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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
As dimensões do projeto político-pedagógico: Novos desafios para a escola / lima Passos Alencastro Veiga, Marília Fonseca (orgs.). - Campinas, SP : Papirus, 2001. - (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico)
Vários autores. Bibliografia. ISBN 85-308-0656-5
1. Educação - Brasil 2. Educação e Estado - Brasil l. Veiga, lima Passos Alencastro. II. Fonseca, Marília. 111. Série. CDD-379.81
índices para catálogo sistemático:
1. Brasil: Projeto político-pedagógico: Educação 379.81 2. Projeto político-pedagógico: Brasil: Educação 379.81
AVALIAÇÃO FORMATIVA: EM BUSCA DO DESENVOLVIMENTO DO
ALUNO, DO PROFESSOR E DA ESCOLA
Benigna Maria de Freitas Villas Boas
Origem desta reflexão
A construção ainda incompleta do conceito de avaliação formativa
manifestada em três diferentes situações originou este texto. A primeira delas
foi encontrada na pesquisa sobre "A avaliação nos cursos de formação
de profissionais da educação no Distrito Federal: Confronto entre a teoria e a
prática",1 quando se investigou o tratamento dado ao tema avaliação nesses
cursos, nos níveis médio e superior. Foram as seguintes as percepções de
professores da disciplina "didática", do curso de magistério de escolas públicas
e privadas do Distrito Federal, quanto à avaliação formativa, obtidas por meio
de entrevistas:
1. Pesquisa desenvolvida entre 1998 e 2000, com financiamento da FAP/DF, pela equipe: Benigna Maria de F. Villas Boas (coord.); Ana Regina Melo Salviano; Lúcia Maria da Cruz Suzart; Luzia Costa de Sousa; Margarida Jardim Cavalcanti e Minam Silva Gomes.
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Avalia-se tanto a parte de conhecimento como a formativa.
01-4082
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Deixam-se dois pontos para a avaliação formativa (escala de l a 10). A
nota é em aberto para ser discutida no Conselho de Classe, com a da
participação do aluno, senão não teria sentido o Conselho.
(...) tanto alunos quanto professores estão insatisfeitos com relação à
avaliação. Avaliamos 20% do formativo e 80% do cognitivo. Formativo é:
interesse, participação, assiduidade, pontualidade. Até nisso temos
divergências, por exemplo, a participação. Alguns alunos participam
quando você solicita, eles respondem e alguns professores consideram
como aluno participante. Outros consideram que só a oralidade é parti-
cipação... Os alunos reclamam muito desse aspecto... Mesmo com essas
dificuldades, os professores preferem continuar com os aspectos forma-
tivos. Não querem só a avaliação cognitiva. (Villas Boas 2000, p. 32)
Observa-se dicotomia entre a avaliação relacionada a conteúdos e a
avaliação formativa, essa última compreendendo interesse, participação e
outros itens considerados "não-cognitivos".
A segunda situação que inspirou este texto é uma "nova proposta" de
avaliação implantada nas escolas da rede pública do Distrito Federal para
"superar sua visão estática e classificatória" e "resgatar sua função
formativa", de modo que assuma "um caráter inclusivo, capaz de infundir no
aluno a confiança em si mesmo e estimulá-lo a avançar sempre"
(SE/DF 2000, p. 4). O uso da palavra "resgatar" deixa sempre uma
dúvida: no presente caso, já houve avaliação formativa? Resgatar significa
recuperar algo que existiu.
O documento que contém a nova proposta, denominado "Diretrizes para
avaliação" (SE/DF 2000), afirma que a "ação avaliativa ultrapassa os limites
quantitativos" (op. cit., p. 4), deve observar "quatro dimensões: diagnostica,
processual/contínua, cumulativa e participativa" (op. cit., p. 4) e apresenta os
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princípios norteadores "dessa nova prática avaliativa": sucesso, diferenças
individuais, diferenças socioculturais, progresso contínuo, liberdade, cooperação,
diálogo e transformação social (op. cit., p. 7). Além disso, as diretrizes assumem
compromisso com a "avaliação formativa interdisciplinar" (op. cit., p. 8). Depois
de tudo isso, estabelece-se que "no caso de serem adotados testes/provas como
instrumento de avaliação, o valor a eles atribuído não pode ultrapassar os trinta
por cento (30%) da nota final de cada bimestre" (op. cit., p. 8). Isso significa que
se praticam dois tipos de avaliação, como na primeira situação apresentada: uma
relacionada a conteúdos e provas e outra relacionada a atividades/dimensões do
trabalho do aluno.
A terceira situação refere-se a um projeto de avaliação formativa de
uma escola de educação infantil e fundamental do Distrito Federal, da rede
privada (a identificação da escola não foi permitida),2 que vem se empenhando
no desenvolvimento da avaliação por objetivos, denominada pela equipe de
"avaliação formativa". Seus objetivos principais são:
. atualizar e tornar coerente o processo de avaliação com as teorias que
apoiam uma prática educativa renovada;
• formar o aluno para aprender a aprender;
• desenvolver o hábito do estudo diário, rompendo, assim, com o vício de
estudar somente na véspera da prova;
• valorizar todos os atos académicos e não somente os que "valem nota";
• legitimar instrumentos diversificados de avaliação. (Projeto Avaliação
Formativa 2000, p. 1)
Gradativamente as notas vêm sendo abolidas: neste ano de 2001
avalia-se o alcance dos objetivos pêlos alunos de 1a a 6a série da educação
fundamental, por meio de quatro níveis: não atingiu o objetivo; atingiu
2. A análise e o acompanhamento desse projeto tiveram início neste ano de 2001 e fazem parte do
Projeto de Pesquisa "Práticas Avaliativas Inovadoras", coordenado pela autora deste capítulo.
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parcialmente o objetivo; atingiu suficientemente o objetivo; atingiu
plenamente o objetivo. Esclarece o referido projeto que, "como o colégio
está trabalhando com dois sistemas de avaliação, formativa (por objeti-
vos) e somativa (por notas), foram definidos pesos para cada um dos
Níveis de Aproveitamento, garantindo, assim, que os alunos com apren
dizagem insuficiente não sejam promovidos por causa do cálculo da
nota" (op. cií., p. 3). A secretaria do colégio é responsável pelo calcule da
nota. Após cada período estabelecido para avaliação (bimestral,
trimestral ou anual), apresenta-se um conceito-síntese, como resultado
final do nível de aprendizagem do aluno.
Os pais recebem os objetivos a serem trabalhados no bimestre e, ao
final de cada um deles, recebem o relatório individual, no qual são discri-
minados todos os objetivos trabalhados e os respectivos resultados do aluno.
A equipe de assessores pedagógicos dessa última escola deixou
bem claro que está em busca da avaliação formativa, tendo começado
pelo que tem chamado de avaliação por objetivos.
As descrições das três situações ilustram o entendimento, ainda
em construção, da avaliação formativa. A primeira associa a avaliação
formativa ao comportamento do aluno e a atitudes diante do trabalho,
como participação, interesse, assiduidade e pontualidade. Em outros
casos tenho observado, também, a inclusão de organização dos cadernos e
o atendimento às solicitações feitas pelo professor. A segunda situação
opõe a avaliação formativa à quantitativa, vinculando-a a quatro dimensões:
diagnostica, processual/contínua, cumulativa e participativa (Secretaria
de Educação, p. 4). A terceira utiliza a avaliação por objetivos. As três
referem-se apenas à avaliação do desempenho do aluno; nenhuma
considera a avaliação do trabalho pedagógico de cada turma/disciplina e
a da escola, no conjunto, nem a avaliação da atuação do professor e de
outros profissionais da escola. Mesmo a segunda situação, que trata da
"dimensão" participativa, entende-a somente como a maneira de o professor
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discutir com os alunos "o estágio de aprendizagem que eles atingiram",
para que, juntos, "planejem novas situações de aprendizagem".
O que é, então, avaliação formativa? Em que dimensões do
trabalho pedagógico ela pode ser adotada? Como pode ser desenvolvida?
Este texto pretende discutir essas questões.
