i TIAGO OLIVEIRA Trabalho e Padrão de Desenvolvimento: uma reflexão sobre a reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro Campinas 2015
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TIAGO OLIVEIRA
Trabalho e Padrão de Desenvolvimento: uma reflexão sobre a
reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro
Campinas 2015
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
TIAGO OLIVEIRA
Trabalho e Padrão de Desenvolvimento: uma reflexão sobre a
reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro
Prof. Dr. Marcelo Weishaupt Proni – orientador
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: Economia Social e do Trabalho.
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO TIAGO OLIVEIRA E ORIENTADO PELO PROF. DR. MARCELO WEISHAUPT PRONI.
CAMPINAS
2015
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TESE DE DOUTORADO
TIAGO OLIVEIRA
Trabalho e Padrão de Desenvolvimento: uma reflexão sobre a
reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro
Defendida em 27/02/2015
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Para meu filho, Theo.
Na esperança de que ele possa desfrutar de um País mais justo e solidário.
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AGRADECIMENTOS
Ao professor Marcelo Proni, pela confiança, apoio e orientação na elaboração desta tese, sempre
sereno, atento e rigoroso.
Aos professores Paulo Baltar, Márcio Pochmann, Antonio Prado e José Celso Cardoso Júnior,
membros da comissão julgadora e referências pessoais na lida com a “ciência triste”, pelos
comentários, críticas e sugestões que muito enriqueceram este trabalho.
Aos professores José Carlos de Souza Braga, Simone Silva de Deos, Wilson Cano, Ricardo
Carneiro, Pedro Paulo Zahluth Bastos, Claudio Salvadori Dedecca, Eduardo Mariutti, Fernando
Nogueira da Costa, André Biancarelli, Fernando Sarti, Célio Hiratuka e Francisco Luiz Lopreato,
pelas aulas ministradas no Instituto de Economia da Unicamp, de importância capital para a
minha formação intelectual.
Aos amigos e amigas da Unicamp Leonardo Bispo, Thiago Mandarino, Marina Sequetto, Olívia
Mattos, Beatriz Mioto, Francisco Lima Junior, Paulo Van Noije, Rita Kallabis, Tulio Chiarini,
Fernando Chafim, Pedro Loureiro, Leon Egidio e Ítalo Martins, pelos papos descontraídos, pelos
chopps e petiscos, fundamentais para a minha estadia em Campinas.
Aos amigos e amigas Frederico Lopes de Almeida, Taíssa Dagher, Ana Cláudia Farranha,
Cláudia Couto, Elízio Costa, Reginaldo de Carvalho, Eunice Léa de Moraes, Viviane Cesário,
Liza Uema, Luciano Maduro, Antônio de Pádua Melo Neto, Ricardo Martins, Daniella Campos,
Pedro Tupinambá, Naira Fonseca, Kenys Machado, Clarissa Machado, Cleyton Barros, Marcelo
Galiza, Andréa Barreto, Vagner Mesquita, Cledson Mesquita, Fernanda Olivaes e Nayara Del
Rey Eça, por tornarem esta caminhada mais leve.
Aos companheiros e companheiras do DIEESE, instituição a qual muito devo da minha formação
intelectual, Clóvis Scherer, Lílian Marques, Max Leno, Antônio Ibarra, Laender Batista,
Alexandre Ferraz, Fiorella Macciavello, Yonaré Barros, Ana Paula Mondadore, Juliano Musse,
Terrânia Bispo e Alessandra Cadamuro, pelas conversas, formais e informais, que, além de
prazerosas, em muito enriqueceram a minha forma de ver e interpretar o Brasil, a América Latina
e o mundo.
À Aninha, minha companheira de vida, pela paciência, compreensão e apoio incondicional. Sem
ela, este trabalho jamais teria sido concluído.
À minha mãe, pelo carinho e por ter me tornado uma pessoa íntegra, questionadora e capaz.
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xi
“Em matéria econômica, as ideologias costumam seguir com atraso os
acontecimentos, ou mesmo sobreviver por muito tempo a eles.”
Raúl Prebisch - O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns
de seus Principais Problemas, 1949.
“É indispensável não esquecer que uma teoria só se justifica quando nos arma para
conhecer a realidade e atuar sobre ela.”
Celso Furtado - Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, 1961.
xii
xiii
RESUMO
O estudo ora apresentado pretende colocar em discussão o significado do processo atual de
reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro, iniciado em 2004, destacando seus principais
elementos, determinantes e obstáculos. De modo mais específico, as reflexões presentes nesta
tese de doutorado têm como objetivos: a) analisar de que forma a adoção de um novo padrão de
desenvolvimento condicionou a dinâmica do mercado de trabalho brasileiro e a sua nova
configuração; b) ponderar acerca dos limites intrínsecos à estratégia de crescimento neoliberal na
tarefa de superar os traços persistentes de subdesenvolvimento do mercado de trabalho brasileiro;
c) e, finalmente, examinar se a reconfiguração em curso representa uma tendência à superação
dos problemas estruturais deste mercado de trabalho.
Assim sendo, defende-se que, muito embora o excedente de mão de obra, a informalidade, os
baixos salários, a alta rotatividade e a desigualdade de rendimentos continuem sendo problemas
crônicos, os determinantes estruturais da organização e funcionamento do mercado de trabalho se
alteraram decisivamente no capitalismo contemporâneo. Além do mais, a nova divisão
internacional do trabalho, as tendências de polarização e precarização do mercado de trabalho e
de flexibilização das relações de emprego na Europa alteraram os termos do debate sobre a
estruturação do mercado de trabalho e o padrão de emprego desejado, assim como da discussão
sobre as políticas necessárias para a solução dos referidos problemas.
Nesse contexto, trava-se no Brasil uma disputa entre dois discursos distintos no que tange ao
tema “desenvolvimento e mercado de trabalho”: o discurso neoliberal e o social-
desenvolvimentista, derivando de cada um deles diferentes implicações sobre a dinâmica do
mercado de trabalho. Diante desse debate, argumenta-se que a estratégia de crescimento
neoliberal é incapaz de enfrentar os problemas crônicos inerentes a um mercado de trabalho
subdesenvolvido como o brasileiro.
Ao final do presente estudo, espera-se ter reunido argumentos para discutir a seguinte hipótese: a
superação dos traços herdados do passado (responsáveis pela reprodução da pobreza extrema e
das desigualdades socioeconômicas) e a consolidação de um mercado de trabalho condizente com
a nova inserção do País na economia mundial e com os avanços no campo da cidadania e dos
direitos sociais dependem, em última instância, da viabilidade de sustentação do novo padrão de
desenvolvimento gestado na década passada.
Palavras-chaves: mercado de trabalho, desenvolvimento e subdesenvolvimento, neoliberalismo.
xiv
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ABSTRACT
The study presented here discusses the meaning of the current process of reconfiguration of the
Brazilian labor market, started in 2004, highlighting its main elements, determinants and
obstacles. More specifically, this doctoral thesis has the following objectives: a) to analyze how
the adoption of a new development pattern conditioned the dynamics of the Brazilian labor
market and its new setting; b) to identify the intrinsic limitation of a neoliberal growth strategy to
overcome the persistent characteristics of underdevelopment of the Brazilian labor market; c) and
finally to examine whether the ongoing reconfiguration has the potential to overcome the
structural problems of the labor market.
Therefore, it is argued that, although the labor surplus, informality, low wages, high turnover and
income inequality continue to be chronic problems, the structural determinants of the
organization and functioning of the labor market have changed decisively in contemporary
capitalism. Moreover, the new international division of labor, the trends of polarization and
precarious labor market and flexibilization of the labor relations in Europe changed the terms of
the debate about the structure of the labor market and the intended job patterns, as well as the
discussion on the policies needed to solve those problems.
In this context, in Brazil two different discourses regarding the theme "development and the labor
market" are in dispute: the neoliberal and the social-developmentalism, each one with
implications for the dynamics of the labor market. Given this debate, it is argued that the
neoliberal growth strategy is unable to address the inherent chronic problems of an
underdeveloped labor market as is the Brazilian.
This study gathers arguments to discuss the following hypothesis: overcoming the inherited traits
of the past (responsible for the reproduction of extreme poverty and socioeconomic inequalities)
and the consolidation of a consistent labor market with the new insertion of the country into the
global economy and the advances in the field of citizenship and social rights depend, ultimately,
on the new development pattern conceived in the last decade.
Keywords: labor market, development and underdevelopment, neoliberalism.
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xvii
LISTA DE TABELAS
Quadro 01 – Estruturas de Regulação do Trabalho e da Renda 31
Quadro 02 – Medidas de Flexibilização do Mercado de Trabalho nas Décadas de 1980 e 1990 62
Quadro 03 – Comparação Metodológica entre a PED e a PME 117
Quadro 04 – A Segurança do Trabalho nos Países Desenvolvidos 184
Quadro 05 – Tendências do Mercado de Trabalho Brasileiro Desde os Anos 1990 190
Quadro 06 – Principais Condicionantes dos Padrões de Desenvolvimento 200
xviii
xix
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 – Taxas de Desemprego Aberto Urbano, América Latina e Países Selecionados,
1990/1995/1999/2002
64
Gráfico 02 – Indicadores da Evolução da Estrutura do Emprego e da Proteção Social, América
Latina e Caribe, 1990-2002
65
Gráfico 03 – Evolução da Taxa de Desemprego, Brasil, 1992/2003 126
Gráfico 04 – Evolução da Taxa de Desemprego, por Tipo de Desemprego, Região Metropolitana
de São Paulo, 1989/2003
128
Gráfico 05 – Evolução do Salário Mínimo Real, Brasil, Períodos Selecionados 133
Gráfico 06 – Evolução do Rendimento Médio Real dos Ocupados, Região Metropolitana de São
Paulo, 1991-2003
134
Gráfico 07 – Variação Real Anual do PIB, Brasil, 1998/2014 141
Gráfico 08 – Reajustes Reais e Evolução do Valor Real do Salário Mínimo, Brasil, Maio de
1995 a Janeiro de 2014
144
Gráfico 09 – Evolução das Vendas no Comércio Varejista Ampliado e da Produção na Indústria
de Transformação, Brasil, Dezembro de 2004 a Dezembro de 2014
145
Gráfico 10 – Evolução da Taxa de Desocupação e do Crescimento do PIB, Brasil, 2001-2013 152
Gráfico 11 – Evolução da Taxa de Desocupação, Regiões Metropolitanas, janeiro/2008-
dezembro/2014
153
Gráfico 12 – Evolução da Taxa de Desocupação, da População Economicamente Ativa, do
Número de Ocupados e de Desocupados, Brasil, 2002-2013
157
Gráfico 13 – Evolução da População Economicamente Ativa, do Número de Ocupados e da
Taxa de Crescimento do PIB, Brasil, 2002-2013
160
Gráfico 14 – Evolução da Taxa de Atividade, Segundo o Gênero, Brasil, 2001-2013 161
Gráfico 15 – Evolução da Taxa de Atividade, Segundo Faixa Etária, Brasil, 2001-2013 162
Gráfico 16 – Variação Anual Média da Ocupação, por Setores da Atividade Econômica, Brasil,
2001-2013
163
Gráfico 17 – Distribuição Relativa da Ocupação, por Setores da Atividade Econômica, Brasil,
2001
164
Gráfico 18 – Distribuição Relativa da Ocupação, por Setores da Atividade Econômica, Brasil,
2013
164
Gráfico 19 – Distribuição Relativa da Ocupação, Segundo Posição na Ocupação, Brasil, 2013 165
xx
Gráfico 20 – Evolução do Estoque de Empregos Formais e do seu Índice de Crescimento, Brasil,
1994-2013
167
Gráfico 21 – Criação Média Anual de Empregos Formais em Períodos Selecionados, Brasil,
1995-2013
168
Gráfico 22 – Variação do Emprego Formal e do Produto Interno Bruto, Brasil, 1995-2013 168
Gráfico 23 – Variação do Emprego Formal por Tipo de Vínculo Empregatício, Brasil, 1994-
2013
169
Gráfico 24 – Evolução do Grau de Informalidade do Mercado de Trabalho, Brasil, 1995-2013 170
Gráfico 25 – Percentual de Contribuintes da Previdência Social no Trabalho Principal Ocupada
na Semana de Referência, Brasil, 2001-2013
171
Gráfico 26 – Distribuição relativa dos empregos segundo faixas de salários mínimos, Brasil,
1995-2013
174
Gráfico 27 – Taxa de Rotatividade no Mercado Celetista, Brasil, 2003-2013 175
Gráfico 28 – Evolução do Rendimento Médio Mensal Real dos Ocupados, Brasil, 2001-2013 176
Gráfico 29 – Evolução do Rendimento Médio Mensal Real dos Ocupados, do Salário Mínimo e
do PIB, Brasil, 2004-2013
177
Gráfico 30 – Distribuição dos reajustes salariais e valor do aumento real médio, em comparação
com o INPC-IBGE, Brasil, 2008-2014
178
Gráfico 31 – Evolução do Coeficiente de Gini, Brasil, 2001-2013 179
Gráfico 32 – Evolução da Proporção de Domicílios Extremamente Pobres e Pobres, Brasil,
2001-2013
179
xxi
SUMÁRIO
Introdução 1
PARTE I 7
Capítulo 1 - Subdesenvolvimento e Mercado de Trabalho 9
1.1. Desenvolvimento e subdesenvolvimento 9
1.2. Heterogeneidade estrutural, insuficiência dinâmica e o padrão de desenvolvimento
latino-americano 17
1.3. O mercado de trabalho em economias subdesenvolvidas 30
Capítulo 2 - Trabalho e Padrões de Desenvolvimento no Capitalismo Contemporâneo 39
2.1. Mercado de trabalho e regulação do emprego no centro do capitalismo 40
2.2. A reconfiguração do trabalho na ordem capitalista contemporânea 49
2.3. Padrões de desenvolvimento e mercado de trabalho na América Latina 58
PARTE II 75
Capítulo 3 - A Estruturação Distorcida do Mercado de Trabalho (1930-1980) 77
3.1. Conformação e estruturação do mercado de trabalho urbano 78
3.2. Problemas crônicos do mercado de trabalho brasileiro 87
Capítulo 4 - Deterioração e Estreitamento do Mercado de Trabalho (1981-2003) 111
4.1. Estagnação, informalidade, erosão salarial e direitos do trabalho 112
4.2. O modelo neoliberal e a desregulação do mercado de trabalho 123
xxii
Capítulo 5 - A Reconfiguração do Mercado de Trabalho (2004-2014) 139
5.1. Estrutura e dinâmica recente do mercado de trabalho brasileiro 140
5.1.1. O cenário macroeconômico 140
5.1.2. A nova dinâmica do mercado de trabalho 151
5.2. O sentido da reconfiguração do mercado de trabalho e os condicionantes atuais 181
Conclusão: Padrão de Desenvolvimento e Mercado de Trabalho no Brasil 203
Referências 229
Artigos em Periódicos Não Especializados 247
1
Introdução
Nos últimos anos, houve um acalorado debate nos principais veículos de comunicação a
respeito das novas tendências do mercado de trabalho no Brasil, em particular, no que se refere
aos efeitos inflacionários da proximidade do pleno emprego e à necessidade de aumentar a
qualificação dos trabalhadores para incrementar a produtividade do trabalho e a competitividade
da economia nacional. Aparentemente, os problemas estruturais que marcavam o mercado de
trabalho brasileiro até o início da década passada, tais como o desemprego de longa duração, a
elevada informalidade e os baixos salários, teriam sido superados ou estavam sendo
equacionados. Nesse sentido, não haveria mais razão para falar em excedente estrutural de mão
de obra, seja por causa do avanço da urbanização e da ampla oferta de oportunidades
ocupacionais, seja por causa da evidente mudança na dinâmica demográfica. Contudo, vários
especialistas têm mostrado que os problemas relacionados com essa força de trabalho excedente e
com a heterogeneidade da estrutura produtiva continuam a caracterizar o mercado de trabalho
nacional, sendo equivocado falar em pleno emprego, e argumentam que é necessário manter as
políticas que possibilitaram os avanços obtidos e fortalecer os mecanismos para a geração de
empregos de qualidade, a ampliação da produtividade média e a elevação dos salários de base.
Procurando contribuir para o entendimento das tendências em curso, o estudo ora
apresentado pretende colocar em discussão o significado do processo atual de reconfiguração do
mercado de trabalho brasileiro, iniciado em 2004, destacando seus principais elementos,
determinantes e obstáculos. De modo mais específico, as reflexões presentes nesta tese de
doutorado têm como objetivos: a) analisar de que forma a adoção de um novo padrão de
desenvolvimento condicionou a dinâmica do mercado de trabalho brasileiro e a sua nova
configuração; b) ponderar acerca dos limites intrínsecos à estratégia de crescimento neoliberal na
tarefa de superar os traços persistentes de subdesenvolvimento do mercado de trabalho brasileiro;
c) e, finalmente, examinar se a reconfiguração em curso representa uma tendência à superação
dos problemas estruturais deste mercado de trabalho.
2
Para realizar esta reflexão, este estudo está dividido em duas partes.
Inicialmente, é fundamental considerar as especificidades de um mercado de trabalho
subdesenvolvido, estruturado com base em um desenvolvimento capitalista que ocorreu
tardiamente com relação às experiências nacionais dos países desenvolvidos e organizado
mediante uma frágil regulação pública. Assim, reconhece-se que a formação e o desenvolvimento
das economias subdesenvolvidas moldaram estruturas econômicas profundamente heterogêneas,
cujos avanços do progresso técnico nos setores líderes pouco se difundiram pelo tecido
produtivo, convalescendo a sua capacidade de oferta de postos de trabalho em camadas técnicas
de alta produtividade. Esta condição, aliada a um excedente estrutural de mão de obra, impõe a
estas economias uma insuficiência dinâmica, que se manifesta na impossibilidade de empregar
uma ampla parcela da população ativa, a qual precisa se inserir no mercado de trabalho por meio
de ocupações de produtividade reduzida, com baixa remuneração e ao largo das relações de
trabalho assalariadas.
Ademais, o padrão de desenvolvimento capitalista na periferia exigiu uma elevada
concentração da renda no topo pirâmide distributiva, como forma de possibilitar o acesso de uma
parcela da população ao consumo de duráveis, ao tempo que foi incapaz de forjar uma estrutura
ocupacional que assegurasse para amplos contingentes um patamar mínimo de segurança no
emprego. Estas são as questões que norteiam a reflexão realizada no capítulo 1.
As transformações capitalistas contemporâneas, delineadas a partir dos anos 1970, e a crise
da dívida externa na América Latina, na década seguinte, colocaram em xeque o padrão de
desenvolvimento vigente na periferia latino-americana desde os anos 1930. Desse modo,
testemunhou-se nesses países a ascensão do pensamento neoliberal, que ancorado em uma agenda
de liberalização dos mercados, prometia mitigar o passivo econômico e social herdado do período
desenvolvimentista. Porém, conforme se discute no capítulo 2, os problemas dos mercados de
trabalho latino-americanos foram amplificados (ao invés de equacionados), à medida que se
consolidou a aplicação da agenda neoliberal no continente.
Os capítulos 1 e 2 formam a primeira parte desta tese. Assim, os elementos gerais que
caracterizaram o desenvolvimento capitalista na periferia latino-americana e o processo de
construção dos seus mercados de trabalho servem como referências para a discussão sobre
mercado de trabalho e padrão de desenvolvimento no Brasil que terá lugar na segunda parte do
estudo, composta de três capítulos.
3
No capítulo 3, demonstra-se como o excedente estrutural de mão de obra – oriundo de uma
problemática transição do trabalho escravo para o assalariamento, das condições adversas
imperantes no campo e do crescimento populacional acelerado em centros urbanos – e a ação
regulatória ambígua do Estado brasileiro, condicionaram uma estruturação distorcida do mercado
de trabalho. Se, por um lado, foi ampliado o alcance do emprego regular assalariado em
estabelecimentos, com um peso relevante do emprego manufatureiro e/ou em grandes empresas,
por outro, continuaram frequentes fenômenos como o desemprego estrutural e a informalidade,
os baixos salários e a elevada desigualdade de renda, assim como a instabilidade e a alta
rotatividade no emprego.
A partir dos anos 80 do século passado o padrão de desenvolvimento capitalista no Brasil
foi posto em xeque pela deterioração do cenário internacional e pela eclosão da crise da dívida
externa. Com isto, as taxas brasileiras de crescimento econômico reduziram-se expressivamente e
a remarcação diária dos preços provocou níveis hiperinflacionários, de sorte que o processo de
estruturação do mercado de trabalho brasileiro foi interrompido, ainda que avanços importantes
tenham sido alcançados no campo da regulamentação do trabalho (capítulo 4).
Nesse cenário, e em linha com os acontecimentos mundiais, o neoliberalismo colocou-se,
nos anos 1990, como uma estratégia alternativa de desenvolvimento, prometendo revitalizar a
concorrência intercapitalista por meio de reformas liberalizantes e, assim, debelar o processo
inflacionário e impulsionar o crescimento econômico em bases mais sustentáveis e duradouras.
No entanto, os resultados práticos da aplicação da doutrina neoliberal no Brasil estiveram
longe de ser satisfatórios, em um cenário externo pouco favorável. A inflação inegavelmente
recuou para patamares aceitáveis, contudo, o crescimento econômico continuou baixo, a dívida
pública aumentou rapidamente e as contas externas se deterioraram expressivamente. Os
impactos sobre o mercado de trabalho foram decepcionantes, visto que o processo em curso de
desestruturação foi aprofundado, agora acompanhado por medidas de desregulamentação dos
direitos trabalhistas e de flexibilização dos contratos de trabalho. Estas questões também são
objeto de discussão no capítulo 4 deste estudo.
O término deste percurso dar-se-á com uma reflexão, no capítulo 5, acerca da inauguração
de uma nova fase para a economia brasileira, a partir de meados dos anos 2000, no contexto de
mudanças importantes do cenário internacional e de desgaste da estratégia de crescimento
neoliberal. Nesse sentido, em 2004, começa a ser gestado um novo padrão de desenvolvimento,
4
aqui denominado “social-desenvolvimentista”, que adquire contornos mais definidos nos anos
subsequentes. Tal padrão baseou-se na geração de empregos formais, na concessão de estímulos
ao mercado de consumo, nas políticas sociais de combate à pobreza, no aumento dos
investimentos públicos e na oferta de financiamento para investimentos privados, tendo
mobilizado diferentes instrumentos de política econômica e requerido a recuperação da
capacidade de planejamento governamental.
O mercado de trabalho assumiu um papel central na configuração do novo padrão de
desenvolvimento. As políticas deliberadas de sustentação do consumo e do investimento
apoiavam-se na expansão da renda do trabalho (valorização do salário mínimo), no acesso ao
crédito (que muitas vezes depende de um contrato de trabalho formal) e em baixas taxas de
desemprego, além dos maiores gastos sociais, elementos que se reforçavam mutuamente.
Os resultados para o período 2004-2010 foram bastante alvissareiros, não obstante a
eclosão da grave crise internacional no final de 2008: as taxas de crescimento econômico
alcançaram um patamar expressivo para o período recente, a inflação manteve-se acomodada em
níveis toleráveis, a dívida pública recuou significativamente e as contas externas assinalaram uma
reversão de sua situação deficitária, colocando o país em uma situação de credor no mercado
internacional. O mercado de trabalho, por sua vez, apresentou melhoras em seus principais
indicadores: a taxa de desemprego caiu praticamente de modo contínuo no período; a geração de
empregos formais cresceu a taxas expressivas, reduzindo a informalidade; os rendimentos médios
reais do trabalho cresceram, com destaque para a elevação do salário mínimo; e a desigualdade
de renda e os níveis de pobreza diminuíram sensivelmente, mais um sinal evidente das melhorias
verificadas no mercado de trabalho.
Interessante notar que o prolongamento da crise internacional, muito embora tenha
derrubado as taxas de crescimento da economia brasileira e iniciado um processo de deterioração
das contas externas, associado a decisões equivocadas em termos de política econômica, não foi
suficiente para reverter o quadro geral positivo do mercado de trabalho acima delineado, ainda
que em 2014 fosse evidente a paulatina perda de fôlego, apontando para uma possível inflexão
desta tendência.
As reflexões realizadas ao longo dos capítulos desta tese de doutorado procuram oferecer
algumas contribuições ao debate atual sobre a reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro.
5
Sem pretender estabelecer conclusões definitivas, o capítulo 5 apresenta algumas proposições
para um melhor entendimento desta problemática. É oportuno, aqui, adiantar algumas ideias.
Muito embora o excedente de mão de obra, a informalidade, os baixos salários, a alta
rotatividade e a desigualdade de rendimentos continuem sendo problemas crônicos, os
determinantes estruturais da organização e funcionamento do mercado de trabalho se alteraram
decisivamente no capitalismo contemporâneo: a) a globalização financeira moldou uma nova
arquitetura econômica internacional; b) os espaços para o manejo das políticas macroeconômicas
se estreitaram; c) a economia brasileira tornou-se muito mais integrada ao comércio
internacional; d) o Estado assumiu o papel de indutor (e não de garantidor) da acumulação
capitalista e de provedor de serviços sociais; e) o bônus demográfico e a perspectiva de lento
crescimento populacional redefiniram a dinâmica demográfica; f) os arranjos produtivos
passaram a ser pautados por movimentos de terciarização, desindustrialização e reposicionamento
das cadeias globais de valor; g) o complexo eletrônico assumiu a vanguarda do paradigma
tecnológico-econômico; h) e, finalmente, o toyotismo afirmou-se como modelo eficaz (embora
não único) de organização do trabalho e da produção.
Além do mais, convém reconhecer que a nova divisão internacional do trabalho, as
tendências de polarização e precarização do mercado de trabalho e de flexibilização das relações
de emprego na Europa alteraram os termos do debate sobre a estruturação do mercado de trabalho
e o padrão de emprego desejado, assim como sobre as políticas necessárias.
Nesse contexto, trava-se no Brasil uma disputa entre dois discursos distintos no que tange
ao tema “desenvolvimento e mercado de trabalho”: o discurso neoliberal entende que o mercado
de trabalho não deve criar obstáculos para a competitividade da economia brasileira, nem
pressionar a inflação, e por isso defende que o seu funcionamento se dê em bases mais
“flexíveis”; o outro discurso, o social-desenvolvimentista, enxerga o mercado de trabalho como
pilar de sustentação de um novo padrão de desenvolvimento, orientado para a ampliação do
mercado interno e a constituição de uma sociedade de consumo de massa, via distribuição da
renda e valorização do emprego. As implicações sobre a dinâmica do mercado de trabalho são,
portanto, inteiramente distintas em cada proposta, devendo-se reconhecer que a estratégia
neoliberal é incapaz de enfrentar os problemas crônicos inerentes a um mercado de trabalho
subdesenvolvido como o brasileiro.
6
Ao final do presente estudo, espera-se ter reunido argumentos para discutir a seguinte
hipótese: a superação dos traços herdados do passado (responsáveis pela reprodução da pobreza
extrema e das desigualdades socioeconômicas) e a consolidação de um mercado de trabalho
condizente com a nova inserção do País na economia mundial e com os avanços no campo da
cidadania e dos direitos sociais, dependem, em última instância, da viabilidade de sustentação do
novo padrão de desenvolvimento gestado na década passada.
7
Parte I
8
9
Capítulo 1: Subdesenvolvimento e Mercado
de Trabalho
O desenvolvimento capitalista na América Latina não foi capaz de forjar estruturas
econômicas relativamente homogêneas, nem propiciou a conformação de mercados de trabalho
inclusivos ou um padrão de emprego similar ao dos países economicamente mais desenvolvidos.
Para entender os motivos dessa diferença congênita, é necessário retomar a literatura que tratou
dessa questão.
O objetivo deste capítulo é examinar as características inerentes ao mercado de trabalho
numa economia subdesenvolvida, procurando revisar as teorias que explicam as razões para o
desenvolvimento permanecer truncado ou gerar estruturas distorcidas, assim como os fatores
responsáveis pela reprodução de um excedente estrutural de mão de obra na periferia do
capitalismo.
1.1. Desenvolvimento e subdesenvolvimento
Ao longo do século XIX, à medida que a Inglaterra tornava-se a potência hegemônica, foi-
se constituindo uma nova ordem econômica internacional, baseada numa nova divisão
internacional do trabalho e no dinamismo irradiado pela rápida expansão do mercado mundial e
pela exportação de capital britânico. A plena constituição do modo de produção capitalista
começou com a Revolução Industrial e se completou com as reformas liberais que instituíram
uma ordem social competitiva, na qual prevalece a crença no liberalismo econômico e na força
irresistível do progresso. Embora a Inglaterra tenha aberto o caminho, a industrialização que se
processou em outros países ocorreu em condições distintas. Por isso, é possível diferenciar o
padrão de desenvolvimento singular do “capitalismo originário” do padrão de desenvolvimento
que se verificou em países de industrialização tardia (em relação à pioneira), tais como França,
10
Alemanha e Estados Unidos, denominado “capitalismo atrasado” (BARBOSA DE OLIVEIRA,
2003).
A implantação do modo de produção tipicamente capitalista e sua progressiva disseminação
trouxeram consigo o estabelecimento de profundas desigualdades entre as estruturas produtivas e
financeiras no plano internacional, com relações assimétricas que passaram a refletir uma
hierarquia de poder econômico entre as nações. Com o passar do tempo, foi aumentando o
descompasso entre as economias industrializadas e as economias que não eram capazes de
acompanhar a revolução tecnológica em curso.
É relevante reter, aqui, que o avanço e a difusão do capitalismo industrial provocaram uma
desarticulação generalizada das formas pretéritas de organização socioeconômica, em particular a
agricultura camponesa e a produção artesanal. Assim sendo, nessa fase, o desenvolvimento
capitalista pôde contar com uma oferta de mão de obra totalmente elástica e, por isso mesmo,
com níveis de remuneração próximos ao de sobrevivência.
Porém, um intenso processo de acumulação de capital, em um contexto histórico onde
predominava uma tecnologia relativamente arcaica – e, por isso mesmo, conforme chama a
atenção Eric Hobsbawm (1969), de elevado potencial de absorção de mão de obra1 –, incitou um
movimento de incorporação plena da economia pré-capitalista e de seu excedente estrutural de
mão de obra, inaugurando uma nova fase do desenvolvimento capitalista.
Se, em um primeiro momento, o desenvolvimento capitalista foi tributário de um conjunto
de transformações operado essencialmente no lado da oferta, em um segundo momento, os
elementos motores dessa economia passaram a atuar, simultaneamente, no lado da oferta e da
demanda. Ou seja, as transformações nas técnicas de produção e o aumento e a diversificação dos
padrões de consumo passaram a se influenciar reciprocamente, ensejando um ciclo econômico
expansivo (FURTADO, 1978).
Importante notar que a diferenciação dos padrões de consumo veio acompanhada por um
aumento da participação dos salários na renda nacional, resultado do esgotamento do excedente
estrutural de mão de obra e do consequente empoderamento dos trabalhadores na luta pela
apropriação de uma parcela do excedente econômico. Tal poder, vale frisar, viu-se reforçado pelo
1 Nesse sentido, o autor cita também, ainda que em sua visão estes sejam aspectos secundários, o papel desempenhado pela
emigração massiva de europeus em direção às áreas de colonização recente e pela queda da taxa de natalidade.
11
surgimento de uma identidade de classe e pela consequente organização sindical destes
trabalhadores, na esteira de uma crescente concentração industrial e financeira.
Nesse sentido, o crescimento dos salários demandou uma onda de inovações tecnológicas
voltadas para a ampliação, a um só tempo, da produtividade e da economia do fator trabalho, o
que elevou gradualmente a densidade de capital por pessoa ocupada dos processos produtivos.
Em última instância, tais medidas se impuseram como um contraponto à rigidez da oferta de mão
de obra, restabelecendo a plasticidade e o dinamismo do sistema econômico.
As transformações mencionadas dizem respeito, grosso modo, ao processo de gênese e de
desenvolvimento de uma economia capitalista na Inglaterra e que, em seus traços mais gerais e a
despeito das peculiaridades nacionais, foram replicadas em outros países europeus,
particularmente na porção ocidental do continente.
No entanto, a propagação do capitalismo em escala mundial assumiu ainda duas outras
direções, seguindo a tipologia proposta por Celso Furtado (2009 [1961]; 2000 [1967]; 1980). A
segunda linha de desenvolvimento abarcou as regiões de baixa densidade demográfica, onde
havia terras disponíveis e de características similares às europeias, num movimento de
transferência de mão de obra, capital e técnicas. De fato, elas se constituíram como fornecedoras
de recursos naturais para a expansão econômica dos países pioneiros na adoção das técnicas
capitalistas, imprimindo um processo de desenvolvimento que, no essencial, não se diferenciava
do apresentado por estes. Em outras palavras, tais economias surgiram como meros
prolongamentos da economia industrial europeia dominante.
A terceira frente de expansão do capitalismo abrangeu as regiões densamente povoadas,
onde predominavam diferentes modalidades de organização socioeconômica, todas, porém, de
caráter pré-capitalista. Assim, constituíram-se nestas regiões estruturas econômicas híbridas,
marcadas por uma dualidade básica: de um lado, um sistema capitalista de produção, atuando
com níveis de produtividade similares aos praticados pelos países desenvolvidos; de outro,
sistemas de organização da produção enredados nas estruturas preexistentes, de baixíssima
produtividade2. É a esta estrutura econômica híbrida ou dual, caudatária de um processo de
2 Aqui, o contraste com a experiência histórica dos países desenvolvidos, herdeiros de um sistema econômico feudal, é flagrante:
“Segundo a opinião corrente, a economia do feudo era um sistema fechado ou quase fechado. Mas não estava aí a sua principal
característica, e sim no fato de que era uma economia fechada de nível relativamente elevado de consumo. As comunidades
primitivas de dimensões idênticas – e que, como o feudo, eram economias fechadas, ou seja, de autoconsumo – apresentavam, via
de regra, um nível médio de consumo mais baixo que o das comunidades feudais europeias. Os barões feudais conseguiram, com
recursos locais, não só construir castelos, como também armar os seus homens para a guerra e manter um número quase sempre
elevado de pessoas ociosas em torno de si. O excedente de produção que chegava às mãos do senhor feudal, mesmo dos
12
expansão de uma economia industrial que se desenvolveu externamente, que corresponde o
fenômeno do subdesenvolvimento.
É importante ressaltar, entretanto, que ao contrário do que pode induzir a terminologia
utilizada, o caráter dualista da estrutura econômica subdesenvolvida revela antes uma “integração
dialética” entre os setores “modernos” e “atrasados”, do que uma lógica de reprodução entre tais
compartimentos totalmente independente uma da outra. Conforme Francisco de Oliveira (2003
[1972], p. 32): “de fato, o processo real mostra uma simbiose e uma organicidade, uma unidade
de contrários, em que o chamado ‘moderno’ cresce e se alimenta da existência do ‘atrasado’”.
Assim sendo, o subdesenvolvimento deve ser compreendido como um processo histórico
autônomo, contemporâneo do surgimento e da expansão universal do capitalismo industrial, de
sorte que não se constitui, necessariamente, como uma etapa que os países atualmente
desenvolvidos vivenciaram em seu desenvolvimento econômico capitalista. Ou seja, “o
‘subdesenvolvimento’ é uma formação capitalista e não simplesmente histórica” (OLIVEIRA,
2003 [1972], p. 33).
Não se pode admitir que o subdesenvolvimento seja um momento na evolução de uma
sociedade, econômica, política e culturalmente isolada e autônoma. Postula-se, ao
contrário, que o subdesenvolvimento faz parte do processo histórico global do
desenvolvimento, que o subdesenvolvimento e o desenvolvimento são duas faces de um
mesmo processo universal, que ambos os processos são historicamente simultâneos, que
estão funcionalmente vinculados, isto é, interagem e se condicionam mutuamente, e que
sua expressão geográfica materializa-se em duas grandes polarizações: por um lado, a
polarização do mundo entre os países industrializados, avançados, desenvolvidos e
centrais e os países subdesenvolvidos, atrasados, pobres, periféricos e dependentes; e por
outro, uma polarização, dentro dos países, em espaços, grupos e atividades avançados e
modernos, e em espaços, grupos e atividades atrasados, primitivos, marginalizados e
dependentes (SUNKEL, 2000 [1970], p. 529).
Com efeito, torna-se evidente que a compreensão do fenômeno em análise exige um exame
mais aprofundado da natureza que assume as relações entre economias desenvolvidas e
subdesenvolvidas ou centrais e periféricas, para utilizar uma terminologia consagrada pelo
estruturalismo latino-americano.
Na percepção de Celso Furtado, o subdesenvolvimento tem suas raízes na assimilação
social de hábitos de consumo sofisticados, próprios da civilização industrial europeia,
desacompanhada da implantação das correspondentes técnicas produtivas capitalistas. Trata-se,
pequenos, era relativamente grande se se tem em conta que tinha esse excedente, origem na apropriação direta de parte do fruto da
produção de uma pequena comunidade. Ora, isto só foi possível porque era relativamente elevado o nível da técnica que
prevalecia dentro do feudo” (FURTADO, 2009 [1961], p. 118-119, grifos próprios).
13
na verdade, de uma “dessimetria entre o sistema produtivo e a sociedade”, fenômeno que o autor
denominou de “modernização”3.
Esta modernização se alicerça em uma divisão internacional do trabalho que, em verdade,
espelha os diferentes perfis de inserção externa das economias nacionais. De forma esquemática,
têm-se, de um lado, os países que se notabilizaram pelo pioneirismo na adoção das técnicas
capitalistas de produção, e que, por isso mesmo, puderam encampar uma especialização
produtiva assentada nos segmentos econômicos portadores do progresso técnico, notadamente a
indústria manufatureira. São os chamados países centrais. De outro lado, reúnem-se os países de
desenvolvimento tardio, chamados de “periféricos”, que, beneficiando-se de vantagens
comparativas estáticas, promoveram uma especialização centrada na produção de recursos
naturais.
O estabelecimento de linhas de comércio entre os dois polos do sistema trouxe consigo a
formação de estruturas produtivas fundamentalmente distintas: no caso da periferia, marcada pelo
seu caráter especializado e heterogêneo, reflexo, por um lado, de uma concentração expressiva de
recursos produtivos no setor exportador de produtos primários de baixo custo, e, por outro, da
coexistência de setores produtivos de produtividade bastante díspares. Em oposição, nos centros,
a estrutura produtiva estabeleceu-se em bases diversificadas, em termos de distribuição de
recursos produtivos, e homogêneas, quando vistas pelo ângulo dos desníveis de produtividade
que apresentavam os seus compartimentos4.
Convém chamar a atenção ainda para o fato de que a dinâmica do sistema centro-periferia
atuou, ao longo do século XX, no sentido de reproduzir e ampliar as desigualdades entre estes
dois polos: as brechas de produtividade do trabalho e das rendas médias entre eles tenderam a se
alargar com o passar do tempo, em sintonia com o processo de deterioração dos termos de
intercâmbio que acometia as economias periféricas5.
3 “O aumento da renda de uma comunidade pode resultar de pelo menos três processos diferentes: a) o desenvolvimento
econômico: isto é, acumulação do capital e adoção de processos produtivos mais eficientes; b) a exploração de recursos naturais
não-renováveis; e c) a realocação de recursos visando a uma especialização num sistema de divisão internacional do trabalho. O
aumento da renda implica em diversificação do consumo, introdução de novos produtos, etc. Assim, esse aumento pode ocorrer
numa comunidade sem desenvolvimento econômico, isto é, sem acumulação de capital e introdução de processos produtivos mais
eficientes. Ele pode representar simplesmente um incremento devido aos itens b e/ou c, acima mencionados. Chamemos de
modernização a este processo de adoção de novos padrões de consumo, correspondente a níveis mais elevados de renda, na
ausência de desenvolvimento econômico” (FURTADO, 1974, p. 99). 4 A respeito do sistema centro-periferia, ver, entre outros, Rodríguez (1981; 2009) e Prebisch (2011a [1949]; 2011b [1949]; 2011
[1951]). 5 Entende-se por deterioração dos termos de intercâmbio a diminuição do poder de compra de bens industriais por parte dos bens
primários de exportação. Isto porque, ao longo dos ciclos econômicos, na crescente, os preços primários sobem de forma mais rápida do que os dos bens manufaturados. Na minguante, o contrário se observa, porém de modo mais intenso do que o verificado
14
A causa fundamental para a manifestação deste fenômeno repousava na presença de um
excedente de mão de obra na produção primária das economias periféricas – em um cenário de
imobilidade internacional da mão de obra – e à pressão por ele exercida sobre os salários pagos e,
consequentemente, sobre os custos de produção, das atividades primário-exportadoras. Com
efeito, a escassez relativa e o maior poder de organização dos trabalhadores dos países centrais
ampliavam a rigidez salarial dessas economias, o que na prática significava a transferência para a
periferia dos custos dos ajustes diante de uma conjuntura econômica recessiva. Adicionalmente,
uma estrutura empresarial mais oligopolizada e especializada nas etapas mais avançadas dos
processos produtivos aumentavam o poder de defesa dos lucros por parte dos empresários dos
países centrais.
Paralelamente, as disparidades de elasticidades impunham graves problemas de balanço de
pagamentos ao desenvolvimento periférico. Com efeito, nos países centrais, a elasticidade-renda
da demanda de importações de produtos primários era menor que a unidade, ou seja, a demanda
por estes produtos crescia em ritmo inferior ao da renda. Isto porque o avanço do progresso
técnico modificava a utilização dos insumos e os padrões de consumo. Por um lado, tal avanço
contribuía para uma redução da participação das matérias-primas no valor final dos produtos e
para a substituição de matérias-primas naturais pelas sintéticas. Por outro lado, favorecia uma
oferta diversificada de produtos manufaturados e de serviços correlatos que, associados aos
mecanismos de publicidade próprios de uma sociedade de consumo de massas, moldava os
padrões de consumo das famílias, ampliando a participação destes em detrimento dos alimentos,
à medida que a renda se elevava.
O contrário se dava na periferia, onde a elasticidade-renda da demanda de importações era
maior que um. Nesse caso, contribuíam para tanto, além dos aspectos acima mencionados, a
mimetização de padrões de consumo prevalecentes nos centros e as importações de produtos
intermediários e de bens de capital, num quadro de aguda dependência técnica e tecnológica. Da
combinação dessas disparidades de elasticidades resultaram os desequilíbrios comerciais aos
quais se submetem as economias periféricas. Conforme esclarece Octávio Rodríguez, “[...] a
disparidade de elasticidades e a taxa de crescimento da renda central impõem um limite à taxa de
no primeiro movimento, de sorte que se promove o distanciamento entre os referidos preços, em desfavor dos primeiros.
Ademais, se se atenta para o fato de que a renda média dos países periféricos cresceu em um ritmo menor que a produtividade do
trabalho, conclui-se que não somente os países centrais retinham os frutos do progresso técnico gerados por suas economias,
como também captavam uma parcela destes originada na periferia do sistema.
15
aumento da renda da periferia. Se esse limite for excedido, serão gerados sucessivos déficits
comerciais, que terminarão por impedir a continuidade da sua expansão” (RODRÍGUEZ, 2009,
p. 101).
Nesses termos, não restava alternativa aos países subdesenvolvidos senão uma mudança nas
bases sobre as quais se assentavam o seu desenvolvimento: de um modelo orientado para fora,
ancorado na exportação de produtos primários, para outro modelo voltado para dentro, cujo eixo
dinâmico da acumulação centrar-se-ia no setor industrial6. Somente por meio de uma
industrialização planejada, acreditava-se, seria possível absorver o excedente de população ativa,
elevar e homogeneizar os níveis de produtividade desta economia, conter os desequilíbrios
externos e internalizar os centros decisórios, pavimentando, assim, uma via de desenvolvimento
capaz de reter uma proporção maior dos frutos do próprio progresso técnico, condição sine qua
non para a melhoria do bem-estar da coletividade. Em uma só frase: a industrialização seria o
caminho obrigatório para a superação da pobreza e da dependência7.
Diante dessa realidade, a industrialização mediante substituição de importações constituiu-
se, antes que necessária, a via de desenvolvimento possível para os países periféricos8. Nesse
sentido, a produção interna de bens industriais, antes importados, exigiu a limitação da
importação destes bens, assim como a dos considerados de natureza supérflua, com o intuito de
viabilizar as novas importações requeridas por este processo.
Com efeito, industrializar-se por intermédio de um programa de substituição de
importações significava promover uma mudança estrutural em um duplo aspecto: em primeiro
6 A realidade dos fatos impôs a industrialização aos países periféricos: dentre os aspectos conjunturais, cabe destacar a eclosão de
duas guerras mundiais e de uma grave crise econômica neste ínterim; no âmbito das questões estruturais, encontram-se a mudança
do centro cíclico principal da Inglaterra para os Estados Unidos, cuja economia era submetida a uma maior proteção e padecia de
um coeficiente de importações muito mais baixo que a primeira, e a paulatina substituição de produtos in natura por sintéticos. A
convergência desses fatores, conjunturais e estruturais, acrescida da intervenção e do planejamento estatal do desenvolvimento,
atuaram no sentido de estimular a produção industrial interna, em detrimento das transações comerciais com o setor externo.
Ademais, convém salientar que a industrialização periférica se justificava ainda que a preços internos superiores aos externos: “é
vantajoso para a economia produzir a preços relativos elevados, em vez de deixar de utilizar fatores produtivos, ou utilizá-los de
formas que deprimam a relação de preços de intercâmbio e, por meio destes, a capacidade para importar” (PREBISCH, 2011
[1951], p. 275). 7 Sobre a industrialização periférica ver, além dos textos já citados, Cardoso de Mello (1998 [1982]); Rosenstein-Rodan (2010
[1943]); Tavares e Serra (1983 [1972]) e Tavares (1981). 8 A defesa da industrialização não significava uma rejeição automática e incondicional às políticas de promoção de exportações e
da produção agrícola, antes pelo contrário. Raul Prebisch, no Manifesto Latino-Americano, escrito em 1949, já afirmava que “a
solução não está em crescer à custa do comércio exterior, mas em saber obter, de um comércio exterior cada vez maior, os
elementos propulsores do desenvolvimento econômico” (PREBISCH, 2011 [1949], p. 97). Este mesmo autor, em documento
institucional publicado dois anos mais tarde, escreveu: “Em virtude de repetidas experiências, entretanto, é bem sabido que, à
medida que a técnica moderna aumenta a produtividade, vai-se criando um excedente de potencial humano que a agricultura já
não requer. Recorre-se então à indústria e a outras atividades, para absorver produtivamente essa força de trabalho. O
aprimoramento agrícola e o desenvolvimento industrial, por conseguinte, são dois aspectos do mesmo problema de
desenvolvimento econômico” (CEPAL, 2000 [1951], p. 141).
16
lugar, na estrutura produtiva, por meio da expansão das atividades industriais; e, em segundo
lugar, na estrutura das importações, que, ao longo da industrialização, tendia a subordinar-se e
adequar-se às necessidades deste programa.
Em um primeiro momento, a industrialização periférica centrou-se na produção de bens de
consumo de elaboração simples, promovendo, desta forma, uma crescente diversificação
horizontal à medida que o leque de produtos elaborados para o mercado interno de consumo se
expandia. A produção interna de novos tipos de produtos inaugura um segundo momento para a
industrialização periférica. A partir de então, o referido processo tende a se apoiar em bens de
consumo duráveis, intermediários, e, em algumas experiências nacionais, nos bens de capital,
ampliando, não somente a diversificação horizontal, mas também o grau de complementaridade
intersetorial e de integração vertical da estrutura industrial9.
Tal processo veio acompanhado de uma internacionalização crescente das bases produtivas
dos países periféricos, uma vez que as empresas transnacionais, detentoras das técnicas e das
tecnologias modernas, tornaram-se um ator social vital para a expansão industrial na periferia.
Com elas, além dos padrões de produção avançados, viram-se reforçados o grau de
monopolização da economia, assim como os padrões de consumo “à imagem e semelhança” dos
países desenvolvidos.
Nesses termos, ao cabo de aproximadamente meio século, algumas regiões
subdesenvolvidas latino-americanas presenciaram, ainda que em ritmos e em extensões
diferenciadas, uma transição de uma economia agrário-exportadora para uma economia urbano-
industrial, em muitos aspectos, similar à encontrada nos países desenvolvidos, no entanto, sem
alterar significativamente a sua posição na divisão internacional do trabalho.
Ademais, a aludida transição não obteve êxito na promoção de estruturas socioeconômicas
mais homogêneas, posto que a pobreza absoluta e a desigualdade de renda e de riqueza não
somente não regrediram a patamares civilizados, como, por vezes, foram reforçadas. Isto se
deveu a problemas oriundos do próprio processo de industrialização, marcado pela incompletude
de sua base técnica, por uma articulação micro-macro problemática e por desproporções setoriais
9 Esta estratégia de desenvolvimento tinha em Ragnar Nurkse e Paul Rosenstein-Rodan seus mais ilustres defensores. Segundo
este último, “a criação planejada de um sistema de indústrias complementares desse tipo reduziria o risco de insuficiência da
procura e, como o risco pode ser considerado um custo, reduziria os custos. É, nesse sentido, um caso especial de ‘economias
externas’. (...) Dois outros tipos de ‘economias externas’ podem também surgir quando um sistema de diversas indústrias é criado.
Em primeiro lugar, as economias estritamente marshallianas, externas a uma empresa, no conjunto de um ramo industrial em
crescimento. O mesmo ocorre, entretanto (secundariamente), com as economias externas a uma indústria por causa do
crescimento de outras indústrias” (ROSENSTEIN-RODAN, 2010 [1943], p. 269).
17
importantes10. Isso de um lado. De outro, e principalmente, encontrava-se a incapacidade das
sociedades periféricas de levar adiante um conjunto de reformas sociais que promovessem
padrões mínimos de igualdade de renda e de bem-estar social.
Em suma, o desenvolvimento dos países periféricos, apoiado por uma industrialização
retardatária11, defrontou-se com obstáculos inéditos, a julgar pela experiência dos países de
capitalismo avançado, dois dos quais já apresentados nesta seção inicial: o desequilíbrio externo e
a deterioração dos termos de intercâmbio. Um terceiro obstáculo, que enfeixa dimensões
fundamentais para a compreensão do subdesenvolvimento, reside na tendência estrutural a uma
subutilização da mão de obra, cujo entendimento demanda um maior esforço analítico, a ser
realizado na seção seguinte.
1.2. Heterogeneidade estrutural, insuficiência dinâmica e o padrão de
desenvolvimento latino-americano
A concepção moderna de desenvolvimento econômico nasceu, a rigor, com o surgimento
da Economia Política no século XVIII, aqui entendida como um campo delimitado das ciências
sociais que tem como propósito compreender as relações sociais de produção que se estabelecem
sob o capitalismo. No entanto, foi somente em meados do século XX, em um momento histórico
ainda envolto pelos acontecimentos ocorridos na “era da catástrofe”12, que floresceram os estudos
precursores do que veio a chamar-se posteriormente de teorias do desenvolvimento e do
subdesenvolvimento13.
10 “Se nos países centrais a atividade industrial opera como força primária transformadora das estruturas econômicas e sociais,
isso se deve a duas razões. Em primeiro lugar, ao fato de que a expansão das atividades industriais é acompanhada de
modificações na composição da demanda final no sentido de sua diversificação. De uma ou outra forma, o crescimento da
indústria acarreta elevação na taxa média de salário da massa trabalhadora, mesmo quando não implique a criação de novos
empregos (...). A segunda razão deriva da articulação das atividades industriais entre si. (...). Essa articulação não é outra coisa
senão a diversificação da atividade industrial, decorrente da instalação de indústrias de produtos intermédios e de equipamentos.
Na medida em que aumenta a importância relativa destas últimas, a capacidade autotransformadora do sistema econômico se
inscreve na estrutura industrial” (FURTADO, 1980, p. 118-119). 11 “Não basta, no entanto, admitir que a industrialização latino-americana é capitalista. É necessário, convir que a industrialização
capitalista na América Latina é específica e que sua especificidade está duplamente determinada: por seu ponto de partida, as
economias exportadoras capitalistas nacionais, e por seu momento, o momento em que o capitalismo monopolista se torna
dominante em escala mundial, isto é, em que a economia mundial capitalista já está constituída. É a esta industrialização
capitalista que chamamos retardatária” (CARDOSO DE MELLO, 1998 [1982], p. 104, grifos do autor). 12 A expressão é de Eric Hobsbawm (1995) e se refere ao período histórico demarcado pelas duas Guerras Mundiais e que
engloba, neste ínterim, o crash da bolsa de valores de Nova York em 1929 e a grande depressão econômica subsequente, o
colapso do liberalismo, o surgimento da União Soviética e o fim dos impérios coloniais. 13 A coletânea organizada por Amar Agarwala e Sampat Singh (2010 [1958]), que reúne textos clássicos sobre a temática em
questão, constitui-se em uma das principais referências.
18
Nesse contexto, a ideia de desenvolvimento passou a ser crescentemente identificada com a
ampliação do bem-estar material, medida pela expansão da renda real per capita. Esta seria
corolário da elevação da produtividade média do trabalho, viabilizada, por sua vez, por um
aumento da dotação de capital por trabalhador ocupado, característica inerente aos métodos
modernos de produção. Subjacente a essa cadeia argumentativa, encontram-se os processos de
acumulação de capital e de assimilação do progresso técnico, pilares essenciais para a sustentação
do desenvolvimento econômico.
Nos países centrais, a superposição de novas camadas técnicas de produtividade e eficácia
mais elevada, decorrente da propagação dos métodos de produção capitalistas, foi responsável
pela absorção da grande maioria da mão de obra ocupada nas camadas pré-existentes, de
produtividade mais baixa, além do seu crescimento demográfico. Ao mesmo tempo, as
disparidades de renda entre os diversos estratos sociais foram se reduzindo, à medida que os
trabalhadores foram sendo deslocados de setores de mais baixa para os de mais elevada
produtividade. Isto porque quanto maior a intensidade deste deslocamento, o que dependia do
ritmo de acumulação de capital e da formação da mão de obra, mais alta tornava-se a renda dos
trabalhadores que permaneciam nas camadas inferiores, dados os impactos deste processo sobre a
oferta e a demanda por força de trabalho. Nesse cenário, presenciava-se uma alta generalizada da
renda do trabalho, porém em ritmos diferenciados, sendo mais acelerado entre os trabalhadores
que permaneciam nos estratos inferiores, diminuindo, assim, a abertura do leque salarial.
Em síntese, os dois aspectos mencionados, quais sejam, a absorção da força de trabalho em
setores de produtividade mais elevada e a diminuição das desigualdades de renda, são condições
necessárias para que o aludido movimento de superposição de camadas técnicas corresponda ao
conceito de “suficiência dinâmica”, característica par excellence do desenvolvimento dos países
de capitalismo avançado14.
O capitalismo periférico, por seu turno, originou-se, não custa enfatizar, de “um processo
dinâmico de propagação e irradiação de técnicas, ideias, ideologias e instituições dos centros
numa estrutura social – a da periferia – que é fundamentalmente diferente” (PREBISCH, 1981b,
14 As reflexões sobre suficiência e insuficiência dinâmica, assim como sobre heterogeneidade estrutural, apoiam-se, excetuando as
citações já explicitadas no texto, nas contribuições dos seguintes autores e instituições: CEPAL (2000 [1951]); Furtado (2007
[1969]; 2003 [1973]; 1978); Meier (2010 [1953]); Pinto (2000 [1976]; 1979; 1984); Prebisch (2011b [1949]; 2011 [1951]; 2000
[1963]; 1973; 1976) e Rodríguez (1981; 2009).
19
p. 10). Um desenvolvimento, portanto, desprovido de autenticidade ou, em outros termos, de
índole essencialmente imitativa.
Nesse sentido, pontuou-se, na seção anterior, que o desenvolvimento econômico da
periferia foi condicionado por sua posição em uma divisão internacional do trabalho moldada
pelo movimento de expansão global do capitalismo, liderado pelos países centrais. Nela, cabia à
periferia o papel de linha auxiliar do processo de acumulação de capital que se dava nestes
últimos.
Da interação entre os dois polos do sistema capitalista global, desenvolveram-se e
consolidaram-se estruturas produtivas fundamentalmente distintas: as da periferia, especializadas
e heterogêneas; as do centro, diversificadas e homogêneas.
Com efeito, convém avançar a partir desse ponto. O referido caráter polarizado, híbrido ou
dual da estrutura periférica constitui-se na outra face do processo de concentração (ou de não
difusão) dos frutos do progresso técnico capitalista que ali se estabeleceu.
Na etapa do desenvolvimento para fora, o processo de modernização15 concentrou-se na
agricultura exportadora, com pouca capacidade de irradiação dos benefícios da maior
produtividade para os demais setores da atividade econômica. Como contrapartida, configurou-se
uma estrutura produtiva espacialmente delimitada, comumente instalada em regiões próximas às
áreas costeiras, e que, por esse motivo, urbanizaram-se velozmente, ao tempo que estabeleciam
ligações tênues com o interior do território nacional.
Com a industrialização e o desenvolvimento para dentro, houve uma relativa difusão do
progresso técnico ao setor industrial e atividades correlatas, o que não significou, contudo, a sua
ampla disseminação pela estrutura produtiva. Assim sendo, uma extensa parcela do tecido
econômico permaneceu à margem desse processo, como a agropecuária não exportadora e outras
atividades primárias, setores importantes dos serviços e mesmo segmentos do setor industrial,
que ainda se encontravam submetidos a formas de produção artesanal ou semi-artesanal.
Na verdade, advém com esta nova etapa do desenvolvimento periférico, antes que uma
ruptura com a dualidade econômica herdada do período anterior, o seu aprofundamento e a sua
complexificação: a divisão entre camadas “modernas” e “tradicionais” torna-se menos nítida e
mais acentuada, sem respeitar, necessariamente, os limites entre os setores econômicos. Ou seja,
15 Utiliza-se a partir daqui, salvo menção contrária, o significado usual do termo, e não o elaborado por Celso Furtado, conforme
apresentado na seção anterior.
20
o moderno e o tradicional passam a conviver lado a lado na agricultura, na indústria e nos
serviços.
A questão regional e urbana, ou seja, da difusão espacial dos benefícios do progresso
técnico, não perdeu a sua atualidade com a etapa do desenvolvimento para dentro, antes pelo
contrário. Os centros industriais nos países periféricos se estabeleceram em um espaço
circunscrito dos territórios nacionais, o que ensejou uma ampla concentração produtiva e
populacional. Tal característica fomentou o surgimento de um tecido urbano marcado pela
existência de grandes aglomerados populacionais (uma “metropolização” desmedida, diria Aníbal
Pinto), além de uma segregação intra-urbana sem paralelo entre as experiências de
desenvolvimento vivenciadas pelos países de capitalismo avançado.
Além das duas dimensões supracitadas, a saber, a setorial e a espacial, a concentração do
progresso técnico nos países periféricos materializou-se ainda na esfera social.
Nesse sentido, o estilo de desenvolvimento que prevaleceu no capitalismo periférico aliou a
implantação de uma estrutura econômica voltada para a oferta de bens e serviços característicos
da civilização industrial europeia, com uma distribuição da renda altamente concentrada no topo
da estrutura distributiva. Isto porque, dada a renda média prevalecente na região, para que tais
bens e serviços fossem realizados, no sentido marxiano do termo, era imprescindível a promoção
do aludido perfil da distribuição da renda. Esta, em contrapartida, ao condicionar a demanda,
reforçava a necessidade de um tipo de organização do aparelho produtivo compatível com o
esquema vigente de distribuição da renda, formando um círculo de relações causais
cumulativas16.
Visto por outro prisma, pode-se dizer que houve a disseminação, entre as elites locais, de
um padrão de consumo similar ao vigente nos países de capitalismo avançado, ainda que em
dissonância com a estrutura produtiva implantada nestas economias, o que, em países de renda
média muito baixa, exigiu um esquema de distribuição de renda altamente concentrado. De
acordo com Raúl Prebisch:
(...) la especificidad no está tanto en la imitación del consumo de los centros, que es en
rigor un fenómeno planetario, sino en las dimensiones que este fenómeno adquiere en la
periferia, gracias a la flagrante desigualdad distributiva. En otros términos, la
especificidad atañe al carácter privilegiado de la imitación (PREBISCH, 1981a, p. 212).
16 “A estrutura do sistema produtivo reflete, portanto, a forma de utilização da renda, e esta última, numa economia de livre-
empresa, está determinada pela maneira como se distribui essa mesma renda. Destarte, os problemas de desenvolvimento têm que
ser considerados concomitantemente como problemas de produção e de distribuição” (FURTADO, 2009 [1961], p. 142).
21
Muitos autores chamaram a atenção, principalmente os ligados ao estruturalismo latino-
americano, a respeito dos impactos adversos que o consumo conspícuo de uma classe
privilegiada vinha trazendo para o desenvolvimento da região, visto que parcelas da poupança
nacional estariam sendo desviadas para o financiamento daquele consumo e inviabilizando,
portanto, a sua transformação em capital reprodutivo.
Para Celso Furtado (1968), o padrão de distribuição de renda vigente na periferia, resultante
da existência de um vasto setor pré-capitalista e de um setor industrial com coeficiente de capital
em rápida elevação (e, em contrapartida, uma relação produto-capital em declínio), promoveria
uma aplicação de recursos produtivos que levaria a uma redução da eficiência econômica
(realimentando a concentração da renda) e, por essa via, a uma estagnação econômica.
Maria da Conceição Tavares e José Serra, por seu turno, não compartilhavam da mesma
interpretação. Segundo eles, não haveria, necessariamente, uma relação inversa entre a relação
produto-capital e o coeficiente capital-trabalho:
Ou a relação produto-capital não declina apesar do aumento do coeficiente capital-
trabalho, ou, se o faz, seus efeitos negativos sobre o excedente a ser investido podem ser
impedidos por um aumento adequado do excedente subtraído à força de trabalho. A
possibilidade de compensar os efeitos da baixa da relação produto-capital sobre a taxa de
crescimento dependerá desse excedente se transformar ou não em investimento
(TAVARES; SERRA, 1983 [1972], p. 165-166).
Em síntese, o que estes autores defendiam é que o capitalismo brasileiro, tal como se
organizava naquela quadra do século passado, não enfrentava constrangimentos de ordem
econômica para a sua expansão, ainda que a concentração da renda e a pobreza devessem ser
combatidas por uma questão de justiça social, convém ressaltar.
Com efeito, para os propósitos deste capítulo, o que é essencial para a compreensão das
relações entre mercado de trabalho e subdesenvolvimento é que a concentração “tridimensional”
dos frutos do progresso técnico17 impõe ao capitalismo periférico uma “insuficiência dinâmica”,
expressa pela incapacidade crônica do seu aparelho produtivo em absorver genuinamente a força
de trabalho disponível, ou seja, em camadas técnicas de produtividade elevada, e, ao mesmo
tempo, promover padrões de desigualdade de renda mais igualitários.
Um processo de acumulação de capital problemático, aliado a uma frágil regulação do
mercado de trabalho e a ausência de reformas civilizatórias do capitalismo (como as reformas
17 A referida concentração resultou do perfil assumido pelos gastos públicos nos países periféricos; das políticas econômica e
social implementadas, notadamente a de comércio exterior e tributária; e, por fim, das relações estabelecidas entre e dentro de
cada um dos polos do sistema, o capitalista e o subdesenvolvido. Para maiores detalhes, ver Pinto (1965; 1979).
22
agrária e social), alimentavam uma absorção espúria ou regressiva de mão de obra, ou seja,
realizadas em setores de baixíssima produtividade e remuneração, cuja dinâmica era ditada, na
maior parte dos casos, pela própria oferta de trabalho, guiada pela necessidade de viabilizar
formas de sobrevivência alternativas ao assalariamento.
Inicialmente, convém destacar os aspectos estruturais que contribuíram para uma
reprodução contínua e em grandes proporções dos aludidos fenômenos do desemprego e do
subemprego, ou seja, para a insuficiência dinâmica do capitalismo periférico.
Em primeiro lugar, é preciso fazer referência às teses que advogavam que as economias
subdesenvolvidas encontravam-se enredadas em um círculo vicioso formado por baixos níveis de
produtividade do trabalho, escassez de poupança e grau insuficiente de acumulação de capital. Ou
seja, a exígua acumulação de capital não permitia uma elevação mais substantiva da
produtividade do trabalho, o que, por sua vez, inviabilizava a formação da poupança necessária
para financiar, e aqui o círculo se completa, uma maior acumulação de capital.
A baixa propensão a poupar e, por consequência, a debilidade do processo de acumulação
de capital, vincular-se-ia, ademais, à presença, na periferia, de uma “sociedade privilegiada de
consumo”. Vale dizer, a mimetização de padrões de consumo e do estilo de vida típicos de
sociedades industriais avançadas exigiria, de um lado, uma alocação de uma parte expressiva do
excedente econômico para a satisfação de necessidades ligadas aos referidos padrão de consumo
e estilo de vida18; de outro lado, e com o mesmo intuito, uma crescente importação de bens de
consumo “supérfluos”, aumentando a rigidez da pauta de importações e dificultando o acesso aos
bens de capital fabricados no exterior.
Algumas qualificações precisam ser feitas a respeito desta linha de raciocínio com vistas à
construção de um ponto de vista que se considera mais adequado à interpretação da realidade dos
países capitalistas subdesenvolvidos. Em primeiro lugar, é preciso salientar que, ao menos em
economias em desenvolvimento que alcançaram padrões avançados de industrialização, o
potencial de poupança interna mostra-se crescente (TAVARES, 1983 [1967]). Assim sendo, o
fundamental, nesses casos, não é a geração de um montante pré-determinado de poupança ex-
ante, visão que parte de uma concepção smithiana das relações poupança-investimento, mas sim
18 “As funções de consumo dos diferentes países relacionam-se mutuamente em certo grau e de maneira semelhante. Também no
plano internacional o contato e o conhecimento de esquemas de consumo superiores dão asas à imaginação, criando novas
necessidades. [...] A tentação de copiar os padrões de consumo americanos tende a limitar a oferta de fundos para investimento”
(NURKSE, 2010 [1953], p. 285).
23
como mobilizar e realizar a poupança gerada por meio de uma estrutura financeira adequada, que
transfira os recursos dos setores superavitários para os deficitários, ou ainda, para os setores mais
dinâmicos.
As conexões entre alta propensão a consumir das elites e acumulação de capital tal qual
apresentada anteriormente também merecem alguns reparos. Conforme sugere Carlos Aguiar de
Medeiros (1992), é a falta de instrumentos eficazes de mobilização da poupança gerada, leia-se,
mecanismos tributários e de intermediação financeira adequados, que inibe os investimentos e
permite a reprodução de uma “sociedade privilegiada de consumo”. O problema repousa,
portanto, no primeiro aspecto mencionado e não no “consumismo” das elites periféricas. De mais
a mais, o que se quer enfatizar e se julga fundamental é que o desenvolvimento periférico
encontra obstáculos importantes no que se refere ao financiamento da acumulação de capital.
Em segundo lugar, cumpre destacar que as leis que regiam as relações comerciais
internacionais entre centros e periferia atuavam no sentido de subtrair uma parte do excedente
deste último em benefício dos primeiros, enfraquecendo, uma vez mais, o ritmo do
desenvolvimento periférico, conforme foi apresentado na seção anterior, o que torna
desnecessárias considerações adicionais.
Em suma, é importante notar que o processo de acumulação de capital não era aproveitado
em toda a sua extensão o que favoreceria, na periferia, a perpetuação de níveis de desemprego e
de subemprego sem paralelo nos países de capitalismo avançado19.
Somam-se a isto os problemas de ordem tecnológica aos quais são submetidos os países de
industrialização retardatária. Se, por um lado, tais países beneficiaram-se de uma tecnologia já
desenvolvida e, portanto, “disponível”, por outro lado, eles se defrontaram com um paradigma
tecnológico concebido pelos países centrais e, dessa forma, afinado com a dotação de fatores
prevalecente nessas economias, vale lembrar, marcada pela abundancia do fator capital e pela
escassez de mão de obra.
Assim, historicamente, os métodos produtivos capitalistas, que incorporam a tecnologia
moderna, evoluíram com o intuito de poupar mão de obra, trazendo consigo uma elevação da
19 Eric Hobsbawm (1969) demonstra que a presença do subemprego em grande escala é uma característica comum às experiências
nacionais de desenvolvimento capitalista. O que difere centros e periferia, nesse sentido, é que nos primeiros o aludido fenômeno
foi transitório, ao passo que no último o subemprego assumiu um caráter permanente. A título ilustrativo, Vítor Tokman (1982)
observa que, enquanto na América Latina, entre 1950 e 1980, o setor informal urbano pouco diminuiu (passou de 30,5% para
29,8%); nos Estados Unidos o peso deste setor na economia decresceu de forma muito mais intensa entre 1900 e 1920, período de
similar transição ocupacional, variando de 33,6% para 20,2%.
24
densidade de capital por pessoa ocupada e uma relativa homogeneização desta densidade entre os
diversos segmentos econômicos. Ademais, tais métodos de produção terminaram por estabelecer,
em termos de função de produção microeconômica, uma combinação rígida dos fatores, ao
mesmo tempo que foi crescentemente se moldando a processos produtivos de grande escala.
Quando, porém, ocorre a integração tardia dos países periféricos ao sistema capitalista, o
transplante destes métodos produtivos se defronta com uma realidade totalmente distinta,
marcada, de um lado, por uma dotação de fatores bastante diferente (ampla oferta de mão de obra
e escassez de capital) e, de outro, por mercados nacionais de amplitude bastante reduzida, o que
gera capacidade produtiva ociosa e, consequentemente, penaliza o ritmo de acumulação de
capital.
Diante dessa realidade e tendo em conta a natureza do progresso tecnológico e o seu caráter
irreversível, não havia alternativa à periferia senão acelerar o processo de acumulação de capital
tanto quanto fosse necessário para absorver produtivamente a mão de obra disponível20.
Ademais, a incorporação e a difusão do progresso técnico advindas com a industrialização
promoveram, assim como nos países de capitalismo desenvolvido, um amplo desemprego
tecnológico. No entanto, a ausência na periferia de uma indústria de bens de capital fez com que
uma parte substancial dos impulsos dinâmicos da acumulação capitalista vazasse para o exterior,
em direção aos países centrais, detentores do monopólio de fabricação dos referidos bens. Estes
países, por sua vez, conforme já explicado na seção anterior, não compensavam em um montante
adequado tais impulsos, mediante uma importação crescente de produtos agrícolas. Na periferia,
portanto, a reabsorção do desemprego gerado pelo avanço técnico se dava apenas de modo
parcial, na exata medida que os novos investimentos eram direcionados para a construção civil ou
para os poucos bens de capital que eram produzidos internamente. No que diz respeito às
economias mais avançadas da região, em particular, esta questão tornava-se cada vez menos
relevante à medida que fincavam-se as bases de uma indústria produtora de bens de capital.
20 É importante chamar a atenção para o fato de que, ao longo do desenvolvimento periférico, o aludido desequilíbrio entre
produtividade, investimentos e absorção de mão-de-obra viu-se agravado pelos seguintes aspectos: i) adoção de níveis excessivos
de proteção aduaneira, encargos sociais e impostos indiretos, o que impactava desfavoravelmente os custos de produção, ao passo
que a importação de bens de capital se submetia, muitas vezes, a baixos níveis, ou mesmo isenção, de tributos; ii) prevalência de
taxas de juros relativamente baixas em algumas operações de financiamento internacional; iii) assimetrias da política
protecionista, que comprometiam a economicidade da industrialização; iv) concentração da renda, na medida que estimulava o
consumo de produtos de indústrias de baixa intensidade do fator trabalho; v) desperdício de capital, decorrente da pouca
competitividade interna, limitando a sua produtividade e a sua utilização eficaz.
