a e A r t e & E n s a i o s Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais / EBA / UFRJ ano XVIII · n. 23 · novembro 2011
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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a e A
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E n s a i o
s
Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais / EBA / UFRJ
ano XVIII · n. 23 · novembro 2011
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ISSN - 1516-1692
Semestral
BARTHOLOMEU, Cezar, TAVORA, Maria Luisa (org.)Arte & Ensaios n. 23. Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação
em Artes Visuais/ Escola de Belas Artes, UFRJ, novembro de 2011.224 p.
1. Artes Visuais 2. História e Teoria da Arte3. Imagem e Cultura 4. Linguagens Visuais
I. Universidade Federal do Rio de Janeiro II. Título
a e A
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E n s a i o
s
Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais / eba / ufrj. Qualis A2 – CAPES
Apoio CNPq e CAPES
UFRJ · Universidade Federal do Rio de JaneiroReitor | Carlos Antônio Levi da ConceiçãoDecano do Centro de Letras e Artes | Flora De Paoli FariaDiretor da Escola de Belas Artes | Carlos Gonçalves TerraCoordenadora do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais | Maria Cristina Volpi Nacif
EDITORES RESPONSÁVEIS
Cezar BartholomeuMaria Luisa Tavora
COMITÊ EDITORIAL
Carlos Alberto MuradMaria Luisa Tavora
Milton MachadoRogério Medeiros
CONSELHO EDITORIAL
Amaury FernandesAna CavalcantiAngela Ancora da LuzAngela LeiteCarlos MuradCezar BartholomeuDóris KosminskyFrançois Soulages(Université de Paris VIII)Georges Didi-Huberman(EHESS/Paris)Gerardo Mosquera (New
Museum of ContemporaryArt NY)Giselle RuizGlória FerreiraGuto NóbregaGuy Brett (Curadorindependente Inglaterra)
Jean-Claude Lebensztejn(Université de Paris 1)Livia FloresMarcus DohmannMaria Luisa TavoraMaria Luiza FragosoMarize MaltaMilton MachadoPaulo VenancioRogério MedeirosSonia Gomes PereiraTadeu Capistrano
EDITORES EXECUTIVOS
Gloria CostaRonald Duarte
EQUIPE EDITORIAL
Analu CunhaAna MannarinoCarla de CiccoClaudia BakkerDenise LopesGabriela MuredGloria CostaMariana EstellitaMarina MenezesRoberta BarrosRonald DuarteViviane Viana
REVISÃO
Maria Helena Torres
ABSTRACTS Elvyn Marshall
PROJETO GRÁFICO
Mary Paz Guillén
CAPA
Milton Machado
AGRADECIMENTOS
Bárbara Spanoudis
Inês de Araujo
Floriano RomanoGabriel AmorimConchita MorgadoElizabete Marin RibasLouise GanzLuiza VidalLuis Camillo OsorisMAC USPMaria Isabel BrancoMarisa FloridoPriscila PlantaridaVanessa Santos
6
40
Apresentação
O que eu quero que você veja é a soMilton Machado
Espetáculos de civilidade: modernidpós-modernidade no papel-moeda Amaury Fernandes
Festas reais em Portugal e no Brasilorganização, sentido, função socialCybele Vidal Neto Fernandes
A imersão no panorama de Victor M
Cristina Pierre de França
O ticumbi: imagens e memória da VItaúnasLuciana Alvarenga
De quantas partes se faz uma quimmaquínica?Bete Esteves
Sob palavras e imagens: proposiçãoe contextualização cultural de um dtivo digital de artemídiaMano Vianna
Robert Morris e o estúdio do artistaKim Paice
Teatro de imagens e autobiografia:espetáculo?Gabriela Lírio Gurgel Monteiro
As Exposições Gerais da Academia Artes: teatro de corte e formação dmercado de artes no Rio de JaneiroLeticia Squeff
Theon Spanudis Arte das formas e arte das formaçõ
ENTREVISTA
52
ARTIGOS
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82
94
104
118
COLABORAÇÕES
REEDIÇÃO
128
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SUMÁRIO
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APRESENTAÇÃO
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Além da crítica institucionalIsabelle Graw
Representação, apropriação e poderCraig Owens
A função do ateliêDaniel Buren
Espetáculo, atenção, contramemóriaJonathan Crary
Analu Cunha
Heloisa Schneiders da Silva obra e escritosGlória Ferreira
No contemporâneo: arte e escrituraexpandidasAna Mannarino
Gerhard Richter, SinopseAlvaro Seixas
José ResendeFelipe Scovino
Ana Linnemann, CartoonVera Beatriz Siqueira
Francis Alÿs - A Story of DeceptionDoris Kosminsky
Sumário das edições anteriores
160
186
196
210
212
213
214
216
217
220
222
PÁGINA DUPLA
RESENHAS
TEMÁTICAS 148
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 20116 ENTREVISTA | MILTON MAC
Cezar Bartholomeu Acho interessante começar pensando sua relação com a arquitetura.
Milton Machado Minha história curricular é a seguinte: na minha infância, um tio da Marinha
era capitão de mar e guerra, me trazia brinquedos importados, carrinhos com controle remoto e tu
mais. Por influência dele, eu quis ser da Marinha também para poder viajar, ter coisas importadas
para isso tinha que ser militar, e eu não tinha a menor vocação. Tomei um gosto por montagen
engenharias, a partir de um brinquedo francês que ele me trouxe chamado Mecano, fantástico, c
qual você monta estruturas, helicópteros, rodas-gigantes. Eu brincava com esse brinquedo diariam
montava coisas incríveis, às vezes fugia do figurino dos manuais, fazia coisas que eu mesmo inven
minhas próprias máquinas. Então eu achei que estudar engenharia seria, além de uma coisa de ger
vocação. Fiz um ano de engenharia na PUC, em 1964. No meio do ano, comecei a sentir certa dificu
com geometria analítica no espaço. Achava que era possível aquilo fazer sentido, mas para mim
fazia, era muito além de minhas possibilidades, de minha realidade construída a Mecano. So
a isso o fato de eu passar muitas das aulas jogando boliche em uma pista em frente à facul
Comecei a sentir uma dificuldade imensa, primeiro porque era um universo muito diferente do
próprio círculo tijucano – na PUC, muitos alunos foram do Santo Inácio, eu era do Aplicação, cheg
lá de BMW, Alpha Romeo, e eu de carona num Fusca. Falei então para meus pais, que eram m
compreensivos: quero mudar de curso. Minha mãe consultou um psicólogo que me aplicou um
vocacional e apontou que seria aconselhável eu fazer arquitetura. Que, aliás, era uma atividade que
pai exercia, mesmo sem ser arquiteto formado. Fiz vestibular para arquitetura e fiquei até o f im, fo
me arquiteto. Fundei com Antônio José, que é meu amigo até hoje, o cineclube da FAU, que dirig
com nosso entusiasmo típico de Geração Paissandu, apesar da interferência do diretor, que apag
luz da faculdade inteira para nos impedir de mostrar os filmes, obrigando-nos a transferir nossas se
para teatros da Zona Sul, o que acabou nos proporcionando maior visibilidade e publicidade. Fo
O QUE EU QUERO QUE VOCÊ VEJA É A SOMB
Milton Mach
Entrevista de Milton Machado a Arte & Ensaios – com a participação de Tânia Rivera, C
Bartholomeu, Livia Flores, Marina Menezes, Rodolfo Caesar, além de Glória Ferreira e Guilh
Bueno, que enviaram perguntas por e-mail – no ateliê do artista em 14 de outubro de 20
Kosuth Teóricoobjeto, cartões impressos, foto, verbetesdécada de 1980
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cineclube importantíssimo nos anos 60. Comecei a estudar cinema loucamente, vi montes de filmes e
com isso não tinha muito tempo para assistir às aulas. Assistia a poucas aulas, mas participava de um
grupo de estudos extremamente dinâmico com colegas e com arquitetos, como Paulo Casé, com quem
trabalhei por uns cinco anos.
Tânia Rivera Grupo de estudos sobre o quê?
MM Sobre arquitetura, basicamente. Muitos de nós trabalhávamos com Paulo Casé e Luiz Acioli num
escritório bastante dinâmico dos anos 60. Some-se a isso minha aproximação à música. Ainda na
arquitetura eu já tocava um pouco de violão e comecei a estudar mais seriamente. Estudei sete anos
de violão clássico, de modo que acho que posso incluir a música como parte de minha formação. A
FAU já funcionava no prédio da EBA, que não tinha EBA, que na verdade é uma intrusa. Tínhamos uma
relação muito intensa com aquele edifício, porque virávamos noites lá fazendo projetos de arquitetura
sobre pranchetas fantásticas desenhadas por Jorge Moreira, com armários individuais e equipamento
perfeito, hoje tristemente sucateado. Apesar da distância, era um lugar que nos acolhia muito. Tínhamos
professores incríveis, bons arquitetos atuantes, como o próprio Paulo Casé, Henrique Mindlin e vários
outros, pessoas bacanas. A atuação política no diretório, do qual eu era representante externo, tambémfoi fundamental porque me fez participar de reuniões do DCE, da UME, da UNE. Então, minha vida era
isso, assistir a filmes, alguma militância, ir ao Museu de Arte Mode rna; eu me lembro de exposições de
Genovese, de Ivan Serpa, Flavio Shiro, e tenho quase certeza de que era capaz de sentir o cheiro da tinta
a óleo, que me inebriava.
TR Isso foi em que ano mais ou menos?
MM Eu entrei para a faculdade de arquitetura em 1965, me formei em 1970. O próprio fato de
frequentar o MAM, de estudar cinema, estudar música, me fazia um peixe fora d’água na engenharia.
Assim, quando me formei eu já estava completamente embananado, porque, além de estar entregue,
como alguns nesta sala, à experiência psicodélica com relativa intensidade, havia a experiência musical,
sexual, drogal , entremeadas por sessões de análise de grupo e meditações budistas. Isso me deixava um
tanto perdido, literalmente perdido nas minhas tentativas de e ncontro. Em 1973, fascinado por Robert
Crumb e companhia, organizei e publiquei A Esperança no Porvir , uma revista de quadrinhos, o que
aumentou mais ainda a balbúrdia. Lembro que fui ao escritório do Casé tentar vender a revista,
todos ficaram chocadíssimos: mas você não é arquiteto? Acho que sim, eu devo ter dito, mas isso
não impede que eu faça revistas em quadrinhos… Assim que me formei em 1970 fui para o Instituto
Villa Lobos, onde conheci Rodolfo Caesar; somos amigos desde então. Estudei um pouco de música
no Villa Lobos, mas comecei a estudar mais seriamente com professores como Jodacil Damasceno,
Yan Gestzi, entre outros. Isso tudo gerava uma confusão danada, mas produtiva. De uma coisa eu não
fazia parte de jeito nenhum: ser artista, não havia o menor ... não sabia o que significava isso. Eu nãoimaginava uma situação de artista expositor, embora eu desenhasse desde pequenininho. Mas houve
uma circunstância que me deixou frente a frente com Gilberto Chateaubriand. Ele foi a uma galeria
muito importante para a história das artes no Rio de Janeiro – Veste Sagrada, depois Central de Arte
Contemporânea – para comprar uma coisa qualquer e se deparou com um desenho meu que é a capa
de A Esperança no Porvir , e começou a me p rocurar. Um ano depois ele e staria comprando os prim
trabalhos meus de sua coleção, e assim tudo começou, um pouco a minha revelia. Sintomaticam
esse desenho se chama O Princípio do Fim.
Glória Ferreira Você chegou a frequentar cursos de arte antes de participar da Bienal de São P
em 1969?
MM Acho que só fui frequentar curso de arte quando fiz o doutorado na Inglaterra, se é que se p
considerar um PhD Fine Arts um curso de arte, em que acabei escrevendo algo mais voltado para a filo
Da Bienal de 1969 participei como estudante, um concurso internacional de escolas de arquitetura
que nossa equipe tirou segundo lugar, empatando com a da França. Nos anos 70, tive umas po
aulas de gravura em metal com E duardo Sued. Mais tarde, início dos anos 80, já às voltas com a pin
inscrevi-me no curso de Aluísio Carvão no MAM , pensando em travar com ele interlocuções mais teó
mas logo saí quando ele descobriu, constrangido, que eu não era exatamente um iniciante, julg
que eu não teria nada a aprender com exercícios rudimentares que ele passava para totais inicia
Não me incomodava com isso, mas talvez não fosse mesmo necessária tal iniciação para usufru
sabedoria dele, de pintor e gente fina. Para não perder o dinheiro da inscrição, transferi-me para o de serigrafia de Dionísio del Santo, que era genial, experiência da qual resultou uma única serig
com tiragem de 1/1. Aí ocorreu algo semelhante ao encontro com Carvão. Dionísio achou que, a
de me aventurar por caminhos mais experimentais e de pretender ambicionar uma linguagem pró
eu deveria “soltar o traço”. Os catálogos que então dei a ele causaram a mesma surpresa que caus
em Carvão, mas Dionísio me acolheu de modo caloroso, e fui com ele até o final do curso. Não se
como se faz, mas tenho e gosto muito de minha única serigrafia de impressão única.
TR Quando é que virou uma arquitetura sem medidas?
MM Não sei se existe arquitetura sem medidas, mas sei que existe o arquiteto sem medidas, que
ser eu mesmo. É claro que existe arquitetura sem medidas, a arquitetura dos jardins de Canter
Locus Solus, por exemplo. Uma arquitetura sem medidas é a que recorre a medidas marotas, pecu
Os metros de Duchamp só servem para levantar construções fictícias, porque se você constru
edifício com os metros de Duchamp o edifício vai ruir. A denominação “arquiteto sem medidas
com História do Futuro. Esse é um trabalho que surgiu da vontade – ou eu poderia dizer desejo, faz
contraponto com a palavra desígnio, projeto –, do desejo de um arquiteto sem medidas preocu
com a perda da unidade e sua recuperação. A primeira vez que me deparei com esse problem
quando li um livro escrito em 1938 pelo paleontólogo Alfredo Brandão, A escripta pré-históri
Brazil , em ortografia antiga. Ele especulava sobre a existência do Pangea, o continente único qu
separado por cataclismos, terremotos, no período cambriano. Com o instrumental que eu tinh
arquitetura, dispus-me a projetar um sistema de pontes gigantescas que, progressiva e artificialmiriam reconstituir a unidade perdida. Era um projeto originado de especulações científicas, lidas
livro de paleontologia, mas que nasce de uma ficção, de um projeto utópico, imaginário, de mi
pontes simbólicas, sem medidas. É curioso, porque se a gente lê o Timeu, uma primeira referênci
Platão faz é à Atlântida, uma porção de terra ideal e fantástica, que desapareceu. Um “mito veross
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segundo Francisco Samaranch, na introdução da edição espanhola que tenho. Assim, o “arquiteto sem
medidas” surge como o autor desse projeto inexequível, inútil, totalmente especulativo, mas do qual
emerge a preocupação – e, aí sim, essa é uma medida que se pretende universal – de reconstituição da
unidade. O trabalho começa, en tão, com desenhos muito rudimentares, cheios de erros aliás, ou melhor,
imperfeições. A primeira série de desenhos de HF tem erros, por exemplo na direção em que o Módulo
de Destruição caminha, entre outros pequenos detalhes gráficos, mas...
TR Erros de continuidade?
MM Sim. Erros na configuração das chamadas Cidades Mais-que-Perfeitas, por exemplo. Eu não conhecia
ainda a conformação dessas cidades, que só depois fui descobrir, quando percebi que não estava lidando
apenas com o desejo de construir pontes imaginárias, mas com um problema seríssimo, com a própria
questão da unidade, uma recorrente idealidade ocidental, vide a busca de unidade do self , unidade do
planeta, unidade da arte, unidade de Deus, essas coisas todas que perturbam nossa natureza fragmentária
e que nos fazem aperfeiçoar cada vez mais a busca da coisa una. História do Futuro começa em 1978,
justamente quando eu frequentava uma especialização em urbanismo na própria FAU, que não terminei.
Mas no mesmo andar já funcionava o Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – IPPUR,
que era excelente. E eu passei lá cinco longos anos fazendo mestrado em planejamento urbano. Minha
dissertação chamou-se História do Futuro. Levei o trabalho para lá, causando certo problema para mim e
para eles. Ouço dizer que os bibliotecários até hoje caminham com o volume História do Futuro para lá
e para cá sem saber onde colocar. Aliás, tenho eu também a mesma dificuldade.
TR É um Módulo de Destruição.
MM Exatamente, é um Módulo de Destruição; eu diria até que minha passagem pelo IPPUR foi um
pouco assim; talvez eu tenha causado certo rebuliço pelo fato de ter reivindicado minha presença lá não
como arquiteto, mas como artista. Fiz questão de me identificar como artista e, na defesa da d issertação,
tive que enfrentar a banca como tal. Fizeram-me uma pergunta que me colocaria numa situação difícil,
porque me cobrava interlocuções com o planejador urbano. Algo que eu não era mesmo. E que os
professores do curso também não eram. Respondi argumentando que não conhecia nenhum planejador
urbano. Um economista, que aliás é um sujeito brilhante, Carlos Vainer, queria me colocar em exigência.
Mas eu falei: não posso ter interlocução com que m não conheço, não conheço qualquer pessoa que seja
planejador urbano, e nem vo cês são. Meu orientador, Carlos Nelson Pereira dos Santos, era arquiteto e
antropólogo, completamente avesso à ideia mais ortodoxa de planejamento. O que estou dizendo é que
uma ideia de planejamento urbano que proponha uma teleologia de projeto e daí o controle do espaço
urbano vinha fortemente criticada na dissertação. Afinal, era a tese de um “arquiteto sem medidas”.
CB Fico pensando na ideia de um problema de projeto e trazer isso para um problema de experiência e
não mais de projeto. A perplexidade é o modo de tirar uma coisa de seu projeto e causar a experiência?
MM A perplexidade é uma inevitável condição contemporânea. Você tem no início do século 20 a
necessidade imperiosa da certeza, sem a qual v ocê não poderia ter Mondrian, não pod eria ter Malevitch,
História do Futurodetalhe, 2 de 14 desenhos
1. Cidades Mais-que-Perfeitas, Módulo de Destruição2. Cidades Mais-que-Perfeitas, Ciclos de Vida, Destruição e Construç ão
1978– em progresso
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o construtivismo russo, nem mesmo o dadaísmo. Mesmo em sua negatividade, o dadaísmo tinha certeza
pelo menos de ser contra a arte, contra o Dada inclusive. É o que o Danto chama de Era dos Manifestos.
Era necessário que os artistas tivessem certezas absolutas daquilo que estavam propondo. Se pensarmos,
por exemplo, no temor quase insuportável que os pintores abstratos tinham do nonsense, que faz
Kandinsky recorrer ao espiritual na arte, ou Malevitch ao suprematismo, ou Mondrian dizer que só
existe um caminho para a vida, portanto um único caminho para a arte, o que se vê são veredictos,
diagnósticos e proposições definitivas. Hoje em dia, se alguém lhe apontar o caminho de q ualquer coisa,
você pode estar certo de que está mentindo. Isso me faz pensar numa proposição muito interessante de
Jeff Koons. Ele diz: se você me mostrar uma imagem abstrato-expressionista, ficarei desconfiado de suas
boas intenções; mas se você me mostrar algo em que eu consiga ver os pixels, aí saberei que podemos
falar seriamente, porque saberei que você está me enganando, portanto estaremos combinados.
Sabemos hoje que só a ficção não mente. Não temos mais nem a necessidade de ter certeza de alguma
coisa. Pensemos na derrocada das grandes narrativas, na perda da unidade, na ideia da arte como
projeto unificador. A perplexidade vem dessa incapacidade, e mais, da inutilidade de termos certezas.
É preciso viver a experiência micrologicamente. Por isso recorro, lá nas minhas teorias, até no título da
exposição (1 = n), um intervalo, aos parênteses. É uma ferramenta conjuntural, para tratar não comextensões, mas com intensidades. Por exemplo: (1 = n) é um intervalo que fala da indeterminação e,
ao mesmo tempo, da igualdade. Coloco arte entre parênteses para poder falar dela, de alguma arte,
durante certa vigência intervalar. O subtítulo da minha tese é (arte) e sua exterioridade. Recorro aos
parênteses para poder garantir – muito provisoriamente – que estamos entendidos: arte com inicial
minúscula, necessariamente. Ou, se quisermos, de cavanhaque e bigode e com o rabo quente. Uma arte
que seja nossa, mais próxima de nós, como distâncias em proximidade.
CB Começar uma premissa de não certeza.
MM Sim. Qual arte? A arte de Joseph Beuys, a arte de Andy Warhol. Sim, mas qual trabalho? Em qual
circunstância? Nesse intervalo, vamos falar que língua? Em qual contexto? Lygia Clark entra no livro Art
Since 1900 como arte não ocidental, e eis aí um intervalo barra-pesada. Acho até que Paulo Venancio
cobrou isso do Yve-Alain Bois. E aqui, na palestra que deu em São Paulo, Rosalind Krauss foi extremamente
fugidia. Recusou-se a responder à pergunta, nem sequer admitiu que o livro do qual é coautora diz isso
de Lygia Clark. O livro comete a generosidade de nos “reconhecer” como não ocidentais. Bem, esses
intervalos, os parênteses que os demarcam, não devem permanecer para sempre. São como as margens
de História do Futuro, a que me refiro no Texto Descritivo de 1978. Posso inventar qualquer maluquice
dentro desse universo, porque ali eu sou deus. Estou garantido por aquelas margens, porque aquilo é
desenho, drawing, não é design, não é projeto. Então, até segunda ordem, eu não tenho qualquer tipo
de compromisso de ser consistente com as realidades objetivas, nem com outras histórias. É claro que
faz parte de minha responsabilidade, em determinado momento, romper com essa margem, que é (de)limitadora, por isso excludente. Ela deve cumprir o papel de romper-se, de vazar para além dos papéis,
ou seja, de tratar a relação desse intervalo com outros intervalos. Daí a proposição: tudo é intervalar e
modular. Isso tem a ver com o modernismo; foi aí que eu aprendi sobre os módulos, você cria módulos
que funcionem segundo ordens específicas.
TR História do Futuro é uma grande alegoria crítica, mesmo da linguagem de ordem simbólica.
reafirma que ela não se refere a nada, mas você reconstrói uma grande fábula que é uma espécie d
estou evitando o termo metalinguagem – uma espécie de linguagem crítica, autocrítica, que diz res
à arte e ao mundo.
MM Falei que até certo ponto eu poderia me garantir naquelas margens desenhadas a lápis. Esse
ponto pode ser o momento em que eu, estudando a teoria do planejamento urbano – com merg
profundos na economia política de Karl Marx, por exemplo, e é claro por conta de meu inte
pela cidade como urbanista e arquiteto – senti que meu trabalho era devedor de algum coefic
de realidade. Eu reconhecia que era de minha responsabilidade recorrer a algum tipo de mecan
que derrubasse os parênteses. Isso aconteceu radicalmente na Sicília, onde vivi uma exper
absolutamente mágica. Eu estava na Itália por conta de uma exposição. Fui o curador e convidei q
artistas [Cinque Artisti Brasiliani: Angelo Venosa, Daniel Senise, Frida Baranek, Ivens Machado, M
Machado, Sala Uno, 1990] para uma coletiva em Roma, e como decorrência surgiu o convite a m
Ivens Machado para fazermos individuais numa pequena cidade siciliana chamada Gibellina, dest
em 1968 por um terremoto, que abriga um museu importante e inúmeras esculturas públicas. A S
é um lugar muito inóspito, totalmente isolado de tudo, um lugar onde você percebe o isolamenforma muito clara. Pois bem, eu fui para uma cidade destruída por um terremoto. Ora, em Histó
Futuro, a origem dos chamados plissements, que remetem às fissuras na crosta terrestre de que
Alfredo Brandão, são geológicas, são terremotos, cataclismos, o qu e já traz uma primeira analogia
eu estava ali, instalado nessa nova Gibellina, absolutamente nova, construída ao lado de uma c
velha destruída por um terremoto...
TR A analogia vem depois, e não antes…
MM A analogia vem depois, são as histórias do futuro, que vêm com as simbologias. Além diss
coincidências não são coincidências, são histórias coincidentais. Que se sucediam de forma vertigi
Quando cheguei ao espaço em que fizemos as exposições, um prédio inacabado, ainda em const
– lembrando que em História do Futuro há um Ciclo de Construção, um Ciclo de Vida e um Cic
Destruição – havia lá, como que esperando minha presença, uma sequência de pilares de con
armado, vazios. Pois me pareceu óbvio que sua função era a de receber o Módulo de Destru
E foi exatamente o que fiz; meu cubo está lá até hoje e nunca mais vai sair, a não ser que apodr
foi adotado pelo edifício e pelo arquiteto como escultura pública permanente. Está plantado
Pilares do Novo Mundo, que foi como passei a enxergar os pilares outrora vazios de Gibellina, qu
elementos do chamado Mundo Perfeito de História do Futuro.
E aí veio a esfera, representação do Nômade. Lembrem-se de que a origem do trabalho é a sepa
dos continentes. Olho pra ela: uma bola d e mármore port’oro, peça que foi desviada de uma constonde funcionaria como terminação de uma balaustrada. E aí eu vejo, marcados pela natureza,
deuses meridionais, em ouro sobre negro, os continentes desenhados na superfície da esfera! Pens
deuses estão me provocando, querendo que eu leve minhas analogias até o fim. E assim foi: bem
frente ao prédio onde expus havia uma igreja de forma e gosto duvidosos: uma esfera atravessand
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cubo! Que remete, justamente, à situação crucial em História do Futuro, em que o Nômade, que é uma
esfera diminuta, atravessa o Módulo de Destruição, que é um imenso cubo.
Isso me fez repensar, mexeu comigo e com o trabalho. Embora possa ser muito interessante, poético,
muito belo até, eu dizer que o “O Nômade se move” [do texto Fast Forward, História do Futuro] ou
dizer que o que importa é o caminho, coisas que tirei de minha própria cabeça ou de citações filosóficas
interessantes, ali eu olhava em volta e via pessoas reais no papel do Sedentário, do Nômade. Todos
esses “personagens conceituais” estavam conversando comigo, numa língua que eu, aliás, não entendia,porque, se eu falava b em italiano, muitos deles só falavam bem siciliano. Era uma situação intervalar, em
que as analogias que eu propunha como possibilidade do trabalho, até como uma espécie de álibi para
justificar o trabalho, caíam por terra, ou caíam do céu com a força dos cataclismos, fazendo-me deparar
com realidades não mais Mais-que-Perfeitas, mas mais-que-totalmente-objetivas.
TR A realidade vem depois da ficção.
MM Exato. É uma espécie de confirmação, justamente, da perplexidade. Isso acontece muito em
trabalho, e de certa forma me causa sobressaltos como, por exemplo, desenhar uma paisage
meu quarto para, na mesma semana, sofrer dois assaltos consecutivos, em que me roubaram exatam
os objetos que estavam no desenho.
Livia Flores Acho curioso, ouvindo esse seu relato de vida e de trabalho, como os títulos acaba
amalgamando. Fico pensando em Homem Muito Abrangente , em Sobre a Mobilidade. Você fa
situação em que o Gilberto vai lá e compra seus trabalhos, você diz que ali você não estava na po
de artista, foi um acidente. Depois você está numa banca de defesa de mestrado, e ali você se af
como artista. Fico pensando no trabalho sobre a mobilidade que faz do móvel imóvel e do im
móvel... esses modos de mobilidade.
MM É, a mobilidade. O Nômade se move, mas não é o único. A exposição Sobre a Mobilidade, no
Imperial em 2001 e que depois itinerou por B rasília e São Paulo, tratava de uma situação específica,
a ver com meu retorno para o Brasil. Os títulos são importantes para mim. Somas e Desarranjos é
título importante...
LF Um homem muito abrangente, você fala de i númeras possibilidades…
MM “O título é o fim, no mais são vitrines”. Essa era uma de minhas pequenas tentativas poética
catálogo da exposição Somas e Desarranjos [Galeria Saramenha, Rio, 1985]. Havia pinturas “ínte
na vitrina da galeria, quando lá dentro aconteciam operações desconstrutivas extremamente elabo
e matemáticas. As somas são importantes, mas os desarranjos são mais, porque se somam às so
Havia o slogan “ver as coisas pela metade para conhecê-las em dobro”. Enfim, essa derrubada,
desconstrução, já está no próprio projeto; então, “o título é o fim, no mais são vitrines” porque, se c
ao título, é como se o trabalho estivesse pronto para acabar. Não que ele acabe, o trabalho não a
nunca; tem o trabalho e depois tem o trabalho do trabalho, que muitas vezes se pode apelidar de a
trabalho do trabalho da escultura, da pintura, da fotografia, do filme. Pode-se chamar de arte o tra
do trabalho, não aquele objeto que ali está, prostrado, inerte. É o trabalho do trabalho que faz com
a arte esteja sempre à procura, até de si mesma. Assim, se eu chego ao título é porque, de certa fo
cheguei à necessidade dessa demonstração. CQD – como queríamos demonstrar. O título nunca ap
antes, sempre depois. História do Futuro já se chamou História do Processo, e se você for aos orig
verá que está escrito História do Processo, antiga História do Futuro, que preferi não apagar. Iss
diverte, eu me arrependi de chamar História do Processo, antiga História do Futuro, de História do Fu
História do Futuro é um título do futuro para um trabalho em processo, em progresso.
TR Você acha que essa diversão não é fortuita em seu trabalho, existe uma diversão que é uma t
que é feita...
MM Não é fortuita, há uma certa maldade, no sentido maldoso, uma certa travessura. Sobre a Mobil
é o subtítulo do trabalho Edifício Galaxie. Fotografei os originais de Edifício Galaxie em 1975, qu
Nômade de História do Futuro, 1978escultura, detalhe da instalaçãoin Interventi, Museo Civico Gibellina 1990-91
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o carro era 0Km, um Ford Galaxie verde-metálico que era do pai de um amigo. O edifício também era
novinho, nem tinha sido inaugurado, na esquina da Farme de Amoedo com Vieira Souto. Em 1975,
cliquei as 36 fotografias de um filme, mas só descobri que aquilo podia tornar-se um trabalho em 1982,
quando ampliei as sete fotos finais. Aí descobri que havia em uma delas um grupo de capoeiristas
que conheci em 1978, quando eu era capoeirista amador. Portanto, conheci os caras em 1978, os
fotografei em 1975, mas só fui descobrir isso em 1982! E tem mais, eram capoeiristas, não eram
jogadores de pôquer. Nada mais móvel do que um capoeirista. Em 1990, quando estava na Sicília, perdi
o negativo original, que havia feito a partir de fotomontagens manuais, construídas com tesoura e cola.
Os laboratoristas sicilianos, quando ampliaram as fotos, perderam justamente a tira do negativo com
os capoeiristas, e tive que fazer novo negativo a partir de uma reprodução. No lugar de minha tira denegativos veio outra, com imagens de um aniversário de crianças. Crianças que, na minha cabeça, só
podiam ser sicilianas, naturalmente. Então vim para o Brasil e mostrei ao Zé Roberto, que me ajudou com
as ampliações em 1982, e ele disse: “Que crianças sicilianas qual nada, este aqui é o João, meu filho!”
E eu: “Zé, como é que um negativo da festa do teu filho em Teresópolis foi parar na Sicília?” Claro que
pode vir algum gaiato e explicar que a tira sempre esteve dentro do envelope. Mas eu não quero
isso, sabe, não quero ouvir. Que tipo de pergunta é essa? Essa é daquelas perguntas que não são pa
feitas. Perguntas que, se fossem ouvidas, poderiam vir a comprometer até o mito verossímil da Atlân
que inaugura toda a cosmologia do Platão, a criação do mundo, o Universo. É como na Utopi
Thomas More. Alguém está descrevendo aquele lugar, aquela agricultura, aquela economia saudá
tudo o mais, e aí vem um cara e pergunta: “Existe mesmo esse lugar?” Um outro alguém ao lado te
ruidoso acesso de tosse, de modo que a pergunta não é ouvida. Sempre que a pergunta é feita, al
tosse e não se ouve a pergunta... O curioso é que Thomas More admite e inclui o risco da pergunta
é, a pergunta pode vir a ser feita; portanto é preciso cuidado com as proposições, assim como é pr
cuidar dos ruídos que as cercam. Cuidar da tosse, da rouquidão, por assim dizer, junto com a bela
TR Você usa frequentemente um discurso pseudocientífico, acho que como uma espécie de par
Você traz uma diversão que é, talvez, o que faz o Investigador entrar em férias.
MM O Investigador está em férias; em férias porque ele/eu precisa ser, precisa dar uma de Artista
verdade, são uma mesma coisa, em diferentes personificações. Quando comecei a pensar no víde
faz parte da coleção do RioArte [ As Férias do Investigador , direção Arthur Omar, 1994], eu seria umtravestido ora em Madame, ora em Artista, ora em Investigador, que é uma triangulação perfeita
personagem não existe sem o outro. Quando está investigando, o Investigador está desenhando
demonstração é toda desenhada com cores, formas e tudo mais. Quando ele se retira em férias
em cena o Artista, no mesmo lugar em que a investigação se passou, à beira da piscina de Mada
São coisas concorrentes, são falas, investimentos concorrentes para demonstrar uma situação sem
sem solução, porque em As Férias do Investigador a pergunta crucial, “Afinal, quem é a vítima?”
respondida (mas é formulada, sem acessos de tosse). Na exposição [Galeria Cesar Aché, Rio, 1981
você conhece As Férias do Investigador , a resposta que ele consegue decifrar é: “O artista matou a v
Screw pintura, de Somas e DesarranjosRio de Janeiro 1985
Edifício Galaxie (sobre a mobilidade)7 fotografias, fotomontagens, vídeodetalhe, 1982
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afogando-a na piscina e escondeu o corpo no jardim das hortênsias, à tardinha.” A tardinha era 5:30h:
a hora em que o Investigador entra em férias e que eu chegava à galeria, recebia o público e abria os
livros desenhados para as pessoas que estavam vendo desenhos na parede. Havia uma troca o tempo
todo de identidades, de personagens, de suportes, de posições. Eu no centro, como Artista Madame
Investigador, mas o meio mesmo era a imagem, o desenho e as investigações. A vítima do trabalho do
trabalho pode ser o trabalho.
TR O que são esses livros?
MM São desenhos feitos em folhas superpostas, como cadernos que você folheia de certa forma e
vão acontecendo coisas curiosas, uma espécie de quebra-cabeça vertical. O que eu fazia era submeter
os objetos pintados – que
nem eram pintados, eram
desenhos em pastel seco
sobre papel – a testes de
desconstrução. Por exemplo,
eu desenhava um original,feito com 36 gestos, e ao
mesmo tempo a anotação
de sua fatura gesto a
gesto, de modo que um
primeiro desenho contém o
primeiro gesto, o segundo
contém o primeiro mais o
segundo gesto e assim por
diante. O trigésimo sexto
desenho é semelhante ao
original. Rauschenberg faz
um pouco essa provocação
com o expressionismo
abstrato, com pinturas em
que ele repete uma imagem
à semelhança de outra, em
princípio espontânea. O que
de certa forma concluí com
As Férias do Investigador é
que a imagem não precisa
da integridade, de uma unidade de pintura; que a mobilidade, as transações, os contrabandos, as t
de posição e outras molecagens que usei para desconstruir ou construir aqueles objetos não conseg
comprometer a potência da imagem. Acho que o que garante a permanência da pintura é o inte
na imagem, mas sem privilégios, porque há o cinema, há o desenho, a fotografia e todos os meios
quais as imagens circulam sem cerimônia. A pintura não está mais discutindo pintura em sua eve
autonomia, e isso vale para a fotografia, o cinema ou qualquer outro meio. São, propriamente, m
Em relação ao discurso pseudocientífico, ou à paródia, gostaria de lembrar o problema da bo
pingue-pongue que atravessa a parede de concreto. Claro que não é possível isso acontecer. Ma
me interessa saber se é possível; quero saber se é provável. O professor que propôs esse problem
física teórica para meus amigos que estudavam engenharia no IME quando eu estudava na PUC
era nenhum maluco de propor isso, pois a premissa é uma só: isso não é possível. O enunciado
que se calculasse o número que expressaria a probabilidade de uma bola de pingue-pongue atrav
uma parede de concreto. A resposta objetiva também é uma só: (1x10) –n quando n tende ao inf
Não é 0, até segunda ordem. O estudante preguiçoso que respondesse “zero” se daria mal, porq
professor retrucaria: você não enfrentou o problema, não considerou o problema como problema
estou querendo discutir possibilidades, pois já sabemos que, na prática, isso não é possível. Eu q
que você prove que, em teoria, a bola pode atravessar, nem que para isso você tenha que recorrer a
física alternativa, a uma patafísica. O que estou querendo discutir não é da ordem das possibilid
mas das probabilidades.
CB O problema é ser verossímil... O espírito do seu trabalho é essencialmente antitécnico, ent
resposta só responde ali, depois ela…
MM É uma resposta em andamento, na verdade é uma demonstração em progresso. Se eu e
correto em meu entendimento de Montaigne, é possível provar que esses óculos, que esse objeto
tenho na mão é um ovo amarelo. É claro que não é, se você estiver falando em nome da claridad
luz, mas o que eu quero que você veja é a sombra, o monstro, a máscara, o rabo quente da Mona
Como fazer isso? Você cria um intervalo, abre parênteses, e bota ali dentro o que você bem ente
porque o trabalho, a demonstração é sua. Até segunda ordem, porque depois vêm os julgame
História do Futuro é julgado em Gibellina, embora aquelas pessoas não tenham a menor ideia de qu
aconteceu lá. Se a ciência dá conta disso ou não, a ciência teórica pelo menos, eu não sei. O impor
é que certas circunstâncias nos levam a fazer coisas alternativas, muitas vezes incertas. Estou se
mudando de uma situação para outra.
TR Você chama isso de negociar uma posição…o Nômade, o Módulo de Destruição…
MM O personagem Nômade é mínimo, infinitesimal, é minúscula a escala dele, só que esse Nômadalgumas situações, como na instalação da 29a Bienal e em Gibellina, precisa crescer e tomar o as
de uma esfera de mármore, como representação. Mas essas são representações tridimensionais
desenhos de História do Futuro o Nômade não aparece, é apenas aludido. Já o Módulo de Destrui
um imenso cubo. A representação gráfica de alguns elementos desse trabalho é uma questão cur As Férias do Investigador , 1981capa da revista Módulo, Rio de Janeiro 1982 foto de Sebastião Barbosa
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Como representar, por exemplo, as Cidades Mais-que-Perfeitas, já que não dispomos de modelos
para isso? Um modo imediato seria partir das cidades imperfeitas, das cidades familiares pelas quais
circulamos, dos marcos culturais que conhecemos. Sendo esse o caso, talvez a melhor representação
fosse um espelho, em nome das semelhanças, do mimetismo. A negociação de posições entre o Nômade
e o Módulo de Destruição é a negociação de suas diferenças. Isso é o que promove o movimento.
TR Você situa o Nômade como artista, e é ele que trapaceia, ele que de alguma forma introduz uma
presença, ele é um intruso que consegue driblar alguma coisa, transformar alguma coisa nesse esquema
tão perfeito.
MM Nos textos de HF, o Nômade é referido como a “figura emblemática do Homem criador”. Na
verdade o Nômade é um aplicador de cosquinhas, que faz cócegas no Módulo de Destruição, de modo
a provocar sua agitação. São várias as leituras, algumas anedóticas. É um mecanismo, um relógio, um
jogo perfeito, um videogame, uma perseguição Tom & Jerry. Lembro-me, na defesa da tese de mestrado,
de alguém perguntar: mas por que o Nômade só pode mudar de cidades passando pela Posição Alfa?
Dei uma explicação, digamos, técnica, mas que não vem ao caso agora. Eu também poderia ter ditoque é assim porque sou deus nesse trabalho. O que importa é que o Nômade vai ao encontro do
Módulo de Destruição, que ocupa justamente a Posição Alfa. Pois é aí que vão se dar as negociações de
posição. Não é a Posição Alfa que é n egociada, e sim a Cidade Mais-que-Perfeita contígua que vai viver
um Ciclo de Vida. Para passar a essa nov a cidade e continuar vivendo, para adquirir a tal “forma móvel
de eternidade”, o Nômade terá que passar por dentro do Módulo de Destruição. Mas quem disse que
o Módulo quer? Há, no trabalho, uma leitura possível desse encontro, às vezes bélico, às vezes lúdico,
como um intercurso amoroso, sexual. Platão se refere em determinado texto à transação entre a Alma do
Mundo e a Teoria, com a ideia de bom e de be lo, como um encontro sexual, do qual nascem filhos: os
discursos, as obras, a política. Na verdade, uma grande e banal proposição de História do Futuro é que
as diferenças produzem o movimento, do qual o Nômade é causa ativa.
TR Essa proposta é uma leitura alegórica da arte numa dimensão política de negociação das diferenças,
trapaças, jogos, contrabando.
CB O atraso que os parênteses determinam é um atraso da ordem da negociação e é um atraso temporal
também, a analogia vem depois, o mundo está atrasado.
MM Há a formação de uma cadeia, um adiamento permanente. A potência política dos trabalhos,
sejam eles quais forem, está nessa possibilidade de ocupar vários espaços, de migrar de uma cidade para
outra, de buscar e atravessar módulos de destruição. Se não fosse assim, não teríamos mais arte, aarte teria seu universo específico e delimitado. Ninguém teria mais paciência para a arte, porque se a arte
não tivesse dado essa escapadela com a bunda quente que Duchamp diz que ela tem, se não tivesse se
travestido em outra coisa que não arte e saído por aí rebolando, o que mais poderíamos estar fazendo
em seu nome? Rezar?
Marina Menezes Você poderia falar sobre sua tese? Os parênteses no título implicam exterioridad
MM O título da tese é After History of the Future, que em português é mais complicado porqu
Depois de História do Futuro, como Art After Philosophy , que foi traduzido como Arte Depois da Filo
quando talvez fosse mais correto Arte Segundo a Filosofia. Mas não me incomoda tanto a trad
Depois de História do Futuro, que é como traduzo mesmo. No original, chama-se After History o
Future: (art) and its exteriority. Isso parte de uma constatação muito confortadora para mim, de q
arte não existe. Mas não é como diz o Gombrich, que diz que arte não existe, o que existe são os ar
Digo de outra maneira: digo que nada existe já como arte, nada acontece como arte, assim como
acontece como história. Se você não escrever, e se não escrever bem, você não vai conseguir co
a arte nos lugares em que as coisas bem escritas estão bem escritas e f azem história, e aí nada va
arte. Estou falando de julgamentos, do trabalho do trabalho. E estou, de certo modo, apelando p
lógica do evento.
MMz Os parênteses, a definição, como uma forma de delimitar determinado sentido.
MM Exatamente. Assim como nada acontece como história, nada acontece como arte. Arte não
senão como negociação de sua exterioridade. Eu apelo para Heidegger, uma argumentação del já está ma njada, a questão d o Lichtung, a clareira, em A Origem da Obra de Arte. Eu gosto m
disso, de sua ideia de uma fissura constituinte. A clareira é uma fissura, um vazio, que apesar ou
conta de não ter árvores, você percebe, justamente pela claridade, que aquilo é uma floresta
facilmente do que se você estiver em uma floresta densa, porque aí você percebe a relação da flo
com o que está fora. A clareira é a sombra da floresta. Negociação de posições, como em Histó
Futuro. Essa sua exterioridade é o que o trabalho tem de mais potente, porque é a partir desse pote
que está aí dentro, latente, que você vai produzir os julgamentos capazes de levar à ideia de que a
seja arte. Pensar a lógica do evento me ajuda a lidar com isso muito bem. Infelizmente, a palavr
português foi traduzida como acontecimento, que me parece uma tradução equivocada, pois o ev
seria justamente o contrário do acontecimento, evento é aquilo que só acontece e ventualmente. Ch
se événement, event e traduz-se como acontecimento, ou seja, o caráter eventual da ocorrên
tradução joga fora. O evento é uma coisa inusitada, tão inesperada que quebra todas as expecta
você tem que reorganizar, expandir, reagrupar, renomear as coisas para poder caber aquilo, a
evento, ou seja, para que aquilo seja incorporado como história, como arte etc. E arte precisa
julgamentos; não adianta você botar um mictório lá no salão dos independentes p orque mictóri
vira arte, assim como bolas de pingue-pongue não atravessam paredes. Fonte, o readymade, dem
meses para ser visto e nem foi visto como Fonte nem como readymade; foi visto como fotog
correndo, portanto, o risco de ser visto como mictório. O trabalho ficou conhecido por meio de
foto de Stieglitz publicada numa revista, com a legenda: o trabalho de Marcel Duchamp recusadsalão. E entrou para a história das artes visuais sem nunca ter sido visto, a não ser muito mais ta
em suas consagrações. Portanto, negociar uma posição não é brincadeira. Então, o que eu falo
exterioridade é isso, é a negociação com o que não é arte que mostra a eventualidade, a probabil
de aquilo ser entendido como arte, discutido como arte, politizado como arte, porque muitas vezes
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coloca aquilo no universo da arte e o trabalho perde potência política. O trabalho do Ilya Kabakov, por
exemplo, incrivelmente político, é tão poético que, colocado em determinadas circunstâncias, poderia
virar um trabalho quase alegórico. Estou falando mais especificamente de um trabalho lindo no qual ele
pede a pessoas quaisquer que tenham ideias, boas ideias [The Palace of Projects, Roundhouse, Londres:
http://srg.cs.uiuc.edu/Palace/projectPages/palace.html]. Um motorista de táxi sugere: todos os mortos
deveriam ser ressuscitados. Ótima ideia! Outra: poderíamos ter uma escada individual que nos levasse,
cada um de nós – como fazemos com nossos orixás –, uma escada altíssima só minha para eu conversar
com o meu anjo da guarda, exclusivo e pessoal. Perigoso? Claro que não, o anjo da guarda protege. Era
maravilhosa a exposição. Exibicionalidade é uma ideia da Sonia Saltzstein que me parece importante.
Usei esse seu conceito em um texto que escrevi, exemplificando com o trabalho do Kabakov, como o
contrário da exibicionalidade. Simplificando, a exibicionalidade que, claro, é um neologismo, se refere a
trabalhos que se valem e dependem da condição de exibição. Nesse trabalho de Kabakov você se senta
no banco de trás e vê o artista na frente conversando com o motorista do táxi; você vê o processo, refaz
a história do processo. Vê da exposição para trás. Curioso que ele expõe isso na Roundhouse, que era
onde o bonde literalmente fazia a curva, em Londres, para voltar atrás. Ele construiu nesse lugar uma
espécie de espiral de madeira, bem tosca mas belíssima – tudo ali era tosco e belíssimo. Por exemplo,os mortos ressuscitados saíam de uma caixa de papelão cortada com tesoura, totalmente mambembe,
cheia de terra preta com bonequinhos recortados em papel branco, mal enfiados, tortos, amassados.
Era tão rica aquela porcaria toda, aqueles trapos, aquelas bolas de isopor pintadas com guache de
papelaria... era absurdamente poético. Não havia nenhum aparato senão a própria linguagem. Fiquei
muito impressionado com o despojamento desses trabalhos, que contraponho à minha irritação atual,
que já vem de longa data, com trabalhos polidos. Tem-me irritado essa coisa reluzente, bem acabada, eu
não tenho mais muito tempo para gostar desse tipo de trabalho.
Módulo de Destruição na Posição Alfade História do Futuro, 1978–
escultura, detalhe da instalaçãoin Interventi, Museo Civico Gibellina 1990-91
Módulo de Destruição na Posição Alfade História do Futuro, 1978–escultura, detalhe da instalação29a Bienal de São Paulo, 2010
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TR Você fala em História do Futuro das imperfeições que o trabalho vai adquirindo ao longo do processo:
as imperfeições, as diferenças em relação a si próprio. Pelo que entendi, a negociação tem a ver com
essas diferenças também, incorporadas.
MM Como eu disse, cada livro que leio, situações que eu vivo, como por exemplo o desafio de levantar
aquele cubo de duas toneladas na Bienal, faz surgir um monte de ideias novas. Depois, o cubo migrar para
o Sesc de Santos, onde se tornou algo totalmente diferente. Era o mesmo cubo, mas era absolutamente
outro; era o mesmo personagem, mas que mudou de cidade. Em Santos era uma situação peculiar,
o cubo ficou transparente. Na Bienal de São Paulo ele também era transparente, afinal era o mesmo
objeto, mas sobre um fundo branco, a coluna branca em forma de árvore de Niemeyer. Me lembro que
alguém até me advertiu: cuidado, porque você está instalando um canhão de luz direcionado para o
cubo, o que vai acabar criando uma projeção de sombras no pilar lá atrás. Exatamente, respondi; é por
isso mesmo que estou fazendo os caras se pendurarem perigosamente em andaimes, justamente para
obter esse efeito, para mostrar a sombra.
TR Mas você acha que, numa situação expositiva como a Bienal de São Paulo, o Módulo de Destruição
destruiu alguma coisa, ele agiu como um intruso?
MM Ainda está agindo. O f ato de a escultura estar, não destruída, mas desconstruída na oficina de meu
serralheiro significa alguma coisa. O fato de eu ainda não ter conseguido doar o trabalho, primeiro para
algumas instituições paulistas, depois inscrevê-lo num edital pretendendo sua incorporação à coleção
de um museu carioca e meu projeto ser “inabilitado”, sob a alegação de que o orçamento não era
consistente com os termos do edital, para mim são atuações de algum módulo de destruição. O fato
de eu ter um monte de ferro empilhado numa serralheria quando aquilo não é um monte de ferro,
deve sinalizar que algum módulo está agindo. Não o meu, metafórico, simbólico, que também constrói
nos Ciclos de Construção, mas um outro, esse sim, intruso, que age por meio de ações destrutivas,
afirmações equivocadas de diferenças improdutivas, más negociações de posições mal ocupadas. Alguma
Cidade Mais-que-Perfeita está indo para o brejo, e algumas Cidades Imperfeitas estão lá buscando sua
perfeição. Uma forma de procurar a perfeição é recusar meu projeto, porque meus orçamentos não são
consistentes com editais perfeitos e porque meu cubo, diferente do motorista do Kabakov, não consegue
uma habilitação.
TR Você estava falando sobre o nômade que não é um artista.
MM Eu não preciso literalizar para demonstrar que as propostas audaciosas – ou pretensiosas – de
História do Futuro se reidentificam diariamente. É óbvio que aquilo tudo é um comentário com muito
respaldo no real; para você ver, eu mencionei o Nômade como personagem conceitual em 1978 e logo
em seguida, em 1980, Deleuze e Guattari escrevem seu Tratado da Nomadologia; em 97 Maffesoliescreve Sobre o Nomadismo. Qualquer curador hoje fala em nomadismos, no artista em trânsito, nas
mobilidades. Eu não falo de um artista que pinta, de outro que faz escultura, afinal em HF o Nômade
é uma esfera. Mas, como disse antes, nas analogias de HF, o Nômade é apresentado como “figura
emblemática do Homem criador”. Há, nos textos do trabalho, alguma referência a Beuys. Sem querer me
alinhar a Beuys, que embora seja um artista incrível tem um quê de messianismo, aquela coisa româ
alemã, voos e quedas da Luftwaffe, gordura e cera demais, que me importunam um pouco. Pod
verdadeiro que “todo homem é um artista”. Eu ando lendo algo cujo subtítulo é “todo artista
artista”. Melhor assim, todo artista é um artista, uma vez que todo homem é um homem. O Nôm
uma esfera, mas nem toda esfera é um nômade.
TR Mas o Homem Muito Abrangente é um nômade, o Nômade é um homem muito abrangente.
MM Não, veja, o Nômade é uma esfera. O Homem Muito Abrangente não é feito de fatos, ele tam
não existe, é outro personagem conceitual. A frase escrita na p arede pelo assistente do atirador de f
que na performance sou eu mesmo, fornece o aporte teórico: “Um homem tão abrangente que ocu
o mundo todo menos o próprio espaço de seu corpo poderia sair-se muito bem como assistente d
mau atirador de facas”. É um enigma, de certa forma. Outro dia eu me peguei escrevendo algo ass
verdade é uma resposta a perguntas que não admitem respostas porque só admitem a verdade”. E
esse negócio e é isso mesmo, tem aí um jogo de palavras que cria uma situação meio tongue in c
Homem Muito Abrangente performance, instalação, detalheInstituto Tomie Ohtake, São Paulo 2002
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Então é preciso ir costurando a coisa aos pouquinhos. O mau atirador de facas vai acertar todas as facas
no interior da figura. No texto de Homem Muito Abrangente, cito o personagem de Daniel Auteil no
filme A mulher do atirador de facas, que diz: o importante não é o atirador, o importante é o alvo. No
caso do meu atirador de facas, ele faz o papel de um mau atirador – não no real, porque ele é um ótimo
profissional; ele é um mau atirador porque “erra” tudo, cravando as facas todas dentro da figura. Num
regime cotidiano ele teria matado sua pobre assistente várias vezes. Nesse caso, não há problema em
errar, porque o Homem Muito Abrangente não ocupa este espaço, o espaço de seu corpo, o espaço que
lhe é próprio. Antes da p erformance, escrevo a palavra PELE em todos os lugares que consigo alcançar,
até na própria câmera, no vídeo, nas paredes, no chão, no mundo todo. O título do texto, aliás, é Este
corpo é todo poros.
TR Ele é muito abrangente, mas ele não está dentro dele mesmo, ele está fora.
MM É, ele tem esse dilema da interioridade e da exterioridade porque é um híbrido, um impuro, porque
não tem nada de próprio; e, no entanto, ele é pura exterioridade. Um sujeito que é pura relação.
CB Nessa relação com os personagens conceituais, eu tenho a sensação de que é a primeira vez que
o corpo é implicado diretamente no seu trabalho porque o tempo todo ele está sub-reptício nos personagens, na questão do movimento, no diálogo. Aí tem efetivamente o atirador.
MM Na verdade, foi a primeira e única performance que fiz em minha vida. Homem Muito Abrangente
é um desenho de 1978, em aquarela e nanquim, que originou as performances de 2002, 2003 e 2006.
Desenho, aliás, que deixei inacabado.
CB Todos os seus trabalhos potencialmente são alcance, se modulam e podem estar aqui, podem estar
no futuro.
MM Eu gostaria muito que isso fosse verdade.
CB Basta calcular quanto demora a probabilidade de viver para sempre.
MM A tal “forma móvel de eternidade”? Mas, enfim, quanto ao desenho de 1978, não terminei porque
perdi o saco de desenhar faquinha com aquarela e o expus todas as vezes que fiz a performance. Em
2002 veio o convite do Instituto Tomie Ohtake, para participar de uma exposição chamada Territórios,
com curadoria de Agnaldo Farias. Eu sempre estive a fim de realizar esse trabalho, e arrisquei. Você
pode imaginar o terror que senti, não só porque eu estava pela primeira vez fazendo uma performance,
mas por ter que contar com a boa pontaria de um “mau” atirador de facas em um lugar que não era
propriamente o meu circo. Mas o pânico do meu bom atirador, que certamente nunca ouviu falar de
Vitruvio nem de Leonardo, e ra ainda maior.
TR Um atirador de facas que é o Módulo de Destruição.
MM É o que lhe digo, é possível fazer articulações, que me surpreendem o tempo todo. Por exemplo, um
trabalho anterior a História do Futuro é uma série de oito de senhos chamada Poder, que é um prenúncio,
uma espécie de esboço de História do Futuro. Mas se eu vou lá atrás e vejo uma série ainda mais antiga
como A Invasão, que vira A Evasão, que vira ao contrário, pelo lado avesso; ou se vejo uma es
que vira trem, um avião que vira pipa, um jornaleiro que vira bicicleta, um 1 que vira 7 [série
anos 70], caramba! É tudo a mesma coisa, e tudo parece começar com O Princípio do Fim, que é
tal desenho que o Gilberto comprou e que foi capa de A Esperança no Porvir . As esperanças no
produzem histórias do futuro. Chamava-se A Esperança no Porvir , e o que aconteceu, naquele pres
com o esperançoso no porvir? Fui preso! Fiz a revista e fui preso, preso por agentes da elite da repr
brasileira, o SIEX, Serviço de Informação do Exército. Não apenas por conta do conteúdo subversi
revista, tudo ali era subversivo, era uma revista clandestina, udigrudi, hippie, da contracultura, masó ganhou importância depois. O que me levou mais imediatamente à prisão foi eu ter invadido
querer e sem saber, a casa do novo p residente da República, Geisel, que antes de ir para Brasília oc
uma casa no Jardim Botânico, onde eu estava passeando e fotografando. Nas definições de Hi
do Futuro, o Nômade é descrito como um passer-by , um passante, que tem dificuldade em recon
Trem analisadodesenho, série CQD1973
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limites e fronteiras, mas não tem dúvidas quando está sendo alvejado, quando invade o pomar do
proprietário da terra para colher maçãs e o sujeito atira nele. Eu nunca havia pensado nisso, nessa nova
articulação, pensei agora: eu fiz A Esperança no Porvir e fui alvejado porque invadi a casa do presidente
da República.
LF Para pegar maçã.
MM Para pegar maçã, ou abacaxi, que seja, tudo é muito coerente. Então, eu não preciso me preocupar
em dar coerência, porque o mundo é tão absurdo, tão coerentemente nonsensical , as coisas são tão
inacreditavelmente eventuais e se demonstram o tempo todo, como CQDs que são demonstrações do
absurdo pelo absurdo. Você pode, na matemática, fazer demonstrações por absurdo, só que no caso
essas demonstrações por absurdo demonstram justa e exclusivamente o absurdo.
CB Há a expressão latina reductio ad absurdum; ao absurdo, mas, no seu caso, nada de redução, mas
diferença... não por redução mas por diferença, digamos assim.
MM Eu não sei, algumas vezes é preciso reduzir. Uma coisa até da guerra, fique pequenininho, esconda-
se, reduza-se a sua insignificância, reduza a coisa à insignificância. Se você pensar no readymade, acho
que traduz bem, se você reduzir totalmente a fala própria do mictório você não vai mais ter mictório e
você não vai ter uma fonte, porque uma fonte é um emissor e o mictório é um receptor, ele recebe o
seu xixi. Se você retirar, se você silenciar, reduzir totalmente a fala, a vibração do mictório ou da roda de
bicicleta, você não vai ter possibilidade alguma, quando girar lá os potenciômetros de seus aparelhos
amplificadores, de ouvir os ruídos da significação, porque as coisas adquirem significado pela produção
de ruídos, não pela produção dos belos sons, das eufonias. É como diz o Derrida, você não pode estar
sempre na transgressão, é preciso que aquilo que transgride venha a ser incorporado. É a questão
da tradição, você primeiro trai, de tradire, depois traduz, de tradure, e a coisa ordinária incorpora o
extraordinário. Se a coisa não produz ruído, se a pintura do Matisse da mulher com pincelada verde
não fosse estranhada de forma tão absurda como uma pintura absurda, se o mictório não tivesse...
aliás, repare como era sortudo Marcel Duchamp, o cara foi recusado em todos os salões, com o Nu,
com Fonte.... Então, são trabalhos que produzem atrito, que produzem estranhamento, mais uma vez
a questão da lógica do evento, algo que põe sob suspeita todas as teleologias, todos os projetos, todas
as academias, todas as lógicas sistemáticas, que faz Descartes se retirar para trazer de volta Montaigne,
que nos faz pensar menos em possibilidades e mais em probabilidades. Assim, a redução, o nonsense,
a insignificância, é uma arma importantíssima para você criar o significado, para você silenciar não
totalmente, mas reduzir o barulho do apartamento ao hmmm da geladeira, de modo que você possa
ouvir o silêncio e, quem sabe, dormir em paz.
TR Tem outra operação a que você alude, acho que para falar desse estranhamento, esse atrito no
sentido, que é a diáfora. Qual é esse trabalho?
MM Na verdade é uma sequência de três trabalhos. Diáfora é uma palavra... aliás, em nossas conversas
com Rodolfo Caesar sobre Raymond Roussel lembramos que ele usava muitas diáforas, palíndromos,
espelhamentos. Diáfora é quando você usa o mesmo vocábulo com significados diferentes, portanto
recorrendo a certo nonsense. Ou à relatividade, à instabilidade do sentido. Não é uma distorç
uma torção, uma alteração. Isso está em Mallarmé, nos formalistas russos, no Marinneti, nos poe
dadaístas, enfim. Essa procura da materialidade da palavra, do vocábulo, da sílaba e do espaço da pá
esse tipo de coisa. Eu fiz essa série de trabalhos, o primeiro um objetinho que se perdeu em algum
deste mundo, de que eu gostava muito porque ele era manual, como um brinquedo. Depois, fiz
versão em Roma, daí o exemplo
de diáfora em italiano que é Il
sogno della mia vita è perdere la
vita, que se pode traduzir como o
sonho da minha vida é perder a
vida, ou como o sonho da minha
vida é perder a cintura. No caso,
são objetos que apresentam
situações de similaridade, por
exemplo, quadrados que, de
acordo com as circunstâncias,vibram diferentemente enquanto
ocupam espaços diferentes. O
quadrado, compreendido como
signo, migra, no trabalho de
Roma por exemplo, do formato
das cerâmicas do chão para os
quadrados que eu delimito com
pregos numa placa de metal
perfurada, que ora preenchem ora
não preenchem as perfurações,
dos buracos vazios aos cheios,
de uma placa pendurada a uma
outra apoiada; ou seja, posições
negociadas, diferenças que criam
esse atrito que você talvez esteja
chamando de ruidoso e que...
Rodolfo Caesar Bem, eu poderia
só adicionar algum, somar uma
subtração para você. Você nãocontou, talvez esqueceu, de
que uma vez lhe roubaram uma
Diáforachapas perfuradas, pregosSala 1, Roma, 1990
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201130 ENTREVISTA | MILTON MAC
camisa no estacionamento do Sérgio Porto quando íamos fazer o seu Dueto 1 + I [Dueto 1 + I, para
executantes extremamente atentos e isolados um do outro, desenho/partitura de 1978, interpretado por
Rodolfo Caesar e Vania Dantas Leite, 2002].
MM É verdade, mas está desenhado, faz parte da série dos Atentados, como aquele outro, do roubo
das roupas do desenho. 1 atentado + I atentado, e assim, extremamente atentos, vamos seguindo as
partituras.
TR Será que a sua tradução
para evento não é atentado?
MM De certa forma sim,
são atentados, às vezes ao
pudor (rs).
TR Às vezes à lógica, às vezes
à ordem.
Guilherme Bueno Quandolido com o universo
enciclopédico dos seus
trabalhos, penso se ele não
participa ainda de uma
condição “moderna” da pós-
modernidade. Dito de outra
maneira: é uma definição
de pós-modernidade que,
como o termo assinala, ainda
não descarta seu “índice”
moderno. Em 21 Formas de
Amnésia notei ainda uma
curiosidade que me lembrou
outro projeto seu, O Paraíso
Perdido de Milton M...
achado. Há um dos desenhos,
Assinatura verde de um artista
maduro , que tem um corte
semelhante àquele imaginado
no Paraíso... Para retomar esta
fronteira moderno/pós-moderno que às vezes sinto nos trabalhos, ela não assume ou parte do prob
kosuthiano da definição da arte, só que, ao invés de uma definição universal e especulativa, uma
pessoal, aquela justamente da passagem da Arte para a /arte/? Não seria também essa responsabilque nos deixa tão perplexos?
MM Enciclopédico? E mesmo assim pós-moderno? Bem, Diderot pesquisou as propriedades da inv
do círculo, caso especial das espirais, curvas descritas em Dois burros girando em torno de dois p
aos quais estão amarrados... Por outro lado, sua noção de máquinas situacionais inspirou Lyotard
Falo de Cézannedesenho, colagemde 21 Formas de Amnésia, detalhe1988-89
21 Formas de Amnésiainstalação, desenho,colagens1988-89
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201132 ENTREVISTA | MILTON MAC
discorre sobre a condição pós-moderna, a propor a sátira como a mais eficaz estratégia contemporânea.
Pois as máquinas situacionais de Diderot, assim como a sátira de Lyotard, partem do princípio de que a
natureza nos mostra não apenas uma mas muitas e diferentes coisas e de muitas e diferentes maneiras.
De modo que os artistas, diz Lyotard, evitam os diagnósticos, os pronunciamentos definitivos sobre a
natureza do ser. Isso vale para a arte. E o que fazem os artistas, então? Ensaiam! O ser ou os seres, e
isso vale para a arte, jamais se revelam, e sim apresentam pequenos universos, micrologias, a cada vez, acada trabalho. Micrologias con-correntes, que babam e bufam de inveja umas das outras, diz ele. Esses
ensaios – incompletos, insuficientes, fissurados – constituem a sátira. E a condição para seu acionamento
e continuidade é a experimentação. A experimentação é separada da experiência por uma distância
desregulamentar. Isso parece diferir da ideia kosuthiana de que a função da arte seria a de questionar
a natureza da arte, e que a arte agiria via proposições analíticas, exclusivamente. Essa noção tem
quê de diagnóstico, de pronunciamento modelar, sobre o ser da arte. A mim – e isso procuro su
por meio de meus ensaios experimentais, ensaios satíricos de um Investigador em Férias que só p
horas extras – interessa mais o excesso de resultados e de respostas do que as justas medidas. Inte
mais o deslocamento da experiência e dos lugares da experiência do que a comunicação imediata,
a ultrapassagem de fronteiras e limites do que as delimitações de território. Interessa mais o exe
experimental da imaginação (ou da liberdade, como ensaiou Mário Pedrosa) do que a busca de coer
das proposições analíticas. Interessa mais a munição amnésia1 do que a persistência da mem
Interessa tanto a assinatura verde quanto o artista maduro.
TR Você concorda com a afirmativa de Joseph Kosuth de que a arte teria tomado para s
contemporaneidade, as questões sobre o homem e o mundo nas quais a filosofia teria fracassado?
MM Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better : sátira, com jeito de Sa
Beckett. Arthur Danto descreve as primeiras décadas do século 20 como a “era dos manifestos”,
não inclui Art After Philosophy , que para mim seria o último dos manifestos. Kosuth acredita piam
em arte, acredita que exista uma função para a arte, qual seja questionar a (verdadeira?) naturezarte. Ora, não existe tal coisa; a natureza da arte é justamente não ser verdadeira, desde o mimet
cavernoso de Platão, passando pela f alsificação da natureza no Renascimento, pela imitatio e pela m
de Deus, pela mentira nobre em Nietzsche, pela crise da representação, por Benjamin e suas a
transferidas, por Malraux e seu museu imaginário, por Beuys e seus mitos de origem, por Duch
e sua fonte de gerar securas, chegando a nós como uma grande ficção em constante revisão de
pretensa identidade de grande narrativa. Arte e filosofia caminham juntas, não necessariamente n
mesma direção, daí estarem sujeitas a esticamentos, estiramentos, distensões, fraturas mesmo. Ma
em comum a característica de serem avessas às aplicações. A filosofia de Kosuth me parece por de
aplicada, tal qual um manifesto – um aplicativo, propriamente. A arte de Kosuth também é aplicada
me parece, ao contrário do texto e apesar de sua seriedade, uma arte que ri às gargalhadas de si me
de seu fracasso na busca da tal natureza da arte, de suas risíveis tautologias, como no caso de On
Three Chairs. Gosto bastante de seu trabalho, e a leitura de seu texto é fundamental; foi fundam
para nós traduzi-lo, cultivá-lo e discuti-lo nos anos 70.
CB A pergunta do Guilherme diz respeito um pouco a sua relação com história, porque faz referê
história moderna e pós-moderna, depois ele cita trabalhos específicos, ele faz essa pergunta referenc
O paraíso perdido de Milton M achado e Assinatura verde de um artista maduro.
MM É outra coincidência divertida, quem sabe outra diáfora. Um cara chamado Milton escreve O Pa
Perdido, séculos depois vem outro Milton, chamado Milton M achado (rs...), ora, tem que faze
trabalho! Esse é um trabalho que sempre quis, mas nunca fiz.
RC Tem algo também a ver com o corpo, o Cezar até te fez uma pergunta sobre o corpo e eu ach
aí já tem a coisa corporal no desenho, no desenhar, aliás, muito evidente nesses desenhos recente
você tem feito.
Dois burros girando em torno de dois postes aos quais estão amar-radosperseguindo um pássaro que voa das mãos de Denis Diderot (Cecin’est pas un conte)livros artesanais, madeira de balsa, desenho técnico, 1986 foto de José Roberto Lobato
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201134 ENTREVISTA | MILTON MAC
MM Eu tenho que fazer este trabalho, O Paraíso Perdido de Milton M achado. Quase aconteceu uma
vez, a partir de um convite de Agnaldo Farias para fazer uma exposição no Instituto Tomie Ohtake
paralela a A Bigger Splash, uma coletiva de arte britânica na OCA, mas que por algum motivo acabou
não acontecendo. Era um espaço complicado, uma sala muito comprida, alta e estreita, mas muito
conveniente para o trabalho. John Milton era cego, e O Paraíso Perdido foi ditado por ele para uma
de suas filhas. Daí que a única iluminação da sala seria por meio de dois lampiões a gás, colocados no
chão, sob as duas iniciais M, uma de cada lado da sala. Seriam a luz dos olhos do poeta. De um lado,
a frase O PARAISO PERDIDO DE MILTON; do outro, na parede em frente, apenas a letra M. O resto, a
palavra ACHADO, seria depositada em Londres, aos pés da tumba e da estátua de John Milton, que e stá
enterrado em uma igreja do Barbican Ce ntre, onde, por outra coincidência, já expus, uma individual em
2000. As letras de ACHADO, assim como as demais, seriam confeccionadas em latão p olido, dessas de
escrever nomes de edifícios. Uma câmera de vídeo fixa sobre essa palavra transmitiria sua imagem, assim
como a do poeta, diretamente de Londres para o espaço da exposição, aqui no Brasil. Se alguém aí do
paraíso estiver ouvindo e quiser patrocinar...
Sobre Assinatura verde de um artista maduro, é uma das colagens de 21 Formas de Amnésia, feitas
com fragmentos de um desenho que cortei em 1.750 quadrados de 1cm de lado. No caso, são quatroquadradinhos, com partes de minha assinatura. O Guilherme, com seu olho enciclopédico, indicou algo
que nunca percebi; que algo semelhante aconteceria em Paraíso Perdido..., isto é, a inicial M isolada de
ACHADO pelo corte. A assinatura verde ficaria por conta da cor de fundo, verde para um artista, quem
sabe, M ADURO.
RC Quem o conhece pessoalmente sabe o valor que você dá às analogias, aos jogos de palavras e
entre imagens, às relações lúdicas e inicialmente desinteressadas mas que sempre adquirem sentidos.
Mas há também em sua arte o lado mais selvagem, vernacular, paisano, que se percebe no abrangente
aproveitamento de trouvailles. Seus desenhos parecem resultar de um processo no qual você, de lápis
ou caneta entre os dedos, às vezes talvez meio embalado pelo ritmo de alguma música, ou pelo som
da ponta no papel, vai fabricando linhas que de repente – ou mais lentamente – transformam-se em
pequenas células esperando desenvolvimento. A improvisação põe em jogo um erotismo meio especial
entre os corpos, excitando desde a pele mais fina do tímpano até os movimentos corporais. Não é por
acaso que a improvisação teve grande impulso na escrita automática surrealista, movimento do qual
eu considero você fiel e psicodélico leitor. Por que, então, você subestima o valor desse trabalho? Seria
por conta de uma atenção às contingências do mercado? O conceito de obra/objeto é determinante no
processo de avaliação?
MM Não sei se sou propriamente um fiel leitor da escrita automática surrealista, que já me fascinou mais
na juventude, assim como o psicodelismo; mas desse não nos livramos nunca, uma vez intensamente
experimentado e bem vivido. Sou muito chegado às improvisações, mas como músico, em minhas
aventuras jazzísticas ao violão. Mas na produção de arte costumo trabalhar por partitura, ainda que
elas possam surgir depois da execução, como notações do improviso. Geralmente são séries, como
(1=n) um intervalo, Mundo Novo, Somas e Desarranjos, As Férias do Investigador, História do Futuro,
que, mais do que títulos temáticos e de exposições, são demonstrações de alguma ideia subjac
De uma matemática esquerda, gauche, naturalmente, daí a referência a um “arquiteto sem medi
Os desenhos a que se refere, e sei que você tem em mente os mais recentes, anacronicamente a
de pena sobre papel, são de certo modo improvisações. Nisso alinham-se, pelo menos por enqua
com trabalhos que chamo de “vira-latas”, por seu caráter marginal às séries mais sistemáticas. O
de serem vira-latas não impede que sejam “fora de série”, isto é, que tenham suas qualidades
uivem em alto e bom som em noites de lua cheia. Na verdade, estou fascinado por eles, de um m
digamos, quase psicodélico. Arrisco comentar que não os considero arte, e sim desenhos. Nã
subestimo, pelo contrário. Apenas reservo a eles a oportunidade, antes de se tornar arte, de s
que são”. Arte implica negociações de seus objetos com “sua exterioridade”. Esses desenhos, mas
talvez seja uma característica própria do desenho, são prenhes de interioridade, com vocação de d
de escritura, de anotação, de monólogo ensimesmado. Talvez façam boa companhia a meus poe
outra forma de improvisação reclusa com vocação confessional. Usando os termos de sua perg
seriam trabalhos com alto valor de uso, aguardando outras valorações que possam resultar de tr
de mercado, de outros julgamentos. Seriam, não ainda obra, mas canteiros, construções, trabalh
progresso. Investimentos, antes dos eventuais revestimentos. Por enquanto, basta a eles e a mimsejam desenhos.