A visão de estudiosos sobre a avaliação formativa
Segundo Aliai (1986), a expressão "avaliação formativa" foi
introduzida por Scriven em 1967, em um artigo sobre a avaliação dos
meios de ensino (currículo, manuais, métodos etc.). Nesse contexto, "os
processos de avaliação formativa são concebidos para permitirem ajus-
tamentos sucessivos durante o desenvolvimento e a experimentação de um
novo curriculum, manual ou método de ensino" (p. 176). Posteriormente,
Bloom e seus seguidores aplicaram a avaliação formativa à avaliação
dos alunos, com o objetivo de orientá-los para a realização do seu trabalho,
ajudando-os a localizar as suas dificuldades e a progredir em sua
aprendizagem. Opõe-se à avaliação somativa, que constitui "um balanço
parcial ou total de um conjunto de aprendizagens" (Cardinet 1986, p. 14).
Distingue-se da avaliação diagnostica por apresentar "conotação menos
patológica, não considerando o aluno como um caso a tratar; considera os
erros como normais e característicos de um determinado nível de
desenvolvimento na aprendizagem" (op. cit., p. 14). A avaliação
formativa requer profunda mudança de atitude, adverte o mesmo autor:
"o erro do aluno não mais é considerado como uma falta passível de
repreensão mas como uma fonte de informação essencial, cuja
manifestação é importante favorecer" (Cardinet 1986, p. 21).
Ao tratarem das diferenças e relações entre a avaliação formativa e a
somativa observadas nos países do Reino Unido, com ressonância
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em outros, como Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e os da
Europa, Harlen e James (1997) nos oferecem a oportunidade de
refletir-mos sobre o que já está começando a acontecer no Brasil, com
a implantação da avaliação externa e padronizada. Relatam os autores que
os propósitos da avaliação formativa e os da somativa tornaram-se
confusos na prática, provocando dificuldades no desenvolvimento da
função formativa, cuja importância se relaciona à aprendizagem com
compreensão. Argumentam que os propósitos de ambas diferem em
vários aspectos, dentre eles o referencial para julgamento e o foco das
informações usadas. Isso conduz à suposição de que os "julgamentos
somativos podem ser formados pela simples soma dos formativos" (p.
365). Os seguintes problemas são por eles apontados:
• a avaliação formativa e a somativa são incluídas nas políticas de
avaliação nacional e, em teoria, têm diferentes papéis, mas a
maneira pela qual estão relacionadas uma à outra em docu-
mentos oficiais indica que as suas reais diferenças não são
claramente apresentadas;
• como nos programas de avaliação nacional costumam estar
incluídas as duas funções avaliativas, a verdadeira avaliação
formativa pode estar sendo fracamente praticada (ou não reco-
nhecida como tal) ou os professores podem estar lutando para
cumprir as duas e estar enfrentando sobrecarga de trabalho;
• como a avaliação formativa é aquela planejada e desenvolvida
pêlos professores, há a crença de que toda avaliação feita por
eles é formativa, ocorrendo situações em que eles reduzem os
próprios procedimentos de avaliação a séries de miniavaliações,
cada uma essencialmente somativa.
180
No caso da Inglaterra, os testes que compõem a avaliação
nacional padronizada e que conduzem à construção das tabelas
clas-sificatórias das escolas são mais valorizados do que a
avaliação formativa, o que tem levado a não se oferecer o devido
apoio a essa última (Harlen e James 1997, p. 366). Os autores apontam
as características da avaliação formativa:
• é conduzida pelo professor (essa é a principal);
• destina-se a promover a aprendizagem;
• leva em conta o progresso individual, o esforço nele colocado e outros
aspectos não especificados no currículo; em outras palavras, não é
inteiramente baseada em critérios;
• são considerados vários momentos e situações em que certas capaci-
dades e ideias são usadas, os quais poderiam classificar-se como
"erros" na avaliação somativa mas que, na formativa, fornecem
informações diagnosticas;
• os alunos exercem papel central, devendo atuar ativamente em sua
própria aprendizagem; eles progredirão se compreenderem suas pos-
sibilidades e fragilidades e souberem como se relacionar com elas.
(Idem, p. 366)
Harlen e James (1997, p. 370) afirmam que, diferentemente da
avaliação somativa, que pode referir-se tanto a norma quanto a critério,3 a
formativa leva sempre em conta onde o aluno se encontra em seu
processo de aprendizagem, em termos de conteúdos e habilidades. Por
definição, acrescentam, é baseada em critérios e, ao mesmo tempo, toma
3. A avaliação "referenciada a norma" baseia-se no desempenho do grupo de alunos, seguindo um
padrão relativo. Assim, o desempenho do aluno é relatado em relação à turma, isto é, a nota ou menção
recebida depende de sua posição relativa no grupo. A avaliação "referenciada a critério" baseia -se no
desempenho individual, tomando-se como referencial os objetivos e os critérios de avaliação. A nota
ou menção é atribuída de acordo com sua proximidade às expectativas fixadas pelo professor
(Gronlund 1979, p. 18).
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como referência o aluno. Isso significa que a análise do seu progresso
considera aspectos, tais como: o esforço despendido, o contexto particular
do seu trabalho e o progresso alcançado ao longo do tempo.
Conseqüentemente, o julgamento da sua produção e o feedbaek que lhe
será oferecido levarão em conta o aluno e não apenas os critérios de
avaliação. As circunstâncias individuais devem ser observadas se a
avaliação pretende contribuir para o desenvolvimento da aprendizagem e
para o encorajamento do aluno. A avaliação formativa seria desenco-raj
adora para muitos alunos que enfrentam fracasso se fosse baseada
exclusivamente em critérios. A combinação da avaliação baseada em
critérios com a consideração das condições do aluno fornece informações
importantes e é consistente com a ideia de que a avaliação formativa é
parte essencial do trabalho pedagógico. A identificação de problemas ou
dificuldades que os alunos possam ter pode ser feita somente por meio
dessa combinação de informações.
Gipps, McCallum e Hargreaves (2000, p. 6) associam a avaliação
formativa à avaliação informal que, segundo seu entendimento, ocorre
quando o professor apresenta questões, observa os alunos enquanto
trabalham e avalia suas produções de forma planejada e sistemática. A
continuidade desse tipo de avaliação, ao longo do tempo, em contextos
variados, permite ao professor construir compreensão ampla e sólida do
que os alunos aprenderam e do que são capazes de fazer. Esse tipo de
avaliação, dizem elas, é frequentemente chamado de avaliação formativa.
Alguns estudiosos acreditam que é verdadeiramente formativa
apenas a avaliação voltada para o aluno, mas a compreensão geral é de
que o processo envolve principalmente o professor, pelo fato de ele usar as
informações para reorganizar o trabalho pedagógico. Além disso, os
dados obtidos indicam que atividades serão refeitas, quem, individual-
mente ou em grupos, necessita refazê-las ou se é possível dar
182
continuidade ao trabalho. Esses julgamentos realizados pelo professor
devem ser repassados diretamente ao aluno, recomendam as autoras,
para que saiba se pode prosseguir ou não. O pesquisador australiano
Royce Sadler (1998, p. 120) entende que "a avaliação formativa
preocupa-se com a maneira pela qual os julgamentos da qualidade das
respostas dos alunos (...) podem ser usados para desenvolver a sua
competência de forma a reduzir a ocorrência da aprendizagem por
ensaio e erro".
O trabalho de Sadler contribui para que se situe a avaliação
informal no trabalho pedagógico. Segundo ele, mesmo quando o professor
oferece ao aluno observações válidas e/ou notas sobre o seu
desempenho, o progresso nem sempre ocorre, porque ele necessita mais do
que notas. Precisa conhecer os níveis de desempenho, objetivos ou
evidências de aprendizagem que o professor espera dele para que possa
comparar o que já aprendeu com o que ainda lhe falta aprender e
engajar-se no processo apropriado. O feedbaek do professor aponta-lhe o
que fazer para avançar. Notas ou menções não cumprem esse propósito:
desviam a atenção da aprendizagem e são contraprodutivas para os
propósitos formativos (Black e Wiliam 1998).