25
Em síntese, a acumulação de capital em economias subdesenvolvidas se defrontava com
duas questões-chaves: uma, de ordem quantitativa, vinculava-se com o montante insuficiente de
investimentos face às necessidades de absorção da força de trabalho disponível; a outra, de ordem
qualitativa, relacionava-se com a tecnologia moderna e seu caráter dissonante em relação às
características dos países latino-americanos, marcados pela abundância do fator trabalho. Isto
significa, é importante reafirmar, que a absorção da oferta de mão de obra estava condicionada a
um esforço de acumulação na periferia muito maior do que os países desenvolvidos
empreenderam em momento histórico similar. As evidências estatísticas disponíveis, no entanto,
apontam que tal esforço levado a cabo pela América Latina não pode ser considerado pouco
significativo, ainda que as diferenças entre os países da região não sejam desprezíveis.
De acordo com Víctor Tokman (1982), entre 1950-1980, o crescimento médio anual do
produto latino-americano foi estimado em 5,5%, enquanto a taxa de investimento em relação ao
PIB atingiu a cifra de 21,5%. Comparativamente, tendo como base de referência um período
histórico semelhante em termos de transição ocupacional entre a força de trabalho agrícola e não
agrícola, os Estados Unidos registraram, respectivamente, os seguintes valores para essas
variáveis: 4,8% e 21,4%.
Ademais, no período supracitado, a América Latina experimentou um grande dinamismo
em termos de geração de ocupações não agrícolas. Muitas vezes, tal dinamismo foi equiparável
ou mesmo um pouco superior ao registrado pelos países centrais em período histórico
semelhante. Para muitos países, inclusive, tal crescimento superou o da sua própria PEA não
agrícola (situação mais evidente na Guatemala, na Venezuela e no Equador)21.
Víctor Tokman organiza os termos do debate em bases que se considera apropriadas:
La existencia de mayores diferencias de productividad a distintos niveles tiene una
implicación clara sobre la dinámica de creación de empleo. Cuesta más, en términos de
recursos, absorber a los migrantes y reconvertir el empleo informal urbano en empleo
moderno, que lo que debieron enfrentar los países desarrollados en su oportunidad. Ello
tuvo como resultado en definitiva que la absorción de empleo en los sectores modernos
urbanos, a pesar de ser muy intensa, a juzgar por la experiencia internacional, termine
siendo relativamente insuficiente para disminuir la población ocupada en el sector
informal y para provocar una reducción en el grado de heterogeneidad (TOKMAN,
1982, p. 139).
21 De acordo com Norberto García (1982), a tendência de expansão do subemprego não agrícola na América Latina explica-se
pelo fato de sua taxa de crescimento e a da PEA não agrícola incidirem sobre bases diferentes: como o emprego não agrícola era o
equivalente a dois terços da sua respectiva PEA, o incremento absoluto do primeiro apresentava-se num patamar inferior ao
registrado pela segunda, não obstante os aumentos relativos apresentarem um comportamento diverso.
26
Assim, é possível concluir que, apesar de significativos esforços de acumulação e uma
geração expressiva de postos de trabalho, estes foram insuficientes para que o subemprego
assumisse um caráter marginal nas sociedades latino-americanas, privando o seu processo de
desenvolvimento de uma suficiência dinâmica semelhante ao vivenciado pelos países de
capitalismo avançado.
Isto porque os países subdesenvolvidos se defrontaram, ao longo do seu processo de
desenvolvimento, com uma taxa de crescimento populacional bastante elevada, tendo-se em
conta as verificadas nos países de capitalismo avançado22.
Nesses termos, foi importante o papel desempenhado pelos avanços científicos no campo
médico-sanitário, que, na periferia, assim como nos centros, ampliou consideravelmente a
expectativa de vida da população, mas ao contrário do que se viu nestes últimos não vieram
acompanhados de uma redução na mesma intensidade da taxa de natalidade, ocasionando uma
forte expansão demográfica.
Nas áreas urbanas, o crescimento populacional viu-se impulsionado, para além das questões
ligadas ao crescimento vegetativo da população, por um intenso processo migratório proveniente
do meio rural, posto que a baixa elasticidade-renda da demanda de produtos agrícolas, a
modernização do setor primário e a estrutura da propriedade e da posse da terra (extremamente
concentrada), reduziam a capacidade de absorção de mão de obra das estruturas produtivas
agrárias23.
Ainda nesse sentido, acrescente-se o fato de que os países periféricos constituíram-se, no
final do século XIX e início do XX, em grandes receptores de trabalhadores imigrantes,
provenientes, em sua larga maioria, de países europeus e do Japão.
22 Simon Kuznets (2010 [1954]) destaca que, em sua fase pré-industrial, os países desenvolvidos registraram taxas de crescimento
populacional em torno de 10% por década, com a única exceção da Inglaterra e País de Gales, onde se assinalou um crescimento
aproximado de 15%. Nos países subdesenvolvidos, em período histórico equivalente (primeira metade do século XX), tais taxas
de crescimento ultrapassaram, para um grupo importante de países, o patamar de 20%. Países “jovens e vazios” como Estados
Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, ressalta o autor, registraram um crescimento populacional ainda mais expressivo
(35% por década na primeira metade do século XIX), porém os países subdesenvolvidos, em sua larga maioria, não podem ser
considerados apropriadamente como um território “vazio”. Estimativas semelhantes são apresentadas por Norberto García (1982).
Ademais, não se pode esquecer que a emigração internacional contrabalançou o crescimento populacional vivenciado pelos países
de capitalismo avançado, o que efetivamente não foi uma alternativa dada ao desenvolvimento periférico. 23 A estrutura agrária prevalecente na periferia latino-americana tinha no binômio latifúndio-minifúndio a sua característica
fundamental. Ocioso dizer que tal estrutura implicava em uma subutilização de recursos produtivos: no latifúndio, a subutilização
manifestava-se em termos de terra e de capital, com impactos sociais bastante adversos, uma vez que os investimentos tendiam a
orientar-se para a mecanização agrícola, ou seja, para poupar mão-de-obra; no minifúndio, por sua vez, havia uma subutilização
de mão-de-obra, cujo potencial era desperdiçado em terras de dimensões bastante exíguas. Em síntese, a estrutura agrária da
periferia constituía-se como um empecilho de grande relevância, tanto para a absorção da força de trabalho, quanto para a
expansão da oferta agrícola.
27
A oferta de trabalho nos países subdesenvolvidos notabilizou-se ainda pela
incompatibilidade entre os níveis educacionais e de qualificação de uma mão de obra que, em
grande parte, era egressa de zonas rurais e, portanto, culturalmente não adaptada ao modo de vida
urbano-industrial, e as necessidades da modernização produtiva em curso. Não resta dúvida que
essa questão impunha um obstáculo não negligenciável à elevação da produtividade, uma vez que
comprometia a formação de uma classe gerencial genuína, assim como de uma oferta de trabalho
qualificado24.
É lícito reconhecer que a abordagem regulacionista fornece elementos adicionais
importantes para a compreensão da temática em discussão25. Nesta perspectiva, é possível
afirmar que os países latino-americanos não lograram êxito na implantação de um modo de
desenvolvimento capaz de estabelecer uma conexão virtuosa entre um regime de acumulação
intensiva e um consumo de massa alicerçado em uma relação salarial tipicamente fordista. Esta se
deu, nos países desenvolvidos, por meio da associação entre o trabalho e um conjunto amplo de
direitos sociais, assim como da vinculação da evolução dos salários à da produtividade,
assegurando uma garantia básica de satisfação das necessidades dos trabalhadores (estejam
empregados ou não).
Na América Latina, o consumo de bens duráveis manteve-se restrito a uma parcela
relativamente diminuta da população, possibilitada, por um lado, pela concentração extrema da
renda e, por outro lado, pela alavancagem do sistema de crédito. Ou seja, uma universalização
restrita dos direitos de cidadania, dentre os quais se inclui o direito a liberdade de organização
sindical, assim como o rebaixamento constante do poder de compra dos salários,
impossibilitaram que o trabalho se configurasse no capitalismo periférico como um vetor de
expansão da demanda, capaz de moldá-la adequadamente à oferta e, assim, assegurar o
crescimento econômico de longo prazo26.
Destarte, o capitalismo periférico não foi capaz de reunir, ou reuniu de forma incompleta,
as condições necessárias para que se estabelecesse uma relação salarial tipicamente “fordista”, tal
qual apontado por Robert Castel (1998): i) uma nítida separação entre os que trabalham efetiva e
24 “Aumentar o capital per capita é uma condição essencial, mas não única, do aumento da produtividade. A capacidade de
organizar, dirigir e administrar, por um lado, e a habilidade técnica dos trabalhadores, por outro, são fatores que se revestem
igualmente de grande importância” (CEPAL, 2000 [1951], p. 175). 25 Ver, por exemplo, Boyer (2009) e Marques-Pereira (1998). 26 “As razões de base do esgotamento da substituição das importações remetem à inadequação estrutural da oferta e da procura
globais de um regime de acumulação intensiva baseado sobre a produção de massa sem que se estabeleça paralelamente uma
ordem política instaurando um consumo de massa” (MARQUES-PEREIRA, 1998, p. 342).
28
regularmente e os inativos ou semi-ativos, que devem ser ou excluídos do mercado de trabalho ou
integrados sob formas regulamentadas; ii) a fixação do trabalhador em seu posto de trabalho e a
racionalização do processo de trabalho no quadro de uma “gestão do tempo exata, recortada,
regulamentada”; iii) o acesso por intermédio do salário a “novas normas de consumos operários”,
através do que o próprio operário se torna usuário da produção de massa; iv) o acesso à
propriedade social e aos serviços públicos; e v) a inscrição em um direito do trabalho que
reconhece o trabalhador como membro de um coletivo dotado de um estatuto social além da
dimensão puramente individual do contrato de trabalho.
Interessante notar que, nos países desenvolvidos, o emprego público foi fundamental para
que uma situação de pleno emprego no mercado de trabalho fosse atingida, fato que ocorreu
durante os anos dourados do pós-guerra, na esteira dos processos de construção do Welfare State
nesses países27. Nesse sentido, há inclusive exemplos de países nos quais o emprego público foi o
único responsável pela criação de empregos no período em tela, como a Grã-Bretanha, a Itália e a
França (MATTOS, 2011).
É notório que nos países latino-americanos o emprego público não ganhou a importância
em termos de absorção de mão de obra alcançada pelos seus congêneres nos países
desenvolvidos, mesmo nas economias da região que mais avançaram no processo de
industrialização. Este é, sem dúvida, um dos fatores que ajudam a entender a insuficiência
dinâmica apresentada pela periferia capitalista ao longo do seu desenvolvimento.
Finalizando, convém ressaltar que a aludida heterogeneidade estrutural do capitalismo
periférico tem em sua dupla dimensão, a produtiva e a ocupacional, a sua própria razão de ser.
Em outras palavras, a uma estrutura produtiva heterogênea, expressão da coexistência de setores
de produtividade bastante díspares, emblematicamente representada pela convivência dialética
entre o “moderno” e o “arcaico”, corresponde igualmente uma estrutura ocupacional heterogênea.
Isto porque, conforme já se disse, no capitalismo periférico a força de trabalho deslocada
das atividades agrícolas, bem como a parcela proveniente do seu próprio incremento, não foi
27 “A ideia de desenvolvimento e, mais que isso, o reconhecimento de que os Estados nacionais deveriam ter papel ativo para a
promoção deste desenvolvimento consolidavam-se depois de conhecidas a realidade do pós-Guerra e a necessidade de
reconstrução europeia. Os anseios pela retomada do crescimento econômico enquanto forma de evitar crises sociais, como as
ocorridas em muitos países no entreguerras, promoveram um novo consenso, a favor de maior participação dos Estados nacionais
na condução da vida econômica e social dos países. Supunha-se que, com desenvolvimento econômico, poder-se-ia evitar a
eclosão de crises sociais como as da Grande Depressão que afetou o mundo nos anos 1920 e 1930. Era também consensual que o
cenário social da Grande Depressão, em diversos países, criou um ambiente propício a uma radicalização política que, no limite,
levou à própria eclosão da Segunda Guerra Mundial” (MATTOS, 2011, p. 11).
29
absorvida, em sua maior parte, em camadas técnicas de produtividade e eficácia mais elevada.
Deste modo, ao migrar para as cidades, estes trabalhadores vão se inserir produtivamente em uma
gama variada de ocupações pouco organizadas, de produtividade muito baixa e mal remuneradas,
concentradas, sobretudo, nos serviços pessoais não qualificados (incluindo os serviços
domésticos), nas pequenas atividades mercantis e na indústria de base artesanal ou semi-
artesanal.
O desenvolvimento periférico, portanto, veio acompanhado do que Raúl Prebisch
caracterizou como uma “deformação” de sua estrutura ocupacional. Esta “deformação”, segundo
ele, manifestava-se em três frentes: primeiro, no fato de que a diminuição da força de trabalho
agrícola deu-se de forma muito rápida comparativamente aos países desenvolvidos; segundo, na
tendência decrescente do nível ocupacional na indústria, na construção e na mineração; e, por
último, e como contrapartida do ponto anterior, na expansão acelerada da absorção de mão de
obra pelo setor de serviços, notadamente em seus ramos de mais baixa produtividade,
caracterizando uma “terciarização espúria”, para utilizar a terminologia adotada por Aníbal
Pinto28.
Não por acaso, a literatura especializada em mercado de trabalho produziu uma gama
variada de conceitos com o intuito de lançar luz sobre este fenômeno típico do capitalismo
periférico, ainda que, muitas vezes, a partir de perspectivas distintas: Arthur Lewis (2010 [1954])
o classificou de “oferta ilimitada de mão de obra”; Alfredo Navarrete Jr. e Ifigenia M. de
Navarrete (2010 [1953]) optaram pelo termo “subemprego”; Raúl Prebisch (2000 [1963]) o
denominou de força de trabalho redundante; Lúcio Kowarick (1975), por sua vez, preferiu o
termo “marginalidade”; por fim, a Organização Internacional do Trabalho – OIT (1972) recorreu
ao conceito de “informalidade”.
Sem entrar no mérito das nuances que diferenciam ou aproximam os referidos conceitos,
cumpre ressaltar apenas que eles procuram evidenciar um traço fundamental dos mercados de
trabalho subdesenvolvidos, qual seja, a presença de uma massa de trabalhadores com
produtividade marginal bastante reduzida, no limite inexistente ou mesmo negativa, que reflete,
por sua vez, uma inserção ocupacional singular, caracterizada pelo trabalho exercido de forma
independente, pela presença de relações de trabalho arcaicas (ajuda familiar e trabalho não-
28 “El incremento de la fuerza de trabajo en los servicios, en vez de ser una resultante de la elevación del ingreso y la
diversificación correspondiente de la demanda, es fundamentalmente una expresión de la insuficiencia del crecimiento en las
actividades básicas. En suma, una forma social de disimular o repartir el desempleo” (PINTO, 1965, p. 16).
30
remunerado); pela organização de processos produtivos baseados em tecnologias rudimentares,
quase sempre intensivas em trabalho, e que operam com escala reduzida de produção; e,
finalmente, pela frequente atuação em mercados competitivos.
1.3. O mercado de trabalho em economias subdesenvolvidas
Apesar de alguns países subdesenvolvidos terem implantado, com relativo êxito, uma
estrutura industrial moderna, dentre os quais o Brasil é seguramente um dos destaques, o mercado
de trabalho organizado em torno desta estrutura não reproduziu os traços gerais que caracterizam
o mercado de trabalho presente nos países de capitalismo desenvolvido. A explicação para tanto
não pode se furtar a considerações de ordem mais geral, que abarque as vicissitudes assumidas
pelo desenvolvimento capitalista na periferia, e nesse sentido procurou-se proceder na seção
anterior. Cabem agora, portanto, considerações adicionais que avancem e complementem a
reflexão até aqui apresentada sobre os mercados de trabalho em países subdesenvolvidos.
Antes, porém, enfatize-se uma vez mais que o desenvolvimento periférico singulariza-se
pelo caráter tardio de sua industrialização, na acepção que é dada ao termo por João Manuel
Cardoso de Mello (1998 [1982])29, o que resultou em grandes descontinuidades produtivas e no
mercado de trabalho. Assim, anota Carlos Medeiros (1992), não houve, no capitalismo periférico,
a constituição de uma dinâmica econômica e política subordinada à lógica de um sistema de
grandes empresas e da grande indústria, à semelhança do capitalismo desenvolvido.
A implantação de um sistema de grandes empresas em um ambiente externo marcado por
uma oferta abundante de mão de obra e uma insuficiência dinâmica do sistema econômico, tal
qual se encontra na periferia, moldou um estado de desequilíbrio permanente entre o papel
desempenhado pelas grandes empresas no mercado de produtos (de muita relevância) e no
mercado de trabalho (de pouca expressão). Este aspecto, ao lado dos desníveis de produtividade
bastante acentuados, são características essenciais dos mercados de trabalho dos países
subdesenvolvidos30.
Em uma perspectiva histórica, identificam-se diferentes estruturas regulatórias, que,
combinadas, moldam um padrão de regulação do trabalho e da renda. As informações presentes
29 A esse respeito, ver nota de rodapé n° 11. 30 Ver, entre outros, Baltar (2003 [1985]); Medeiros (1992) e Tavares (1981).
31
no Quadro 1 põem em relevo estas estruturas, acentuando as características principais de cada
uma delas31.
Quadro 01
Estruturas de Regulação do Trabalho e da Renda
Mercados/Regimes salariais
e de emprego
Mercados estruturados Mercados “naturais”
Trocas políticas
1) Incerteza e exposição a
flutuações cíclicas
Baixa,
influência indireta
Alta,
influência direta
Baixa, influência
indireta
2) Sensibilidade às
flutuações políticas
Baixa
Baixa Alta
3) Influência dos sindicatos
Alta
Baixa Baixa
4) Mobilidade: mecanismos
de entrada
Baixa, mecanismos
institucionalizados
Alta, mecanismos não
institucionalizados
Baixa,
mecanismos
políticos
mecanismos de saída Baixa Alta Baixa
5) Segmentação por
características
individuais
Baixa Alta Baixa
6) Relação entre salários e
produtividade Alta Baixa Não se aplica
7) Influência da política
estatal sobre os salários Alta, mas indireta Baixa Alta e direta
Fonte: Medeiros (1992).
Destarte, observa-se que o traço de distinção fundamental entre as estruturas regulatórias é
o maior ou o menor grau de influência que o comportamento dos mercados exerce sobre a
determinação do emprego e da renda em uma dada economia nacional.
Nas economias subdesenvolvidas, a importância, em termos de ocupação, dos mercados
“naturais” e das trocas políticas é consideravelmente maior do que a dos mercados estruturados.
Segundo Carlos Medeiros:
[...] estes distintos princípios estruturantes das relações de emprego não vivem
isoladamente, mas se articulam e ainda que possuam ampla autonomia, se condicionam.
O reconhecimento de que há uma clara hierarquia – implícita na noção de resíduo
associada aos mercados das pequenas empresas, e economia informal – não elimina mas
31 As relações de reciprocidade, afirma Carlos Medeiros (1992), também se constituem como um princípio, ainda que não
mercantil, de regulação do trabalho e dos salários. Elas operam, essencialmente, em âmbito familiar ou comunitário, e
disciplinam, sobretudo, a oferta de trabalho (entrada e saída de crianças e idosos do mercado de trabalho; o estabelecimento de
canais de comunicação entre empregados e não empregados, etc.). Com o Estado de bem-estar social, caminhou-se no sentido de
uma institucionalização destas relações. Contudo, a seletividade que assume os mecanismos estatais de distribuição nos países
subdesenvolvidos tende a aproximá-las de uma lógica de “trocas políticas”, posto que o acesso aos recursos e aos empregos passa
a ser controlado pelos grupos instalados nas estruturas do Estado, de acordo com seus interesses particulares/clientelistas.
32
supõe a constatação de que a integração nacional dos mercados de trabalho se dá a partir
da incorporação de princípios estruturantes distintos (MEDEIROS, 1992, p. 112-113).
Nesse sentido, duas questões merecem destaque: em primeiro lugar, o processo de
estruturação dos mercados de trabalho, conforme definição adotada por Carlos Medeiros (1992),
não é uma decorrência natural e automática da incorporação das tecnologias modernas, que
adviriam com a industrialização, conforme se acreditou ao longo de boa parte do século XX. No
capitalismo periférico, em verdade, as grandes empresas condicionaram e foram condicionadas
por um ambiente externo marcado pela heterogeneidade.
Em segundo lugar, a rigor, uma economia de baixos salários não é aquela que apresenta
esta característica nos segmentos desestruturados do mercado de trabalho, mas aquela que recorre
a uma combinação de diferentes estruturas de regulação do emprego e da formação dos salários,
inclusive por parte de um mesmo agente econômico.
A mencionada descontinuidade produtiva do capitalismo periférico – de natureza
tecnológica e de crescimento dos mercados – associada a uma débil regulação do mercado de
trabalho e a parcas iniciativas exitosas de reformas clássicas do capitalismo contemporâneo, abriu
espaço para a proliferação de atividades produtivas que não se valem das tecnologias e das
instituições consagradas pelo paradigma produtivo moderno. Ademais, as rápidas mudanças
estruturais que acompanharam as industrializações tardias criaram dificuldades notáveis para a
transmissão dos ganhos de produtividade aos salários, assim como para o estabelecimento de
relações de emprego mais estáveis, dados os desencontros que se estabelecem entre a dinâmica da
acumulação e a atuação dos sindicatos.
[...] a recorrência de bruscos e intensos surtos de aprofundamento da industrialização
recoloca permanentemente as condições para uma elevada rotatividade no emprego e
ausência de especialização de mão-de-obra. Em consequência, a base do mercado de
trabalho permanece ampla e não se estruturam amplos segmentos específicos. Somente
uma proporção reduzida dos postos de trabalho dá origem a uma especialização da mão-
de-obra e a uma relação de emprego com maior regularidade (BALTAR, 2003 [1985], p.
200).
Nesse cenário, o Estado assumiu um papel de crescente destaque na regulação dos salários
nas economias subdesenvolvidas, dando ensejo a um processo de “politização dos salários”
(MEDEIROS, 1992).
Conforme chama a atenção Carlos Medeiros (1992, p. 121), “a descontinuidade estrutural
significa a integração numa mesma estrutura de estratégias distintas de investimento e de uso da
força de trabalho”, o que sanciona um mercado de trabalho onde prevalece, como características
33
estruturais, os baixos salários, a alta rotatividade nos postos de trabalho, a baixa capacidade de
regulação sindical das condições de trabalho, e a subcontratação de atividades. Em outras
palavras, molda-se um mercado de trabalho onde a definição do nível do emprego e da renda
subordina-se ao comportamento cíclico dos mercados e, por isso mesmo, aos ditames das classes
proprietárias.
Nesse contexto, os mercados internos de trabalho não encontraram o terreno adequado para
a sua ampla difusão pela estrutura produtiva do capitalismo periférico, apresentando um alcance e
uma importância marginal nestes mercados de trabalho32. Isto porque, conforme já se disse, as
grandes empresas, lócus por excelência dos mercados internos de trabalho, não desempenharam
um papel importante em termos de absorção de mão de obra nas economias aqui estudadas. Além
disso, os longos períodos de déficits democráticos e o caráter despótico que caracteriza as
relações entre capital e trabalho nestas economias dificultam sobremaneira a discussão e a
negociação da organização do trabalho nos espaços intramuros das empresas.
Ademais, essencial a esta discussão é o papel assumido pelos Estados latino-americanos na
organização dos mercados nacionais de trabalho. Por um lado, as iniciativas de governos da
região tidos como “populistas” visavam pacificar as relações de trabalho, harmonizando o
convívio entre as classes sociais. E, não custa lembrar, os códigos trabalhistas e a Justiça do
Trabalho eram instituições que buscavam, justamente, colocar na alçada do aparelho estatal a
gestão dos conflitos sociais e trabalhistas. Por outro lado, conforme alertaram Fiori, assim como
Lessa e Dain33, os Estados latino-americanos, diferentemente das experiências dos países
centrais, moldaram um sistema político com:
[...] menor capacidade de filtrar e intermediar os conflitos de interesses, conferindo
menor autonomia às burocracias estatais. Ou, por outra, o desenvolvimentismo se deu
num contexto sociopolítico em que as órbitas subordinadas do ponto de vista da
industrialização não o são do ponto de vista político (MEDEIROS, 2012, p. 72).
Daí as dificuldades históricas de, durante a industrialização, serem promovidas reformas
tributárias, agrárias, urbanas e sociais, que pudessem lidar com alguns dos problemas crônicos
dos mercados de trabalho periféricos, como o excedente estrutural de mão de obra, o alto grau de
concentração da renda e a frágil rede de proteção social ao trabalhador. De acordo com Octavio
Rodríguez:
32 Os mercados internos de trabalho serão objeto de análise mais detida no próximo capítulo. 33 Citados por Medeiros (2012).
34
Embora o desajuste das escalas de produção em que as técnicas criadas nos países
centrais são traduzidas provoque uma subutilização dos equipamentos, concebe-se que,
em essência, são as estruturas agrária e social os elementos-chave para explicar a
tendência ao crescente subemprego e marginalização, fenômenos que se manifestam de
maneira cada vez mais aguda a partir de meados da década de 1970 (RODRÍGUEZ,
2009, p. 229-230).
Já se mencionou que o desenvolvimento periférico conviveu com taxas bastante elevadas
de crescimento demográfico e de migração rural-urbana, com poucos paralelos entre as
experiências de desenvolvimento dos países hoje considerados desenvolvidos. Ademais, viu-se
que uma parcela apreciável desse fluxo migratório em direção às áreas urbanas foi absorvida por
camadas técnicas de produtividade e eficácia bastante reduzida, muitas vezes pelos segmentos
informais da economia, denotando a insuficiência dinâmica do sistema. Importa, portanto, nesse
momento, refletir acerca do fenômeno da informalidade, assim como evidenciar a sua dinâmica e
as suas conexões com o segmento formal do mercado de trabalho dos países subdesenvolvidos,
notadamente aqueles que lograram êxito na implantação de uma estrutura industrial moderna34.
O setor informal de uma economia capitalista distingue-se pela forma de organização da
produção que lhe é característica, o que significa dizer que o conceito de informalidade parte,
originalmente, do estabelecimento produtivo como unidade de análise.
Desse ponto de vista, por informal entende-se, tradicionalmente, as atividades produtivas
realizadas por produtores independentes, ainda que possam se valer do auxílio de familiares ou de
outros ajudantes. Independência que se expressa na posse dos meios de produção, do estoque de
bens e das qualificações necessárias à realização de sua atividade, o que denota a natureza não
propriamente capitalista das atividades informais. Além disso, convém destacar os seguintes
traços presentes nessas atividades, evidenciados por diversos autores que se debruçaram, sobre o
tema:
i. A ausência de uma separação nítida entre as tarefas de gestão e de produção, sendo
ambas realizadas simultaneamente pelo produtor direto;
ii. As receitas auferidas sustentam, fundamentalmente, o consumo individual e
familiar, assim como a manutenção da atividade econômica, não sendo frequente a
acumulação;
iii. O fluxo de renda e o emprego gerados são o que guia a atividade, e não uma taxa de
retorno competitiva;
34 Ver Cacciamali (1982; 1991; 1994); OIT, (1972); Tokman (1987); e Souza (1999 [1980]).
35
iv. As relações de produção e de trabalho não são impessoais ou de mercado, tendo o
produtor um amplo controle sobre as atividades dos demais participantes;
v. O trabalhador detém o conhecimento do processo de trabalho em sua globalidade,
ainda que este processo seja passível de parcelamento;
vi. A atividade produtiva enfrenta recorrentes descontinuidades ou intermitências,
dadas as características da própria atividade, do mercado de atuação ou do produtor;
vii. O mercado de bens e serviços no qual se insere a atividade informal é o que
determina a receita gerada, e não o mercado de trabalho. Este baliza a decisão de
entrar ou permanecer na informalidade, assim como molda o seu mercado
consumidor, mediante o nível dos salários e da massa salarial vigentes;
viii. A renda dos outros participantes, por sua vez, depende do mercado de atuação do
negócio, da renda auferida pelo produtor direto e pelas decisões de participação e de
remuneração por ele tomadas. Assim, em condições de excesso de oferta de mão de
obra, os membros da família estão suscetíveis a formas não explícitas de
remuneração, ao passo que os outros ajudantes sujeitam-se aos baixos rendimentos e
ao desamparo da legislação trabalhista;
ix. Por fim, as atividades informais tendem a ser invisíveis aos olhos dos órgãos
fiscalizadores, dadas as suas escalas de produção reduzidas, a sua dispersão
geográfica e a sua estreita base de renda para fins tributários.
Dito isso, convém esclarecer que o setor informal, a rigor, não deve ser confundido com os
segmentos de baixa renda do mercado de trabalho, os estratos mais pobres da sociedade, os
trabalhadores à margem dos mecanismos de proteção social, ou mesmo com o exercício de
atividades ilegais próprias da economia submersa, ainda que seja significativa a interseção
existente entre estes grupos do mercado de trabalho.
Do ponto de vista de sua dinâmica, o setor informal possui um caráter intersticial e
subordinado, no sentido de que a ocupação dos espaços econômicos pela produção informal é
subordinada à expansão do segmento verdadeiramente capitalista da economia. Ou seja, é a partir
do movimento deste último que são criados, destruídos e recriados os espaços de atuação abertos
à exploração dos primeiros35.
35 “O processo de penetração das formas tipicamente capitalistas de organização nos diferentes mercados é inexorável e pode estar
ou não associado a um maior grau de ‘eficiência econômica’ em termos microeconômicos. Muitas vezes a empresa tipicamente
capitalista destrói a pequena produção, apesar de oferecer produtos de menor qualidade e de sua ‘produtividade’ microeconômica
36
Nesse sentido, no capitalismo subdesenvolvido, a dinâmica do setor informal, a sua
expansão ou retração, encontra-se associada a, pelo menos, quatro variáveis: ao movimento e à
concorrência impostas pelas empresas capitalistas; aos perfis de renda e de demanda por elas
gerados; aos movimentos da força de trabalho originados destes processos; e, por fim, ao suporte
governamental (econômico, tecnológico, financeiro, etc.) prestado às empresas capitalistas.
É importante realçar que, setorialmente, o desenvolvimento econômico traz consigo uma
tendência de acomodação da informalidade nas atividades terciárias:
[...] à medida que a produção capitalista se expande e captura os ramos de produção de
bens de consumo, tornando-se de massa, a produção informal substituta a este bem se
torna inviável. Enquanto esse movimento ocorre, o espaço produtivo para as atividades
informais se desloca, paulatinamente, para o fornecimento de serviços, mormente
aqueles destinados às unidades de consumo e aos indivíduos e ao comércio
(CACCIAMALI, 1982, p. 31).
Em termos da estrutura do emprego, isto significa que o avanço da acumulação capitalista
e, consequentemente, a destruição dos espaços econômicos destinados às formas não tipicamente
capitalistas de produção, vem acompanhado, em maior ou menor velocidade, por um aumento do
emprego em empresas capitalistas, que absorvem os trabalhadores anteriormente alocados
naqueles espaços ou forçam o seu deslocamento para outras áreas ou atividades (quando isto
ainda é possível).
Assim, a acumulação capitalista encontra nos segmentos econômicos não capitalistas, assim
como no crescimento natural da força de trabalho urbana, a mão de obra necessária à sua
expansão. Desde logo, é importante salientar que não há necessariamente um movimento
harmônico entre os processos de penetração de organizações tipicamente capitalistas no tecido
econômico e a sua absorção de mão de obra. Ao contrário, a já aludida menor dependência dos
processos produtivos com relação ao trabalho humano (em decorrência do aumento da
composição orgânica do capital), o rápido crescimento populacional e uma destruição mais
acelerada dos espaços econômicos destinados à produção não tipicamente capitalista (informal),
tendem a criar uma oferta de mão de obra superior às necessidades do núcleo capitalista da
economia. Convém salientar, nesse sentido, que também não há como assegurar de antemão que
ser também inferior. Em tais situações, a penetração da empresa capitalista justifica-se pelo poder econômico e, em consequência,
por sua capacidade de dominar o mercado” (SOUZA, 1999 [1980], p. 88, grifos do autor). Nas palavras de Maria Cristina
Cacciamali: “[...] à medida que o mercado se amplia e a tecnologia imprime níveis de produtividade social que permite a
exploração dos mercados ocupados em bases capitalistas, a produção informal é deslocada e, não obrigatoriamente, extingue-se.
O movimento relevante é que a produção capitalista pode vir a destruir certas atividades informais num determinado momento e
local e, simultaneamente, criar e recriar outras” (CACCIAMALI, 1982, p. 28).
37
o espaço relegado à produção não capitalista seja suficiente para proporcionar um nível de renda
adequado aos seus trabalhadores36.
Porém, um excesso de oferta de mão de obra não significa uma disponibilidade automática
e ilimitada de força de trabalho. Em linguagem marxista, nem todos os trabalhadores que
compõem a superpopulação relativa integram o exército industrial de reserva, ou seja, não são
todos os trabalhadores que estão prontamente disponíveis e aptos a se incorporarem ao processo
de acumulação.
Nesses termos, não é necessário que, para atrair mão de obra, o núcleo capitalista da
economia pague um salário superior à renda obtida pelos trabalhadores em organizações mais
primitivas, isto porque:
[...] o sistema ajusta as suas necessidades de mão de obra, mediante a ordenação dos
movimentos de mão de obra e não por meio do estabelecimento de diferenças nas
remunerações. [...] o sistema é capaz de satisfazer suas necessidades com a mobilização
de trabalhadores ocupados em outras esferas produtivas, o que significa que a taxa de
salário pode situar-se em qualquer nível, não necessitando guardar relação com a
renda na economia não-capitalista. A razão é simples: os trabalhadores que se
incorporam ao exército de proletários não têm outra alternativa, no momento em que o
fazem (SOUZA, 1999 [1980], p. 96-97, grifos do autor).
Não se pretende negar, contudo, a existência de uma pressão, ainda que indireta, do
segmento informal do mercado de trabalho para o rebaixamento dos salários no núcleo capitalista
da economia, notadamente na base deste mercado de trabalho.
Se é verdade que a mesma – as formas não tipicamente capitalistas de organização – não
exerce pressão direta sobre os salários, sua existência e magnitude aumentam os graus
de liberdade para o núcleo capitalista na busca de soluções para eventuais problemas de
escassez de mão de obra. Nestas situações, o sistema pode simplesmente “apertar o
cerco”, aumentando o ritmo em que destrói o emprego não-capitalista para incrementar o
exército industrial de reserva não mobilizado. [...] Assim, indiretamente, o tamanho do
excedente global de mão de obra é um fator a ser considerado na determinação do poder
de negociação dos trabalhadores do núcleo capitalista da economia (SOUZA, 1999
[1980], p. 98, grifos do autor).
O que esta interpretação procura destacar, portanto, em oposição às teses que advogavam a
impossibilidade da elevação da taxa de salários em um cenário de excedente de mão de obra, é a
inexistência de determinismos, até porque os trabalhadores do setor formal procuram construir
barreiras para dirimir as influências que os demais trabalhadores (desempregados e informais)
36 Isto depende do próprio tamanho do mercado, do número de trabalhadores que atuam em organizações não capitalistas, assim
como do grau de extração de excedente realizado pelo capital, normalmente na esfera da circulação.
38
podem provocar sobre a taxa de salário praticada pelas empresas capitalistas. Nas palavras de
Maria da Conceição Tavares:
El desarrollo de una industria moderna e internacionalizada libera la base salarial de la
industria y de los servicios plenamente capitalistas y burocratizados, de las condiciones
de subsistencia de las masas, al imponer barreras a la entrada a los mercados de trabajo
organizados, tan severas como las que existen en los mercados de bienes (TAVARES,
1981, p. 25).
* * *
A ordem econômica capitalista sob a qual se desenvolveu a industrialização da periferia
latino-americana começou a experimentar transformações importantes ainda no final dos anos
1960, e aprofundadas sobremaneira nas duas décadas seguintes. Tais transformações impactaram
diretamente os caminhos do desenvolvimento latino-americano e, consequentemente, o
funcionamento e a configuração de seus mercados de trabalho. Com isto, os termos que vinham
balizando o debate até aquele momento foram redefinidos. Estas são as questões que nortearão as
reflexões a serem realizadas no próximo capítulo, que terá como ponto de partida uma breve
análise dos principais elementos que compuseram os chamados “anos dourados” capitalistas.
39
Capítulo 2: Trabalho e Padrões de
Desenvolvimento no Capitalismo
Contemporâneo
É importante entender que a configuração do mercado de trabalho e a forma predominante
das relações de emprego nos países economicamente mais avançados foram se alterando ao longo
do tempo, à medida que o capitalismo foi se transformando e o Estado foi se metamorfoseando.
De fato, em meados do século XX, a expansão do emprego em grandes empresas e no setor
público e a regulação social do mercado de trabalho produziram um quadro bastante distinto
daquele que havia sido analisado por Marx, cem anos antes. Pode-se dizer que, durante os “anos
de ouro” do pós-guerra, a mudança na dinâmica da acumulação de capital e a capacidade do
Estado de regular a concorrência alteraram bastante os vetores que determinam o nível de
emprego e dos salários, assim como o grau de proteção oferecido aos trabalhadores. Havia a
crença de que as economias atrasadas poderiam se industrializar e, gradualmente, reproduzir um
mercado de trabalho estruturalmente semelhante.
Posteriormente, as transformações da ordem econômica mundial sob a égide da
“globalização” e o retorno do ideário liberal alteraram novamente os fundamentos estruturantes
do mercado de trabalho nos países centrais. E, mais uma vez, foram redefinidos os parâmetros
que serviam para mensurar o descompasso das estruturas existentes nos países subdesenvolvidos.
O objetivo deste capítulo é identificar os elementos responsáveis pela estruturação do
mercado de trabalho no centro do capitalismo e sua reconfiguração nas últimas três décadas e
meia, para então examinar a importância do padrão de desenvolvimento para a compreensão dos
rumos do mercado de trabalho na América Latina.
40
2.1. Mercado de trabalho e regulação do emprego no centro do capitalismo
Em seus primórdios, na chamada etapa concorrencial, o capitalismo notabilizava-se pela
prevalência de uma estrutura produtiva composta por um elevado número de empresas de
pequeno porte, que detinha individualmente não mais do que uma parcela modesta do capital
social. Deste modo, as barreiras para o surgimento de novos capitais individuais mostravam-se
facilmente transponíveis uma vez que a tecnologia utilizada era simples, as plantas produtivas
eram de pequenas dimensões (escalas de produção reduzidas) e não se exigia um capital inicial
elevado para viabilizar novos investimentos. Nesse contexto, a livre concorrência apresentava-se
como o princípio fundamental de regulação do sistema. Sob sua tutela, disciplinavam-se as
relações entre os diferentes capitais individuais, assim como as relações entre capital e trabalho;
referendava-se a posição hegemônica do capital industrial, amalgamando os seus interesses com
os das outras frações do capital social, notadamente o capital bancário e o capital comercial; e
reestabeleciam-se, quando necessário, as condições de acumulação, mediante a irrupção de crises
periódicas (BARBOSA DE OLIVEIRA, 2003).
Nesse capitalismo concorrencial, que tem no Estado liberal a sua contraparte jurídico-
política, a reprodução socioeconômica do sistema obedecia a princípios estritamente econômicos,
ditados pela livre concorrência37. Para o mercado de trabalho, em particular, isto implicava na
subordinação dos níveis de emprego e dos salários às flutuações da oferta e da demanda por mão
de obra, ou seja, aos mecanismos dos preços de mercado. A pauperização das condições de vida
das massas foi uma consequência inevitável desse modo de regulação do sistema capitalista. A
célebre analogia entre esse processo e a figura de um “moinho satânico”, realizada por Karl
Polanyi (2000 [1944]), dá uma dimensão da gravidade do problema em questão.
Nesse sentido, as raízes das fraturas provocadas pela ascensão de uma economia de
mercado “desregulada” sobre o tecido social ligam-se, sobretudo, ao caráter “fictício” da
mercadoria trabalho e a inexistência de mecanismos de amparo aos detentores dessa mercadoria,
ou seja, os trabalhadores. De acordo com Karl Polanyi:
A ampliação do mecanismo de mercado aos componentes da indústria – trabalho, terra e
dinheiro – foi a consequência inevitável da introdução do sistema fabril numa sociedade
37 “Nem o preço, nem a oferta, nem a demanda devem ser fixados ou regulados; só terão validades as políticas e as medidas que
ajudem a assegurar a auto-regulação do mercado, criando condição para fazer do mercado o único poder organizador na esfera
econômica” (POLANYI, 2000 [1944], p. 90-91).
41
comercial. [...] Dos três elementos, um se destaca mais: trabalho (mão-de-obra) é o
termo técnico usado para os seres humanos na medida em que não são empregadores,
mas empregados. Segue-se daí que a organização do trabalho mudaria simultaneamente
com a organização do sistema de mercado. Entretanto, como a organização do trabalho é
apenas um outro termo para as formas de vida do povo comum, isto significa que o
desenvolvimento do sistema de mercado seria acompanhado de uma mudança na
organização da própria sociedade. Seguindo este raciocínio, a sociedade humana tornara-
se um acessório do sistema econômico (POLANYI, 2000 [1944], p. 97).
A singularidade da mercadoria força de trabalho, vale dizer, coloca os seus proprietários em
uma situação estruturalmente desvantajosa no mercado de trabalho, plasmando uma inegável
assimetria de poder entre demandantes e ofertantes de trabalho, a qual se expressa com maior
intensidade num ambiente de livre concorrência. De acordo com Offe e Hinrichs (1989), tal
assimetria deve-se aos seguintes fatores: (i) ausência de controle dos trabalhadores da oferta
agregada de sua mercadoria, a força de trabalho; (ii) a alta dependência dos trabalhadores em
relação aos empregadores; e (iii) a menor flexibilidade alocativa do trabalho frente ao capital.
Na passagem do século XIX para o século XX, porém, inicia-se um processo de superação
da etapa concorrencial do capitalismo em razão da emergência de uma etapa monopolista. Vale
lembrar que, nesse momento de transição, o monopólio inglês da produção industrial encontrava-
se na berlinda com a ascensão industrial de nações concorrentes, especialmente da Alemanha, dos
Estados Unidos e da França. O livre-cambismo do comércio internacional cedia lugar, pouco a
pouco, para as práticas protecionistas. Da mesma forma, a livre concorrência ia adquirindo novos
contornos à medida que o processo de centralização de capitais avançava de forma célere. Por
fim, um novo padrão tecnológico estava sendo gestado, baseado no aço, na eletricidade, na
química pesada, nos marcos do que ficou conhecido como Segunda Revolução Industrial
(BARBOSA DE OLIVEIRA, 2003).
A centralização de capitais e a concentração do poder econômico eram açodadas, então,
pela agudização da concorrência capitalista, que, de um lado, evidenciava o papel do crédito
como motor da acumulação e, de outro, estimulava o surgimento do capital financeiro, entendido
aqui como expressão do movimento de fusão das formas parciais do capital, notadamente o
capital industrial e o bancário38.
38 A esse respeito, Hilferding (1985 [1910]) e Hobson (1983 [1894]) constituem referências obrigatórias.
42
O capital financeiro eleva a um novo patamar a concorrência capitalista39. Nesse sentido,
cumpre destacar que somente em sua forma “livre” e líquida, cada vez mais centralizado, o
capital pode movimentar-se, sem amarras, em busca das melhores oportunidades de valorização,
o que termina por reafirmar, e não negar, o poder do capital industrial e comercial materializado
nos circuitos prévios de acumulação40. Dessa forma, “[...] são as grandes empresas que levam a
competição capitalista à sua perfeição e não as pequenas empresas do capitalismo concorrencial
clássico” (BELLUZZO, 2013, p. 102).
Trata-se agora, portanto, de um capitalismo formado por empresas com plantas produtivas
de dimensões gigantescas, altamente integradas, mecanizadas (com elevada composição orgânica
do capital, diria Marx) e burocratizadas (no sentido dado por Max Weber), que levam ao
paroxismo a concorrência capitalista. Tal configuração produtiva elevou, evidentemente, o
patamar mínimo necessário de capital para realizar os investimentos, assim como o montante de
capital imobilizado (erguendo-se elevadas barreiras à entrada e à saída), o que restringiu
sobremaneira o surgimento de novos capitais. As inovações, por essa via, passaram a ser
resultado de ações de planejamento e pesquisa empresariais, e não mais de iniciativas de
empresários individuais. Ademais, além de requerer a revolução constante da base técnica e a
ampliação dos mercados, a dinâmica capitalista passou a impor uma organização científica da
produção e novos métodos para disciplinar a força de trabalho.
O avançar do século XX consolidou as bases do chamado capitalismo monopolista, em
meio à emergência de uma nova potência hegemônica41, a qual deu forma a um novo sistema
39 A discussão sobre concorrência e crédito a partir de uma visão marxiana tem por referência as reflexões de
Belluzzo (2013). 40 “A mobilização dos capitais impulsionada pelo sistema de crédito se transforma em uma força do capital industrial
na medida em que promove a supressão das barreiras tecnológicas e de mercado, nascidas do próprio processo de
concentração – em particular daquelas que decorrem do aumento das escalas de produção, com imobilização
crescente de grandes massas de capital fixo. As instituições financeiras que participam da constituição e gestão das
grandes empresas ao estimular a ‘concorrência’ promovem a centralização do capital e, portanto, reforçam o caráter
monopolista dos empreendimentos capitalistas. Na verdade, ao estimular a conquista de novos mercados, provocam
o acirramento da concorrência entre blocos de capital e impulsionam a internacionalização crescente da concorrência
capitalista” (BELLUZZO, 2013, p. 96). 41 A hegemonia norte-americana, conforme chamou a atenção Furtado (1987), esteve baseada, no campo político, no
seu enorme poderio militar. Ademais, tal hegemonia apoiava-se na sua supremacia econômica evidenciada, entre
outros aspectos, pela abundante disponibilidade de recursos naturais, pelo controle por parte de suas empresas de
fontes de matérias primas no exterior e pelo estágio avançado no qual se encontrava a acumulação de capital naquele
país. Por fim, mostrava-se essencial para o exercício da hegemonia norte-americana a sua posição-chave no sistema
monetário internacional do pós-guerra e o seu papel de detentor da moeda reserva deste sistema.
43
econômico internacional e reforçou uma lógica global de expansão de grandes empresas, cujo
núcleo decisório estava instalado nos Estados Unidos e em alguns países europeus.
As duas Guerras mundiais, a grande depressão econômica nos anos 1930 e o sucesso do
planejamento sob a experiência soviética pressionaram os governos capitalistas a promoverem
reformas substantivas no sistema econômico com vistas a dotá-lo de um maior dinamismo e
estabilidade. Em paralelo, após o colapso do Estado liberal, foram fincadas as bases para a
construção de estruturas de proteção social capazes de assegurar um padrão mínimo de bem-estar
para as massas. Foi nesse contexto que germinaram as condições para a sustentação de taxas
elevadas de crescimento econômico42, baixas taxas de inflação, salários reais crescentes ao
compasso da produtividade e menores desigualdades sociais. A este período convencionou-se
chamar de “anos dourados” ou, como preferem os franceses, “os trintas anos gloriosos” do
capitalismo.
As mudanças no sistema monetário internacional, emanadas do Acordo de Bretton Woods,
foram fundamentais para o dinamismo econômico observado nos países desenvolvidos no
imediato pós-guerra, que teve no novo regime monetário, baseado na expansão da moeda-crédito,
um dos seus principais pilares43. Ao mesmo tempo, coibia-se a livre mobilidade dos capitais e o
recurso a desvalorizações cambiais competitivas como instrumento estímulo a aceleração
econômica.
Os “anos dourados” capitalistas basearam-se ainda no fato da economia norte-americana ter
atuado durante todo o período em tela como fonte de liquidez internacional, mediante a expansão
do déficit do seu balanço de pagamentos. Ademais, a construção de um mercado de consumo de
massas, em sintonia com a já aludida oligopolização dos mercados, permitiu a emergência de um
novo modo de desenvolvimento, denominado de fordista (BOYER, 2009).
42 As bases para a retomada do crescimento econômico no período foram dadas pelo Plano Marshall, em 1948, que significou uma
enorme injeção de liquidez na Europa ocidental. Ao ajudar a recompor os mercados internos de consumo desses países, o Plano
Marshall colaborou ainda para a expansão das filiais de empresas norte-americanas em direção ao continente europeu. De acordo
com Antônio Prado, “a reconstrução certamente foi um grande negócio. Mais de um terço das moradias estavam destruídas, mais
de 40% das fábricas, 50% das estradas e ferrovias danificadas, sistemas de energia, de água e esgoto e saúde em funcionamento
precário. Um paraíso para as empreiteiras e fornecedores de equipamentos. Os credores do momento, os EUA, forneceram os
recursos para a empreitada. A Alemanha ocupada foi tratada de forma diferente do que ocorrera na I Guerra, nada de reparações
de guerra, tinha que voltar a se integrar ao mercado capitalista e rapidamente. O Plano Marshall envolve recursos de US$ 13
bilhões da época, US$ 130 bilhões em valores atuais de 2006. Nada mal” (PRADO, 2007, p. 50-51). 43 “O regime monetário que foi superado (padrão ouro) apresentava restrições à expansão da capacidade de produção e ao
crescimento econômico sustentado e duradouro. Ao limitar a expansão da oferta de crédito e a emissão de moeda a uma reserva
em espécie previamente estabelecida, o padrão-ouro mostrava-se incapaz de impulsionar a demanda agregada em momentos de
crise, muitas vezes até aprofundando-a, pois, sob suas regras, o ajuste macroeconômico dos países ocorria via enxugamento da
liquidez” (MATTOS, 2001, p. 22).
44
Nesse sentido, as negociações coletivas tiveram um papel muito importante, ao permitirem
que os salários acompanhassem os ganhos de produtividade e, assim, se difundisse uma norma de
consumo fordista, centrada em bens de consumo duráveis. As negociações coletivas, vale dizer,
ainda davam maior segurança aos empresários, seja por que as decisões de investimentos eram
tomadas em um ambiente de consumo aquecido e sustentável, seja por que o planejamento de
longo prazo podia contar com uma evolução dos custos salariais, de certa forma, previsível.
O novo status adquirido pelas políticas sociais durante os “anos dourados” capitalistas
também atuou em prol da emergência e da consolidação de uma norma de consumo fordista. Para
tanto, foi necessário o surgimento de um fundo público que, de um lado, atendia as necessidades
da acumulação de capital, e, de outro, auxiliava a reprodução da força de trabalho, mediante a
expansão e a institucionalização dos gastos sociais, no âmbito do que se convencionou chamar de
Estado de bem-estar social44.
Neste último sentido, o fundo público serviu de esteio para a construção de estruturas de
proteção social nos países desenvolvidos sem paralelos históricos, que partia do reconhecimento
da aludida singularidade da mercadoria força de trabalho e, em consequência, da posição
desfavorável dos trabalhadores nas sociedades capitalistas. As políticas sociais, doravante,
deixam de ser tratadas no campo da “assistência” e passam ao campo dos “direitos”. Ao mesmo
tempo, o trabalho assalariado passa a representar o elemento central da identidade social nas
sociedades aqui consideradas.
A reformulação da questão social vai consistir não em abolir a oposição proprietário-não
proprietário, mas em defini-la, isto é, em justapor à propriedade privada um outro tipo de
propriedade, a propriedade social, de modo que se possa continuar fora da propriedade
privada sem estar privado de seguridade. [...] Seguridade e trabalho vão tornar-se
substancialmente ligados porque, numa sociedade que se reorganiza em torno da
condição de assalariado, é o estatuto conferido ao trabalho que produz o homólogo
moderno das proteções tradicionalmente asseguradas pela propriedade (CASTEL, 1998,
p. 386-387, grifos do autor).
O Estado de bem-estar social era de fundamental importância para a dinâmica econômica e
do mercado de trabalho dos países desenvolvidos no pós-guerra em pelo menos quatro sentidos:
primeiro, ao funcionar como uma espécie de salário indireto, liberando espaços nos orçamentos
familiares para a aquisição de bens de consumo duráveis (que se valiam ainda da ampla oferta de
44 Este raciocínio foi originalmente formulado por Francisco de Oliveira (1988). De acordo com este autor, o ineditismo deste
momento histórico reside no fato de que “[...] o fundo público é agora um ex-ante das condições de reprodução de cada capital
particular e das condições de vida, em lugar de seu caráter ex-post típico do capitalismo concorrencial” (OLIVEIRA, 1988, p. 9).
45
crédito)45; em segundo lugar, ao operar como estabilizador automático do crescimento
econômico, sustentando o emprego e a renda nos períodos de menor dinamismo; em terceiro
lugar, conforme já se mencionou no capítulo anterior, ao se posicionar como um ator importante
em termos de absorção de mão de obra, através do emprego público46; por fim, e em quarto lugar,
ao nivelar socialmente as condições de entrada dos indivíduos no mercado de trabalho, tornando-
o mais homogêneo. De acordo com Carlos Medeiros (1992, p. 142-143, grifos do autor):
[...] o enfrentamento público às condições sociais prévias ao ingresso no mercado de
trabalho constituiu, na experiência do capitalismo avançado, o mecanismo essencial de
“regulação à pobreza”. Com efeito, toda a experiência de integração social e
redistribuição de renda e riqueza quer reformista, quer revolucionária, atuou
precisamente na nivelação das oportunidades previamente à inserção no mercado de
trabalho. A extensão da cidadania, o acesso aos bens públicos, à casa, à educação, etc.,
permitiram, juntamente com as leis sobre o trabalho do menor e contra as discriminações
às minorias, aumentar o poder estratégico dos grupos sociais e dos indivíduos no
mercado de trabalho. Supor que as reduções das desigualdades e heterogeneidades seja
um resultado passivo da “integração no mercado de trabalho” significa atribuir a este um
fator de homogeneização social; resultado, linear, da integração produtiva. [...] Neste
sentido, foi a intervenção sobre as condições de vida da não-PEA que se atuou sobre a
PEA, sobretudo em seus “grupos-problemas”.
As observações de Antônio Prado (2007, p. 179) vão na mesma direção:
A igualdade tem um sentido? Sim, a emancipação e a plena realização do ser humano
em suas potencialidades. Pode o mercado de trabalho, em si, ser o elemento catalisador
dessa possibilidade? Não, a igualdade é uma construção política e só pode ser construída
a partir e além desse espaço. As conquistas amplas dos trabalhadores sempre ocorreram
a partir da luta política. E também as conquistas dos discriminados, explorados,
rebaixados e excluídos do mercado de trabalho, como as mulheres, os negros.
Nesse estágio do desenvolvimento capitalista, os Estados nacionais dos países
desenvolvidos já haviam ampliado, e muito, os seus raios de atuação para além daqueles
delineados pelo Liberalismo. Tornava-se, então, imperiosa a adoção do planejamento como
instrumento de gestão de políticas públicas, notadamente as sociais, articulando-as entre si e
também com as necessidades mais amplas do desenvolvimento nacional47.
45 “O crescimento do salário indireto, nas proporções assinaladas, transformou-se em liberação do salário direto ou da renda
domiciliar disponível para alimentar o consumo de massa. O crescimento dos mercados, especialmente do de bens de consumo
duráveis, teve, portanto, como uma de suas alavancas importantes, o comportamento já assinalado das despesas sociais públicas
ou do salário indireto” (OLIVEIRA, 1988, p. 10). 46 A esse respeito, ver Mattos (2011). 47 “A proteção social é uma inevitabilidade na ordem social capitalista? Sem dúvida, principalmente se considerarmos que a
democracia parlamentar é instituição integrante dessa ordem. A ampliação do direito de voto é acompanhada por políticas em
defesa de grupos específicos. [...] Mas podemos ainda estabelecer que esta inevitabilidade é estrutural das economias industriais.
A luta política e a militância estabelecem o ritmo, a abrangência e a qualidade da proteção social, mas ela, em essência, decorre
do sistema industrial” (PRADO, 2007, p. 154).
46
A aludida coordenação do desenvolvimento econômico tinha como objetivo principal o
alcance e a manutenção de uma situação de pleno emprego da população economicamente
ativa48. Para tanto, foram mobilizadas diversas políticas governamentais, inclusive as políticas
macroeconômicas. Estas, arejadas pelas ideias keynesianas, foram orientadas no sentido de
manipular a demanda agregada, elevar os investimentos e os gastos públicos49, e, assim, acelerar
o crescimento e controlar os ciclos econômicos, suavizando-os50.
No âmbito da organização da produção (e do trabalho), consolidou-se nesse período o
paradigma taylorista-fordista, que, de acordo com Thomas Gounet (1999), se apoiava em cinco
transformações principais: i) produção em massa, possibilitada pela extrema racionalização das
tarefas e, consequentemente, por uma queda dos custos de produção; ii) parcelamento das tarefas
à tradição taylorista; iii) estabelecimento de uma linha de montagem, responsável pela
interligação dos trabalhos individuais e pelo controle da gerência do ritmo de produção; iv)
padronização das peças e, por tabela, a organização vertical das empresas; v) automatização da
fábrica.
O mercado de trabalho não passou incólume a todo esse processo. O sentido geral de tais
transformações apontou para a perda de importância (relativa) da regulação mercantil na
determinação do emprego e dos salários, representada, de um lado, pela constituição dos
chamados mercados internos de trabalho e, por outro, pelo maior protagonismo de sindicatos
(principalmente por meio das negociações coletivas) e do Estado na definição e no
comportamento destas variáveis.
Os mercados internos de trabalho51, conforme o próprio nome sugere, resultaram da
delimitação no âmbito das empresas das funções de precificação e de alocação da mão de obra,
antes a cargo de mercados competitivos. Erigiu-se, dessa forma, com a chancela e a participação
dos sindicatos de trabalhadores, uma escala interna de postos de trabalho, hierarquizados a partir
de parâmetros específicos (como funções, qualificações e salários), que refletia a posição que o
48 “A única forma social que pode assumir o direito de viver, para os trabalhadores, é o direito ao trabalho. É o homólogo do
direito de propriedade para os abastados” (CASTEL, 1998, p. 350, grifos do autor). 49 Nesse sentido, constituiu-se como elemento central dos gastos públicos dos países desenvolvidos no pós-guerra o crescimento
contínuo e expressivo dos orçamentos militares, que, curiosamente, não encontrava maiores objeções por parte dos neoliberais,
que se mantiveram indiferentes ao crescimento deste tipo de gasto, como bem lembra Antônio Prado (2007). 50 “De certo modo, tal determinação de manter o pleno emprego é o coroamento do Estado do Bem-Estar democrático. É
geralmente compreendido e aceito que isso implica numa decisão de utilizar até mesmo políticas radicais, se necessário, para
manter toda a força de trabalho empregada e, também, que isso torna necessária uma observação cuidadosa de todo o
desenvolvimento econômico e uma coordenação planejada de todas as diretivas econômicas” (MYRDAL, 1962, p. 83). 51 A esse respeito, Doeringer e Piore (1985 [1971]) são as referências aqui utilizadas.
47
posto de trabalho ocupava na referida escala. Nesse sentido, a ascensão profissional e salarial
passou a ser condicionada por regras que disciplinavam as possibilidades de avanço da mão de
obra empregada a um posto de trabalho situado em um nível hierárquico superior. Isto significa
que os postos de trabalho compreendidos nas estruturas hierárquicas das empresas, especialmente
as de médio e grande porte, passaram a guardar uma relação tênue com o mercado geral de
trabalho.
A estabilidade das relações de trabalho constituía-se em um elemento fundante e
estruturador dos mercados internos de trabalho. Do ponto de vista dos trabalhadores, o acesso a
estes mercados representava uma maior segurança no emprego, graças ao seu insulamento frente
à competição externa, e uma ascensão profissional orientada por regras transparentes e
equitativas, pactuadas por meio de negociações locais entre as classes dirigentes e os
representantes sindicais.
Da perspectiva das empresas, os mercados internos de trabalho eram vistos como um meio
de redução de custos associados à contratação e à demissão de trabalhadores. Primeiro, conforme
já dito, porque as relações de trabalho tendiam a ser mais estáveis. Segundo, porque os
trabalhadores pertencentes aos quadros da empresa formavam uma oferta de trabalho acessível e
conhecida, o que tornava as políticas de seleção e contratação de trabalhadores mais eficientes e
menos onerosas.
Porém, mais do que isso, os mercados internos de trabalho, ao oferecerem perspectivas de
estabilidade, carreira e progressão salarial aos trabalhadores, significavam o estabelecimento de
uma estratégia de formação interna de quadros profissionais, que era concebida em estreita
sintonia com a estratégia geral de competição das empresas.
Em suma, as empresas, sobretudo as de porte mais elevado, passaram a se abastecer da
força de trabalho necessária preferencialmente por meio dos mercados internos de trabalho. O
mercado geral (ou externo) de trabalho era acionado tão somente quando era preciso preencher as
vagas consideradas “portas de entrada” para os mercados internos de trabalho ou,
secundariamente, quando havia a necessidade pontual de mão de obra que não se encontrava
disponível internamente. A balcanização do mercado de trabalho, vale dizer, era uma decorrência
inevitável desse processo52.
52 Nesse sentido, a insegurança no emprego, traço característico dos mercados externos de trabalho, era uma realidade
particularmente comum para os trabalhadores jovens, negros, mulheres e imigrantes.
48
As transformações acima aludidas favoreceram o estabelecimento de conexões virtuosas
entre salários e produtividade, pavimentando o caminho para a constituição de uma “economia de
altos salários”53, tal qual se desenvolveu nos países de capitalismo avançado.
A relação entre os salários e outras condições de emprego, por um lado, e a eficiência da
mão-de-obra ou a magnitude do produto, por outro lado, é claramente uma relação de
determinação recíproca. Todo o aumento de salários, de lazer e, em geral, do padrão de
conforto aumentará a eficiência da mão-de-obra; todo o incremento da eficiência,
decorrência direta ou não dessas ou de outras causas, possibilitará o pagamento de
salários mais altos e a diminuição das horas de trabalho (HOBSON, 1983 [1894], p.
273).
Portanto, a sinergia entre salários e produtividade se estabeleceu como uma via de mão
dupla. Se, por um lado, a elevação da produtividade apresentava-se como um pré-requisito para a
expansão dos salários, por outro, também é válida a afirmação de que o aumento dos salários
atuava como um indutor do crescimento da produtividade (os salários de eficiência de concepção
marshalliana). Neste último caso, conforme observou Carlos Medeiros (1992), os salários são
determinados por critérios extra-mercados e contribuem para uma modernização produtiva das
empresas54.
Ademais, convém destacar que a diminuição da jornada de trabalho e os altos salários
mostravam-se funcionais, em termos econômicos, ao sistema capitalista tal qual ele vinha se
organizando naquela quadra do século passado55.
A liberação do tempo de trabalho mostrava-se essencial para que os trabalhadores
assumissem, no gozo do seu tempo livre, o papel de consumidores, sancionando o novo padrão
de consumo emergente, sem a qual a engrenagem do crescimento econômico capitalista tenderia
a apresentar sobressaltos. Assim sendo, “economia de altos salários” e “economia de alto
consumo” são o verso e o reverso de um mesmo processo56.
Entretanto, a discussão entre salários e produtividade não pode ater-se exclusivamente a
uma perspectiva microeconômica. Enquanto o progresso técnico capitalista se encarrega de
53 A expressão é de autoria de Hobson (1983 [1894]). 54 Esta situação parece não ser adequada às grandes empresas, sublinha Medeiros (1992), onde altos salários e baixos custos do
trabalho convivem lado a lado e as inovações tecnológicas respeitam determinantes de ordem mais geral, não tendo os preços relativos que compõem os seus custos qualquer papel relevante. Todavia, entre as empresas intensivas em mão de obra e pouco
inovadoras, a aludida cadeia de determinação salários-inovação mostra-se factível. 55 Esta afirmação não contradiz o fato de que a elevação dos salários e a redução da jornada de trabalho foram conquistas dos
trabalhadores e, portanto, processos de conteúdo eminentemente político. 56 “Uma elevação de salários, em termos de dinheiro, que afeta o padrão de vida, introduzindo certas mudanças de consumo que
requerem, para que possam produzir todo o benefício e toda a satisfação possíveis, um aumento do tempo despendido no
consumo, só pode tornar-se efetiva com uma diminuição do tempo de produção, ou seja, das horas de trabalho” (HOBSON, 1983
[1894], p. 275).
49
rebaixar os custos do trabalho, a expansão dos salários reais depende de um custo de vida
cadente57 e do consequente deslocamento do consumo dos trabalhadores em direção aos produtos
que caracterizam a civilização industrial moderna.
Nos anos dourados do capitalismo, tal deslocamento foi possível, como já dito, graças ao
crescimento do salário indireto (representado pelas políticas sociais), à expansão do crédito
(enquanto instrumento de acesso ao capital social) e à emergência de veículos de comunicação de
massa (criação e renovação de necessidades58). Nesse sentido, convém reconhecer que:
O padrão de acumulação de pós guerra torna maduro não o capitalismo industrial, pois
esse já estava maduro desde o final do século XIX, considerando como critério de
maturidade a constituição de um departamento de produção de bens de capital que passa
a ser a expressão da causa causans da dinâmica capitalista, os gastos com investimentos;
mas sim a Sociedade do Consumo. Esta, a grande novidade histórica (PRADO, 2007, p.
158).
2.2. A reconfiguração do trabalho na ordem capitalista contemporânea
Os anos 1970 significaram um ponto de ruptura na trajetória histórica do capitalismo,
evidenciado pela reversão do quadro econômico virtuoso59 e, mais importante, pelo forte
questionamento do Estado Social e da regulação construída no pós-guerra. Com efeito, pode-se
dizer que foi naquele momento que os alicerces dos “anos dourados” ruíram frente a um conjunto
de transformações de ordem econômica, tecnológica, sociopolítica e cultural60. O capitalismo
deve a esse conjunto de transformações, que se consolidaram nas décadas seguintes, a sua
estrutura e dinâmica atuais.
Nesse sentido, o desmantelamento da ordem econômica internacional emanada das
negociações em Bretton Woods, em julho de 1944, foi de fundamental importância. As causas do
desmantelamento repousam nas contradições internas da própria institucionalidade monetário-
57 Trata-se de uma diminuição dos preços dos bens-salário, ou seja, daqueles produtos que constituem a cesta básica de consumo
do trabalhador, de acordo com o seu padrão de vida. Contempla os bens e serviços considerados de primeira necessidade como
alimentos, vestuário, habitação, transporte, saúde e educação. A definição legal de um salário mínimo, nesse sentido, tem como
intuito assegurar ao trabalhador o acesso aos referidos bens e serviços. 58 “O evangelho do consumo introduz um conceito, o da insatisfação controlada. Criar o sentimento de necessidades urgentes era
a chave. A produção de inutilidades deveria encontrar um consumidor ávido por coisas absolutamente percebidas como essenciais
para sua sobrevivência. O homem de palha deveria sentir-se soberano, condutor de seu destino e pertencendo ao seu tempo. Oh,
Lord, won’t you buy me a Mercedes Bens. Mas seria sacrificado com a perda de sentido em sua vida. Se alguma vez ela teve
algum” (PRADO, 2007, p. 36-37). 59 Expressam esta piora do quadro econômico os baixos ganhos de produtividade, o recuo dos investimentos e da taxa de lucro, a
desaceleração do crescimento econômico e a elevação da inflação e do desemprego. 60 Foge ao escopo desta tese uma consideração pormenorizada de tais transformações em todas as suas dimensões. Os textos que
serviram de apoio às reflexões apresentadas nesta seção auxiliam a compor uma visão mais completa do tema.
50
financeira em questão, cuja fonte de liquidez, o déficit do balanço de pagamentos da economia
norte-americana, colocava em xeque, de forma crescente, a credibilidade do dólar e a sua
conversibilidade em ouro (conhecido como “Dilema de Triffin”). Ademais, o aludido déficit foi
alimentado pelos gastos crescentes dos americanos com a Guerra do Vietnã e pela perda de
competitividade industrial da sua economia face ao maior dinamismo apresentado pelas
indústrias alemã e japonesa, o que adicionou um componente estrutural ao déficit da balança
comercial americana (MATTOS, 2001).
Assim, em 1971, os Estados Unidos suspendem unilateralmente a conversibilidade do dólar
em ouro; dois anos mais tarde, adotam a flutuação (suja) das taxas de câmbio; e, por fim, em
1979, mais uma vez de forma unilateral, decidem pela elevação abrupta de suas taxas de juros, no
intuito de assegurar o caráter de moeda reserva do sistema internacional do dólar e reafirmar o
seu papel de potência hegemônica (movimento que ficou conhecido como “diplomacia do dólar
forte”61). Dessa forma, decreta Luiz Gonzaga Belluzzo (1995, p. 15): “se alguém desejasse
marcar uma data para a derrocada final da arquitetura de Bretton Woods teria alguma chance de
acertar, escolhendo outubro de 1979”.
No novo cenário, os demais países da OCDE passaram a implementar políticas
macroeconômicas deflacionistas para enfrentar a deterioração dos seus balanços de pagamentos,
provocada pela migração de capitais para a economia norte-americana. Adicionalmente, os dois
choques do petróleo, em 1973 e 1979, reposicionaram os custos energéticos em um patamar bem
acima do praticado desde o pós-guerra, pressionando os custos de produção das empresas e o
nível geral de preços dessas economias62. A partir de então, inaugurou-se um período de
prevalência de altas taxas de juros, forte instabilidade cambial, crescimento econômico lento e
volátil, altas taxas de desemprego e de inflação, e crises econômicas periódicas entre os países
desenvolvidos.
No plano político e ideológico, a chegada ao poder de Margaret Thatcher na Inglaterra, em
maio de 1979, e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, em janeiro de 1981, representou o triunfo
acachapante do neoliberalismo e da sua crítica ao “consenso keynesiano” que serviu de
61 Além da diplomacia do dólar forte, os movimentos no plano estratégico-militar reafirmaram a hegemonia americana, que
modificou profundamente a hierarquia das relações internacionais (TAVARES, 1992). 62 O baixo preço do petróleo foi de fundamental importância para o caráter virtuoso da economia no pós-guerra. Eric Hobsbawm
não deixa dúvidas a esse respeito: “Um dos motivos pelos quais a Era de Ouro foi de ouro é que o preço do barril de petróleo saudita custava em média menos de dois dólares durante todo o período de 1950 a 1973, com isso tornando a energia
ridiculamente barata, e barateando-a cada vez mais” (HOBSBAWM, 1995, p. 258).
51
sustentação aos “anos dourados” do capitalismo no pós-guerra. Para os neoliberais, ao almejarem
(e promoverem) um igualitarismo “desencorajador” da livre-concorrência, mediante maiores
salários e proteção social mais ampla, o Estado Social e os sindicatos ameaçavam as liberdades
individuais e o bom funcionamento do sistema capitalista (ANDERSON, 1995).
Dado o diagnóstico, a agenda política proposta era clara: restabelecer níveis “saudáveis” de
desigualdade e favorecer a atuação desimpedida de uma economia de mercado. Para tanto,
impunham-se: uma política monetária e fiscal dura, com redução dos gastos sociais; o
rompimento do poder dos sindicatos, mediante a recomposição de uma taxa “natural” de
desemprego e a repressão (violenta) de movimentos grevistas; uma reforma tributária para
revigorar a concorrência (o que significava, na prática, uma diminuição de impostos incidentes
sobre os ricos); e, finalmente, a desregulamentação dos mercados de bens e serviços e dos fluxos
de capitais e a flexibilização das relações de trabalho.