RC Pelo que conheço de seu trabalho, destaco dois aspectos relacionados à música. Um é de c
erudito, que tem a ver com a ars nova do século 14. O outro é vernacular, associando a figu
trovador. No contrapelo da Arte Moderna, a Arte Contemporânea tem uma de suas origens na
de Duchamp, que, por sua vez, nunca se esqueceu do dia em que foi exposto à obra de Raym
Roussel. Logo adiante, a ars subtilior do início do século 15 confirmava esse prenúncio ao modern
demonstrando “emphasis on generating music through technical experiment”, cf. o musicólogo D
Albright. Ex.: “Tout par compas suy composés”. (Sou todo composto a compasso, na partitura ci
de Baude Cordier.)
Uma espécie de opinião (tácita?), dominante no mundo das artes plásticas, administra a noção de qu
seria, de todas as artes, aquela que empreende um projeto reflexivo mais amplo, seja estético, po
histórico, cultural, etc. Como você se coloca?
MM Eu não sei o que Giotto ouvia em sua vitrola, mas sei que ele tocava, ele também, por partit
Se a catedral gótica do século 13 era construída na base de certo empirismo, numa espécie de
cima com a viga, moçada!”, com Giotto – e depois mais ainda com Brunelleschi – o desenho, em
acepção de projeto, de design, desígnio mais que desejo, passa a fazer parte do processo constr
transformando radicalmente a estrutura produtiva. Por isso era possível a Giotto ausentar-se da prod
direta de algumas de suas obras, mesmo de pintura, desde que seus assistentes seguissem à risca
rabiscos e riscos. Com Brunelleschi, o projeto é mandatório. Sem projeto, sem os modelos redu
que o arquiteto construiu, não teria sido possível construir o duomo da Santa Maria del Fiore
Florença, que ele nem chegou a ver realizado, como aliás quase tudo que projetou. Projeto que, d
se de passagem, foi escolhido por concurso. Desejo não ganha concurso. A ars subtilior do sécu
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201136 ENTREVISTA | MILTON MAC
coincide com o tempo em que a perspectiva era objeto principal do interesse de arquitetos e pintores,
e tal interesse contribuiu para dar ao artista, agora às voltas com o cálculo e a matemática, o status de
profissional liberal. “Gerar obra por meio de experimentação técnica”, traduzindo sua citação, parece-
me resultar justamente dessa complexidade. Os mistérios da perspectiva eram extremamente sedutores
para os artistas – lembremos a crítica (injusta) de Vasari a Paolo Uccello, de que teria sido um grande
pintor se não tivesse perdido tanto tempo na companhia de sua amante, a perspectiva. Em Uccello,
até cavalos em uma batalha morrem em perspectiva! Se o caso é o experimentalismo de um Raymond
Roussel, e por tabela um Duchamp, há que acionar outros botões de nossa agilíssima máquina do
tempo, primitiva geringonça que alguém deve ter inventado nos tempos da ars antiqua. Botões que
acionam defeitos, disfunções, engasgos, chabus. Experimentar com a linguagem era mania corrente
entre escritores do início do século 20, na cola de Mallarmé no século 19, tais como o futurista Marinetti,
a balbúrdia desconstrutiva dadaísta, os formalistas russos, companheiros de Malevitch e Tatlin. O recurso
a certas genealogias é sempre salutar, e não custa apontar, como você faz, que a ars subtilior do século
15 prenuncia o modernismo. Mas há que recorrer também às “quebras de paradigmas”, via Thomas
Kuhn, para valorizar mais ainda esses empreendimentos experimentais mais próximos de nós. Sobre a
opinião tácita ou dominante de que as artes plásticas empreenderiam um projeto reflexivo mais amplo,eu diria que essa eventual amplidão depende e resulta justamente da própria plasticidade, mais do
que propriamente da arte e de suas operações específicas, que podem ser duras. Para lidar com a
perplexidade contemporânea, só um projeto que seja flexível, moldável, ad aptativo. Plástico, enfim. Com
a plasticidade da sátira, como sugerido por Lyotard. Não me parece que tal elasticidade seja exclusiva das
artes plásticas, a não ser que você flexibilize o termo a ponto de pouco restar de sua dada identidade.
Não há nada de próprio da arte, a arte nunca é idêntica a si mesma. As operações da arte há muito não
são específicas. Arte é um troço mole, por isso são necessários fios flexíveis p ara tirar suas medidas.
GF Em um texto de Roberto Pontual de 1976, há uma citação sua: “o desenho tem para mim
essencialmente um sentido: o de trazer ao plano da consciência os rumores que me povoam o mundo
interno. Meus desenhos são cartas que chegam do interior”. Algo que, de certo modo, se pode dizer
de qualquer trabalho de arte. Esse é um período importante de seus desenhos, com projetos, digamos,
ficcionais, com uma lógica de ordem conceitual. Esse viés conceitual permanece em seus trabalhos
posteriores. Como você avalia essa dimensão conceitual em seu trabalho e na produção artística atual?
MM Caramba, eu disse isso? Rumores que povoam o mundo interno? Pelo jeito se aplica mesmo a todo
trabalho de arte, já que Pollock disse mais ou menos a mesma coisa. Mas meu interior não é o mesmo
de Pollock, que nasceu em Cody, Wyoming, e cresceu em Tingley, Iowa. Meu interior é a Tijuca, onde
nasci e cresci, meu exterior Copacabana, que me parecia, quando era menino, algum lugar bacana no
exterior. Não havia ainda túneis separando e unindo essas lonjuras cariocas. A dimensão conceitual
é como um túnel separando e unindo, talvez por isso sua condição subterrânea, de escavação, quepede mergulhos mais profundos do que conseguem as toupeiras. Animais, por sinal, quase cegos, mas
com olfato muito sensível. Desenho e pintura em condições de igualdade é um trabalho feito com pós
de pastel seco, recolhidos durante a produção de desenhos, ao lado de fragmentos de tinta acrílica
raspados de minhas palhetas de pintura. Algumas vezes os túneis são escavações no papel, outras no
vidro, às vezes no pó, outras na tinta. Algumas vezes levam a Pollock, outras a Copacabana. Des
por acaso, visitando o Louvre, uma provável (humm...) origem dos desenhos de pedra portuguesfamosas calçadas cariocas: viriam de uma pintura de batalha pelo já citado Paolo Uccello, na qpintor representou uma bandeira preta e branca quadriculada tremulando em perspectiva. (Michda Cotignola Envolvido em Batalha , 1450s, têmpera sobre madeira: http://www.wga.hu/). Quemque existem túneis conceituais separando e unindo Florença, Paris, Portugal e Copacabana?
GF Desde 1979 você tem dado aulas, na Santa Úrsula, no Parque Lage e, já há 10 anos, na
Que transformações você identifica no ensino de arte e na formação dos artistas? Como você avaformação de pós-graduação para artistas?
MM Do Centro de Arquitetura e Artes da Santa Úrsula saíram muitos artistas, já contei mais de 50. M
devido à presença ali, nos anos 70 e 80, de Lygia Pape, que me convidou e com a qual tive o privde trabalhar, por alguns dos 15 anos que lá estive, junto a outros artistas, na cadeira de Plásticatinha um caráter eminentemente experimental. Aliás, é comum artistas terem formação em arquite
que pode levar a muitos caminhos. Talvez a maior transformação seja o fato de que novos e bons arestejam se formando em escolas de arte, no Rio de Janeiro com maior concentração ainda no Pa
Lage, e cada vez mais na nossa EBA, que por décadas afugentou estudantes mais antenados cocontemporaneidade e menos dispostos às formalidades acadêmicas. Um renitente conservadorismo impede que a EBA assuma de v ez, como deveria e na medida de sua importância universitária, um
progressista, de vanguarda, em contato estreito e interessado na produção e na reflexão de excelde modo a participar do debate contemporâneo de forma mais intensa e eficaz. Não que isso não
mas é pontual. Os recentes concursos, que têm trazido para o corpo docente da escola professoresesse perfil, vêm mudando, ainda que lentamente, o perfil da própria escola. No âmbito da pós ttido, na linha de Linguagens Visuais do PPGAV, destinada a artistas praticantes, cada vez mais a
graduados pela EBA, muitos já atuando no circuito profissional, participando de exposições, publiclivros, ganhando prêmios. Nosso programa obteve o grau 6 nas avaliações da Capes, o que se d ev
grande parte às atuações dos professores e alunos de nossas quatro linhas em circuitos profissionaissó acadêmicos. Tudo isso deve ser celebrado. Falando da pós-graduação em artes no contexto nac
a proliferação de programas de mestrado e doutorado também é motivo de celebração. Se cabe areparo, nunca procurei disfarçar – ao contrário, sempre manifestei claramente – meu estranhamentrelação ao formato mais comumente adotado pelos programas de pós-graduação para artistas no
nos quais se privilegiam pesquisas de mestrado e doutorado calcadas em e voltadas para a prodprática do próprio candidato, num exercício autoanalítico e autointerpretativo que considero, em
improdutivo. Sempre que posso, o q ue procuro fazer com meus orientandos mais dispostos ao dé convidá-los a refletir sobre questões conceituais contempladas em seus trabalhos de artistas, de a definir, antes, o território e, depois, a inserção. Diferente disso é quando o próprio trabalho é tr
como o território, a partir do qual se buscam eventuais inserções.
MMz Você tem um cartão de visitas do Parque Lage que o apresenta como teórico.
MM É verdade, e isso é curioso. É uma coincidência, outra dessas coincidências. A EAV imprimiucartãozinho trazendo o nome do professor e o núcleo ao qual pertencia. Fizeram então um ca
em que se lê Milton Machado, Teórico. Eu disse: isso dá pano para manga. Fiz uma série de traba
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201138 ENTREVISTA | MILTON MAC
com esses cartões, que são muito bonitinhos. Tem o Mondrian teórico, Milton Machado teórico, os
nascimentos e óbitos teóricos. Kosuth teórico, por exemplo, é uma cadeira feita com esses cartões, aolado de uma foto dessa mesma cadeirinha e dos verbetes de dicionário com as definições de cadeira e de
teórico: “Teórico – aquele que conhece muito bem os princípios de uma determinada arte, mas que nãoa pratica.” Na época em que dava aulas na EAV eu era frequentemente acusado por alguns críticos deser um artista excessivamente teórico, o que é uma bobagem... Era uma coisa típica dos anos 80, em que
tudo era emoção, arte nascendo no coração, pintura como sintoma de prazer, essas bobagens todas quese alardeavam nos anos 80, que falam mais dos anos 80 do que de arte. Havia uma condenação explícita
a artistas dos anos 70, de minha geração, que estariam se metendo em áreas sem competência paradelas tratar, como a matemática, filosofia, política, sei lá mais o quê. O q ue mais então “não pod emos”
discutir? Nos anos 80, eu v ivia perguntando isso a meus interlocutores entusiasmados ou inebriados coma pintura, o prazer, o cheiro da terebintina e tudo o mais. De modo que é um trabalho de fato muitoirônico, que se vale da coincidência incrível de eu ter sido presenteado com um cartão que identificava,
meio sem querer, os excessos de um M ilton Machado teórico.
MMz Eu estava lendo seu artigo Dance a noite inteira mas dance direito [in Arte Brasileira Contemporânea
em Textos , org. Ricardo Basbaum, Editora Marca d’Água, Rio de Janeiro 2001], em que aparece o cartão,
e você faz uma análise crítica do sistema, do circuito, dos críticos durante os anos 80 comparando comos anos 70. Aí eu tenho uma curiosidade: como você vê esse circuito hoj e?
MM Produzimos uma arte de muito boa qualidade, discutida em alto nível internacionalmente, e no entanto
nosso circuito interno ainda nos impõe condições muito ruins. A própria universidade, à qual pertencemos mais doque ela nos pertence, talvez exemplifique isso de forma pontual, com cursos de graduação em arte quase semprevoltados para uma orientação conservadora, ainda muito calcada nas técnicas, radical e intencionalmente alienada
da discussão contemporânea. Talvez o circuito reflita distorções como essa, pontual mas importante, porquetem a ver com a própria formação, de artistas e de opinião. Quanto ao circuito profissional, trata-se de questão
igualmente complicada. Nosso circuito, mesmo precário, ou até por isso mesmo, é extremamente complexo, talvezdaí se possa falar não de um circuito, mas de circuitos, no plural, com precariedades concorrentes, algumas vezesrivais, o que agrava ainda mais seu grau de perversidade. Como é complexa a questão política das alianças que é
preciso fazer e das que não se deveriam fazer mas se fazem, em prol dos pertencimentos, das pertinências, dasadequações, dos favorecimentos, das celebrações institucionais e comerciais. De algum modo, é preciso que os
orçamentos sejam consistentes com os editais. Mas pertence quem diz que não pertence? Consiste quem diz quenão é consistente? Então, essas geometrias mais por tangentes do que por secantes, mesmo que não bastem pararegular o círculo, são reguladoras do circuito. Dance a noite inteira mas dance direito seria um tipo de andamento
servil, que obedece ao compasso, muitas vezes em detrimento da música.
Edição Marina Menezes e Cezar Bartholomeu
Transcrição Priscila Plantanida
HI-FI (alta fidelidade)mapotecas de aço FIELmúsica por Rodolfo Caesar 19a Bienal de São Paulo, 1987
NOTAS
1 Ammunition Amnesia foi o texto de contribuição do artista para o catálogo da coletiva Other Modernities(Cildo Meireles, Foreign Investment, Milton Machado, Yinka Shonibare), The London Institute Art Gallery,curadoria de Oriana Baddeley e Michael Asbury, Londres 2000, da qual fazia parte o trabalho 21 Formas de Amnésia. Esse mesmo trabalho foi remontado na exposição Europalia, Bozar, Bruxelas 2011, sessão curada porGuilherme Bueno.
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ARTIGOS | AMAURY FERNANArte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201140
Estado nacional é conceito bem recente na história,
assim como os sentimentos de identidade e de
pertencimento nacional. As formas de manifestação
da nacionalidade passam pelos espetáculos de
civilidade, e sua presença no imaginário coletivo
se constrói através dos símbolos oficiais e oficiosos
que os governos produzem e disseminam pela
sociedade, em especial para a comemoração das
datas nacionais mais importantes.
O dinheiro é elemento da cultura material anterior aos Estados, mas é parte da construção do imag
coletivo que modela o das nações. Inventado no século 6 aC. e presente desde então nas socieda
muitas vezes é elemento determinante dos fatos e funciona plenamente como signo. Expressa identid
nacionais coletivamente construídas, o que o legitima como representação máxima do valor das c
materiais e, muitas vezes, das imateriais. Por essa razão, do ponto de vista sociológico, o dinheiro ser compreendido como elemento da cultura material quase ubíquo e que funciona como o prin
signo do valor na cultura contemporânea. Signo universal, apesar de, em algumas de suas formas,
manter características locais.
ESPETÁCULOS DE CIVILIDADE:modernidade e pós-modernidade no papel-moedbrasileiro
Amaury Fernan
identidade nacio
imaginário dinheiro Est
Analisa as expressões plásticas presentes em duas cédulas comemorativas brasil
emitidas em 1972 e 2000, relativas a grandes festividades cívicas. Busca compreede que forma as identidades nacionais predominantes em determinados mome
históricos podem ser plasmadas em representações do Estado que servem de ve
para sua divulgação.
SHOWS OF CIVILITY: modernity and modernity in Brazilian banknotes | This aanalyzes the plastic expressions in two Bracommemorative banknotes issued in 19722000 for major civic festivals. It aims to underhow predominant national identities at cehistorical times can be shaped into representaof the State that act as vehicles for its publiNational identity, imaginary, money, State
Anverso e reverso da cédula de 500 cruzeirosnovos, 1972 e cédula comemorativa dos 500anos do descobrimento do Brasil, 2000. Imagenscapturadas da cédula (coleção pessoal)
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Segundo Simmel1, o dinheiro é “uma dessas
imagens do mundo que consideramos como a
expressão mais adequada dos conhecimentos e
sentimentos atuais”. Marx afirma que “a fixação do
preço do numerário é da competência do Estado,
assim como o trabalho técnico de cunhagem”, e,
por essa razão, “o dinheiro adquire um caráter
local e político, fala línguas diferentes” por vestir
“diferentes uniformes nacionais”. De acordo
com o senso comum, o dinheiro parece ser algo
que simplesmente trafega pela sociedade. Quase
nunca há questionamentos sobre sua materialidade
nem se indaga a respeito de sua fabricação
que, assim, acaba anônima. Aparenta surgir
naturalmente, do que decorre boa parte de sua
silenciosa onipresença, e converte-se em umadas representações mais fortes das narrativas de
nacionalidade.
Neste artigo analisa-se o discurso visual, as imagens
do mundo, os uniformes nacionais, as narrativas
de nacionalidade materializadas em duas emissões
comemorativas que celebram datas históricas para
a afirmação da brasilidade: o sesquicentenário da
independência e os 500 anos do descobrimento.
O dinheiro como símbolo nacional é objeto
privilegiado para análises semiológicas. Alterações
em bandeiras, hinos e armas nacionais não são
comuns nos Estados modernos, e a imutabilidade
de tais representações dificulta a análise de
aspectos mais flexíveis ligados a cada um dos
diferentes momentos históricos; estes são como
representações congeladas de uma identidade
nacional fixada no tempo, elementos que refletem
mais a narrativa fundadora dos Estados. Aindaque o verde e amarelo ou o “Ouviram do Ipiranga”
efetivamente sejam expressões da brasilidade, são
antes representações congeladas concebidas em
momentos muito distantes no tempo. Servem
mais de âncora aos sentimentos fundadores do
pertencimento nacional do que de espelho dos
sentimentos dos brasileiros contemporâneos.
Diferentemente, as cédulas brasileiras variam
muito ao longo do tempo; suas estampas são
alteradas quase que governo a governo. Tornam-
se narrativas da identidade nacional privilegiadas
por suas mudanças e, assim, refletem melhor
seus desdobramentos.
O sesquicentenário da independência:
o espetáculo da modernidade no papel-
-moeda brasileiro
Em 1972 a independência brasileira completa
150 anos; o governo militar promove intensacampanha publicitária para o evento e decide
emitir cédula em comemoração à data, com valor
facial de 500 cruzeiros novos. Aloisio Magalhães 3
é convocado para criar o projeto da nova cédula,
pois já desenhara as que então circulavam e o
logotipo da comemoração.
Assim com nas primeiras emissões concebidas por
Aloisio Magalhães, o trabalho de valorização da
narrativa histórica oficial é privilegiado também
nessa, voltada para o conceito de integração. A
estrutura compositiva é rigidamente estabelecida
pela divisão geométrica do espaço plástico em áreas
retangulares que se cortam, e cujas massas visuais
amarram a composição; nelas estão acomodados
os motivos figurativos de anverso e reverso.
A iconografia da cédula recorre à plasticidade das
vanguardas geométricas da época e à valorizaçãoda mestiçagem como formação do povo
brasileiro, exaltando e modernizando um discursoque, do ponto de vista sociológico e literário, está
referenciado principalmente nas teses de Gilberto
Freyre (pernambucano como Aloisio Magalhães
e amigo íntimo de sua família) e nas narrativas
Anverso e reverso da cédula de 500cruzeiros novos, 1972Imagens capturadas da cédula(coleção pessoal)
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heroicas da brasilidade de Euclides da Cunha,Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.
No anverso a cédula representa a integraçãoracial. Uma sequência de rostos é desenhadaem retângulo horizontal mais escuro queatravessa a composição; nessa imagem estão
as diferentes etnias que formariam o povo
brasileiro; a posição é determinada pela ordem
cronológica de sua inclusão na população
brasileira, e acompanha o sentido de leitura,
da direita para esquerda, o que poderia implicar
leitura “evolucionista”. Nessa sequência estão
estampados os rostos que representam índios,
portugueses e negros, e duas figuras com feições
de mestiços. Na composição as cabeças se
apresentam organizadas do perfil exato do índio,
ao frontal completo da face mestiça mais à direita
da composição. A rotação da figura destaca o
último rosto, em claro favorecimento ao elemento
mestiço, que se torna mais evidente e é reforçado
por ser o único com dois retratos na composição.
A ordenação das cabeças sofre críticas do
brasilianista Thomas Skidmore “considerando-a
portadora de todos os preconceitos praticados no
país”.4 Aloisio Magalhães as rebate; apontando a
ordenação cronológica e o conceito historicista do
projeto, afirma: “Não estaria o eminente professor
transpondo, para análise do nosso contexto
cultural, modelos e estruturas preconceituais
de onde o problema se apresenta de maneira
diversa? Que outra nação usou com naturalidade
sua formação étnica em objeto de comunicação
tão amplo como o seu próprio papel-moeda?”5
No reverso o conceito de integração é aplicado àsfronteiras nacionais. Uma nova sequência, dessa
feita com o sentido cronológico da direita para a
esquerda, estampa os mapas cartográficos que re-
presentam o país ao longo de cinco séculos, com
a geografia representativa do descobrimento mais à
direita e o mapa da “integração” mais à esquerda;
entre eles outros três mapas (denominados “comér-
cio”, “colonização” e “independência”) estampam
as modificações das fronteiras brasileiras.
O da esquerda, primeiro no sentido de leitura,
apresenta linhas axiais que cortam o território
brasileiro; elas representam as vias de transporte
(ferroviário e rodoviário) que os governantes
militares prometem construir como parte do
processo de integração nacional.
Mais uma vez há apelo a “uma narrativa
através da qual uma história alternativa”6 pode
ser construída para reafirmar legitimidades e
constituir “um campo de significados e símbolosassociados com a vida nacional”.7
As associações visuais com a comemoração
do sesquicentenário apoiam-se também nas
tipologias. Letras utilizadas nas legendas e dísticos
oferecem recurso visual igual ao empregue
por Aloisio Magalhães para criar o logotipo
comemorativo da celebração. Sombras são
projetadas, e as faces dos tipos são vazadas, se
apresentando mais claras. Os fundos de segurança
recorrem ao efeito de moiré, como nas emissões
anteriormente projetadas pelo designer.
Como emissão comemorativa, a cédula se diferencia
das que compõem a família em circulação menos
por sua estrutura compositiva, bastante próxima
da utilizada nas demais emissões do medalhão, do
que pelas características das imagens calcográficas,
gravadas quimicamente e sem a delicadeza
do trabalho de gravado manual da família emcirculação. A principal diferença, contudo, está na
narrativa sociológica que apresenta.
Não há mais panteão nobiliárquico-militar8 de
heróis, mas sim o enaltecimento da mestiçagem
que conforma o povo brasileiro. Não há exaltação
de personagens históricos ou de elementos da
cultura brasileira como prédios ou obras de
arte, mas sim confirmação das fronteiras e da
integração do território de uma nação.
A cédula é concebida para, de forma inconfundível,
ser entendida como documento histórico, o que é
almejado para validar a narrativa historiográfica
que ela representa ainda mais. Os conceitos
visuais reafirmam essa característica em quase
todos os detalhes, e as próprias palavras de Aloisio
Magalhães confirmam a intenção de o projeto
provocar, antes de tudo, essa interpretação. Uma
peça de comunicação de massa que reafirma uma
leitura específica da brasilidade.Tratar o objeto cédula como um objeto de
comunicação mesmo foi o que o Aloisio
descobriu com as primeiras cédulas; ele
falava isso o tempo todo: ‘Depois que eu fiz
o primeiro, a questão da forma para mim se
relativizou muito. A questão é: esse é o objeto
de maior comunicação do país.’ 9
Na cédula do sesquicentenário é apresentada
configuração visual que reforça a concepção
de que o Brasil seria um “cadinho de raças”,
ideologia que é sobreposta ao projeto político do
governo militar.
Há exaltação do projeto de integração nacional
pelas vias de transporte, pelas grandes obras
e pelos projetos de ocupação com atividades
agropecuárias e industriais das áreas menos
povoadas das regiões Norte e Centro-Oeste
do país, cujas baixa densidade demográfica edificuldade de acesso, crê o governo militar,
podem estimular a cobiça de outras nações.
No imaginário dessa cédula somam-se as repre-
sentações de uma visão sociológica e antropoló-
gica da formação do povo brasileiro e um p
político, ambos como reforço da importânc
integração nacional, quer seja via misturas ét
ou transporte. Afirma-se uma modernidade
ritária, que corrobora o projeto individual de
sio Magalhães de civilização do Brasil pelo d
e o projeto político do governo ditatorial.
Os 500 anos de descobrimento no p
moeda: do papel ao polímero, o espetá
do pós-moderno
Em 2000, quando a chegada de Pedro Á
Cabral ao Brasil completa 500 anos, é em
nova cédula comemorativa; após muitos
o dinheiro circulante no Brasil tem uma
histórica como tema de uma denominação.
Várias possibilidades temáticas são deba
entre as equipes do Banco Central e da
da Moeda:
O que é que se fez na época? Vários est
de tema. Um deles era a língua portug
(...) porque é o elemento que dá un
ao Brasil (...) e é também uma heran
colonização. Só que foi muito difícil trab
o tema língua portuguesa em imagens
Na época (...) não se achou interessan
adotar [essa linha] para a cédula de polí
(...) Começou a ficar muito difícil, porqu
grande escritor nós temos vários tam
então fica difícil você definir, é uma qu
polêmica, e a gente estava querendo
dessas polêmicas naquele momento tam
Mais uma vez uma questão do mom
não é? Do governo da época. Então o
se pelo tradicional: Cabral e imagens rel
ao descobrimento: mapa do Brasil de é
uma caravela que foi usada como elemen
segurança e para marca-d’água, os motiv
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azulejos portugueses que estão nos fundos de
segurança...
Pois é. E do outro l ado o que fazer? (...) Pensou-
se em fazer, depois de algumas discussões, a
história de homenagear tipos brasileiros, mas
não na linha do gaúcho, ou da baiana e tal...
Mas pessoas! Pessoas comuns. E aí então, tem
aqueles rostos atrás que você vê na cédula de
polímero, essa foi a linha da época.10
Na definição do tema e d o imaginário pelo Banco
Central, da forma relatada, fica óbvio que há uma
preocupação a atender no projeto da cédula: uma
determinada narrativa do nacional comprometida
com o projeto político do governo da época.
Provavelmente o ocorrido com a troca do desenhoda família de moedas metálicas tenha influenciado
essa opção, uma vez que a eleição popular
escolheu o projeto dos profissionais da Casa da
Moeda do Brasil, que tem seu imaginário baseado
em uma visão mais tradicional do meio circulante
e promove o retorno dos vultos históricos.
A cédula da Thereza Regina agradou em
cheio ao cliente (...). No anverso é abordado
o Brasil ano um, com contorno do mapa
Terra Brasilis , com portrait do descobridor,
com microtexto da carta de Caminha, com
fundos de segurança baseados em perfis de
caravelas e naus, e enfim, todo o anverso é
uma homenagem ao ano um e todo o reverso
é uma homenagem ao ano 500. Afinal de
contas, depois do descobrimento o que
aconteceu é o que está sendo retratado no
reverso (...) a miscigenação, as características
do povo brasileiro como é hoje, através
dos portraits lançados em diversas regiões
do mapa, que é todo fragmentado, para
efetivamente mostrar o resultado dos 500
anos de história, de influências de diversos
povos, áreas de colonização diferentes.11
Uma pesquisa bem fundada permite escolha de
elementos visuais afinada com as determinações
do grupo misto. Como relata a autora do projeto,
todo o processo de escolha da iconografia da
cédula é permeado pela mesma lógica utilizada
nas moedas metálicas, havendo, em especial, a
preocupação de manter a vinculação do retrato
utilizado para imagem historicamente aceita no
imaginário do país:
Eu sei dessa importância até pelas moedas;
participei dessas moedas de real. O escolhido pelo povo mesmo foram as figuras históricas,
e as figuras históricas são reconhecidas poraquele retrato, por aquele ícone (...). Eu useia gravura mais antiga que existe do Cabral.12
Durante seu relato Regina Fidalgo aborda o fato de
ter descoberto que a imagem de Cabral tida como
oficial é produzida bem posteriormente à morte do
navegador. Evidencia-se que a intenção principal
é determinar qual a figura sedimentada no
imaginário brasileiro como representativa do vulto
histórico. Além disso, toda a iconografia remete ao
que a projetista classifica como “livros de história”,
detalhes como o mapa que ladeia o portrait e
mesmo os demais elementos complementares,
todo o imaginário do anverso da cédula é específico
e vinculado ao fato do descobrimento.
No reverso a imagem central é a do mapa atual
do Brasil; esse lado é marcado pela atualidade,
imaginário centrado em vocabulário visual
mais contemporâneo. Segundo as palavras da
desenhista “coisa de computador, não é? Como
se o Brasil estivesse estourando os pixels assim...
No mapa do Brasil... E o último pixel cresciae vinha uma pessoa”. Cada pixel carrega uma
representação de brasilidade encarnada em um
tipo físico que é imaginado, nesse momento, como
representativo do cadinho étnico da brasilidade.
Cédula comemorativa dos 500 anosdo descobrimento do Brasil, 2000Imagens capturadas da cédula(coleção pessoal)
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Os pixels estariam em primeiro plano,
assim... Aquelas pessoas... Na realidade
eram cinco quadrados, por causa das cinco
regiões, caracterizando cada região, o tipo...
Não é? Assim: Santa Catarina uma loirinha...
acabou por se chegar à conclusão de que
era melhor não caracterizar mesmo regiões,
só as etnias... Tipos físicos... Eu queria
mesmo assim mais simples... O povo, o povo
brasileiro assim... Que existe... A parte dos
índios é que foi mais complicada...
Sobre a construção de imaginário que reforcedeterminada identidade nacional de interesse
oficial Regina Fidalgo afirma que “a identidade
é uma coisa política” − outros entrevistados,
aliás, também colocam claramente a questãoda escolha de personagens, temas e elementos
visuais sob esse prisma.
O projeto tem como característica principal de
seu discurso visual uma mescla de elementos:
os consagrados da representação histórica e
numismática – em especial a representação
figurativa bem realista, o portrait, a marca-
d’água, a gravura de talho-doce etc. – e outros
extremamente contemporâneos, como o
próprio polímero no qual a cédula é produzida
ou os pixels como fragmentos visuais que
explodem da composição do reverso e acabam
dominando a cena.
Se, entretanto, procuramos compreender quais
as “narrativas ideológicas dissimuladas, que estão
em curso, em todos os conceitos aparentemente
não narrativos”,13 como os signos visuais e mesmo
a base física sobre a qual essa cédula é impressa,
poderemos perceber algumas relações significativasque esse novo dinheiro pode representar.
Em um primeiro nível de análise a escolha
do polímero como matéria-prima para
impressão de uma cédula por si só já
contrasta significativamente com o material
tradicionalmente utilizado para fabricar dinheiro:
o papel-moeda. A textura própria e diferenciada
do papel-moeda, reconhecida pelo tato de
praticamente todos os seres humanos como
sendo a do dinheiro, já substituiu há décadas o
toque do ouro e da prata no imaginário coletivo
como matéria-prima do numerário; só em
nível mais profundo, quase onírico, as moedas
com valor intrínseco reaparecem no imaginário
coletivo como representação da riqueza. O
contraste estabelecido, aos dedos mais do que
aos olhos, já denuncia a passagem desse dinheiro
do campo do moderno para o do pós-moderno,
pois a proximidade táctil com os cartões decrédito e os smartcards similariza as peças tanto
quanto a função econômica, e ambos os aspectos
aproximam essa manifestação monetária da
economia virtual, e não das formas tradicionais
do dinheiro da época d o capitalismo industrial.
São, porém, necessárias reminiscências visuais
que repercutam no imaginário coletivo para que
a cédula venha a ser reconhecida como tal; é
preciso fazer parte de certo conjunto de signos
socialmente partilhados para que esse significante
novo ancore seu sentido ao sentido tradicional
do dinheiro como representação do valor em si.
Nesse sentido, o portrait de Pedro Álvares Cabral
torna-se o elemento físico principal para espelhar
uma tradição numismática incorporada ao objeto
com ar contemporâneo e tecnológico.
O artifício que mais denuncia essa ancoragem é
o fato de a imagem escolhida para o portrait sermuito similar a outros já utilizados em cédulas
brasileiras. A identidade histórica do personagem
remete à representação centenariamente aceita,
que valida a circulação do signo novo com
autoridade muito superior à que uma gravura
atualizada pode ensejar.
Quase todas as imagens do anverso possuem
aspectos ancorados na tradição numismática,
reforçando a ação do portrait. Por seu tipo de
configuração visual estão ligadas, no imaginário
brasileiro, ao descobrimento e aos primeiros
tempos da colonização as naus, a Cruz da Ordem
de Cristo, os motivos da azulejaria portuguesa
colonial, mas principalmente o mapa Terra Brasilis.
As figuras humanas retratadas no reverso são
mais simplificadas, personagens anônimas que,
segundo o site do Banco Central, representam
a “pluralidade étnica e cultural” do Brasil. As
imagens estão embutidas em fundo com oscontornos do mapa nacional, que faz a ligação
visual entre esses elementos. O mapa, com o
contorno desenhado como imagem digital muito
ampliada, atualiza a linguagem gráfica do símbolo
que representa uma face da identidade da nação;
nas palavras da projetista Regina Fidalgo, é “o
Brasil em pixels”. A fragmentação da imagem na
composição não é do mesmo tipo das chamadas
artes sequenciais, nas quais cada parte pertence a
uma narrativa claramente encadeada, como nos
vitrais sacros ou nas histórias em quadrinhos. Na
cédula, o mapa que sustenta a representação das
etnias brasileiras explode, e as figuras humanas –
encapsuladas nos pixels que partem do centro do
mapa – são distribuídas por dispersão por toda a
composição sem que isso represente uma forma
estruturada ou ordenada de narrativa.
Nesse aspecto há marcante contraste com
a composição da cédula comemorativa dosesquicentenário da independência que teve
temática idêntica. Nela as faces representantes
das diferentes etnias integram-se e se apresentam
em composição aglutinadora naquilo que está
descrito pela documentação do Banco C
como sendo “uma sequência das diversas
por ordem de precedência histórica”.
Em meio aos elementos que promove
integração do discurso visual dos dois lad
interessante perceber que a harmonizaçã
paleta de cores se dá por contraste da temper
da cor. A cor fria (o azul) nos remete à sen
de afastamento, e a quente (o laranja
proximidade, tanto física como temporalme
Uma vez que “as cores quentes parecem con
nos enquanto as frias mantêm-nos à distân
e devido ao azul frio aplicado, o centro visu
composição do anverso se contrai, e sua pre
dominante auxilia na construção de um
de atenção nessa área, que destaca a nar
histórica ali concentrada. No reverso, a exp
do laranja quente das bordas, em maior
reforça a sensação de que os pixels se movime
rumo a um tempo futuro. Assim, a leitura das
intensifica o jogo passado/presente do dis
plástico da cédula como um todo.
Os aspectos cromáticos somam-se à compo
centrípeta do layout do anverso, que concen
elementos gráficos de maior interesse nos ce
e deixa a periferia da face ocupada por elem
cujos significados são menos presentes −
contraponto à composição centrífuga do rev
que expande o tempo através dos elem
que flutuam ao redor do mapa “pixel
Alguns outros elementos gráficos, como dí
e numerais, parecem flutuar nas espirais v
determinadas pelas composições e pelas csoltos pela inexistência das tarjas e rosác
desenhos geométricos tão comuns em cé
mais antigas. Dessa forma o anverso/passa
o reverso/presente estão igualmente estrutu
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e unidos visualmente, apesar de separados pela
linguagem gráfica aparentemente contraditória.
Um elemento mais do que todos promove
a integração de significados e essa união de
passado e presente: a rosa dos ventos que envolve
a janela transparente e vermelha do polímero e se
reproduz em ambos os lados da cédula. Indicadora
das direções de navegação, seu sentido pode ser
tanto o de representar a guia dos navegadores das
naus portuguesas do anverso/passado quanto dos
modernos navegantes da internet, cujos pixels do
reverso/presente explodem.
Por essas razões é possível considerar que o
imaginário da cédula foi extraído “de um novo
domínio da realidade das imagens, que é a umsó tempo ficcional (narrativo) e factual”,15 no qual
as imagens de personagens históricos e realidades
passadas e futuras são construídas, tornando-se
tradicionais e partes de uma invenção da narração
coletiva do nacional pressentida e representada
através do inconsciente da projetista.
Diferentes, mas iguais
Em 2002 a União Europeia lançou a família
de cédulas de sua moeda, o euro, que se vale
de elementos arquitetônicos para transpor a
barreira das nacionalidades e integrar o meio
circulante do continente sem que haja polêmicas
por conta do emprego de algum vulto histórico.
Recentemente os Estados Unidos iniciaram a
troca de seu meio circulante, e a manutenção das
efígies dos “Pais Fundadores” foi adotada para,
exatamente ao contrário da Europa, reforçar a
identidade nacional estadunidense.
Os discursos apresentados pelas duas cédulas
comemorativas emitidas no Brasil são distintos
e representam, cada um a seu modo, narrativas
visuais sobre a brasilidade oficialmente instituída.
Próximos, por expressar a mestiçagem como
identidade nacional, diferenciam-se na importância
atribuída a esse ponto, nas opções plásticas que
constroem seus imaginários e nos vínculos que
estabelecem com o imaginário coletivo.
No projeto da cédula do sesquicentenário opta-
se por esquema rígido de divisão geométrica
das áreas da composição, com aprisionamento
e subordinação dos elementos figurativos à
geometria; a paleta cromática é muito discreta, e
os contrastes de tom determinam a concentração
da atenção em determinadas áreas; além disso, a
composição visual muito se aproxima das céd ulasem circulação, não a distinguindo como signo
novo, mas reforçando a validade de um discurso
visual moderno, já em circulação. Nesse momento
o discurso da integração nacional se estabelece
pela sucessão e aglutinação dos elementos
discursivos, e é referendado pelo panteão de
heróis nacionais em circulação.
Na cédula do descobrimento há contraste
discursivo entre anverso e reverso. Linguagens
visuais diferentes estabelecem narrativas
distanciadas no tempo e integradas no
plano discursivo pela paleta cromática e pela
visualidade das composições, complementares
em seus aspectos estruturais. A absorção de
elementos tradicionais, em sua maior parte
respeitando a linguagem estabelecida pela
numismática, vincula o signo à tradição, em
contraponto com seu suporte, que o liga ao
meio monetário do século 21.
Os aspectos visuais da emissão do
descobrimento destoam da família existente
no meio circulante, em movimento oposto
ao realizado pelo Banco Central do Brasil em
1972, no sesquicentenário. O valor facial da
cédula não é o maior do meio circulante. A
primeira emissão compõe o meio circulante e é
concebida de forma publicidade da ideologia do
governo militar. A emissão do descobrimento é
fruto da celebração, mas ainda assim espelha as
dificuldades de construção da identidade nacional
na virada do milênio, expõe a fragmentação dos
discursos políticos e as tentativas de apropriação
das grandes narrativas do nacional por um governo
com dificuldades de construir narrativa própria.
NOTAS
1 Simmel, Georg. Filosofía del dinero. Granada:
Comares, 2003:5. Biblioteca Comares de Ciencia
Jurídica. Colección Crítica del Derecho, v.44.
2 Marx, Karl. Contribuição à crítica da economia
política. São Paulo: Martins Fontes, 2003:107.
Coleção Clássicos.
3 Antes da cédula comemorativa do sesquicentenário
da independência Aloisio Magalhães desenvolve
a família do padrão cruzeiro novo, que entra em
circulação em 1967 – chamada de família medalhões.
4 Leite, João de Souza. A herança do olhar . O design de
Aloisio Magalhães. Rio de Janeiro: Artviva, 2003:210.
5 Idem.
6 Hall, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade.
10 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005:55.
7 Bhabha, Homi K. Narrando la nación. In Bravo,
Álvaro Fernandez (org.). La invención de la nación:
lecturas de identidad de Herder a Homi Bhabha.
Buenos Aires: Manantial, 2000:214.
8 Até a emissão dessa cédula em 1972 todos os
personagens que tiveram seus portraits estampados
nas cédulas brasileiras, emitidas por entidades
governamentais, eram figuras das nob
portuguesa e brasileira ou militares já fale
exceção feita ao presidente Getúlio V
homenageado em vida.
9 João de Souza Leite, designer e um dos prin
colaboradores de Aloisio Magalhães, em entrev
autor em 2006. Todos os relatos aqui apresen
são originários das entrevistas realizadas p
pesquisa da minha tese de doutorado Uma etno
do dinheiro: os projetos gráficos de papel-moe
Brasil após 1960, PPCIS/Uerj, 2008.
10 Márcia Barbosa Silveira, funcionária
Banco Central, formada em arquitetura,
coordenadora do grupo misto de trabalho
resolve as questões relativas aos projetos de cé
e moedas, em entrevista ao autor em 2006.
11 Entrevista ao autor de Glória Ferreira Dias,
da Seção de Projetos Artísticos da Casa da Moe
Brasil na ocasião, em entrevista ao autor..
12 Thereza Regina Barja Fidalgo, desenhista da
da Moeda do Brasil, autora do projeto da c
comemorativa dos 500 anos do descobrimen
Brasil, em entrevista ao autor em 2007.
13 Jameson, Fredric. Modernidade singular: e
sobre a ontologia do presente. Rio de Ja
Civilização Brasileira, 2005.
14 Arheim, Rudolf. Artes & percepção visual
psicologia da visão criadora. São Paulo: Pio
Edusp, 1980:360. Biblioteca Pioneira de
arquitetura e urbanismo.
15 Jameson, Fredric. Pós-modernismo: a
cultural do capitalismo tardio. São Paulo:
2002:283. Série Temas, v.41.
Amaury Fernandes é professor da Esco
Comunicação e do Programa de Pós-Gradu
em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/ufr j | n. 23 | nov 2011 ARTIGOS | CYBELE VIDAL NETO FERNAN52
O cortejo joanino passeou-se com todo o seu
esplendor, por ruas e praças de Lisboa até ao
Terreiro do Paço, onde se apearam e se dirigiram,
debaixo do pálio, levado por membros do Senado
de Lisboa Ocidental (...) Os dias que se seguiram
foram tempos de festa popular. Ao pasmo que as
montanhas de ouro e as luzidias galas provocaram
em todos os que, passivamente, se deixaram
embalar pelas grandezas dos que iam passando
pelas ruas e praças, seguiram-se dias de touradas
e noites de luminárias e fogos de artifício no Terreiro e no Castelo, enquanto os salões do Paço da R
se enchiam de bela música.1
Desde a Antiguidade as sociedades organizavam cerimônias de comemorações motivadas
acontecimentos que fugiam à realidade cotidiana. Essas celebrações podiam referir-se a
extraordinários ligados à vida dos governantes, como nascimentos, mortes, casamentos, vitória
batalhas, datas especiais referentes ao calendário anual, ou às festas religiosas. Eram acontecim
singulares, impregnados de forte carga simbólica, capazes de sensibilizar a sociedade e prommomentaneamente uma transformação, uma nova ordem social. A festa criava um sentimento es
que unia os cidadãos em torno de um objetivo comum, a manifestação da aceitação do motivo da
através das mais diversas formas de expressão.
FESTAS REAIS EM PORTUGAL E NO BRASIL COLÔNorganização, sentido, função social
Cybele Vidal Neto Fernan
festas arti
artífices barr
O artigo trata do conceito de festa no mundo português e no Brasil colonial. An
os elementos que fazem parte de sua estrutura, assim como a relação com pro
único e a relação que mantém com as mais diversas camadas da população. A anvisa compreender a festa como expressão sociopolítica e cultural.
ROYAL FESTIVALS IN PORTUGAL AND COLOBRAZIL: organization, meaning, social funcThe article addresses the concept of fein Portugal and colonial Brazil. It analyzeelements that are part of its structure andrelationship with a unique project andcontinuing relationship with the different laythe population. The analysis aims to underthe festival as a cultural and socio-poexpression. | Festivals, artists, crafts, Baroq
Prestígio das endoenças, c. 1722, nave da Igreja da Santa Misericórdia,Salvador, Bahia. Azuleijos de Portugal e Brasil. Revista Oceanos, Lisboa:Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos Portugueses, n.36-7, outubro 1998-março 1999: 63-64. Foto André Ryoki.
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Seguia-se depois a divulgação da notícia ao
povo, cuja participação era solicitada. O tríduo,
determinava que a comemoração tivesse pelo
menos iluminação por três dias, nas casas e na
cidade, missas e procissões. O programa da festa
era geralmente elaborado pelos homens cultos
da cidade, que se reuniam em suas instituições
e se colocavam a serviço do evento. Jaime
Ferreira-Alves chama atenção para o fato de que
nem sempre os três dias de programação eram
respeitados, pois o entusiasmo do povo levava ao
prolongamento das manifestações da festa por
muitos dias.
A notícia era divulgada nas ruas pelo “bando”,
grupo de pessoas que incluía o porteiro, o alcaide
da cidade, e homens e oficiais. Seguiam em trajesde gala, alguns a pé outros a cavalo, todos bem-
vestidos, a tocar tambores e clarins, chamando
a atenção do povo nos dias que antecediam os
festejos anunciando, ao longo do dia, a grata
notícia. O bando tinha, na verdade, duas funções:
levar a notícia e abrir os festejos com os sons, os
trajes coloridos, o desfile, transmitindo a todos
o sentimento da festa, a ser absorvido pelos
habitantes da cidade.
Luz, sons ou ruídos
Elementos imprescindíveis na festa, seu uso era
enfatizado, no sentido de contaminar a cidade
e manter vivo o espírito da celebração. A luz era
um artifício ao alcance de todos, pois poderia ser
utilizada em maior ou menor quantidade, colocada
nas fachadas ou completando os carros e demais
arranjos ou as montagens em arquitetura efêmera,que se multiplicavam pelas praças e ruas. Segundo
Jaime Ferreira-Alves, a luz transformava o cenário
da cidade “vencendo a escuridão e seus medos”.9
O espaço da cidade se prolongava através da luz,
como diziam os cronistas sobre a cidade do Rio
de Janeiro, no século 19, cujos morros surgiam ao
longe, como um verdadeiro presépio, iluminado
pelas velas de cera e lampiões variados. Nos salões
ou construções efêmeras, os lustres de cristal
iluminavam com suntuosidade o ambiente.
Às vezes, buscavam-se efeitos mais espetaculares
com o uso da luz: é o caso dos “transparentes” ou
painéis em papel com imagens ou textos escritos,
que realçavam com o efeito das sombras contra a
luz. As casas se enfeitavam e, ao mesmo tempo,
faziam saudações aos homenageados com
figuras simbólicas, votos ou versos, utilizando
textos clássicos, escritos por pessoas de formação
erudita, muitas vezes de difícil entendimento
pelo povo comum, mas recebido pela populaçãocomo forma correta de comunicação e saudação
ao homenageado.
Como exemplo, lembremos a decoração que o
artista inglês Mr. Bouck realizou, no Rio de Janeiro,
por ocasião da festa de aclamação de dom João VI,
quando foi contratado pelo intendente de polícia
Paulo F. Viana para decorar a fachada de sua
residência, no Campo de Santana. Mr. Bouck
criou um aparatoso conjunto, com efeitos dos
transparentes, com o retrato do rei, ao lado dos
Gênios dos Três Reinos, Portugal, Brasil, Algarves,
arrematado com a frase “A indelével memória da
feliz coroação do Augusto Senhor dom João VI”.
Os sons eram também muito importantes: todos
os sinos tocavam acordando a cidade; os navios
faziam suas descargas nos portos e baías, os
tambores se sucediam nos desfiles, o povo cantava,
e os múltiplos sons se misturavam, mantendoa animação da festa. Seguindo a tradição, os
relatos sobre as celebrações no Rio de Janeiro
testemunham as salvas de canhões das fortalezas
que protegiam a entrada da Baía de Guanabara
e dos navios ancorados no porto, a acordar a
população e a acompanhar os acontecimentos.10
Os homens ricos e de negócios promoviam bailes
e jantares faustosos em suas residências, em que
a música estava sempre presente.
Ofícios religiosos: missas,Te Deum, procissões
A Igreja tinha participação obrigatória nas f estas,
e o fazia com grande pompa, promovendo
cerimônias para as quais eram preparados cenários
e ornamentações que às vezes ultrapass
o espaço dos templos, quando havia co
pelas ruas − os moradores emoldurava
janelas com colchas e toalhas bordadas, jog
flores, iluminavam suas casas, saíam às ruas
participar da celebração.
Nas solenidades da aclamação de dom Pedr
Te Deum, ou missa solene, foi celebrado na c
imperial, logo após dom Pedro ser aclamado
povo e homenageado com uma salva de
tiros, do palacete armado para a celebraçã
Aclamação de D. Pedro I Imperador do Brasil, nocampo de St.ª Anna no Rio de Janeiro
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Campo de Santana. As procissões eram também
desfiles de grande significação, contando com a
presença das mais altas representações da Igreja,
do Estado, da sociedade local, além dos grêmios
e demais agrupamentos.11 No Rio de Janeiro, a
mais famosa era a Procissão das Cinzas, que
seguia com grande aparato pelas ruas da cidade
abrindo os festejos da Quaresma. Essas procissões
barrocas, nas regiões interioranas, tinham um
tom ainda mais dramático, sendo o ponto alto da
festa nas comemorações em honra da família real
ou nas festas do calendário litúrgico.
Touradas
Entre as muitas manifestações que ocorriam nafesta, eram observados jogos e outras atividades
de grande gosto popular, como as “touradas”.
Eram espetáculos preparados com muito
aparato, precedidos por desfiles alegóricos, pelo
carro de aguar o chão, por música, dança e fog os
de artifício. Não havendo praças de touros, eram
montadas praças provisórias em algum terreno
propício da cidade para abrigar os espetáculos:
“Sobre os divertimentos o mais célebre e plausível
é o combate de touros, ou seja a pé ou a cavalo:
festa (...) para a qual todos concorrem com
grandes gostos, e se fazem com muito aparato e
magnificência”.12
Simulações de batalhas e lutas
Eram de grande gosto p opular as lutas e simulações
de batalhas vitoriosas, revividas através de um
verdadeiro teatro de rua. As batalhas sempreforam apresentadas como espetáculo popular de
sucesso, desde os tempos dos jogos romanos. Em
Portugal, segundo Ferreira-Alves, tinham muita
aceitação as lutas entre cristãos e mouros, nas
quais homens portando vestes e armas medievais
lutavam em defesa de suas convicções religiosas. Às
vezes esses combates se davam na arena, antes das
touradas, animando o povo para a luta final com os
animais. “Em 1757, João de Almada e Melo, para
comemorar o aniversário de dom José I – em 6 de
junho – realizou na Cordoaria um exercício militar
que consistiu no ataque a uma fortaleza...”13
O teatro, as óperas, a música, o canto
A programação de gala dos teatros era muito
esperada, principalmente as óperas, por serem
espetáculos mais completos, com o canto e a
dança, indumentárias apropriadas, cenários muito
elaborados. Às vezes as companhias de óperasvinham de longe para promover os espetáculos,
previamente anunciados, e muito aguardados pelo
povo. Era comum as representações ultrapassarem
os dias previstos para a festa, bem como haver
necessidade de improvisar a construção de um
teatro, resultando desses espaços efêmeros,
por exemplo, o Teatro do Corpo da Guarda e
posteriormente o Teatro São João, no Porto. No
Brasil, na aclamação de dom Pedro I, Debret criou
um novo pano de boca, uma alegoria na qual
o governo imperial foi representado como uma
mulher sentada e coroada, usando túnica branca
e o manto ricamente bordado, portando as armas
do imperador e segurando na mão direita a
Constituição do Brasil .14
A arquitetura efêmera, os artistas e artífices
A festa transformava o espaço da cidade, com orecurso das arquiteturas efêmeras. Para realizá-las
eram chamados os melhores artistas e artífices,
mão de obra especializada, capazes de responder
adequadamente pelos numerosos projetos de
cenários e carros alegóricos, de difícil execução.
Desde o mais simples artesão ao mais bem
formado, como o alfaiate, o ferreiro, o marceneiro,
o arquiteto, o escultor, o pintor, todos eram
requisitados para trabalhar em função da festa,
geralmente em espaço de tempo muito reduzido.
A Igreja, as representações, o Exército, o Senado
da Câmara, todos propunham projetos, cujos
temas eram buscados no vocabulário clássico e
nas gravuras das festas reais, que percorriam toda a
Europa. De modo geral, eram erguidas “vara
para as autoridades, muitos arcos de triu
obeliscos, espaços provisórios para celebra
teatros, monumentos ao homenageado. Sa
das atividades desses profissionais pelos nume
contratos que assinavam para esses empreendim
e também pelos frequentes processos referenfalta de pagamento aos executantes.15
Por ocasião da aclamação de dom João V
erguida a Varanda da Aclamação, projet
Festas do casamento de dom João e dona Carlota J oaquinaem Madri. Muzi (a.,d.,1785). Óleo sobre papel, 37 x 54 cm. Dom João VI e seu tempo. Lisboa: Comissão Nacional para asComemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999: p. 175.Lisboa, Coleção Maria Keil Amaral. Foto André Ryoki
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arquiteto português João da Silva Muniz. Fazia face
com a frontaria do antigo Convento do Carmo,
abrindo-se para a praça através de 19 arcos,
sendo o central destacado do plano de fundo,
em formato de tribuna. No interior, ricos lustres
de cristal, paredes revestidas de veludo e seda,
e pinturas alegóricas no teto comemoravam as
virtudes de dom João. Ali o rei, sentado no trono,
de uniforme e segurando o cetro − de acordo
com a tradição e o protocolo − foi aclamado,mas não coroado. A coroa foi depositada em
uma almofada a seu lado, durante a cerimônia.
A música ficou a cargo da orquestra de músicos
austríacos trazidos pela princesa Leopoldina.
O espaço mágico da festa
A festa se fazia em grandes espaços, fossem os
fechados das residências, edifícios públicos, igrejas e
teatros ou os abertos das ruas e praças. Jaime Ferreira-
Alves lembra que, na maioria desses espaços, havia a
duplicidade do uso, que se alternava entre o sagrado
e o profano. Geralmente determinada atividade
tinha seu percurso demarcado por um mapa oficial,
e esse espaço era então preparado adequadamente
para tal função, como se pode observar em vários
documentos da época.
Em 1810, para comemorar o casamento da
infanta Maria Tereza, em uma armação munida
de fogos e profusamente iluminada, o Gênio da
Concórdia coroava um grande painel oval com os
retratos de dom João e dona Carlota Joaquina e,
mais abaixo, protegidos pelo Himeneu, divindade
grega protetora dos casamentos; outros dois painéis,
colocados nas esquinas, tinham os retratos dos
noivos, dom Carlos e dona Maria Tereza. Seis meses
depois ocorreram mais sete dias de festas, a cargo
do intendente de polícia Paulo Fernandes Viana. No
Campo de Santana, foi montado um imenso jardim,
com anfiteatro quase circular, com 348 camarotes,
em dois andares. Uma ampla varanda com três
janelas dava acesso à chamada Praça do Curro, com
cenário tropical de jardim com palmeiras.
Fogos de artifício e carros alegóricos
Como a luz e os sons, os fogos de ar
não poderiam faltar nas festas reais, s
utilizados de forma cada vez mais comp
Recurso de grande e feito, requeria a contra
de especialista em sua preparação e e
associado às encomendas oficiais. Os fog
artifício eram geralmente utilizados nas tou
e desfiles de carros alegóricos, e proporcion
momentos espetaculares na festa.
Os carros alegóricos também não faltav
eram sempre muito esperados. Criações m
originais, eram, de modo geral, oferecidos
Pano de boca executado para o Teatro daCorte, para a representação da cerimônia porocasião da coroação do imperador dom Pedro I
Vista exterior da varanda da aclamação dedom João VI (no Rio de Janeiro)
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associações de comércio e homens de negócio,
e baseavam-se nos temas mitológicos, utilizando
representações simbólicas e alegóricas, em
função do homenageado. Eram construções
bastante complexas, com figurantes fantasiados
e recursos de jatos de água, luz, fogo, som. Esses
desfiles buscavam animar o povo e estimular sua
imaginação; assim sendo, adotavam também
temas exóticos, recebidos com entusiasmo, ao
lado do vocabulário clássico, mais comum, sendo
lembradas a África, a China, as A méricas com seus
mistérios. No Campo de Santana, comemorando
o casamento da infanta Maria Tereza, desfilaram
vários carros alegóricos ofertados: 1- comerciantes
do varejo e boticários (Carro da América); 2-
ourives de ouro e prata (a dança dos chineses);3- negociantes de secos e molhados e de louças
(Carro da Imortalidade com a dança dos heróis
portugueses); 4- artesãos latoeiros, ferreiros,
segeiros, caldereiros (a dança dos mouros); 5-
carpinteiros que executaram a obra do curro
(danças militares); 6- um grande barco com
bailarinos. O Carro da América representava
o povo e as terras do Novo Mundo, através de
uma montanha sobre a qual uma índia, de pé,
simbolizando a América, a cabeça coroada com
um cocar de penas coloridas, arco e flecha na
mão, remetia à luxuriante floresta tropical, com
sua rica vegetação, flores e animais. Nesse carro
uma engrenagem fazia jorrar água ao longo do
percurso, refrescando o ambiente.
Esse painel sobre as festas reais no mundo
português revela que a festa é um acontecimento
singular, que desde o passado se manifestou nas
diferentes sociedades como instrumento eficazde socialização e perpetuação das tradições.
Muito importante em Portugal, chegou ao Brasil
e, graças às características da sociedade colonial,
foi assimilada de forma enfática, revelando a
complexidade da população, do espaço tropical,
das lutas pela sobrevivência, da forte presença
da Igreja, o verdadeiro poder em ação nas terras
da colônia. A festa, como estrutura organizada,
nunca foi estanque, e sofreu mutações ao longo
do tempo, mantendo porém suas características
mais marcantes, em função da glorificação do rei e
da fé comum. No Brasil, a festa promovia, ainda, o
conhecimento através do vocabulário esclarecido
utilizado, dos mecanismos de perpetuação de
tradições dos povos, das propagandas de ideias
e ideais de amor à terra, ao governante, à ordem,
como elementos estimuladores das ciências e das
artes, como formação da ideia de Brasil.
NOTAS
1 Tedim, José Manuel. Triunfo da festa barroca na
Corte de D. João V. A troca das princesas. Revista
Barroco, n.19. Belo Horizonte, 2001-2004:121-136.
2 Benoist, Luc. Versailles et la monarchie. Paris:
Éditions de Cluny a Paris, 1947, 5 V, V II, pranchas
23-31; Garnot, Nicolas Saint Fare. Le décor des
Tuileries sous le règne de Louis XIV. Paris: Ed. De la
Réunion des Musées Nationaux, 1988.
3 São muito conhecidos os relatos referentes às Procissõesdas Cinzas, de Corpus Christi , as entradas de bispos eprincipais da Igreja nas cidades, os festejos especiaisdas cidades e vilas, como o translado do SantíssimoSacramento da Igreja do Rosário dos Pretos, em VilaRica, para a Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em 1733,denominado o Triunfo Eucarístico. Essa festa reflete todoo contexto da sociedade setecentista das Minas e foidescrita pelo lisboeta Simão Ferreira Machado, em relatopublicado em Lisboa, em 1734. Cf. Fernandes, Luciano
Oliveira. Festa barroca e documento-monumento.Disponível em www.ichs.ufop.br\memorial\trab2\1521.
pdf. Acesso em 17.9.2011.
4 Cf. Del Priore, Mary. Festas e utopias no Brasil
colonial . São Paulo: Editora Brasiliense, 1994; Ávila,
Afonso. O lúdico e as projeções do mundo barroco.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1980; Arantes,
Adalgisa. O Triunfo Eucarístico e a universalidade.
Revista Barroco n.15. Belo Horizonte, 1992.
5 O tema das festas reais vem sendo estudado
na Europa e em Portugal, inserido na história
das mentalidades. Interessa-nos mais de perto
a bibliografia ligada à Península Ibérica, pela
aproximação das culturas espanhola e portuguesa, e
seus reflexos nas festas da Corte. Foram contribuições
ao tema: Bonnet Correa, A. Arquitetura efímera.
Ornatos Y máscaras. El lugar y la teatralidade de
la fiesta barroca. In Teatro y fiesta em el Barroco.
España e iberoamérica. Barcelona: Ed. El Serbal,
1986; Tedim, J. M. A festa e a cidade no Portugal
barroco. Disponível em ler.letras.up.pt\uploads\
ficheiros\7544.pdf. Acesso em 12.9.2011; França,
José Augusto. Lisboa pombalina e o Iluminismo.
Lisboa: Livraria Bertrand, 1977.
6 Hansen, João Adolfo. Festas e sociabilidade do
poder real e as festas públicas no Rio de Janeiro
colonial. São Paulo: Edusp, 2001.
7 Gervásio, Flavia Klausing. Festas para El Rei.
Relatos e símbolos das festividades régias na América
portuguesa setecentista. Belo Horizonte, Dissertação
de Mestrado, UFMG, 2008.
8 Ferreira-Alves, J. J. A festa barroca no Porto ao
serviço da família real na segunda metade do
século XVIII. Subsídios para o seu estudo. Revista
da Faculdade de Letras. Porto, s.d. Disponível em
ler.letras.up.pt\uploads\ficheiros\2102. Acesso em
30.8.2011.
9 Ferreira-Alves, op. cit.:18.
10 Para descrição completa da cerimônia, ver Souza,
Octavio Tarquinio de. A vida de D. Pedro I. In História
dos fundadores do Império do Brasil. Belo Horizonte/
São Paulo: Itatiaia/Edusp, 3v, 1988.
11 Segundo Maria Helena O. Flexor, passaram ao
Brasil as Procissões de El Rey ou Procissões G
como rezavam as Constituções Primeiras orde
pelo Direito canônico, leis e ordenações do Re
costume do Arcebispado da Bahia. Flexor, Ma
O. Procissões na Bahia: teatro barroco a céu ab
Disponível em http-www.ichs.ofop.br-mem
trab.2-152. Acesso em 30.8.2011.
12 Ferreira-Alves, op. cit.:24.
13 Ferreira-Alves, op. cit.:26.
14 Debret, J.-B. Viagem pitoresca ao Brasi
Paulo: Edusp, 1978:326-329.
15 Para a festa eram convocados artífices e a
disponíveis na cidade, obrigados a cola
sob pena de multa. Havia trabalho para to
seria impossível listá-los aqui. Quando os mfranceses chegaram ao Rio de Janeiro no sécu
Grandjean de Montigny e Debret trabalharam
para as festas da corte. Também são citad
artistas portugueses que estavam no Rio de Jane
arquiteto João da Silva Muniz, na Aclamação de
João VI; o inglês Mr. Bouck, no casamento da in
Maria Tereza; Manoel da Costa, decorador portu
pintor e cenógrafo, que chegou ao Rio de Ja
em 1811; Luiz Xavier Pereira, maquinista do T
Real, e muitos outros registrados nos contrat
encomendas ou que ficaram no anonimato. Ferna
C.V.N. As construções efêmeras e as transform
dos cenários para as festas e celebrações na Co
Rio de Janeiro. Anais do CBHA: Rio de Janeiro
Horizonte: Comarte, 2009.
Cybele Vidal Neto Fernandes é doutor
história social da cultura, pós-doutorandaUniversidade do Porto, Portugal, e professo
Departamento de História e Teoria da Ar
Programa de Pós-Graduação em Artes Visua
Escola de Belas Artes da UFRJ.
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201164 ARTIGOS | CRIST INA PIERRE DE FRA
O século 19 foi intenso no campo da arte, tanto na
Europa quanto no Brasil. Em sua segunda metade,
dois artistas polarizaram a preferência dos críticos
e do público do país, Pedro Américo (1843-1904)
e Victor Meirelles (1832-1903). Formados pela
Academia Imperial de Belas Artes, ambos refletiam
as tensões do meio artístico nacional, de um
lado norteados pelos ensinamentos da Academia
Imperial de Belas Artes, formadora de sua filiação
artística, de outro, pelas novas correntes da arte
europeia com as quais tinham contato, devido ao
Prêmio de Viagem ganho por Meirelles, que o tornou bolsista da Academia Imperial, e à bolsa conc
pelo imperador a Américo, o que lhes proporcionou longa estada no velho continente.
No caso de Victor Meirelles, essa aproximação das correntes europeias de arte pode ser observada
Panoramas, produzidos pelo artista no final do século 19. Essa modalidade artística correspon
uma forma específica de representação da paisagem realizada no país, com maior intensidade a
da segunda metade do Oitocentos, observada nas representações dos pintores nativos e dos arviajantes que aqui aportavam.
É importante distinguir essa pintura de paisagem, em voga no Brasil do século 19, que representa
natureza local, do Panorama como invenção. No primeiro caso, as pinturas de panorama podiam
A IMERSÃO NO PANORAMA DE VICTOR MEIRELL
Cristina Pierre de Fra
imersão panora
ilusão sécul
Fruto da tese de doutorado A paisagem imersiva: O Panorama do Rio de Janeiro
Victor Meirelles e a videoinstalação Fluxus, de Arthur Omar , defendida no Progr
de Pós-Graduação de Artes Visuais da EBA/UFRJ, orientada pela profa. Ana Cavalc
o artigo discute a questão da imersão e sua constituição no Panorama, um meio
alia tecnologia e entretenimento no século 19.
Panorama de Mesdag. The Hague. RotundaFonte: Comment, Bernard. The Painted Panorama.New York: Harry N. Abrams,Inc, 2000: p88
IMMERSION IN THE PANORAMA OF VIMEIRELLES | The article discusses the issuimmersion and its constitution in the Panoa medium that combines 19 th-century technand entertainment. This paper is the resumy doctoral thesis − Immersive LandscapePanorama of Rio de Janeiro by Victor Meand the video-installation Fluxus by AOmar, presented to PPGAV-EBA/ UFRJ, unde
guidance of Prof. Ana Cavalcanti. | ImmePanorama, Illusion, 19th century.
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201166 ARTIGOS | CRIST INA PIERRE DE FRA
realizadas sobre superfícies como papel ou tela
e tinham em comum a ênfase ou o predomínio
da horizontalidade, que determinava a visada do
espectador. Essas representações panorâmicas
apresentavam vistas das cidades a partir de um
ponto de vista elevado e tendiam a expandir a
visão a um ângulo mínimo de 180º. Embora
esse tipo de obra apresentasse a vista estendida
horizontalmente de um local, as dimensões da
obra não eram determinantes em sua fruição
e feitura. Podiam-se encontrar pinturas de
panoramas de dimensões tão reduzidas, que
sua visualização exigia o uso de lupas. No
segundo caso do Panorama, entendido como
meio imagético, as dimensões e a forma circular
ganhavam caráter fundamental, aliadas a umasérie de aparatos mecânicos e técnicos para sua
execução, incluindo a construção de edifícios
circulares para abrigar a tela.
Produções artísticas do final do Setecentos, os
panoramas representavam locais ou situações
determinados sob perspectiva ilusionista,
enfatizada pela dimensão ampliada do tema
pintado, configurando a situação categorizada
como imersão.
A imersão é definida como o “ato ou efeito de
imergir(-se), de submersão ou de afundar-se,
adentrar-se”.1 Nas acepções do termo estão
presentes caracteres reflexivos pelos quais a
imersão é fruto de uma ação voluntária do sujeito
de penetrar, de se deixar absorver, e que assinala
como consequência a ocultação, a subsunção do
sujeito no interior daquilo no qual imerge.
Na arte, a imersão seria um estado amplificado,
maximizado da ilusão, que agencia condições
mentais e corporais introdutoras do espectador
mais intensamente na cena e no objeto imagético
ali representado. Distinguimos duas operações: a
primeira seria de fusão das realidades atualizada
e representada, fundindo o espaço imaginário e
o real; a segunda seria do esmaecimento dos
aspectos do mundo contingente e da emergência
das qualidades intrínsecas da representação, que,
artificialmente, criam realidade paralela, a qual
pode ser divisada contemporaneamente nas artes
visuais nas instalações e videoinstalações e, no
século 19, nos panoramas.
Segundo Oliver Grau, a imersão é fato constante
na história da imagem e na história da arte. Nesse
sentido, a presença da virtualidade, observada
na contemporaneidade a partir de tecnologia de
base digital e, ainda, da reconstrução de um local
ou de intervenções em determinados ambientes, é
um aspecto exacerbado da arte que já existia com
o meio de produção manual desde as pinturas
rupestres. Assim, a questão da imersão relaciona-
se à sugestão de ‘presentificação’ da obra, para
tornar a acepção do objeto representado o mais
concreto e real possível p ara o espectador. Opera-
se, então, uma mudança dos estados mentais
do público, que apresenta sua capacidade crítica
proporcionalmente diminuída à medida que a
obra solicita maior adesão de seus sentidos para
a percepção do ambiente no qual está imerso. Há
uma vedação das instâncias de julgamento do
espectador como consequência de sua adesão à
obra artística na qual está imerso.
O ambiente imersivo necessita cumprir
determinadas exigências; deve constituir-
se em local hermético, que veda o acesso a
sua exterioridade, pois fecha-se nele mesmo,
solapando as instâncias de ingresso ao que se
localiza além do recinto da obra. A interioridade
do local se potencializa por focos de apelo
que atraem a atenção do público, admitindo
a manipulação (em menor ou maior grau) de
alguns artefatos de seu interior, que se agregam à
vivência real do espectador.
A intenção é instalar um mundo artificial
que proporcione ao espaço imagético uma
totalidade (...) que preencha todo o campo
de visão do observador. Ao contrário
(...) de um ciclo de afrescos que re
uma sequência temporal de ima
sucessivas, essas imagens integra
observador em um espaço de 360
Victor Meirelles. Estudo para Panorama do Rio de Janeiro: morro doCastelo, c. 1885, óleo sobre tela, 100cm x 100cm. Acervo Museu Nacionalde Belas Artes. VM 003 Doc. 0011Fonte: Coelho, Mário Cesar. in Victor Meirelles – novas leituras.Org. Maria Inez Turazzi. Florianópolis Museu Victor Meirelles: Studio Nobel,2009: p124
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201168 ARTIGOS | CRIST INA PIERRE DE FRA
ilusão, ou imersão, com unidade de tempo
e lugar (...) os espaços imersivos podem
ser classificados como variantes extremas
de mídias imagéticas que, por conta de
sua totalidade, oferecem uma realidade
completamente alternativa.2
Em vez de enganar o olho, enganam-se os sentidos
− trompe les sens.3 Estabelece-se, assim, seu
aspecto realístico, uma configuração simuladora
da realidade com graus cada vez mais intensos,
como é o caso das experiências com ferramentas
e ambientes informacionais. A imersão formula
um lugar alternativo que, mesmo por segundos,
suspende a capacidade de discriminação e incute
no público a ideia de estar, de fato, no local
representado. Há um intercâmbio de realidade
em que o que existe além d aquele espaço se torna
irrelevante, pois se adensa outra realidade, que
potencializa o aspecto dúbio do real.
Interessa-nos, neste momento, destacar a
questão da bipolaridade, da superposição e da
ambiguidade promovida por essa esfera fictícia,
a qual intercambia informações a partir da
atenção dividida entre o mundo imaginário e o
real promovida pelos ambientes imersivos. É nesse
sentido que aos objetos efetivos e materiais se
agregam outros, da instância imaginária e imaterial,
promovendo uma realidade em que se misturam o
concreto e o sugerido, o matérico e o ideado.
Nessa perspectiva, os panoramas e as
videoinstalações se constituem como lócus
privilegiado dessa intersecção entre os espaços
ilusório e efetivo, como um cenário cujos objetos
habitam simultaneamente um lugar concreto, no
qual se ativa a concomitante instância imaginária.
Um espaço que existe no aqui e agora da visitação.
Com duração de aproximadamente 115 anos,
o panorama teve seu apogeu durante o século
19. Stephan Oettermann, em seu livro The
panorama history of mass medium,4 vislumbra
estreita conexão entre a modalidade artística e o
Oitocentos, período no qual muitas das invençõestecnológicas envolvendo a visão apresentavam
caráter híbrido, entre a pura visualidade, como no
caso da máquina fotográfica, e o espetáculo de
representação, como no caso das fantasmagorias.
Considerado invenção, o panorama, tal como a
máquina a vapor ou a luz elétrica, foi patenteado
pelo irlandês Robert Barker no final do século 18,
mais precisamente em 9 de junho de 1787. Como
meio de arte, o panorama apresenta algumas
peculiaridades. Podemos assinalar, entre elas,
a montagem circular das telas, seu caráter de
fidedignidade ao tema representado a partir
de uma visada de 360º, sua feição ambiental,
uma vez que constitui espaço específico em que
o espectador é introduzido, além da questão
espetacular que carrega.
Victor Meirelles apresenta-nos esses dois tipos de
panorama. No início de sua carreira, suas produções
paisagísticas da cidade de Desterro são pinturas
panorâmicas e, já no final do Oitocentos, apresenta-
nos os panoramas realizados segundo a concepção
de aparato híbrido entre a pintura de tela e as
execuções mecânicas, e objetos exigidos pelo meio,entre a contemplação e o espetáculo de lazer.
Obras da maturidade, os panoramas e ntraram na
vida de Victor Meirelles bem antes de sua efetiva
execução. A vontade de realizá-los provavelmente
foi fruto da intensa impressão que ele
causaram em suas viagens à Europa. Na bio
do pintor, escrita por Carlos Rubens, cita-se
Fleiuss para assinalar que, entre a ideia inic
efetiva execução do Panorama do Rio de Ja
decorreram “mais de 17 anos”.5
Ainda em 1884, o artista fazia publicar no j
O Paiz um anúncio visando granjear sócios
a empresa. Nesse texto, explica que o panoseria “a reprodução em vastíssima tela, de um
grandioso da história da pátria”;6 assinala tam
seu potencial mercantil e o caráter pedag
para desenvolver o patriotismo nos cid
brasileiros. Em 1885, Arthur Azevedo sa
a intenção do artista de constituir em
para explorar o Panorama do Rio de Ja
destacando o patriotismo e a feição com
do empreendimento.7 Esse empreendim
mostra uma visão nova no campo da arte,
artista como efetivo negociante de seu trab
compreendido também como espet
relacionado ao lazer − visão que também e
presente em algumas estratégias para am
o público assistente, envolvendo ações
chamassem atenção sobre a obra, como peq
notas e uma espécie de propaganda do even
Victor Meirelles realizou três panoramas:
cidade do Rio de Janeiro, o das ruínas da Forde Villegaignon e o da descoberta do Brasil.