Black e Wiliam (1998, p. 140) conduziram uma extensa pesquisa
bibliográfica em centenas de livros e periódicos para responder a três
perguntas: 1) Há evidência de que a melhoria da avaliação formativa
eleva os níveis de desempenho dos alunos? 2) Há evidência de que há
possibilidade de melhoria? 3) Há evidência sobre como melhorar a
avaliação formativa?
As respostas às três perguntas são a mesma: sim. Quanto à primeira,
os autores relatam resultados de pesquisas com alunos de baixo rendimento
escolar e com dificuldades de aprendizagem que, ao receberem constante
feeback do professor, conseguiram melhoria considerável em seu desem-
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penho. Os alunos que se percebem incapazes de aprender, relatam
autores, geralmente não levam o trabalho a sério. Muitos se torn;
indisciplinados; outros faltam às aulas.
Quanto à segunda pergunta, os autores afirmam que as maiores
dificuldades em avaliação se relacionam a três aspectos. O primeiro diz
respeito à aprendizagem efetiva, cujas dificuldades assim se apresentam: os
testes encorajam a aprendizagem mecânica e superficial; as questões e os
métodos usados pêlos professores não são compartilhados com os colegas
da mesma escola e não são criticamente analisados em relação ao que
realmente avaliam; há a tendência de - principalmente os professores
primários - enfatizarem a quantidade e a prescrição de trabalhos e
negligenciarem sua qualidade. O segundo aspecto refere-se ao impacto
negativo, que inclui as seguintes dificuldades: ênfase na atribuição de
notas em detrimento da orientação para a aprendizagem; adoção de
práticas em que os alunos são comparados uns com os outros, o que gera
competição mais do que desenvolvimento individual. Como consequência, a
avaliação como feedback ensina os alunos de baixo rendimento que lhes
falta capacidade de aprender. O terceiro aspecto apresenta as dificuldades
relacionadas ao papel burocrático da avaliação: os professores
demonstram conhecer, antecipadamente, os resultados dos alunos em testes
externos porque seus próprios testes os imitam, mas, ao mesmo tempo, eles
pouco conhecem as necessidades dos seus próprios alunos; é dada
prioridade ao registro das notas dos alunos em detrimento da análise do
seu trabalho, para conhecimento das suas necessidades. Além disso, os
professores não prestam atenção aos resultados da avaliação dos seus
alunos feita pêlos colegas que os precederam.
O Programa Nacional de Avaliação implantado na Inglaterra e no
País de Gales desde 1988 e ainda em desenvolvimento prevê a combi-
nação dos resultados dos testes padronizados e da avaliação feita pelo
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professor. Contudo, afirmam Black e Wiliam (1998, p. 142), todos os
recursos têm sido postos sobre os testes externos e nenhuma estratégia foi
desenvolvida para a inclusão dos resultados da avaliação formativa. E
evidente que o compromisso político com os testes externos para
promover a competição obteve prioridade, enquanto o compromisso com a
avaliação formativa sempre foi marginal. Pesquisadores de todo o mundo
têm observado que os testes externos de alto impacto sempre dominam o
ensino e a avaliação. Contudo, eles oferecem aos professores modelos pobres
para a avaliação formativa em virtude de sua função limitada de fornecer
dados sumários gerais em lugar da função diagnostica. Por isso, vários estudos
e pesquisas realizados no Reino Unido têm indicado que a avaliação formativa
necessita urgentemente ser desenvolvida, alertam Black e Wiliam (op. cit.,
p. 142). Como o Brasil está seguindo os mesmos passos dos países que
implantaram a avaliação nacional padronizada e parece que irá cometer os
mesmos erros que eles já corrigiram ou ainda estão tentando corrigir, este é
o momento de repensar o uso dos resultados dos testes externos e de
promover sua combinação aos da avaliação formativa, para que, no conjunto,
reflitam com mais segurança no desempenho do aluno. A avaliação
formativa não tem sido bem compreendida pelas escolas. O
fortalecimento da avaliação externa poderá colocá-la em segundo plano, o
que prejudicará enormemente a aprendizagem dos alunos e o desenvolvimento
da escola.
Construindo o conceito de avaliação formativa
Com base nas contribuições dos autores citados, é possível cons-
truir o entendimento de avaliação formativa como a que promove o
desenvolvimento não só do aluno mas também do professor e da escola.
Admitindo-se que a escola realiza trabalho pedagógico e não simples-
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mente processo de ensino e aprendizagem, por meio do qual o p ensina e o
aluno aprende, torna-se fácil compreender a necessidade i ampliação do
conceito de avaliação formativa, estendo-a a todit* sujeitos envolvidos e
a todas as dimensões do trabalho. Segundo perspectiva, abandona-se a
avaliação unilateral (pela qual somente o aluno é avaliado e apenas pelo
professor), classificatória, punitiva e excludente, porque a avaliação
pretendida compromete-se com ;i ;ipre( dizagem e o sucesso de todos os
alunos. Para que isso aconteça, necessário que todos os profissionais da
educação que atuam na escola também tenham oportunidade de se
desenvolver e se atualizar. O sucesso do seu trabalho conduz ao sucesso do
aluno. Toda a escola participa desse ambiente de aprendizagem e
desenvolvimento. Portanto, todas as dimensões do trabalho escolar são
avaliadas, para que se identifiquem os aspectos que necessitam de
melhoria.
Estudiosos brasileiros têm defendido a substituição do paradigma
tradicional da avaliação (entendida como a que enfatiza a quantidade e ai
exatidão das informações reproduzidas) pelo paradigma que busca a avaliação
mediadora, emancipatória, dialógica, integradora, democrática, participativa
etc. Todas essas designações fazem parte do que se entende por avaliação
formativa. Esse é mais um argumento a favor de a avaliação formativa ter como
foco não apenas o aluno mas também o professor e a escola. Esses adjetivos
indicam que seu campo de atuação é mais amplo do que tem sido considerado. O
significado dessas palavras demonstra o caráter abrangente da avaliação. A
segunda situação apresentada no início deste texto aponta a intenção de adotar a
"dimensão participativa" da avaliação. Porém, as diretrizes tratam somente da
avaliação do desempenho do aluno, mostrando que se quer a participação
apenas no trabalho pedagógico da sala de aula (entendida como os espaços e
momentos da interação entre professor e alunos). O entendimento de partici-
pação fica, assim, limitado, quando poderia estender-se a toda a escola.
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Diferentemente do entendimento apontado na primeira situação
apresentada no início deste texto, a avaliação formativa engloba todas as
dimensões da aprendizagem do aluno: cognitiva, afetiva e psicomotora. A
avaliação será facilitada se todas elas forem desdobradas em objetivos,
competências, habilidades ou evidências de aprendizagem. São entendidas
como dimensões integradas do processo de aprendizagem, não cabendo
dissociá-las para efeito de avaliação, como demonstra a primeira situação,
muito comum em várias escolas. As três dimensões têm a mesma
importância.
O entendimento de que "interesse, participação, assiduidade e
pontualidade" são "aspectos formativos" e, por isso, devem receber
tratamento diferenciado tem trazido dificuldades para a prática da avaliação
Uma das formas de superação dessa noção poderá ser a discussão e a
formulação, pela equipe pedagógica da escola, da concepção do
trabalho por ela executado. Geralmente não se admite que as atmdades do
aluno na escola constituem o seu trabalho, para cujo desenvolvimento há
diretrizes e normas disciplinares (aqui relacionadas à disciplina para o
trabalho e não ao controle do comportamento do aluno). Tanto o
professor quanto o aluno executam um trabalho na escola, que pertence a
ambos e é realizado em parceria. O trabalho do aluno é diferente do
realizado pelo professor, que é remunerado, mas é o seu trabalho, com
características peculiares. Essa concepção do ofício do aluno onenta a
organização do trabalho pedagógico em regime de co-responsabihdade, de
modo que professor e alunos se comprometam com o que fazem e,
portanto, participem e estejam presentes. A avaliação formativa é a que
corresponde a esse tipo de trabalho.
