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Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao
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Universidade de Coimbra
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Joana Isabel de Brito Paulino
Conscincia fonolgica
Implicaes na aprendizagem da leitura
Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao Universidade de
Coimbra
2009
Dissertao de Mestrado em Cincias da Educao, rea de Especializao
em Psicologia
da Educao, apresentada Faculdade de Psicologia e
Cincias da Educao da Universidade de Coimbra e
realizada sob a orientao da Professora Doutora Maria
Isabel Ferraz Festas
-
Capa
Menina a ler, 1860 - autor desconhecido
-
preciso fazer compreender criana que a leitura o mais
movimentado, o mais variado,
o mais engraado dos mundos.
Alceu Amoroso Lima
-
i
Chegando ao final desta caminhada, que foi muito importante para
mim, tanto a nvel pessoal como profissional, gostaria de agradecer
a todas as pessoas que me ajudaram, de forma directa e indirecta, a
tornar este projecto uma realidade. O meu primeiro agradecimento
dirigido Professora Doutora Maria Isabel Ferraz Festas que, desde o
primeiro momento, se mostrou disponvel para me ajudar e orientar
numa investigao na minha rea de eleio o ensino da leitura. Agradeo,
igualmente, a todos os docentes, Encarregados de Educao e alunos
que aceitaram colaborar comigo neste estudo. Anabela, Vera e
Liliana pela preciosa ajuda na recolha, tratamento informtico e
interpretao dos dados. Isabel, que me ajudou a tornar a tese mais
bonita. Um agradecimento particular s Professoras Lusa Quintela e
Paula Coelho pela disponibilidade na traduo do Resumo para Francs e
Ingls, respectivamente. Aos meus familiares, em especial pais e
irmo pelo carinho, fora e apoio que me deram ao longo destes meses.
Ao Nuno que, com o seu companheirismo, me apoiou nas etapas mais
difceis. Agradeo, de igual modo, aos meus amigos, colegas de
trabalho e de mestrado que me incentivaram sempre a no desistir
desta investigao, nos momentos de maior ansiedade. A todos vs
expresso a minha gratido!
-
ii
ndice Geral
Introduo 1
Componente terica
Captulo 1 6 Conscincia fonolgica 6
1.1. Concepes infantis sobre a linguagem escrita
1.2. O conceito 11 1.3. Nveis de conscincia fonolgica 13 1.4.
Avaliao da conscincia fonolgica 15
Captulo 2 21 Conscincia fonolgica e aprendizagem da leitura e da
escrita 21
2.1. Relao entre conscincia fonolgica e aprendizagem da leitura
e da escrita: qual a direco? 21
2.2. Conscincia fonolgica como consequncia da aprendizagem da
leitura 22 2.3. Conscincia fonolgica como causa da aprendizagem da
leitura 25 2.4. Conscincia fonolgica e aprendizagem da leitura: uma
relao
recproca 27
Captulo 3 30 Os mtodos de iniciao leitura 30
3.1. Os mtodos sintticos 30 3.2. Os mtodos analticos/globais e
os modelos descendentes 35 3.3. A superioridade do mtodo fnico
41
Trabalho emprico
Captulo 4 44 Enquadramento metodolgico e resultados do estudo
emprico 44
4.1. Mtodo 44 4.1.1.Objectivo 44 4.1.2. Hipteses 45
-
iii
4.1.3. Tipo de estudo 45 4.1.4. Amostra 45 4.1.5. Instrumentos
49 4.1.6. Procedimentos 51 4.1.7. Apresentao dos resultados 52
4.1.7.1. Anlise descritiva dos resultados das Provas Fonolgicas
54 4.1.7.2. Anlise descritiva dos resultados do Teste de Leitura
65
4.1.7.3. Anlise correlacional 74
Captulo 5 78 Discusso de resultados 78
Concluso 85
Bibliografia 89
Anexos Anexo 1 Autorizao dos Encarregados de Educao
Anexo 2 Guio para a aplicao da Bateria de Provas Fonolgicas
Anexo 3 Bateria de Provas Fonolgicas
Anexo 4 Grelhas de registo dos resultados das Provas
Fonolgicas
Anexo 5 Guio para a aplicao da Prova de Leitura
Anexo 6 Prova de Leitura
-
iv
ndice de Quadros
Quadro I Distribuio dos sujeitos segundo o sexo 45 Quadro II
Distribuio dos sujeitos segundo intervalos de idade 46 Quadro III
Distribuio dos sujeitos segundo a frequncia do Jardim-
de-Infncia
47 Quadro IV Caracterizao das turmas 47 Quadro V Anlise
descritiva dos resultados das provas fonolgicas 54 Quadro VI
Classificao com base na slaba inicial 55 Quadro VII Classificao com
base na slaba inicial em funo da
varivel idade
56 Quadro VIII Classificao com base na slaba inicial em funo
da
varivel sexo
56 Quadro IX Classificao com base na slaba inicial em funo
da
varivel Frequncia do Jardim-de-infncia
56 Quadro X Classificao com base no fonema inicial 57 Quadro XI
Classificao com base no fonema inicial em funo da
varivel idade
57 Quadro XII Classificao com base no fonema inicial em funo
da
varivel sexo
58 Quadro XIII Classificao com base no fonema inicial em funo
da
varivel Frequncia do Jardim-de-infncia
58 Quadro XIV Manipulao da slaba inicial 59 Quadro XV Manipulao
da slaba inicial em funo da varivel idade 59 Quadro XVI Manipulao
da slaba inicial em funo da varivel sexo 60 Quadro XVII Manipulao
da slaba inicial em funo da varivel
Frequncia do Jardim-de-infncia
60 Quadro XVIII Manipulao do fonema inicial 61 Quadro XIX
Manipulao do fonema inicial em funo da varivel
idade
61 Quadro XX Manipulao do fonema inicial em funo da varivel
sexo
61 Quadro XXI Manipulao do fonema inicial em funo da varivel
Frequncia do Jardim-de-infncia
62 Quadro XXII Anlise silbica 62 Quadro XXIII Anlise silbica em
funo da varivel idade 63 Quadro XXIV Anlise silbica em funo da
varivel sexo 63
-
v
Quadro XXV Anlise silbica em funo da varivel Frequncia do
Jardim-de-infncia
63 Quadro XXVI Anlise fonmica 64 Quadro XXVII Anlise fonmica em
funo da varivel idade 64 Quadro XXVIII Anlise fonmica em funo da
varivel sexo 65 Quadro XXIX Anlise fonmica em funo da varivel
Frequncia do
Jardim-de-infncia
65 Quadro XXX Teste de leitura - classificao total 66 Quadro
XXXI Teste de leitura - classificao total em funo da varivel
idade
66 Quadro XXXII Teste de leitura - classificao total em funo da
varivel
sexo
67 Quadro XXXIII Teste de leitura - classificao total em funo da
varivel
Frequncia do Jardim-de-infncia
67 Quadro XXXIV Teste de leitura - 1 parte 68 Quadro XXXV Teste
de leitura - 1 parte em funo da varivel idade 68 Quadro XXXVI Teste
de leitura - 1 parte em funo da varivel sexo 68 Quadro XXXVII Teste
de leitura - 1 parte em funo da varivel
Frequncia do Jardim-de-infncia
69 Quadro XXXVIII Teste de leitura - 1 parte A 69 Quadro XXXIX
Teste de leitura - 1 parte A em funo da varivel idade 70 Quadro XL
Teste de leitura - 1 parte A em funo da varivel sexo 70 Quadro XLI
Teste de leitura - 1 parte A em funo da varivel
Frequncia do Jardim-de-infncia
70 Quadro XLII Teste de leitura - 1 parte B 71 Quadro XLIII
Teste de leitura - 1 parte B em funo da varivel idade 71 Quadro
XLIV Teste de leitura - 1 parte B em funo da varivel sexo 72 Quadro
XLV Teste de leitura - 1 parte B em funo da varivel
Frequncia do Jardim-de-infncia
72 Quadro XLVI Teste de leitura - 2 parte 73 Quadro XLVII Teste
de leitura - 2 parte em funo da varivel idade 73 Quadro XLVIII
Teste de leitura - 2 parte em funo da varivel sexo 73 Quadro XLIX
Teste de leitura - 2 parte em funo da varivel
Frequncia do Jardim-de-infncia
74 Quadro L Coeficiente de correlao (r) entre o total das
provas
fonolgicas e o total do teste de leitura
74 Quadro LI Coeficiente de correlao (r) entre o total do teste
de
leitura e cada uma das provas fonolgicas
75
-
vi
Quadro LII Matriz de correlaes entre as diversas provas
fonolgicas
75 Quadro LIII Matriz de correlaes entre as diferentes partes do
teste
de leitura
76 Quadro LIV Coeficiente de correlao (r) entre os resultados do
teste
de leitura e as provas fonolgicas relacionadas com a slaba e com
o fonema
76 Quadro LV Coeficiente de correlao (r) entre os resultados do
teste
de leitura e as diferentes tarefas das provas fonolgicas
77
ndice de Figuras
Figura 1 Constituncia silbica
14
Figura 2 Representao da slaba num modelo de Ataque Rima
14
Figura 3
Caracterizao da amostra em funo das variveis sexo e idade
46
-
vii
RESUMO O domnio da leitura essencial para a sobrevivncia na
sociedade actual. Estudos
recentes continuam a evidenciar os baixos nveis de literacia da
populao portuguesa. Tais resultados tm ocasionado diversas
iniciativas e programas com o propsito de identificar as suas
principais causas e apontar estratgias para melhorar este
panorama.
