscais e"colocou extensopoder nas mos dos proprietrios
rurais, dos chefes de aldeia e de outros que exer-ciam controle
imediato sobre os recursos essenciais. Nas regies de grande
inver-so de capital, a presena dos capitalistas, o intercmbio
comercial e organizaesmunicipais avultadas estabeleciam srios
limites ao exerccio direto, por parte doestado, de controle dos
indivduos e das famlias, mas facilitavam a-aplicao detaxas
relativamente eficientes e indolores sobre o comrcio que se
tornaram outrasfontes de rendas do estado. Alm disso, a pronta
disponibilidade de crdito fez comque os governantes, em lugar de
extrair os recursos em ondas rpidas e calamitosas,distribussem os
custos da atividade militar por perodos maiores. 0 resultado oique
nessas regies' os estados geralmente tiveram de 'crihr aparelhos
centrais dimi-nutos e segmentados. Nas regies de coero
capitalizada, prevaleceu lima sitUIII
-
CHARLES TILLY
funo da relevncia relativa da coero e do capital como base de
formao doestado, Nas regies que empregaram intensa coero, como a
PoJnia e a Rssia, ocontrole sobre a terra e o trabalho ligado terra
foi durante muito tempo o objetocentral da luta, ao passo que, nas
regies de grande aplicao de capital, como osPases-Baixos, o capital
e as mercadorias vendveis ocuparam uma posio maisrelevante com
respeito negociao, o que criou uma estrutura de estado
ereivindicaes dos cidados aos estados. Alm disso, nas zonas de
grande inversode capital, os estados atuaram mais cedo e com maior
eficcia para estabelecer osdireitos burgueses de propriedade -
reduzir as mltiplas reclamaes sobre a mesmapropriedade, reforar os
contratos e fortalecer a capacidade do dono principal dedeterminar
o uso da propriedade. No obstante, em toda a parte, a criao do
podermilitar pelo estado envolveuos seus agentes na negociao com
detentores do podere com grupos de cidados comuns. A estrutura de
classe da populao, portanto,ajudou a determinar a organizao do
estado: seu aparelho repressivo, suaadministrao fiscal, seus
servios, suas .ormas de representao.
A traduo da' estrutura d classe em organizao do estado ocorreu
atravsde lutas. As rebelies de impostos que sacudiram grande parte
da Europa Ocidentaldurante o sculo XVII originaram-se das pretenses
concorrentes de reis, dedetentores regionais de poder, de
comunidades locais e famlias individuais, terra,ao trabalho, s
mercadorias, ao gado, s ferramentas, ao crdito e riqueza
familiarque no podiam servir imediatamente a todas as finalidades.
Quando congregou asreivindicaes dos grandes senhores e as das
comunidades locais, como aconteceumuitas vezes na Frana no incio do
sculo XVII, a oposio tributao ameaoua prpria viabilidade da coroa.
No entanto, mesmo numa escala menor, a aocoletiva e individual do
dia-a-dia contra os crescentes esforos de extrao do estadocausou
srios desafios ao prprio-soberano.
Na medida em que a populao do estado era segmentada e
heterognea, aprobabilidade de uma rebelio em grande escala
diminuiu, mas aumentou adificuldade de impor medidas
administrativas uniformes. Numa populao homo-gnea e ligada, uma
inovao administrativa criada e testada numa regio tinha umachance
razovel de funcionar em outra, e os funcionrios podiam facilmente
trans-l'erir o seu conhecimento de uma localidade para a outra. No
perodo de mudanado tributo para o imposto, do governo indireto para
o direto, da subordinao paraa assimilao, os estados geralmente se
esforaram por homogeneizar as suas po-pulaes e eliminar a sua
segmentao mediante a imposio de lnguas, religies,moedas e sistemas
legais comuns, bem como por intermdio da construo de sis-temas
ligados de comrcio, transporte e comunicaes. No entanto, quando
amea-aram as prprias identidades nas quais as populaes subordinadas
baseavam as
/62
I!
I
"'i,!
OS ESTADOS' E SEUS CIDADOS
d . o pmvOC
-
I.-40 CHARLES T1LLY
o que fizeram os gvernantes quando se defrontaram com uma
resistncia,_, dispersa ou macia? Negociaram. Ora, algum pode fazer
objees ao uso da
alavra "negociao" para designar o envio de tropas com o objetivo
de esmagarurna rebelio contra impostos ou prender um contribuinte
relutante. No entanto, ouso freqente de punio exemplar- o
enforcamento de alguns cabeas da rebelioem lugar de todos os
rebeldes, a priso do contribuinte local mais rico em vez detodos os
delinqentes - indica que as autoridades estavam negociando com a
massada populao. gm' todo caso, a negociao assumiu muitas outras
formas mais
"~"'~!
-
flAlI'LES TILLY OS EsTJOS 'E SEUS CIDADOS
,'..
! I
vlll~ IIIIIH1111111(111,"', mns COI1lisso assumiu a obrigao de
fornecer estipndios"111111'I1 11IlIdll ONIIlIdl~'s 'lu' adorassem a
sua verso da Reforma.
No ('~1111111111.ONI'II/ll'ioll rins cios estados que se
desenvolveram em meio 11-111111,'I'lillllll\~ !I\(',' '1Inlls (PICS
~sl 'n lia da Itlia do Norte a Flandres e ao Bltico1\'
l'III'II/l1111I111I1l't'IIO do primeiro extremo, negociando com as
oligarquias mu-11I 11"N11" lildllllll 1SI/li 'sf't-ra de a
,sobreviveram e se tornaram os principais1'11111111111111111'do
'~llId(): ns idades-imprio como Veneza so um exemplo do caso,'Xii
1110,() 1I/1I'1J1t!,qdos estudos-em-Formao que se constituram
dentro da faixad~ (ldlldtlI\Nll1do11I\IiIIISv 'zos tiveram de
negociar com os grandes proprietrios de11'1111r ~1I11('IIl'111'111,
'criaram durante o processo novas instituies represen-11111'.I' N
ItI"! Ir. c,lado, maiores, os nobres muitas vezes obtiveram
confirmaesti I'IIN!lllvlltl'los 'monoplio das patentes militares
mais altas em troca de sua('olllllm I~' o ~Om tiS rcntutivns reais
de instituir exrcitos nacionais. No entanto, ao101111do
('(IIIII"fllIlII., a negociao em torno das exigncias extrativas do
estadopl'odmJII tllr ltos, privilgios e instituies de proteo que no
existiam111111'111)1111/lI ,
111111mudun I di f'lIS~1do g verno indireto para o direto
ocorreu com a1l1l'11I11111111l~,nOdo p(l(ler militar, Isso fereceu
ao cidado comum uma oportunidade~ tlliltlrll 111lIHcnru. pois de
1750, nas pocas da nacionalizao e da espe-l'illllwy li, O~
SlIlc!OScom ararn a mudar agressivamente de um sistema
quaseI1I1IVlll'NIIIde floV 1'110indir 1'0 para um novo sistema de
governo direto: uma1111111vt\1I1f11s m int .rmcdiri s nas vidas das
comunidades locais, famlias ei'lIlpl't'~IIS produli VIIS. li Indo
deixaram de alugar mercenrios e passaram a recrutarl'tIl'll li (I
-ntr li sun prpria populao nacional, e quando aumentaram
aIl'illlllll~ 111111mde 1ll1l111r nA grandes foras militares da
guerra no sculo XVIII, osIllvt\IIIIIIII~N 1I(l~" 'i111'11111o uc S5
s comunidades, famlias e empresas, removendo1111"W '(,S (I os
11111111di6rios autnomos.
I)""I/llr t ) 10 (l mil nio que estamos analisando, as
cidades-estado, os bis-pl/tllI mil 111111111,(I prln ipados
diminutos e outros micro-estados governaram de1111111111' Irllll
VIIIIl 111 dircrn. s agentes, que eram os responsveis imediatos
juntoh ('II1IUII ri VIIIIII110h l-prazer dos monarcas, cobravam
impostos, administravam111IIIIIItI~,~t1II1"11I11Iwlll propriedade
da coroa e mantinham contato dirio com
as1'1111111111111111IO('l1iN'lu estavam sob a jurisdio da coroa.
Contudo, os estados1111111111'1111111111111I1VIIIIIIV
-
14' CHARLES TlLLY os ESTADOS E SEUS CID/lDOS
161i
i.queza de seus sditos. A natureza de sua intermediao diferiu:
consideravelmente
entre dOi.Stipos de regies: as qUedisPu. t' a~ de uma nobreza
nti~a e as do~i~:daspelos aliengenas. Onde a nobreza com rtilhava
com o campsinato a reugrao, aInuua e a tradio (como na ustria e
Bomia), houve algu~a possibilidade de
o ~uma solidariedade regional contra as exigncias da coroa. lJde
os nobres eramestrangeiros (como na poro europia do Imprio Otomano
~m grande parte desua histria), os chefes de aldeia e os ancios
tribais freqenjemente serviram de
ligao entre os cidados locais e as autoridades nacionais'fm tais
regies, ocolapso do irnprio manteve os camponeses, mercadores e
profissionais em contatodireto com o estado (Berend & Rnki
1977: 29-36).
Fossem nativos ou aliengenas, os intermedirios habitualmente
agiram comotiranos em suas zonas prprias de controle. Quando o
sistema chiftlyk substituiu ostimars no territrio otomano, at o
recurso de apelar a tribunais e funcionrios mu-ulmanos desapareceu,
os proprietrios de terra absentestas mf1itas vezes fizerampresses
muito mais severas sobre seus camponeses do que seus antecessores
rni-litares (Roider 1987: 134). Quando o poder central declinou -
como ocorreu demodo geral no decurso do sculo XIX - os proprietrios
de tetras adquiriram umcontrole crescente sobre as questes locais.
Na Bsnia e na Srfvia, no sculo XIX,
os senhores de terra muulmanos acabaram por transformar o, seus
arrendatrioscristos em servos (Donia 1981: 4-5). Em tais
circunstncias, o banditismo cresceudes'medidamente nos Blcs. Em
conseqncia da explorao ptlos intermedirios,uma aliana com o rei
distante ou com seusagentes pareceu muitas vezes uma alter-nativa
atraente iminente explorao; os aldeos apeJaram, ento, aos agentes
reais,apresentaram suas demandas contra os senhores de terra nos
tribunais reais e sauda-ram com alegria a reduo dos privilgios
urbanos. A curto prazo, muitas vezes ga-nharam com essas escolhas.
Mas, a longo prazo, a destruio das barreiras inter-medirias
tornou-os mais vulnerveis prxima etapa de exigncias do
estadogeradas peja guerra.
., O estabelecimento de exrcitos permanentes recrutados, entre a
populaonaonaJ propiciou um forte incentivo ao governo direto.