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Como desenvolver a avaliação formativa
Pôr em prática essa função da avaliação não é tarefa fácil porque
professores, alunos e pais estão acostumados com a avaliação tradicional e
até a solicitam, sob a alegação de ser a que imprime seriedade e rigor ao
trabalho. Os estudos aqui apresentados mostram que mesmo os países
desenvolvidos têm dificuldades em pôr em prática essa avaliação. Talvez o
maior obstáculo se encontre na tendência mundial de valorização dos
testes externos padronizados, que enfatizam a competição entre alunos e
escolas. Esse é um aspecto político que não pode ser desconsiderado e
contra o qual é difícil lutar. Os países que adotam esses testes destinam
grande quantidade de recursos financeiros para sua elaboração, aplicação e
correção e quase nenhum apoio ao desenvolvimento da avaliação
formativa.
Além dessas dificuldades, a avaliação formativa no Brasil encontra
um obstáculo na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - lei n2 9.394/96 -, que estabelece em seu artigo 12, inciso V, que
os estabelecimentos de ensino terão a incumbência de "prover meios para a
recuperação dos alunos de menor rendimento". O artigo 24, em seu
inciso V, define a "obrigatoriedade de estudos de recuperação, de
preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento
escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus
regimentos". Está certa a lei ao considerar ser a escola responsável por
"prover meios" para a recuperação, usando, intencionalmente, o plural e
articulando a avaliação aos procedimentos que assegurem a aquisição da
aprendizagem. Isso significa não ser aceitável que o aluno tenha
apenas a oportunidade de se submeter a uma segunda prova. Contudo,
limitou-se a recuperação àqueles de "menor rendimento" ou de "baixo
rendimento". O uso dessas expressões parece indicar ser natural a
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existência de dois grupos distintos de alunos: o grupo dos de "maior
rendimento", os privilegiados, ou incluídos, e o grupo dos de "menor" ou
"baixo rendimento", isto é, excluídos, marginalizados. É necessário que a
educação escolar brasileira elimine esse tipo de discriminação, por meio da
construção de um trabalho pedagógico cujas práticas avaliativas apoiem a
aprendizagem de todos os alunos, sem distinção, e em todos os momentos.
Nesse contexto, não cabe a recuperação de estudos episódica, discriminatória e
classificatória. Aliás, assim como a lei não especifica as modalidades de
aprendizagem, não deveria haver a necessidade de normatizar estudos de
recuperação, por constituírem atividades do dia-a-dia escolar. A recuperação
de estudos é parte do trabalho escolar em que se aprendem os conteúdos
necessários ao desenvolvimento das atividades subsequentes. Esse é um
direito de todos os alunos.
Como a LDB possibilita às escolas elaborarem e executarem sua
proposta pedagógica (artigo 12, inciso I), com a participação dos docentes
(artigo 13, inciso I), espera-se que os estudos de recuperação sejam nela
inseridos segundo a função formativa da avaliação.
O desenvolvimento da avaliação formativa será aqui discutido
levando em conta os seguintes aspectos: planejamento da avaliação,
auto-avaliação pelo aluno, auto-estima dos alunos e procedimentos
variados de avaliação.
Planejamento da avaliação
De modo geral, a avaliação não é planejada. Definem-se os objetivos,
selecionam-se os conteúdos, as atividades e os recursos a serem utilizados e,
comumente, aplicam-se provas, às vezes as mesmas dos anos anteriores. É
muito comum o professor aplicar e "corrigir" provas, registrar os resultados
e devolvê-las aos alunos. Além disso, costumam ser solicitadas
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atividades, como produções de textos, elaboração e desenvolvimento de
projetos, trabalhos de campo e outras, cujos resultados são entregues ao
professor para avaliação. Este, após fazer suas observações, devolve ao
aluno seus trabalhos, conservando apenas números e/ou palavras sobre o
que foi realizado. Ao final do período letivo, ele recorre aos seus registros
para emitir o julgamento final, em forma de nota ou menção. Contudo, não
tem mais em mãos os trabalhos dos alunos, para que possa analisar o seu
progresso. Essa é a caricatura da avaliação tradicional que, de tão conven-
cional, não precisa ser planejada.
Já a avaliação formativa, pela sua natureza, exige constante reflexão
sobre o processo. A opção pela avaliação formativa é feita por toda a equipe
pedagógica da escola e registrada nos documentos que compõem o projeto
político-pedagógico. Compõem o seu plano: a justificativa da sua adoção, a
abrangência (as atividades a serem avaliadas e quem será avaliado), as
suas finalidades, os procedimentos a serem adotados em cada situação,
como serão registrados os resultados obtidos e o que será feito com eles.
Sem a formulação desse plano, a intenção se perde pelo caminho.
Constantemente é preciso avaliar a própria avaliação: está cumprindo
seus propósitos iniciais? Que obstáculos existem? Como superá-los?
A compreensão das finalidades da avaliação é um componente
importante do processo de planejamento. As seguintes questões orientam a
sua formulação: para que avaliar o grupo de alunos com quem vou
trabalhar ou estou trabalhando? As finalidades estão aliadas às caracte-
rísticas dos alunos. Quem são eles? Qual sua procedência (comunidade
onde moram, escolas/cursos já frequentados)? Qual sua faixa etária? Por
que estão nessa escola/curso? Que experiências de aprendizagem pos-
suem? Que expectativas apresentam? As respostas a essas e a outras
indagações dão início à avaliação diagnostica, imprescindível para o
190
andamento adequado das atividades. Essas informações são úteis não
apenas ao planejamento da avaliação, mas à organização de todo o
trabalho pedagógico da escola/curso.
O alvo da avaliação é outro componente do plano. Quem será
avaliado? O que será avaliado? O aluno individualmente? Grupos de
alunos que trabalham coletivamente? O trabalho pedagógico de toda a
escola, de um curso, de uma turma, de uma disciplina, de uma série? A
atuação do professor e dos demais profissionais da educação que inte-
gram o trabalho? Apenas o aluno é avaliado? Todas essas são questões a
serem analisadas não pelo professor individualmente, mas pelo grupo
que interage com os alunos.
O planejamento da avaliação e o plano que dele resulta são feitos
pelo grupo de profissionais da educação que atua na escola. O plano
resultante do planejamento da avaliação é devidamente registrado, para
que seja constantemente analisado e reformulado, se necessário. Não há
justificativa para que um mesmo aluno submeta-se a processos fragmen-
tados de avaliação, em um mesmo curso. Diretrizes gerais, formuladas
pela equipe pedagógica, são necessárias. Podem e até devem existir
critérios específicos que atendam à natureza particular de cada discipli-
na/tema de trabalho.
A definição de quem será avaliado alia-se às finalidades. Uma
avaliação voltada basicamente para a aprovação ou reprovação, cer-
tamente, terá como alvo apenas o aluno, que será avaliado somente
pelo professor. A avaliação do trabalho e de todos os que dele
participam insere-se no entendimento de avaliação comprometida com o
sucesso de todos.
O estabelecimento do conteúdo da avaliação, no caso da avaliação
do desempenho do aluno, tem sido um ponto em que se encontram
dificuldades. O que avaliar? Tudo? É impossível, dizem alguns. Se é
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impossível avaliar "tudo", é possível aprender "tudo"? Em primeiro
lugar, é preciso ficar claro que o que se está avaliando é o desempenho do
aluno e não a sua pessoa, isto é, se é bonzinho, educado, interessado,
assíduo, pontual, participativo, se tem o material organizado etc. Para
que a avaliação ocorra de forma adequada, isto é, para que ela realmente
sirva de apoio à aprendizagem de todos os alunos, o trabalho no qual se
insere deve ter objetivos claros, com base nos quais se selecionam os
conteúdos de aprendizagem.
Em segundo lugar, selecionam-se e avaliam-se os conteúdos (infor-
mações, capacidades, habilidades e atitudes) considerados fundamentais
para o prosseguimento dos estudos ou para a consecução dos objetivos.
Também faz parte do planejamento da avaliação a decisão sobre
como serão usadas as modalidades formal e informal. Resultados de
pesquisas têm demonstrado que a avaliação informal consiste na cons-
trução, pelo professor, "de juízos gerais sobre o aluno, cujo processo de
constituição está encoberto e é aparentemente assistemático" (Freitas
1995, p. 145). Fazem parte dessa modalidade comentários, ameaças,
elogios, castigos, repreensões, encorajamentos, ou seja, toda sorte de
opiniões que o professor forma sobre o aluno, no decorrer da interação de
ambos. Essa modalidade costuma estar muito presente no trabalho
pedagógico de turmas de educação infantil e das séries iniciais da
educação fundamental, oferecendo excelente oportunidade de conheci-
mento do aluno e do seu progresso.