O primeiro trabalho desse gênero realizad
Meirelles foi o Panorama do Rio de Janeiro
colaboração com o pintor e fotógrafo belga
Victor Meirelles. Estudo para Panorama do Rio de Janeiro: entraBarra, c. 1885, óleo sobre tela, 56,7cm x 195,4cm. Acervo Museu Nacional de Belas Artes. VM 003 Doc. 0006Fonte: Coelho, Mário Cesar in Victor Meirelles – novas leituras. O Maria Inez Turazzi. Florianópolis/Museu Victor Meirelles: Studio N2009: p124 e 125
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201170 ARTIGOS | CRIST INA PIERRE DE FRA
Charles Langerock (1830-1915). Seus estudos
iniciais aconteceram em 1885 e foram realizados
a partir do Morro de Santo Antônio. No início
de 1886,8 ambos partiram para a Europa com o
objetivo de executar a pintura, realizada na cidade
de Ostende, na Bélgica.
O Panorama do Rio de Janeiro teve sua primeira
exposição realizada em Bruxelas, e a abertura
oficial, realizada com grande pompa, aconteceu no
dia 4 de abril de 1887, contando com a presença
dos soberanos belgas. A exibição alcançou grande
sucesso de público, sendo visitada por cerca de 50
mil pessoas. Segundo Carlos Rubens, esse trabalho
serviu como motivação para comentários elogiosos
a respeito do Rio de Janeiro e do Brasil, assinalado,
então, como “nação mais notável da América”.9
Em 1889, Victor Meirelles partia com seu
Panorama para Paris, com o objetivo de mostrá-lo
na Exposição Universal. Assim como na Bélgica, o
trabalho causou boa impressão aos críticos de arte
e ao público, apesar de não ter repetido o sucesso
original, sobretudo por estar fora do circuito
principal do evento, próximo ao Campo d e Marte.
Esse fato foi determinante para que o afluxo de
público a sua obra fosse menor do que o esperado
pelo artista, que, assim, não conseguiu manter o
Panorama na capital francesa além do prazo de
duração do grande acontecimento mundial.
Infelizmente, a produção imagética do panorama
só pode ser divisada por meio dos estudos
realizados para sua execução. Tanto esse primeiro
quanto os demais pintados por Victor Meirelles
foram doados pelo artista e sua mulher ao
governo brasileiro em 1902,10
e as gigantescastelas foram irremediavelmente perdidas nos
galpões do Museu Nacional.11
Os seis estudos que restaram do Panorama do
Rio de Janeiro, de Meirelles, trazem uma cidade
construída em meio a uma floresta, que cede lugar
às construções que galgam morros, povoando
densamente certas áreas geográficas, como a que
ainda hoje é o Centro da cidade, por exemplo,
enquanto outras, com habitações esparsas,
são dominadas espacialmente pela natureza. A
vista da cidade nos apresenta um domínio das
edificações, das ruas que avançam pelas colinas,
sintoma da civilização num lugar longínquo e
exótico, como parte remanescente do ideário
romântico que ainda habitava a mentalidade do
homem europeu do Oitocentos.
A apresentação do Panorama do Rio de Janeiro
na Exposição Universal de Paris, em 1889, fazia
parte de um projeto com intenções diversas, entre
as quais podemos citar a exibição de cidadesdistantes, em países exóticos e dominados pela
floresta tropical. Essa temática atendia à ânsia
da burguesia europeia por viagens a terras
longínquas. A obra também era uma tentativa
de conciliação entre arte e entretenimento,
amadorismo e capitalismo, exemplificada
pela companhia aberta para a exploração do
meio, que tinha como última instância sua
exploração econômica.
Esse trabalho estava relacionado ainda à inscrição
do Brasil no circuito das nações com contribuições
para o progresso mundial, pois apresentava o país
como terra em que a natureza inóspita já teria sido
contida e que o homem comum poderia habitar,
objetivando, com isso, incentivar a imigração,12 e
estando, por esse aspecto, em consonância com
o espírito moderno e industrial que a mostra
trazia à baila. Para isso, contribuíam os diferentes
produtos exibidos, entre maquinarias, invenções eexemplares da flora e da fauna nativa dos países
partícipes, incluindo-se também os novos meios
tecnológicos destinados ao entretenimento das
massas, como os panoramas e os dioramas.
Os eventos podem ser compreendidos como
representação da “expansão capitalista”,13 sob
a forma de construção materialmente visível,
similar à construção museográfica, no sentido de
apresentar visual e sistematicamente os objetos
constitutivos dessa sociedade que se estava
estabelecendo, com objetivos que não descartam
sua função pedagógica. Nessa perspectiva, as
exposições universais seriam “modelos de mundo
materialmente construídos”14 e, ainda, “veículos
para instruir (ou industriar) as massas sobre os
novos padrões da sociedade industrial”.15
Não está ainda devidamente esclarecida a razão pela
qual o Panorama de Meirelles não se encontrava no
pavilhão brasileiro destinado à apresentação das
obras de arte. O pintor teve de custear sua estadana Exposição Universal, fato determinante para que
a obra ficasse fora do eixo principal das visitações
e, portanto, com menor afluxo de visitantes. Sabe-
se, entretanto, que tentou um patrocínio para a
manutenção de seu trabalho na capital francesa, de
acordo com carta publicada no jornal carioca Gazeta
de Notícias e assinada pelo Barão de Teffé.16 Talvez
um dos motivos tenha sido a pouca aceitação do
meio como atividade artística, devido a seu caráter
de entretenimento, ou a crise instaurada no regime
imperial brasileiro.
Não obstante a participação oficiosa em relação
ao pavilhão brasileiro, o Panorama do Rio de Ja-
neiro apresentava feição propagandista do Brasil,
afirmando a “fórmula país-de-natureza-pródiga/
país-aberto-à-imigração/país pragmático”,17 Nes-
se sentido, algumas das motivações do artista
estariam em consonância com a esfera governa-
mental, sendo a mais visível o estímulo à imigra-ção de trabalhadores europeus para o Brasil.18
A opção por pintar panoramas feita por Victor
Meirelles indica que o artista estava sensível às
inovações que as artes plásticas apresentavam,
apesar do descrédito e da desvalorização ar
desse meio no país, que nos mostra, aliás,
apesar de pertencer ao círculo acadêmic
artista também era interessado nas novas m
e na pesquisa da imagem e de sua recepção
O Panorama do Rio de Janeiro, pintado
conjunto por Meirelles e Langerock, teve cobe
da imprensa bem diversificada. Enquanto a
jornais, como a Gazeta de Notícias,19 divulg
com frequência a afluência dos visitantes e a
com opiniões elogiosas sobre o Panorama, o
como o Diário de Notícias, ignoraram a expo
a ponto de inexistir cobertura no ano de
inauguração e nos meses seguintes. Apesa
valor e do ineditismo da exposição na ci
ela não teve na imprensa o destaque espe jornais importantes nem sequer noticiaram
abertura ou fizeram comentários a seu res
Nesse sentido, como em Paris, o evento
obteve no Rio de Janeiro os resultados espe
de afluência de público, apesar das inúm
tentativas de Meirelles de ampliar o núme
visitantes. Ainda que a afluência do público
tivesse sido a estimada por Meirelles, o Pano
foi um acontecimento na cidade, como a
artigo de João Ribeiro publicado no jornal O
“O Panorama é a great attraction do pú
fluminense. Lá fui, era a primeira vez que v
panorama. Gostei enormemente, imensam
Belo e admirável como a própria natureza.
que consumi duas horas de alegre contemp
(...).”20
Para o espectador, o panorama seria
antecipação do espaço cinematográfico,
suas grandes telas, causando impacto sensor
plateia, lugar do espetáculo e do entretenim
Outro artigo, sem assinatura, faz deta
descrição do Panorama do Rio de Jan
realizado por Victor Meirelles, por ocasião d
exibição nesta cidade em 1891:
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201172 ARTIGOS | CRIST INA PIERRE DE FRA
Dedicamos ontem, cerca de uma hora
à contemplação do Panorama da baía e
cidade do Rio de Janeiro, pintados pelos
artistas Victor Meirelles e Langerock e
exposto no antigo largo do Paço. (...)
No panorama de que agora nos
ocupamos, o visitante, assim que chega
ao terraço de observação, que tem
apenas cinco metros de elevação, tem a
sensação da vertigem que nos acomete
na altura de cinquenta metros.
A grande tela ci rcular, que apresenta os
últimos planos a grande distância, funde-
se embaixo sem que lhe perceba solução
de continuidade, nos primeiros planos
reais, sólidos, verdadeiros, cobertos
de palmeiras verdejantes, de arbustos
vivos, de grama verde e viçosa cortada
por veredas e picadas, que despertam
a vontade de descer e observar o que
é realmente verdadeiro e o que é
artisticamente fingido.
O espectador deve destinar os dois ou três
primeiros minutos, para preparar os olhos
e o espírito para a impressão por assim
dizer nova (?) que vai sentir.(...)
Com os segundos e últimos planos
pintados, com os primeiros em relevo e
ornados por árvores, plantas e pedras
verdadeiras com os passarinhos voando
e chilreando por entre as folhas, os dois
artistas apresentam um espetáculo (...)
para ver-se e pelo qual lhes cabem os
maiores elogios.21
Esse impacto, essa confusão dos sentidos
encontram-se registrados nas inúmeras
impressões dos visitantes acerca da obra, um
misto de surpresa, arrebatamento e incredulidade
diante do que está diante de seus olhos. Muitos
descrevem que sua percepção da obra se aproxima
do sonho, provocando uma dúvida entre a
realidade e o apresentado imageticamente.
A compreensão da dimensão de ilusão que o
artista propõe é facilmente percebida na descrição
minuciosa do artigo publicado no jornal carioca
A Gazeta de Notícias e acima transcrito. Victor
Meirelles, com seu Panorama da Cidade do Rio de
Janeiro, participa, embora de forma marginal,
de uma prática da modernidade e aproxima-se
de algumas interlocuções artísticas de caráter
fenomenológico.22 Essa perspectiva de uma arte
fundamentada na questão perceptiva é basilar
nas experiências dos artistas europeus e também
se encontra, ainda que de maneira indireta, nodebate de arte nacional no final do século 19.
As impressões acerca das obras de arte que
estavam em circulação apontam para uma forma
de arte multissensorial. Em artigo publicado no
jornal O Paiz , João Ribeiro assinala esse caráter da
arte quando comenta sua visita a uma exposição
da escola livre, em texto anterior à exibição do
Panorama na cidade, em que afirma:
Todas as vezes que penso sobre as artes
figurativas, lembra-me sempre que elas
se fazem sob a cultura progressiva dos
sentidos. Primeiramente a visão, pela
arquitetura e pela pintura, depois o ouvido,
pela música. E eu imagino que em um
futuro remotíssimo por um refinamento
de artistas blasés haverá uma cultura do
olfato e uma arte do cheiro.23
Nesse texto João Ribeiro, no final do século 19,alude à questão da multiplicidade de sentidos
envolvidos na recepção da obra de arte, o que
decerto antecipa algumas condições presentes
na arte da contemporaneidade. Pode-se observar
essa tendência principalmente nas constituições
de arte que utilizam as novas tecnologias, como
cinema 3D ou Caves, que procuram simulação
da realidade ou criação de realidade alternativa
e que integram em sua produção não só a
ambiência espacial, mas também uma gama de
proposições sensórias e espetaculares que ativam
a ambiguidade do real.
NOTAS
1 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio deJaneiro: Ed. Objetiva, 2001:1.576.
2 Grau, Oliver. Arte virtual: da ilusão à imersão. SãoPaulo: Unesp/Senac, 2007: 30 e 32.
3 Pignoti, Lamberto. Apud Domingues, Diana. Asinstalações multimídia como espaços de dados em sinestesia. Relações corpo/arquitetura/memória etecnologia. http://artecno.ucs.br; consultado em13.8.2009.
4 Oettermann, Stephan. The panorama history ofmass medium. New York: Zone Books, 1997.
5 Rubens, Carlos. Victor Meirelles sua vida e suaobra. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945:133.
6 O Paiz , 2.10.1884:2.
7 Azevedo, Arthur (sob o pseudônimo Eloy o Herói),Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 23.10.1885:1.
8 Rubens, op. cit.:134.
9 Idem.
10 Os três Panoramas realizados − O Panoramado Rio de Janeiro, A Entrada da Esquadra Legal em23.6.1894, observada da Fortaleza de Villegagnon,e Descobrimento do Brasil − foram doados ao
governo brasileiro em 2.7.1902 por Victor Meirelles e
sua mulher, Rosalia Fraga Meirelles. Museu Nacionalde Belas Artes. Pasta Victor Meirelles.
11 Elza Ramos Peixoto assinala a luta pe la preservaçãodos Panoramas, exposta em correspondência trocadaentre a Direção da Escola de Belas Artes e o Ministérioda Justiça, ao qual a instituição era subordinada.
Proença, Angelo et al. Victor Meirelles de Lima: 1903. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982:116ss
12 Idem, ibidem:109.
13 Barbury, Heloísa. O Brasil vai a Paris em um lugar na Exposição Universal. Anais do MPaulista. N. Sér. v.4, São Paulo, jan.-dez. 1996Disponível em www.scielo.br/pdf/anaismp/a17v4n1.pdf, consultado em 31.5.2010.
14 Idem, ibidem.
15 Idem, ibidem.
16 A Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 27.1.18
17 Barbury. Heloísa. A exposição Universal deem Paris. São Paulo: Loyola, 1999:216.
18 Além das questões econômicas, estavam em
também alguns aspectos de caráter político e cu
19 O número de visitantes à exposição doPanodo Rio de Janeiro era frequentemente exibidprimeira página do jornal A Gazeta de Notícias.modo, pode-se constatar que era maior nos de semana, principalmente aos domingos. Poportanto, deduzir que se tratava de programlazer familiar para a população da cidade.
20 Ribeiro, João. O Paiz , Rio de Janeiro 11.1.18
21 Artigo intitulado O Panorama do Rio de Jasem assinatura, publicado na Gazeta de Notíciade Janeiro, 5.1.1891:1.
22 Estas relações podem ser divisadas principalmna dimensão auditiva que o artista interpõe emtrabalho com o uso dos pássaros, os quais adicà obra um caráter sensorial fundado na amplifdos sentidos em prol da intensificação da ilusestar na proximidade da natureza.
23 Ribeiro, J. O Paiz . Rio de Janeiro, 14.12.189
Cristina Pierre de França é doutora em
visuais pela EBA-UFRJ, atua como professo
artes visuais no Colégio Pedro II e na Faet
de história da arte na Unigranrio.
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201174 ARTIGOS | LUCIANA ALVARE
A Vila de Itaúnas1 se localiza no extremo norte do
Espírito Santo, praticamente na divisa com a Bahia.
Um lugarejo bucólico de chão de terra batida, em
que vivem cerca de 2.200 pessoas. 2 Nesse lugar,
encontramos grande diversidade de manifestações
culturais tradicionais, como o ticumbi, o jongo, o
alardo, o reis de boi, além de processos produtivos
artesanais como a confecção de cestos, barcos,
farinheiras, entre outros. Nesse contexto, a vila se
apresenta como um dos principais ‘palcos’ de representações das tradições3 da região.
Suas origens, porém, se perdem no tempo e na falta de documentos conclusivos e específicos sob
assunto. Até meados do século 20, segundo histórias contadas pelos moradores mais antigos, a v
resumia a duas ruas principais paralelas à praia − a de baixo e a de cima –, com castanheiras e game
frondosas, cerca de 200 casas de estuque, rebocadas e assoalhadas, duas padarias, armazéns, um
dos correios, uma escola, uma igreja na parte mais alta da vila e um cemitério. As casas eram gemine possuíam quintal nos fundos com árvores frutíferas, hortas, criação de galinhas e p orcos. Contorn
o povoado, o Rio I taúnas era a principal via de comunicação com o mundo, e em suas margens fic
os barcos dos pescadores.
O TICUMBI: imagens e memória da Vila de Itaún
Luciana Alvare
ticumbi imag
memória Vila de Itaú
O ticumbi se constitui como importante veículo de recriação do passado e
elaboração do presente. É através dessa expressão que as histórias de uma vila
construídas e reconstruídas, por meio de cultura que privilegia a oralidade, mas
se expressa na visualidade, trazendo à tona o imaginário local. O artigo é fruto da
de doutorado em Artes Visuais (Imagem e Cultura)/UFRJ A festa e as representaculturais do ticumbi: imagens e tradições da Vila de Itaúnas, ES, sob orientação d
Rogério Medeiros.
Luciana Alvarenga A roda grande, 2010, arquivo digitalFonte: Alvarenga, 2011
TICUMBI: images and memory of the villaItaúnas | Ticumbi, an Afro-Brazilian rituan important event for recreating the pas
preparing the present. It is through thisexpression that the stories of a village areand rebuilt through a culture that apprethe spoken word, but which is expressed ivisuality, bringing to the fore the local imag| Ticumbi, image, memory, village of Itaú
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201176
Há cerca de 70 anos, porém, uma misteriosa e
sutil catástrofe paulatinamente se abateu sobre o
lugar. Tudo começou com uma areia fina a invadir
as ruas, formando pequenos montes junto às
paredes externas das casas. Areia que podia ser
rapidamente removida com enxada ou pá sem
grandes problemas até então. No entanto, ela
começou a entrar portas adentro e se refugiar
sob os móveis. E, sem que isso fosse percebido,
a areia que antes estava restrita à praia, passou
a dominar a paisagem. Enquanto se conseguia
colocá-la para fora das casas e tirar os pequenos
montes das ruas e da praça, a areia foi de certa
forma tolerada. Havia dias, contudo, em que
o vento ficava mais forte, e a areia chegava
com mais volume. Com o passar do tempo, ela
modificou completamente a fisionomia da vila, eos montes de areia tornaram-se cada vez maiores.
A igreja e o cemitério foram os primeiros a ser
soterrados. Com o passar dos anos, a vila inteira
foi desaparecendo sob as enormes dunas.
Com esse processo, a população precisou tomar
medidas drásticas: alguns foram embora para
outras localidades, outros resolveram recriar e
refundar a comunidade. A mudança da antiga
vila para a nova, iniciada no final da década de
1950, quando os primeiros moradores resolveram
abandonar o lugar, só veio a terminar com a
saída dos últimos habitantes, em 1974, cerca de
15 anos depois. No processo do soterramento,
a vila foi atravessando lentamente o Rio Itaúnas
e se instalou na outra margem. Quando a
mudança não se consubstanciava de modo literal
e físico, utilizava-se a imagem do que havia
antes na tentativa de construir algo semelhante
ou parecido. Junto com cada pedacinho da vila
antiga que passou para a nova vieram as histórias
mágicas e ricas do passado local, além de inúmeras
tradições culturais. Enquanto carregavam seus
móveis e pertences, os moradores levavam sua
história, seus costumes e sua cultura material.
Ininterruptamente durante mais de um século,
todo mês de janeiro acontece a festa em
homenagem a São Benedito e São Sebastião.
Segundo os moradores mais antigos, celebrar os
dois santos é também uma forma de precaução, de
impedir que a nova vila e seus moradores sofram
dos mesmos males e maldições que provocaram
o soterramento da antiga Itaúnas. A festa é
uma tradição desde os tempos do Império e da
escravidão − nem o processo do soterramento
conseguiu interrompê-la. A homenagem aos
dois santos está presente no calendário anual
do Município de Conceição da Barra e do Estado
do Espírito Santo. Mas, São Benedito, ou São
Bino, como o chamam seus devotos, possui
calendário à parte, também anual, que se iniciacom os ensaios dos grupos de ticumbi nas roças,
nos meses de outubro e novembro.
A festa e o ticumbi
A festa de São Benedito e São Sebastião é conside-
rada o principal evento da região. Durante uma se-
mana, ocorrem na vila apresentações, procissões,
missas e diversos tipos de danças e encenações. O
ticumbi é a principal manifestação cultural da fes-
ta, representando seu clímax e seu cerne. São os
membros do ticumbi que desencadearão todos os
processos e todas as ações do evento. Em processo
não linear no qual ocorrem vários acontecimentos
concomitantes, a festa se inicia com o último en-
saio nas imediações da vila. O evento dura a noite
inteira e culmina com procissão ao longo do rio e
das ruas de Itaúnas.
O ticumbi4 é a denominação dada ao baile decongos do Vale do Cricaré − região que compre-
ende os municípios de Conceição da Barra e São
Mateus −, manifestação cultural que é sobretudo
uma espécie de enciclopédia virtual local, em que
cada verbete se encontra delegado a um morador
da vila. Cada habitante desse lugar, seja idoso ou
criança, tem uma história para contar, um mito ou
uma lenda para lembrar. E o principal veículo lo-
cal para essa transmissão de conhecimento é o ti-
cumbi, que em sua dança, suas letras e sua música
carrega histórias e lendas que atravessam séculos.
Algumas dessas histórias vieram da África, outras
surgiram nas senzalas e nos quilombos que ali já
existiram e dos quais há hoje remanescentes; mui-
tas falam da vila antiga, outras, da nova.
No ticumbi, as tradições locais e ancestrais são
relembradas e recriadas infinitamente, ano a ano.
É um processo familiar que passa de pai para filho,
transpondo gerações. No centro dessa história
está São Benedito, padroeiro dos negros, pobres
e oprimidos, cuja imagem que se encontra hoje
na vila se supõe ser a chave para o mistério do
soterramento.5 De acordo com alguns relatos, o
ticumbi é criação de Silvestre Nagô,6 negro escravo
que, para animar seus pares, inventou os folguedos,
rapidamente transformados em modo de lembrar
e reviver o passado, fortalecer laços e identidades,
manter e reconstruir memórias e de mobilização
da própria comunidade que o produzia. Essas
características se mantêm nos dias atuais.
Personagens e indumentárias
O ticumbi possui estrutura hierárquica −
embaixadores e secretários − que conta a ba
mitológica entre o rei de congo, cristão, e
de bamba, pagão. Cada rei possui um secre
e ambos possuem corpo de baile compost
dois guias, dois contraguias e número va
de congos, que representam os guerreiro
duas nações. Acompanha-os ainda um vio
Todos se vestem a caráter para a encen
respeitando um modelo de indumentária.
longas batas brancas, rendadas, atravessada
fitas coloridas. Vestem calças compridas br
com ou sem frisos vermelhos. Cobrem a ca
com lenço branco e coroa enfeitada com
e fitas coloridas. Os reis usam coroas de paornamentadas com papel dourado relu
(às vezes, usam papel prateado), trazem p
espelhado com flores brilhantes e capa com
também florida. Para completar o figurino, carr
longa espada. Os dois secretários também
capa e espada (o que os diferencia dos congos
Enredo
Composto por danças e cantos, as dança
ticumbi simulam o volteio dos guerreiros,
Luciana Alvaren A procissão, 2arquivo digitalFonte: Alvareng
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201178
espécie de combate gingado; os cantos são
alternados com as falas dos reis e dos secretários,
entoados em conjunto pelos congos das duas
nações. Acompanha os cantos o som dos pande iros
e da viola, que dá o tom da música. O enredo
se constitui na rivalidade dos dois reis negros
(congo e bamba) que pretendem realizar a festa de
São Benedito, o que só um deles poderá fazer. Os
secretários levam os desafios de seus senhores ao rei
rival, em ato denominado embaixada.
Como não há acordo entre as duas nações, a
guerra é iniciada com luta bailada. Essa guerra
inicial é denominada primeira guerra de reis
congo ou guerra ‘sem travá’. Em seguida, com
a participação dos dois reis, realiza-se a guerra
travada, na qual os reis batem espadas junto comseus secretários no centro de uma roda formada
pelos congos. Ao final da guerra, o rei bamba
é vencido, tendo que, junto com seus vassalos,
submeter-se ao batismo. Terminando a encenação
é realizada festa em honra ao rei de congo,
quando se canta e dança o ticumbi.
Uma das características mais interessantes dessa
manifestação é sua função de jornal narrado e
atualizado da localidade em que está inserido.
Como parte dos versos se modifica a cada ano,
o mestre do ticumbi se utiliza desse trecho da
apresentação para informar à comunidade local
assuntos do passado ou da atualidade que
ele considera relevantes. Podem ser temas de
interesse local ou até mesmo de âmbito nacional
ou internacional. É por intermédio dos reis,
de seus secretários e do corpo de baile que os
principais discursos − de ancestralidade, da vila
antiga e da vila nova, da relação com o lugar, deidentidade e de anseios da comunidade − são
expressos em praça pública. É importante destacar
que o ticumbi é processo vivo e paradoxal, pois
simultaneamente mantém e recria o passado,
trazendo para dentro de seu enredo as histórias
antigas e atuais da vila.
Imagens e memória da Vila de Itaúnas
Dos acontecimentos às visualidades presentes
nos vários dias da festa de São Benedito e São
Sebastião, dos rituais desenvolvidos − do ensaio
geral às dramatizações que ocorrem na vila −,
das indumentárias ao próprio cenário com a igreja
ao fundo, todo acontecimento hoje remete aos
processos, ações, visualidades, características e
eventos da festa na Itaúnas que foi soterrada. Como
observado e relatado pela própria comunidade,
em comparação entre as imagens fotográficas
da primeira igreja da vila antiga e da igreja atual,pode-se afirmar que se trata de recriação,7 e,
conforme a informação geral dos moradores
mais antigos, essa semelhança não foi casual;
muito pelo contrário, houve deliberadamente um
processo de reconstituição da que foi destruída
pelas dunas no final da década de 1950. Nesse
mesmo parâmetro é possível também observar
que, após cerca de 50 anos do primeiro registro
fotográfico existente, além de mais de um século
de registro histórico oral, o ticumbi parece manter
os padrões ritualísticos e de visualidade. De acordo
com diversos depoimentos, falados e escritos, a
indumentária praticamente não sofreu mudanças
durante esse período. A ordem processual dos
acontecimentos também se manteve intacta − da
chegada das pessoas do entorno da vila, passando
pelos ensaios nas roças, pela procissão fluvial e
terrestre com os santos até a chegada à casa do
festeiro −, entre diversas outras características quese mantêm praticamente inalteradas por mais de
100 anos até os dias atuais na nova Vila de Itaúnas.
Assim sendo, o ticumbi pode ser considerado
obra estética equiparada a sucessivas cenas
cinematográficas, reprisada ano a ano (como um
filme que é exibido uma vez por ano, todos os
anos), ao mesmo tempo em que é reformulada a
cada vez que é apresentada, por quem a assiste
e por quem a produz. É nesse contexto que
enquanto acontecimento ele se elabora como
forma ‘de estar em lugar de’. E é aí que mais
intensamente se revela o imaginário não só através
do imaginado, mas, sobretudo, do fazer ima
O ticumbi se elabora através de meios esse
e existentes de sustentação da sobrevida
acontecimentos da vila antiga, pois nos env
cenário da imortalização que há em seus a
e em sua memória. A partir dessa constat
percebe-se um de seus aspectos fundame
o comunicacional,8 pelo qual são transm
Em cimaLuciana AlvarengaO ticumbi, 2010, arquivo digitalFonte: Alvarenga, 2011
ELuciana A
A guerra travada, 2010, arquivFonte: Alvareng
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201180 ARTIGOS | LUCIANA ALVARE
as histórias que se consideram importantes,
aquelas que a comunidade pretende mostrar
como parte de seu imaginário e de seu passado
(recente ou remoto), mediante transposições
de narrativas em linguagens multifacetadas,
presentes nos personagens, nos versos, nas
músicas, nos cenários e nas encenações em
praça pública. No momento da encenação,
vestem-se apropriadamente, e esse cuidado
com a apresentação visual, de se fazer entender
pelo público – tanto os conhecedores como
quem nunca assistiu à festa –, de se mostrar
como parte de algo dramatizado, de um rito
tradicional, apresentando um código de decoro
segundo pauta de entendimento daquilo que “se quer
dar a ver”.9
No ato de encenar aquele indivíduo estáse apresentando da maneira como ele gostaria de ser
olhado e identificado pelas outras pessoas, ao mesmo
tempo está criando uma imagem do que deve ser a
vila no entender dele ou do grupo a que ele pertence.
A memória da vila antiga está presente em todas
as etapas da dramatização, nos personagens e
indumentárias, e, de forma pungente, nas letras do
ticumbi, que pode, por esse aspecto, ser caracterizado
como algo que realiza a passagem de um lugar a outro
e reidentifica os dois lugares tornando-os um só. É essa
transformação, essa transposição ou, melhor, essa
síntese que caracteriza e identifica a festa como a de São
Benedito e São Sebastião da Vila de Itaúnas. Assim,
o ticumbi nos possibilita compreender aquilo que
produz vínculos e elos, pois é o (re)ligare10 − na Vila
de Itaúnas essa ligação se constitui no presente,
entre as pessoas envolvidas na festa, ainda que
se trate também de ligação com os ancestrais e
com sua própria história. E é nesse sentido queo momento também se contextualiza como uma
celebração e, sobretudo, a representação disso,
quando a vila se ‘transforma’ naquela que já não
existe.
Antiga ou nova, para os moradores Itaúnas con-
tinua sendo a mesma, e é nessa festa que po-
demos perceber isso em toda a sua magnitude.
Evidentemente, a vila nova não é a antiga, mas
os moradores, com essa festa anual, querem di-
zer a quem quiser ouvir (na verdade, falam para
eles mesmos) que as duas são uma só, ou melhor,
não existem dois lugares, mas passado e presen-
te. Assim como acontecia na Itaúnas antiga, essa
vila soterrada que emerge simbolicamente a cada
festa, todos os anos, sem nunca ter deixado de
acontecer, nem no período mais crítico da história
do soterramento, São Benedito é louvado e são
contadas histórias consideradas importantes paraa comunidade, recados são lançados, discussões
são empreendidas a partir da encenação do ti-cumbi que é, simultaneamente, lugar da oração,
da fraternidade, da crítica, da comunicação e do
julgamento. É o lugar da f amília e da comunida-
de – é seu espelho. Quando a própria comuni-
dade acompanha a encenação, ela enxerga sua
imagem, seus valores, seu modo de vida, suas
lembranças e sua história. Vê sua alegria e sua
tristeza. Também ouve sua fala e sua música. Ao
mesmo tempo em que remonta aos tempos ime-
moriais, o ticumbi remete ao futuro, às discussões
sobre os conflitos existentes e sobre as melhorias
que podem ser promovidas. Enquanto o passado
é celebrado em atos dramáticos, no ticumbi se re-
escrevem os fatos históricos da Vila de Itaúnas, ou
seja, o passado é celebrado, mas também reescrito
e atualizado.
O passado, dessa forma, é recriado no próprio
acontecimento do ticumbi. O relato do passado,
por meio dessa ritualização, traz para o presente,
no momento da enunciação, o tempo e o espaço
– a vila antiga surge reinterpretada, corporificando
manifestações de um passado ainda vivo, que
deixa de ser passado e passa a ser presente. E é
nesse contexto que ocorre a mediação entre o
espaço, o tempo e o mundo dramatizado da vila
soterrada. As cenas presentes são refletidas no
conjunto das imagens acionadas do passado, um
passado revisitado e revivido durante o ticumbi. Os
discursos sobre o passado celebram as tradições
que são revivenciadas e reatualizadas no novo
espaço, no tempo de convivência do agora.11
NOTAS
1 A Vila de Itaúnas é a sede do distrito homônimo,
na zona rural do município de Conceição da Barra,
na microrregião do litoral norte do Espírito Santo.
O distrito faz divisa com os distritos de Conceição
da Barra e Braço do Rio, no mesmo município jácitado e, ao norte, faz divisa com o Estado da Bahia.
A vila atual está localizada a cerca de 700 metros
da antiga, na margem direita do Rio Itaúnas. Dista
cerca de 27km da sede do município de Conceição
da Barra, 53km de São Mateus e 260km da capital
do estado, Vitória.
2 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Contagem da população 2007: agregado por
distritos. Rio de Janeiro: IBGE, 2008.
3 A noção de tradição pressupõe permanências que
podem ser auditivas (faladas, cantadas, narradas)
e visuais (expressões corporais, gestos, paisagens,
etc.), referências a elementos que transportam ao
passado. As tradições, porém, estão em permanente
mudança, de acordo com o contexto e a situação
vivida; por meio de processos de ressignificações, as
tradições são utilizadas como estratégias discursivas
de continuidade do “passado histórico adequado”.
Hobsbawn, E.; Ranger, T. (Org). A invenção das
tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
4 O ticumbi é encenação que acontece na
modalidade de congos ou congada no Espírito Santo,
município de Conceição da Barra, tendo bailado final
que denomina o auto. Os reis de Congo e Ba
seus secretários e corpo de baile representa
guerreiros de duas nações que lutam pelo dire
festejar o São Benedito. Cascudo, L. C. Dicioná
folclore brasileiro. São Paulo: Editora da USP, 2
5 A história oral local conta que a antiga v
amaldiçoada depois que retiraram a imagem d
Benedito da antiga igreja, fato promovido pela
branca que ali não queria um santo negro.
6 Líder revolucionário dos tempos da escra
presente na memória local até os dias de hoje.
7 Alvarenga, L. A festa e as representações cu
do ticumbi: imagens e tradições da Vila de It
(ES). Tese de Doutorado. Escola de Belas Artes
Rio de Janeiro:UFRJ, 2011.8 Geertz, C. A arte como sistema cu
In_________. O saber local: novos ensaio
antropologia interpretativa. Petrópolis: V
1997:142-181.
9 Martins, J. de S. Sociologia da fotografia
imagem. São Paulo: Contexto, 2009:14-15
10 Duvignaud, J. Festas e civilizações. Rio de Ja
Tempo Brasileiro, 1983.
11 Esse contexto foi apresentado em pesquis
trata das representações do passado no cult
mártires de Cunhaú realizada por Oliveira, L.
teatro da memória e da história: Alguns problem
alteridade nas representações do passado pre
no culto aos mártires de Cunhaú, RN. Mne
Revista de Humanidades. v.4, n.8, abr./set. 200
Luciana Alvarenga é professora-assisda Universidade do Estado de Santa Cat
Doutora em Artes Visuais (Imagem e Cultura)
Programa de Pós-Graduação em Artes Visua
Escola de Belas Artes da Universidade Feder
Rio de Janeiro.
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201182 ARTIGOS | BETE ES
“O que há por toda parte são máquinas, e sem
qualquer metáfora: máquinas de máquinas, com
as suas ligações e conexões.”1
A expresão quimera maquínica ou máquina
quimérica reúne os termos máquina, quimera e
maquínico.
Quimera, substantivo feminino, designa um
produto da imaginação, sem consistência ou
fundamento real; ficção, fantasia, sonho ou
projeto geralmente irrealizável. Combinação, real
ou fantástica, de elementos diversos num todo
heterogêneo ou incongruente, algo a que falta
unidade, coesão ou coerência. Em alquimia ou na mitologia, quimera é um ser artificial, criado a
da fusão de animais: cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente.
DE QUANTAS PARTES SE FAZ UMA QUIMEMAQUÍNICA?
Bete Este
arte quim
máquina maquí
A partir da investigação transversal e transdisciplinar dos conceitos de Deleu
Guattari (esquizoanálise, inconsciente maquínico, máquinas desejantes) e de ou
abordagens críticas, como de Richard Sennett, Vilém Flusser e George Batailautora disserta sobre as relações entre máquinas e arte apresentando alguns conc
que pairam sobre a contemporaneidade maquínica. O artigo é fruto da disserta
de mestrado Quimeras maquínicas , defendida na UFRJ em agosto de 2011, so
orientação do professor doutor Milton Machado.
HOW MANY PIECES MAKE UP A MACHINCHIMERA? | Based on cross transdiscipresearch on the concepts of Deleuze and Gu(schizoanalysis, machinistic unconsciousdesiring machines) and on other capproaches by namely Richard Sennett, Flusser and George Bataille, the author wabout the relationship between machinesart, addressing several concepts which hover machinistic contemporaneity. This ais the result of her Master’s thesis “MachiChimeras”, defended at UFRJ, under the guidof Prof. Dr. Milton Machado in August 20Art, chimera, machine, machinistic.
Uroboros. 2009-2010. Painel de MDF, caixa de descarga plástica,tubo de PVC 40mm, tubo de PVC ½ “, perfis de alumínio, polia plásticade 2”, garrafa PET, molas, peso de chu mbo, cordão de náilon, parafusosdiversos, microbomba d’água 127Vac, microinterruptor, cabo ACtipo paralelo, torneira plástica, acionador de descarga, fio de cobre.82.5x275X66mm. Coleção da artista
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201184 ARTIGOS | BETE ES
Quando me referir a quimeras é preciso entendê-
las como criaturas mistas, pelo aspecto fantástico
e no sentido de sonho, da fantasia que conjuga
também o lúdico, o mágico e o movimento
da imaginação. Nesse caso, porém, não mais
personagens ficcionais e imaginários, mas
criações a partir de organismos reais, “células” de
duas ou mais máquinas que saltam da lenda para
inaugurar territórios. Combinações improváveis,
invenções que brotam da tentativa de semear
poesia, de lançar pequenas faíscas ao relento,
lumen de vaga-lume.
Maquínico é conceito de Deleuze e Guattari −
que aparece em O antiÉdipo, de 1972 − ligado
diretamente ao inconsciente que o concebe
envolvido com produtividades múltiplas.Inconsciente maquínico é conceito segundo o
qual o inconsciente, diferentemente da concepção
de Freud, é produtivo − e o que ele produz,
acima de tudo, é o real em sua multiplicidade.
O inconsciente é, ele próprio, “máquina de
máquinas”. Reúne qualidades heterogêneas2 em
dinâmica e apresenta um infinito número de
possibilidades de forças. Variações de relações que
dizem respeito ao interior dos corpos, técnicos ou
sociais, microcosmos com seus ritmos, pulsações,
vibrações, “esquizes”, fluxos de cor, peso, forma,
movimento, força, sentido.
O conceito de Deleuze e Guattari de máquina
desejante, vinculado à ideia de que tudo
é máquina, entende máquina como uma
combinação de corpos e forças, conjunto das
partes que constituem um todo.
Se, para algo ser considerado máquina, é preciso
que se esteja em meio a uma relação de forças que
derivam e são derivadas de ações; se a energia
trocada entre as partes de uma máquina e as
relações estabelecidas entre elas são elementos
constitutivos de uma máquina – o que abrange
muitas processualidades –, pode-se afirmar, a
seguir, que tudo é máquina.
O maquínico, ligado ao desejo por sua vez ligado
ao inconsciente envolvido com produtividades
múltiplas e não com a falta. O inconsciente como
fábrica e não uma cena de teatro. A noção de
maquínico convoca à cena o sentido molecular e
não mecânico. Implica pensar a vida a partir de
seu caráter processual, de alterações contínuas.
Para além do fato de que as “quimeras
maquínicas” se encontram no âmbito artístico
e que abrem horizontes de emparelhamento
com as quimeras na biologia e na mitologia,
elas operam de forma semelhante. Na qualidadede desejantes, o fazem maquinicamente e por
contágios, não mecanicamente, no sentido
trivial. Isso significa que não obedecem a um
sistema de relações progressivas, de causalidades
necessárias, automáticas e previsíveis entre
termos dependentes, mas funcionam por meio
de um “conjunto de ‘vizinhanças’ entre termos
heterogêneos independentes”,3 dos quais fazem
parte o homem, ferramentas, coisas e os animais.
Essas máquinas têm por peça tudo que as
atravessa − o homem, o meio social no qual está
inserido e os variados “tipos de fluxo que entram
em conjunção”.
Criadas para funcionar a partir de determinações
que geram indeterminações de movimento, essas
máquinas lúdicas produzem repetição. Não aquela
da máquina que reproduz peças homogêneas
ou funciona destinada à obtenção de resultados
previsíveis, mas repetições de diferenças. É
como se essas máquinas “esquecessem” quase
instantaneamente o produzido e se lançassem a
novas produções subsequentes, uma vez que seu
objetivo é o próprio produzir.
Resumindo, temos, então, “quimera maquínica”,
o objeto, a coisa; é quimera adjetivada como
maquínica, ou “máquina quimérica”, a máquina
adjetivada como quimérica, como híbrida, fusão
de vários. Os termos trabalham aqui em sentido
biunívoco; complementam-se.
Adoto a expressão “quimeras maquínicas”
para referir-me a um tipo de trabalho artístico
específico, máquinas ou partes de “máquinas
desejantes”, que encontram também na arte sua
residência, operam de forma mecânica e também
abstrata, e cujo funcionamento é maquínico,
como o do desejo.
Compostos de máquinas técnicas e artísticas
que trabalham se utilizando de partes mecânicas− lidam com operações concretas −, partes
eletrônicas − lidam com impulsos elétricos,
que, destituídos de velocidade, formato ou
força, são apenas virtualidades, sensores que
captam informações e as repassam para as partes
mecânicas capazes de fornecer produtos, sistemas
e processos poéticos − e partes orgânicas –
interações manuais, perceptivas e sensoriais
Não são gadgets, aproximam-se mais de
“torções” mecânicas, junção de coisas deixadas
de lado. Versam sobre o brincar de tangenciar
micromundos distintos e gerar miniaturas ou
ampliações brincantes e extraterrestres.
Não são produtos do acaso ou da inspiração de ordem
divina, mas do deliberadamente escolhido para
formar uma combinação improvável “numa ação
dirigida e estratégica” que funda DNAs imprevisíveis.
Montam-se e se desmontam no encontro de funções
e rearranjos disfuncionais, da física quântica, daengenharia reversa,4 da biologia, da eletrônica.
Máquinas que cometem impropérios, metonímias
e não metáforas. Nem identificação subjetiva, nem
cosmologia metafísica. Sistemas especificam
desenvolvidos para se comunicar com
entorno. Formais, posto que precisam materi
se, mas não objetos puramente estético
contemplativos. Máquinas que se fazem
sutileza de sua condição desejante, abst
Máquinas que espreguiçam poeminhas, enco
Capaz de dialogar, essa máquina, faz uso
próprios aparelhos existentes, cyber-cientí
telemáticos, tecnológicos, e pode subverte
ordem ao romper sua camada mais super
Não como forma de vingança ou contestaçã
fazer micropolítica na urdidura dos mecan
mais sofisticados pode penetrar, aí, um g
de outra origem, brincar de jogador de d
que combina novas e armazenadas informaPromover desencontros de desiguais, criar
de novas articulações, inventar mundos
prometam novas formas de pensar, for
programação dos canais e das redes.
A máquina quimérica que descrevo é tam
autorreferencial, minha própria produção. N
da vontade de desaprisionar as coisas do m
dos conceitos, dar um jeito de desapren
objeto, “desvê-lo”, enlouquecer seu sentido
lo dos lugares-comuns em que se encont
mundo. Um pouco como diz Manoel de Barr
“desacostumar as coisas” ou fazer “inutens
fazê-lo “pegar delírio”, inverter, brincar c
lógica tradicional dos objetos e das coisas.
Nasce de tentativas de união de mu
divergentes, de desajustes, de combinações
os muitos possíveis, das circularidades, do ú
suspiro, do sopro de vida, da existência ma
e incorporal, de todos os objetos e ncontrad
fundo de meu quintal, em meu mato maq
e orgânico, eletric circus celibatarium
movimentos. São exemplos a máquina de
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201186 ARTIGOS | BETE ES
Conjugam o saber teórico com a execução prática
e a experiência. Trata-se do dado processual,
lúdico e efêmero de uma entidade complexa em
constante tensão de experimentação e trânsito de
conhecimentos, que pega o produto de partes e
joga dentro de outras, gerando território propício
para o desenvolvimento e surgimento de novas
ideias e práticas, novas maquinações.
Podem constituir-se de diversidades de materiais,
que variam, por exemplo, do aço carbono das
bicicletas de Simon Starling, como Carbon
(Pedersen), 2003, e em Tabernas Desert Run, 2004,
a pedaços de objetos precários encontrados nas
diversas peças da montagem de The way things
go (Der Lauf der Dinge), 1987, dos artistas suíços
Fischil and Weiss, que incrementa e combina muitosaspectos, como a movimentação, a montagem, o
precário e o caráter mágico do truque.
Como maquínicas funcionam em meio a quaisquer
episódios, banais ou sofisticados, mas sempre
em conexão com o meio no qual foram criadas
e funcionam e com quem as produz, caso das
Rotozazas, 1967, em que Jean Tinguely apresenta
uma instalação maquínica composta de uma série de
engrenagens que inclui o público como participante.
Trabalham com o dinamismo, a ironia, o lúdico que
fazem espreguiçar os sentidos e os estados afetivos.
Podem lidar também com o truque, a maquinação
que não quer ser desvendada por ninguém.
São igualmente “marginais”, no sentido de que
muitas vezes dissociam ação do entendimento
ou pensamento, numa espécie de esquizofrenia
produzida pela quantidade e qualidade de forças,
e alucinações que perpassam suas partes. Comoacontece na filosofia Patafísica,6 criada por Alfred
Jarry, inventor de máquinas na literatura com base
na superação da metafísica e em nova compreensão
do ser, que abole o princípio da não contradição.7
Allstars, 2010-2011, instalação; trilho, carr inho, motor, bandejas de plástico, palitos de dente, gotejador, câmara de segurança, m onitor eProgrammable Interface Controller – PIC; Bete Esteves, 300x30x20cm,coleção da artista
Podem estar sujeitas, como as máq
celibatárias, à autodestruição, como a má
La mariée mise à nu par ses célibataires, mê
pintura mais complexa e ambiciosa de Ducha
a principal responsável pela disseminaçã
termo célibataires aplicado às máquinas e à
Célibataire significa aquele que se ma
solteiro, preservando-se casto, improd
Os celibatários, encerrados em si me
colapsam, dado que só podem lidar com
componentes internos, seus funcioname
sempre impossíveis, objetos partidos, so
incompreensíveis e mirabolantes.
As máquinas celibatárias9 são mecanismo
nada produzem além da movimentaçãfluxos e projeção de intensidades; são abstr
como La Mariée, operam por movimen
conexões imaginárias com o uso da lingu
criptografada, interrompida, de difícil cap
como as da literatura, no romance de Bioy Ca
Invenção de Morel ou em Colônia Penal , de K
ou ainda os trabalhos de Francis Picabia (1
1953), como Fille née sans mère (1916-
,pinturas e desenhos com morfologias de
de máquinas nada funcionais.
Para o conjunto que chamo de quim
maquínicas, esse tipo de máquina provenien
literatura tem valor por estar conectado ao e
de produção ininterrupta, “esquizofrê
que sucede à máquina paranoica e à má
miraculante, e com isso estabelece uma
relação de produção de quantidades intensi
Essas máquinas podem provocar nascim
quiméricos surpreendentes a partir de ttransdisciplinares. Contam com o fazer do a
como o de um inventor de trajetórias que pa
além e através dos campos disciplinares
busca de conexões mais completas, sem que
Cabe avaliar alguns dos aspectos que incidem
sobre essas quimeras maquínicas e regimes sob
os quais trabalham – nem sempre todos em uma
só máquina.
Como quimeras, sempre maquinação de vários
que podem ser orgânicos, humanos, mecânicos,
elétricos e eletrônicos. Lidam com a montagem,
edição de seres distintos, que pode dar-se sob forma
literária ou fílmica, embora mais frequentemente
sejam encontradas em materialidade física. Estão
implicadas com experimentalismo, empirismo,
transversalidade e fusão da técnica com a arte.
estrelas de palito Allstars e a caixa de fumaça
Fumus boni 5 que desenvolvi entre 2009 e 2011.
Mais do que lúdico, há algo de ambíguo nesses
dois trabalhos, o que é comum em minhas
quimeras maquínicas. Elas se expressam na
lógica invertida do less is more. São conjuntos
que contrastam peças, traquitanas eletrônicas,
elétricas e mecânicas para realizar tarefas
cotidianas, muito simples. Talvez façam muito
barulho por nada, muita parafernália para
realizar tão pouco quanto o sopro de vida ou o
burburinho dos insetos.
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201188 ARTIGOS | BETE ES
domínio único, e, sim, plural, de cooperação entre
vários saberes, em entendimento que organiza e
ultrapassa as próprias disciplinas.
Ao incorporar em suas criações o pesquisador,
o tecnólogo, o hacker , o cientista e o inventor,
tanto o artista ajuda a ativar e promover a arte
rumo a novas perspectivas como a própria
pesquisa artística esbarra em respostas, variações
ou mesmo soluções científicas e tecnológicas que
ampliam o processo de pesquisa para além dos
recônditos dos laboratórios.11
Acredito na fertilidade e contaminação positiva
que pode haver na assimilação da pesquisa pelos
diversos campos de atuação no trabalho artístico e
que a ideia de invenção, seja ela plástica, mecânicaou industrial, esteja no cerne de toda criação.
Concordo com Guy Brett quando afirma que artistas
e cientistas criam modelos do universo, mesmo que
intuitivamente, mas “nem por isso menos válidos
ou menos formas de conhecimento”.
Arte não tem origem no acúmulo de conhecimentos
sobre ciência e tecnologia, e também ciência n ão
tem ligação estreita com estética ou poética.
Podem acrescentar-se mutuamente e estabelecer
relação multidirecional ao romper os rígidos
paredões que as separam; irrigar-se mutuamente
através de fluxos intercambiáveis, sem que haja
impedimentos ou perdas de desenvolvimentos em
ambos os campos.
Nesse âmbito é importante lembrar o trabalho
seminal de Jean Tinguely Homage to New York que
teve como peça o engenheiro Billy Klüver (1927-
2004) responsável pela montagem e partidário da
ideia de que o diálogo entre engenheiros e artistastraria um agente de transformação social e cultural
significativo, dados os fatos de a arte se aproximar
cada vez mais da vida e a tecnologia dela se tornar
inseparável. Assim também, Abraham Palatnik
(1928) como artista liga seu trabalho à categoria
do projeto, às investigações no campo científico
e, por conta disso, criou Aparelhos cinecromáticos
(1965-2000) que traduz o desejo de acionar
algo para além do estático, que implica tempo
e espaço. Enfim, algo inclassificável naquele
momento da história da arte (1949-1951). Sobre
Palatnik, escreve Luiz Camillo Osorio:
Opera na produção de Palatnik a tensãoentre o devir poético e devir tecnológico,não há nostalgia humanista nem recusa do
futuro tecnológico, o que há é uma vontadede inserir alguma potência de invenção, de
delírio e de graça nos usos e hibridações coma tecnologia e nesse sentido a intimidade
com o interior das máquinas e seus processosde funcionamento é fundamental.12
A inquietação experimental de inventor, o rigor
na pesquisa de novos materiais, o conhecimento
adquirido no meio artístico e o contato fácil com
as tecnologias transformaram não só o ateliê
de Palatnik em oficina artística experimental de
ponta para a época, mas também inseriram novo
formato de fazer e pensar arte adaptada à nova
era, aos novos equipamentos e às novas mídias.
Relaciono as máquinas quiméricas − de certa
forma também são seres que se autorregulam −
a seres autopoiéticos (do grego auto = próprio;
poiesis = criação, produção). Um organismo vivo,
autopoiético, opera de forma autônoma a partir
e não além de suas próprias estruturas; como
sistemas fechados, referem-se às operações
criadas entre as partes do sistema que
constituem o limite do próprio sistema, o que
não significa que eles não estejam estabelecidosno meio em que operam e a ele sensíveis. Para
manter seu funcionamento algumas máquinas
quiméricas estão sujeitas a disfunções, remissões,
reversões e atravessamentos, lidam com ordem e
Máquinas de fumaça, 2010-2011; duas caixas acrílicas de 65x50cm,membrana plástica, reservatório de líquido, máquinas de fumaça,disparador, solenoide e Programmable Interface Controller − PIC, coleçãoda artista
desordem e acabam se resolvendo internamente,
mas não deixam de se relacionar com o observador,
com o sistema vivo e com o mundo – relações não
deterministas e não apenas reativas, mas muitas
vezes paradoxais, múltiplas, aleatórias ou incertas.
Apresenta esse tipo de caracterísicas a máquina
do artista Ólafur Eliasson Ventilator: Different
Energies, 1997-2005, máquina-acrobática, que
funciona pendurada no teto de uma galeria.
Composta de uma parte que é pêndulo e outra
que é vento e meio no qual se desloca, dela
também são partes o pé-direito e o teto da
instituição em que a obra se apresenta instalada,
e o público que a visita.
As máquinas quiméricas podem operar comforças de criação e destruição, utilidade e
inutilidade. No pós-guerra a arte incorpora o
mecanismo autodestrutivo como técnica, como
procedimento artístico que faz parte das decisões
do próprio trabalho. O artista que, de modo
é responsável pela criação e manutenção de
um sistema de arte – curador, comprador, mu
galerias –, preocupado com a conservaçã
mercado, a exposição, participa da destr
desse território e instituição.
A inserção de algo que se repudia at
estertores, máquina complexa, concebida
alcançar a autodestruição ao operar apenas
vez em uma só noite, caso de Homage to
York, aponta uma questão existencial e p
invocar o exercício da antiga tradição pictóri
Memento Mori ; a destruição convoca a lemb
da efemeridade humana, instaura um desar
que destitui o status sagrado da arte e cri
conduta da criação.
Bataille foi um dos pensadores que alavan
reflexão sobre os riscos de uma sociedade lim
à atividade útil. Em sua opinião, o fundam
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201190 ARTIGOS | BETE ES
na existência de uma sociedade, é o espaço
reservado ao gasto e ao consumo, o que chama
de “dispêndio improdutivo”,13 sejam eles excessos
produzidos pelo campo social, psicológico ou
cultural. Em vez da discussão falseada a respeito
da utilidade, Bataille provoca uma inversão do
modo tradicional de entendimento a respeito dos
constituintes das primeiras motivações da sociedade
humana, em que o que passa a ser mais investigado
é o consumir, e não o produzir; o despender, e não o
conservar; o destruir no lugar do construir.
A máquina artística faz parte da categoria de
dispêndio improdutivo. Está vinculada às forças
que rompem com a condição humana do circuito
produtivo do trabalho e da subordinação temporal.
A atividade artística assume o caráter nobre danoção de despesa, na contramão das concepções
racionalistas e econômicas do século 17. Introduz
a descontinuidade, a inutilidade, momentos em
que o trabalho é suspenso, gerando indiferença
em relação à função que os objetos ou atividades
poderiam desempenhar na cadeia da utilidade. Se
a razão da funcionalidade ou utilidade é retirada
da relação de trabalho, pode-se fazer emergirem
dados que ela escamoteia como, por exemplo,
a indesejável e incompreensível inutilidade ou
efemeridade da vida, as atividades excrementícias,
a doença e a morte.
Com as obras Homage to New York e
Break Down , Tinguely e Michael Landy,
respectivamente, fizeram dois dos exames
mais enérgicos do consumismo, do
desperdício, da destruição e criatividade
da sociedade pré e pós-industrial. Ambos
os trabalhos, vivendo apenas na memória,na documentação, no rumor e no mito,
tornaram-se o máximo em esculturas
desmaterializadas de seus tempos. Utilizando
os resíduos de suas épocas, eles revelaram
que o prazer do consumo, ao que parece,
pode estar tam bém em sua d estruição. 14
Break Down não é apenas de um objeto instalativo
e escultórico pensado para o aniquilamento de
todos os pertences do artista, mas um conjunto
de relações que, implicado com todo o sistema de
mercado de consumo, de arte, máquinas técnicas,
estéticas, econômicas, sociais, a que se está
subjugado, traça direções de fuga que implicam
novos direcionamentos e lembram também a
noção de dispêndio improdutivo de Bataille.
Segundo esse autor, há no mundo, na raiz da
vida, uma tendência inevitável para a perda, para
a dissipação do excesso em termos biológicos,
que se estende à ordem social. O que, no entanto,
é abafado pela tendência da aquisição e doacúmulo de excessos, responsável, de modo geral,
pela produção de meios danosos que podem
transformar-se em guerra de destruição em massa e
certamente fazem parte do tédio da vida burguesa.
O ineditismo do paradigma da dádiva estaria no
fato de propor um “antiutilitarismo positivo”,
que pode ser aplicado às atividades artísticas. As
máquinas quiméricas trazem, em sua origem, em
sua natureza, a inutilidade fundamental, mas que
muitas vezes remete o homem à dimensão do
cosmo, ao pertencimento da condição humana, à
liberação do mundo dos objetos, à experiência do
desapego através da qual o homem se dá conta
de seu destino – entendimento da ambiguidade
que traz à tona o útil e inútil.
Richard Sennett, no capítulo Ferramentas
estimulantes15 do livro O Artífice, sugere o
“despertar” para que se lide com as ferramentas
de maneira a tirar proveito delas. Afirma queatravés de saltos intuitivos se encontrariam
maneiras de rever a função inicial das ferramentas.
De certa maneira, o que Vilém Flusser propõe, a
reprogramação do aparelho como saída para
a imagem técnica, Sennett aponta como novo
método de abordagem frente às ferramentas.
Sugere, para isso, atitudes como:
1 Disposição de verificar se uma ferramentaou prática pode ser mudada no uso, ou seja,
defende a importância de deixar que o limitedas finalidades das ferramentas esteja aberto àcriação de novas derivas, em que a quebra do
molde e de sua função possa ser bem-vinda.
2 Aproximação de domínios improváveis.Aqui se trata de aproximações de universosque inicialmente estão distantes. O autor cita o
exemplo da tecnologia do telefone conjugadacom a do rádio que origina a telefonia móvel,
universos que, em princípio, não seriam pensados
juntos e que, uma vez aproximados, fazem nascernovas composições, novas máquinas.
3 Preparar o terreno para o assombro, a
surpresa. Esclarecer procedimentos, nomeá-los, muitas vezes revela compreensões
inesperadas e de complexidade maior doque se supunha. É preciso deixar que aperplexidade penetre.
4 Um salto não desafia a gravidade. Não é o
fato de haver transferências de habilidade ouprática de uma área para outra, ou de uma
ferramenta para outra que vai fazer com queo problema seja resolvido. Sempre quando seinsere o estrangeiro, isto é, uma nova forma
de lidar com o problema, há que lidar como que trouxe esse novo dispositivo, essa
importação técnica que também trará seus
próprios procedimentos e problemas.
Penso nos caminhos apontados por Sennett e por
Vilém Flusser não como silogismos, mas comopossibilidades de criação, de rompimento com
verdades, de entrada nos códigos dos aparelhos.
Penso que tais noções geram possibilidades
de criação das máquinas quiméricas.
chance de pensar o fazer artístico, em me
aprimoramento tecnológico, e a ele també
conformar, revoltar, formatar e reformatar
possibilidades de novas configurações for
estéticas, conceituais e filosóficas.
Para além do entretenimento, a figur
um autômato carrega consigo um g
interrogante. Pensa-se também a respeit
ação programada e repetida, daquela que f
nós reféns, utensílios ou instrumentos. As fi
dos autômatos, aprisionados nas engren
das repetições e ritmos não humanos impi
movimentos rumo à força do hábito.
Assemelhar-se a operários padronizados, maq
dos, adormecidos certamente pode ser també
duzir-se à qualidade de máquina, regra do re
fordista, capitalista. Tornar-se peça com a máq
na multiplicidade de sua produção, do movim
que estabelece rotas de mutações que se alt
na composição entre partes, pode ser promo
solavanco que rompe com o esquema-padrão
o qual já se acostumaram os corpos.
Para tanto há que promover enguiços, solava
rodopios, invenções, apropriações, movim
celibatários que não obedecem a outra
senão a do desejo e que têm a chance de r
do grau zero as engrenagens, polias e alava
sem outra ordem senão a da repetição.
É preciso promover o giro do pião ou da bai
que, de tantas voltas na caixinha de m
executa finalmente um tal grau de volta desej
criativa e reflexiva que acaba por flutuar so
linóleo do palco ampliado.
Regras para reconhecer uma quimera maqu
I Para reconhecer quimeras é preciso sab
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201192 ARTIGOS | BETE ES
máquina, no sentido mais amplo, saber que tudo
é máquina.
II É preciso saber-se máquina e saber-se quimera,
sonho, fusão mítica de muitas fontes. Para
reconhecer máquina quimérica é preciso infinita
capacidade de sonho.
III Sonhador de final de semana não adquire
certificado de reconhecedor: é preciso não temer
pesadelo. Quem teme pesadelo não sabe como
destarrachar a torneira do sonho bom. Sonho
bom é devorar coelhos na orientação dos gatos,
o que só se aprende lendo Cortázar no original.
IV Para reconhecer uma quimera maquínica
é preciso tomar chá com o coelho de Alice
servido no bule de Keaton preparado com agraxa do desejo.
V Máquina quimérica se reconhece na sobrie-
dade da ontogenia da Diferença, na falta de
sentido, na vertigem do delírio, na inútil e precária
e movediça e intersticial e formidável existência.
Toda beberragem alucinógena libera o contorno
nítido de uma quimera maquínica, mas é preciso
estar despedaçado.
VI É preciso apagar o Inferno e queimar o Céu,
recitar de trás para diante os Cantos de Maldoror,
reconhecer toda a humana (ou divina) possibilidade
como sendo parte-peça-engrenagem combustível
de si e com esse Todo sentir-se Um; assim se
reconhece uma máquina quimérica:
VII Nos inutensílios da poesia, nas teorias-ficções
de todos os campos, na falível concepção dos
conceitos inventados para produzir uma história
que nos contam na hora de dormir, em volta da
fogueira que projeta sombras no fundo da caverna.
VIII Para reconhecer máquina quimérica ou qui-
mera maquínica é preciso prescindir de todo
manual ou roteiro de modo a descasar para
sempre o que jamais haveria de ter par. Tudo que
pulsa, mesmo no pulso lento de milhões de anos,
como o ciclo do sol, das galáxias e do universo
inteiro, é máquina e quimera na imaginação de
toda criatura-criadora.
IX Para reconhecer uma tal coisa é preciso dar
descargas em sequência, conversar e casar
com anéis de fumaça, derreter o desejo um
minuto antes da meia-noite, voltar e tornar
a voltar eternamente para o lugar que é teu
e seguir para sempre exilado e transformar
grades de ferro em asas na ausência de louça,
como o amor que partiu numa fatia fina
de fala reconstruída com cola feita de luz e
água mineral capaz de espreguiçar estrelas
arquivadas em neon por 40 anos em caixinhasde isopor e de sonho de menina.
X Para reconhecer uma tal coisa é preciso desistir
de buscá-la, pois está em toda (p)arte.
NOTAS
1 Deleuze, Gilles; Guattari, Félix. O antiÉdipo.Capitalismo e esquizofrenia. Trad. Joana MoraesVarela e Manuel Carrilho. Lisboa: Assírio & Alvim,1996:53.
2 Guattari, Félix. O inconsciente maquínico − ensa-ios de esquizoanális. Campinas: Papirus, 1988.
3 Deleuze, Gilles; Parnet, Claire. Diálogos. Lisboa:Relógio D’ Água, 1996:127.
4 É o processo de análise de um artefato (umaparelho, um componente elétrico, um programade computador; etc.) e dos detalhes de seufuncionamento, geralmente com a intenção de
construir um novo aparelho ou programa que faça amesma coisa sem realmente copiar algo do original.Objetivamente a engenharia reversa consiste em, por
exemplo, desmontar uma máquina para descobrir
como funciona. Disponível em http://vai.la/21VC
5 Fumus boni vem de Fumus boni iuris, expressão
latina que significa fumaça ou sinal de bom direito,
aparência ou indício de bom direito. O fumus boni
iuris é a presença aparente de uma situação que não
foi inteiramente comprovada, mas em que existe a
possibilidade de que o direito pleiteado exista no
caso concreto.
6 A ‘Patafísica diz respeito a uma concepção
do mundo alternativa, que revê a compreensão
do ser, da ciência ou da técnica, do tempo e do
tratamento da linguagem. Estuda os epifenômenos
a própria observação da aleatoriedade da “dança”,
da espiral, do caos e da ordem. Epifenômenos são
porções de fenômenos que existem para além das
leis da não contradição. Abordam a equivalência
universal contingente em que tem lugar o acaso ouo acidental. “É, sobretudo, a ciência do particular,
embora se diga que só existem ciências do geral.
Estuda as leis que regem as exceções e explica
um universo suplementar a este; ou, menos
ambiciosamente, descreve um universo que pode
– e talvez deva – ocupar o lugar do tradicional, já
que as leis do universo tradicional são derivadas
de correlações de exceções, ou, em todo caso, de
correlações de ações acidentais que, reduzindo-se
a exceções pouco excepcionais, deixam de possuir
o atrativo da singularidade” Jarry, Alfred. Gestas y
opiniones del Doctor Faustroll. Trad. Teresa Fernández
Echeverría. Zaragoza: Libros del Innombrable, 2003.
7 O princípio da não contradição, formulado por
Aristóteles em seus estudos sobre a lógica, afirma
que uma proposição não pode ser verdadeira e falsa
ao mesmo tempo.
8 Sylvester, David. Sobre arte moderna. São Paulo:
Cosac & Naify, 2006:472.
9 Michel Carrouges elaborou interessante estudo
que compara artistas que teriam encenado em
suas produções o mito da máquina celibatária.
Em leitura atenta dos elementos constitutivos das
obras, o autor aproxima as máquinas de
Solus, de Roussel, às de la Mariée mise à nu p
célibataires, même... de Duchamp. As anal
feitas ainda entre livros de outros escritores
Kafka e Lautréamont, são traçadas com conv
por Carrouges. Carrouges, Michel. Les mac
célibataires. Paris: Arcanes, 1954.
10 O conceito de “máquinas desejantes” de D
e Guattari, que aparece expresso em O antiÉ
mais tarde revisto, irá ceder lugar aos conceit
“agenciamento” e “máquinas abstratas” pres
em Mil platôs. As expressões se equivalem
explicam e se adicionam. No âmbito que imp
este texto, o emprego desse e de outros con
deleuzianos serviru para balizar uma ref
sobre o que faz do desejo-máquina uma qumaquínica, uma quimera que é desejo e q
torna “máquina abstrata”.
11 Brett, G. Force Fields; phases of the k
London: Hayward Gallery, 2000:9.
12 Osorio, Luiz Camillo (org.). Abraham Pal
São Paulo: Cosac Naif, 2004.
13 Bataille, G. A parte maldita: precedido de A n
de despesa. Lisboa: Fim de Século Edições, 200
14 Sillars, L. Joyous machines: Michael Landy
Jean Tinguely . Liverpool: Tate, 2009. p.27
15 Sennett, Richard. O Artífice. Rio de Ja
Record, 2009:234.
Bete Esteves é artista, mestre em artes visuaiLinha de Pesquisa em Linguagens Visuais (PPEBA/UFRJ). Trabalha na criação de dispos
poéticos que unem experiências artísticas, ciene técnicas com aparatos mecânicos, digittecnológicos que, muitas vezes, destituídos dfunção original, são matéria-prima estrutura
dispositivos escultóricos.
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201194 ARTIGOS | MANO VIA
As manifestações artísticas contemporâneas com
uso da tecnologia digital têm sido denominadas
artemídia por diversos autores1. Fazem parte de
uma nova cultura que se estabelece em contexto
no qual arte, ciência e tecnologia interagem e se
influenciam. Diversas disciplinas, como a filosofia, a
arte, a comunicação, a antropologia e a sociologia,
se inter-relacionam para explicar o atual contexto
social. Noções e conceitos estão sendo criados ou
revistos em todas as áreas do saber em função dos
recursos tecnológicos digitais que nos permitem
representar coisas que não podíamos descrever. As relações dos indivíduos em sociedade transform
se para aceitar um conhecimento plural, aberto às múltiplas entradas de informações culturais d
mundo conectado em rede. Na arte, da mesma forma, o caminhar das experimentações estética
permitido a incorporação de uma imagética que expande os horizontes artísticos às mídias. Pen
agora em novo estatuto para o espectador, o artista e a obra.
SOB PALAVRAS E IMAGENS: proposição poéticacontextualização cultural de um dispositivo digde artemídia
Mano Via
arte e tecnologia artemarte virtual arte intera
Considerada uma produção variável, inconstante ou efêmera, a artemídia, ou a arte
faz uso da tecnologia, é contextualizada pela proposição poética Sob palavras e imag possibilitada pela criação de um software gráfico desenvolvido para gerar imagens atr
das mensagens de texto enviadas por usuários da web. Esta é a apresentação parcia
dissertação de mestrado Sob palavras e imagens: proposição poética e contextualiz
cultural de um dispositivo digital de artemídia(PPGAV/EBA/UFRJ), orientada pelo Pro
Celso Pereira Guimarães e defendida em fevereiro de 2011.
Sob palavras e imagens, 2011. Artedigital (jpg), 20 x 25cm, 300 dpi
IN WORDS AND IMAGES: poetic projectcultural contextualization of a digital mart device | Media Art, considered as a varinconstant or ephemeral production, or artuses technology, is contextualized by the p
proposition Underneath words and images , possible by the creation of graphic softwa generate images from text messages sent byusers. This is a partial presentation of the V
Arts Master’s Thesis (MA). Supervised by ProCelso Pereira Guimarães | Art and technoart media, virtual art, interactive art.
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201196 ARTIGOS | MANO VIA
Para investigar esse contexto no qual as
tecnologias digitais estão alterando os processos
de construção, prática e pesquisa nas artes e nas
ciências, renovando muitos conceitos tradicionais,
foi criado um dispositivo digital, denominado
Fontes, acessado no website <fontes.bitspoéticos.
com>, que pode ser definido como máquina de
escrever virtual desajustada, pois torna os textos
digitados pelos usuários ilegíveis: na imagem
as letras que compõem o texto tornam-se
emaranhadas quando configuradas numa área
comum, em que todas as mensagens se combinam.
Entretanto, para ampliar as possibilidades de seu
uso, uma frase foi inserida como detonadora do
processo de libertação imagética do participante,
estabelecendo marcação temporal a partir da qualse podem fazer diversos tipos de especulação
poética. Assim, para que fosse oferecida ao
participante a chance de ‘viajar’ através de uma
avenida de novos significados, foi escolhida a
expressão Sob palavras e imagens, também usada
para denominar o projeto.
Arte fora da redoma
Virtualidade e instantaneidade. Discorrer sobre
a proposição Sob palavras e imagens como
uma experimentação da arte contemporânea
significa considerar a entrada da arte em um
novo campo de discussão, no qual as imagens
técnicas deslocam os debates para os temas da
comunicação, fato que Lyotard acredita ser a
chave para se compreender a questão cultural
do pós-moderno.2 O pensamento estético,
ao considerar a importância da mediação noprocesso de recepção da obra de arte, desdobra-
se para responder às novas questões. Podemos
definir estética como a área de significação
que se desenvolve em torno da arte, como
explica a filósofa Anne Cauquelin,3 e que pode
ser empregada como adjetivo, qualificando
alguma coisa que possua atributos conferidos
à atividade artística, ou como substantivo,
remetendo ao conjunto de teorias que analisam
e avaliam as obras. Assim, à medida que ocorrem
desdobramentos significativos no campo estético,
a esfera de considerações poéticas é ampliada,
mobilizando a atenção de diversos intérpretes. O
filósofo Benedito Nunes4 aponta uma mudança
da posição tradicional do artista e do destinatário
em relação à “coisidade” da obra, abrindo um
espaço de exploração que valoriza a relação entre
quem produz e quem recebe, tirando do objeto
artístico seu poder autônomo de transmissão de
ideais de beleza, da mesma forma como retirado artista seu poder de gênio, do iluminado que
revela a obra ao mundo5− questão denominada
por diversos autores “superação” ou “explosão”
da estética.
O momento atual em que discutimos a arte
interativa – ligada mais aos processos criativos do
que à realização de obras acabadas – corresponde
a uma etapa da aproximação entre a arte e o
observador, que vem ocorrendo desde o início
do século 20. Essa parece ser uma reação ao
distanciamento realizado pela arte modernista
que, impulsionada pela experimentação de
diversas novas linguagens, acaba por criar seus
próprios cânones e princípios, afastando-se cada
vez mais dos espectadores. Para ‘entender’ (e
poder gostar de) uma obra de arte, as audiências
necessitavam ser informadas sobre o significado
da produção, ou seja, elas eram incorporadas ao
conteúdo cultural do produto.6 A radicalizaçãodesse processo, porém, acaba por criar novos
territórios, descartando as determinações de
representar o objeto, ou por buscar uma e xpressão
do sujeito. Assim sendo, muitas dessas atitudes
Sem formato. Artedigital (jpg), 20 x 25cm,300 dpi
foram dirigidas à participação do espectador
na obra. O pesquisador Júlio Plaza 7 identifica,
somados à atual etapa em que predomina a
arte interativa, dois outros momentos distintos
e anteriores: a obra inacabada – relacionada à
polissemia, à ambiguidade, à multiplicidade deleituras e à riqueza de sentido; e a arte participativa
– que contribuiu para o desaparecimento e
desmaterialização da obra. É importante notar,
portanto, que houve um processo de aproximação
entre a arte e o observador bem ante
aparecimento da tecnologia digital.