Neste mbito, vrios investigadores tm-se debruado sobre um
construto que assumem ser crucial para garantir o sucesso na
aprendizagem desta competncia a conscincia fonolgica.
Esta dissertao procurou verificar a relao entre o
desenvolvimento da conscincia fonolgica e a aprendizagem da
leitura. Compreende duas partes: uma, terica; outra de trabalho
emprico. A primeira desenvolve-se em trs captulos, nos quais feita
a reviso da literatura sobre o conceito de conscincia fonolgica, a
sua relao com a aprendizagem da leitura e os mtodos de ensino desta
competncia. Na segunda parte, apresentamos um estudo correlacional,
no experimental.
Especificamente, pretendeu-se saber se o conhecimento fonolgico
das crianas no incio do 1 ano de escolaridade pode predizer o seu
sucesso/insucesso na aprendizagem da leitura, no final desse ano
lectivo.
A varivel conscincia fonolgica foi avaliada atravs da Bateria de
Provas Fonolgicas (Silva, 2002), constituda por seis subprovas.
Para a avaliao da segunda varivel a aprendizagem da leitura
recorremos Prova de Leitura utilizada no estudo de Margarida
Martins (1996).
A amostra envolveu 100 crianas (38 do sexo feminino e 62 do sexo
masculino) que frequentavam pela primeira vez o 1 ano de
escolaridade. A mdia de idades dos sujeitos era de 6 anos e 5 meses
e apenas 8 no tiveram acesso ao ensino pr-escolar. Os elementos da
nossa amostra estavam distribudos por seis turmas de escolas
pblicas do centro e periferia de Coimbra.
Quanto aos principais resultados encontrados, conclumos que o
desenvolvimento da conscincia fonolgica preditor do xito/fracasso
na aprendizagem da leitura.
Relativamente influncia de outros factores, destacmos que a
frequncia do Jardim-de-Infncia e a utilizao do mtodo fnico podem
potenciar o desenvolvimento do conhecimento fonolgico, garantindo o
futuro sucesso na aprendizagem da leitura. O mesmo no verificmos em
relao influncia das variveis sexo, idade e caractersticas da
turma.
-
viii
ABSTRACT The power of reading is essential to survival in our
society. Recent studies and
research keep on showing the low rate of literacy of the
Portuguese population. Such results have given rise to lots of
activities and projects so as to identify their main causes, thus
pointing out strategies to improve this situation.
At this extent, many researchers have plunged into a
construction which they believe to be crucial to achieve success in
the acquisition of this competence a phonological conscience.
This essay tried to evince the relationship between the
development of phonological awareness and the process of learning
how to read. It comprises two sections: a theoretical one; another
based on empiric work. The first one mentioned expands in three
chapters, where a revision of literature about the notion of
phonological awareness, its connection to the learning process of
reading and the teaching methods of this competence are done. In
the second section, we present a correlative, non experimental
study.
We intended to understand specifically whether the phonological
knowledge of schoolchildren at the beginning of the first school
year might predict their success or failure in the learning of
reading, at the end of that very school year.
A phonological awareness fluctuation was assessed through
Bateria de Provas Fonolgicas (Silva, 2002), composed by six
subtests. In order to assess the second fluctuation the learning of
reading we resorted to a Reading Test used in the study by
Margarida Martins (1996).
The sample covered 100 children (38 female and 62 male) who
attended, for the first time the first school year. The elements of
our sample were distributed by six classes in public schools in the
centre and outskirts of Coimbra.
The results found showed a strong link between phonological
awareness at the beginning of schooling and the results in the
reading process achieved a few months later . Thus, we came to the
conclusion that the development of a phonological conscience is
predictor of the success or failure in the learning process of
reading.
As far as the influence of other factors is concerned, we
stressed that the attendance of kindergarten and the use of phonic
method may intensify the development of phonological knowledge,
assuring later success in the learning of reading. However, we
didnt detect the same regarding fluctuations such as sex, age and
class profile.
-
ix
RESUM Le domaine de la lecture est essentiel la survie dans la
socit d'aujourd'hui. Des
tudes rcentes continuent montrer de faibles niveaux de littratie
de la population portugaise. De tels rsultats ont suscit de
nombreuses initiatives et programmes dans le but d'identifier les
principales causes et dindiquer les stratgies visant amliorer ce
panorama.
Dans ce contexte, plusieurs chercheurs se sont penchs sur un
construit quils
considrent dune importance dcisive pour assurer la russite dans
l'apprentissage de cette comptence - la conscience
phonologique.
Cette thse a cherch tudier la relation entre le dveloppement de
la conscience phonologique et l'apprentissage de la lecture. Elle
se compose de deux parties: l'une thorique, l'autre de nature
empirique. La premire se dcompose en trois chapitres, dans lesquels
on fait la rvision de la littrature sur le concept de la conscience
phonologique, son rapport avec l'apprentissage de la lecture et les
mthodes d'enseignement de cette comptence. Dans la deuxime partie,
nous prsentons une tude de corrlation, non exprimentale.
Plus prcisment, notre but tait donc de savoir si la conscience
phonologique des enfants au dbut de la 1re anne de scolarit peut
prdire le succs/chec dans l'apprentissage de la lecture la fin de
cette anne scolaire.
La variable conscience phonologique a t value par la batterie
des preuves Phonologiques (Silva, 2002), constitu de six sub-tests.
Pour l'valuation de la deuxime variable - l'apprentissage de la
lecture - nous avons eu recours lpreuve de la Lecture utilise dans
l'tude de Margarida Martins (1996).
L'chantillon comprenait 100 enfants (38 de sexe fminin et 62 du
sexe masculin) qui frquentaient pour la premire fois, la 1re anne
de scolarit. Les lments de notre chantillon taient distribus en six
classes des coles publiques du centre et de la priphrie de
Coimbra.
Les rsultats obtenus ont montr une forte relation entre la
conscience phonologique au dbut de la scolarit et les rsultats en
lecture quelques mois plus tard. Ainsi, nous avons pu conclure que
le dveloppement de la conscience phonologique est prdictive de la
russite ou l'chec dans l'apprentissage de la lecture.
Par rapport l'influence d'autres facteurs, nous avons soulign
que la frquence du Jardin d Enfance et l'utilisation de la mthode
phonique peuvent stimuler le
-
x
dveloppement de la connaissance phonologique, en assurant le
succs futur de l'apprentissage de la lecture. Il nen va pas de mme
en ce qui concerne l'influence du sexe, l'ge et les caractristiques
de la classe.
-
1
Introduo
O domnio da leitura fundamental na sociedade do sculo XXI. De
facto, para garantir que qualquer ser humano obtenha sucesso
escolar, profissional e social e se torne num cidado autnomo
imprescindvel que domine este bem. Para alm destas vantagens, a
leitura possibilita tambm o acesso ao mundo da cincia, cultura e
fantasia.
Ao longo das ltimas dcadas, um pouco por todos os continentes,
vrios esforos tm sido desenvolvidos no sentido de tornar o cdigo da
leitura e da escrita acessvel a todos. O objectivo que todas as
crianas aprendam a ler nos primeiros anos de escolaridade, de modo
a que, na adolescncia, dominem perfeitamente a leitura (Alada,
s.d.).
Contudo, face s vrias transformaes que tm ocorrido na sociedade,
a definio de leitura tem vindo a tornar-se num conceito cada vez
mais abrangente. Actualmente, j no podemos encarar a leitura apenas
numa perspectiva de domnio de um cdigo alfabtico. Aos poucos, o
termo leitura tem sido substitudo pelo de literacia, para reforar
que a competncia leitora deve garantir a todos a utilizao plena da
informao escrita. No basta saber juntar letras para formar
palavras. necessrio compreender a informao contida nos textos
escritos que nos surgem das mais variadas formas.
Assim se compreende que a aprendizagem da leitura implique um
ensino formal e no se possa dar por concluda quando os alunos
conseguem dominar a correspondncia grafema-fonema (Sim-Sim, 1998;
Sim-Sim,Duarte & Ferraz, 1997).
-
2
Recentemente, tm proliferado vrios estudos de mbito nacional e
internacional, sobre a temtica da literacia. A maioria tem
evidenciado que, apesar de se terem observado progressos nas
metodologias de ensino da leitura, muitos portugueses alfabetizados
ainda no conseguem compreender o que lem (Benavente, 1996; PISA,
2003; OECD, 2004).
Face aos baixos nveis de literacia registados, outras
investigaes tm procurado reflectir sobre as principais causas desta
iliteracia, com o intuito de encontrar um caminho para alterar este
quadro.