A avaliação formal compõe-se das práticas "que envolvem o uso de
instrumentos explícitos de avaliação, cujos resultados podem ser
examinados objetivamente pelo aluno, à luz de um procedimento claro"
(idem, p. 145). São as provas, os testes e as produções de vários tipos. Os
procedimentos de avaliação formal costumam usar quase exclusivamente a
linguagem escrita. Para se inserirem na avaliação formativa
192
esses procedimentos devem incluir outros tipos de linguagem, como a oral,
a estética, a corporal, a gráfica etc.
A avaliação informal costuma ser conduzida de forma intuitiva e
assistemática, podendo, porém, influenciar os resultados da formal. Não cabe
à modalidade informal extrapolar a avaliação orientada pêlos critérios
estabelecidos, isto é, emitir julgamentos sobre a pessoa do aluno que não se
relacionem com seu desempenho ou que possam denegrir sua imagem.
Contudo, é preciso saber tirar proveito da interação professor-aluno e
aluno-aluno, no sentido de se obterem dados complementares aos da
avaliação formal, sempre com o objetivo de apoio ao trabalho. A avaliação
informal pode contribuir para que o professor conheça melhor cada aluno e
como está se desenvolvendo seu processo de aprendizagem. Para isso, é
preciso que ela seja planejada. Em lugar de opiniões gerais sobre o aluno,
propõe-se que sejam feitas observações sistemáticas e entrevistas.
Auto-avaliação pelo aluno
É inevitável a vinculação da avaliação formativa à auto-avaliação pelo
aluno (Black e Wiliam 1998, p. 143). O principal problema enfrentado por
quem pretende usar esse tipo de avaliação, dizem esses autores, não é a
possível desonestidade dos alunos. Eles são geralmente honestos e confiáveis
em se avaliarem e em avaliarem os outros. Costumam até ser bem duros
consigo próprios. A questão é que eles somente conseguem se avaliar se
tiverem ideia clara dos objetivos da sua aprendizagem. Lamentavelmente,
muitos deles não a têm, porque foram acostumados a participar do "ensino
como uma sequência arbitrária de exercícios sem nenhuma justificativa"
(idem, ibidem, p. 143). Superar esse paradigma de "recepção passiva",
acrescentam Black e Wiliam (1998), requer trabalho duro e consistente.
Quando os alunos se engajam no processo
193
Page 11
de trabalho, eles se comprometem com esse processo e se tornam
aprendentes efetivos. Além disso, sua própria avaliação torna-se objeto
de discussão com os seus professores e entre eles, o que gera reflexão sobre a
aprendizagem. Portanto, a auto-avaliação é componente essencial da ava-
liação formativa. Para que esta seja produtiva, os alunos precisam ser
preparados para se avaliarem, compreendendo, assim, os principais pro-
pósitos da aprendizagem e percebendo o que fazer para adquiri-la.
A preparação do aluno para se avaliar retoma a questão da con-
cepção do trabalho pedagógico do qual ele participa. A auto-avaliação, no
seu verdadeiro sentido, não combina com o trabalho pedagógico em que
todas as decisões cabem ao professor. Observa-se o uso da auto-avaliação
em momentos definidos pelo professor e por meio de roteiros ou
formulários por ele organizados. Isso deixa o aluno em posição incómoda
porque não sabe se pode ser honesto e o que será feito com as informações
por ele fornecidas. Quando isso acontece, percebe-se que a auto-avaliação
não faz parte do contexto. Utilizá-la porque é "moda" ou porque "fica bem"
não faz sentido. A auto-avaliação que se quer combinada à avaliação
formativa articula-se ao trabalho pedagógico desenvolvido em
parceria professor/aluno. Portanto, é usada continuamente pelo aluno e
pelo professor e seus resultados destinam-se à melhoria da aprendizagem do
aluno e do desenvolvimento do trabalho.
Gipps, McCallum e Hargreaves (2000, p. 9) entendem o fato de os
alunos se atribuírem notas pelo próprio trabalho como uma caricatura da
auto-avaliação. Esse, dizem elas, é um procedimento de avaliação
conduzido pela orientação do professor. Sua grande vantagem é encorajar
os alunos a assumir responsabilidade pela sua própria aprendizagem e
dela se apropriarem. Para que isso aconteça, os alunos precisam ser
capazes de fazer suas próprias avaliações em lugar de serem inteiramente
dependentes do professor.
194
Auto-estima dos alunos
O principal usuário das informações fornecidas pela avaliação para
a melhoria da aprendizagem é o próprio aluno. Segundo Black e Wiliam
(1998, p. 142), esse fato tem aspectos positivos e negativos. Quanto aos
negativos, eles argumentam que, quando a cultura da classe enfatiza
prémios, "estrelas", notas ou classificação dos alunos, estes procuram não
a aprendizagem, mas meios de obter os melhores resultados. Uma das
consequências disso é que, quando têm chance, evitam as tarefas difíceis.
Eles também despendem tempo e energia em busca de dicas para "a melhor
resposta". Muitos relutam em levantar questões com medo do fracasso. Os que
encontram dificuldades geralmente acreditam que lhes falta capacidade, e essa
crença leva-os a atribuir a culpa por suas dificuldades à sua deficiência.
Evitam investir esforço em aprendizagem que os conduz apenas ao
desapontamento e tentam construir sua auto-estima de outras formas.
O aspecto positivo de os alunos serem os principais usuários das
informações fornecidas pela avaliação formativa é que efeitos negativos -
como a obsessão pela competição e o medo do fracasso por parte dos alunos
de baixo rendimento - podem ser evitados. É necessária a instalação da
cultura de sucesso, baseada na crença de que todos podem aprender. A
avaliação formativa pode ser um poderoso meio se for comunicada de
forma correia. Embora ela auxilie todos os alunos, apresenta, de modo
particular, bons resultados com os de baixo rendimento, por concentrar-se
nas suas dificuldades específicas e apresentar-lhes claramente como
poderão superá-las. Concluem os autores que o "feedback para qualquer
aluno deve encaminhar-se para as qualidades particulares do seu trabalho,
com orientação sobre a maneira de melhorá-lo, evitando-se comparações
entre eles" (op. cit., p. 143). Contudo, Sadler (1998, p. 78) adverte que
"os alunos precisam ser
195
Page 12
preparados para interpretar o feedback, para fazer conexões entre ele e as
características do seu trabalho e para melhorá-lo futuramente. Não se pode
entender que o fato de se oferecer feedback ao aluno significa que ele sabe
o que fazer com ele". O que o autor quer dizer é que o trabalho do
professor não se encerra quando ele "explica" ao aluno o que ainda lhe
falta aprender, mas é o de estar continuamente orientando-o em suas
produções, com vistas ao seu avanço e não ao alcance da "nota que dá
para passar".
Procedimentos variados de avaliação
Perrenoud (1999, p. 122) considera ser necessário reinventar a
avaliação formativa. Segundo ele, "não basta ser adepto da ideia de uma
avaliação formativa. Um professor deve ainda ter os meios de construir
seu próprio sistema de observação, de interpretação e de intervenção em
função de sua concepção pessoal do ensino, dos objetivos do contrato
didático, do trabalho escolar". Reinventar a avaliação formativa significa
entender a que ela se destina, a que tipo de trabalho pedagógico se vincula e,
com base nisso, formular como ela pode ser posta em prática. Essa é uma
tarefa a ser empreendida pelo próprio professor e pela escola. De nada
adianta impor ao professor os meios com os quais irá trabalhar. Para que
esses meios sejam desenvolvidos, o professor - em particular - e toda a
escola devem planejar o seu trabalho. Um dos componentes do
planejamento da avaliação formativa é a seleção dos procedimentos a
serem usados, de acordo com o nível de desenvolvimento dos alunos, da
disciplina, da série e do tipo de trabalho realizado. Para essa seleção o
professor usará sua criatividade e sua criticidade. Levará em conta o fato de
que os alunos têm diferentes estilos de aprendizagem.