A ecologia da rede de bits
Ao fazer uso das tecnologias digitais, o a
traz ao debate temas que envolvem uma maneira de informar e comunicar. Ma
que apenas mudança de suporte materfenômeno artístico ocorre sob critérios nos
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 201198 ARTIGOS | MANO VIA
Vilém Flusser.11 Segundo esse filósofo, a natureza
matemática da mídia digital também evidencia
mais do que o aparecimento de nova forma de
transmissão de informação. Estamos diante
de uma nova forma de comunicação. Partindo
da observação de que a comunicação humana
é processo artificial criado para armazenar
informações, em que símbolos são organizados
em códigos, Flusser verifica que a entrada num
regime digital altera profundamente a maneira de
codificar a realidade: “passamos de um universo
imagético que interpretava um ‘mundo’ para um
sistema que interpreta as teorias referentes ao
mundo”.12 Isso significa que estamos passando a
representar o mundo através de códigos criados
a partir de outros códigos e não de nosso contatodireto com a realidade. Estamos passando a
“interpretar em vez de explicar”, resume Flusser.13
O homem e a máquina
O potencial comunicativo do computador para
experimentação poética, capaz de estimular
diversos sentidos corporais, revela-se através
de sua capacidade de se conectar a diferentes
interfaces. Embora no presente trabalho a opção
de suporte de transmissão tenha sido a rede
mundial de computadores, diversos tipos de
equipamentos digitais poderiam ter sido utilizados
para fazer a interação com o participante.
Sensores de luz, térmicos e de movimento,
acionadores de máquinas, equipamentos sonoros
e diferentes tipos de softwares, como os de
realidade aumentada, por exemplo, poderiam
responder aos impulsos gerados pelos dadosdigitados pelos participantes. Se considerarmos
apenas a internet, como rede em que se
interligam pessoas, computadores e uma série de
dispositivos periféricos, podemos perceber que
foi criado um novo espaço de relações em
nossos corpos respondem a novos paradigm
espaço e tempo.
Cognição, percepção e ação. Tudo é dife
nesse cenário, em que podemos realizar aç
distância, de forma até ubíqua (em vários lu
ao mesmo tempo) e em tempo real. De fatodas principais características do mundo virtu
de nos fornecer o sentido de imersão, que
ser realçado com a exploração sensório-m
das interfaces computacionais. O pesqui
Oliver Grau14 esclarece que o termo imersã
respeito ao encurtamento da distância en
que é exibido e o nosso envolvimento emoccom o que está acontecendo, o que, em n
uso cotidiano do computador, corresponsensação física de pertencer a uma “real
virtual”, como nos é dada pelo teclado e o mA arte contemporânea é rica em exemplos
envolvem o uso de vários tipos de mídias di
em diversos tipos de instalações. Explor
que procuram reorganizar e reestruturar percepção e cognição em busca de n
horizontes estéticos. Esses projetos coloc
corpo na função ativa de interferência; é el
informa as mídias utilizadas para reagir
determinado estímulo.15 Por isso, o dado corna mídia digital tem atraído a atenção de t
pesquisadores. Houve aumento da complex
da informação com a utilização do meio d
que tem estimulado pesquisas em diversas
do conhecimento. Os estudos das neurociê
por exemplo, que atualmente utilizam mod
tecnologias de ressonância magnética, têm
a revisão de conceitos atualmente considereducionistas a respeito do cérebro.16 Est
deixando de considerar o cérebro mecanismentrada e saída de dados, de estímulo e resp
para considerar todo o corpo um sistema sen
capaz de novo olhar suscetível a engloba
incrível jogo de relações físicas e culturais.
a tecnologia é fonte de diversas considerações
sobre o processo de criação.
Dados podem ser organizados matematicamente
de maneiras infinitas. Impulso elétrico e pausa –
um e zero; é simples a configuração de um bit
(binary digit), menor unidade de informação
digital. A combinação desses bits serve para a
codificação de dados para diversos fins, como
a configuração de imagens através dos pixels
na tela de um computador. O pixel é a menor
unidade visual de geração de imagens; essa
codificação torna fácil armazenar e manipular
as imagens. De fato, a facilidade de criação e
alteração das imagens digitais tem sido possível
pelas interfaces gráficas, que tornam o uso
do computador mais intuitivo, mais fácil de sermanipulado. O significado da palavra interface
envolve não só a maneira de representar zeros e uns,
mas também toda uma cultura que se desenvolve
através das formas criadas para a interação com
o ciberespaço. Talvez por isso não seja apropriado
referir-se às interfaces apenas como ferramentas
digitais. O termo ferramenta, quando aplicado à
informática, remete a um elemento do programa
de computador (como uma aplicação gráfica) que
ativa e controla uma determinada função. Porém,
mais do que facilitar uma tarefa, a interface se
relaciona à tecnologia, envolve técnica (artefatos
eficazes), cultura (a dinâmica das representações)
e sociedade (as pessoas, seus laços, suas trocas,
suas relações de força).8 Um logos específico se
estabelece para favorecer o aparecimento de
novas formas culturais: permite que realizemos
outras maneiras de pensar o mundo.
O mundo está conectado em rede, e suas interfacesrelacionam um complexo intrincado de relações,
passam a se assemelhar a um ambiente que
possui ecologia própria, na qual tempo e espaço –
instantaneidade e virtualidade – permitem muitas
possibilidades de conhecimento. O espaço físico
é substituído por ininterrupto fluxo de dados.
O tempo, instantâneo, permite não apenas a
emissão de mensagens, mas a troca de conteúdos,
possibilitando atuação e intervenção.
Dados circulam sem perda de conteúdo e
podem ser reconstituídos ou manipulados de
várias maneiras. Essa afirmação traz ao debate
importantes considerações que indicam que
está ocorrendo mudança em nossa maneira de
representar o mundo. “Agora a imagem digital
pode ter mais aura do que o original”, afirma
W.J.T. Mitchell,9 aludindo à mudança de percepção
da obra de arte quando o original é multiplicado
pelas tecnologias de reprodução, observada em
1936 por Walter Benjamin:10 a cópia do originalperde sua “aura”, a sensação quase mágica que a
obra transmite de exclusividade, de ter sido feita
por um artista em determinado momento. W.J.T.
Mitchell adverte que, no modo de reprodução
biocibernética (computação de alta velocidade,
imagem digital, realidade virtual, internet,
engenharia genética), novas considerações devem
ser feitas, como, por exemplo, o fato de a cópia
digital não ser mais inferior ou imperfeita em
relação ao original.
O debate sobre a natureza da circulação e
reconstituição de dados tem possibilidade de ser
ampliado quando observamos que as interfaces
gráficas podem ser acrescidas de acoplamentos
de diferentes recursos às entradas (inputs)
e saídas (ouputs) de dados do computador,
proporcionando enorme expansão das
possibilidades de exploração sensorial. A natureza
do código binário, porém, não se restringe àsconsiderações que envolvem a transmissão e
a circulação dos dados. O próprio modo de
representação da realidade digital favorece campo
ainda maior de discussão teórica, como apresenta
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011100 ARTIGOS | MANO VIA
externos para ser percebida e ganhar significação.
De acordo com Ron Burnett,17 o conceito daimagem como portadora de significado único
e estável foi deslocado para o de mediação:“Um campo intermediário entre espectadorese criadores para intervenção e interpretação”.
Burnett observa que, no ambiente digitalestabelecido pela web, o conceito de imagem tem
deixado de significar apenas o enquadramentode um assunto, pois não há a representação do
real através de uma imagem, como um signopara a comunicação.
A Era Analógica sentia-se confortável coma representação, com a habilidade emrelacionar o real às marcações e aos signosque os homens poderiam converter de
uma experiência à próxima. Na Era Virtualtemos poucos desses interesses, poismuitas das imagens criadas são produtosda interação entre os homens e complexosdispositivos.19
A imagem configurada pelas novas mídias decomunicação está relacionada a complexo contexto
no qual são costurados e rearranjados diferentesdiscursos. Televisão, jornais, rádio e as novas
formas dentro da web produzem um conjunto dediscursos visuais, orais e textuais diferentes que seinterligam de diferentes maneiras, ou seja, uma
mesma imagem pode ter diferentes conotações deacordo com a página da web em que está sendo
vista. Dentro desse continuum de informações,as imagens se tornam um ‘ambiente’ que nos
influencia temporariamente e nos conduz,remete ou dirige a outros espaços e lugares.Essa noção, que difere da visão de uma imagem
responsável direta pelo significado, explora o
aspecto do entendimento das múltiplas entradasde informação numa rede virtual e o modo comosomos afetados por essa convergência das mídiasque permite a combinação de diferentes modos
de comunicação, através de estímulos visuais,sonoros, textuais e discursivos.
As discussões teóricas sobre as novas formassemióticas na web trazem à luz, entretanto, outras
importantes questões. A relação imagem e textoé uma delas. A proposição poética Sob palavras e
imagens, ao combinar texto e imagem, faz alusão aum campo de pesquisa que tem provocado amplo
debate: existe uma nova relação de predominânciana leitura e na cultura visual entre imagem etexto? A pesquisadora Yvonne Hansen19 observaque, entre as diversas abordagens existentes,
muitas relatam um “retorno ao visual” ( pictorial
turn), seja ele ocasionado pela convergência demídias realizada pelo computador, que esvazia
o sentido da existência de mídias puras, comopretendia o modernismo,20 ou pelo fato de que na
web as imagens estão no topo de uma estrutura
de linguagem que reúne diversos elementos.
Propostas em artemídia: desafios de
recriação e armazenamento
Fato observado no desenvolvimento do
trabalho aponta as manifestações artísticasque utilizam tecnologia digital se realizando
através de parâmetros não contemplados pelaclassificação tradicional da arte. O que se tornaum problema quando se pensa na conservação,
no armazenamento, na remontagem e atémesmo na recuperação de dados de eventos
realizados na web. Trabalhos em artemídiapodem fazer uso de diversas mídias dentrode diferentes contextos de comunicação. O
processo peculiar de criação dessas obras tempossibilidade de envolver características comuns
a essas manifestações, como serem baseadas emalgoritmo, dirigidas por processos ou baseadas
em tempo; ou serem participativas, colaborativase performativas; tanto quanto podem sermodulares, gerativas ou customizáveis21 –características, porém, encontráveis em diferentescombinações nesses trabalhos. O que torna ainda
mais crítica essa situação é o fato de que, embora
Spi 2011. Arte digital (jpg),8,99 x 18,3cm, 300 dpi
se encontrem dois trabalhos com as me
características de produção, seus resulestéticos podem ser bastante diferentes,
experiências interativas realizam processos artista e observador, tornando-se dependdos contextos em que foram criadas. Em
disso, um trabalho em artemídia pode substancialmente de resultado apenas co
mudança de público, dependendo, naturalmdo grau de abertura estabelecido pelo artista
que é sua a prerrogativa de aumentar ou dima qualidade da contribuição do participDevemos adicionar ainda, às dificuld
apresentadas, a questão do suporte matetécnico da construção de muitos projetos
tantas vezes decisivo para a remontagem de
obra. Afinal, como concretizar uma expona qual a experimentação artística foi rea
por equipamento há mais de dez anos fomercado ou utilizava um programa específi
um sistema operacional já obsoleto? Recuessas obras exige também que os equipamem que elas foram realizadas estejam dispo
na ocasião de sua remontagem − sem dúvid
grande desafio quando se observa que gra
instituições de arquivamento de obras, os grandes museus, ainda estão desenvolv
projetos que permitam criar uma taxonopara esses trabalhos.
Os problemas para a criação de uma taxonentretanto, não impedem que divisões d
da artemídia já se estejam configunaturalmente, de acordo com a similaridad
aplicações. Sendo assim, podemos idenárea que se constitua como um grupo basdefinido – a generative art – em que a propo
Sob palavras e imagens possa ser incluídanomenclatura, cada vez mais utilizada
se referir à arte realizada por programacomputador que desenvolve processos com a
grau de autonomia, pode ser encontrada palavra-chave (tag) para localização de trab
Imagem na web: corrente de signos
Uma imagem gerada por um programa decomputador, como na proposição poética Sobpalavras e imagens, relaciona-se a uma rede deconexões de informação, necessitando, por isso,
de um conjunto de critérios diferentes da imagemanalógica, dependente de referenciais materiais
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011102 ARTIGOS | MANO VIA
em websites de grandes instituições voltadas
para a pesquisa de arte e tecnologia. Comocampo ainda em processo de estabelecimento,
a própria definição para esse conjunto de obrasé encontrada de diferentes maneiras, sempreprocurando ampliar sua abrangência para
desenvolver uma noção que possa conter umgrande número de manifestações artísticas.
A experimentação poética
Sob palavras e imagens é projeto aberto àparticipação pública desde sua publicação na web em outubro de 2010. Desde então, diversos tiposde mensagens foram recebidos, configurandoum mesmo número de diferentes imagens. A
página inicial do website hospedeiro contémpainel em que estão expostas diversas imagens
já produzidas, revelando a individualidade decada manifestação: única e pessoal. Mas, devoconfessar, minha primeira expectativa quandopensei nesse projeto estava relacionada àgeração de imagens. Pensava num futuro emque as imagens técnicas poderiam ser geradaspor programas independentes, soltos na grandenuvem de dados que está sendo formada pelacomputação. Teriam a capacidade de emocionarda mesma forma que o pôr de sol cheio de nuve nse cores, sem nosso controle, um novo processo‘natural’. Porém, no decorrer dessa pesquisa, oprojeto tomou outro rumo, voltando-se para umcaminho que agora me parece bastante evidente.Enquanto focava as possíveis conformações daimagem, estabelecia comandos e diretrizes quepermitiriam uma futura grande composição –massas de cor e ritmo – como na arte tradicional.Ao participante caberia a função de realizaruma proposta pronta, sem muita possibilidadede real interação na construção de um sentidopoético. Em determinado momento, porém, ficouevidente um desvio, mais tarde corrigido. Como oobjetivo desse trabalho era investigar a chamada
artemídia, não bastaria apenas criar um software gerador de imagens e disponibilizá-lo na web
para investigar as peculiaridades do ambientedigital. Era preciso estabelecer um ponto de
vista que relacionasse tempo e contexto – seusprincipais paradigmas – para servir de estímulopoético, para divagação, para favorecer novas
percepções. A expressão escolhida, sob palavras eimagens, que serviu como título desse trabalho, foi
amplamente debatida e corresponde à expectativade se imaginar quais mensagens foram ‘soterradas’pelos outros apelos através do tempo. “Estou aqui!”.
Talvez seja o que todos queiram dizer de diversasformas e movidos por diferentes motivos.
Os usos, porém, que podem ser feitos com atecnologia digital são muitos, e, mesmo num
projeto que estabelece limites técnicos deutilização, são as atitudes inesperadas as que maischamam a atenção. Como no caso do participante
que tentou estabelecer contato com outrousuário através das mensagens em tempo real,
ou de outro que tentou ‘dominar’ o programacompondo uma imagem através da repetição de
sinais de pontuação e acentuação. São resíduosbem-vindos numa experimentação poética, poishá a intenção de escapar do programado, ir além
do estabelecido. Dessa forma, essa produçãoartística, adjetivada como variável, inconstante ou
efêmera por diferentes autores, diferentemente daarte tradicional direcionada à criação de objetos,resultou num evento no qual considerações como
sucessão, comparação, expectativa e resposta
tiveram peso decisivo.
NOTAS
1Media Art, como em Grau, Oliver.MediaArtHistories,Cambridge: The MIT Press, 2007.
2 Para o autor, vivemos “numa sociedade em quea componente comunicacional torna-se cada diamais evidente, simultaneamente como realidade e
problema”. Lyotard, Jean-François. O pós-moderno.Rio de Janeiro: J.Olympio, 1988:29.
3 Cauquelin, Anne. Teorias da arte. São Paulo:Martins Fontes, 2005b:13.
4 Nunes, Benedito. Hermenêutica e poesia. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 1999:107.
5 Kant (na Terceira crítica) estabelece como
fundamento a ideia de gênio ou daquele que é“capaz de produzir artisticamente, ou seja, produzirde tal modo que a obra resultante parecesse,
afetando a espontaneidade da natureza, inventar asua regra de gosto e transmitir uma intuição superior,suprassensível, da realidade, que chamamos ‘ideia
estética’”. Apud Nunes, op. cit.:108.
6 “The practice of making viewers aware of the means
of production by incorporating them into the content ofthe cultural product was often a feature of modernism”.Ken, Marita; Cartwright, Lisa. Practices of Looking. New York: Oxford University Press Inc., 2001:254.
7 Plaza, Júlio. Arte e interatividade: autor-obra-recepção. Concinnitas, n. 4, março de 2003. Disponível
em: <http://www.concinnitas.uerj.br/resumos4/plaza.htm>. Acessado em setembro de 2011.
8 Lévy, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34,
1999:22.
9 “Now we have to say that the copy has, if anything,
even more aura than the original.” Mitchell, W. J. T.What do pictures want? The lives and loves of images.Chicago: University of Chicago Press, 2005:320.
10 Benjamin, Walter. A obra de arte na época de suareprodutibilidade técnica. Walter Benjamin. São Paulo:Ed. Abril, 1975:9-35. Coleção Os pensadores XLVIII.
11 Flusser, Vilém. O mundo codificado. São Paulo:Cosac & Naify, 2007.
12 Idem, ibidem:130.
13 Idem, ibidem:94.
14 Grau, Oliver. Arte visual: da ilusão à imersão.Cambridge: MIT Press, 2007.
15 Hansen, Mark B. N. New Philosophy for
Media. Cambridge: MIT Press, 2004.
16 Burnett, Ron. How Images Think. CambridgPress, 2005:118.
17 Idem, ibidem:40.
18 “The analogue era felt comfortable representation, with the ability to relate the
to markers and signs that humans could trafrom one experience to the next. The virtual erhave few of those concerns because so many o
images that will be created will be the produhuman interaction with complex digital devIdem, ibidem:72.
19 Hansen, Yvonne M. Writing with im
Universidade de Washington. Disponível
<http: / / courses .washington.edu/hypecgi-bin/12.228.185.206/html/wordsimawordsimages.html#digilog>. Acessado
setembro de 2011.
20 “...cada arte deveria tornar-se ‘pura’, e em‘pureza’ encontrar a garantia de seus padrõ
qualidade, bem como de sua independêGreenberg, Clement. A pintura moderna
Battcock, Gregory (Org.). A nova arte. São PauPerspectiva, 1986:97.
21 Paul, Christiane. The myth of immate
presenting and preserving new media. In: Oliver (Org.). Media Art Histories. CambridgePress, 2007:251.
22 Várias estratégias de preservação estão elaboradas por diferentes instituições internaccomo: Rhizome.org, Capturing Unstable Med
Variable Media Network.
Mano Vianna, como é conhecido Marce
M. Viana, é artista (manovianna.com), m
em poéticas interdisciplinares pelo PPGAV/
graduado em gravura pela EBA/UFRJ e des
gráfico da Fundação Oswaldo Cruz.
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011104 COLABORAÇÕES | KIM P
Em 1968, quando Robert Smithson discutia
o “fim do estúdio”, destacou “os métodos e
procedimentos irrestritos” de Robert Morris em um
“mundo de não contenção”.1 Convenientemente
referindo-se à amplidão do trabalho do amigo,
Smithson convocava os artistas a livrar-se das
amarras dos ateliês.2 Em vez disso, explicava, era
hora de se interessar por coisas “enfadonhas”,
falar com admiração de buracos, valas, montes,
pilhas, caminhos, fossos e estradas − que ofereciam aos artistas nova linguagem poética desconst
contra a arquitetura e a pintura, até o ponto em que, observava Smithson, “em vez de pincel para fazer
Robert Morris gostaria de usar uma escavadeira”.3 Embora frequentemente considerado um dos pioneir
“pós-estúdio”, o próprio Morris nunca e screveu sobre a prática no estúdio em si e muito menos a aband
Já ocupou diversos espaços convencionais, incluindo ateliês nas ruas Great Jones, Grand, Mulberry e Gr
em um loft no qual havia morado. Não obstante, criou numerosas obras que lidam com as noçõ
deslocamento e destruição do estúdio. Assim como seus prolixos tratados sobre esculturas, as cham
obras de “estúdio” trazem publicidade às maneiras como Morris conceitua seu trabalho.
Neodadaísmo
Durante seus primeiros anos na cidade de Nova York, Morris realizou uma série de obras neodada
lidando com noções de expropriação do estúdio e estendendo a ideia de performance a ob
ROBERT MORRIS E O ESTÚDIO DO ARTISTA*
Kim P
Robert Morris minimali
estúdio de art
A problematização sobre a morte do estúdio é central na museologia, na
contemporânea e na crítica. Assim, na era pós-estúdio o lugar institucionalizad
obra persiste com base na informação. Abordando/lendo de perto trabalhos e esc
de Robert Morris, a autora explora os índices das performances em seu estúd
preocupações com a construção no neodadaísmo, no minimalismo e na performa
I-Box, 1962 (foto)Dorothy Zeidman
Robert Morris e o estúdio do artista| Specuabout the death of the studio is centrmuseology, contemporary art, and critThus, the institutionalized workplace persithe information-based ‘post-studio’ era. Creading Robert Morris’ works and writingsauthor explores indices of his studio performand concern with built spaces in Neo-DMinimal art, and performance.| Robert MMinimal art, performance, artist’s studio.
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011106 COLABORAÇÕES | KIM P
híbridos, que podem ser usados, manipulados
por interruptores, escutados, fechados e abertos.
Transferindo simbolicamente a propriedade
tradicionalmente privada (do estúdio do artista)
para o domínio público e deixando à mostra tanto
o estúdio como o fazer artístico, Morris abriu
espaço para encontros sociais com essas obras.
Seu aparente interesse em turvar as fronteiras
entre os gêneros e os lugares tinha relação
com sua prática de escultor e dançarino, e a
partilha do estúdio com outros dançarinos, cujas
práticas se caracterizam como multidisciplinares
e altamente criativas. Sem dúvida inspirou-se
em Simone Forti e Yvonne Rainer, colegas com
quem dividiu o espaço no último andar de um
prédio na Rua Great Jones. O estúdio em questão,
lembra Rainer, “era completamente aberto,” e
“Morris fez pequenas esculturas em um canto,
como a Box with the Sound of its Own Making.
Simone ensaiava See Saw conosco de um lado. Eu
ensaiava meu primeiro solo, Three Satie Spoons”.4
O ambiente devia ser excitante!
Uma análise superficial das fotografias de Morris
fazendo sua performance com, em e sobre as
obras desse período revela como as performances
em estúdio caracterizam muitas das obras
neodadaístas.5 A constatação mais famosa a esse
respeito ocorre em Box with the Sound of its Own
Making (1961).6 Uma homenagem direta às fitas
magnéticas de John Cage, a caixa de madeira
guarda uma gravação “de seu próprio fazer”, que
está contida nela mesma e é tocada quando a
obra é exposta; uma composição auditiva que traz
o espaço do estúdio e o trabalho nele realizado
para o âmbito do público e da exibição. A obra
consegue arrastar o estúdio, metaforicamente,
a um dado espaço de exposição, e de maneira
nenhuma declara sua obsolescência. Em cartas,
Morris pediu a aprovação de Cage para a caixa,
entre outras obras, escrevendo ao compositor que
ele estava tentando criar condições para a “morte
do processo (...) uma espécie de extensão da
ideia somente”.7 Embora se possa concluir que a
atitude dadaísta do artista valorize a inércia, essa
mesma ideia de dreno de energia foi frutífera para
Morris, fazendo trocadilhos com a impotência e
a importância de si, mais obviamente na risível
I-Box (1962). É digno de nota como dessa porta
cor-de-rosa de um pequeno armário em forma
de I se revela um retrato fotográfico do jovemartista em seu estúdio, sorrindo maliciosamente,
incontritamente nu e com seu pênis parcialmente
ereto completamente exposto.
Antecipando sintomas relacionados com a
desmaterialização da arte, como a substituição
do estúdio tradicional, Morris usou a principal
sala de leitura da Biblioteca Pública de Nova York
como local de produção de Card File (1963).8
Essa obra inexpressiva também parece exibir o
selo de aprovação de Cage. Consistindo em fichas
de arquivo organizadas em ordem alfabética
e marcadas com a data e a hora de diversos
eventos, as fichas de arquivo documentam
ações aleatórias referentes à criação de Card File;
sua “composição” abrange cabeçalhos como
“Interrupções” (“18.7.62, 14h45 No caminho
para o arquivo encontrei Ad Reinhardt na esquina
da Rua 8 com a Broadway. Falei com ele até as
17h30 quando então ficou tarde para continuaro percurso”), “Períodos de Trabalho” (“Contam-se
17”) e “Concepção” (“11.7.62, 15h15 enquanto
tomava um café na Biblioteca Pública de Nova
York”). O arquivo nos tira do tempo em que
o objeto foi feito para um presente no q
encontramos e o manipulamos, o tempo
possibilitando que Morris conte histórias b
sobre o processo. Embora “ostente sua pr
suposta autocontenção”, exibindo a histór
sua produção em fichas de arquivo, Car
também transforma “a presumida privac
do pensamento no meio partilhado que
discurso e na lógica das proposições”, c
registrou Rosalind E. Krauss em 1994.9 Pod
extrapolar afirmando que, ao dar atenção a
trivialidades, Morris também expõe a cate
da publicidade e o desejo de exibir a qual
“trabalhada” da obra. O relato de enco
casuais é feito com detalhes absurdos,
que burocráticos; simplesmente dar de com Ad Reinhardt foi costurado no tecid
obra mediante a menção na ficha. 10 Tan
Box with the Sound of itsOwn Making
I-Box, 1962 (foto)Dorothy Zeidman
Card file, 1962 (fich(foto) Philippe Mige
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011108 COLABORAÇÕES | KIM P
arquivo como a caixa demonstram a fluidez com
a qual Morris concebia o que está dentro e fora
da criação – e do estúdio. Além de insistir na
recepção do trabalho – com aparente indiferença
em relação a quem ou o que o público possa ser,
acima do prestígio de Cage ou Reinhardt –, essas
obras neodadaístas nos contam que para Morris o
estúdio é lugar que pode ser redefinido e no qual
a criação artística pode ser encenada.
Arte minimalista
A arte minimalista levou Morris a concentrar-se nos
significados da percepção enquanto performance
em si e a reconsiderar os propósitos do ambiente
arquitetônico e do estúdio. Espaços delimitadose ambientes construídos, nem explicitamente
estúdios, nem espaços para exposição, eram
física e conceitualmente esqueletos para os
objetos, poliedros cinza e obras de metal e fibra
de vidro realizadas pelo artista. A importância da
intimidade foi parcialmente perdida à medida
que fabricantes industriais, tal como a Aegis,
produziam algumas de suas obras, enquanto ele
próprio atuava como projetista. Ao mesmo tempo
em que a temática desenfatizando a biografia do
artista poluía seus escritos, as práticas d e fabricação
ajudavam a entender que sua contribuição física
mal era relevante em alguns trabalhos feitos dessa
maneira.11 Ainda assim, essa obra tridimensional
fala intensamente ao mundo de espaços f echados
construídos, incluindo o estúdio e os locais de
exposição. Embora o curador Martin Friedman
tenha achado a obra de Morris “puritana” e
“atópica”, em 1966 ele apreciou o “ambiente
como fator crítico” da obra, “pois essas formas
densas consomem espaço de maneira vigorosa e
se relacionam fortemente com as paredes, pisos
e tetos”. Em cartas a Friedman, Morris afirmou
que “o contato físico com uma superfície pode
tanto ser um uso da superfície como maneira de
reconhecer que ali há um limite, coexistindo com
a obra”.12
Não é difícil perceber a ambiguidade com que a
obra reconhece os lugares físicos, mas nega sua
especificidade. Conforme explica o historiador da
arte James Meyer, a situação na arte minimalista
foi um momento crítico na concepção da
escultura como instalação.13 A transição dos
tijolos minimalistas, colunas, pilares e portais para
contextos arquitetônicos e sociais e lugares reais,
incluído o estúdio do artista, foi modesto salto
conceitual que, para artistas como Michael Asher,
se demonstrou imensamente rico. Foi a percepção
de uma relação assíntota dessa arte com artigosdo dia a dia e com lugares − não o estúdio do
artista,mas supostamente outros − que contribuiu
para posicionar Clement Greenberg na oposição à
arte minimalista: “Independentemente de quão
simples é o objeto, permanecem as relações e as
inter-relações da superfície, contorno e intervalo
espacial”; e, por esses motivos, Greenberg
continua, “obras minimalistas são lidas como
arte, assim como quase tudo hoje em dia,
incluindo uma porta, uma mesa, ou uma folha
de papel em branco”.14
“Suprimida” foi como a historiadora Barbara Rose
descreveu a “impessoalidade mecânica” da arte
minimalista em 1965.15 “A frequente afinidade
com o mundo das coisas” (e com o dadaísmo)
dessa escultura a fez compará-la às unidades
básicas de linguagem ou informação, mas nunca
à mão do artista ou a seus espaços pessoais.
Como Annette Michelson, que perspicazmentechamou a obra minimalista de Morris de
“apodíctica”, Rose considerou sua escultura uma
série de afirmações simples e factuais envolvendo
a permutabilidade.16
Sem dizer literalmente “estúdio”, Morris a
depreciando o minimalismo e a “total sepa
de meios e fins na produção de objetos,
como a preocupação de tornar manifestas im
mentais idealizadas”, que ele afirmava “l
dúvida na alegação de que uma atitude pragm
permeia a arte minimalista nos anos 60”.17 É
se ele lamentasse que as imagens menta
artista nunca tivessem tido um lugar próprio
tal lugar teria que ser o estúdio do artista.
Performance
Este ensaio culmina com breve discussão sob
danças e performances de Morris, relacio
com as práticas de estúdio. Na obra-perform Site (1964-67) e na exposição perform
Continuous Project Altered Daily (1969,
vante Continuous Project), Morris realizo
maneira criativa a possibilidade de desemp
o deslocamento do estúdio e de suas prá
Essas obras têm o efeito peculiar de cria
espetáculo ou melhor seria dizer uma celeb
do fim do estúdio. Elas sugerem distinções
o uso que o artista faz do estúdio como h
versus um espaço do qual se apropria par
própria utilização. Dando-nos acesso a
espaços operacionais sincronicamente, ele
a economia dualista do estúdio e do espa
exposição e coloca à mostra o valor de troc
é produzido no trânsito do estúdio para a g a
A conhecida coreografia Site, realizada
primeira vez no Stage 73, em Nova
entremeava a presença visível de um amb
arquitetônico abstrato, um ambiente impna escultura minimalista, e planos abstrat
tinta branca da pintura moderna de Edo
Manet, Olympia (1863). Vestido inteiram
de branco, mas ainda identificado como arUntitled (box for standing),1961 (foto)Robert Morris Archives
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011110 COLABORAÇÕES | KIM P
operário pelas luvas de trabalho e pela trilha
sonora de construção, audível no decorrer
da performance, Morris usava uma estranha
máscara feita com base em seu próprio rosto
– contribuição de Jasper Johns – que escondia
suas expressões faciais. Como autômato,
ele carregava retângulos de compensado de
madeira pintados de branco como se estivesse
mudando seu estúdio, parede por parede. Como
complemento, Carolee Schneeman posava como
Olympia em uma pequena cama branca, nua e
coberta de talco, enquanto, de dentro de um
cubo branco, ecoava uma gravação, feita da
janela do estúdio de Morris, d e u ma brita deira
dolorosamente barulhenta.
Em 1969, Morris já havia emplacado a noçãode que até mesmo a matéria-prima poderia ser
considerada informação a ser percebida, como
em fotografias e outros tipos de linguagem,
especialmente itens organizados em listas e
conjuntos. O convite para o show Continuous
Project era, correspondentemente, apenas
informativo: bastante reduzido, fonte preta em
fundo branco, só indicando o nome do artista,
dois locais, a galeria de Leo Castelli na Rua 77 e
o número 103 na Rua 108 West, bem como uma
lista avulsa de materiais: alumínio, asfalto, argila,
cobre, feltro, vidro, grafite, níquel, borracha, aço
inoxidável, linha e zinco.
Morris escrevera no ano anterior em seu
ensaio divisor de águas Anti Form, que o lócus
do estúdio do artista e de seu fazer artístico
havia sido historicamente crucial para a
dubiedade na nomenclatura da matéria-prima
e na transformação, por qualquer que fosse oprocesso, de “materiais” em objetos de consumo.
A arte contemporânea (a dele incluída), insistia,
deveria depender da materialidade que seria
capaz de evocar novos modos perceptivos e em
contrapartida solapar restrições linguísticas e
imagísticas ao fazer artístico.18 Na derradeira
e quarta parte da série de ensaios Notes on
Sculpture, ele declara que objetos minimalistas
haviam “fornecido a base imagística a partir da
qual a arte dos anos 60 se materializou”.19 A arte
minimalista se havia aproximado perigosamente
da nomenclatura, isto é, havia tornado “imagens
mentais idealizadas visíveis e afirmado as formas
antes das substâncias”.20
Para lidar com esses elementos, negações e
inversões, e por curto período, Morris fez da
percepção, do processamento da informação
e da transformação do material suas prioridades e
deixou de lado a produção de objetos. Canteiros
de obra o atraíam de imediato pela crueza edessemelhante relação com o ambiente urbano
manufaturado em que dominava o princípio da
gestalt.21 Chamando-os de “pequenas arenas
teatrais”, Morris dizia que esses locais eram
o oposto de um refúgio. Nem seguros nem
protegidos como abrigos, essas arenas eram “os
únicos lugares em que as substâncias brutas e
seus processos de transformação eram visíveis,
e a distribuição ao acaso, tolerada”.22 Esses
locais proporcionavam os tipos de experiências
sensoriais que ele desejava que estimulassem
o aparato perceptivo atrofiado dos habitantes
(e espectadores) urbanos, constantemente
entorpecido pela cidade construída e
compartimentalizada.
OContinuous Project de Morris foi ação de trabalho
artístico em situação de estúdio completamente
transitório, em que a obra performativa do
artista ao vivo entrecruzava um depósito daCastelli Gallery e um efêmero canteiro de obras.
Continuos project alteredevery day, 1969 (foto)Leo Castelli Gallery, NY
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Com mais de uma tonelada de materiais a sua
disposição, o esforçado artista intencionalmente
se despojou dos resultados tradicionais, como
objetos ou estruturas, ou seja, categorias ou itens
relacionados a sistemas ou nomeáveis, e registrou
esse procedimento deliberado, criando uma teoria
idiossincrática de alienação no que diz respeito
aos produtos da obra.
Continuous Project não era o pão de cada dia de
uma galeria ou de um espaço de performance,
ainda que os parâmetros que distinguiam as obras
de portas fechadas e aquelas ao ar livre estivessem
sendo destruídos na época. De fato, Morris
conseguiu incorporar ao Continuous Project o
solo de obra recém-exibida na Dwan Gallery.
Intimamente, Morris guardava cadernos sobreo trabalho contínuo em Continuous Project,
de 28 de fevereiro a 22 de março de 1969,
descrevendo processos em que misturava água
e graxa com argila, pendurava e arrancava
pedaços de tecido de algodão e musselina,
empilhava e escavava amianto e terra,
rasgava tiras de feltro, martelava madeira e
construía plataformas, tão somente para fazê-
las desintegrarem sob o peso da terra. Esses
cadernos que registram o processo sugerem que
Yvonne Rainer foi responsável por lembrar Morris de
que brincar deveria ser parte do processo, embora
ela não o associe a esse tipo de envolvimento.23
Morris remói: o processo o deixou frio, frustrado,
desgostoso e “entediado”.24 Foi-lhe difícil resistir
às preconcepções da obra que surgiam a cada dia:
“Eu não tinha ideia do que eu faria ou colocaria
lá, eu só sabia que trabalharia todo dia”. Talvez
suas prioridades anticomposicionais universaisfossem mais composicionais do que ele entendia.
Portanto, envolveu-se em uma atividade nebulosa
que começou com a manipulação de materiais
convencionais enquanto tentava encontrar
combinações despropositadas ou inesperadas.
Esses esforços eram direcionados ao formalmente
interessante e ao temporalmente persistente:
“Comecei com uma tonelada de argila. Eu tinha
uns restos de linha da peça Thread . Barris, não
lembro o que havia neles. Comecei a tirar o
plástico. Eu tinha 400 libras de graxa. Comecei a
construir mesas e trouxe o feltro, a argila endureceu.
Estiquei o feltro, criando camadas ou coisas.
No final de cada dia eu tirava uma foto, que era
revelada à noite. No dia seguinte eu a pendurava.
Então começa a formar-se um registro do passado.
No último dia eu limpei tudo e fiz uma gravação,
a escavação, essa coisa toda. Então o que sobrou
foi a gravação da limpeza e as fotografias. Essa é a
natureza dessa peça, sempre em processo.”25
Deixar o gravador emitindo esse som no galpão
vazio da Castelli no final do mês concretiza
a importância de Continuous Project nos
deslocamentos de estúdio que estão tão
silenciosamente entranhados em suas obras,
que podem passar despercebidos ou ser mal
interpretados, como um conjunto de obras
temáticas. Nessa ação de utilizar o som e as fitas
magnéticas, percebemos o desejo contínuo de
Morris de proporcionar informações e de usar
meios como linguagens. No entanto, vale a pena
considerar por que ele ainda contava com tal
aparato em uma obra antiformal. O paradoxo foi
nunca parar de trabalhar para criar e exibir o valor
de troca. A repulsa que descreveu em seu diário
não era em relação ao processo físico de fazer ou
manipular os materiais, mas à própria ideia de criar
algo a partir dos materiais e de seu trabalho. Vale
ressaltar que de maneira nenhuma ele se opôs àcriação desse projeto como obra para a venda.
Chegou até a transformar as fotografias do projeto
em um múltiplo – uma dobradura de papel em
estilo acordeom com os estágios e os detalhes do
projeto – que foi publicado pela Multiples, Inc. de
Marian Goodman, em 1970. De certa maneira, o
sentido da abordagem era oposto ao daquela que
Rainer buscou através da linguagem no trabalho
de título semelhante, Continuous Project-AlteredDaily (1969) (doravante CP-AD).
Na época em que eu estava trabalhando
em CP-AD [ela observa], a fala estava
relacionada com o comportamento
espontâneo dos dançarinos e a l
entre os não dançarinos. Antes dis
fala aparecia na forma de declama
em movimento. Nos primórdios do
AD, tentei encontrar equilíbrio configurações de dança “refinada
“comportamento”. Nem sempre era f
Diretamente inspirado pela leitura dos es
de Anton Ehrenzweig, Morris reconheceu
Continuos project alteredevery day, 1969 (foto)Leo Castelli Gallery, NY
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011114 COLABORAÇÕES | KIM P
sido Continuous Project a primeira ocasião em
que ele quis usar os processos de criação artística
para trabalhar níveis e aspectos de sua própria
personalidade. Essa posição aparentemente nova
no que diz respeito ao papel do “eu”, em torno
de 1967-1971, estava relacionada a seu interessepor materiais que resistiam à unificação formal.27
Morris descreveu a importância de se fazer uma
varredura visual e mental em materiais variáveis,
como Ehrenzweig o fez, em vez de concentrar-se
e fixar-se em coisas familiares, nomes próprios ou
formas reconhecidas. Morris esperava transmitir
a sensação de indeterminação aos espectadores,
para que eles se tornassem mais unificados em
face das sensações oceânicas do poder opressivo
do mundo a nossa volta; conforme Ehrenzweig,
sugeriu, esse poderia ser um dos resultados desses
encontros com a ecceidade do mundo material.28
Entretanto, era primeiramente a fim de unificar
a si próprio que Morris continuava seu diário.
Publicamente ele escreveu que queria romper com
orientações habituais e valer-se da “concretude
física da matéria” na arte, orientada para o
processo a fim de criar “uma mudança no perfil
da arte tridimensional como um todo”, indo de
“formas particulares a maneiras de organização,métodos de produção e finalmente, à relevância
perceptiva”.29 Para desenvolver maneiras de fazer
arte que pudessem assegurar sua relevância para
as pessoas que a experimentam, Morris contava
com a noção de que “a percepção tem história”.30
Adotando esse entendimento ou maneira de
organização, ele esperava afastar-se ainda mais
do que chamava de “arte mercadoria produzida
por estúdios e fábricas”.31 Em 1971 ele teorizou
sobre as vias de escape possíveis para o beco sem
saída potencialmente tóxico criado pela troca na
materialidade orientada para processos. Alémdisso, Morris expressou seu interesse por materiais
manualmente manipulados que permaneciam
sendo não mercadorias, porém não brutos, e
que poderiam ser usados em obras de escala
ambiental que exploram “o mais ou menos ‘não
feito’”, “suprimem o incidente visual”, e localizam
o processo “naquele que participa” dessa
arte.32 Portanto, Morris deixou os anos 60 com
o estúdio e o eu a tiracolo. Não mais um lugar
para produção, o estúdio era para ele redefinível,
encenável, portável, vazio e excessivamente
pleno de informações sobre o ser, muito mais do
que o fazer.
Uma primeira versão deste artigo foi publicada
com o título Continuous Project Altered Daily:
Robert Morris. In Davidts, Wouter; Paice, Kim
(eds.). The Fall of the Studio: The Artist at Work.
Amsterdam: Valiz Press, 2009:43-61.
NOTAS
* Constam da pesquisa para este artigo entrevistas
pessoais e um estudo pormenorizado do Arquivo
Robert Morris, no Museu Solomon R. Guggenheim,
em Nova York, que abriga muitos documentos não
publicados, arquivos, correspondência e parte da
biblioteca de Morris.
1 Robert Smithson. A Sedimentation of the Mind:
Earth Projects. In Jack Flam (ed.). Robert Smithson:
The Collected Writings, Berkeley: University of
California Press, 1996:100-113.
2 Idem, ibidem:102.
3 De fato, o ruído da demolição do prédio e das
escavadeiras desempenhou mais tarde importante
papel no final de uma seção do They , de Morris,
que era parte da instalação de som e escultura Voice
(1974). Robert Smithson. Towards the Development
of an Air Terminal Site. In Flam (ed.), op. cit.:56.4 Yvonne Rainer, correspondência com o autor, 16
de outubro de 2007.
5 Paice, Kimberly. Catalogue. In Robert Morris: The
Mind/Body Problem (exh. cat.), New York: Solomon
R. Guggenheim Museum, 1994.
6 Partituras orientadas por regras foram usadas em
trabalhos de Morris ainda em 1974, com a junção
de textos – The Four, We, They, Cold/Oracle, He/She,
Scar/Records e Monologue – na obra auditiva Voice
(1974). Ver Paice, Kimberly. Voice (1974). In Paice,
1994:256-261.
7 Ver, de Branden W. Joseph, a apresentação de Bob
Morris Letters to John Cage, October 8, Summer
1997:70-79 (71, 74). Em carta datada de 27 de
fevereiro de 1961, Morris se refere a Box with the
Sound of its own Making e afirma ter mencionado
a obra a Cage.
8 Lucy R. Lippard e John Chandler inter-relacionama “desmaterialização da arte” com a nova ênfase
conceitual em arte americana. Mais do que isso,
entretanto, estou interessada em como eles identificam
o duplo colapso da feitura e do estúdio particular. Ver
Lucy R. Lippard e John Chandler, The Demateriali
of Art. Art International , 12, 2, February 1968:31
9 Rosalind E. Krauss in Paice, 1994:4.
10 Morris, ‘Letters to John Cage’ (78), a car
Morris a Cage, datada de 12 de janeiro de 1
revela que Cage ainda não havia visto Card
exposta na Green Gallery, na Rua 57, de 1
outubro a 2 de novembro de 1963.
11 Pesquisadores buscaram recuperar a bio
relacionada à obra. Ver a entrevista a Pepe Ka
Robert Morris: Formal Disclosures, Art in Am
83, 6, June 1995:88-95, 117-19; Anna C. C
Minimalism and Biography, Art Bulletin, 82, 1, M
2000:149-163.
12 Martin Friedman, Robert Morris: PolemicCubes, Art International , 10, 10, December 1967 (23); Robert Morris, carta a Martin Friedmade agosto de 1966. Daqui, a distância concparece pequena para o decalque de livros tomadas, entre outros itens, que Morris feestúdio na Rua Mulberry em 1972. Ver KimPaice, Rubbings (1972), in Paice, 1994:240Eugene C. Goossen também foi tocado pelas focomo a arte minimalista se integrava à arquitedela se desvencilhava. Não é difícil acompanhapensamento no tocante à decisão de incluir p icomo Lake George Window (1929), de GeO’Keeffe, e Window: Museum of Modern Art
(1949), de Ellsworth Kelly, ao lado de escuminimalistas em The Art of the Real: USA 1968. Examinando essa exposição, Gregory Bacriticou Goossen por “academizar” o minimalilimitar o potencial da obra de contestar instite lugares reais (museus e universidades). GrBattcock, The Art of the Real: The Developmea Style: 1948-68, Arts Magazine, 42, 8, Su1968:44-47.
13 James Meyer. Minimalism: Art and Pol
in the Sixties. New Haven/London: Yale Univ
Press, 2001:166.
Portrait, 1963 (foto)Diane Nilsen
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011116 COLABORAÇÕES | KIM P
14 Clement Greenberg, Recentness of Sculpture.
In American Sculpture of the Sixties (exh. cat.),
Los Angeles: Los Angeles County Museum of Art,
1967:25.
15 Barbara Rose, ‘A B C Art’, Art in America, 53, 5,
October/November 1965:57-69; também publicado
em Battcock, Minimal Art: A Critical Anthology , New
York: E.P. Dutton & Co., Inc., 1968:274-297 (274).
16 Annette Michelson, Robert Morris: An Aesthetics
of Transgression, in Robert Morris (exh. cat.),
Washington D.C.: Corcoran Gallery of Art, 1969:13.
Rose vincula ABC Art a Lectures in America (1935)
de Gertrude Stein, obras do poeta-pintor Kasimir
Malevich e Marcel Duchamp, e Understanding
Media: The Extensions of Man (1964), de Marshall
McLuhan. O poeta David Antin enfatiza as técnicasde isolamento na obra de Morris, que, em sua
opinião, torna alienígena o contexto para as obras.
Ver ‘Art & Information, 1 Grey Paint, Robert Morris’,
Art News, 65, 2, April 1966:23-24, 56-58. Com
raciocínio semelhante, Hal Foster registrou que as
obras minimalistas eram feitas, em conformidade
com o modo de produção do capitalismo tardio,
para “significar do mesmo modo que objetos em
sua qualidade cotidiana, ou seja, em sua sistemática
latente”. Hal Foster, The Crux of Minimalism, in
Individuals: A Selected History of Contemporary Art
(exh. cat.), Los Angeles: Museum of Contemporary
Art, 1986:162-183 (179). Ver também Jean
Baudrillard, For A Critique of the Political Economy
of the Sign, Charles Levin (trans.), St. Louis: Telos
Press, 1981:104. A composição a priori e o uso de
elementos prontos estavam implícitos no foco do
design da arte minimalista e se abriam logicamente,
para Morris, à fabricação industrial. Esse fator tornou
o minimalismo vulnerável às críticas dos marcuseanos,
como Ursula Meyer nos anos 60, que diziam que
essas obras não resistiam ao racionalismo nem se
afastavam da lógica das mercadorias. Ursula Meyer,
De-Objectification of the Object, Arts Magazine, 43,
5, Summer 1969:20-22. Mais tarde historiadores
tentaram ressuscitar a dança e a arte minimalista de
Morris pela explicação freudo-marxista de trabalho
dessublimado de Herbert Marcuse.
17 Aqui Morris se refere a um artigo recente
de Barbara Rose, Problems of Criticism VI, The
Politics of Art, Part III, Artforu m, 7, 9, May
1969:46-51. Ver Morris, Notes on Sculpture,
Part 4: Beyond Objects, Artforum , 7, 8, April
1969:50-54; republicado em Continuous Project
Altered Daily; The Writin gs of Robert Morris ,
Cambridge/London/New York: MIT Press/Solomon
R. Guggenheim Museum, 1993:51-70 (67).
18 Robert Morris, Anti Form, Artforum, 6, 8, April
1968:33-35; republicado em Continuous Project
Altered Daily: The Writings of Robert Morris:41-49.
19 Morris, Notes on Sculpture, Part 4:64.
20 Morris, Notes on Sculpture, Part 4:67.
21 Quando Morris se mudou para Nova York com
sua parceira de dança Simone Forti, eles se chocaram
com as características excessivamente construídas
do ambiente urbano. Essa experiência tornou-
se relevante para a apresentação que Morris fez
do estúdio do artista em Site. Forti escreveu: “Na
primavera de 1959, Bob Morris e eu nos mudamos
para Nova York. Eu não podia acreditar nesse
lugar. O que mais me chocou foi estar imersa em
um ambiente que parecia ter sido completamente
desenvolvido e criado por pessoas (...). Eu me lembro
de como era alentador e consolador saber que a
gravidade ainda era gravidade. Eu me sintonizei com
meu próprio peso e volume como uma forma de
oração”. Simone Forti, Handbook in Motion, Halifax/
New York: Press of the Nova Scotia College of Art and
Design/New York University Press, 1974:34.
22 Morris, Notes on Sculpture, Part 4:69.
23 Os cadernos não publicados de Morris registram
que “Yvonne [Rainer], Ted e Joanne” estavam
envolvidos com o fazer dessa obra e que membros
do Pulsa passaram no depósito um dia. Rainer
salienta, no entanto, que não havia colaboração
entre ela e Morris e que seu trabalho de mesmo
título, que foi realizado em seu próprio estúdio, era
independente do projeto de Morris. Yvonne Rainer,
correspondência com o autor, 27 de agosto de 2007.
24 Deixando a mente fluir, ele escreveu sem
escamotear seus sentimentos em relação a
compromissos profissionais futuros e planos de
obras que poderia vir a criar, incluído um filme sobre
levantamento de peso que nunca se concretizou.
25 Entrevista gravada em 1977 com Thomas Krens,
Fita 4.2, no Arquivo Robert Morris do Museu
Solomon R. Guggenheim, em Nova York.
26 Yvonne Rainer, correspondência com o autor,
16 de outubro de 2007. O título igual dos projetos
de Rainer e de Morris, segundo ela, devia-se apenas
ao fato de que “ambos estavam envolvidos com
estruturas indeterminadas” na época. A preferência
de Rainer pelo jogo e empatia em seu trabalho não
eram metas que tinha em comum com Morris. Para
o papel desses termos na obra de Rainer, ver Carrie
Lambert, On being Moved: Rainer and the Aesthetics
of Empathy, in Yvonne Rainer: Radical Juxtapositions
1961-2002 (exh. cat.), Philadelphia: Rosenwald-Wolf
Gallery, 2002.
27 Morris informou Thomas R. Krens que
Continuous Project era diretamente relacionado ao
permutado Untitled (1967), em forma de estádio,
que faz atualmente parte da Panza Collection,
adquirida pelo Museu Solomon R. Guggenheim,
em Nova York. Entrevista gravada em 1977 com
Thomas Krens, Fita 4.2, no Arquivo Robert Morris
do Museu Solomon R. Guggenheim em Nova
York. O própri o Morris se refere à obra como “emforma de estádio” A maioria das obras sem título
de Morris recebem essa nomenclatura casual, cuja
fonte é ele mesmo. Essa obra é a de número 67.172
no Arquivo Robert Morris.
28 O nome de Ehrenzweig não aparece em
Form, mas figura em Notes on Sculpture, P
Beyond Objects. Anton Ehrenzweig, The H
Order of Art, A Study in the Psychology of A
Imagination, Berkeley: University of California
1967. O método desse autor advinha da esco
psicologia profunda, conforme desenvolvid
Inglaterra, e Ehrenzweig reconhecia a influ
crucial em sua obra do livro de Marion M
An Experiment in Leisure, London: Chatto
Windus, 1937, publicado pela primeira
sob o pseudônimo ‘Joanna Field’. As idei
Milner sobre o jogo não parecem ter encon
repercussão na obra de Morris, que continua
se orienta em torno de tratados, declarações e trad
consagradas de obras para novos trabalhos.
29 Morris, Notes on Sculpture, Part 4:67-68.
30 Morris, Notes on Sculpture, Part 4:61.
31 Robert Morris, The Art of Existence. Three
Visual Artists: Works in Process, Artforum,
January 1971:28-33; republicado em Conti
Project Altered Daily: The Writings of R
Morris:95-117 (95).
32 Morris, The Art of Existence:95, 97.
Kim Paice é doutora em história da arte pela
NY, professora de história da arte na Univers
de Cincinnati, EUA.
Tradução Mirna Soares Andrade
Revisão da tradução André Alves
Revisão técnica Martha Telles
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011118 COLABORAÇÕES | GABRIELA LÍRIO GURGEL MONT
Refletir sobre o uso de imagens na cena
contemporânea significa repensar o estatuto da
imagem em seus modos de criação, interlocução
e apreensão da realidade. Não é de hoje que
assistimos a um crescente interesse em utilizar o
material audiovisual como potente dispositivo
de engendramentos de sensações e percepções,
ora estabelecendo diálogo direto com a obra em
questão, ora se desviando dos sujeitos e temas em
curso para desconstruir o lócus da encenação. A invasão das novas mídias acelera o processo de rece
de imagens; se, na modernidade, tais imagens estavam ligadas à percepção lógica da narrativa, tor
se na contemporaneidade cada vez mais fragmentadas e desconectadas ao negar-se como es
prefigurado do que as antecede. As imagens teatrais, alicerçadas em poética baseada na libe
de escolha, contaminadas pelas artes performáticas, pelo cinema e pelas novas mídias, constroem
terreno fértil e híbrido de articulação entre as artes, intensificado pela especificidade teatral, atrav
jogo entre a presença do ator, da materialidade de seu corpo e sua voz, e a virtualidade produzida
“Teatro high-tech”,1 “teatro de imagens”,2 “teatro narrativo-performático,3 “teatro performa
são alguns dos nomes desse novo teatro, fundamentado em cenas que refletem campos de pes
interdisciplinar, “(...) um campo de mediações intertextuais, intertemporais, intersemióticas, interarte/ou intermídias, que a vertente teatral abordada parece priorizar como seu território preferencia
TEATRO DE IMAGENS E AUTOBIOGRAFIA: espetácu
Gabriela Lírio Gurgel Mont
teatro cine
imagem autobiogr
O artigo investiga o uso de imagens em espetáculos contemporâneos e sua rela
com dramaturgias criadas a partir de relatos autobiográficos. “Teatro high-te
“teatro de imagens”, “teatro narrativo-performático, “teatro performativo” são alg
dos nomes desse novo teatro, fundamentado em cenas que refletem campo
pesquisa interdisciplinar.
Teatro de imagens e autobiografia: espetácThe article investigates the use of imagcontemporary entertainment and its relation
play created from autobiographical reports. “tech theater,” “theater of images”, “nartheater performing,” performative theater
some of the names of the new theater that is bon scenes that reflect interdisciplinary resfields. |Theatre, cinema, image, autobiogr
I - Box, 1962. (foto)Dorothy Zeidman
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011120 COLABORAÇÕES | GABRIELA LÍRIO GURGEL MONT
território limítrofe e intersticial”.5 As fronteiras
artísticas tornam-se tênues e colocam em foco a
questão que me parece primordial na discussão
sobre as relações da cena contemporânea e o
uso do audiovisual: o teatro, arte da presença,
estaria reinaugurando outros modos de interação
à medida que se deixa contaminar pelas imagens
não apenas produzidas na cena, mas sobretudo
existentes para além dela? Quais os limites entre
imagens da corporalidade do ator que compõem
partituras cênicas e as imagens captadas e
projetadas desse mesmo corpo ou de outros
corpos, paisagens e objetos presentificados na
cena ou não? As imagens audiovisuais recriam o
espaço, inauguram uma espécie de duplo lugar,
um desdobramento da cena que pode variar deacordo com os dispositivos e suportes utilizados.
Lehmann cita Barthes e Muller na tentativa de
definir a especificidade do teatro e sua diferença
com relação às novas mídias. “O que é o teatro?
Uma espécie de máquina cibernética”,6 diria
Barthes prevendo a relação que o teatro iria
estabelecer com as novas mídias. Lehmann, porém,
chama a atenção para o contexto no qual Barthes
estava inserido e sua perspectiva semiológica que
compreendia o processo cognitivo do espectador
ao decifrar as informações. Citando Muller, para
quem o teatro “é o moribundo em potencial”, e
observando que a informação está para além da
morte, Lehmann discorre sobre o espaço-tempo
teatral constituído pela experiência presencial,
direta, entre espectadores e atores, transformada
e vivenciada no presente da encenação. E, por
esse motivo, não mais passível de ser reproduzida.
Em contrapartida, as imagens audiovisuais podemser reproduzidas e, no encontro com teatro,
permitem ao espectador experimentar duas
realidades espaçotemporais: o espaço-tempo da
interação, “comum da mortalidade”, e o espaço-
tempo das imagens audiovisuais que acenam
para um encontro que existe a priori . Isso porque
tais imagens foram captadas e realizadas antes de
ser projetadas, ou seja, sua existência antecede à
cena, ainda que sejam manipuladas e editadas,
como em alguns casos, in loco, no momento de
sua projeção. Nesse sentido, o espectador vive ncia
a duplicidade espaçotemporal, dois tempos e dois
espaços que, juntos, em sua interseção, criam uma
terceira relação espaçotemporal, experimentada
através do cruzamento de elementos da cena e da
virtualidade produzida.
Abre-se vasto campo de pesquisa na análise desta
terceira relação espaçoteatral que recria o espaço-
tempo do teatro, espaço de signos por natureza.
O espaço teatral, ao receber o espaço virtual,abre-se a novas perspectivas que redimensionam
a cena. Josette Féral afirma que, no teatro
performativo, o real desperta no espectador a
vontade de reagir de forma inteligente, e isso
se torna possível por um olhar duplo que vai
do real à ficção ou do espaço cotidiano ao da
cena. Há, portanto, no espaço cênico, uma
divisão: o real material e o que é criado na cena.
No teatro contemporâneo, a desconstrução do
real torna os signos instáveis, faz com que o
espectador passe de uma representação à outra,
de um sentido ao outro, buscando articulação em
um espaço fragmentário e plural. A inserção de
imagens evoca também a duplicidade do tempo
– o tempo da cena e o da imagem. O tempo
da presença do ator e a imagem que traz em si
mesma a referência do tempo de sua captação.
Nesse sentido, o espectador é lançado em um
espaço-tempo híbrido, fruto do que vê e do queé visto, uma vez que sua leitura depende desse
movimento duplo a que se refere Féral.
Encontramos as noções de desconstrução,
disseminação e deslocamento, de Derrida.
A escrita cênica não é aí mais hierárquica
e ordenada; ela é desconstruída e caótica,
ela introduz o evento, reconhece o risco.
Mais que o teatro dramático, e como a arte
da performance, é o processo, ainda mais
que produto, que o teatro performativo
coloca em cena.7
Phillippe Dubois define como “efeito cinema” a
presença cada vez mais intensa das imagens no
universo da arte contemporânea. Analisando a
questão do dispositivo e do espectador, aponta
para uma mudança na própria ideia de cinema
e de arte, uma vez que ambos se encontram
relativizados pelo terreno híbrido de suas
apreensões. Quando o cinema entra em um
museu, que imagem é vista? “O que sentimosquando se troca a duração standart imposta pelo
desenrolar único e contínuo das imagens do filme
por modos de visão mais aleatórios e muitas vezes
fragmentados e repetitivos (em loop) de imagens
que estão sempre aí, podendo ser abandonadas
ou retomadas da maneira que se quer?”. 8 É fato
que o “efeito cinema”, ao qual se refere Dubois,
não se restringe apenas à arte contemporânea,
mas inaugura espaços importantes de enunciação,
como o teatro contemporâneo, a dança, a
performance, a música.
Imagens autobiográficas: documentos
cênicos na dramaturgia contemporânea
Analisar a produção teatral contemporânea pelo
viés da autobiografia nos remete a uma rede
de tangenciamentos e reflexões oriunda das
experiências do sujeito diante da imersão emnovas formas de representação, atravessadas
pelo relato virtual ou pelo que nomeio aqui
“documento cênico”. Atualmente, assistimos
ao que Arfuch aponta como “exercícios de
ego-história”:9 autoficções, testemunhos
line ou o diário em blogs, filmes realizad
partir e/ou com “personagens reais”, r
paintings, reality shows e todo documento
possa ser considerado um fragmento da
real são incorporados a processos artístic
autobiografia, antes circunscrita aos cân
literários e presente em importantes estud
Arendt, Lejeune, Ricoeur, entre outros, é
exaustivamente investigada como fenômen
mundo globalizado, alicerçada pelas novas fo
midiáticas e pelos novos horizontes tecnológ
O efeito de real traduz-se no s
contemporâneo pelo desejo de consum
imagens que possam conceder-lhe uma es
de garantia de sobrevivência. Seu relato, bal
pela transmissão midiática, o faz image
um Outro, enquanto o consumo de sua
e de sua imagem projetada realiment
expectativas de pertencimento a uma rede v
complexa. Desse modo, não ter acesso às
tecnologias de informação elimina a sen
de pertencimento ao real a que nos referim
real que se caracteriza não somente pela ins
do sujeito na vida cotidiana e nas relaçõe
ele estabelece, mas pela percepção de ser
de uma rede complexa de informações, da
só se enxerga parte, nunca o todo. O se
do global é percebido tão somente atravé
local. Assim, as noções de público e pr
confundem-se posto que toda e qualquer p
pode barganhar seu espaço no que cham
“rede”.10 O novo estatuto de visibilidad
sujeito redimensiona o status de persona p
versus homem comum, invertendo a propodos espaços: o espaço da intimidade é parti
e objeto de interesse público, enquanto o
antes por seu caráter impessoal (de preserv
do privado) tinha sua divulgação socialm
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011122 COLABORAÇÕES | GABRIELA LÍRIO GURGEL MONT
aceita perde continuamente interesse se não
estiver conectado a impressões, apontamentos,
detalhes que humanizam o biografado,
expondo suas fragilidades e idiossincrasias na
tentativa de provocar identificação com os
consumidores/espectadores.
“Se a morte preside na casa da autobiografia”, 11 o
teatro, arte que mais se aproxima da morte, uma
vez que é apresentado ao vivo para o público,
quando se utiliza de material autobiográfico
duplica o efeito do real, esvaziando o sentido
da representação, e potencializando a presença
física do ator ao lidar com o material de sua vida
privada como dramaturgia cênica. Diante da
exposição, o espectador percebe o movimento
de desnudamento, o tom confessional, e passa ase questionar sobre a veracidade dos fatos, sobre
o que é da ordem do real e o que é da ordem
do ficcional, como se fosse possível separá-los
na encenação. “O que poderia ser chamado
de crise da ficção ou estética da realidade
consistiria não no abandono da primeira em
detrimento da segunda, mas em um processo
(...) de hibridização”.12
A dramaturgia contemporânea baseada em
relatos autobiográficos promove assim a
identificação direta da plateia movida pela
curiosidade e pelo desejo de desvendar o
enigma da verdade da presença do ator, não
se interessando apenas pelo que é dito, ou pelo
modo como é dito, mas pelo desdobramento da
palavra-testemunho que deflagra a crise da imagem
do sujeito. “O que fazer com as ruínas”13 – questão
levantada por Nestor García Canclini – é o que
interessa a essa discussão porque inaugura uma linhade fuga, um percurso possível para o “sujeito fora de
si”,14 focado na exterioridade e no autocentramento.
O uso de novos dispositivos de captação do real
através do depoimento/relato contribui para
aguçar a crise da imagem do sujeito, reverberando
suas fraturas ao evocar memórias suas e de outros
que compõem sua biografia. Ao utilizar imagens
projetadas, fotos, vídeos, slides, imagens de
computadores, trechos de filmes, reprodução
de espaços de intimidade, entrevistas, a vida
como produto da narração vê-se transformada
em espetáculo imagético, em “efeito cinema”.15
Um efeito presente não só nas artes cênicas, mas
nas artes de modo geral, e que no espaço do
teatro, foco da discussão, modifica a percepção
do espectador, ampliando as possibilidades de
interação à obra apresentada. O espetáculo
mediatizado/atravessado pelas imagens passa
a apresentar dois espaços complementares e
dialógicos: o espaço do ator e sua interaçãodireta com o público e o espaço da imagem,
aberto a deslocamentos, porque introduz por si
só outros espaços, em uma lógica de acumulação
e, em alguns casos, de excesso. Palavra e imagem
conjugam-se em uma sintaxe confluente no corpo
do ator, ora mediatizado por novos dispositivos,
ora agente da ação.
Otro, do grupo Coletivo Improviso, dirigido por
Enrique Diaz e Cristina Moura, é, segundo Diaz,
uma investigação sobre alteridade, em que o Ou tro
aparece como objeto e, especialmente, como
relação”.16 O olhar transforma-se em “material do
espetáculo, assim como a suposta objetividade da
imagem do outro”.17 Nesse sentido, o relato e a
entrevista foram ferramentas para a construção
dramatúrgica no desejo não de buscar a verdade
dos fatos e das sensações vividas, mas de partilhar
e conhecer fragmentos da história de vida dos
outros. Partindo da ideia do documentário,ampliando a percepção dos espaços, o espaço
da cidade/o espaço do corpo, Diaz buscou o
documentarista Felipe Ribeiro para juntos criarem
imagens na tentativa de ampliar a percepção
visual do espectador para a proposta. “O que I - Box, 1962. (foto)Dorothy Zeidman
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acontece é uma espécie de poetização da imagem
dentro do espetáculo, que é um processamento
do que foi visto/vivido para a formatação final, a
dramaturgia das imagens…”.18
Parte do processo de criação do espetáculo
deve-se ao uso de dispositivos de interação e de
convivência. Os dispositivos são enquadramentos
e levam ao acaso. “O dispositivo nunca é garantia,
ele só ajuda a estar aberto para o mundo”;19 ele
deflagra trajetos. O material autobiográfico surge
desses trajetos dos atores pela cidade. No bairro da
Taquara, no Rio de Janeiro, o grupo encontra um
personagem cuja história desperta piedade: havia
sido abandonado pela namorada, estava triste.
Ao conhecê-lo melhor, a impressão se modifica:
tratava-se de “um baita colonialista, queria falaringlês, superdestacado do lugar onde mora”.20
O dispositivo leva a uma composição complexa e
ao aprofundamento dos personagens não apenas
por possibilitar encontros reais, no sentido de
que as histórias presentes na encenação surgem
do relato de um sujeito inserido em determinado
contexto. O encontro se dá ao acaso, não precede
alguma decisão ou característica determinante. A
escolha deve-se, por exemplo, à coloração de uma
camisa. Os atores saem de ônibus, descem no
terceiro ponto e precisam interagir com alguém de
camisa vermelha. Dessa forma, tais relatos foram
sendo incorporados à dramaturgia e articulados
às imagens documentais projetadas na cena.
Imagens reveladoras do processo de criação e do
próprio dispositivo, e que trazem uma impressão
de realidade ao espectador, potencializando o
material autobiográfico em sua relação híbrida
com as ações provenientes da interação/jogo dos
atores e público na cena.Percebe-se, portanto, duplo estatuto da imagem:
por um lado, imagens provenientes de relatos
de outros sujeitos, encontrados na cidade e
que fizeram parte do processo de criação do
espetáculo; sujeitos revelados através do uso
do vídeo como documento da criação e como
documento da interação dos atores com a cidade;
por outro lado, imagens dos atores diante de
situações já vivenciadas e que são ficcionalizadas
nos espaços da cidade (barca Rio-Niterói). A
performatização de tais imagens constrói um
terreno híbrido para a vivência da cena: o ator
relata o que viveu, as imagens ora tornam
explícitos lugares e impressões, ora desconstroem
o imaginário do relato do ator ao se fixar em
detalhes ou trazer elementos que buscam ativar
um estado de contemplação do espectador.
O espaço teatral despojado de objetos cênicos,
apenas algumas cadeiras e mesas, é transformado
ora por imagens realistas, da barca Rio-Niterói ou
do restaurante árabe do Largo do Machado, ora
por imagens poéticas, como as imagens do céu,
das nuvens, de um pássaro que passa; imagens que
buscavam, segundo Felipe Ribeiro, aproximação
com o espectador através da contemplação.
Coloco a imagem do céu, nuvem, deixo
a imagem em movimento, é a nuvem se
movendo levemente, é um pássaro que
passa… ficava meio tonto, se eu focasse
o olhar na nuvem, me dava uma certa
tonteira, a nuvem parece que não está se
movendo e está. Estava interessado em
brincar com essa sutileza. A contemplação
faz ir para outro l ugar, um trampolim para
criar outra coisa.21
Foram três processos de captação de imagens:
cenas da pesquisa refilmadas; imagens originais
assimiladas ao trabalho e, por último, imagensproduzidas pelo documentarista a partir da
observação do material de ensaio. O jogo entre
real e ficção/memória e invenção percorre todo
o processo de criação do Otro. Há imagens de
I - Box, 1962. (foto)Dorothy Zeidman
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011126 COLABORAÇÕES | GABRIELA LÍRIO GURGEL MONT
cenas da cidade, originárias da pesquisa, que Diaz
sugeriu a Ribeiro incorporar às demais existentes
pela percepção de que o espectador se desligava
da narrativa, da história contada, fixando-se na
experiência trazida pelas imagens.
Festa de separação, espetáculo dirigido por Luiz
Fernando Marques e criado e encenado por
Janaína Leite e Felipe Teixeira Pinto, o Fepa –
ela atriz, ele músico –, é classificado pela dupla
como “documentário cênico” da experiência
de separação dos atores. Em determinado
momento, após uma viagem que não ocorreu
(o casal terminou o relacionamento via skype,
Janaína estava em turnê na Inglaterra, e Fepa iria
ao seu encontro), e ambos decidiram transformar
a separação em processo de criação, “em um
espetáculo”.22 Na impossibilidade de lidar com
a perda da relação e do outro, inicialmente
promoveram festas para a família e p ara os amigos
para, além de anunciar a separação, elaborar o
luto. As festas foram filmadas, assim como os
depoimentos de pessoas que conviviam com o
casal e serviram de material para o espetáculo
que pretendeu ser uma reflexão sobre o amor
na contemporaneidade, ultrapassando apenas a
exposição/discussão de sua história.
Assisti a Festa de separação, no Teatro Sesc-
Copacabana, quando esteve em cartaz no Rio
de Janeiro. O espaço, dividido em dois, o dela
e o dele, apresentava como pano de fundo um
telão. Objetos familiares criavam identidade,
referenciais pertinentes ao universo individual
de cada um, revelavam a história pregressa do
casal: livros, cds, caixas, garrafas, cadernos,
dicionário, instrumentos musicais, câmera, bichosde pelúcia. A ideia foi transferir para o palco os
vestígios do que restou para cada um da relação,
reconfigurando um espaço-casa ambíguo porque
visivelmente transitório, um espaço fronteiriço
porque suspenso, não reconstruído, em ruínas,
híbrido por se configurar como espaço do
presente, mas náufrago de um passado em
elaboração, espaço que não é senão o lugar do
luto proveniente da ruptura.
Ao escolher um lugar na plateia, o espectador
percebe que tal escolha interferirá na recepção
do espetáculo, porque ele assiste a dois
discursos em forma de depoimento, ocorrendo
simultaneamente, salvo em alguns momentos em
que um silencia para dar voz ao outro e quando se
está diante de material audiovisual e iconográfico
projetado no telão. Na impossibilidade de ouvir
dois discursos ao mesmo tempo, o espectador
percebe que se encontra em situação
monológica, ainda que dupla, interativa. Naperda da palavra do outro, tem-se a dimensão
de que se opera um corte não apenas espacial,
mas transversal, um corte na narrativa, reflexo da
divisão que se estabeleceu na vida do casal. As
imagens projetadas – “efeito cinema” – têm como
objetivo reconstruir a vivência do passado, incluindo
o momento em que o casal decide transformar a
separação em obra artística. Assistir no telão às
imagens de intimidade, de um tempo passado e
feliz, aos depoimentos emocionados dos familiares
e amigos nas festas de separação, promovidas e
documentadas pelo casal, reitera o lugar da falta/
da dor. A imagem é documento do que a palavra-
testemunho não consegue representar; a imagem
é dialógica, une os discursos e o espaço cindido
da representação. Em determinado momento o
espectador é convidado a dar seu depoimento
contando uma história pessoal que também é
filmada, evidenciando-se23 que pode ser projetada
em outra apresentação. Na possibilidade de vir-a-ser imagem, o espectador inaugura ele mesmo um
luto de outra natureza: a morte de sua “presença”
é enigma da representação porque se transforma
em registro que pode ou não ser utilizado.
NOTAS
1 Lehmann, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São
Paulo: Cosac Naify, 2007:368.
2 Picon-Vallin, Béatrice. Deux arts en un? Le film du
théâtre. Arts du spectacle. Coleção organizada por
Élie Konigson. Paris: CNRS Éditions, 2001:17.
3 Da Costa, José. Teatro contemporâneo no Brasil.
Rio de Janeiro: 7Letras/Faperj, 2009:29.
4 Féral, Josette. Por uma poética da performatividade:
o teatro performativo. Sala Preta, revista do Programa
de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Eca/USP, São
Paulo, n. 8, 2008.
5 Da Costa, op. cit.:33.
6 Barthes, Roland. Essais critiques. Littérature et signification. Paris: Point Seuil, 1981 (1963), p.258.
7 Féral, op. cit..
8 Dubois, Philippe. Um “efeito cinema” na arte
contemporânea. In Dispositivos de registro na arte
contemporânea. Rio de Janeiro: Contra Capa/Faperj,
2009:184.
9 Arfuch, Leonor. O espaço biográfico. Dilemas da
subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: Eduerj,
2010:60.
10 Refiro-me à rede pensando em duas conotações:
a rede de sentidos barthesiana e a rede tal como nos
referimos hoje quando nos dispomos a falar sobre
internet e seus agenciamentos.