Na sequncia de tais reflexes, tm surgido vrias iniciativas, de
entre as quais se destacam o Programa Nacional de Ensino do
Portugus (PNEP), o Plano Nacional de Leitura (PNL) e a dinamizao de
bibliotecas escolares e pblicas.
Em vrios estudos e programas desencadeados com vista formao de
bons leitores, surge o construto de conscincia fonolgica como uma
chave crucial no sucesso da leitura. Este definido como a
capacidade de os sujeitos, crianas e adultos, identificarem e
manipularem as estruturas sonoras da lngua.
Muitos autores (Soares & Martins, 1989) concluem que para a
aprendizagem da leitura fundamental que a criana tome conscincia da
forma como se organiza o cdigo escrito. O cdigo alfabtico faz apelo
a uma competncia cognitiva que a maioria das crianas no possui
entrada na escola, a saber, a capacidade de identificar e de isolar
conscientemente os sons da fala (Freitas, 2007, p. 9). Assim, a
primeira e principal preocupao da escola deve ser a de promover,
atravs de um treino contnuo e sistemtico, o desenvolvimento da
sensibilidade aos aspectos fnicos para desenvolver a conscincia
fonolgica.
O nosso estudo aparece num momento em que os docentes do 1 Ciclo
do Ensino Bsico comeam a ser alertados, atravs de programas como o
PNEP, para a necessidade de treinar nos seus alunos a conscincia
fonolgica antes e durante a aprendizagem do cdigo alfabtico.
Centra-se fundamentalmente na relao entre conscincia fonolgica e
aprendizagem da leitura.
Verificamos que vrias pesquisas tm sido desenvolvidas para
determinar o tipo de relao existente entre estas duas variveis e
que as concluses apresentadas se revelam divergentes. Todavia, no
nosso propsito determinar a direccionalidade desta associao. A
nossa inteno perceber se o desenvolvimento da conscincia fonolgica
no incio da escolarizao pode predizer o sucesso/insucesso da
aprendizagem da leitura no final do 1 ano de escolaridade.
-
3
Identificados a pertinncia e o objectivo da nossa dissertao,
passamos descrio do plano da mesma.
No primeiro captulo, procuraremos clarificar o conceito de
conscincia fonolgica. Para tal, comearemos por abordar o tema das
concepes infantis sobre a linguagem escrita, apoiando-nos nos
estudos de Luria (1983), Ferreiro e Teberosky (1986), Besse (1989)
e Martins (2000). Nestas investigaes destacar-se- a necessidade de
se prestar mais ateno aos registos escritos das crianas antes da
aprendizagem da leitura e sero apresentadas as etapas da aquisio da
leitura, tendo em conta as diferentes perspectivas expostas.
Posteriormente, ser definido o construto de conscincia
fonolgica. Sero apresentadas algumas definies propostas por alguns
autores (Tunmer & Rohl, 1991; Mattingly, 1972; Defior, 1998) e
ser feita a distino deste termo com outros com os quais facilmente
confundida. Aps a delimitao deste conceito, sero abordados os seus
diferentes nveis que nos remetero para as diversas formas de se
analisar a palavra: unidades silbicas, intra-silbicas e fonmicas
(Herrera & Defior, 2005). Por fim, analisaremos as vrias formas
de se proceder avaliao desta capacidade. Salientaremos no apenas os
processos que ela envolve, mas tambm as tarefas de avaliao
fonolgica (Adams, 1998; Ball, 1993; Yopp, 1988; Leong, 1991;
Stanovich, 1992; Sim-Sim, 2006). Apresentaremos ainda alguns
instrumentos utilizados em contexto nacional para avaliar a
conscincia fonolgica (Silva, 2002; Sim-Sim, 2004 Teixeira &
Almeida, 1995).
A relao entre conscincia fonolgica e aprendizagem da leitura ser
analisada no segundo captulo. Partiremos de um conjunto de questes
levantadas por vrios autores sobre a direccionalidade desta relao
(Harten & Carvalho, 1995; Silva, 1997; Marquez & Osa,
2003). Para responder s mesmas, comearemos por referir os estudos
que defendem que a conscincia fonolgica uma consequncia da
aprendizagem da leitura (Morais, Cary, Alegria & Bertelson,
1979). Seguidamente, abordaremos os que consideram que ela uma
causa do processo de alfabetizao (Bradley & Bryant, 1987; Mann,
1984; Liberman & Shankweiler, 1989). Por ltimo, apresentaremos
os estudos que defendem o carcter recproco desta associao (Marquez
& Osa, 2003; Defior, 1998; Silva, 2003), apoiando-nos no debate
que surgiu na revista Nature, em 1985.
O terceiro captulo ser dedicado aos mtodos de iniciao leitura.
Nele ser feita uma breve resenha histrica dos mesmos. Referiremos,
em primeiro lugar, os mtodos sintticos, por terem sido os primeiros
a aparecer. Faremos uma breve
-
4
caracterizao do mtodo alfabtico e referiremos os principais
autores que contriburam para a evoluo do mtodo fnico (Feliciano
Castilho, Joo de Deus e outros), destacando os aspectos inovadores
que introduziram. Na segunda parte deste captulo sero abordados os
principais mtodos analticos e globais. Explicaremos sucintamente
como se processa o ensino da leitura de acordo com as diferentes
metodologias de ensino. Na terceira parte faremos uma apologia do
mtodo fnico, destacando as suas principais vantagens para o ensino
da leitura a todas as crianas.
No quarto captulo, descreveremos a metodologia adoptada nesta
investigao. Apresentaremos os dados relativos nossa amostra, as
caractersticas dos diferentes grupos estudados, os instrumentos
utilizados para a sua avaliao e os procedimentos implementados.
Relativamente aos resultados obtidos, primeiramente, apresentaremos
os que decorrem de uma anlise descritiva e, posteriormente, os que
se referem anlise correlacional.
A discusso de dados ser apresentada no quinto e ltimo captulo.
Nela, procuraremos analisar os resultados obtidos luz do que foi
descrito na investigao terica.
Finalmente, na concluso, tentaremos reflectir sobre o trabalho
desenvolvido, apontando as suas principais limitaes e
apresentaremos algumas sugestes para futuras investigaes no mbito
da temtica por ns abordada.
-
5
Componente terica
-
6
Captulo 1 Conscincia fonolgica
1.1. Concepes infantis sobre a linguagem escrita
Embora a maioria das crianas, quando inicia o primeiro ciclo de
escolaridade, ainda no saiba ler, todas j tiveram, certamente,
contacto com a linguagem escrita, bem como a oportunidade de
construir hipteses e representaes sobre o que ela significa.
Vrios autores tm-se debruado sobre as concepes precoces da
linguagem escrita antes da iniciao sua aprendizagem formal,
procurando, entre outros objectivos, identificar as principais
etapas da sua aquisio.
Luria (1983) centrou as suas investigaes no desenvolvimento da
escrita em crianas dos 3 aos 6 anos. Os resultados obtidos
permitiram-lhe fazer a descrio de trs nveis na psicognese da
escrita e identificar as situaes que facilitam a transio de um nvel
para o seguinte.
O primeiro nvel designou-o por pr-instrumental. As crianas deste
nvel limitam-se a tentar imitar os adultos, fazendo garatujas, no
havendo ainda tentativas de estabelecer uma relao entre a forma de
registo, o nmero de palavras da frase, os factores de tamanho ou
forma dos objectos referidos, nem a compreenso do significado da
escrita e dos seus mecanismos (Martins, 2000).
No nvel intermdio, as crianas, embora ainda recorram a
garatujas, utilizam tambm letras. A combinao destas duas formas
varia de frase para frase, permitindo-lhes recordar o que
escreveram, apesar de se registarem ainda muitos enganos
(idem).
-
7
No terceiro momento, o chamado nvel lingustico, verifica-se o
recurso s letras e a procura de uma relao com os fonemas, embora
nem sempre de forma correcta. Segundo o autor, existem duas formas
pelas quais pode ser feita a diferenciao: atravs da representao do
contedo com garatujas; ou pelo recurso ao pictograma (ibidem).
Ferreiro e Teberosky (1986) defendem que a construo da escrita
se desenvolve atravs de um processo gradual de quatro etapas.
O primeiro estdio definido por estes autores caracteriza-se pela
hiptese quantitativa do referente, no qual a principal preocupao da
criana estabelecer uma correspondncia entre aspectos quantificveis
dos objectos ou seres referidos e aspectos quantificveis da
escrita. Por exemplo, h crianas que escrevem nomes de coisas de
grandes dimenses com muitas letras e de tamanho ampliado e
vice-versa. Nesta etapa, a leitura faz-se de forma global, sem que
ocorra qualquer tipo de anlise sobre as relaes entre o todo e as
suas partes.
No segundo nvel, verifica-se que os grafemas se aproximam mais
das letras. As crianas j se preocupam com a diferenciao da escrita
de coisas distintas, recorrendo variao da posio das letras para
expressarem diferentes significados (idem).