Dentre as práticas avaliativas formais, as mais usadas são as
provas dissertativas, as provas de questões objetivas e os trabalhos
196
escritos, como produção de textos, questionários, relatórios, pesquisas
etc. Como procedimentos ainda considerados complementares, encon-
tram-se a observação, a entrevista e o porta-fólio. Tendo em vista a
grande contribuição que esses últimos podem dar à avaliação formativa,
somente eles serão aqui discutidos.
A entrevista é um procedimento que deve ser mais valorizado, por
aproximar professor e alunos e permitir o conhecimento das percepções
desses últimos sobre a sua aprendizagem e o andamento do trabalho
pedagógico. Tendo em vista a estreita articulação entre a avaliação e a
organização do trabalho pedagógico, a decisão pelo uso da entrevista
como procedimento de avaliação deve estar atrelada à sua contribuição ao
desenvolvimento desse trabalho. Esse procedimento requer relacionamento
amigável do professor com o aluno, para que ambos se sintam à vontade. As
perguntas devem ser claras e compreensíveis. É preciso que o professor seja
capaz de ouvir o aluno, paciente e respeitosamente, dando-lhe o tempo
necessário para se expressar, e não demonstre, com gestos, possíveis
desagrados. O uso frequente da entrevista possibilita saber não só o que o
aluno aprendeu e o que ainda não aprendeu, mas também conhecê-lo como
pessoa: necessidades, possibilidades, interesses, limitações, valores,
expectativas etc. Trata-se de um procedimento que pode complementar
informações já obtidas. Uma das dificuldades para seu uso constante poderá
estar relacionada ao tempo dedicado a cada aluno. Contudo, pode-se adotar
como rotina de trabalho conversar com alguns alunos a cada dia.
O uso sistemático da entrevista requer que ela seja planejada, isto é,
que se definam seus propósitos, quem será entrevistado, em que
momento ela será realizada e como será feita a anotação das informações
coletadas. Inicialmente, para que não cause temor nos alunos, a entrevista
pode ser conduzida por meio de conversa informal. Com o passar do
197
Page 13
tempo, os alunos acostumar-se-ão à ideia de que a entrevista é um
procedimento valioso de avaliação oral. Hoje há necessidade de os
alunos aprenderem, desde cedo, a se apresentarem para desenvolver
argumentação oral, a responderem a questões e a terem postura adequada
para isso. Em muitas situações de seleção para empregos, esse procedi-
mento vem tendo destaque; porém, o que se observa é que a escola tem
privilegiado a prova escrita, não oferecendo oportunidade para o desen-
volvimento da argumentação oral.
A entrevista pode ser desenvolvida tendo como sujeitos: a) somente
um professor entrevistando um aluno; b) um grupo pequeno de alunos
assistindo à entrevista de um colega por um professor e, posteriormente,
fazendo os seus comentários (esse pode ser o início da avaliação de um
aluno por colegas); c) um grupo de professores entrevistando um aluno; d)
um grupo de professores entrevistando um grupo de alunos. Certamente
outras combinações podem ser feitas. O importante é que esse
procedimento de avaliação não seja entendido como mais um para
classificar e aprovar ou reprovar, mas atue como um aliado da avaliação
formativa. Cabe lembrar: a avaliação formativa articula-se ao trabalho
pedagógico interessado na aprendizagem e no sucesso de todos os
alunos.
Outro procedimento importante de avaliação é a observação,
muito útil principalmente para os professores da educação infantil e das
séries iniciais da educação fundamental, que permanecem todo o período
diário de aulas com os alunos e estão sempre interagindo com eles.
Contudo, sua adoção também traz grandes contribuições para a avaliação
conduzida em outros níveis.
A observação permite investigar as características individuais e
grupais dos alunos, tendo em vista identificar os fatores que facilitam e os
que dificultam o desenvolvimento do trabalho. Dentre esses fatores
198
citam-se: as condições prévias dos alunos para o estudo, o tipo de
relacionamento entre professor e alunos e entre alunos, as características
socioculturais dos alunos, a linguagem do professor e dos alunos, as
experiências vividas no meio familiar e social, a percepção em relação à
escola e ao estudo etc. (Libâneo 1992, p. 214).
Libâneo alerta para o fato de que a observação está sujeita à
subjeti-vidade do professor, a erros de percepção e à tendenciosidade. Por
esse motivo, recomenda-se não se tomarem decisões apressadas, como a de
determinar, logo no início do ano ou do curso, que certos alunos não serão
aprovados (profecia auto-realizadora), e não se usarem rótulos (preguiçosos,
inteligentes, bagunçados, agressivos, imaturos, quietinhos etc.).
Para que os dados da observação permitam melhor conhecimento dos
alunos individualmente e da classe como grupo, com vistas ao
aperfeiçoamento do trabalho pedagógico, Libâneo (op. cit., p. 214)
considera necessário que o professor tenha atitude criteriosa, ou seja, que
apenas tire conclusões após observar os alunos em várias situações, de
forma que o resultado não seja mera opinião, mas uma avaliação
fundamentada. Para que isso ocorra, é necessário que ele tenha uma lista dos
comportamentos a serem observados e que registre outros que surjam.
A organização dessa lista será feita levando-se em conta os objetivos do
trabalho pedagógico.
Outra recomendação importante é a de que, ao se registrarem os
dados da observação, não se misturem fatos com comentários. Anota-se o fato tal
como aconteceu, separadamente do comentário ou análise. Exemplo:
Fato: Ana entra na sala de aula e senta-se, sempre sozinha, ao
fundo da sala. Permanece calada durante todo o tempo.
Comentário: Ana parece não gostar da companhia dos colegas.
Mesmo quando é procurada por alguns deles, continua calada e isolada da
turma.
199
Page 14
Os resultados da observação não devem ser convertidos em notas
nem repassados diretamente aos alunos. São de uso exclusivo do proles' sor
para que lhe possibilitem refletir sobre a melhor maneira de agir com
determinadas crianças, para serem combinados com informações obtidas de
outros procedimentos, para checá-los com outros professores, conversar
com os pais ou para pedir ajuda ao supervisor ou coordenador
pedagógico (Libâneo 1992, p. 214). Assim como os dados fornecidos
pela entrevista, os obtidos pela observação não devem ser usados para
rotular nem classificar os alunos. O fato de o professor repassar os dados a
outros professores e ao supervisor constitui uma "faca de dois gumes", pois,
não havendo uma utilização competente desses dados, a imagem inicial
que um professor forma dos alunos pode permanecer enquanto eles
frequentarem a escola. Imprescindível, pois, que não apenas os
professores, mas todos os profissionais da educação que atuam na escola,
estejam capacitados para empregar diferentes tipos de procedimentos de
avaliação e para se relacionarem com os alunos de maneira encorajadora. A
observação precisa ser planejada. Para isso sugerem-se os seguintes
passos, adaptados do trabalho de Stierer e outros (1993):
O primeiro passo é a organização da sala de aula. Para que o
professor tenha condições de observar seus alunos e fazer os registros, é
necessário que eles sejam o mais independentes possível. Isso é reco-
mendável para que o professor possa usar seu tempo em interação
avaliativa com os alunos e não apenas lhes fazendo simples perguntas. A
independência é uma atitude que deve ser criada, requerendo algum
tempo para que se desenvolva. Por isso, é necessário que seja encorajada.
Quando observar? A decisão quanto ao momento de fazer obser-
vações faz parte do processo de planejamento. As questões seguintes
podem ajudar nessa escolha:
200
1. Que momentos do tempo escolar podem ser dedicados a observações? O
professor pode observar enquanto trabalha e interage com grupos de
alunos, pois a observação não precisa ser silenciosa: pode envolver
conversa com os alunos sobre o que estão fazendo ou pensando. Ele
pode identificar, para a observação, dois alunos do grupo com o qual
está trabalhando. O registro pode ser feito durante ou imediatamente
após a observação.
2. Outros profissionais que atuam na escola/curso poderão contribuir? Se o
professor tiver a sorte de ter alguém disponível para ajudá-lo em seu
trabalho com a turma - por exemplo, estagiários - poderá aproveitar
esses momentos para realizar as observações.