Embora, durante todo osculo XVIII, continuassem a existir em alguns
exrcitos os soldados alugados, osgovernantes de regies de coero
capitalizada - sobretudo a Frana, a Prssia e aInglaterra-passaram a
evitar, durante o sculo XVII, o engajamento indiscriminadode
exrcitos mercenrios. Os mercenrios apresentavam muitas
desvantagens: n80eram confiveis quando mal pagos, recorriam ao
saque e pilhagem quando noeram vigiados de perto, causavam
distrbios disseminados na hora da desmobiliza-o e custavam muito
caro. O esforo de manuteno de exrcitos em massa empoca de paz,
CO[)10 aconteceu com Frederico Guilherme da Prssia no sculo
XVII,
/69
!.
concesses asseguradas aos guerreiros enquanto continuassem
servindo nas forasarmadas.ps,tiu!-prlis(deteniores da concesso)
extraram da terra os seus prpriosrecursos, cobraram impostos para o
sulto, dirigiram a administrao civil e.controlaram os servos
cristos, mas no tiveram o direito de alienar a terra ou
detr;n~'~iti-Ia aos filhos. Todavia, as guerras dos s~:ia"s XVI e
XVII mat;ram muitos
timarlis, e a exigncia de cobrar impostos em volume cada vez
maior a fim deatender prtica cada vez mais cara da guerra tornou as
concesses menos atraentesaos guerreiros. Os sultes voltaram as suas
vistas para os arrendatrios de impostos,que usaram as vantagens
obtidas para converter em sua propriedade as terras quetributavam.
Diante desse fato, outros grupos pediram e receberam o.direito de
ad-
----".q~i"rj~ e possuir terras que pagassem impostos; os
chiftliks, terras privadas, subs-tituram os limares (Roider 1987:
133-34).
Desse modo, os otornanos inadvertidamente instalaram um sistema
clssicode revemo indiret .Esse sistema, mais t.arde, voltou-se
contra os sditos e os go-v '1'11!1l1l'~, 111virtude 10.poder que
colocou nas mos de guerreiros serni-indepen-ti '[IIUS,NIi Pnz (I
Sisrova ntre imprio otornano e o austraco (J 791), por exemplo,
O" 11I11(~,II[(lN~ 11 uuluncl S l1lilllur s irr'ij[,lnrc:s
111:1Srvinj se viram desempregados.
Assim,111111'1111[[111'~lIqll'nl'lIll\ 11jlojlUlfl o. Jlfll1do~d
sscs homens capturaram aldeias c suas terras c1\lIrIV~11'1111\I[
PIII,.," 'duelc '[11 Iicl'dlldcs prprins, urros SC juntaram a a
vali." rebeldes ouIIljj[lIlir.[\\'l'\v11 hUl1uldtlSo
pllhl\ruJ11lndistimamcnrc os muulmanos pacficos c os cristos.
(Jclavich & Jclavich 1977: 27.)
A autonomia e rapina closjanzaros acabou por obstruir de forma
to sria ogoverno otornano que, em 1826, os soldados cio sulto, a
seu comando, juntaram-se s multides de Constantinopla para
assassinar os remanescentes desse corpo detropa. Os grandes riscos
do governo indireto eram no s o saque feito pelosintermedirios, que
suscitava a oposio a esses por parte da populao em geral,mas tambm
a resistncia da parte dos intermedirios, que estimulava a
recalci-trncia de regies inteiras ao papel nacional.
No entanto, no mais das vezes, os dirigentes locais governaram
de formarelativamente-estvel e compraram uma espcie de proteo para
a populao localmediante o pagamento tempestivo de tributo ao estado
otornano. Nesse nterim, naPrssia os Junkers foram ao mesmo tempo
donos de suas grandes herdades, juzes,comandantes militares e
porta-vozes da coroa, enquanto que na Inglaterra a pequenanobreza,
a grande nobreza e o clero dividiram o trabalho de administrao
civil forada capital. Em circunstncias favorveis, os intermedirios
dotados assim de pode-res atenuaram os efeitos da expanso do estado
sobre a organizao social e a ri-
-
..
" OS ESTADOS E SEUS CIDADOS
. ~..CHARLES TlLLY
sohr 'plljOll 11 .npucidade da maioria dos estados de tributar
as rendas essenciais,sol I'Clllclo diante da concorrncia dos'
detentores de poder regionais. Tais circuns-I, 11'ius '11.ornjarurn
os governantes a instituir administraes militares domsticasp .rmnn
nl 'S c em seguida a recrutar, cooptar e influenciar. Essas etapas
deixaramti' 'Iiltlo' S inlern:;-edirios e abriram caminho passagem
do governo indireto aodir '10,
deroso sistema de crdito, e comunicao.a 'Ionga distnclgque Ihes
permitiraminstituir, em vrios momentos dos sculos
subseqentes.jquase-rnonoplios de
. pedras preciosas, acar, especiarias e fudi;Qvon Greyerz
}.~89).A Reforma Protestante propiciou aos governantes dos.estados
menores uma
esplndida oportunidade de definir a distino e homogeneidade da
sua nao notocante aos grandes imprios, sem falar da chance de
cooptar o clero e seu aparelho
administrativo no servio dos objetivos reais. A Sucia d~*f
primeiro exemplo,colocando 'grandes setores da administrao pblica
rr'~,s.mos. dos pastoresluteranos. (Os historiadores suecos
aindahoje tiram proveito da longa srie deregistros paroquianos,
repletos de informao sobre educao e mudanas de..residncias, que a
partir do sculo XVII esses pastores prepararam fielmente.) Almde
qualquerinfluncia possvel sobre as crenas acerca da le~itimidade do
estado,um clero.participante e unia f comum ligados ao soberano se
transformaram num
poderoso instru rnent de' ~overno.
recrutamento domstico de grandes exrcitos permanentes
reduziuI'IIndCIl1 nte o' custos. Enquanto os mercenrios
desmobilizados tinham poucas
I' .ivindicn es legtimas a fazer a alguns estados, os veteranos
de uma fora nacionalli nhurn muitas, sobretudo na ocorrncia de
qualquer tipo de incapacidade fsica a'servio da na~~ As famlias dos
guerreiros mortos ou feridos, indistintamente,adquiriram alguns
benefcios, como, por exemplo, a preferncia na venda de fumoC fsf
I'OSadministrada pelo estado. O acantonamento de tropas dentro da
regio(;11vai via l:ul1cionrios mil itares e seus congneres civis na
proviso de ali mente, demoradia e na manuteno da ordem pblica. A
sade e a educao de 'todos oshomens jovens, que poderiam afetar a
sua eficincia' militar, acabaram tornando-sebrgncs governamentais.
Assim, a reorganizao militar introduziu uma cunha,
I' prcseruada pela expanso da atividade do estado, no que havia
sido anteriormenteesferas locais e privadas.
Numa das tentativas mais conscientes de construir um poder de
estado, osgovcmantes, durante o processo de instalao do governo
direto, procuraram muitasv zcs hornogeneizar as suas populaes. Do
'ponto de vista do governante, umapopulao lingstica, religiosa e
ideologicamente homognea apresentava o riscod smbclecer uma frente
comum contra as exigncias reais; mas a homogeneizaoencarecia a
poltica de dividir para reinar. Todavia, a homogeneidade
apresentavamuitas vantagens compensatrias: dentro de uma populao
homognea, era maispluusfvel que os cidados comuns se identificassem
com seusgovernantes, a.omunicao podia fazer-se com mais eficcia e
uma inovao administrativa quefuncionava num segmento provavelmente
funcionaria tambm em outros. Alm
diss .cru maior a probabilidade de que aquelas pessoas que
tinham conscincia depcrt ncerem a uma origem comum se unissem
contraasameaas externas. Aspunha, a Frana e outros grandes estados
praticaram periodicamente a homoge-
ncizai 0, oferecendo s minorias religiosas - sobretudo muulmanos
e judeus - apf entre converso e emigrao; em 1492, logo depois de
completada a con-
quistu ele Granada, por exemplo, Fernando e Isabel ofereceram
aos judeus espa-nh iis essa escolha; Portugal seguiu-lhe exemplo em
1497. Diante desse fato, osjudeus exilados da Ibria, os sefaradim,
estabeleceram uma dispora comercial emtodas :lS I' gics ela Europa,
usando as suas conexes vigentes para criar um po-
I
Durante o sculo XVIII, os estados europeus comearam a forar a
escolhaentre lealdades locais e nacionais. Embora iis "reformas" do
Ilurninismo tenham
tido muitas vezes o efeito de fortalecer o governo direto, o
movimento maissensacional nessa direo foi, sem dvida, a obra da
Revoluo e do ImprioFranceses. As aes francesas de 1789 a '1815
favoreceram a transio geral d~-::Europa do governo indireto para o
direto de duas maneiras: oferecendo um model,?de governo
centralizado que outros estados imitaram, e impondo variantes
dessemodelo onde querque a Frana fez conquistas. Mesmo que muitas
das inovaesda poca no governo francs tenham derivado de improvisaes
desesperadas emresposta a ameaas de rebelio e de bancarrota, as
suas formas testadas na luta
persistiram muito alm da Revoluo e do Imprio.O que aconteceu ao
sistema francs de governo durante os anos revo-
lucionrios? Antes de 1789, o estado francs, a exemplo de quase
todos os outrosestados, governava de forma indireta no plano local,
confiando principalmente naintermediao dos padres e dos nobres. A
partir do final da guerra americana, os,esforos do governo para
arrecadar dinheiro que pudesse satisfazer as suas dvidasde guerra
cristalizaram uma coalizo antigovernamental que inicialmente
abrangeuos Parlamentos e outros detentores de poder, mas que mudou
para uma composiomais popular medida que se acentuou o confronto
entre o regime e seus opositores(Cornnincl 1987, Doyle 1986, Egret
1962, Frche 1974, Stone 1981). A evidente
'A REVOLUO FRANCESA.jDO GOVERNO INDIRETO AO DIRETO
170 17/
, '
-
r!
CHAIlLES TILLY OS ESTADOS E SEUS CIDADOS
mesma poca, reformaram o mapa da Frana", transformando-o num
sistema cheiode departamentos, distritos, cantes e comunas, ao
mesmo tempo em que enviavamreprsentarus en missioti para promover a
reorganizao revolucionria. Instalaramo governo direto. "
Alm disso, dada a distribuio espacial desigual das cidades, dos
comercian-tes e do capital, a imposio de uma rede geogrfica
uniforme alterou as relaesentre o poder poltico e o econmico das
cidades, pondo as insignificantes Mende eNiort no mesmo nvel
administrativo que as poderosas Lyon e Bordeaux (LepetitJ 988:
200-37; Margadant J 988a, J 988b; Ozouf-Marignier J 986; Schulz J
982), Emconseqncia, o equilfbrio de foras nas capitais regionais
alterou-se consideravel-mente: nos grandes centros comerciais, onde
negociantes, advogados e profissi mllsj se agrupavam, os
funcionrios de departamento (que muitas vezes pr vieram. tiqualquer
modo, dos mesmos meios, no tiveram outra opo a no ser nc '0
-
r o" ~~ .' ~ ,":. CHIIRLES 71LLY OS ESTADOS E SEUS
CJI)AJ)!iO~
I,;
lI'i!~
dtl il Mold .xpundiu monnemente, e emergiu uma verdadeira
burocracia hierrqui-1'11,No IH'O'('SSO, os I' v lucionrios i
nstalaram um dos primeiros sistemas-de go-vrln ) dil'l'lo 'lu se r
rmou num grande estado.