Para a América Latina, o receituário neoliberal veio chancelado por um conjunto de
agências internacionais, com destaque para o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco
Mundial, e foram apresentadas como fundamentais para que os países da região retomassem o
caminho do desenvolvimento interrompido com a crise da dívida externa nos anos 1980. A estas
recomendações de políticas de corte neoliberal convencionou-se chamar de Consenso de
Washington.
No que diz respeito ao processo de desregulamentação dos mercados, convém salientar que
o processo mais “exitoso”, no sentido de que mais se avançou em direção aos objetivos
inicialmente traçados, foi o dos mercados financeiros, conduzido pelo Estado norte-americano e,
como linha auxiliar, pelo seu congênere inglês. Assim, ainda nos anos 1960, ambos os Estados
patrocinaram a criação e o fortalecimento do euromercado de dólar, constituído de forma paralela
aos sistemas financeiros nacionais. Na década seguinte, os Estados Unidos suprimiram boa parte
da legislação que disciplinava e limitava a movimentação de capitais.
Conforme assevera Luiz Gonzaga Belluzzo (1999), as medidas de liberalização dos
mercados financeiros levadas a cabo ao longo dos anos 1970 (e que prosseguiram na década
seguinte) refletem as alterações ocorridas na estrutura da riqueza capitalista e nas relações de
poder entre as classes proprietárias, manifestas (i) na maior importância da riqueza financeira no
total da riqueza capitalista; (ii) no progressivo empoderamento dos administradores privados da
massa de riqueza mobiliária na definição das formas de utilização da riqueza líquida e do crédito;
52
e, finalmente, (iii) no posicionamento dos mercados financeiros liberalizados como tribunais de
julgamento das políticas econômicas nacionais.
No início dos anos 1980, a desregulamentação monetária e financeira, associada aos
processos de descompartimentalização e desintermediação dos mercados financeiros nacionais,
forneceu as bases para a constituição da chamada “mundialização financeira”, conceito que
sintetiza um movimento de transição de um regime de finanças administradas para um regime de
finanças de mercado.
A financeirização da economia foi uma decorrência direta de tais transformações. Por
financeirização, entende-se a emergência de um novo padrão sistêmico da riqueza, ou seja, de
uma forma específica de definir, gerir e realizar a riqueza capitalista (BRAGA, 2000 [1985]).
Assim, no âmbito das grandes corporações capitalistas – multisetoriais, multifuncionais e
multinacionais – as decisões relativas à valorização do capital passam a ser balizadas por um
cálculo financeiro geral que busca, em última instância, uma taxa de lucro geral. Portanto, a
função-objetivo de tais corporações incorpora e combina três dimensões distintas, a saber: as
finanças, o investimento com progresso tecnológico e a produção para os mercados interno e
externo. Em outras palavras, a acumulação financeira e a acumulação produtiva andam lado a
lado nas estratégias de valorização da riqueza.
Fica claro a partir desta definição que os limites que separam o capital industrial e o capital
bancário são bastante tênues no capitalismo contemporâneo. Em verdade, o que se manifesta é a
expansão do capital financeiro tal qual Hilferding (1985 [1910]) o conceituou ainda no início do
século XX: a união de variadas formas sociais do capital (mercantil, industrial, bancário, agrário)
em um mesmo conglomerado ou corporação, propiciada pela existência de uma holding,
possibilita maior fluidez e potencializa a acumulação de capital.
Nesse sentido, cabem referências também às transformações operadas no âmbito da
governança corporativa, uma dimensão importante do processo de financeirização. Tais
transformações dizem respeito à importância crescente que os esquemas de remuneração por
ações (stock options) adquirem na gestão de competências e recursos humanos das empresas, o
que promove uma conexão entre a gestão empresarial e os interesses dos acionistas,
“financeirizando” e impondo um “curto-prazismo”, à lógica de atuação produtiva e comercial das
empresas capitalistas. A esta forma particular de responsabilidades entre empresas, dirigentes e
acionistas convencionou-se chamar de “valor acionarial” ou “soberania acionarial”. Nessa
53
perspectiva, convencionou-se que “une entreprise bien gérée est une entreprise au servisse de ses
actionnaires, l’inflation du cours boursier s’imposant comme critère ultime de réussite”
(AGLIETTA; REBÉRIOUX, 2004, p. 23).
A financeirização trouxe implicações importantes para a dinâmica macroeconômica, uma
vez que as decisões de gastos dos agentes econômicos (empresas, bancos e famílias) tendem a
subordinar-se, de forma crescente, às expectativas de enriquecimento financeiro. Luciano
Coutinho e Luiz Gonzaga Belluzzo chamaram a atenção para este fato:
A mudança na composição da riqueza provocou dois efeitos importantes para as
decisões de gasto: 1) ampliou o universo de agentes que, detendo uma parcela
importante de sua riqueza sob a forma financeira, têm necessidade de levar em conta a
variação de preços dos ativos; 2) esta ampliação do efeito riqueza implica a possibilidade
de flutuações mais violentas do consumo e do investimento. O consumo deixa de ter o
comportamento relativamente estável previsto pela função-consumo keynesiana e passa
a apresentar um componente típico das decisões de gasto dos capitalistas (COUTINHO;
BELLUZZO, 1998, p. 139).
Foi nesse contexto que se deu uma ampla e intensa reestruturação industrial. Convém ter
em mente, nesse sentido, que tal movimento não pode ser desvinculado das já mencionadas
mudanças em matéria de políticas macroeconômicas e de financeirização da economia. O novo
regime macroeconômico implicou, por um lado, em uma redefinição das condições de
financiamento do Estado63 e, por outro, em um constrangimento da rentabilidade da grande
empresa nos países desenvolvidos, levando-as a uma maior internacionalização de suas
atividades e, assim, ao acirramento da concorrência em escala global64. Em paralelo, a
financeirização tornou, conforme já dito, a gestão empresarial aprisionada a um horizonte de
curto prazo de tal forma que tornou premente uma racionalização cada vez maior da produção,
com impactos diretos sobre a organização do trabalho nos espaços intramuros das firmas, aspecto
a ser tratado adiante.
A globalização do final do século XX não pode ser vista como um mero prolongamento de
tendências manifestas em períodos anteriores, ainda que, em essência, esse processo possa ser
caracterizado como uma ampliação do comércio mundial e uma maior integração dos mercados
nacionais, estimuladas pela queda de barreiras tarifárias e não tarifárias às transações comerciais
e pelas inovações tecnológicas ligadas ao “complexo eletrônico” (COUTINHO, 1992; 1995).
63 O cenário econômico recessivo provocou uma deterioração expressiva das finanças públicas, com déficits crescentes associados
a uma queda da arrecadação e ao aumento da dívida pública. 64 Opções mais estreitas de valorização de capital na esfera produtiva também serviram de combustível para a financeirização da
economia.
54
Assim, a empresa verticalizada da era fordista dá lugar a formas organizacionais em rede,
ao passo que suas cadeias de valor são reposicionadas em escala global, mediante estratégias
complexas de integração de processos produtivos sediados em diversos países65. A tendência, no
entanto, manifesta-se de forma bastante desigual: as atividades de menor valor agregado, como as
tarefas de montagem de produtos eletrônicos e de fabricação de têxteis, são transferidas para os
países periféricos, que apresentam custos mais baixos de mão de obra, ao passo que as atividades
de maior valor agregado, normalmente as de concepção e design de produtos e a definição de
estratégias de comercialização, permanecem nos centros capitalistas.
São nessas circunstâncias que a China emerge como a “grande fábrica” do mundo, apoiada
em baixos custos de mão de obra e taxas de câmbio desvalorizadas, mas, também, na formação
de gigantescos distritos industriais e nos ganhos de eficiência daí derivados, na utilização
combinada de tecnologias modernas e ultrapassadas (dotando a produção de uma elevada
versatilidade) e no relacionamento estreito entre a indústria, centros de pesquisa e o Estado
chineses. Provêm da associação desse conjunto de fatores uma queda vertiginosa dos custos de
produção e, consequentemente, uma revolução no consumo de massas (CASTRO, 2012 [2008]).
A aludida ascensão industrial chinesa provocou, ao mesmo tempo, uma elevação
exponencial da demanda por matérias-primas e energia, o que levou a uma elevação dos preços
desses produtos e a uma ampliação das relações comerciais da China com a periferia do sistema
exportadora destes produtos. De acordo com Luiz Gonzaga Belluzzo (2013, p. 131-132), “o bloco
industrializado da Ásia, articulado em torno da China, funcionou e ainda funciona como uma
engrenagem de transmissão entre a demanda gerada nos países centrais e a oferta das economias
‘exportadoras de recursos naturais’”.
Ademais, convém chamar a atenção para o fato de que a afirmação da China como um
novo polo de valorização da riqueza capitalista, associada aos processos de desregulamentação
dos mercados, trouxe consigo uma pressão adicional sobre o padrão salarial e o sistema de
proteção social vigente nos países desenvolvidos. Isto porque o padrão de produção chinês foi
alçado à condição de “paradigma produtivo”, “condição de sobrevivência” para as indústrias
65 “Complex integration strategy is based upon a firm’s ability to shift production or supply to wherever it is most profitable.
Under complex integration, any affiliate operating anywhere may perform, either by itself or with other affiliates or the parent
firm, functions for the firm as a whole. Each operation is judge in terms of its contribution to the entire value chain. Complex
integration requires a willingness to locate various functional activities – not just production, but also research and development,
finance, accounting, etc. – wherever they can be done best to fulfill the firm’s overall strategy” (UNCTAD, 1993, p. 121, grifos
do autor). De acordo com este relatório, os avanços no campo da tecnologia da informação, a convergência dos padrões nacionais
de consumo e a intensificação da concorrência explicam o surgimento de estratégias complexas de integração produtiva.
55
instaladas em outros países, alimentando uma onda de reformas trabalhistas e sociais pelo mundo
ocidental, fenômeno que Marx já havia antecipado em O capital66.
Em um primeiro momento, os países desenvolvidos não demonstraram maiores
preocupações com o deslocamento da produção manufatureira em direção aos países asiáticos,
especialmente à China. As teorias laudatórias da “nova economia”, que enalteciam os benefícios
de uma economia “pós-industrial” baseada nos serviços davam suporte a esta reação67.
Diante desse cenário, torna-se evidente que a organização fordista do espaço produtivo e do
trabalho mostrava-se cada vez mais contraproducente68. Era fundamental, nesse sentido, “pensar
pelo avesso” o fordismo69, invertendo a relação de determinação causal entre produção e
consumo. Nesses termos, não existia mais espaço, em um cenário econômico instável, de
competição acirrada e de demanda hesitante, para condescendências com a formação excessiva
de estoques e de tempos mortos ao longo do processo produtivo (o que tornava premente a
organização just-in-time do espaço produtivo e a intensificação do processo de trabalho). Assim,
dissemina-se pelo Ocidente, ainda que sujeito a adaptações nacionais, a influência do modelo
japonês de produção que, como adverte Thomas Gounet (1999, p. 29), pode ser sintetizado como
“um sistema de organização da produção baseado em uma reposta imediata às variações da
demanda e que exige, portanto, uma organização flexível do trabalho (inclusive dos
trabalhadores) e integrada”.
A flexibilidade produtiva e do trabalho reclamada pelo modelo japonês encontrava enormes
resistências na automação de base eletromecânica e nos sistemas nacionais de relações de
trabalho. Na verdade, a modernização tecnológica deveria vir acompanhada de uma redefinição
do arcabouço legal de regulação do trabalho (a chamada flexibilização). Assim sendo, os países
desenvolvidos promoveram reformas de diversas amplitudes em seus sistemas nacionais de
relações de trabalho que apontaram para a sua descentralização, ganhando relevância a esfera
66 “Hoje graças à concorrência do mercado mundial, desde então estabelecida, nós estamos um bom pedaço adiante. ‘Se a China’,
declara o parlamentar Stapleton a seus eleitores, ‘se tornar um grande país industrial, não vejo como a população trabalhadora
europeia poderia sustentar a luta, sem descer ao nível de seus concorrentes’ (Times, 3 de setembro de 1873) – Não mais salários
continentais, não, salários chineses, este é agora o objetivo almejado pelo capital inglês” (MARX, 1984 [1867], nota de rodapé n°
53, p. 179). 67 Esta não é a atual postura dos países desenvolvidos. Tanto os Estado Unidos, quanto a União Europeia, anunciaram nos últimos
anos políticas para revitalizar os seus parques industriais e, em alguma medida, reverter o movimento de deslocamento em direção
ao continente asiático (FIESP, 2013). 68 Inclusive, argumenta-se que a queda da produtividade verificada no ocaso dos “anos dourados” capitalistas tem a ver com o
fordismo e a indisciplina fabril resultante da confrontação a uma lógica de organização do trabalho que tolhia a iniciativa e a
dignidade dos trabalhadores. 69 A expressão é de Coriat (1994).
56
negocial no âmbito da empresa (DEDECCA, 1997). Buscava-se, deste modo, uma melhor
adequação entre as inovações organizacionais de matriz japonesa e o aparato regulatório do
trabalho presente nestes países. Ao mesmo tempo, a gestação de um novo paradigma tecnológico
(o “complexo eletrônico”) no último quarto do século passado serviu de pilar de sustentação para
a redefinição em bases mais flexíveis de processos produtivos e de trabalho, suplantando o
paradigma eletromecânico. No limite, o que as empresas almejavam era uma maior liberdade de
alocação, de utilização e de remuneração da mão de obra, ao sabor dos ciclos econômicos.
O mundo do trabalho nos países de capitalismo avançado foi paulatinamente perdendo a
relativa homogeneidade que lhe foi característica no pós-guerra: a difusão do progresso técnico
passa a ser parcial, ampliando a desigualdade entre os níveis médios de produtividade do
trabalho; as conquistas obtidas pelas categorias trabalhistas melhor organizadas deixam de se
disseminar, aumentando a desigualdade associada com a segmentação do mercado de trabalho; e
proliferam situações ocupacionais, de remuneração e de proteção ao trabalho estruturalmente
heterogêneas. Houve uma crescente precarização do mercado de trabalho com o avanço de
ocupações de baixa qualificação e remuneração, normalmente associadas ao setor de serviços, e
uma proliferação de formas contratuais “flexíveis” (trabalho em tempo parcial, por tempo
determinado, a domicílio). Acrescenta-se a este quadro, o abandono do compromisso com o
pleno emprego, enquanto aumenta o desemprego de longa duração em boa parte dos países
desenvolvidos.
Além do mais, muitos destes países presenciaram o início de uma rápida e intensa trajetória
de reconcentração da renda, com os salários reais avançando de forma bastante lenta durante o
período, sobretudo naqueles países que mais seguiram à risca a agenda da desregulamentação dos
mercados empenhada pelo neoliberalismo.
A aludida deterioração dos mercados de trabalho no centro do capitalismo também resulta
de transformações políticas verificadas nos anos 1980 e 1990, que contribuíram para enfraquecer
a capacidade de regulação pública das economias nacionais, assim como para minar as bases
sobre as quais os sindicatos ergueram a sua capacidade de atuação.
Assim, pouco a pouco, o trabalho foi sendo despojado de seu papel de bastião de um padrão
mais elevado de bem estar social e, em paralelo, foi se disseminando a insegurança entre os
indivíduos inseridos no mercado de trabalho (MATTOSO, 1995). Conforme os trabalhadores em
situação vulnerável se tornavam cada vez mais numerosos, os efeitos deletérios de sua condição
57
ultrapassavam as preocupações mais imediatas ligadas à sobrevivência, uma vez que, nas
sociedades modernas, a sociabilidade e a identidade social foram organizadas em torno do
trabalho. Afinal, conforme alertava Robert Castel (1998, p. 552), “não se constrói cidadania sobre
inutilidade social”.
Diante das novas tendências em curso na Europa, na América do Norte e no Japão, de um
lado, e da grave crise social e econômica nas regiões subdesenvolvidas do planeta, de outro, no
final da década de 1990, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) elegeu o direito a um
trabalho decente – “um problema capital do nosso tempo” – como o desafio que deveria
mobilizar todas as nações no início do novo milênio (OIT, 1999). A esse respeito, afirmou:
“Actualmente, la finalidad primordial de la OIT es promover oportunidades para que los hombres
y las mujeres puedan conseguir un trabajo decente y productivo en condiciones de libertad,
equidad, seguridad y dignidad humana”. Dessa forma, o conceito de trabalho decente foi
concebido como “[...] el punto de convergencia de sus cuatro objetivos estratégicos: la promoción
de los derechos fundamentales en el trabajo; el empleo; la protección social y el diálogo social”
(OIT, 1999, p. 4).
Nesse momento, quando ganhava força o discurso sobre a inevitabilidade de um
crescimento econômico sem empregos e sobre a necessidade de flexibilização das normas que
regulavam o mercado de trabalho nos países em que a proteção ao trabalhador estava mais
institucionalizada, pode-se dizer que a proposta da OIT tentava resistir à disseminação da
doutrina neoliberal70. De fato, procurava resgatar o pressuposto de que o desenvolvimento
econômico de uma nação deveria ser acompanhado de um aprimoramento da regulação social do
trabalho, do compromisso com o pleno emprego e da democratização das relações de trabalho.
Contudo, ao mesmo tempo, o novo discurso da OIT era um sintoma das mudanças em
andamento, que haviam provocado uma reconfiguração do trabalho na ordem capitalista
contemporânea e rompido o elo (cada vez mais frágil) entre desenvolvimento, pleno emprego,
salários crescendo com a produtividade e elevado padrão de proteção social. Antônio Prado
70 “A velha pergunta é inevitável. É a utopia neoliberal uma possibilidade real? Não. O neoliberalismo é um movimento
regressivo, que busca desconstruir estruturas fundamentais para a sobrevivência da ordem social capitalista. O limite da sua
exacerbação é o colapso social e econômico. Este só não ocorre porque as instituições do modo de regulação social democrata não
foram desativadas. O pragmatismo dos políticos neoliberais é mais sábio do que o fundamentalismo de seus teóricos. Evitam os
confrontos finais, recuam quando a sociedade organizada reage e retornam com sua agenda regressiva sempre que percebem a
exaustão dos movimentos. […] A desconexão do neoliberalismo com o desenvolvimento é uma tragédia. Não encontra saída
possível, pois as formações sociais desmoronam, mas não regridem” (PRADO, 2007, p. 16-17).
58
aborda, com precisão, o significado da ofensiva neoliberal sobre as instituições fundantes dos
“anos dourados” capitalistas:
Podemos postular que os 30 anos gloriosos são rigorosamente a maturidade do contra-
movimento ao mercado auto-regulável. E que o neoliberalismo é meramente uma reação
ao desenvolvimento capitalista numa sociedade democrática. Os anos neoliberais são
trágicos, porque encerram uma busca sem saída. Não é possível resgatar o que nunca
existiu plenamente, exatamente porque não poderia existir sem destruir a sociedade. A
Idade de Ouro do capitalismo do século XX não é um período atípico, é o resultado de
mais de meio século do contra-movimento ao mercado auto-regulável. E sedimentou
estruturas que não são reversíveis. A tragédia está em que a vitória neoliberal conduzirá
não ao ótimo de Pareto, mas à barbárie (PRADO, 2007, p. 5-6).
2.3. Padrões de desenvolvimento e mercado de trabalho na América Latina
No final dos anos 1980, considerada como a “década perdida”, a desilusão com a
industrialização periférica era patente entre governantes, intelectuais e representantes da
sociedade latino-americana de uma forma geral. Os prometidos ganhos de bem-estar não se
concretizaram, enquanto os níveis de pobreza e de desigualdade continuaram alarmantes e cada
vez mais distantes dos padrões encontrados nos países desenvolvidos. O ritmo do crescimento
econômico, motor da mobilidade social das décadas passadas, havia desacelerado
consideravelmente, ao passo que a inflação atingira patamares inusitados mesmo para as
economias em questão.
Nesse contexto, a adoção de políticas ortodoxas foi justificada pela difusão da crença de
que as causas fundamentais dos problemas dos mercados de trabalho da região residiam nas
distorções provocadas pelas políticas econômicas do modelo de industrialização. Tais distorções,
alertavam os seus críticos, provocavam graves desincentivos à geração de empregos: (i) o viés
anti-exportador colidia com a dotação de fatores presente na região, com o que se subutilizava o
fator trabalho; (ii) o viés urbano implicava na subordinação das atividades agrícolas, mais
intensivas em mão de obra, às necessidades de geração de divisas e alimentos e insumos
industriais baratos, freando a sua expansão; (iii) o viés pró-atividades intensivas em capital
advinha do barateamento dos preços relativos deste fator, tido como necessário à modernização
produtiva; e (iv) o viés contrário à demanda por mão de obra tinha como fundamento os custos
trabalhistas não salariais, a sindicalização, o tamanho excessivo do setor público, a política de
59
salário mínimo, entre outros, que contribuíam para o encarecimento do fator trabalho (WELLER,
2000).
Dado o diagnóstico, passou-se a recomendar aos países latino-americanos, sobretudo a
partir dos anos 1990, sob as diretrizes emanadas do Consenso de Washington, o completo
abandono do padrão de desenvolvimento vigente nas décadas anteriores, marcado, conforme já
analisado no capítulo anterior, por um conjunto de estratégias industrializantes deliberadamente
conduzidas pelo Estado. Desta forma, predominaram nas economias da região reformas de
orientação neoliberal: drástica abertura comercial e financeira, privatizações, desregulamentações
dos mercados e duro ajuste fiscal. Sob a ótica do mercado de trabalho, tais medidas eram vistas
como favoráveis a uma maior geração de empregos, visto que por meio delas os países latino-
americanos poderiam voltar a crescer a taxas mais elevadas, reorientar os investimentos para
atividades de uso mais intensivo em trabalho e estimular mudanças tecnológicas tendentes a uma
substituição de fatores em prol do trabalho. Ademais, as referidas reformas teriam o condão de
melhorar o perfil distributivo dessas economias (WELLER, 2000).
As análises e as recomendações de políticas produzidos pela CEPAL nos anos 1990, por
sua vez, procuraram se adequar a estes novos tempos, lançando as bases do que veio
posteriormente a se chamar de “neoestruturalismo”71. Em um cenário cuja crítica dominante, de
corte neoliberal, repousava sobre a ineficiência de uma indústria superprotegida, identificada
como a raiz dos desequilíbrios macroeconômicos que acometiam a região, a CEPAL (apoiada nas
contribuições de Fernando Fajnzylber) acentuou as suas críticas nessa direção, alertando para os
excessos de proteção concedidos à indústria ao longo das décadas passadas72. Ao mesmo tempo,
procurou reafirmar a importância de políticas proativas para o desenvolvimento latino-americano
(diferenciando-se, portanto, da crítica neoliberal). Tais excessos, afirmava a CEPAL, redundaram
na implantação de uma base industrial na qual a “maioria dos ramos manufatureiros foi se
71 Ver, a esse respeito, Rodríguez (2009) e Bielschowsky (2009). “La fórmula neoestructuralista permitió tender un puente con los
gobiernos latinoamericanos y caribeños que habían adherido a las reformas, sin abandonar la construcción analítica estructuralista
original e insistiendo en la necesidad urgente de implementar políticas de transformación social y económica para superar el
subdesarrollo, más allá del funcionamiento del libre mercado. Si para algunos ello significó rendirse al neoliberalismo, para otros
fue una alternativa que permitiría seguir incidiendo en los destinos de la región desde la perspectiva teórica y metodológica
clásica de la CEPAL” (BIELSCHOWSKY, 2009, p. 179). 72 Tal preocupação, vale dizer, sempre esteve presente nos relatórios da instituição e nos escritos de Raúl Prebisch. Em 1959, em
publicação da Organização das Nações Unidas, Prebisch afirmara: “Não cabe desconhecer o fato de que, em muitos países latino-
americanos, existem indústrias que se acostumaram com uma proteção exagerada e, em alguns casos, com um regime proibitivo,
que levou ao esquecimento da ideia da concorrência externa”. Complementa Prebisch, em defesa de uma maior integração
comercial latino-americana: “Com efeito, o mercado comum tenderá a reduzir os custos de produção e, portanto, a necessidade de
proteção contra o resto do mundo” (PREBISCH, 2011 [1959], p. 364-365).
60
instalando com base em uma cópia grosseira das tecnologias utilizadas nos grandes centros, com
descuido do exercício da criatividade e dos processos de aprendizado exigidos pelo avanço
tecnológico posterior” (RODRÍGUEZ, 2009, p. 513).
Assim, temas como inovação e progresso técnico, educação e conhecimento, controle dos
fluxos de capitais externos e regulação das finanças, tornaram-se bastante caros para a CEPAL
nos anos 1990, como elementos constitutivos de uma estratégia de desenvolvimento que
combinasse transformação produtiva com equidade. Tais elementos eram considerados pela
instituição como fundamentais para que os países da região obtivessem uma competitividade
autêntica, ou seja, que não estivesse baseada em meras manipulações na taxa de câmbio, em
baixos salários ou em recursos naturais (todos componentes do que se considerava uma
competitividade “espúria”).
No final do século XX, portanto, havia poucas vozes dissonantes sobre a necessidade de
uma abertura das economias latino-americanas à concorrência externa, o que fomentaria,
imaginava-se, uma maior eficiência e aprendizagem tecnológica das indústrias locais, estimularia
a reinserção delas na nova divisão internacional do trabalho e diminuiria as brechas tecnológicas
e produtivas com relação aos países desenvolvidos. Entretanto, a estratégia preconizada pela
Cepal de abertura “gradual e administrada” à concorrência internacional das economias latino-
americanas sucumbiu frente à avalanche ideológica promovida pelo pensamento neoliberal na
região.
Após a desorganização econômica e financeira da década de 1980, quando as economias
latino-americanas viram-se obrigadas a realizar uma transferência de recursos reais para o
exterior, premidas pela crise da dívida e pela consequente ruptura do financiamento externo, o
que prevaleceu na região, nos anos 1990, foi uma abertura comercial abrupta, açodada por um
rápido processo de redução de barreiras tarifárias e não tarifárias, assim como pela
sobrevalorização cambial. Como consequência, assistiu-se a uma desarticulação de importantes
elos das cadeias produtivas instaladas nas economias mais avançadas da região, provocando uma
aguda regressão produtiva (redução da participação da indústria de transformação no PIB) e uma
“reprimarização” da pauta de exportações (ampliação do peso relativo de produtos agrícolas e
minerais).
Desse ponto de vista, cabe considerar ainda que a desnacionalização da estrutura produtiva
dos países latino-americanos, impulsionada por amplos programas de privatizações, aprofundou a
61
alienação de centros decisórios e amplificou a remessa de lucros e dividendos ao exterior, sem ter
contribuído de forma relevante para a elevação da taxa de investimento e, conforme já se
destacou, para o crescimento da economia.
O processo de abertura econômica na América Latina, entretanto, não se restringiu à sua
dimensão produtiva. A partir dos anos 1990 promoveu-se entre essas economias uma progressiva
liberalização financeira. Primeiro, como pilar de sustentação para o equilíbrio do balanço de
pagamentos no âmbito de programas de estabilização de preços adotados pelos países da região.
Para além desse aspecto, a abertura financeira era vista como um meio de acesso facilitado ao
financiamento externo e de compartilhamento e diversificação de riscos. Ao contrário do
imaginado, porém, a consequência mais evidente desta medida foi uma ampliação vigorosa da
vulnerabilidade externa dessas economias, tornando-as dependentes de capitais de curto prazo,
extremamente voláteis, para equilibrar as suas contas externas.
A reorientação no padrão de desenvolvimento latino-americano veio acompanhada de
mudanças nos métodos de organização da produção e do trabalho, em sintonia com o que ocorria
nos países desenvolvidos. Em primeiro lugar, as empresas foram constrangidas a introduzir os
métodos em voga de organização da produção e do trabalho (e das tecnologias de base
microeletrônica) – movimento que tinha sido hesitante e pontual na década de 1980. Nesse
sentido, just-in-time, kanban, terceirização, qualidade total, polivalência do trabalhador,
tornaram-se expressões cada vez mais comuns nos discursos empresariais a partir do final do
século passado.
Em segundo lugar, ganha grande ressonância nos países latino-americanos, nos anos 1990,
os discursos em prol da flexibilização das relações de trabalho, ou seja, em favor de uma maior
liberdade empresarial na admissão e demissão, no uso e na remuneração da mão de obra,
tomando o “sucesso” norte-americano como modelo (PRONI; GOMES, 2007). Dizia-se que as
regulamentações encareceriam o preço da mão de obra da região, elevando-o acima do nível de
equilíbrio – seja diretamente (ao estabelecer um salário mínimo, por exemplo) ou indiretamente
(ao impor custos à demissão). De outro lado, as regulamentações dificultariam a capacidade de
ajuste dos mercados de trabalho latino-americanos. Como resultado, a geração de empregos na
região estaria ocorrendo abaixo do seu potencial, comprometendo a eficiência do ajuste do
mercado de trabalho, limitando a formação de capital humano e promovendo uma polarização
entre um segmento formal e outro informal (WELLER, 2000). De acordo com Lydia Fraile
62
(2009, p. 250-251), “las recetas programáticas del decenio de 1990 no sólo consideraban las
instituciones principalmente desde el punto de vista de la eficiencia económica, sino que partían
del supuesto de que sólo había una manera de lograrla: la liberalización”.
Quadro 02
Medidas de Flexibilização do Mercado de Trabalho nas Décadas de 1980 e 1990
Como resposta, medidas “flexibilizadoras” dos sistemas nacionais de relações de trabalho
foram implementadas, a despeito de tais sistemas guardarem uma pálida semelhança com seus
congêneres europeus, os quais inspiraram originalmente o debate acerca da “flexibilização” do
trabalho. Tais medidas procuravam apontar para uma facilitação e uma redução dos custos de
demissão; uma desvalorização do valor do salário mínimo (e uma utilização mais cautelosa dessa
política); uma diminuição dos custos trabalhistas não salariais; relações contratuais mais
flexíveis; desregulamentação dos mecanismos de determinação dos salários e das condições de
trabalho; e, por fim, concentração das negociações trabalhistas ao nível da empresa. O Quadro
Mudanças por meio de Argentinaa
Bolívia Brasil Chileb
México Uruguai
Medidas legislativas ou públicas
Demissões mais fáceis ou mais baratas X X X
Contratos atípicos X X X X X
Redução de contribuições sociais X X X
Redução de custos com acidentes de trabalho X
Fim da indexação salarial X X X X
Retirada do Estado da negociação coletiva do
setor privadoX X X X
Descentralização da negociação coletiva X X X
Flexibilidade salarial com participação em
benefíciosX
Flexibilidade da jornada de trabalho X X X
Novas restrições aos sindicatos, às
negociações coletivas e às grevesX
Negociação coletiva
Descentralização da negociação X X X X X X
Redução da cobertura da negociação X X X X X
Flexibilidade da jornada, dos salários e
funcionalX X X X
a Houve certo retrocesso na Argentina depois de 1988, sobretudo com relação aos contratos atípicos.
Fonte: Fraile (2009).
b No Chile, a maioria das mudanças se iniciou sob o mandato de Augusto Pinochet na década de 1970 e foi codificada no Plano
Trabalhista entre 1979 e 1981. Os governos democráticos as corrigiram parcialmente na década de 1990.
63
02, elaborado por Fraile (2009), sintetiza as principais medidas de flexibilização do trabalho
adotadas nas décadas de 1980 e 1990 por alguns países da região.
O choque neoliberal dado nas economias latino-americanas foi relativamente exitoso no
que toca ao controle inflacionário. Todavia, do ponto de vista da retomada do crescimento
econômico, pode-se afirmar que a experiência neoliberal foi frustrante, ainda que, em média, o
crescimento dos anos 1990 tenha superado o da década anterior, em um cenário externo pontuado
por crises.
Dessa forma, alerta Jürgen Weller (2000), as reformas econômicas neoliberais trouxeram
impactos contraditórios sobre a geração de empregos: de um lado, um crescimento econômico
ligeiramente mais positivo favoreceu uma expansão da ocupação; de outro, porém, a apreciação
das moedas e a abertura comercial tornaram o crescimento menos intensivo em mão de obra,
frustrando as expectativas iniciais a respeito das reformas.
Assim, o que se viu foi uma escalada das taxas de desemprego na América Latina. De
acordo com a OIT (2003), entre 1990 e 1995, a taxa média anual aumentou de 5,7% para 7,4%,
passando para 8,9%, em 1999. A trajetória de alta do desemprego manteve-se nos anos seguintes,
com o que foi atingido, em 2002, o patamar de 10,8%, o que significa uma taxa cerca de 90%
maior do que a vigente em 1990. Apesar de especificidades nacionais, esta foi a tendência nas
principais economias da região, com exceção do México, que ostenta a menor taxa de
desemprego da região (Gráfico 01).
Para além do aumento expressivo das taxas de desemprego, os anos 1990 e os primeiros
anos da década de 2000 testemunharam transformações importantes no mercado de trabalho da
América Latina e Caribe, que afetaram sobremaneira a sua composição setorial e a qualidade das
ocupações. Nesse sentido, atuaram destacadamente quatro processos: as privatizações, a
terciarização, a informalização e a precarização das ocupações (OIT, 2003).
64
GRÁFICO 01
Taxas de Desemprego Aberto Urbano
América Latina e Países Selecionados – 1990/1995/1999/2002
Fonte: OIT (2003). Elaboração própria.
Assim, observa-se que, de cada 100 novos postos de trabalho gerados na América Latina
entre 1990 e 2002, aproximadamente 94 foram de responsabilidade do setor privado, o que reflete
a perda de importância relativa do emprego público na absorção de mão de obra e, de maneira
mais ampla, o recuo da participação do Estado na economia, em sintonia com as reformas
neoliberais adotadas no período. Além disso, a maior parte dos postos de trabalho gerados pelo
setor privado no intervalo de tempo em questão situava-se no segmento informal da economia:
estima-se que de cada 100 postos de trabalho gerados, cerca de 66 eram informais, o que ampliou
a participação deste setor de 42,8%, em 1990, para 46,5%, em 2002. Nesse sentido, Tokman
(2001) acrescenta que houve também uma transformação dentro do trabalho informal: se nos
anos 1980 a informalidade se abrigava, sobretudo, nas microempresas, nos anos 1990 ela se
manifesta mais expressivamente por meio do trabalho por conta própria. Ele adverte: “Ello
requiere de un análisis de mayor profundidad, pues la calidad de los empleos en microempresas
es mejor que la de otras ocupaciones informales, ya que permiten alcanzar ingresos que son sólo
65
entre el 10 y el 20 por ciento inferiores a los que se obtendrían en los sectores modernos”.
(TOKMAN, 2001, p. 20-21)73.
Correlato a este processo de informalização, percebe-se, no período em análise, um
movimento de terciarização do emprego na região: de cada 100 novas ocupações,
aproximadamente 94 encontravam-se no setor de serviços, com o que foi ampliada a sua
importância relativa no mercado de trabalho, de 71,2%, em 1990, para 74,1%, em 2002.
GRÁFICO 02
Indicadores da Evolução da Estrutura do Emprego e da Proteção Social
América Latina e Caribe – 1990-2002
Fonte: OIT (2003). Elaboração própria.
Paralelamente, a América Latina e Caribe presenciaram uma precarização do seu mercado
de trabalho, expressa pelo aumento de trabalhadores não contribuintes da Seguridade Social e
que, portanto, encontram-se desprotegidos pelas políticas públicas. Entre 1990 e 2002, somente
44 de cada 100 postos de trabalho criados proporcionavam o acesso do trabalhador aos serviços
da Seguridade Social (Gráfico 02).
73 Para Tokman (2001), a importância crescente da informalidade, iniciada ainda nos anos 1980, marcou uma ruptura
com relação às três décadas anteriores, e foi determinada, basicamente, pela redução expressiva do emprego público
e pela queda do emprego na grande empresa.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Setor
privado
Setor
público
Setor
informal
Setor
formal
Setor de
bens
Setor de
serviços
Cobertura
da
seguridade
social
Sem
cobertura
da
seguridade
social
Criação de emprego
por setor (público-
privado)
Criação de emprego
por estrutura
ocupacional
Criação de emprego
por ramo de atividade
econômica
Criação de emprego
assalariado segundo
contribuição a
seguridade social
66
Junta-se aos aspectos mencionados, o aumento das desigualdades salariais na região,
resultado dos desequilíbrios entre oferta e demanda por mão de obra, do enfraquecimento dos
sindicatos e de uma administração conservadora da política de reajuste do salário mínimo. Para
Jürgen Weller, é mais apropriado dizer que houve um crescimento polarizado do emprego na
região. Ele explica:
[...] hubo una polarización del empleo en lo que se refiere a su cantidad, debido a que
gran parte del empleo adicional se creó en categorías de trabajo caracterizadas por su
baja productividad, y debido también al surgimiento de nuevos puestos de trabajo de
calificación mediana y alta, sobre todo en el sector terciario. Se advierte, en segundo
lugar, que dos fenómenos tendieron a polarizar el empleo en lo que respecta a su
calidad: por una parte, se amplió la distancia entre empleos de mayor y menor
calificación dentro de las actividades formales […]. Por otra parte, entre las
microempresas aumentó simultáneamente el número de unidades de alta calificación
ocupacional y, con mayor fuerza, el de unidades informales (WELLER, 2000, p. 187-
188, grifos do autor).
O debate sobre a informalidade nos mercados de trabalho latino-americanos ganhou novos
contornos nas últimas décadas do século passado, a partir de contribuições que procuravam
iluminar diferentes aspectos do problema no contexto das transformações capitalistas
contemporâneas. Assim, a informalidade, tradicionalmente ligada à problemática do excedente de
mão de obra e da reprodução sui generis do capitalismo na região, passou a ser interpretada a
partir de novos (e distintos) pontos de vista: a) como um setor importante em termos de geração
de novas ocupações; b) como o resultado do excesso de rigidez da legislação trabalhista; c) como
um segmento do mercado de trabalho que reúne ocupações precárias e inseguras; d) como
consequência inexorável de um processo de transição para uma economia de serviços; e e) como
uma dimensão de um “processo de informalidade”, intimamente ligado à reorganização
econômica contemporânea (KREIN; PRONI, 2010).
Para José Dari Krein e Marcelo Proni (2010), atualmente, sobrepõem-se à concepção
tradicional de informalidade novas formas de manifestação do fenômeno, ligadas à configuração
atual do capitalismo e ao declínio do emprego fordista como paradigma de referência de relações
de trabalho. Ou seja, a flexibilização dos mercados de trabalho, a redefinição do papel do Estado
e o menor poder de regulação social do trabalho, em um contexto de deterioração do emprego,
faz com que o novo padrão de desenvolvimento traga em sua própria lógica de expansão a
reprodução da informalidade, agora sob novas formas: relações de emprego disfarçadas na figura
de Pessoa Jurídica (PJ), falsas cooperativas, trabalho informal em domicílio, relação de emprego
67
triangular, falso voluntários do terceiro setor, trabalho estágio, autônomo proletarizado e
contratações por prazo ou tempo determinado seriam expressões desta “nova informalidade”74.
Nesse sentido, com vistas a uma melhor captação desta nova realidade, os instrumentos de
medição estatística da informalidade foram aprimorados, sob orientação da OIT: além do
conceito de setor informal, construído com base no tamanho das empresas e na categoria
ocupacional, com o que se contemplava os trabalhadores independentes e os trabalhadores
familiares não remunerados (entendidos como uma aproximação dos setores de baixa
produtividade), formulou-se a noção de emprego informal. Esta foi uma iniciativa que, partindo
das características dos postos de trabalho, visava captar os empregos informais abrigados pelo
setor formal.
Por outro lado, dada a dificuldade crescente de inserir o conjunto da população trabalhadora
no setor organizado em moldes capitalistas ou no setor público, foram adotadas políticas
destinadas a incentivar o empreendedorismo e a oferecer suporte técnico e financeiro para as
microempresas, procurando tirar da ilegalidade as atividades que geralmente eram classificadas
como informais. Com baixas taxas de crescimento econômico, a geração de empregos mostrava-
se claramente insuficiente, em especial para absorver os trabalhadores jovens, o que provocou
uma mudança de postura em relação ao problema da informalidade.
Convém pontuar, ademais, que, no período em análise, as economias asiáticas assumiram
um padrão de desenvolvimento distinto das economias latino-americanas, uma vez que as
primeiras foram condicionadas por uma integração diferenciada à globalização e por políticas
domésticas também distintas. Não se pode esquecer de mencionar, nesse sentido, dois outros
elementos explicativos fundamentais:
[...] à exceção das Filipinas, nos demais países, a crise financeira provocada pelo
aumento dos juros internacionais no início dos anos 1980 foi relativamente suave, ou
inexistente. Seu endividamento ou era reduzido em termos absolutos (Índia e China) ou
o era relativamente a suas exportações (Coreia do Sul, Tailândia e Indonésia). A
Indonésia, diga-se de passagem, vivia, na entrada da década de 1980, um boom
petroleiro que a protegeu da crise. O segundo elemento, válido a partir da segunda
metade dos anos 1980, foi o movimento de expansão integrada entre os países do
sudeste asiático, provocado inicialmente pela expansão da produção industrial por
74 É precisamente nesse sentido que Cacciamali (2000) propõe que a informalidade seja interpretada, nos dias de hoje, como um
processo ligado às transformações capitalistas recentes: “[...] no momento contemporâneo, tendo em vista as transformações
estruturais na produção e nas instituições que estão se manifestando no âmbito global, nas regiões e localidades, o Processo de
Informalidade deve ser associado às diferentes formas de inserção do trabalho que se originam dos processos de reformatação das
economias mundial, nacionais e locais. Essas formas, sejam elas novas, recriadas ou ampliadas, devem ser tipificadas, de tal
forma a constituírem em si mesmas categorias de análise, embora o exame sobre seu comportamento e evolução deva ser sempre
referenciado ao processo de desenvolvimento econômico, social e político em andamento” (CACCIAMALI, 2000, 164).
68
capitais japoneses nos países da região e, mais tarde, pela expansão da China
(BIELSCHOWSKY, 2013a, p. 896).
Na América Latina, predominou uma inserção à nova ordem internacional com base em
uma integração financeira mais intensa, enquanto que na Ásia privilegiou-se uma integração via
fluxos de capitais (Investimentos Diretos Externos - IDEs), que foram direcionados, sobretudo,
para os investimentos na modalidade greenfields, com o que se promoveu um catching-up
produtivo-tecnológico com relação aos países desenvolvidos. Na América Latina, vale dizer, os
IDEs que para cá se dirigiram assumiram uma feição eminentemente patrimonialista
(CARNEIRO, 2007). As reflexões de Bresser-Pereira complementam a análise comparativa das
trajetórias divergentes seguidas pelos países latino-americanos e asiáticos:
Por que taxas de crescimento tão diferentes? No nível mais imediato das políticas
econômicas, o problema fundamental está relacionado à perda de controle sobre o
preço macroeconômico mais estratégico em uma economia aberta: a taxa de câmbio.
[...] Quanto às reformas, os países latino-americanos aceitaram indiscriminadamente
todas as reformas liberalizantes, privatizando de maneira irresponsável serviços públicos
monopolistas e abrindo suas contas de capital, enquanto que os asiáticos foram mais
prudentes. No entanto, foi ficando claro pra mim que a principal diferença residiria em
um fato novo e fundamental: os países latino-americanos interromperam suas revoluções
nacionais e viram suas nações se tornarem desorganizadas e perderem coesão e
autonomia; como consequência, ficaram sem uma estratégia nacional de
desenvolvimento (BRESSER PEREIRA, 2009, p. 81, grifos do autor)75.
Nos anos 2000, no entanto, foi inaugurada uma nova fase para as economias latino-
americanas, marcada por um maior crescimento econômico com relativo controle da inflação. Os
seus eixos dinamizadores estiveram assentados, de um lado, em um crescimento substancial das
exportações de produtos primários, acompanhado de uma valorização não menos expressiva dos
seus preços no cenário internacional, e, de outro, em uma demanda interna cada vez mais pujante,
capaz de alavancar consigo os investimentos na economia.
Do ponto de vista do mercado de trabalho, é possível identificar alguns avanços
importantes na região, dentre os quais, os de maior destaque são os que seguem: (i) reduções
significativas da taxa de desemprego urbano (que decresceram de 11,1%, em 2003, para 6,2%,
em 2013); (ii) melhoria na qualidade dos empregos gerados, expressa pela maior importância
relativa do emprego formalizado e, portanto, protegido socialmente (em 2000, o percentual da
75 Para uma análise mais detalhada das diferenças entre os padrões de desenvolvimento latino-americano e asiático,
tarefa que extrapola os limites deste estudo, ver, por exemplo, Bielschowsky (2013a), assim como os demais artigos
que compõe a coletânea na qual o artigo se encontra publicado.
69
população ocupada urbana que gozava de proteções nos campos da saúde e/ou pensões era de
54,3%, contra 63,9%, em 2013); e (iii) diminuição das desigualdades salariais e da pobreza76.
De um modo geral, a emergência desta nova fase para as economias da região coincidiu
com o abandono das práticas e das políticas de inspiração neoliberal antes mencionadas e das
reformas trabalhistas a elas vinculadas. No que diz respeito mais diretamente ao mercado de
trabalho, a sua nova dinâmica e configuração responde a mudanças observadas, de um lado, na
estrutura econômico-produtiva, e, de outro, na institucionalidade trabalhista vigente nos países
latino-americanos (WELLER, 2014).
No tocante ao primeiro aspecto, destacam-se o maior crescimento econômico, associado ao
aumento da relação produto-emprego77, e seus impactos positivos sobre a geração de ocupações e
a redução das taxas de desemprego; a elevação da produtividade média do trabalho, que facilitou
o incremento dos salários reais e a melhora dos indicadores não salariais do emprego; o
crescimento mais elevado favoreceu ainda uma maior geração de postos de trabalho em
segmentos produtivos de média e alta produtividade, assim como o assalariamento da mão de
obra, o que contribuiu para melhorar a remuneração média do trabalho; as características dos
empregos gerados, que favoreceram em maior medida a mão de obra de qualificação mais baixa,
atuaram em prol de uma diminuição da desigualdade salarial, que se beneficiou ainda do aumento
da escolaridade da população em idade ativa e de uma menor pressão da oferta sobre os ramos de
baixa produtividade.
As mudanças na institucionalidade trabalhista, por sua vez, foram importantes, sobretudo,
para a elevação da qualidade dos postos de trabalho gerados e para a redução das desigualdades
salariais observadas no período recente. Nesse sentido, convém pontuar que, em alguns países,
houve uma melhora das condições de organização sindical, enquanto que se observou um
estancamento da tendência de queda da sindicalização. Nesse sentido, verificou-se ainda um
movimento de ampliação do espectro temático das negociações coletivas, que passaram a
76 “[...] ao comparar os resultados recentes com os registrados em torno de 2002 constatam-se melhoras distributivas na maioria
dos países da região. De 17 países considerados, o índice de Gini se reduziu a um ritmo de ao menos 1% ao ano em nove. Entre os
países que registraram as reduções mais significativas estão Argentina, Estado Plurinacional da Bolívia, Nicarágua e República
Bolivariana da Venezuela, todos com taxas anuais de redução do índice de Gini superiores a 2%. Este processo não foi
particularmente afetado pela crise econômica global iniciada em 2008” (CEPAL, 2012a, p. 21). Ainda de acordo com a CEPAL,
em 2002, a pobreza atingia, na América Latina, 43,9% das pessoas e a extrema pobreza, 19,3%. Em 2012, estes mesmos
percentuais caíram, respectivamente, para 28,1% e 11,3%. Os demais dados citados encontram-se em OIT (2013; 2014). 77 Weller (2014) informa que, durante os anos 1990, taxas de crescimento da ordem de 3,0% relacionavam-se com uma variação
da taxa de ocupação de apenas 0,1 ponto percentual. Já no período iniciado em 2003, este mesmo incremento do PIB resultou em
uma expansão de 0,3 ponto percentual da taxa de ocupação. Para ele, a menor intensidade laboral do crescimento econômico nos
anos 1990 tem a ver com as reformas trabalhistas realizadas na época, entre outros fatores.
70
abranger os trabalhadores temporários e os domésticos. Ademais, houve refluxo dos processos de
subcontratação, ao passo que se constataram avanços nas condições de trabalho do emprego
doméstico, aproximando-o dos padrões vigentes para os demais trabalhadores.
O fortalecimento da fiscalização das condições de trabalho ampliou a efetividade da
legislação trabalhista, que veio acompanhado por medidas de incentivos à formalização do
emprego, especialmente para as micro e pequenas empresas. Além disso, em muitos países
observaram-se reformas na legislação trabalhista voltadas para a ampliação da proteção ao
emprego, em uma clara ruptura com o período anterior. Como exemplo, pode-se citar a redução
da jornada semanal de trabalho, o aumento do valor das multas de dispensas sem causa
justificada, a restrição ou a remuneração mais elevada de horas extras e a ampliação da licença
maternidade. Na mesma direção, houve iniciativas no sentido de aumentar o seguro-desemprego
e foram implementadas políticas de salário mínimo mais ativas (WELLER, 2014).
Nesse cenário, o pensamento cepalino encontrou um terreno mais propício para a sua
difusão, com o que ganharam destaque cinco novidades analíticas: um amplo balanço do
desempenho econômico e social dos países diante das reformas liberalizantes dos anos 1990; a
perspectiva de agenda para a era global; os conceitos sociopolíticos de cidadania e coesão social;
a fusão dos enfoques estruturalista e neoschumpeteriano; e a ênfase nas políticas
macroeconômicas anticíclicas diante de volatilidades financeiras (BIELSCHOWSKY, 2009).
Convém salientar que a eclosão da grave crise financeira internacional no final de 2008 –
que se irradiou a partir da economia norte-americana e, em seguida, provocou uma recessão
econômica que vem se estendendo na Europa – tornou o cenário internacional muito menos
favorável ao crescimento econômico dos países da região, revertendo o cenário de bonança até
então vigente. Ao mesmo tempo, a evolução dos preços das commodities apresentou clara
inflexão, aumentando, assim, os constrangimentos sobre o balanço de pagamentos desses países.
Todavia, do ponto de vista do mercado de trabalho e das condições de vida da população da
região, a tendência iniciada no começo dos anos 2000, e aqui descrita, não sofreu uma reversão
significativa, ainda que se apresentem inequívocos sinais de esgotamento desse processo (OIT,
2014; CEPAL, 2012a). Não obstante os mercados de trabalho latino-americanos tenham
apresentado nos últimos anos avanços de suma importância, não se pode perder de vista o fato de
que ainda se tratam de mercados de trabalho subdesenvolvidos, nos termos definidos no capítulo
anterior.
71
A condição de subdesenvolvimento dos mercados de trabalho latino-americanos é
facilmente notada quando se analisa a evolução da heterogeneidade estrutural destas economias
no período recente (INFANTE, 2011). Entre 1990 e 2008, o estrato econômico de alta
produtividade aumentou a sua participação no PIB (de 31,7% para 35,4%), ao passo que a sua
contribuição para o emprego assinalou apenas uma modesta ampliação (de 12,9% para 13,9%).
Por outro lado, os estratos de média e de baixa produtividade apresentaram uma diminuição dos
seus aportes ao produto (no primeiro caso, de 39,9% para 38,9%; no segundo de 28,5% para
25,7%), enquanto as suas contribuições ao emprego variaram, respectivamente, de 42,9% para
45,2% e de 44,3% para 40,9%. Por último, porém não menos importante, os diferenciais de
produtividade entre os referidos estratos se ampliaram no período em tela, acusando a
manutenção da heterogeneidade estrutural, que, por sinal, apresentou, em 2008, um quadro mais
adverso do que o verificado na década de 196078. É importante destacar: em 2008, de cada dez
trabalhadores latino-americanos, aproximadamente quatro atuavam no estrato econômico de
baixa produtividade, cuja atividade apresentava um nível de produtividade cerca de 4,1 vezes
inferior à verificada no estrato de mais alta produtividade.
Tal situação reveste-se de grande importância pois há uma clara correlação entre níveis de
heterogeneidade estrutural e desempenho econômico e social dos países. Ensaios econométricos
realizados por Ricardo Infante (2011) indicam que níveis mais altos de heterogeneidade estrutural
se correlacionam negativamente com o PIB por ocupado e per capita; com a abertura ao
comércio exterior; com o crescimento econômico; e com a dinâmica da produtividade. Por outro
lado, haveria uma correlação positiva entre heterogeneidade estrutural e níveis de pobreza e
volatilidade do crescimento. Não houve uma associação clara entre heterogeneidade estrutural e
desigualdade de renda.
O alerta da CEPAL (2010) aponta nessa mesma direção. Segundo esta instituição, a elevada
heterogeneidade entre setores e empresas, associada a uma especialização produtiva em setores
intensivos em recursos naturais, têm tornado o tecido produtivo das economias latino-americanas
pouco propenso a difundir os incrementos de produtividade advindos do progresso técnico, o que
tem ampliado, no período recente, a brecha de produtividade existente entre a América Latina e
os Estados Unidos.
78 Resultados semelhantes são encontrados em CEPAL (2012b).
72
É importante reconhecer ainda, conforme demonstra Pochmann (2013) para o caso
brasileiro, as conexões existentes entre uma estrutura produtiva heterogênea e o grau de
segmentação da estrutura ocupacional. Assim, as elevadas desigualdades de produtividade
impõem a coexistência de situações ocupacionais bastante distintas entre si, marcadas por
condições de trabalho e de remuneração bastante diferenciadas. A caracterização dos ocupados
no estrato de baixa produtividade da economia brasileira realizada pelo autor aponta para o
seguinte quadro: prevalência de mulheres e de trabalhadores não brancos; taxas de formalização
mais baixas; rotatividade do trabalhador mais elevada; remunerações mais baixas; predominância
de micro e pequenos estabelecimentos situados nos serviços de reparação e no comércio; e
menores níveis de escolaridade.
Partindo dessas constatações e do cenário global atual, de profundo acirramento das
desigualdades, coloca-se como questão central para as economias subdesenvolvidas a discussão
acerca de como superar os ainda elevadíssimos níveis de desigualdade presentes nos países da
região. Conforme ressalta a CEPAL:
[…] la igualdad y la desigualdad, tanto de activos como de derechos, se ven fuertemente
condicionadas por la estructura productiva, el desarrollo tecnológico, las brechas en el
mundo laboral, el manejo macroeconómico de los ciclos, la organización territorial, el
desarrollo de capacidades, la protección social y la participación política. Más aún, la
igualdad social y un dinamismo económico que transforme la estructura productiva no
están reñidos entre sí; son complementarios y el gran desafío es encontrar las sinergias
entre ambos. Así, en una visión integrada del desarrollo, la igualdad se va fraguando en
una dinámica virtuosa de crecimiento económico y aumento sostenido de la
productividad con inclusión social y sostenibilidad ambiental (CEPAL, 2012b, p. 6).
Portanto, o que está em discussão é a possibilidade de construção e consolidação de um
novo padrão de desenvolvimento na América Latina, o que necessariamente requer a
reconfiguração do mercado de trabalho e a universalização dos direitos sociais.
* * *
Os capítulos 1 e 2, que integram a Parte I desta tese, oferecem o pano de fundo sobre o qual
se desdobraram as transformações produtivas e do mercado de trabalho no Brasil desde os anos
30 do século passado aos dias de hoje. Dessa forma, auxiliam na compreensão de como as
características do desenvolvimento capitalista produziram distorções no mercado de trabalho
brasileiro, apontando para desafios que, sob muitos aspectos, são comuns ao conjunto das
economias latino-americanas. Convém agora passar à análise das especificidades e idiossincrasias
73
do caso brasileiro, desde uma perspectiva histórica, para oferecer uma contribuição ao debate
atual sobre o processo de reconfiguração do mercado de trabalho nacional.
74
75
Parte II
76
77
Capítulo 3: A Estruturação Distorcida do
Mercado de Trabalho (1930-1980)
Os avanços econômicos e sociais alcançados pelos países desenvolvidos durante o pós-
guerra, capazes de assegurar níveis de bem-estar para as massas dificilmente imagináveis para
um homem comum do século XIX, influenciou decisivamente o desenvolvimento latino-
americano, de uma forma geral, e o brasileiro, em particular. Deste modo, difundiu-se
amplamente a ideia de que a reprodução de uma economia urbano-industrial era suficiente para
que o subdesenvolvimento fosse superado.
No que diz respeito ao mercado de trabalho, especificamente, a crença era de que ele
progressivamente se estruturaria nos moldes consagrados pelos países desenvolvidos, com
amplos segmentos da força de trabalho abrigados em camadas técnicas de alta produtividade e
uma estrutura ocupacional marcada por desníveis contidos de produtividade e de salários. No
entanto, o que se observou na economia brasileira entre os anos 1930 e 1980 foi o fato de que a
montagem de uma estrutura produtiva moderna, sob muitos aspectos semelhante às encontradas
nos países de capitalismo avançado, não veio acompanhada de uma estruturação similar do
mercado de trabalho.
Não obstante tenha havido uma disseminação do assalariamento e de mecanismos de
proteção social e trabalhista, em um cenário de elevada mobilidade socioeconômica, o processo
de estruturação do mercado de trabalho no Brasil deu-se de maneira distorcida, dado que os seus
traços estruturais permaneceram ou foram aprofundados, como o desemprego estrutural e a
informalidade em grande escala, os baixos salários e os elevados índices de desigualdade de
renda, e a alta rotatividade nos postos de trabalho.
O objetivo deste capítulo é o de refletir acerca de tais fenômenos, elucidando as conexões
existentes entre desenvolvimento econômico periférico, frágil regulação social e mercado de
trabalho no Brasil.
78
3.1. Conformação e estruturação do mercado de trabalho urbano
O estudo do mercado de trabalho brasileiro não pode realizar-se ao largo de reflexões mais
amplas acerca dos condicionantes históricos, sociais e econômicos do processo (tardio) de
formação do capitalismo no país. Processo este, vale dizer, que o singulariza e, portanto, o
diferencia, especialmente das experiências dos países capitalistas desenvolvidos. Como bem
lembra Florestan Fernandes (2005 [1975], p. 180), no Brasil, “as estruturas econômicas, sociais e
políticas da sociedade colonial não só moldaram a sociedade nacional subsequente:
determinaram, a curto e largo prazos, as proporções e o alcance dos dinamismos econômicos
absorvidos do mercado mundial”.
Para os propósitos deste capítulo, deve-se iniciar com uma referência à transição do
trabalho escravo para o trabalho livre, que possibilitou a formação de mercados de trabalho nas
regiões agrícolas voltadas à exportação e nas cidades em expansão no final do século XIX.
O regime de trabalho escravo trouxe implicações de diversas ordens para a estruturação
ulterior do mercado de trabalho brasileiro. Um dos seus principais legados, do ponto de vista
cultural e simbólico, foi o de forjar no imaginário coletivo uma visão depreciativa do trabalho e,
por isso mesmo, desvalorizada socialmente, especialmente o trabalho físico/manual79. Isto porque
o regime escravocrata interessava-se tão somente pela “energia motriz” do escravo, despojando-o
de qualquer consciência cívica e desprezando a sua contribuição cultural à sociedade (PRADO
JÚNIOR, 2004 [1942]).
Com a abolição, os antigos escravos se somam a um contingente de trabalhadores
marginalizados, mantendo-se alheios ao processo de repartição dos louros do progresso
econômico advindos da expansão da economia cafeeira e do crescimento industrial associado
(THEODORO, 2005). Não por acaso, “abolido o trabalho escravo, praticamente em nenhuma
parte houve modificações de real significação na forma de organização da produção e mesmo na
distribuição da renda” (FURTADO, 2007 [1959], p. 204-205).
Com efeito, importante ter em mente que, ao longo do processo de mercantilização do
trabalho80, que não se esgota com a abolição, os negros submeteram-se a uma modificação
79 “A noção de trabalho se aplicava às tarefas ‘mecânicas’, ao labor a mando e para gáudio de outrem, e pressupunha, de uma
forma ou de outra, a perda de dignidade social e de liberdade” (FERNANDES, 2005 [1975], p. 225). 80 Antes, algumas medidas foram tomadas no sentido de abastecer a produção capitalista nascente da mão de obra demandada
para a sua expansão, sem abrir mão da escravidão. Dentre elas, aventou-se uma “saída demográfica”, baseada na crença
79
abrupta e desassistida do seu status social, o que marcou de forma indelével (e negativamente,
por suposto) a sua inserção na sociedade de classes emergente. Não se tratava apenas de uma
adaptação técnica a uma nova relação de produção, assentada no assalariamento, mas sobretudo
de uma adaptação cultural a uma ordem social competitiva em gestação (FERNANDES, 2005
[1975]).
O liberto viu-se convertido, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo, tornando-
se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não dispusesse de meios
materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva
(FERNANDES, 1978 [1965], p. 15).
Em suma, “sob a aparência da liberdade, herdaram a pior servidão, que é a do homem que
se considera livre, entregue de mãos atadas à ignorância, à miséria, à degradação social”
(FERNANDES, 1978 [1965], p. 15).
No alvorecer do capitalismo brasileiro, portanto, molda-se um cenário aparentemente
contraditório: de um lado, polos econômicos dinâmicos, organizados em torno da produção do
café, desejosos de “braços” para viabilizar a sua expansão; de outro, um excesso de contingente
populacional, aninhado em segmentos produtivos de baixíssima produtividade, a revelar a
existência de formas de desemprego disfarçado (HOFFMANN, 1980).
Diante disso, as elites econômicas envidaram esforços e, principalmente, mobilizaram a
“mão visível” do Estado, para atrair trabalhadores estrangeiros e, assim, adequar qualitativamente
a oferta de mão de obra à dinâmica da acumulação. O resultado foi um estreitamento dos espaços
ocupacionais no setor mercantil da economia para o trabalhador nacional.
O recurso a uma força de trabalho imigrante tornou-se possível graças a uma série de
fatores, internos e externos. Primeiramente, conforme chama a atenção Celso Furtado (2007,
[1959]), a oferta interna de trabalhadores era de difícil e custosa mobilização, dada a sua
dispersão pelo território brasileiro. Em segundo lugar, salienta este autor, as dificuldades de
adaptação do trabalhador livre nacional ao trabalho assalariado ajudaram a consolidar a ideia de
(equivocada) de que, com o fim do tráfico negreiro, os escravos teriam vivenciado uma melhora em suas condições de trabalho, o
que vinha se traduzindo em uma queda na taxa de mortalidade e, assim, em uma liberação de mão de obra para a lavoura. Outra
iniciativa propugnava a transferência interna de escravos, do Nordeste e do Extremo Sul para o Sudeste. Tentou-se ainda
estimular a formação de núcleos coloniais, baseados na pequena propriedade. Além disso, houve também tentativas de
agenciamento de coolies chineses e de aproveitamento de trabalhadores livres nacionais. As medidas anunciadas implicavam no
recurso a distintas modalidades de relações de trabalho, todas, porém, “a meio caminho” entre a escravidão e o assalariamento. O
fato é que “o não-mercado de trabalho mantinha-se como realidade na mente dos fazendeiros até bem depois do esgotamento do
tráfico” (BARBOSA, 2003, p. 96).
80
que esta mão de obra seria inadequada para as relações de trabalho modernas que se visava
implantar.
A possibilidade de utilizar e valorizar a mão-de-obra livre nacional foi contida pela
imigração europeia. Nesse sentido, o recurso à imigração maciça de trabalhadores
europeus como solução para a expansão cafeeira permitiu conciliar as resistências às
transferências internas de mão-de-obra, soldando uma solução de compromisso com as
elites do Nordeste. Isso implicou historicamente negar, ou ao menos dificultar muito, a
integração mais favorável da população livre excedente nas áreas de ocupação mais
antiga e nas novas frentes de expansão, em particular ao mercado de trabalho em
constituição nas áreas de maior dinamismo econômico (HENRIQUE, 1999, p. 15).
Nesse sentido, Douglas Graham (1973) aponta que foi a confluência de fatores de atração,
impulso e desvios que permitiram tornar o Brasil um destino importante para a mão-de-obra
estrangeira. Dentre os primeiros, o autor destaca o rápido crescimento da economia cafeeira, o
surto inicial de crescimento da indústria, a abolição da escravatura, a proclamação de um regime
republicano e os subsídios governamentais destinados à atração deste trabalhador. Como fatores
de impulso e desvio tem-se, respectivamente, a crise econômica na Itália, país de origem de
grande parte dos imigrantes, e o menor dinamismo econômico dos Estados Unidos e da
Argentina, países concorrentes em termos de atração de força de trabalho estrangeira81.
Não se pode perder de vista, portanto, que a constituição de uma oferta abundante de mão
de obra no Brasil, mormente em suas áreas mais dinâmicas, não foi, como nos países
desenvolvidos (pelo menos não na extensão vivenciada por eles), construída por intermédio do
avanço capitalista sobre as atividades de campesinos e artesãos, proletarizando-os, mas sim
decorrência de amplos fluxos migratórios, amparados por vultosos recursos públicos, ao tempo
que se mantinham relativamente intactas atividades econômicas e inserções produtivas de
natureza pré-capitalista82. Os contornos do Brasil moderno foram delineados por esta imbricação
entre modernidade e arcaísmo (FERNANDES, 2005 [1975]).
Os referidos espaços produtivos e ocupacionais, imunes ao avanço capitalista, constituíram-
se em canais de sobrevivência para a população negra, dado que não havia condições mínimas de
81 Douglas Graham (1973) nota ainda que há uma coincidência entre os momentos de maior entrada de imigrantes, de crescimento
industrial e de expansão urbana em São Paulo, o que o leva a concluir que o imigrante foi fundamental para a formação de um
mercado interno de consumo e, consequentemente, para a viabilização, em termos de escalas, dos primeiros investimentos
industriais. 82 “Ao contrário dos países europeus, cujos Estados Nacionais forçaram a liberação de mão-de-obra pelas atividades pré-
capitalistas, e os Estados Unidos, que mobilizaram a mão-de-obra negra com a Guerra da Secessão, observa-se que o Brasil
montou seu mercado de trabalho livre garantindo a preservação das atividades e dos espaços ocupacionais oriundos das fases
anteriores de desenvolvimento capitalista do período colonial” (DEDECCA, 2005, p. 97).
81
igualdade de competição por um posto de trabalho assalariado (seja em termos de conhecimentos
técnicos, seja em termos de adaptação cultural a este tipo de trabalho, conforme já se salientou).
Enquanto o branco da camada dominante conseguia proteger e até melhorar sua posição
na estrutura de poder econômico, social e político da cidade e enquanto o imigrante
trocava sucessivamente de ocupações, de áreas de especialização econômica e de
posições estratégicas para a conquista de riquezas, de prestígio social e de poder, o negro
e o mulato tinham de disputar eternamente as oportunidades residuais com os
componentes residuais do sistema – com os que “não serviam para outra coisa” ou com
os que “estavam começando bem por baixo” (FERNANDES, 1978 [1965], p. 26)83.
A presença de um excedente estrutural de mão de obra ao longo do desenvolvimento
econômico brasileiro esteve, ademais, vinculada às condições bastante adversas que imperavam
no campo. Em primeiro lugar, cabe mencionar os impactos causados pela aprovação da Lei de
Terras, ainda em 1850, que, ao encarecer a aquisição da terra e promover a legalização dos
latifúndios, ratificou o seu acesso como um privilégio de uma minoria (BARBOSA, 2003).
A este fato, juntam-se outros tantos: a modernização poupadora de mão de obra patrocinada
pelo governo (processo que se intensificou ao longo do século XX); a desarticulação das relações
latifúndio-minifúndio; a pobreza e a superexploração das massas rurais; a proibição dos
sindicatos; e a ausência de políticas públicas voltadas para o campo. Tudo isso conspirava para
uma exígua capacidade de absorção de mão de obra pelo campo e, consequentemente, para um
êxodo rural de proporções grandiosas e uma urbanização acelerada (intensificada a partir dos
anos 1950, com o esgotamento das oportunidades de expansão da fronteira) (BARBOSA DE
OLIVEIRA, 1998).
Interessante notar como os processos de urbanização e de consolidação de um estilo de vida
citadino contribuíram para o afloramento da consciência a respeito dos fenômenos do
desemprego e do subemprego.
A urbanização tornou visível o fenômeno do desemprego e do subemprego não só por
concentrar, sem garantir emprego produtivo, uma parte da população que, antes, estava
dispersa na lavoura de subsistência. Em paralelo, transformações no próprio estilo de
vida urbana e mudanças nos padrões familiares e sociais igualmente contribuíram para
que viesse à tona o fenômeno. Não era só o mundo rural que ocultava o subemprego.
Pode-se dizer que a família patriarcal brasileira também ocultava o subemprego na
83 Do ponto de vista cultural, a percepção do imigrante e do trabalhador recém-liberto frente ao trabalho assalariado era bastante
distinta: “Ao contrário do imigrante, que percebia com clareza que somente vendia sua força de trabalho, em dadas condições de
prestação de serviços, eles – os negros e mulatos – ajustavam-se à relação contratual como se estivessem em jogo direitos
substantivos sobre a própria pessoa. Ou seja, como se se vendessem, em parte ou totalmente, ao aceitar e ao praticar as
estipulações do contrato. [...] A rapidez com que a ordem social competitiva se expandiu e consolidou na cidade de São Paulo
complicou deveras as coisas, suprimindo pela raiz as possibilidades de uma transição gradual, que lhes facilitasse a aquisição, pela
experiência, da mentalidade e dos comportamentos requeridos pelo novo estilo de vida” (FERNANDES, 1978 [1965], p. 30).
82
cidade. De fato, na crônica do início do século – passado –, e até nos anos vinte, não será
fora do comum uma família com uma vintena de empregados domésticos, sem falar
noutros dependentes e agregados, com laços familiares mais ou menos longínquos
(HOFFMANN, 1980, p. 34-35).
O processo de acumulação de capital no Brasil, portanto, contou com uma oferta de
trabalho que excedia às suas necessidades, vale dizer, com um excedente estrutural de mão de
obra, que se aninhava nos interstícios do setor mercantil em consolidação. Destarte, alimentava-
se a formação de uma força de trabalho redundante, para recorrer à expressão de Raúl Prebisch,
seja nas fileiras do desemprego (manifesto na proliferação de vagabundos e vadios que
perambulavam pelas cidades brasileiras), seja em formas alternativas (e precárias) de
sobrevivência (comumente classificadas como formas de subemprego ou de desemprego
disfarçado).
Diante do exposto até o presente momento, parece claro que o excedente estrutural de mão
de obra antecede a industrialização brasileira, o que autoriza a conclusão de que se esta não
obteve êxito em absorver tal excedente, tampouco pode ser responsabilizada pela sua existência,
ao menos exclusivamente84.
É lícito reconhecer ainda que o Estado teve uma ação destacada, central talvez, na
constituição de um mercado de trabalho com um excedente estrutural de mão de obra. Nesse
sentido, não se pode esquecer o seu papel na transição do trabalho escravo para o assalariado,
cuja linha de atuação pautou-se pela exclusão do trabalhador nacional e pelo estímulo à atração
de trabalhadores estrangeiros.
Recorde-se ainda que, ao longo da industrialização, o Estado mostrou-se relativamente
débil em promover e assegurar a generalização do assalariamento, nos marcos delineados pelo
modelo de regulação do mercado de trabalho e das relações de trabalho estabelecido nos anos
1940. Em verdade, o assalariamento sempre se manteve restrito a uma parcela, ainda que
relevante, dos trabalhadores, não logrando a criação de uma sociedade salarial nos termos
consagrados por Robert Castel (1995), até porque a sua difusão foi obstada, por um longo
período, pela ausência de autonomia da ação sindical, seja para participar de negociações
coletivas, seja para promover greves.