Num estudo posterior, estes autores englobaram estes dois
momentos num nico, o qual designaram por nvel pr-silbico (Ferreiro
& Teberosky, 1986). Genericamente, podemos concluir que na fase
que antecede a deteco da slaba, a criana ainda no compreendeu que a
escrita representa a fala. Para ela, escrever significa desenhar o
objecto (Gindri, Keske-Soares & Mota, 2007). Isto justifica que
as suas produes escritas no revelem ainda qualquer tipo de
correspondncia sonora e que, muitas vezes, se resumam a amontoados
de linhas e traos sem qualquer orientao convencional e controlo de
quantidade. Deste modo, a criana acredita que cada um s pode
interpretar a sua prpria escrita e no a dos outros (Yaden &
Tardibuono, 2004).
No nvel que se segue, comea a surgir a hiptese silbica, cuja
principal caracterstica a tentativa de associao de um valor sonoro
a cada uma das letras que constituem a escrita (Gindri,
Keske-Soares & Mota, 2007). Ou seja, as crianas comeam a
procurar algumas relaes entre o que escrevem e os aspectos sonoros
da palavra. Isto permite a ocorrncia de uma grande alterao
qualitativa relativamente conceptualizao da escrita, uma vez que os
sujeitos se apercebem que as palavras escritas podem corresponder a
parte da expresso oral e, simultaneamente, fica claramente
estabelecido que a escrita representa partes da fala. Nesta etapa,
nas representaes escritas da criana, cada letra vale por uma slaba
e a leitura das palavras
-
8
deixa de ser feita de forma global, passando a ser silabada
(Ferreiro & Teberosky, 1979).
O nvel seguinte considerado o perodo de transio entre a hiptese
silbica e a hiptese alfabtica. Nesta fase, a criana comea a
compreender que escrever representar as partes sonoras das palavras
(Gindri, Keske-Soares & Mota, 2007). Surge a descoberta do
princpio alfabtico, no qual o sujeito confrontado com a necessidade
de reanalisar a slaba em unidades menores os fonemas. Todavia, a
criana deste nvel ainda no atribui a cada fonema um sinal grfico.
Nas suas produes grficas so utilizadas em simultneo as hiptese
silbica e alfabtica (Ferreiro & Teberosky, 1986). Assim,
assiste-se a uma coexistncia destas duas formas de representao
grfica. Isto significa que quando escreve uma palavra, a criana
pode recorrer a letras com valores sonoros silbicos e,
concomitantemente, estabelecer a relao alfabtica entre a linguagem
oral e a linguagem escrita.
Para estes autores, esta mudana possvel devido ocorrncia de dois
tipos de conflito: por um lado, verifica-se o conflito entre a
hiptese silbica e a exigncia de uma quantidade mnima de caracteres
na escrita de cada palavra; por outro lado, o conflito entre a
hiptese silbica e as formas grficas aprendidas, tais como o nome
prprio e outras palavras familiares (Ferreiro & Teberosky,
1979).
Por ltimo, surge o nvel alfabtico, no qual a criana compreende
que a cada um dos caracteres da escrita correspondem valores
menores que a slaba e procede a uma anlise sonora sistemtica das
palavras que vai representar graficamente. Neste estdio, tanto a
escrita como a leitura so alfabticas, isto , a cada som corresponde
uma letra e estas combinam-se entre si para formarem palavras. Os
principais conflitos da criana referem-se a dvidas ortogrficas
(Ferreiro & Teberosky, 1986).
Besse (1989), utilizando uma metodologia semelhante de Ferreiro
e Teberosky, realizou um estudo com crianas francesas de 5 anos de
idade. A partir dos resultados obtidos, props uma classificao das
respostas obtidas em cinco categorias.
Na primeira situam-se as crianas que se recusaram a responder.
Este comportamento poder justificar-se pelo facto de as crianas j
se encontrarem em nveis evolutivos avanados, compreendendo que no
sabem escrever; pela inibio dos alunos numa escrita inventada ou at
devido a outros factores contextuais. Por estes motivos, o autor no
defende que esta fase possa ser considerada um nvel evolutivo.
Na segunda categoria enquadram-se as crianas que apenas encaram
a escrita como um trao distinto do desenho. Nelas no se verifica a
tentativa de lerem o que
-
9
escreveram. Porm, utilizam uma quantidade fixa de grafias. Esta
etapa designa-se por produo de escritas sem conservao do oral
(idem).
Nas crianas do nvel seguinte, verifica-se um ajustamento entre o
oral e a escrita. Estas atribuem s suas escritas um significado
estvel, como se guardassem o oral na memria de trabalho, servindo
de ponto de referncia principal para orientar a escrita produzida
(ibidem).
O quarto grupo marcado pelo incio da fonetizao da escrita. Nele,
as crianas fazem as suas primeiras experincias de anlise fnica do
enunciado, tentando escrever letras que correspondem aos sons
analisados, embora no se detecte ainda a preocupao com a sua
ordem.
Por fim, registam-se as escritas alfabticas, nas quais os
principais obstculos que se colocam s crianas se prendem unicamente
com a ortografia.
No nosso pas tambm se tm realizado investigaes no mbito das
concepes sobre a escrita com crianas em idade pr-escolar.
Margarida Alves Martins (1998), num dos vrios estudos que
desenvolveu, verificou o mesmo estilo de comportamentos dos que
haviam sido referidos por Besse com a excepo dos que se relacionam
com as escritas de tipo silbico.
No que diz respeito classificao das escritas produzidas pelas
crianas antes de iniciarem a aprendizagem formal da leitura,
Martins e Niza (1998) consideram quatro graus evolutivos.
O primeiro designa-se por escrita pr-silbica. Do ponto de vista
grfico, neste perodo, as crianas utilizam letras ou algarismos para
escrever; recorrem a um nmero fixo de grafemas para a escrita das
diversas palavras ou trocam-lhe as posies (Martins & Niza,
1998, p. 72). As suas escritas ainda no so orientadas por princpios
alfabticos. A leitura das palavras feita de forma global,
justificando o facto de geralmente as crianas recusarem a tarefa de
analisar as diversas palavras da frase. Quando o fazem,
assinalam-nas de forma vaga, no respeitando a ordem das palavras na
frase e, por vezes, at assinalam duas palavras diferentes no mesmo
lugar.
A segunda etapa corresponde s escritas alfabticas. Estas passam
a ser regidas por critrios lingusticos, apesar de nem sempre
ocorrerem tentativas para representar sons de uma forma
convencional. Nesta fase, as crianas comeam a utilizar letras
diversificadas para escrever cada vocbulo. Normalmente, cada letra
representa cada uma das slabas que o constituem. As letras no seu
interior variam de palavra para palavra. A leitura dos diferentes
termos e da frase passa a fazer-se de forma silbica. A
-
10
escrita , habitualmente, antecedida ou acompanhada de oralizaes.
No que se refere identificao dos elementos da frase,
frequentemente, no se observa a separao dos vrios vocbulos que a
compem. Alm disso, nem sempre escrevem os verbos e/ou os
artigos.
No penltimo momento, o da escrita com fonetizao, a escrita j
impregnada por critrios lingusticos, nos quais a escolha das letras
para representar os diversos sons no arbitrria. No obstante,
verifica-se que algumas crianas continuam a representar a slaba
produzindo escritas silbicas que se diferenciam das do grupo
anterior pelo facto de as letras escolhidas no serem ao acaso;
outras vo alm da slaba, apesar da no representarem ainda os sons da
palavra (Martins & Niza, 1998, p. 74). Quando se pede s crianas
deste grau que identifiquem os diversos elementos constituintes da
frase, so coerentes em relao ao lugar que ocupam na frase, excepto
no que se refere aos artigos que normalmente so assinalados no
mesmo lugar dos nomes.
Finalmente, na fase da escrita alfabtica, as crianas j conseguem
escrever as vrias palavras que lhes vo sendo solicitadas. Na maior
parte dos vocbulos, a sua escrita correcta. Quando no o , as
palavras podem ler-se, apesar de apresentarem erros ortogrficos.
Neste nvel, a leitura deixa de ser silabada, as operaes de
segmentao so atingidas e a frase contem todas as palavras
ditadas.
Como podemos verificar pelos vrios estudos referidos, existem
diferentes formas de classificar o desenvolvimento das produes
escritas da criana. Podemos encontrar muitas semelhanas entre as
vrias propostas apresentadas. De um modo geral, todos os autores
caracterizam o primeiro nvel pela ausncia de critrios lingusticos.
Entretanto, medida que se vai desenvolvendo a conscincia fonolgica
sobre os elementos constituintes da fala, as crianas vo-se
apercebendo da natureza segmental da linguagem e tornando-se cada
vez mais conscientes das suas unidades mais globais (palavras e
slabas) at aos seus constituintes mais pequenos (fonemas) (Ferreiro
& Teberosky, 1979; Sinclair & Berthoud-Papandropoulou,
1984). Desta forma, as ltimas etapas correspondem s escritas quase
perfeitas, nas quais se denota que o princpio alfabtico est
claramente interiorizado e onde apenas se observam conflitos ao
nvel da ortografia.
Todavia, alguns autores, nomeadamente Nunes (1990 e 1992)
consideram a existncia de mais um momento o nvel ps-alfabtico. Este
resulta da necessidade de as crianas precisarem de compreender tudo
o que no pode ser considerado alfabtico
-
11
na representao alfabtica da linguagem, como por exemplo: o
espaamento entre palavras, os sinais de pontuao, a distribuio de
maisculas e minsculas, etc.