11 Arfuch, op. cit.:67.
12 Cardoso, Bruno de Vasconcelos. Voyeurismo
digital: representação e (re)produção imagética
do outro no ciberespaço. In Devires imagéticos. Aetnografia, o outro e suas imagens. Rio de Janeiro:
7Letras, 2009:154.
13 Canclini, Nestor García. Diferentes, desiguais e
desconectados. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2009:192.
14 Birman, Joel. Mal-estar na atualidad
psicanálise e as novas formas de subjetivação.
Janeiro: Civilização Brasileira, 2005:171.
15 Dubois, op. cit.:179.
16 Entrevista, por e-mail, à autora em 8.10.20
17 Idem.
18 Idem.
19 Entrevista à autora e à bolsista Pibic-UFRJ Is
Malta Rezende, na Escola de Comunicação da
em junho de 2011.
20 Idem.
21 Idem.
22 Palestra de Janaína Leite e Fepa no FóruCiência e Cultura em junho de 2010.
23 Isso não é dito, mas compreendido
associação, uma vez que depoimentos
espectadores são exibidos.
Gabriela Lírio Gurgel Monteiro é profe
adjunta de direção teatral na Escola
Comunicação da UFRJ. Possui graduação
comunicação social (jornalismo), mes
em letras, doutorado em letras pela Pon
Universidade Católica do Rio de Janeiro ( T
e cinema na obra de Peter Brook, co-orien
por Georges Banu, no prelo) e douto
sanduíche na Université Paris III Sorb
Nouvelle. Publicações: A procura da palav
escuro (7Letras, 2001) e Interseções: Cine
Literatura (7Letras, 2010). Pesquisadora do C
desenvolve atualmente a pesquisa A teatralcinematográfica e o uso de novos dispositiv
produção de imagens (bolsas Pibic/Piabic/Fa
Acaba de iniciar nova pesquisa: Autobiogra
cena contemporânea: entre a ficção e a reali
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011128 COLABORAÇÕES | LETICIA SQ
Uma história das Exposições Gerais − Egbas
já foi traçada, em suas linhas gerais, por algunsautores. Apesar disso, pode-se afirmar que se
conhece pouco a respeito desses eventos, o quechama atenção, tendo em vista, em primeiro lugar,sua longevidade. Entre 1840 e 1884 a Academia
Imperial de Belas Artes − Aiba promoveu 26
Exposições Gerais, apresentando 3.315 obras de
516 artistas,1 em média, portanto, mais de umaexposição por ano. Talvez se possa aventar que
aconteceu aqui o que se passou na historiografiaeuropeia: durante muito tempo os Salões e exposições organizadas no âmbito acadêmico f
desprezados pelos pesquisadores, mais interessados em reconstituir a trajetória dos refusés e doconstruíram as bases para o surgimento das vanguardas.2 Também no Brasil a arte oitocentistdurante longo tempo pouco estudada, e as Egbas foram objeto de algumas enumerações e crô
mas raramente atraíram análises mais profundas.3
Vale lembrar que o interesse pelas exposições ganha sentido quando iluminado por persp
historiográfica que ultrapassa o objetivo de discutir apenas o “conteúdo” das obras. Alguns historiavêm mostrando como os critérios artísticos, bem como o maior ou menor valor atribuído a um ou
artista, são afetados por contextos mais amplos: o mercado, o museu, padrões de gosto que funci
AS EXPOSIÇÕES GERAIS DA ACADEMIA DE BELAS ARTteatro de corte e formação de um mercado de artno Rio de Janeiro
Leticia Sq
Exposições Gerais da Academia de Belas Artes ColecioniMercado de artes no Rio de Janeiro do século
A intenção deste artigo é discutir o lugar das Exposições Gerais da Academia de B
Artes na vida cultural do II Reinado. Trata-se de mostrar como se articulavam e
exposições ao teatro de corte de dom Pedro II e, por outro lado, de destacar seu p
no incipiente mercado de artes do Rio de Janeiro.
As exposições gerais da academia de belas Teatro de corte e formação de um mercadartes no Rio de janeiro| The aim of this artto discuss the place of the General Exhibitiothe Academy of Fine Arts in the cultural l19th century Rio de Janeiro. I intend to showrelationship with the “teatro de corte” ard. Pedro II and also to point the role of Exhibitions in the incipient art market of R
Janeiro. | Exposições gerais da academbelas artes colecionismo mercado das artrio de janeiro do sec XIX
Ilustração para Salão caricatural de 1884Fonte: Revista Ilustrada, 1884, ano 9, n. 396. Arquivo Edgard Leuenroth – IFCH/ Unicamp.
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011130 COLABORAÇÕES | LETICIA SQ
muitas vezes de maneira independente daqueles que
regem a apreciação das artes visuais. Desse ponto
de vista, interessa entender também a trajetória
das obras, o contexto em que foram expostas, suas
relações com imagens e modos de ver próprios a
determinada época, entre outros aspectos.4
Meu objetivo é apontar como as Egbas
articulavam-se ao que já foi chamado por mais
de um pesquisador de “teatro de corte” de dom
Pedro II,5 bem como a importância desse evento
para o surgimento de um incipiente mercado de
artes no Rio de Janeiro.
As exposições e o teatro de corte
Praticamente desde sua fundação a Academia
promovia exposições − indício de que havia
interesse, já por parte dos mestres franceses,
em fazer da instituição criada no Rio de Janeiro
mais do que simples escola de artes. Já em
1829, apenas três anos após a inauguração
da Academia Imperial de Belas Artes, Debret
promoveu sua primeira exposição de alunos. Em
1840 o diretor Felix-Émile Taunay conseguiria
emplacar uma ideia sobre a qual vinha falando em
discursos e artigos de jornal: ampliar a exposição
da Academia, tornando-a acessível a todos os
interessados. As Exposições Gerais de Belas Artes
teriam, a partir de então, papel fundamental
tanto no funcionamento da Academia quanto na
vida cultural do Império. Algumas das principais
obras de arte do período monárquico foram
apresentadas, justamente, durante essas mostras.6
A primeira, em 1840, contava com dez expositores,
sendo seis professores da Academia. A exposição
de 1843 já incluía 28 participantes. O número de
pessoas que expunham obras, entre artistas locais
e estrangeiros, cresce de modo impressionante a
partir de então. Em 1849, na décima edição do
evento, seriam 23 expositores. Dez anos depois,
94, sendo três mulheres e 68 estrangeiros. Outra
prova do sucesso da iniciativa é que na década
de 1860 começam a ser publicados os catálogos
independentes de cada Exposição Geral.7 Não
por acaso, em 1868 o secretário João Maximiano
Mafra escrevia ao diretor Tomás Gomes dos Santos
que era preciso exigir a apresentação dos convites
na abertura da exposição, para evitar a entrada de
penetras.8 De tal forma esses eventos entraram no
calendário da corte, que já em 1839 um cronista
observava: “A visita à Academia das Belas Artes
entrou este ano a ser da moda.”9
As Exposições Gerais entraram rapidamente
no calendário de eventos dos mais influentes
personagens da corte de dom Pedro II:
políticos, funcionários, ricos comerciantes
e visitantes estrangeiros: “Presentemente a
corte e a cidade afluem com ativa curiosidade
às salas do palácio das artes, e o belo sexo
afronta os raios de um sol perpendicular em
romaria ao templo do gosto.”10
No dia 10 de dezembro de 1843, às 10 horas da
manhã, o casal imperial foi recebido na Academia
pelo ministro do Império, o diretor da instituição
e a congregação de professores. “Estavam já
reunidos vários convidados da corte e corpo
diplomático.” O cronista descreve a visita dos
monarcas e faz questão de mencionar diante de
quais obras o imperador ficou mais tempo. O final
do pequeno texto dá uma ideia da importância
que as exposições estavam ganhando: os
monarcas se demoraram por duas horas na
Academia. Antes de ir, dom Pedro teria garantido
ao diretor o quanto estava “(...) satisfeito com a
exposição deste ano.”11 As visitas do imperador à
Academia acabariam tornando-se um hábito.
A ideia de que visitar as Exposições Gerais era
passatempo de um grupo seleto e refinado de
pessoas se manteria nas décadas seguintes:
“Visitamos a academia das Belas Artes, que abriu
ontem as portas à turba dos amadores, que
esperavam ansiosos por esta época do ano, em
que podem ir maravilhar-se das criações do gê nio
dos apóstolos da arte divina.”12
Na edição de 1859, o diretor expediu ofício
solicitando que a Guarda de Honra, vestida
em grande gala, estivesse presente no dia da
inauguração. Também requisitou da polícia do
Rio de Janeiro guardas para cuidar das salas e
evitar “danos às obras”. Finalmente, expediu
solicitação para “mandar pelo Jardim Botânico
de Lagoa Rodrigo de Freitas [riscado] fornecerflores e folhas de canela e mangueira para ornar o
edifício desta Academia no dia 15 de março, em
que S.M. o Imperador se d igne honrar a abertura
da Exposição Geral.”13
No romance Mocidade morta (1899), escrito pelo
crítico Gozaga Duque, já caracterizado como
roman à clef por mais de um pesquisador, o
sistema composto por artistas, público e críticos
que viviam ao redor da Academia em finais do
século 19 seria descrito com grande minúcia.14
É esse texto poético que fornece uma pista de
como eram utilizadas essas folhas de mangueira
e canela:
Um cheiro acre de folhagem esparzida,
desgalhada de fresco, infiltrava-se no ar,
saturando-o, como se boiasse em torno do
bojo, suspenso na claridade, turibulando
à sua grandeza os aromas capitosos
dos antigos festivais de triunfo, cheios
de pandorga épica de campânulas e
trombetas ao escaldar hosânico das
recepções aos bravos, sob a agitação
farfalhenta de palmas e florear de
(...)15
Com notável argúcia, o romancista detec
efeitos simbólicos da decoração sobre os visit
da Academia. Folhas, palmas e tirsos não a
perfumavam e decoravam os ambientes,
também evocavam as festas da Antiguidad
referência ao universo clássico aliava-se à pomp
cercava o imperador, dotando de ‘tradição’ instit
monarca e nação, que eram ainda bastantes no
comparados aos do contexto europeu.
Ao sediar as exposições, a Academia torna
local de encenação de ritual em que se afirm
os valores monárquicos. Dom Pedro era rec
com pompa, o que atraía também as princfiguras da corte carioca. A esse ‘teatro de c
Ilustração para Salão caricatural de 1884Fonte: Revista Ilustrada, 1884, ano 9, n. 396. Arquivo Edgard Leu – IFCH/ Unicamp.
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responsável pela “(...) colocação de todas as obras
expostas; trabalhos de armador, e aluguel das
respectivas fazendas”17
A rápida descrição dá ideia de como devia p arecer-
se a Exposição Geral aos visitantes. A Academia
carioca seguia o exemplo dos Salões europeus de
decorar as paredes com fazendas e tecidos finos
e, sobre eles, pendurar o quadros. Nesse aspecto,
os douradores eram mais do que necessários, pois
cabia-lhes preparar as molduras dos quadros.
Em contraste com os tecidos de cores fortes, o
dourado das molduras sobressaía, delimitando os
espaços entre os quadros. A Revista Ilustrada traz
representação notável da aparência desses eventos.
Na imagem de Ângelo Agostini, veem-se embaixoos quadros menores – aparentemente, paisagens
– e, em cima, obras maiores, em meio às quais
é possível reconhecer telas de Pedro Américo,
como A Carioca, A Noite com os gênios do
estudo e do amor, Judite rende graças a Jeová
por ter conseguido l ivrar sua pátria dos furores
de Holofernes, entre outros. Os bancos no centro
da sala também evocam a estrutura dos Salões
franceses, cujos espaços para repouso serviam a
um tipo de fruição artística muito característico:
permitiam a contemplação lenta e meticulosa
das obras, a comparação entre os diversos
quadros expostos, bem como a troca de opiniões
entre os espectadores.
As obras eram dispostas bem próximas umas das
outras, muitas vezes cobrindo toda a extensão
da parede, do teto ao nível do olhar. Ocupando
todos os centímetros disponíveis, os quadros
ficavam quase colados uns aos outros, o que sóera possível porque cada obra era vista como
entidade independente, fechada em seu próprio
esquema perspético, isolada de sua vizinha pelas
pesadas molduras.18
Nos salões franceses, esse padrão expo
herdado dos antigos gabinetes de curiosid
cedo começa a se revestir de hierarquias.
primeiro lugar, tratava-se de solucionar
problema de espaço. Além disso, a organiz
das obras obedecia àquela dos gêneros de pin
No alto, ficavam os quadros maiores, geralm
as cenas bíblicas ou mitológicas, ou de gra
feitos históricos. Esses quadros dificilm
eram compreendidos, pois só uma part
público possuía cultura suficiente para ent
as refinadas alusões históricas e mitoló
que continham, motivo pelo qual, aliado a
grandes dimensões, geralmente ocupava
região mais alta da parede. A seguir, vinha
retratos e os quadros considerados “melhoE por último, a pintura de gênero, a natu
morta, as paisagens.20 A imagem de Ag
revela que a Academia carioca organizava
exposição segundo os princípios expográfico
valores artísticos dos salões franceses.
As exposições gerais e o surgimento d
mercado de artes no Rio de Janeiro
Nem tudo na Academia carioca, porém, s
o caminho trilhado pelo modelo francês
verdade, uma análise comparativa indica
pelo menos no que se refere às expos
gerais, a experiência acadêmica no Rio de Ja
teve desdobramentos peculiares. Para exa
a questão, vale retomar a história dos S
franceses até finais do século 19.
A Academia francesa começou em 1699 a
mover os chamados Salões, que passaraacontecer de forma sistemática a partir de 1
tendo papel fundamental na história da
europeia. Até então, o público só entrav
contato com arte de alto padrão secundariamIlustração para Salão caricatural de 1884Fonte: Revista Ilustrada, 1884, ano 9, n. 396. ArquivoEdgard Leuenroth – IFCH/ Unicamp
vinham associados, porém, valores próprios à
nação independente: o hino nacional sempre
abria o cerimonial. Finalmente, o evento era
reverberado pelos jornais da corte, criando o que
Benedict Anderson já chamou de “comunidade
imaginada” que, nesse caso, associava as artes
à vida cortesã e essas às práticas próprias a uma
“nação” independente.16
Organização dos quadros e formas de
apreciação
A inauguração de uma Exposição Geral era objeto
de longos preparativos e muitos gastos. Para
organizar a de 1879 foram chamados pintores,
douradores, carpinteiros, ferreiros, lustradores,
servidores que cuidassem da lavagem da casa e
da arrumação de ferragens e esculturas. A relação
menciona Luiz de Castro Teixeira, que teria ficado
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em festas religiosas ou cívicas, quando aristocratas
e burgueses abastados expunham suas posses
em pátios de igrejas e praças públicas.21 Com
o advento do Salão, o homem comum podia
ter acesso aos quadros, experimentando prazer
antes reservado apenas a uma exclusiva elite de
mecenas e seus amigos íntimos. O Salão é, assim,
a primeira experiência de arte totalmente pública
da Europa.22
Tradicionalmente a pintura histórica era gêne ro de
grande prestígio, mas, assim como a estatuária,
dependia das encomendas estatais para ser
realizada. Os custos envolvidos na preparação
e realização de grandes telas, assim como dos
monumentos, eram elevados. O objetivo inicial
dos Salões era, por isso, mostrar ao público asgrandes obras de história comissionadas pelo
Estado aos membros da Academia.
O destino e os objetivos do Salão mudam para
sempre com a Revolução Francesa. Em 1791, a
Commune des Arts propõe que o Salão passe a ser
aberto, expondo não apenas as obras dos membros
da Academia, mas de todos os artistas julgados
aptos para tal. Alguns anos mais tarde, Vivant
Denon convence Napoleão de que era mais rentável
para o Estado comprar quadros que já estavam em
exibição.23 Como resultado, por volta de 1870 o
dinheiro oferecido pelo governo para quadros de
história tornara-se tão pouco, que só os iniciantes
se dedicavam aos assuntos históricos. A maioria,
incluindo artistas acadêmicos, sobrevivia da venda
de quadros menores para colecionadores privados.
Lentamente o mercado de artes passa a funcionar
fora do Salão. E pinturas de paisagem e retratos –
mais acessíveis ao grande público, nem sempre cultoou abastado o suficiente para consumir a pintura de
história – passam a ocupar cada vez mais espaço nas
paredes do Salão. E a Academia, que antigamente
detinha o monopólio não apenas sobre a formação
artística, através da École, mas também sobre o que
deveria e podia ser mostrado, através dos Salões,
começa a perder importância.
Todo o processo gerou diversos movimentos de
revolta não apenas entre artistas que rompiam, em
alguma medida, com os valores tradicionais, mas
também entre os acadêmicos, descontentes com
a perda de privilégios e clientes – consequência da
ampliação do número de artistas e de gêneros de
pintura. Tornando-se pouco atrativos tanto para
os que desde meados do século, com Courbet,
começam a procurar espaços alternativos para
expor suas obras quanto para os demais artistas,
os Salões acabaram suprimidos no final do século.
Pode-se dizer, assim, que o desenvolvimento e
ampliação desses espaços resultaram, na França, noenfraquecimento da Academia e seus dispositivos.
Já no caso do Rio de Janeiro a história reveste-
se paulatinamente de contornos próprios. Como
sede da corte e principal porto do Império, a cidade
concentraria crescente comércio de luxo. Quadros
e livros misturavam-se a objetos de decoração e
móveis em leilões e lojas.24 Sabe-se de alguns lei-
lões promovidos por comerciantes, geralmente
estrangeiros, que incluíam a venda de obras de
arte, caso do que foi realizado, em 1840, por Luiz
A. Boulanger, incluindo a venda de “Riquíssima
coleção de painéis a óleo, pertencentes às
escolas italianas, flamenga, alemã e francesa”.
O leiloeiro acrescentava que os amantes das
belas pinturas encontrariam diferentes “gêneros
reunidos: paisagens, combates, tableaux de genre
et mythologiques, retratos, panoramas, muitos
quadros da história sagrada, o nascimento de
Nosso Senhor Jesus Cristo, descida da cruz (...)”,além de aquarelas, objetos e vestimentas de
luxo.25 Na década de 1850, o comércio de luxo
receberia impulso ainda maior graças à liberação
de capitais antes comprometidos com o tráfico de
escravos. A cidade foi invadida por novos hábitos
de consumo: cavalos árabes, jóias, relógios,
‘roupas feitas’, produtos manufaturados com as
mais diferentes funções foram introduzidos no
dia a dia da ‘boa sociedade’.26 Nesse contexto,
também objetos de arte passam a ser cada vez
mais comercializados.
Araújo Porto-Alegre faz referência a pelo menos
dois colecionadores ativos no período: “Na galeria
de quadros do Sr. Manoel José Pereira Maia, um
dos homens mais curiosos e que tem maiores
preciosidades em todo o gênero de Belas Artes,
existe um painel de Manoel Dias representando a
caridade romana.”27
Menciona também José de Oliveira Barbosa, queteria, em sua coleção, alguns camafeus feitos por
Mestre Valentim.28 O representante do Brasil na
Rússia, José Ribeiro da Silva, ofereceu à Academia
quatro quadros de Jean-Baptiste Debret.29 Em
1877 Henrique Diniz da Silva Faria vendeu dois
retratos a óleo feitos por Henrique José da Silva
para a Academia.30 Outras referências encontradas
no Museu dom João VI indicam que a prática de
colecionar ou, pelo menos, de comprar obras
de arte não era tão incomum no Rio de Janeiro
oitocentista como em geral se pensa.
Em diversas exposições gerais não apenas dom
Pedro II, mas também colecionadores particulares
aproveitavam para apresentar obras de suas
coleções.31 A de 1859 exibia obras de nada
menos do que seis colecionadores privados,
além do imperador. A Noticia do Palacio da
Academia daquele ano traz, a respeito disso,algumas informações interessantes. Havia três
homens como o título de comendador entre os
colecionadores, e pelo menos um estrangeiro.32
O catálogo também é significativo do lugar
que esses homens ocupavam no âmbit
exposição geral: “N.B.: as descrições dos qu
e a designação de seus autores e escolas f
ministradas pelos seus possuidores, e exarad
catálogo sem alteração; excetuam-se os qu
de S. Majestade o I mperador.”33
O texto sugere que já circulavam em determin
meios diversos termos e conceitos pró
à atribuição de valor na tradição da hi
e da apreciação artística. Os aprecia
e proprietários de obras de arte da cor
possuíam, em alguma medida, noções pró
ao mercado de arte no Ocidente, tais
autoria, título, escola, entre outros. Esses va
eram informações importantes, pois situav
lugar das obras na história da arte, destac
os artistas considerados “mestres” dos sim
membros de uma ou outra “escola artís
Além disso, como o autor do catálogo f az qu
de enfatizar, eram os próprios colecionadore
informavam a Academia a respeito da atrib
de suas obras. Afinal, o nome do artis
“escola” à qual se filiava, o nome da obra,
fundamentais para lhe atribuir valor. D
modo, os catálogos de exposições das E
informam sobre a existência não propriam
de um mercado de artes, mas de um amb
em que obras de arte eram encomendad
ou compradas.
As Exposições Gerais funcionaram não a
para os artistas da Academia. Nem simplesm
eram momento em que se desenrolava mais
cena do teatro de corte, tão importante p
manutenção da monarquia em terras tropFuncionavam também a serviço de particu
que as usavam para negociar: expor e,
sabe, vender, trocar, ou comprar obras de o
colecionadores. Desse ponto de vista, a exper
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011136 COLABORAÇÕES | LETICIA SQ
carioca transcorreu em sentido radicalmente
oposto ao que ocorreria nos Salões franceses. As
Exposições Gerais foram importante instrumento
para o funcionamento da corte e também para a
estruturação de um incipiente mercado de artes
no Rio de Janeiro do Império.
NOTAS
1 Levy, Carlos Roberto Maciel. Exposições Gerais da
Academia de Belas Artes. Catálogo de artistas e obras
entre 1840 e 1884. Rio de Janeiro: Pinakotheke,
1990:13.
2 Para uma discussão dessa questão no contexto
francês, ver Mainardi, Patricia. The end of the
Salon: art and the State in the early Third Republic.
Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
3 Dos autores que reconstituíram as Exposições
Gerais podem-se citar Rios Filho, O ensino artístico:
subsídios para sua história. In: Anais do Terceiro
Congresso de História Nacional , IHGB, 1938. Rio de
Janeiro, Imprensa Nacional, 1942. Mello Jr, Donato.
As Exposições Gerais na Academia Imperial das Belas
Artes no Segundo Reinado, Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro/Anais do Congresso
de História do Segundo Reinado (Comissão de
História Artística), v.1, Brasília/Rio de Janeiro: IHGB.,
1984:204-352; e Levy, op. cit.
4 Dos que trataram desses ou de assuntos correlatos,
podem-se mencionar Haskell, Francis (La norme et le
caprice. Paris: Flammarion, 1986; Mecenas e pintores
na Itália Barroca. Arte e sociedade na Itália Barroca. São
Paulo: Edusp, 1997; Passado y presente en el arte y en
el gusto. Madrid: Alianza Editorial, 1989); Gaethgens,
Thomas W. Versailles – de la résidence royale au muséehistorique. Antwerpen: Mercatorfonds, 1984; Crow,
Thomas. Painters and public life in Eighteenth-century
Paris. Yale: Yale University Press, 1991; Mainardi, op.
cit., entre outros.
5 O termo é utilizado por pesquisadores como
Carvalho, J. M. de. A construção da ordem; teatro de
sombras. 3. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003; e Schwarcz, L.M. As barbas do imperador: dom
Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998, entre outros, para descrever as festas,
cerimônias e rituais do governo imperial.
6 Os artistas costumavam preparar obras
especialmente para apresentar nas exposições
coletivas, fossem promovidas pela Academia ou,
mais tarde, na República, pela Escola Nacional de
Belas Artes. Ver Cavalcanti, Ana Maria Tavares. A
relação entre o público e a arte nas Exposições
Gerais da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro
na segunda metade do século X. Anais do XXII
Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte.
Rio de Janeiro: Comitê Brasileiro de História da Arte,
2004:49-58.
7 Fato também observado por Fernandes, Cybele
Vidal Neto. Os caminhos da arte. O ensino artístico
na Academia Imperial das Belas Artes. 1850-1890,
tese de doutorado, UFRJ, 2001.
8 “Cartas de João Maximiano Mafra a Tomás Gomes
dos Santos, sugerindo medidas a serem tomadas
na solenidade e premiação de artistas. Acompanha
carta aprovando as sugestões.” 1868, Arquivo do
Museu D. João VI:1275.
9 Correio das Modas, 1839, apud Marques dos
Santos, Francisco. “Subsídios para a história das
belas artes no Segundo Reinado – as belas artes na
Regência”, Estudos Brasileiros, v. 9, ano V, Rio de
Janeiro, 1942:16-149 (101).
10 “Comunicado. Academia das Belas Artes,
exposição pública de 1842”, Jornal do Commercio,
18 de dezembro de 1842.
11 “Visita de SS.MM. Imperiais à Exposição Geral da
Academia das Belas Artes”, Jornal do Commercio, 10
de dezembro de 1845.
12 M. A. “Academia das Belas artes”, Jornal do
Commercio, 18 de dezembro de 1852.
13 “Minutas de ofícios da AIBA, solicitando
designação de uma guarda de honra em virtude da
presença do imperador na abertura da Exposição
Geral, como também flores e folhas de canela e
mangueira do Jardim Botânico, que era Lagoa
Rodrigo de Freitas, para ornar, e uma guarda
de 12 homens do corpo policial da corte para
vigilÂncia da exposição” (11.3.1859) Arquivo do
Museu D. João VI:1575.
14 Eulálio, Alexandre. Sobre Mocidade Morta. In
Sobre o pré-modernismo. Rio de Janeiro: Fundação
Casa de Rui Barbosa, 1988:183-89.
15 Gonzaga Duque, A arte brasileira, São Paulo/
Campinas, Mercado de Letras, 1995, p.:16.
16 Anderson, B. Comunidades imaginadas: relexiones
sobre el origen y la difusión del nacionalismo. México:
Fondo de Cultura Económica, 1993.
17 “Relações das contas das despesas efetuadas
com a Exposição Geral de Belas Artes, inaugurada
em 15.3.1879” Arquivo do Museu D. João VI: 3019.
18 “A pintura de cavalete é como uma janela portátil
que, colocada na parede, cria nela a profundidade
do espaço”, O´Doherty, Brian. No interior do cubo
branco: a ideologia do espaço da arte. Rio de Janeiro:
Martins Fontes, 2002:8.
19 Schaer, Roland. L´Invention des Musées. Paris:
Gallimard/Réunion des Musées Nationaux, 1993.
20 Crow, op. cit.
21 Há excelente descrição em Haskell, 1997, op. cit.
22 “But the Salon was the first regularly repeated,
open, and free display of contemporary art in Europe
to be offered in a completely secular setting and for
the purpose of encouraging a primarily aesthetic
response in large number of people” , Crow, op. cit:3.
23 “In this gesture, the Salon became a
and artists became free-market small produ
Mainardi, op. cit:14.
24 Sobre o assunto ver, por exemplo, Marque
Santos, op. cit.
25 Marques dos Santos, op. cit:119. Sobre o as
ver também Cavalcanti, op. cit.
26 Alencastro, L.F. Vida privada e ordem priva
império. In Alencastro, L.F. (org.)., História da
privada no Brasil: Império. São Paulo: Comp
das Letras, 1997.
27 Porto-Alegre. Manoel Dias, o Romano. R
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ,
suplemento.
28 Porto-Alegre. Iconografia brasileira. Revis
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,1856
29 Apud Levy, op.cit.:131.
30 “Minuta de ofício da AIBA ao ministro do Im
remetendo a conta da aquisição de dois re
a óleo de Henrique José da Silva e vendido
Joaquim Diniz da Silva”. Arquivo do Museu D. Jo
1329.
31 Sobre o assunto ver Rios Filho, op. cit.
32 Noticia do palacio da Academia Imperia
Bellas Artes do Rio De Janeiro e da exposica
1859. Rio de Janeiro, Typographia Imparcial J
Garcia, 1859.
33 Idem, ibidem.
Leticia Squeff é professora de arte ocid
do séculos 18 e 19 no Departamento de His
da Arte da Unifesp (Guarulhos, São Paulo).
desenvolvendo pesquisas sobre arte no Brasi
América Latina nos séculos 18 e 19.
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
http://slidepdf.com/reader/full/textos-contribuicao-de-crary 70/117
REEDIÇÃO | THEON SPAN
Theon Spanudis (Esmirna, Turquia, 1913 – São
Paulo, 1986) desempenhou funções bastante
definidas no ambiente cultural paulistano, desde
sua chegada em 1950.
Depois da independência da Turquia, sua família
retornou a Atenas, em 1922. Lá Theon Spanudis
cursou o ensino fundamental e entrou em
contato com o ambiente de cultura frequentado
por seus pais, que encaminharam sua atenção
para a literatura e as artes. Médico formado na
Universidade de Viena em 1940, especializou-se
em psicanálise no Instituto de Psicanálise de Viena.
Chegou a São Paulo em resposta ao convite da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo,
ARTE DAS FORMAS E ARTE DAS FORMAÇÕES
Theon Span
arte não figurativa crítica de neoconcretismo participação ativo-cria
Martin Kippenberger Candidature à une rétrospective (Candidatura a uma retrospectiva), 1993Primeira versão, foto de grupo, Martin Kippenberger 40º aniversário - Litografia offset27 16/09 x 19 11/16 polegadas (70 cm x 50 cm)© Propriedade de Martin Kippenberger, Galerie Gisela Capitain, Colônia
“Arte das Formas e Arte das Formações” foi escrito por Theon Spanudis (1915-19
médico psicanalista, de origem grega, que se mudou para o Brasil em 1950.
também poeta e crítico de arte, e foi um dos primeiros a valorizar obras de art
como Volpi e Mira Schendel, formando uma importante coleção que foi doadMAC-USP em 1979. Esse texto, trata-se de uma reflexão, e para o pesquisador
documento de grande interesse por ser um testemunho de época assinado por alg
com envolvimento pessoal nos acontecimentos em curso, com preferências esté
definidas e posicionamentos teóricos assumidos, porém disposto a transpor barr
e colocar em debate tendências artísticas.
| “Arte das Formas e Arte das Formaçõesescrito por Theon Spanudis (1915-1986), m
psicanalista, de origem grega, que mudou-seo Brasil em 1950. Era também poeta e crítiarte, e foi um dos primeiros a valorizar obraartistas como Volpi e Mira Schendel, formuma importante coleção que foi doadMAC-USP em 1979. Esse texto, trata-se dereflexão, e para o pesquisador um documen
grande interesse por ser um testemunho de éassinado por alguém com envolvimento penos acontecimentos em curso, com preferêestéticas definidas e posicionamentos teónão figurativa crítica de arte neoconcre
participação ativo-criativa |
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011140 REEDIÇÃO | THEON SPAN
como analista didata. Logo se aproximou de
artistas e escritores, começou a colecionar obras
de arte, a reunir vasta biblioteca e a escrever seus
primeiros textos sobre arte. Até 1957 clinicou e
lecionou, sendo indiscutível sua contribuição para
o percurso da psicanálise no Brasil. A partir de
então fechou o consultório definitivamente, para
se dedicar ao que considerava sua verdadeira
vocação: a literatura e as artes.
O gosto por escrever, principalmente pela poesia
concreta, a partir do final dos anos 50, aproximou
Spanudis das ideias do suíço Eugen Gomriger, a
quem creditava os caminhos abertos em relação
ao uso mais limpo e econômico da palavra e ao
emprego do som mais próximo à música e daimagem ao desenho, sem contudo excluir as
possibilidades sensíveis do radicalismo racionalista.
Abraçou conceitos da fenomenologia, relacionados
ao entendimento do tempo e das relações artista/
público/processo criativo, que o afastaram das
posições tomadas pelos artistas concretistas de
São Paulo e o aproximaram dos integrantes do
Grupo Frente, do Rio de Janeiro. O ano de 1959
foi marcado por aspectos significativos em seu
percurso: a assinatura do Manifesto Neoconcreto,
colaboração em eventos do grupo, participação
no Congresso Internacional Extraordinário de
Críticos de Arte da Aica (Brasília, São Paulo e Rio de
Janeiro) em que defendeu a ação dos artistas como
criadores e agentes incentivadores do público
como co-criadores, entendendo a experiência
estética como educação.
Poeta concreto, amante de estruturas, autor de
hinos, tradutor de autores gregos, Spanudisera frequentador assíduo de ateliês, galerias e
exposições. Apreciava a convivência com artistas
e obras de arte, descrevia-se como colecionador
apaixonado, e em seus escritos transparecem o
gosto pelo papel do crítico introdutor do artista e
da arte a seu público. Deixou um grande número
de apresentações em catálogos de exposições e
artigos em periódicos. São textos sobre os grandes
temas da arte, sua história, os acontecimentos
do momento. Autodidata, detentor de vasto
conhecimento, Spanudis tinha visão bastante
particular das questões da arte, empregava
terminologia própria para a discussão de tópicos
que lhe eram caros e, se considerado diletante por
alguns, era bastante respeitado por outros.
Seu pensamento sobre arte está disperso. Suas
preferências em arte, de maneira mais eloquente
do que em palavras, estão manifestas nas 453 obras
de arte doadas ao Museu de Arte Contemporânea
da USP. Além dos muitos artigos publicados, seu
arquivo legado ao IEB-USP reúne quantidade
ainda maior de originais: alguns esboços para
futuros livros, outros artigos completos, algumas
ideias a desenvolver, conferências proferidas e
cursos já ministrados ou planejados.
“A arte das formas e a arte das formações”
é um desses originais, provavelmente de
princípios dos anos 60. Não há indicações de
suas intenções quanto a ter sido escrito para
publicação em catálogo de artista, em coleção
de ensaios, como esboço para um futuro livro,
como texto de palestra. Para o pesquisador
é documento de grande interesse por ser
testemunho de época assinado por alguém
com envolvimento pessoal nos acontecimentos
em curso, com preferências estéticas definidas
e posicionamentos teóricos assumidos, porém
disposto a transpor barreiras e colocar emdebate tendências artísticas, em muitos
momentos convertidas em arenas de combate.
Trata-se de reflexão de época, sobre duas das
muitas tendências de arte de seu tempo, que, no
primeiro parágrafo, apresenta como sendo então
foco de debate apaixonado.
Com habilidade, denomina as correntes analisadas
arte das formas e arte das formações. Por arte
das formas abrange as tendências que operam
“com ideias e elementos formais de antemão
controláveis, ou seja, ideias e formas matemáticas
e geométricas”. Por arte das formações, descreve
a intenção “de atingir na obra de arte a suposta
naturalidade do acaso, evitando sistematicamente
qualquer manifestação que demonstre controle
ou a vontade de um controle consciente” em sua
elaboração. Evidencia existirem diversos ramos de
uma e outra tendência, localizando nos e xtremos
os radicalismos dos debates.
Seu tom é conciliador, uma vez que se propõe a
verificar se as duas tendências seriam realmente
tão antagônicas como postulado por “seus
representantes e não menos pelos seus críticos
partidários”. Propunha-se a avaliar a existência
de “pontos de interferência, aproximação e
convergência” que não justificassem, “em última
análise, toda essa turbulência polêmica”.
É peculiaridade do texto o modo a que se refere
às duas tendências abordadas, discutindo
contribuições e associações, sem estabelecer
polaridades. Cumpre também observar sua análise
do embate de tais manifestações como fruto do
presente e, citando a alusão feita por Herbert Read,
das ideias de Wörriger, por considerar anacrônicas
quaisquer tentativas de interpretação do confronto.
Na verdade, Spanudis propõe reflexão bastante
pessoal sobre questões relacionadas à formação das
estruturas, suas superações e a participação de artistase público no processo de constituição das obras de
arte, ou seja, os caminhos do Neoconcretismo.
Maria Izabel Branco Ribeiro é doutora e mestre
em história da arte pela ECA-USP, tendo defendido
a tese Construtivismo fabulador: uma pro
de análise da coleção Spanudis, e graduad
educação artística pela FAAP-SP, onde le
história da arte; diretora do Museu de
Brasileira – FAAP- SP; curadora de exposiçõ
arte e pesquisadora em história da arte.
Arte das formas e arte das formaç
Theon Spanudis
Dentro das inúmeras manifestações da
contemporânea, duas são as tendências prin
que tomam posições de extremo antagonismo
demarcam as fronteiras entre as quais se deseo panorama da arte contemporânea com as
múltiplas orientações, às vezes intermediárias en
duas correntes opostas. E em volta dessas tend
de extrema oposição é que se desenvolve o deba
crítica contemporânea. Frequentemente tão vio
e apaixonado como há anos atrás quando
debates em torno da arte figurativa e não figura
O objetivo deste artigo é examinar de fato se
duas tendências são assim tão antagônicas
apresentadas pelos seus representantes e não m
pelos seus críticos partidários. Ou, ainda, se ex
pontos de interferência, aproximação e converg
que não justificam, em última análise, toda
turbulência polêmica.
As duas correntes em exame, ora apresentada
as seguintes:
1ª) aquela que parte de e opera
ideias e elementos formais de antcontroláveis, ou seja, ideias e fo
matemáticas e geométricas. Caracte
desta tendência é o exercício do con
consciente, ou a vontade de con
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011142 REEDIÇÃO | THEON SPAN
conscientemente a produção artística
excluindo ao máximo possível (ou ao
quanto for possível) o fator acaso.
2ª) aquela que tem como objetivo atingir
na obra de arte a suposta naturalidade
do acaso, evitando sistematicamente
qualquer manifestação que demonstre
controle ou a vontade de um controle
consciente na elaboração da obra. Neste
segundo caso, poderíamos dizer que todo
controle consciente (que naturalmente
existe e opera tanto quanto no caso da
primeira corrente) gasta-se durante a
preparação da obra para então atingir a
sua própria extinção. O objetivo ideal da
primeira corrente seria a autodeterminaçãoe a demonstração do poder da
vontade humana em autocontrolar-se e
autodeterminar-se; uma manifestação
ativa, diríamos. O objetivo ideal da
segunda corrente seria a demonstração do
oposto; de que o homem não difere dos
processos da natureza. Esses processos,
embora regidos por leis, sugerem em nós
a vontade própria e consciente que os cria
e controla. Ainda esta segunda corrente
proclamaria a passividade do homem
(como a suposta passividade da natureza)
como o seu ideal de naturalidade. São
duas atitudes psicológicas opostas –
e aqui gasta toda a sua atividade de
controle consciente para atingir a ilusão
do acaso, e, na primeira corrente (quando
de fato criativa), toda a elaboração
ativa e consciente da obra pressupõeos estados passivos da inspiração. São
dois temperamentos diferentes, com
distribuições e acentuações nas escalas de
valores bem diferentes, se não opostas.
Assim, em vez de chamarmos arte concreta
ou neoconcreta, proporíamos chamá-las de
arte das formas; em vez de tachismo, arte
informal, action painting, etc., proporíamos
chamá-las de arte das formações. Mas
quando falamos de arte das formas, seria
bom frisar, temos em mente somente
aquele tipo de arte em que é feito uso dos
elementos formais geométricos vivenciando-
os apenas como elementos formais, e não
como símbolos. Pois é bem conhecido o
fato de que várias manifestações da arte
contemporânea utilizam-se das formas
geométricas principalmente pelas suas
possibilidades simbólicas.
Apesar de todas estas diferenças de objetivos etambém de temperamentos, achamos que ambas
essas correntes têm muita coisa em comum. Eis
porque propomos, em seguida, tentando um
primeiro levantamento, fixar os pontos de contato
entre elas.
Ao contrário do surrealismo que opera em geral
principalmente pela exploração de assuntos
literários e conteudísticos, ambas as correntes
em questão operam só e unicamente por meios
formais, excluindo toda e qualquer alusão ao
assunto. Elas trabalham com meios estritamente
formais, que são os seus únicos conteúdos Ambas
se restringem em fixar acontecimentos internos
na sua realização formal, evitando qualquer
exploração secundária de alusão conteudística
(imagens, signos, símbolos, etc.). Por assim dizer,
ambas são antiliterárias e antisentimentais e
tendem a uma objetivação formal que é, ao mesmo
tempo, sua única expressão, seu único conteúdo.As alusões à visão do mundo exterior, do mundo
dos objetos, tornam-se inexistentes na obra,
dado o seu caráter de criação interna, da fixação
e realização objetiva de dados e acontecimentos
internos. Então, as semelhanças com a realidade
exterior são meramente ocasionais (isso, quando
as obras de ambas as correntes forem realmente
criativas), e de nenhum modo propositais.
Os pontos em comum acima enumerados já
poderiam claramente recomendar mais cautela aos
críticos nas suas aventuras polêmicas. Naturalmente,
cada crítico, como todo ser humano, deve ter
suas preferências temperamentais, mas em casos
extremos (de estrutura psicológica marcadamente
unilateral) podem elas transformar-se em graves
empecilhos aos seus possíveis leitores, a ponto
de impedir mesmo o vivenciar das produções de
corrente contrária à sua. Neste caso seria preferível o
crítico se limitar ao campo com o qual ele consegue
ter contato vivencial e evitar opiniões sobre outras
correntes alheias, nisso demonstrando, sempre e
somente, as suas próprias limitações. Acusar a arte
das formações de uma suposta facilidade na sua
produção é um típico exemplo de política partidária,
que carece de qualquer objetividade e conteúdo
crítico. Não resta dúvida que a mesma acusação
poderia ser levantada contra a arte das formas.
Assim, ao artista dessa corrente que fosse fraco,
imitador e não bastante criativo, qualquer livro, por
exemplo, de geometria plana forneceria “ideias”
para a fabricação em série de obras desse tipo.
Não menos paradoxais são também os
argumentos de defesa dos críticos de ambas
as correntes. Assim, por exemplo, favorecer
a arte das formas por motivos alheios à arte, –
digamos – por motivos político-sociais (a arte que
ponha em “ordem”, que cultive a “ordem”, que
consequentemente favoreça o “pôr em ordem”dos males político-sociais). Tais pontos de vista
significam um abuso da arte para com outras
finalidades (uma exorbitância da arte dentro de
outros terrenos), criativa, como no caso das artes
politicamente dirigidas que são mais propag
ou “engenhos” de influenciar e manob
opinião pública.
Não menos estranhos são os argum
interpretativos em favor da arte das forma
Uns veem nela a continuação do expression
outros, manifestações e proclamações
desespero existencial e atitudes suicidas, e
por diante, explorando várias vezes expre
abstratas e, à maioria das vezes, gratuita
próprios artistas.
Assim vemos que todas estas tentativa
interpretação pecam pelo seu anacron
São escritos de críticos fixados no antigo q
projetam no novo. Nem a arte das formasa das formações têm relação alguma tão es
com a arte do passado para permitir este
de interpretações. Dado o caráter estritam
pragmático de sua realização por meios for
apenas de dados e acontecimentos intern
obra, excluem-se de antemão as interpret
somente válidas para as formas antigas de a
No seu livro History of Modern Art, (
Herbert Read utiliza-se das ideias de Worr
numa tentativa interpretativa, para caract
a diferença das duas correntes em ex
Expandindo a hipótese da angústia metafísic
Worringer levantou para uma angústia exist
generalizada, típica do homem contempor
Read acha que a arte das formas representa
tentativa de sublimação, e a arte das forma
a aceitação crua e realística desta ang
existencial, daí o caráter dramático dos
produtos. Read parece esquecer que as ideiWorringer não passam de mera hipótese úti
dúvida para facilitar a aceitação, naquele te
de uma arte não figurativa. Típico produt
mentalidade ocidental que, enraizada nos
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011144 REEDIÇÃO | THEON SPAN
naturalísticos de séculos de arte, precisava levantar
hipóteses psicológicas para explicar as possibilidades
de uma arte não-naturalística. Não resta dúvida
de que as hipóteses de Worringer não resistiriam,
hoje em dia, ao menor exame sério e objetivo. Pode
ser que Read se utilize dessas ideias com o mesmo
objetivo de Worringer: para facilitar a aceitação
da arte não-figurativa. Por outro lado, ele facilita
também toda essa avalanche. de interpretações à
base de psicologismos gratuitos e anacrônicos de
uma crítica que ora vê na arte das formas expressões
monumentais, ora vê na arte das formações dramas
de desintegração, suicídios e sabe-se lá o que mais.
Na verdade ambas as correntes, nos seus momentos
de boa criatividade, apresentam as características
da criatividade em geral: o vivo, com toda acomplexidade e dinâmica do mesmo.
Existem, entretanto, em ambos os campos
algumas demonstrações, ao nosso v er, possuidoras
de uma tal convergência, pelo menos nos seus
efeitos finais, que merecem uma atenção toda
especial. Temos em mente aquele ramo da arte
das formações que, desinteressado no resultado
formal final e numa exploração secundária do
mesmo (seja no sentido decorativo, simbólico,
literário, etc.), limita-se ao ato da formação,
apenas ganhando com isso aspectos dinâmicos de
uma ação perpétua (que tende a uma finalização
mas que nunca se finaliza).
Como exemplo típico desta tendência,
consideraríamos o japonês Shiryû Morita que,
embora vindo da tradição caligráfica, na maioria
dos seus trabalhos expostos na V Bienal de São
Paulo, não demonstrava mais o ideograma
como ponto de partida. Mas, mesmo que odemonstrasse (como no caso de Nankoku Hidai),
não teria a menor importância, uma vez que o
ideograma não é mais vivido e preservado como
tal (ou seja: com toda a sua carga de significações)
mas apenas utilizado como mero ponto de partida
formal e, às vezes, até ocasional . O essencial neste
tipo de arte é o próprio ato formativo e o seu
tempo perpétuo, dado que a formação não chega
a um resultado formal final.
E algo semelhante parece-nos acontecer no
campo da arte das formas, a saber: aquele ramo
que, partindo do concretismo, superou a noção
racionalística de estrutura e que corresponderia
ao resultado formal último da arte das formações.
Trata-se da arte neoconcreta. O movimento
neoconcreto surgiu em fins de 1958, principalmente
pela iniciativa e insistência da artista Lygia Clark.
O movimento, em seu manifesto, tomou posição
somente contra o ramo racionalista da arte
concreta e a favor daquele ramo da arte concreta
que, embora não menos sistemático e controlável,
conseguiu produções com a expressividade
do vivo. Por isto o movimento incluiu também
artistas essencialmente concretos que sempre
alcançaram em sua obra a expressividade do vivo.
Naturalmente, essa tomada de posição somente
não justificaria chamar o movimento de neo-
concreto, uma vez que sempre existiu uma arte
concreta expressiva ao lado de uma arte concreta
inexpressiva, que se limitava em concretizar
realidades matemáticas, muitas vezes até de
origem externa à obra. Quando nas reuniões
neoconcretas, tínhamos em mente justamente
o “novo” que esses artistas trouxeram na sua
obra (por exemplo: a superação da racionalística
de estrutura em arte) e esperávamos que, mais
cedo ou mais tarde, esse “novo” fosse se definir
teoricamente, mesmo para justificar o nome de
“neo”. Infelizmente isso não se deu.
Em todas as obras plásticas e literárias
neoconcretas encontramos, como denominador
comum, a superação da noção de estrutura
(como racionalisticamente definida) e, com isso,
Luiz SacilottoSem título,1956esmalte sintético sobre madeira 29,7 x 50,1cmDoação Theon SpanudisFoto: Romuo FialdiniColeção Museu de Arte Cintemporânea da Universidade de São Paulo “Retângu
esmalte sintético sobre mDoa
Coleção Museu de Arte Cintemporânea da Univer
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011146 REEDIÇÃO | THEON SPAN
a libertação e manifestação plena do tempo
orgânico, interior, vivencial, que é, ao mesmo
tempo, criativo e que se tornou, por assim dizer, o
conteúdo principal da arte neoconcreta.
É neste ponto que vemos a sua convergência
com aquele ramo da arte das formações, de que
falávamos anteriormente. Em ambos os casos,
o que acontece é a captação e realização do
tempo interior, do tempo de um acontecimento
interior, do tempo de um acontecimento interior-
vivencial, do tempo orgânico-criativo. Daí o
caráter dinâmico destas obras, que supera o
momento estático das estruturas e dos resultadosformais finais, o dinamismo tempórico perpétuo
que nunca se finaliza e que obriga o espectador
a uma participação ativo-criativa no processo de
tentar finalizar a ação que nunca se finaliza. A
finalização seria a estrutura acabada e, por isto,
estática; seria o resultado formal final.
A única diferença, em ambos os casos, é o ponto
de partida. O neoconcretismo parte dos elementos
formais controláveis, e o ramo da arte das formações
em questão parte dos elementos formais ocasionais.
O momento da convergência ou até identidade
é o caráter tempórico-dinâmico da captação e
realização do tempo de formação, do tempo
orgânico-vivencial-criativo. Idêntica é, também, a
exigência absoluta da participação ativo-criativa do
espectador na sua tentativa perpétua de finalizar o
ato permanentemente em ação.
Achamos justo terminar estas constatações
examinando o novo desenvolvimento da artistaLygia Clark, que a nosso entender conseguiu
fundir estas duas tendências convergentes em algo
novo e inédito até agora. Da fase das superfícies
moduladas (que era ainda pintura), passou à fase
das superfícies sobrepostas (relevos) em que os
problemas plásticos da fase anterior entraram em
plena e real tridimensionalidade, desvirtuando-se
em parte com esta medida (a obra então realiza
na realidade aquilo que nas obras da fase anterior
o espectador tinha de realizar mentalmente)
e enriquecendo-se em parte com novos tipos
de participação ativo-criativa do espectador.
Participações não mais do tipo visual-mental
como anteriormente, mas mesmo do tipo tátil. Da
fase das superfícies sobrepostas a obra de Lygia
Clark chegou à fase atual de esculturas polifásicas
e politempóricas. Tais peças requerem novas
formulações teóricas devido ao seu caráter inédito
até agora. A nossa formulação do neoconcretismo
como superação da estrutura não bastaria paraexplicar teoricamente estas suas novas realizações.
A participação ativo-criativa do espectador passou
do plano visual-mental para o plano manual
também. Mas, considerando a multiplicidade
das fases e dos possíveis desenvolvim
tempóricos que cada obra contém (isto d
de certos limites, naturalmente), como tam
a reversibilidade desses processos (a particip
ativo-criativa do espectador fica desnortead
ela não ser mais condicionada, como numa
neoconcreta, para agir somente numa di
determinada) é que entra realmente em jo
fator acaso em meio a essa participação
criativa do espectador. Mas, neste caso a
de arte ganha uma independência em re
ao espectador que a transforma num ser
independente de nós. Se a característica de
obra neoconcreta é a exigência absoluta de
participação ativo-criativa do espectador par
a obra fosse criada nas novas obras de Lygiaa participação é necessária somente para r
as várias possibilidades de desenvolvim
formais e tempóricos (mesmo assim pelo
acaso), mas não é mais a conditio sine
non da criação da obra. A obra como tal,
toda esta riqueza de possibilidades virtu
reais, existe como um ser independent
nós, como um ser vivo e misterioso diant
espectador. Somente nessas modernas máq
computadoras eletrônicas, que funcionam q
que independentes de nós e do nosso con
é que veríamos um paralelo com as novas
de Lygia Clark. Tais obras deixaram nesta ú
fase, a nosso ver, a fundir as duas corr
convergentes. As suas esculturas são ao m
tempo arte das formas e arte das formações,
do fato (inédito até agora na arte contempor
de uma independência, quase que comple
obra de arte para com o espectador e que
se baseia na atemporalidade estática, das artes plásticas tradicionais, porém
atemporalidade dinâmica que provém da
de tantas possibilidades “tempóricas” con
dentro da obra de arte.
Sem título,1953óleo sobre tela 53,5 x 64,6cmDoação Theon SpanudisFoto: ???????Coleção Museu de ArteContemporânea daUniversidade de São Paulo
em título, 1953eo sobre tela 50 x 60,2cmoação Theon Spanudisto: Romulo Fialdini
oleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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TEMÁTICAS | ISABELLE G
Introdução
A própria decisão de colocar um conceito como
“crítica institucional” na pauta de discussão
do segundo SoCCAS (Simpósio do Los Angeles
County Museum of Art) em junho de 2005 já
defronta tanto o apresentador quanto o público
com inumeráveis problemas. Isso não se deve
apenas ao fato de os termos, conceitos e territórios
da crítica institucional serem historicamente
carregados e calorosamente disputados, mas
também porque eles funcionam como designação
para um tipo de arte que em geral se supõe ter
função epistemológica. A crítica institucional
supostamente “critica” (sinônimos relacionadosna literatura, nesse sentido, incluem “analisa”,
“revela” e “expõe”) tanto um lugar institucional,
literalmente (um museu ou espaço de galeria,
ALÉM DA CRÍTICA INSTITUCIONAL
Isabelle G
Isabelle Graw institucrítica cân
Neste texto, Isabelle Graw pontua separadamente os problemas das terminolo
“crítica” e “instituição” e como ambas compõem uma expressão engessada e
compreendida historicamente. Interroga-se, então, como essa junção leva a
diluição de sentido na contemporaneidade – sobretudo a crítica prefere canoniz
termo, bem como os artistas que foram por ele rotulados, como Daniel Buren, H
Haacke, Michael Asher e Marcel Broodthaers. Tal atitude afasta novas possibilid
de questionar o âmbito institucional e de permitir que essas mesmas institui
atuem criticamente.
Martin Kippenberger Candidature à une rétrospective (Candidatura a uma retrospectiva), 1993Primeira versão, foto de grupo, Martin Kippenberger 40º aniversário - Litografia offset27 16/09 x 19 11/16 polegadas (70 cm x 50 cm)© Propriedade de Martin Kippenberger, Galerie Gisela Capitain, Colônia
etc.) quanto algum outro aspecto mais ampconfinamento institucional. Poderíamos co
de outra forma. O conceito de crítica instituc
tal como aplicado à arte é baseado na supo
BEYOND INSTITUTIONAL CRITICS | In thisIsabelle Graw points out separately the probof the terms “critics” and “institution” andboth comprise a historically misunderand hidebound expression. So she asks this combination leads to a diluted meanicontemporaneity – especially the critics pto canonize the term, and the artists that labeled by it, namely Daniel Buren, Hans HaMichael Asher and Marcel Broodthaers.atitutde distances new possibilities of questithe institutional sphare and permitting
same institutions to act critically. | Isabelle Ginstitution, critics, canon.
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011150 TEMÁTICAS | ISABELLE G
de que a arte é capaz de fazer alguma coisa. A
dificuldade desse termo reside, portanto, em
ser descritivo e normativo ao mesmo tempo.
Enquanto nos permite pensar sobre o potencial
da arte, ele tende, também, a confinar a arte à
função supostamente crítica. Quero sugerir que
um resultado da dupla ação dos pressupostos e
contextos da crítica institucional seja ficar a arte
sobrecarregada e, em certa medida, esgotada.
Até mesmo as origens da expressão crítica
institucional são controversas. Terá aparecido pela
primeira vez num texto de Andrea Fraser sobre
Louise Lawer escrito em 1985, no qual ela sugeriu
que as abordagens de artistas como Marcel
Broodthaers, Daniel Buren ou Hans Haacke, ainda
que diferentes em estilos e materiais, estavamtodas em débito com a “crítica institucional”?1
Ou foram os escritos de Benjamin Buchloh os
principais responsáveis pelo estabelecimento dos
parâmetros dessa expressão, que ele usou no título
− e como tema − d e um importante ensaio sobre
a arte conceitual, “Da estética da administração
à crítica institucional”? Buchloh certamente
contribuiu para a construção das figuras canônicas
associadas ao movimento ou, melhor, ele ajudou
a garantir que a crítica institucional estivesse
associada a seus suspeitos usuais − Daniel Buren,
Hans Haacke, Michel Asher e Marcel Broodthaers.2
Testemunhas oculares questionadas a respeito de
quais artistas tiveram seus trabalhos arrolados sob
esse rótulo em sua maior parte não se lembrariam
de quando exatamente ouviram a expressão pela
primeira vez, ou quem em particular a colocou
em circulação. Talvez Christopher Williams esteja
certo. Entrevistado num filme recente de RenéeGreen, ele deu a seguinte explicação, levemente
temperada com teoria da conspiração: a expressão
foi propagada primeiro pelo Whitney Independent
Studies Program e começou a conquistar o
mundo desde então – a partir de Nova York
(…) e daí em diante. Embora essa teoria tenha
méritos como especulação histórica, a expressão
foi reapropriada no início da década de 1990 por
uma geração mais jovem de artistas, cujo trabalho
pode ser lido como uma série de diferentes
tentativas no sentido de continuar a rever algumas
das premissas da crítica institucional.3
A questão será tratada em três partes.
Primeiramente, considerarei as dificuldades
terminológicas contidas na expressão crítica
institucional, apontando para os limites desse
conceito/prática, insistindo simultaneamente nas
ideias e realizações históricas que ele mediou.
Em segundo lugar, discutirei a institucionalização
da crítica institucional, abordando a violênciaestrutural do rígido, e naturalmente excludente,
cânone que ela gerou. Opto, sempre, pela
necessidade de considerações situacionais, porque
certamente há momentos e locais, como na esfera
comercial do mundo da arte, em que se torna
absolutamente necessário insistir nas ideias mais
fundamentais da crítica institucional. Devo ressaltar
algumas delas: a de que o valor não é intrínseco
à obra de arte, sendo-lhe antes atribuído através
de operações financeiras; a de que a produção
e outros contextos de uma obra de arte são
necessariamente interiorizados e expressados como
parte de sua significação ou, mais simplesmente,
que faz diferença o fato de museus públicos serem
geridos por administradores.
É claro que existem outros tempos e circunstâncias
− digamos, nos circuitos internacionais com
base em projetos das Manifestas e Bienais −
em que as coisas ficam mais complicadas. Aquimuitos curadores, instituições, teóricos e artistas,
implicitamente ou não, se identificaram com as
várias premissas da crítica institucional. Basta
pensar no modo como as investigações “críticas”
são aceitas por certos curadores − ou por
todas as publicações em que a “criticalidade” é
apresentada de forma esquemática e atribuída,
como se fosse quase autoevidente, a este ou
aquele trabalho de arte.4 Como, porém, essa
criticalidade é geralmente afirmada, em vez de
ser definida, e assumida, em vez de ser criado um
modo operacional específico, o resultado costuma
ser a neutralização das próprias possibilidades
de prática artística realmente crítica – crítica no
sentido de levantar objeções e gerar q uestões em
uma situação particular.
Ao confrontar tal neutralização, parece necessário
analisar como as competências artísticas
geralmente associadas à crítica institucional
(pesquisa, trabalho de equipe, assunção pessoaldos riscos, e assim por diante) alimentam, às veze s
bastante perfeitamente, aquilo que os sociólogos
Luc Boltanski e Ève Chiapello descreveram como
“o novo espírito do capitalismo”.5 Por outro
lado, simplesmente insistir no potencial da crítica
institucional ou apontar seus limites não é o
suficiente. Sob a luz do novo poder de definição
do mercado de arte e as atuais mudanças
estruturais no que antes era chamado de “mundo
da arte”, proponho deixar ambas as dificuldades
terminológicas e o cânone para trás a fim de
− na última seção, adiante − tentar formular
uma redefinição do que “instituição” e “crítica”
poderiam e podem significar hoje.
Dificuldades terminológicas
No Dicionário Dumont de Termos da Arte
Contemporânea,6 crítica institucional é descritapor Johannes Meinhardt como atitude a favor
da arte. De acordo com Meinhardt, essa atitude
pode ser encontrada em “trabalhos de arte
e procedimentos estéticos que investigam
analiticamente as condições de enquadram
institucionais e sociais”.7 Tal definição lanç
sobre os problemas inerentes ao conceito e
realizações. Ao assumir a capacidade de inve
ativamente algo, quando definida dessa ma
a crítica institucional implica a funcionali
da arte. É certo que as funções epistemoló
têm sido frequentemente projetadas, de f
bastante estereotipada, sobre as práticas artí
classificadas sob a rubrica crítica instituc
“Arte” ou “obra de arte” são rotineiram
substituídas por “intervenção” ou “proposi
descrições que pressupõem orientação func
Essa renomeação, entretanto, é faca de
gumes. Há, por um lado, a vantagem ine
de permitir que nos livremos de uma noçãarte idealista, substancialista e restritiva
insistir numa legibilidade inscritível da arte
relação atual da arte com as condições soc
na possibilidade concomitante de renegoci
Essa é uma visão à qual sou bastante ligada
considero necessidade histórica e política qu
se pode aband onar.
Por outro lado, há certo reducion
operando quando as funções críticas, tais
“investigação” ou “análise” são reivindicadas
as obras mediante generalizações infund
e sem o exame de como e quando a su
“investigação” ou “análise” ou “negocia
tomam o lugar do trabalho. Seguir essa qu
sugere que mesmo o readymade, essa
sagrada, se torna inconsistente, entendido,
geralmente é, como a cena primária da c
institucional e por consequência interpre
nos termos de Meinhardt, como um “examcondições de enquadramento instituciona
discursivo”8. Olhando melhor, se o ready
é um mecanismo de delimitação de tipo
também manifesta aspectos específico
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011152 TEMÁTICAS | ISABELLE G
sensibilidade artística de Duchamp, apresentando-
se como o resultado de uma escolha que é pessoal
e específica – e não simplesmente arbitrária, como
muitas vezes se alega. Elementos do processo do
readymade até mesmo se aproximam da ideia de
uma assinatura artística. Da mesma forma, não
poderia o trabalho Measurement room (1967), de
Mel Bochner, ser considerado não apenas análise
da “realidade material das paredes da galeria
como dispositivo de enquadramento”, como
Miwon Kwon argumentou, mas também literal
intensificação de seus parâmetros, uma espécie
de “homenagem” às condições materiais e às
proporções do espaço da galeria?9
Contudo, talvez certa dose de reducionismo seja o
preço necessário a pagar quando se quer romper
com um sistema dominante de crenças que ainda
insiste em que só as qualidades supostamente
intrínsecas da arte justificam seu valor. Um
trabalho como Manet Projekt (1974), de Hans
Haacke, é mais atual do que nunca quando
demonstra o processo de construção de valor
como uma sucessão de operações financeiras
entre uma sequência de proprietários. Tão
importante quanto isso é insistir sobre a relevância
de fatores externos que se anexam às obras e
através delas são negociados, essa necessidade
estratégica que passou por transformação e agora
serve com frequência como licença para reduzir
proposições artísticas complexas a uma função
epistemológica ou significado aparentemente
inequívocos. A arte supostamente deveria
“negociar” questões, “investigar” ou “intervir”
− e essas funções epistemológicas são sobre ela
projetadas de maneira esquemática como assuntode fato abordável. Mais uma vez, é só dar uma
olhada em alguns dos inúmeros exemplos de
publicações distribuídas por galerias, museus e
outras instituições para aprender a lição de que,
quanto mais as funções da crítica atribuídas ao
trabalho de arte parecem autoevidentes, melhor
será seu valor promocional.
Há trabalhos que facilitam tais rotulagens críticas
– basta pensar na atual popularidade de Santiago
Sierra. Esse problema está longe de ser nov o – tem
sido amplamente discutido desde o final dos anos
90, por artistas e por críticos. Os críticos reagiram
levando mais em conta o vocabulário estético-
formal. Argumentaram a favor de significados
móveis, o que causou novos problemas, dados o
alto nível de abstração dessa escolha e a sintonia
com o interesse geral do mercado por uma segu nda
ordem, um quase sublime neoformalismo. Os
artistas reagiram tornando suas proposições maispoéticas, multifacetadas ou obscuras, o que traz a
desvantagem de às vezes deixar o trabalho quase
fora de contexto e sem conteúdo.
A instituição dentro de nós
A expressão crítica institucional é, em si, uma
construção paradoxal já que sugere a crítica de
uma instituição que é em si institucional – uma
crítica não apenas dirigida às instituições e seus
críticos, mas também uma crítica da natureza
institucional, por assim dizer. O duplo panorama
dessa crítica nos faz lembrar duas coisas – o
entrelaçamento profundo entre artistas e
instituições, e o grau em que as instituições têm
determinado a forma ou o sentido das obras
feitas especialmente para ou sobre elas. Pode-se
até chegar a dizer que as instituições apresentam
o caminho aos artistas.A institucionalização progressiva de obras
identificadas com a crítica institucional é
questão que com frequência tem preocupado
os artistas. Buren apresentou incisiva reflexão
em 1980, em que o problema não consistia no
fato de a instituição impedir o acontecimento de
experimentações, mas, antes, incentivar os artistas
a produzir obras que com ela se assemelhassem
ou se conformassem, sendo assim facilmente
aceitas.10 Quando o curador Yves Aupetitallot
pediu a alguns artistas que produzissem obras
para um local específico, o Firminy Project na
“Unité d’habitation” de Le Corbusier, em Firminy,
na França (1993), lembro-me de v árias discussões
entre artistas e críticos sobre o que significava ser
bem acolhido pela instituição e educadamente
convidado (e pago) para examinar criticamente
um local e interagir socialmente com e le. Uma das
perspectivas pressupunha abrangente cooptação,
uma totalização que levaria à paralisia total.(Uma observação: o termo “cooptação” é em si
problemático, pois implica a existência de um
estado puro ou inocente “antes” da cooptação –
o que é, naturalmente, ficção.) Em outra parte,
as tentativas mais produtivas caminharam no
sentido de renegociar as novas restrições e novas
liberdades que resultaram do avarento mercado
por conhecimento e informação – um mercado
que, às vezes coexiste, às vezes se sobrepõe, e
quase sempre não tem nada a ver com o que
acontece na esfera comercial.
Na década de 1990 surgiu um novo tipo de
instituição de arte, incluindo Depot em Viena ou
Kunstraum Lüneburg – claramente identificadas
com alguns dos princípios associados à
crítica institucional. Ao optar por “pesquisa”,
“documentação”, “trabalho em equipe”,
“ausência de hierarquia”, “transparência” ou
“discussão”, seus métodos de trabalho foram,ao mesmo tempo, completamente coniventes
com os valores neoliberais. Esse foi especialmente
o caso, com essa ênfase na comunicação, que
correspondeu à tendência da indústria cultural de
transformar a “capacidade comunicativa hu
em mercadoria”, como observa Paolo Vi
Recordo meu crescente ceticismo sobre o pot
crítico da chamada “prática pós-ateliê”. Com
a olhar para modelos artísticos mais tradicio
aparentemente conservadores, como o p
obcecado no ateliê, que recusa explicações
se relaciona, nunca viaja, raramente ap
em público e, portanto, recusa o espetácu
acesso direto a suas competências cogniti
emocionais. Diante da tendência do capita
de englobar todas as pessoas e ao mesmo te
incentivar a investigação crítica, parecia-me
estratégia valiosa novamente produzir
altamente mediadas pelo ateliê, que, pelo m
teoricamente, não admite acesso direto.
Embora seja verdade que algumas instituiçõ
arte adotaram a crítica institucional, eu certam
não chegaria a ponto de sugerir que isso
completamente inútil para qualquer “exe
crítico” dentro delas, como Olafur Elia
colocou de forma bastante condescendent
recente conversa com Daniel Buren.12 De
que simplesmente não é esse o caso em que
há um ‘lá fora’” ou que até mesmo a propo
mais ultrajante, inevitavelmente, será abso
pelas instituições, conforme Buren e Eli
parecem acreditar. Pelo contrário, há alg
proposições que permanecem “fora”. A fi
construir uma instituição (o termo “institu
deriva etimologicamente de “instalação”, o
significa montar ou colocar em) um ex
constitutivo não é apenas necessário,
inevitável. Algumas coisas vão ser sempre dei
de fora, muitas vezes, de modo delibeestruturalmente falando, cada centro produ
periferia. Além disso, se levarmos em conta q
instituições de arte têm praticamente transm
a autoridade para o novo mercado de arte
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011154
é raro artistas associados à crítica institucional
alcançarem posições importantes na esfera
comercial, chegamos à conclusão de que não há
nenhuma razão para despejar o bebê junto com
a água da banheira. Eu optaria pela seguinte
abordagem: insistir no potencial investigativo da
crítica institucional, especialmente em face da
nova entidade empresarial do museu, enquanto
se trabalha em novas e mais adequadas definições
de “instituição” e “crítica”.
Outro cânone
A história e as realizações da crítica institucional
devem ser consideradas neste momento
canonizadas de forma bem-sucedida. Ela possuiuma lista de nomes-chave − os suspeitos de
costume que mencionei − que constam como
seus principais representantes: Daniel Buren,
Michael Asher, Marcel Broodthaers, e Hans
Haacke. Mesmo que eu entenda perfeitamente
a necessidade estratégica de se estabelecer esse
cânone, me parece um tanto surpreendente q ue a
lista seja quase inconscientemente reproduzida e
raramente modificada pelos jovens historiadores
da arte. Na verdade, esse rol de protagonistas
tem sido iterado e petrificado em detrimento
de muitos artistas cujos métodos de trabalho −
independente da forma que suas investigações
possam tomar − também poderiam ser descritos
como métodos de questionamento ou mesmo
de ataque à instituição de arte, especialmente
se contêm todo um sistema de crenças. Por
exemplo, parece ser uma regra não definida no
cerne da narrativa histórica da arte dominante,
pelo menos, que a crítica institucional não possa
se manifestar na pintura.
Gostaria de propor, ao contrário, que os
primeiros trabalhos de Jörg Immendorff sejam
bons candidatos para inclusão no cânone, já
que expõem a falência da tradição da “arte” ou
do “artista”. Sua própria ambição desesperada
para ser ao mesmo tempo bem-sucedido e
politicamente responsável foi impiedosamente
tematizada em seu livro de artista Hier und Jetzt:
Das tun, was zu tun ist .13 Ele estava tão envolvido
com a luta política quanto irremediavelmente
comprometido com o sistema de galerias.
Podemos também considerar algumas das
proposições de Martin Kippenberger, atualmente
o sujeito de quase santificada canonização
como o pai da pintura figurativa no mundo
inteiro. Quando convidado para expor no Centre
Pompidou, em 1993, ele intitulou sua exposição
Candidature à une retrospective, desafiando
diretamente e zombando da instituição de arte
e sua política de reconhecimento. Em vez de
esperar até ser considerado suficientemente
importante para uma retrospectiva de grande
porte, optou por uma estratégia mais agressiva e
discreta. Sua ousada iniciativa questionou o papel
regulador da instituição de arte, sua ambição de
recompensar “bons” artistas que “mereceram”
e “trabalharam arduamente”, e em simultâneo
atacou a grande illusio do mundo da arte − termo
de Pierre Bourdieu para o investimento coletivo e
crença em todo um sistema de valores de uma
estrutura.14 Kippenberger propôs que algo mais,
de modo geral, poderia estar em jogo, uma vez
que ele insistiu em um conjunto de outros − não
menos duvidosos − critérios de valorização, que
costumam permanecer ocultos. O convite trazia
a imagem de seu círculo de amigos íntimos e
admiradores reunidos por ocasião de seu 40ºaniversário. Embora ele se apresente como uma
espécie de “artista dos artistas” que não precisa
de reconhecimento institucional, esse convite
exibe as redes informais e leis de proteção queCapa do livro: Jörg Immendorff, Hier und Jetzt: Das tun, was zu tun ist (Materialien zur Diskussion: Kunst im politischen Kampf. Auf welcher Seite stehst Du,Kunstschaffender?), Colônia/Nova York: König, 1973228 páginas 21 x 30cmFonte: http://www.flickr.com/photos/desingel/4203026541/
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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definem a vida como um “mundo de conexões”.15
Tais acordos informais são raramente expostos,
embora muitas vezes legitimem a política
cultural oficial. (Outra observação: o próprio
Kippenberger foi profundamente influenciado
por artistas como Louise Lawler e Andrea
Fraser, cujos trabalhos podem ser considerados
lembrete constante do fato de que não são
apenas as supostas qualidades intrínsecas da arte
que levam a seu reconhecimento institucional,
mas uma interação de atividades promocionais,
sociais e institucionais).
Quando o antigo mundo da arte se transfor-
ma em indústria visual
As dificuldades certamente não param por aqui.
A expressão crítica institucional coloca novos
problemas, pois os dois conceitos que se fundem
têm, um e outro, sua própria carga histórica:
“instituição”, por um lado, e “crítica”, por outro.
Consideremos o breve histórico das inflexões do
termo “instituição” em apenas um segmento
social, o mundo da arte. Correndo o risco de
simplificar demais, gostaria de esboçar o que
se segue. Dois entendimentos convergentes de
“instituição” atravessaram os anos formadores
da crítica institucional na década de 1970:
primeiro, uma designação bastante limitada de
instituição como instituição de arte (museus,
galerias) exemplificada nas abordagens de Buren
e Asher. Lendo os textos de Buren, por exemplo,
percebe-se que para ele “instituição” sempre
foi sinônimo de “museu”. Essa noção restritiva
implica compreensão topográfica, que tem a
inegável vantagem de permitir intervenções muito
concretas e precisamente circunscritas. Quando
Buren refletiu sobre a “função do museu”, como
denominou, ele analisou a forma como o museu
define, valida, enquadra, isola, exclui e naturaliza.