Além disso, o Estado brasileiro, conforme já se disse, historicamente negligenciou uma
reforma da estrutura de propriedade da terra prevalecente no campo, alimentando o afluxo
84 Vale lembrar que este aspecto do problema ganhou pouca atenção por parte dos teóricos estruturalistas, conforme lembra
Theodoro (2005).
83
populacional de trabalhadores rurais para as cidades brasileiras. A esse respeito, convém apontar
que o excedente de mão de obra no Brasil nutriu-se ainda de um crescimento populacional
bastante acelerado, o que levou a realização de uma transição demográfica em um curto espaço
de tempo, principalmente se se tem em mente que em alguns países europeus esse processo levou
mais de um século (BELTRÃO; CAMARANO; KANSO, 2004).
Cumpre observar, nesse sentido, que a industrialização brasileira coincide com o período de
mais elevado crescimento populacional, relativizando a sua capacidade de absorção de mão de
obra, que, em termos absolutos, foi sem dúvida alguma bastante significativa. Entre 1940 e 1980,
o ritmo de criação de postos de trabalho pela economia brasileira foi suficiente para absorver a
expansão da população economicamente ativa. Destarte, a taxa média anual de crescimento da
população ocupada foi superior, ainda que ligeiramente, à da população economicamente ativa
(2,20% contra 2,12%), refletindo um incremento ocupacional muito mais expressivo no meio
urbano (3,68%) do que no meio rural (0,7%). Em termos absolutos, isso significa que a economia
brasileira gerou, no intervalo de tempo em questão, cerca de 29 milhões de postos de trabalho,
sendo 25 milhões nas áreas urbanas e 4 milhões nas rurais (DIEESE, 1994)85.
A face mais visível deste excedente talvez se manifeste nas áreas urbanas. As condições
adversas imperantes no campo, já referidas, associadas às atrações inerentes a um estilo de vida
citadino, fomentou uma intensa migração rural-urbana ao longo do desenvolvimento econômico
brasileiro. A título ilustrativo, cabe registrar que na década de 1960, cerca de doze milhões de
pessoas evadiram do campo, o que equivalia a 1/3 de sua população. O movimento se
intensificou na década seguinte, quando aproximadamente dezesseis milhões deixaram a zona
rural em direção às cidades, ou 38% da sua população. Dessa forma, enquanto em 1940
aproximadamente 31,0% da população residia nas cidades, em 1980, essa proporção alcançara o
patamar de cerca de 68,0%. Inversamente, a população rural iniciou na década de 1970
decréscimos absolutos em seu contingente, movimento que teve continuidade nas décadas
seguintes do século XX (BELTRÃO; CAMARANO; KANSO, 2004).
Não obstante, convém reconhecer que, a despeito das questões acima aludidas, o Brasil
moldado por quase 50 anos de industrialização assinalou transformações em suas estruturas
econômica e social de inegável valor. Nesse curto espaço de tempo, transitou-se de uma
sociedade agrária para uma de perfil majoritariamente urbano; padrões de consumo próprios dos
85 Conclusões semelhantes encontram-se em Cacciamali (1988).
84
países desenvolvidos foram incorporados por uma parcela expressiva das famílias brasileiras; as
bases produtivas foram revolucionadas, aproximando-as das conhecidas pelos países industriais
avançados; o PIB apresentou um crescimento médio anual de aproximadamente 6,5%86; o PIB
per capita, por sua vez, aumentou quase seis vezes87; a esperança de vida ao nascer saltou de 34
para 57 anos88; a mobilidade social foi intensa, melhorando as condições de vida de muitos
brasileiros. Isto tudo apesar da supressão do regime democrático, da perseguição aos sindicatos e
aos movimentos sociais, e da opção por um “capitalismo selvagem e plutocrático”, implementado
logo após o golpe de 196489.
No que interessa propriamente a esta reflexão, vale apontar que ao longo do período de
industrialização o mercado de trabalho brasileiro foi se tornando cada vez mais integrado, na
medida em que os níveis de produtividade do trabalho se elevavam e paulatinamente se
homogeneizavam (sem romper com a sua heterogeneidade estrutural, vale frisar); as relações
setoriais se adensavam, criando novas atividades, nas diversas regiões do país, que absorviam
crescentemente a mão de obra alocada nos segmentos de produtividade mais baixa; e se
desenhava um mercado nacional de trabalho assalariado. Desse modo, no compasso da
industrialização da economia, constituiu-se um mercado de trabalho cujo nível de ocupação
passou a responder, fundamentalmente, ao nível da demanda total (SALM; EICHENBERG,
1989).
Vale a pena anotar algumas tendências gerais desse processo, alertando o leitor que os
aspectos aqui tratados serão retomados e analisados de forma mais detida na seção subsequente,
quando tratar-se-á efetivamente dos problemas crônicos do mercado de trabalho brasileiro. Com
essa breve apresentação, pretende-se tão somente delinear o contexto global no qual tais
problemas surgiram e se reproduziram ao longo do tempo.
86 Obtido em: <www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 05/02/2015. Por década, o crescimento médio anual do PIB brasileiro
apresentou o seguinte comportamento: 1930: 4,5%; 1940: 6,0%; 1950: 7,2%; 1960: 6,2%; 1970: 8,7%. 87 De acordo com o IBGE, o PIB per capita brasileiro, em dólares de 2000, passou de US$ 442, em 1930, para US$ 3.052, em
1980. 88 Obtido em: <www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 20/06/2014. 89 “O que estava em jogo [...] eram dois estilos de desenvolvimento econômico, dois modelos de sociedade urbana de massas: de
um lado, um capitalismo selvagem e plutocrático; de outro, um capitalismo domesticado pelos valores modernos da igualdade
social e da participação democrática dos cidadãos, cidadãos conscientes de seus direitos, educados, verdadeiramente autônomos,
politicamente ativos. Portanto, 1964 representou a imposição, pela força, de uma das formas possíveis de sociedade capitalista no
Brasil” (CARDOSO DE MELLO; NOVAIS, 1998, p. 618). Avaliação semelhante foi feita por Carlos Alonso Barbosa de
Oliveira: “A ausência de democracia marcou profundamente a evolução do país. Enquanto nas nações avançadas o padrão de
industrialização americano implantou-se sob regimes democráticos, no Brasil o caráter antidemocrático do regime militar fazia
com que o desenvolvimento de um mesmo padrão de industrialização produzisse resultados sociais radicalmente distintos”
(BARBOSA DE OLIVEIRA, 1994, p. 211).
85
Assim sendo, entre a década de 1940 e a de 1980, houve uma expansão importante do
assalariamento da força de trabalho (expresso pelo aumento de 42,0% para 62,8% de sua
participação na PEA), particularmente de sua parcela com registro em carteira de trabalho (que
saltou de 12,1% para 49,2%). Por outro lado, observou-se uma diminuição do trabalho por conta
própria (de 29,8% para 22,1%), do trabalho sem remuneração (de 19,6% para 9,2%) e da
população desempregada (de 6,3% para 2,8%) (POCHMANN, 2008).
Não há dúvida, portanto, que o mercado de trabalho brasileiro vivenciou, no intervalo de
tempo em questão, um processo de estruturação, apontando para a constituição de uma sociedade
salarial, nos moldes da existente nos países desenvolvidos. Tal processo, visto por outro prisma,
se evidencia por meio do crescimento da importância relativa do segmento ocupacional
organizado (de 61,6% para 70,5%), às custas de uma redução da participação do segmento não-
organizado (de 38,4% para 29,5%)90. No mesmo sentido, a taxa de precarização da força de
trabalho brasileira (que contempla os trabalhadores por conta própria, os sem remuneração e os
desempregados) recuou de 55,7% para 34,1%. Estes movimentos foram o resultado de um
crescimento médio anual do emprego no segmento organizado (4,9%), superior ao da População
Economicamente Ativa (4,6%), assim como ao das ocupações no segmento não organizado
(3,9%) (POCHMANN, 2008).
O movimento de estruturação do mercado de trabalho brasileiro pode ser percebido ainda
pela ótica das mudanças setoriais do emprego. Nesse sentido, observa-se o crescimento da
importância relativa do emprego industrial, sobretudo dos seus segmentos mais modernos, em
sintonia com o aumento da participação deste setor no PIB. Entre as décadas de 1950 e 1980, o
emprego no setor secundário saltou de 14,2% para 24,4%. Na mesma direção, o setor de serviços
ampliou a sua capacidade de absorção de mão de obra: de 25,9% para 45,7%. O setor agrícola,
por suposto, foi o único que perdeu participação relativa na força de trabalho, e de forma
expressiva, passando de 59,9% para 29,9% (CACCIAMALI, 1988).
Durante a década de 1950, o setor serviços foi responsável por 51% no crescimento total
da absorção da força de trabalho, o setor primário por 39% e o setor secundário apenas
por 10%. Na década de 60, os setores urbanos responderam por 86% na formação da
referida taxa, entre os quais 32% corresponderam à contribuição do setor secundário.
Nos anos 70, os setores urbanos expandiram sua contribuição para 99,8%, e o setor
90 Parte-se do entendimento de que o segmento ocupacional organizado compõe-se dos postos de trabalho mais homogêneos,
gerados por empresas tipicamente capitalistas, e que se expressam basicamente por meio dos empregos regulares assalariados. Por
outro lado, o segmento não-organizado seria marcado pela heterogeneidade de suas ocupações, organizadas em torno de negócios
não tipicamente capitalistas.
86
secundário representou 36%. Nesses agregados, a indústria de transformação apresentou,
nas décadas de 60 e 70, a maior contribuição isolada, entre os diferentes setores de
atividade, para absorver o crescimento do emprego. E, embora o setor de prestação de
serviços possuísse, entre todos os setores de atividade, a maior participação relativa na
absorção de força de trabalho, somente na década de 50 é que apresentou a maior
contribuição (CACCIAMALI, 1988, p. 102).
Convém mencionar ainda que, embora tenha permanecido em níveis bastante elevados vis-
à-vis aos verificados nos países desenvolvidos e que esta tendência tenha se manifestado
tardiamente, somente na década de 1970, é possível constatar uma diminuição das disparidades
da produtividade do trabalho entre os setores de atividade. De acordo com Cacciamali (1988),
entre 1960 e 1980, a distância que separava a produtividade entre os setores secundário e o
primário se reduziu em pouco mais de 40%, ao passo que entre o secundário e o terciário o
decréscimo foi de cerca de 11%.
Por fim, é necessário frisar que a estrutura do mercado de trabalho brasileiro resultou da
combinação de diversos vetores: demográficos, econômicos e político-institucionais. Se, por um
lado, a ausência de reforma agrária e a modernização da agricultura contribuíram para alimentar o
êxodo rural em direção aos centros urbanos mais atrativos, por outro, é importante mencionar que
a geração de empregos e oportunidades de renda nas cidades foi condicionada pela estrutura
produtiva que se conformou. Além disso, outro vetor muito relevante para a estruturação do
mercado de trabalho foi a atuação ambígua do Estado91 (BARBOSA DE OLIVEIRA, 1998): seja
ao estabelecer uma legislação trabalhista bastante extensa, mas oferecendo grande livre arbítrio
para o empregador contratar, alocar, remunerar e demitir seus funcionários; seja ao introduzir
políticas sociais destinadas a proteger o trabalhador urbano, mas com eficácia restrita e com
geração limitada de emprego público; seja ao estabelecer um salário mínimo legal, mas depois
mantendo-o num nível relativamente baixo, permitindo a ampliação das diferenças salariais e
adotando medidas de arrocho dos salários; seja ao promover uma estrutura sindical corporativa,
mas desestimulando a negociação coletiva e, inclusive, perseguindo ou cooptando lideranças
sindicais.
Em suma, pode-se dizer que as particularidades do processo de formação e estruturação do
mercado de trabalho urbano no Brasil decorrem de fatores de diferentes ordens, estando
associadas com a velocidade da urbanização, com as características da industrialização, com as
desigualdades econômicas regionais e com o perfil de atuação do Estado. Ao mesmo tempo,
91 Na próxima seção, ficará claro que não foi linear a atuação dos diferentes governos que vigoraram ao longo de período da
industrialização brasileira.
87
pode-se dizer que a configuração assumida pelo mercado de trabalho foi um fator essencial para
reproduzir um padrão de desenvolvimento excludente no País, como será visto a seguir.
3.2. Problemas crônicos do mercado de trabalho brasileiro
O subdesenvolvimento econômico é um entrave estrutural para que o mercado de trabalho
brasileiro avance em direção a uma conformação baseada em níveis de produtividade e de
salários relativamente homogêneos, de sorte que a sua estruturação ao longo do período de
industrialização não foi capaz de evitar o surgimento de problemas crônicos, que, em menor ou
maior medida, até hoje estão presentes no mercado de trabalho nacional.
a) desemprego estrutural e informalidade persistente
Apesar do desenvolvimento econômico brasileiro ter convivido com um excedente
estrutural de mão de obra, a questão do desemprego e do subemprego da força de trabalho
durante o período desenvolvimentista brasileiro não ocupou um lugar de destaque nas discussões
de política econômica e de desenvolvimento travadas na época92. De certa forma, assim como no
caso da questão social, acreditava-se que o avanço da industrialização e, portanto, do
desenvolvimento econômico, resolveriam por si mesmos os problemas atinentes ao mercado de
trabalho, de uma forma geral, e o desemprego e o subemprego, em particular.
Nesse quesito, a crítica de Celso Furtado à análise marginalista do subdesenvolvimento
talvez se constitua em um bom referencial para a discussão do papel assumido pelo desemprego
durante o desenvolvimento econômico brasileiro. O corpo teórico marginalista, relembra o autor,
apoia-se na convicção de que o sistema econômico conta com mecanismos automáticos que o
guiam para uma situação de equilíbrio, na qual os fatores de produção encontram-se plenamente
ocupados, as produtividades marginais do trabalho e do capital se equivalem entre os diferentes
setores de atividade e a remuneração devida a cada um dos fatores é determinada por sua
produtividade marginal. A hipótese subjacente a essa reflexão é a de que há uma substituibilidade
de fatores, ou seja, existe uma ampla variedade de combinações possíveis entre os fatores de
produção (FURTADO, 1957).
92 É sintomático, nesse sentido, que a obra de Ricardo Bielschowsky, “Pensamento Econômico Brasileiro: O Ciclo Ideológico do
Desenvolvimentismo”, uma referência da literatura econômica brasileira, não dedique um único capítulo para a temática em
questão.
88
A objeção furtadiana repousa justamente sobre a validade desta hipótese quando transposta
para análises de economias subdesenvolvidas, marcadas por uma estrutura produtiva
acentuadamente heterogênea. Em sua visão, a combinação dos fatores de produção é
condicionada pela estrutura da procura, pelo nível da técnica e pela disponibilidade relativa
destes fatores. Assim sendo, Celso Furtado conclui que:
Dada certa estrutura da procura e uma tecnologia, o capital e mão-de-obra podem
combinar-se de distintas formas, dentro de certa margem. Quando se abandona essa
margem, um dos dois fatores tende a sobrar, e os termos do problema já não cabem
dentro da análise marginalista (FURTADO, 1957, p. 167, grifos do autor).
Nesse sentido, é forçoso concluir que a utilização plena dos fatores de produção estaria
condicionada a uma equivalência entre a oferta desses fatores e a razão entre o capital e o
trabalho estabelecida pela tecnologia adotada. Como está-se, nas economias subdesenvolvidas,
diante de uma tecnologia estrangeira, concebida para uma dotação fatorial característica dos
países desenvolvidos, conforme já se aludiu no capítulo anterior, manifestar-se-ia naquelas
economias um tipo de desemprego que pouco responde às políticas de estímulos à demanda
agregada e que, por isso, só pode ser combatido no longo prazo, o denominado “desemprego
estrutural”93.
Situando-se em outro campo teórico, o da economia neoclássica, Mário Henrique Simonsen
chama a atenção para o fato de algumas análises da economia brasileira confundirem o fenômeno
do desemprego estrutural, onde a produtividade marginal do trabalho seria nula, com o do
dualismo econômico, que se exprime nos largos diferenciais de produtividade e de condições de
vida existentes entre os trabalhadores do campo e da cidade. Para ele, “[...] só pode existir
desemprego estrutural se houver escassez de terra em relação à mão-de-obra ocupada na
agricultura, a ponto de anular a produtividade marginal do trabalho”. Assim sendo, ele questiona:
“Existirá no Brasil esse problema de escassez de terras para a agricultura? No país como um todo,
a hipótese não parece relevante” (SIMONSEN, 1963, p. 34).
No que interessa mais de perto à análise aqui desenvolvida, cumpre enfatizar que, para este
autor, a dualidade econômica brasileira não se relaciona diretamente com uma incompatibilidade
93 O raciocínio furtadiano em questão leva, ademais, a conclusões que questionam a validade da teoria marginalista de
determinação dos salários nas economias subdesenvolvidas. Partindo do que já foi dito, alega Furtado, não haveria porque
advogar a existência de uma tendência à igualação das produtividades físicas marginais entre os setores econômicos e, portanto, o
estabelecimento de uma relação entre a produtividade e o salário médio pago. Em última instância, afirma o autor, o nível de vida
no setor de subsistência é o determinante dos salários pagos no setor mecanizado, bastando estes serem estipulados um pouco
acima desse nível para que este setor conte com uma oferta elástica de mão de obra. Para uma discussão dessa visão, assemelhada
à de Arthur Lewis, ver a seção 1.3 do primeiro capítulo desta tese.
89
entre a tecnologia e a disponibilidade de fatores de produção. Pelo contrário, de acordo com
Simonsen, os países subdesenvolvidos contam com um sistema econômico que comporta
inúmeras possibilidades de substituição de capital por mão de obra94. Os diferenciais de
produtividade entre os trabalhadores situados nas zonas rural e urbana, portanto, “não constitui
uma fatalidade tecnológica, pois a economia poderia fabricar determinadas combinações de
produtos que aproveitassem integralmente a mão-de-obra disponível” (SIMONSEN, 1969, p.
157).
Para Mário Henrique Simonsen, é a proteção institucional aos salários assegurada aos
trabalhadores urbanos, em detrimento dos que laboram no campo, que alimenta a dualidade da
estrutura econômica brasileira.
A proteção institucional aos salários reais urbanos deixa, a longo prazo, alguns
subprodutos bastante amargos. O primeiro deles é a acumulação, nas cidades, de uma
espécie de “exército industrial de reserva” resultante do excesso migratório dos campos
para as cidades provocado pelo contraste salarial. O segundo consiste na restrição das
novas ofertas de emprego nas áreas urbanas. A alta forçada dos salários urbanos
restringe, de um lado, o consumo dos produtos industriais pela elevação relativa dos
preços; a restrição do consumo naturalmente implica na redução das novas ofertas de
emprego. De outro lado, estimula os empresários à opção por tecnologias que utilizem
maior relação capital/mão-de-obra (SIMONSEN, 1963, p. 43-44).
Em suma, para este autor, são as intervenções institucionais no mercado de trabalho, que
deslocam os salários acima do seu nível de equilíbrio, os principais responsáveis pelo dualismo
da economia e do mercado de trabalho brasileiros.
Foge dos propósitos deste capítulo entrar nos pormenores da contenda teórica entre os
autores supracitados. Nesse sentido, cabe indicar apenas que, não obstante o Brasil constituir-se
em um país de grandes extensões geográficas, o regime de propriedade da terra estabelecido
obstaculiza o seu acesso para a grande maioria da população, principalmente se se trata de terras
aptas para o cultivo. Ademais, é lícito supor, com base no que já foi discutido no primeiro
capítulo, que as margens de substituibilidade entre os fatores não são tão amplas como sugerem
Mário Henrique Simonsen95. Por fim, conforme chama a atenção João Paulo de Almeida
94 Tais possibilidades seriam de três tipos, de acordo com Mário Henrique Simonsen. Há a substituibilidade técnica, manifesta
pelos diferentes processos de produção passíveis de serem adotados; a substituibilidade pelo consumo, que se expressa na adoção
de padrões de consumo baseados em produtos de mais baixa (ou mais alta) relação capital/mão-de-obra, mediante mudanças dos
preços relativos; e a substituibilidade pelo comércio exterior, que se apresenta como a possibilidade de especialização produtiva
em setores de baixa relação capital/mão-de-obra e a importação de produtos mais capitalizados, ou vice-versa (SIMONSEN,
1969). 95 Considerando que não são desprezíveis os obstáculos inerentes à superação de um capitalismo dependente, que mitigaria o
processo de imitação dos padrões de consumo vigentes nos países desenvolvidos; e que a não industrialização não se constitui em
uma alternativa de desenvolvimento para os países latino-americanos, é possível afirmar que as margens de substituibilidade pelo
90
Magalhães (1964), já que a nulidade da produtividade advém, em larga medida, de fatores
institucionais (inexistência de programas de amparo ao desemprego, por exemplo), a baixa
produtividade da mão de obra não deixa de ser uma forma de manifestação do desemprego em
economias subdesenvolvidas.
Para além da discussão semântica, o fundamental é reconhecer que, trate-se de desemprego
ou de subemprego (baixa produtividade da ocupação), o desenvolvimento econômico brasileiro,
sob condições de excedente de mão de obra, não logrou êxito em absorver a população total
disponível para o trabalho em situações ocupacionais de produtividade “normal”, determinada
pela tecnologia disponível, e minimamente homogênea entre os setores, não assegurando,
portanto, padrões básicos de bem-estar para sua população.
Nas economias subdesenvolvidas, portanto, o desemprego normalmente não se manifesta
em sua forma clássica, o desemprego aberto, sendo o mais comum a presença do fenômeno do
subemprego, que, do ponto de vista teórico, não se distingue, a rigor, da informalidade, outro
problema crônico do mercado de trabalho brasileiro96.
O modo e a rapidez assumidos pelo processo de industrialização brasileiro, conforme já se
salientou em vários pontos do presente estudo, não favoreceu a formação de um mercado de
trabalho estruturado em torno de segmentos rigidamente estabelecidos, que permitissem a criação
de ocupações bem definidas e a especialização da mão de obra. Pelo contrário, a implantação
simultânea de diferentes tipos de indústrias, em um curto espaço de tempo, redundou em uma
base muito ampla de postos de trabalho não estruturados, dentro ou fora da produção capitalista
(BALTAR, 2003 [1985]).
Adicionalmente, há de se reconhecer que a não realização das reformas clássicas do
capitalismo contemporâneo – como a agrária, que elevaria a capacidade de retenção de
trabalhadores rurais no campo; a tributária, que melhoraria o padrão de distribuição da renda
nacional e o poder de compra das classes populares; e a social, que ampliaria o peso dos serviços
sociais (e do emprego público) na estrutura ocupacional – colaborou para uma menor capacidade
de absorção de mão de obra por parte do sistema econômico (POCHMANN, 2008).
consumo e pelo comércio exterior entre os fatores são bastante estreitas. O mesmo pode se dizer a respeito da substituibilidade
técnica, dado o fato da tecnologia moderna ter se desenvolvido ao sabor das condições vigentes nos países desenvolvidos. 96 Na verdade, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, por meio de relatório publicado em 1972, inaugurou uma nova
fase na discussão acerca do subemprego ou da marginalidade em países subdesenvolvidos, acarretando, inclusive, em um relativo
desuso dos referidos termos e a consequente adoção e difusão do conceito de informalidade (OIT, 1972).
91
Recorde-se ainda que, no Brasil, o desenvolvimento capitalista conviveu com um elevado
excedente de mão-de-obra (mormente nas áreas urbanas) e, portanto, com extensos contingentes
populacionais disponíveis – posto que sem alternativas – e aptos para o preenchimento dos
espaços abertos à produção não capitalista. O resultado foi a criação e a manutenção de extensas
manchas de informalidade no mercado de trabalho brasileiro.
Ao tempo que a economia brasileira se diversificava e a divisão social do trabalho
avançava, a reboque de uma industrialização centrada em bens de consumo duráveis, o Terciário
se modificava, ampliando o peso dos serviços de apoio a produção industrial, dos serviços
orientados para a satisfação das necessidades das famílias e dos indivíduos, e dos serviços
sociais. Ou seja, “por sobre o antigo Terciário destinado a sustentar as funções de circulação e
distribuição dos bens exportados, cria-se agora um Terciário cuja função é sustentar a expressão
urbana dos processos de industrialização” (OLIVEIRA, 1979, p. 148).
Entrementes, nas franjas não ocupadas pela produção capitalista, foram sendo criados os
espaços econômicos para o surgimento da informalidade. Nesse contexto, observa-se uma
expansão significativa dos serviços de reparação de bens de consumo duráveis, tais quais
automóveis, geladeiras, televisões, entre outros; do transporte de mercadorias prestado por
trabalhadores autônomos (caminhoneiros); dos serviços pessoais de costureiras, manicures,
cabelereiras, trabalhadores domésticos em geral, etc.; assim como do comércio de toda sorte de
produtos, realizado por vendedores ambulantes.
Ao se observar a evolução do setor informal durante a industrialização brasileira, constata-
se que este diminuiu no período, ainda que tenha mantido uma extensão bastante significativa.
Entre 1940 e 1980, por exemplo, foram criados aproximadamente seis milhões de postos de
trabalho informais, ou seja, de cada 100 ocupações geradas, aproximadamente 21 foram no setor
informal. Em termos relativos, o setor informal reduziu a sua participação no mercado de
trabalho de 54,0% para 32,2% no período em questão. Uma redução significativa, sem dúvida,
mas insuficiente para aproximar o país dos níveis apresentados pelos países desenvolvidos
(DIEESE, 1994).
Como bem se notou no primeiro capítulo, a heterogeneidade do setor informal não permite
a sua associação automática com baixos e instáveis níveis de rendimentos, pouco tempo de
permanência no posto de trabalho ou total desproteção social. Isto depende, dentre outras coisas,
da especificidade da atividade e do conhecimento mobilizado para a execução da mesma, da
92
necessidade e da facilidade de acesso a máquinas e equipamentos ou da capacidade de criação e
manutenção de reservas de mercado97. Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que o
simples pertencimento ao mercado de trabalho formal não assegurava automaticamente
condições de vida dignas ao trabalhador brasileiro.
No entanto, se é verdade que a precariedade não é uma exclusividade do setor informal, não
se pode negar que é neste setor que majoritariamente se abrigam as posições ocupacionais mais
vulneráveis, posto que submetidas, no geral, a baixos rendimentos, condições desfavoráveis de
trabalho e desproteção social.
Até aqui, a análise utilizou um conceito de informalidade mais próximo de sua acepção
original, tal qual apresentado no capítulo um desta tese. Nesse sentido, o setor informal não
engloba o que se convencionou chamar de “economia submersa” – o trabalho assalariado não
regulamentado ou sem registro em carteira de trabalho –, restringindo-se, portanto, ao pequeno
produtor independente e seus auxiliares (membros da família ou trabalhadores assalariados)98.
Com isso, quer-se chamar a atenção para a distinção clássica entre dois fenômenos distintos
– o trabalho exercido de forma independente e o trabalho assalariado não registrado – e que,
portanto, exige, no plano da análise teórica e das políticas públicas de emprego, trabalho e renda,
um tratamento diferenciado99. No entanto, não se desconsidera o fato de que o trabalhador
assalariado sem carteira de trabalho assinada constitui-se em um tipo de inserção ocupacional
também fragilizada, dado que não acessa o conjunto de direitos trabalhistas assegurado pelo
Estado brasileiro aos trabalhadores assalariados com registro em carteira.
Desta forma, aceita-se como válido, desde que não se perca de vista a diferenciação
conceitual em relevo, o agrupamento dos trabalhadores autônomos sem contribuição à
Previdência e dos empregados sem registro em carteira de trabalho sob uma única categoria, se se
pretende evidenciar a fragilidade ou a precariedade do mercado de trabalho brasileiro. Este
agrupamento normalmente é denominado por alguns autores de setor não organizado ou pouco
estruturado do mercado de trabalho.
97 Nesse sentido, Paulo Renato Souza (1980) propõe a divisão do setor informal em dois grandes grupos. O primeiro seria
composto por formas de organização mercantis simples, como as empresas familiares (incluindo os trabalhadores autônomos), os
trabalhadores por conta própria subordinados, os pequenos vendedores de serviços e os serviços domésticos. O segundo grupo,
por seu turno, englobaria as quase-empresas capitalistas, que se distinguem das empresas familiares pela utilização permanente de
mão-de-obra assalariada. Ver ainda Cacciamali (1994). 98 Na prática, as atividades informais e submersas se superpõem no mercado de trabalho, sendo que a submersão é mais
significativa no primeiro grupo de atividades (Cacciamali, 1991). 99 A professora Maria Cristina Cacciamali chamou a atenção para esta questão em diversas ocasiões. Ver, por exemplo,
Cacciamali (1982; 1989; 1994).
93
Nesse sentido, estimativas indicam que, em 1980, o segmento não organizado representava
aproximadamente 59,2% do mercado de trabalho brasileiro (contra 84,0% em 1940), composto
por 27,0% de empregados sem carteira, 22,7% de trabalhadores por conta própria e 9,5% de
trabalhadores sem remuneração (DIEESE, 1994).
Diante desses números, é pouco contestável que o processo de industrialização e o esforço
do Estado em regulamentar as relações de emprego, em um contexto de elevado excedente de
mão-de-obra, não foram capazes de superar a heterogeneidade estrutural e tornar residual a
presença da informalidade (ou do setor não organizado) do mercado de trabalho brasileiro.
b) baixos salários e elevada desigualdade de renda
A distribuição extremamente concentrada dos rendimentos do trabalho e os baixos salários
configuram-se igualmente como problemas crônicos do mercado de trabalho brasileiro.
A constituição de uma economia de baixos salários e de elevados níveis de desigualdade na
apropriação da renda do trabalho deita raízes em processos históricos que remetem ao passado
colonial-escravista e ao modo como se deu a transição para o trabalho livre no Brasil, fenômenos
tratados na seção anterior deste capítulo. Assim, chama-se a atenção para o fato de que a
industrialização, quando do seu início nos anos 1930, já se defrontava com graus de desigualdade
de renda bastante expressivos, provenientes não somente do trabalho.
Basta pensar, nesse sentido, na dinâmica de acumulação do capital cafeeiro e no seu padrão
de absorção e de remuneração da mão de obra. A abundante disponibilidade de trabalhadores
existente dificultava sobremaneira uma elevação dos salários nos períodos de expansão, ao passo
que tornava-os flexíveis à baixa quando da retração da produção. Nesses termos, um amplo
excedente de mão de obra, associado ao fato de que a reprodução física do trabalhador e o seu
custo já se encontravam de certa forma equacionados, permitiu que a produção cafeeira se
desenvolvesse sem que, paralelamente, os salários reais se expandissem. A oferta de
trabalhadores era tal que não havia lugar para disputas mais acirradas por mão de obra entre o
complexo cafeeiro e as atividades urbano-industriais em franca expansão na passagem do século
XIX para o XX, com o que não se favoreceu uma elevação e uma maior homogeneização da
estrutura de salários da economia brasileira como um todo (HENRIQUE, 1999).
Ora, à medida que avança a industrialização, torna-se evidente o descompasso existente
entre a estrutura da produção e a composição da demanda interna, moldada pela concentração
94
extremamente elevada da renda. O ajuste, inevitável, dava-se por intermédio do comércio exterior
e da importação dos produtos demandados pelas elites locais, que tendiam a reproduzir padrões
de consumo similares aos dos países desenvolvidos.
Feitas estas observações, convém direcionar o foco da análise para as ligações existentes
entre o desenvolvimento capitalista no Brasil e o padrão de distribuição de renda associado. A
esse respeito, as reflexões de Maria da Conceição Tavares que seguem são bastante eloquentes:
Enquanto a substituição (de importações) se dava em faixas de bens de consumo não-
duráveis ou de certos produtos intermediários e bens de capital, em que a tecnologia
adotada exigia uma densidade de capital pouco elevada, o “módulo” de investimento
além de multiplicador da renda tendia a ser fortemente multiplicador de emprego. Desta
maneira, a ampliação do mercado se processava por duas vias, tanto pela elevação da
renda dos grupos de alto poder aquisitivo como pela incorporação ao consumo de bens e
serviços industriais e derivados de trabalhadores deslocados para os novos setores
dinâmicos, evidentemente com remunerações mais elevadas. À medida porém que se
avança no processo de substituição e se entra, em particular, nas faixas de bens duráveis
de consumo, o crescimento relativo do mercado passa a dar-se basicamente em termos
verticais, ou seja, explorando o poder de compra das classes de alta renda. Isto se deve a
dois motivos fundamentais: 1) a alta densidade de capital por unidade de investimento e
de produto impede a absorção de grandes quantidades de mão-de-obra; 2) o alto valor
unitário dos bens produzidos só permite a incorporação aos mercados consumidores de
reduzidas camadas da população (TAVARES, 1983 [1963], p. 49-50).
Assim, umas das preocupações centrais do pensamento social e econômico latino-
americano nas décadas de 1960 e 1970 repousava sobre a escassa capacidade da estrutura
industrial periférica, tal como a brasileira, em transmitir uma parte expressiva dos ganhos de
produtividade para o incremento dos salários.
Nos termos consagrados por Celso Furtado, tal preocupação se apresentava da seguinte
maneira: uma industrialização assentada em padrões técnicos concebidos no exterior e, portanto,
de elevada dotação de capital por trabalhador, retirava do setor industrial parte de sua capacidade
de absorção de mão de obra, sendo diminuta, por essa via, a parcela da força de trabalho afetada
pelo progresso técnico. Com o que ele conclui:
Inexistem, portanto, as condições que em outras partes levaram à formação das pressões
sociais que respondem pela elevação da taxa de salário. Daí que a economia se haja
fragmentado em mercados com reduzida comunicação: de um lado está a massa da
população, cujo poder de compra médio permanece praticamente estagnado; de outro
está a minoria privilegiada com altos padrões de consumo em rápida diversificação
(FURTADO, 1972, p. 27-28).
Mais adiante, Celso Furtado completa o seu raciocínio:
95
Na medida em que o consumo da minoria de altas rendas deve acompanhar a evolução
do consumo dos grupos de rendas médias e altas de países muito mais ricos, os limitados
recursos disponíveis para investimento tenderão a ser absorvidos na diversificação do
consumo da referida minoria, em prejuízo do referido processo de difusão (das técnicas
já conhecidas). Em consequência, a aceleração do crescimento do consumo dos grupos
de altas rendas terá como contrapartida a agravação do subdesenvolvimento, na medida
em que este significa disparidade entre os níveis de consumo de grupos significativos da
população de um país (FURTADO, 1972, p. 31).
No entanto, convém chamar a atenção, acompanhando Maria da Conceição Tavares e Paulo
Renato Souza, para o fato de que “contrariamente ao que estava implícito nas análises dos anos
60, [...] a inserção no setor ‘moderno’ não foi, por si só, garantia de um padrão de vida adequado
para os empregados” (TAVARES; SOUZA, 1981, p. 5)100.
Nesse quesito, basta lembrar que, sobretudo a partir de 1964, com o fim da estabilidade no
emprego e a introdução do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), os trabalhadores
posicionados nos postos iniciais dos mercados internos de trabalho da grande empresa eram
submetidos a uma alta rotatividade, impossibilitando-os de construir trajetórias profissionais
ascendentes, em direção aos postos de trabalho de níveis hierárquicos mais elevados e, portanto,
de melhor qualidade e maiores salários101.
Com efeito, o importante a reter é que a taxa e a estrutura de salários encontram-se
intimamente articuladas com o padrão de acumulação e a estrutura produtiva da economia. No
caso brasileiro, tais articulações se apresentavam da seguinte maneira:
A ampliação das diferenciações salariais, juntamente com a queda dos preços relativos
dos bens duráveis de consumo, permitiu o ajuste entre uma distribuição desigual da
renda e os novos padrões de consumo. Estes por sua vez se diferenciaram
progressivamente para as camadas de altas rendas e se estenderam às camadas médias-
baixas pelo aumento considerável de sua capacidade de endividamento estimulado pelos
novos, e muito dinâmicos, desenvolvimentos do sistema financeiro. Assim a lógica de
expansão do mercado para as indústrias explicitou-se [...] por meio das características da
distribuição pessoal da renda, dos esquemas de endividamento e do padrão de consumo,
configurando a este nível mais concreto o padrão geral de acumulação da economia
brasileira no período recente (décadas de 1950 a 1970) (TAVARES; SOUZA, 1981, p.
26).
O aludido modelo brasileiro de desenvolvimento econômico não foi uma mera decorrência
de leis econômicas inexoráveis, não custa salientar. Se, em parte, ele resultou de uma lógica de
atuação inerente ao capitalismo subdesenvolvido, no qual os controles financeiro e tecnológico
100 A pobreza absoluta, no entanto, não dizia respeito diretamente à força de trabalho empregada nos segmentos modernos da
economia: “A nuestro juicio, la pobreza absoluta no puede ser imputada a la ‘modernidad’ de la monopolización industrial, sino al
carácter ‘atrasado’ de las relaciones sociales de producción herdadas de la monopolización mercantil” (TAVARES, 1981, p. 22). 101 A alta rotatividade nos postos de trabalho, outra característica estrutural do mercado de trabalho brasileiro, será objeto de
análise pormenorizada adiante.
96
estavam, em grande extensão, em mãos do capital internacional, por outro lado, deve-se ter em
conta o papel central desempenhado, nesse sentido, pelo Estado brasileiro (TAVARES; SERRA,
1983 [1972]).
Destarte, é preciso reconhecer que, até fins dos anos 1950, a industrialização brasileira
vinha, de certa forma, sendo favorável aos trabalhadores e a elevação dos salários, ainda que
muito provavelmente os níveis de desigualdade nunca tenham deixado de situar-se em patamares
aviltantes. O mais importante era o horizonte para o qual apontavam as transformações em curso
naquele período, qual seja, o da constituição de uma sociedade de consumo de massas com um
padrão de distribuição da renda minimamente civilizado, nos moldes do que acontecia nos países
de capitalismo avançado.
Apesar do arcabouço jurídico-institucional que disciplinava o mercado de trabalho
brasileiro não ter referendado a representação sindical por local de trabalho e o contrato coletivo,
com o que sancionava uma ampla liberdade para as empresas constituírem as suas hierarquias
ocupacionais e de remunerações internas, é lícito reconhecer que os sucessivos aumentos do
salário mínimo, posicionando-o em um patamar relativamente elevado, dificultavam uma
abertura ainda mais pronunciada do leque salarial.
Vale o registro de que o salário mínimo, ao ser estabelecido em 1940, restringia-se aos
trabalhadores com carteira assinada residentes nas cidades e era regionalmente diferenciado. Nos
maiores centros industriais, como São Paulo e Rio de Janeiro, o primeiro valor do salário mínimo
era inferior à média dos salários mais baixos, ao tempo que, nas demais cidades, o contrário se
dava102. Ainda que o seu valor fosse suficiente para atender as necessidades básicas de um
trabalhador, o salário mínimo assegurava o atendimento de apenas cerca de 40% das despesas
familiares (POCHMANN, 1994).
A introdução de novos setores, novas empresas e técnicas se deu, simultaneamente a um
amplo movimento de urbanização, sub-proletarização, extensão do sindicalismo oficial e
modernização das relações trabalhistas nos ramos mais intensivos em mão-de-obra.
Assim, se de um lado a regulação estatal sobre as relações do trabalho e dos níveis do
salário mínimo impunha uma norma estruturadora aos mercados precários de trabalho,
102 A política de salários mínimos visava, antes de tudo, evitar que a escassez de alguns segmentos da força de trabalho
possibilitasse a elevação dos seus salários. De acordo com Francisco de Oliveira: “[...] o papel da institucionalização do salário
mínimo reveste um significado importantíssimo para a acumulação do setor urbano-industrial da economia: ela evita,
precisamente ao contrário do que supõem alguns, o aparecimento no mercado de trabalho da escassez específica que tenderia a
elevar os salários de algumas categorias, pela adoção de uma regra geral de excesso global. Em outras palavras, a fixação dos
demais salários, acima do mínimo, se faz sempre tomando este como ponto de referência e nunca tomando a produtividade de
cada ramo industrial ou de cada setor como o parâmetro que, contraposto à escassez específica servisse para determinar o preço da
força de trabalho” (OLIVEIRA, 2003 [1972], p. 81, grifos do autor).
97
confrontando-se com práticas atrasadas de gestão da mão-de-obra; de outro permitia à
grande empresa, sobretudo nos novos setores, fixar salários relativos baixos e obter paz
fabril devido a débil e controlada organização sindical dentro das grandes fábricas
(MEDEIROS, 1992, p. 264-265).
Ainda assim, no início dos anos 1960, já com uma base industrial praticamente
consolidada, o sindicalismo brasileiro, sobretudo o atuante nos ramos econômicos mais
modernos, passou a questionar de forma mais contundente, o que muitas vezes significava a
deflagração de movimentos grevistas, a ampla autonomia empresarial na definição do padrão de
regulação das relações de trabalho. Naquele momento, frise-se, as bandeiras de luta dos
sindicatos extrapolavam os muros das empresas, com reivindicações em favor de políticas
educacionais mais universais e inclusivas e da reforma agrária, por exemplo.
Nesse contexto, face a uma inflação renitente, reajustes salariais anuais (e até mesmo
semestrais) foram conquistados por uma gama variada de categorias profissionais. O salário
mínimo, por seu turno, experimentava reajustes frequentes, não obstante a legislação que o
instituiu estabelecesse uma correção trienal. Assim, no período em tela, os trabalhadores
conseguiram ampliar em termos reais o poder de compra dos seus salários, assim como os
salários de base apresentaram uma trajetória de alta: no período 1952-64, o valor do salário
mínimo já representava 2,4 vezes a renda per capita, enquanto no período imediatamente
anterior, 1944-51, a aludida relação era de apenas 1,3 vez.
A supressão do regime democrático, em 1964, alterou profundamente a dinâmica
precedente do salário mínimo, pondo em xeque a sua função precípua de assegurar a satisfação
das necessidades de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte do trabalhador e de
sua família. Entre os anos de 1965 e 1974, por exemplo, o valor real do salário mínimo diminuiu
aproximadamente 33,5% comparativamente ao período anterior (1952-64), apresentando uma
tendência de queda mesmo durante o “milagre econômico” brasileiro (MEDEIROS, 1992).
Na realidade, o salário mínimo teve eficácia para atender aos interesses dos pequenos
empresários com baixa produtividade, das prefeituras de regiões economicamente
atrasadas e da previdência social com gestão tecnocrática. Ao invés da proteção dos
trabalhadores de salário de base, a política do mínimo esteve associada tanto à
sustentação de uma base de apoio político do regime militar (pequenos negócios), quanto
à composição das medidas ortodoxas de combate à inflação (MEDEIROS, 1992, p. 650-
651).
98
Ao analisarem comparativamente as características estruturais da expansão econômica
ocorrida durante o Plano de Metas (1956-62) e a do “milagre” brasileiro (1968-1974), João
Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga Belluzzo chamaram a atenção para esta questão103:
Na fase 56/62, o crescimento rápido foi compatível com o aumento da taxa dos salários
reais de base, pelo menos até 1959, e não houve, de forma significativa, uma abertura em
leque das rendas do trabalho. No período recente (o do “milagre”), ao contrário, a
dominância de bens duráveis de consumo impôs uma pronunciada diferenciação dos
salários, cuja condição de compatibilização era dada, em última instância, pela
contenção dos salários de base (CARDOSO DE MELLO; BELLUZZO, 1998 [1977], p.
170).
Porém, a incursão do governo militar no campo da política salarial não se restringiu a
aludida redefinição de rumos na condução do salário mínimo. A partir de 1967, em meio a
tentativas obstinadas em conter a elevação dos índices inflacionários, inaugurou-se a prática de
políticas gerais de salário. Por meio delas, almejava-se o disciplinamento do comportamento do
conjunto de rendimentos dos assalariados, mediante a definição de índices oficiais de correções
salariais, em um contexto de forte repressão aos movimentos sindicais e de submissão completa
da Justiça do Trabalho.
Não interessa aqui debruçar-se sobre os pormenores da escolha e do método de cálculo de
tais índices104, o que convém ressaltar é que, entre os anos de 1964 e 1978, o poder aquisitivo dos
salários declinou consideravelmente, ainda que tenham sido corrigidos no período com base nos
índices estipulados pelo governo federal. A título ilustrativo, a participação do rendimento
assalariado na renda nacional passou de 55,5%, em 1959, para 52,0%, em 1970, e 50,3% em
1979.
Não por acaso, a concentração da renda apresentou um comportamento de alta nas duas
décadas em questão, ainda que em magnitudes bastante distintas. Nos anos 1960, a taxa de
crescimento da renda real do último decil da distribuição da renda foi de 101%, ao passo que a
dos 80% inferiores foi de 46%. Assim, o índice de Gini no Brasil assinalou um salto de 0,50, em
1960, para 0,57 em 1970, a ponto de representar praticamente todo o aumento da concentração da
renda observado no período 1960-86. Nos anos 1970, a deterioração do grau de desigualdade de
renda se manteve, é verdade, porém em ritmo bem mais modesto: de 0,57, em 1970, o índice de
Gini aumentou para 0,59, em 1980. O que se percebe é que na segunda metade desta década as
103 Para estes autores, a crise da segunda metade dos anos 1970 foi, essencialmente, um problema de realização dinâmica, ou seja,
de incompatibilidade entre taxas de acumulação e de crescimento da demanda efetiva de bens duráveis de consumo. 104 A esse respeito, ver, por exemplo, Pochmann (1994).
99
classes de renda baixa e média conquistaram ganhos reais em seus rendimentos, ao passo que as
classes de renda mais alta assinalaram um movimento oposto (BONELLI; SEDLACEK, 1989).
Nesse contexto, não se pode perder de vista que se, por um lado, a industrialização
brasileira não logrou êxito no combate aos altos níveis de desigualdade de renda que prevalecem
no país desde muito tempo, e, até mesmo, agravou-os a partir do modelo de desenvolvimento
econômico implementando no pós-golpe de 1964, por outro, a mobilidade social observada no
período foi, sob qualquer parâmetro, bastante intensa, o que, por algum período, serviu de
principal esteio de sustentação política e ideológica ao regime militar.
Os trinta anos que vão de 1950 a 1980 – anos de transformações assombrosas, que, pela
rapidez e profundidade, dificilmente encontram paralelo neste século – não poderiam
deixar de aparecer aos seus protagonistas senão sob uma forma: a de uma sociedade em
movimento. Movimento de homens e mulheres que se deslocam de uma região a outra do
território nacional, de trem, pelas novas estradas de rodagem, de ônibus ou amontoados
em caminhões paus-de-arara. [...] Movimento de uma configuração de vida para outra:
da sociedade rural abafada pelo tradicionalismo para o duro mundo da concorrência da
grande cidade, ou para o mundo sem lei da fronteira agrícola; da pacata cidadezinha do
interior para a vida já um tanto agitada da cidade média ou verdadeiramente alucinada da
metrópole. Movimento, também, de um emprego para outro, de uma classe para outra,
de uma fração de classe para outra, de uma camada social para outra. Movimento de
ascensão social, maior ou menor, para quase todos (CARDOSO DE MELLO; NOVAIS,
1998, p. 584-586, grifos dos autores).
O recrudescimento das desigualdades de renda observado nos anos 1960, vale dizer,
colocou o tema no centro do debate social e econômico que se travou na década seguinte. Nesse
cenário, as ideias defendidas por Carlos Langoni ocuparam um lugar de destaque. Para ele, o
crescimento econômico necessariamente provoca impactos importantes sobre a distribuição da
renda. No mercado de trabalho, em particular, é de se esperar que o aumento da demanda por
mão de obra venha acompanhado por elevações salariais diferenciadas, se se supõe, como o autor
o faz, que há uma oferta relativamente inelástica de trabalhadores qualificados. Tal tendência,
acrescenta o autor, ainda seria reforçada pela tecnologia moderna, em implantação no país,
caracterizada como altamente intensiva em mão de obra qualificada (LANGONI, 1973).
Porém, a correlação positiva entre taxa de crescimento e desigualdade seria temporária. A
partir do momento que o ritmo do crescimento se estabilizasse, em um nível de renda per capita
mais elevado, seria lícito acreditar que as forças que atuaram em prol do aumento das
100
desigualdades assumam um sentido contrário, em prol de um ajustamento paulatino da oferta e da
demanda por mão de obra e, por essa via, de uma diminuição das desigualdades de renda105.
Boa parte da literatura sobre desigualdades que se seguiu à obra de Carlos Langoni
procurou dialogar de forma crítica com as ideias defendidas por este autor. Para Edmar Bacha,
por exemplo, a abertura do leque salarial da economia brasileira nos anos 1960 esteve vinculada a
um processo de diferenciação de salários que dizia respeito muito mais à posição hierárquica do
trabalhador na empresa do que à sua qualificação propriamente dita. A discussão é posta nos
seguintes termos pelo autor:
[...] se não fizermos a distinção trabalhadores/gerentes e considerarmos apenas um
continuum de qualificações, indo do trabalhador manual analfabeto ao diretor da
empresa com diploma universitário, obteremos uma alta correlação estatística entre
educação e salário. Entretanto, se fizermos o corte trabalhadores/gerentes, deveremos
observar dois padrões distintos, caso nossa hipótese seja correta: para os trabalhadores, a
educação terá um efeito “marginal”, no sentido de o salário do operário mais qualificado
superar o do menos qualificado apenas pelo custo de treinamento (com controle para a
experiência). Quando, entretanto, passarmos para as funções gerenciais, a cada novo
nível hierárquico, corresponderá um salto salarial, haja ou não diferenças em níveis
educacionais. Ou seja, o fator fundamental na determinação da estrutura de salários será
a posição na escala hierárquica e não a qualificação individual (BACHA, 1978, p. 134-
135).
Pedro Malan e John Wells (1978) teceram observações críticas mais diretas ao trabalho de
Carlos Langoni. Em primeiro lugar, para estes autores, há uma contradição entre as considerações
de ordem mais geral assumidas por Carlos Langoni, defensor da tese de que o aumento das
desigualdades nos anos 1960 resultaria da atuação de “mudanças clássicas” de transferência de
mão de obra entre setores de atividade e regiões, assim como de mudanças qualitativas da força
de trabalho, e sua constatação de que as mudanças dentro de cada setor, região ou grupos etários
ou de sexo são os elementos mais importantes para a compreensão do aumento da desigualdade
no período.
No que toca ao papel da educação para a elevação das desigualdades, aspecto de grande
relevância para Carlos Langoni, Pedro Malan e John Wells ponderam, valendo-se dos resultados
empíricos reunidos pelo referido autor, que a educação é realmente uma variável explicativa
importante para o fenômeno em questão, porém ela se mostra especialmente relevante quando se
105 Carlos Langoni (1973) acredita que, em resposta às sinalizações fornecidas pelo mercado, os indivíduos ampliariam os
investimentos em capital humano e em treinamento para as ocupações e as qualificações mais demandadas. Ainda que não se
descarte um problema de oferta na educação pública, para ele seria de se esperar que esta questão fosse também superada diante
da forte pressão da demanda. Finalmente, com custos do trabalho mais altos, as empresas seriam mais suscetíveis a promover
investimentos no treinamento específico dos trabalhadores, assim como a uma maior tributação para financiar uma educação
formal mais abrangente.
101
consideram grupos de indivíduos com o mesmo nível educacional. Nesse quesito, porém, o
mecanismo de oferta e procura que orienta a análise de Langoni tem muito pouco a elucidar.
Outras insuficiências das reflexões de Langoni, de acordo com Malan e Wells (1978),
estariam no não reconhecimento de que “em um regime capitalista, a distribuição de rendimentos
do trabalho é codeterminada com a distribuição de rendas da propriedade”, no pouco poder
explicativo das variáveis independentes utilizadas no modelo econométrico adotado (educação,
idade, sexo, atividade e região), no “fracasso em conferir um tratamento adequado à evolução das
rendas da propriedade durante a década de 60”, e no seu entendimento de que a desigualdade no
Brasil seria um fenômeno temporário e auto corrigível.
José Serra (1978) também foi um dos autores que se posicionaram contra as interpretações
hegemônicas a respeito da elevação da desigualdade de renda nos anos 1960, dentre as quais as
de Carlos Langoni se encontravam. Para Serra, não há porque esperar um efeito benéfico geral da
concentração da renda, o que aconteceria, afirmavam os seus defensores, por meio do aumento da
renda, do emprego e dos investimentos. Nesse sentido, o autor mostra-se crítico ao abandono do
conceito relativo da pobreza, destaca que a reconcentração da renda pessoal favoreceu o consumo
das classes mais ricas (e não o investimento) e assume a visão keynesiana das relações causais
entre poupança e investimento (cujo sentido da determinação caminharia do segundo para o
primeiro).
Ele ainda contesta as explicações para a elevação da desigualdade de renda apoiadas na
crença de que não era apropriado se falar em justiça ou injustiça social, uma vez que a ordem
econômica, guiada pela eficiência, remuneraria os fatores de produção com base nesse critério. A
esse respeito, Serra aponta que “[...] na concorrência perfeita, é certo que os salários e os juros
corresponderão pelos aportes marginais respectivamente do trabalho e do capital. Mas a relação
de causalidade está no sentido remuneração-aporte e não o contrário” (SERRA, 1978, p. 272).
Serra também opõe-se ao argumento de que a educação é a principal causa explicativa para
a abertura do leque salarial dos anos 1960, como o faz Langoni. Ele salienta, nesse sentido, que
as oportunidades educacionais são aproveitadas de forma desigual pelas classes sociais; que a
distribuição de salários está inscrita no aparato produtivo e que a educação é um dos
componentes da qualificação da mão-de-obra, juntamente com a preparação específica e a
experiência. Por fim, o autor contesta o fato de que no período havia uma oferta insuficiente de
mão de obra qualificada.
102
Nesse contexto, desenvolveu-se ainda um debate mais específico, qual seja, o do grau de
importância do salário mínimo para a determinação dos salários de base do setor industrial e,
consequentemente, da influência do seu comportamento para o aumento das desigualdades de
renda.
No entendimento de Roberto Macedo e Manuel Garcia106, o papel da política brasileira de
salário mínimo para a ampliação das desigualdades de renda nos anos 1960 foi superestimado por
muitos autores. Isto porque, no Brasil, somente um segmento limitado dos trabalhadores era
coberto pela legislação do salário mínimo107, constatação que permaneceria válida mesmo se
fossem considerados somente os trabalhadores dos estratos de renda mais baixos108. Além disso,
no universo supostamente restrito dos trabalhadores abrangidos por esta legislação, qual seja, o
de assalariados com registro em carteira de trabalho, observou-se uma diminuição da parcela
daqueles que auferem remunerações próximas ao patamar mínimo estabelecido pelo governo109.
Com o que se conclui:
[...] não se pode depender da legislação do salário mínimo para mitigar a pobreza no
Brasil. Os muito pobres estão em grande parte fora da cobertura da legislação, dado que
tipicamente não são assalariados no setor moderno, urbano da economia.
Adicionalmente, onde realmente se aplique essa legislação, sua eficácia em termos de
aumentar, de modo significativo, os salários reais de uma grande fração dos
trabalhadores de baixas rendas não pode ser tomada como garantida, devido a
possibilidade de elevação do não cumprimento da lei facilitada pela existência de
relações informais de trabalho. Onde a legislação realmente seja obedecida pelas firmas,
é inquestionável que, eliminando efeitos eventuais e desfavoráveis sobre o emprego,
seus trabalhadores de baixas rendas estarão em uma posição melhor relativamente
àqueles não cobertos pela legislação. De qualquer forma, as firmas tentariam evitar os
maiores custos dos salários por meio da elevação dos preços [...] (MACEDO, 1981, p.
49-50).
Para estes autores, o salário de subsistência representa um piso salarial para o setor
capitalista da economia110. Com efeito, caso os salários, neste setor, fossem estabelecidos abaixo
desse patamar, não seriam suficientemente atrativos para estimular, por um lado, os trabalhadores
106 Ver, por exemplo, Macedo (1981) e Macedo e Garcia (1980). 107 “[...] a discussão acerca do salário mínimo adquire maior relevo apenas nas sub-regiões urbanas e menos pobres do Nordeste,
onde a proporção de assalariados é elevada” (MACEDO, 1981, p. 46). 108 “[...] o grupo de pessoas que recebem salário mínimo não está localizado na base da pirâmide distributiva, posto que o salário
mínimo situa-se bem acima dos rendimentos dos grupos de menor renda [...]” (MACEDO, 1981, p. 46-47). 109 “[...] a elasticidade dos salários com respeito ao mínimo é menor do que a unidade; isto significa que os salários dos
trabalhadores não qualificados não seguiram a queda no valor real do salário mínimo” (MACEDO, 1981, p. 48). 110 Tais conclusões já haviam sido proferidas em outro momento: “[...] a queda do valor real do salário mínimo foi acompanhada
por uma diminuição da proporção de trabalhadores recebendo remunerações próximas do mínimo; essa diminuição continuou
ocorrendo no período em que o salário mínimo se estabilizou. Assim sendo, concluímos que o salário mínimo veio perdendo
importância como padrão de remuneração no mercado de trabalho. Isso implica dizer que a taxa de salários não é determinada
unicamente pelo salário mínimo e que sua elasticidade com relação a este foi menor que um no período analisado” (MACEDO;
GARCIA, 1980, p. 1015).
103
residentes no campo a abandonarem as atividades agrícolas; por outro, os trabalhadores urbanos a
abrirem mão de suas ocupações informais. Em suma, nessa perspectiva, a determinação dos
salários de base no setor industrial assumiria um caráter exógeno ao sistema capitalista. Desse
modo, para Roberto Macedo e Manuel Garcia, a redução do número de trabalhadores recebendo
remunerações próximas ao salário mínimo pode ser compreendida nos seguintes termos:
[...] o salário de subsistência, pela sua própria definição, deve ter acompanhado a
variação do custo de vida; como isso não ocorreu com o salário mínimo, teria caído a
razão entre este e o salário de subsistência, com este último ultrapassando o próprio
valor do salário mínimo em alguns casos. Como a queda do valor real do salário mínimo
foi muito acentuada, o limite inferior estabelecido pelo salário de subsistência teria feito
com que a queda do valor real do salário mínimo não implicasse necessariamente uma
queda da taxa de salários, caindo assim a parcela de trabalhadores com remunerações
próximas do mínimo em algumas regiões do país. Além disso, a pressão da crescente
demanda de mão-de-obra também teria contribuído para a ocorrência do fenômeno,
principalmente no final dos anos 60 e no início da década seguinte (MACEDO;
GARCIA, 1980, p. 1016).
Paulo Renato Souza e Paulo Baltar (1980 [1978]; 1980), de forma diversa, entendem que
“apesar dos pesares, a taxa de salários da economia urbana capitalista no Brasil foi determinada
basicamente, no passado recente (anos 1960 e 1970), pela política de reajustes do salário
mínimo” (SOUZA; BALTAR, 1980 [1978], p. 58)111. Nesse sentido, os referidos autores
assumem a hipótese de que é o salário-base no núcleo capitalista da economia que orienta as
remunerações dos trabalhadores não qualificados, incluindo os ocupados na pequena produção
mercantil (o denominado “efeito farol”), e não o contrário, conforme acreditam Roberto Macedo
e Manuel Garcia.
Paulo Renato Souza e Paulo Baltar postulam ainda que a taxa de salários do setor
capitalista é uma resultante, por um lado, das necessidades da acumulação de capital e, por outro,
da luta entre trabalhadores e empresários pela apropriação do excedente econômico. Nesse
aspecto, a política de salários mínimos revelaria a capacidade do Estado brasileiro em explicitar
(e não arbitrar, frise-se) a aludida disputa entre as classes. De acordo com esta concepção,
portanto, a taxa de salários seria determinada endogenamente no núcleo capitalista da economia,
o que vai de encontro, mais uma vez, ao entendimento de Roberto Macedo e Manuel Garcia.
No setor capitalista, afirmam Paulo Renato Souza e Paulo Baltar, não haveria alternativa ao
pagamento de salários inferiores ao mínimo oficialmente estabelecido, como pode ocorrer no
111 Por taxa de salário, os autores entendem como “o salário-base pago à força de trabalho não qualificada do núcleo realmente
capitalista de uma economia” (SOUZA; BALTAR, 1980 [1978], p. 58).
104
âmbito das pequenas unidades econômicas, mais suscetíveis a se desvencilharem da legislação
trabalhista.
A partir dessas premissas, os referidos autores argumentam que:
[...] apesar de o salário mínimo ter continuado a ser a base das remunerações no núcleo
verdadeiramente capitalista da economia e de ser o parâmetro de orientação para as
rendas do restante da mão-de-obra não-qualificada urbana, as cifras de distribuição da
renda podem, de fato, registrar proporções decrescentes de pessoas abaixo ou no entorno
do salário mínimo legal (SOUZA; BALTAR, 1980 [1978], p. 66).
Para eles, o fundamental é o reconhecimento de que o salário mínimo determinou o
comportamento do piso salarial da economia brasileira nos três decênios que vão dos anos 1950
aos 1970112, e que o rebaixamento do seu valor foi crucial para a abertura do leque salarial
observada no período.
O que se enfatiza é o efeito homogeneizador do salário mínimo sobre todos os pisos
salariais, que, obviamente, expressam em boa medida as remunerações dos trabalhadores ‘de
base’ mais diretamente em competição nos mercados de trabalho não qualificado e sobre os quais
o mínimo exerce uma influência direta e decisiva (SOUZA; CUNHA, 1989 [1982]).
c) instabilidade e elevada rotatividade no emprego
Finalmente, a falta de estabilidade no emprego e a alta rotatividade nos postos de trabalho
também constituem problemas crônicos do mercado de trabalho brasileiro que merecem ser
destacados.
O funcionamento do mercado de trabalho em sentido estrito (quando a compra da força de
trabalho é feita por meio de uma relação de assalariamento) depende do tipo de arranjo
institucional existente, da composição da oferta de empregos e do modo de organização do
trabalho nas empresas.
No Brasil, a estruturação do mercado de trabalho assalariado, em paralelo à implantação de
uma estrutura produtiva industrial diversificada, resultou na criação de grupos específicos de
postos de trabalho adequados aos diferentes ramos econômicos e de outros grupos com contornos
mais gerais, destinados a suprir um leque amplo de funções básicas. Dentre os primeiros,
consolidam-se, por um lado, postos de trabalho que exigem um nível mínimo de qualificação
profissional dos trabalhadores, com o que tende a estimular a sua especialização e,
112 Esta visão também encontra-se presente em Tavares e Souza (1981).
105
consequentemente, a formação de segmentos no mercado de trabalho. Por outro lado, perfilam-se
postos de trabalho não-estruturados e que possuem requisitos de entrada pouco relevantes, o que
não favorece a especialização da mão de obra, nem condiciona a trajetória profissional futura dos
seus ocupantes. Neste caso, é improvável que surjam em torno deles segmentos específicos de
mercado de trabalho (BALTAR, 2003 [1985]).
Assim, define-se como a base do mercado de trabalho assalariado o conjunto dos postos de
trabalho que não pertence a nenhum segmento deste mercado. Estes postos, vale a insistência,
não primam por maiores requisitos profissionais, não são específicos de indústrias particulares e
não promovem a especialização da mão de obra.
Em síntese, identificam-se dois universos claramente diferenciados no mercado de trabalho:
de um lado, nos chamados mercados internos ou primários de trabalho, trajetórias profissionais
bem definidas, estabilidade no emprego e ascensão dos salários em sintonia com a produtividade;
de outro, nos mercados externos ou secundários de trabalho, movimentos aleatórios entre postos
de trabalho distintos e não necessariamente relacionados entre si, produzindo resultados
diametralmente opostos aos apresentados anteriormente.
Nos países desenvolvidos, como já se analisou no capítulo anterior, o surgimento e a
disseminação da administração científica da produção, baseada na simplificação do trabalho por
meio da sua decomposição em atividades elementares e rotineiras e na separação estrita entre
execução e concepção do trabalho, não se constituiu em um empecilho para que os mercados
internos (ou primários) de trabalho se desenvolvessem. Eles foram o resultado da interlocução
entre sindicatos influentes no local de trabalho e as classes dirigentes de grandes empresas
pertencentes a oligopólios relativamente estáveis. O padrão de uso, remuneração e
contratação/demissão da mão de obra era chancelado, portanto, pelos atores sociais pertencentes
ao espaço fabril, com o contrato coletivo de trabalho sendo o instrumento por excelência de
formalização desse processo.
Nesse cenário, a estabilidade no emprego apresentava-se como o eixo estruturante do
regime de trabalho dos países desenvolvidos, sobre o qual se apoiavam os seus demais elementos
constitutivos. Assim, as conexões virtuosas que se formavam entre qualificação da mão de obra,
salários e produtividade, só eram viáveis porque uma ampla parcela da força de trabalho gozava
de uma segurança mínima no emprego.
106
No caso do Brasil, o regime de trabalho prevalecente estruturou-se de maneira
marcadamente diversa, assentando-se na alta instabilidade dos vínculos empregatícios e no
baixíssimo nível da base salarial, ainda que o país tenha logrado a implantação de uma estrutura
produtiva moderna, à semelhança da encontrada nos países desenvolvidos (BALTAR; PRONI,
1996). Assim sendo, cabe indagar: por que bases produtivas semelhantes produziram regimes de
trabalho tão díspares?
A literatura que se debruçou sobre o tema ofereceu um conjunto variado de explicações
para tal dissociação, que, por sua vez, podem ser agrupadas em duas dimensões de natureza
distinta: uma dimensão técnico-produtiva, outra de ordem político-institucional.
No que diz respeito à dimensão técnico-produtiva, o modo e o ritmo assumidos pelas
industrializações periféricas, tal como a brasileira, em um ambiente urbano submetido a fluxos
migratórios e crescimentos populacionais intensos, foram decisivos para a conformação do
regime de trabalho prevalecente no Brasil. As reflexões de Paulo Baltar a esse respeito são
bastante elucidativas:
[...] um mercado de trabalho é mais fluido ou mais rigidamente estruturado em função da
rapidez ou lentidão com que é montado o aparelho produtivo de uma economia
capitalista. Ou seja, na situação de um país que monta passo a passo sua estrutura
produtiva durante um período que se estende por décadas é mais provável que o mercado
de trabalho assalariado se organize em segmentos rigidamente estruturados. Enquanto
noutro que assiste ao surgimento simultâneo de muitas indústrias num curto período, ao
mesmo tempo em que as poucas indústrias tradicionais se transformam radicalmente –
não apenas reduzindo seu estoque de empregos mas também mudando completamente a
natureza de seus postos de trabalho – tende a prevalecer uma base muito ampla que
inclui uma elevada proporção dos postos de trabalho das várias indústrias (BALTAR,
2003 [1985], p. 198).
Em sua visão, a alta rotatividade no emprego é uma decorrência direta desse processo, o
que, consequentemente, impede maiores avanços na especialização da mão de obra, formando,
assim, um mercado de trabalho com uma base demasiadamente ampla, quando comparada ao que
se verificou nos países desenvolvidos.
Ademais, uma industrialização implementada em um curto espaço de tempo e mercados de
trabalho instáveis, não favorecem o fortalecimento da ação sindical, conferindo aos empregadores
total liberdade na definição do padrão de uso, remuneração e contratação e demissão da mão de
obra (MEDEIROS, 1992).
Assim, a pouca difusão de segmentos rígidos nos mercados de trabalho subdesenvolvidos,
como o brasileiro, em um cenário de industrialização acelerada e oferta abundante de mão de
107
obra, favoreceu a formação de uma base extensa composta por uma força de trabalho muito
pouco diferenciada em termos de recursos produtivos, que, por isso mesmo, submetia-se a
elevadas taxas de rotatividade. Deste modo, dificultou-se ao máximo o crescimento dos salários
em sintonia com a expansão dos ganhos de produtividade, com o que terminou por sancionar o
baixo nível e a extrema diferenciação da estrutura dos salários no país.
Porém, conforme já se disse, a alta rotatividade nos postos de trabalho do mercado de
trabalho brasileiro não diz respeito somente a questões de ordem técnico-produtiva, mas também
a aspectos político-institucionais.
Nesse sentido, os resultados de pesquisa realizada por Afonso Carlos Fleury, no final dos
anos 1970, são bastante elucidativas. Ele constatou que o esquema de organização do trabalho
predominante nas empresas brasileiras, por ele denominado de “rotinização”, era o resultado
antes de preocupações de ordem social, do que de aspectos técnicos, ou seja, a ampliação da
produtividade do trabalho era relegada a segundo plano, em proveito de uma preocupação maior
em coibir a manifestação de conflitos (FLEURY, 1983)113.
Segundo este autor, o esquema de rotinização operava com base em um planejamento do
trabalho que visava uma repartição de tarefas até o ponto no qual um trabalhador desprovido de
maiores conhecimentos sobre o processo e o produto pudesse executá-la, com o que não se
demandava dele qualquer treinamento mais específico. Com isso, formava-se uma força de
trabalho cujos membros eram altamente intercambiáveis entre si, induzindo, assim, níveis
elevados de rotatividade da mão de obra. Ademais, consolidou-se um sistema hierárquico de
supervisão de tarefas que evitava um contato mais próximo entre os trabalhadores na fábrica.
Nessa perspectiva, ele conclui: “o trabalho na produção não é organizado de forma que utilize a
mão-de-obra de maneira eficiente, mas de forma que a desqualifique e a desorganize,
minimizando a possibilidade de surgimento de conflitos dentro da fábrica” (FLEURY, 1983, p.
106).
As reflexões realizadas por John Humphrey apontam nessa mesma direção. Em pesquisa
realizada em um dos ramos mais dinâmicos do setor industrial, o automobilístico, o autor
contesta a validade das teorias dos mercados de trabalho segmentado (ou dual) para o caso
brasileiro. Segundo ele, mesmo para os postos de trabalho mais qualificados, as empresas do
113 A rotinização era adotada independentemente da tecnologia utilizada, assim como do grau de dinamismo ambiental ao qual se
defrontava as empresas estudadas. Além disso, o referido esquema de organização do trabalho não era idêntico a qualquer método
consagrado pela teoria, ainda que apresentasse traços comuns com a racionalização produtiva ocorrida nos países desenvolvidos.
108
setor tendem a recrutar a sua mão de obra nos chamados mercados externos de trabalho. Além
disso, uma vez contratada, esta mão de obra pouco se beneficia de programas de treinamento,
assim como de oportunidades de promoção interna (HUMPREY, 1982).
Dessa forma, observou-se, nos anos 1970, uma prática generalizada e induzida da
rotatividade nos postos de trabalho na indústria automobilística brasileira, não poupando nem
mesmo os trabalhadores de qualificação mais elevada e de maior tempo de permanência na
empresa. O objetivo das classes dirigentes, anota John Humprhey, era, por um lado, conter os
custos salariais114, substituindo os trabalhadores de salário mais elevado por outros de
remuneração mais baixa; e, por outro lado, instrumentalizar a baixa segurança no emprego como
um mecanismo de coerção da força de trabalho, face a ritmos de produção bastante intensos.
Ruy de Quadros Carvalho, por seu turno, retratou a instabilidade no emprego como um
componente fundamental de um “padrão de uso e controle da força de trabalho” assentado na
superexploração ou na exploração predatória deste último fator. A partir da análise de um
conjunto amplo de pesquisas, que abrangiam diversos ramos da indústria brasileira, o autor
constatou que os mecanismos de repressão do regime militar, no plano político e sindical, e a
rotatividade, no plano das empresas, complementavam-se como mecanismos de controle e de
sujeição da classe trabalhadora a um processo produtivo que combinava um ritmo acelerado de
trabalho e jornadas de trabalho extensas, a uma política de remuneração do trabalho baseada no
crescimento dos salários abaixo da produtividade (CARVALHO, 1987)115.