I\SNIInlrcral caus u mudanas nos sistemas de tributao, justia,
obras p-
hllclIS i outros mais. Consideremos o policiamento. Fora da
regio parisiense, o()SIIl~I()lrnncs
-
CflARLES TILLY OS ESTADOS E SEUS ClDADOS,
chamou-o de volta em fevereiro de 1794. Durante esses seis
meses, Javoaues contouintensarente com suas ligaes existentes,
concentrou-se na represso aos inimigosda Revoluo, agiu em grande
parte com base na teoria de que os padres, os nobrese os ricos
senhores de terra eram os inimigos, negligenciou e estropiou
questesadministrativas como a organizao do abastecimento de
alimentos e deixou atrsde si uma reputao de arbitrariedade e
crueldade.
No obstante, Javogues e seus colaboradores reorganizaram, de
fato, a vidalocal. Ao seguirmos a sua ao no Loire, encontramos
clubes, comits de vigilncia,foras armadas revolucionrias,
comissrios: tribunais e reprsentants eri mission.Percebemos uma
tentativa quase incrvel de estender a ao administrativa diretado
governo central vida quotidiana do indivduo, Reconhecemos a
importnciada mobilizao popular contra os inimigos da Revoluo -
verdadeiros ou imagi-nrios -, que se transformou numa fora que
substituiu os antigos intermedirios.Portanto, conseguimos ter uma
idia do conflito entre dois objetivos do Terror:extirpao dos
opositores da Revoluo e forja dos instrumentos de trabalho
daRevoluo. Descobrimos mais uma vez a grande importncia do controle
dos alimenfos, que se converteu num desafio administrativo, num
ponto de conteno p 1(tica e num incentivo ao popular,
Ao contrrio da antiga imagem de um povo uniforme que acolhe com
prazera chegada de uma reforma h muito aguardada, as histrias
locais da Revoluodeixam claro que os revolucionrios da Frana
estabeleceram o seu poder atravsde luta, e muitas vezes contra uma
obstinada resistncia popular. verdade que amaior parte dessa
resistncia assumiu a forma' muitas vezes da evaso, da trapaa eda
sabotagem ,e no da rebelio aberta. Entretanto, onde as linhas de
falha eramprofundas, a resistncia consolidou-se em contra-revoluo:
a formao de eficien-tes autoridades em substituio quelas designadas
pela Revoluo. A contra-revoluo aconteceu no onde todos se opunham
Revoluo, mas onde diferenasirreconciliveis separavam blocos
bem-definidos de partidrios e oponentes.
O Sul e o Oeste da Frana, mediante processos semelhantes,
produziram asmaiores zonas de contra-revoluo sustentada (Lebrun
& Dupuy 1987, Nicolas1985, Lewis & Lucas 1983). A geografia
das execues durante o Terror forneceum quadro racional da atividade
contra-revolucionria. Entre os departamentos queapresentam mais de
200 execues contam-se: Loire Infrieure (3 548), Seine(2639),
Maine-et-Loire (1 886), Rhne (1880), Vende (1616),
IIIe-et-Vilaine(509), Mayenne (495), Vaucluse (442),
Bouches-du-Rhne (409), Pas-de-Calais(392), Var (309), Gironde (299)
e Sarthe (225). Esses departamentos soresponsveis por 89% de todas
as execues durante o Terror (Greer 1935: 147).Com exceo do Seine e
do Pas-de-Calais, concentraram-se no Sul, no Sudeste e,
um tero de propriedade dos camponeses. De 60 a 80% de todas as
fazendas tinham.menos de cinco hectares (o que significa que uma
grande maioria desses proprie-trios de fazendas trabalhavam parte
do tempo para outros) e um quarto dos chefesde famlia trabalhavam
sobretudo como assalariados agrcolas. Taxas, dzimos,rendas e
direitos feudais atingiam cerca de 30% da renda da terra arrendada
noArtois, e um quinto da terra rural foi a leilo quando a Revoluo
se apropriou daspropriedades da igreja e dos nobres. Em suma, o
capitalismo agrcola estava bemadiantado por volta de 1770.
Nessa regio, os grandes arrendatrios (jermiers) dominavam a
poltica local,mas apenas dentro de limites estabelecidos pelos seus
senhores nobres e eclesis-ticos. A Revoluo, ao extinguir os
privilgios desses patres, ameaou o poder dosarrendatrios. Contudo,
eles sobreviveram ao desafio enquanto classe, quando noenquanto
conjunto particular de indivduos: muitos detentores de cargos
perderams seus postos durante as lutas do comeo da Revoluo,
sobretudo quando aco- '
munidadej estava em pendncia com o seu senhor. No obstante,
foramsubstitu-d s ele forma desigual pela mesma classe de
arrendatrios abastados.Aluta dos assa-larindos e pequenos
proprietrios contra os coqs de village* que Georges Lefebvred
scobriu no Norte adjacente foi menos intensa, ou menos eficiente,
no Ps-de-alais. Embora os grandes fazendeiros, vistos com suspeita
pelas autoridades nacio-
nais, tivessem perdido, durante o Terror e novamente na poca do
Diretrio, partede seu domnio sobre os cargos pblicos, no entanto
recobraram-no mais tarde econtinuaram a governar os seus poleiros
at o meado do sculo XIX. Mais ou menosnessa poca, os nobres e
eclesisticos haviam perdido grande parte de suacapacidade de conter
os detentores de poder locais, mas os manufatureiros,
oscomerciantes e outros capitalistas haviam tomado os seus lugares.
A remoo dosantigos intermedirios abriu caminho para uma nova aliana
entre os grandesfazendeiros e a burguesia.
Sob a liderana de Paris, a transio para o governo direto se deu
de maneirarelativamente suave no Artois. B'm outros lugares, a
mudana foi seguida de uma
luta intensa. A carreira de Claude Javogues, agente da Revoluo
em seu depar-tamento nativo do Loire, demonstra essa luta e o
processo poltico que a suscitou(Lucas 1973). J avogues era um
enorme estivador, violento e beberro, cujos pa-rentes prximos eram
advogados, tabelies e comerciantes em Forez, um regio nomuito
distante a oeste de Lyon. A famlia estava em ascendncia no sculo
XVIII, eem 1789 Claude era um avocat em Montbrison, com trinta anos
e muitas ligaes.Em julho de 1793, a Conveno enviou esse touro
burgus raivoso ao Loire e
I
* Em Francs no texto. "galos de aldeia". Pessoa importante num
lugar determinado. (N. do T.)
176 177
-
OS ESTADOS E SEUS CIDADOSCHARLES TiLLY -
sobretudo, no Oeste. No Sul e no Sudeste, Languedoc, Provence,
Gascony eLyonnais abrigaram insurreies militares contra a Revoluo,
insurreies cujageografia correspondia estreitamente a apoio ao
Federal ismo (Forrest 1975; Hood1971, 1979, Lewis 1978; Lyons 1980;
Scott 1973). Os movimentos federalistascomearam ria primavera de
1793, quando a expanso jacobi na da guerraestrangeira - inclusive a
declarao de guerra Espanha - provocou a resistncia tributao e
conscrio, o que, por seu turno, conduziu a um maior rigor
navigilncia e disciplina revolucionrias. O movimento autonomista
alcanou o augenas cidades comerciais que haviam desfrutado de
extensas liberdades no Antigo
Regime, sobretudo Marseille, Bordeaux, Lyon e Caen. Nestas
cidades e em seusinteriores, a Frana mergulhou numa guerra civil
sangrenta.
No Oeste.jisincurses de guerrilha contra as fortalezas e o
pessoal republi-canos perturbaram a Bretanha, o Maine e a Normandia
de 1791 a 1799, enquantouma aberta rebelio armada rebentava ao sul
do Loire, em partes da Bretagne,deAnjou e de Poitou, comeando no
outono de 1792 e prosseguindo da mesma ma-neira intermitente at que
Napoleo pacificou a regio em 1799 (Bois 1981, Le Goff&
Sutherland 1984, Martin 1987). A contra-revoluo do Oeste alcanou
seu pontomais alto na primavera de 1793, quando o chamado de tropas
pela Repblica preci-pitou a resistncia armada em grande parte do
Oeste. Essa fase assistiu aos massa-cres de "patriotas" e
"aristocratas" (como foram chamados ento os partidrios e"opositores
da Revoluo), invaso e ocupao temporria de cidades importantescomo
Angers e a batalhas regulares entre os exrcitos dos Azuis e dos
Brancos(como eram conhecidos os elementos armados dos dois
partidos).
A contra-revoluo doOesfnasceu diretamente dos esforos dos
fun-cionrios revolucionrios para instalar um tipo particular de
governo direto naregio: um governo que praticamente eliminou os
nobres e os padres de suasposies de intermedirios parcialmente
autnomos, que levou as exigncias porparte do estado de impostos,
fora humana e deferncia esfera das comunidadesde indivduos, bairros
e famlias, que deu ao burgus da regio o poder poltico quenunca
havia tido antes. Ao procurar estender o governo do estado a toda
localidadee desalojar todos os inimigos desse governo, os
revolucionrios franceses deraminfcio a um processo que no cessou
por vinte e cinco anos. "Sob alguns aspectos,no cessou at hoje.
Nes es aspectos, graas a toda a sua ferocidade
contra-revolucionria, o Oesteajust u-se experincia geral da Frana,
Na Frana inteira, os burgueses - no ostonos de grandes
estabelecimentos industriais, em sua maioria, mas
comerciantes,advogados, tabelies e outros que viviam da posse e
manipulao de capital -ganharam fora durante o sculo XVIJI. Por toda
a Frana, a mobilizao de 1789
179
conduziu ao poltica nmeros desiguais-de burgues 'S. unndo IiS
It'VOIucionrios-de Paris e seus aliados das provncias despojaram os
nobres' os plltl! ,'Sde suas posies cruciais de agentes do governo
indireto, as redes cxist 'n~;d!:burgueses passaram a ser as conexes
alter~ati~as" entre o estad c rni Ih'l~qti decomunidades por toda a
regio. Por algum tempo, essas conexes assenlortJ\~~-s(;numa vasta
mobilizao popular atravs de clubes, milcias e comits.