Útil com esse sentido, tal noção limitada facilitou
a fixação sobre o mecanismo da arte, ignorando
o fato de que não só se mudou a natureza do
termo, mas também que ele perdeu muito
de sua antiga autoridade. Essa fixação sobre
o mecanismo da arte parece estranhamente
nostálgica hoje, de modo especial em relação ao
novo poder de definição do mercado de arte, que
tomou o comando dos museus como principais
gestores de valor em rede cujas transações globais
nos mercados primário e secundário são quase
sempre invisíveis.16
Por outro lado, de forma não tanto topográfica,
noções mais expansivas de instituição estão emcirculação desde os anos 70, como evidenciado
pelo trabalho Journal Series (1976), de John
Knight, por exemplo. Nesse projeto, o artista
enviou assinaturas gratuitas não solicitadas para
membros da comunidade artística, antecipando a
maneira pela qual a lei da cultura de celebridades
e as regras da indústria de entretenimento
se alojam no mundo da arte atualmente No
momento, somos confrontados com uma situação
em que o modelo do sistema de galerias com sua
estrutura de comércio varejista foi substituído
por fusões globais de grande porte, como a
“Houses & Wirth & Zwirner” ou a “Gagosian”. O
antigo mundo da arte tornou-se o que podemos
denominar “indústria visual” vagamente similar a
outras indústrias culturais, como a de Hollywood
ou o mundo da moda, que parece cada vez
mais imitar. O programa da indústria visual
implica a visualidade e seus significados já não
serem produzidos por protagonistas singulares
(artistas, galeristas, curadores). Em vez disso, a
responsabilidade pela produção e distribuição de
imagens e seu conteúdo está nas mãos de entidades
maiores, incluindo franquias internacionais
e conglomerados multinacionais. Estruturas
corporativas não podem mais ser localizadas, já
que atuam no espaço transnacional. Da mesma
forma, as transações no mercado secundário −
decisivas para o valor comercial de uma obra de
arte, ao menos − são pouco compreensíveis. O
novo poder do mercado de arte se manifesta,
então, na substituição de critérios artísticos por
imperativos econômicos. Um artista que se mostre
economicamente bem-sucedido será quase
automaticamente considerado “importante” ou
“interessante” − por galerias, curadores e muitos
críticos. Em contraste com a situação em 1960,
quando o papel das instituições de arte podia ser
decisivo no processo de validação, estamos vivendo
o paradoxo de uma proliferação de instituiçõesde arte que continuam a organizar e acolher a
experiência da arte, caracterizada, segundo Buren,
pela “incrível fraqueza”. Museus são dirigidos por
curadores que tendem a reproduzir o consenso
reinante no mercado de arte − como é constatado
pela coleção de arte contemporânea no Museu de
Arte Moderna de Nova York. Talvez devêssemos
parar de chamá-los de “museus”, já que essa
palavra conota, etimologicamente, sua atribuição
a alguma forma de produção de conhecimento, e
encontrar novo termo.
A palavra “crítica” sofreu mudanças semâ
semelhantes e reconceituações orientadas
a prática. Aos olhos de uma geração ant
como Hans Haacke, o conceito de crítica pa
depender de um ideal de distanciamento c
Artistas mais jovens, incluindo Andrea F
Christian Phillip Müller, Renée Green e F
Armaly (eu mesma estou reproduzindo
cânone, agora), basearam seu trabalho, em p
na consciência de que essa suposição de dist
ou separação entre o agente de entrega da c
e seu suposto objeto sempre foi ficção que
pode e não deve ser reproduzida nas a
circunstâncias. Sua obra propõe uma n
de crítica renegociada com base na adm
de que a “distância crítica” é compromet priori. Além disso, o que a princípio parec
“crítico” pode ser gesto totalmente inofe
em circunstâncias diferentes. Se refletir
os parâmetros institucionais já foi algo q
instituição considerou preocupante, hoje é
aceito, bem-vindo e mesmo apoiado por m
instituições, que ativamente convidam ar
para os investigar. Crítica, em suma, pode to
se uma prática reificada que alimenta o ap
voraz do capitalismo.
Fareed Armaly(re)Orient exhibition, 1989Galerie Lorenz, Paris
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011158 TEMÁTICAS | ISABELLE G
Novas formas de convergência entre crítica e
capitalismo foram analisadas pelos sociólogos
Ève Chiapello e Luc Boltanski em seu poderoso e
ambicioso estudo The New Spirit of Capitalism.17
Sua narrativa, porém, postula novamente uma
visão bastante pessimista e totalizante de um
capitalismo abrangente capaz de absorver
qualquer tentativa de questioná-lo. Correndo o
risco de soar ainda mais prescritiva ao final de
minha discussão, eu gostaria de contrariar essa
visão fatalista, com um apelo para considerações
situacionais. Em determinados momentos e
contextos, se perguntarmos ao cânone dominante,
ou atacarmos o consenso atual, ou insistirmos em
critérios outros que não os interesses econômicos,
ou recusarmos noções subdesenvolvidas decriticalidade, ou mostrarmos como a crítica se
pode tornar instrumentalizada, ou afastarmo-nos
do que Pierre Bourdieu chamou de “espaço de
possibilidades”(...) podemos expandir e deslocar o
horizonte de constituição daquilo que é possível.
Certamente, tais intervenções não impedirão
o funcionamento da máquina capitalista, mas,
insisto, podemos romper com um sistema de
crenças, enquanto participantes – se isso implica
a crença na economia, ou uma crença não menos
duvidosa, mas enfática, na arte. Ambas tendem
a desviar-nos do fato de que algo realmente
está em jogo em certas obras de arte em um
determinado momento. Dessa forma, ao insistir
em “outros critérios”, parece-nos mais adequado
observar a arte da maneira como circula nesse
meio − seja no mercado secundário ou no
mercado do conhecimento − “sem ilusões” (como
Walter Benjamin expôs às vésperas da SegundaGuerra Mundial, enquanto se empenhava para
compreender a obra de Charles Baudelaire).18 Ao
mesmo tempo, no entanto, parece ser necessário
manter uma noção de arte que seja crítica no
sentido de que levanta questionamentos ou
coloca problemas.
Não tenho certeza se crítica institucional é a
expressão correta para tal esforço, já que sua
canonização é tão profunda até agora, que é
difícil imaginar como seus preceitos podem ser
regenerados, e suas formas e seus significados,
reformulados. Talvez o legado da crítica
institucional se encontre em sua exigência de que
levemos em consideração suas lições, a fim de
deixá-las para trás.
Tradução Ana Luísa Flores e Isabel Carneiro
Revisão técnica Dalila Santos
NOTAS
Texto publicado originalmente em:
Isabelle Graw (org.), Institutional Critique
and After (SoCCAS Symposia vol. 2), Zurique:
JRP|Ringier, 2006: 137-151.
1 Andrea Fraser. “In and out of Place”, in Reesa
Greenberg, Bruce W. Ferguson e Sandy Nairne (eds.),
Thinking about Exhibitions, Nova York: Routledge,
1996:437-449; publicado originalmente em Art in
America, junho de 1985:122-129.
2 Benjamin H.D. Buchloh. “From the Aesthetics
of Administration to Institutional Critique”, L’art
conceptuel, une perspective, Muses d’Art moderne
de la Ville de Paris, 1990.
3 “Jugend forscht (Armaly, Dion, Fraser, Müller)”, in
Texte zur Kunst, v. 1, n.1, outono 1990:163-175.
4 Daniel Buren identificou esse desdobramento em
1980: “O problema hoje não é identificar em que
medida a instituição funciona como amortecedor
[literalmente, “pastilha de freio”] sobre as
experiências e trabalhos mas, sim, como conduz
a produção de obras com que tem afinidade,
e que, compreensivelmente, aceita”, in “Rund
um‘Punktesetzen’”, Achtung! Texte 1967-1991,
Dresden/Basileia: Verlag der Kunst, 1995:340.
5 Ver Luc Boltanski e Ève Chiapello. The New Spirit
of Capitalism, trad. Gregory Ell iott, Nova York: Verso,
2005, publicado originalmente como Le Nouvel
Esprit du Capitalisme, Paris: Gallimard, 1999. [O
Novo Espírito do Capitalismo, São Paulo: Martins
Fontes, 2009.]
6 Hubertus Butin (ed.), DuMonts Begriffslexikon
zur zeitgenössis chen Kunst, Colônia: Dumont,
2002. [N.T.]
7 Ver o verbete de Johannes Meinhardt“Institutionskritik” [crítica institucional] in
Hubertus Butin (ed.), DuMonts Begriffslexikon
zur zeitgenössischen Kunst, Colônia: Dumont,
2002:126-130.
8 Ver também Frazer Ward, que caracteriza o
readymade como um “gesto epistemológico” em
“The Haunted Museum: Institutional Critique and
Publicity”, October , v. 73, verão 1995:71-89.
9 Miwon Kwon, “Genealogy of Site Specificity”, One
Place After Another: Site-Specific Art And Locational
Identity, Cambridge: MIT Press, 2004:14.
10 Ver Daniel Buren. “On Institutions in the art
system” in Isabelle Graw (org.), Institutional Critique
and After ( SoCCAS Symposia vol. 2 ), Zurique:
JRP|Ringier, 2006: 340-341.
11 Ver Paolo Virno. A Grammar of the Multitude,
Nova York: Semiotext(e), 2004:61.
12 Daniel Buren, Olafur Eliasson. “Conversation: DanielBuren & Olafur Eliasson”, ArtForum, v. XLIII, n. 9, maio
2005: 208-214. [N.T.]
13 Jörg Immendorff. Hier und Jetzt: Das tun, was zu
tun ist (Materialien zur Diskussion: Kunst im polit
Kampf. Auf welcher Seite stehst Du, Kunstschaffen
Colônia/Nova York: König, 1973. [N.T.]
14 Ver Pierre Bourdieu. “The Illusio and the W
Art as Fetish”, in Rules of Art: Genesis and Stru
of the Literary Field , Stanford: Stanford Univ
Press, 1999:227-230. [ As Regras da Arte: Gên
estrutura do campo literário. São Paulo: Comp
das Letras, 1996.]
15 Ver nota 5. [N.T.]
16 Em sua contribuição para “O Novo Mo
discussão de quatro críticos sobre o novo ed
para o Museu de Arte Moderna de Nova
( Artforum, v. 43, n. 6, fevereiro 2005), Ben
H.D. Buchloh expressa apenas pena para as
de arte contemporânea que “refletem a conf
ingênua de seus criadores em um mecanism
mundo da arte e do museu que aparentem
pretendem habitar, como se os tempos não tive
mudado e como se seu estatuto privilegiad
criadores de ‘arte moderna’, continuasse
incondicionalmente garantido”.
17 Ver nota 5.
18 Walter Benjamin observou “o reconhecim
precoce do mercado, sem ilusões” de Baud
em “The Paris of the Second Empire in Baude
Charles Baudelaire, A Lyric poet In the Era of
Capitalism, trad. Harry Zohn, Nova York: V
1989. [Obras Escolhidas III – Charles Baude
Um Lírico no Auge do Capitalismo. São Paul
Brasiliense, 2004.]
Isabelle Graw é crítica de artes visucofundadora da revista Text zur Kunst , profe
de teoria e história da arte na Universidade de
Artes (Städelschule), em Frankfurt, Alem
onde também criou o Instituto de Crítica de
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011160 TEMÁTICAS | CRAIG OW
Este ensaio apresenta duas abordagens bastante
diferentes da questão da representação – que vem
sendo proposta como de interesse pela arte da
última década, apesar de mal compreendida pela
crítica. Tudo o que tem sido celebrado (e com
rara frequência denunciado) como um retorno à
representação, após a longa noite da abstração
modernista, acaba por ser, em muitas instâncias,
crítica à representação, uma tentativa de usar a
representação contra ela mesma, a fim de de safiar
sua própria autoridade, seu desejo de alcançar
alguma verdade ou valor epistemológico.
A crítica, contudo, tem tributado esse impulso
à ambígua bandeira de um revival das práticas
figurativas de expressão; assim, para uma discussão teórica sobre as questões apontadas pela
contemporânea a esse respeito, precisamos perscrutar outras paragens – por exemplo, o campo eur
da crítica conhecido como pós-estruturalista, cuja produção também vem sendo identificada
crítica à representação.
REPRESENTAÇÃO, APROPRIAÇÃO E PODER
Craig Ow
Representação pós-estruturali
contemporaneidade Craig Ow
Reflexões críticas sobre duas abordagens a respeito da representação: a revision
que coloca em questão a figuração, e a tradicional, que a resgata. Pro
encaminhamento pós-estruturalista da questão, com base em Foucault, Mar
Derrida. Esses pensadores desautorizariam as duas abordagens mencionadas,
entendê-las circunscritas à busca da verdade e ao historicismo, valores epistemológ
considerados ultrapassados pela crítica pós-estruturalista, pois reforçam o pode
propriedade no modo característico de a sociedade ocidental representar o mun
Diego Velázquez, As meninas, detalhe, reflexãono espelho, 1656, óleo sobre tela, Prado, fonte MITlibrary
REPRESENTATION, APPROPRIATION AND PO| Critical reflections on two approacherepresentation: the revisionist, which quesfiguration, and the traditional, which redit. He proposes a post-structuralist on the issue, based on Foucault, MarinDerrida. These scholars would discredittwo aforementioned approaches since understand them as circumscribing the sfor truth and historicism, epistemological vconsidered obsolete by post-structuralist c
since they reinforce power and property in thcharacteristics of how Western society reprethe world. | Representation, post-structuracontemporaneity, Craig Owens.
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011162 TEMÁTICAS | CRAIG OW
A objeção pós-estruturalista à representação está
em desacordo com ambos os tratamentos dadosao problema no âmbito da história da arte: o da
tradição e o do revisionismo. Nas páginas que se
seguem, discutirei essas duas abordagens a fim de
exemplificar a diferença entre a disciplina (história
da arte) que toma a representação como atividade
desinteressada e, portanto, politicamente neutra;e um corpo crítico (pós-estruturalista) que
demonstra ser a representação parte inextricável
do processo social de dominação e controle. Em
nenhum momento quero mediar ou reconciliar
essas duas posições; na verdade, espero antes
demonstrar sua incompatibilidade. Portanto,
minha hipótese de trabalho propõe que a crítica
pós-estruturalista não pode ser absorvida pela
história da arte sem uma sensível redução de seu
vigor polêmico, ou sem uma total transformação
na própria história da arte.
Historiadores da arte e pós-estruturalistas
A devoção à verdade e o método de precisão
científica nascem da paixão de estudiosos,
da recíproca aversão que têm entre si, de
suas fanáticas e intermináveis discussões,
bem como do espírito de competição
existente entre eles – do conflito pessoal que gradativamente apaga as armas da razão.
Michel Foucault. Nietzsche, genealogy, history
Meu objeto será uma rede específica de imagens
e textos, pinturas e os comentários que lhes dão
coesão, por articular o vínculo entre representação
e poder em nossa cultura, tanto quanto o
problema que essa vinculação apresenta para a
pesquisa da história da arte. Essa rede não foi
proposição minha; emergiu durante o painel “A
aplicabilidade da metodologia da crítica literária
à análise da pintura”, que ocorreu, em dezembro
de 1981, na reunião da Modern Language
Association [MLA] (organização profissional de
pesquisadores e professores de estudos literários
de certo modo equivalente à College Association).
Esse evento proporciona pretexto para minhas
reflexões, embora a ele eu não vá limitar-me.
Dois dos comentários que levarei em consideraçãonão foram feitos por historiadores da arte, mas
por críticos que explicitamente rejeitavam a ideia
de haver separação entre diferentes disciplinas,
no que concerne ao trabalho intelectual: a
famosa análise de Michel Foucault sobr
meninas, no capítulo de abertura de As pa
e as coisas e a análise complementar de
Arcadian Shepherds, proposta por Louis
no artigo Towards a theory a of reading in v
arts.1 Esses comentários se relacionam não a
devido à contemporaneidade das pinturas
discutem – Velázquez pintou As menina
1656; e Poussin produziu duas versões de
Archadian Shepherds, tendo a que nos con
sido datada por Anthony Blunt como pos
a 1655 – mas também devido a seu méto
intenção. Foucault e Marin interpretaram
trabalhos como “representações de represen
[clássica, isto é, do século 17],” e isto eles f
para demonstrar não apenas a singularidadobras mas também a conformidade delas
as regras anônimas e impessoais que regu
sistema clássico de representação.
Foucault e Marin não estiveram na MLA
argumento, no entanto, foi defendido lá
dois historiadores da arte, Svetlana Alp
Michel Fried, que observaram seu valor
estudos de história da arte. Embora Alp
Fried orientem sua produção inicialmente
público afeito a estudos literários – seus est
recentes aparecem em periódicos como C
inquiry e New literary history – e não obj
pelo menos não em princípio, a transferênc
análises textuais para o campo das artes vi
ambos mencionam os perigos decorrentes
deslocamento, citando como exemplos as an
de Foucault sobre Velázquez e de Marin
Poussin. Alpers critica Foucault por neglige
a tradição pictórica, da qual, segundoentende, As meninas teria sido constituí
Fried descarta como a-histórico e reducion
uso que Marin faz da distinção linguística
definir a estrutura da pintura histórica. A des
Jean-Baptiste Greuze, Fils ingrate, 1777, óleo sobretela, 130 x 1.162cm, Louvre, fonte MITlibrary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011164 TEMÁTICAS | CRAIG OW
do fato de que nem Alpers nem Fried professam
afeição particular pela disciplina em que atuam,
ambos introduzem suas reflexões declarando-se
distanciados da história da arte – o julgamento
de valor negativo que eles conferem a Foucault e
Marin, em última análise pronunciado em nome
do teor de verdade da história da arte, confirma
as premissas de Freud, em seu escrito de 1925 a
respeito da negação na origem da psicologia do
julgamento intelectual:
Negar alguma coisa em favor do próprio
julgamento é o mesmo que dizer: ‘Isto
é algo que eu preferiria reprimir’. Um
julgamento negativo é o substituto
intelectual para a repressão; o ‘não’ com o
qual ele se expressa é a marca registrada darepressão, um certificado de origem, como
algo teria sido, como ‘made in Germany’.2
O trabalho de Foucault e Marin é certamente
algo que a história da arte (uma disciplina como
se sabe ‘made in Germany ’) preferiria reprimir.
Pois, apesar de a análise de Alpers de As meninas
parecer, como veremos, defender mais do que
refutar a leitura que Foucault faz da pintura, e a
discussão de Fried sobre o papel do espectador
em finais do século 18 e início do 19 relativa à
pintura francesa apresentar dialética de afirmação
e negação igual à empregada por Marin no
tratamento do mesmo problema no século 17,
a questão de ambos, Foucault e Marin, relativa
à convenção em obras de arte, a sua tendência
de sempre se conformarem a certa especificidade
institucional, permanece em conflito direto com
o interesse de Alpers e Fried (e da maioria de
seus colegas) a respeito da individualidade ou da singularidade de obras e períodos da arte. Assim,
os argumentos de Foucault e Marin em última
instância desacreditam a iniciativa de Alpers
de tributar a Velázquez um desempenho de
originalidade, bem como a reinvindicação de Fried
do reconhecimento da especificidade histórica em
seu próprio argumento.
A questão com a qual nos deparamos, então,
não é, como Alpers propõe, se Foucault terá
interpretado corretamente As meninas (a resposta
dela é que “ele interpretou bem a pintura, mas
não verdadeiramente”), mas se Alpers e Fried
interpretaram adequadamente Foucault e Marin. E
a resposta é que eles não o fizeram; de fato Foucault
e Marin foram mal compreendidos naquela ocasião
ao menos em dois diferentes aspectos.
Apesar de o trabalho deles ter sido aceito
na academia americana inicialmente como
“crítica literária” e permanecido restrito aodepartamento de literatura inglesa comparada,
nem a obra de Foucault nem a de Marin referem-
se principalmente ao texto literário; como seus
colegas Jacques Derrida e Roland Barthes,
ambos têm escrito (Marin o faz extensivamente)
a respeito de artefatos da cultura visual. O
método que usam, além do mais, é híbrido,
combinando na prática análise filosófica, literária,
científica e histórica. Apresentar seus trabalhos
num painel dedicado à aplicabilidade da crítica
‘literária’ à pintura sem reconhecer seu caráter
multidisciplinar seria desconsiderar a vitalidade
polêmica de suas observações. Pois a crítica pós-
estruturalista é adversária da crítica estabelecida,
concebida em oposição à ordem dominante que
isola o conhecimento em vários campos, cada
qual dotado de seu próprio objeto de estudo
e instrumentos metodológicos3 (tanto é que
Foucault fazia palestras sobre ‘história e sistemasde pensamento’ enquanto Marin lecionava no
campo multidisciplinar da semiótica.)
Mais ainda, nem Alpers nem Fried alcançaram
compreender o mais importante – e mais radical –
Nicolas Poussin, The arcadian shepherds, c. 1638,óleo sobre tela, 87 x 120cm, Louvre, fonte MITlibrary
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011166 TEMÁTICAS | CRAIG OW
aspecto do trabalho de Foucault e de Marin sobre
a representação: seu esforço, nas palavras de
Marin, “em explorar os sistemas de representação
como aparatos do poder”. Ambos trabalham
para desmascarar os interesses particulares com
os quais todas as representações compactuam,
suas afiliações a classes, ofícios, instituições. Por
exemplo, em Fantasia of the library, Foucault
discute a arte de Manet como uma “pintura
de museu” – pintura como “manifestação da
existência de museus e da realidade particular
e interdependência que pinturas adquirem em
museus”.4 E em seu mais recente trabalho,
Le portrait du roi, Marin trata a produção
artística da corte de Luís XIV, da arquitetura ao
entretenimento, como manifestações do poderabsoluto e ilimitado do rei.
Investigar sistemas de representação como
aparatos de poder não é estudar sua apropriação
por aqueles que estão no poder, com propósitos
políticos ou de propaganda – apesar do fato de as
histórias da arte e da arquitetura serem compostas
basicamente por tais monumentos à autoridade.
Também não é decifrar as mensagens ideológicas
que ali estão codificadas; Foucault e Marin devem
ser distinguidos daquela crítica ideológica marxista
ou assemelhada – que se dedica a interpretar as
características implícitas de uma obra. Foucault e
Marin não interpretam obras de arte se interpretar
significa atribuir-lhes um significado. Estão menos
interessados no que as obras de arte dizem
e mais naquilo que elas fazem; eles possuem
visada performativa da produção cultural. Assim,
Foucault e Marin investigam a representação n ão
simplesmente como manifestação ou expressãode poder, mas como parte do problema social de
diferenciação, exclusão, incorporação e regulação.
Ambos trabalham para expor os modos pelos
quais a dominação e a sujeição estão inscritas
nos sistemas de representação do Ocidente.
Representação, então, não é – nem poderia ser –
neutra; ela é um ato – na verdade, o ato fundante
– do poder em nossa cultura.
A segunda parte deste ensaio será dedicada
à crítica da representação pós-estruturalista
e sua relevância para a produção artística
contemporânea. Por ora, entretanto, quero
considerar as implicações da resistência da história
da arte ao pós-estruturalismo. Historiadores da
arte deveriam dispor-se a aceitar Foucault e Marin,
uma vez que eles contribuíram imensamente
para nossa compreensão dos modos pelos quais
a produção artística participa dos grandes
processos sociais e históricos. Nos últimos anos
tem havido crescente interesse na história da artenão apenas devido ao problema da representação
visual per se, mas também à análise contextual
ou circunstancial de obras de arte, em tópicos
como iconografia Médici ou mecenato real,
nos quais a arte está explicitamente vinculada
ao poder. Por que, então, Foucault e Marin
têm sido ignorados? Por que o trabalho deles
é considerado “denso”, “difícil”, “irrelevante”?
Seria, talvez, porque a história da arte – tomada,
na perspectiva da frase de Panofsky, como
disciplina humanística – está implicada na crítica
pós-estruturalista?
Embora toda tentativa de caracterizar movimentos
intelectuais esteja condenada de início a uma
desoladora superficialidade, algumas palavras
a respeito do impulso que motiva a crítica
pós-estruturalista podem auxiliar a elucidar o
grande divisor que a separa da história da arte.
O pós-estruturalismo emergiu em clima social e
político – a França após 68 – de grande recusaaos termos e condições do discurso humanista.
A noção humanista de “homem universal” está
calcada na imagem do homem europeu ocidental
e sua civilização. No Ocidente toda diferença,
não conformidade, divergência da norma foi
confinada ou expelida, todas as demais raças e
culturas ficam marginalizadas.
A atual crise política e econômica do Ocidente
– a emergência das nações do Terceiro Mundo,
o movimento feminista, as crescentes restrições
na vida socioeconômica, a catástrofe
ecológica geral... – começou a expor o caráter
excludente do discurso humanista; os críticos
pós-estruturalistas trabalham para articular
seu pressuposto básico e, ao mesmo tempo,
para desarticulá-lo, para desmascarar suas
contradições internas e sua cumplicidade com
a ordem cultural e social dominante.
Assim, todos os pós-estruturalistas examinaram em
vários graus sua própria implicação no sistemaacadêmico que submete, e desse modo confina,
o intelectual a uma disciplina. Se eles negam
o valor de se manter vinculados aos limites de
uma só área de competência, é porque veem as
“humanidades” como produto de uma atividade
sistemática de restrição engenhosamente criada
para controlar a produção de conhecimento
em nossa sociedade. Apesar de alegarem ser
desinteressadas, as humanidades na verdade
trabalham para legitimar e perpetuar a hegemonia
da cultura ocidental europeia: a história da arte, por
exemplo, é a história da arte da Europa ocidental,
de sua origem na antiguidade a sua culminância
nesse continente. Essa não é, como poderemos
ver, a única maneira de a história da arte colaborar
com o poder; na verdade, ela sinaliza a necessidade
de reavaliação completa dos princípios humanistas
sobre os quais a história repousa.
História da arte como disciplina humanista
As humanidades (...) não se confrontamcom a tarefa de resgatar aquilo que de
outra feita foi embora, mas de reviver
aquilo que de outro modo estaria mo
Erwin Panofsky, História da arte
disciplina humanística
A história da arte é disciplina altam
controversa, caracterizada por destrutivo de
competição e conflito pessoal; a veemência
a qual historiadores da arte se digladiam
sobrepujada pelo entusiasmo com que e
unem para defender seus direitos de proprie
Assim, apesar das diferenças no que se r
a sua produção (centrada principalment
debate a respeito da história), Alpers e Fri
apresentam no MLA como uma frente unida
de congratulação mútua que impregnou o p
não era, entretanto, primariamente questãdecoro acadêmico, mas função do propósit
tinham em comum naquela ocasião: apo
fundamentos da história da arte contra a inv
do pós-estruturalismo.
Essa reação é característica da recepçã
história da arte a escritos a respeito da arte,
apenas àqueles dos pós-estruturalistas, m
de todos os não especialistas. Para citar a
um exemplo: no começo de seu trabalho c
[ Art in America, mar.-abr. 1979] sobre a cole
de Schapiro a respeito da arte moderna,
Nochlin apresentou, como prova da preced
de ambos (do autor e da própria história da
o debate de Schapiro com o filósofo existenc
Martin Heidegger tendo como foco a pintu
Van Gogh realizada por volta de 1886 ou
(geralmente referida como Old Shoes [sa
usados]). A pintura em questão apresenta
botas bem surradas, senão descartadas, cadarços desfeitos e solas furadas. Em A o
da obra de arte (1935-36) – que pod
considerada no mesmo patamar que A críti
juízo, de Kant, e Estética, de Hegel, como
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011168 TEMÁTICAS | CRAIG OW
das três grandes reflexões sobre a arte na história
da filosofia moderna – Heidegger identifica essas
botas como um par de sapatos de camponesa,
propondo, em certa medida sentimentalmente,
que “na escura abertura do interior gasto dos
sapatos, fita-nos a dificuldade e o cansaço
dos passos do trabalhador”.5 Numa réplica a
Heidegger, publicada em 1968, Schapiro rejeita
essa interpretação considerando-a “fantasiosa”
e sugere que a pintura não representa de modo
algum um par de sapatos de uma camponesa, mas
os sapatos do próprio artista, e deve, portanto,
ser interpretada como (deslocado e metonímico)
autorretrato (o texto de Schapiro, On the still life
as self portrait as personal object é, desse modo,
nova proposição à teoria da natureza-mortacomo autorretratismo, desenvolvida a partir de
seus escritos sobre Cèzanne).6
Em sua crítica, Nochlin crê ver no texto polêmico
de Schapiro não apenas a evidência de sua rara
coragem intelectual – qual outro historiador da arte
poderia desafiar o maior filósofo de nosso século? –,
mas também uma vitória da história da arte sobre
a filosofia. Descartando o que considera ser jargão
metafísico, ele registra que, “em empreendimento
para dotar a arte de poder metafísico, Heidegger
perdeu contato com aquilo que torna a arte
importante mais do que com o objeto que ela
representa (grifos meus). O grande serviço de
Schapiro a seu campo, então, terá sido advogar
em favor de dar a arte para a história da arte e ao
mesmo tempo afastá-la das mãos do filósofo.
Existe aqui, entretanto, uma ironia, pois Nochlin
supõe que Schapiro possui a última palavra
nesse debate, ignorando o fato de que o casoHeidegger-Schapiro fora reaberto dois anos
antes, por outro crítico pós-estruturalista, Jacques
Derrida, em conferência proferida em Columbia
e publicada no ano seguinte em seu livro de
ensaios sobre a pintura.7 No texto intitulado
Restitutions/De la vérite en peinture, grosso modo
Restituições/Sobre a verdade na pintura, Derrida
não toma o partido de Heidegger contra o ataque
de Schapiro; nem propõe um julgamento com
relação às vozes conflitantes. Por outro viés, ele
demonstra não existir, na verdade, contestação
alguma. Dado o fato de Heidegger e Schapiro
estarem de comum acordo, confrontados com a
pintura, ambos questionam: “De quem são esses
sapatos?” “A quem eles fazem referência?” “Quem
eles representam?” Ambos supõem que, se for
para interpretar a pintura, eles devem atribuir as
botas a um ser humano específico, ao qual elas
devem pertencer. Assim, as duas interpretações
incorrem em substituição inicial: de uma pessoapor uma coisa, do animado pelo inanimado, do
orgânico pelo inorgânico. Essa substituição não é,
entretanto, preliminar à interpretação da pintura –
ela é a interpretação da pintura. Uma vez que a
identidade do dono dos sapatos ficou estabelecida,
tudo o mais, forçosamente, volta para o lugar.
Por essa via Heidegger e Schapiro atingiram o
objetivo humanista definido por Panofsky para a
história da arte: ambos avivaram aquilo que de
outra forma teria permanecido morto, inerte, sem
sentido – apesar (ou talvez mesmo por essa razão)
do fato de que é precisamente essa inércia, essa
ausência de sentido que a pintura parece retratar.
Ambos procedem não apenas de acordo com o
princípio do humanismo, mas do historicismo
humanista, que deseja não só reconstruir o
passado, mas reanimá-lo e, em última instância,
revivê-lo.8 Tratando a obra de arte como algo
inerte, até que o historiador lhe dê um soprode vida – sentido –, Heidegger e Schapiro
exemplificam o que Derrida identifica como a
relação compensatória fundamental da história
da arte com seu objeto, sua tendência de sempre
Vincent van Gogh, A Pair of Shoes [ou Old Shoes] 1886,óleo sobre tela, 37,5 x 45cm, Museu Van Gogh, fonte Museu Van Gogh
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011170 TEMÁTICAS | CRAIG OW
responder àquilo que se acredita ser a deficiência
básica ou ausência existente na obra, que deve,
portanto, ser suplementada pela interpretação.
Mais ainda, ambos os casos desta restituição – da
“verdade” da pintura – efetuam-se de acordo com
igual processo de atribuição (dos sapatos a seu
dono). Um atributo é sempre uma propriedade.
Na pintura e na escultura, atributos são objetos
(usualmente inanimados) que pertencem a um
sujeito específico e nos permitem estabelecer sua
identidade; por essa via, nos permitem alcançar
o papel do atributo na análise iconográfica
(Panofsky: “se a faca que nos permite identificar
São Bartolomeu não é uma faca, mas um saca-
rolhas, a figura não é São Bartolomeu”). A análise
estilística ou formal, porém, refere-se também àatribuição: não é apenas endereçada àquilo que
se acredita serem as propriedades intrínsecas
das obras; os peritos tratam as próprias obras de
arte como atributo que nos permite identificar
o artista (ou, menos frequentemente, o período
histórico ao qual a obra pertence). No princípio,
a história da arte foi concebida como a ciência da
atribuição cuja função era resgatar as obras de arte
medievais tardias e da renascença vinculando-as a
seus autores. Apesar de as obras de arte em sua
maioria já terem, até o momento, sido v inculadas
aos respectivos autores, a resposta de Schapiro
a Heidegger indica que o debate a respeito da
atribuição – seja ele de pinturas a seus autores ou
de objetos representados a seus supostos donos,
mas em ambos os casos a uma pessoa específica
– permanece ainda sendo o ponto central da
especulação no campo da história da arte.
Em outro momento, Schapiro formula os
princípios sobre os quais repousa sua atribuiçãodos sapatos de Van Gogh, e toda sua teoria
de natureza-morta como autorretrato; seu
vocabulário nos alerta para o que está em jogo
aqui (grifei as frases relevantes):
Natureza-morta (...) consiste em objetos
que (...) sejam artificiais ou naturais, estão
subordinados ao homem como objetos de
uso , manipulação e deleite; esses objetos
são menores do que nós, ficam ao alcance
da mão, devem sua presença e lugar a uma
ação humana ou propósito. Eles exprimem
o sentido humano de exercer poder sobre
as coisas ao lidar com elas ou utilizá-las.9
Nessa passagem, representação se comunica
com o poder por meio da posse. Assim,
podemos identificar os motivos da história
da arte, pelo menos enquanto ela é praticada
como disciplina humanística: um desejo pela
propriedade, que exprime o sentido do homem
de possuir ‘poder sobre as coisas’; um desejo de probiedade, um compromisso com o respeito às
relações de propriedade; um desejo do “nome
próprio”, designando uma pessoa específica
que invariavelmente é identificada como objeto
da obra de arte: definitivamente um desejo de
apropriação. Pois o debate Heidegger-Schapiro é
basicamente uma contestação sobre a propriedade
da imagem. Como Derrida observa, ao atribuir as
botas a uma camponesa ou ao artista, Heidegger e
Schapiro estão na verdade propondo interpretá-las
segundo a perspectiva de cada um, pela própria
identificação de um deles com o camponês e do
outro com o homem cosmopolita.
Dizer “Esta (esta pintura ou estas botas) refere-se
a X” é dizer “isto se refere a mim” pela retomada
de “isto se refere a um self [mim mesmo]”. Não
só isto é propriedade de alguém, mas também
“isto é minha propriedade”. Pois entre as muitas
identificações de obras de arte aqui mencionadas,não podemos deixar de atentar para a identificação
de Heidegger com a camponesa e de Schapiro com o
cidadão urbano, o primeiro com o nativo enraizado,
o último com o desenraizado imigrante”.10
Representação
Toda arte é “produção de imagem” e
toda produção de imagem é criação de
substitutos. E. H. Gombrich, Meditações
sobre um cavalinho de pau.
O que a apropriação da pintura em Heidegger
e Schapiro sanciona é uma perspectiva da
representação como substituição: a imagem é
tratada como dublê ou substituto de alguém que
por alguma razão não aparece. Os historiadores
da arte sempre tenderam a definir representação
desse modo, apesar da asserção de Alpers
relativa à falta de um conceito operativo de
representação, sendo, assim, incapazes de lidar
com obras como As meninas – obras que ela crêserem “autoconscientes e ricas no que se refere
a aspectos representacionais para os quais os
estudos literários têm estado mais afinados”. Ela
atribui essa deficiência – que propõe suprir – ao
projeto de história da arte iconológico como
formulado por Panofsky na introdução ao Estudos
de iconologia, especialmente, à distinção que ele
faz entre conteúdo pictórico ou significado de um
lado e forma de outro:
Quando um conhecido me encontra
na rua e tira o chapéu, o que eu vejo
de um ponto de vista formal nada mais
é do que a troca de certos detalhes no
interior de uma configuração formal que
faz parte de um padrão geral de cor, linhas
e volumes que constitui o meu campo de
visão (...) No entanto, minha compreensão
de que tirar o chapéu tem relação com um
cumprimento está relacionado a um campode interpretação de outra natureza11
Alpers discorda quando Panofsky transfere o
resultado desse encontro para a pintura: “O que
Panofsky escolhe para ignorar é que o homem
não está presente, mas representado na pin
Mesmo se nessa passagem Panofsky falh
tratar o problema da representação, não se
concluir por essa razão, que ele não po
uma teoria da representação. Como seu e
Perspectiva como forma simbólica evide
Panofsky define representação como ativ
simbólica, em oposição à cópia da experi
visual (representação como imitação ou ilusã
Alpers atribui essa segunda perspectiv
Gombrich, alegando que sua famosa
“Fazer vem antes de combinar” indica qu
compreende representação como ilusão e
essa razão, sobretudo como questão de des
imitativa. No entanto, a citação no início
texto indica que ele também compreenrepresentação como atividade simbólica, a cr
de substitutos (é isso o que na verdade “fazer
de combinar” significa). Em Meditações sob
cavalinho de pau, Gombrich opõe sua pr
visão de representação àquilo que ele iden
como a “visão tradicional”: representação
imitação. Ilusão, segundo Gombrich, é
apenas secundário, que deve ser acrescid
ultrapassado pela representação, não llhe s
porém, de forma alguma essencial.
Pode-se demonstrar que a história da arte se
definiu representação em relação a estas
atividades – substituição ou imitação – e
elas correspondem perfeitamente ao que
idioma alemão se designa como Vorstellu
representação no sentido de atividade simb
– e Darstellung – apresentação no sentido de
apresentação teatral. (Assim, a distinção po
ser primariamente linguística.) A primeira, relativa ao modo simbólico, é a que se ref
substituição; a imagem é concebida como
que ali está em lugar de outro, ou de algo
foi ali colocado e por essa razão ali perma
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011172 TEMÁTICAS | CRAIG OW
como compensação da ausência. A segunda, ou
aquela da modalidade teatral, é a que se refere
à repetição; a imagem é definida como réplica
da experiência visual, nela o artista trabalha para
promover a ilusão do tangível, presença f ísica dos
objetos que ele representa. Assim, os historiadores
da arte sempre situaram a representação em
termos de polos de ausência e presença, os q uais,
como Derrida demonstrou, constituem a oposição
fundamental sobre a qual a metafísica ocidental
está baseada.12 Necessita-se, então, não de um
conceito de representação (pois já possuímos
dois), mas de uma crítica a ele.
Como Gombrich testemunha, esses dois modos de
representação estão longe de chegar a conciliar-
se; os historiadores da arte só têm introduzidoo conceito de imitação para rejeitá-lo como não
essencial, suplementar, ou até mesmo errôneo.
Desse modo, Wolfflin prefacia sua discussão em
The Most General Representational forms com
a indicação: “Constitui erro para a história da
arte trabalhar com a tosca noção de imitação
da natureza, como se isso fosse meramente um
processo de obter mais perfeição.”13 A imagem
ilusionista é suspeita de fraude, de tentar passar
por algo que não é (a experiência visual direta);
motivados por platônica desconfiança, os
historiadores da arte tendem a deixar em suspenso
ou colocar sob questão o referente; eles trabalham
para distinguir as imagens dos objetos que elas
representam, de modo a restringi-las àquilo que
lhes é específico, próprio da representação em si.
(Desse modo, Schapiro declara: “Eu não encontro
nada na ingênua descrição de Heidegger sobre os
sapatos que Van Gogh representa que pudesseser imaginado a partir de um verdadeiro par de
sapatos camponês.”)
Estamos tão habituados a essa formulação do
problema da representação – através de obras
de arte que chamam nossa atenção para suas
propriedades materiais e através de uma história
da arte que nos ensina a enxergá-las como
combinações mais ou menos harmônicas ou
dissonantes de linhas e cores –, que podemos ter
dificuldade em apreciar o que Foucault e Marin
identificam como a condição absolutamente
fundamental da representação, pelo menos como
foi concebida no século 17: sua transparência
(que não é o mesmo que ilusionismo). No sistema
clássico de representação como foi formulado
pelos lógicos de Port-Royal , o signo é inteiramente
orientado e dependente daquilo que ele significa.
“Ele é característico”, observa Foucault, “tanto
que o primeiro exemplo de signo oferecido pela
Lógica de Port-Royal não é a palavra ou o grito, ouo símbolo, mas a representação gráfica e espacial
– o desenho como mapa ou imagem. Isso porque
a imagem não possui nenhum conteúdo além
daquele que ela realmente representa.”14
Alegar que a representação é transparente para
com seu objeto não é defini-la como mimética ou
ilusionista – mapas, por exemplo, não estimulam
a experiência visual. Antes, isso significa que
cada elemento da obra de arte é significante,
isto é, refere-se a alguma coisa que existe,
independentemente da representação. Assim,
“transparência” designa perfeita equivalência
entre a realidade e sua representação; significante
e significado espelham-se um no outro, um
simplesmente é o duplo do outro. No entanto,
essa transparência só pode ser alcançada através
da estratégia da ocultação: por exemplo, a
lendária transparência do plano pictórico tal
como prescrito em Da pintura, de Alberti, eraalcançada pelo apagamento do suporte material
da imagem. Assim, Marin escreve a respeito de
uma tradição pictórica específica, que vigora
da Renascença pelo menos até o século 17,
expressa na instituição da perspectiva monocular
(a perspectiva é, literalmente, ver através, per-
specere, ‘trans-parência’): “Os elementos
materiais da representação – e precisamente os
traços deixados pelo trabalho do pintor, devido a
sua atividade transformadora na pintura – devem
ser apagados ou ocultados por aquilo que o pintor
representa, por sua ‘realidade objetiva’”. Assim,
quando Foucault e Marin cuidam do problema da
representação visual, eles trabalham para articular
– tornar visível – aquelas estratégias implícitas,
invisíveis e táticas pelas quais a representação
alcança sua putativa transparência; nenhum dos
dois está interessado no que a representação
revela, mas naquilo que ela oculta.
O lugar do observador
Um texto é feito por muitos escritos,
desenhado por muitas culturas e lançado
por mútuas relações de diálogo, paródia,
contestação, mas existe um lugar no qual
essa multiplicidade está focada e esse lugar é
o leitor, e não, como até aqui foi dito, o autor.
Roland Barthes, A morte do autor
O homem de Panofsky na rua de fato nos alerta
para aquilo que a representação clássica ocultaria,
aquilo pelo que alcança a transparência essencial:
o fato de pinturas serem mensagens endereçadas
ao espectador com a intenção de influenciar suas
crenças ou modificar seu comportamento de
um modo ou de outro. Elas possuem o que em
linguística se denomina um polo de emissão e um
polo de recepção; esses dois polos constituem o“aparato representacional” da pintura. Embora
esse modelo representacional da prática pictórica
não deixe de ter problemas (em parte porque
parece ressuscitar a desacreditada categoria da
intencionalidade), nos sensibiliza para o
de que a relação do observador com a ob
arte é prescrita, apontada antecipadamente
sistema representacional.
Em razão de as obras de arte tend
frequentemente, a apagar esses dois polo
favor da mensagem que apresentam, a pes
em história da arte os tem frequentem
negligenciado; Alpers e Fried, entretanto, d
ser incluídos entre os poucos historiadores d
que recentemente começaram a prestar ate
não aos problemas de estilo ou iconografia
ao lugar do espectador diante da obra de
movendo-se dessa forma para o territóri
desconhecido, seja ele no terreno dos estliterários ou da estética da recepção.
Existe, entretanto, pelo menos um prece
no campo da história da arte em razão d
atenção ao papel do espectador, que é o tra
de Leo Steinberg. A sensibilidade de Steinbe
relação ao espectador transparece em toda
produção. Em The philosofical brothel, no qu
traça a evolução da obra Demoiselles d’Avig
de Picasso, o tratamento dado à relação q
pintura causa no espectador repousa no q
em última instância, uma metáfora linguíst
modo de endereçamento do pintor. Os esq
iniciais da obra mostram um homem j
entrando num bordel pela direita; na pi
final, Steinberg comprova, o papel dessa fi
que aparece comandando a cena, foi transf
para o espectador. Assim, o momento decis
criação de Demoiselles, o ponto no qual sua
en scène se arranja, é resultado de uma mudda narrativa, ou de um modo de endereçam
na terceira pessoa para outro na segunda pe
no qual a pintura ela mesma confronta
verdade, proposições ao espectador.
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011174 TEMÁTICAS | CRAIG OW
“Nenhuma outra pintura”, Steinberg registra,
“(excetuando As meninas) trata o espectador
com comparável intensidade”.15 E, retomando
a discussão de Alpers a respeito de As meninas,
descobrimos que ela apresenta a mesma
metáfora linguística, ainda que tenha procurado
demonstrar, contra Foucault, que elas foram
planejadas a partir de tradições pictóricas
específicas. Em sua visão, As meninas engaja dois
tipos de representação visual, “cada um deles
estabelece um modo diferente de relação entre o
espectador e a visão de mundo ali expressa”. A
caracterização inicial de Alpers desses dois modos
é tributária das polaridade há muito existentes
na história da arte. O primeiro modo está no Sul,
exemplificado pelas convenções de perspectivade Alberti: “O artista se presume no lugar do
espectador na frente do mundo pintado” – isto
é, tanto fora quanto antes dele. O segundo modo
está no Norte, é descritivo; o mundo oferece
imagens dele mesmo (como num espelho ou
câmera escura) “sem a intervenção da mão
humana”, e assim “é concebido como se existisse
antes do artista-espectador”.
Quando, porém, Alpers reitera a diferença entre
esses dois modos numa só frase, a metáfora
linguística vem à superfície: “O artista diante
do primeiro tipo de pintura declara ‘eu vejo o
mundo’; diante do segundo, antes de tudo,
mostra que ‘é visto’.” A distinção de Alpers
corresponde perfeitamente à distinção que Émile
Benveniste faz entre enunciado discursivo e
histórico (ou narrativo) (discours/histoire) em sua
obra Problems of General Linguistics [Problemas
de linguística geral ]. Benveniste divide a linguagemem dois “sistemas enunciativos”. O primeiro, da
ordem do discurso, é caracterizado pelo uso de
pronomes na primeira e segunda pessoas, além
de formas adverbiais como ‘aqui’, ‘lá’, ‘agora’, e
‘então’, que se referem a situações espaciais e
temporais em que os atos discursivos ocorrem.
Enunciados discursivos então pressupõem
um falante e um ouvinte, além de apresentar
situações nas quais “o primeiro busca de algum
modo influenciar o último”.16
Enunciados históricos (ou narrativos), por outro
lado, são caracterizados pela supressão de toda
referência a ambos, falante e ouvinte, como também
a situações de elocução espacial e temporal.
Para que haja narração [Benveniste
escreve], é necessário e suficiente que o
autor permaneça fiel a sua intenção como
historiador e abandone o que é exterior à
narração dos eventos (discurso, reflexões pessoais, comparações)... Os fatos são
descritos do modo que ocorreram,
da maneira como vão gradualmente
aparecendo no andamento da história.
Ninguém está falando aqui. Os eventos
parecem narrar a si mesmos.
Embora Alpers não reconheça essa correspondên-
cia, ela prossegue lendo As meninas como combi-
nação – “de uma forma encantadora, porém fun-
damentalmente instável e insolúvel” – desses dois
modos de representação-enunciação. Assim ela
propõe que a relação do observador com a cena
representada é profundamente paradoxal.
O mundo observado que é anterior a
nós é precisamente o que, ao olhar para
fora (e aqui o artista se junta à princesa
e a parte de seu séquito) nos confirma
ou reconhece. Mas se nós não chegamos
a nos posicionar diante desse mundo e perscrutá-lo, a antecedência do mundo
visto não terá sido definida em primeiro
lugar. Na verdade, para fechar-se, o mundo
visto está diante de nós porque nós (da
mesma maneira que o rei e a rainha estão
refletidos no espelho distante) somos
aqueles que comandam sua presença.
Essa circularidade, conclui Alpers, consiste no que
torna tão “extraordinário” As meninas.
Posto isso, onde a interpretação repousa? Será
essa circularidade entre observador e observado
o que verdadeiramente define a originalidade que
Velázquez alcança em sua pintura? Isso dá conta
adequadamente da especificidade de As meninas?
E se se pudesse demonstrar que essa combinação
de dois modos antitéticos de representação-
enunciação não fosse peculiar a As meninas ou
ainda a Velázquez, mas existisse também em
outras pinturas do século 17? E se isso não fossepeculiar só à pintura, mas também compartilhada
pela literatura? (De fato, Marin demonstra
que as regras da gramática e da lógica, como
formuladas no século 17, atribuem a coexistência
desses dois modos aparentemente incompatíveis
em qualquer elocução.) E se, finalmente, essa
circularidade que Alpers encontra em As meninas
definisse em última instância o que Foucault
chama de episteme clássica – o horizonte no
qual todo o conhecimento está encerrado, o
limite que circunscreve aquilo que foi possível
dizer, representar, e mesmo pensar no século 17?
Então a conquista de Velázquez não poderia mais
ser descrita como combinação original de dois
modos distintos de representação, mas como
o desdobramento, na superfície de sua tela, do
próprio sistema clássico de representação – que é
o que Foucault lhe tem atribuído todo o tempo.
Representação e propriedade
Tomando o povo como sua propriedade
privada, o rei está apenas declarando que
o dono da propriedade privada é o re
Marx, A contribution to the Critiq
Hegel’s Philosophy right17
Em Outros critérios, Steinberg descrev
meninas como um “inventário das três pos
funções que se pode distinguir em relaçã
plano pictórico” – janela, espelho e supe
pintada –, exibidas em sequência na pared
fundo do estúdio de Velázquez no palácio.
três elementos – o primeiro e o último
reiterados na janela implícita e tela invertid
figuram na cena teatral – representam as mú
funções apresentadas na própria superfície
meninas: uma janela através da qual perceb
a cena e o espelho através do qual ela é perc(pelo pintor representado dentro dela). Stei
nos lembra, entretanto, que “os interiore
séulo 17 em geral justapõem o vão de uma
aberta ou visada de uma janela com a mo
de uma pintura e, próximo a elas, um es
preenchido por algo que está ali refletido.”1
caracterização da pintura como “invent
desse modo, contradiz a qualificação
Alpers atribui a Velázquez “encantadora p
fundamentalmente instável e insolúvel”. O
Alpers identifica como específico dessa pi
Steinberg toma como aquilo que em geral é
da pintura do século 17.
Segundo Marin, a coincidência numa única
de arte dos mesmos dois modos aparentem
incompatíveis – pintura como janela e
espelho – não é apenas típico, mas o pr
fundamento sobre o qual o sistema clássi
representação foi erigido. Assim, ele define
“axiomas contraditórios”:
(1) A superfície representacional é uma j
transparente através da qual o espect
homem, contempla a cena representada na
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como se visse uma cena real representada no
mundo; (2) mas, ao mesmo tempo, a superfície –
na realidade uma superfície e um suporte material
– é também um aparato refletor no qual objetos
reais são pintados.
O primeiro axioma, pintura-como-janela
(equivalente ao que Benveniste denomina nível
discursivo), atribui a imagem a um tema humano
específico – o “olho/eu” que ocupa o ponto
de vista privilegiado no sistema de perspectiva
monocular – que tem sido substituído por coisas;
sua representação desse sujeito pode então
tomar a representação como sua, como um
dos modos de sua visão, de seu pensamento.
Entretanto, no segundo axioma, pintura-como-
espelho (equivalente ao nível histórico) essesujeito observador desaparece, e o mundo,
por essa razão parece representar a si próprio
sem a intervenção de um artista. O segundo
axioma, então, postula perfeita equivalência
entre realidade e representação, de modo que
as representações “possam ontologicamente
aparecer de modo semelhante às coisas que elas
representam, ordenadas num discurso racional e
universal, o discurso da realidade em si”. É através
da supressão de toda evidência do aparato
de representação, então, que é assegurada a
reivindicação do clássico status autoritário da
representação, de possuir alguma verdade ou
valor epistemológico.
(O papel do espelho em estabelecer valor de
verdade da representação pictórica é também
discutido por Steinberg numa conferência sobre
As meninas, escrita em 1965 e apresentada
muitas vezes, porém só recentemente publicada:“Descobrimos que o plano de visão cumulativo de
Velázquez configura duas coisas distintas como
uma única: o que o rei e a rainha enxergam do
lugar em que se encontram e o que nós vemos
do nosso – a coisa real e a sua pintura – o espelho
revela como idênticas, como se fosse patente o
fato de que a obra de arte na tela espelhasse a
verdade que a capacidade de reflexão de nenhum
espelho pode ultrapassar. Nesse sentido, As
meninas pode ser considerada responsável por
celebrar a verdade da arte do pintor”).19
A fim de exemplificar como esses axiomas
contraditórios podem coexistir numa única
pintura, Marin sintetiza a observação de Benveniste
de que elocuções históricas são caracterizadas
pela supressão de todos os indícios de emissão
e de recepção com a hipótese de Freud de que
toda negação na verdade constitui uma (forma
mascarada de) afirmação. Quando um paciente
diz “você me perguntou quem poderia ter sidoessa pessoa no sonho. Não era minha mãe”,
Freud comenta, “nós emendamos: ‘Então ela era
sua mãe’”.20
Assim, Marin deduz aquilo que ele chama de
“estrutura-negação” da representação clássica:
A tela como suporte e como superfície não
existe. Pois pela primeira vez na pintura
[Marin está discutindo a construção da
perspectiva em Brunelleschi] o homem
encontra o mundo real. Mas a tela
como suporte e sua superfície existem
para operar a duplicação da realidade:
a tela como tal é simultaneamente
pressuposta e neutralizada, ela tem de ser
técnica e ideologicamente aceita como
transparente. Invisível e ao mesmo tempo
a condição necessária da visibilidade;
refletir a transparência em teoria define o plano de representação.
Essa simultânea afirmação e negação do aparato
representacional assegura a transparência da
representação clássica e, ao mesmo tempo, define
o status (ontológico e epistemológico) do objeto
de representação. Pois se, no primeiro axioma, a
representação é atribuída a uma pessoa específica
que “se apropria de coisas, da realidade como algo
seu, sua realidade”, o segundo axioma d emonstra
que “essa pessoa não está situada no tempo e
no espaço com toda as suas determinações, mas
atua como um espírito universal e abstrato cuja
única função é fazer juízo das coisas e afirmá-las.”
(Na teoria política clássica, é claro, essa função era
atribuída somente ao rei, o juiz imparcial e un iversal.)
No sistema clássico de representação, então,
o objeto da representação é suposto como
absolutamente soberano. Em outras palavras, a
pessoa que representa o mundo foi transformada,
pelo ato da representação, de um ser subjetivoenredado no espaço e no tempo – pelos quais é de
certo modo possuído – em Mente transcendente
e objetiva que se apropria da realidade para si
mesma e, por apropriar-se dela, a domina. A ssim
Marin descreve essa operação:
Podemos compreender esse processo
como aquele no qual um sujeito inscreve-
se a si mesmo como o centro do
mundo e transforma-se em coisas pela
transformação de coisas em sua própria
representação. Tal pessoa tem o direito
de possuir as coisas legitimamente porque
substituiu por coisas os seus signos, que a
representam adequadamente – portanto,
dessa maneira, a realidade equivale
exatamente a seu discurso.
A representação é, então, definida como
apropriação e, desse modo, se constitui como
aparato de poder. A análise de Marin acabaaqui; o tratamento que ele dá à representação
clássica pode, entretanto, estar delimitado à
vida social e econômica do século 17, a fim de
evidenciar a função essencialmente política à
qual a representação serve. Não devemos
que apropriação equivale automaticam
à propriedade apesar da famosa definiçã
Locke de 1960: “Qualquer um que retir
Estado algo que a natureza proveu e tome
si acrescentando-lhe algo que seja seu, por
disso, torna-o sua propriedade.”21 Antes de L
entretanto, os conceitos de apropriação (L
e propriedade eram mutuamente exclu
propriedade era adquirida através de her
conquista ou divisão legal, mas nunca at
de trabalho (associado não à propriedade,
à pobreza).22 A ideia de Locke de que o ho
tem direito natural à propriedade criada
seu trabalho foi assim uma formulação ra
e certamente não corresponde à real
econômica e política do século 17.
No modo feudal de produção, o trabal
não tinha nenhum direito legal de usufru
seu próprio trabalho, o que cabia ao don
terra. Ter a propriedade da terra equivalia
poder político; a economia e a política
inextricavelmente entrelaçadas.23 Entretantomonarquias absolutas que emergiram do m
feudal de produção para dominar a Europ
século 18 – e eram por isso contemporâne
sistema clássico de representação – os inter
políticos e econômicos eram, pelo m
teoricamente, distintos.24 A principal caracte
do estado absolutista foi ter restabelecidoromana, que rigorosamente distinguia os di
econômicos determinados pela proprie
privada da autoridade absoluta investida pelo E
A lei civil romana ( jus) que regulava as trans
econômicas entre os homens, era basead
caráter absoluto e incondicional da propri
privada; a lei pública romana (lex ), entretantoregia as relações políticas entre o Estado e
súditos, contrabalançava o caráter incondicion
propriedade privada com a natureza formalm
absoluta da soberania imperial.
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011178 TEMÁTICAS | CRAIG OW
Ao reviver a lei romana, os Estados absolutistas
do início da Europa moderna reintroduziram a
separação entre as esferas econômica e política:
o poder foi consolidado numa monarquia central,
cuja soberania era absoluta; ao mesmo tempo,
títulos de propriedade da aristocracia feudal
ganharam força. O mesmo processo histórico
que reduziu o poder político da aristocracia
então, compensou essa perda garantindo-
lhe ganhos em propriedade sem precedente.
Essa foi a contradição principal sobre a qual a
estrutura social do Estado absolutista se assentou
– contradição que em última instância o levou
à queda. A soberania absoluta do rei deu-lhe
o poder de anular os privilégios medievais e
ignorar os direitos de propriedade tradicionais;paradoxalmente, foram esses privilégios e direi-
tos que ganharam força com a ascensão do
absolutismo. Como consequência, a história do
Estado absolutista é acima de tudo a história
do conflito entre a monarquia e a aristocracia
pelo poder político.
Em Tristes trópicos Claude Lévi-Strauss propõe
que as obras de arte possam ser interpretadas
como soluções imaginárias de contradições
sociais reais;25 o sistema clássico de representação
é de fato constituído dessa forma, de modo a
precisamente facilitar essa solução. Contraditórios
entre si, seus dois axiomas reproduzem os dois
polos antitéticos – propriedade/soberania – o que
define as contradições sociais que atravessam o
Estado absolutista. Na representação clássica,
essa autonomia é resolvida através da dialética da
afirmação e negação, pela qual as reinvindicações
conflitantes por propriedade e soberania sãoforçadas a coincidir. Pois o axioma que define
representação como propriedade de um indivíduo
específico depende, para sua legitimação, daquilo
que qualifica representação como a expressão do
abstrato, verdade universal. E não existia verdade
mais universal do que o fato, indiscutível na
ideologia da regra absolutista, de que a supremacia
absoluta do soberano é conferida por Deus.
É importante mencionar que os princípios feudais
de domínio territorial e, com eles, o poder político
investido na propriedade da terra persistiram
mais fortemente durante a época do absolutismo
na Espanha, onde, em última instância, eles
contribuíram para o colapso da dinastia dos
Habsburgo.26 E, agora, talvez possamos começar
a compreender as implicações das colocações
de Foucault a respeito de As m eninas bem no
início de sua análise da episteme clássica, tanto
quanto de sua enigmática asserção de que a
pintura de Velázquez representa a ausência deum sujeito na representação – “da pessoa com a
qual a imagem se assemelha e da pessoa em cujos
olhos a imagem é apenas uma semelhança”. Em
As meninasesses dois objetos tornam-se invisíveis
para coincidir.
A pintura, claro, está focada num ponto central
– definido pela arquitetura dos gestos e dos
olhares que atravessam e tornam implícita a
construção perspectivada do espaço –, que é
claramente ocupado pela pessoa para a qual a
cena existe, que pode tomar essa representação
como sua (essa pessoa é também o modelo cuja
imagem Velásquez presumivelmente traçou na
tela antes de pintar). Esse ponto focal da pintura,
no entanto, não está propriamente inserido na
pintura, mas lhe é externo – como deve ser se as
observações de Marin sobre a posição do objeto
de representação clássica estiverem corretas.
Pois se, através da representação, o objeto étransformado em algo abstrato, uma mente
transcendente “cuja única função é julgar as coisas
e afirmá-las”, então ele nunca pode aparecer
em sua própria representação (essa ausência do
sujeito da cena de representação é reconhecido,
Foucault supõe, dentro da própria pintura pelo
fato de que só pelo lado reverso da tela, no qual
seu retrato presumivelmente aparece, é visível
pelo espectador de As meninas”.
Além disso, seguindo a hipótese de negação-
estrutura de representação clássica, a elisão do
objeto de representação deve também significar
sua afirmação. Pois apesar de a pessoa em razão
da qual a representação existe nunca poder ser
encontrada na própria representação, Foucault
acredita que ela de qualquer modo ali se reconhece
de modo deslocado, na forma de uma imagem ou
reflexo”.27 E de fato, em As meninas a figura que
ocupa a posição de observador privilegiado – e
cujo olhar portanto precede o do pintor – estárefletida na própria pintura pelo espelho que
rompe a continuidade da parede do fundo da
pintura de Velázquez do estúdio no Palácio. O
espelho não apenas estabelece a identidade da
pessoa que ali está; ele também define o ponto
que ele ocupa como soberano absoluto. Pois ali
está, como indica o subtítulo de um dos capítulos
seguintes de Foucault, “O lugar do rei”.
Embora esse ponto central do quadro também
pudesse ser ocupado pelo pintor, posicionado
na frente de As meninas para pintá-la, e pelo
espectador que contempla a imagem, nem o
artista e nem o espectador poderiam usurpar
o privilégio e o poder que pertencia somente
ao soberano. Pois a pintura não representa a
visão do pintor e sim a do rei; Velázquez parece
ter abdicado de seu próprio papel de autor da
imagem, em favor da autoridade superior que o
sustenta e sua arte. Na realidade, não precisamosidentificar Filipe IV como derradeiro “autor” de
As meninas, tanto quanto Marin, no caso de The
Arcadian Shepherds, conferiu não a Poussin, mas
ao cardeal Rospigliosi, que comissionou a pintura e
criou seu programa junto à frase “Et in Arcadia
(a autoria de Rospigloisi é reconhecida, argum
Marin, dentro da própria pintura pelo fato de o
indicador do pastor que tenta decifrar a inscriç
tumba apontar para a letra “r” na palavra Arc
que é também a letra central da inscrição e
localizada no exato centro geométrico da pint
Tampouco o espectador de As meninas usur
lugar do rei; para isso nós teremos que esper
o final do século 18, quando as regras absolu
serão dissolvidas e o homem, como nos
Foucault na mais audaciosa hipótese aprese
em A ordem das coisas, fará sua primeira apa
no palco da história. O que nos é oferec
contemplar em As meninas está delim
circunscrito pela visão do rei; nós vemos nemnem menos do que ele vê (é isso, eu acr
que Foucault quer dizer quando declara q
meninas descreve os limites da represen
clássica.) De fato, a pintura atua como arma
para o olhar do espectador, o qual é convo
pelos olhares do pintor e da princesa, apenas
ser sujeitado, através deles, ao olhar do rei.
Modernidade lamuriante
O princípio de realidade, ao demon
que o objeto do desejo não existe
requer que doravante toda a libido
afastada de sua ligação com esse ob
Contra essa pretensão um conflito o
observa-se de modo universal q
homem nunca abandona voluntariam
a posição-libido, nem mesmo quand
substituto já o convida.
Freud, Mourning melancolia
A discussão de Marin sobre a estrutura-neg
da representação clássica não foi introd
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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no MLA por Alpers, mas por Michael Fried, cujo
trabalho recente também foi dedicado às relações
pintura/espectador – mas em ciscunstâncias
históricas radicalmente diferentes. Em seu livro
Absortion and theatricality Fried investiga o
papel do espectador no final do século 18, isto é,
precisamente no momento em que a transparência
da representação clássica e, com ela, sua pretensão
à verdade foram perdidas. Como observa Jean
Clay em seu livro recente Romanticism, no
final do século 18 a “transparência [do plano
pictórico] começou a tornar-se opaca, a superfície
[representacional] se consolidou, o véu [de Durer]
contraiu sua malha.28 Como observa Foucault, “O
limiar entre o classicismo e a modernidade (...)
foi definitivamente cruzado quando as palavrasdeixaram de se remeter às representações e
proporcionar um quadro espontâneo para o
conhecimento das coisas”.29
Entretanto o tratamento que Fried oferece ao
problema do espectador no limiar da modernidade
é bastante similar à discussão de Marin sobre esse
problema no século 17:
O reconhecimento de que as pinturas são
feitas para ser vistas [escreve Fried] e por
essa razão pressupõem a existência de um
observador leva a buscar a atualização de
sua presença (...) Ao mesmo tempo (...)
será sempre pela negação da presença do
observador que isso poderá ser alcançado:
só quando se estabelece a ficção de sua
ausência ou não existência é que o lugar
dele diante da pintura e de encantamento
com relação a ela pode ser assegurado.30
Fried argumenta, entretanto, que foi apenas “por
volta do final do século 18’’ e só na França que “a
existência do observador − a principal condição
de as pinturas terem sido feitas para ser vistas −
emergiu como problemática para a pintura como
nunca tinha ocorrido antes”. Não surpreende,
então, que ele pudesse acusar de “a-histórica”
a hipótese de Marin, alegando que seu uso
da distinção estruturalista história/discurso de
Benveniste seria indicativo de busca de um
operador trans-histórico [transhistorical operator ]
que viria a definir a “essência” da pintura histórica.
(Aqui, Fried apenas reitera a agora tão familiar
acusação de que o estruturalismo é a-histórico;
entretanto, a análise da estrutura social do Estado
absolutista demonstra o caráter histórico da
análise de Marin.)
Fried questiona a suposição de Marin de que,
quando uma figura ou grupo de figuras numa
pintura olha para o observador, como se percebessesua presença diante da tela (como em As meninas),
é o aparato representacional que está sendo
reconhecido. Esse reconhecimento, argumenta
Fried, também é historicamente determinado;
cita como evidência a análise da recepção da obra
Fils ingrat (1777), de Greuze, como realizada pela
crítica contemporânea, na qual a presença de um
menino, que parece olhar para fora da tela em
direção ao espectador, não foi interpretada como
algo que interrompe a continuidade narrativa da
pintura. Mas quando Marin observa que, em The
Arcadian Shepherds, de Poussin, ninguém parece
se dirigir diretamente ao espectador – “exceto pela
existência da pintura e o fato de estarmos olhando
para ela, nada na mensagem icônica adverte sobre
sua emissão ou recepção; ou seja, nenhuma figura
está nos olhando como espectadores, ninguém se
remete a nós como representante do emissor da
mensagem” – Fried objeta que Marin não dá atençãoao que Marin enxerga como “a condição primordial
de que pinturas são feitas para ser contempladas”.
Como, porém, essa “condição principal”
difere do operador trans-histórico que Fried
categoricamente rejeita? A resposta de Fried sem
dúvida seria que mesmo essa condição só se
torna “primordial” quando concebida no final
do século 18 (a reflexão de Benjamin a respeito
do valor de culto das obras de arte primitivas, que
não eram destinadas à exibição, em seu trabalho
A obra de arte na época da reprodutibilidade
técnica, poderia embasar esse argumento.) Mas
como pode uma convenção ser ao mesmo tempo
primordial e histórica, e por que o tratamento
que Fried confere às convenções representativas
do século 18 seria mais histórico do que a
discussão dessas mesmas convenções como eram
concebidas no século 17?
O ceticismo de Fried com relação à existência de
todas essas constantes pode ser remetido àqui-lo que ele esboçou em suas críticas do final dos
anos 60, especificamente às notas de rodapé
que complementam o texto “Arte e objetidade”,
um ataque à escultura minimalista recorrente-
mente citado.
Nessas notas de rodapé, Fried emenda a asserção
de Clement Greenbereg de que “a essência
irredutível da arte pictórica consiste em apenas
duas convenções constitutivas ou normas: a
planaridade e a delimitação da planaridade”.
Admitindo que “em termos gerais isso é
indubitavelmente correto”, Fried continua:
(...) a planaridade e a delimitação da
planaridade não devem ser pensados como
‘essência irredutível da arte pictórica’ mas
antes como algo semelhante a condições
mínimas para que algo possa ser visto
como pintura (...) a questão crucial não éo que essas condições mínimas e, pode-
se dizer, atemporais são, mas o que, em
determinado momento, é capaz causar
convicção, de triunfar como pintura.
Isso não significa dizer que a pi
não tenha essência; é propor que
essência, isto é, aquilo que comp
convicção, é de modo geral determin
e as mudanças estão aí sempre
comprová-lo, pelas principais obra
passado recente. A essência da pi
não é algo irredutível.31
A busca de Fried de um historicismo ra
parece, pelo menos inicialmente, coincidir
a percepção de Nietzsche – que tem sido c
para o trabalho de Foucault desde 1970
que aquilo que permanece por trás das c
“não é uma linha do tempo ou essência se
mas o segredo de que as coisas não pos
essência ou a essência delas foi fabr
como colcha de retalhos a partir de fo
exteriores”.32 Enquanto ambos, Niet
e Foucault, apresentam a essência c
“invenção das classes dominantes”, ou
como instrumento de poder, Fried os neut
quando alega que ela só se transforma
“relação às obras importantes do passa
Embora os três autores, ao que parece, pa
da mesma hipótese, então, a tentativa de
de preservar a categoria de essência tent
historicizá-la é o antípoda do esforç
Foucault em destruí-la.
Na verdade, o recente projeto histórico de
tem caráter de restauração, preocupada
traçar a genealogia de sua posição c
dos anos 60 – desenvolvida para emba
obra de pintores como Frank Stella e M
Louis (e escultores como Anthony Capara repudiar como teatral o trabalho
escultores minimalistas, os quais Fried via
representativos de um abandono, na ver
uma perda dos ideais modernistas de pur
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011182 TEMÁTICAS | CRAIG OW
presentificação. Alienado dos desenvolvimentos
subsequentes no campo da arte, Fried abrigou-se
na história; e uma das principais características de
seu trabalho recente é a tentativa de proclamar
Diderot – que também condenava como teatral
muitas das obras de seu tempo – moderno.
Em A ordem das coisas, entretanto, Foucault de
modo convincente encerra Diderot na ordem
clássica, oferecendo como evidência disso
seu projeto de uma Enciclopédia de todo o
conhecimento existente. Assim, a pretensão
de Diderot, nesses escritos críticos e teóricos
sobre arte, em virtude da simultânea afirmação
e negação da presença do observador diante da
obra de arte, permanece como talvez o último
grande argumento da teoria da representação
clássica. Surgindo no crepúsculo da ordem clás-
sica, essa pretensão aparece como tentativa
conservadora de tornar a contemplação, nas
palavras de Fried, “uma vez mais, uma forma de
alcançar a convicção e a verdade”.
A própria posição de Fried no crepúsculo da
modernidade é equivalente à de Diderot relativa
ao fim da ordem clássica; assim, não é de
surpreender que o conservadorismo de Diderot
fosse algo que Fried preferiria reprimir. Pois
conforme seu próprio trabalho prossegue – Fried
passou de Diderot e David a Courbet – mais e
mais se assemelha ao trabalho do luto tal como
descrito por Freud:
A tarefa é levada à frente passo a passo, com
grande empenho de tempo e concentração
de energia, enquanto durante todo o tempo
a existência do objeto perdido continuana mente. Cada uma das memórias e
esperanças que vinculam a libido ao objeto
afloram e são fortalecidas, e o afastamento
de sua libido é consumado.33
Post script: Pós-modernismo
O que o trabalho de Fried lamenta, na verdade,
é a morte do modernismo. O pós-modernismo
– como o pós-estruturalismo – é uma crítica
à representação, especialmente porque foi
concebido a partir do modernismo. “A formulação
modernista ao problema da representação”,
pondera Frederic Jameson, “[foi] emprestada da
terminologia religiosa que define representação
como ‘figuração’, uma dialética da letra e do
espírito, uma ‘linguagem pictórica’ (Vorstellung)
que encarna, expressa e transmite verdades de
outro modo inexpressáveis”. O pós-modernismo,
por outro lado, é caracterizado por sua “decisão
de usar a representação contra ela própria, demodo a destruir o vínculo ou o status absoluto
de qualquer representação.” Assim, Jameson
distingue obras modernistas das não modernistas
precisamente tendo em conta “a relação delas
para com aquilo que ele chama de ‘verdade-
contenciosa’ da arte, sua alegação de possuir
alguma verdade ou valor epistemológico”.34
Jameson está distinguindo os filmes
(modernistas) de Syberberg dos filmes (pós-
modernistas de Godard. Nas artes visuais,
a crítica pós-modernista da representação
trabalha usando procedimento similar para
minar o status referencial do imaginário
visual e, desse modo, sua alegação de que
representa a realidade como de fato é, quer
seja a face aparente das coisas (realismo)
ou alguma ordem ideal existente escondida
sob ou além da aparência (abstração). Osartistas pós-modernistas demonstram que essa
“realidade”, concreta ou abstrata, é ficção,
produzida e sustentada exclusivamente por sua
representação cultural.35
A maioria das obras de arte lida com imagens,
transmitidas pela mídia, que exploram o status
documental dos modos de representação
fotográfico ou cinemático. A fotografia e o filme,
baseados como o são na perspectiva com único
ponto de vista, são meios transparentes; sua
derivação do sistema clássico de representação
é óbvia, e ainda estão por ser investigados
criticamente. Os artistas que lidam com essas
imagens trabalham para desmascará-las como
instrumentos de poder; investigam as mensagens
ideológicas ali codificadas, mas também, o que
é ainda mais importante, as estratégias e táticas
pelas quais essas imagens asseguram seu status
autoritário em nossa cultura. Pois, se essas imagens
se apresentam como instrumentos efetivos depersuasão cultural, então sua materialidade e
suporte devem ser apagados para que, nelas, a
própria realidade pareça tomar a p alavra. Por meio
da apropriação, da manipulação e da paródia,
esses artistas trabalham para tornar visíveis os
mecanismos invisíveis pelos quais essas imagens
asseguram sua suposta transparência – uma
transparência que deriva, como na representação
clássica, da aparente ausência de um autor.