Nesse quesito, a contrarrevolução conservadora representada pelo golpe de 1964 foi
decisiva para sancionar um regime de trabalho no Brasil amparado em altas taxas de rotatividade
da mão de obra (e nos baixos salários). Foi assim que mecanismos altamente repressivos às
atividades políticas e sindicais foram adotados, inviabilizando-as na prática, justamente no
momento de consolidação da estrutura econômica que vinha sendo montada desde 1930.
Adicionalmente, o recém-empossado governo militar encampou, em 1966, o fim do instituto da
114 A utilização da rotatividade da mão de obra como um instrumento de contenção de custos salariais foi reforçada a partir da
implementação de políticas gerais de salário por parte dos governos da ditadura militar. Ao rebaixar o valor real do salário
mínimo, tais governos possibilitavam às empresas, às vésperas do período dos reajustes determinados oficialmente, a demissão de
trabalhadores não qualificados e a contratação de outros, com remuneração inferior, ainda que superior ao salário mínimo vigente.
A esse respeito, ver a coletânea de artigos reunidas por Souza (1989). 115 Em verdade, o autor relata uma maior tendência de estabilização da força de trabalho nos setores industriais de processo
contínuo automatizado, ao contrário do observado nas indústrias de processo descontínuo ou semi-automatizado, o que
evidenciaria um poder de condicionamento, e não de determinação, da tecnologia moderna sobre o referido padrão.
109
estabilidade no emprego, e a sua substituição pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS).
Vale esclarecer que até o referido ano, os trabalhadores com mais de dez anos de serviços
prestados na mesma empresa tinham direito a uma proteção especial contra a demissão. Neste
caso, era preciso comprovar na Justiça do Trabalho que o empregado havia cometido uma
infração grave para que a demissão se consumasse. Com a adoção do FGTS, tal proteção especial
foi abolida. Além disso, o pagamento da indenização por demissão foi modificado. Até então, o
montante recebido pelo trabalhador equivalia a uma remuneração mensal por cada ano
trabalhado, tendo como base o salário mais alto durante esse período. A partir do FGTS, a
empresa passou a ser obrigada a formar um fundo individual para cada trabalhador, onde era
depositado mensalmente um valor equivalente a 8,0% do seu salário116. Ao ser demitido, o
trabalhador adquiria o direito ao saque dos recursos acumulados, acrescidos de 10%, pagos pela
empresa no momento da rescisão contratual.
Não foram poucos os autores, a exemplo de Roberto Macedo e José Paulo Chahad (1985),
que chamaram a atenção para o viés pró-rotatividade introduzido pela legislação do FGTS. De
um lado, as empresas ganharam uma maior liberdade, inclusive fiscal, para acelerar a rotatividade
da mão-de-obra, uma vez que “desaparece o problema de um dispêndio brusco de recursos
financeiros para despedir um empregado, permitindo ao empregador proceder mais livremente a
recomposição do seu quadro de pessoal” (MACEDO; CHAHAD, 1985, p. 58). De outro lado, os
trabalhadores, especialmente os de mais baixa renda, foram estimulados, em tese, a romperem os
seus contratos de trabalho, em comum acordo com o empregador, com vistas à obtenção dos
recursos depositados no Fundo de Garantia.
Sancionava-se, portanto, um sistema de relações de trabalho altamente flexível, no qual os
empregadores possuíam, desde que respeitassem os direitos mínimos inscritos na CLT, uma
ampla liberdade de gestão de pessoal, em um cenário de ação sindical débil e de quase
inexistência de contratos coletivos de trabalho. No dizer de Paulo Baltar e Marcelo Proni:
[...] a instabilidade dos empregos, a falta de especialização dos trabalhadores e o baixo
nível dos salários são aspectos inter-relacionados (e que se reforçam mutuamente) de um
regime fluido de relações de trabalho, que se notabiliza pelo livre-arbítrio dos
empregadores, produto da ausência de uma regulação coletiva do uso e remuneração da
mão-de-obra (BALTAR; PRONI, 1996, p. 118-119).
116 Para as empresas, o custo da implantação do FGTS foi menor do que o aludido percentual, dado que tal implantação veio
acompanhada da extinção de uma série de encargos pagos por elas.
110
* * *
Destacados os principais elementos da conformação do mercado de trabalho urbano no
Brasil, assim como os problemas crônicos que imprimiram um caráter distorcido ao seu processo
de estruturação incompleta, convém agora refletir acerca dos impactos causados pela crise do
desenvolvimento que se abateu sobre o País nos anos 1980 e das consequências da guinada
neoliberal promovida na década seguinte sobre o mercado de trabalho nacional, com o que foram
aprofundados os problemas crônicos aqui referidos.
111
Capítulo 4: Deterioração e Estreitamento do
Mercado de Trabalho (1981-2003)
O esgotamento do padrão de desenvolvimento nacional no início da década de 1980
(devido aos desequilíbrios do balanço de pagamentos e à instabilidade monetária) interrompeu o
processo de estruturação do mercado de trabalho brasileiro. Embora a redemocratização do país e
a promulgação da nova Constituição Federal tivessem aberto a perspectiva de emergência de um
padrão de desenvolvimento inclusivo, por meio da fundação de um Estado de bem-estar social,
não foi esse modelo que vingou na década seguinte. De fato, nos anos 1990 houve uma guinada
em direção às políticas de cunho neoliberal, associadas com o esvaziamento da capacidade do
Estado em protagonizar um projeto de desenvolvimento nacional e com a apologia dos benefícios
da abertura econômica para uma franca inserção na economia globalizada. Além disso, nesse
período houve um grande avanço do processo de reestruturação produtiva, com consequências
diretas para o emprego e as relações de trabalho.
Os propósitos do capítulo são: mostrar como a estagnação econômica afetou o mercado de
trabalho nos anos 1980, reforçando seus problemas estruturais e causando erosão do poder de
compra dos salários; e discutir como a transição para um padrão de desenvolvimento baseado na
livre concorrência e pautado na busca de redução dos custos de produção impactou sobre o
mercado de trabalho, provocando o seu estreitamento e a deterioração das relações de emprego.
Desse modo, pode-se dizer que houve um retrocesso no que diz respeito ao processo de
estruturação do mercado de trabalho nacional nos moldes projetados até 1988, introduzindo agora
novos problemas, tais como o desemprego de longa duração e novas modalidades de
informalidade, sem que aqueles problemas característicos do subdesenvolvimento tivessem sido
superados.
112
4.1. Estagnação, informalidade, erosão salarial e direitos do trabalho
A grave crise que se abateu sobre a economia brasileira nos anos 1980 deu-se em um
contexto de profundas mudanças no quadro econômico internacional, iniciadas ainda na década
anterior, e já referidas no capítulo 2 desta tese. Tais mudanças, vale recordar, ocorreram no bojo
do processo de retomada da hegemonia americana e de defesa do dólar como moeda reserva do
sistema internacional, o que exigiu uma elevação drástica das taxas de juros pelos Estados Unidos
e implicou na perda de dinamismo econômico dos demais países avançados.
A sensação reinante naquele período era de profunda decepção com o “legado” de décadas
de industrialização e de um desenvolvimento orientado pelo Estado. Predominava, então, o
diagnóstico de que, dado o aludido contexto, “o dirigismo industrializante” tinha sido um
retumbante fracasso em proporcionar melhores condições de vida para as massas. Uma aventura
na qual o país precisava se desvencilhar o quanto antes, caso realmente quisesse pavimentar uma
nova trajetória de crescimento, com resultados bem mais satisfatórios em termos econômicos e
sociais.
A decepção não era exclusividade dos pensadores situados no campo liberal, vale dizer.
Celso Furtado, em 1972, por exemplo, vaticinou: “A tese, que prevaleceu imediatamente após a
guerra, de que a industrialização constitui razão suficiente para a absorção do
subdesenvolvimento, está certamente desacreditada” (FURTADO, 1972, p. 8). Ademais, os
principais defensores da industrialização da economia brasileira não se furtaram a chamar a
atenção para os problemas que se avolumavam, seja no campo econômico, seja no social. Por um
lado, alertava-se para o seu caráter excessivamente introvertido, para a sua relativa incapacidade
em endogeneizar o progresso tecnológico e para as suas frágeis bases de financiamento117; por
outro lado, denunciava-se a perpetuação de níveis elevados de pobreza e de concentração da
renda.
A eclosão da crise da dívida nos anos 1980 inaugurou, porém, um período bastante adverso
para as economias latino-americanas, expresso pelo agravamento substancial da situação
econômica e social da região. A piora dos termos de troca, associada a uma ruptura do
financiamento externo, estreitaram consideravelmente as margens de manobra destes países,
117 João Manuel Cardoso de Mello e Fernando Novais teceram suas críticas nesta direção: “Copiamos tudo menos o que é
essencial: formas de organização capitalista capazes de assegurar um mínimo de capacidade autônoma de financiamento e
inovação” (CARDOSO DE MELLO; NOVAIS, 1998, p. 646).
113
obrigando-os a realizar uma transferência de recursos reais para o exterior, com o intuito de
viabilizar o pagamento da dívida externa (CARNEIRO, 2002).
O Brasil, em particular, não constituiu uma exceção à regra. A opção por manter em
marcha, nos anos 1970, o esforço industrializante das décadas precedentes, com base em um
endividamento excessivo, soçobrou frente às mudanças na economia mundial ocorridas no
período.
Vale destacar que os sinais de esgotamento do crescimento econômico brasileiro já eram
evidentes desde meados da década passada, refletidos no declínio acentuado da taxa de
acumulação desta economia. De fato, o que havia por detrás da crise dos anos 1970, e que,
portanto, ultrapassava as questões de ordem conjuntural, era um problema de realização
dinâmica, ou seja, de descompasso entre, de um lado, taxas de acumulação e, de outro, um padrão
de consumo “fordista”, assentado em bens de consumo duráveis (CARDOSO DE MELLO;
BELLUZZO, 1998 [1977]).
A instabilidade econômica do período evidenciava a incompatibilidade entre uma geração
de superávits comerciais muito expressiva e um crescimento econômico mais acelerado. Isto
porque maiores taxas de crescimento, sustentadas por uma absorção doméstica, demandariam
uma ampliação significativa das importações, sacrificando o almejado superávit da balança
comercial. Adicionalmente, vale lembrar, a orientação exportadora do período foi incapaz de
dinamizar o investimento e a produção industrial, que continuaram atrelados aos humores do
mercado interno. A redução do consumo, por sua vez, indica que esta variável também se
adequou à necessidade de transferência de recursos para o exterior (CARNEIRO, 2002).
Ao mesmo tempo, a economia brasileira passou a conviver com níveis inéditos de inflação,
a ponto de, no final da década de 1980, a escalada dos preços já ter assumido contornos de um
processo hiperinflacionário. Este esteve associado a uma dinâmica de financeirização dos preços,
situação marcada pela perda de relação entre preços e custos de produção (os reajustes eram
determinados por taxas de juros de curtíssimo prazo – overnight). Ademais, a emergência da
moeda indexada (depósitos bancários à vista com rendimento equivalente à correção monetária)
configuraria uma dolarização indireta da economia (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002).
Isto posto, o fracasso dos diversos planos de estabilização levados a cabo na segunda
metade dos anos 1980, defende Carneiro (2002), indicaria que o processo hiperinflacionário
114
estaria sendo condicionado pela restrição externa e pela consequente necessidade de se transferir
recursos reais para o exterior.
A centralidade dos superávits comerciais na política econômica do período implicava na
manutenção de uma moeda desvalorizada e na preservação da absorção doméstica dentro de
limites que não ameaçassem a geração de tais superávits. Isto criava uma grande incerteza a
respeito do comportamento futuro do câmbio e dos juros, condicionando o comportamento dos
agentes econômicos, com o que, de um lado, coibia-se um crescimento econômico mais elevado e
duradouro, e, de outro, alimentava-se cada vez mais o aumento generalizado dos preços.
Desta forma, houve uma verdadeira desorganização das expectativas nos anos 1980,
solapando uma “convenção do crescimento” vigente há décadas na economia brasileira. Para
Belluzzo e Almeida (2002), as causas para tal desorganização residiam, primeiro, na forte
instabilidade das taxas de juros e no desalinhamento dos indexadores. Segundo, no risco de
crédito introduzido na economia pelas políticas de ajuste, uma vez que o padrão de
relacionamento empresa-banco foi rompido, seja pela mencionada ampliação da incerteza quanto
ao comportamento das taxas de juros e dos indexadores, seja pela contração drástica do crédito
doméstico. Em terceiro lugar, no fato do ajustamento ter deliberadamente provocado uma
recessão.
Nesse cenário, os anos 1980 foram caracterizados por uma drástica redução do crescimento
econômico, pela estagnação do produto per capita, pela regressão dos investimentos público e
privado, pela deterioração das finanças públicas, pelo completo descontrole inflacionário, e pela
transferência de recursos reais ao exterior. Porém, esta última teve proeminência sobre as demais,
de certa forma determinando-as.
Do ponto de vista do mercado de trabalho, a crise do padrão desenvolvimentista,
explicitada no período, as bruscas flutuações do produto e o descontrole da inflação se refletiram
sobre a geração de empregos no setor organizado da economia e sobre o poder de compra dos
salários, ao longo da década de 1980. Na conjuntura recessiva do início da década, que abalou
principalmente os centros urbanos industrializados, difundiu-se a desconfiança com relação ao
índice oficial de desemprego, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
através da Pesquisa Mensal de Emprego – PME. Vale dizer, um profundo mal-estar instalou-se
quando, no triênio de grave recessão, entre 1981 e 1983, registraram-se, ainda que em elevação,
taxas de desemprego relativamente baixas.
115
Tornava-se cada vez mais evidente que a mensuração do desemprego não podia valer-se,
sem maiores observações críticas, de metodologias elaboradas para a aferição deste fenômeno em
países de capitalismo avançado, cujos mercados de trabalho notabilizavam-se pelo seu alto grau
de homogeneidade e pela existência de políticas públicas de amparo à situação de desemprego.
Ao proceder dessa forma, os índices de desemprego oficiais situavam-se persistentemente em
patamares surpreendentemente baixos, mesmo para os padrões internacionais.
A situação se apresentava da seguinte forma: em um mercado de trabalho subdesenvolvido,
o baixo alcance do assalariamento tendia a estimular inserções ocupacionais alternativas,
premidas pela necessidade de sobrevivência dos indivíduos, seja no exercício de atividades por
conta própria, seja em trabalhos ocasionais. Ou seja, as condições imperantes impediam uma
manifestação “pura” do desemprego, uma vez que inexistia uma política pública de garantia de
renda ao desempregado e, ao mesmo tempo, havia espaços econômicos marginais ou intersticiais
capazes de absorver a população sobrante. Daí resultavam, dados os parâmetros de aferição,
reduzidas taxas de desemprego, enquanto a heterogeneidade do mercado de trabalho brasileiro
ficava diluída em uma única categoria ocupacional, qual seja, a dos ocupados.
É amplamente reconhecido que a captação de forma adequada da evolução do emprego
numa economia capitalista como a do Brasil só é possível a partir do reconhecimento da
sua especificidade, o que a diferencia, em muito, dos países capitalistas avançados.
Nesses países, o principal problema da ocupação é a flutuação do nível de
emprego/desemprego aberto, associada às fases do ciclo econômico. Nos países
subdesenvolvidos, porém, e em especial nos de industrialização tardia, a esta mesma
dinâmica cíclica do emprego capitalista soma-se uma outra situação, de caráter mais
estrutural e permanente, configurando o que se convencionou chamar de subemprego
(TROYANO, 1990, p. 90).
Esta pouca aderência à realidade dos países subdesenvolvidos das estatísticas de mercado
de trabalho foi reconhecida ainda em 1966, na ocasião da 11ª Conferência de Estatísticas do
Trabalho, quando recomendações para aferição do subemprego foram adotadas, o que significou,
na prática, a criação de uma nova categoria no interior de uma já existente (a dos ocupados),
mantendo-se inalterada, no entanto, a própria conceituação do desemprego.
Ainda que tenha se constituído em um avanço, a incorporação do conceito de subemprego
ainda era insuficiente para dar conta da dinâmica de um mercado de trabalho subdesenvolvido.
Era preciso não somente levar em consideração as situações de subemprego, convém salientar,
mas também redefinir conceitualmente o desemprego, de sorte que este pudesse ser retratado tal
qual ele se apresentava nas economias do tipo aqui estudadas.
116
Entretanto, situação diversa se dava com o índice oficial de emprego e desemprego no
Brasil. A PME-IBGE notabilizava-se por ser um levantamento que mensurava a desocupação e
não o desemprego, dado o conceito de trabalho por ela adotado e a sua dissociação da procura de
trabalho. De acordo com Troyano (1992, p. 71), “tal fato decorre de estar esta concepção centrada
na atribuição de absoluta prioridade à realização de qualquer tipo de trabalho”.
Partindo dessa avaliação, em 1984, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos – DIEESE, em parceria com a Fundação Estadual de Análise de Dados –
SEADE, implantou, na região metropolitana de São Paulo, a Pesquisa de Emprego e Desemprego
– PED118. Conforme salienta Troyano:
De forma bastante resumida, pode-se afirmar que se optou por dar prioridade à procura
de trabalho e esta, por outro lado, necessariamente deve ser analisada com a natureza do
trabalho exercido, a fim de se conceituar a população economicamente ativa em ocupada
ou desempregada (TROYANO, 1988, p. 15).
Nesses termos, classificava-se como ocupado todo trabalhador que não procurou por um
trabalho e realizava uma atividade econômica remunerada – de caráter regular ou não – ou
buscava uma nova inserção ocupacional, desde que com o intuito de ascender profissionalmente.
Entretanto, caso esta procura tivesse como objetivo a substituição de um trabalho precário,
marcado pela irregularidade e pelos ganhos avulsos e variáveis, ele passava à condição de
desempregado.
A esta modalidade de desemprego, denominada desemprego oculto pelo trabalho precário,
somava-se o tradicional desemprego aberto e aquele gerado pela não procura por um trabalho
motivada por desestímulos advindos do próprio mercado de trabalho, o desemprego oculto pelo
desalento.
Em suma, a taxa de desemprego total medida pela PED-DIEESE/SEADE procurava retratar
a realidade do mercado de trabalho metropolitano brasileiro não somente levando em
consideração o chamado subemprego da força de trabalho, mas também partindo de um conceito
mais amplo de desemprego, ao incorporar ao seu componente “aberto”, aquela parcela que se
encontrava oculta, seja pelo exercício de um trabalho precário, seja pelo desalento. A comparação
118 Em verdade, a metodologia em questão, foi previamente testada na Pesquisa de Padrão de Vida na Grande São Paulo, realizada
em distintos momentos entre 1981 e 1983, quando foram incluídos questionários específicos sobre a ocupação e o desemprego da
população (DIEESE, 1984). Ao longo dos anos, a pesquisa foi ampliando a sua área de cobertura, incorporando as regiões
metropolitanas de Porto Alegre (1992), Belo Horizonte (1994), Salvador (1996), Recife (1997) e Fortaleza (2008), além do
Distrito Federal (1991).
117
entre os conceitos utilizados pelas duas pesquisas elucida suficientemente bem a diferença
existente entre ambas naquele momento:
QUADRO 03
Comparação Metodológica entre a PED e a PME
PME-IBGE PED-DIEESE/SEADE
Desemprego
Desemprego aberto: restringe-se às
pessoas na faixa etária de 15 anos e mais
que, não tendo nenhuma ocupação,
pressionaram o mercado de trabalho
através da procura efetiva nos últimos 7
dias.
Desemprego aberto: engloba todas as pessoas com 10 anos ou mais que
não têm trabalho e que efetivamente procuraram emprego ou negócio
nos 30 dias anteriores ao dia da entrevista.
Desemprego oculto por desalento: engloba as pessoas com 10 anos ou
mais, sem trabalho, porém com disposição e disponibilidade para
trabalhar. Estas pessoas não procuraram trabalho nos últimos 30 dias,
devido às dificuldades do mercado de trabalho ou por circunstâncias
fortuitas – doença, problemas familiares, falta de dinheiro – mas o
fizeram até 12 meses antes.
Desemprego oculto por trabalho precário: inclui as pessoas com 10
anos ou mais que, simultaneamente à procura de trabalho, realizam
trabalhos remunerados descontínuos e irregulares ou trabalhos não
remunerados de ajuda em negócios de parentes.
Ocupação
Ocupado: Refere-se aos indivíduos na
faixa etária de 15 anos e mais que
exercem qualquer trabalho remunerado,
independentemente da procura,
regularidade, jornada de trabalho e
excepcionalidade. Inclui também as
pessoas que exercem qualquer tipo de
trabalho não remunerado, com a única
condição de exercerem uma jornada
semanal de trabalho de 15 horas e mais.
Ocupado: Refere-se ao conjunto de pessoas com 10 anos ou mais que
possuem trabalho remunerado, exercido de forma regular,
independentemente da procura de trabalho. Nesta categoria, inclui-se
também a parcela da população de 10 anos e mais que tem trabalho
remunerado, exercido de forma irregular, ou trabalho não remunerado,
de ajuda em negócio a parentes, desde que não tenha procurado trabalho.
Inatividade
Inativo: aplica-se às pessoas na faixa
etária de 15 anos e mais que não
procuraram trabalho nos últimos 7 dias.
São também classificadas nesta categoria
as pessoas que realizam algum trabalho
não remunerado com jornada inferior a
15 horas semanais e os menores de 15
anos.
Inativo: refere-se à parcela da população de 10 anos e mais que não tem
disponibilidade ou necessidade de trabalhar, encontrando-se em uma das
seguintes situações:
- não tem trabalho e não procurou trabalho (a procura de trabalho refere-
se tanto à procura efetiva quanto à potencial);
- trabalhou de forma excepcional e não procurou trabalho;
- realiza atividades não remuneradas de caráter beneficente, estágio, etc.,
e não procurou trabalho.
Esta categoria também inclui todos os menores de 10 anos. Fonte: Troyano (1990). Elaboração própria.
Não obstante o profícuo debate acerca da mensuração do emprego e do desemprego em
economias subdesenvolvidas provocado pelo surgimento da PED-DIEESE/SEADE (que
terminou por revelar uma dimensão oculta do desemprego metropolitano brasileiro, mais do que
118
dobrando os percentuais medidos pela PME-IBGE), é lícito afirmar que, durante os anos 1980, o
desemprego não alcançou o status de grande problema nacional, em que pese a grave crise
econômica que se abateu sobre o país naquela década119.
O período de maior contundência da crise deu-se logo no início dos anos 1980, mais
precisamente entre os anos de 1981-83, afetando especialmente a produção industrial, o que
provocou a eliminação em grandes proporções de postos de trabalho, sobretudo neste setor, e,
consequentemente, uma elevação significativa da taxa de desemprego aberto. No entanto, a
retomada do crescimento econômico em patamares mais elevados no triênio 1984-86 acarretou
em uma recuperação do emprego industrial, que praticamente retornou aos patamares
anteriormente vigentes e, assim, promoveu um recuo expressivo do desemprego.
Ainda que os anos de 1987 a 1989 não tenham apresentado uma clara trajetória recessiva, a
flutuação do emprego e da produção foi significativa, tendo como pano de fundo uma escalada
impressionante dos preços. Ainda assim, no final da década, o desemprego se encontrava em um
nível relativamente baixo, muito por conta do maior dinamismo do comércio e dos serviços
(incluindo a administração pública), principais responsáveis pela criação de postos de trabalho na
década, em detrimento da indústria de transformação e da construção civil.
Ao fim e ao cabo, os anos 1980 assinalaram um crescimento médio do PIB da ordem de
1,5% a.a. acompanhado da geração de mais de 16 milhões de novos postos de trabalho. A criação
de vagas no mercado de trabalho brasileiro foi, em termos absolutos, superior à verificada na
década de 1970 (e similar em termos relativos), ainda que, naquele período o cenário econômico
fosse muito mais dinâmico (com crescimento médio anual do PIB de 8,6% a.a.) 120. A taxa de
desemprego, por sua vez, medida pela PNAD-IBGE121, jamais ultrapassou o patamar de 5,0%,
apesar das fortes flutuações do PIB verificadas no decênio em análise.
Destarte, será somente a partir dos anos 1990 que o desemprego alcançará o posto de
problema central do mercado de trabalho e um dos maiores desafios para a economia brasileira,
especialmente após o controle inflacionário e a estabilidade cambial propiciados pelo Plano Real.
119 A respeito da evolução do desemprego na década de 1980 no Brasil, ver, entre outros, Amadeo et alii (1994); Baltar, Dedecca
e Henrique (1996); Cardoso Jr. (2013 [2001]). 120 A inusitada situação vivida pela economia brasileira, e por outras economias de industrialização avançada, levou a autores
como Urani (1995, p. 6) a afirmarem que “[...] não há nenhum elo evidente entre ‘mais crescimento econômico’ e ‘mais geração
de emprego e renda’”. 121 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE, pretende retratar de forma ampla as condições
sociais e de vida do conjunto da população brasileira, incluindo os aspectos ligados ao mercado de trabalho. Do ponto de vista
metodológico, há divergências em termos de aferição da ocupação e da desocupação com relação a PME. A este respeito, ver
Hipólito (2010).
119
Porém, a regressão econômica nos anos 1980 e a crise do desenvolvimento foram
determinantes para que a informalidade ampliasse a sua importância no mercado de trabalho
brasileiro. Assim, a referida década presenciou um encolhimento do setor formal do mercado de
trabalho urbano, ao passo que se expandiu tanto o trabalho não-regulamentado, quanto o trabalho
por conta própria, ainda que o primeiro em ritmo um pouco mais acelerado (em termos médios,
3,8% contra 3,5%, respectivamente, no período de 1979-1990) (DIEESE, 1994). Pode-se mesmo
dizer que as baixas taxas de desemprego assinaladas no período, em termos médios, foram
resultado da capacidade de acomodamento no segmento não organizado do mercado de trabalho
da mão de obra egressa do setor formal, num contexto em que a grande maioria dos
desempregados estava desprotegida.
A proliferação de várias modalidades de informalidade, resultado das estratégias de
sobrevivência da população mais vulnerável e da dificuldade crescente de obtenção de um
emprego formal mesmo entre trabalhadores com experiência profissional, expressa a natureza do
ajuste verificado no mercado de trabalho, especialmente nos grandes centros urbanos. E coloca
em evidência a inadequação e insuficiência das políticas públicas destinadas a organizar o
mercado de trabalho nacional.
Correlato a este processo, tem-se um crescimento patológico do setor terciário da
economia, que apresentou taxas médias de expansão no período em análise bastante significativas
(CARDOSO JR., 2013 [2001]). Como contrapartida do aumento da informalidade e de um
avanço desmedido da terciarização da economia, presenciou-se uma queda expressiva dos níveis
de produtividade, uma ampliação da precariedade dos vínculos empregatícios e uma diminuição
dos rendimentos do trabalho.
A deterioração do mercado de trabalho brasileiro nos anos 1980 também pode ser vista pela
ótica da desigualdade distributiva, uma vez que a concentração da renda do trabalho foi
fortemente ampliada durante o período. De acordo com Henrique (1999, p. 161), “se olharmos a
estrutura de ocupações e rendas do país em 1991, após uma década de estagnação econômica e
alta inflação, podemos verificar uma forte ampliação das desigualdades”.
Nesse cenário, não obstante a distensão da repressão política do governo militar e o
consequente processo de redemocratização do país nos anos 1980, o poder de compra do salário
mínimo não apresentou uma trajetória mais favorável. Pochmann (1994, p. 653) lembra que
“representando tão-somente, em média, cerca de 20% da renda per capita, 50% do custo das
120
necessidades mínimas do trabalhador individual e 16% do custo familiar, o salário mínimo
continuou afastando-se dos objetivos para o qual havia sido criado em 1940”.
No final dos anos 1970 e início dos 1980, período no qual a contestação ao governo militar
atingira o seu ápice, muito por conta do recrudescimento do movimento sindical, observou-se
uma ampliação, ainda que comedida, na participação do rendimento assalariado na renda
nacional, que atingiu, em 1982, o patamar de 51,2% (contra 50,3%, em 1979). No entanto, a
elevação da proporção correspondente à massa dos salários teve folego curto:
O período 1983-94 foi marcado pelo crescimento das desigualdades intersalariais e perda
no salário real, apesar da existência de critérios de indexação voltados para os mais
baixos salários. A permanência de altas taxas de inflação e de rotatividade possibilitou às
empresas contrabalançar os maiores reajustes para os menores salários (BONELLI;
SEDLACEK, 1989, p. 657).
Ademais, os anos 1980 foram cercados de expectativas quanto à possibilidade de superação
do referido padrão predatório de uso e controle da força de trabalho no Brasil. Primeiro, porque a
democratização do país avançava celeremente, seja no campo político-institucional, com a
debacle do regime ditatorial e a abertura democrática, seja no campo sindical e das relações do
trabalho, com o chamado “novo sindicalismo” angariando novas conquistas e canais mais amplos
de interlocução com as empresas, o que significava um maior protagonismo dos trabalhadores
nas decisões que diziam respeito à organização da produção e do trabalho.
De fato, a Nova República trouxe o reconhecimento da “dívida social” e mobilizou a
sociedade civil em torno da necessidade de aumentar a proteção social, em especial para os
trabalhadores, a começar pela criação do Seguro-Desemprego em 1986. Por sua vez, o combate à
erosão salarial tornou-se o principal elemento aglutinador do movimento sindical, à medida que
se agravava o contexto de hiperinflação. Embora a perda de poder de compra dos salários fosse
um problema mais grave para os trabalhadores pouco qualificados, as categorias melhor
organizadas também eram bastante afetadas pelo aumento diário do custo de vida.
Em segundo lugar, a década de 1980 marcou uma primeira etapa de introdução, no Brasil,
das novas tecnologias de base microeletrônica e dos métodos japoneses de organização do
trabalho. Nessas duas revoluções, a tecnológica e a organizacional, depositavam-se as esperanças
de um futuro onde o trabalho seria executado de modo menos repetitivo, desgastante e tedioso, e
por isso mesmo de maneira mais autônoma e enriquecedora, com amplos espaços de participação
dos trabalhadores sobre a organização do espaço produtivo. Assim, esperava-se que níveis
121
competitivos mais elevados fossem alcançados tendo como base uma mão de obra mais
participativa e cooperativa, estável, qualificada e melhor remunerada.
Junta-se a estes dois aspectos o fato de que, com a crise nos anos 1980 e a necessidade de
transferência de recursos reais para o exterior, a indústria brasileira foi desafiada a ampliar a sua
participação no comércio internacional, mediante um incremento de suas exportações. Tal feito,
porém, somente poderia ser alcançado caso ela se submetesse a novos padrões de
competitividade, capazes de ampliar consideravelmente a qualidade dos produtos, adaptando-os a
maior exigência do mercado de consumo dos países estrangeiros. O desaquecimento da
economia, por seu turno, tornou a competição interna muito mais acirrada, reforçando a
necessidade de produtos de maior qualidade.
Alguns estudos setoriais, citados por Carvalho (1987), apresentavam indicativos de que as
mudanças que se processavam na indústria brasileira nos anos 1980 implicaram no aumento da
produtividade do trabalho e da qualidade dos produtos, assim como em uma maior economia de
custos de capital, o que não se restringia aos segmentos exportadores da indústria, uma vez que
os novos padrões tendiam a ser replicados pelas empresas voltadas para o mercado interno.
Assim, a “rotinização”, padrão de gestão do trabalho vigente no período anterior e
caracterizado por Fleury (1983), foi sendo paulatinamente abandonada pelas empresas, à medida
que a racionalização da produção, as novas formas de organização do trabalho (a exemplo do
Enriquecimento de Cargos e Grupos Semi-Autônomos) e os modelos participativos (como os
Círculos de Controle de Qualidade) iam sendo incorporados por elas. No entanto, tais mudanças
foram tópicas, ou seja, incapazes de proporcionar uma reestruturação produtiva abrangente, com
o que foi possível “[...] reduzir os custos, intensificar o ritmo de trabalho, atribuir novas tarefas
aos trabalhadores (caso específico dos C.C.Q), e criar um ambiente participativo sem alterar as
relações de poder no interior da fábrica” (FLEURY, 1985, p. 64).
Dessa forma, muitos autores alertaram para a dissonância existente, no Brasil, entre a
adoção da microeletrônica, a introdução de alguns princípios do modelo japonês de organização
do trabalho e a permanência nas empresas de práticas tayloristas-fordistas122. No que interessa
propriamente a esta reflexão, cumpre notar que, não obstante uma pequena diminuição da
rotatividade da mão de obra verificada nos anos 1980, esta continuava sendo uma prática
disseminada no meio empresarial brasileiro, permanecendo em um patamar elevado face os
122 A esse respeito, ver, por exemplo, Carvalho e Schmitz (1990); Salerno (1993); Carvalho (1993).
122
padrões internacionais. Para Ruy de Quadros Carvalho (1993), os baixos salários, a falta de
perspectiva de carreira e um enfoque excessivamente disciplinador na relação
gerência/trabalhadores explicam a manutenção de elevadíssimas taxas de rotatividade no Brasil
durante os anos 1980 e o início dos 1990.
O quadro geral aqui apresentado aponta para uma ruptura do padrão de estruturação do
mercado de trabalho brasileiro, marcado pelo início de um processo de precarização da situação
dos assalariados. Porém, nesse primeiro momento, manifesta-se uma ambiguidade, do ponto de
vista da atuação do Estado, uma vez que foram abandonados os projetos de infraestrutura e as
políticas de estímulo à industrialização e ao desenvolvimento regional, mas ainda havia a
intenção explícita de aprimorar os mecanismos de regulação pública do trabalho, para assim
retomar o movimento de estruturação do mercado de trabalho. De fato, há registros de avanços
importantes em termos de regulamentação do mercado laboral no período em tela, muito por
conta dos direitos sociais e trabalhistas incorporados na Constituição de 1988 (CARDOSO JR.,
2013 [2001]).
O novo texto constitucional, vale dizer, tornou lei e, portanto, generalizou para o conjunto
dos trabalhadores, conquistas antes de abrangência limitada a poucas categorias profissionais, que
se encontravam sob o abrigo de negociações coletivas realizadas nos setores mais dinâmicos.
Além do mais, promoveu-se a elevação ao status de direito constitucional, um conjunto de
direitos que até então eram objeto de legislação infraconstitucional. Nesse sentido, destacam-se
os seguintes direitos: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa
causa; seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; fundo de garantia do tempo de
serviço; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; participação nos lucros ou
resultados; duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro
semanais; remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à
do normal; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário
normal; licença à gestante com a duração de cento e vinte dias; aviso prévio proporcional ao
tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias; e adicional de remuneração para as atividades
penosas, insalubres ou perigosas.
123
4.2. O modelo neoliberal e a desregulação do mercado de trabalho
As críticas ao padrão de desenvolvimento brasileiro vigente entre os anos 1930 e 1970
encontraram na última década do século XX um terreno fértil para a sua disseminação, diante do
acentuado declínio do poder de mobilização dos movimentos sociais e do sindicalismo e da
hegemonia ideológica alcançada pelo neoliberalismo no país.
Assim, na avaliação dos autores afinados com esta linha de pensamento, a situação
econômica e social adversa na qual o Brasil se encontrava desde os anos 1980 tinha como raiz a
montagem de uma estrutura industrial excessivamente protegida, desacostumada, portanto, à
disciplina imposta pela concorrência externa, com o que alimentava a sua incapacidade de
endogeneizar o progresso técnico, de incorporar as práticas organizacionais mais modernas e de
promover avanços tecnológicos. Adicionalmente, denunciava-se o dirigismo estatal da economia,
típico da era desenvolvimentista, responsável, em última instância, por graves ineficiências e
distorções econômicas.
Por conta disso, às portas do século XXI, a economia brasileira estaria presa a uma
armadilha formada por baixos níveis de produtividade, poupança e investimento, em um cenário
de altíssimas taxas de inflação. Desta forma, a única saída, defendiam os adeptos do
neoliberalismo, seria redefinir o papel do Estado na economia, diminuindo drasticamente a sua
participação, e ampliar a abertura da economia brasileira ao exterior em suas duas dimensões, a
financeira e a comercial.
A liberalização financeira apoiava-se na crença de que os capitais estrangeiros
contribuiriam decisivamente para a ampliação da taxa de investimento da economia brasileira.
Diante disto, uma ampla revisão da legislação brasileira pertinente ao tema foi realizada nos anos
1990, com vistas a facilitar a entrada e a saída de capitais do país, ou seja, ao aumento da
conversibilidade da conta de capital do balanço de pagamentos, em um contexto, convém frisar,
marcado pelo retorno da periferia latino-americana ao mercado de crédito internacional.
A liberalização comercial, por seu turno, baseou-se na supressão de barreiras tarifárias e
não-tarifárias. A velocidade com que foi promovida a redução de tarifas alfandegárias no Brasil
pode ser ilustrada com o fato de que o país atingiu com doze anos de antecedência, em 1994, o
nível de proteção da indústria acordado no âmbito do Mercosul. Como exemplos de medidas de
redução de barreiras não-tarifárias, tem-se a revogação do Anexo C, uma lista com milhares de
124
produtos proibidos de serem importados devido a produção de similares pelas empresas
nacionais, e a restrição dos regimes especiais de importação, que passaram a se resumir ao
drawback, à Zona Franca de Manaus e ao ramo de tecnologia da informação (CARNEIRO,
2002).
A abertura comercial brasileira atingiu um novo patamar com a sobrevalorização da taxa de
câmbio advinda com a implantação do Plano Real em meados da década de 1990. Com ela,
buscava-se acirrar a concorrência no mercado interno brasileiro, mediante a entrada de produtos
de origem estrangeira, e, assim, debelar o processo inflacionário, o que foi alcançado com
inegável êxito.
A lógica da política econômica do Real organizava-se em torno dos seguintes termos: a
liberalização comercial, amparada no câmbio sobrevalorizado, ampliaria a concorrência externa e
reposicionaria a inflação em patamares mais baixos. Os déficits comerciais decorrentes do
câmbio valorizado eram vistos como temporários – posto que tão logo as empresas brasileiras se
modernizassem, auxiliadas pelo câmbio, recuperariam a sua fatia do mercado internacional – e
poderiam ser contrabalançados pelo superávit na conta de capital. Para tanto, era fundamental,
como forma de atração de capitais externos, a permanência em um patamar elevado das taxas de
juros. As privatizações, por sua vez, reduziriam o papel do Estado na economia, ao tempo que
gerariam recursos para, junto com um ajuste fiscal, reequilibrar as finanças públicas.
Porém, os resultados concretos estiveram bem longe do almejado. A liberalização
financeira não logrou uma ampliação da taxa de investimento na economia, uma vez que os
fluxos de capitais que se dirigiram para o país, ou eram atraídos pelos ganhos de curto prazo
proporcionados pela arbitragem entre taxas de juros domésticas e internacionais, ou se
direcionavam para o setor de serviços, mormente para os ramos recém-privatizados. Ademais, a
vulnerabilidade externa da economia brasileira foi significativamente ampliada (CARNEIRO,
2002).
O setor industrial, ainda que tenha se modernizado sob muitos aspectos, sofreu uma
especialização regressiva, posto que assentada em uma concentração nos ramos mais intensivos
em recursos naturais e em mão de obra, ao tempo que foram exteriorizados os ramos industriais
mais dinâmicos. Como consequência, observa-se uma ruptura dos elos que compunham as
cadeias industriais brasileiras, convalescendo a capacidade de crescimento da economia.
125
Assim, apesar de uma inflação baixa, o crescimento econômico médio manteve-se ao longo
dos anos 1990 em um patamar apenas um pouco acima do verificado na década anterior (2,5%
contra 1,7%), com o que contribuiu também, vale o registro, a presença de um cenário
internacional bastante hostil; a dívida pública, açodada pelas altas taxas de juros e pelo referido
baixo crescimento econômico, teve uma trajetória fortemente ascendente (em 1991, era de 38,1%
do PIB, enquanto em 2003 era de 52,4%123); ao passo que a deterioração das contas externas
avançou celeremente (a balança comercial brasileira transitou de um superávit anual médio de
cerca de R$ 12 bilhões, entre 1991 e 1994, para um déficit anual médio de aproximadamente R$
4 bilhões entre 1995 e 2000)124.
No final dos anos 1990, a âncora cambial foi abandonada, em meio a uma grave crise nas
contas externas, em proveito de um novo mix de política econômica, composto pelo regime de
metas de inflação, pela realização de superávits primários e pelas taxas de câmbio flutuantes. Não
obstante, os aludidos resultados econômicos mantiveram as suas trajetórias pregressas, com
exceção dos déficits na balança comercial, que foram revertidos a partir de 2001.
Do ponto de vista do emprego e da renda, os anos 1990 podem ser caracterizados como um
período de “estreitamento” do mercado de trabalho brasileiro, tendo em vista a baixa capacidade
de geração líquida de empregos e a diminuição da taxa de assalariamento (BALTAR, 2003a).
Para descrever o impacto negativo do modelo neoliberal sobre o mercado de trabalho
convém chamar a atenção, em primeiro lugar, para o expressivo crescimento do desemprego. De
acordo com os dados da PNAD-IBGE, a taxa de desemprego brasileira aumentou de 7,2%, em
1992, para 10,4%, em 1999, oscilando em torno desse percentual até o ano de 2003125. Na
segunda metade da década de 1990, a taxa de desemprego teve acréscimos todos os anos, depois
se estabilizou num patamar acima de dois dígitos (Gráfico 03).
Uma tendência similar foi observada quando se analisa a evolução da taxa de desemprego
metropolitana captada pela PME-IBGE, em sua metodologia antiga126. A taxa saltou de 4,6% em
1995 para 7,6% em 1999, considerando o desemprego aberto no sentido mais restrito.
123 Refere-se à dívida líquida total do setor público como percentual do PIB, incluindo Petrobras e Eletrobrás. 124 As informações citadas foram obtidas no site do IPEADATA (www.ipeadata.gov.br). 125 Vale lembrar que mudanças metodológicas implementadas na PNAD a partir de 1992 implicaram em uma ruptura da sua série
histórica, impossibilitando, portanto, a comparação das taxas de desemprego mensuradas a partir de então com as dos anos
anteriores. 126 Regiões metropolitanas pesquisadas pela PME-IBGE: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto
Alegre.
126
GRÁFICO 03
Evolução da Taxa de Desemprego
Brasil – 1992/2003
Fonte: IBGE. Elaboração própria.
* Médias anuais da Pesquisa Mensal de Emprego – antiga metodologia.
Para completar essa apresentação da nova dimensão alcançada pelo desemprego na
economia brasileira, julga-se importante analisar a evolução de sua taxa na região metropolitana
de São Paulo, medida pela PED-DIEESE/SEADE. Isto porque, além de retratar o comportamento
do eixo mais dinâmico da economia brasileira, a referida pesquisa oferece a mais longa série
histórica de estatísticas de mercado de trabalho no país com a mesma metodologia vigente desde
o início.
Não se pode perder de vista também que, conforme já se disse, a PED-DIEESE/ SEADE
retrata de forma mais ampla e, portanto, de forma mais acurada a manifestação do desemprego
em uma economia subdesenvolvida. Por outro lado, a PME-IBGE, ao amplificar a inatividade e
adotar um conceito de ocupação inadequado, tornava menos visível a problemática do
desemprego nos anos 1990. Conforme alerta Dedecca:
[...] a PME evidencia uma dinâmica dos mercados metropolitanos de trabalho que aponta
para uma crescente dificuldade das estruturas econômicas locais sustentarem seus níveis
de ocupação, independentemente do grau de precarização que os caracterize. Esta
dificuldade não se explicita claramente graças à intensidade do fluxo entre ocupação e
inatividade que, ao permitir uma taxa de desemprego mais baixa, desenha um perfil da
População Economicamente Ativa em que a maior precariedade sugere ser a principal
característica da perda de dinamismo dos mercados de trabalho locais (DEDECCA,
1998, p. 109).
7,26,8 6,7
7,6
8,5
9,7
10,410,1
9,9
10,5
5,75,3
5,14,6
5,45,7
7,6 7,67,1
6,2
7,1
4
5
6
7
8
9
10
11
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
%
PNAD PME*
127
Adiante o autor conclui que:
A diferença entre taxas de desemprego da PME e PED não somente é significativa,
como tende a se ampliar em uma conjuntura de contração do espaço ocupacional, em
razão da PME refletir, principalmente, as dificuldades dos mercados de trabalho
metropolitanos através do aumento da inatividade, enquanto a PED retrata a situação via
um desemprego mais elevado (DEDECCA, 1998, p. 113-114).
Assim sendo, observa-se que a taxa de desemprego total estimada em 1989 era de 8,7% na
Grande São Paulo. No primeiro triênio da década de 1990, porém, verificou-se um crescimento
contínuo desta taxa, que alcançou, em 1992, o patamar de 15,2%. Entre 1993 e 1995, o
movimento se inverteu e a taxa de desemprego atingiu o valor de 13,2%. A partir de então, a taxa
de desemprego total assinalou um crescimento praticamente ininterrupto até 2003, quando atingiu
o pico da série histórica, 19,9%. Em 14 anos, portanto, a impressionante expansão do desemprego
na região metropolitana de São Paulo fez a taxa saltar de um patamar já relativamente alto (8,7%)
para um patamar mais do que duas vezes superior (19,9%).
Isto se deveu a um comportamento similar apresentado pelos componentes da taxa de
desemprego total. Ao longo de todo o período em análise, a taxa de desemprego aberto aumentou
de 6,5% para 12,8%, perfazendo um crescimento de quase 97,0%. O desemprego oculto pelo
trabalho precário e pelo desalento, por sua vez, variaram de 1,5% para 5,1% e de 0,7% para
2,1%, respectivamente (o total do desemprego oculto variou, portanto, de 2,2% para 7,1%, o que
representa uma expansão de quase 223,0%) (Gráfico 04).
A explosão do desemprego a partir da década de 1990 tem a ver com a menor capacidade
da economia brasileira em gerar novos postos de trabalho perenes, mesmo nos breves momentos
de recuperação econômica vivenciados no período. Tal incapacidade, por sua vez, está
intimamente relacionada com a destruição de vagas realizada pela indústria que, nesse momento,
não é mais compensada plenamente pela criação de vagas no comércio e nos serviços. O emprego
industrial permaneceu em um baixo patamar, mesmo quando a produção industrial ensaiou uma
recuperação, em razão da terceirização de um grande leque de atividades meio. Ademais, o
emprego na construção civil foi golpeado duramente na década de 1990, em um cenário de obras
públicas escassas e de ausência de linhas adequadas de financiamento para o setor habitacional. A
reduzida capacidade de geração de postos de trabalho pela economia brasileira deve-se também
ao menor potencial de absorção de mão de obra apresentado pela grande empresa durante o
referido período, momento de auge dos métodos de gestão da produção e do trabalho de
128
inspiração japonesa que, dentre outros pontos, recomendava a desverticalização dos processos
produtivos e o enxugamento das estruturas de supervisão e comando.
GRÁFICO 04
Evolução da Taxa de Desemprego, por Tipo de Desemprego
Região Metropolitana de São Paulo – 1989/2003
Fonte: Convênio Dieese – Seade e MTE/FAT. Elaboração própria.
Naquele momento, não havia um consenso sobre as causas que levaram a um crescimento
contínuo do desemprego. No entanto, a esse respeito, é possível identificar três linhas de
explicações: uma primeira privilegiava a dimensão macroeconômica do problema, apontando
para a recessão econômica e o modelo de inserção externa e de gestão macroeconômica da
economia brasileira implantado nos anos 1990; a segunda linha enfatizava os problemas de
ordem institucional, destacando o desestímulo à contratação causado pela legislação trabalhista e
pelo sistema brasileiro de relações de trabalho; por fim, uma terceira linha ressaltava aspectos
estruturais do problema, ligados ao descompasso existente entre as inovações tecnológicas e
organizacionais das empresas, suas necessidades de mão de obra e o grau de qualificação
apresentado pela mesma, por um lado, e a globalização econômica e a competição internacional,
por outro.
Não é necessário alongar-se sobre a primeira linha de explicação supracitada, posto que
uma análise desta natureza já foi acima realizada. Resumidamente, basta destacar que os seus
adeptos defendem que a abertura comercial abrupta, amparada pelo rebaixamento generalizado
8,7
15,2
13,2
19,3 19,9
6,5
12,8
1,5
5,1
0,7
2,1
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Total Aberto Precário Desalento
129
das tarifas alfandegárias e pela sobrevalorização cambial (até janeiro de 1999), associada a taxas
de juros estratosféricas e uma reformulação do setor público que visava o seu enxugamento,
promoveram um crescimento econômico médio pífio no período e uma desarticulação
generalizada de cadeias produtivas industriais estabelecidas ao longo de décadas, o que terminou
por acarretar uma elevação vertiginosa da taxa de desemprego127.
A segunda linha de explicação para o elevado desemprego dos anos 1990 e início da década
de 2000 procurava acentuar a inadequação do sistema brasileiro de relações de trabalho diante de
uma “nova economia”, mais integrada e globalizada do ponto de vista comercial, menos
verticalizada e mais intensiva em conhecimento do ponto de vista produtivo128.
Nesses termos, acusava-se a legislação trabalhista brasileira, seu excesso de
regulamentações sobre o mercado de trabalho, a rigidez por ela provocada e os altos encargos
sociais que incidiam sobre a folha de salários, como os principais responsáveis pela escalada do
desemprego. Nessa perspectiva, portanto, urgia flexibilizar as normas de contratação, demissão,
utilização e remuneração de funcionários, com vistas a uma alocação mais eficiente do fator
trabalho, em um cenário internacional mais liberalizado e de competição acirrada. A decorrência
esperada dessas medidas seria um aumento da competitividade das empresas, um melhor
desempenho econômico e a criação de mais empregos, e assim, a redução da taxa de
desemprego129.
Um terceiro conjunto de fatores explicativos para o elevado desemprego do período em
análise residia nos impactos provocados pela reestruturação produtiva e pela globalização
econômica sobre a demanda por mão de obra130. Nesse sentido, acreditava-se que as inovações
tecnológicas com base na automação microeletrônica associadas ao paradigma japonês de gestão
empresarial e do trabalho, acarretariam, por um lado, uma abrupta queda na demanda por força
de trabalho mesmo em momentos de elevação da produção (resultado de elasticidades emprego-
produto muito menores); por outro, aumentaria exponencialmente a necessidade das empresas
por mão de obra com níveis educacionais e de qualificação mais elevados. Além disso, a
globalização econômica e a redefinição da divisão internacional do trabalho provocada pelos
127 Os referidos argumentos encontram-se presentes nos seguintes autores: Baltar (1996; 2003); Cardoso Jr. (2013 [2001]);
DIEESE (1994); Medeiros e Salm (1994); Pochmann (2001a; 2001b; 2006); Prado (2006). 128 São representativos dessa interpretação os seguintes autores e textos: Campos (1995); Neri, Camargo e Reis (2000); Pastore
(1994a; 1994b; 1995; 1998); Zylberstajn e Pastore (1990). 129 Para uma reflexão crítica a esse respeito, ver Medeiros e Salm (1994). Uma resenha do debate sobre desemprego e
flexibilidade pode ser encontrada em Cardoso Jr. (2013 [1998]) e Proni e Gomes (2007). 130 Estes argumentos estão presentes, com ênfases distintas, em Campos (1995); DIEESE (1994); Neri, Camargo e Reis (2000).
130
países asiáticos, sobretudo a China, deslocou, irremediavelmente, os postos de trabalho
industriais para aquela porção do mundo, devastando os empregos industriais não só no Brasil,
mas também nos países avançados.
Note-se que esta explicação tende a destacar a presença de um componente estrutural nos
elevados níveis de desemprego registrados no período em tela. Ou seja, procurava-se dizer, de
maneira mais ou menos explícita, que o crescimento econômico capitalista a partir de então não
era mais suficiente para promover uma expansão proporcional de novas ocupações, sobretudo no
setor industrial. Ademais, a oferta de mão de obra não estaria alinhada aos novos requisitos
educacionais e de qualificação, dados os seus baixos níveis no Brasil, o que estaria provocando
uma redundância estrutural da parcela desqualificada da força de trabalho, de difícil incorporação
pela estrutura produtiva no curto e no médio prazos.
O estreitamento do mercado de trabalho brasileiro nos anos 1990 pode ser visto ainda pela
ótica do avanço da informalidade ou do seu segmento pouco organizado.
Normalmente, este processo encontra-se associado a dois movimentos distintos, porém
interligados, quais sejam: a terciarização da economia e a consequente perda de protagonismo da
indústria como um polo dinâmico de geração de postos de trabalho; e a terceirização de
atividades, que promoveu a migração de um contingente significativo de postos de trabalho das
grandes para as médias e pequenas empresas131.
Além disso, não se pode negligenciar os ajustes defensivos realizados pelas pequenas e
médias empresas, no sentido de se adaptarem ao novo contexto macroeconômico. A exacerbação
da concorrência na década de 1990 exigiu uma redução rápida e drástica de custos pelas empresas
de menor porte, que, em um cenário de fiscalização débil do cumprimento da legislação
trabalhista e de sindicalismo acuado, penalizou de forma contundente o emprego com carteira
assinada (BALTAR, 2003b).
Nesse cenário, o incremento da ocupação em atividades não-agrícolas nos anos 1990 foi
resultado, em grande medida, da expansão do trabalho por conta própria, responsável por um
pouco menos da metade das ocupações criadas no período. Assim, na esteira de um crescimento
médio anual de aproximadamente 3,6%, a participação do trabalho por conta própria no mercado
131 A esse respeito, três aspectos adicionais são dignos de nota: i) houve uma perda de participação relativa do emprego formal
dentro do próprio setor industrial; ii) o avanço da informalidade e do trabalho assalariado sem registro foi muito mais pronunciado
nas regiões metropolitanas do que no conjunto do país; e iii) verificou-se uma maior homogeneização espacial e setorial da
manifestação do fenômeno em tela, no sentido de que os espaços por excelência de aglutinação de postos de trabalho organizados
(metrópoles, indústria e região Sudeste) tenderam a se tornar mais semelhantes aos demais (RAMOS e FERREIRA, 2006).
131
de trabalho urbano brasileiro saltou de 18,4%, em 1989, para 22,5%, em 1999, o que significou
um aumento absoluto de 3,6 milhões de ocupações.
Outro vetor de expansão da ocupação nos anos 1990 foi o emprego assalariado sem carteira
assinada, uma vez que “numa avaliação global da década, todo o pequeno aumento do emprego
assalariado em estabelecimentos não-agrícolas (1,6 milhão) foi constituído de empregos sem
carteira de trabalho, pois houve uma redução dos empregos celetista e estatutário (885 mil)”
(BALTAR, 2003b, p. 131).
Além disso, a geração de oportunidades de emprego na década de 1990 teve no serviço
doméstico remunerado um pilar importante, cujo crescimento deu-se a uma taxa média de 3,2%
ao ano entre 1989 e 1999, bem superior à verificada no emprego assalariado (BALTAR, 2003b).
Não custa lembrar que o serviço doméstico remunerado era amplamente dominado por relações
de trabalho não regulamentadas pela CLT.
Assim sendo, o resultado final não poderia ter sido outro: uma diminuição substantiva do
grau de formalização do mercado de trabalho brasileiro ou, em outros termos, um aumento da
vulnerabilidade ocupacional.
Todas as modificações mencionadas na composição das oportunidades para ocupar a
população ativa urbana sinalizam que o estreitamento do mercado de trabalho, além de
aumentar o desemprego aberto e a inatividade da população com idade para trabalhar,
dificultando a estratégia das famílias de aumentar o número de pessoas com trabalho
remunerado em defesa da renda familiar, implicou em maior precariedade do trabalho
dos que conseguiram uma ocupação. Esta precariedade manifesta-se na queda do
emprego e na maior exploração do trabalho nas grandes empresas, assim como na
ampliação do emprego nas pequenas e médias com maior descumprimento da legislação
trabalhista, e na proliferação dos pequenos empreendimentos não empresariais e do
emprego no serviço doméstico remunerado (BALTAR, 2003a, p. 223-224).
Embora os primeiros anos da década seguinte possam ser considerados como de
arrefecimento da tendência132, o fato é que nos anos 1990 aprofundou-se o processo de expansão
do setor não organizado do mercado de trabalho (e, por consequência, da informalidade). Com
efeito, constata-se que, entre 1995 e 1999, o emprego assalariado com carteira assinada cresceu
apenas 3,1% (contra 20,5% entre 2001 e 2005), o que significou que, de cada 100 postos de
trabalho gerados, cerca de 14 foram com registro em carteira (ante 51 no período subsequente).
Assim, a sua participação no total da ocupação não agrícola reduziu-se para menos de um terço
132 A desvalorização cambial realizada em 1999, acompanhada de um cenário externo bastante favorável, jogou um papel central
para a reversão do quadro adverso do final do século XX.
132
(32,0%), tendo posteriormente aumentado para 34,1% na primeira metade da década seguinte
(CARDOSO JR., 2013 [2010]).
Inversamente, o assalariamento sem carteira cresceu de forma expressiva (17,2%) entre
1995 e 1999, e num ritmo mais comedido (10,1%) no período 2001/2005. Dessa forma, a
participação do emprego sem carteira alcançou 18,7% da ocupação total, ao final do século
passado, para posteriormente começar a se reduzir.
Por sua vez, o trabalho por conta própria trilhou um caminho parecido com o do
assalariamento sem registro em carteira de trabalho, embora seu ritmo de crescimento tenha sido
menor (11,0%), tendo ampliado sua participação relativa no total da ocupação não-agrícola para
17,0% ao final da década de 1990.
Em síntese, na virada do milênio, havia aumentado a participação do núcleo pouco
estruturado do mercado de trabalho brasileiro (47,8% da ocupação total, em 1999), contrastando
com uma participação relativamente baixa do seu núcleo estruturado (50,2%)133.
Nesse contexto, muitas explicações foram arroladas com o intuito de explicar o avanço da
informalidade e, de modo mais amplo, do segmento pouco estruturado do mercado de trabalho
brasileiro (movimento, aliás, vale salientar mais uma vez, que rompia com uma trajetória
histórica que prevaleceu por quase meio século).
De um lado, é possível reunir um conjunto de autores que privilegiava uma intepretação
macroeconômica do problema. Para eles, a informalidade do final do século XX (e do início do
século XXI) resultava do estreitamento do mercado de trabalho brasileiro, especialmente do seu
segmento formal, em resposta a um conjunto de políticas econômicas restritivas (elevadas taxas
de juros, demasiado rigor fiscal e enxugamento do Estado, por exemplo) e de medidas intensas e
abruptas de liberalização do ambiente econômico134.
De outro lado, identifica-se um grupo de autores para o qual a alta incidência da
informalidade no mercado de trabalho brasileiro derivava essencialmente de seu (inadequado)
ambiente institucional-regulatório. Em poucas palavras, para esses autores os elevados custos
fiscais e burocráticos associados ao contrato de trabalho regulamentado, a existência de
133 A definição de núcleo pouco estruturado do mercado de trabalho utilizada contempla os trabalhadores sem-carteira, os
autônomos não-agrícolas, os trabalhadores não-remunerados e os trabalhadores na construção para uso próprio. Já o núcleo
estruturado engloba os trabalhadores assalariados com carteira assinada, mais os funcionários públicos e militares (CARDOSO
JR., 2013 [2010]). 134 A rigor, essa linha de pensamento não difere substancialmente da apresentada anteriormente a respeito do crescimento do
desemprego no período em tela, sendo igualmente defendida pelos autores citado na nota de rodapé nº 127.
133
programas de seguridade social de ampla cobertura, sem relação direta entre contribuições e
benefícios, e a faculdade do trabalhador acionar a Justiça do Trabalho para reivindicar o
cumprimento de direitos constituem os elementos centrais para a explicação do elevado peso da
informalidade no mercado de trabalho brasileiro, uma vez que são medidas que, em tese,
desincentivam a celebração de contratos de trabalho sob o abrigo da Consolidação das Leis do
Trabalho – CLT135.
GRÁFICO 05
Evolução do Salário Mínimo Real*
Brasil – Períodos Selecionados
Fonte: IPEADATA. Elaboração própria.
* Série em reais (R$) constantes de novembro de 2014.
Quanto ao impacto sobre os salários, a reorientação neoliberal da economia brasileira a
partir da década de 1990, que se prolongou até o início dos anos 2000, também não obteve êxito
na diminuição dos níveis históricos de desigualdade de renda no Brasil. Nesse sentido, os adeptos
deste receituário acreditavam que o choque de competitividade ao qual foi submetido a estrutura
produtiva do país, com a abertura da economia, forçaria as empresas locais a uma atualização
tecnológica e organizacional que levaria a um aumento substancial da produtividade do trabalho,
ao aproximar a base produtiva nacional da encontrada nos países de capitalismo avançado. Nesse
135 Estes argumentos podem ser encontrados em Neri (2000); Amadeo, Gill e Neri (2000); Camargo (2004); Pastore (2000).
25
1,5
25
0,3
4 34
7,3
7
28
1,5
7
32
9,7
5
33
8,4
7
34
7,5
6
36
7,3
9
35
4,4
6
37
3,8
5
40
7,2
39
4,3
2
42
8,6
7
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
R$
134
processo, esperava-se que os salários experimentassem uma elevação, em compasso com os
ganhos de produtividade, em um cenário com poucos espaços para o aumento de preços.
Após o Plano Real, a política de definição de um índice geral para o reajuste mensal dos
salários foi abandonada definitivamente, como parte de um processo de desindexação da
economia e de combate aos altos índices de inflação, ao passo que o salário mínimo assinalou
uma trajetória de alta, ainda que em ritmo lento (Gráfico 05).
A realidade dos anos 1990, notadamente a sua segunda metade, foi especialmente adversa
para a evolução do rendimento médio dos ocupados: crescimento econômico lento, taxas de
desemprego elevadas, evolução contida do salário mínimo e movimento sindical na defensiva
compunham um quadro amplamente desfavorável aos rendimentos dos trabalhadores.
GRÁFICO 06
Evolução do Rendimento Médio Real dos Ocupados*
Região Metropolitana de São Paulo – 1991-2003
Fonte: DIEESE/SEADE. Elaboração própria.
* Série em reais (R$) constantes de novembro de 2014.
Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, o rendimento médio real dos ocupados
apresentou uma trajetória de alta entre 1992 e 1995 da ordem de 35,0%. Porém, a partir de 1998,
após um período de relativa estabilidade, o rendimento real dos ocupados mostrou uma tendência
de queda contínua, com o que atingiu um nível, em 2003, bem abaixo do verificado no início da
década de 1990. Entre 1997 e 2003, o rendimento médio diminuiu, em termos reais, cerca de
33,0% (Gráfico 06).
2.088
1.871
2.102
2.244
2.531 2.523 2.5282.445
2.309
2.168
1.977
1.812
1.696
1.000
1.200
1.400
1.600
1.800
2.000
2.200
2.400
2.600
2.800
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
R$
135
Os graus de desigualdade de renda e de incidência da pobreza pouco se alteraram no
intervalo de tempo em análise, é importante enfatizar. Conforme apontam Barros, Henriques e
Mendonça (2001), a intensidade da pobreza somente foi abalada, nos últimos vinte anos do
século passado, nos períodos subsequentes à implantação dos Planos Cruzado e Real. Nos anos
1990, em particular, o percentual de pobres reduziu-se de 41,7%, em 1993, para 33,9% em 1995,
mantendo-se ao redor desse patamar até o final da década.
A desigualdade de renda, por seu turno, manteve-se praticamente estável ao longo de toda a
década de 1990, acusando uma pequena inflexão apenas em seu início, posicionando-a em um
patamar ligeiramente inferior ao verificado no final dos anos 1970. Para estes autores, “a análise
atenta do período 1977/99 revela, de forma contundente, que muito mais importante do que as
pequenas flutuações observadas na desigualdade é a inacreditável estabilidade da intensa
desigualdade de renda que acompanha a sociedade brasileira ao longo de todos esses anos”
(BARROS, HENRIQUES; MENDONÇA, p. 17).
Entretanto, em termos da distribuição funcional da renda, as contas nacionais mostram que,
nos anos 1990, houve um aumento da carga tributária e da apropriação da renda por parte das
empresas, o que se deu em prejuízo da participação da renda dos empregados na renda
disponível, ainda que as contribuições sociais tenham assinalado um pequeno crescimento no
intervalo de tempo em tela. Em 1991, a renda do trabalho detinha uma participação na renda
nacional de 37,5%, ao passo que, em 1999, esse percentual havia se reduzido substancialmente,
para 32,8% (DEDECCA, 2003).
Nesse sentido, a questão fundamental, alerta Cláudio Dedecca (2003), residiria no caráter
financeiro da política econômica implementada no período, que demandava a liberação de
recursos da sociedade para a remuneração dos endividamentos externo e interno, subprodutos da
própria política econômica.
Em condições de baixo crescimento, como ocorrido nos anos 90, o aumento da
financeirização da economia exigiu que algum segmento da sociedade disponibilizasse
os recursos necessários para o processo. Foram aqueles que dependem do trabalho para
viver que forneceram esses fundos, seja pela transferência líquida de recursos, seja pela
redução das oportunidades de trabalho oferecidas pela estrutura econômica (DEDECCA,
2003, p. 74).
Finalmente, convém reconhecer que a década de 1990 não foi exitosa em superar a alta
rotatividade presente no mercado de trabalho brasileiro. Com o aprofundamento das mudanças de
paradigma tecnológico e organizacional já mencionadas, tornou-se comum, no compasso da
136
terceirização e da subcontratação de atividades, que as relações de trabalho mais precárias, onde
predominam, dentre outros aspectos, altas taxas de rotatividade da mão de obra, fossem sendo
deslocadas para as empresas de menor porte, integrantes de cadeias e complexos produtivos
capitaneados pela grande empresa. Márcia de Paula Leite e Cibele Rizek, a partir da análise das
relações interfirmas da cadeia automotiva e do complexo químico, lançaram luz a esse
respeito136:
Cadeias e complexos produtivos apresentam gradientes diversos de precarização,
silenciamento, invisibilização e seus opostos – estabilização e qualificação, visibilidade
e representação – como tessituras combinadas tanto nas teias da produção como nas
esferas sindicais e políticas da representação, nada indiferente para os rumos do
emprego, das negociações fabris, setoriais e do reconhecimento público dos
trabalhadores, de seus direitos e de seus coletivos (LEITE; RIZEK, 1998, p. 76).
Assim, a respeito do avanço das transformações produtivas e sociais iniciadas nos anos
1980, Márcia de Paula Leite conclui que:
[...] ao contrário da expectativa que os estudos anteriores pareciam carregar, de que os
efeitos sociais do processo se tornariam socialmente mais desejáveis na medida em que
ele fosse se aprofundando, a realidade tem revelado exatamente o oposto, ou seja, quanto
mais o processo se desenvolve, menos virtuosas parecem ser suas implicações sociais
(LEITE, 2003, p. 90).
Nesse cenário, não obstante o diagnóstico amplamente aceito de que o mercado de trabalho
brasileiro era altamente flexível (em suas duas dimensões, a salarial e a alocativa), e que esta
característica constituía-se em si mesma um obstáculo importante para a elevação da
produtividade do trabalho e para a competitividade da economia137, ganhou fôlego nos anos 1990
o debate a respeito da necessidade de se avançar na sua desregulamentação/flexibilização,
conferindo ao tema uma posição de destaque na agenda política e governamental do país.
A interpretação hegemônica naquele período, que tinha como fonte de inspiração o debate
que então se realizava nos países desenvolvidos, defendia que a extensa regulação legal existente
sobre as relações entre o capital e o trabalho no Brasil tornava o mercado de trabalho brasileiro
bastante rígido, com espaços exíguos para a negociação direta entre os atores sociais, e, portanto,
136 Muitos outros estudos corroboram os resultados obtidos pelas autoras, conforme indica Leite (2003). 137 As referências, a esse respeito, são numerosas e abrangem autores de distintas filiações ideológicas. Ver, por exemplo,
Amadeo et alii (1994); Camargo e Bivar (1993); Baltar (1996); Amadeo e Camargo (1996); Barros e Mendonça (1997); Barros et
alii (1997).
137
de difícil ajustamento a choques externos. As altas taxas de desemprego e de informalidade
observadas na década de 1990 seriam as evidências da validade desta linha de raciocínio138.
Por outro lado, em contraposição ao pensamento dominante, havia um conjunto de autores
que alertava para os já elevados níveis de flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro, ao
tempo que, conforme já se destacou nas seções anteriores, responsabilizava o contexto
macroeconômico de baixo crescimento econômico como o principal determinante das altas taxa
de desemprego e de informalidade verificadas nos anos 1990 (PRONI; HENRIQUE, 2003).
A entrada no Governo Federal, em 1993, de um grupo político afinado com as ideias pró-
desregulamentação do mercado de trabalho, redundou em uma série de mudanças legais no
campo trabalhista, que, em seu conjunto, apontava para uma alteração substancial do sistema de
relações de trabalho no Brasil. Nesse sentido, foram objeto de modificações os parâmetros
institucionais de regulamentação da remuneração do trabalho, do tempo de trabalho, da
contratação do trabalho, da forma de solução dos conflitos e do processo de descentralização das
negociações. Os resultados, porém, foram decepcionantes, uma vez que as taxas de desemprego
não recuaram e o grau de precarização do mercado de trabalho aumentou entre meados dos anos
1990 e início dos anos 2000 (KREIN, 2003).
Nesse sentido, os anos 1990 constituem um período em que houve continuidade no
processo de deterioração e iniciou-se o esforço de desregulação do mercado de trabalho
brasileiro, tendo sido superada a ambiguidade verificada na década anterior entre deterioração e
ampliação de direitos, ou seja, naquele momento, desestruturação e desregulamentação do
mercado de trabalho passaram a se reforçar mutuamente (CARDOSO JR., 2013 [2001]).
* * *
Mostrou-se, neste capítulo, que a ruptura com o nacional-desenvolvimentismo e a ascensão
de uma estratégia de crescimento neoliberal não foram capazes de melhor estruturar e organizar o
mercado de trabalho brasileiro. Pelo contrário, as políticas econômicas neoliberais, aplicadas nos
anos 1990, ampliaram a magnitude dos problemas crônicos do mercado de trabalho brasileiro,
apontados no capítulo 3. Nesse sentido, é lícito reconhecer que o mercado de trabalho brasileiro
138 O principal expoente dessa corrente é o sociólogo José Pastore. Segundo ele, “[...] a palavra de ordem nos atuais sistemas de
relações de trabalho é flexibilizar, ou seja, ajustar-se às novas condições e tirar o máximo proveito delas. A necessidade de inovar
e competir está exigindo novas modalidades de contratação e remuneração do trabalho. Quando as relações trabalhistas dependem
muito da legislação, as adaptações são lentas, as empresas perdem a competição e os trabalhadores ficam sem emprego”
(PASTORE, 1994, p. 14).
138
nas décadas de 1980 e 1990 sofreu um processo de deterioração e estreitamento, distanciando-se
ainda mais da configuração consagrada pelos seus congêneres nos países desenvolvidos.