Contud%~~aospoucos-os lderes revolucionrios contiveram ournesrno
suprimiram os seusparceiros turbulentos. Com tentativas e erros, e
lutas, a burguesia dirigente montouum si stem a de governo que se
estendeu diretamente s comunidades locais e passou
sobretudo por administradores que eram teis para o escrutnio e
controle oramen-
trio de seus superiores.Esse processo de expanso do estado se
defrontou com trs enormes obs-
tculos. Primeiro, muitas pessoas viram nele oportunidades de
promover os seusprprios interesses e acertar velhas dvidas da crise
de 1789. Nesse momento, outentaram capitalizar a oportunidade ou
viram suas esperanasbloqueadas porcompetio com outros atores.
Segundo, o imenso esforo da gerra contra amaioria das outras
potncias europias ampliou a capacidade do estado pelo menosde
maneira to grave quanto o fizeram as 'guerras dos reis do Antigo
Regime.Terceiro, em algumas regies as bases polticas dos burgueses
recm-investidoseram frgeis demais para que pudessem apoiar o
trabalho de atrao, conteno,inspirao, comi nao, extrao e mobilizao
desses agentes revolucionrioscolocados em toda a parte; na Frana
ocorreu grande resistncia s solicitaes deimpostos, de conscritos e
de submisso legislao moralizadora, mas, naqueleslocais em que as
rivalidades preexistentes formaram um bloco bem-definido deoposio
burguesia revolucionria, ocorreu freqentemente a guerra civil.
Nessesaspectos, a transio revolucionria do governo indireto para o
direto incorporouuma revoluo burguesa e engendrou uma srie de
contra-revolues antiburguesas.
Fora da Frana, finalmente, a imposio de hierarquias
administrativas deestilo francs a quase todos os locais
conquistados pelo exrcito revolucionrio eimperial conduziu a mais
uma etapa da experincia, instalando o governo direto(mediado,
verdade, por vice-reis e comandantes militares) na metade da
Europa.Muitos estados alemes, quando se mobilizaram contra os
franceses, empreenderamtambm extensos programas de centralizao,
nacionalizao e penetrao (Walker1971: 185-216). Se no final os
exrcitos de Napoleo foram derrotados e os estadosfantoches da Frana
entraram em colapso, a reorganizao administrativa produziuum grande
impacto sobre pretensos estados como a Blgica e a Itlia. Havia
comeado a poca do governo direto.
i=~i
17~
r- ."'
-
CHARLES TlLLY'
EXPANSO DO ESTADO, GOVERNO DIRETO E NACIONALISMO
A expanso mais dramtica da atividade no-militar do estado teve
incio napoca da especializao militar, depois de mais ou menos 1850,
Nesse perodo, quese estende at o passado recente, a organizao
militar, que era um segmentodominante e parcialmente autnomo da
estrutura do estado, adotou uma posiomais subordinada,
transformando-se no maior dos diversos departamentos diferen-ciados
controlados por uma administrao predominantemente civil.
(Evidente-mente, essa subordinao era maior na paz que na guerra,
era maior na Holandaque na Espanha.) A nacionalizao das foras
militares no sculo anterior j haviaimpelido a maior parte dos
estados europeus a negociar com as suas populaes ofornecimento de
con scritos, de meios de 'guerra e de impostos; os i rnensos
exrcitosde cidados, como os das Guerras Napolenicas, suscitaram uma
invaso semprecedentes das relaessociaisdirias por parte do estado
predatrio,
No processo de instalao do governo direto, os estados europeus
passaram-"ao que podemos chamar represso reativa para a proativa,
sobretudo com relaoa s inimigos em potencial fora da elite
nacional. At o sculo XVIII, os agentes dosestados europeus gastaram
pouco tempo tentando antecipar as reivindicaespopulares ao estado,
os movimentos rebeldes, a ao coletiva perigosa ou a disse-minao de
novas organizaes; os seus espies, quando os tinham, concentravam-se
nos ricos e poderosos, Quando ocorria uma rebelio ou "sedio", os
governa-dores convocavam a fora armada o mais depressa que podiam e
puniam de maneirato visvel e ameaadora quanto era possvel imaginar.
Reagiam, mas no atravsde um monitorarnento permanente dos
subversivos em potencial. Com a instituiodo governo direto ocorreu
a criao de sistemas de fiscalizao e relatrios quetornaram os
administradores locais e regionais responsveis pela previso e
preveno de movi mentes que pudessem ameaar o poder do estado ou
o bem-estarde seus principais clientes. As foras de polcia
nacionais penetraram as comu-nidades locais (ver Thibon 1987). A
polcia criminal e poltica generalizou o em-prego de dossis, postos
de escuta, relatrios rotineiros e levantamentos peridicosde
quaisquer pessoas, organizaes ou eventos que pudessem perturbar a
"ordempblica". O amplo desarmamento da populao civil culminou no
refreamentosevero dos militantes e descontentes.
De forma anloga, os estados europeus comearam a monitorar o
conflitoindustrial e as condies de trabalho, a instalar e
regulamentar sistemas nacionaisde educao, a organizar a ajuda aos
pobres e incapacitados, a construir e manterlinhas de comunicao, a
impor tarifas em benefcio das indstrias domsticas edos milhares de
outras atividades que no momento os europeus consideravam
lRO
OS ESTADOS E SEUS ClDADXS
atributs do poder do estado. A esfera de ao do estado ampliou-se
alm de seuncleo militar, e seus cidados passaram a exigir dele uma
gama muito maior deproteo, aplicao de justia, produo e distribuio.
Quando estenderam seusdomnios muito alm da mera aprovao de
impostos.as legislaturas nacionais con-verteram-se nos alvos das
reivindicaes por parte de grupos bem organizados cujosinteresses o
estado afetou ou poderia afetar, O governo direto e a poltica
nacionalde massa se desenvolveram juntos e se fortaleceram entre
sifortemente. --".-.,~'
medida queo governo direto se expandia por'toda a Europa, o
bem-estar, acultura e as rotinas dirias dos europeus comuns
passaram a depender como nuncado estado em que por acaso residiam,
Internamente, os estados forcejaram por imporlnguas nacionais,
sistemas educacionais nacionais, s~~vio militar nacional e
muitasoutras coisas. Externamente, passaram a controlados
movimentos atravs dasfronteiras, a usar as tarifas e taxas
alfandegrias como instrumentos de polticaeconmica e a tratar os
estrangeiros como espcies disti ntas de pessoas merecedorasde
direitos limitados e de estrita vigilncia, Quando-os estados
investiram tanto na
" ..1
guerra e nos servios pblicos quanto na infra-estrutura econmica,
suas economiaspassaram a apresentar caractersticas distintivas, que
mais uma vez diferenciavamas experincias de vida em estados
adjacentes.
Nesse aspecto, a vida hornogeneizou-se dentro dos estados e
heterogeneizou-se entre os estados, Os smbolos nacionais se
cristalizaram, as lnguas nacionai s sepadronizaram, os
mercadosnacionais de trabalho se organizaram, A prpria
guerratornou-se uma experincia homogeneizadora, medida que os
soldados e marinhei-ros representavam toda a nao e a populao civil
sofria privaes comuns e assu-mia responsabil idadescomuns. Entre
outras conseqncias, as caractersticas de-mogrficas passaram a
assemelhar-se dentro do mesmo estado e a diferir cada vezmais entre
os estados (Watkins 1989).
Os ltimos estgios de formao do estado europeu produziram ambos
osfenmenos dspares que agrupamos sob o rtulo de "nacionalismo", O
vocbulodiz respeito mobilizao de populaes que no tm estado prprio
em torno deuma pretenso a independncia poltica; falamos assim de
nacionalismo pales-tinense, arrnnio, gals ou franco-canadense.
Infelizmente, tambm se refere mobilizao da populao de um estado j
existente em torno de uma forte iden-tificao com esse estado;
assim, na Guerra das Malvinas/Falkland de 1982, falamosdo conflito
entre o nacionalismo argentino e o nacionalismo ingls,
Nacionalismono primeiro sentido aparece em toda a histria europia,
quando e onde quer quegovernames de uma determinada religio ou
lngua conquistaram povos de outrareligio aLI lngua, O nacionalismo
no sentido de um compromisso acentuado coma cstratgi a
internacional de estado raramente apareceu antes do sculo XIX, e
nessa
lNI
-
CHARLES TILLY OS ESTADOS E SEUS CIDADOS
.;o
poca surgiu especialmente. no calor da guerra. Tanto a
homogeneizao da.populao quanto a imposio do governo direto
encorajaram essa segundavariedade de nacionalismo.
Ambos os nacionalismos se multiplicaram durante o sculo XIX, de
modo quetalvez fosse melhor inventar um termo diferente para
designar os seus equivalentesanteriores a 1800. Quando as regies de
soberania fragmentada, como aAlemanhae a Itlia, se consolidaram em
estados nacionais de vulto e todo o mapa da Europase cristalizou em
25 ou 30 territrios separados entre si, os dois
nacionalismosincitaram-se um ao outro. Os grandes movimentos de
conquista caracteristicamentederam origem a ambos os nacionalismos,
quando os cidados de estados j exis-tentes viram a sua independncia
ameaada e membros de populaes sem estadomas ligadas sentiram as
possibilidades de extino ou de nova autonomia. QuandoNapoleo e os
franceses se estenderam por toda a Europa, o nacionalismo de
estadonacional cresceu do lado francs e do lado dos estados que a
Frana ameaava; maisou menos na poca em que Napoleo foi derrotado,
contudo, as suas administraesimperiais haviam criado as bases de
novos nacionalismos de ambos os tipos _evidentemente, russo,
prussiano e ingls, mas tambm polons, alemo e italiano-em grande
parte da Europa.
Durante o sculo XX, os dois tipos de nacionalismo se haviam
entrelaadoestreitamente, com um nacionalismo provocando o outro: a
tentativa dos governan-tes de aliciar os seus sditos para a causa
nacional gera resistncia da parte das mi-norias inassimiladas, e a
reivindicao de autonomia poltica por parte das
minoriasno-representadas favorece o compromisso com o estado j
existente por parte da-queles que se beneficiam bastante de sua
existncia. Aps a Segunda Guerra Mun-dial, quando os poderes
descolonizadores comearam a mapear o resto do mundoem estados ci
rcunscritos, recorihecidos e separados entre si, o vnculo entre os
doisnacionalismos se estreitou mais ainda, porque o atendimento
pretenso de umpovo relativamente distinto a seu prprio estado
implicava a rejeio de pelo menosuma reivindicao de outro povo a
esse estado; enquanto a porta se fecha, maispessoas tentam escapar
por da. Ao mesmo tempo, atravs de um pacto internacionalimplcito,
as fronteiras dos estados existentes setornaram menos sujeitas a
alteraop r guerra Oll diplomacia. Mais e mais a nica maneira de os
nacionalismos deminoria alcanarem os seus objetivos atravs da
subdiviso.dos estados existentes,Em UI10s recentes, tais estados
heterogneos, como o Lbano e a Unio Sovitica,~ ntirurn pungentemente
a presso em favor da subdiviso. Sob essa presso, aUni () SoviticlI
explodiu,
ENCARGOSNQ-PLANEJADOS
A luta pelos meios de guerra produziu estruturas de estado que
ningum haviaplanejado criar, nem mesmo particularmente desejado.