Importa salientar que, no momento da entrada para o 1 ano de
escolaridade, as crianas se encontram em nveis diferentes no que
respeita ao desenvolvimento da conscincia fonolgica e as concepes
infantis sobre a linguagem escrita, o que justifica a diversidade
de ritmos e at as dificuldades de aprendizagem da leitura e da
escrita verificados em qualquer turma deste ano.
1.2. O conceito
Ao longo das ltimas dcadas, as dificuldades apresentadas pelas
crianas na aprendizagem da leitura e da escrita tm merecido a ateno
de diferentes profissionais. As investigaes mais recentes nesta rea
realam o papel determinante das habilidades do processamento
fonolgico, especialmente a conscincia fonolgica. neste contexto que
surge o termo de conscincia fonolgica, o qual procuraremos
clarificar, seguidamente.
Este conceito , habitualmente, definido como a capacidade para
manipular conscientemente (mover, combinar ou suprimir) os
elementos sonoros das palavras orais (Tunmer & Rohl, 1991).
Sim-Sim (1998) define este conceito, estabelecendo a diferena
entre esta habilidade e a actividade de falar. Assim, a conscincia
fonolgica diz respeito ao conhecimento que possibilita a anlise de
forma consciente das unidades de som de uma lngua especfica, bem
como as regras de distribuio e sequncia do sistema de sons dessa
mesma lngua. Enquanto que a actividade de falar e de ouvir falar
nos remete para a capacidade de, involuntariamente, prestar ateno
ao significado do enunciado, a conscincia fonolgica implica a
habilidade de, deliberadamente, nos centrarmos nos sons da
fala.
Por vezes, esta expresso utilizada para designar diferentes
nveis de conhecimento, embora nem sempre de forma correcta.
A este propsito, Gombert (1990) alerta-nos para a distino entre
conscincia fonolgica e comportamentos epifonolgicos. Enquanto que o
primeiro conceito se
refere capacidade de identificar as componentes fonolgicas das
unidades lingusticas e de as manipular de forma consciente e
deliberada, o segundo diz respeito aos
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12
comportamentos inconscientes e involuntrios, detectados desde
cedo nas crianas, que revelam a discriminao precoce de sons. Ora,
muitas vezes, as capacidades epifonolgicas so, erradamente,
includas no primeiro conceito.
Outros autores salientam a diferenciao entre as expresses
conscincia fonolgica e conscincia fonmica (Silva, Martins &
Almeida, 2001). A primeira conduz-nos s vrias modalidades possveis
de anlise das palavras nos seus segmentos orais. A segunda definida
como sendo a capacidade que o sujeito tem para descobrir na palavra
uma sequncia de fones ou de fonemas, a qual carece de uma instruo
formal em leitura num sistema alfabtico (Hernadez-Valle &
Jimnez, 2001). Ou seja, este conceito remete-nos para o
conhecimento explcito das unidades fonticas da fala. Logo, o
conceito de conscincia fonolgica mais abrangente que o segundo, uma
vez que inclui a conscincia no apenas dos fonemas, mas tambm de
unidades maiores, como as rimas e as slabas.
Um outro conceito com o qual, por vezes, se confunde o de
conscincia fonolgica, o de conscincia metalingustica. Este ainda
mais amplo que o anterior, na medida que se refere capacidade de
manipular e reflectir sobre a estrutura da lngua falada (Roazzi
& Carvalho, 1991; Roazzi, Dowker & Bryant, 1993; Roazzi,
Oliveira, Bryant & Dowker, 1994). O conhecimento metalingustico
implica, portanto, diferentes aspectos, tais como o reconhecimento
das actividades de leitura e escrita, a compreenso das funes da
linguagem e a conscincia das caractersticas especficas e de outros
aspectos estruturais da linguagem escrita (Jimnez, Rodrigo &
Hernandez, 1999). Neste contexto, a conscincia metalingustica
inclui diversos nveis: o fonema e a slaba (conscincia fonolgica); a
palavra (conscincia de palavra); a frase (conscincia sintctica) e o
texto (conscincia discursiva).
Assim, podemos concluir que, num sentido restrito, o construto
de conscincia fonolgica se refere ao conhecimento que cada indivduo
tem sobre os sons da prpria lngua (Mattingly, 1972). Por outro
lado, num mbito mais alargado, diz respeito habilidade para
identificar, segmentar e manipular de forma intencional as unidades
que constituem a linguagem oral (Defior, 1998). A tomada de
conscincia de que as palavras so constitudas por diversos sons
fundamental no processo de aprendizagem da leitura e da escrita,
uma vez que aprender a ler e a escrever exige necessariamente que o
aluno compreenda o sistema da escrita alfabtico, o qual pressupe a
capacidade de decompor e compor os sons da fala (Soares &
Martins, 1989).
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13
Vrios autores tm focado a importncia do desenvolvimento da
conscincia fonolgica na aprendizagem da leitura e da escrita.
Todavia, sobre este assunto debruar-nos-emos mais tarde.
1.3. Nveis de conscincia fonolgica
O conceito de conscincia fonolgica remete-nos para as diferentes
formas de analisar as palavras nos seus segmentos orais (Tunmer
& Rohl, 1991). Habitualmente, considera-se a existncia de trs
nveis nos quais se desenvolve a conscincia fonolgica: o das slabas,
o das unidades intra-silbicas e o fonmico (Herrera & Defior,
2005; Sim-Sim, 2006). Cada uma destas modalidades implica
diferentes operaes cognitivas.
O modo mais simples de proceder a tal anlise o das unidades
silbicas que compem as palavras. Estas so o resultado da articulao
da consoante com a vogal, verificando-se uma combinao dos
movimentos articulatrios para associar cada um dos seus
constituintes, de forma que as unidades acusticamente
percepcionadas reflictam os dois fones (Silva, 2003). Deste modo,
considera-se que a slaba a unidade oral de segmentao mais pequena
que possvel articular independentemente (Wagner & Torgesen,
1987, citado por Muoz, 2002, p. 31). Vrios estudos tm salientado
que a criana consegue fazer a diviso silbica das palavras antes do
seu ensino formal (Adrian, Alegria & Morais, 1995; Morais,
Cary, Alegria & Bertelson, 1979; Carillo, 1994; Carillo &
Marin, 1996; Defior & Herrera, 2003).
Uma outra forma de analisar as palavras refere-se identificao
dos componentes das slabas as unidades intra-silbicas. Trata-se da
habilidade para manipular grupos de sons que integram as slabas. As
maiores subunidades so o ataque (elemento silbico que domina uma ou
duas consoantes esquerda da vogal) e a rima (componente silbico que
formado pelo ncleo e, opcionalmente, pela coda). O primeiro pode
ser composto por uma consoante (ataque simples), por um cluster de
consoantes no incio da slaba (ataque ramificado) ou encontrar-se
vazio (ataque vazio). Na Lngua Portuguesa verifica-se que todas as
consoantes podem aparecer em ataque simples, mas nem todas podem
ocorrer em ataque ramificado. No que diz respeito rima, ela deve
conter um ncleo formado por uma ou mais vogais, que domina o
constituinte que define a identidade da slaba. Para alm do ncleo, a
rima pode conter
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14
tambm uma ou vrias consoantes sua direita a coda (Silva, 2003;
Freitas & Santos, 2001; Martins, 2000).
Figura 1 - Constituncia silbica (Fonte: Freitas, 2001)
Figura 2 Representao da slaba num modelo de Ataque Rima (Fonte:
idem)
Uma terceira forma de analisar as palavras a que nos remete para
a deteco de segmentos de menor dimenso os fonemas. Tal como a
conscincia intra-silbica, a conscincia fonmica desenvolve-se de
forma mais lenta que a silbica, uma vez que se trata de unidades
sonoras muito pequenas que, ao contrrio das slabas, no tm uma base
fsica simples nem podem ser analisadas em unidades mais pequenas e
sucessivas (Silva, 2003). Os fonemas so, pois, as unidades mnimas
de cada lngua, sem significado que permitem diferenciar palavras
semelhantes. Alm disso, constituem uma unidade abstracta, porque a
sua percepo pode variar em funo do contexto. Ou seja,
Slaba
Ataque Rima
Ncleo Coda
A R
Nu Co
x x x
s a l ta
Nvel da slaba
Nvel da Rima
Nvel do esqueleto
Nvel segmental
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15
um determinado fonema apresenta diferentes caractersticas
sonoras, consoante os outros fonemas a que aparece associado
(idem).
O aparecimento da conscincia fonmica desenvolve-se a partir da
representao de unidades silbicas at chegar a um processo de
diferenciao que possibilita a deteco das unidades fonticas (Defior,
1998).
A capacidade de analisar de forma intencional a fala em fonemas
est intimamente relacionada com a aprendizagem da leitura no
sistema alfabtico (J. Morais, 1997). No nosso sistema alfabtico de
escrita, os fonemas so representados por letras ou grafemas. Uma
vez que o nosso sistema de escrita no completamente transparente, a
correspondncia entre os fonemas e os grafemas nem sempre de um para
um. Isto , nem sempre a um mesmo fonema corresponde o mesmo grafema
e vice-versa.