O debate sobre as causas das tendências em curso no mercado de trabalho brasileiro, seja
no campo acadêmico, seja no terreno político, contrapôs diferentes perspectivas a respeito do
funcionamento da economia e do papel do Estado na regulação dos mercados. Os defensores das
explicações de cunho institucionalista procuravam restringir a análise dos desequilíbrios
verificados ao âmbito do mercado de trabalho. Por sua vez, os economistas alinhados com a
tradição estruturalista-keynesiana buscavam mostrar que as variações no nível do emprego e dos
salários eram resultado de fatores exógenos, em especial, da política macroeconômica adotada. E
havia, ainda, aqueles que consideravam que as tendências assumidas pelo mercado de trabalho
brasileiro no final do século passado refletiam uma transformação mais geral da ordem
econômica internacional e da forma de organização do trabalho, constituindo, portanto, um
processo inexorável. As políticas do governo federal destinadas a enfrentar os problemas do
mercado de trabalho nacional refletiam, em grande medida, a abordagem institucionalista e a
crença na possibilidade de aumentar a “empregabilidade” dos trabalhadores, mas os programas de
qualificação profissional, intermediação de mão de obra e geração de emprego e renda tinham
baixa eficácia, especialmente por causa do ambiente econômico adverso (MORETTO;
GIMENEZ; PRONI, 2003).
Ainda no limiar dos anos 2000, alguns sinais de reversão deste quadro começaram a
florescer, mas uma nova tendência somente se consolidou a partir de meados daquela década, na
esteira do enfraquecimento do pensamento neoliberal e da construção de um novo padrão de
desenvolvimento. Essa inflexão será objeto de análise no capítulo seguinte.
139
Capítulo 5: A Reconfiguração do Mercado
de Trabalho (2004-2014)
No início do século XXI, ao contrário do prometido pelos defensores das reformas e das
políticas neoliberais, a economia brasileira não havia recuperado uma trajetória sustentável de
crescimento econômico, ainda que a inflação tenha sido acomodada em um baixo patamar,
enquanto que as brechas tecnológicas e produtivas com relação aos países desenvolvidos haviam
se ampliado. O mercado de trabalho, por sua vez, mostrava-se altamente excludente e sua
estrutura ocupacional mais precária, resultado do movimento de deterioração e estreitamento pelo
qual havia passado na década anterior. Os níveis de pobreza e de desigualdade, por sua vez,
mostravam uma estabilidade inaceitável para uma economia subdesenvolvida como a brasileira.
Não por acaso, o projeto neoliberal e, consequentemente, o modelo econômico e de sociedade por
ele representado, enfrentava uma ampla rejeição pela sociedade.
Ao mesmo tempo, os anos 2000 iniciaram uma nova fase de prosperidade na economia
mundial, capitaneada pelo crescimento acelerado das economias asiáticas, especialmente da
China, implicando na valorização expressiva dos preços das commodities no comércio
internacional, base sobre a qual se sustentou a aceleração do crescimento econômico brasileiro (e
latino-americano) na referida década.
Estes dois fatos, ou seja, a fragilização política do neoliberalismo e o maior dinamismo da
economia mundial, propiciaram o ambiente favorável para que a política fiscal e de planejamento
governamental assumissem um novo formato, elementos igualmente importantes para o
entendimento da expansão econômica do período recente.
Nesse contexto, o mercado de trabalho brasileiro apresentou uma nova dinâmica, que se
tornou mais evidente a partir de 2006: o desemprego se reduziu substancialmente, a formalização
dos vínculos empregatícios expandiu-se vigorosamente, o rendimento médio real do trabalho
cresceu e a desigualdade de renda diminuiu.
140
O objetivo deste capítulo é refletir acerca da reconfiguração atual do mercado de trabalho
brasileiro, notadamente entre os anos de 2004 e 2014, procurando elucidar as suas conexões com
o cenário macroeconômico e as políticas implementadas no período. Desta forma, enfatizar-se-á
que o sentido do processo de reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro foi o de uma
estruturação inclusiva, em um movimento divergente do que se observou nas duas décadas
anteriores e das tendências então predominantes nos países desenvolvidos. Note-se, ainda, que tal
reconfiguração aconteceu em um contexto socioeconômico bastante distinto do vigente ao longo
da industrialização da economia brasileira, não podendo ser interpretada como simples retomada
do processo anterior, sendo necessário entender os seus limites e os desafios a serem superados.
5.1. Estrutura e dinâmica recente do mercado de trabalho brasileiro
5.1.1. O cenário macroeconômico
Os anos 2000 inauguraram uma nova dinâmica para o mercado de trabalho brasileiro, ao
reunir, a um só tempo, queda substantiva da taxa de desemprego, crescimento substancial da
formalização dos vínculos empregatícios, diminuição das desigualdades de renda e elevação do
rendimento médio real do trabalho.
No plano macroeconômico, foram fundamentais, para tanto, as desvalorizações cambiais
realizadas em 1999 e no biênio 2001/2002, assim como o contexto econômico internacional
bastante favorável do período (que se estendeu até a debacle da economia mundial em fins de
2008). Além disso, no âmbito interno, foi de suma importância a aceleração do crescimento
econômico a partir de 2004, beneficiada pelo aludido cenário externo, mas também pelos
estímulos concedidos ao mercado interno de consumo, como a expansão do crédito, do salário
mínimo e dos programas sociais.
No plano microeconômico, convém destacar o arrefecimento de uma reestruturação
produtiva com forte viés poupador de mão-de-obra, que atingiu o seu apogeu nos anos 1990,
tornando possível uma recuperação da capacidade de geração de empregos pelas grandes
empresas e da elasticidade produto – emprego formal (aspecto que será retratado na subseção
seguinte).
141
Na verdade, pode-se afirmar que, desde a abertura da economia brasileira nos anos 1990, o
comportamento da produção e dos preços no país adquiriu uma elevada dependência da situação
econômica internacional (BALTAR, 2014). Destarte, cumpre reconhecer que o ponto de partida
do maior dinamismo da economia brasileira entre 2004 e 2008 foi o incremento bastante
expressivo das exportações, prontamente acompanhado por um movimento análogo das
importações. Ou seja, foi o crescimento da absorção externa, puxado pela elevação da demanda
(especialmente chinesa) e dos preços das commodities brasileiras, mas também pelas exportações
de produtos manufaturados (ao menos em um primeiro momento), que impulsionou o ritmo de
expansão da economia brasileira no período em tela. O consumo e o investimento – a absorção
interna – ganharam proeminência apenas em um segundo momento, sendo induzidos, vale a
ênfase, pelos estímulos provenientes do exterior.
GRÁFICO 07
Variação Real Anual do PIB
Brasil – 1998/2014
Fonte: IPEADATA. Elaboração própria.
Convém tecer alguns comentários mais detalhados a respeito da dinâmica econômica do
período para, em seguida, elucidar suas implicações para o mercado de trabalho. Assim, em 2004,
o PIB brasileiro expandiu-se a uma taxa de 5,7%, na ocasião a mais elevada desde meados da
década de 1980 (Gráfico 07). Conforme já se disse, tal crescimento teve como mola propulsora a
absorção externa (as exportações e as importações cresceram 15,3% e 13,3%, respectivamente),
0,0 0,3
4,3
1,3
2,7
1,2
5,7
3,2 4
,0
6,1
5,2
-0,3
7,5
2,7
1,0
2,5
0,1
1,6
4,5
1,6
-1,0
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
7,0
8,0
19981999200020012002200320042005200620072008200920102011201220132014
%
PIB Média 1998-2003 Média 2004-2010 Média 2011-2014
142
uma vez que o consumo mais os investimentos aumentaram a uma taxa inferior ao PIB (4,7%),
ainda que auxiliados por uma redução das taxas de juros, então posicionadas em um patamar
bastante elevado, herança do ajuste sofrido pela economia brasileira no ano anterior. É digno de
nota, ademais, a expressiva aceleração da produção manufatureira, que registrou no ano em
questão um aumento de 8,5%.
Nesse cenário, à medida que a atividade econômica se aquecia e, em tese, o crescimento
efetivo superava o crescimento potencial da economia (então estimado em torno de 3,5%), as
preocupações com o retorno da inflação a patamares mais elevados se avolumavam. Com efeito,
as autoridades brasileiras não hesitaram em promover um novo ciclo de aperto monetário (a taxa
SELIC aumentou de 16,00% em abril de 2014 para 19,75% em maio de 2005), com o que
acarretou uma drástica contração dos investimentos (queda de 9,1% para 3,6% entre 2004 e
2005) e, consequentemente, do crescimento econômico do ano seguinte (que recuou para 3,2%),
o que só não foi mais acentuada devido ao comportamento estável do consumo (3,9% em cada
um dos anos).
Nesse momento, tornaram-se explícitas as dificuldades de se conciliar uma gestão
“neoliberal” da política econômica com o cumprimento dos compromissos sociais assumidos
pelo Governo Lula, eleito em 2003139. Questionados cada vez mais a respeito dos resultados
provocados pelo ajuste fiscal do período 2003-2005, que não logrou atingir um crescimento
econômico duradouro, nem tampouco melhorar significativamente os indicadores de emprego e
renda, os neoliberais perderam influência no Governo Lula a partir de 2006, com o que foram
abertas possibilidades de mudanças na gestão da política econômica, aproximando-a, sob alguns
aspectos, de um perfil mais desenvolvimentista ou keynesiano.
A partir de então, o Governo Federal foi pautado pela defesa de três linhas de atuação: em
primeiro lugar, a adoção de medidas temporárias de estímulos fiscal e monetário, com o intuito
de acelerar o crescimento e aumentar o potencial produtivo da economia brasileira. Em segundo
lugar, o impulso ao desenvolvimento social, mediante a elevação das transferências de renda e do
salário mínimo. Finalmente, a ampliação dos investimentos públicos e a recuperação da
capacidade de planejamento de longo prazo do Estado.
139 Conforme salientam Nelson Barbosa e José Antônio Pereira de Souza (2010), durante os três primeiros anos do Governo Lula
predominou uma concepção “neoliberal” da política econômica, para a qual fatores de curto prazo, como estímulos monetário,
fiscal ou cambial, pouco afetam (ou mesmo prejudicam) o crescimento econômico, sendo o fundamental a realização de
“reformas estruturais pró-mercado”.
143
As aludidas linhas de atuação são interdependentes. Compuseram a inflexão da política
fiscal os já mencionados aumentos do salário mínimo (e seus impactos sobre os benefícios
previdenciários e assistenciais) e dos investimentos públicos, este último particularmente após a
criação do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, além da iniciativa de reestruturar as
carreiras e os salários do serviço público. Tais medidas, embora tenham implicado em uma
pequena redução do superávit primário (que passou de 2,6% do PIB, em 2005, para 2,4%, em
2008), não comprometeu a trajetória de queda da relação dívida/PIB, dada a aceleração do
crescimento econômico e o menor pagamento de juros apresentado no período (a Dívida Pública
em percentual do PIB passou de 48,0%, em 2005, para 37,3%, em 2008).
A decisão de elevar o poder de compra dos salários de base da economia foi influenciada
pelas mobilizações encampadas pelas Centrais Sindicais brasileiras a partir de 2004, que visavam
justamente chamar a atenção para a importância social e econômica do salário mínimo, assim
como para a urgência da elevação do seu poder de compra, desvalorizado continuamente ao
longo de décadas. A partir de então, criou-se um canal de negociação quadripartite, com
representantes do governo, dos trabalhadores da ativa, de aposentados e pensionistas e dos
empregadores, com o intuito de estabelecer uma política de valorização do salário mínimo de
caráter permanente. No entanto, ainda que aumentos reais significativos tenham ocorrido nos
anos subsequentes às mobilizações (conforme se demonstra no Gráfico abaixo), foi somente no
ano de 2007 que as negociações redundaram em uma política dessa natureza.
Destarte, com duração prevista até o ano de 2023, a política nacional de valorização do
salário mínimo estabeleceu, a partir de 2008, reajustes equivalentes a inflação acumulada no
período, medida pelo INPC-IBGE, acrescidos da variação do PIB de dois anos anteriores, além
de antecipações sucessivas da data base de sua correção, até a sua fixação em janeiro de cada ano
(o que aconteceu em 2010)140.
Entre 2004 e 2008, o salário mínimo brasileiro saltou de R$ 260 para R$ 415, o que
significou um reajuste nominal de 59,6%. Descontada a inflação acumulada no período, medida
pelo INPC-IBGE, de 19,3%, o resultado foi uma expansão real de 33,8% (ou 6,0% ao ano). No
140 Entre 2008 e 2011, o reajuste do salário mínimo, em linha com as regras supracitadas, foi efetuado com base em Medidas
Provisórias. Somente em 2012, com a promulgação da Lei 12.382/2011, a forma atual de aumento do salário mínimo foi
chancelada legalmente, com validade prevista até o ano de 2015. A partir de então, o mecanismo de correção vigente pode ser
mantido ou alterado, uma vez que o Governo Federal tem até 31 de dezembro do ano em questão para enviar ao Congresso
Nacional um novo projeto com validade até 2019. O compromisso do governo recém reeleito é o de manter as regras atualmente
vigentes (DIEESE, 2008; 2010; 2014a).
144
período imediatamente anterior, por exemplo, que compreende os anos de 1996 a 2003, o
aumento nominal do salário mínimo foi de 114,3%, contra uma inflação de 70,4%, o que perfaz
um crescimento real significativamente menor, de 25,7% (ou 2,9% ao ano)141. O Gráfico abaixo
apresenta os aumentos reais sofridos pelo salário mínimo desde 1995, assim como a sua evolução
em termos reais.
GRÁFICO 08
Reajustes Reais e Evolução do Valor Real do Salário Mínimo
Brasil – Maio de 1995 a Janeiro de 2014
Fonte: IBGE e DIEESE. Elaboração própria.
Deflator: INPC-IBGE.
No aludido contexto, a partir de 2006, a economia brasileira voltou a registrar um período
de crescimento mais acelerado do PIB, ao assinalar uma expansão de 4,0%, em 2006, de 6,1%,
em 2007, e de 5,2% em 2008. A inflação baixa (em 2006, o IPCA e o INPC atingiram um dos
patamares mais baixos de suas séries históricas, 3,1% e 2,8%, respectivamente), acompanhada
por um afrouxamento das políticas monetária e fiscal, impulsionaram o consumo e o
investimento (que cresceram entre 2005 e 2008 acima do PIB), consolidando o deslocamento do
141 A desconsideração do aumento do salário mínimo realizado em maio de 1995 justifica-se pelo fato de que nele se embute o
reajuste previsto na Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994, ou seja, parcela significativa do aumento do salário mínimo observado
em 1995 deve-se a determinação legal anterior. Ademais, tal reajuste mostrou-se dissonante com relação aos demais aumentos
concedidos nos anos subsequentes, denunciando a excepcionalidade da medida.
22
,61
-5,2
6
-0,9
8
4,0
5
0,7
1
5,3
9 12
,17
1,2
7
1,2
3
1,1
9 8,2
3 13
,04
5,1
0
4,0
4
5,7
9
6,0
2
0,3
7
7,5
9
2,6
4
1,1
6
2,4
6
340,09
474,43
788,00
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
-10,00
-5,00
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
20
15
R$%
Reajuste Real Salário Mínimo Real Médio Anual
145
motor de crescimento da economia da absorção externa para a absorção interna, posto que o saldo
comercial retraiu-se de modo contínuo a partir de 2006.
A valorização do câmbio, iniciada ainda em 2004142, teve um duplo papel ao longo de todo
esse período: se, por um lado, promoveu uma ampliação do poder de compra dos salários, ao
aprofundar a concorrência no mercado doméstico e, consequentemente, rebaixar os preços dos
produtos comercializáveis; por outro lado, acarretou em uma diminuição progressiva do saldo da
balança comercial, com o que se reforçou a necessidade da adoção de juros elevados para atrair
capitais externos e financiar o balanço de pagamentos.
Os efeitos colaterais deletérios de tal estratégia não podem ser negligenciados: um
crescimento econômico assentado em taxas de câmbio persistentemente valorizadas, ainda que
com inflação acomodada em baixos patamares, tende a provocar um vazamento para o exterior
do consumo das famílias, golpeando diretamente a produção manufatureira nacional e
enfraquecendo a capacidade do crescimento econômico de dinamizar o mercado de trabalho.
GRÁFICO 09
Evolução das Vendas no Comércio Varejista Ampliado e da Produção na
Indústria de Transformação*
Brasil – Dezembro de 2004 a Dezembro de 2014
Fonte: PMC-IBGE e PIM-IBGE. Elaboração própria.
* Variação acumulada em 12 meses.
142 Entre meados de 2004 e de 2008, a taxa de câmbio sofreu uma valorização expressiva ao recuar de R$ 3,00 para R$ 1,60.
-15,0
-10,0
-5,0
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
de
z/0
4m
ar/0
5ju
n/0
5se
t/0
5d
ez/
05
mar
/06
jun
/06
set/
06
de
z/0
6m
ar/0
7ju
n/0
7se
t/0
7d
ez/
07
mar
/08
jun
/08
set/
08
de
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8m
ar/0
9ju
n/0
9se
t/0
9d
ez/
09
mar
/10
jun
/10
set/
10
de
z/1
0m
ar/1
1ju
n/1
1se
t/1
1d
ez/
11
mar
/12
jun
/12
set/
12
de
z/1
2m
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3ju
n/1
3se
t/1
3d
ez/
13
mar
/14
jun
/14
set/
14
de
z/1
4
%
Varejo Ind. Transformação
146
Elucidativo da problemática acima salientada é o fato da produção manufatureira ter
crescido a taxas inferiores a do PIB, quando este apresentou uma expansão acelerada entre 2005 e
2008, situação inédita na economia brasileira desde o início da sua industrialização na década de
1930. Da mesma forma, ilustra esta discussão a discrepância existente entre os comportamentos
das vendas do comércio e da produção industrial, que se inicia e se acentua no período em
análise, o que sugere que o maior consumo das famílias tem sido satisfeito, em boa medida, pelos
produtos importados (Gráfico 09).
O crescimento econômico mais vigoroso do período 2004-2008 beneficiou-se ainda de
outros dois elementos importantes: a ampliação dos gastos sociais e do crédito. No que diz
respeito ao primeiro elemento, é importante lembrar que Keynes e Kalecki reconheciam, e davam
lugar de destaque em suas teorias, o papel desempenhado pelo consumo das classes populares no
desenvolvimento econômico: o primeiro chamou a atenção para a propensão marginal a consumir
mais elevada dos trabalhadores de menor renda, ao tempo que Kalecki formulou a célebre
proposição de que os trabalhadores consumiam toda a renda que recebiam.
Uma dedução lógica dessas formulações é a de que os gastos públicos, o que inclui as
políticas sociais, possuem impactos potencialmente diferentes sobre o crescimento econômico,
assumindo maior importância na medida em que se direcione para os estratos de mais baixa renda
da sociedade e que sejam financiados por intermédio de um sistema tributário progressivo.
Nesse sentido, no período recente, os avanços experimentados pela política social estiveram
amparados no reconhecimento da sua importância como dinamizadora da demanda agregada e,
portanto, do crescimento econômico, e não somente como um instrumento de combate à pobreza.
Jorge Abrahão de Castro (2013) apresenta algumas evidências empíricas que auxiliam na
elucidação das conexões existentes entre política social e crescimento econômico no Brasil
contemporâneo que valem a citação.
Antes, porém, convém ilustrar estatisticamente, também apoiando-se nas contribuições
deste autor, a amplitude alcançada pelas políticas sociais nos anos 2000143. Um modo de
visualizar este aspecto é através da participação das transferências monetárias na composição dos
rendimentos familiares. Nos vinte anos compreendidos entre a promulgação da Constituição de
143 Para ele, a política social é “composta por um conjunto e ações do Estado, que se manifestam em oferta de bens e serviços,
transferência de renda e regulação, com o objetivo de atender as necessidades e os direitos sociais que afetam vários dos
componentes das condições básicas de vida da população, inclusive aqueles que dizem respeito à pobreza e à desigualdade”
(CASTRO, 2013, p. 168-169).
147
1988 e 2008, tal participação evoluiu de 9,5% para 19,3%, após ter alcançado 15,6% em 1998, o
que reflete o aumento combinado do alcance das políticas sociais de transferência de renda e do
valor dos recursos financeiros transferidos. O gasto público social como percentual do PIB, por
sua vez, aumentou de 19,2%, em 1995, para 21,9%, em 2005. Em 2010, e, portanto, em um
intervalo de apenas cinco anos, este percentual atingiu a marca de 25,2%.
Assim sendo, cumpre salientar que as políticas sociais brasileiras promovem uma alteração
dos rendimentos familiares em favor dos estratos de menor renda, atuando positivamente para a
queda da desigualdade medida pelo Índice de Gini, não obstante o caráter regressivo do sistema
tributário do país. As transferências de renda, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e
o Programa Bolsa Família, são as políticas sociais que mais contribuem para a diminuição do
Gini, ainda que os gastos com saúde, educação e previdência social atuem no mesmo sentido.
Comparativamente a outros tipos de gastos, os não sociais, cumpre citar que os investimentos na
construção civil e a exportação de commodities têm impactos praticamente nulos na distribuição
de renda, enquanto os gastos com juros da dívida pública implicam em sua elevação.
Para além dos impactos sobre a distribuição da renda, a expansão dos gastos sociais atua
diretamente sobre o crescimento econômico e da renda das famílias. Deste modo, estima-se que a
majoração dos gastos sociais na ordem de 1% do PIB reflete-se, por meio do multiplicador, na
expansão de 1,37% no crescimento da economia. Em outras palavras, para cada R$ 1,00 gasto
com política social, cerca de R$ 1,37 é incrementado ao PIB144.
Nesse quesito, é importante destacar o papel desempenhado pelo salário mínimo que, como
já se disse, experimentou um crescimento real significativo nos últimos anos. O impacto dessa
política foi bastante positivo para a diminuição da desigualdade salarial no mercado de
trabalho145 que, somado ao processo de formalização dos vínculos empregatícios e aos
mencionados efeitos das políticas sociais, contribuiu decisivamente para a queda da desigualdade
de renda no período recente.
144 No campo das políticas sociais, as áreas de saúde e educação apresentam um maior potencial de impacto sobre o crescimento
do PIB brasileiro, ao passo que as políticas de transferência de renda são mais importantes no que diz respeito à elevação da renda
das famílias. 145 A esse respeito, ver Komatsu e Menezes-Filho (2014). Nesse sentido, João Saboia (2007, p. 22) constata que “[...] o potencial
do SM na melhoria da distribuição da renda familiar per capita parece ser maior através de seus efeitos sobre o mercado de
trabalho do que sobre as pensões e aposentadorias oficiais. Tal resultado corrobora de certa forma os encontrados por outros
autores, que mostraram que as mudanças no mercado de trabalho na última década tiveram maior influência sobre a melhoria da
distribuição de renda que os diversos programas de transferência de renda”. A afirmação continua válida para o período mais
recente.
148
Além disso, o salário mínimo, ao elevar o salário de base da economia, pode ser
considerado como um importante instrumento de combate à pobreza. Destarte, cumpre esclarecer
que, no Brasil, a composição da renda dos extremamente pobres e dos pobres modificou-se
sensivelmente no período recente, com o decréscimo da participação dos rendimentos do trabalho
e a consequente ampliação da importância das transferências sociais, especialmente do Programa
Bolsa Família. Ou seja, a pobreza e, particularmente, a extrema pobreza, tornaram-se fenômenos
próprios dos indivíduos que não possuem vínculos com o mercado de trabalho, ou, quando
existem tais vínculos, são de natureza muito precária.
Há dois fenômenos por trás dessa dinâmica. Por um lado, os constantes reajustes reais
fizeram que o salário mínimo se tornasse, na prática, um seguro contra a pobreza
extrema: salvo em raras famílias muito numerosas, basta um único morador receber
rendimentos vinculados ao salário mínimo para garantir que a família não será
extremamente pobre [...]. Em conjunto com a grande expansão do mercado de trabalho
na década, isso contribuiu para tirar da pobreza e da extrema pobreza um grande número
de famílias, deixando para trás aquelas famílias cujas conexões com o mundo do
trabalho são muito precárias (SOUZA; OSÓRIO, 2013, p. 145).
Para uma compreensão mais fidedigna do processo de aceleração do crescimento
econômico entre 2004 e 2008, convém reconhecer ainda o papel desempenhado pela expressiva
ampliação da oferta e do acesso ao crédito, especialmente a partir de 2005. Nesse sentido,
saliente-se que, em 2002, as operações de crédito em relação ao PIB situavam-se em torno de
22,0%. Dois anos mais tarde, em 2004, tal relação havia crescido modestos 2,5 pontos
percentuais, atingindo o patamar de 24,5%. A partir de então, o crédito foi amplamente
estimulado, com o que atingiu a cifra de 39,7% em 2008.
Porém, a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008, e o
consequente agravamento da crise econômica mundial, inaugurou um novo período para a
economia brasileira, marcado, via de regra, pelo baixo dinamismo econômico, posto que não
mais favorecida pelos estímulos positivos advindos do cenário externo.
Assim, o país registrou, ainda no último trimestre de 2008, uma forte desaceleração do seu
ritmo de crescimento econômico, decorrência de uma intensa contração do crédito, de uma
expressiva e rápida depreciação cambial146 e de uma queda na demanda internacional pelos seus
produtos (que, ademais, experimentaram uma redução significativa de preços).
146 Em um curto espaço de tempo, a taxa de câmbio oscilou aproximadamente 50,0%, ao passar de R$ 1,59, em julho de 2008,
para R$ 2,39, em dezembro do mesmo ano.
149
Consequentemente, em 2009, o crescimento econômico foi ligeiramente negativo, em torno
de -0,3%, puxado pela retração das exportações (-9,1%) e dos investimentos (-6,7%), ao passo
que a taxa de expansão do consumo se reduziu, ainda que em pequena magnitude (de 5,0% para
4,1% entre 2008 e 2009), contribuindo para uma queda do PIB menos pronunciada do que a
sugerida pelas quedas nos investimentos e nas exportações.
Frente a este cenário, o Estado brasileiro lançou mão de medidas econômicas anticíclicas,
procurando reestabelecer o nível de confiança de empresários e consumidores e, assim, reativar o
crescimento econômico, o que significou uma inflexão na história econômica recente do país,
quando a atuação governamental diante de situações de crises foi quase sempre pautada por
iniciativas de natureza pró-cíclica, como o endurecimento das políticas monetária e fiscal.
Dessa forma, o governo recorreu, de um lado, aos bancos públicos para atender a demanda
de crédito de empresas e consumidores147, e, de outro, às reservas internacionais para financiar as
exportações brasileiras.
A política monetária também foi administrada de modo a contra-arrestar os impactos da
crise internacional, ainda que tardiamente. Assim, foi somente no início de 2009, quando as
preocupações com a desaceleração econômica superaram os temores de que a rápida depreciação
cambial pressionaria a inflação, que a Selic iniciou um ciclo de redução de sua taxa, passando de
13,75%, em janeiro, para 8,75%, em julho.
No campo fiscal, as desonerações tributárias foram prontamente ampliadas no final de
2008, quando as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI do setor automotivo
foram reduzidas. Em 2009, outros setores foram abrangidos por tal medida, como o de bens de
consumo duráveis, o de material de construção, o de bens de capital, o de motocicletas, o de
móveis e o de alguns produtos alimentícios. Ao mesmo tempo, as metas de superávit primário
foram revistas para baixo, assim como modificações na sua contabilidade foram empreendidas
com o intuito de acomodar a ampliação dos gastos. Finalmente, a decisão de introduzir duas
novas alíquotas de cobrança do Imposto de Renda para pessoas físicas, significou, na prática, um
alívio tributário para a classe média baixa.
147 A redução dos depósitos compulsórios, em um cenário marcado por grandes incertezas e Selic elevada, não foi capaz de
sustentar uma ampliação vigorosa da oferta de crédito na economia, uma vez que os bancos optaram por direcionar os recursos
extras para as operações de mercado aberto, sendo reabsorvidos, portanto, pelo próprio Banco Central. Ainda assim, tal medida
foi importante para evitar um contágio do mercado interbancário brasileiro pela crise internacional (BARBOSA; SOUZA, 2010).
150
Ademais, é importante chamar a atenção para o fato de que medidas adotadas previamente
à crise foram mantidas, colaborando para um recuo menos drástico da atividade econômica em
2009. Nesse sentido, vale destacar a política de valorização do salário mínimo; a ampliação dos
investimentos públicos; as desonerações tributárias, que já estavam previstas no âmbito do PAC e
da Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP; a recomposição do quadro de funcionários e
dos salários no setor público e a expansão dos programas sociais.
A respeito deste último ponto, cumpre destacar que o ano de 2009 notabilizou-se pelo
ineditismo do comportamento do Gasto Social Federal, que apresentou uma expansão vigorosa
(11,67%) mesmo diante de um cenário de forte desaceleração do crescimento do PIB (-0,3%).
Segundo o IPEA:
O compromisso com a manutenção e sustentação das políticas sociais em andamento
esteve no núcleo da atuação “anticíclica” do gasto social, o que evitou adicionar mais um
vetor contracionista em uma economia que já se encaminhava para uma recessão e
impediu descontinuidades e descompassos na implementação dessas políticas (IPEA,
2011, p. 09)148.
Estas medidas, em seu conjunto, fortaleceram o mercado interno de consumo, tornando-o
robusto o bastante para tornar-se o pilar de sustentação da recuperação econômica presenciada
em 2010. Neste ano, o PIB avançou impressionantes 7,5%, traduzindo uma retomada do consumo
(6,3%), das exportações (11,5%) e, principalmente, dos investimentos (21,3%).
Porém, em 2011, a crise internacional atingiu um novo estágio, com o questionamento das
dívidas soberanas das economias periféricas do continente europeu, altamente endividadas, o que
provocou uma nova desaceleração do crescimento da economia mundial e uma deterioração das
relações de troca e da demanda externa pelos produtos nacionais.
Nesse quadro, foi efêmera a recuperação da economia brasileira, que assinalou taxas de
crescimento bastante modestas no triênio 2011-2014, conforme consta no Gráfico 07 acima. A
bem da verdade, o crescimento econômico médio do país no intervalo de tempo em questão foi
de aproximadamente 1,6%, bem abaixo do registrado no quinquênio 2004-2008, de 4,8%, e
equivalente ao observado no período 1998-2003. Importante lembrar que o cenário recessivo
apresentado pela economia mundial estende-se até os dias de hoje, na medida em que a Europa e
148 O crescimento do gasto social no período em tela passou pela manutenção da valorização do salário mínimo, com o que se
propiciou uma ampliação dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e de Prestação Continuada da
Assistência Social (BPC-LOAS); pela extensão da duração do Seguro-Desemprego para os setores mais afetados pela crise; pelo
aumento do Programa Bolsa Família; e pela instituição de uma nova política habitacional, através do Minha Casa, Minha Vida.
Além disso, o governo também optou por elevar os gastos sociais nas áreas de saúde e educação, assim como pela recomposição e
ampliação do quadro de funcionários públicos, conforme comentado anteriormente.
151
o Japão enredam-se em uma armadilha de liquidez e encontram-se às voltas com ameaças
deflacionistas, dada a timidez com que se recorreu aos estímulos fiscais para a reativar a
economia.
No entanto, a desaceleração da economia brasileira nos anos recentes não guarda relação
tão somente com a degradação do cenário econômico internacional. Para Luiz Fernando de Paula
e André Modenesi (2013), no plano doméstico, explicam o menor crescimento o fato dos
estímulos à demanda terem vazados para o exterior (ver Gráfico 09 acima), em um cenário de
acirramento da concorrência internacional, gerando capacidade ociosa na indústria e adiando a
realização dos investimentos, aspecto já salientado anteriormente.
Ademais, o observado desaquecimento do consumo teve a ver com uma menor demanda e
oferta de crédito, uma vez que as famílias encontravam-se em um nível elevado de
endividamento e a inadimplência estava em ascensão. Cumpre acrescentar que contribuíram para
tanto, de um lado, o aperto na política monetária iniciado ainda em abril de 2010 – quando a taxa
de juros básica da economia iniciou um ciclo de alta encerrado somente em agosto do ano
seguinte, passando de 8,75% para 12,50% – e de outro, a gradual saturação do consumo de bens
duráveis, conforme chamaram a atenção Luiz Gonzaga Belluzzo e Pedro Paulo Bastos (2015).
A política fiscal anticíclica adotada a partir de 2011, por sua vez, diferentemente do que
ocorreu em 2008, não veio na velocidade e nem mobilizou o montante de recursos necessários,
além do que esteve excessivamente apoiada em isenções fiscais, em detrimento dos investimentos
públicos. Por fim, porém não menos importante, a política fiscal não foi devidamente
comunicada aos agentes econômicos, fazendo com que o cumprimento de metas fiscais
previamente acordadas fosse alcançado por meio de artifícios contábeis (PAULA; MODENESI,
2013).
5.1.2. A nova dinâmica do mercado de trabalho
O mercado de trabalho brasileiro experimentou nos anos 2000, notadamente a partir de
2006, um claro movimento de inflexão em relação à dinâmica de atuação prevalecente nos anos
1980 e 1990, com o que forjou o início de um novo período, marcado (i) por uma queda
expressiva das taxas de desemprego, (ii) pela ampliação do assalariamento, (iii) pelo avanço da
formalização dos vínculos de emprego, (iv) pelo aumento do rendimento médio real do
152
trabalhador e (v) por uma melhora do perfil distributivo da renda nacional e pela diminuição da
pobreza.
Para uma melhor compreensão desse período inegavelmente virtuoso do mercado de
trabalho brasileiro, convém, inicialmente, analisar cada um desses aspectos individualmente,
para, em seguida, apresentar uma reflexão mais geral do fenômeno em questão, com ênfase no
sentido por ele assumido, assim como nos principais fatores que condicionam atualmente a sua
continuidade, o que será objeto de análise da próxima seção149.
GRÁFICO 10
Evolução da Taxa de Desocupação e do Crescimento do PIB
Brasil – 2001-2013
Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.
Em primeiro lugar, cumpre destacar a evolução recente da taxa de desocupação, tal como
ela é medida pela PNAD-IBGE. Assim, observa-se que a retomada do crescimento do PIB, em
2004, não provocou, de imediato, o início de uma trajetória de queda consistente deste indicador,
o que só veio a ocorrer, de fato, a partir de 2006. Entre 2001 e 2005, vale o registro, a taxa de
desocupação apresentou variações positivas e negativas de maneira alternada, ainda que sempre
inversamente correlacionadas com o crescimento do PIB.
149 Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD utilizados para a elaboração dos gráficos desta seção
consideram apenas as pessoas de 15 anos ou mais de idade. Ademais, com o intuito de tornar compatíveis os dados pós-2003 com
os dos anos anteriores, harmonizou-se as abrangências geográficas dos dois períodos, de modo que foram excluídas as áreas rurais
da região norte dos dados referentes ao período 2004-2013. Destaque-se ainda que, em 2010, ano censitário, a PNAD não foi
realizada.
1,3
2,7
1,2
5,7
3,24,0
6,1
5,2
-0,3
7,5
2,7
1,0
2,5
9,4 9,19,7
9,09,4
8,5 8,2
7,2
8,3
6,86,2 6,5
-2,0
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
12,0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
%
∆ PIB Taxa de Desocupação
153
Em 2004, a taxa de desocupação brasileira era de 9,0%, abaixo da registrada nos três anos
anteriores, quando a taxa diminuiu de 9,4% para 9,1%, entre 2001 e 2002, e, em seguida, em
2003, aumentou para 9,7%. Em 2005, porém, em um cenário de menor crescimento econômico, a
taxa de desocupação voltou a crescer, alcançando a marca de 9,4%. Foi somente a partir de 2006
que o número de desocupados como proporção da população economicamente ativa diminuiu de
maneira significativa, movimento que sofreu uma reversão mais pronunciada apenas em 2009,
primeiro ano de contágio da crise internacional. Entre 2005 e 2013, convém destacar, a taxa de
desocupação brasileira recuou quase 31,0%, passando de 9,4% para 6,5% (Gráfico 10).
GRÁFICO 11
Evolução da Taxa de Desocupação*
Regiões Metropolitanas – janeiro/2008-dezembro/2014
Fonte: PME-IBGE. Elaboração própria.
* Contempla as regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e
Porto Alegre.
É útil à reflexão recorrer aos dados da Pesquisa Mensal de Emprego – PME do IBGE com
o intuito de evidenciar que, apesar de intenso, o impacto negativo da crise internacional sobre a
taxa de desocupação metropolitana brasileira teve curta duração. Ademais, os aludidos dados são
importantes para corroborarem a constatação de que o baixo crescimento econômico a partir de
2011, o que inclui a estagnação da economia no ano passado, não foi suficiente para reverter o
quadro geral de baixas taxas de desocupação.
6,8
9,0
6,8
4,3
3,0
4,0
5,0
6,0
7,0
8,0
9,0
10,0
154
Assim sendo, de acordo com o Gráfico 11, após atingir 6,8% em dezembro de 2008, na
ocasião o mais baixo patamar registrado pela série histórica, iniciada em 2002, a taxa de
desocupação aumentou expressivos 32,4% em apenas três meses, alcançando 9,0% em março de
2009150. A partir de então, e desconsiderando as usuais oscilações cíclicas, a taxa de desocupação
imprimiu um movimento de queda consistente, em um cenário de crescimento econômico muito
baixo a partir de 2011, como já dito. Em dezembro de 2014, por exemplo, a taxa de desocupação
medida pela PME-IBGE situou-se em 4,3%, igualando o menor valor registrado pela série
histórica, em dezembro do ano anterior, o que tem dado suporte a interpretações de que a
economia brasileira no período atual estaria muito próxima ao seu nível de pleno emprego.
É necessário, no entanto, melhor qualificar e problematizar de maneira mais cuidadosa a
hipótese de que a economia brasileira convive, nos dias de hoje, com uma situação de pleno
emprego151. Em termos conceituais, um mercado de trabalho encontra-se em pleno emprego
quando a demanda por trabalho equivale ou supera a oferta de trabalho, ou seja, em uma
economia em pleno emprego não há desperdícios de recursos produtivos, uma vez que todos eles
estão sendo plenamente utilizados152. A rigor, porém, sempre haverá um nível de desemprego,
ainda que mínimo, uma vez que existem ocupações que flutuam com a sazonalidade da produção,
como as atividades agrícolas, e as pessoas levam algum tempo para transitar de uma ocupação
para outra, por exemplo.
No imediato pós-guerra, conforme foi apresentado no capítulo 2, havia nos países
desenvolvidos um consenso estabelecido de que uma das funções precípuas dos Estados
nacionais era envidar esforços na busca pelo pleno emprego da mão de obra. Naquele momento,
vale dizer, o pleno emprego foi alcançado mediante a incorporação da força de trabalho em uma
estrutura produtiva composta por compartimentos com níveis de produtividade relativamente
homogêneos entre si, e que, em termos médios, situavam-se em um patamar elevado. Além disso,
150 Ainda que seja comum a taxa de desocupação aumentar nos primeiros meses do ano, a magnitude alcançada pelo fenômeno
não encontra paralelo na série histórica da pesquisa. 151 Proni (2013b) apresenta um resumo do debate recente a respeito do tema. 152 Nos termos propostos por William Beveridge (1944), o pleno emprego manifestar-se-ia quando houvesse um
número de vagas disponíveis superior ao quantitativo de trabalhadores que procuram por uma ocupação. No entanto,
para ele, é conveniente, não somente para o negócio capitalista, mas também para a construção de uma sociedade
livre, que exista uma (pequena) margem de desempregados, tornando possível mudanças e movimentação da mão-
de-obra. O pleno emprego stricto sensu, adverte, só seria alcançável em uma sociedade com viés autoritário, que
direciona compulsoriamente o trabalho.
155
a existência de mecanismos de proteção social e trabalhista asseguravam um alto grau de
segurança do trabalho153.
Diante do exposto, é possível afirmar que a situação do mercado de trabalho brasileiro atual
encontra-se bastante distante de um estágio que possa ser considerado de pleno emprego. Em
primeiro lugar, pode-se questionar a própria escolha da PME como a pesquisa mais adequada
para averiguar a existência do pleno emprego no Brasil, uma vez que, conforme já se discutiu
nesta tese, tal pesquisa vale-se de um desenho metodológico-conceitual que apresenta limitações
para retratar, com todas as suas particularidades, um mercado de trabalho subdesenvolvido, não
obstante os avanços metodológicos realizados em 2002154. Para a Região Metropolitana de São
Paulo, por exemplo, a PME registrou uma taxa de desocupação de 4,4% em dezembro de 2014,
enquanto que a Pesquisa de Emprego e Desemprego – DF apontou uma taxa de desemprego
significativamente superior, da ordem de 9,3% para o mesmo mês.
Em segundo lugar, o ainda elevado grau de precarização do mercado de trabalho e os
baixos salários denotam que a economia brasileira desperdiça uma parcela importante da sua
força de trabalho, o que vai de encontro ao conceito aqui adotado de pleno emprego155. Isto é
evidente mesmo sob a ótica da PME. De acordo com esta pesquisa, em dezembro de 2014, havia
23,2 milhões de pessoas ocupadas no conjunto das regiões metropolitanas pesquisadas. Deste
total, pouco mais da metade, 12,8 milhões, se inseriam em empregos com carteira de trabalho
assinada no setor privado, enquanto 1,9 milhão eram militares ou funcionários públicos,
representando, em tese, as melhores ocupações do mercado de trabalho. Por outro lado, 4,3
milhões dos ocupados trabalhavam por conta própria, 3,1 milhões atuavam sem carteira de
153 O conceito de segurança do trabalho, que será retomado na seção seguinte, baseia-se em Standing e Tokman
(1991) e Standing (1997). Mattoso (1995) também recorreu a este conceito para analisar as mudanças
contemporâneas no mundo do trabalho nos países desenvolvidos e no Brasil. 154 “[...] apesar dos avanços conceituais e metodológicos incorporados à nova PME, os limites entre as suas
condições de atividade (ocupação, desocupação e inatividade) continuam bastante definidos e excludentes, podendo
ser condenáveis pela subestimação excessiva do desemprego em decorrência do tratamento dado às situações de
ocupação e inatividade. Sendo assim, essa deficiência na captação do desemprego compromete a codificação da
imagem de um mercado de trabalho heterogêneo e pouco estruturado como o brasileiro” (SUERDIECK; SOUZA;
OLIVEIRA, 2003, p. 31). 155 Para Anita Kon (2012, p. 10), “tão relevante quanto definir o conceito de pleno emprego a ser tomado como base,
é entender o que representa o pleno emprego para a economia. Se o pressuposto de que o pleno emprego é uma
condição de aproveitamento completo da mão de obra disponível, é necessário observar que ainda que tenha atingido
os parâmetros de pleno emprego, pode não haver um aproveitamento do potencial de trabalho. Este potencial
pressupõe o pleno exercício das aptidões dos indivíduos, seja obtido através da educação geral ou da formação
especializada ou do conhecimento tácito no exercício profissional, de modo a tornar cada indivíduo apto a produzir o
maior valor adicionado possível a partir de sua capacidade e em contraponto usufruir o rendimento condizente”.
156
trabalho assinada no setor privado e aproximadamente 1 milhão eram empregadores. Ademais,
estima-se que 2,3 milhões dos ocupados eram sub-remunerados, com rendimentos menores do
que o estipulado pelo salário mínimo horário, e 322 mil trabalhadores encontravam-se
subocupados por insuficiência de horas efetivamente trabalhadas.
No que se refere à população não economicamente ativa, cumpre chamar a atenção para o
fato de que 1,3 milhão do seu contingente, ou 6,5%, estavam disponíveis para trabalhar, ao passo
que cerca de 539 mil pessoas encontravam-se marginalmente ligadas à população
economicamente ativa156.
Desta forma, conforme chamou a atenção João Saboia (2013; 2014), o fato de muitos
trabalhadores estarem ocupados em postos de trabalho de baixa produtividade e, portanto,
precários, somado ao contingente de pessoas que, embora fora do mercado de trabalho, estão
disponíveis para retornarem ao exercício de uma atividade produtiva, diante de um cenário
econômico mais favorável, evidencia que o mercado de trabalho brasileiro encontra-se ainda
muito distante do pleno emprego.
Finalmente, as diferenças regionais das taxas de desemprego no Brasil são bastante
acentuadas, o que exige cuidado ao se defender a existência do pleno emprego na economia
brasileira. No universo pesquisado pela PME, que se restringe a seis regiões metropolitanas, por
exemplo, a diferença entre a maior e a menor taxa de desocupação – encontrada, respectivamente,
em Salvador (8,1%) e em Belo Horizonte (2,9%) – foi, em dezembro de 2014, de
aproximadamente 2,8 vezes!
Discutida a hipótese de que a economia brasileira encontra-se próxima ao pleno emprego,
convém refletir acerca de duas outras questões: por que a taxa de desocupação apresenta uma
trajetória de queda mais firme somente a partir de 2006, já que a retomada do crescimento
econômico iniciou-se dois anos antes, em 2004? Por que as taxas de desocupação permanecem
baixas no período 2011-2014, mesmo diante de um cenário de pouco dinamismo econômico?
A resposta a estas questões exige uma análise mais detalhada do comportamento da taxa de
desocupação brasileira no período recente, com ênfase nas oscilações experimentadas pelos seus
156 Para o IBGE (2007), “são definidas como marginalmente ligadas à população economicamente ativa na semana
de referência as pessoas não-economicamente ativas na semana de referência que trabalharam ou procuraram
trabalho no período de referência de 365 dias e estavam disponíveis para assumir um trabalho na semana de
referência”.
157
componentes, o número de ocupados e desocupados e a População Economicamente Ativa
(PEA), tal como apresentados no Gráfico 12.
GRÁFICO 12
Evolução da Taxa de Desocupação, da População Economicamente Ativa,
do Número de Ocupados e de Desocupados
Brasil – 2002-2013
Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.
Assim, em 2002, a variação do número de ocupados e da PEA deu-se praticamente na
mesma magnitude (2,8 milhões), mantendo relativamente estável a quantidade de trabalhadores
desocupados, o que resultou em uma taxa de desocupação de 9,1%. No ano seguinte, tanto a
criação de postos de trabalho, quanto o incremento da PEA desaceleram-se, sendo que o primeiro
em maior intensidade. Dessa forma, a taxa de desocupação aumentou expressivamente, oscilando
de 9,1% para 9,7%.
Em 2004, a aceleração do crescimento econômico veio acompanhado da geração de
aproximadamente 2,6 milhões de postos de trabalho, superior ao aumento da PEA, estimado em
2,2 milhões de pessoas, com o que se reduziu o número de desocupados, em pouco mais de 400
mil trabalhadores, e a taxa de desocupação, de 9,7% para 9,0%.
Porém, conforme salientado na seção anterior, as preocupações com um crescimento
econômico mais elevado, superior, em tese, ao crescimento potencial da economia brasileira, e
2.8
42
1.2
49
2.6
24
2.3
24
2.0
56
1.4
05
2.8
25
41
6
1.2
30
1.5
86
60
5
2.8
53
1.9
52
2.2
10
2.9
62
1.3
35
1.2
23
2.0
18
1.6
21
-27
2
1.0
60
96
7
11
70
3
-41
4
63
7
-72
1
-18
2
-80
7
1.2
05
-1.5
02
-52
6
36
2
9,19,7
9,09,4
8,58,2
7,2
8,3
6,86,2
6,5
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
12,0
-2.000
-1.500
-1.000
-500
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
3.500
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
%
10
00
Pe
sso
as
∆ Ocupados ∆ PEA ∆ Desocupados Taxa de Desocupação
158
com os possíveis impactos inflacionários daí decorrentes, precipitaram a adoção de uma política
monetária mais restritiva, com o intuito de desaquecer a economia e, mediante a valorização da
taxa de câmbio, controlar os preços. Nesse cenário, diminuiu, em 2005, o ritmo de criação de
novas ocupações, ainda que esta tenha se mantido em um alto patamar (2,3 milhões), ao passo
que a entrada de pessoas no mercado de trabalho acelerou-se significativamente (3,0 milhões),
ainda reflexo, provavelmente, do crescimento econômico registrado no ano anterior. Da
combinação desses dois movimentos, resultou o aumento do número de trabalhadores
desocupados (por volta de 600 mil) e da taxa de desocupação (de 9,0% para 9,4%).
No triênio 2006-2008, a geração de novos postos de trabalho foi sistematicamente superior
ao incremento da PEA, em linha com um ambiente econômico mais aquecido, com o que se
reduziram, ano a ano, tanto a quantidade de pessoas desocupadas (1,7 milhão no acumulado do
período), quanto a taxa de desocupação (de 8,5%, em 2006, para 7,2%, em 2008).
O contágio da crise econômica internacional, em 2009, e a consequente redução do
crescimento econômico, provocou uma forte desaceleração do ritmo de criação de vagas (em
aproximadamente 85,0%), que mais do que compensou a diminuição da entrada de pessoas no
mercado de trabalho (estimada em cerca de 20,0%). Como resultado, aumentou a proporção, em
termos absolutos e relativos, de trabalhadores desocupados.
Em 2011, a taxa de desocupação foi significativamente menor do que a registrada em 2009
(6,8% contra 8,3%), possivelmente beneficiada pela expansão vigorosa do PIB no ano de 2010157.
Para tanto, foram favoráveis, de um lado, uma geração positiva de postos de trabalho (1,2
milhão), e, de outro, uma diminuição em termos absolutos da PEA (quase 300 mil pessoas a
menos).
No ano seguinte, uma geração mais expressiva de postos de trabalho (1,6 milhão) foi mais
do que o suficiente para absorver o crescimento da PEA (1,0 milhão), reduzindo a quantidade de
desocupados (em aproximadamente 500 mil pessoas) e a taxa de desocupação (de 6,8% para
6,2%).
Finalmente, em 2013, foram criadas ocupações aquém do necessário para a absorção do
incremento da PEA (605 mil contra 967 mil), com o que ampliaram-se o número de trabalhadores
desocupados (362 mil pessoas a mais) e a taxa de desocupação (de 6,2% para 6,5%).
157 Convém salientar mais uma vez que a PNAD normalmente não é realizada em anos censitários, com o que não se dispõe de
seus dados para o ano de 2010.
159
A análise do comportamento anual da taxa de desocupação e dos seus componentes lança
algumas pistas que auxiliam no esclarecimento das questões anteriormente levantadas. Porém,
uma elucidação mais ampla só é possível caso se olhe globalmente para o período.
Nesse sentido, no que se refere à criação de postos de trabalho, constatam-se dois padrões
de comportamento distintos no período 2002-2013: em um primeiro momento, entre 2002 e 2008,
observa-se uma criação anual expressiva de vagas no mercado de trabalho, que, em média, atinge
a marca de 2,2 milhões de novas ocupações; no período pós-crise internacional, a partir de 2009,
como era de se esperar, tal processo desacelera-se substancialmente, alcançando o patamar médio
de 959 mil vagas criadas anualmente. A redução no ritmo de criação de novos postos de trabalho
é da ordem de 56,2%.
A análise da evolução da População Economicamente Ativa, por sua vez, permite distinguir
três padrões de comportamento neste período, caracterizados pela desaceleração contínua do seu
crescimento: entre 2002 e 2005, incorporaram-se anualmente à PEA, em média, cerca de 2,5
milhões de pessoas; entre 2006 e 2009, 1,5 milhão; e, por fim, no triênio 2011-13, 585 mil
pessoas. Em todo o período, a diminuição foi de cerca de 76,6%.
Analisando conjuntamente os comportamentos da ocupação e da População
Economicamente Ativa é possível concluir que: i) entre 2002 e 2005, as oscilações positivas e
negativas da taxa de desocupação, deve-se, em boa medida, às elevadas taxas de crescimento da
PEA, uma vez que a geração de postos de trabalho foi significativa em quase todo o intervalo de
tempo em questão; ii) entre 2006 e 2008, período de sucessivas quedas da taxa de desocupação, o
menor incremento da PEA foi de fundamental importância, posto que a geração de novas
ocupações, em termos médios, não diferiu significativamente do período anterior; e iii) a
manutenção das taxas de desocupação em um baixo patamar no triênio 2011-2013, em um
cenário de desaceleração expressiva da geração de postos de trabalho, deve-se essencialmente a
uma forte contração da taxa de expansão da PEA.
Parece, então, que as principais razões que levaram a uma expressiva redução das taxas de
desocupação no período recente, e, posteriormente, a sua permanência em um baixo patamar, são
aquelas subjacentes ao movimento de desaceleração da População Economicamente Ativa, até
porque a criação de novas ocupações apresentou, via de regra, um comportamento pró-cíclico no
período em tela (Gráfico 13).
160
A análise da taxa de atividade, um indicador que revela a participação no mercado de
trabalho das pessoas em idade ativa, corrobora as constatações realizadas anteriormente, ao
tempo que afasta a hipótese de que a redução do crescimento da PEA seria um mero reflexo de
um movimento análogo experimentado pela População em Idade Ativa (PIA).
GRÁFICO 13
Evolução da População Economicamente Ativa, do Número de Ocupados e
da Taxa de Crescimento do PIB
Brasil – 2002-2013
Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.
A esse respeito, no período 2001-2013, é possível delimitar dois subperíodos: entre 2001 e
2005, observa-se um aumento praticamente contínuo da taxa de atividade, que oscila de 67,0%
para 69,2%, o que significa que pouco mais de 2/3 da PIA brasileira participava do mercado de
trabalho, seja como ocupada, seja como desocupada. De 2006 em diante, inicia-se um processo
de redução importante desta taxa, que atinge, em 2013, o percentual de 65,4%. As mesmas
tendências são observadas quando se analisa o comportamento da taxa de atividade por gênero,
sendo que tal redução, a partir de 2006, mostra-se mais expressiva entre os homens. Nesse
sentido, registre-se que, na comparação dos anos extremos da série, a taxa de atividade feminina
assinalou uma pequena elevação (Gráfico 14).
2.8
53
1.9
52
2.2
10
2.9
62
1.3
35
1.2
23
2.0
18
1.6
21
-27
2
1.0
60
96
7
2.8
42
1.2
49
2.6
24
2.3
24
2.0
56
1.4
05
2.8
25
41
6
1.2
30 1.5
86
60
5
2,7
1,2
5,7
3,2
4,0
6,1
5,2
-0,3
7,5
2,7
1,0
2,5
-1,0
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
7,0
8,0
-500
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
3.500
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
%
Mil
Pe
sso
as
∆ PEA ∆ Ocupados ∆ PIB
161
GRÁFICO 14
Evolução da Taxa de Atividade, Segundo o Gênero
Brasil – 2001-2013
Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.
Adicionalmente, é útil à reflexão analisar a evolução da taxa de atividade de acordo com
faixas etárias selecionadas. Procedendo dessa forma, constata-se que a taxa de atividade
apresenta, no período 2005-2013, quedas mais significativas nas faixas etárias de 15 a 19 anos
(que varia de 49,8% para 40,8%, uma diminuição relativa de aproximadamente 21,1%) e de 60
anos ou mais (que passa de 30,7% para 27,7%, perfazendo uma redução relativa de quase 10,0%)
(Gráfico 15).
Diante das evidências apresentadas, é lícito supor que a maior abrangência das políticas
sociais brasileiras nos anos 2000, associada ao processo de valorização do salário mínimo e de
formalização dos vínculos de emprego, foram fundamentais para que a pressão sobre o mercado
de trabalho exercida pela População em Idade Ativa diminuísse no período e, com isso, as taxas
de desocupação. Isto porque elas permitiram aos arranjos familiares, de posse de uma renda
média mais elevada, redefinirem a inserção de seus membros no mercado de trabalho, sobretudo,
dos jovens.
Por exemplo, de um lado, o aumento da renda familiar pode ter permitido que os jovens se
retirassem do mercado de trabalho para se dedicarem aos estudos, favorecidos ainda pela
facilitação do acesso ao ensino superior verificado nos anos mais recentes (o que traz impactos
positivos de longo prazo para a produtividade da economia brasileira). Secundariamente, as
67,069,2
65,4
81,0 81,2
77,2
54,1
58,2
54,7
50,0
55,0
60,0
65,0
70,0
75,0
80,0
85,0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013
%
Total Homens Mulheres
162
condicionalidades educacionais do Programa Bolsa Família podem ter influenciado na decisão de
saída do mercado de trabalho dos jovens dos estratos de renda mais baixos.
De outro lado, valores mais elevados de benefícios previdenciários (aposentadorias) e
assistenciais (Benefício de Prestação Continuada – BPC), puxados pelo crescimento do salário
mínimo, pode ter contribuído para que a parcela mais idosa da população transitasse para a
inatividade, deixando de pressionar, portanto, o mercado de trabalho.
GRÁFICO 15
Evolução da Taxa de Atividade, Segundo Faixa Etária
Brasil – 2001-2013
Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.
Do ponto de vista da ocupação, é importante averiguar as mudanças em sua composição
setorial ao longo dos anos 2000, procurando destacar os setores mais e menos dinâmicos na
geração de postos de trabalho neste período. Dessa forma, observa-se que, entre 2001 e 2013, a
ocupação aumentou anualmente, em média, 2,1%. Por um lado, cresceram acima da média geral,
os setores “Outras Atividades” (4,8% ou 298 mil ocupações anuais), “Construção” (4,8% ou 320
mil) e “Serviços” (2,7% ou 1,2 milhão). Por outro lado, assinalaram taxas de crescimento anuais
inferiores à média geral, os seguintes setores: “Outras Atividades Industriais” (1,7% ou 11 mil
novos postos de trabalho ao ano) e “Indústria de Transformação” (1,3% ou 143 mil). O Setor
Agrícola, por seu turno, teve taxas negativas de crescimento ao logo do intervalo de tempo em
análise (-1,6% ou 227 mil postos de trabalho a menos anualmente).
67
,0
49
,8
75
,1
79
,4
81
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78
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80
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40
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75
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,3
80
,5
67
,1
27
,7
Total 15 a 19anos
20 a 24anos
25 a 29anos
30 a 39anos
40 a 49anos
50 a 59anos
60 anos oumais
%
2001 2005 2013
163
No âmbito do setor Serviços, não há comportamentos muito díspares entre seus subsetores,
a exceção dos Serviços Domésticos, que cresceu, em média, modestos 0,7% ao ano (o que
equivale a abertura de 45 mil vagas anualmente). Nos demais, o aumento médio variou de 2,6%,
no Comércio e Reparação, a 3,7%, no Transporte, Armazenamento e Comunicação (Gráfico 16).
GRÁFICO 16
Variação Anual Média da Ocupação, por Setores da Atividade
Econômica
Brasil – 2001-2013
Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.
Com isso, a estrutura ocupacional brasileira transformou-se consideravelmente entre 2001 e
2013, com destaque para os aumentos da participação relativa do Setor Serviços (de 51,5% para
55,2%), da Construção (de 7,0% para 9,3%) e de Outras Atividades (de 6,5% para 8,7%).
Contrariamente, notabilizaram-se pelas suas diminuições relativas o Setor Agrícola (de 20,0%
para 13,3%) e a Indústria de Transformação (de 13,8% para 12,7%) (Gráficos 17 e 18).
Vale registrar: o fato do setor Serviços, em média, apresentar uma produtividade mais baixa
do que a Indústria de Transformação é um componente adicional na explicação para a elevada
capacidade de absorção do mercado de trabalho brasileiro dos trabalhadores desempregados e dos
que ingressavam (ou reingressavam) na PEA, o que ajuda a compreender o aparente paradoxo
existente entre baixas taxas de crescimento econômico e de desemprego no período recente
(SABOIA, 2014).
2,1
4,8 4,8
2,7
3,7 3,4 3,2 3,1 2,8 2,6
0,7
1,71,3
-1,6
-2,0
-1,0
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
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ão
Agr
íco
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%
164
GRÁFICO 17
Distribuição Relativa da Ocupação, por Setores da Atividade Econômica
Brasil – 2001 (em %)
Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.
GRÁFICO 18
Distribuição Relativa da Ocupação, por Setores da Atividade Econômica
Brasil – 2013 (em %)
Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.
20,0
13,8
0,8
7,0
51,5
6,5 0,3Agrícola
Ind. de transformação
Outras atividades ind.
Construção
Serviços
Outras atividades
Atividades maldefinidas ou nãodeclaradas
13,3
12,7
0,8
9,3
55,2
8,7 0,1Agrícola
Ind. de transformação
Outras atividades ind.
Construção
Serviços
Outras atividades
Atividades maldefinidas ou nãodeclaradas
165
Analisando a ocupação pela ótica das modalidades de inserção no mercado de trabalho,
observa-se uma maior importância relativa do assalariamento no período recente. Entre 2001 e
2003, o assalariamento manteve-se praticamente estável, ao redor de 55,0%. A partir de 2004,
porém, inicia-se uma trajetória crescente dessa modalidade, que atinge o patamar, em 2013, de
62,9%.
Tal trajetória, vale dizer, colide diretamente com algumas ideias bastante difundidas nos
anos 1990 de que a queda do assalariamento então verificada seria uma evolução natural de um
mercado de trabalho que se adequava a uma sociedade “pós-industrial” em formação. O que
demonstra a experiência atual, é que, de fato, o crescimento das ocupações não-assalariadas na
década de 1990 estava ligado ao estreitamento do mercado de trabalho assalariado, fruto do baixo
crescimento econômico.
GRÁFICO 19
Distribuição Relativa da Ocupação, Segundo Posição na Ocupação
Brasil – 2013 (em %)
Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração própria.
Assim, o outro lado deste movimento é a diminuição da proporção de ocupados que se
inserem no mercado de trabalho por meio de modalidades não assalariadas: o trabalho por conta
própria recuou de 22,7% para 20,4% entre 2001 e 2013; o trabalhador doméstico diminuiu sua
55,2 55,1 55,2 56,5 56,4 57,3 58,5 59,7 59,5 62,0 62,8 62,9
7,9 7,8 7,7 7,8 7,8 7,7 7,5 7,2 7,8 7,2 6,8 6,822,7 22,6 22,7 22,0 21,8 21,3 21,2 20,2 20,4 20,8 20,4 20,44,3 4,3 4,3 4,2 4,3 4,6 3,9 4,6 4,4 3,5 3,8 3,86,2 6,1 5,9 5,6 5,4 4,9 4,7 4,1 3,9 2,6 2,4 2,0
3,8 4,0 4,1 3,8 4,3 4,3 4,3 4,3 3,9 3,8 3,7 4,1
-
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
120,0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013
Empregado Trabalhador doméstico Conta própria
Empregador Não remunerado Outros
166
participação relativa de 7,9% para 6,8%158; os empregadores de 4,3% para 3,8%; e o trabalho não
remunerado de 6,2% para 2,0%. O agregado “outros”, por sua vez, que reúne o trabalho na
produção para o próprio consumo e o realizado na construção para o próprio uso, apresentou uma
ligeira expansão no intervalo de tempo em análise, de 3,8% para 4,1% (Gráfico 19).
Além da redução substantiva das taxas de desemprego e do aumento do assalariamento da
força de trabalho, a nova dinâmica do mercado de trabalho brasileiro no período recente tem
como um dos seus principais elementos a expansão acelerada do emprego com carteira de
trabalho assinada e estatutário – doravante emprego formal –, contrariando boa parte das teses em
voga na década de 1990 que defendia a sua inviabilidade, dadas as supostas rigidezes e os custos
elevados impostos pela legislação trabalhista vigente no país, conforme relatado no capítulo
anterior.
Isto é especialmente importante porque, no Brasil, por um lado, a regulação pública (seja
ela estatal, seja ela sindical) das condições de uso, remuneração e proteção social do trabalhador
alcança somente aqueles com contrato de trabalho regularizado, tornando as relações entre capital
e trabalho menos assimétricas ou, em outras palavras, mais civilizadas. Por outro lado, o acesso a
um conjunto de políticas sociais e trabalhistas, como o Seguro-Desemprego, o Abono Salarial e o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, só é permitido aos trabalhadores que se
inserem no mercado de trabalho por intermédio de um vínculo empregatício formalizado.
O Gráfico 20 apresenta a evolução do emprego formal no Brasil entre 1994 e 2013. Nele,
observa-se, em primeiro lugar, que na segunda metade da década de 1990, o emprego formal
cresceu de forma bastante modesta, de sorte que, em 1999, o seu estoque, medido pela Relação
Anual de Informações Sociais – RAIS, era somente 5,6% superior ao verificado em 1994. A
partir de então, inicia-se uma expressiva ampliação do emprego formal, especialmente no período
de 2004 a 2011. Assim, em 2013, o estoque de empregos formais foi estimado em 48,9 milhões
de vínculos, quase o dobro do verificado em 1999 (25,0 milhões).
158 A queda na participação do trabalhador doméstico no total das modalidades de inserção ocupacional é reflexo de um
movimento análogo experimentado pelo trabalhador sem carteira assinada (de 5,7% para 4,5% entre 2011 e 2013), isto porque a
proporção de trabalhadores com carteira assinada manteve-se relativamente estável no mesmo período (era 2,1%, em 2001, e
2,2%, em 2002).
167
GRÁFICO 20
Evolução do Estoque de Empregos Formais e do seu Índice de Crescimento
Brasil – 1994-2013
Fonte: RAIS/MTE. Elaboração própria.
A excepcionalidade do ritmo de geração de empregos formais no período de 2004 a 2011
pode ser melhor dimensionada comparando-o com outros períodos do intervalo de tempo aqui
considerado. Nesse sentido, constata-se, por exemplo, que na segunda metade da década de 1990
houve uma relativa estagnação na criação de empregos formais, conforme já se disse (apenas
cerca de 265 mil postos de trabalho formais foram gerados ao ano). O período imediatamente
posterior, entre os anos de 2000 a 2003, representou uma aceleração substancial no movimento
de geração de empregos formais, mais do que quadruplicando o ritmo observado no período
anterior. De 2004 a 2011, por sua vez, foram gerados anualmente expressivos dois milhões de
empregos formais, ritmo que perde ímpeto de forma considerável nos anos de 2012 e de 2013,
ainda que se mantenha acima do verificado na segunda metade dos anos 1990 (Gráfico 21).
23
,7
23
,8
23
,8
24
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24
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25
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26
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37
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47
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1,8
10
3,5
10
5,6
11
0,8
11
4,9
12
1,2
12
4,8
13
2,7
14
0,4
14
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15
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16
6,7
17
4,1
18
6,2
19
5,7
20
0,5
20
6,8
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
0,0
50,0
100,0
150,0
200,0
250,0
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
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20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
Milh
ões
Pes
soas
%
Estoque de Empregos Índice de Crescimento do Estoque
168
GRÁFICO 21
Criação Média Anual de Empregos Formais em Períodos
Selecionados
Brasil – 1995-2013
Fonte: RAIS/MTE. Elaboração própria.
GRÁFICO 22
Variação do Emprego Formal e do Produto Interno Bruto
Brasil – 1995-2013
Fonte: RAIS/MTE. Elaboração própria.
265
1.138
2.096
1.319
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
1995-1999 2000-2003 2004-2011 2012-2013
Mil
Pes
soas
0,4 0,3
1,21,6 2,0
4,9
3,7
5,5
3,0
6,35,8
5,8
7,0
4,9
4,5
6,9
5,1
2,5
3,1
4,4
2,2
3,4
0,0 0,3
4,3
1,3
2,7
1,2
5,7
3,24,0
6,1 5,2
-0,3
7,5
2,7
1,0
2,5
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0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
7,0
8,0
19
95
19
96
19
97
19
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19
99
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
%
Variação % do Estoque Variação % do PIB
169
A esse respeito, é digno de nota ainda a nova trajetória iniciada pela elasticidade emprego
formal/produto a partir dos anos 2000. Antes disso, na segunda metade da década de 1990, havia
uma relação pouco explícita entre estas duas variáveis, que apresentavam movimentos até certo
ponto dissociados. Do ano 2000 em diante, diferentemente, constata-se uma maior elasticidade
entre o emprego formal e o produto da economia, com o primeiro sempre se posicionando acima
do segundo, com exceção do ano de 2010 (Gráfico 22).
Poder-se-ia argumentar, nesse sentido, que a aludida expansão do emprego formal a partir
dos anos 2000 seria o resultado direto das medidas flexibilizadoras do mercado de trabalho
implementadas nos anos 1990, atestando, assim, o êxito de tais medidas. No entanto, quando se
analisa a evolução do emprego formal por tipo de vínculo empregatício estabelecido, constata-se
que, em nenhum momento dos anos 2000 e da década seguinte, os “contratos flexíveis”159
responderam por mais do que 3,0% do total dos contratos formais firmados no período, o que de
resto reproduz um padrão que já vigorava nos anos 1990 (Gráfico 23).
GRÁFICO 23
Variação do Emprego Formal por Tipo de Vínculo Empregatício
Brasil – 1994-2013
Fonte: RAIS/MTE. Elaboração própria.
159 Considerou-se como “contratos padrão” o conjunto de contratos regido pela CLT e de duração indeterminada, além dos
estatutários (incluindo os não efetivos). Todos os demais foram agrupados na categoria “contratos flexíveis”, o que inclui, por
exemplo, os contratos de trabalho nas modalidades avulso, temporário, por prazo determinado e menor aprendiz.
3,5 2,0 2,0 2,0 2,1 2,2 2,2 2,5 2,0 2,1 2,1 2,4 2,4 2,8 2,4 2,6 2,5 2,6 2,6 2,7
96
,5
98
,0
98
,0
98
,0
97
,9
97
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97
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97
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97
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97
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97
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97
,3
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
90,0
100,0
%
Contratos Flexíveis Contratos Padrão
170
No Brasil, é importante chamar a atenção, a flexibilização na gestão da mão de obra foi
obtida, sobretudo, via terceirização de atividades. Ademais, tampouco pode se afirmar que as
medidas flexibilizadoras dos anos 1990 impulsionaram a criação de empregos no período recente:
até 2003, elas foram inócuas. Somente com a aceleração do crescimento econômico é que o
desemprego começou a declinar.
Em linhas gerais, as mesmas tendências são percebidas quando se analisa o processo de
formalização das relações de trabalho por meio das pesquisas domiciliares. De acordo com a
PNAD-IBGE, entre 1995 e 1999, aumentou o grau de informalidade do mercado de trabalho
brasileiro, qualquer que seja o indicador considerado. A partir dos anos 2000, porém, observa-se
um movimento contrário, de queda da informalidade, que se acentua particularmente a partir de
2003 (Gráfico 24).
GRÁFICO 24
Evolução do Grau de Informalidade do Mercado de Trabalho
Brasil – 1995-2013
Fonte: PNAD/IBGE/IPEADATA. Elaboração própria.
* Informalidade I = (empregados sem carteira + trabalhadores por conta própria) / (trabalhadores
protegidos + empregados sem carteira + trabalhadores por conta própria).
** Informalidade II = (empregados sem carteira + trabalhadores por conta própria + não-remunerados) /
(trabalhadores protegidos + empregados sem carteira + trabalhadores).
*** Informalidade III = (empregados sem carteira + trabalhadores conta própria) / (trabalhadores
protegidos + empregados sem carteira + trabalhadores por conta própria + empregadores).
Alternativamente, é comum analisar a evolução do grau de informalidade do mercado de
trabalho brasileiro através do número de trabalhadores contribuintes da Previdência Social. Por
57,859,6
46,4
59,760,7
45,4
54,6
56,2
44,2
40,0
45,0
50,0
55,0
60,0
65,0
19951996199719981999200120022003200420052006200720082009201120122013
%
Informalidade I* Informalidade II** Informalidade III***
171
essa ótica, observa-se que, entre 2001 e 2013, evoluiu de 46,7% para 62,1% o percentual de
ocupados contribuintes da Previdência (valores expressos no eixo principal). Esta mesma
evolução foi verificada nas atividades agrícolas e não agrícolas (expressas no eixo secundário),
ainda que estas últimas tenham apresentado um ritmo de crescimento mais acelerado, muito
embora se trate de ordens de grandeza bastante díspares (Gráfico 25).
GRÁFICO 25
Percentual de Contribuintes da Previdência Social no Trabalho Principal
Ocupada na Semana de Referência
Brasil – 2001-2013
Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração própria.