Como nenhum govcrnanteou coligao dirigente tinha poder absoluto e
como as classes estranhas coligaodirigente sempre detinham controle
dirio sobre uma parcela expressi va dos recursosque os governantes
extraam para a guerra, nenhum, estado conseguiu fugir cria-o de
alguns encargos organizacionais que os governantes teriam preferido
evitar.Um segundo processo para]elo tambm gerou para o estado
encargos no-planejados:enquanto criavam organizaes ou para fazer
guerra' ou para extrair os recursos deguerra da sua populao - no
apenas exrcitos e marinhas mas tambm escritriosde impostos, servios
alfandegrios, tesouros, administraes regionais e forasarmadas para
desenvolver o seu trabalho entre a populao civil - os
governantesdescobri ram que' as prprias organizaes desenvolveram
interesses, di reitos,emolumentos, necessidades e demandas que
exigiam 'ateno por parte delesp~prios. Falando de
Brandenburgo-Prssia, Hans Rosenberg diz que a burocracia
adquiriu um esprit de corps e desenvolveu uma fora formidvel
suficiente para remodelar osistema do governo sua prpria imagem.
Restringiu a autoridade autocrtica do monarca.'Deixou de ser
responsvel perante o interesse dinstico. Conseguiu o controle da
administra-o central eda ao poltica pblica,
(Rosenberg 1958: vii-vi ii.)
Da mesma maneira, as burocracias desenvolveram por toda a Europa
os seus pr-prios interesses e bases de poder,
A reao aos novos interesses deu origem a mais organizao: lugares
ade-quados para veteranos militares, ordens de nobreza para
funcionrios do estado,escolas de treinamento, tribunais e advogados
que julgam privilgios oficiais, fOI'-necedores de alimento, de
moradi a e de outras necessidades para os agentes do es-tado. A
partir do sculo XVI, muitos estados empreenderam a prpria produo
da-queles materiais decisivos para a prtica da guerra ou para a
arrecadao de receita;numa poca ou noutra, muitos estados fabricaram
armas, plvora, sal, produtos defumo e fsforos para uma ou outra
finalidade.
Um terceiro processo tambm agregou novos encargos ao estado. As
classesque estavam fora do governo acharam que podiam transformar
aquelas instituiesque na origem tinham uma esfera pequena de
atividades em solues de problemasque lhes interessavam seriamente,
mesmo quando esses problemas tinham poucointeresse para os
funcionrios do estado. No intuito de estabelecer as coligaes
182 /83
-
s- .
CHARLES T1LLY OS ESTADOS E SEUS CIDADOS
necessrias para o bom funcionamento de seu trabalho, os
funcionrios tiveram deaceitar a ampliao das instituies. Os
tribunais originalmente concordaram emfazer cumprir o mandado real
segundo o qual as armas e os impostos deviam ser osveculos para o
acerto de disputas privadas, que os regimentos do exrcito
deviamconverter-se em locais adequados para abrigar os filhos
incompetentes da nobreza,que os cartrios de registro criados para
receber taxas em troca de certido dedocurnentos.deyiam.seros locais
de negociao das questes de herana.
A histria da interveno do estado no abastecimento de alimentos
ilustra deque modo trs processos criaram encargos inesperados para
o estado. De vez que oabastecimento urbano de alimentos continuou
sendo um negcio arriscado durantesculos, os funcionrios municipais
que tiveram a principal responsabilidade defiscalizar os mercados,
de procurar ofertas extras em tempos de escassez e garantirque os
pobres conseguissem o suficiente para mant-Ias vivos. As
autoridades dePalermo, por exemplo, enfrentaram um problema
particularmente srio porque osnobres nativos desdenharam o comrcio,
que permaneceu em grande medida nasmos dos comerciantes
estrangeiros. Durante as ameaas de fome do sculo XVII,
.1
exrcitos extensos, quadros administrativos e cidades capital,
por isso mesmo,multiplicaram o nmero de pessoas que no produziam
seu prprio alimento, eaumentaram a demanda de gros fora dos
mercados regionais comuns. Assim, osfuncionrios regionais e
nacionais do estado gastaram grande parte de seu tempoem assegurar
e regulamentar o abastecimento de alimentos.
Sendo devedores dos proprietrios de terras que no aceitavam com
bonsolhos a interferncia do-estado em ..suas operaes, os estados
europeus con-centraram os seus controles.jio na produo, mas na
distribuio. Alguns estadoscomo a Prssia e a Rssia, que cederam
poderes enormes aos proprietrios rurais e
ratificaram a dominao dos camponeses por parte desses senhores
de terras emtroca do fornecimento pelos nobres de servio militar e
administrativo, com issoafetaram profundamente o carter da
agricultura, mas apenas de forma indireta. Aredistribuio das terras
da igreja por parte do estado, como na Frana, na Itlia ena Espanha,
prejudicou consideravelmente a agricultura, mas no levou os
estadosa supervi sionar a produo como tal. Somente no sculo XX,
quando alguns regi rnessocialistas assumiram a produo agrcola e a
maioria dos regimes capitalistasin'tervieram na produo atravs da
manipulao do crdito, dos preos e dosmercados, os estados se
envolveram intensamente nessa meta de abastecimento dealimentos.
Com exceo dos racionamentos em tempo de guerra e das
proibiesocasionais motivadas por programas fiscais ou polticos, os
estados tambm semantiveram afastados do consumo. No entanto, no
plano da distribuio, todos osestados europeus acabaram
envolvendo-se seriamente com a alimentao.
Seguindo decididamente etapas diferentes em partes diferentes da
Europa, ossculos XVI a XIX assistiram expanso interdependente dos
mercados inter-nacionais, ascenso do atacadista de alimentos e ao
aumento do nmero deassalariados que dependiam do mercado de gneros
alimentcios. Desse modo, osadministradores dos estados mantiveram
ern equilbrio as demandas dos fazendei-ros, dos comerciantes de
alimentos, dos funcionrios municipais, de seus prpriosdependentes e
dos pobres urbanos - todos os quais causaram o infortnio do
estadoquando este prejudicou os seus interesses particulares. O
estado e os funcionriosmunicipais desenvolveram a teoria e a prtica
da polcia, nas quais a deteno e apriso de criminosos tinham uma
importncia menor. Antes da proliferao, no s-culo XIX, de foras de
polcia profissionais como as conhecemos hoje, o termo Po-lcia
referia-se administrao pblica, sobretudo no plano local; a
regularizaodo abastecimento de alimentos era o seu componente mais
importante. O grandetratado de Nicolas de Ia Mare, Trait de Ia
Polia, publicado pela primeira vez em
1705. engloba essa concepo dos poderes de polcia do estado ampla
mas
centralizada no alimento.
os cidados de Palerma tinham de portar cartes de identidade a
fim de excluir os estrangei-ros das filas de po. Aqueles que tinham
processos judiciais em Palermo recebiam permissoespecial para
entrar na cidade. mas somente se trouxessem o seu prprio alimento;
lodososdemais estavam sujeitos a serem excludos mediante uma rgida
vigilncia e fiscalizao noporto da cidade. A fabricao de massas
doces algumas vezes era proibida sem exceo, ous era vendido po
velho'para diminuir o consumo. Uma polcia especial devia descobrir
osestoques de trigo escondidos no campo, e para esse ofcio eram
preferidos os espanhis, poisos sicilianos tinham amigos demais a
favorecer e inimigos a prejudicar.
(Mack Smith 1968a: 22l.)
Embora se aplicassem aos cidados, essas regulamentaes impunham
sautoridades onerosos encargos com relao ao seu cumprimento. Quando
no cum-priam as suas obrigaes, os funcionrios municipais
enfrentavam a possibilidadede rebelies com base em coligaes de seus
prprios inimigos com os pobresurbanos. No conjunto, as rebelies no
ocorreram onde as pessoas sentiam maisfome, mas onde o povo via que
os funcionrios deixavam de aplicar os controles-padro, toleravam os
aproveitadores ou, o que era pior, autorizavam o envio a
outraspraas do precioso gro local.
As cidades da maior parte da Europa adotaram regras elaboradas
que proibiamas compras de gro por atacado fora do mercado pblico, a
recusa a vender nomercado o gro armazenado no local, e fixaram um
preo para o po que estavatotalmente fora do preo corrente do
comrcio de gros. Os estados que constituram
J84 /85
-
,. ------',
CHARLES .TIUY OS ESTADOS E SEUS CIDADOS-J
Na verdade, os tratamentos do abastecimento de alimento por
parte do estadovariaram com a natureza do estado e de suas classes
dominantes. Quando construiuum exrcito permanente que era muito
maior em relao sua populao bsica, aPrssia tambm criou armazns e
sistemas de abastecimento para o exrcito, bemcomo incenti vos para
que os gros flussem para as provncias onde o exrcitoestava
concentrado; esse sistema, como quase tudo o mais no estado
prussiano,dependia da cooperao dos proprietrios de terra e da
sujeio do campesinato.Apesar da legislao nacional intermitente
sobre o assunto, a Inglaterra geralmentedeixou o controle prtico do
abastecimento nas mos de seus magistrados locais e
somente interveio ativamente no embarque de gros para fora ou
para dentro dopas inteiro; a revogao das Leis do Milho em 1846
marcou o final do longoperodo em que o estado restringiu a importao
de gros quando os preos noeram muito altos, portanto o perodo em
que o estado protegeu os proprietrios deterra cultivadoresde gros e
seus meeiros contra a concorrncia estrangeira. Na. Espanha, o
esforo administrativo para alimentar Madrid toda cercada de
terras
c._,_dimjn.u.t'l. oferta de aI imentes em grande parte de
Castela e provavelmente retardou
o desenvolvimento de mercados de grande escala em toda a
Pennsula Ibrica(Ringrose 1983).
A crescente ao do estado suscitou uma grande expanso por parte
doaparelho poltico nacional devotado regularizao da circulao de
alimentos,mesmo quando o objetivo confessado dessa poltica era
"libertar" o comrcio degros. Essa poltica, adotada crescentemente
nos sculos XVIII e XIX, consistiaessencialmente em fazer valer o
direito dos grandes comerciantes de embarcaralimentos para aqueles
locais onde poderiam alcanar preos melhores. Asmunicipalidades,
pressionadas pela legislao do estado, acabaram eliminando osantigos
controles. A longo prazo, a produtividade agrcola cresceu e a
distribuiomelhorou o suficiente para reduzir a vulnerabilidade das
cidades, dos exrcitos e
dos pobres escassez de alimentos. Mas, ao longo do processo, os
estados criaramquadros de pessoal especializados em alimentos, no
intuito de vigiar e intervir paragarantir' o fluxo de suprimento
para aqueles cuja ao o estao apreciava ou temia.Indiretamente, a
busca do poder militar levou interveno nos meios de subsis-tncia.