Portanto, quando Fried – e Alpers – tentam
repudiar a obra de escritores como Marin e
Foucault, eles também atestam a distância
existente entre a história da arte e a prática
artística contemporânea. Isolados não apenas do
mais significativo corpo da crítica presente, mas
em grande medida também de sua arte, a história
da arte tem negado a si mesma qualquer conexão
com os dias de hoje – o que constitui, como
Walter Benjamin entendia, pré-requisito absolutopara qualquer investigação histórica. Perdendo
essa conexão, a história da arte cai no estudo da
antiguidade – o que pode ser, enfim, o destino da
história da arte na pós-modernidade.
Tradução Cíntia Moreira
Revisão técnica Cezar Bartholomeu
NOTAS
1 Marin, Louis. Towards a Theory of Reading
Visual Arts: Poussin’s The Arcadian Shepher
The Reader in the Text, org. Suleiman and Cro
Princeton: Princeton University Press, 1980:293
Todas as demais citações de Marin foram ret
dessa fonte.
(Outro tabalho de Marin foi publicado em portu
Sublime Poussin. trad Mary Amazonas Lei
Barros. São Paulo: Edusp, 2000. Clássicos 20[N
2 Freud, Sigmund. Negation. Trad. Joan Rivie
General Psychological Theory . New York: C
1963:214. Primeira edição 1925.
(Em português: Freud, Sigmund. A negativa,
v. XIX. In Edição Standard Brasileira das
Completas de Sigmund Freud . Rio de Janeiro: Im
1996 [N.T.]).
3 A informação mais esclarecedora das implic
políticas da crítica de Derrida e Foucault per
a Said, Edward. The Problem of textuality
examplary positions, Critical Inquiry n.4 (
1978), reimpresso in Aesthetics Today , org. Phi
and Gudel. New York: NAL, 1980:89.
4 In Foucault, Michel. Language, Counter-me
Practice, org. Donald F. Bouchard. Ithaca: C
University Press, 1977:92.
5 Heidegger, Martin, The origin of the Work of A
Poetry, Language, Thought, trad. A. Hofstadter
York: Harper & Row, 1971:33-34.
(Em português: Heidegger, Martin. A origem da
de arte. Lisboa: Edições 70, 1990:25-7. Co
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
http://slidepdf.com/reader/full/textos-contribuicao-de-crary 93/117
Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011184 TEMÁTICAS | CRAIG OW
Biblioteca de Filosofia Contemporânea [N.T.])
6 Schapiro, Meyer. The still life as personal object : a
note on Heidegger and Van Gogh. In: The reach of
mind: essays on memory of Kurt Goldstein. org. M.L.
Simmel. New York: Springer, 1968:206-208.
7 Derrida, Jacques. La vérité en peinture. Paris:
Flamarion, 1978:291-436.
8 Apesar de Walter Benjamin, em seu trabalho Teses
sobre filosofia da história, caracterizar o método
com o qual o materialismo histórico rompeu, “A
historiadores que desejavam reviver uma época,
Fustel de Coulanges recomenda que apaguem
tudo o que sabem sobre a fase da história que lhes
precede.” Illuminations. Trad. Harry Zohn. New York:
Schocken, 1969:256.
9 Schapiro, Meyer. The apples of Cézanne. In Modern
Art: Selected Papers. New York: Braziller, 1978:19.
10 Derrida, op. cit.:297.
11 Panofsky, Erwin. Studies in Iconology . New
York:Harper & Row, 1962. (Em português: Panofsky,
Erwin. Estudos de iconologia: Temas humanísticos na
arte do renascimento. Lisboa: Estampa, 1995 [N.T.])
12 Derrida não só apresenta essa oposição; ele
propõe sua dissolução. Ver Derrida, Jacques.
Grammatology , Trad G.G. Spivak. Baltimore: Johns
Hopkins University Press, 1976. Pasim.
(Em português: Derrida, Jacques. Gramatologia, São
Paulo: Perspectiva, 1973 (1. ed. 1967) [N.T]).
13 Wölfflin, Heinrich. Principles of Art History.
Reimpresso em Spencer, org., Readings in Art History .
New York: Scribners, 1969, v.II:157.(Em português: Conceitos fundamentais da história
da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2006 [N.T.])
14 Foucault, Michel. The order of things. New York:
Pantheon, 1971:64. (Em português: A ordem das
coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2000 [N.T.])
15 Steinberg, Leo. The philosophical brothel.
Artnews, set. 1972:20
16 Benveniste, Émile. Problèmes de linguistique
générale. Paris: Gallimard, 1966:242.
(Em português: Problemas de linguística geral II.
Tradução de Eduardo Guimarães et al. Campinas:
Editora Pontes, 1989 [N.T.])
17 Crítica da Filosofia do Direito, de Hegel, introdução
disponível em português em http://www.marxists.
org/portugues/marx/1844/criticafilosofiadireito/
index.htm [N.T.].
18 Steinberg, Leo. Other criteria. In Other criteria.
New York: Oxford University Press, 1972:73-74.
(Em português: Outros critérios. Tradução Célia
Euvaldo. São Paulo: Cosac Naify, 2008 [N.T.])
19 Steinberg, Leo. Velazquez’s Las Meninas. October ,
v. 19, Cambridge: The MIT Press, Winter 1981:52.
20 Freud, Sigmund. Negation. Trad. Joan Riviere,
in General Psychological Theory . New York: Collier,
1963:213. Primeira edição 1925.
(Em português: Freud, Sigmund. A negativa, 1926.
v. XIX. In Edição Standard Brasileira das Obras
Completas de Sigmund Freud . Rio de Janeiro: Imago,
1996 [N.T.]).
21 Locke, John. Two treatises of Government. New
York: NAL, 1963:329 (1a. ed. 1689).
22 Ver Hannah Arendt. The Human condition.
Chicago: University of Chicago, 1958:109ss.
23 Ver Karl Marx. Economic and Philosophical
Manuscripts. In Early Writings Trad. Livinsgstone and
Benton, New York: Vintage, 1975:279-400.
(Em português: Manuscritos economico-filosóficos
de 1844. Trad. Maria Antônia Pacheco. Lisboa:
Avante, 1993 [N.T.]).
24 Esse parágrafo e o seguinte são baseados em
Perry Russell. Lineages of the absolutism state.
Londres: NLB, 1974.
25 Lévi-Strauss, Claude. Tristes tropiques. Trad.
John Russell. New York: Atheneum, 1971:176-180.
Recentemente, Frederic Jameson propôs aplicar o
esquema de Lévi-Strauss à produção cultural em
geral; ver The political unconscious. Ithaca: Cornell
University Press, 1981:77ss. (Em português: Tristes
trópicos, trad. Rosa Freire de Aguiar, São Paulo:
Companhia das Letras, 1996 [N.T.]).
26 Anderson, Perry. Lineages of absolutist state. N.J.
London: Atlantic Highlands, Humanities Press, Fall
1974:60-84.
27 Foucault, Michel. The order of things: 308.
A citação completa: “No pensamento clássico, o
personagem para o qual a representação existe, e
que se representa lá, reconhecendo-se como imagem
ou reflexo, aquele que amarra tudo com o laço da
representação na forma de uma imagem ou mesa,
nunca será encontrado na própria mesa.
28 Clay, Jean. Romanticism. Trad. Owens e Wheller.
New York: Vendome, 1981:25.
29 Foucault, Michel. The order of things:304.
30 Fried, Michael. Absorption and Theatricality.
Berkeley: University of California Press, 1980:103.
31 Fried, Michael. Art and objecthood. Artforum, New
York, 1967. Reedição in Philipson e Gudel, orgs., Aesthetics
today . New York: New American Library, 1980:235. (Em
português: Arte e objetidade, Arte&Ensaios, n.9, Rio de
Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Artes visuais /
Escola de Belas Artes, UFRJ, 2002 [N.T.]).
32 Foucault, Michel. Nietzsche, Genealogy, H
In Language, Counter-memory, Practice, op. cit
33 Freud, Sigmund. Mourning and melancho
General psychological theory , op. cit.:166.
(Em português: O luto e a melancholia. In
Completas. Rio de Janeiro: Imago, v. XIV [N.T.]
34 Jameson, Frederic. In the destructive ele
immerse: Hans-Jürgen Syberberg and Cu
Revolution. October , v.17, Cambridge, Sum
1981:99-118.
35 A respeito da realidade como efeit
significação, ver Jean Baudrillard, For a critique
political economy of the sign Trad. Rosen. St
Telos, 1981.
Craig Owens foi teórico no campo
cultura contemporânea, editor de perió
especializados em arte, professor e historiad
arte nas universidades de Yale e Bernard. E
ligado ao movimento pós-modernista nas dé
de 1970 e 1980, período em que publicou a
sobre fotografia, alegoria, feminismo, p
homossexual, mercado de arte e psican
Depois de falecer de Aids aos 39 anos, em
alguns de seus escritos foram publicados em f
de coletânea. O texto é capítulo do livro Be
recognition: representation, power and cu
Org Scott Bryson et al. California: Univers
California Press, 1994.
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011186 TEMÁTICAS | DANIEL BU
De todos os enquadramentos, embalagens e
limites – em geral não percebidos e certamente
nunca questionados – que compartimentam e
“fazem” a obra de arte (o quadro, a moldura, o
pedestal, o castelo, a igreja, a galeria, o museu,
o poder, a história da arte, a economia de mercado
etc.), um nunca é mencionado, menos ainda
questionado, embora, de todos que circundam e
condicionam a arte, seja o primeiro, o que precede
todos os demais: o ateliê d o artista.
Na maioria dos casos, o ateliê é mais importante
para o artista do que a galeria ou o museu.
Incontestavelmente, ele preexiste a ambos. A lém disso, como veremos, ateliê e galeria estão inteiram
vinculados. Constituem os dois pilares de um só edifício e de um só sistema. Pôr em questão um (o m
ou a galeria, por exemplo), sem se referir ao outro (o ateliê) é, de fato, não questionar absolutam
nada do todo. Desse modo, todo questionamento do sistema de arte terá inevitavelmente que passauma reavaliação do ateliê como lugar único em que o trabalho se faz , assim como do museu como
único em que o trabalho se mostra. Ambos devem ser questionados também em termos de háb
hábitos de arte hoje esclerosados.
A FUNÇÃO DO ATELIÊ*
Daniel Bu
Daniel Buren ateliê Branmuseu espaço púb
Conhecido por seus trabalhos feitos especialmente para espaços públicos, D
Buren desenvolve análise histórica, geográfica e simbólica do ateliê e reflete so
sua importância como local exclusivo de produção. As adaptações operadas na
quando de seu deslocamento para o espaço público (museus e galerias) leva
artista a interrogar as condições de aparecimento da arte frente à necessidad
aproximação de arte e vida, e à consequente desmaterialização do ateliê.
Edward Steichen Ateliê de Constantin Brancusi, 1920 fotografia 24,4 x 19,4cm; Met Museum, NYFonte: Wikimedia Commons in http://atelierdespassages.blogspot.com/
THE FUNCTION OF THE STUDIO | Daniel Bis well known for his work done espefor public spaces. He develops a geograhistorical and symbolic analysis of the sand reflects upon its importance as an excl
production place. The ada ptations to the when moving to the public space (musand galleries) cause the artist to questionconditions of appearance of art with reto the need to bring art and life closer andconsequent “extinction” of the studio. | DBuren, studio, Brancusi, museum, public s
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011188 TEMÁTICAS | DANIEL BU
Mas, afinal, qual é a função do ateliê?
1. É o lugar de origem do trabalho.
2. É um lugar privado (na maioria dos casos);
pode ser uma torre de marfim.
3. É um lugar fixo de criação de objetos
obrigatoriamente transportáveis.
Um lugar extremamente importante, como já se
pode ver. Primeira moldura, primeiro limite, do
qual todos os outros irão dep ender.
Em primeiro lugar, como um ateliê se apresenta
física, arquitetonicamente? Na verdade, o ateliê do
artista não é qualquer compartimento, qualquer
cômodo1. Distinguiremos aqui dois tipos:
1. O do tipo europeu, exemplificado pelo ateliê
parisiense do final do século passado2, costuma
ser local bem amplo e caracterizado sobretudo
por elevado pé-direito (4m, no mínimo), às
vezes com mezanino para aumentar a distância
de visualização da obra. Os acessos permitem
a entrada e a saída de trabalhos de grandes
dimensões. Ateliês para escultores ficam no
térreo, para pintores nos últimos andares.
Por fim, a iluminação é natural e geralmente
distribuída por vidraças orientadas na direção
norte a fim de receber luz mais suave e ao
mesmo tempo homogênea.3
2. O ateliê do artista americano4 tem origem
mais recente. Em geral não é especialmente
construído para essa finalidade, nem obedece
a determinadas normas mas, na maioria das
vezes, é bem maior do que o ateliê europeu:
não necessariamente mais alto, mas muito
mais longo e mais largo, e situado em antigoslofts recuperados. A luz natural tem aqui papel
bem menor (quase nulo) do que a superfície
e o volume. A eletricidade clareia o ambiente
dia e noite, se necessário. Disso, aliás, decorre
certa adequação entre os produtos originários
desses lofts e seu “posicionamento” em paredes
e pisos dos museus modernos, também eles
artificialmente iluminados dia e noite.
Acrescentaria ainda que esse tipo de ateliê
influencia igualmente os lugares que servem de
ateliês hoje na Europa e que podem ser, para
quem os encontra, um antigo celeiro no campo,
uma velha garagem ou outros estabelecimentos
comerciais na cidade. Em ambos os casos, já
podemos perceber as relações arquitetônicas
que atuam entre ateliê e museu, um inspirando
o outro e vice-versa, assim como ocorre entre
um tipo de ateliê e outro.5 Não falaremos, no
entanto, a respeito dos que transformam parte
de seu ateliê em galeria, nem de curadores quesonham com museus como ateliês permanentes!
Depois de termos visto algumas das características
arquitetônicas do ateliê, vejamos agora o que em
geral nele se passa.
Como local privado, o ateliê é espaço para
experiências que só o artista-residente poderá julgar,
já que nada dali sairá sem que ele assim decida.
Esse lugar privado permite também outras mani-
pulações indispensáveis ao bom funcionamento
de galerias e museus. Por exemplo, é o espaço no
qual a crítica de arte, o organizador de exposi-
ções, o diretor ou o curador do museu poderão
tranquilamente escolher das obras presentes (e
apresentadas pelo artista) aquelas que participa-
rão de determinada exposição, coleção, galeria
ou contexto. O ateliê é, portanto, uma comodida-
de para qualquer organizador, que, assim, pode
“compor” uma exposição a seu modo (e não aomodo do artista – que está muito contente em
expor e, em geral, se deixa gentilmente manipu-
lar nessas situações) com o mínimo de risco, pois
não só já selecionou o artista participante como
seleciona, em seu próprio ateliê, as obras que
deseja. Nesse sentido, o ateliê é também uma
butique, e é nela que se encontra o prêt-à-por-
ter para uma exposição.
O ateliê é ainda o espaço para o qual, antes que
a obra seja publicamente exposta (museu ou
galeria), o artista pode convidar críticos e outros
especialistas na esperança de que suas visitas
favoreçam a “saída” de algumas obras desse local
privado – um tipo de purgatório – para frequentar
alguma parede pública (museu/galeria) ou privada
(coleção) – espécies de paraísos das obras!
Desse modo, o ateliê cumpre o papel de lugar
de produção de um lado e de sala de espera do
outro, e finalmente, se tudo correr bem, de localde difusão. É, portanto, um centro de triagem.
O ateliê, primeira moldura da obra, é na
verdade um filtro que irá servir a (uma) dupla
seleção, a primeira, feita pelo artista longe de
olhares estranhos, e aquela feita por galeristas
e organizadores de exposições justamente
para a visualização de outros olhares. O que é
imediatamente evidente é que, para existir, a
obra produzida passa de um abrigo a outro.
Portanto, ela deve ser minimamente transportável
e, se possível, manipulável sem muitas restrições
por quem (além do próprio artista) ganha o
direito de “removê-la” de seu local original para
acomodá-la no espaço promocional. Desse modo,
como é produzida em ateliê, a obra só pode ser
concebida como objeto manipulável ao infinito
e por qualquer um. Para se fazer, e desde o
momento em que é produzida no ateliê, a obra
se encontra isolada do mundo real. Entretanto, é
naquele momento, e somente naquele momento,
que está mais próxima de sua própria realidade,
da qual, em seguida, ela se irá afastar cada vez
mais. Ela também poderá tomar emprestada
Anton Lefterov Ateliê de Constantin Brancusi no Musée National d’Art Moderne, George Pompidou, 2010Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Atelier-brancusi-2
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011190 TEMÁTICAS | DANIEL BU
outra realidade, que ninguém, nem quem a
criou, poderia imaginar e que poderá ser-lhe
completamente contraditória – geralmente para
grande lucro dos comerciantes e da ideologia
dominante. É, portanto, no ateliê – e só então –
que a obra está em seu lugar . Isso é (uma) mortal
contradição para a obra de arte, da qual jamais
se irá recuperar, dado que sua finalização implica
o desvitalizante deslocamento em relação a sua
própria realidade, a sua origem.
Se, por outro lado, a obra de arte permanece
nessa realidade – o ateliê –, é o artista que corre o
risco de morrer… de fome! A obra que podemos
ver é, portanto, totalmente estranha ao lugar que
a acolhe (museu, galeria, coleção…), daí o fosso
cada vez maior entre as obras e seus lugares (e não seu posicionamento): um abismo aberto que, se o
víssemos (e o veremos mais cedo ou mais tarde),
jogaria a arte e suas pompas (ou seja, a arte como
a conhecemos hoje e como é feita em 99% dos
casos) na lata de lixo da história. Esse abismo, no
entanto, é parcialmente preenchido pelo sistema,
que faz com q ue nós, público, criador, historiador,
crítico, entre outros, aceitemos a convenção do
museu (e da galeria) como inevitáveis molduras
neutras, lugares únicos e definitivos da arte.
Lugares eternos em função da eternidade da arte!
Desse modo, a obra é feita em lugar muito
específico, do qual, entretanto, ela não se dá
conta, posto que, por vários aspectos, esse
espaço não só a orienta e forja, como é o único
em que a arte tem lugar. Chegamos, assim, à
seguinte contradição: é impossível por um lado
– e por definição – ver uma obra em seu lugar e,
por outro, é o lugar que lhe serve de abrigo e onde
poderá ser vista, que a irá marcar e influenciar
bem mais do que o lugar no qual foi feita e de
onde foi excluída.
Podemos então afirmar que estamos diante daseguinte inadequação: ou a obra está em seu
próprio espaço, o ateliê, e não tem lugar (para
o público), ou se acha em espaço q ue não é seu, o
museu, quando então tem lugar (para o público).
Excluída da torre de marfim em que é produzida,
a obra vai parar em outro lugar que, ainda que
lhe seja estranho, só vem reforçar essa impressão
de conforto que ela já tinha adquirido ao se
abrigar num reduto fortificado, o museu, a fim
de sobreviver a tal deslocamento. Desse modo, a
obra passa (e só assim pode existir, uma vez que
a isso foi predestinada pela marca de seu local de
origem) de um lugar/quadro fechado – o mundo
do artista – para outro lugar paradoxalmente
ainda mais fechado – o mundo d a arte. Daí talvez
a impressão de cemitério que o alinhamento das
obras nos museus produz. Independentemente
do que digam, de onde venham e do que
quiseram significar, é no museu que acabam, eé lá também que se perdem. A perda, aliás, é
parcial, em comparação à perda total das obras
que nunca deixam seus ateliês. Daí a indescritível
vulnerabilidade das obras manipuláveis.
A obra que chega ao museu tanto está em
lugar”6 quanto em “um lugar” que nunca
seu. Em “seu lugar” porque lá pretendia est
momento em que foi concebida, mas que n
é o “seu”, pois assim como esse lugar nã
definido pela obra que lá se encontra, tamp
a obra foi feita precisamente em função d
lugar lhe é, forçosamente e a priori , concr
praticamente desconhecido.
Para que a obra esteja em seu lugar sem ter
especificamente posicionada7, é necessário
seja idêntica a todas as outras existentes,
indênticas entre si. Nesse caso, circularia
posicionaria) por toda parte e em qualquer
(como todas as outras obras idênticas). Ou, e
seria necessário que a moldura que acolhe aoriginal, e todas as outras obras originai
portanto fundamentalmente diferentes uma
outras –, fosse removível, ou seja, que o mus
a galeria) fosse um passe-partout que se adap
perfeita e milimetricamente a cada obra.
Se, entretanto, estudamos separadamente
dois casos extremos, deles só podemos de
formulações extremas e idealizantes, mas
assim interessantes; por exemplo:
a) todas as obras de arte são rigorosam
idênticas entre si, independentemente d
época, seu autor, seu país e assim por d
o que explica seu idêntico posicionamen
milhares de museus pelo mundo, de a
com a moda e os curadores;
b) ou então, todas as obras são absolutam
diferentes umas das outras e têm
diferenças respeitadas – portanto ao mtempo implícita e explícitamente le
–, de modo que cada museu, cada sa
cada museu, cada parede em cada sala,
metro quadrado de cada parede se a
Daniel BurenLes deux plateaux (conhecido como Colunas de Buren), 1985-1986Trabalho in situ Palais-Royal, ParisFontes: http://www.photos-galeries.com/colonnes-de-buren-palais-royale http://www.artfacts.net/en/institution/lisson-gallery-190/news/daniel-buren-les-deux-
plateaux-palais-royal-5201.html
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011192 TEMÁTICAS | DANIEL BU
perfeitamente, a cada obra, a cada lugar e a
cada momento.
O que podemos observar nas duas formulações é
sua assimetria sob a aparente simetria. Na verdade,
ainda que não possamos aceitar logicamente que
todas as obras de arte, quaisquer que sejam, são
idênticas entre si, somos forçados a constatar que,
quaisquer que sejam as obras, elas são (de acordo
com a época), instaladas do mesmo modo.
Se, por outro lado, podemos aceitar que cada
obra tem sua singularidade, somos também
forçados a observar que nenhum museu se adapta
exatamente a isso e age – paradoxalmente, já que
pretende defender a singularidade da obra – como
se essa afirmação da obra, sua singularidade, nãoexistisse, e a manipula à vontade.
Para reforçar o raciocínio, dois exemplos entre
milhares: os responsáveis pelo Jeu de Paume,
em Paris, apresentam as obras impressionistas
sobre paredes pintadas de determinada cor que
as emolduram diretamente. Simultaneamente, a
8 mil quilômetros de distância, no Art Institute
of Chicago, outras obras da mesma época e dos
mesmos artistas são apresentadas enfileiradas e
em enormes molduras esculpidas.
Será que isso significa, para retornar aos
dois exemplos, que as obras em questão são
absolutamente idênticas e que finalmente
adquirem sua expressão própria e diferenciada
graças à inteligência daqueles que as apresentam?
E isso ocorreria justamente para fazê-las dizerem de
outro modo aquilo que, por definição, escondiam
sob um mesmo aspecto – a neutralidade absoluta
de obras idênticas umas às outras –, à espera deuma moldura que lhes desse expressão?
Ou significa, de acordo com o segundo exemplo,
que cada museu se adapta o máximo possível ao
caráter das obras em questão? Mas quem, agora,
poderá nos explicar onde estava explícito na obrade Monet que, 70 anos após sua criação, algumastelas deveriam ser penduradas e envolvidas por
uma suave cor salmão em Paris, e outras cercadaspor enormes molduras e justapostas a outras
obras impressionistas, em Chicago?
Se excluirmos os dois casos extremos (a) e (b)
mencionados, nos encontraremos frente a um
terceiro, que é, obviamente, mais comum e que
implica relação sine qua non entre ateliê e museu
tal como a conhecemos hoje.
De fato, como é pouco provável que a obra
criada no ateliê lá permaneça – e ela sabe
que acabará em outro lugar (museu, galeria,
coleção) –, é necessário não apenas que seja
feita, mas também que possa ser vista em
outro lugar e, consequentemente, em qualquer
lugar. Para que essa transferência ocorra, duas
condições são necessárias:
1. O lugar definitivo da obra é a própria obra.
Essa é uma crença ou filosofia largamente
difundida nos meios artísticos, posto que
permite escapar de qualquer questão sobre
o lugar físico de sua visibilidade e, por
conseguinte, sobre o sistema – e, portanto,
sobre a ideologia dominante que a governa,
assim como sobre a ideologia específica da
arte. Teoria reacionária (se realmente for),
pois, sob pretexto de escapar, ou melhor, de
não estar a ele vinculada, permite a todo o
sistema fortalecer-se sem sequer se justificar,
já que, por definição (definição dada pelos
defensores dessa teoria), o lugar do museu
não tem relação com o lugar da obra.
2. O criador “imagina” onde sua obra vai
acabar, o que o leva a tentar imaginar todas
as situações possíveis para cada obra (o que é
simplesmente impossível), ou (como é o caso)
imaginar um possível local-padrão. Nesse
caso, teremos o banal espaço cúbico, neutro
ao extremo, com a luz suave e uniforme que
já conhecemos: isto é, o espaço de museus e
galerias atuais. Isso obriga o artista no ateliê,
conscientemente ou não, a produzir para um
lugar banalizado e, consequentemente, a
banalizar seu próprio trabalho a fim de melhor
o adaptar a esse lugar.
Ao produzir para um estereótipo, acabamos
evidentemente por fabricar um estereótipo; daí
o surpreendente academicismo das obras hoje,
ainda que dissimuladas sob formas aparentemente
as mais diversas.
Para encerrar, gostaria de dar sustentação a
minhas “suspeitas” sobre o ateliê e suas funções
simultaneamente idealizantes e esclerosantes,
com dois exemplos que me influenciaram, um
pessoal, outro histórico.
1. Pessoal
Ainda muito jovem (tinha 17 anos), iniciei
um estudo sobre a pintura na Provence, de
Cézanne a Picasso (focalizando as influências
do local geográfico nas obras). Para levar o
trabalho a conclusão satisfatória não só percorri
de ponta a ponta o sude ste da França, como visitei
o ateliê de grande número de artistas. Minhas
visitas conduziram-me a artistas dos mais jovens
aos mais velhos, dos mais desconhecidos aos mais
célebres. Surpreenderam-me na época sobretudo
a diversidade, depois, a qualidade, a riqueza e
especialmente a realidade – a “verdade”, portanto– dos trabalhos, independentemente de seu autor
ou sua reputação. “Realidade/verdade” não só em
relação ao autor e a seu local de trabalho, mas
também em relação a seu entorno, à paisagem.
Bernard Boyer Daniel Buren Affichage sauvage, abril de 1968Trabalho in situ, ParisFonte: http://catalogue.danielburen.com/fr/oeuvres/1944.html
Daniel BurenHommes-Sandwichs, abril/maio de1968 Madeira, papel com listras brancas e verdes, tachinhas, correias.Cada estandarte 80 x 60,9 cm.Trabalho in situ, Paris, FrançaFoto © Daniel BurenFonte: www.danielburen.com
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011194 TEMÁTICAS | DANIEL BU
Pouco tempo depois, visitei uma a uma as
exposições dos artistas que havia conhecido e meu
encantamento desbotou-se, às vezes desaparecendo
por completo – como se as obras que eu vira nos
ateliês não fossem as mesmas, nem tivessem sido
feitas pelas mesmas pessoas. Arrancadas de seu
contexto e, pode-se dizer, de seu ambiente, elas
perdiam seu sentido, sua vida; tornavam-se “falsas”.
No entanto, não compreendi isso de imediato
(longe disso), nem o que exatamente se passava,
nem o motivo dessa desilusão. Uma coisa apenas
ficou clara para mim: a decepção. Revi várias vezes
alguns desses artistas, e a cada vez o hiato entre
seus ateliês e as paredes parisienses se acentuava
a tal ponto, que se tornou impossível continuar a
visitar seus ateliês e suas exposições. A partir desse
momento, algo irremediável, embora por razõesainda confusas, se rompeu.
Mais tarde, repeti a desastrosa experiência com
amigos de minha geração, ainda que dessa vez
a “realidade/verdade” profunda do trabalho me
parecesse bem mais clara. Essa “perda” do objeto,
esse desinteresse pela obra fora seu contexto – como
se a energia essencial a sua existência desaparecesse
assim que a porta do ateliê fosse ultrapassada –,
começava realmente a me preocupar. Essa sensação
de que o essencial da obra se havia perdido em
algum lugar entre o espaço de sua produção (o
ateliê) e de seu consumo (a exposição) levou-me a
questionar o problema e a significação do lugar da
obra. Compreendi mais tarde que o que se perdia,
o que certamente desaparecia, era a realidade da
obra, sua “verdade”, ou seja, a relação com o local
de sua criação, o ateliê: local em que geralmente
estão misturados trabalhos acabados, trabalhos em
andamento, trabalhos nunca acabados, esboçosetc. Todos esses vestígios, simultaneamente visíveis,
permitem uma compreensão do processo da obra
que o museu definitivamente exclui em seu desejo de
“instalar”. Não se fala cada vez mais em “ instalação”
em vez de “exposição”? E o que se instala não é o
que está próximo de se estabelecer?
2. Histórico
Constantin Brancusi foi o único artista que sempre
me pareceu demonstrar real inteligência frente ao
sistema museal e a suas consequências, e o que
mais tentou combatê-lo − ele tentou evitar que sua
obra nele se cristalizasse e assim ficasse vulnerável
ao capricho de qualquer curador de plantão.
De fato, ao legar grande parte de sua obra com a
expressa recomendação de que fosse conservada
como no ateliê que a viu nascer, Brancusi eliminou
definitivamente a dispersão do trabalho, assim
como toda especulação sobre a obra. Além disso,ofereceu ao visitante exatamente o seu ponto
de vista no momento em que produzia. Foi o
único artista que, mesmo trabalhando no ateliê
e consciente de que lá o trabalho estava mais
próximo de sua “verdade”, assumiu o risco – a
fim de preservar essa relação entre a obra e seu
local de criação – de “confirmar” ad vitam8 sua
produção no próprio lugar em que foi concebida.
Entre outras coisas, ele também produziu um
curto-circuito no desejo do museu de classificar,
embelezar, selecionar e assim por diante. A obra
fica visível tal como foi produzida, para o bem e
para o mal. Assim, Brancusi foi o único a saber
preservar na obra esse lado cotidiano – que o
museu se apressa em retirar de tudo o que exibe.
Podemos afirmar igualmente – mas isso exigiria
estudo mais longo – que a fixação operada na
obra pela visibilidade adquirida em seu lugar de
origem não tem nada a ver com a “fixação” que
o museu exerce sobre tudo o que expõe. Dessemodo, Brancusi prova que a chamada pureza
de suas obras não é menos bela nem menos
interessante entre as quatro paredes de um
ateliê de artista entulhado de utensílios diversos,
de outras obras, algumas inacabadas, outras
terminadas, do que entre as paredes imaculadas
de museus assépticos9.
Posto que toda a produção da arte, tanto ontem
quanto hoje, é não só marcada, mas provém do uso
do ateliê como local essencial (às vezes único) da
criação, todo o meu trabalho deriva de sua abolição.
dezembro de 1970-janeiro de 1971
Tradução Analu Cunha
Revisão técnica Livia Flores
NOTAS
* Este primeiro texto de Daniel Buren dedicado ao ateliersó foi publicado em francês e em inglês em setembro de
1979, em Ragile, Paris, tomo III: 72-77. Esta tradução
baseou-se na versão encontrada em Daniel Buren,
Fonction de l´atelier (1971), Ecrits, v.1, Bordeaux: LAPC -
Musée d´art contemporain, 1991: 195-205
1 Descrevemos adiante o ateliê como arquétipo,
sabendo de antemão que todo artista que se inicia
na vida artística (e alguns deles por toda a vida)
deve contentar-se com barracos miseráveis ou um
cômodo ridiculamente pequeno; todavia, gostaria de
acrescentar que aqueles que conservam, apesar das
dificuldades, os lugares sórdidos em que trabalham
são evidentemente aqueles para quem a ideia de
possuir um ateliê para o trabalho é uma necessidade
– e que, consequentemente, sonham com um
lugar que, se tivessem condições, provavelmente se
aproximaria do arquétipo do qual falamos.
2 Século 19 (NT).
3 Já podemos observar que a exposição de umateliê de artista requer mais cuidados, da partedos arquitetos, com relação à iluminação, aoposicionamento, etc., do que aqueles que o próprioartista toma para controlar a exposição de suas obrasquando saem de seu ateliê!
4 Falamos aqui do estúdio nova- yorkino, pois,
como esse vasto país, em seu desejo de ani
e superar a École de Paris, de triste memória
reproduzido todos os seus defeitos, incluin
principal: forçada centralização que, já ri
na escala da França e mesmo na da Euro
absolutamente grotesca na escala america
certamente nefasta ao desenvolvimento artístic
5 Aos museus americanos, em geral artificial
iluminados, opomos os museus europeus, geral
iluminados pela luz do dia por meio de uma sé
vidraças. Percebemos também que isso cria o
alguns entendem como antagonismo e que,
frequentemente, não passa de diferença de estilo
os ambientes de produção europeu e americano.
6 No original “place” e “une place” (NT).7 No original “en place” e “exactement placée”
8 Para sempre (N.T.).
9 Devemos observar que se o ateliê de Bra
tivesse podido ficar no Impasse Roussin [n
endereço do ateliê] ou ainda em sua própria
(mesmo transportada para outro lugar), a ex
teria sido mais feliz. (N.D.L.R. de Ragile. Esse
escrito em 1971 refere-se à reconstituição do
de Brancusi no Museu de Arte Moderna. D
então, o conjunto de prédios foi reconstruíd
esplanada do novo museu, o Centre Beaubou
que torna obsoleta esta nota.
Daniel Buren nasceu em 1938 em Boul
Billancourt. Em 1960 graduou-se na École Nati
Supérieure des Métiers d’Art, em Paris. Foi um
fundadores do grupo BMPT (iniciais dos ar
membros: Daniel Buren, Olivar Mosset, M
Parmentier e Niele Toroni), de influência situacio A partir da década de 1960, se apropria das
verticais do tecido industrial francês, que utiliz
intervenções no espaço público e em instituiçõ
arte. Vive e trabalha em Paris.
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011196 TEMÁTICAS | JONATHAN CR
O termo “espetáculo” tornou-se de uso
corrente entre o final dos anos 50 e o início
dos 60, graças aos diversos tipos de atividades
atualmente designadas como pré-situacionistas
e situacionistas,1 independentemente de ter sido
ou não originalmente tomado de Critique de la vie
quotidienne, de Henri Lefebvre. Seja no campo de
crítica radical à prática da arte modernista, seja na
discussão política da vida cotidiana ou na análise
do capitalismo contemporâneo, sua influência
intensificou-se claramente com a publicação,
em 1967, de A sociedade do espetáculo, de Guy
Debord.2
Vinte e dois anos depois, a palavra“espetáculo” não apenas persiste como se tornou
lugar-comum no vasto campo dos discursos críticos e não tão críticos assim. Acreditando qu
se tenha desgastado completamente como explicação da operação contemporânea de poder,
ESPETÁCULO, ATENÇÃO, CONTRAMEMÓRIA
Jonathan C
espetáculo atensituacionismo práticas surreali
Neste artigo de 1989, exatamente quando deslocamentos sistêmicos significa
começam a tornar-se evidentes, Jonathan Crary indaga em que medida o us
termo espetáculo, que ganha força com a emergência do situacionismo nos a
60, pode ainda contribuir para nossa compreensão sobre modos não coercit
de funcionamento do poder. A partir dessa perspectiva, Crary discute indicafornecidas por autores como Baudrillard, Benjamin, T.J. Clark e pelo próprio
Debord, localizando no final da década de 1920 desenvolvimentos históricos cru
que transformam a natureza da atenção exigida do sujeito moderno e informam t
a noção de espetáculo quanto as tentativas de resistência a seus poderes.
Montagem de imagens capturadas dos filmes de Fritz Lang: Dr. Mabuse,The Gambler (1924) e The Testament of Dr. Mabuse (1931), LiviaFlores, 2011 (Dr Mabuse-Livia copy.jpg)
SPECTACLE, ATTENTION, COUNTER-MEMORYthis article from 1989, precisely when sign
systemic movements were becoming evident, Jonathan Crary questions to what ethe use of the term show, which gained with the emerging Situationism in the 1960s
still contribute to our understanding of thecoercive ways of how power functions. Fromviewpoint, Crary discusses indications by au
such as Baudrillard, Benjamin, T.J. Clark andDebord himself, positioning in the late crucial historical developments that transfothe nature of attention required for the m
subject and informed both the notion of showattempts to resist its powers. | Show, atte
Situationism, surrealist practices.
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entretanto indagar se o atual sentido do termo
mantém o significado do início dos anos 60. Que
conjunto de forças e instituições ele designa?
E, se elas sofreram transformações, que tipos
de prática são hoje necessários para resistir aos
efeitos do espetáculo?
Pode-se ainda questionar em que medida o
conceito de espetáculo não impõe unidade
ilusória sobre um campo por demais heterogêneo.
Trata-se de conceito totalizante e monolítico,
inadequado para representar incomensurável
pluralidade de instituições e eventos? Para
alguns, um aspecto problemático do termo
“espetáculo” é a presença quase que ubíqua
do artigo definido que o precede, sugerindo
um sistema de relações único, global e semfissuras. Para outros, implica mistificação do
funcionamento do poder, nova explicação do tipo
“ópio do povo”, apontando para uma formação
cultural e institucional vaga, com autonomia
estrutural suspeita. Ou um conceito como o de
espetáculo é ainda ferramenta necessária para se
compreender o deslocamento radical e sistêmico
na maneira como o poder funciona de forma
não coercitiva na modernidade do século 20?
É um meio indispensável para revelar relações
entre fenômenos que de outra forma pareceriam
disparatados e sem conexão? Não serviria para
evidenciar como, à maneira de uma colcha de
retalhos, um mosaico de técnicas pode ainda
constituir um efeito homogêneo de poder?
Característica surpreendente do livro de Debord
é a ausência de qualquer tipo de genealogia
histórica do espetáculo, e essa ausência deve ter
contribuído para a impressão de que o espetáculosurgiu totalmente do nada. Então, a questão que
me interessa é a seguinte: considerando que o
espetáculo de fato designa um certo conjunto
de condições objetivas, quais são suas origens?
Quando podemos dizer que começou a vigorar
efetivamente? E não pergunto isso apenas como
exercício acadêmico. Para ter qualquer eficácia
prática ou crítica, o termo depende, em parte,
de como é periodizado; isto é, “espetáculo” irá
assumir significados bem diferentes dependendo
de como for historicamente situado. É algo mais
do que mero sinônimo para capitalismo tardio?
Ou para o crescimento dos meios e tecnologias
de comunicação de massa? É mais do que uma
versão atualizada da indústria cultural ou da
consciência, delas cronologicamente distinta?
O trabalho “inicial” de Jean Baudrillard fornece
alguns parâmetros gerais para o que podemos
chamar de pré-história do espetáculo (que
Baudrillard considera ter desaparecido em
meados da década de 1870). Segundo esse
autor, que escreve no final dos anos 60, uma das
consequências cruciais das revoluções político-
burguesas foi a força ideológica que deu vida aos
mitos dos direitos do homem: o direito à igualdade
e à felicidade. O que ele vê acontecer no século
19 é que, pela primeira vez, provas concretas
se tornaram necessárias para demonstrar que a
felicidade, de fato, havia sido obtida. Felicidade,
diz ele, “tinha que ser mensurável em termos de
signos e objetos”, signos que fossem evidentes
ao olho como “critérios visíveis”.3 Algumas
décadas antes, Walter Benjamin também
descrevera a “fantasmagoria da igualdade” no
século 19 em termos de uma transformação
do cidadão em consumidor. O relato de
modernidade de Baudrillard é o de crescente
desestabilização e mobilidade de signos que, até
a Renascença, ainda se encontravam firmementeenraizados em posições relativamente seguras
dentro de hierarquias sociais fixas.4 Assim, de
acordo com Baudrillard, a modernidade está
ligada à luta das novas classes de poder para
tentar superar essa “exclusividade dos signos” e
iniciar a “proliferação de signos sob demanda”.
Imitações, cópias e falsificações desafiam tal
exclusividade. Logo, o problema da mímese não
é de estética mas de poder social, e a emergência
do teatro italiano e da perspectiva na pintura são
o começo dessa capacidade sempre crescente
de produzir equivalências. Obviamente, porém,
para Baudrillard e muitos outros, é no século
19, junto com novas técnicas industriais e formas
de circulação, que um novo tipo de signo aparece:
“objetos potencialmente idênticos produzidos em
série indefinidamente”. No entender do autor, “a
relação de objetos em tais séries é de equivalência e
indiferença... e é no nível da reprodução, da moda,
da mídia, da publicidade, da informação e dacomunicação (setores não essenciais do capitalismo,
segundo Marx)... que o processo global do capital
se mantém coeso”. O espetáculo coincidiria então
com o momento em que o valor simbólico ganha
precedência sobre o valor de uso. A questão
da localização desse momento na história da
mercadoria, entretanto, continua em aberto.
T.J. Clark oferece periodização muito mais
específica na introdução de seu livro The Painting
of Modern Life. Caso se concorde com Clark, as
origens do modernismo e do espetáculo não
apenas coincidem; são indissociáveis. Escrevendo
sobre as décadas de 1860 e 1870, Clark usa o
espetáculo para explicar a íntima solidariedade
entre a arte de Manet e a emergência dessa nova
configuração social e econômica. Essa sociedade
do espetáculo, escreve ele, está ligada a uma
“massiva expansão interna do mercado capitalista
– a invasão e reestruturação de áreas inteirasde tempo livre, vida privada, lazer e expressão
pessoal... isso indica nova fase da produção de
mercadorias – o marketing, a transformação em
mercadoria de grandes áreas da prática social,
antes casualmente referidas como vida cotidia
Na cronologia de Clark, o espetáculo coincide
a fase inicial do imperialismo moderno ocid
com duas expansões paralelas do mercado g
uma interna e a outra externa.
Apesar de considerar impossível a idei
“temporalidade pura”, ele localiza o começ
espetáculo no final das décadas de 1860 e
citando a comercialização de aspectos da v
do lazer como consequência do deslocamen
Labbe, Edmond. Exposition internationale des arts et des techniquParis : Ministère du commerce et de l’industrie, 1941, via: http://bnecke.library.yale.edu (1110275.jpg)
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um tipo de produção capitalista para outro. Esse
deslocamento, observa, “não foi mera questão de
reformulação ideológica e cultural, mas de total
transformação econômica”. Quais são, contudo,
segundo Clark, os exemplos dessa avassaladora
modificação? “Uma mudança para o mundo dos
grands boulevards e grands magasins, indústrias
correlatas, turismo, recreação, moda e exibição”.
Surpreendentemente, Clark lembra seus leitores
de que o espetáculo foi projetado “antes de mais
nada como uma arma de combate” na década
de 1960.6 Estaria ele sugerindo que a estrutura
política e econômica desse mundo de avenidas
e lojas de departamentos é, em sua essência,
contínua ao que Debord descreveu como lugar
de contestação em 1967? E que as lutas culturais[cultural politics] dos anos 60 ocorreram em
condições semelhantes àquelas de 1870? A
insinuação de que a noção de espetáculo seria a
mesma na Paris de Manet e na de Debord é, no
mínimo, problemática.
Ao referir-se à reconstrução de Paris por Hauss-
mann, um dos exemplos mais familiares de mo-
dernização do século 19, Clark apresenta-a como
parte da transformação do capitalismo de peque-
nos empreendimentos em formas crescentes de
monopólio. E a Paris pós-Haussmann torna-se
para ele a expressão visível de um novo alinha-
mento de classes. Essa maneira de dispor o espe-
táculo, porém, pressupõe que ele seja uma forma
de dominação imposta de fora a uma população
ou indivíduo. O tipo de mudanças que o autor
descreve permanece essencialmente exterior à
constituição de um sujeito individual, reservando-
lhe posição distanciada, a partir da qual o espe-táculo poderia ser rememorado e representado,
ainda que de forma imperfeita. Ao periodizá-lo
dessa maneira, Clark desconsidera a possibilidade
de que o espetáculo tanto signifique uma reorga-
nização fundamental do sujeito quanto a cons-
trução de um observador;7 este último é o pré-
requisito para a transformação da vida cotidiana
que então se iniciava. Ao fazer da sociedade do
espetáculo quase um equivalente da sociedade de
consumo, Clark dilui sua especificidade histórica e
negligencia alguns aspectos do espetáculo que fo-
ram cruciais para a prática política do situacionis-
mo nos anos 60: o espetáculo como nova forma
de poder de recuperação e absorção, capacidade
de neutralizar e assimilar atos de resistência ao
convertê-los em objetos ou imagens de consumo.
O próprio Guy Debord datou de maneira
surpreendentemente precisa o início da sociedade
de espetáculo. Em texto publicado em 1988, ele
registra que em 1967, data de seu livro original,o espetáculo mal completara 40 anos.8 Não
um número arredondado, como 50, mas 40 –
portanto, 1927 ou, pelo menos, final dos anos
20. Infelizmente, ele não fornece indicação do
motivo pelo qual destaca esse momento. Isso
me deixou curioso sobre o que Debord tinha em
mente ao designar o final dos anos 20 como limiar
histórico, situando a origem do espetáculo quase
meio século mais tarde do que Clark. Ofereço
então algumas especulações fragmentárias sobre
eventos muito dispersos que poderiam estar
implícitos na observação de Debord.
1. O primeiro é tão simbólico quanto concreto.
O ano de 1927 assistiu ao aperfeiçoamento
tecnológico da televisão. Vladimir Zworikin,
nascido na Rússia e formado físico e engenheiro
nos EUA, patenteou seu iconoscópio – o primeiro
sistema eletrônico de tubo contendo uma pistola
de elétrons e uma tela formada por um mosaico decélulas fotoemissivas, cada uma delas produzindo
carga proporcional à intensidade variável de luz da
imagem exibida na tela. Justamente no momento
em que a consciência sobre a era da reprodução
mecânica aumentava, apareceu um novo modelo
de transmissão e circulação que iria ultrapassar
essa época, dispensando sais de prata ou suporte
físico permanente.9 O espetáculo estava prestes a
se tornar inseparável desse novo tipo de imagem,
de sua velocidade, ubiquidade e simultaneidade.
Igualmente importante, porém, foi o fato de que, no
final dos anos 20, quando ocorreram as primeiras
transmissões experimentais, estava sendo implantada
vasta rede interligando formas de controle
corporativas, militares e estatais sobre a televisão.
Até então nenhuma técnica de regulamentação
institucional havia sido planejada e repartida com
tamanha antecipação. Assim, em certo sentido,
grande parte do território do espetáculo, o domínio
intangível de seu espectro, já havia sido diagramadoe padronizado antes de 1930.
2. Talvez a estreia do filme The Jazz Singer , em
1927, seja ainda mais imediatamente significativa,
assinalando a chegada do filme sonoro, e
especificamente, do som sincronizado. Isso não
foi apenas uma transformação na natureza da
experiência subjetiva; foi também acontecimento
que trouxe consigo completa verticalização de
produção, distribuição e exibição na indústria do
filme e seu amálgama com os conglomerados
corporativos que detinham as patentes sonoras
e forneciam capital à onerosa mudança para a
nova tecnologia.10 De novo, como no caso da
televisão, a nascente infraestrutura institucional e
econômica do espetáculo se estabelecia.
Especificar o som aqui torna evidente que o poder
do espetáculo não pode ser reduzido a modelo
óptico; ao contrário, ele é inseparável de umaorganização mais ampla do consumo perceptivo.
É claro que o som fez parte do cinema desde
o início através de formas variadas que a ele se
somavam, mas a introdução do som sincronizado
transformou a natureza da atenção que era ex
do espectador. Talvez essa seja a ruptura qu
com que as formas anteriores de cinema fi
de fato mais próximas dos aparelhos óptic
final do século 19. A plena coincidência
som e imagem, voz e figura, não foi apenas
e crucial maneira de organizar espaço, tem
narrativa, mas de impor maior autoridade so
espectador, obrigando-o a novo tipo de ate
Claro indício desse deslocamento pode ser
nos dois filmes de Fritz Lang da série Ma
Em Dr. Mabuse, o jogador , filme mud
1924, o protofascista Mabuse exerce o co
através de seu olhar com poder hipnotizan
em O Testamento do Dr. Mabuse (1931),
encarnação do mesmo personagem domina
subalternos apenas através de sua voz, que e
por trás de uma cortina (que, como se desc
não esconde uma pessoa, mas um aparelh
gravação e alto-falante).
E desde a década de 1890 até a de 1930, um
Television Sp y, 1939, via: www.tvhistory.tv
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problemas centrais da psicologia tradicional foi
a natureza da atenção: a relação entre estímulo
e atenção, problemas de concentração, foco e
distração. A quantas fontes de estímulo alguém
podia prestar atenção simultaneamente? Como
estimar a influência da novidade, da familiaridade
e da repetição sobre a atenção? Era um problema
cuja proeminência no discurso psicológico
estava diretamente relacionado à emergência de
um campo social cada vez mais saturado com
informações sensoriais. Algumas dessas questões
foram tratadas no trabalho de James McKeen
Cattell, cujos experimentos com estudantes da
Universidade de Columbia forneceram dados hoje
clássicos para a noção de limiar de atenção. Grande
parte dessa pesquisa estava inicialmente ligada ànecessidade de informação sobre a atenção no
contexto da produção racionalizada, mas antes
mesmo de 1910 já haviam sido feitas centenas de
estudos em laboratórios experimentais voltados
especificamente para a variação da atenção na
publicidade (incluindo títulos como O valor da
atenção em anúncios periódicos, Atenção e
os efeitos da dimensão na publicidade de rua,
Publicidade e as leis da atenção mental, Medição
da atenção a valores de cor na publicidade , este
último, uma dissertação de 1913 da Universidade
de Columbia).
Foi também em 1927 que Walter Benjamin
começou seu projeto das Passagens, obra na
qual pretendia apontar para uma “crise da
própria percepção”, resultante da avassaladora
reconfiguração do observador por uma calculada
tecnologia do indivíduo derivada de novo
conhecimento do corpo. No decorrer da escritadas Passagens, o próprio Benjamin interessou-se
pela questão da atenção e de suas relações com
os temas do choque e da distração, buscando em
Matéria e Memória, de Henri Bergson, saída para o
que ele considerava percepção “desnaturalizada e
padronizada” das massas. Bergson havia lutado para
resgatar a percepção de seu estatuto de puro evento
psicológico; em sua opinião, atenção era questão de
engajamento do corpo, de inibição do movimento,
estado de consciência preso ao presente. A
atenção, porém, só podia ser transformada em algo
produtivo se estivesse vinculada a alguma atividade
mais profunda da memória.
A memória recria a percepção presente...
fortalecendo-a e enriquecendo-a... Se
depois de termos fixado o olhar sobre um
objeto, desviamos abruptamente nossos
olhos, obtemos uma “pós-imagem” [image
consécutive] dele. É verdade que estamos
lidando aqui com imagens fotografadasno próprio objeto, e com recordações que
se seguem imediatamente à percepção,
da qual são apenas o eco. Mas por trás
dessas imagens idênticas ao objeto, há
outras guardadas na memória que apenas
se lhe assemelham...11
O que Bergson procurava descrever era a vitalidade
do momento em que se produzia uma separação
consciente entre memória e percepção, momento
no qual a memória permitia reconstruir o objeto
da percepção. Deleuze e Guattari descreveram
efeitos similares da entrada da memória na
percepção, por exemplo, na percepção de um
rosto: ele pode ser visto como um vasto conjunto
de micromemórias e uma rica proliferação de
sistemas semióticos, ou, o que é bem mais
comum, em termos de tristes redundâncias de
representações; é nelas, dizem, que as conexões
com as hierarquias das formações de poderpodem sempre ser efetivadas.12 Esse tipo de
redundância da representação que a inibição
e o empobrecimento da memória acarretam
era o que Benjamin via como padronização da Estréia do filme The Jazz Singer , 1927
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percepção ou o que podemos chamar de efeito
do espetáculo.
Apesar de considerar Matéria e Memória “obra
imponente e monumental”, Benjamin reprovava
Bergson por circunscrever a memória ao quadro
isolado da consciência individual; as pós-imagens que
interessavam a Benjamin eram as da memória histórica
coletiva, imagens fantasmagóricas do obsoleto com
capacidade de promover novo despertar social.13 A
apreensão benjaminiana da atual crise da percepção
é assim filtrada por pós-imagem ricamente elaborada
em meados do século 19.
3. Dado o conteúdo do trabalho de Debord,
podemos supor outro desenvolvimento crucial emfinais dos anos 20: a escalada do fascismo e, logodepois, do stalinismo, e a maneira pe la qual deramcorpo a modelos de espetáculo. Importante,
por exemplo, foi o uso inovador e sinérgico que
Goebbels fez de qualquer meio de comunicação
disponível, sobretudo o desenvolvimento da
propaganda audiovisual e sua desvalorização da
palavra escrita, porque ler implicava tempo para
reflexão e pensamento. Numa campanha eleitoral
de 1930, Goebbels enviou pelo correio 50 mil
gravações fonográficas de um de seus próprios
discursos para eleitores especialmente escolhidos.
Goebbels também introduziu o avião na política,
transformando Hitler no primeiro político a
voar para diferentes cidades no mesmo dia.
Viagens aéreas funcionavam como instrumento
de propagação da imagem do líder, produzindo
inédita sensação de ubiquidade.
Como parte dessa tecnologia mista da atenção,a televisão desempenharia papel crucial. Estudos
recentes mostraram que o desenvolvimento da
televisão na Alemanha estava mais adiantado
do que em qualquer outro país.14 A televisão
Triumph of the Will, filme de Leni Riefenstahl, 1934
Triumph of the Will , filme de LeniRiefenstahl, 1934
In girum imus nocte et consumimigni, filme de Guy Debord, 1978
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alemã iniciou suas transmissões regulares em
1935, quatro anos antes dos EUA. Fica claro que
os nazistas não se deram conta de sua eficácia
como instrumento de controle social, mas os
primórdios de sua história na Alemanha lançam
luz sobre os diferentes modelos de organização
espetacular que estavam sendo propostos nos
anos 30. Logo surgiu grande cisão entre as forças
corporativas monopolistas e o partido nazista
em relação ao desenvolvimento da televisão na
Alemanha. O partido queria centralizar e tornar
a televisão acessível em salas de exibição pública,
ao contrário do uso descentralizado do rádio
em casas particulares. Goebbels e Hitler tinham
em mente a recepção coletiva acreditando que
essa era a forma mais eficaz. Para esse fim,
foram designadas salas públicas de televisão,
com capacidade variável de 40 a 400 lugares, de
forma não muito diferente da que promoveu o
desenvolvimento posterior da televisão na URSS,
onde também se favoreceram os ambientes de
recepção massiva. Segundo o diretor nazista
de radiodifusão, em texto de 1935, a “missão
sagrada” da televisão era “incutir de forma
indelével a imagem do Führer no coração do povo
alemão”.15 Por outro lado, o poder corporativo
visava à recepção domiciliar para maximizar os
lucros. Um modelo queria fazer da televisão uma
técnica a serviço das demandas do nazifascismo
em geral – um meio de mobilizar e incitar as
massas – enquanto os agentes do capitalismo
pretendiam privatizar e dividir para impor um
modelo celular.
É fácil esquecer que em A sociedade do espetáculo
Debord distinguiu dois modelos diferentes de
espetáculo; um que chamou de “concentrado”
e o outro de “difuso”, evitando assim que a
palavra espetáculo se tornasse simples sinônimo
de capitalismo tardio ou de consumo. Espetáculo
concentrado era o que caracterizava a Alemanha
nazista, a Rússia stalinista e a China maoísta; o
modelo mais proeminente de espetáculo difuso
era o dos EUA:
Onde quer que o espetáculo concentrado
domine, a polícia também domina... ele é
acompanhado de violência permanente.
A imagem imposta do bem inclui em
seu espetáculo a totalidade de tudo
que existe oficialmente e em geral se
concentra em um só homem, garantia de
coesão totalitária. Todos devem identificar-
se magicamente com essa celebridade
absoluta – ou desaparecer.16
O espetáculo difuso, por outro lado, deixa-seacompanhar pela abundância de mercadorias. E
é certamente a esse modelo que Debord dedica a
maior parte de sua atenção em seu livro de 1967.
A propósito, menciono o famoso repúdio de
Michel Foucault ao espetáculo em Vigiar e punir :
“Nossa sociedade não é a sociedade do espetáculo,
mas a da vigilância; sob a superfície das imagens,
investe-se a fundo nos corpos.”17 O espetáculo,
entretanto, é também um conjunto de técnicas
de administração dos corpos, de administração
da atenção (estou parafraseando Foucault)
“para assegurar a ordenação das multiplicidades
humanas”, “seu objetivo é fixar, é uma técnica
antinomádica”, “usa procedimentos de divisão e
celularidade (...) nos quais o indivíduo é reduzido
enquanto força política”.18 Suspeito que Foucault
não tenha passado muito tempo vendo televisão
ou pensando a respeito, pois não teria sido difícil
enxergá-la como aperfeiçoamento suplementar da
técnica do panóptico. Nela, vigilância e espetáculo não são termos opostos, como ele insiste, mas
que se eclipsam reciprocamente em favor de um
aparato disciplinar mais efetivo. Desenvolvimentos
recentes confirmam de forma literal esse modelo
de imbricação: aparelhos televisivos que contêm
tecnologia avançada de reconhecimento da
imagem servem para monitorar e quantificar o
comportamento, a atenção e o movimento do
olho do espe ctador.19
Em 1988, porém, Debord vê seus dois modelos
originais de espetáculo – o difuso e o concentrado
– tornarem-se indistintos, convergindo para
o que ele chama de a “sociedade integrada do
espetáculo”. 20 Em seu livro, profundamente
pessimista, ele descreve um alinhamento mais
sofisticado de elementos oriundos dos modelos
anteriores, um arranjo flexível do poder global
que se adapta a necessidades e circunstâncias
locais. Em 1967 ainda havia marginalidade e
periferias que escapavam a esse domínio. Hoje,porém, insiste, o espetáculo se infiltrou em
tudo e tem controle absoluto sobre produção,
percepção e, principalmente, sobre a forma do
futuro e do passado.
Mais do que qualquer outro aspecto isolado,
Debord vê instalar-se no âmago do espetáculo
a aniquilação do conhecimento histórico – em
particular, a destruição do passado recente. Em
seu lugar, impera o presente perpétuo. História,
pondera, sempre foi a medida pela qual a novidade
era avaliada, mas qualquer um que esteja nesse
negócio de vender novidade tem interesse em
destruir os meios pelos quais ela pode ser julgada.
Dessa forma, produzem-se incessante aparência
do importante e, quase imediatamente, sua
aniquilação e substituição: “Aquilo sobre o que o
espetáculo para de falar durante três dias já não
existe mais.”21
Para concluir, gostaria de comentar brevemente
duas diferentes respostas à nova textura da
modernidade que toma forma a partir dos anos
20. O pintor Fernand Léger escreve em 1924 um
ensaio intitulado O espetáculo, publicado
após a realização de seu filme Balé mecânico
O ritmo da vida moderna é tão dinâ
que uma fatia de vida vista da varan
um café é um espetáculo. Os mais div
elementos se chocam e empurram un
outros. O jogo de contrastes é tão viol
que há sempre um exagero no e
daquilo que se vislumbra. Na ave
dois homens estão carregando
letras douradas imensas num car
de mão: o efeito é tão inesper
que todo mundo para e olha. Aí
a origem do espetáculo moderno (.
choque do efeito surpresa.22
Léger passa então a detalhar como a public
e as forças comerciais tomaram a diantei
produção do espetáculo moderno e cita a
de departamentos, o mundo da moda
ritmos de produção industrial como fo
que conquistaram a atenção do públic
objetivo de Léger é idêntico: quer conq
aquele mesmo público. Naturalmente, ele
escrevendo num momento de incerteza
os rumos de sua própria arte, quando enc
dilema do que pode significar uma arte pú
O confuso programa que ele lança com
texto, no entanto, é uma instância inicia
manobras de todos aqueles – de Warho
assim chamados simulacionistas atuais –
acreditam ou pelo menos reivindicam
ganhando a partida contra o espetáculo
seu próprio campo. Léger resume esse tip
ambição: “vamos levar o sistema a seu lim
propõe; e oferece sugestões vagas de pinexterior de fábricas e prédios de apartam
de várias cores, usar novos materiais e co
los em movimento. Essa tentativa inefica
superar a sedução do espetáculo, porém, t
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se cúmplice de sua aniquilação do passado e do
fetichismo do novo.
Também em 1924, o primeiro Manifesto surrealista
sugere estratégia estética bem diferente de enfren-
tamento da organização espetacular da cidade mo-
derna. Refiro-me ao que Walter Benjamin chamou
de dimensão “antropológica” do surrealismo23 − es-
tratégia de virar ao avesso o espetáculo da cidade
pelo recurso à contramemória e a contraitinerários.
Tais percursos revelariam a potência dos espaços
abandonados, fora das principais vias de circulação,
e dos objetos antiquados excluídos de suas superfí-
cies polidas. Essa estratégia encarnava uma recusa
ao presente imposto; ao recuperar fragmentos de
um passado arruinado, esboçava-se implicitamente
uma imagem alternativa de futuro. E, apesar da na-
tureza equívoca de muitos desses gestos surrealistas,
não é por acaso que eles reapareceriam, sob novas
formas, nas táticas situacionistas dos anos 60, na
noção de deriva ou perambulação, de desvio (dé-
tournement), de psicogeografia, de ato exemplar e
de situação construída. Se hoje essas práticas têm
ainda alguma vitalidade ou mesmo relevância, isso
depende em larga medida do que uma arqueolo-
gia do presente tem a nos dizer. Estamos ainda em
meio a uma sociedade organizada como aparência?
Ou entramos em um sistema global não espetacular
organizado principalmente em torno do controle e
da circulação de informações – um sistema cuja ad-
ministração e regulação da atenção exigiria formas
totalmente novas de resistência e memória?25
Tradução Livia Flores Lopes
Revisão técnica Tadeu Capistrano
NOTAS
Este artigo foi originalmente publicado na revistaOctober , v. 50, Outono, 1989:96-107.
1 Este artigo foi apresentado originalmente no VI
International Colloquium on Twentieth Century
French Studies, “Revolutions 1889-1989”, na
Universidade de Columbia, em 30.3-1.4 1989.
2 Guy Debord, A sociedade do espetáculo, Rio de
Janeiro: Contraponto, 1977
3 Jean Baudrillard, La societé de consommation: ses
mythes, ses structures, Paris, Gallimard, 1970 :60.
4 Uma passagem bem conhecida do Baudrillard
“tardio” amplia essa referência: “Não existe nada
parecido com moda numa sociedade de castas e
estamentos, onde cada um tem seu lugar assinalado
de forma irrevogável. Assim, a mobilidade de classes
é inexistente. Uma proibição protege os signos e
assegura-lhes total clareza; cada signo se refereinequivocamente a um status (…) Nas sociedades
de casta, feudais ou arcaicas, os signos são
numericamente limitados e de difusão restrita (...)
Cada signo é uma obrigação recíproca entre castas,
clãs ou pessoas.” Simulations, trad. Paul Foss, New
York, Semiotexte, 1983:84.
5 T. J. Clark, The Painting of Modern Life: Paris in the
Art of Manet and His Followers, Princeton: Princeton
University Press, 1984:9.
6 Idem, ibidem:10.
7 J. Crary justifica o uso do termo observador em
detrimento de espectador por suas ressonâncias
etimológicas que remetem à conformação a usos e
códigos (observar uma regra, por exemplo). Enquanto
o termo espectador “designa uma testemunha que
assiste a um espetáculo sem participar, tanto numa
galeria de arte quanto no teatro”, o observador
se inscreve na trama histórica como “efeito de um
sistema irredutivelmente heterogêneo de relações
discursivas, sociais, tecnológicas e institucionais”.
Ver Crary, Jonathan. Techniques of the Observer:
on Vision and Modernity in the Nineteenth Century .
Cambridge: MIT, 1990. (NT)
8 Guy Debord, Commentaires sur la société du
spectacle, Paris: Editions Gerard Lebovici, 1988:13.
9 O historiador da ciência Francois Dagognet assinala
o caráter revolucionário desse advento em seu livro
Philosophie de I’image, Paris: J. Vrin, 1986:57-58.
10 Ver Steven Neale, Cinema and Technology: Image,
Sound, Colour , Bloomington: University: 1985:62-
102; e Douglas Gomery, Toward an Economic History
of the Cinema: The Coming of Sound to Hollywood,
in Teresa de Lauretis and Stephen Heath (eds.), The
Cinematic Apparatus, London: Macmillan, 1980:38-46.
11 Henri Bergson, Matter and Memory , trad. N.
M. Paul and W. S. Palmer, New York: Zone Books,
1988:101-103.
12 Ver, por exemplo, Félix Guattari, Les machinesconcretes, in La revolution moleculaire, Paris: Encres,
1977:364-376.
13 “Pelo contrário, ele [Bergson] rejeita qualquer
determinação histórica da memória. Ele consegue
assim antes de mais nada se distanciar da experiência
da qual se originou sua própria filosofia, ou
melhor, da experiência contra a qual sua filosofia
reagia. Tratava-se da inóspita e ofuscante era do
industrialismo em grande escala.” (Walter Benjamin,
Illuminations, trad. Harry Zohn, New York: Schocken,
1969:156-157).
14 Baseei-me na valiosa pesquisa de William
Uricchio, Rituals of Reception, Patterns of Neglect:
Nazi Television and its Postwar Representation, Wide
Angle, v.10, n.4:48-66. Ver também Robert Edwin
Herzstein, The War That Hitler Won: Goebbels and
the Nazi Media Campaign, New York: Paragon, 1978.
15 Apud Uricchio, op. cit.:51.
16 Debord, Society of the Spectacle, sec. 64.
17 Michel Foucault, Discipline and Punish, trad. Alan
Sheridan, New York: Pantheon, 1976:217.
18 Idem, ibidem:218-219.
19 Ver, por exemplo, Bill Carter, TV Viewers, Be
Nielsen May Be Looking, The New York Times
1, 1989:Al.
20 Debord, Commentaires, op. cit.:17-19.
21 Idem, ibidem:29.
22 Fernand Léger, Functions of Painting,
Alexandra Anderson, New York: Viking, 1973:3
23 Walter Benjamin, One Way Street, trad. Ed
Jephcott and Kingsley Shorter, London: New
Books, 1979:239. Christopher Phillips suger
que o final da década de 1920 teria sido igualm
crucial para Debord como o momento em q
surrealismo foi cooptado, isto é, no qual seu pot
revolucionário original foi anulado por uma ins
espetacular inicial de recuperação e absorção.24 Sobre essas estratégias, ver os documento
Ken Knabb (ed.), Situationist International Anth
Berkeley: Bureau of Public Secrets, 1981.
25 Ver meu texto Eclipse of the Spectacle, in
Wallis (ed.), Art After Modernism, Boston:
Godine, 1984:283-294.
Jonathan Crary é professor de história e t
da arte moderna na Universidade de Coludesde 1989. É cofundador e editor de Zone B
e autor dos livros Techniques of the Observe
Vision and Modernity in the Nineteenth Ce
(MIT Press, 1990) e Suspensions of PercepAttention, Spectacle and Modern Culture (OcBooks, 2000). Tem inúmeros artigos public
em revistas como Art in America , Artfo
October, Assemblage, Cahiers du cinéma,Comment, Grey Room e Domus , além de en
críticos em mais de 30 catálogos de exposiçã
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/ufr j | n. 23 | nov 2011 ARTIGOS | CYBELE VIDAL NETO FERNAN210
AnaluCinema mud
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011212 RESEN
RESENHAS
Heloisa Schneiders da Silva obra e escritos
Zielinsky, Mônica (org.)
Porto Alegre: MARGS, 2010
Glória Ferreira
Merecedor do V Prêmio Açorianos de Artes Plásticasde 2011, o livro Heloisa Schneiders da Silva obra
e escritos, com impecável organização de Mônica
Zielinsky, nos introduz ao potente universo daprodução de uma artista que, embora ainda pouco
reconhecida no resto do Brasil, conta com amplaestima no meio de arte do Rio Grande do Sul.
Morta em 2005, aos 50 anos, após árdua lutacontra enfermidade degenerativa desde muito
jovem, a artista vem tendo sua obra catalogada
e difundida pelo Projeto Heloisa Schneiders daSilva, formado por iniciativa de familiares, amigos
e profissionais da área. Depois de realizar, entreoutras atividades, sua exposição monográfica em
2009, no MARGS, o projeto, com o apoio dessemuseu, através da Lei Rouanet, é responsável pelapublicação em pauta, com extensa apresentação
de sua obra pictórica e suas fotografias.
Além dos esclarecedores textos de Mônica
Zielinsky e do crítico Gaudêncio Fidelis, e deabrangente cronologia organizada por Beatriz
Kessler Fleck e Ricardo Schneiders da Silva, sãotrazidos a público inúmeros escritos da artista.Reproduzidos de seus Cadernos de Anotações
e apresentados em seções − Sobre arte, Sobre
pintura, Outros escritos, Sobre arte postal −, eles
permitem apreender suas reflexões a respeito de
seu processo de trabalho e sua visão sobre a arte.
Surpreende a densidade de sua pesquisa pictóricapara quem praticamente desconhece seu trabalho,como é o meu caso, salvo por uma exposição na
Galeria Macunaíma, em 1985, relatos de seus
parceiros, como Karin Lambrecht, e, agora, esse
livro. Heloisa parece buscar os limites possíveis
da pintura, como nos trabalhos dos anos 80,
em que associa superfícies em que predomina a
cor, estiradas, porém, como “peles no espaço”,
perfuradas por caules, bastões de madeira ou
troncos retorcidos. Nessas “pinturas-objetos”,
assim nomeadas pela artista, “as telas”, assinala
Mônica Zielinsky, “subvertem seu emprego
tradicional e discutem os planos ortogonais que
acolhem a pintura, enquanto esta passa a ocupar
muitas vezes o espaço circundante”.
Formada pelo Instituto de Artes da UFRGS, no qual
ingressa em 1974, tendo como colegas e amigos,
entre outros, Karin Lambrecht, Mara Alves,
Simone Michelin, Regina Coeli, Renato Heuser,compartilha ativamente atividades acadêmicas e
experimentais dos alunos, como na elaboração
coletiva dos álbuns Relinguagem (1978) e
Relinguagem (1979). Aluna de Carlos Pasquetti,
desenvolve louvada pesquisa e produção na
área do desenho, que se inscreve em momento
singular de investigação em Porto Alegre e que
leva, segundo a organizadora do livro, “a uma
reavaliação do substrato construtivo e ideológico
da produção artística local”. Durante breve período
foi professora do Instituto de Artes e orientou
artistas como Elida Tessler. Participou igualmente
de diversas ações coletivas de caráter experimental
e dos debates sobre os caminhos da arte e de sua
circulação pública, algumas realizadas no Espaço
N.O. “Em meio a essas escolhas”, ainda de acordo
com Mônica Zielinsky, “a artista salienta, desde os
primeiros tempos de vida artística, a importância
que atribui à experimentação e à multiplicidade
de ações; compreende a arte como manifestaçãoplural, que se estabelece como rede, ao referir-se,
a título de exemplo, à arte postal”.
É conhecida sua relação com a natureza, tendo
adotado, durante longo período, o lobo como
temática de muitos trabalhos. Simone Michelin, em
breve conversa, informa que o lobo como símbolo
revelava sua busca de certa pureza associada com
a questão do animal. Em seu ensaio sobre a obra
da artista no contexto dos anos 80, Gaudêncio
Fidelis assinala que “a predisposição de conviver
com um universo próximo à natureza foi, antes
de tudo, uma posição política da artista que teve
impacto direto na realização de sua pintura e que
a diferencia conceitualmente dos novos selvagens
ou expressionistas, com suas atitudes mais cínicas
em relação à linguagem da pintura como uma
tradição histórica e culturalmente definida”.
Enfim, se o livro Heloisa Schneiders da Silva obras
e escritos tem o grande mérito de nos introduzir
no universo dessa apreciada artista, ele aportatambém amplo e necessário conhecimento sobre
a relevante produção artística contemporânea no
Rio Grande do Sul.
No contemporâneo: arte e escritura
expandidas
Roberto Corrêa dos Santos; Renato Rezende
Rio de Janeiro: Ed. Circuito, 2011, 124p.
Ana Mannarino
Os autores de No contemporâneo: arte e
escritura expandidas enfrentam o desafio de
desenvolver livro acerca de uma produção artística
que é, ela própria, a um só tempo, proposição
estética e reflexão teórica: o trabalho de artistas
contemporâneos brasileiros que operam nas
fronteiras, dissolvidas, entre artes plásticas e
poesia, imagem e escrita, texto e visualidade.
Como refletir e produzir um livro acerca dessaprodução sem trair seu propósito de abertura, sem
reduzir sua força, sem limitar suas possibilidades
de aproximação e de leitura? Paralelamente, não
há como negar a necessidade dessa reflexão sobre
as obras, de debruçar-se sobre elas, provoc
conexões que potencializem seu alcan
a produção de novos sentidos e relaçõe
caminho proposto pelos autores é fazer um “
de-artistas-pesquisadores” situando-o també
mesma difusa fronteira entre pesquisa teó
produção artística em que se encontram as
nele abordadas.