São muitos os fatores que explicam o crescimento expressivo do emprego formal a partir
dos anos 2000160, sendo lícito reconhecer que o resultado final desse processo, em toda a sua
amplitude, deve-se a somatória dos efeitos do conjunto desses fatores, que na maior parte do
tempo atuou em uníssono, reforçando-se mutuamente.
Em primeiro lugar, convém apontar o que se considera como o principal elemento
explicativo para o avanço expressivo da formalização dos vínculos empregatícios no período
recente: a aceleração do crescimento econômico. A sua importância reside no fato dos custos da
formalização do emprego, em um contexto de crescimento econômico maior, diminuírem
160 Ver, a esse respeito, por exemplo, Cardos Jr. (2013 [2010]); Krein e Manzano (2014); Baltar et alii (2010).
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013
Agrícola 11,2 10,9 11,6 12,8 13,0 14,6 16,7 16,9 17,7 19,4 21,5 21,7
Não agrícola 55,5 54,7 55,9 56,2 57,1 57,8 59,0 60,3 61,6 66,5 66,9 68,3
Total 46,7 46,0 47,1 47,9 48,7 50,0 51,8 53,2 54,7 59,8 60,9 62,1
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
40,0
45,0
50,0
55,0
60,0
65,0
%%
172
relativamente ao faturamento das empresas, facilitando a contratação de trabalhadores sob o
regime celetista ou a legalização de relações de trabalho assalariadas sem carteira assinada.
Muito embora a formalização dos vínculos empregatícios tenha continuado ao longo do
período de desaceleração da economia, a sua sustentabilidade futura depende da recuperação do
crescimento econômico, sem o qual o grau de informalidade do mercado de trabalho brasileiro
muito provavelmente voltará a se ampliar.
Em segundo lugar, destaca-se o papel desempenhado pelo aumento e pela descentralização
do gasto social161. Seus impactos sobre o emprego formal foram diretos e indiretos: no primeiro
caso, tem-se a ampliação dos serviços sociais, como educação e saúde, processo que tem origem
nas diretrizes emanadas da Constituição Federal de 1988, mas que ganha um forte impulso no
período recente, com o fortalecimento, ainda que sujeitos a grandes percalços, das fontes de
financiamento das políticas sociais.
No segundo caso, destacam-se as transferências diretas de renda, como os benefícios
previdenciários (a exemplo das aposentadorias e pensões) e assistenciais (como o Programa
Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada – BPC), de notória capacidade de
dinamização do comércio e serviços locais, principalmente dos pequenos e médios municípios.
Reforça esta tendência a política de valorização do salário mínimo, uma vez que os benefícios
previdenciários têm como piso de remuneração o salário de base da economia, além do que o
BPC tem o valor do seu benefício a ele vinculado.
A expansão do crédito interno também pode ser considerada outro fator importante em prol
da formalização do mercado de trabalho brasileiro162. Isto porque ela foi um dos motores do
crescimento econômico dos anos 2000, aumentando, por tabela, a demanda por trabalho e a
formalização dos vínculos de emprego, conforme dito acima. Ademais, o acesso ao crédito
permite às empresas, sobretudo às de menor porte, uma melhor acomodação dos custos
decorrentes desse processo163. Nesse sentido, vale chamar a atenção para o fato do crédito só ser
acessível, muitas vezes, ao consumidor que possui sua atividade trabalhista registrada em
carteira, assim como aos pequenos negócios que legalizam as suas atividades.
161 Os dados a respeito já foram apresentados, mas não custa repeti-los: entre 1988 e 2008, as transferências monetárias
expandiram a sua importância na composição da renda das famílias de 9,5% para 19,3%. Além disso, o total do gasto público
social como percentual do PIB saltou de 19,2% para 25,2% entre os anos de 1995 e 2010 (CASTRO, 2013). 162 No início da década passada, o volume de crédito como percentual do PIB girava em torno de 20,0%, enquanto que, em 2014,
este percentual já se aproximava dos 60,0%. 163 Torres Filho e Puga (2006) mostram que as empresas apoiadas pelo BNDES, sobretudo as micro e pequenas, tendem a gerar
uma maior quantidade de empregos (formais) e de renda do que as que não contam com o apoio desta instituição.
173
Adicionalmente, tem sido importante para a ampliação do emprego formal o aumento
expressivo das exportações observado nos últimos anos164. O acesso aos mercados internacionais
muitas vezes exige que as empresas cumpram as suas obrigações trabalhistas, o que também é
feito como forma de reter mão de obra mais qualificada e de maior produtividade, base para uma
maior competitividade e uma melhor inserção externa. É reconhecida a dependência que esse
processo guardou com as desvalorizações cambiais promovidas em 1999 e no biênio 2001/2002,
que aumentou a competitividade das empresas brasileiras no exterior e, assim, as suas
necessidades de mão de obra. O recurso recorrente, porém, a altas taxas de juros e a valorização
cambial como instrumentos de controle da inflação tem posto em xeque constantemente a sua
importância para a geração continuada de empregos formais.
Não se pode menosprezar, ademais, a simplificação dos regimes tributários de micro e
pequenas empresas para a formalização dos negócios e, consequentemente, dos seus contratos de
trabalho. Ainda que tais medidas tenham surgido em meados dos anos 1990, com a criação do
SIMPLES, elas foram objetos de sucessivas modificações (com destaque apara a criação do
Super Simples em 2006), sempre no sentido de ampliar o seu alcance, mediante o aumento do
teto do faturamento anual necessário para que a empresa possa gozar dos benefícios tributários165.
A criação da pessoa jurídica do Micro Empreendedor Individual (MEI), em 2009, aponta nessa
mesma direção. Nessa seara, cumpre salientar que uma preocupação crescente em gerar recursos
financeiros para o pagamento da dívida pública, associada aos avanços da tecnologia da
informação e da comunicação que permitiram um maior controle fiscal dos bens de consumo
final, estimularam também a formalização das relações de trabalho.
O fortalecimento da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego no cumprimento da
legislação trabalhista, juntamente com uma mudança de compreensão da lei, aumentando, por
exemplo, a responsabilidade das empresas contratantes com relação as contratadas em processos
de terceirização, e, consequentemente, a maior presença, da Justiça do Trabalho no mundo
laboral, também atuaram em prol da ampliação da formalização das relações de trabalho166.
164 O saldo da balança comercial brasileira manteve-se em um patamar relativamente elevado entre 2002 e 2012, oscilando de um
mínimo de US$ 13,1 bilhões a um máximo de US$ 46,4 bilhões. Em 2013, porém, o referido saldo reduziu-se consideravelmente,
atingindo US$ 2,4 bilhões. No ano passado, o saldo foi negativo em US$ 3,9 bilhões, pior resultado desde 1999. 165 De acordo com o Boletim Informativo GFIP, vol. 4, nº 1, entre os meses de dezembro de 2003 e de 2013, a quantidade de
estabelecimentos optantes do SIMPLES cresceu 60,8%, contra 37,1% de não optantes. Entre as empresas optantes do SIMPLES,
a quantidade de vínculos empregatícios aumentou, no mesmo intervalo de tempo, 94,1%, enquanto que entre as não optantes, o
crescimento foi de 71,2%. 166 Costuma-se evocar ainda, como um dos elementos responsáveis pela ampliação da formalização no período recente, a melhora
observada na efetividade das ações de intermediação de mão de obra do Ministério do Trabalho e Emprego. Como estas ações
174
Mas, uma dimensão importante deste fenômeno não pode deixar de ser destacada: a
expressiva formalização observada no período aqui estudado esteve sustentada pela criação de
empregos de baixa remuneração. Nesse sentido, convém analisar o Gráfico 26, que apresenta a
distribuição relativa dos empregos segundo faixas de salários mínimos de 1995 a 2013. Nele,
constata-se o aumento significativo da importância relativa dos empregos de até dois salários
mínimos na estrutura salarial da economia brasileira: em 1995, eles representavam 26,3% do total
do emprego formal; em 2003, 40,3%; e, em 2013, 49,9%. Na outra ponta, os empregos de mais
de 10 salários mínimos viram sua participação se reduzir de 13,9% para 4,9% entre 2003 e 2013.
Neste ano, vale o destaque, 82,0% dos postos de trabalho formais situavam-se na faixa de até 5,0
salários mínimos.
GRÁFICO 26
Distribuição relativa dos empregos segundo faixas de salários mínimos
Brasil – 1995-2013
Fonte: RAIS/MTE. Elaboração: DIEESE.
É provável que haja uma ligação entre a prevalência de baixos salários nos postos de
trabalho gerados no período recente e a elevada rotatividade no mercado de trabalho brasileiro,
que, ademais, foi ampliada nos últimos anos (Gráfico 27). Uma hipótese é de que o aumento real
possuem um alcance bastante pequeno no mercado formal de trabalho, considera-se este um fator secundário na explicação do
fenômeno em análise.
26,3 25,2 25,7 27,5 28,1 29,7 34,7 36,7 40,3 40,5 44,6 48,8 49,1 48,8 50,9 51,2 49,4 50,7 49,9
37,5 39,1 40,0 39,8 40,5 40,2 38,9 37,8
37,2 36,9 34,4
31,8 31,5 31,6 30,8 30,7 31,8 31,2 32,0
17,6 18,1 18,1 17,2 16,9 16,2 14,5 13,8 12,2 12,0 11,1 10,1 9,9 10,0 9,2 9,0 9,5 9,1 9,2 13,9 13,4 12,9 12,1 11,5 10,7 9,1 8,5 7,5 7,5 6,6 5,9 5,6 5,7 5,3 5,3 5,4 5,0 4,9
4,7 4,2 3,3 3,4 2,9 3,3 2,9 3,2 2,8 3,2 3,2 3,5 4,0 3,9 3,7 3,8 3,9 4,0 3,9
-
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
90,0
100,0
%
Até 2,00 SM De 2,01 a 5,00 SM De 5,01 a 10,00 SM
Mais de 10,00 SM Licenciados/Afastados
175
do salário mínimo venha sendo compensado pelas empresas mediante uma maior rotação nos
postos de trabalho de menor qualificação, o que rebaixaria o impacto do maior salário mínimo
sobre a folha salarial, dada a elevada liberdade que elas possuem para contratar e demitir
trabalhadores. Esta hipótese, vale dizer, não colide com o fato do rendimento médio real dos
trabalhadores ter apresentado uma ascensão nos últimos anos, como se verá logo a seguir. A
rotatividade, apesar de elevada, defronta-se com um estoque de trabalhadores muito maior,
fazendo com que a sua ampliação não anule por completo o efeito do aumento do salário mínimo.
GRÁFICO 27
Taxa de Rotatividade no Mercado Celetista
Brasil – 2003-2013
Fonte: RAIS/MTE. Elaboração: DIEESE.
* Considera todos os motivos de desligamento ** Excluis os desligamentos por falecimento, aposentadoria,
transferência e demissão a pedido do trabalhador.
Além de uma diminuição substancial da taxa de desocupação e do avanço também
significativo do processo de formalização dos vínculos de emprego, o mercado de trabalho
brasileiro presenciou, desde meados dos anos 2000, uma trajetória crescente do rendimento
médio real dos trabalhadores, em clara dissonância com o verificado na década de 1990 e no
início da década passada. Após ter registrado quedas sucessivas em 2002 e 2003 – quando passou
de R$ 1.300,00 para R$ 1.171,00 –, o rendimento médio real se estabilizou em 2004. A partir de
2005, inaugurou uma sequência de aumentos superiores à inflação que tem perdurado, com o que
52,4 52,8 54,2 54,956,7
62,758,8
63,4 64,5 64,0 63,7
40,9 40,2 41,2 41,4 41,845,0
43,00 44,5 44,0 43,1 43,4
0
10
20
30
40
50
60
70
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
%
Taxa de rotatividade global* Taxa de rotatividade descontada**
176
se acumulou uma alta, até 2013, de aproximadamente 42,3%, atingindo o patamar de R$ 1.663,00
(Gráfico 28).
GRÁFICO 28
Evolução do Rendimento Médio Mensal Real dos Ocupados
Brasil – 2001-2013
Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração própria.
Como resultado, a participação da renda do trabalho na remuneração total dos fatores tem
aumentado continuamente desde 2005, invertendo uma trajetória de queda que se manifestava,
com oscilações naturalmente, desde meados da última década do século passado. Em 1995, a
participação do fator trabalho na renda nacional167 era de 57,7%. Em 2004, esse percentual era
sensivelmente menor, 52,5%. Por fim, em 2008, último ano da série, tal valor havia aumentado
para 55,8%, ainda abaixo, porém, do patamar registrado em 1995 (BASTOS, 2012a).
Um conjunto de fatores explica a expansão do rendimento médio real dos trabalhadores no
período em tela. Em primeiro lugar, convém chamar a atenção para o papel desempenhado pela
política de valorização do salário mínimo (ver Gráfico 29), que propiciou um aumento dos
salários de base do setor formal do mercado de trabalho, ao mesmo tempo que, ao servir de
“farol” para o comportamento das remunerações do setor informal, atuou favoravelmente à sua
elevação. A formalização do mercado de trabalho brasileiro também contribuiu para o
167 Expressa pela razão “remuneração dos empregados” sobre “remuneração dos empregados e excedente operacional bruto”.
1 3001 267
1 171 1 169
1 222
1 3101 349
1 3711 402
1 515
1 600
1 663
1 000
1 100
1 200
1 300
1 400
1 500
1 600
1 700
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013
R$
177
crescimento do rendimento médio real do trabalhador, uma vez que os empregos formais, em
regra, apresentam remunerações superiores às ocupações abrigadas no setor informal.
GRÁFICO 29
Evolução do Rendimento Médio Mensal Real dos Ocupados, do
Salário Mínimo e do PIB (Base 2004=100)
Brasil – 2004-2013
Fonte: PNAD/IBGE/IPEADATA. Elaboração própria.
* Ao crescimento do salário mínimo e do PIB assinalado em 2011, somou-se os respectivos
valores observados em 2010.
As baixas taxas de desemprego, associadas ao crescimento do salário mínimo e da
economia, e à manutenção da inflação em um baixo patamar, compuseram um cenário bastante
positivo para as negociações coletivas das categorias profissionais organizadas sindicalmente.
Levantamento do DIEESE revela que, entre 2008 e 2014, uma fração amplamente majoritária dos
acordos ou convenções coletivas analisadas apresentaram reajustes salariais superiores ao da
inflação, com aumentos reais médios que variaram de 0,85% a 1,90% (Gráfico 30) (DIEESE,
2015).
É importante lembrar, ademais, que o aludido movimento de elevação real das
remunerações dos trabalhadores aconteceu a despeito da taxa de rotatividade do mercado de
trabalho brasileiro ter se mantido elevada em todo o período, ainda que sujeita a significativas
variações setoriais, conforme se demonstra no Gráfico 27 acima.
142,3
166,3
136,3
80,0
90,0
100,0
110,0
120,0
130,0
140,0
150,0
160,0
170,0
180,0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011* 2012 2013
Rendimento Salário Mínimo PIB
178
GRÁFICO 30
Distribuição dos reajustes salariais e valor do aumento real médio, em
comparação com o INPC-IBGE
Brasil – 2008-2014
Fonte: DIEESE. SAS-DIEESE – Sistema de Acompanhamento de Salários.
Obs.: Dados referentes aos reajustes salariais anuais de 895 unidades de negociação.
Uma distribuição menos desigual dos rendimentos do trabalho é o quarto, e último,
elemento que compõe a dinâmica virtuosa do mercado de trabalho brasileiro no período recente.
Nesse quesito, desde 2003, o coeficiente de Gini168, o mais usual indicador sintético de
desigualdade, tem apresentado uma diminuição sem interrupções do seu valor, passando de
0,561, em 2002, para 0,494, em 2013 (Gráfico 31).
Cumpre destacar, nesse sentido, que a diminuição da desigualdade de renda no Brasil,
medida pelo índice Gini, tem se dado em um ritmo bastante acelerado, se se toma como
parâmetro processos similares de desconcentração da renda vivenciado pelos países
desenvolvidos em seus “anos dourados”, no imediato pós-guerra. Ressalte-se, porém, que ainda é
necessário a continuidade desse processo por um período de tempo mais extenso, caso se almeje
alcançar patamares mais aceitáveis de desigualdade (SOARES, 2010).
168 O índice varia de 0 a 1 e, à medida que os seus valores se aproximam da unidade, revelam a presença de níveis de
desigualdades mais acentuados.
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Abaixo do INPC 11,6 8,7 4,5 6,0 1,4 6,3 2,4
Igual ao INPC 11,8 11,7 7,8 7,1 4,8 7,5 6,1
Acima do INPC 76,6 79,6 87,7 86,9 93,9 86,2 91,5
Aumento Real Médio 0,85 0,90 1,66 1,33 1,90 1,22 1,39
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
1,4
1,6
1,8
2
-10
10
30
50
70
90
110
Val
or
Méd
io d
o A
um
ento
Rea
l
% d
os
Rea
just
es A
cim
a, Ig
ual
is e
Ab
aixo
do
INP
C
179
GRÁFICO 31
Evolução do Coeficiente de Gini
Brasil – 2001-2013
Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração própria.
Obs.: Índice de Gini da distribuição do rendimento médio mensal de todos os trabalhos das pessoas
de 15 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência com rendimento de trabalho.
GRÁFICO 32
Evolução da Proporção de Domicílios Extremamente Pobres e Pobres*
Brasil – 2001-2013
Fonte: PNAD/IBGE/IPEADATA. Elaboração própria.
* A linha de extrema pobreza é definida com base no valor de uma cesta de alimentos com o mínimo
de calorias necessárias para suprir de maneira adequada um indivíduo, conforme recomendações da
FAO e da OMS. A linha de pobreza, por seu turno, é o dobro da linha de extrema pobreza.
0,563 0,5610,553
0,545 0,542 0,539
0,5260,520
0,516
0,4990,496 0,494
0,440
0,460
0,480
0,500
0,520
0,540
0,560
0,580
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
11,36 11,27
4,92
28,07 28,20
11,67
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013
%
% de domicílios extremamente pobres % de domicílios pobres
180
Não há dúvida de que o rendimento do trabalho foi de fundamental importância para a
redução da pobreza verificada no país nos últimos anos. Assim, justifica-se a observação de que a
proporção de domicílios com renda per capita inferior às linhas de extrema pobreza e de pobreza
manteve-se praticamente estável entre 2001 e 2003. Somente a partir de 2004 é que tal proporção
sofre uma redução significativa: em 2013, 4,92% e 11,67% dos domicílios brasileiros auferiam
uma renda per capita inferior às linhas de extrema pobreza e de pobreza, respectivamente. Por
sua vez, tais valores foram estimados em 11,27% e 28,20% em 2003 (Gráfico 32).
É importante notar que, nos últimos anos, os processos de distribuição de renda e de
diminuição da pobreza têm demonstrado claros sinais de esgotamento, refletidos na relativa
estabilidade ou mesmo na ligeira inflexão apresentada pelos indicadores supracitados, conforme
se visualiza nos Gráficos 31 e 32.
Nesse sentido, convém reconhecer que uma parcela bastante expressiva dos trabalhadores
brasileiros ainda se sujeita a formas de trabalho precário, refletida na elevada vulnerabilidade
ocupacional dos seus postos de trabalho, ou mesmo encontra-se em situações de desemprego de
longa duração, reproduzindo traços de um mercado de trabalho subdesenvolvido (OLIVEIRA,
2013). De uma forma mais geral, e até por conta disto, é importante ter em mente que as
estruturas econômicas e sociais brasileiras ainda encontram-se em um estágio de
subdesenvolvimento, visto que ainda não foram atingidos patamares de homogeneidade social
ostentados pelos países hoje considerados desenvolvidos (FURTADO, 1992; 1994).
A título ilustrativo, Marcelo Proni (2013a) estimou, tendo como referencial teórico o
conceito de trabalho decente formulado pela OIT, que 38,6% da população ativa, ou pouco mais
de 37 milhões de pessoas, em setembro de 2009, encontrava-se em situações de elevada
precariedade ou insegurança no mercado de trabalho, que se expressavam em uma dessas
seguintes dimensões: desemprego crônico, subemprego, informalidade, baixos salários e
desproteção social.
Finalmente, é importante considerar que a nova dinâmica do mercado de trabalho aqui
analisada manifestou-se de maneira bastante diversa pelo território brasileiro. Ainda que os
maiores beneficiários desse processo tenham sido os trabalhadores das regiões mais pobres,
notadamente os residentes no Norte e Nordeste do País, as desigualdades persistem e ainda são
bastante expressivas. Caso a esta dimensão regional, considere-se os aspectos de gênero e raça, as
desigualdades tornam-se ainda mais pronunciadas.
181
Por exemplo, de acordo com a OIT (2012), em 2009, enquanto a taxa de desocupação dos
homens residentes no Rio de Janeiro foi estimada em 6,4%, no Amapá, a taxa de desemprego
feminina era de 18,8% e em Alagoas 13,8%. O rendimento médio real no trabalho principal, por
sua vez, variava de R$ 477 entre os ocupados da raça negra do Piauí, a R$ 2.921, valor médio que
aufere o trabalhador branco no Distrito Federal. Por último, a proporção de pessoas ocupadas que
contribuem para a Previdência Social é de 25,9% no Piauí, contra 71,0% em Santa Catarina.
5.2. O sentido do processo de reconfiguração do mercado de trabalho e os
condicionantes atuais
Na seção anterior, mostrou-se que foi inaugurada uma nova dinâmica do mercado de
trabalho brasileiro a partir dos anos 2000: a taxa de desocupação caiu de forma acentuada,
estabilizando-se em um patamar relativamente baixo para os nossos padrões históricos; o
assalariamento avançou; a geração de empregos formais acelerou-se expressivamente, com o que
se reduziu a informalidade no mercado de trabalho; o rendimento médio real dos trabalhadores
expandiu-se; e, por fim, diminuíram os níveis de desigualdade e de pobreza.
A aludida nova dinâmica do mercado de trabalho brasileiro delimita, portanto, um ponto de
ruptura com relação ao cenário vivenciado nos anos 1980 e, especialmente, nos anos 1990,
conforme se viu no capítulo anterior. Se os anos 1980 e 1990 foram de deterioração e de
estreitamento do mercado de trabalho, é forçoso reconhecer, então, que os anos 2000 e a década
atual representam um período de reconfiguração deste mercado de trabalho.
Mas, em que sentido convém qualificar o período recente como de reconfiguração do
mercado de trabalho? Seria o de uma estruturação que espelha uma retomada de um processo que
teve lugar na chamada “era desenvolvimentista” e que foi interrompido nos anos 1980 e 1990?
Ou, face às transformações contemporâneas do capitalismo e do mercado de trabalho, a
compreensão desse fenômeno adquire, hoje, novas e diferentes nuances e significados? As
reflexões que seguem procurarão dialogar com essas questões.
Inicialmente, cumpre chamar a atenção para o fato de que as referências históricas
subjacentes ao conceito de estruturação do mercado de trabalho aludem aos processos de
constituição e de regulação do mercado de trabalho consagrados pelos países desenvolvidos, que
se estenderam do final do século XIX a meados do século passado.
182
Nesse sentido, a tarefa de estruturar um mercado de trabalho na periferia capitalista
tradicionalmente significou operar mudanças na mesma direção das que foram seguidas pelos
países desenvolvidos no referido momento histórico, ainda que sujeitas aos condicionantes
próprios de cada nação. O horizonte que se perseguia era, em primeiro lugar, aquele em que todos
os trabalhadores tivessem assegurada a sua participação no mercado de trabalho,
preferencialmente mediante uma relação de trabalho assalariada e regulada publicamente,
fundamento para desfrutarem de condições dignas de vida – longe, portanto, das privações
materiais mais elementares. Em segundo lugar, e em decorrência do ponto anterior, visava-se o
fortalecimento de um mercado interno de consumo, com o qual se dinamizaria a demanda
agregada da economia, especialmente a de bens de consumo duráveis, pilar de sustentação de
uma norma de consumo fordista. De maneira mais abstrata, podia-se falar em “processo de
estruturação” nos países periféricos onde se constatasse uma aproximação a este horizonte.
Nos países desenvolvidos, recuperando brevemente o que já se disse no capítulo 2 desta
tese, a plena organização do mercado de trabalho contou de maneira decisiva com a regulação
estatal – responsável, dentre outras coisas, pela definição da parcela da população potencialmente
apta a participar deste mercado, mantendo fora dele, por conseguinte, crianças, jovens, mulheres,
idosos e pessoas com deficiências incapacitantes. Isto exigiu, vale dizer, a implementação e
coordenação de um conjunto diversificado de políticas sociais e de transferência de renda, que
também se ocupava em estabelecer condições de igualdade de oportunidades para aqueles que se
dirigiam ao mercado de trabalho, o que significou, como contrapartida, uma apropriação pelo
Estado de uma parcela cada vez maior do excedente econômico.
Os que se integravam à força de trabalho foram, de forma crescente, submetendo-se ao
assalariamento, que praticamente se generaliza em meados do século passado naqueles países. Ao
mesmo tempo, os trabalhadores são elevados à condição de sujeitos de direitos, portadores de
uma propriedade social, na definição de Robert Castel (1998). Estava-se diante, em verdade, de
um processo de “desmercantilização” da mercadoria força de trabalho, corolário da edificação de
sólidas estruturas de proteção social.
Adicionalmente, os sindicatos negociavam a contratação coletiva dos trabalhadores, com o
que se estabeleciam as condições de remuneração, uso e dispensa de funcionários pelas empresas.
Elas, é bom lembrar, além da supervisão estatal, eram submetidas a fiscalizações cotidianas do
183
cumprimento do acordo, mediante a presença de representantes sindicais nos locais de trabalho.
Os salários, nesse cenário, caminhavam ao ritmo de crescimento da produtividade.
Emergiam nesses países, portanto, padrões de contratação e demissão, de uso e de
remuneração da força de trabalho construídos coletivamente, o que favorecia, de um lado, a
constituição de mercados de trabalho mais homogêneos, e, de outro, uma maior previsibilidade e
segurança aos negócios, ao sustentar um crescimento econômico mais elevado e duradouro.
A crise capitalista nos anos 1970, conforme também se analisou no capítulo 2, pôs em
xeque os pilares de sustentação dos chamados “anos dourados” do capitalismo, incluindo o
padrão de regulação do mercado de trabalho. Relações de trabalho duradouras, ampla
abrangência dos direitos trabalhistas e sociais, contratos coletivos de trabalho e salários em
elevação ao compasso da produtividade, transformaram-se em elementos contraproducentes à
dinâmica da acumulação. O cenário, então, alterou-se de maneira profunda: diante de um
contexto de baixas e voláteis taxas de crescimento econômico, de descontrole inflacionário, de
globalização comercial e dos processos produtivos e de acirrada concorrência intercapitalista,
passam a predominar as iniciativas de desregulamentação dos mercados.
A questão central que emergiu, no que diz respeito ao mercado de trabalho, era como torná-
lo mais flexível – ou seja, mais adaptável aos ciclos econômicos – e, assim, permitir uma redução
dos custos fixos das empresas. O importante era eliminar a rigidez contratual do trabalho, o que
não seria alcançável de modo satisfatório sem a eliminação de direitos e o enfraquecimento do
poder de regulação do Estado e dos sindicatos.
O fato é que a grande empresa precisava recuperar as rédeas da gestão do trabalho, seja
modulando a jornada de trabalho ao sabor dos ciclos econômicos, seja acoplando uma parcela
crescente dos salários ao desempenho individual do trabalhador ou da empresa, ou ainda,
mediante o exercício de uma ampla liberdade na definição das funções a serem executadas pelos
empregados, com o que se passou a exigir maiores níveis de qualificação. Não é difícil perceber
que as bases sobre as quais foram erigidas a institucionalidade trabalhista dos “anos dourados”
capitalistas foram paulatinamente sendo erodidas a partir de meados dos anos 1970.
Como resultado, os mercados de trabalho dos países avançados foram pouco a pouco
adquirindo traços até então exclusivos de seus congêneres situados na periferia do sistema, pondo
em xeque a segurança do trabalho construída ao longo do pós-guerra, em cada um dos níveis
identificados por Mattoso (1995), conforme consta no Quadro 04:
184
QUADRO 04
A Segurança do Trabalho nos Países Desenvolvidos
Níveis da
Segurança
do Trabalho
Caracterização Tendências nos Países Desenvolvidos
Desde a Década de 1980
Segurança no
mercado de
trabalho
É alta quando mudanças de postos de trabalho
envolvem modestos custos pessoais e perspectivas
razoáveis de benefícios futuros. Normalmente, é
inversamente relacionada à taxa de desemprego.
Maior insegurança no mercado de
trabalho: aumento das taxas de
desemprego e da desigualdade em seu
interior; o desemprego assume um perfil
de mais longo prazo.
Segurança no
emprego
É alta quando os trabalhadores não podem ser
demitidos sem que isto implique em custos para os
empregadores ou o respeito a condições previamente
estabelecidas.
Ampliação da insegurança no emprego:
queda (relativa ou absoluta) de
empregos estáveis ou permanentes nas
empresas e maior subcontratação de
trabalhadores temporários, em tempo
determinado, eventuais, em tempo
parcial, trabalho a domicílio e
independentes, aprendizes, estagiários,
etc.
Segurança na
representação
do trabalho
É alta quando os sindicatos têm fortalecida a sua
capacidade de mediação de conflitos e de negociação.
Costuma relaciona-se diretamente com as taxas de
sindicalização dos ocupados.
Ampliação da insegurança na
representação do trabalho: sindicatos
veem enfraquecidas suas práticas
reivindicativas de conflito e negociação,
acompanhada de uma redução dos níveis
de sindicalização.
Segurança na
renda
É alta quando os trabalhadores têm os seus salários ou
a sua renda protegida das flutuações econômicas, seja
por meio de mecanismos de indexação, negociação
coletiva ou outras proteções institucionais (política de
salário mínimo).
Maior insegurança na renda:
rendimentos do trabalho mais instáveis;
aumento da desigualdade e da pobreza.
Segurança na
contratação
do trabalho
É alta quando mudanças que afetam o trabalho são
objeto de negociação entre representantes de
trabalhadores e das empresas ou quando os
trabalhadores conseguem influenciar o ritmo e a
direção das mudanças.
Maior insegurança na contratação do
trabalho: a negociação e a regulação do
trabalho assumem formas mais
individualistas e promocionais, em
detrimento das coletivas e de proteção. Obs.: Elaboração própria. Baseado em Mattoso (1995) e Standing (1991).
Partindo dessa realidade e das reflexões acima, convém retomar os questionamentos
realizados anteriormente, colocando-os em novos termos: como as aludidas transformações
capitalistas e dos mercados de trabalho nos países desenvolvidos impactaram a própria ideia de
estruturação de um mercado de trabalho subdesenvolvido? Ou, em outras palavras, de que modo
esta ideia é afetada pelas críticas contundentes e até mesmo pelos retrocessos sofridos, em
amplitudes diversas, pela institucionalidade trabalhista consagrada nos países desenvolvidos no
pós-guerra?
Hoje, dois paradigmas distintos de organização e regulação do mercado de trabalho se
contrapõem no capitalismo avançado: de um lado, tem-se um mercado de trabalho com pouca
regulação pública dos contratos e das relações de trabalho e que, portanto, opera de maneira
185
bastante flexível, como é o caso dos Estados Unidos. De outro lado, perfila-se o modelo de
“flexigurança”, que procura aliar, a um só tempo, um mercado de trabalho flexível, um sistema
generoso de proteção contra o desemprego e políticas ativas de mercado de trabalho orientadas
para uma recondução rápida do trabalhador desempregado a uma nova ocupação. A experiência
nacional mais notória, nesse caso, é a da Dinamarca. Como sugere o próprio nome, a ideia central
é integrar flexibilidade (do mercado de trabalho) e segurança (do trabalho e da renda)
(MADSEN, 2006).
A partir do último quartel do século passado, avolumaram-se as discussões a respeito dos
distintos padrões de regulação pública do mercado de trabalho existentes na Europa e nos Estados
Unidos e seus impactos sobre as taxas de desemprego. Nesse quesito, predominava o diagnóstico
de que a maior flexibilidade do mercado de trabalho norte-americano favoreceria a criação de
postos de trabalhos e, portanto, um desemprego mais baixo nesta economia. Entretanto, parece
mais convincente a explicação de que a desregulamentação do sistema monetário internacional
forjou diferentes espaços para a utilização de políticas anticíclicas por parte das economias
nacionais, em desfavor dos países europeus, fazendo com que eles apresentassem taxas de
crescimento mais baixas e, consequentemente, um desemprego mais alto comparativamente à
economia norte-americana (MATTOS, 2001; AMITRANO, 2004). Além disso, convém lembrar
que as menores taxas de desemprego nos Estados Unidos vieram acompanhadas de maiores
níveis de desigualdade, de pobreza e de precarização do mercado de trabalho, sem paralelos entre
os países capitalistas avançados.
O mercado de trabalho brasileiro, sob muitos aspectos, assemelha-se ao norte-americano. A
despeito das diferenças em termos da amplitude da regulação pública sobre o mercado de
trabalho – muito menor nos Estados Unidos – em ambos os casos observa-se a presença de uma
elevada flexibilidade, de consideráveis lacunas em termos de proteção social para o conjunto dos
trabalhadores, assim como de uma estrutura ocupacional marcada pela precariedade e pela
presença massiva de baixos salários, que, ademais, se estruturam de maneira altamente
polarizada. As reflexões de Cláudio Dedecca e Wilson Menezes caminham nessa direção:
Do ponto de vista normativo, é possível afirmar haver uma regulação pública mais
abrangente na experiência brasileira. Entretanto, cabe perguntar sobre sua efetividade.
Ou melhor, se a regulação formal se traduz em regulação real dos contratos e das
relações de trabalho no Brasil. E, portanto, se a matriz institucional brasileira expressa
uma regulação que realmente se traduz em uma estrutura ocupacional diferente daquela
186
observada para a experiência americana, onde a presença institucional é
significativamente mais reduzida (DEDECCA; MENEZES, 2011, p. 7).
Ao constatarem a baixa capacidade da regulação pública dos mercados de trabalho presente
nos dois países, eles concluem:
Os Estados Unidos permitem a flexibilidade do contrato de trabalho pela baixa presença
de instituições públicas no mercado de trabalho; enquanto no Brasil, essa flexibilidade
decorre da baixa efetividade na ação dessas instituições, em que a maior regulação
formal não se traduz em uma regulação de fato. Dessa forma, essas duas economias se
assemelham em muito, tanto em termos estruturais como no que diz respeito ao
comportamento diante das conjunturas econômicas (DEDECCA; MENEZES, 2011, p.
27).
No Brasil, porém, ao contrário do caso norte-americano, a alta desigualdade, os níveis
alarmantes de pobreza e de precariedade do mercado de trabalho são problemas crônicos de sua
formação econômica, conforme já se discutiu em capítulos anteriores. Assim, pelo que foi dito,
acredita-se que avançar por uma “via norte-americana” de regulação do mercado de trabalho
significa reproduzir (ou mesmo aprofundar) os aludidos problemas crônicos da economia e do
mercado de trabalho brasileiros169.
Tal constatação não implica em considerar, sem maiores ressalvas ou reflexões, o modelo
de “flexigurança” como uma referência inquestionável de institucionalidade trabalhista na
atualidade, nem tampouco ignorar que o seu transplante é de difícil adaptação à realidade de
economias que apresentam acentuados desníveis de produtividade, como é o caso da brasileira.
A esse respeito, dois pontos valem a reflexão. Em primeiro lugar, parece pouco
questionável que o Brasil necessita de avanços concretos e continuados em termos de proteção da
renda do trabalhador desempregado e de políticas ativas de mercado de trabalho, uma vez que o
emprego formal ainda possui uma baixa cobertura; os benefícios do Seguro Desemprego são de
curta duração e de valores relativamente modestos; as políticas de intermediação de mão-de-obra
mostram-se pouco efetivas; e os níveis de escolaridade e de qualificação da força de trabalho são
baixos (CARDOSO JR., 2013 [2009]).
Muitos dos avanços nessa direção demandam um melhor desenho institucional das políticas
trabalhistas, assim como uma operacionalização mais eficiente e integrada destas políticas
(MORETTO, 2009). Porém, é muito pouco provável que tais avanços possam se consolidar sem a
necessidade de um maior aporte de recursos financeiros, o que se mostra um obstáculo
169 Conclusões semelhantes são defendidas por Proni e Gomes (2007).
187
importante, dadas as dificuldades existentes para o fortalecimento fiscal do Fundo de Amparo ao
Trabalhador – FAT. Nesse sentido, alerta José Paulo Zeetano Chahad:
O volume de recursos ainda é relativamente diminuto para o tamanho da força de
trabalho brasileira, o rol de políticas é bastante diminuto, resumindo-se a praticamente
três (intermediação da mão de obra, treinamento vocacional e programas de geração de
emprego e renda) e, o pior de todos os males, estas políticas são pouco integradas entre
si, e não são articuladas com o seguro-desemprego (CHAHAD, 2009, p. 107).
O outro ponto diz respeito ao terceiro elemento que compõe o chamado “triângulo de ouro”
do modelo de “flexigurança”: a flexibilidade do mercado de trabalho. Convém reconhecer, nesse
sentido, a singularidade brasileira frente aos países precursores destas políticas. Madsen (2006)
lembra, por exemplo, que, ao ser introduzida em 1999, a legislação holandesa de “flexigurança”
procurava corrigir os desequilíbrios oriundos de um mercado de trabalho organizado de maneira
dual: de um lado, trabalhadores protegidos e regidos por contratos de trabalho de longa duração,
uma vez que se beneficiavam de regras restritivas de demissão; de outro lado, trabalhadores que
gozam de pouca proteção social e que se submetem a uma maior insegurança e rotatividade,
derivadas de contratos de trabalhos de curta duração.
No Brasil, como já se demonstrou no capítulo 3 desta tese, a insegurança sempre foi um
traço característico do seu mercado de trabalho, não se restringindo aos trabalhadores com
inserções ocupacionais à margem da legislação trabalhista. Esta situação parece não ter se
alterado de maneira significativa no período mais recente, a julgar pelos dados divulgados pelo
DIEESE (2014b), e analisados na página 175, que atestam que a alta rotatividade continua sendo
um elemento determinante para o funcionamento do mercado de trabalho brasileiro. Aqui,
portanto, muitos dos problemas no campo laboral devem-se ao excesso (e não à falta) de
flexibilidade, com o que se obstrui a construção de trajetórias profissionais mais duradouras e o
surgimento de amplos segmentos da mão-de-obra com especialização definida. Nesse sentido, ao
refletir sobre os obstáculos enfrentados pelos países latino-americanos diante da tarefa de adaptar
o modelo de “flexigurança” à realidade local, Víctor Tokman afirma que:
A efetividade potencial destas políticas na América Latina é menor porque, por um lado,
existe uma economia informal ampliada à qual se volta a maioria dos excluídos do
mercado de trabalho formal e, por outro, os recursos fiscais são insuficientes para
financiar um sistema de proteção social e trabalhista suficientemente generoso para
proporcionar segurança a toda a população (TOKMAN, 2009, p. 186).
Foge aos propósitos desta tese, contudo, debruçar-se de maneira pormenorizada sobre as
similitudes e diferenças entre o mercado de trabalho brasileiro e os dois principais paradigmas
188
contemporâneos de organização e regulação do mercado de trabalho. Tampouco convém tecer
reflexões mais aprofundadas sobre as dificuldades de internalização de seus princípios e
diretrizes gerais. O que se quer enfatizar aqui é que as referências históricas mudaram no período
recente. Os esforços industrializantes que caracterizaram a economia brasileira ao longo das
décadas de 1930 a 1970 eram respaldados pela crença de que era possível, por essa via, promover
uma convergência produtiva com relação aos países centrais, estabelecendo níveis de
produtividade e padrões de consumo semelhantes aos apresentados por aquelas economias. A
estruturação do mercado de trabalho, acreditava-se, era uma decorrência natural da
industrialização da economia. Atualmente, não há consenso a respeito dos caminhos a serem
seguidos, posto que aquela referência histórica vem sendo desfigurada, na medida em que o
capitalismo contemporâneo assume uma feição cada vez mais globalizada e financeirizada.
Posto isto, convém refletir acerca do sentido assumido pela reconfiguração atual do
mercado de trabalho brasileiro, utilizando-se, para tanto, do aludido conceito de segurança do
trabalho, em cada um dos níveis apresentados no quadro 03.
Primeiramente, os últimos dez anos notabilizaram-se pela redução expressiva das taxas de
desemprego, independentemente da pesquisa que se considere, fato que ocorreu inclusive para os
grupos historicamente mais atingidos pelo desemprego, como mulheres, jovens, negros e os
menos escolarizados, ainda que as desigualdades nem sempre tenham diminuído170. Além disso,
o tempo médio despendido pelos desempregados na procura de trabalho diminuiu de modo
expressivo, o que denota que o desemprego de longo prazo passou a ser um fenômeno de menor
abrangência no mercado de trabalho brasileiro171. Sob esse prisma, é possível afirmar que o
período recente vivenciou uma diminuição significativa da insegurança no mercado de trabalho.
Em segundo lugar, ainda que o assalariamento com carteira assinada no setor privado e o
emprego público tenham ampliado a sua participação relativa no mercado de trabalho brasileiro,
e que os contratos de trabalho de curta duração continuem restritos a uma parcela diminuta da
força de trabalho (conforme Gráfico 23), o que sugeriria, a princípio, uma queda da insegurança
170 De acordo com a PME, a taxa de desocupação dos trabalhadores menos escolarizados caiu mais intensamente do
que a dos mais escolarizados, a tal ponto que a taxa de desocupação do primeiro grupo tornou-se menor do que a
deste último. Em dezembro de 2014, por exemplo, a taxa de desocupação dos trabalhadores sem instrução ou com
até 8 anos de estudo foi estimada em 3,2%, enquanto que a dos trabalhadores com 11 anos ou mais de estudo situava-
se em 4,2%. 171 Segundo a PED, na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, o tempo médio despendido pela população
desempregada na procura de trabalho recuou de 53 semanas, em 2003, para 26 semanas, em 2014.
189
no emprego no período 2004-2014, a permanência de altas taxas de rotatividade nos postos de
trabalho desautoriza afirmações mais conclusivas nessa direção. A insegurança no emprego ainda
continua alta no mercado de trabalho brasileiro.
Do ponto de vista da insegurança na renda, não há dúvida de que, entre 2004 e 2014, houve
uma diminuição bastante expressiva nesse sentido, comandada pela implementação de uma
política de valorização do salário mínimo, pelos sucessivos reajustes salariais acima da inflação
conquistados pelas categorias profissionais mais organizadas, pelo aumento do rendimento médio
real do trabalho e de sua participação na renda nacional, além de uma melhor distribuição da
renda do trabalho.
A expansão bastante significativa do assalariamento com carteira de trabalho assinada, que
ocorreu às custas, basicamente, da redução do emprego sem carteira assinada, do trabalho por
conta própria e do trabalho não remunerado, evidencia ainda que o período recente conviveu com
um recuo da insegurança na contratação do trabalho, uma vez que uma maior parcela da força de
trabalho passou a ter as suas condições de trabalho e de remuneração negociadas coletivamente,
entre representantes de trabalhadores e das empresas. Além do mais, a melhora do cenário
econômico e do mercado de trabalho a partir de 2004 possibilitou que a pauta de reivindicações
assumisse um caráter menos defensivo e incorporasse temas mais específicos, como a regulação
da jornada de trabalho (banco de horas, compensação de horas extraordinárias, etc.), saúde e
condições de trabalho (retorno de licença médica, complementação de auxílio doença,
estabilidades provisórias, combate ao assédio moral, controle de metas, etc.), promoção da
igualdade de oportunidades e combate às discriminações (de gênero, raça e orientação sexual) e
formas de solução de conflitos trabalhistas.
Com relação a este aspecto, vale a ressalva, no entanto, de que a terceirização de atividades,
que continuou avançando no período recente, atuou contrariamente à tendência acima
identificada, uma vez que ela induz uma pulverização das categorias profissionais e de suas
entidades de representação, fazendo com que uma parcela cada vez maior dos empregados esteja
sob o abrigo de acordos e convenções coletivas menos protetivas.
Finalmente, pode-se afirmar que houve uma ampliação da insegurança na representação do
trabalho, expressa pela diminuição da taxa de sindicalização no período recente172. Interessante
172 O percentual de ocupados sindicalizados passou de 17,7%, em 2003, para 16,0%, em 2013, de acordo com a
PNAD.
190
notar que há um descolamento entre as dinâmicas laboral e sindical, ou seja, a melhora geral dos
indicadores de mercado de trabalho não veio acompanhada por uma maior taxa de sindicalização,
o que pode estar associado à continuidade de uma reestruturação produtiva que procura
terceirizar os processos produtivos, descentralizar territorialmente a produção, inovar processos
organizacionais com base nas práticas toyotistas e ampliar o controle das empresas sobre a
atividade produtiva. Ademais, o expressivo aumento do emprego formal dos últimos anos pode
ter se valido da entrada de trabalhadores jovens e/ou com pouco tempo de vínculo empregatício
assalariado, grupos que normalmente apresentam uma menor propensão à sindicalização. Por
último, no período aqui estudado, os sindicatos parecem não ter se preocupado devidamente com
a tarefa de filiar os trabalhadores que ingressavam no mercado formal de trabalho, concentrando
a suas ações em outros campos de atuação, notadamente nos espaços abertos no interior do
Estado, como a participação na administração de empresas estatais e em fundos também estatais
(CAMPOS, 2014).
Em suma, é possível afirmar que, nos últimos dez anos, houve uma diminuição da
insegurança do trabalho no Brasil, manifesta em especial no mercado de trabalho (redução do
desemprego), na renda (elevação do salário médio) e na contratação do trabalho (aumento na
formalização do vínculo de emprego). Tal tendência é claramente distinta da que vigorou nos
anos 1990 e nos primeiros anos da década de 2000 no Brasil, conforme sintetizado no Quadro 05,
assim como nos países desenvolvidos desde a década de 1980 (ver Quadro 04).
QUADRO 05
Tendências do Mercado de Trabalho Brasileiro Desde os Anos 1990
Níveis da Segurança
no Mundo do
Trabalho
Período 1990-2003 Período 2004-2014
Insegurança no
Mercado de Trabalho ↑ ↓
Insegurança no
Emprego ↑ ↔
Insegurança na Renda ↑ ↓
Insegurança na
Contratação do
Trabalho
↑ ↓
Insegurança na
Representação sindical ↑ ↑
Elaboração Própria.
191
Outra questão de fundamental importância para a reflexão aqui proposta reside nos
condicionantes atuais do processo de reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro. Isto
porque o momento atual não somente ressente-se de um referencial claro em termos de padrão de
regulação e de organização do mercado de trabalho, como também sujeita-se a um conjunto de
condicionantes que é marcadamente diferente do que vigorou no período anterior, de
estruturação, ainda que distorcida, do mercado de trabalho brasileiro, durante a chamada era
desenvolvimentista (1930-1980).
Nesse quesito, convém destacar, em primeiro lugar, que o Estado brasileiro enfrenta,
atualmente, margens de manobra muito mais estreitas para o manejo das políticas econômicas e
de desenvolvimento, visto que estas encontram-se fortemente constrangidas pela arquitetura
econômica internacional sucedânea do regime de Bretton Woods, pelo arranjo macroeconômico
vigente e pelo maior coeficiente de abertura comercial e financeira da economia nacional.
A esse respeito, Belluzzo afirma, com razão, que “[...] a nova finança e sua lógica
tornaram-se decisivos por sua capacidade de impor vetos às políticas macroeconômicas”. No caso
dos países de moeda não conversível, como o Brasil, prossegue o autor, “a disciplina imposta
pelos mercados financeiros, cujos movimentos de antecipação podem destruir a precária
estabilidade, acaba inibindo toda e qualquer tentativa de executar políticas ativas, destinadas a
promover o crescimento” (BELLUZZO, 1995, p. 18-19). Dessa forma, Belluzzo conclui que:
A estas forças negativas o Estado e a sociedade não podem responder com ações
compensatórias de outros tempos porque nos mercados globalizados, cresce a resistência
à utilização de transferências fiscais e previdenciárias, aumentando ao mesmo tempo as
restrições à capacidade impositiva e de endividamento do setor público. Isto porque a
globalização ao tornar mais livre o espaço de circulação da riqueza e da renda dos
grupos integrados, desarticulou a velha base tributária das políticas keynesianas e
submeteu a capacidade de endividamento do Estado ao poder de veto dos mercados
financeiros (BELLUZZO, 1995, p. 19).
Ademais, o regime macroeconômico atual, implantado em 1999, oferece poucos espaços
para a realização de políticas anticíclicas e de estímulos à demanda agregada, ainda que o seu
tripé, formado pelo regime de metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário, tenha
sido flexibilizado nos anos mais recentes, aspectos que serão retomados na conclusão desta tese.
Acrescente-se ainda o fato de que as políticas de estímulos à demanda agregada, quando
postas em prática, veem seus efeitos potenciais sobre o emprego e a renda nacional dissipados
192
diante de um quadro de elevada abertura comercial173. O resultado, conforme ilustrado no Gráfico
09 (página 145), é que impulsos à demanda tendem a vazar para o exterior, na medida em que o
consumo e os investimentos são atendidos, em larga medida, por produtos, máquinas e
equipamentos importados, convalescendo, como já se disse, a capacidade de geração de emprego
e renda da economia brasileira.
Em síntese, constata-se, hoje, uma menor capacidade de intervenção do Estado brasileiro na
atividade econômica174, o que acarretou, na passagem entre os dois períodos aqui analisados, uma
alteração expressiva do seu papel: de comandante para o de indutor do processo de acumulação
capitalista. Ao mesmo tempo, houve um crescente protagonismo governamental na oferta de
políticas sociais, na medida em que foram sendo relaxados os traços meritocráticos-contributivos
do sistema e reforçadas as políticas universais175.
Em segundo lugar, é preciso destacar que, nos dias de hoje, a economia brasileira convive
com uma situação demográfica completamente diferente da observada em seu período de
industrialização. Convém relembrar, nesse sentido, conforme se analisou em capítulos anteriores,
que no passado o crescimento populacional mostrava-se bastante intenso, com poucos paralelos
entre as economias hoje consideradas desenvolvidas em momento histórico equivalente. Tal
crescimento, vale destacar, era especialmente visível nas áreas urbanas, visto que os fluxos
migratórios campo-cidade davam-se em grandes proporções, o que contribuía para uma
metropolização da população.
Porém, um fato é bastante elucidativo a respeito das novas tendências demográficas em
curso: em meados da última década, como resultado de um longo processo de diminuição da
fecundidade, o país atingiu o seu nível de reposição demográfica176. Tal processo, vale dizer,
continua em andamento, com o que aponta, no futuro próximo, para taxas abaixo do mencionado
173 Amorim (2014) lembra, de maneira oportuna, que as tarifas brasileiras de importação caíram de maneira acentuada nas últimas
décadas, passando de 47%, em 1983, para 21%, em 1992, 14% em 2000 e 11,6% em 2012. O rebaixamento destas tarifas, aliada a
uma sobrevalorização cambial expressiva e recorrente no período, tornou os produtos nacionais bastante expostos à concorrência
estrangeira. 174 Capacidade que foi golpeada também pelas privatizações das empresas e dos bancos estatais, realizadas, sobretudo, na década
de 1990. 175 As mudanças vivenciadas nas últimas décadas pelas políticas de Saúde, de Previdência e, mais recentemente, de Transferência
de Renda são exemplos bastante eloquentes desse movimento. 176 No nível de reposição, a fecundidade média das mulheres aproxima-se de 2,1 filhos, com o que se reduz o ritmo do
crescimento demográfico, ainda que a população continue aumentando, graças ao fato das taxas de fecundidade situarem-se em
um patamar ligeiramente superior ao de dois filhos por mulher.
193
nível. Com isto, parece razoável vislumbrar cenários de longo prazo nos quais a população
brasileira começará a declinar em termos absolutos177.
De acordo com Alves, Vasconcelos e Carvalho (2010, p. 11), as tendências demográficas
atuais apontam também para uma maior homogeneidade no território nacional, uma vez que há
“um processo de redução dos diferenciais de fecundidade entre as regiões do país e entre as
populações da cidade e do campo e uma convergência para valores abaixo do nível de reposição”.
Para estes autores, as causas para a diminuição da fecundidade são múltiplas e remetem às
transformações na estrutura socioeconômica do país, de um lado (como o avanço da urbanização,
economia mais dinâmica, estabilidade monetária, maior acesso ao crédito e a programas de
transferência de renda, aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho, prevalência de
uma cultura mais secularizada, entre outros), e às transformações institucionais e de políticas
públicas recentes (a exemplo da universalização da educação fundamental e o acesso mais
facilitado ao ensino superior, o aumento da cobertura das políticas nas áreas de saúde e
previdência, mudanças nas relações de gênero, etc.).
Nesse sentido, ressalte-se que a população brasileira ainda apresenta um perfil
eminentemente jovem, posto que seus maiores grupos etários situam-se entre 5 e 29 anos de
idade. Contudo, a tendência é de que, por volta do ano de 2030, a população adulta, com idades
entre 25 e 50 anos, seja a predominante. O aludido movimento reflete, em verdade, uma menor
razão de dependência das coortes etárias mais jovens e mais idosas, ou seja, uma diminuição do
peso econômico da dependência, quando a riqueza gerada pela população em idade ativa
encontra uma maior folga para ser alocada em atividades que impulsionam o desenvolvimento
econômico. A este fenômeno os demógrafos e economistas têm chamado de bônus demográfico:
A hipótese do bônus demográfico defende que, à medida que as populações evolvem no
tempo para um perfil mais adulto de estrutura etária, com a consequente redução de suas
razões de dependência, elas podem poupar mais recursos, uma vez que o produto do
maior contingente adulto pode tornar-se, ao menos temporalmente – em torno de
algumas décadas – superior às necessidades do país em pauta. Há um aumento da
poupança que se reverte em investimento, há um reforço ao crescimento econômico nas
décadas de incidência do bônus; consequentemente, pode haver um desenvolvimento
maior do país nesse período em que a carga populacional torna-se mais “leve” para a
população em idade produtiva. Na literatura sobre o bônus, fica claro que essa relação
não é direta, mas depende de políticas macroeconômicas de manutenção do pleno
emprego, de investimento em formação de capital humano e de acumulação de
177 Projeções realizadas por Alves, Vasconcelos e Carvalho (2010) estimam que a fecundidade por mulher, no Brasil, deve se
estabilizar, em 2050, entre 1,35 e 1,85 filho, com o que a população alcançaria a marca aproximada de 190 a 220 milhões de
habitantes, quando já estaria em curso um processo de decrescimento populacional.
194
poupança, o que, a longo prazo, configuram-se como condições fundamentais para que o
bônus possa ser aproveitado (ALVES, VASCONCELOS e CARVALHO, 2010, p. 18).
A depender das reais mudanças apresentadas pela estrutura etária do país nas próximas
décadas, o bônus demográfico apresentará duração e profundidade variadas. Porém, o que parece
inquestionável é que já há em curso uma trajetória decrescente da razão de dependência, que se
estenderá até meados da década de 2020, quando, então, haverá uma reversão desta tendência.
Contudo, estima-se que a população considerada dependente somente superará quantitativamente
a parcela em idade produtiva em meados da década de 2040, quando findaria o bônus
demográfico.
Além de mais “envelhecido”, o mercado de trabalho brasileiro tornou-se mais feminino nas
últimas décadas, movimento que se intensificou a partir dos anos 1970, com o que se ampliou a
importância da renda do trabalho da mulher na composição do rendimento domiciliar
(HOFFMANN; LEONE, 2004).
Entretanto, a participação da mulher no mercado de trabalho depende da influência de
características pessoais e domiciliares sobre a sua decisão de ingresso, assim como do status
socioeconômico das famílias. Assim, a taxa de participação feminina tende a diminuir à medida
que o cônjuge tem uma inserção mais qualificada no mercado de trabalho (e o status
socioeconômico da família é mais elevado). Do mesmo modo, a presença de filhos com idade
pré-escolar e de crianças com 6 a 10 anos de idade, neste último caso, em menor intensidade,
tende a afastar as mulheres do mercado de trabalho. Por outro lado, a participação laboral
feminina avança na medida em que a escolaridade da mulher se amplia. Por último, é importante
chamar a atenção para o fato de que a presença de filhos pequenos nas famílias de mais baixo
status socioeconômico tende a atenuar a participação feminina no mercado de trabalho, podendo
até mesmo ser revertida, no caso da existência de filhos com idade pré-escolar (RAMOS;
AGUAS; FURTADO, 2011).
No que se refere às migrações populacionais, a década de 1980 marcou o início da reversão
de uma tendência que prevaleceu durante a industrialização da economia brasileira, qual seja, a
de metropolização da população.
A partir dos anos 1980, as migrações rurais-urbanas tornaram-se inexpressivas, em
função do esvaziamento populacional do campo, verificado nas décadas anteriores; a
migração urbana-urbana passou, então, a ser predominante; as migrações de retorno
(principalmente em direção ao Nordeste do país), que puderam ser captadas pelos
quesitos sobre migrações internas no Censo de 1980, revelaram-se significativas; as
195
áreas metropolitanas, apesar de continuarem com crescimento populacional acima da
média estadual, apresentaram arrefecimento em seu ritmo; não obstante o abrandamento
verificado também entre os municípios periféricos das áreas metropolitanas, a
periferização continuou seguindo seu curso (RODARTE, FERNANDES; OJIMA, 2010,
p. 134).
Este fenômeno pode ser entendido como resultado de uma interiorização das oportunidades
de trabalho, particularmente do emprego assalariado com carteira de trabalho assinada,
movimento que se tornou bem mais evidente neste novo século.
Ao desdobrar os dados para os municípios, classificando-os por pertencentes ou não das
nove principais regiões metropolitanas e pelo tamanho da área urbana, constata-se que o
crescimento do emprego formal foi mais intenso nos municípios não metropolitanos, nas
pequenas e médias cidades, e não nos grandes polos com população de meio milhão ou
mais de pessoas. Esse transbordamento do emprego formal dos grandes centros para os
menores constitui um segundo aspecto muito importante a diferenciar a década de 2000
do que tinha sido observado até então, ao longo do processo de industrialização
brasileira que se acentuou no século XX a partir de 1930, e que foi caracterizada pela
concentração das oportunidades de trabalho nos grandes centros, sobretudo no de São
Paulo (RODARTE, FERNANDES; OJIMA, 2010, p. 136).
As implicações das aludidas mudanças demográficas sobre o mercado de trabalho brasileiro
não são desprezíveis. No geral, uma População Economicamente Ativa de perfil mais
“envelhecido” tende a ostentar maiores níveis de escolaridade e de qualificação, de experiência
profissional e de produtividade, o que favorece o desenvolvimento econômico. Além disso, uma
menor pressão demográfica sobre o mercado de trabalho pode ter um duplo impacto: se bem
concatenada com políticas educacionais e previdenciárias inclusivas, pode contribuir para uma
estrutura ocupacional com desníveis de produtividade e salariais menos acentuados; por outro
lado, acelerações do ritmo de crescimento econômico podem vir a ser obstadas por restrições do
lado da oferta de trabalho, particularmente nas regiões metropolitanas. Finalmente, uma
participação cada vez mais expressiva das mulheres178 e de pessoas com idade mais avançada no
mercado de trabalho exige um sistema público de regulação das relações de trabalho capaz de se
ajustar às suas necessidades e aspirações, que nem sempre coincidem, convém reconhecer, com
um trabalho por prazo indeterminado e com jornada semanal de trabalho de 44 horas.
Um outro conjunto de fatores a diferenciar o período de estruturação do mercado de
trabalho brasileiro, entre 1930 e de 1980, e o período de sua reconfiguração, em curso na última
178 Até porque “[...] apesar da evolução positiva no passado recente, ainda parece haver um baixo aproveitamento da capacidade
laboral das mulheres no mercado de trabalho brasileiro, na medida em que as taxas femininas são bem menores que as observadas
para os países industrializados, bem como ficam abaixo das reportadas para os homens” (RAMOS; AGUAS; FURTADO, 2011,
p. 596).
196
década, reside na dinâmica produtiva, no paradigma tecnológico-econômico e no modelo de
organização do trabalho e da produção.
Já se salientou nos capítulos anteriores desta tese os impactos sobre o mercado de trabalho
decorrentes da ascensão do complexo eletrônico como novo paradigma tecnológico-econômico,
assim como do toyotismo como modelo de organização do trabalho e da produção. Em linhas
gerais, recuperando de maneira breve o que já se disse, a flexibilização dos processos produtivos,
viabilizada pelas inovações telemáticas e informáticas, procuravam estabelecer uma maior
sintonia entre a oferta e as flutuações da demanda dos consumidores e da economia, com o que se
exigia a eliminação de estoques e de desperdícios na produção.
Assim sendo, as empresas promoveram uma desverticalização de suas estruturas, tornando-
as mais enxutas, o que implicou em terceirizar as atividades consideradas acessórias (ou
secundárias) ao objetivo fim do negócio. Generalizaram-se, então, as organizações empresariais
articuladas no formato de redes, nas quais a empresa principal, normalmente de maior porte,
conta com uma miríade de pequenas e médias empresas, quando não com pessoas físicas
organizadas (ou não) em cooperativas, com o objetivo de elevar os níveis de eficiência e de
eficácia da produção.
Nesse cenário, a implementação de métodos de inspiração toyotista de organização do
trabalho e da produção demandava, igualmente, uma gestão mais flexível da força de trabalho,
com o que se exigia a sua multifuncionalidade. As diversas iniciativas de flexibilização da
regulação pública do trabalho nos anos 1990 procurava, ao menos em tese, adequar a legislação
trabalhista brasileira a esta nova realidade, conforme também já se discutiu.
No Brasil, as aludidas transformações, que atingiram a sua plenitude na década de 1990,
período de estagnação econômica, vieram acompanhadas de uma crescente precarização do
trabalho, expressa nas altas taxas de desemprego, na perda de importância relativa do
assalariamento, especialmente daquele protegido pela legislação trabalhista, no achatamento dos
salários, entre outros aspectos. Cumpre destacar, nesse sentido, que a precarização do trabalho
torna-se mais visível à medida que se percorre a montante os elos das cadeias produtivas – em
direção aos pequenos fornecedores (de insumos e de mão-de-obra) –, visto que eles estão menos
sujeitos à fiscalização governamental e dos sindicatos.
Na última década, as medidas flexibilizadoras das relações de trabalho mostraram-se
contraditórias, ora apontando no sentido da flexibilização, ora para uma maior regulação pública
197
do trabalho. No entanto, não se restringindo a uma abordagem jurídico-legal do problema, é
possível afirmar que a flexibilização tem avançado no período mais recente, com a maior
abrangência alcançada pela terceirização; pela contratação de trabalhadores como pessoas
jurídicas; pelas formas flexíveis de remuneração e de cumprimento de jornada; e pelos ainda
elevados níveis de ilegalidade, informalidade e rotatividade (KREIN, SANTOS; NUNES, 2012).
No que diz respeito à orientação e integração do investimento produtivo, o mais importante
a enfatizar é que a reconfiguração atual do mercado de trabalho brasileiro tem ocorrido em um
contexto de desindustrialização, que diferentemente da ocorrida nos países desenvolvidos –
considerada exemplo de desindustrialização normal (ou positiva) – tem sido classificada por
muitos analistas como precoce (ou negativa). Assim, é flagrante a diferença em termos de
dinâmica produtiva entre o período em tela e o desenvolvimentista, quando o mercado de
trabalho brasileiro avançou no seu processo de estruturação inconclusa.
De acordo com Wilson Cano (2014), a desindustrialização brasileira tem raízes nos
seguintes fenômenos: i) persistente sobrevalorização cambial, instaurada a partir do Plano Real;
ii) abertura comercial desregrada, iniciada em 1989, ainda no governo Sarney; iii) prevalência de
altas taxas de juros; iv) perda da qualidade do Investimento Direto Externo (IDE), expressa pelo
aumento da importância relativa dos serviços, especialmente das atividades financeiras, em
detrimento da indústria de transformação179; e v) desaceleração da economia mundial, que tem
provocado a prática de políticas industriais agressivas por parte dos países desenvolvidos,
especialmente dos EUA, além da China.
A estes fenômenos, convém acrescentar o fato de que a economia brasileira apresentou uma
desindustrialização relativa internacional, dado que o seu crescimento industrial foi cerca de 35%
inferior ao verificado pela indústria mundial. Conforme destaca Marcelo Arend:
O Brasil não se desindustrializa internacionalmente no período pós-1980 apenas em
relação ao mundo. Excluindo o efeito Ásia da análise, percebe-se que nas últimas três
décadas o Brasil apresentou, de fato, um falling behind manufatureiro. A
desindustrialização relativa internacional brasileira no período se deu diante das
economias desenvolvidas, consideradas na literatura especializada como economias que
alcançaram a maturidade industrial já na década de 1970 e, portanto, vêm passando por
um processo de desindustrialização considerado natural, com elevado nível de renda per
capita. O Brasil também se desindustrializa em relação a economias em
desenvolvimento consideradas pouco dinâmicas, como as da Oceania e da África
(AREND, 2014, p. 415).
179 O autor chama a atenção também para o movimento similar seguido pelo investimento interno.
198
Do ponto de vista empírico, os seguintes indicadores desnudam as fragilidades apresentadas
pela indústria brasileira nas últimas décadas, ainda segundo Wilson Cano (2014): o PIB industrial
apresentou as piores taxas médias anuais de crescimento entre os setores econômicos nos
intervalos de 1989-2002, 2002-2008 e 2008-2013; houve uma perda de posição relativa do país
na produção industrial mundial; observou-se uma queda expressiva da relação VTI (Valor de
Transformação Industrial) / VBP (Valor da Produção Industrial); a estrutura produtiva da
indústria de transformação regrediu, com o predomínio de não duráveis e de setores exportadores
de semi-industrializados; a inserção comercial externa tem apresentado problemas, com os
crescentes coeficientes de importação da indústria de transformação; a relação comercial com a
China tem se dado nos moldes do modelo clássico “centro-periferia”; observa-se uma
reprimarização da pauta exportadora, enquanto as importações registram um crescimento mais
acelerado de produtos de consumo duráveis e não duráveis, comparativamente aos bens de capital
e intermediários180; e, por fim, a combinação câmbio valorizado – juros elevados promovem
expressivos déficits nas contas correntes do Balanço de Pagamentos.
Adicionalmente, a indústria brasileira tem apresentado uma inserção subordinada nas
cadeias globais de valor, uma vez que ela se posiciona como uma ofertante de insumos (matérias-
primas) para países que os utilizam para a exportação de produtos de maior valor agregado
(AREND, 2014).
Os impactos da desindustrialização, combinada com uma inserção subordinada da indústria
nacional nas cadeias globais de valor, recaem especialmente sobre a qualidade dos empregos
gerados pela economia brasileira. Há uma relação direta entre a menor qualidade dos postos de
trabalho gerados pela economia brasileira nas últimas décadas – ainda que, sob alguns aspectos,
esse movimento tenha sido atenuado no período recente – e a menor importância da indústria de
transformação na economia e no mercado de trabalho brasileiros. Os empregos criados pela
indústria, e pelos serviços que se organizam em seu entorno, sobretudo aqueles abrigados nos
ramos tecnológicos mais avançados, apresentam, no geral, produtividade e salários mais
180 A esse respeito, as observações de Marcelo Arend (2014, p. 384) são elucidativas: “Em linhas gerais, as informações revelam
que o Brasil possui uma especialização exportadora que não se adere de forma dinâmica à tendência da demanda internacional nas
últimas décadas. Há uma tendência de longo prazo de queda da demanda mundial por produtos agrícolas e de elevação dos
produtos relacionados ao complexo eletrônico. Na contramão da tendência internacional, o Brasil eleva sua participação nas
exportações mundiais de produtos agrícolas e reduz a participação dos produtos do complexo eletrônico. Em relação aos produtos
manufaturados, a tendência mundial é de redução de participação das importações de produtos automotivos e crescimento de
produtos do complexo eletrônico. Novamente, as exportações de manufaturados do Brasil vão na direção contrária: reduzindo a
participação dos relacionados ao complexo eletrônico, e aumentando a dos produtos automotivos”.
199
elevados, além de melhores condições de trabalho, devido, em parte, a sua maior sujeição à
regulação pública do trabalho. Não obstante o setor de serviços tenha, principalmente no último
decênio, assumido uma dianteira na abertura de novos postos de trabalho capaz, inclusive, de
compensar a retração do emprego industrial (decorrência também de sua menor produtividade),
isto deu-se, sobretudo, graças aos segmentos dos serviços pessoais e de distribuição, tidos como
mais precários, contribuindo para o rebaixamento do padrão de qualidade do emprego no Brasil.
Acrescente-se ainda o fato de que a desindustrialização reduz o dinamismo da economia
brasileira181, com o que compromete sobremaneira a sua capacidade de geração de novos postos
de trabalho.
Por último, cumpre chamar a atenção para o fato de que a dinâmica produtiva, o paradigma
tecnológico-econômico e o modelo de organização do trabalho e da produção característicos do
capitalismo contemporâneo desestruturaram as bases sobre as quais historicamente se
constituíram e se sustentaram a organização sindical dos trabalhadores, reunidas em torno da
grande empresa industrial verticalizada, com o que se conformou um cenário bem mais hostil à
ação coletiva dos trabalhadores.
O Quadro 06 sintetiza as reflexões apresentadas nesta seção a respeito dos condicionantes
atuais do processo de reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro, cotejando-os com os
prevalecentes no período desenvolvimentista.
Com base no que foi exposto até o presente momento, convém concluir que o processo
atual de reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro não pode ser compreendido como uma
continuidade do processo interrompido na década de 1980 e abandonado na década de 1990. O
momento atual não somente conta com referenciais menos uniformes no que diz respeito à
organização do mercado de trabalho no mundo desenvolvido (comparativamente ao período
desenvolvimentista), como também se defronta com condicionantes bastante distintos, o que
impõe novos (e talvez maiores) desafios para a tarefa de estruturar um mercado de trabalho que
ainda carrega características típicas do subdesenvolvimento.
181 “[...] a desindustrialização precoce diminui o dinamismo econômico brasileiro, pois o hiato entre os PIBs per capita dos
Estados Unidos e do Brasil aumentou no período em que ambas as economias enfrentavam processos de desindustrialização.
Observa-se que atualmente o grau de industrialização da economia brasileira se aproxima mais das economias desenvolvidas, cuja
renda per capita é, em média, sete vezes superior à brasileira. Esta seria uma forte evidência de que a estrutura industrial brasileira
possa estar em desacordo com o seu estágio de desenvolvimento econômico. Ou seja, o movimento em direção à
desindustrialização foi muito mais agudo que o apresentado até mesmo pelas economias avançadas” (AREND, 2014, p. 398).
200
QUADRO 06
Principais Condicionantes dos Padrões de Desenvolvimento
Condicionantes Era Desenvolvimentista (1930-
1980)
Era do Social-
Desenvolvimentismo (2004-
2014)
Arquitetura Econômica
Internacional
Padrão monetário estável;
controle rígido dos fluxos de
capital
Globalização financeira
Arranjo
Macroeconômico
Políticas macroeconômicas
“pró-crescimento”
Tripé macroeconômico
“flexibilizado”
Coeficiente de Abertura
da Economia Economia fechada Economia aberta
Atuação Estatal Promotor da acumulação
capitalista
Indutor da acumulação
capitalista e provedor de
serviços sociais
Dinâmica Demográfica
Altas taxas de crescimento
populacional e de migração
rural-urbana
Bônus demográfico,
arrefecimento da migração
rural-urbana, crescente força
de trabalho feminina
Orientação do
Investimento Produtivo
Industrialização, formação de
matriz integrada
Terciarização,
desindustrialização e cadeias
globais de valor
Paradigma Tecnológico-
Econômico Metal-mecânico e químico Complexo eletrônico
Modelo de Organização
do Trabalho e da
Produção
Taylorismo, fordismo Toyotismo
Elaboração própria.