Do mesmo modo, tentativas de adquirir homens, uniformes, armas,
aloja-mento e, acima de tudo, dinheiro para sustentar a atividade
militar impeliu os fun-cionrios do estado a criar estruturas
administrativas que eram obrigados a fiscalizare conservar,
A~ formas ele representao de massa que os governantes
europeusI1C iociurum '0111 seus sditos-agora-cidados, durante o
sculo XIX, envolveramos 'SllIt!OS '111 arcnus L talmcnte novas de
atividade, sobretudo com referncia
produo e distribuio. Tpicos programas polticos burgu 'S 'S
elt-i~' (,N.parlamentos, amplo acesso aos cargos, direitos c),vis -
tornaram-se rrulldudc,Quando os cidados adquiriram direitos
legtimos sobre o estado S udndos por'eleies parlamentares e
legislao parlamentar, os mais bem organizados ntrc ,I 'sexigiram
que o estado agisse no campo do emprego, do comrcio exterior,
daeducao e finalmente de muitas outras coisas. Nas relaes
capital-trabalh osestados intervieram atravs da definio.das greyes
e sindicatos trabalhistasadrnissveis, docontrole de ambos e da
negociao ou imposio de acorelos nosconflitos. No conjunto, os
estados que se industrializaram tarde dedicaram LI maparte maior de
seu aparelho governamental - bancos.itribunais e
administraespblicas - promoo da indstria do que aqueles que saram
rente (Berend &Rnki 1982: 59-72).
A Tabela 4.1 mostra o quanto mudaram os gastos militares.
Durante todosesses anos, o quadro de pessoal do estado noruegus
tambm se expandiu: em 1875,o governo central "empregava cerca de.
doze mil civis, mais ou menos 2% da forade trabalho; em 1920,54 mil
(5%); em 1970,157 mil (10% [Flora 1983: I, 228; vg.r..,
tambm Gran 1988b: 185]). Na Noruega e outros pases da Europa, a
administraocentral, a justia, a interveno econmica e, sobretudo, os
servios sociais, todosaumentaram em conseqncia de negociao poltica
em" torno da proteo, porparte do estado, de seus clientes e
cidados.
Total do Administrao, Economia, ServiosAno governo militar
justia ambiente sociais
1875 3,2 1,1 1,0 0,4 0,31900 5,7 1,6 1,2 1,0 1,21925 6,5 0,9 0,7
0,8 1,81950 16,8 3,3 1,4 3,9 7,41975 24,2 3,2 2,3 6,8 9,5
Fonte: Flora 1983: I, 418, 19.
Tabela 4.1 Gastos do estado em relao ao PNB na Noruega,
1875-1975 (%).
186
o aumento dos servios sociais aconteceu em toda a Europa. A
Tabela 4.2cita como exemplos a ustria, a Frana, o Reino Unido, a
Holanda e a Alemanha,"simplesmente porque Peter Flora reuniu sobre
eles dados comparveis. Nos estadosque adotaram economias planejadas
pelo poder central, como a Unio Sovitica, aproporo da renda
nacional devotada aos servios sociais foi certamente muitomaior. Em
todos os lugares, particularmente aps a Segunda Guerra Mundial,
oestado passou a intervir na sade, na educao, na vida e nas finanas
da famlia.
187
-
CHARLES TrLLY
Tabela4.2 Gastos do estado em servios sociais em relao ao PN8,
1900-1975 (o/Q).
Ano* ustria Frana
~",-.,.- ...1900 _1920 2,0 2,81940 2,3 5,1.1960 7.3 8,91975 10,8
9,2
Reino Unido Holanda Dinamarca "Alemanha"
0,7: .. 1,04,1 3,2 2,7 7,55,3 4,4 4,8 11,19,6 8,7 7,6 14,915,0
17,2 24,6 20,8
* Dados aproximados.Fonte: FIo," 1983: r,348-49.
Como sugerem os prprios nmeros disponveis, todas essas
intervenesgeraram tantos monitoramentos e relatrios que o perodo
que vai de cerca de 1870at 1914 tornou-se a idade de ouro da
estatstica, patrocinada pelo estado, sobregreves, emprego, produo
econmica e muito mais. Assim, os administradores doestado
tornaram-se responsveis pela economia nacional e pela condio
dostrabalhadores num grau inimaginvel um sculo atrs. Conquanto a
extenso e asincronizao dessas mudanas tenham variado violentamente
de uma Rssiaresistente para uma Gr-Bretanha voltil, quase todos os
estados no sculo XIXcaminharam na mesma direo.
GOVERNO MILITAR = GOVERNO CIVIL
Os processos de transformao do estado que estamos estudando
produziramum resultado surpreendente: o controle civil do governo.
O resultado surpreen-dente porque a expanso do poder militar
impulsionou os processos de formaodo estado. Esquernaticamente, a
transformao ocorreu nos quatro estgios dopatrirnonialisrno,
corretagem, nacionalizao e especializao com que agoraestarnos
familiarizados: primeiro, um perodo em que os principais detentores
dopoder eram militares da ativa, os quais recrutavam e comandavam
os seus prpriosexrcitos e marinhas; segundo, o apogeu dos
empresrios militares e dos soldadosmercenrios que se alugavam aos
detentores civis do poder; terceiro, a incorporaoda estrutura rni
litar ao estado com a criao de exrcitos permanentes; e,
finalmente,a mudana para o recrutamento em massa, as reservas
organizadas e os exrcitosde voluntrios bem pagos recrutados
essencialmente entre os prprios cidados doestado, o que por seu
turno gerou sistemas de benefcios para veteranos, fiscalizaopelo
legislativo e direitos dos soldados virtuais e antigos representao
poltica.
J8X
.os ESTADOS E SEUS CIDADOS
Percebemos a transio do patrimoni alisrno para a corretagem na
ascensodos condottieri italianos. A mudana da corretagem para a
nacionalizao comeacom a Guerra de Trinta Anos, que causou o apogeu
e autodestruio de grandesempresrios militares como Wallenstein e
Tilly - que, segundo eu sei, no temqualquer parentesco comigo. Um
sinal dessa mudana aparece, em 1713-14, naeliminao dos coronis
prussianos do negcio das roupas, do qual haviam tiradobelos lucros
(Redlich 1965: Ir, 107). A leve en.masse* da Frana em 1793 e
depoisdessa data assinala a mudana da nacionalizao para a
especializao. Depois de
1850, generalizou-se em outros lug~l~\;~uropa. Mais ou menos no
final doprocesso, as burocracias e legislaturas civis contiveram os
militares, as obrigaeslegais de servio militar estenderam-se com
.relativa igualdade a "todas as classessociais, a ideologia do
profissionalismo mili tar restri ngiu a participao de generaise
almirantes na poltica civil, e declinou enormemente a possibilidade
de umgoverno militar direto ou de um golpe de estado.
Depois de 1850, durante a era da especializao, o controle civil
do governoa~elerou. Em termos absolutos, a atividade militar
continuou a crescer em gastos eem importncia, mas trs tendncias
refrearam a sua importncia relativa. Primeiro,limitado pejas
exigncias concorrentes da economia civil, o pessoal militar emtempo
de paz estabilizou-se em proporo ao total da populao.ao passo que
outrossetores do governo continuaram a expandir-se. Segundo; os
gastos em atividadesno-mi litares aumentou mais depressa do que os
gastos militares. Terceiro, aproduo civil acabou crescendo
rapidamente o suficiente para superar a expansomilitar, resultando
um declnio nos gastos militares em propororenda nacional.A ateno do
governo voltou-se cada vez mais para as atividades e gastos no-
militares.Nos mesmos estados cujos gastos sociais examinamos
anteriormente, o
pessoal militar flutuou em relao populao masculina de 20-44 anos
de idade(ver tabela 4.3). Com variaes importantes devidas a mortes
na guerra e amobilizaes de guerra, nos estados da Europa Ocidental,
em 1970, a proporo desoldados geralmente girava em torno de 5% da
populao masculina com idade de20-44. Em 1984, a porcentagem do
total da populao no servio militar varioucomo segue (Sivard 1988:
43-44):
menos de 0,5%: Islndia (0,0), Luxernburgo (0,2), Irlanda (0,4),
Malta (0,3),Sua (0,3);
~:Em francs 110 texto, "recrutamento macio" o chamamento de
todos os homens vlidos para a defe-sa do pas. (N. do T.)
/89
-
..-CHARLES TIUY
-'
Tabela 4.3 Pessoal militar em relao populao masculina de 20-44
anos deidade, 1850-1970*.
Ano> ustrin Frana Reino Unido Holanda Dinamarca
"Alemanha"
1850 14,5 6,5 4,3 5,4 10,3 4,71875 8,4 7,4 4,5 6,4 6,4 5,91900
6,9 8.8 6,6 3,6 2,8 6,31925 2,5 6,7 4,3 . 1,2 2,3 1,0 '.c..,.:.
:.:
1950 ? 8,4 7,6 12,7 2,3 ?1970 4,2 5,8 4.2 5,3 5,3 4,5
As fronteiras e ide!ltidilde~ desses estados variam
consideravelmente de acordo com os azares da guerra.Fonte: Piora
1983: I, 251-53.
o,~a 0,9%: Dinamarca (0,6), Alemanha Ocidental (0,8), Itlia
(0,9), Holanda(0,7), Noruega (0,9), Espanha (0,9), Reino Unido
(0,6), Polnia (0,9), Rornnia(0,8), ustria (0,7), Sucia (0,8);
1,0 a 1,4%: Blgica (1,1), Frana (1,0), Portugal (1,0),
Tchecoslovquia (1,3),Alemanha Oriental (1,0), Hungria (1,0), URSS
(1 ,4),Albnia (1,4), Finlndia (U),Iugoslvia (1,0);
1,5% ou mais: Grcia (2,0), Turquia (1,6), Bulgria (1,6):
Alguns estados essencialmente desmilitarizados tm agora menos de
0,5% desua populao em armas, e alguns militarizados registram acima
de 1,4%, mas amaioria dos estados europeus esto situados no meio.
Todos esses nmeros - mesmoos das beligerantes Grcia e Turquia -
esto muito abaixo dos 8% de sua populaoque .a Sucia tinha em armas
em seu apogeu at 1710. Alm disso, com altaspropores de suas
populaes fisicamente capazes j em atividade e baixaspropores na
agricultura, os estados europeus enfrentam agora severas limitaesao
nmero de soldados adicionais que podem mobilizar em tempo de guerra
semnecessidade de grandes reorientaes em suas economias.
Nesse meio tempo, as atividades no-militares se estavam
expandindo todepressa que, apesar do grande crescimento dos
oramentos da maioria dos estados,a parcela destinada aos gastos
militares diminuiu. Tomando os mesmos pases denntcs, vamos
encontrar tendncias decrescentes na parcela do oramento
destinadanos gastos mi Iitares mostrada na tabela 4.4. Em todo
estado, a tendncia a longoprazo ' nduziu a uma proporo decrescente
dos gastos na atividade militar.