O segundo passo é o estabelecimento do alvo das observações, que
podem ser feitas de duas maneiras: a) o professor pode anotar fatos
interessantes e significativos assim que eles acontecem - essas observações
incidentais costumam ser muito valiosas; b) planejam-se observações
de um determinado aluno, de uma determinada disciplina, conteúdo,
atividade ou momento do dia. Essa segunda forma é denominada de
"observação-alvo". Sua vantagem consiste em ajudar o professor a sistematizar
as observações de todos os alunos, a dirigir sua atenção e a coletar
informações que respondem a questões sobre a maneira pela qual os alunos
estão usando os recursos de aprendizagem.
Estabelecer objetivos alcançáveis e realísticos é uma maneira
importante de se iniciarem e manterem as observações. Se o professor
deixar que as observações aconteçam ao acaso ou quando ele tiver tempo para
fazê-las, correrá o risco de que outras coisas tomem todo seu tempo. Por outro
lado, usar excessivamente a observação, deixando em segundo plano outras
atividades do trabalho pedagógico, poderá levá-lo a perder o controle e até a
querer desistir dela. Estabelecer o alvo e os objetivos coletivamente com
outros colegas é uma medida recomendável.
201
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O que são alvo e objetivos realísticos? Seguem-se algumas sugestões.
1. Quantos alunos observar de cada vez? Selecione um aluno por
dia/sessão. Selecione um grupo de alunos por semana ou por um
período.
2. Quem observar?
Selecione alunos que sejam novatos na escola/turma/grupo, que
estejam causando preocupação ou que precisem ser mudados de turma
etc.
Selecione aqueles com quem planejou trabalhar. Pode-se simplesmente
seguir a relação dos alunos matriculados. De qualquer forma, deve-se
destinar tempo para a observação de todos os alunos.
3. Onde observar?
Selecione uma área da sala de aula ou uma atividade e não alunos.
Isso possibilita a avaliação da organização do trabalho pedagógico, ao
mesmo tempo em que se coletam informações de alguns alunos em
particular. De forma alternativa, o alvo pode ser uma área do
currículo, como matemática ou tecnologia, ou uma unidade.
Selecione um determinado aluno em uma área específica de
trabalho, podendo ser fora da sala de aula convencional, se você
tiver uma preocupação particular.
4. Quando observar?
Estabeleça um horário do dia para observações.
5. Por quanto tempo observar?
Uma observação planejada para cinco minutos pode ser frutífera, mas
a duração depende dos objetivos e da atividade.
202
Observações curtas podem ser igualmente reveladoras, caso seja
possível contextualizá-las.
Se um aluno estiver trabalhando próximo de você durante cerca de 20
minutos, você pode aproveitar para registrar os fatos observados. Discuta
seu trabalho de observação e registro com colegas.
O terceiro passo é a organização dos registros de observação. O
Caderno de Observação de Sala de Aula (Cosa) deve ser um instrumento fácil e
flexível, para uso em situações escolares variadas e por uma variedade de
professores com diferentes estilos de trabalho. É recomendável que tenha folhas
soltas, para que possam ser retiradas ou acrescentadas.
1. Como organizar as folhas de registro?
Escreva o nome do aluno observado no alto de uma folha, tendo
uma para cada um, em ordem alfabética, conservando, ao final
de cada folha nomeada, um conjunto de folhas sem nomes.
Divida o caderno em partes, uma para cada aluno.
Organize espaços do caderno para grupos de alunos, como os
que se matricularam mais recentemente ou os que poderão ir
para outra turma/grupo.
Separe as folhas de registro de observação dos alunos que você
decidiu estudar em um determinado dia ou semana.
Se você anotou observações de vários alunos na mesma folha,
tire cópia delas e insira no conjunto de folhas de cada um.
Acrescente uma folha para revisão.
2. Onde manter o caderno de registro?
Sempre à mão, para facilitar seu uso. Recomenda-se tê-lo sobre sua
mesa de trabalho.
203
Page 16
3. Que quantidade de anotações deve ser feita?
Não é a quantidade o que importa, mas o que será útil posterior-] mente. A
prática ensiná-lo-á a identificar os comportamentos, as! frases ou os fatos
mais relevantes e a desprezar os detalhes sem muita importância. O
tempo ensiná-lo-á a escrever menos e o que signifique mais.
4. O que anotar?
Toda observação deve ser contextualizada, o que indica a
necessidade de colocar a data, o horário e a situação em que algo
aconteceu. Podem ser usadas palavras-chave ou trechos de
conversação que o ajudem a se lembrar da cena ocorrida.
5. Como anotar?
Anote o que viu ou ouviu, sem interpretações ou julgamentos. O
objetivo do caderno de observação é a construção de um retrato do
aluno. Somente depois que se tem um certo número de
fatos/passagens/ocorrências do aluno é possível começar a formar
julgamentos. Como os arquivos escolares são abertos, é importante ter
em mente que se está lidando com observações e não com julgamentos
de valor. Cuidados também devem ser tomados com relação à
facilidade de acesso aos dados e à sua guarda, quando não estiverem
em uso.
6. Quando anotar?
Há duas maneiras de observar: a) planejando o momento de
observar um aluno especificamente; b) registrando fatos
espontaneamente, quando algo interessante acontece. Naturalmente
essas duas formas se superpõem, o que exige que se planeje o
trabalho e que ele seja sistemático. Contudo, observações
não-planejadas podem ser valiosas; é melhor ter vários registros
curtos desse tipo do que registros muito longos e infreqüentes.
204
7. Como usar as folhas de observação?
Elas podem estar em branco ou apresentar as categorias a serem
observadas, como, por exemplo: interação, atitudes, habilidades,
resolução de problemas, comunicação, interpretação etc. Se o
professor optar pelo uso de categorias, as folhas deverão conter
espaço destinado a cada uma. Caso contrário, as folhas estarão em
branco e ele fará as anotações livremente.
8. Como anotar comentários sobre necessidades individuais? O
último item da folha de observação tem função diferente dos
demais. Enquanto as categorias de observação descrevem o
' que foi observado, o último espaço da folha de observação é
destinado a anotações sobre o significado do que foi observado e ao
registro de preocupações e de ações a serem desenvolvidas. Esses
comentários referem-se às necessidades individuais dos alunos. Por
exemplo: "Isto tem acontecido sempre que ele chega atrasado.
Conversar com ele para conhecer a razão dos constantes atrasos". 9.
O que fazer com as folhas de observação já completas?
Podem ser guardadas no caderno de observação, enquanto o
aluno frequentar a escola/curso, ou em pasta a ele destinada.
l O quarto passo do planejamento da observação é o uso dos
registros. Assim que as observações se acumulam, é necessário analisar
seus registros, de várias formas.
i. O que analisar?
Todos os alunos foram observados?
Estão as observações restritas a determinados alunos, áreas
curriculares ou categorias?
205
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As informações coletadas estão contribuindo para o desenvol-
vimento do trabalho ou há necessidade de replanejamento das
observações?
2. Quando analisar?
Recomenda-se verificar os dados coletados periodicamente
(semanalmente, por exemplo), para análise do quanto foi feito.
3. Como analisar?
Um quadro-resumo, onde se registrem os nomes dos alunos e as
categorias observadas, pode ser útil.
4. Por que analisar?
As verificações regulares ajudam: a identificar necessidades de
futuras observações; a planejar o trabalho que permita
observar os alunos investigando ou estabelecendo hipóteses,
por exemplo; a replanejar as atividades para atenderem as
necessidades detectadas; a planejar o trabalho que possibilite o
desenvolvimento de observações.
A avaliação formativa é a que usa todas as informações disponíveis
sobre o aluno. A interação entre professor e aluno durante todo um período
ou curso é um processo muito rico, oferecendo oportunidade para que se
obtenham vários dados. Cabe ao professor estar atento e saber
identificá-los. Portanto, a utilização exclusiva de provas escritas para
decidir a trajetória de estudos do aluno deixa de considerar os diferentes
estilos e manifestações de aprendizagem. Muitos talentos são reconhe-
cidos apenas depois que os alunos deixam a escola.