Conceitualmente, pode-se dizer que o processo de estruturação de um mercado de trabalho
é condicionado pelo desenvolvimento capitalista, que procura moldá-lo de acordo com as
necessidades da acumulação. A sua organização, porém, é tarefa da regulação social (não apenas
pública, uma vez que inclui a participação de sindicatos e outros agentes sociais), que deve ser
capaz de forjar uma estrutura ocupacional relativamente homogênea, ou seja, com níveis menos
díspares de produtividade e de salários, que assegure aos trabalhadores um padrão mínimo de
proteção contra as intempéries da vida, sem que isso obste a acumulação capitalista. Assim
sendo, é possível afirmar que nos últimos dez anos o mercado de trabalho brasileiro deu passos
201
decisivos em direção a uma nova configuração, de caráter inclusivo, que aponta para uma gradual
superação dos traços herdados do subdesenvolvimento.
Nesse contexto, torna-se imperiosa a discussão do padrão de desenvolvimento prevalecente
e suas inter-relações com a configuração e a dinâmica do mercado de trabalho, de modo que
possam ser apontados caminhos para que o processo atual de reorganização do mercado de
trabalho brasileiro prossiga nas próximas décadas, mesmo considerando as tendências de
precarização do trabalho e fragmentação social presentes no capitalismo contemporâneo. Embora
não seja possível abranger toda a complexidade de tal discussão, as reflexões apresentadas nas
considerações finais deste estudo pretendem oferecer uma contribuição ao debate nesse terreno.
202
203
Conclusão:
Padrão de Desenvolvimento e Mercado de
Trabalho no Brasil
O desenvolvimento capitalista no Brasil ao longo de aproximadamente meio século, entre
os anos de 1930 e de 1980, foi relativamente exitoso em construir as bases estruturais de uma
economia urbano-industrial moderna, em linha com os avanços promovidos pela Segunda
Revolução Industrial. Assim, ao fim desse processo, é lícito reconhecer que o país havia reduzido
de forma importante as brechas tecnológicas e produtivas que o separava dos países de
capitalismo avançado, ainda que persistissem traços de heterogeneidade estrutural bastante
acentuados.
No entanto, as repercussões em termos de bem-estar social que, em tese, adviriam com a
implantação dessa economia urbano-industrial moderna foram severamente mitigadas por três
aspectos: primeiro, pela presença de um excedente estrutural de mão de obra, alimentado por uma
transição caótica da escravidão para o trabalho assalariado, pela ausência de uma reforma agrária
e pelo intenso êxodo rural; em segundo lugar, pelos longos períodos de déficit democrático, com
o que foi coibida a livre atuação dos sindicatos e dos movimentos sociais; por último, porém não
menos importante, pelo débil desenvolvimento de um sistema de proteção social e de regulação
do mercado de trabalho, posto que os padrões vigentes nos países desenvolvidos eram vistos
como inerentes à suas matrizes tecnológica e produtiva, e não como frutos de uma construção
sociopolítica.
Isto explica por que os indicadores sociais e de mercado de trabalho evoluíram de forma
bastante divergente ao longo da industrialização brasileira: de um lado, expansão do
assalariamento, forte mobilidade social e disseminação parcial de padrões de consumo próprios
dos países desenvolvidos; de outro, manutenção de uma ampla informalidade, pobreza em larga
escala, baixos salários e níveis alarmantes de concentração da renda.
204
As transformações capitalistas iniciadas na década de 1970, como a emergência da Terceira
Revolução Industrial, os choques do petróleo, a globalização financeira e a ascensão do
neoliberalismo, associadas à crise da dívida externa que se abateu sobre a periferia latino-
americana, solaparam os alicerces sobre os quais se sustentaram o padrão de desenvolvimento
que deu suporte à industrialização brasileira.
As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas pela crise da ideologia desenvolvimentista e
por elevada instabilidade macroeconômica, a qual resultou em baixo crescimento econômico. Os
anos 1980, em particular, foram marcados pela ausência de planejamento de médio e longo prazo
por parte de governos e empresas, posto que presos a um horizonte de curto prazo de
“administração de crises”. A partir da década seguinte, a aversão generalizada à hiperinflação e o
sucesso do Plano Real fizeram com que a “convenção do crescimento” vigente ao longo da era
desenvolvimentista fosse substituída por uma “convenção da estabilidade”, que, por sua vez, veio
acompanhada de reformas de natureza neoliberal (BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2013).
Muito embora avanços pontuais na produtividade tenham sido identificados, especialmente
na agricultura, e transformações estruturais desencadeadas entre 1980 e 2003, elas foram
insuficientes para retomar o crescimento econômico e elevar os investimentos, ao passo que se
observou uma deterioração generalizada dos indicadores sociais e de mercado de trabalho.
Ricardo Bielschowsky e Carlos Mussi (2013, p. 142) dão a real dimensão do “colapso do
desenvolvimento” vivenciado no aludido período:
O PIB e o investimento brasileiros eram, em 1980, mais de oito vezes e mais de nove
vezes superiores a 1950, respectivamente, mas em 2007 eram apenas cerca de duas vezes
superiores a 1980. O PIB per capita era três vezes e meia maior em 1980 do que em
1950, e a produtividade do trabalho era três vezes maior; mas, em meados dos anos
2000, eram praticamente os mesmos que em 1980.
Partindo dessa realidade, e impulsionado pela explosão da demanda asiática,
particularmente a chinesa, pelos produtos brasileiros (e a consequente elevação dos seus preços
no mercado internacional), pavimentou-se o caminho para a emergência de um novo padrão de
desenvolvimento182 em meados dos anos 2000, aqui denominado “social-desenvolvimentista”183,
182 Um padrão de desenvolvimento se configura, em cada país, pelo “seu ritmo de crescimento e de sua transformação estrutural,
determinantes do progresso técnico e do aumento da produtividade, e pela combinação de três elementos que condicionam esses
comportamentos, ou seja, dotação de recursos, lógica de mercado das decisões de investir e coordenação e liderança dos
investimentos” (BIELSCHOWSKY, 2013b, p. 11). 183 Se, por um lado, no campo dos autores heterodoxos é relativamente consensual que a partir de meados dos anos 2000
inaugurou-se uma nova etapa na história econômica brasileira, por outro, não se pode dizer o mesmo a respeito de sua definição.
Ricardo Carneiro (2012a; 2012b) optou, igualmente, pelo termo “social-desenvolvimentismo”. Ricardo Bielschowsky (2012), por
205
que trouxe consigo impactos econômicos e sociais amplamente positivos para a economia
brasileira, conforme analisado no capítulo anterior.
Como reflexão final deste estudo, revela-se importante identificar no debate político e
econômico atual os projetos de desenvolvimento em confronto no Brasil, assim como evidenciar
as suas inter-relações com o mercado de trabalho. Grosso modo, é possível dizer que a disputa
contrapõe dois “projetos” (ou seja, estratégias a serem adotadas pelo governo federal por meio de
políticas econômicas deliberadas): o neoliberal, que vigorou de 1990 até 2003; e o social-
desenvolvimentista, predominante entre 2004-2014, conquanto tenha adquirido contornos mais
bem definidos no período 2006-2010184. Em 2014, a campanha eleitoral para a Presidência da
República recolocou a questão e dividiu a opinião pública. A tese que se defende é que a
prevalência de um dos projetos traz implicações marcadamente distintas para o mercado de
trabalho brasileiro, conforme se deduz de uma análise comparativa dos indicadores observados
em cada um dos períodos (CARDOSO JR.; HAMASAKI, 2014). Além disso, advoga-se que a
estratégia de crescimento neoliberal é incapaz de lidar adequadamente com os desafios que se
colocam para o mercado de trabalho em economias subdesenvolvidas, uma vez que não
contempla políticas destinadas a superar a heterogeneidade estrutural, sustentar uma situação de
pleno emprego, reduzir a desigualdade de rendimentos e universalizar a cobertura do sistema de
proteção social.
* * *
A pedra angular de uma estratégia de crescimento neoliberal é a estabilização da moeda.
Isto porque é através dela que o sistema de preços pode funcionar corretamente, sinalizando para
os agentes privados onde alocar de maneira mais eficiente os recursos escassos da sociedade.
Sem a estabilização da moeda, necessariamente ocorrem perdas de eficiência para o sistema
econômico, o que impõe obstáculos ao processo de crescimento em sua plenitude.
Dessa forma, intervenções no funcionamento do sistema de preços, a exemplo da concessão
de subsídios e incentivos fiscais, são vistas como medidas que geram ineficiência, posto que
seu turno, preferiu denominá-la de “modelo de crescimento com redistribuição de renda por produção e consumo de massa”. Já
Pedro Paulo Bastos (2012b) sugeriu o termo “desenvolvimentismo distributivo orientado pelo Estado”. 184 No debate teórico, porém, o “novo-desenvolvimentismo” tem se apresentado como uma alternativa de projeto de
desenvolvimento para o país. Dado, porém, que até o presente momento ele não adquiriu densidade política-eleitoral-partidária
relevante, mantendo-se restrito aos espaços acadêmicos, não será aqui objeto de reflexão. Uma síntese do pensamento “novo-
desenvolvimentista” pode ser lida em Bresser Pereira (2009). Para uma apreciação crítica, ver Oliveira e Mandarino (2012),
Carneiro (2012b) e Bastos (2012b).
206
alteram “artificialmente” a sinalização dada por aquele sistema. No fundo, os neoliberais creem
que a atuação do Estado desenvolvimentista e o seu intervencionismo em prol de uma
industrialização pesada distorceu o caminho mais vantajoso a ser seguido pela economia
brasileira, pautado numa especialização produtiva voltada para a exportação de commodities.
Gustavo Franco (2000, p. 28, grifos próprios), refletindo acerca da experiência do Plano
Real, é bastante explícito a esse respeito:
À medida que os fundamentos fiscais e monetários vão se consolidando, é natural que a
agenda da estabilização se confunda com a agenda do desenvolvimento, e numa
quadra onde este terá de ter lugar em contornos bastante diversos daqueles do passado
recente.
Assim, o nível de emprego e de desemprego de uma economia deve ser objeto de políticas
microeconômicas, uma vez que as de âmbito macroeconômico não podem assegurar o pleno
emprego, tampouco o ritmo da atividade econômica. Com efeito, acredita-se na existência de
uma taxa “natural” de desemprego motivada por elementos institucionais e regulatórios do
mercado de trabalho, assim como por ajustes que ocorrem em seu interior. O alcance de baixas
taxas de desemprego, então, adviria da livre flutuação dos salários (em termos nominal e real) 185.
Como o capital possui plena racionalidade, apenas os trabalhadores poderiam, exigindo
salários anormalmente altos, produzir desemprego. Portanto, são os trabalhadores os
geradores e os responsáveis pelo desemprego, o que revela a origem malthusiana desse
pensamento. Assim, esse problema surge no mercado de trabalho, na órbita da oferta de
mão-de-obra. Ou seja, em princípio, o desemprego é um problema microeconômico, e
não macroeconômico, um problema de oferta, e não de demanda, um problema do
mercado de trabalho, e não de outros mercados (DATHEIN, 2005, p. 124-125).
Assim, o projeto neoliberal no Brasil emerge nos anos 1990 como uma crítica contundente
ao período desenvolvimentista. Afinal, o “padrão politizado de acumulação”186 característico
daquele período, era considerado um anátema para o pensamento neoliberal. A crise dos anos
1980, nesse sentido, era vista como expressão da relutância em abandonar o projeto
desenvolvimentista e se ajustar aos “novos tempos”, ou seja, promover reformas de cunho
liberalizantes.
No plano político, a implementação no Brasil de uma estratégia de crescimento neoliberal
deu seus passos iniciais durante o governo Collor, empossado em 1990. A sua eleição, ainda que
em segundo turno, refletia o espírito do tempo, dado que em sintonia com os preceitos
185 Ver a esse respeito Standing (1991). 186 A expressão é de Fiori (2003 [1984]).
207
propugnados, na mesma época, pelo Consenso de Washington. Naquele momento, assumia-se
como inadiável a tarefa de restaurar (ou seria estabelecer?) padrões “modernos” de concorrência
na economia brasileira, cujo caminho seria a abertura comercial e o resultado almejado uma
elevação da produtividade e a sua convergência aos patamares vigentes nos países desenvolvidos.
Note-se que a potência hegemônica, os EUA, era vista como modelo de gestão macroeconômica.
Mas, não é só isso. A abertura ao comércio exterior teria o condão de tornar mais igualitário
os preços dos produtos e os padrões salariais das diversas nações, favorecendo os países menos
desenvolvidos como o Brasil187.
Nesses termos, os breves e conturbados anos do governo Collor testemunharam o início de
um audacioso processo de abertura comercial e de privatizações: barreiras não tarifárias foram
abruptamente extintas, as barreiras tarifárias rapidamente reduzidas, ao tempo que as empresas
estatais começaram a ser privatizadas, por meio do Programa Nacional de Desestatização – PND.
Na sequência, no governo Itamar, o ritmo das privatizações foi arrefecido, ainda que não tenha
sido interrompido, enquanto que a abertura comercial foi até mesmo parcialmente revertida.
No entanto, em meados de 1994, a estratégia de crescimento neoliberal ganhou novo e
decisivo impulso no Brasil, com o que assumiu contornos bem mais evidentes. O marco, nesse
caso, foi o Plano Real, que se valeu de uma expressiva valorização cambial, de altas taxas de
juros e de uma apertada política salarial, dentre outras medidas, para reposicionar (com êxito) a
inflação brasileira em patamares bem abaixo dos registrados historicamente.
O Plano Real, conforme já se disse, não era um simples programa de estabilização da
moeda ou “um fim em si mesmo”, devendo ser entendido como a pedra angular para consolidar
uma nova estratégia de crescimento para o país, de base neoliberal, cujo eixo central seria a
recuperação do crescimento da produtividade. Gustavo Franco, a esse respeito, avaliava que:
A manutenção de altas taxas de crescimento da produtividade representa uma
extraordinária novidade no tocante às características básicas do crescimento econômico
brasileiro. O contraste com a nossa experiência anterior se estabelece em pelo menos três
níveis: (i) a indução ao crescimento é pelo lado da oferta, ao passo que anteriormente o
crescimento era essencialmente “keynesiano”, ou seja, movido predominantemente pelo
investimento público e pela crença que há uma escassez de capital como limitação básica
ao crescimento; (ii) a indução tem consequências redistributivas, pois parte do
187 Conforme bem expressou Gustavo Franco (2000, pp. 191 e 192, grifos no original): “Desde as primeiras interpretações sobre
os efeitos do comércio exterior, devidas aos economistas clássicos, sabe-se que o comércio homogeneíza os preços das
mercadorias e dos fatores de produção. Um diferencial de salários superior aos diferenciais de produtividade produzirá uma
vantagem, digamos, da China ou do Brasil contra a França. E o comércio terá como resultado o aumento do salário e do emprego
(ou a instalação de fábricas) na China (ou no Brasil) e o efeito contrário na França. É difícil argumentar que esse processo seja
injusto ou excludente, pelo contrário: as duas regiões ficam mais parecidas no que toca a salários e emprego”.
208
crescimento de produtividade é apropriada pelos salários, ao contrário da experiência
anterior, cuja base era a noção de “poupança forçada”, seja produzida pela inflação, seja
pelos grandes fundos compulsórios como o FGTS, PIS-PASEP, etc.; e (iii) a indução
tem viés deflacionista pois o repasse pode beneficiar o consumidor se a maior eficiência
é repassada aos preços e se a manutenção da competição estrangeira impede o uso das
margens de lucro para a geração de lucros extraordinários retidos para fins de
investimento. Este viés é reforçado pelo compromisso do governo para evitar o
financiamento de investimentos públicos pela tributação do pobre através do imposto
inflacionário (FRANCO, 2000, pp. 43-44).
Os componentes mais importantes de uma estratégia de crescimento neoliberal estão
presentes na citação acima, sendo conveniente explicitá-los de um modo mais adequado aos
propósitos desta reflexão. Em primeiro lugar, para os neoliberais, o lado da oferta, ou seja, os
investimentos detêm a primazia na explicação do fenômeno do desenvolvimento econômico, cuja
responsabilidade de execução cabe, prioritariamente, aos agentes privados. Nessa seara, o Estado
deve se ater aos investimentos em infraestrutura, desde que estes não se enquadrem na lógica do
cálculo econômico privado, dadas as suas elevadas exigências de capital, a sua longa maturação e
os seus retornos incertos.
De acordo com essa concepção, os investimentos realizados pelo setor privado dependem
essencialmente da manutenção de sólidos fundamentos macroeconômicos – por exemplo, moeda
estável e dívida pública cadente, por exemplo188 –, que, por sua vez, devem ser perseguidos
mediante o respeito a regras previamente definidas e devidamente publicizadas pelo setor
público.
Na esfera social, o Estado deve se ater à tarefa de assegurar primordialmente uma oferta
adequada de mão de obra, com o que o atendimento básico em saúde e educação é eleito o campo
prioritário para a atuação governamental. Ademais, reconhece-se a necessidade do combate à
pobreza extrema, o que deveria ser feito mediante programas de transferência direta de renda e
uma melhor focalização das políticas sociais.
Os pensadores alinhados com as ideias neoliberais não demonstram maiores preocupações
em evidenciar as conexões existentes entre as esferas econômica e social (se é que acreditam que
haja alguma). Na verdade, para eles, esta última apresenta-se como um importante entrave à
primeira. Não deixa de ser bastante ilustrativa, portanto, a frase que segue, do economista e
188 Lauro Ramos e José Guilherme Almeida Reis (1997, p. 230) ao discutirem as possibilidades e as políticas necessárias para a
geração de empregos no pós-Plano Real afirmavam que: “Dada a crise hiperinflacionária por que passou a economia brasileira em
tempos recentes, a retomada do crescimento sustentado no Brasil hoje requer não o aumento dos gastos públicos, e sim o
equacionamento do desequilíbrio do setor público. A partir do efetivo controle das finanças públicas, de tal forma a eliminar
temores de um eventual retorno ao processo inflacionário e restaurar de vez a credibilidade da política econômica, serão criadas as
condições propícias à retomada dos investimentos que irão viabilizar a geração de mais empregos”.
209
professor Armando Castelar Pinheiro, em meio a uma reflexão acerca das dificuldades de se
implementar um conjunto de reformas neoliberais no Brasil: “[...] a agenda de crescimento
compete por recursos com outras agendas, em particular a social” (PINHEIRO, 2004, p. 57).
Nesse sentido, segundo o ideário neoliberal, um grande obstáculo ao desenvolvimento
brasileiro, senão o maior, é representado pelo “populismo” e pela participação “excessiva” do
Estado no excedente econômico, o que tem raízes na “generosidade” da Constituição Federal de
1988. Os desequilíbrios nas contas públicas e as suas rigidezes, alertam, implicam em pressões
altistas sobre as taxas de juros e o consequente deslocamento do setor privado (efeito crowding
out), o que diminui a produtividade da economia e atravanca o desenvolvimento.
O segundo componente relaciona-se diretamente com o mercado de trabalho e diz respeito
ao comportamento dos salários e da distribuição da renda. Segundo o pensamento neoliberal, a
participação dos fatores de produção na renda gerada deve refletir a contribuição econômica de
cada um ao processo produtivo (a sua produtividade marginal, para lançar mão de um conceito da
economia neoclássica). Assim, os salários têm que se mover de acordo com a evolução da
produtividade do trabalho, caso contrário, uma vez ultrapassado este limite, provocar-se-á uma
elevação do nível de inflação, obstando o desenvolvimento. Idealmente, portanto, os preços
devem ser “despolitizados”, inclusive a remuneração do trabalho, o que facilitaria uma alocação
eficiente (e plena) deste fator pelo sistema produtivo.
O terceiro e último componente remete ao papel desempenhado pela concorrência externa
no desenvolvimento econômico. Nesse sentido, a disciplina competitiva imposta pela abertura
comercial teria a tarefa de estimular a introdução de novas tecnologias e de promover uma
geração mais dinâmica do progresso técnico, elevando a produtividade e diminuindo os espaços
para a ampliação exagerada de margens de lucros e de preços, prática comum em economias
protegidas da competição externa.
No Brasil, a valorização cambial tem sido utilizada de maneira recorrente como meio de
alavancar a concorrência no mercado interno e, assim, reduzir a inflação (não sendo uma política
adotada exclusivamente pelos governos neoliberais, convém esclarecer). Na primeira fase do
Plano Real, pré-desvalorização cambial, acreditava-se que os déficits em Balanço de Pagamentos
decorrentes de um Real forte seriam transitórios, uma vez que os ganhos de produtividade
realizados pelas empresas brasileiras redundariam, cedo ou tarde, em uma recuperação do espaço
210
perdido pelo país no comércio internacional, ao mesmo tempo que forjaria um padrão de
competitividade virtuoso, posto que assentado em níveis mais altos de produtividade.
Nesse quesito, e retornando à questão salarial, cumpre destacar que, de acordo com esta
visão, “o crescimento da produtividade é a única forma de se alcançar, ao mesmo tempo, mais
salário e menos preço. É a única maneira de se conseguir mais competitividade sem inflação,
desvalorização cambial e o arrocho salarial que daí decorre” (FRANCO, 2000, p. 74). Importante
atentar que, nesse caso, assume-se que o sentido da causalidade dos fenômenos é unidirecional:
da produtividade para os salários.
Uma das consequências fundamentais da implantação de uma estratégia de crescimento
neoliberal para o mercado de trabalho foi a ampliação vertiginosa das taxas de desemprego.
Estas, porém, eram vistas como resultado das profundas transformações operadas do lado da
oferta da economia brasileira, o que as tornavam imunes aos remédios keynesianos. A solução,
portanto, seria, de um lado, flexibilizar as relações de trabalho, o que significava afastar, tanto
quanto possível, a interferência do Estado na definição das regras que pautam as relações entre
capital e trabalho, deixando-as sob a responsabilidade dos atores sociais envolvidos (o que no
linguajar jurídico passou a ser referido como “prevalência do negociado sobre o legislado”)189.
De outro, acelerar a reestruturação industrial que se encontrava em curso. Para tanto, era
imperioso substituir o regime de política comercial e industrial que vigorou no período
desenvolvimentista, chamado de “vertical” ou “setorial”, por outro, denominado de “horizontal”,
baseado em incentivos genéricos e que abre um maior espaço para a atuação das forças de
mercado.
Ainda que nem sempre de maneira explícita, a agenda da flexibilização do mercado de
trabalho brasileiro sempre esteve vinculada à crença de que era preciso reduzir os direitos
trabalhistas juridicamente regulados pela Constituição e pela CLT, medida necessária para
ampliar a competitividade do país no cenário internacional:
No Brasil a flexibilização passa pela mudança no sistema de relações de trabalho, que
deve deixar de ser estatutário para ser negocial. A adoção da negociação coletiva –
189 É no aludido sentido que a necessidade de flexibilizar o mercado de trabalho brasileiro mostra-se consensual entre os autores
do campo neoliberal. Isto porque, muito embora para alguns o mercado de trabalho apresente uma elevada rigidez, como é o caso
do sociólogo José Pastore, outros refutam essa tese, a exemplo de Edward Amadeo e José Márcio Camargo (1996), ao
defenderem que o mercado de trabalho brasileiro é, pelo contrário, demasiadamente flexível, uma vez que os choques econômicos
tendem a ser acomodados via uma diminuição dos salários reais e não, como é comum em mercados de trabalho rígidos, por meio
de uma elevação do desemprego. Para eles, as causas da alta flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro são de origem
institucional, aspecto que será tratado de maneira mais detida adiante.
211
defendida em tese por empresários e trabalhadores – deve ser acompanhada por uma
revisão da legislação, na qual, idealmente, seriam suprimidos vários direitos previstos
em lei, garantindo-se apenas direitos básicos para os trabalhadores (RAMOS; REIS,
1997, p. 234).
Note-se que o argumento continua sendo evocado: na obra intitulada “Complacência:
entenda por que o Brasil cresce menos do que pode” (capítulo 6, seção “O mundo não dorme”),
Fábio Giambiagi e Alexandre Schwartsman (2014) enaltecem o ajuste promovido pelos países da
periferia europeia, assentado em cortes de direitos trabalhistas e previdenciários, como meio de
impulsionar a sua capacidade competitiva internacional.
A outra consequência sobre o mercado de trabalho que acompanhou a implantação do
neoliberalismo no Brasil foi o aumento da precarização das relações de trabalho. Para os seus
adeptos, no entanto, essa seria uma decorrência, em larga medida, do alto custo de formalização
do emprego existente no Brasil. De acordo com Armando Castelar Pinheiro (2004, p. 50):
Parte do “custo da formalidade” pode ser atribuída aos tributos incidentes sobre a folha
de salários, às incertezas associadas à Justiça do Trabalho e a uma carga tributária
elevada. Mas, além do atrativo da sonegação fiscal, previdenciária e trabalhista, uma
causa importante da informalidade é o alto custo regulatório da formalidade.
Disto isto, pode-se concluir que no âmbito de uma estratégia de crescimento neoliberal o
mercado de trabalho é tomado como variável de ajuste, na medida em que ele deve funcionar de
modo a não gerar pressões inflacionárias – que adviriam de aumentos salariais superiores ao da
produtividade – e a não se constituir como um entrave à competitividade do país no cenário
internacional, que resultaria, por sua vez, de instituições trabalhistas pouco flexíveis e de um
elevado custo unitário da mão de obra. Daí resulta as seguintes prescrições em termos de políticas
de mercado de trabalho:
A crucial part of their labour market analysis is the presumption of a labour market
dualism in which formal sector wages are held up by minimum wage and other "price
distorting" mechanisms, notably trade unions and statutory obligations on employers.
[…] Stripped to essentials, their policy prescription is to "deregulate" the formal sector,
reduce or remove "non-wage labour costs", decentralise wage bargaining to the
individual worker-employer level if possible, and remove or erode minimum wage
machinery, so that labour costs will fall and the "quasi-voluntarily" unemployed
queueing for formal sector jobs will filter back into available informal sector jobs
(STANDING, 1991, p. 23).
212
* * *
O social-desenvolvimentismo é indissociável da experiência recente pela qual passou a
economia brasileira, iniciada com o Governo Lula. Trata-se de um novo discurso, fruto de um
esforço de teorização (em boa medida, formulada a posteriori) que combina concepções
ideológicas e escolhas políticas, cuja formatação final tem decorrido de uma interação dialética
entre teoria e práxis190.
Com efeito, o ponto de partida do social-desenvolvimentismo está na avaliação crítica da
experiência neoliberal brasileira dos anos 1990. Em sua visão, as políticas de liberalização e de
redução do papel do Estado na economia, representadas, especialmente, pelas aberturas
financeira e comercial e pelas privatizações, produziram, entre outras consequências, uma
ampliação da vulnerabilidade externa, uma fragilização fiscal crescente do Estado brasileiro e um
enfraquecimento do setor produtivo, com perdas de elos das cadeias produtivas e de capacidade
competitiva e exportadora. Como corolário, disseminou-se ao longo daquela década um
comportamento econômico errático, que se notabilizou por um baixo crescimento econômico e
uma dívida pública ascendente.
Do ponto de vista social, os resultados da estratégia de crescimento neoliberal não foram
mais alvissareiros, muito pelo contrário. As taxas de desemprego e de informalidade alcançaram
patamares inéditos, enquanto a perversa distribuição da renda e da riqueza e a ampla incidência
da pobreza sofreram modificações pouco significativas.
Diante deste diagnóstico, o social-desenvolvimentismo se apresentou como uma estratégia
de desenvolvimento alternativa ao neoliberalismo, capaz de engendrar uma nova dinâmica de
acumulação assentada em três “motores” principais: (i) amplo mercado interno de consumo de
massa; (ii) abundância de recursos naturais do país; e (iii) investimentos em infraestrutura
(BIELSCHOWSKY, 2012).
Adicionalmente, reconhece-se como de fundamental importância que os aludidos “motores
do desenvolvimento” sejam “turbinados” por inovações tecnológicas e pela recuperação de
encadeamentos produtivos fragilizados. Descartam-se, portanto, as exportações como um
elemento por si mesmo capaz de dar sustentação a uma estratégia nacional de desenvolvimento,
190 Esta é uma versão revisada e ampliada de uma seção escrita pelo autor em artigo publicado em coautoria com Thiago
Mandarino. A esse respeito, ver Oliveira e Mandarino (2012).
213
assim como a inovação também não pode ser considerada uma frente de expansão no momento
atual (podendo, no entanto, vir a ser no longo prazo).
Interessa à reflexão aqui proposta dar maior relevância ao primeiro dos “motores” citados,
por suas implicações evidentes sobre o mercado de trabalho brasileiro. Assim, se se deseja a
construção de um amplo mercado interno de consumo de massa, como dito acima, é inevitável
que o mercado de trabalho seja alçado a um papel de destaque no âmbito do projeto social-
desenvolvimentista. E para viabilizar um consumo doméstico de dimensões respeitáveis é
fundamental que se promovam transformações estruturais no mercado de trabalho brasileiro, no
sentido de (i) elevar de maneira sustentável os salários (e a sua participação na renda nacional),
(ii) melhorar a distribuição da renda e da riqueza191, e (iii) ampliar o acesso dos trabalhadores ao
sistema de proteção social.
Ao contrário do projeto neoliberal, portanto, aqui não há uma visão antagônica entre as
agendas econômica e social, nem uma restrição ao gasto social devido às exigências da
estabilização monetária. Ao contrário, defende-se que há entre ambas um comportamento
sinérgico, uma vez que as políticas sociais, notadamente as de proteção da renda e do emprego,
podem funcionar como estabilizadores automáticos, tornando mais estável o crescimento
econômico capitalista. Ademais, ao funcionar como “salário indireto”, as políticas sociais atuam
em prol da dinamização da demanda agregada e, consequentemente, do crescimento econômico.
Assim, a dinâmica econômica do social-desenvolvimentismo está fundada em um círculo
virtuoso: o crescimento da massa de rendimentos disponível para o consumo das famílias
trabalhadoras (resultante da geração de empregos formais, da elevação da remuneração média,
assim como das políticas sociais e dos programas de transferência de renda) e a ampliação da
oferta de crédito impulsionam o consumo da população; a expansão do mercado interno e a
redução da capacidade ociosa induzem uma ampliação e modernização da base produtiva; os
investimentos fomentam o progresso técnico e elevam os ganhos de produtividade, resultando em
maior competitividade da economia nacional; em paralelo, os outros dois “motores do
desenvolvimento” também induzem uma expansão da demanda agregada e um aumento da
produtividade média; o crescimento do PIB possibilita um aumento da arrecadação tributária, a
sustentação do gasto público, uma gestão eficaz da dívida pública e a redução da taxa básica de
191 Para Ricardo Carneiro (2012), inclusive, a melhoria da distribuição da renda é um dos eixos da estratégia social-
desenvolvimentista, ao lado da ampliação da infraestrutura econômica e social, da reindustrialização via adensamento de cadeias e
da expansão do setor baseado em recursos naturais.
214
juros; são criadas, dessa forma, as bases para uma nova elevação dos rendimentos e um novo
impulso à demanda agregada, completando o ciclo.
Está claro que há uma inversão da relação de causalidade entre mercado interno,
exportações e desenvolvimento comparativamente ao projeto neoliberal. A seguinte passagem é
elucidativa a esse respeito: “O desenvolvimento de nosso imenso mercado, com a criação de
empregos e a geração de renda, revitalizará e impulsionará o conjunto da economia, oferecendo
ainda bases sólidas para ampliar as exportações (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002,
p.13)”.
Nesse contexto, coloca-se como inadiável a recuperação da capacidade do Estado intervir
no domínio econômico e de regular os mercados, inclusive o de trabalho. Deste modo, o social-
desenvolvimentismo defende um maior protagonismo governamental, o que tem sido perseguido
sem o abandono – pelo menos do ponto de vista retórico – do tripé macroeconômico instituído no
final dos anos 1990, formado pelo regime de câmbio flutuante, metas de inflação e superávit
primário. Para Francisco Luiz Lopreato (2014, p. 236-237):
A formulação teórica partiu da hipótese de que o maior espaço de atuação da política
fiscal não é inconsistente com o tripé característico do regime de política
macroeconômica da nova síntese neoclássica e era viável acomodar a expansão do papel
do Estado. O posicionamento de corte keynesiano transformou a prática do segundo
mandato – do Governo Lula – e defendeu a expansão dos investimentos das empresas
públicas, a presença estatal na articulação e no financiamento de projetos de
investimento privado, o uso de incentivos fiscais e financeiros em favor do capital
privado, a definição de uma política industrial, ao lado da maior presença dos bancos
públicos na oferta de crédito e de medidas de caráter social, como a política de defesa do
aumento do salário mínimo e de ampliação dos gastos sociais.
Nesse sentido, o projeto social-desenvolvimentista busca a construção de um regime
macroeconômico que possibilite uma atuação anticíclica da política macro, ao mesmo tempo que
cria um ambiente macroeconômico favorável ao investimento produtivo. De acordo com Pedro
Rossi (2014, p. 220-221):
A análise dos regimes de câmbio flutuante, de meta fiscal primária e de metas de
inflação mostra que os pressupostos teóricos que dão substrato a estes não convergem
com o projeto desenvolvimentista. Esse regime macroeconômico foi originalmente
concebido para impor limites à discricionariedade da atuação do Estado e submeter as
autoridades políticas aos princípios de uma visão liberal de desenvolvimento, em que o
mercado é o principal protagonista. Entretanto, não se pode estabelecer uma
correspondência direta entre esses princípios teóricos e a operacionalização do regime
macro, que tem se mostrado flexível na gestão política. Nesse sentido, avaliou-se que o
atual quadro institucional macroeconômico pode ser suficientemente flexível para
acomodar um projeto de desenvolvimento em que o Estado tem papel de indutor e o
social seja o foco central de sua atuação.
215
Com efeito, almeja-se que o maior protagonismo do Estado venha acompanhado de uma
recuperação da sua capacidade de planejamento econômico, perspectiva ausente no período
neoliberal. Destarte, defende-se uma retomada de uma visão estratégica de longo prazo, capaz de
orientar e estimular o desenvolvimento econômico. Nesse quesito, ganham relevância as políticas
industriais e tecnológicas como instrumentos de elevação da competitividade e da capacidade de
exportação da estrutura produtiva nacional. Em complemento, torna-se essencial planejar a
ampliação do gasto em políticas sociais, o que implica em expansão do emprego público.
Outro ponto que merece destaque na caracterização do social-desenvolvimentismo é o da
política externa e de comércio exterior. Nesse aspecto, a orientação é buscar um maior
protagonismo internacional e fortalecer os mecanismos de integração regional. Adicionalmente,
procura-se uma diversificação das parcerias econômicas e comerciais, com o intuito de relativizar
constrangimentos internacionais, atenuar a vulnerabilidade externa e fornecer as bases para uma
inserção internacional mais ativa.
Interessante notar que há uma clara convergência entre as proposições social-
desenvolvimentistas e os documentos mais recentes da CEPAL, especialmente os publicados a
partir de 2010, onde se dá um maior destaque à importância de estímulos ao crescimento do
mercado interno e à promoção da igualdade para a elevação do bem-estar econômico e social dos
países latino-americanos, objetivos que só podem ser alcançados com o suporte e participação
decisiva do Estado192.
O social-desenvolvimentismo busca se diferenciar do antigo nacional-desenvolvimentismo.
Segundo o então Senador Aloizio Mercadante Oliva (2010), a atual ordem econômica
internacional contemporânea não comporta um protecionismo incondicional, tal qual vigorou no
período da industrialização brasileira, assim como requer uma preocupação maior com o
incremento da competitividade. A seguinte passagem do Programa do Partido dos Trabalhadores
destaca este aspecto: “Ao pensarmos em políticas ativas de incentivo à produção e à inovação
tecnológica, não propomos a volta do velho protecionismo, mas a implantação de políticas
192 “Igualdad social y dinamismo económico no están reñidos entre sí y el gran desafío es encontrar las sinergias entre ambos. Lo
que proponemos va en esta dirección: hay que crecer para igualar e igualar para crecer. En el horizonte estratégico del largo plazo, igualdad, crecimiento económico y sostenibilidad ambiental tienen que ir de la mano. Por eso proponemos crecer con menos
heterogeneidad estructural y más desarrollo productivo, e igualar potenciando capacidades humanas y movilizando energías desde
el Estado. Proponemos remediar las tremendas disparidades espaciales mediante sociedades más integradas en torno a dinámicas
productivas, con sinergias sociales y territoriales positivas. Proponemos fortalecer la protección de las personas mejorando tanto
los mercados laborales como las transferencias y gestión públicas” (CEPAL, 2010, p. 07). A discussão a esse respeito tem
prosseguimento em CEPAL (2012b; 2014).
216
industriais com metas explícitas e controle público” (PARTIDO DOS TRABALHADORES,
2002, p.08).
De acordo com Mercadante, o social-desenvolvimentismo193 também se distingue do
nacional-desenvolvimentismo pela prioridade atribuída à redução das desigualdades. Apesar de
reconhecer os avanços do esforço industrializante empreendido entre os anos 1930 e 1980 do
século passado, o pensamento social-desenvolvimentista alerta para a concentração de renda e da
riqueza e a perpetuação da pobreza para uma larga parcela da população que acompanharam esse
processo, agravado sobremaneira durante o regime militar. Para o autor em questão, “[...] no
governo Lula as políticas de distribuição de renda e de inclusão social ganham uma centralidade
antes completamente inexistente” (OLIVA, 2010, p. 19, grifos do autor).
A estabilidade macroeconômica em geral, com inflação e endividamentos interno e externo
sob controle, seria outro ponto a distinguir o social-desenvolvimentismo do neoliberalismo,
assinalava Mercadante em 2010. O social-desenvolvimentismo, contrapondo-se à incapacidade
do nacional-desenvolvimentismo em promover um ambiente macroeconômico estável, reconhece
que este é um pré-requisito indispensável, ainda que insuficiente, para que uma estratégia de
desenvolvimento possa ser exitosa nos planos econômico e social194.
À diferença do nacional-desenvolvimentismo, o social-desenvolvimentismo apresenta, em
termos de política externa e de comércio exterior, uma inclinação mais internacionalista. Para
Aloízio Mercadante Oliva (2010, p. 33), o novo padrão de desenvolvimento da economia
brasileira traz consigo um protagonismo no cenário internacional:
Embora contenha elementos nacionalistas, dada a sua ênfase política na soberania
nacional e na eliminação da dependência e da vulnerabilidade externa, é decididamente
mais internacionalista que o velho nacional-desenvolvimentismo, pois apoia a
construção da nação na integração regional, em uma diversificação cada vez maior de
parcerias comerciais e diplomáticas e em um protagonismo intenso nos foros de
governança global e no cenário internacional.
É digna de nota ainda uma última diferenciação entre os dois projetos enumerada pelo
autor: trata-se de uma maior preocupação por parte do social-desenvolvimentismo com a questão
ambiental e a construção de uma economia verde, o que estaria em sintonia com os tempos
193 Ainda que a tese de doutorado do autor se intitule “As bases do novo desenvolvimentismo no Brasil: análise do governo Lula
(2003-2010)”, ela se enquadra nos marcos de análise do que tem sido chamado de “social-desenvolvimentismo”. 194 Esta crítica foi anteriormente formulada pelo Bresser Pereira (2009), para quem o antigo desenvolvimentismo nutria certa
complacência com os déficits públicos e a inflação.
217
atuais. No entanto, convém ponderar que a alegada diferenciação pouco ultrapassou o campo da
retórica social-desenvolvimentista, não se desdobrando, no plano concreto, em ações efetivas.
Concluindo e sumarizando o exposto até aqui, o crescimento econômico mais elevado (ao
menos até 2010), com uma relativa estabilidade macroeconômica, fortalecimento do poder de
compra dos salários de base da economia e das políticas sociais, diminuição das taxas de
desemprego, da pobreza e da concentração da renda, em um cenário político democrático, fazem
com que o social-desenvolvimentismo reivindique a sua singularidade histórica no longo
processo de desenvolvimento capitalista no Brasil.
* * *
A apreciação do período social-desenvolvimentista realizada pelos economistas neoliberais
é um bom ponto de partida para se promover uma reflexão crítica acerca dos dois projetos
políticos em disputa atualmente na sociedade brasileira, de suas respectivas estratégias de
desenvolvimento e dos seus impactos sobre o mercado de trabalho.
Nesse sentido, convém partir da constatação de que, para os neoliberais, o cenário
internacional é um elemento central na explicação do quadro econômico favorável verificado a
partir de meados da década passada. Por exemplo, Fábio Giambiagi e Alexandre Schwartsman
(2014), dois dos mais notórios expoentes da linha de pensamento aqui examinada, apontam
quatro variáveis como decisivamente importantes para o êxito verificado no período em tela –
três das quais ligadas ao cenário externo – que juntas comporiam um “quadrado mágico” ou um
“paraíso zodiacal”: i) uma evolução bastante positiva dos termos de troca; ii) o baixo patamar das
taxas de juros internacionais; iii) uma taxa de câmbio persistentemente valorizada; e, por fim, iv)
uma alta disponibilidade de mão de obra no início do ciclo195.
Não há como negar que o cenário externo, até 2008, foi amplamente favorável à economia
brasileira, pelas razões acima apontadas pelos autores. No entanto, não deixa de ser curioso o
papel quase irrelevante dado às políticas macroeconômicas e às políticas sociais, aspecto já
suficientemente discutido no capítulo anterior, assim como a importância secundária que é
atribuída ao mesmo cenário externo quando são discutidas as razões pelas quais a situação
econômica do país se deteriorou a partir de 2011. Na realidade, os bons indicadores econômicos e
195 O argumento de que “o mundo todo expandiu a sua economia a partir de 2003 e o Brasil apenas aproveitou a maré favorável”,
em suas diversas variantes, também se enquadra nessa retórica.
218
sociais do período recente são vistos como consequência de um processo que se iniciou
anteriormente, pelo menos desde a estabilização dos preços em meados da década de 1990. Ou
seja, nada mais são do que uma evolução “natural” das medidas implementadas no passado196.
O fato é que a aceleração do crescimento econômico verificada a partir de 2004 teve como
base os estímulos advindos do exterior. No entanto, o ritmo e a direção dos seus impactos sobre o
tecido social foram condicionados por políticas públicas, especialmente as sociais,
implementadas pela Constituição de 1988 e no período recente, como as políticas de valorização
do salário mínimo e de transferência de renda, beneficiadas pelo espaço fiscal criado. Estas
políticas, por sua vez, retroalimentaram o crescimento econômico, potencializando-o. Os
resultados sociais do “milagre” econômico brasileiro, nos anos 1970, e o ineditismo histórico da
combinação dos movimentos de aumento real do rendimento médio do trabalho e de redução do
índice de Gini, observado nos anos recentes, são bastante reveladores da dimensão do problema
que aqui se quer chamar a atenção.
Convém, então, refletir de maneira mais detida sobre o último ponto do “quadrado
mágico”, ou seja, sobre a existência prévia de pessoas desocupadas e, portanto, disponíveis para
se engajar na produção. Para os autores supracitados:
De fato, aumentar o salário mínimo, estimular o crédito, engordar o gasto público e
promover uma “lipoaspiração” da SELIC podem funcionar como ingredientes de
ativação da demanda, quando é a escassez desta que está limitando a economia. Isso,
porém, não é mais o caso. Quando as plantas estão prontas e há gente desempregada,
aumentar a produção é relativamente fácil se há demanda em perspectiva pela frente:
basta contratar mais gente. Quando os galpões e as máquinas são ocupados e não há
mais gente sobrando para contratar, porém, tudo se torna mais difícil e desafiante, pois
não basta ocupar as pessoas: é preciso que elas se tornem produtivas. E como dizia
sabiamente Paul Krugman, “a longo prazo, a produtividade é quase tudo”. O Brasil
cresceu ocupando gente, mas não se preparou devidamente para quando chegasse o
momento de não mais poder depender da ocupação de mais e mais pessoas. Agora, esse
momento está chegando (GIAMBIAGI; SCHWARTSMAN, 2014, p. 32).
Primeiramente, não se pode deixar de registrar que se havia um grande contingente de
trabalhadores desempregados antes do início do período social-desenvolvimentista, isto se devia,
em larga medida, às políticas de ajuste neoliberal implementadas nos anos 1990, conforme se
196 “Não é de estranhar que, nos primeiros anos da estabilização, o ambiente macroeconômico não fosse ainda suficientemente
encorajador para as decisões de investimento. Seja pela memória até então recente do fracasso dos cinco planos anteriores
adotados entre 1986 (Cruzado) e 1991 (Collor II), seja pela incerteza acerca da continuidade do respeito aos fundamentos em caso
de mudança de governo, havia dúvidas pertinentes acerca do comportamento futuro da economia. A combinação de uma transição
política bem-sucedida com a posse do governo Lula em 2003, preservação do arcabouço de políticas pelo novo governo e
excelente receptividade ao reforço dessas políticas por parte da equipe econômica do Ministro Palocci, junto com o rápido
declínio da inflação em 2003/2004, em função de tais medidas, parece ter despertado o animal spirit empresarial, dando início ao
novo ciclo de crescimento a partir de 2004” (GIAMBIAGI; PINHEIRO, 2012, p. 51).
219
discutiu no capítulo quatro desta tese. Assim, cabe indagar: se para crescer em um cenário de
elevado excedente de mão de obra “basta contratar mais gente”, por que não se procedeu dessa
maneira durante a década de 1990? Como ter “demanda em perspectiva pela frente” com salários
reais em queda, elevados níveis de desemprego e proliferação de postos de trabalho precários?
Com efeito, tal como organizado pelos pensadores de visão neoliberal, o debate oporia, de
um lado, os economistas que acreditam que uma estratégia de crescimento deve estar ancorada no
aumento da produtividade – resultado, por sua vez, de uma economia com elevado nível de
poupança, gasto público reduzido, boa infraestrutura e mão de obra escolarizada e qualificada. De
outro lado, estariam reunidos os economistas que, ao relegarem a produtividade a um segundo
plano, privilegiariam um padrão de desenvolvimento baseado em estímulos à ampliação da
demanda agregada, com altas doses de assistencialismo e de gasto público. A avaliação do
comportamento recente da economia brasileira realizada por Fabio Giambiagi e Armando
Castelar Pinheiro (2012, p. 272) é ilustrativa a esse respeito:
O país baseou o seu crescimento nos últimos anos, notadamente na segunda metade da
década passada e no começo da atual, quando a produtividade não teve um grande
desempenho, em fortes estímulos à demanda, com muito gasto público, alto grau de
assistencialismo, despreocupação com a poupança, consumo crescendo a taxas fortes,
educação pobre e infraestrutura precária. Está na hora de migrar para um modelo com
ênfase no aumento da produtividade e menor crescimento do gasto público, em que a
expansão seja liderada pelo investimento, com maior poupança interna e uma obsessão
com a melhoria dos indicadores educacionais e da infraestrutura. São essas as bases
firmes para a expansão duradoura da economia.
Na verdade, conforme foi discutido na primeira parte desta tese, os economistas
heterodoxos que primeiro se ocuparam do estudo do desenvolvimento econômico de países de
industrialização tardia tinham no centro de suas reflexões o reconhecimento de que o crescimento
econômico sustentado, alicerçado em uma estrutura produtiva homogênea e integrada, em
incorporação de inovações tecnológicas e em aumento da produtividade do trabalho, é o pilar
para a construção de uma sociedade moderna e civilizada.
Portanto, nada mais falso do que a aludida oposição proposta por pensadores neoliberais197.
O que há, na realidade, é uma relativa divergência dos caminhos a serem percorridos para que a
economia brasileira atinja um nível de produtividade mais elevado, ou, em outros termos, de se
197 Em artigo recente publicado na imprensa brasileira, Edward Amadeo organiza o debate tal como enunciado: “Para
os Liberais, a fonte do crescimento é a produtividade. Por isso, todo cuidado é pouco com a estabilidade, requisito
para o investimento e a inovação. Já os Desenvolvimentistas veem na demanda a fonte do crescimento. Por isso
lançaram mão de estímulos ao consumo, cuja expansão seria o incentivo para as empresas investirem. Para sua
surpresa, o mega-estímulo produziu taxas decrescentes de investimento (AMADEO, 2015).
220
reconhecer (ou não) que uma demanda mais elevada pode contribuir para impulsionar a
produtividade da economia. Para o social-desenvolvimentismo, a ampliação do consumo,
estimulada pelo aumento da renda do trabalho e pelas políticas sociais, ao induzir investimentos,
também tem o condão de estimular o progresso técnico e, assim, a produtividade, sem prejuízo de
outras medidas igualmente necessárias (como os investimentos autônomos em infraestrutura).
Como ensinou Adam Smith, o tamanho do mercado é um limitador da divisão do trabalho e, em
consequência, dos aumentos de produtividade.
Nessa linha de raciocínio, não se trata de contestar que o crescimento do PIB per capita na
década passada foi favorecido pela oferta de mão de obra barata, com pouca relevância dos
ganhos de produtividade, ao contrário do que ocorreu nos anos 1990, quando o PIB per capita
aumentou relativamente pouco, mas com base em ganhos mais expressivos de produtividade,
ainda que à custa do emprego. Nem há dúvida de que, doravante, o crescimento do PIB per
capita dependerá cada vez mais de aumentos robustos da produtividade média do trabalho198.
Porém, é de fundamental importância para esta discussão considerar que os baixos ganhos
de produtividade têm raízes estruturais, posto que a trajetória de alto crescimento da economia
brasileira foi interrompida ainda nos anos 1980, junto com a débâcle do investimento industrial.
Ou seja, a trajetória modesta do incremento da produtividade sistêmica, cujo comportamento foi
indiferente às variadas conjunturas econômicas e às mudanças nas políticas econômicas adotadas
desde então, remete à crise do desenvolvimento e ao problema da desindustrialização precoce já
no final do século passado, conforme foi analisado nos capítulos 2 e 3.
As transformações capitalistas que se aprofundaram nos anos 1980, que foram objeto de
reflexão no capítulo 2, comprimiram substancialmente os espaços existentes para as economias
periféricas implementarem políticas nacionais de desenvolvimento, ao mesmo tempo que foi
sendo gestado um novo padrão de concorrência capitalista – mais internacionalizado e
financeirizado –, amparado pela fragmentação mundial dos processos produtivos e a sua
organização em cadeias de valor global. O posicionamento da indústria brasileira nos elos menos
dinâmicos destas cadeias, somado a uma sobrevalorização crônica e persistente do câmbio e a
variados problemas conjunturais que se sucederam nas últimas décadas, fizeram que o
198 Para uma análise da evolução recente da produtividade na economia brasileira, bem como dos desafios atuais que se colocam
para a sua elevação, sugere-se a leitura de Cavalcante e De Negri (2014), De Negri e Cavalcante (2014), Squeff e Amitrano
(2014) e Nogueira, Infante e Mussi (2014).
221
crescimento industrial caísse vertiginosamente e afetasse a economia como um todo, provocando,
assim, uma relativa estagnação da produtividade.
Portanto, a baixa produtividade do trabalho da economia brasileira não revela tão somente
um problema de baixa qualificação da força de trabalho (que é evidente e indiscutível), mas,
antes de tudo, relaciona-se com a configuração estrutural que esta economia assume a partir dos
anos 1980, marcada pelo encolhimento do peso da indústria (e do emprego por ela gerado) e pela
sua posição subalterna nas cadeias de valor global, com o que favoreceu uma reprimarização da
pauta de exportações do país. Em contrapartida, viu-se um crescimento desmesurado dos
serviços, especialmente os de baixíssima produtividade, muitas vezes alocados no setor informal
da economia199. Ademais, convém reconhecer que a heterogeneidade estrutural da economia
brasileira manteve-se praticamente inalterada nas últimas décadas, evidenciando que a
estabilidade macroeconômica per se não é suficiente para a sua superação. Como explicam
Nogueira, Infante e Mussi (2014, p. 358-359):
Os diferenciais de produtividade refletem, em alguma medida, a capacidade que as
empresas possuem de responder às políticas macroeconômicas e às mudanças exógenas
na conjuntura macro, mesmo em um contexto no qual as condições de estabilidade são
atendidas. É evidente, portanto, que um ambiente de maior volatilidade constitui um
cenário propício para que a heterogeneidade se acentue. Por outro lado, o cenário de
relativa estabilidade macro não constitui condição suficiente para a redução dos
diferenciais que caracterizam a HE – Heterogeneidade Estrutural: é necessário que
algumas variáveis macroeconômicas sejam manejadas de forma adequada a este
objetivo.
Em complemento, importa ressaltar que a política industrial é um ponto essencial para o
novo padrão de desenvolvimento nacional, como chama a atenção Carlos Medeiros (2012, p. 82):
Se no desenvolvimento dos anos 1970 o desencontro básico era entre o alto crescimento
industrializante e a inclusão social, o desenvolvimentismo que se afirma nos dias atuais
caracteriza-se por outro desencontro entre uma maior inclusão social (em que pese o
tamanho absoluto da população ainda excluída), mas, ao mesmo tempo, uma estrutura
produtiva menos diversificada e exportações mais especializadas nos setores intensivos
em recursos naturais.
Os autores neoliberais dão a esta discussão uma importância secundária, afinal, para eles, a
economia brasileira no final da década de 1970, e mesmo nos anos 1980, encontrava-se
“sobreindustrializada” (BONELLI; PESSOA; MATOS, 2013), ou seja, apresentava graus de
industrialização bem acima da norma internacional. A partir daí, o que ocorreu, na visão deles,
199 Os enormes diferenciais de produtividade existentes entre o setor formal e o informal levam a questionar se o aumento da
formalização (dos negócios e dos vínculos empregatícios) redundaria em ganhos adicionais de produtividade para a economia
brasileira, conforme sugerem Gabriel Squeff e Claudio Amitrano (2014) com base em simulações realizadas para os anos 2000.
222
foi que o Brasil se aproximou desta norma, ainda que se reconheça que, no período mais recente,
a economia brasileira se posicione em um patamar ligeiramente abaixo do padrão considerado
normal200.
Nesta visão, os problemas do mercado de trabalho, como o desemprego, a informalidade e
a rotatividade, são, prioritariamente, de origem institucional, ou seja, as instituições trabalhistas
brasileiras não geram os incentivos corretos para o bom funcionamento deste mercado. Para José
Márcio Camargo (2009), por exemplo, as taxas de desemprego brasileiras – ainda elevadas na
comparação internacional quando da elaboração do artigo – decorrem da alta assimetria de
informações existentes no mercado de trabalho dos jovens201 e dos elevados salários de reserva
dos trabalhadores pouco qualificados (proveniente de “robustas” transferências governamentais,
sobretudo de aposentadorias). A informalidade, por seu turno, adviria da rigidez do contrato de
trabalho e da diferença existente entre o salário pago ao trabalhador e o custo do trabalho para a
empresa. Por fim, as altas taxas de rotatividade relacionam-se com o “prêmio” concedido ao
trabalhador no momento da sua demissão (o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS).
Na mesma linha, para Bicalho e Goldfajn (2014) uma maior contribuição do trabalho para o
crescimento econômico e a competitividade da economia brasileira adviria da adoção de políticas
de estímulos à imigração, do aumento da taxa de participação no mercado de trabalho e da
elevação da produtividade do trabalho. Como medidas para que tais resultados fossem
alcançados, os autores sugerem, basicamente, uma flexibilização da legislação trabalhista, no
sentido de que as contratações em período parcial sejam promovidas, o processo de contratação
facilitado, o negociado prevaleça sobre o legislado e o período de concessão de férias seja
flexibilizado.
Alternativamente, porém, entende-se que a viabilidade do atual padrão de desenvolvimento
e, consequentemente, a continuidade dos avanços obtidos no mercado de trabalho, requer a
elaboração de políticas (macroeconômicas e setoriais) destinadas à recuperação da indústria
brasileira, segmento responsável, por excelência, pela incorporação do progresso técnico202. Disto
200 Em artigo publicado na imprensa, Samuel Pessoa (2014) afirma, de maneira categórica: “Não me parece haver evidência
empírica de que a indústria seja especial sob algum critério”. 201 “Os elevados custos de demissão no Brasil inibem as empresas de utilizarem o processo de tentativa e erro para “descobrir” a
qualidade dos trabalhadores, o que tende a aumentar a taxa de desemprego dos jovens” (CAMARGO, 2009, p. 237). 202 “A ideia de Revolução Industrial como um momento crítico trata da constituição histórica de um sistema de produção e de
relações sociais que subordinam o crescimento da economia a sua capacidade de gerar renda, empregos e criar novas atividades.
O surgimento da indústria como sistema de produção apoiado na maquinaria ‘endogeiniza’ o progresso técnico e impulsiona a
divisão social do trabalho, engendrando diferenciações na estrutura produtiva e promovendo encadeamentos intra e intersetoriais.
Além de sua permanente autodiferenciação, o sistema industrial deflagra efeitos transformadores na agricultura e nos serviços. A
223
depende um ritmo de crescimento econômico mais elevado e duradouro e, portanto, uma maior
geração de postos de trabalho. Ademais, como consequência desse processo, o mercado de
trabalho brasileiro seria qualificado, uma vez que seria estimulada a migração de trabalhadores
dos serviços para a indústria, setor sujeito a maiores níveis de produtividade e de salários, além
de uma menor rotatividade dos postos de trabalho. De acordo com Luiz Gonzaga Belluzzo e Júlio
Gomes de Almeida (2012, p. 40):
O Brasil incorporou 16 milhões de famílias ao mercado de consumo moderno por conta
das políticas sociais e de elevação do salário mínimo, que habilitam esses novos
cidadãos ao crédito. Essa incorporação será limitada se não estiver apoiada na ampliação
do espaço de criação da renda. Nas economias emergentes bem-sucedidas, a ampliação
do espaço de criação da renda é fruto da articulação entre as políticas de
desenvolvimento da indústria (incluídas a administração do comércio exterior e do
movimento de capitais) e o investimento público em infraestrutura. Esse arranjo, ao
promover o crescimento dos salários e dos empregos, gera, em sua mútua fecundação,
estímulos às atividades complementares e efeitos de encadeamento para trás e para
frente.
Se, do lado da oferta, é de fundamental importância promover uma “reindustrialização” da
economia brasileira, pelo lado da demanda é igualmente necessário que se mantenham os
esforços de construção de um mercado interno de consumo de massas, consolidando-o como um
dos pilares do novo padrão de desenvolvimento.
Para tanto, o modo como os salários se estruturam no mercado de trabalho é de
fundamental importância. Não que isto determine o grau de absorção de mão de obra pelo
sistema econômico, a partir de uma correlação inversa entre salários e empregos, como crê a
ortodoxia econômica, mas por que a expansão (e uma melhor distribuição) dos salários constitui
um dos principais vetores de estruturação de uma sociedade de consumo de massas.
Como, então, dar perenidade ao movimento de ampliação do rendimento médio real dos
trabalhadores, e, assim, fortalecer a participação dos salários na renda nacional, sem que se
pressione exageradamente a taxa de salários da economia brasileira? Carlos Medeiros (2012, p.
83-84) contribui para esta reflexão:
[...] se persistir uma situação caracterizada por um setor industrial que não se moderniza
e se diversifica e, ao mesmo tempo, mantendo-se salários elevados (em relação aos
países asiáticos, em particular a China), a economia brasileira tornar-se-á
estruturalmente dependente do seu primário exportador e viverá um permanente conflito
entre um custo de trabalho alto com alto déficit comercial na indústria e um custo de
agricultura contemporânea não é mais uma atividade “natural” e os serviços já não correspondem ao papel que cumpriam nas
sociedades pré-industriais. O avanço da produtividade geral da economia não é imaginável sem a dominância do sistema
industrial no desenvolvimento dos demais setores (BELLUZZO; ALMEIDA, 2012, p. 38, grifos próprios)”.
224
trabalho baixo, com menor déficit comercial na indústria mas com baixa expansão dos
mercados internos. Esse conflito foi fortemente agravado na economia brasileira em
função da valorização da taxa de câmbio, mas ele pode tornar-se estrutural.
Enfim, no centro da discussão está o dinamismo da indústria nacional e sua importância
para o atual padrão de desenvolvimento. Dela depende, conforme já se disse, a continuidade dos
avanços obtidos no mercado de trabalho nos últimos anos, incluindo o crescimento dos salários.
Afinal, a modernização e a diversificação do setor industrial são condições necessárias para que a
produtividade do trabalho se eleve e que os aumentos salariais ocorram sem maiores pressões
sobre o nível de preços da economia203.
Entende-se que, nesse contexto, cabe chamar a atenção para as enormes lacunas ainda
existentes em termos de escolaridade e de qualificação da força de trabalho brasileira. O baixo
desempenho dos estudantes brasileiros em programas de avaliação do aprendizado escolar,
nacionais e internacionais, mostra que, para além da inclusão das crianças e dos jovens no
sistema educacional, é preciso melhorar substancialmente a qualidade do ensino ofertado,
aproximando-a dos padrões de excelência vigentes nos países considerados desenvolvidos.
Além disso, não basta que a produtividade da economia brasileira avance de maneira
continuada nas próximas décadas. É necessário, igualmente, que mecanismos institucionais
induzam a uma distribuição mais equitativa destes ganhos, favorecendo a expansão dos salários.
Isto se justifica, primeiro, por que o poder de apropriação do excedente econômico é
desigualmente distribuído entre classes e frações de classes sociais. Em segundo lugar, a
produtividade é, especialmente nos dias de hoje, uma variável de natureza social; e, em larga
medida, resultado de sistemas nacionais de inovação, e não meramente de esforços envidados
pelas empresas204. Nesse sentido, são muito importantes as políticas de valorização do salário
203 Não há indicadores que apontem de maneira conclusiva que os salários no período recente tenham crescido acima da
produtividade. De acordo com Naércio Menezes Filho (2014): “os dados mostram que não há evidências de descolamento entre a
produtividade e os salários pagos em nenhum setor agregado da economia brasileira nos últimos anos. Na indústria e no setor de
serviços, o aumento real de rendimentos pagos foi pequeno, em linha com a estagnação da produtividade. O aumento de salário
nesses setores foi repassado para preços, o que tem contribuído para manter a pressão inflacionária. [...] Para continuar
aumentando o salário real, será necessário aumentar a produtividade na indústria e nos serviços e manter a inflação sob controle”.
Ademais, no período recente não pode ser imputado ao comportamento dos salários uma possível perda de competitividade da
indústria nacional. Conforme analisa Antônio Carlos Diegues (2015): “[...] os indicadores refutam a tese de que o aumento do
salário real acima da produtividade tenha se configurado como um dos principais elementos para a erosão da competitividade da
indústria brasileira”. Entre 2000 e 2010, aponta este autor, houve aumento da massa de lucro, ao passo que indicadores que
consideram o percentual do lucro com relação ao valor da transformação industrial (VTI), à receita e ao ativo não se deterioraram. 204 As reflexões de Celso Furtado a esse respeito são bastante elucidativas. Para ele, “na medida em que avança a divisão social do
trabalho, que o sistema econômico ganha em complexidade e cresce o papel da criatividade no aumento do produto, o conceito
corrente de produtividade do trabalho (que é microeconômico) perde nitidez: a natureza social do fenômeno da produtividade
manifesta-se em sua plenitude”. Adiante, ele prossegue: “A manipulação dos valores finais pelos grupos que mantêm o monopólio
de certas formas de criatividade, ou simplesmente a propaganda comercial e/ou o controle patrimonial, pesa de forma crescente no
225
mínimo e a plena liberdade de organização sindical para ampliar o poder de barganha dos
trabalhadores.
Dois outros elementos merecem destaque no que toca à reflexão acerca da sustentabilidade
do aumento real dos salários no longo prazo. Um ponto diz respeito à necessidade de aumentar a
produtividade nos setores que produzem bens salários, como o de gás, energia elétrica, alimentos,
transporte público e habitação popular. Outro ponto relaciona-se com a oferta e gratuidade de
serviços públicos, como saúde e educação, com o que diminuiria o peso desses serviços sobre o
orçamento das famílias, que, assim, poderiam destinar os recursos liberados para a aquisição de
bens de consumo duráveis.
Parece que a questão central do debate sobre mercado de trabalho e padrão de
desenvolvimento, conforme chamou a atenção Guy Standing (1997), reside no dilema de como
sustentar formas de regulação que promovam níveis adequados de segurança no trabalho em um
contexto de divisão internacional do trabalho fundamentalmente diferente da que vigorou no pós-
guerra, sublevada pela entrada dos países asiáticos na produção global de manufaturas, e de
emergência e de consolidação de novos paradigmas tecnológico e econômico. Suas observações,
embora voltadas para os países desenvolvidos, são apropriadas para o caso brasileiro:
In the industrialized countries at least, a key aspect of the era was the presumption of
something close to production stability, in which the industrial structure was expected to
change slowly and predictably, and in which the ‘advanced’ capitalist economies were
essentially trading with countries with similar levels of labour rights, or were exporting
manufacturing and service to countries that were exchanging primary products, often in
‘unequal exchange’. This was a crucial feature of the system, for it meant that labour
rights in any one country were not perceived as onerous costs or ‘burdens on bussiness’
(STANDING, 1997, p. 9-10).
Ademais, é desejável que uma melhor distribuição da renda, incluindo a do trabalho,
assuma uma maior centralidade no padrão de desenvolvimento atual. Há razões econômicas, e
não somente de justiça social, para tanto. Evidências estatísticas apresentadas por Andrew Berg e
Jonathan Ostry (2011), pesquisadores do Fundo Monetário Internacional, apontam que países que
ostentam padrões distributivos mais igualitários tendem a apresentar, no longo prazo, uma maior
estabilidade do crescimento econômico. Ao contrário, quanto maiores os níveis de desigualdade,
menor a durabilidade dos períodos de crescimento da economia. Segundo eles, tal constatação
permanece válida mesmo quando são considerados outros determinantes da duração do
processo de apropriação do excedente. Desta forma modifica-se a arena na qual operam as forças tradicionalmente responsáveis
pela distribuição da renda” (FURTADO, 1978, pp. 97-98).
226
crescimento econômico, como choques externos, renda inicial, qualidade institucional, abertura
comercial e estabilidade macroeconômica, são considerados.
Em estudo posterior, as novas evidências apresentadas avalizaram a conclusão acima
mencionada. De acordo com Berg, Ostry e Tsangarides (2014, p. 26):
[…] there is surprisingly little evidence for the growth-destroying effects of fiscal
redistribution at a macroeconomic level. We do find some mixed evidence that very
large redistributions may have direct negative effects on growth duration, such that the
overall effect—including the positive effect on growth through lower inequality—may
be roughly growth-neutral. But for non-extreme redistributions, there is no evidence of
any adverse direct effect. The average redistribution, and the associated reduction in
inequality, is thus associated with higher and more durable growth.
Dessa forma, existem evidências estatísticas que autorizam a afirmação de que reduções
dos níveis de desigualdade não provocam necessariamente uma desaceleração do crescimento
econômico, como crê a ortodoxia econômica; e que podem assumir um efeito geral contrário, ou
seja, pró-crescimento, possivelmente com a exceção dos casos mais extremos de redistribuição da
renda. Nesse sentido, parece clara a necessidade de se avançar nessa agenda: a distribuição de
renda via programas de transferência de renda e de elevação do salário mínimo apresenta sinais
de esgotamento. Portanto, é preciso uma atuação governamental mais direta no processo de
distribuição da renda, aumentando a importância relativa e a progressividade dos impostos sobre
a renda e a propriedade, em detrimento daqueles incidentes sobre o consumo205.
Diante dessas reflexões, parece incontestável que uma estratégia de crescimento neoliberal
é incapaz de dar respostas convincentes aos principais problemas e desafios que hoje se colocam
para o mercado de trabalho brasileiro, sobre os alicerces de um capitalismo periférico. Para os
seus adeptos, a manutenção de sólidos fundamentos macroeconômicos e instituições trabalhistas
que produzam incentivos adequados ao comportamento dos agentes econômicos são os elementos
necessários para o bom funcionamento do mercado de trabalho. Se a validade de tal proposição é
questionável no caso dos EUA, soa totalmente inadequada para o Brasil.
A eliminação do subemprego estrutural exige que a produtividade média do trabalho cresça
de forma sustentada, a partir da incorporação em camadas de produtividade intermediária das
pessoas alocadas no subemprego, o que não pode ocorrer sem um crescimento econômico
elevado e sustentado ao longo do tempo. Estas camadas, por seu turno, também devem aumentar
os seus níveis de produtividade, o que pode exigir algum grau de proteção, seja via subsídios,
205 Uma discussão mais aprofundada a esse respeito foi realizada em DIEESE (2014c).
227
tarifas ou vantagens creditícias. As atividades de produtividade elevada, por seu turno, devem ser
também objeto de políticas (temporárias) de promoção e de proteção, visto que o ritmo de
crescimento de produtividade tende a se dar de modo mais acelerado nos países centrais, podendo
gerar a qualquer momento defasagens tecnológicas. Impõe-se como fundamental, nesse sentido, o
desenho e a implementação de políticas tecnológicas e produtivas, concatenadas sob a
organização de um Sistema Nacional de Inovação (RODRÍGUEZ, 2009; 2010).
As políticas de mercado de trabalho, em especial o tradicional tripé de proteção ao emprego
– a intermediação de mão de obra, a qualificação profissional e o seguro desemprego – devem
estar articuladas entre si, como componentes de um Sistema Público de Emprego, e sustentadas
por fontes de financiamento adequadas, de modo que possam efetivamente diminuir o
desemprego friccional e combater o desemprego estrutural, passível de manifestação em
diferentes regiões do país.
* * *
No momento em que esta tese foi concluída, no início de 2015, o projeto político do social-
desenvolvimentismo encontrava-se numa encruzilhada. Muitas das medidas de política
econômica adotadas desde o final de 2014 apontavam para um rompimento com o padrão de
desenvolvimento que vigorou nos últimos dez anos. As sinalizações do Governo Federal
indicavam que um enorme esforço fiscal seria perseguido e que reduzir a inflação (convergindo
para o centro da meta definida pelo regime monetário) seria a prioridade do Ministério da
Fazenda, o que levava o Banco Central a manter as taxas de juros em níveis elevados. A adoção
de medidas recessivas, que desaquecem o mercado interno de consumo, projetava um horizonte
desfavorável para a retomada dos investimentos nos próximos anos. Por sua vez, o cenário
internacional marcado pela incerteza quanto aos desdobramentos da crise econômica na Europa e
pelo pessimismo em relação à evolução dos preços das commodities tornava improvável que
houvesse, no médio prazo, uma recuperação econômica puxada pelas exportações. Dessa forma,
o padrão de desenvolvimento que Dilma Rousseff defendeu durante a campanha da sua reeleição
podia se tornar inviável. Embora o ajuste macroeconômico fosse considerado aos olhos do grupo
político hegemônico como essencial para garantir as conquistas recentes e para recompor a
confiança dos agentes econômicos, havia um risco evidente de que representasse a reconversão
para uma estratégia de crescimento de perfil mais liberal, similar àquela adotada no final da
228
década de 1990, cujas consequências nefastas para o mercado de trabalho brasileiro já foram
discutidas.
Portanto, estava em jogo a possibilidade de manter a tendência de reconfiguração do
mercado de trabalho no sentido de, efetivamente, completar a superação dos traços associados ao
subdesenvolvimento e de proporcionar oportunidades de emprego digno para todos os
trabalhadores brasileiros. E estava em jogo a possibilidade de manter o trabalho como um vetor
estratégico no desenvolvimento econômico e social.
229
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