Nn verdade, eventualmente a renda nacional aumentou mais
depressa do queos UIlSI()Smilitares. Em 1984, a proporo do Produto
Nacional Bruto destinada aosiusros mi litur 'S variou mais ou menos
de acordo com o nmero de homens em1ll'IIIIIS(SivIIl'd 19R8:
43-44):
190
".i ."OS ESTA Dos E SEUS CIDADOS
~. J
l .
Tabela 4.4 'Porcent,!ge~:do orament.do estado destinada aos gs
is.militarcs,- l850-1~.'- ... t.'"
- ,,;~ - . ,;c.: ,Ano= ustria Frana Rein~ Unido Holanda
.Dinamarca "Alemnnhn"
2~,423,2 37,8 34,037,7. '"':_." 7(1,2 26,4 28,9 22,927,8 '1'9,1
15, I 14,2 4,0
. 20,7 24,0 18,3 15,6 13,517,9 1!4,7 /1,3 7,4 6,4
.
185018751900192519501975
7,7
4,9
'"Os dados so muito aproximados.Fonte: Piam 1983: 1,355-449.
menos de 2%: Islndi (0,0), Luxernburgo (0,8), Romnia (1,4),
kifitria (1,2),Finlndia (1,5), Irlanda (1,8),.Malta (0,9);
..,.,.,,"
de 2 a 3,9%: Blgica (3, 1), Dirlam~rca (2,4), Aleri1anha
OcidentaQtS:,3), Itlia'. . ~ -._0. "''''_~'~
(2,7), Holanda (3,2), Noruega (2,9); Portugal (3,5), Espanha
(2,4), Hungria (2,2),Polnia (2,5), Sucia (3,1), Sua (2~2),
Iugoslvia (3,7);
de 4 a 5,9%: Frana (4,1), Turquia (4,5), Reino Unido (5,4),
Bulgria (4,0),Tchecoslovquia (4,0), Alemanha Oriental (4:9), Albnia
(4,4); .. --' - ...
6% ou mais: Grcia (7,2), URSS (11,5).
A igualdade de foras entre os Estados Unidos e a URSS ajudou a
criar essadistribuio dos gastos. Em 1984, os Estados Unidos
gastavam em atividade militar6,4% de seu enormePNB para
equiparar-se aos 11,5% que a Unio Sovitica sacavade sua economia
consideravelmente menor. No obstante, na Europa a tendnciageral era
de decrscimo: propores menores da populao em armas, parcelasmenores
dos oramentos do estado destinadas aos militares, porcentagens
menoresda renda nacional gastas com soldados e armas. Essas mudanas
foram umaconseqncia da conteno organizacional dos militares e no
final acabaram porfortalec-Ia. Em cada passo dado do
patrimonialismo corretagem, da corretagem
nacionalizao e da nacionalizao especializao, ento, foram criadas
novase significativas barreiras para limitar o poder autnomo dos
militares.
Alguns desvios da seqncia idealizada confirmam a sua lgica. A
Espanha ePortugal fugiram do controle civil do governo mediante a
drenagem de receitascoloniais para uma parcela maior dos gastos
militares, continuando a recrutar osoficiais entre a aristocracia
espanhola e os soldados entre as classes mais pobres emantendo os
oficiais militares como representantes da coroa nas provncias
ecolnias (Ballb 1983: 25-36; Sales 1974, 1986). Todos esses fatores
minimizaramo tipo de negociao em torno dos meios de guerra com a
populao que em outros
19/
-
..CHARLES TILLY
locai s estabeleceu direitos e restries. A Espanh a e Portugal
tambm podem tercado na "armadilha territorial.c.a conquista de to
grande nmero de possesses,com relao aos seus meios de extrao, que
os custos administrativos acabarampor absorver os lucros do domnio
imperial (Thompson & Zuk 1986). Assim, sobalguns aspectos, a
Espanha e Portugal anteciparam a situao de muitos
estadoscontemporneos do Terceiro Mundo em que os militares detm o
poder.
Por trs da diferenciao entre a organizao civil e a militar, e da
subordina-o do militar ao civil, existe um problrna geogrfico
fundamental. Na maioria dascircunstncias, a distribuio espacial da
atividade do estado que favorece osobjetivos militares difere
enormemente da distribuio espacial que promove aproduo de rendas.
Enquanto um estado estiver operando num territrio contguoatravs de
conquista e tributao, a discrepncia-so deve ser grande; os
soldadospodem ento servir de fiscais, administradores e cobradores
de impostos. Contudo,alm desse ponto, quatro interesses impelem em
direes diferentes: a colocaodas foras militares entre os locais
provveis de sua atividade e as suas principaisfontes de suprimento;
a distribuio dos funcionrios do estado especializados navigilncia e
controle da populao civil de uma maneira que se coadune com
aintegridade espacial e corresponda distribuio populacional; a
diviso eqitativadas atividades de arrecadao de receitas segundo a
geografia do comrcio, dariqueza e da renda; e, finalmente, uma
distribuio das atividades resultantes denegociao em torno das
receitas que se harmonize com as estruturas espaciais dosparceiros
das negociaes.
Obviamente, a geografia resultante da atividade do estado varia
de acordo coma sua relao com todas essas quatro foras; as marinhas
se concentram em guasprofundas dentro dos limites martimos de um
estado, enquanto os servios decorreio se distribuem em estreita
correspondncia com o conjunto da populao eos departamentos de
administrao central mantm-se ligados entre si. Quantomaior for a
instituio militar, quanto maior for a sua orientao para a guerra
forado prprio territrio do estado e mais extenso for o aparelho de
extrao e o controledesenvolvido para sustent-l o, maior ser a
discrepncia entre as suas geografias emaior ser a distncia entre a
geografia militar ideal e uma que d s foras armadasum controle
dirio substancial sobre a populao civil.
A discrepncia geogrfica estimula a criao de organizaes separadas
paracada atividade, inclusive a diviso da fora armada em exrcitos e
polcia. Adistribuio das foras policiais chega a aproximar-se da
geografia da populaocivil, ao passo que a distribuio das tropas
isola-as dos civis e coloca-as onde exigea estratgia internacional.
Na verdade, o modelo francs divide as foras de terraem trs partes:
os soldados agrupados em guarnies localizadas segundo a
192
1,
os ESTAiJOS E SEUS CIDADOg
convenincia administrativa e ttica; os gendarmes (que permanecem
sob controlemilitar e podem ser mobilizados em tempo de guerra) se
espalham ao longo daslinhas de comunicao e de setores pouco
povoad~s do territrio; e a polciaestacionada nas maiores aglomeraes
do pas. Assi;J;, os soldados patrulham asfronteiras, protegem os
locais de poder naciona('~~ntervm no ultramar, masraramente tomam
parte no controle do crime ou de conflitos civis.
Com exceo das auto-estradas, os gendarmes se.ocupam sobretudo
daquelessetores do territri o que so ocupados, .ern sua maior
parte, pel a propriedade privadae, por isso, gastam a maior parte
do tempo em patrulhar as linhas de comu nicao eatender a chamados
dos civis. A polcia urbana, ao contrrio, ronda os
territriosdominados pelo espao pblico e os locais de propriedade
valiosa no mbito desseespao pblico; correspondentemente, gastam a
maior parte do seu trabalho navigilncia e priso sem a necessidade
de chamado dos civis. Em ltima anlise,alguma diviso geogrfica desse
tipo separa o militarjdo poltico e torna-o depen-dente, em termos
de sobrevivncia, dos civis cujas weocupaes compreendemsade fiscal,
eficincia administrativa, ordem pblica e a observncia das
negocia-es polticas bem como (talvez at em lugar de) eficincia
militar. Essa lgica COm-plexa afetou fortemente a diferenciao
espacial dos estados europeus.
Na verdade, a discrepncia era mais do que geogrfica. Como vimos,
aspessoas que administram a metade civil do estado tm poucas opes a
no ser a eleestabelecer as relaes de trabalho com os capitalistas e
negociar com o restante dapopulao a cesso ele recursos para
expandir as atividades do estado. Na busca dereceitas e de
aquiescncia, os funcionrios criaram organizaes que se
distinguirambastante da instituio militar, e para a maioria das
finalidades se tornaram mais emais independentes dela. Na Europa
como um todo, esses processos no impediramo constante crescimento
dos gastos militares ou mesmo que as guerras se tornassemmais
destrutivas, mas refrearam o poder militar domstico numa extenso
que teriaespantado um observador europeu de 990 d.e. a 1490.
193
-
; !
I;= 7
OS SOLDADOS E OS ESTADOS EM 19921
-.: ..
A IMPROPRIEDADE DO DESENVOLVIMENTO POLTICO
Recentemente, cerca de vinte anos atrs, muitos estudiosos ainda
achavamque, na formao do estado, o Terceiro Mundo iria repetir a
experincia ocidental.A idia de "desenvolvimento poltico", ora
totalmente abandonada, sintetizava aconcepo de um caminho-padro ao
longo do qual o's ~stados se movem rumo auma plena participao e
eficincia, cujo modelo seria, evidentemente, um ou outrodos estados
existentes no mundo ocidental. No tratamento que as grandes
potnciasdo aos estados do Terceiro Mundo e nas disputas' entre os
prprios estudiososocidentais no tocante leitura correta da
experincia do passado (ver Evans &Stephens 1989), a segurana
dos desenvolvimentistas polticos, esfacelada diantedo aparecimento
de modelos alternativos claros como a China, o Japo, a Coria eCuba,
diante do fracasso embaraoso dos esquemas existentes de
desenvolvimentoem antecipar as verdadeiras experincias dos estados
tercero-mundistas, diante daresistncia oposta pelos lderes e
intelectuais do Terceiro Mundo em condescendercom a opinio acadmica
do Ocidente, se volta para a Realpolitik. Desenvolvimen-to poltico,
juntamente com "modernizao", "desenvolvimento educacional" eoutros
slogans expressivos mas ilusrios, est prestes a desaparecer do
vocabulrioanaltico.
Por mais equivocadas que paream agora as antigas anlises, no era
de todoestpido supor que os estados no-ocidentais seriam submetidos
a algumas dasmesmas experincias por que passaram os seus congneres
ocidentais e terminariam
273
-
..CHARLES TlLLY OS SOLDADOS E OS ESTADOS EM'J992
275
variados de dogmatismo e perspiccia, os desenvolvimentistas
polticos disseram
ex atam ente isso.Mesmo os an aI istas h istoricamente sof sti
cados como Cyri IB Iack di vulgaram
modelos que caracterizam sucessivos estgios de desenvolvimento
poltico. Blackdistingui u no menos que sete carni nhos concretos
diferentes de modernizao, queforam ilustrados respectivamente pelo
Reino Unido, Estados Unidos, Blgica, Uru-guai; Rssia, Arglia e
Libria, nessa ordem (Black 1966: 90-94). Mas afirmou que
...lodos os seus vrios exemplos passavam por quatro estgios: um
desafio de moder-nidade, uma consolidao de liderana modernizadora,
uma transformao econ-mica e social e, depois, a integrao da
sociedade. Em suas anlises, a histria prviaafetou a maneira exata
como alguma sociedade particular enfrentou esses desafios.Mas todos
os casos europeus que ele examinou acabaram atingindo essa
integraoda sociedade, depois de cruzarem os trs limiares anteriores
na mesma ordem.