Na breve introdução ao livro, parte do Pr
para a Construção Adisciplinar de uma
da Arte, do Instituto de Artes da Uerj, San
Rezende discorrem sobre algumas das prin
questões que os nortearam no desenvolvim
do trabalho, dentre as quais se destacam o e
desconstrutivo de categorias relativas ao
artístico e à produção histórica e crítica; a cdefinição de campo ampliado de Rosalind K
e a busca de uma teoria da arte ligada às pr
contemporâneas, evitando-se modelos totaliz
e limitadores – propondo a expansão da p
relacionada à produção e análise de obra
recorrem a escritos, grafismos, livros de artist
A relação entre arte e escritura é profíc
estende-se por diferentes épocas e lugare
autores traçam um dos percursos possíve
diálogo entre palavra e artes visuais, entreme
citações e referências críticas e históricas
conceituações próprias, em texto que tra
entre a escrita teórica e a poética. Trat
contudo, de caminho sugerido, em que o
não é conduzido a direção definida, mas le
a passear por uma colagem de textos cujos
soltos” permitem diversos percursos. A e
que embaralha versos e fragmentos constitu
espécie de diálogo entre textos próprios e alh
uma coleção de apontamentos e ideias.O livro passa pela arte norte-americana
décadas de 1960 e 1970, pela poesia con
brasileira, pelo Manifesto Neoconcreto,
Tropicalismo, pela poesia em contexto digit
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011214 RESEN
discurso videográfico, “impuro por natureza”, a
confluência de mídias e o fim da especificidade
do meio nas artes têm destaque na abordagem
dos autores – assim como considerações acerca
do momento contemporâneo, principalmente no
que diz respeito ao fim das certezas estéticas e à
fluidez entre os meios. As citações e referências de
teóricos como Rosalind Krauss, Antonio Risério,
Philadelpho Menezes, Giorgio Agamben, Jacques
Rancière, Antonio Cícero – para mencionar
apenas alguns – costuram uma trama de reflexões
e interrogações sobre arte, palavra, filosofia,
política, poesia e linguagem que repercute nos
outros dois discursos que integram o livro de
Santos e Rezende: o texto dos autores (formados
por frases curtas, quase versos) e as imagens
do trabalho dos artistas Adolfo Montejo Navas,Alberto Pucheu, Alberto Saraiva, Brígida Baltar,
Laura Erber, Leila Danziger, Lena Bergstein, Lenora
de Barros, Ricardo Basbaum e Rosana Ricalde.
No texto dos autores, entremeado pelas
referências, algumas palavras são pontos de
partida para séries de frases e reflexões sobre arte
e outras categorias caras à discussão proposta –
arte, escrever, ato, homenagem, modernidade,
contemporâneo, ideia, obra, pensamento,
conceito, ponto – em tentativas de esgotar seu
sentido, mas que não se esgotam, se multiplicam.
São afirmações, reflexões, contestações que
às vezes conferem ao livro ares de manifesto –
pensamento sobre arte, arte voltando-se para si
própria, arte conceitual.
O projeto gráfico, assinado por Lucas
Osório, desempenha papel importante nesse
entrelaçamento de discursos. Emprega diferentes
pesos de texto, usando duas tipografias – umapara as citações e referências históricas e críticas,
a outra para os versos e frases dos autores – e
diversos tamanhos de letras, em manchas gráficas
variadas de texto, explorando a dimensão espacial
da palavra. Não há relação direta entre texto e
imagens; eles constituem discursos paralelos.
Embora tratem do mesmo tema geral, um
discurso não está submetido ao outro (apesar de
se cruzarem em alguns momentos, como quando
as reproduções de frames do vídeo Homenagem,
de Lenora de Barros, aparecem lado a lado a
algumas possíveis definições propostas para o
termo que dá nome à obra). Textos e imagens têm
igual peso na constituição do livro. A disposição
dos elementos permite diversas possibilidades
e níveis de leitura, tanto uma leitura linear, que
siga o texto na sequência das páginas, como
leituras não sequenciais, que se dão ao se folhear
o livro, ao se lerem prioritariamente as imagens,
os fragmentos de texto ao acaso. Se o texto às
vezes recebe tratamento de imagem, destacadona página, cercado de amplos espaços em
branco, também a imagem é às vezes tratada
como texto – por exemplo, as imagens do vídeo
de Brígida Baltar, que é reproduzido como uma
série de frames disposta no espaço, a ser “lida”
sequencialmente.
Repleto de referências artísticas e literárias, o
livro constitui importante fonte para os que se
interessam pela pesquisa sobre confluências
de arte e escritura, sobre as complexas relações
entre as mídias e a desconstrução das categorias
artísticas no mundo contemporâneo. Ponto
de conjunção de pensamentos, vertentes e
caminhos, ele abre uma gama de possibilidades
a serem percorridas. É livro para ser lido e relido,
visto e revisto, estudado e fruído, bem-sucedido
nos desafios a que se propõe.
Gerhard Richter, Sinopse
Pinacoteca do Estado de São Paulo,
São Paulo, 23 jul.-21 ago. 2011
Alvaro Seixas
Na exposição Sinopse (Survey), Gerhard Richter
(1932, Dresden, Alemanha) assume a figura de
artista-curador para realizar um passeio resumido
por sua própria produção. Constituída de 27 obras
entre pinturas, fotografias e gravuras, exibiu-se
na Pinacoteca do Estado de São Paulo depois de
percorrer outras importantes cidades da América
Latina e do Brasil.
No final da década de 1960, em mainstream
artístico que começava a afirmar as chamadas
“novas mídias” como sendo o mais novo degrau
da ascensão a formas superiores de arte, o artista
alemão persistiu – desse modo anacrônico – na
pintura tradicional, tendo reativado criticamente
certos aspectos de estilos que começavam a ser
enfraquecidos pela crítica da época, como oexpressionismo abstrato.
A opção por intitular sua mostra Sinopse a identifica
como uma espécie de “retrospectiva precária”,
sortilégio conceitual que se liga diretamente ao
modus operandi do artista, que em sua produção
não cessa de nos apresentar a um universo
visual diversificado, fragmentado e lacônico.
Desse modo, Richter opta por um passeio vago,
assumidamente sintético e, assim, incompleto, por
sua obra para rediscutir as ambições acadêmicas
das tradicionais, grandes e pretensiosamente
completas retrospectivas de artistas.
Para confeccionar muitos de seus trabalhos de
pintura, o artista busca referências em registros
fotográficos – pessoas, coisas e cenários
reconhecíveis e desconhecidos –, imagens vindas
de uma espécie de armazém aparentemente
sem limites que é o mundo globalizado,
articuladas pelo artista a outras obras de natureza
supostamente “abstrata”.
A produção de Richter define uma estratégia
“documental” pouco ortodoxa, comparável ao
curioso Atlas de I magens Mnemosine concebido
na década de 1920 pelo historiador alemão
Warburg,1 que consistia em uma série de p
móveis, sobre os quais o historiador dispunha
coleções de imagens da cultura visual univ
sob forma até então inconcebível seg
as normas acadêmicas, ajustadas em
linearidade e limitações geográficas. Wa
passa a identificar as imagens como possui
de uma espécie de “memória coletiva” ou “so
passando a interligar tempos históricos
lineares e as artes visuais produzidas em part
globo até então distantes e, para as tradici
“Histórias da Arte”, de impossível associação
A mostra em questão é composta em g
parte por obras que consistem em peque
médias reproduções fotográficas – impressaoff-set – e de pinturas representativas do a
que, aliás, originalmente tiveram como b
estética fotográfica e com ela mantiveram
relação visual – é o caso dos retratos Betty (
e Tio Rudi (2000). Também estão pres
obras da série Pinturas Abstratas, ma
tamanhos modestos, adequando-se ao perf
reproduções fotográficas em exposição. Há
uma fotografia com intervenções de pint
da série Fotografias Pintadas –, uma única
de grandes dimensões e um painel fotog
datado de 1998, formado por 128 detalhe
tons de cinza de Halifax , pintura a óleo abs
de denso impasto, feita pelo artista em
Resta mencionar curiosa linha do tempo em
set, semelhante a uma página de enciclop
diagramada por Richter em 1998, na qual o a
nos apresenta seu resumo pessoal da hi
cultural ao destacar nomes de import
artistas plásticos, arquitetos, escritores, mú
e filósofos.
Em sua Sinopse, Richter parece menos intere
em apresentar uma exposição de obras únic
de grande formato, que se poderiam encerra
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011216 RESEN
sua própria plasticidade, e mais em lançar um olhar
sobre o caráter conceitual e heterogêneo de sua
produção e nos desafiar a adentrar sua lógica difu sa.
NOTAS
1 Para estudo da relação entre as produções de
Gerhard Richter e Aby Warburg, ver Buchloh,
Benjamin. Atlas de Gerhard Richter: o arquivo
anômico. In: Arte & Ensaios, v.1. n.19. Rio de
Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais, Escola de Belas Artes, UFRJ, 2009: 194-209.
José Resende
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, 9 jun.-18 set. 2011
Felipe Scovino
Tomar contato com a recente produção de José
Resende é refletir sobre questões universais da
escultura (monumentalidade, forma, técnica
e presença no espaço). A sentença soa como
chavão, mas é nesse momento que se revela a
diferença em seu trabalho e particularmente nessa
exposição. Devemos partir do princípio de que o
conjunto de cinco esculturas foi pensado para o
Salão Monumental do Museu de Arte Moderna
do Rio de Janeiro. Sendo invadido por luz e
natureza, formando uma espécie de continuidade
com seu entorno e, portanto, expondo seu espaço
a feixes externos de atravessamento, o próprio
MAM-RJ não conhece seus limites, digamos,
estruturais. É uma extensão desse panorama que
sobrevoa a exposição de Resende. Compreender
que o (suposto) limite da escultura não terminaem sua apreensão formalista, mas que o
campo de diálogo estabelece fruição inclusive
com o meio em que está inserido. Apesar de
sua grandiosidade, o resultado plástico nesse
conjunto de esculturas contraria a tendência à
busca das manifestações espetaculares e sublinha
original dimensão de sobriedade. Permanecem
em território ambíguo porque tanto atuam
como formulações de ficções individuais quanto
formam uma rede de interlocuções de impossível
desmembramento. Essa exposição também reflete
a possibilidade de um trabalho tornar (ainda mais)
específico um lugar. A conclamada sobriedade se
faz no diálogo entre a escala das esculturas e a
necessidade de percurso que elas invocam ao
espectador − discursar sobre o corpo a partir
não apenas da experiência física do percurso em
torno das esculturas, mas singularmente expor
uma visão de mundo, que passa pelo aspecto
estabilizador (e potencialmente desestabilizador)
da escultura. São obras que se condicionam comoverbo de ação, na condição, portanto, de revelar
a instabilidade da matéria e a situação de um
corpo em permanente estado de desequilíbrio
com o meio. Esta última característica também
pode ser confundida com dúvida ou incerteza.
Suas esculturas parecem duvidar de sua própria
condição de imobilidade porque almejam o
espaço e o diálogo. Parecem descontentes com
sua qualidade de imagem ou forma de aparição
no mundo. Há um desconforto pairando sobre
aquele território.
Os elementos dessas esculturas são
experimentados como estruturas físicas. Ora,
suas vigas e estacas são dispostas a intervalos
largamente espaçados sustentados como que por
pernas. Ora, uma estrutura vertical em cobre e
preenchida de forma intercalada por madeira nos
remete tanto a uma magistral coluna vertebral
quanto a uma manifestação totêmica. Assim,
a forma de seu trabalho e a noção de totem
convertem-se em duas metáforas interligadas
e recíprocas, que apontam para um mesmo
aspecto: o repertório de formas do cotidiano
que, deslocadas de seu contexto e identidade,
criam coerente e contínuo discurso sobre o corpo
e visão de mundo muito particular e instigante
sobre a contemporaneidade. Uma terceira obra
é formada pelo “diálogo” entre dois círculos de
cobre fixados por duas espécies de sapatas e tendo
em suas extremidades um conjunto de longos fios
de aço. É surpreendente como de certo modo
essa imagem congela um tempo e uma ação. Há
um dado de velocidade sendo transmitido ainda
que estejamos diante de uma escultura que,
entretanto, no exato momento em que tomamos
ciência dessa imagem, se transforma em corpo
vibrátil. Essa ideia é reforçada pela relação
totêmica que a obra também explora, nesse caso
imagem que pode ser identificada com temas
sexuais e canibalísticos.
A aparição dessas obras é sempre resultante de
economia de gestos e materiais que se convertem
harmonicamente em um corpo. Este vem à
tona na obra de Resende porque sua presença
no mundo é incondicionalmente necessária.
Ademais, a ideia de corpo torna efetivas a
inserção e a vontade do sujeito na produção
escultórica. O tom confessional de Resende nos
faz refletir a respeito de não sermos um conjunto
de significados privados que podemos escolher
entre tornar ou não público. Esses gestos são
resultantes das convenções e do repertório do
lugar que habitamos ao mesmo tempo em que
se convertem (e logo se impõem) como discurso
sobre nossa vontade de expor, organizar e
modificar essa “ordem natural das coisas”.
Ana Linnemann, Cartoon
Galeria da Casa de Cultura Laura Alvim, Rio deJaneiro | 15 jun.-31 jul.2011
Curadoria de Fernando Cochiarale
Vera Beatriz Siqueira
A chegada à exposição Cartoon, de Ana Linnem
é marcada pela presença bem-humorada de
palmeira, plantada no canteiro em frente à Ca
Cultura Laura Alvim, na praia de Ipanema, n
– Os invisíveis no8. Ao lado da escultura de
Weismann, Quadrado em torção no espaço
há anos identifica o espaço cultural, a pa
não chamaria propriamente atenção, em m
tantas outras da orla carioca, a não ser pelo
de realizar, de tempos em tempos, rotações
si mesma. Após o que para de forma abr
mantendo a ondulação de suas folhas por inst
antes de reconquistar a quietude. Um leve s
se insinua no rosto do espectador que, cu
sobe as escadas da galeria.
Ao entrar na sala, mais uma experiência inusna parede lateral, estranhas protuberânci
projetam, a intervalos regulares, em três
manchas que parecem indicar infiltrações
invisíveis no9. A sutileza da obra e os inte
longos entre uma aparição e outra fazem
que, a princípio, duvidemos do que vimos. Ilu
Realidade? A surpresa traz novo sorriso. As f
empilhadas de uma estante articulável e um
de xícaras cortadas como se fossem casca
frutas – da série O mundo como uma lara
convidam o visitante a participar de uma cur
instigante experiência estética.
Surpreendidos pela palmeira que gira, pela p
que se projeta ou pelas xícaras retalhadas
vemos imediatamente desarmados, destit
das formas tradicionais de apreciação est
As ideias mais corriqueiras que nos apoia
experiência de visita às exposições de arte
parecem funcionar direito. Sequer há ob
bases, molduras, etiquetas para nos auxilestante articulável vai escrevendo o roteir
mostra, marcado antes por fissuras e interru
do que pela continuidade.
Em cada obra vivemos a fragmentação. Lo
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
http://slidepdf.com/reader/full/textos-contribuicao-de-crary 110/117
Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011218 RESEN
esquerda de quem adentra a sala central, duas
pesadas pilhas de tiras retangulares de feltro são
costuradas no centro de uma de suas bordas,
ficando uma à frente da outra, com essas bordas
para fora da prateleira interrompida que, por sua
vez, avança sobre o vão de passagem para outro
espaço da galeria. Entre as tiras que compõem
cada pilha, é colocada uma pérola, detalhe
caprichoso que reforça o sentido de intervalo
e descontinuidade, além de contribuir para a
instabilidade da peça, completada pelo fato de a
linha de costura permanecer estendida pela agulha,
apenas tensionada e enfiada na trama do feltro.
Como o título da obra sugere – Inevitável –, ficamos
suspensos no tempo, aguardando o momento em
que o conjunto pode vir a se desmanchar.
Novamente é a descontinuidade e o sentido
intervalar que surgem nos retângulos de azulejos
iluminados frontalmente por spots, que devem
ser vistos pela face p osterior, na qual aparecem os
traços, vertical ou horizontal, formados pela luz
que vaza de intervalos na junção dos ladrilhos –
Frestas de luz 1 e 2 . Outros objetos da série O
mundo como uma laranja – como o tênis All Star,
o relógio que, nessa mostra, se conecta com a
luminária acima, o globo ou os livros fatiados –
ajudam a exacerbar a sensação de espacialidade
fragmentada. Como se Ana Linnemann recusasse,
antes de tudo, qualquer solução de continuidade,
qualquer forma de inscrever a totalidade, qualquer
possibilidade de estabelecer entre a arte e o mundo
uma relação ausente de fricções e rupturas.
Como afirma em seu site: “Eu faço objetos que,
sendo improváveis, criam novas situações para o
que é possível”. O que a leva a trabalhar justamente
com as fissuras do real. Cortes, incisões, vaivensde invisibilidade, instabilidades de sentido são
algumas das estratégias de manifestação desse
jogo de improbabilidades e possibilidades. Pois na
afirmação da artista podemos perceber sua busca
deliberada por criar novos mundos, nos quais o
elemento lúdico e a ilusão são essenciais para
evitar que a arte se dissolva na realidade. Como
se a artista lançasse, no limite, a pergunta sobre
as condições de possibilidade da própria arte no
contexto atual.
Empenhada em recuperar para a experiência da
arte alguma ordem de autonomia com relação
à realidade mundana da qual parte, a artista,
porém, deve recusar as narrativas totalizantes,
sejam as mais tradicionais, sejam as recentes.
O que nos leva a outra dimensão de sua obra.
Encontramo-nos igualmente incapazes de ordenar
a experiência a partir dos temas mais correntes na
arte contemporânea. Seus globos cortados – O
mundo como uma laranja (globo) – ou esmagadosnos nichos da estante em ziguezague –
Ziguezague com globos – não falam, por exemplo,
de identidades, multiculturalismo, hibridismo ou
territorialidades. Os cortes e os achatamentos falam,
sim, de uma realidade ambivalente, entre a imagem
símbolo de nosso mundo e a matéria de que é feito.
Novamente, ficamos desarmados e desassistidos
diante do humor, que não deseja sequer reter a
dimensão mais conceitual da ironia duchampiana.
Em XS, fatias de pedra-sabão são bordadas
com fios coloridos de algodão e seda, seguindo
os padrões florais em ponto-cruz de revistas de
trabalhos manuais, executados caprichosamente
pela artista. À pura fisicalidade da rocha ela opõe
o trabalho com as linhas, forçando a matéria a
perder sua autossuficiência e a se converter em
suporte. Ao mesmo tempo, o gesto de bordar
deixa de ser íntimo e delicado, para envolver furos
na pedra resistente e uma artesania bruta. Curiosa
reflexão sobre a natureza se impõe: a rocha perdesua materialidade autossuficiente, as flores nascem
do trabalho da artista. O resultado, novamente, é
o sorriso diante do inusitado. Também ao costurar
zíperes em folhas secas, Ana Linnemann retoma
esse sentido dúbio e indefinido da natureza, entre
matéria-prima e fluxo orgânico.
Em outras obras ela nos coloca diante da
experiência da indecisão sobre a figura geométrica.
É o caso de 1 nível/3 níveis, na qual três copos
transparentes, com diferentes quantidades de
água, dispostos em níveis distintos nas prateleiras
articuladas, são unificados pela virtualidade da
linha reta que se pode traçar a partir da supe rfície
do líquido em cada recipiente. Ou dos delicados
bordados em tira de feltro, nos quais o círculo e o
quadrado são formados não apenas pela trama de
linhas, mas também pelas agulhas (curva e reta)
que, aliás, determinam o tamanho das formas.
Sugere, assim, uma espécie de interioridade
problemática ou dúbia da forma g eométrica.Todos esses dilemas surgem, entretanto, sem que
a artista faça uso de outra ordem de totalização,
valendo-se para tal da centralidade da dimensão
do jogo. É preciso suspender os discursos por
meio da surpresa, da ilusão e do riso. Destituir
a miniatura da célebre performance de Joseph
Beuys, I like America and America likes me, de
toda profundidade cultural e histórica. Fazê-la
girar sobre um cd, acionado por uma geringonça
mecânica, ligada a uma tomada escancaradamente
incrustada na lombada de livros escavados que,
por sua vez, viram-se de costas para nós. Recupera,
assim, o sentido bem humorado e improvável da
própria performance citada, agora desprovida de
toda aura e convertida em ação ininterrupta e sem
direção, repetida como em uma caixa de música
muda – Beuysiana.
A referência a Joseph Beuys volta a aparecer em
Os invisíveis no2, obra na qual uma garrafa de
coca-cola se desloca lateralmente sobre uma pilhade livros encimada por exemplar sobre o artista
alemão. Aqui, Ana nos fazer experimentar vários
níveis de encontros insólitos: entre o movimento
motorizado da garrafa e a imobilidade silenciosa
dos livros; entre as elaboradas publicaçõe
arte e a própria garrafa plástica de refrige
– que se situam em polos opostos na hiera
dos objetos produzidos pelo homem; –
também entre os livros sobre Leonardo da
e Bonnard, o minimalismo e Lucio Fonta
o discreto, porém insidioso, exemplar de
Tracy: America’s most famous detective.
aos artistas renomados, esse herói de his
em quadrinhos parece forçar um sorriso am
promovendo o questionamento a respeito
frestas que separam realidade e ficção, cu
pop e erudição, valor estético e fama.
Talvez, porém, a presença desse livro seja
mais significativa. Poderíamos pensar nela
uma espécie de chave de compreensão de tmostra, cujo título, aliás, refere-se ao univers
comic books. É Dick Tracy quem parece ofe
a Ana Linnemann a possibilidade de criar
situações para a arte, sem descambar pa
soluções tradicionais ou para a discursiv
característica da contemporaneidade. É ele q
vai permitir que ela se diferencie, por um
da figura do artista como gênio, presente
em Leonardo quanto na influência romântic
Beuys, e, por outro, da exteriorização abs
das formas simples do minimalismo, a re
qualquer resquício de autoria. O detetive c
em 1931 que, durante décadas, desve
mistérios e solucionou crimes, serve à a
como contraponto necessário para seu emp
em atualizar a tarefa artística de reconfigu
real. Projeto ambicioso e especialmente rele
na contemporaneidade.
Não nos deixemos, portanto, iludir pela apa
facilidade de seus trabalhos – instância necede aproximação e contato. Suas obras querem
pegar, pretendem atrair e prender o espec
pelo humor, pela ilusão, pelo desafio a n
dispositivos perceptivos. Desejam mais do
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011220 RESEN
isso, entretanto, ao nos envolver na experiência da
fricção, da fissura, da indeterminação, sugerindo
que cabe à arte contemporânea estabelecer
uma relação nova (de descontinuidade) com o
mundo. Rejeitando as narrativas tradicionais,
mas também a afetação conceitual, a recusa de
sentido pós-moderna, a negação da autoria ou o
ceticismo pop, e recuperando uma ordem nova
de autonomia da experiência estética, os jogos
visuais propostos na mostra Cartoon criam um
espaço fragmentário em que experimentamos a
arte em sua natureza híbrida, simultaneamente
extraordinária e comum, especial e corriqueira,
grandiosa e ridícula.
Francis Alÿs A Story of Deception
MoMA Manhattan / MoMA PS1
8 mai.-1o ago. 2011
Doris Kosminsky
O título da mostra do artista belga Francis Alÿs , A
Story of Deception, fala do desejo de perseguir
o que sempre parece nos escapar. Trata-se de
conceito que o artista instala entre a poética e
a política. Alÿs vive no México desde a década
de 1980. Essa mudança de continente proveu-o
de ponto de vista único, embora problemático,
do intruso, do estrangeiro dono de olhar aguçado
ante a realidade naturalizada. Nesse contexto,
os ciclos de avanços e retrocessos nos campos
da política e da economia, tão frequentes nos
países da América Latina, são colocados como
repetições e tentativas de alcançar um futuro
nunca concluído ou plenamente realizado. Umamiragem do que poderíamos ser, mas com
resultado sempre decepcionante. Essa descrença
na retórica moderna do desenvolvimentismo e do
progresso perpassa a obra que o artista apresenta
em instalações, vídeos, sketches preparatórios,
desenhos, pinturas, colagens e fotografias.
O olhar estrangeiro mostra-se explícito na
fotografia Turista (1994) em que o artista aparece
identificado por uma placa com a palavra
“turista”, ao lado de trabalhadores temporários
com suas placas: “eletricista”, “bombeiro”,
“pintor e gesseiro”, etc. A figura de Alÿs, mais alto
e usando óculos escuros, destaca-se dos outros
homens, de vidas precárias. De certa forma, com
sua presença, o artista oferece seus serviços como
turista para quem quiser ver o mundo através de
seus olhos. Como essa imagem, a obra de Alÿs
consiste fundamentalmente da documentação
de ações e práticas poéticas. A natureza
processual de seu trabalho é desdobrada emdesenhos, pinturas, vídeos, filmes, fotografias e
cartões-postais, além de objetos menos óbvios,
preparatórios da ação artística, tais como cópias
de e-mails e anotações. Se seus vídeos não são a
obra em si, mas um meio para fixar e apresentar
a obra, os recortes de jornais e desenhos que
acompanham as instalações não buscam ser
ilustrações explicativas dos processos. Parecem-
se mais com enigmas ou fragmentos do
pensamento do artista, envolvido em processos
que muitas vezes requerem financiamento e
minucioso planejamento, além da participação
de voluntários e contratação de profissionais
especializados (cinegrafistas, editores de
imagem, etc.).
O entrelaçamento entre política e poética em jogo
que nunca é concluído satisfatoriamente aparece
claramente como metáfora no vídeo Rehearsal I
(1999-2001). Nessa obra de 29 minutos, assistimos
às inúmeras tentativas de um fusca vermelho emalcançar o topo de uma íngreme estrada de terra
ao som do ensaio de um grupo de mariachis.
A cada vez que os músicos interrompem o que
estão tocando, seja para afinar os instrumentos
ou trocar comentários, o fusca desce a ladeira de
ré até que a volta da música o encaminhe para
nova tentativa. O ensaio que fazem, ao mesmo
tempo, o grupo folclórico e o carro em sua
repetida tentativa de alcançar o topo, sugere uma
alegoria às frustradas tentativas das nações sul-
americanas de alcançar o progresso. A sonoridade
dos mariachis cria certa comicidade ao mostrar o
empenho diante das sucessivas frustrações.
A obra Tornado (2000-10) documenta 55
minutos de ação que se desdobra em tentativas
de alcançar o epicentro de redemoinhos de vento,
frequentes nas regiões empoeiradas e secas ao
sul da Cidade do México. O processo da ação
consiste na aproximação em direção ao tornado.
Ao adentrar a nuvem de poeira, a tela escurece.Ao fim de alguns segundos de escuridão, em que
só se pode ouvir o ensurdecedor som do vento e a
respiração ofegante do artista, temos a sensação
de que Alÿs e seu aparato foram cuspidos para
fora do redemoinho. O processo se repete sem
conclusão, sugerindo a eterna e utópica luta entre
dom Quixote e os moinhos de vento.
O vídeo Guards (2004-5) registra proposição
envolvendo os famosos guardas ingleses. De
início, eles marcham individualmente pelas ruas
de Londres. À medida que se encontram, entram
em formação e passam a marchar juntos. O ritmo
sincopado da marcha acaba por atrair e fixar um
número maior de soldados. Quando o grupo
atinge o número de oito por oito guardas, dirige-se
à ponte mais próxima. Ao alcançá-la, a f ormação
é desfeita, e o grupo se dispersa. A construção
da ação é documentada por tomadas precisas.
A edição reforça o enredo da proposta. O único
áudio da obra vem do marchar dos soldados, quevai aumentando à medida que a ação avança.
O trabalho pode ser lido com uma parábola do
caminhar junto, do seguir os passos da maioria.
A surpresa da dispersão final desvela o estado
de suspensão do significado que se encont
natureza do ato poético. Segundo Alÿs, a
através do ato poético de transgressão,
nos fazer olhar as coisas de modo difer
Ou, pelo menos, o absurdo da situação
fazer-nos pensar que as coisas poderiam
diferentes. Talvez seja esse o caso da obr
enactments (2000), constituída por dois c
de vídeo. O primeiro é a documentação de
realizada pelo artista. Ele entra em uma
compra e carrega um revólver e sai caminh
pelas ruas com a arma em punho até ser d
pela polícia. No dia seguinte, e por isso as
sequências de imagens, a ação é re-ence
com a cooperação da polícia. Ao aprese
lado a lado, a ação dramática e sua simulaç
artista dissolve a fronteira entre documentaficção, questionando a autenticidade da obr
mesmo tempo, discute a segurança da popu
mexicana diante da debilidade de sua polícia
Uma de suas obras mais conhecidas e docu
tadas, When faith moves mountains (2002),
ra sobre uma inversão do princípio da efic
reinante no pensamento moderno: “Máxim
forço, mínimo resultado”. Em ação de propo
épicas, Alÿs teve a participação de 500 volun
equipados com pás com o objetivo de des
em alguns centímetros uma duna dos subú
de Lima. A obra pode ser considerada uma
táfora da sociedade latino-americana, em q
esforço e o sacrifício da população são solici
de forma a alcançar resultados que, ao fin
mostram incipientes.
A extensa obra de Francis Alÿs parece rep
que captamos em seus atos poético-polí
a necessidade de seguir sempre, a resistante a frustração mesmo diante de resul
desanimadores. Algo que Samuel Beckett
resumiu: “Tente de novo. Fracasse novam
Fracasse melhor.”
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
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Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011222 SUMÁRIO DAS EDIÇÕES ANTERIO
SUMÁRIOS DAS EDIÇÕES ANTERIORESArte & Ensaios 22, 2011Sucessão de fatos | Entrevista com AntonioManuel
ARTIGOS
A história do cinema nas páginas daloucura: o espectador, a imagem e adissociação | Tadeu Capistrano
A Fotografia Subjetiva, abertura aocontemporâneo | Celso Guimarães
O olhar e o tempo | Tiago Cotrim
Aleijadinho em carne viva: o gesto naescultura | Leonardo Etero
Processos de mediação | Beatriz Pimenta Velloso
O ‘lugar’ negociado no qual o trabalhose move, sabendo-o e sabendo-se partede um mundo maior, ou, se quisermos,desconhecido | Hélio Branco
COLABORAÇÕES
Tempo alterado. O flashforward dalinguagem na vida e na arte | FernandoGerheim
Wols, pintor maldito, no acervo do Masp| Almerinda da Silva Lopes
Ghérasim Luca aos pedacinhos | Laura Erber
Tempo cego | Patricia Corrêa
DOSSIÊTunga
Uma vanguarda viperina | CarlosBasualdo
Cópula | Viviane Matesco
Um experimentador ocasional emequilíbrio instável | Suely Rolnik
REEDIÇÃO
Quasi-cinema | Ligia Canongia
TEMÁTICAS
Uma tradição negligenciada? A históriada arte como Bildwissenschaft | HorstBredekamp
O que se mostra. Da diferença icônica| Gottfried Boehm
Os cães e a cidade | Miwon Kwon
Sobre (não) pintura considerada (não)arte comunista. O caso de Otto Muehl | Éric Alliez
RESENHAS
Livro ou livro-me: os escritos babilônicosde Hélio Oiticica (1971-1978) | AnaMannarino
A Série Negra | Gilton Monteiro
A constelação Didi-Huberman ouinstruções para construir uma máquinade guerra visual | Hernán Ulm
Anticristo | Cristina Salgado
Arte & Ensaios 21, 2010
Eu nunca ensaio| Entrevista com Laura Lima
ARTIGOS
Lugares que habitam lugares | LuizaPeixoto Baldan
Inscrições contemporâneas: a palavra-imagem no projeto da visualidade pós-moderna | Julie Pires
Cena para um figurino: no corpo, no palco,na galeria | Desirée Bastos de Almeida
Brasilidades na obra de Calmon Barreto | Gisele L. Faleiros da Rocha
Etnografia e ficção: o documentáriode Jean Rouch e o cinema brasileiro |Rogério Bitarelli Medeiros
História da arte e ficções num caderno denotas de Eliseu Visconti | Ana Cavalcanti
COLABORAÇÕES
Jochen Gerz: o monumento comoprocesso e mediação| Leila Danziger
Queda do Solar de Smithson: ficção,disrupção e entropia | Tatiana Martins
Deslocamentos de Vergara | Renata Santini
Origem e permanência da crítica |Leandro Gama Junqueira
DOSSIÊ Navilouca | Organização CezarBartholomeu, Inês de Araujo e Ronald Duarte
TEMÁTICAS
Inscrever-se em falso | Jacinto Lageira
Transcendendo a fragmentação daexperiência:o acousmêtre no ar nosfilmes de Michael Snow| Randolph Jordan
A ficção documental: Marker e a ficçãoda memória | Jacques Rancière
Por uma meta-história do filme:notase hipóteses de um lugar-comum |Hollis Fra
PÁGINA DUPLA | Cristina Salgado
RESENHAS
A pintura como arte | Clarice Ferreira de Sá
Cem, Sem, Imagens | Edith Magnan
Sergio Rodrigues. Um designer dostrópicos | Gloria Costa
Sobre o ofício do curador | Luiza Interlenghi
Arte & Ensaios 20, 2010
Não adianta procurar algo em suatransparência, porque o trabalho nãoestá em lugar de nada | Entrevista com José Resende
ARTIGOS
Religião e estética: a arte comocomunicação | Mariana Emiliano Simões
Ensaio sobre a perda do instante decisivo | Pollyanna Freire
O risco como poética artística | LeandroFurtado
O SDJB e as obras neoconcretas |Elizabeth Catoia Varela
Da suspensão à implosão no caminhoda arte e tecnologia | Maria Luiza Fragoso
O objeto e a experiência material |Marcus Dohmann
COLABORAÇÕES
Robert Smithson: a memória e o vaziona paisagem entrópica contemporânea | Martha Telles
O arquivo e a busca de visibilidade –Pinturas de gênero histórico nos álbunsfotográficos dos salões de Paris | Pedrode Andrade Alvim
O ato poético como experiência estéticano readymade de Marcel Duchamp |Renata Reinhoefer França
Cartografia da demarcação da terraque produz diamantes – cotidiano emsuspensão | Fabíola Silva Tasca
DOSSIÊ Espaço Arte Bras i le i raContemporânea – ABC / Funarte |Organização Ivair Reinaldim
RE E DI Ç Ã O A n o va t eo r i a d arepresentação| José Arthur Giannotti
TEMÁTICAS
Por uma oftalmologia do estético e umaortopedia do olhar | Robert Morris
O que fazer da vanguarda? Ou o queresta do século 19 na arte do século 20? | Thierry de Duve
Expressão conceitual sobre gestosconceituais em pintura supostamenteexpressiva, traços de expressãoem trabalhos protoconceituais e aimportância de procedimentos artísticos| Isabelle Graw
Seis conceitos | Bernard Tschumi
PÁGINA DUPLA Duplicação/Repetição/Londres/Paris/ Patético/Trágico, 2008-201 | Cezar Batholomeu
RESENHAS
projetos [in]provados: visitação, texto epartilha | Maria Moreira
Forma em movimento: videoinstalaçõesrefletem sobre o tempo no MAC |Fernando Gerheim
Contra o encerramento do desejo. Apoesia concreta no Espacio de Lectura1: Brasil | Fernando Nogueira
Sophie Calle Cuide de você | FernandaPequeno
Arte & Ensaios 19, 2009
Em outra vida acho que fui arquivista |Entrevista com Paulo Bruscky
ARTIGOS
Uma prática urbana entre outras:Enquanto o artista bebe água, a obraacontece | Fabrício Carvalho
Espaços virtuais: cantos, no 4, de CildoMeireles - estudo de caso de umametodologia de conservação e restaurode arte contemporânea | Humberto Farias
A chama como experiência meditativana cena teatral | Almir Ribeiro da S. FilhoEmygdio de Barros: o poeta do espaço| Glória Chan
Cultura visual porta adentro e aconstrução de um olhar decorativo noséculo 19 | Marize Malta
Digitally Born ou de volta para o futuro | Simone Michelin
COLABORAÇÕES
A poética da memória e o efeito-arquivono trabalho de Leila Danziger | LuizCláudio da Costa
C a m p o / e v e n t o / a r q u i v o , a spossibilidades do arquivo atual comoexposição problemática de (algumas)obras contemporâneas | Cristina Ribas
Furor de arquivo | Suely Rolnik
O reviramento do sujeito e da culturaem Hélio Oiticica | Tania Rivera
DOSSIÊ Warburg | Organização Cezar
Bartholomeu, Aby Warburg, Giorgio Agamben
REEDIÇÃO Introdução à leitura deWinckelmann | Gerd Bornheim
TEMÁTICAS
Um passeio pelos monumentos de
Passaic, Nova Jersey | Robert Smithson
“Eu não trabalho com símbolos.” JosephBeuys, a experiência e a construção dalembrança | Jean-Philippe Antoine
Arquivos da Arte Moderna | Hal Foster
Atlas de Gerhard Richter: o arquivoanômico | Benjamin Buchloh
PÁGINA DUPLA Interface I, Janela noMNBA | Carlos Azambuja
RESENHAS
O projeto do Renascimento |Ana Cavalcanti
A filosofia de Andy Warhol | Louise D.D.
Arquivo contemporâneo | Ivair Reinaldim
Jardim da Oposição | Guilherme Bueno
2 em 1 | Kenny Neoob
Felipe Cohen – Colagens | Sérgio Bruno Martins
Arte & Ensaios 18, 2009
No território da fronteira | Entrevista comDias & Riedweg
ARTIGOS
Imaginário Periférico: impasses, propostase principais questões | Renata Gesomino
A arte de Konstantin Christoff:possibilidades do estudo de uma regiãodo norte de Minas Gerais e sua relaçãocom a estética do grotesco | Maria ElviraC. Christoff
Jeff Wall e a imagem quase transparentena fotografia contemporânea | Leonardo Ventapane
Cindy Sherman – retardo infinito | CezarBartholomeu
Na fronteira da pintura e do teatro:Tadeusz Kantor e Valère Novarina | Ângela Leite Lopes
As decorações carnavalescas cariocas,um breve histórico | Helenise Guimarães
COLABORAÇÕES
Limites do tempo | Vera Beatriz Siqueira
O desvio de Cildo Meireles: um modo deestar no mundo contemporâneo |SylviaRibeiro Coutinho
Vem cá minha Teresa... | Marta Lúcia
Pereira MartinsA comunidade inventada da PuenteMéxico, Tijuana: participação eacolhimento no projeto de arte públicade Felipe Barbosa e Rosana Ricalde nafronteira entre dois mundos | Luiz Sérgiode Oliveira
HOMENAGEMVida ativa | Glória Ferreirae Sonia Gomes Pereira
REEDIÇÃO Da Antropofagia à Tropicália | Carlos Zilio
TEMÁTICAS
Sucessos e fracassos quando a arte muda | Allan Kaprow
Refazendo passaportes: o pensamentovisual no debate sobre multiculturalismo| Néstor García Canclini
A arte e o 11 de setembro | Arthur C. Danto
Repensando o Ocidente |A. Raghuramaraju
PÁGINA DUPLA Alvo fácil: jogue abomba aqui - Museu de Serralves, Porto,Portugal, 2008 - Bolsa Iberê Camargo,residência no Espaço Maus Hábitos |Ronald Duarte
RESENHAS
Caminhos da arte popular. O vale do
Jequitinhonha | Rosza vel ZoladzNova Arte Nova | Felipe Scovino
Cildo Meireles - Tate Modern, Londres|Rodrigo Krul
Estética relacional | Luciano Vinhosa
As ilhas sonham | Marisa Flórido Cesar
Arte & Ensaios 17, 2008
No Hemisfério Sul | Entrevista com Artur Barrio
ARTIGOS
Celeida Tostes e a narrativa do feminino | Isabel Hennig
A arte de copiar: gravura, pintura eartista colonial | Raquel Quinet Pífano
Escultura como imagem | Cristina Salgado
Para chegar ao mictório deve-se descera escada (em dois lances de 8 ou 80) |Milton Machado
O projeto de Revitalização do Museu D.João VI da EBA / UFRJ, a reinterpretaçãodo acervo do museu e sua novacuradoria | Sonia Gomes Pereira
COLABORAÇÕES
Arte e deriva: a escrita como processo-
invenção | Cecilia CotrimCircuito, cidade e arte: dois textos deMalasartes | Patricia Corrêa
Estratégias para não se perder na cidadeDerivas urbanas de Sophie Calle |Cláudia França
Idéias-em-forma: invervenções de
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
http://slidepdf.com/reader/full/textos-contribuicao-de-crary 113/117
Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011224 SUMÁRIO DAS EDIÇÕES ANTERIO
Gordon Matta-Clark | Elena O’Neill
Abordagens da cultura popular carioca:Hélio Oiticica, Dias & Riedweg, PaulaTrope e Rosana Palazyan | BeatrizPimenta Velloso
HOMENAGEM Dossiê Luciano Fabro | Simone Michelin, Glória Ferreira, CarlosZilio, Vanda Klabin e Carla Vendrami
REEDIÇÃO A escultura no campoampliado | Rosalind Krauss
TEMÁTICAS
Táticas de jogo da InternacionalSituacionista | Libero Andreotti
A polêmica em torno de Tilted Arc:: umprecedente perigoso? | Harriet F. Senie
Um lugar após o outro: anotações sobresite-specificity| Miwon Kwon
O romance do espaço público | AdriánGorelik
PÁGINA DUPLA Sítios arqueológicos |Luciano Vinhosa
RESENHAS
As coleções do Museu Nacional doAzulejo de Lisboa | Raphael Fonseca
Colors of the world: a geography ofcolor | Rosane Bezerra Soares
Anita Malfatti, no tempo e no espaço |Messias Basques
Experiência neoconcreta: momentolimite da arte | Elizabeth Catoia Varela
Últimos lançamentos da coleção Arte+ | Ivair Reinaldim
Nova York delirante: um manifestoretroativo para Manhattan | Rodrigo Krul
Bia Medeiros: trajetórias do corpo | Alexandre Emerick
Arte & Ensaios 16, 2008
A gente vai para o que ama | Entrevistacom Ernesto Neto
ARTIGOS
Perguntas ordinárias em percursosexistenciais – algumas consideraçõessobre a produção artística em contextosurbanos | Enrico RochaAs charges políticas e seu reflexo nasociedade | Octavio Aragão
Antônio Bento e a vanguarda artísticabrasileira no final da década de 1950 | Ana Paula França Carneiro da Silva
Conversas em exposição: sentidos da
arte no contato com ela | Lígia Dabul
No olhar da imagem | Carlos Alberto Murad
COLABORAÇÕES
A fragmentação do corpo do herói ea sensibilidade do final do século 19 |Maraliz de Castro Vieira Christo
Território: um evento que dá lugar àexperiência estética | Luciano Vinhosa
Corpo, caminhos e lugares | AlexandreEmerick
Retrato fotográfico oitocentista: o corpovisto através do “olhar iluminista” |Lícius da Silva
HOMENAGEM Dossiê Eliane Duarte | Paulo Venancio Filho, Chacal e VivianeMatesco
REEDIÇÃO Breviário sobre o corpo |Lygia Clark
TEMÁTICAS
O corpo é imagem | Jean-Marie Schaeffer
Masculino, feminino ou neutro? | Adrian Forty
Vídeo: a estética do narcisismo | RosalindKrauss
Seguindo Acconci/visão direcionada |Christine Poggi
PÁGINA DUPLA Ângelo Venosa
RESENHAS
A arte da performance – do futurismoao presente | Alexandre Sá
Espaço e performance | Alexandre Emerick
The preference for the primitive |Rosane Bezerra Soares
L’image ouverte | Cezar Bartholomeu
Arte & Ensaios 15, 2007
Tornar o real ....| Entrevista com Iole de Freitas
ARTIGOS
Como se existisse a humanidade | MarisaFlórido Cesar
Como fazer cinema sem filme? | Livia FloresAs narrativas fotográficas de MarcelGautherot: estudo visual do guerreiroalagoano e do bumba-meu-boimaranhense | Patrícia Pereira Peralta
Cotidiano e cultura no Rio de Janeirona década de 1950: os cinejornais da
Agência Nacional | Renata Vellozo Gomes
Arquitetura moderna brasileira e asexperiências de Lucio Costa na décadade 1920 | Ana Slade
Imagens migrantes | Janaina Garcia
COLABORAÇÕES
O Ateliê livre de gravura do MAM-Rio1959/1969: projeto pedagógico deatualização da linguagem | Maria LuisaLuz Tavora
Exercícios estéticos de ampliação de espaçoe liberdade | Maria Luiza Tristão de Araújo
A estética fenomenológica de Merleau-Ponty | Rosa Werneck
A utopia expressionista de Kandinsky |Sheila Cabo Geraldo
Instauração: um conceito na filosofia deGoodman | Noéli Ramme
A ironia e suas estratégias na obra deCildo Meireles | Felipe Scovino
Arte contemporânea brasileira nas fronteirasdo pertencimento | Marcelo Campos
Off register: o retrato por Andy Warhol | Fernanda Lopes Torres
Universos paralelos: Paul Klee e MiraSchendel | Beatriz Rocha Lagoa
Compreender é julgar | Entrevista deDanièle Cohn a Glória Ferreira e CezarBartholomeu
HOMENAGEM Jean Baudrillard –enigmas e paradoxos da imagem naera do simulacro | Rogério Medeiros
REEDIÇÃOModelos europeus na pinturacolonial | Hannah Levy
TEMÁTICAS
Gênese de uma pintura de Paul Gauguin:manifesto e auto-análise de um pintor |Dario Gamboni
Buren sobre Ryman, Moritz sobreWinckelmann: a crítica constitutiva dahistória da arte | Roland Recht
Estúpida | Yve-Alain Bois
Arte e política | Ana Mendieta
Táticas para viver da adversidade. Oconceitualismo na América Latina | MariCarmen Ramírez
Francastel e Panofsky: o espaço comoproblema | Jean Duvignaud
PÁGINA DUPLA Carlos Murad.
RESENHAS
O documentário de Eduardo Coutinho:cinema, televisão e vídeo | Beatriz Pimenta.
Auto Retrato - exposição na FundaçãoSerralves | Márcia Valéria Teixeira Rosa
Manet: uma mulher de negócios, um almoçono parque e um bar | América Cupello
O fim da história da arte | Mauro TrindadeEscritos de artistas-anos 60/70 | Isabela Pucu
Arte & Ensaios 14, 2007*
Edição Especial - CorrespondênciaTransnacional
Livros, botes e pássaros | Sutapa Biswasentrevistada por Michael Asbury
COLABORAÇÕES
Longe ou perto demais para saber doque se trata | Moacir dos Anjos
Sombras / Shadows | Michael Asbury
A re-locação da autenticidade e osdilemas transnacionais | Oriana Baddeley
O sonho americano (sonhos que o
dinheiro pode comprar) - Notas sobre ointer-nacionalismo na cultura moderna | Guilherme Bueno
Diálogos espaciais: os derramamentosde caramelos de Felix Gonzalez-Torres | Deborah Cherry
Arte e po l í t i ca à margem domulticulturalismo | Fernando Cocchiarale
Capítulos à parte | Glória Ferreira
Este Corpo é Todo Poros | Milton Machado
Vicissitudes do valor da anglicidade emHamburgo do século 19: Nikolaikirche, aprefeitura e o sistema de água e esgoto| Toshio Watanabe
Mira Schendel: rumo a história de umdiálogo | Isobel Whitelegg
Goeldi: um expressionista nos trópicos| Paulo Venancio Filho
Justamente o contrário | Carlos Zilio
Gostava da arte que produziam egostava deles como pessoas. Assim, nostornamos amigos | Entrevista de Guy Bretta Linda Sandino
TEXTOS DE REFERÊNCIA
Introdução de Information | KynastonMcShine
Rumo a uma nova localidade: as bienaise a “arte global” | Hou Hanru
Nosso Bauhaus, barraco dos outros |Rasheed Araeen
Modernos fora dos eixos | Paulo SergioDuarte
Da arte nacional brasileira para a artebrasileira internacional | Tadeu Chiarelli
O tango local e a dança global: Uma
conversa inacabada entre Vasif Kortune Cuauhtémoc Medina | CuauthémocMediria e Vasif Kortun
DOSSIÊ CORRESPONDÊNCIAS
Introdução | Malu Fatorelli
Carta à mãe | Édouard Manet
Carta a Anita Malfatti | Mário de Andrade
Carta à família | Mário Pedrosa
Carta a Mira Schendel | Vilém Flusser
Carta a Hélio Oiticica | Lygia Clark
Carta a Lygia Clark | Hélio Oiticica
Brígida Baltar - Conversas por e-mailcom Amal Saade e Christine Lemke,2001 | Brígida Baltar
PÁGINA DUPLA David Medalla | LúciaNogueira
RESENHAS
l shall be the tropical sun | Suzana Vaz
DoubtfuI Strait um modelo da celebraçãoda incerteza | Joanne Harwood
Tópicos sobre coletivos de artistas |Daniela Mattos/Alexandre Sá
London, London | Cristina Salgado
Questionando a necessidade de circular;fisicamente. Um encontro com JudyFreya Sibayan | ErikaTan
Arte & Ensaios 13, 2006
Que história é essa?! | Entrevista comCarlos Zilio
ARTIGOS
A obra de arte na era de sua reproduti-bilidade turística | Alexandre Sá
O belo e o sublime românticos naspaisagens de mundos virtuais online |Martha Werneck
Esplendor e sigilo: o Brasil na cartografiaportuguesa dos séculos XVI e XVII | André Monteiro de Barros Dorigo
Read Me, Ready Me: a caixa preta doser em tempo real | Ricardo Maurício
Os pintores de letras: um olhar etnográficosobre as inscrições vernaculares urbanas | Marcus Dohmann
A importância do uso na preservação daobra de arquitetura | Cyro Corrêa Lyra
COLABORAÇÕES
Salões Oficiais de Arte no Brasil – umtema em questão | Angela Ancora da Luz
Kosuth com Freud – Imagem, psicanálisee arte contemporânea | Tânia Rivera
Uma conversa com José Damasceno |Sandra Vieira Jürgens
Formalismo e Modernidade | Guilherme Bueno
Lances de Hubert Damisch. Pensando aarte na história | Ernst van Alphen
Por um último Ring-Gespräch | CatherineBompuis
Da prática da arte às outras práticas. Opapel da arte na produção de realidade | Luciano Vinhosa
HOMENAGEM Linguagens Visuais –10 anos
DOSSIÊ Instituições de arte no Brasil –relatos de experiências | Interface
REEDIÇÃO Salão de 1879 | Ângelo Agostini
TEMÁTICAS
Os espaços discursivos da fotografia |Rosalind Krauss
Entrevista a Harald Szeemann| Carolee Thea
Abertura da cilada: a exposição pós-moderna e Magiciens de la Terre |Thomas Mc Evilley
Um meio à procura de sua forma asexposições e suas determinações |Katharina Hegewich
Do indício ao índice ou da fotografia aomuseu | Daniel Soutif
PÁGINA DUPLA Simone Michellin
RESENHASArt since 1900 | Alexandre SáDada | Cezar BartholomeuPoética(s) dos Fluxus: algumasconsiderações | Daniela MattosMarcia X: clichês | Felipe ScovinoTropicália: uma revolução na culturabrasileira | Michael AsburryEscritos de Artistas nos Anos 60/70 |Patricia GuimarãesPrague Biennale 2 Expanded painting /acción directa | Pedro Meyer Big Bang: destruição e criação na artedo século 20 | Sheila CaboLe mouvement des images - Art etCinéma | Valéria Faria
Arte & Ensaios 12, 2005*
Tornar real a realidade | Entrevista comCarmela Gross
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
http://slidepdf.com/reader/full/textos-contribuicao-de-crary 114/117
Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011226 SUMÁRIO DAS EDIÇÕES ANTERIO
ARTIGOS
Não-habitável como poética de espaço | Regina de Paula
Imagens e signos de Santa Teresa:movimentos artísticos e culturais de umbairro carioca | Luciane de Siqueira
A figura nos concursos de magistério |Ivan Coelho de Sá
Translocalidade | Giordani Maia
Imagem fotográfica na República Velha:um estudo sobre a coleção Rondon doMuseu Histórico do Exército e Forte deCopacabana | Elizabete Mendonça
A pintura histórica de Antônio Parreiras:a temática do herói nacional e oimaginário republicano | Reginaldo daRocha Leite
COLABORAÇÕES
Escarificações na pele ingênua da arte | Guilherme Vaz
A instalação em situação | StéphaneHuchet
Retrato de Dorian Gray – uma pinturain progress | Ligia Canongia
O momento que dura para sempre |Sean Scully
Semiótica aplicada à análise da imagem:a corte no Rio de Janeiro nos desenhosde Joaquim Cândido Guillobel | RosanaRamalho
Bellevue II: uma visão não tão belada sociedade de consumo | AntônioSena Batista
Crítica em tempos de guerra: RubenNavarra e os anos 40 | Vera Lins
REEDIÇÃO Sobre pintura moderna |Ruben Navarra
DOSSIÊ Soto
TEMÁTICAS
O artista como etnógrafo | Hal Foster
Quando (onde) a obra acontece | Jean-Marc Poinsot
O pós-artista | Peter Plagens
O debate crítico e os problemas estéticos | Rainer Rochlitz
A função crítica da arte entre recusa e
indeterminação | Serge Bismuth
ENCARTE Milton Machado
RESENHAS
Marcel Duchamp – uma biografia | Alexandre Sá
Luz e letra | Carlos Augusto Nóbrega
Proust e a fotografia | Cezar Bartholomeu
Experiência crítica – textos selecionados:Ronaldo Brito | Fernanda Lopes
Os artistas contemporâneos e a filosofia | Glória Ferreira
Sobre um lugar – Torreão | Malu Fatorelli
A peregrinação de Watteau à ilha doamor | Rogério Medeiros
Imaginário brasileiro e zonas periféricas– algumas proposições da sociologia daarte | Valéria de Faria Cristofaro
O Pensamento Crítico Brasileiro | VivianeMatesco
Arte & Ensaios 11, 2004
Movimento aleatório disciplinado |Entrevista com Abraham Palatnik
ARTIGOS
Imagem digital e interatividade:considerações sobre o estatuto de obrae autoria nas representações expostasna rede | Yoko Nishio
Vítor Meireles e a tradição pictórica | Alexandre Linhares Guedes
Ações pontuais no espaço telemático:rádio e webrádio | Romano
Aloisio Magalhães: o artista, a arte eo design brasileiros na óptica de seuscontemporâneos | Isis Fernandes Braga,Isis Braga
A Exposição do Centenário e o meioarquitetônico carioca do início dos anos20 | Ruth Nina Veira Fereira Levy
O longe e o perto como distânciascontemporâneas | Malu Fatorelli
COLABORAÇÕES
Depois de História do Futuro (arte) e suaexterioridade| Milton Machado
Lygia Pape: gravuras ou antigravuras?Deslocamentos possíveis da tradição |Maria Luisa Luz Tavora
A (outra) Arte Contemporânea Brasileira:intervenções urbanas micropolíticas |Fernando Cocchiarale
Cildo Meireles: A indústria e a poesia |Moacir dos Anjos
Sub specie ludi: Função e estrutura deuma “arte lúdica” | Marion Hohlfeldt
Um copo de mar para navegar | LuisaDuarte
Interações, hibridações e simbioses |Carlos Augusto Moreira da Nóbrega GutoNóbrega
HOMENAGEM Dossiê Lygia Pape
TEMÁTICAS
O impulso alegórico: sobre uma teoriado Pós-Modernismo | Craig Owens
A atividade fotográfica do pós-modernismo | Douglas Grimp
A visualização de dados como uma novaabstração anti-sublime | Manovich
Curadorias do fluxo – os desafios dointercâmbio colaborativo e do espaçodas novas mídias | Sarah Diamonds
Tempos subjetivos & tempos objetivosda fotografia | François Soulages
Arte na vanguarda da Net: O futuro seráúmido! | Roy Ascott
ENCARTE Livia Flores
RESENHAS
Arte e Vida no Século XXI e RedesSensoriais | Valéria de Faria Cristofaro
O quarto iconoclasmo e outros ensaioshereges | Ricardo Cristofaro
Forma e Imagem Técnicas na Arte do Riode Janeiro: 1950-1970 | Fernanda Lopes
Zoom out | Glória Ferreira
Lance 36 | Romano
O artista em meio à era do indivíduo |Rosza vel Zoladz
Fronteiras: arte, crítica e outros ensaios | Guilherme Bueno
Lygia Pape – Entre o Olho e o Espírito | Viviane Matesco
Arte & Ensaios 10, 2003*
Superfícies em distúrbio | Entrevista comEduardo Sued
ARTIGOS
O espaço de representação e asrepresentações do espaço | André Amaral
A Vontade Poética no Diálogo com osBichos: o ponto de chegada de uma arteparticipativa no Brasil | Felipe Scovino
Angelo Agostini: a arte de levar a sério umtrabalho bem-humorado | Octavio Aragão
COLABORAÇÕES
Desenho, composição, tipologia e
tradição clássica – uma discussão sobreo ensino acadêmico do século 19 |Sonia Gomes
Duas visões sobre a Pop Art: ClementGreenberg e Arthur Danto | Fátima Couto
História, Antropologia e Arte: umaproposta de abordagem transdisciplinar
para o tema da “natureza exuberante”nas artes brasileiras | Helio Vianna
REEDIÇÕES
Milton Dacosta: vinte anos de pintura | Mário Pedrosa
Born to be Famous: a condição do j ovemartista, entre o sucesso pop e as ilusõesperdidas... | João Fernandes
TEMÁTICAS
O que é um artista (hoje)? | NicolasBourriaud
Linguagem internacional? | GerardoMosquera
A idéia de obra-prima na artecontemporânea | Arthur C. Danto
Quando a forma se transformou ematitude – e além | De Duve
Entrevista a Carolee Thea | Dan Cameron
O ensino da arte conceitual | CharlesHarrison João Fernandes
ENCARTE Regina de Paula
RESENHAS
O Meio Como Ponto Zero – metodologia dapesquisa em artes plásticas | Malu Fatorelli
Pensando a Arte na Escola | MarceloCampos
Revistas de arte: biopolíticas em mídiasgráficas | Newton Goto
A vanguarda como software | Romano
L’artiste en personne | Glória Ferreira
A Semiologia da Imagem Francesa e oContexto Brasileiro | Rogério Medeiros
Arte & Ensaios 9, 2002**
O lugar que vejo | Entrevista com Antonio Dias
ARTIGOS
O ateliê do artista | Marisa Flórido Cesar
Galeria do Poste Arte Contemporânea:estudo etnográfico sobre arte einventividade no espaço urbano | LauraMartini Bedran
Projeto Urubu na Ilha do Fundão |Gisele Ribeiro
Entre a alegoria e o deleite visual: aspinturas decorativas de Eliseu Viscontipara o Theatro Municipal do Rio deJaneiro | Ana Maria Tavares Cavalcanti
COLABORAÇÕES
Chega de futuro? Arte e tecnologiadiante da questão expressiva | PauloSergio Duarte
Barnett Newman: Pintura escrita /escrita pintura | Mel Bochner
Riegl e Benjamin: arte, história e teoriamoderna | Sheila Cabo Geraldo
E Agora? | Ricardo Basbaum
Revista de Art[istas] dos anos 1968-79 | Sylvie Mokhtari
Sinceridade como conceito | ChristineTichatschek
REEDIÇÃOBelas-Artes | Gonzaga Duque
HOMENAGEM Dossiê Lucio Costa
TRADUÇÕES
Arte e objetidade| Michael Fried
Expanded Body. Variations V e aconversão das artes na era eletrônica
| Marcella ListaArte híbrida? Um olhar por trás dascenas globais | Hans Belting
Sociologia visual: seguindo o olhar deRobert Frank | Howard Becker
RESENHAS
O trágico tematizado no imaginário |Rosza W. vel Zoladz
Uma história do espaço – de Dante àinternet | Malu Fatorelli
O espaço moderno | Guilherme Bueno.
Palatnik: a luz e o movimento nopioneiro da fusão arte e tecnologia noBrasil | Felipe Scovino
Arte & ensaios 8, 2001**
As coisas vêm chegando | Entrevista com Aluísio Carvão
ARTIGOS
Giulio Carlo Argan, Clement Greenberg:a teoria para a arte moderna comoprojeto | Guilherme Bueno
A construção de um imagináriomoderno: as capas da Editora CivilizaçãoBrasileira (1960-1975) | Amaury
Fernandes da Silva Junior O pêndulo do sentido: distânciasindiciais e oscilações alegóricas | RicardoMaurício
“Como todos os outros”: arte e estéticana antropologia modernista | Kátia MariaPereira de Almeida
O imaginário e seus contextos dereferência no Brasil | Rosza W. vel Zoladz
Academia Imperial de Belas Artes noRio de Janeiro: revisão historiográfica eestado da questão | Sonia Gomes Pereira
Emprestar a paisagem – Daniel Buren eos limites críticos | Glória Ferreira
COLABORAÇÕES
O feminino na arte | Viviane Matesco
A reinvenção do realismo como arte doinstante | Luiz Renato Martins
Atrocidades maravilhosas: açãoindependente de arte no contextopúblico | Alexandre Vogler
Adrian Piper | Cyríaco Lopes
REEDIÇÃO Propósito experimental | Jorge de Oteiza
TRADUÇÕES
Terra e museu – local ou global? | Guy BrettJean-Luc Nancy / Chantal Pontbriand,uma conversa | Chantal Pontbriand
Circuito das heliografias: arte conceituale política na América Latina | MariCarmen Ramírez
Regionalismo | François Loyer
A rede de Vogel: armadilhas como obrasde arte e obras de arte como armadilhas | Alfred Gell
HOMENAGEM Paulo Houayek. Dia-a-dia| Carlos Zilio
RESENHAS
O cotidiano digital | Marcelo Simão de Vasconcellos
As diferenças culturais | Luciane de Siqueira
O fotógrafo e o historiador ilustrado |Cezar Bartholomeu
Mestre Valentim | Anna Maria TavaresCavalcanti Volpi
Ivan Sá e Vera Hermano | Flávio de Carvalho
Alexandre Pessôa. The Pleasure ofBeholding | Marcia Campos
Zona Franca | Adriano Melhem de Mello
Voici | Ítalo Bruno, Zalinda Cartaxo eMalu Fatorelli
De onde vem e para onde vai o fio dafaca (construtiva) | Luiz Renato Martins
As instituições da arte | José Luiz daSilva Nunes
Arte & Ensaios 7, 2000**
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
http://slidepdf.com/reader/full/textos-contribuicao-de-crary 115/117
Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011228 SUMÁRIO DAS EDIÇÕES ANTERIO
Pano-de-roda | Entrevista com Cildo Meireles
ARTIGOS
Da polifonia poético-visual nas artesarmoriais | Daniel Bitter
Justificação de um gesto | Edwiges daSilva Henriques
Klaxon: um percurso de leitura | Marcus Vinícius de Paula
A propósito do imaginário e suasrepresentações culturais | Rosza W. vel Zoladz
Picasso e a história | Paulo Venancio Filho
Anna Bella Geiger: inquietações no corpofragmentado | Maria Luisa Luz Tavora
Os labirintos do imaginário. Influênciasestéticas no cinema de Glauber Rocha | Rogério Medeiros
Projeto MN.02: ensaio no espaço detelecomunicações da cidade do Rio deJaneiro | Simone Michelin
Imagem e idéia – a propósito da
experiência artística | Angela Ancora da LuzCorpos escritos. Paisagem, memóriae monumento: visões da identidadecarioca | Margareth da Silva Pereira
(?)? Pergunta dentro da pergunta |Ricardo Basbaum
Considerações sobre a escultura urbanade Richard Serra | Renato Rodrigues
Ecco: uma experiência de arte a distância | Ricardo Maurício
REEDIÇÃO
Formação do artista no Brasil | JoséResende
ENTREVISTA | Paulo Mendes entrevista João Fernandes
TRADUÇÕES
Uma perspectiva sociológica sobre a continuidade entre as práticas cotidianas,as atividades artísticas e a sensibilidadeestética | Jean Pierre Silvestre
A arte da natureza | Gilles A. Tiberghien
Procedimentos alegóricos: apropriaçãoe montagem na arte contemporânea |Benjamin H. D. Buchloh
Arte sem paradigma | Arthur C. Danto
RESENHAS
Um olhar aprisionado na imagem-máquina – as novas tecnologias virtuaisde transmissão de imagens e sua açãodiluidora de uma visão do real | ElizabethC. Paiva Silva
O mais novo Laocoonte | Guilherme Bueno
O que vemos, o que nos olha | Renata Camargo
Cibercultura: para uma compreensãodo contemporâneo | Etinete A. doNascimento Gonçalves
A psique exterior | Luis Andrade
A imagem da cidade | Luciane de Siqueira
Nosso século 21 – notas sobre arte,técnica e poderes | Laura Bedran
Estampas Eucalol: imagem, culturae nostalgia | Regina Lucia Schiefler daCunha Tessis
O humanismo lírico de Guignard | Adriano Melhem de Mello
A cultura do papel | Paula Wienskoski
Arte & Ensaios 6, 1999**
Entrevista com Amilcar de Castro
ARTIGOS
Base Central Cão Mulato viralata emprocesso | Edson Barrus
Carybé, obra e tradição: o universomítico afro-brasileiro | Marcelo Campos
A dobra e a diferença: colagens dePicasso | Marisa Flórido Cesar
O mundo em metamorfose. Análisesemiológica de Paisagem Brasileira, deLasar Segall | Rogério Medeiros
Identidade e estratégias do gostoartístico no Rio de Janeiro setecentista |Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira
“Fazer de dois um multiplica o rir”.Depoimentos sobre Lygia Clark em Paris | Glória Ferreira
Arte com filtro – XXIV Bienal Internacionalde São Paulo | Roberto Conduru
As bienais – formatos abertos xconteúdos fechados. Reflexões sobreidentidade e função das bienais | LuizGuilherme Vergara
Hélio Oiticica e a morte do cinema |Cláudio Dacosta
Quase Cinema, Block-Experiments inCosmococa CC 3: Maileryn. A fragrâncianarcótica da arte | Luis Andrade
Do caráter mercantil, monetáro e, aindaassim, autônomo do objeto de arte |Moacir dos Anjos
REEDIÇÃO Jorge Guinle: Raciocínios deum pintor | Jorge Guinle Filho
TRADUÇÕES
Narciso barroco. Hubert Damisch · TraduçãoMaria Flórido · Revisão Glória Ferreira
Douane-Zoll | Jean-Claude Lebensztejn TraduçãoGlória Ferreira · Revisão Antonio Guimarães
Mesa-redonda: a recepção dos anos 60 | Tradução Carlos Feferman · Revisão Paulo Venancio Filho
RESENHAS
A arte no contexto do lugar | ArthurLeandro/Alexandre Vogler
FARMAX – passeios na densidade |Fabiana Izaga
A crítica capaz | Luis Andrade
A herança da arte | Resenha Muriel CaronTradução Fabiana Santos
A noção de estilo | Guilherme Bueno
Les raisons du paysage | Lenice daSilva Lira
O crítico Walter Benjamin | BeatrizRocha Lagôa
Le primitivisme dans l’art moderne |Rosza W. vel Zoladz
Clássico anticlássico | Rosana de Freitas
Limites do moderno, o pensamentoestético de Mário de Andrade | Marcus Vinicius de Paula
Arte & Ensaios 5, 1998**
Entrevista de Lygia Pape a Paulo VenancioFilho, Glória Ferreira e Ronald Duarte
DOSSIÊ Lygia Pape
ARTIGOS
Arte em explosão: rompimento doslimites entre as categorias artísticas |Renata Wilner
Da arte: sua condição contemporânea | Luciano Vinhosa Simão
Materialidade Situs: um recorte espacial | Ronald Duarte
Artista, formação do artista, artemoderna | Carlos Zilio
O ensino de arquitetura no Brasil noséculo 19 – uma contribuição ao estudodo tema | Cybele V.N. Fernandes
Claude Monet quer que a catedral setorne uma esponja de luz | Maria LuisaLuz Tavora
História, cultura periférica e a novacivilização da imagem | Paulo Venancio FilhoVitalidade e socialidade da arte: aestética de Guyau | Annamaria Contini
Reinterpretar a modernidade | Entrevistade Thierry De Duve a Glória Ferreira eMuriel Caron
Kant depois de Duchamp | Thierry De Duve
RESENHAS
Sob o domínio da imagem banal |Elizabeth Paiva
Compulsive Beauty | Monica Mansur
L’informe, mode d’emploi | Glória Ferreira
Carta de Lord Chandos, Hugo VonHofmannsthal | Paulo Houayek
Arte & Ensaios 4, 1997**
A influência do computador na artecontemporânea | Luiz Antonio Fernandes Braga
Primitivismo no Les Demoisellesd’Avignon: universalidade na tradição | Lígia Dabul
Bastide, a arte e os outros | JeanDuvignaud
Umbandacarnaval | Luiz Felipe Ferreira
Cela e mundo – o conflito de Mondrianna tridimensionalidade | Crist ianeMonteiro Flores
Exposições universais: duas diferentesabordagens em obras francesas recentes | Ruth Vieira Ferreira Levy
A leitura visual de Viva Jacaré. Umailustração cinematográfica de Rui deOliveira | Marisa de Oliveira Mokarzel
O cinema em cartaz. Um estudo decaso: Fernando Pimenta | Carlos Eduardoda Silva Valente
Arte & ensaios 3, 1996**
Os “Tecelares” de Lygia Pape | MariaClara Amado Martins
Os abebés. Os espelhos do ventre |Elena Maria Andrei
São Miguel Arcanjo. Duas esculturaspolicromadas | Fátima Justiniano
A cidade e a arte contemporânea | Anne Cauquelin
Decadentismo e maneirismo em relaçõesde personalidade | Francisca Maria Teresados Reis Baltar
O objeto industrial na linguagemcinematográfica - Um estudo daformação da cultura de massa peranteo objeto industrial, através do cinema | Vicente Cerqueira
A expressão da natureza na obra de PaulCézanne | Marcelo Duprat Pereira
Arte & ensaios 2, 1995**
Sobre Celeida | Helena Severo
Celeida de Barro | Regina Célia Pinto
Um módulo vida na Universidade Federaldo Rio de Janeiro | André Bazzanella
A cerâmica como processo. Umaexperiência prática no Centro Integradode Cerâmica EBA/UFRJ | Marcos Varela
A cerâmica como elemento aglutinadorpara três domínios diversos. O barro, amadeira, a informática| Isis Braga
A cidade de terra | Amauri Ferreira Macedo
“Teapot Po Ris Malevich” | PiedadeEpstein Grinberg
Fazer cerâmico. Fazer urbano, fazerimaginário | Andréa Pessôa Borde
Arte & ensaios 1, 1994**
Entrevista com Carlos Zilio
Formação do artista plástico no Brasil– o caso da Escola de Belas Artes |Carlos Zilio
O hedonismo rococó através da pintura detemática carnavalesca |Ivan Coelho de Sá
Mãos na pedra – a repetição do gestoprimevo na Toca da Argila, região
arqueológica da Central, BA | Angela RabeloGrupo Frente e o experimentalismoemergente de Lygia Pape, Lygia Clark eHélio Oiticica | Eileen M.F. Cunha
Um sonho que se mostra – a criação daCasa do Pontal | Maria Angela S. Mascelan
7/26/2019 Textos - contribuição de Crary
http://slidepdf.com/reader/full/textos-contribuicao-de-crary 116/117
Arte & ensaios | rev is ta do ppgav/eba/uf r j | n . 23 | nov 2011230 SUMÁRIO DAS EDIÇÕES ANTERIO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROCENTRO DE LETRAS E ARTESESCOLA DE BELAS ARTESPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS
O Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais destina-se a proporcionar formação culturaartística, ampla e aprofundada em níveis de mestrado e doutorado, desenvolvendo a ca pacidade ensino e pesquisa no campo teórico e do fazer artístico.
ÁREAS DE CONCENTRAÇÃOHistória e Teoria da ArteTeoria e Experimentação em
Arte
LINHAS DE PESQUISAHistória e Crítica da Arte(HTA)Imagem e Cultura (HTA)Linguagens Visuais (TEA)Poéticas Interdisciplinares(TEA)
CORPO DOCENTE PERMANENTE Amaury FernandesAna CavalcantiÂngela Leite LopesCarlos Alberto Murad
Carlos Augusto NóbregaCarlos AzambujaCarlos Terra
Celso Pereira GuimarãesCybele Vidal Neto FernandesHelenise GuimarãesLivia FloresMarcus DohmannMaria Cristina Volpi NacifMaria Luiza FragosoMaria Luisa TavoraMarize MaltaMilton MachadoPaulo Venancio FilhoRogério MedeirosTadeu CapistranoSimone MichelinSonia Gomes Pereira
COLABORADORESAngela Ancora da Luz
Cezar Tadeu Bartholomeu(LV)Doris Kosminsky (PI)Felipe Scovino (LV)Giselle de Carvalho Ruiz (PGlória FerreiraMaria Clara Amado (HCA)Rosa Werneck
PUBLICAÇÕESRevista Arte & EnsaiosCaderno de Pós-GraduaçãAnais do Encontro doPrograma de Pós-Graduaç
Para envio de colaborações, consultar ww w.eba.ufrj.br/ppgav/arte&ensaiosou pelo e-mail ar [email protected]
Endereço para correspondênciaPrograma de Pós-Graduação em Artes Visuais | EBA/UFRJAv. Pedro Calmon, 550 / sala 704 | Prédio da Reitoria | Cidade Universitária | Ilha do FundãoRio de Janeiro | RJ | Brasil | 21.941-901 | Tel.: (21) 2598 1643www.eba.ufrj.br/ppgav/arte&ensaios | [email protected]