Por outro lado, alguns autores (Cuttler, Mehler, Norris &
Segui, 1992), defendem que poder existir uma estreita ligao entre
os procedimentos perceptivos de segmentao do sujeito ouvinte e os
princpios de organizao sonora das prprias lnguas (citados por
Segui, 1997). De facto, como afirma Silva (2003) provavelmente o
tipo de unidades infralexicais que usados como interface entre os
sinais acsticos percepcionados e a descodificao de unidades
significativas de linguagem, e consequentemente o tipo de
procedimentos automticos mobilizados pelo ouvinte na segmentao da
corrente acstica contnua que constituem as palavras, podero ter
implicaes no processo de apropriao consciente dessas unidades. Esta
posio poder repercutir-se no desenvolvimento da conscincia
fonolgica e at fonmica, uma vez que comeam a aparecer investigaes
(Morais, 1991) que consideram que a informao proporcionada por
pistas articulatrias pode ser importante na construo de
representaes conscientes, partindo de perceptos segmentais
implcitos.
1.4. Avaliao da conscincia fonolgica
A identificao dos diferentes nveis evolutivos da conscincia
fonolgica pressupe a anlise da natureza homognea versus heterognea
desta capacidade (Silva, 2003).
Sim-Sim (2006) defende que esta competncia contempla processos
de reconstruo (que requerem a capacidade para reagrupar numa
sequncia de fonemas
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16
percepcionados como unidades isoladas); de segmentao (que
pressupem a anlise e separao em unidades menores de uma palavra
escutada); de identificao (que implica processos de deteco de sons
idnticos e a capacidade de prestar ateno aos sons similares); e de
manipulao (que exigem a habilidade de explicitao e controlo das
unidades fonolgicas). Todos estes processos podem verificar-se nos
trs nveis fonolgicos (silbico, intra-silbico e fonmico),
constatando-se uma gradao do ponto de vista da complexidade da
tarefa envolvida.
Atendendo aos processos implicados no desenvolvimento da
conscincia fonolgica, tm surgido diversas tarefas para avaliar esta
competncia, as quais variam principalmente quanto forma como so
apresentadas e ao seu grau de complexidade. Relativamente a este
aspecto, verifica-se que o grau de dificuldade das diferentes
provas se pode dever a dois factores fundamentais: os requisitos
mnsicos relacionados com a tarefa em causa (referente aos processos
cognitivos e quantidade de operaes que o sujeito tem de activar
para conseguir atingir os objectivos propostos) e as caractersticas
fonolgicas a serem tratadas (dimenso dos segmentos fonolgicos,
posio dos segmentos, propriedades acsticas e caractersticas
articulatrias dos fonemas constituintes das palavras) (Silva, 2003;
Marquez & Osa, 2003).
Podemos sistematizar as principais tarefas para a avaliao da
conscincia fonolgica da seguinte forma (Silva, 2003):
a) Tarefas de contagem pedido ao sujeito que faa tantos
batimentos (na mesa, com um lpis, de palmas, ) quanto o nmero de
slabas ou de fonemas que uma determinada palavra contm.
b) Tarefas de classificao - solicitado ao sujeito que agrupe
palavras atendendo a um critrio silbico ou fontico (exemplo:
procurar palavras que comeam pelo mesmo som).
c) Tarefas de segmentao pede-se ao entrevistado que pronuncie
separadamente cada slaba ou fonema que integram uma dada
palavra.
d) Tarefas de recomposio o experimentador enuncia isoladamente
todas as slabas ou fonemas de um vocbulo e solicita ao sujeito que
os junte de forma a descobrir a palavra em causa.
e) Tarefas de manipulao - solicita-se ao sujeito que suprima ou
adicione uma slaba ou fonema a uma palavra ou ento que modifique a
sua ordem, atendendo a um determinado critrio.
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17
Tomando como objecto de estudo a disparidade entre as vrias
tarefas de avaliao fonolgica, alguns investigadores procuraram
hierarquiz-las, tomando como critrio principal, o seu crescente
grau de dificuldade.
Partindo da anlise de vrias provas, Adams (1998) props uma
classificao com cinco categorias distintas. No primeiro nvel,
situam-se as tarefas que apenas pressupem a identificao de algumas
sequncias sonoras nas palavras, como sucede nas provas com rimas e
lengalengas infantis. No segundo, encontram-se as que requerem a
identificao de rimas ou sons iniciais em diversas palavras,
exigindo uma ateno mais cuidada aos elementos sonoros das palavras,
tal como se verifica nas tarefas de categorizao de palavras segundo
critrios de partilha de sons (ex: teste de deteco do intruso (Vale,
1998)). No terceiro grau, surgem as actividades que implicam a
diviso de slabas nos seus vrios segmentos ou que pressupem a
identificao de um dado fonema/alvo (ex: testes de combinao, sntese
ou reconstruo silbica e fonmica). O quarto nvel engloba tarefas que
exigem a segmentao de palavras nos seus constituintes fonticos,
requerendo a subdiviso das palavras nos seus elementos sonoros mais
pequenos; por fim, no quinto nvel, aparecem
as actividades que obrigam a manipulao das unidades fonticas no
mbito das palavras (ex: provas de eliminao, adio, substituio e
inverso de sons nas palavras para criar novos vocbulos).
Um outro autor, Ball (1993) prope uma classificao semelhante de
Adams, mas com apenas trs nveis. O nvel emergente corresponde ao
primeiro estabelecido por Adams; o nvel simples engloba os segundo,
terceiro e quarto nveis apresentados na proposta anterior; e o nvel
complexo equivale ao ltimo nvel de Adams.
Yopp (1988) desenvolveu um estudo emprico, na tentativa de
analisar o problema da operacionalizao da conscincia fonolgica.
Neste trabalho, foram administradas dez provas fonolgicas a crianas
de idade pr-escolar. A finalidade era ordenar as tarefas por ordem
crescente de dificuldade (Marquez & Osa, 2003). Os resultados
obtidos permitiram a identificao de dois factores que podem ser
preponderantes na realizao das mesmas tarefas: um factor de
conscincia fontica simples (observado em tarefas de identificao de
fonemas, contagem, reconstruo e segmentao fonmica) e um factor
associado a tarefas que exigem a manuteno na memria de trabalho de
segmentos fonolgicos enquanto se procede a operaes adicionais
(verificados, por exemplo, nas provas de supresso fonmica) (Silva,
2003).
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18
Uma investigao desenvolvida por Leong (1991) defende a existncia
de dois tipos de conhecimento fonolgico: o conhecimento analtico
(que possibilita a realizao de tarefas que implicam o isolamento de
unidades fonolgicas, por exemplo) e o conhecimento holstico (que
permite a execuo de tarefas de identificao de rimas e de
aliteraes).
Atendendo aos resultados apresentados pelos vrios trabalhos
desenvolvidos no mbito da relao entre a conscincia fonolgica e as
vrias tarefas para a sua avaliao, certamente, a forma mais adequada
para equacionar esta capacidade entend-la como um continuum
(Stanovich, 1992). Deste modo, sistematizando os resultados obtidos
nas investigaes mais recentes sobre este tema, Sim-Sim (2006)
considera que podemos afirmar que a reconstruo silbica mais fcil do
que a identificao intra-silbica; que a reconstruo fonmica mais fcil
do que a segmentao fonmica e do que a identificao fonmica e que a
manipulao silbica mais fcil do que a manipulao intra-silbica que,
por sua vez, mais fcil do que a manipulao fonmica (Sim-Sim, 2006,
p. 71).
Actualmente, a problemtica da evoluo dentro desse continuum e a
sua relao com a aquisio da leitura ainda foco de divergncias,
podendo estar na origem da polmica que diz respeito caracterizao da
natureza da relao entre conscincia fonolgica e aprendizagem da
leitura, a qual referiremos mais tarde.
Uma outra questo que se coloca saber que instrumentos ou
procedimentos existem para avaliar a conscincia fonolgica, no
contexto portugus. Albuquerque (2003) apresenta-nos trs recursos:
os testes que foram elaborados propositadamente para essa tarefa e
que so constitudos por vrios subtestes, detendo uma slida informao
normativa e psicomtrica; os subtestes de conscincia fonolgica
includos em testes de avaliao da linguagem oral ou da leitura, que
possuem dados normativos e psicomtricos razoavelmente amplos; e as
provas elaboradas no mbito de investigaes, as quais, na sua
maioria, no foram ainda alvos de estudos normativos e/ou
psicomtricos.
Relativamente ao primeiro caso, destaca-se a Bateria de Provas
Fonolgicas (Silva, 2002). Esta constituda por seis subprovas que
incluem diferentes nveis de dificuldade, de forma a contemplar a
natureza heterognea desta capacidade. As subprovas incluem trs
tipos de tarefas: classificao, manipulao e segmentao. Cada uma
avaliada em dois nveis: silbico e fontico. As provas so
apresentadas individualmente, com recurso a cartes cujo objectivo
auxiliar as crianas na
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19
realizao das vrias tarefas propostas (Silva, 2003). Na parte
emprica da nossa investigao faremos uma descrio mais exaustiva
desta Bateria, uma vez que ela ser um dos instrumentos
utilizados.