O raciocnio coletivo plausvel apresentava um grande defeito.
Segundo a suapresuno, ex.istia um nico processo modelar de formao
de estado, cada estadopassava pelo mesmo processo interno de
maneira mais ou menos isolada, a expe-rincia ocidental
exernplificava o processo, os estados ocidentais
contemporneoshaviam atingido de modo geral o final do processo e
oproblema era de engenhariasoei aI numa escala muito ampla. O
esforo para testar essas hipteses na construode estados "modernos"
na frica, na sia, na Amrica Latina ou no Oriente Mdiosuscitou
imediatamente algumas dvidas. Os principais detentores de poder se
opu-seram transformao da organizao governamen!al existente ou
distorceram-na,os funcionrios pblicos.usaram o poder do estadopara
satisfazer os seus prprios
objetivos, os partidos polticos se tornaram veculos dos blocos
tnicos ou dosvnculos patro-cliente, as empresas dirigi das pelo
estado entraram em colapso, oslderes carismticos eliminaram a
poltica eleitoral de estilo ocidental, e muitas
outrascaractersticas dos estados de Terceiro Mundo contestaram os
modelos ocidentais.
Modelos ocidentais? Com efeito, as anlises padronizadas de
"desenvolvi-mento poltico" tambm interpretaram de modo errado a
experincia europia daqual provieram ostensivamente. No todo,
apresentaram-no como um processoconsciente de soluo de problemas
que passou por uma srie de estgios-padrogerados internamente e
acabou produzindo estados maduros e estveis. Pra A. F.
K. Organski (1965: 7), os estgios foram:
i.-.por se lhes assemelharem muito mais. A exemplo de recentes
colnias de vriaspotncias do Ocidente, uma grande maioria de estados
recm-independentescomearam as suas trajetrias de vida com
organizaes formais criadas a partirdos modelos ocidentais e
incorporaram partes expressivas do aparelho colonial. Os
lderes polticos formados no Ocidente procuraram,
conscientemente, instalaradministraes, parlamentos, partidos,
exrcitos e servios pblicos, todosinspirados nos modelos ocidentais.
__ ... _. _
E, o que mais digno de nota, eles o anunciaram; os lderes do
Terceiro Mundodeclararam que modernizariam os seus pases,
desenvolv-los-iam politicamente.As principais potncias do Ocidente
ajudaram-nos ativamente, fornecendo-lhesperitos, modelos, programas
de treinamento e recursos financeiros. Enquanto oJapo se recuperava
de suas perdas na Segunda Guerra Mundial e a China eraconsurnida
por suas lutas internas, no havia nenhum outro modelo disponvel.
Asopes pareciam ser o socialismo tipo sovitico ou o capitalismo
tipo americano,sem quaisquer outras trajetrias viveis de formao de
estado fora desse.s doisextremos. A gama toda reproduzia uma ou
outra verso da experincia americano-europia. Falando da sia do
Sudeste em 1960, declarava Lucian Pye que
'rf
I
o tema dominante da sia do Sudeste o esforo dos lderes desses
novos pases para criarestados- nao modernos a partir de suas
sociedades de transio. Esses lderes incumbiram sua populao a tarefa
de estabelecer instituies representativas de governo e
desenvolvermodos mais produtivos de vida econmica. Embora no falte
entusiasmo por essas metas, difcil avaliar as suas possibilidades
de realizao, pois ainda no fcil discernir as linhasgerais dos
sistemas polticos e sociais que se esto desenvolvendo na sia do
Sudeste. A pos-sibilidade de fracasso grande, e os lderes e cidados
podem perturbar-se com as suas pr-
-pria~ d_9.vidas.J a tendncia a prticas mais autoritrias est
disseminada: por exemplo, osexrcitos esto comeando a desempenhar
papis que originariamente estavam reservados aospolticos
democratas.
(Pye 1960: 65-66.)
Observem a linguagem: fala da construo de algo cujas
caractersticas somuito bem conhecidas numa situao que no
compreendem muito bem, e deameaas ao empreendimento. O "algo" a
construir era um estado nacional eficientea partir de um modelo
ocidental. Na verdade, Pye percebeu a possibilidade de quealgo
totalmente diferente poderia emergir na sia do Sudeste, mesmo que
os seuslderes possam insistir em algo diferente. A maioria dos
lderes dos estados recm-independentes realmente declararam que esto
buscando um terceiro caminho, pelomenos vagamente socialista, em
algum lugar entre o Cila americano e o Caribderusso. Mas os estados
ocidentais existentes definiram a escala da opo. Com raus
274
J. a poltica ele unificao inicial;2. a poltica de
industrializao;.'I. li poltica de bem-estar nacional;-/. li policn
de [urturu.
-
CHARLES T!LLY
o esquema caracterstico de Organski condensou em seu primei ro
estgio umagrande poro da experincia terceiro-mundista, mas depois
delineou um caminhoque conduziu nitidamente ao mundo europeu
existente e suas extenses.
De modo semelhante, 'um grande nmero de analistas paI ticos
imaginaramque a transio para a modernidade passava de uma condio de
equilbrio _sociedade tradicional, ou 'algo desse tipo - para outro
equilbrio, moderno, superior.No meio, segundo essa linha de
argumentao, fica a turbulncia da mudana socialrpida. Como a mudana
social est acontecendo com uma rapidez muito maior ~osculo XX do
que antes, os novos estados esto experimentando maiores tensesque
seus antecessores europeus. Assim, os estados do Terceiro Mundo
correm orisco de um conflito domstico e estrangeiro simultneo, um
estimulando o outro(ver Wilkenfeld 1973). Contudo, acabariam
aprendendo a conter o conflito e a rea-lizar um governo' estvel de
tipo moderno. Assim , pelo menos, o que ensinavagrande parte _da
literatura sobre desenvolvimento poltico,
A partir da dcada de 1960, uma leit~r~ mais clara da experincia
ocidentalevidenciou a inadequao dessas hipteses. Este livro
apropriou-se sofregamentedo fundo subseqente de conhecimento e
reinvestiu a acumulao nurnareinter-pretaoda histria dos estados
ocidentais. Nos captulos anteriores, vimos comque amplitude as
trajetrias de formao dos estados europeus variaram em funo"da
geografia da coero e do capital, da organizao dos principais
detentores depoder e da presso dos outros estados. Examinamos de
que modo uma longa sriede lutas desiguais entre os governantes, os
outros detentores de poder e os cidadoscomuns criou instituies
estatais especficas e reivindicaes ao estado. J referi-mos o quanto
a convergncia organizacional final dos estados europeus resultou
daconcorrncia entre eles, tanto dentro da Europa quanto no resto do
mundo. Teste-munhamos o profundo impacto da guerra, e dos
preparativos da guerra, sobre. outrosaspectos da estrutura de
estado. Todas essas observaes induziram as concluses- vagas mas
teis - de que a formao dos estados terceiro-mundistas deveria
serdistintivamente diferente e.de.que a mudana de relaes entre a
coero e o capi taldeveria fornecer indicaes sobre a natureza dessa
diferena.
De que forma a experincia contempornea diferiria da do passado
europeu?Depois de sculos de divergncias entre as diversas
trajetrias de formao deestado - a de grande inverso de capital, a
de intensa aplicao de coero e a decoero capitalizada -, os estados
europeus comearam a convergir alguns sculosatrs; a guerra e a
influncia mtua causaram essa convergncia. Contudo, emboraII
experincia colonial compartilhada tenha imposto propriedades comuns
a muitosestados do Terceiro Mundo, at agora no ocorreu qualquer
homogeneizao entreeles. Ao contrrio. Todo estudioso da formao
europia do estado dificilmente
276
'"
OS SOLDADOS E OS ESTADOS EM 1992
pode deixar de observar a atual diversidade dos estados do
Terceiro Mil 11(10. fi di-versidade indica alguma categoria que
abrange tanto a imensa e anu fi ,hinnquanto o diminuto e.novssimo
Vanuatu, tanto a rica Cingapura quanto O puuprri-mo Chade;
improvvel que possamos generalizar sobre um conjunto t hetero-gneo
de experincias. Alm disso, nem todos os estados do Terceiro Mundo
soestados "novos", qualquer que seja o esforo de imaginao. A China
e o Japo'figuramentre osestados mais velhos do mundo que tiveram
uma existncia con-tnua, o Sio/Tailndia tem sculos .de..vida e a
maioria dos estados latino-ame-ricanos obtiveram a sua independncia
formal durante as Guerras Napolenicas.Mantm boas relaes com estados
formados a partir de 1945, princi palmente narecente participao
como membros plenos no sistema de estados criado e definidopelas
lutas europias.
Observemos mais de perto, no entanto: exatamente o que
heterogneo acercados estados de Tercei ro Mundo?No tanto as suas
estruturas organizacionais quantoas relaes entre os cidados e os
estados. Com efeito, as caractersticas de organi-zao formal dos
estados do mundo convergiram viVidamente no decurso mais oumenos do
ltimo sculo; a adoo de um ou outro.modelo ocidental passou a serum
pr-requisito virtual para o reconhecimento por parte dos membros
mais antigosdo sistema de estado. Os atuais 160 e tantos estados
reconhecidos esto dentro deum espectro organizacional muito mais
estreito do que os 200 e tantos estadoseuropeus de 1500, que
compreendiam cidades-estado, cidades-imprios, federaes,reinos,
imprios territoriais e outros. Com exceo das federaes
relativamentecentralizadas e dos reinos bastante diludos, todas
essas formas polticas outroraabundantes desapareceram. Aps 1500,
tanto as presses da guerra de grande es-cala quanto as negociaes da
paz em grande escala empurraram os estados parauma nova forma de
organizao: o estado nacional. O deslocamento da formao"interna" do
estado para a "externa", que predominou na Europa, persistiu at
osdias de hoje e imps aos estados uma definio comum em partes muito
diversasdo mundo. As estruturas de estado contemporneas, no sentido
estrito, assemelham-se entre si na criao de tribunais,
Jegislaturas, burocracias centrais, administraesde campo, exrcitos
permanentes, foras de polcia especi aiizadas e uma srie deservios
pblicos; mesmo as diferenas entre economias socialistas,
capitalistas emistas no eliminam essas propriedades comuns.
No entanto, tais organizaes formalmente semelhantes de modo
nenhumfuncionam da mesma maneira. As diferenas residem tanto no
funcionamentointerno dos tribunais, das legislaturas, das rep