O porta-fólio é outro procedimento de avaliação muito rico e que,
devidamente utilizado, extrapola o seu propósito avaliativo e passa a ser o
próprio eixo orientador do trabalho pedagógico, tendo em vista os
princípios em que se baseia. Porta-fólio ou portfólio, segundo o Novo
206
Dicionário Século XXI (Aurélio B. de Holanda Ferreira 1999), é "uma pasta
de cartão usada para guardar papéis, desenhos, estampas etc.".
O que é - Originariamente, o porta-fólio é uma pasta grande e fina em
que os artistas e os fotógrafos iniciantes colocam amostras de suas
produções, as quais apresentam a qualidade e a abrangência do seu
trabalho, de modo que seja apreciado por especialistas e professores. Essa
rica fonte de informação permite aos críticos e aos próprios artistas iniciantes
compreender o processo em desenvolvimento e oferecer sugestões que
encorajem sua continuidade. Seu uso na escola significa assumir o
entendimento de que o trabalho do aluno e o do professor não merecem
menos do que isso (Valência 1990, p. 338). Em educação, o porta-fólio
apresenta várias possibilidades; uma delas é a sua construção pelo aluno.
Nesse caso, o porta-fólio é uma coleção de suas produções, as quais
apresentam as evidências da sua aprendizagem. É organizado por ele
próprio para que ele e o professor, em conjunto, possam acompanhar o seu
progresso.
Para que serve - Para vincular a avaliação ao trabalho pedagógico em
que o aluno participa da tomada de decisões, de modo que ele formule suas
próprias ideias, faça escolhas e não apenas cumpra as prescrições do
professor e da escola. Nesse contexto, a avaliação compromete-se com a
aprendizagem de cada aluno e deixa de ser classificatória e unilateral. O
porta-fólio é uma das possibilidades de criação da prática avaliativa
comprometida com a formação do cidadão capaz de pensar e de tomar
decisões.
Como construí-lo - Alguns princípios-chave orientam sua construção:
• O primeiro deles, como se percebe, é o da sua construção pelo
próprio aluno, possibilitando-lhe fazer escolhas e tomar decisões.
207
Page 18
• Essa construção é feita por meio da reflexão, porque o aluno
analisa constantemente as suas produções. Além disso, ele é
estimulado a realizar atividades complementares, por ele
sele-cionadas.
• Esse processo favorece o desenvolvimento da criatividade,
porque o aluno escolhe a maneira de organizar o porta-fólio e
busca maneiras diferentes de aprender.
• Enquanto assim trabalha, ele está permanentemente avaliando o
seu progresso. A auto-avaliação é, então, um componente
importante.
• O trabalho pedagógico e a avaliação deixam de ser de respon-
sabilidade exclusiva do professor. A parceria passa a ser um
princípio norteador das atividades.
• A vivência desse processo dá oportunidade ao aluno de desen-
volver sua autonomia diante do trabalho. Ele percebe que pode
trabalhar de forma independente e que não precisa ficar sempre
aguardando orientação do professor. Formam-se, assim, o ci-
dadão e o trabalhador capaz de ter inserção social crítica.
O trabalho com o porta-fólio tem início com a formulação dos
seus propósitos, para que todos saibam claramente em que direção
irão trabalhar. Poderá haver propósitos comuns ao grupo de alunos e
outros criados por cada um deles, para que atendam aos seus interesses
individuais.
Como avaliá-lo - É necessário que professores e alunos, em
conjunto, definam os descritores (critérios) de avaliação, levando em
conta, entre outros aspectos, os propósitos. Como os dois segmentos
avaliam a construção do porta-fólio, ambos devem se basear nos mesmos
critérios.
208
A adoção adequada do porta-fólio favorece a prática da avaliação
formativa, voltada para o desenvolvimento do aluno, do professor e da
escola. Além disso, seu uso permanente faz com que deixe de ser apenas um
procedimento de avaliação e passe a ser a própria organização do trabalho
pedagógico de toda a escola e o da "sala de aula".
Articulações finais
Este texto procurou discutir a avaliação formativa como a que
favorece não só o desenvolvimento do aluno mas também o do professor e o
da escola. Sua adoção implica a existência de cultura avaliativa voltada
para o comprometimento com a aprendizagem de cada aluno e de todos os
que com ele interagem. Parte-se da crença de que o desenvolvimento do
aluno depende do desenvolvimento do professor e da escola. A decisão
política de o Brasil aderir aos testes nacionais externos e padronizados pode
trazer consequências drásticas para o trabalho escolar, como vem
acontecendo em outros países, como, por exemplo, professores e alunos
valorizarem mais os testes externos do que a avaliação formativa, criação
de competição entre alunos e escolas e até o caso de professores ensinarem
os alunos a responder a questões dos testes, como vem acontecendo nos
Estados Unidos (Newsweek, 19/6/2000, p. 58). Surge, então, a necessidade
de identificar o que existe dentro da "caixa-preta" da sala de aula e explorar o
potencial da avaliação como parte do trabalho desenvolvido por cada aluno,
para a elevação dos seus níveis de desempenho (Black e Wiliam 1998, p.
146).
Para isso, várias mudanças são necessárias. A primeira delas é o
entendimento de que o local privilegiado para a elevação dos níveis de
desempenho é a sala de aula. Para ela deve convergir a prioridade de apoio de
toda ordem. Tentativas de reforma dos inputs e de medida dos outputs.
209
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da "caixa-preta" da sala de aula, consideram Black e Wiliam (op. cit., p.
146), podem ajudar, mas não são suficientes. Os autores querem dizer que
apenas reformas curriculares e melhorias nas condições de trabalho, assim
como o uso da avaliação como "verificação" de resultados, não bastam. A
contribuição somente pode ser julgada pêlos efeitos produzidos no trabalho
pedagógico da sala de aula. É o caso de Saeb, Enem e Exame Nacional de
Cursos (Próvão). Que consequências estão trazendo para o trabalho peda-
gógico da escola e da sala de aula? Quais são seus benefícios e prejuízos?
Quem é beneficiado e quem é prejudicado?
Resultados de pesquisas e estudos conduzidos em outros países (no
Brasil ainda são incipientes), relatam Black e Wiliam (1998), recomendam
que as políticas que queiram valorizar a sala de aula devem
comprometer-se com o oferecimento de condições para a prática da
avaliação*formativa. Nesse sentido, os esforços serão concentrados em
aspectos essenciais, tais como: qualidade da interação entre professor e
aluno; incentivo e ajuda para que os alunos assumam responsabilidade
pela sua própria aprendizagem; orientação específica aos alunos de baixo
rendimento escolar; desenvolvimento de hábitos para que os alunos se
tornem aprendizes permanentes.
Como implementar tais ideias? Em primeiro lugar, o "que fazer" e o
"como fazer" devem brotar das escolas e não dos gabinetes do MEC e das
secretarias de educação. Em segundo lugar, os recursos para a educação
devem dirigir-se diretamente às escolas públicas, não devendo ser alceados
em projetos elaborados por pessoas externas a elas. Em terceiro lugar,
deve ser dada atenção especial à formação continuada dos profissionais da
educação, para que se atinjam os dois primeiros itens. Essas são condições
básicas para que a escola seja capaz de construir a proposta pedagógica que
atenda às necessidades de formação do cidadão e do futuro trabalhador que
possa ter inserção social crítica. Para que se
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complete o verdadeiro sentido do desenvolvimento da escola, cabe-lhe
incluir em sua proposta pedagógica os mecanismos que usará para prestar
contas à comunidade do trabalho por ela realizado. Esse é um dos
componentes da avaliação formativa. Afinal de contas, ao assumir a
responsabilidade por suas ações, cumpre-lhe apresentar os seus resultados aos
que pagam o seu funcionamento (é bom lembrar que a escola pública é
paga por todos os cidadãos, por meio dos impostos). Esse é o significado do
desenvolvimento da escola: ela própria organiza, executa e avalia o seu
trabalho. De modo geral, a escola pública mantém-se apática em relação à
função que desempenha porque não tem autonomia didática nem financeira e
nenhuma cobrança lhe é feita.
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