No mbito da segunda proposta, podemos salientar a Bateria de
Avaliao da Linguagem Oral (Sim-Sim, 2004) e a Bateria de Avaliao de
Comportamentos Iniciais de Leitura (Teixeira & Almeida,
1995).
A primeira constituda por seis subtestes: Definio Verbal,
Nomeao, Completamento de Frases, Reflexo Morfo-sintctica e
Segmentao e Reconstruo Segmental. O ltimo subteste (Segmentao e
Reconstruo Segmental) tem por objectivo avaliar a capacidade de
reconhecimento de que a cadeia falada constituda por segmentos que
possvel isolar e reconhecer (p. 78). A slaba e o fonema foram os
segmentos escolhidos. No que se refere s tarefas, a autora optou
pela reconstruo e segmentao. Assim, este subteste foi dividido em
quatro blocos de itens: reconstruo silbica, reconstruo fonmica,
segmentao silbica e segmentao fonmica. Cada um era constitudo por
10 itens, sendo atribudo 1 ponto a cada resposta correcta.
A Bateria de Avaliao de Comportamentos Iniciais de Leitura
(B.A.C.I.L.) foi elaborada por Maria Margarida Teixeira (1993) e
inspirada pelas provas Concepts About Print (Clay, 1979) e
Linguistic Awareness in Reading Readiness (Downing et al., 1983)
(citados por Sim-Sim et al., 2007). Este instrumento tem como
objectivo principal, avaliar o nvel de conhecimentos sobre leitura
antes da sua aprendizagem formal. Destina-se a crianas do nvel
pr-escolar (5-6 anos) e incio do 1 ano de escolaridade e deve ser
realizada oral e individualmente. A autora incluiu nesta bateria
tarefas que possibilitassem a deteco de comportamentos de leitura e
escrita, de compreenso das convenes da leitura e da escrita e da
discriminao auditivo-fontica (citados por Sim-Sim et al., 2007)
Quanto ao terceiro caso, no contexto nacional, encontramos vrios
exemplos de provas realizadas propositadamente para a realizao de
estudos, tais como o Teste de Deteco do Intruso (Vale & Cary,
1998) e as provas de inverso de dois ou trs fonemas (Cary &
Verhaege, 2001).
O Teste de Deteco do Intruso uma verso portuguesa do teste
desenvolvido por Bradley e Bryant (1983). Este instrumento consiste
na apresentao de sries de quatro palavras, das quais trs partilham
o fonema inicial. A criana tem de escutar os quatro vocbulos,
repeti-los e descobrir qual deles comeava de maneira diferente dos
outros. A posio relativa ao intruso varia, nunca ocorrendo em posio
idntica em
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duas sries seguidas. A aplicao deste teste individual e tem a
durao de cerca de 15 minutos.
Finalmente, as provas de inverso de dois e trs fonemas foram
propostas por Cary e Verhage para a realizao do seu estudo. Em
ambas as tarefas, era pedido aos participantes que tentassem
inverter os sons da fala e no a ordem das letras. Depois da operao
de inverso fonmica, todas as palavras se tornavam pseudo-palavras
(Cary & Verhage, 2001, p. 224). A prova de inverso de dois
fonemas (INV2) constituda por 14 palavras de uso frequente
constitudas por dois fonemas. Desses 14 vocbulos, um serve para
exemplificar a regra de inverso, trs so utilizados como ensaios de
treino e dez servem para testar a criana. A prova de inverso de trs
fonemas (INV3) formada por 24 palavras frequentes de trs fonemas,
das quais uma serve para exemplificar a tarefa, trs so usadas para
a criana treinar a inverso e vinte so para ensaios experimentais. A
aplicao destas provas individual, seguindo-se sempre a mesma
sequncia de provas e de itens.
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21
Captulo 2 Conscincia fonolgica e aprendizagem da leitura e da
escrita
2.1. Relao entre conscincia fonolgica e aprendizagem da leitura
e da escrita: qual a direco?
Nas ltimas dcadas, tm surgido numerosas investigaes com o
intuito de determinar a natureza da relao entre as habilidades
fonolgicas e a aprendizagem da leitura e da escrita (Marquez &
Osa, 2003).
De facto, a maioria dos autores concorda que existe uma estreita
conexo entre estes dois factores. As divergncias surgem quando se
pretende identificar o sentido desta relao (Harten & Carvalho,
1995). Ser que a conscincia fonolgica, enquanto capacidade de
representao consciente das unidades fonticas, o resultado da
aprendizagem da leitura? Ser que o desenvolvimento da conscincia
fonolgica potencia a aprendizagem da leitura? Ou, simplesmente, ser
que esta questo (conscincia fonolgica causa ou efeito da
aprendizagem da leitura) uma falsa dicotomia? (Silva, 1997).
Na base desta polmica poder estar a inexistncia de consenso
relativamente ao modo de operacionalizao da conscincia fonolgica
(Silva, 2003). Efectivamente, para avaliar esta competncia, os
investigadores tm usado tarefas que exigem diferentes tipos de
respostas e que implicam um nmero de operaes varivel. Tambm o tipo
de vocabulrio (exemplo: slabas, palavras, segmentar, ) utilizado
quando so fornecidas as explicaes ao sujeito nem sempre
facilmente
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compreensvel. Para alm destes aspectos, as populaes comparadas
apresentam diferenas significativas, no que se refere ao sexo,
idade, diferenas socio-econmicas, entre outras (Roazzi &
Dowker, 1989).
Nesta ptica, a variedade e o grau de tarefas utilizadas, bem
como o recurso a diferentes tipos de amostras, conduzem anlise de
distintas dimenses da conscincia fonolgica, ocasionando
disparidades significativas nos resultados obtidos pelos vrios
investigadores e, consequentemente, dificultando o esclarecimento
do sentido da relao causal entre estes dois aspectos.
2.2. Conscincia fonolgica como consequncia da aprendizagem da
leitura
Por um lado, encontramos os trabalhos que pretendem mostrar que
a leitura um factor imprescindvel para o desenvolvimento da
conscincia fonolgica (Harten & Carvalho, 1995). Esta posio ,
genericamente, atribuda ao grupo de Bruxelas, no qual se incluem,
entre outros, autores como Morais, Cary, Alegria, Bertelson e
Content (1979).
Estes investigadores consideram que a capacidade de explicitao
consciente das unidades da fala resulta, normalmente, da instruo
formal da leitura e da escrita. Ou seja, a habilidade para
manipular as unidades fonticas (slabas e fonemas) pressupe um
treino que induza os sujeitos a centrarem-se nessas unidades
segmentais. Geralmente, esse treino coincide com a aprendizagem da
leitura e da escrita num sistema alfabtico, tornando-se esta na
principal condio para o desenvolvimento da conscincia fonolgica
(Silva, 1997).
Esta hiptese de que a conscincia fonolgica uma consequncia da
aprendizagem da leitura confirmada atravs de estudos realizados com
adultos analfabetos e sujeitos letrados em sistemas de escrita
alfabticos e no alfabticos, de estudos longitudinais e de estudos
comparativos entre bons e maus leitores (Silva, 2003), dos quais
passaremos a referir os que maior destaque alcanaram.
Morais, Cary, Alegria e Bertelson (1979) desenvolveram um estudo
com o objectivo de comparar o desempenho em tarefas de adio e
subtraco de fonemas em adultos alfabetizados e no alfabetizados. Os
resultados deste trabalho permitiram constatar que os sujeitos no
letrados apresentaram mais dificuldades na realizao das
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provas do que os elementos do outro grupo. Assim, concluram que
as experincias com a leitura so determinantes no desenvolvimento da
conscincia fonolgica.
Nos estudos transculturais efectuados por Read, Zhang, Nie e
Ding (1986) compararam-se as performances de dois grupos de
sujeitos chineses adultos, no que se refere realizao de tarefas
similares s do trabalho referido anteriormente. Um dos grupos
apenas conhecia a escrita tradicional ideogrfica chinesa, enquanto
que os elementos do outro grupo dominavam tambm a leitura num
sistema de escrita alfabtico (o pinyin). Os resultados atingidos
revelaram que os sujeitos do segundo grupo tiveram mais facilidade
na realizao das tarefas propostas do que os sujeitos que apenas
conheciam o sistema ideogrfico. Estes dados demonstraram que a
habilidade para manipular os sons da fala, assim como a percepo dos
segmentos fonticos das palavras dependem da aprendizagem de um
sistema de leitura e escrita alfabtico. Assim, os autores concluram
que no a instruo da linguagem escrita que est na base da habilidade
de segmentao, mas a instruo num sistema alfabtico em
particular.
Mann (1986) avaliou a influncia de distintos sistemas de escrita
no desenvolvimento da conscincia fonolgica atravs de trabalho
desenvolvido com crianas japonesas, que sabiam ler num sistema de
escrita ideogrfico e num sistema de escrita silbico (o kana), e
americanas, que aprenderam a ler num sistema alfabtico (Silva,
2003; Harten & Carvalho, 1995). Em ambos os grupos foram
utilizados testes que envolviam tarefas de adio e subtraco de sons.
Os resultados observados, permitiram verificar que as crianas
norte-americanas tinham conscincia dos fonemas e das slabas,
enquanto que as japonesas praticamente s tinham conscincia das
slabas (A. Morais, 1997).
Num outro estudo, o mesmo autor colocou as crianas japonesas em
contacto com transcries alfabticas. Os resultados revelaram que,
passado algum tempo, estes sujeitos acabaram por se tornar tambm
conscientes dos fonemas (idem).
Com estes estudos, Mann concluiu que a habilidade para
compreender os fonemas e as slabas resulta da experincia que as
crianas tm com a leitura e com a escrita (ibidem).
Alguns estudos longitudinais procuraram avaliar as crianas antes
e depois da aprendizagem formal da leitura. A maior parte destes
trabalhos mostrou que as crianas quando iniciaram o 1 ano
apresentavam fracos resultados nas tarefas de avaliao fonolgica e
que, medida que foram dominando o cdigo alfabtico, foram
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24
melhorando as suas classificaes (Silva, 1997). Nesta linha,
destacam-se autores como Perfetti et al., (1987), Bruce (1964),
Morais e Alegria (1979) e Tunmer e Nesdale (1985).
Vrios autores concluram que o contacto com o cdigo alfabtico
muito importante para o desenvolvimento da conscincia fonmica
(Ehrie & Wilce, 1987; Tunmer & Nesdale, 1985). De facto,
medida que as crianas avanam na aprendizagem e domnio formal da
leitura, verifica-se tambm uma evoluo na representao de segmentos
fonticos.
Tendo em conta os vrios estudos supra-citados, possvel
sistematizar esta perspectiva da relao entre a conscincia fonolgica
e a aprendizagem da leitura nos seguintes pontos (Silva, 2003):
1. para que a criana compreenda que a fala se divide em unidades
fonolgicas, necessrio que exista uma fonte de instruo, a qual,
normalmente, coincide com a aprendizagem formal da leitura e da
escrita;
2. a aprendizagem do cdigo alfabtico potencia tambm a conscincia
fonmica que consiste numa reconstruo no consciente dos segmentos
fonticos;
3. as modalidades de conscincia fonolgica, como a conscincia de
rimas e de slabas que se podem desenvolver antes do ensino formal
da leitura e da escrita, diferem da conscincia fonmica na medida
que esta implica uma capacidade analtica significativamente
superior;
4. a sensibilidade s rimas e slabas, por si s, no um precursor
da conscincia fonmica;
5. a sensibilidade aos segmentos fonolgicos das palavras,
principalmente ao nvel das rimas, no constitui um aspecto crtico
para a aprendizagem da leitura;
6. a aquisio da leitura possibilita o desenvolvimento da
conscincia fonmica, apenas nos sistemas de escrita alfabticos;
7. no mbito da aprendizagem da leitura a evoluo na aprendizagem
da leitura num cdigo alfabtico e a conscincia segmental
desenvolvem-se simultaneamente, atravs de um conjunto de mltiplas
influncias recprocas (Alegria, Morais & Content, 1987).
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2.3. Conscincia fonolgica como causa da aprendizagem da
leitura
Noutra perspectiva, encontramos os estudos que destacam o
carcter preditor da conscincia fonolgica sobre a aprendizagem da
leitura num sistema alfabtico (Bradley & Bryant, 1987; Mann,
1984; Liberman & Shankweiler, 1989; Wagner & Torgesen,
1987; Yopp, 1988).
Estes e outros autores desenvolveram estudos correlacionais, que
incidiram em programas de treino e em estudos comparativos entre
bons e maus leitores, com o intuito de demonstrar que a conscincia
fonolgica uma pr-condio para o sucesso na aprendizagem da leitura e
da escrita (Ribeiro, 2005).
Bradley e Bryant (1983), num estudo longitudinal realizado com
crianas de 4 e 5 anos, analisaram a importncia da habilidade de se
manipular os sons da fala na aprendizagem da leitura e da escrita.
As crianas foram sujeitas a tarefas de rima e aliterao, em que os
experimentadores lhes liam quatro palavras das quais tinham de
identificar a que no rimava ou no comeava pelo mesmo fonema das
outras. Trs anos mais tarde, os mesmos sujeitos foram submetidos a
testes de leitura, ortografia e aritmtica. Os resultados obtidos
permitiram detectar uma correlao significativa entre a
sensibilidade inicial das crianas s rimas e aliteraes e o seu
desempenho na leitura e na ortografia. Porm, esta correlao no se
verificou no que se refere aritmtica
(Silva, 2003). Assim, a capacidade precoce de deteco de rimas e
de aliterao, conducente ao conhecimento da estrutura fonolgica da
lngua, parece predizer o progresso na leitura e a aptido para
soletrar as letras de uma palavra quatro anos mais tarde (Sim-Sim,
2006).
Deste modo, os autores concluram que a experincia fonolgica
seria um precursor e no um pr-requisito para a aquisio da leitura e
da escrita (Harten & Carvalho, 1995). Nesta linha, a
sensibilidade das crianas aos sons pode predizer o seu futuro
sucesso ao nvel da leitura e da escrita. Assim, a experincia com
jogos que envolvem rimas e aliteraes poder ser o principal
responsvel pelos bons resultados nos testes de rimas e pelo
posterior sucesso na leitura. Estes investigadores defendem que o
treino em categorizao de sons mais efectivo quando tambm se envolve
uma conexo com o alfabeto (Bradley & Bryant, citado por A.
Morais, 1997, p. 53).
Um outro estudo desenvolvido pelos mesmos autores (Bradley &
Bryant, 1978) mostrou que as crianas com dificuldades na leitura e
na escrita tinham tido mais dificuldades nos testes de conscincia
fonolgica (A. Morais, 1997). Nesta investigao,
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Bradley e Bryant compararam dois grupos de crianas de
inteligncia normal: um com elementos com um atraso de dezoito meses
na habilidade mdia para ler e outro cuja habilidade de leitura era
esperada para a idade, sendo que o nvel de leitura destas era o
mesmo das do outro grupo. Os dois grupos foram submetidos a dois
tipos de tarefa: numa as crianas tinham de agrupar palavras que
compartilhavam o mesmo som ao nvel da aliterao e da rima; na outra
deviam dizer uma palavra que rimasse com a que o observador lhes
dissesse.
Os resultados deste trabalho mostraram que os leitores mais
atrasados apresentavam maiores dificuldades nos testes de deteco de
sons (rima e aliterao) do que os elementos do grupo que no
apresentavam quaisquer dificuldades na leitura.
Estas duas investigaes mostram que a habilidade para lidar com
os sons que constituem as palavras influencia o progresso posterior
dos sujeitos na leitura e na escrita (Bradley & Bryant, 1987).
Assim, os autores concluram que existe uma relao causal entre a
insensibilidade para os sons (capacidade de lidar com rimas e
aliteraes) e o fracasso ou sucesso na aprendizagem da leitura e da
escrita (idem).
Um outro estudo que se destacou nesta linha de fundamentao, foi
realizado por Olofson e Lundberg (1985). Nele, cerca de 400 crianas
foram sujeitas a um treino de 8 meses, seguindo um programa que
inclua uma srie de jogos simples de audio de rimas e,
posteriormente, exerccios de segmentao de frases em palavras, de
manipulao de slabas e, por fim, de fonemas. As crianas foram,
depois, avaliadas em provas de leitura e de ortografia. Os
resultados mostraram que os sujeitos do grupo experimental foram
superiores aos das crianas que no foram submetidas a qualquer tipo
de treino, evidenciando que a conscincia fonolgica pode ser
desenvolvida independentemente de um contexto formal de instruo
sobre o cdigo alfabtico com impacto positivo na aprendizagem da
leitura e da escrita (Silva, 2003).
Fox e Routh (1984) desenvolveram um outro estudo com o objectivo
de analisar o efeito de determinadas competncias fonmicas treinadas
para a aprendizagem da leitura. Estes autores trabalharam com uma
amostra de 41 crianas de nvel pr-escolar que foram divididas em
quatro grupos: um grupo foi treinado para realizar operaes de
segmentao fonmica; outro foi exercitado para operaes de sntese e
segmentao fonmica; outro serviu de grupo de controlo e um quarto
grupo j dispunha a priori de boas competncias de segmentao. Todas
as crianas passaram, posteriormente, por um programa de
aprendizagem da leitura. Os resultados obtidos revelaram que as
crianas que j efectuavam operaes de segmentao, bem como as do
segundo grupo
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experimental tiveram mais sucesso no programa de leitura do que
as crianas dos outros grupos. Perante estes dados, os autores
concluram que a aprendizagem da leitura fomentada pela
disponibilidade conjunta de competncias de segmentao e de
reconstruo fonmica (Silva, 2003).
Estes e outros estudos permitiram concluir que a interveno ao
nvel da promoo de competncias fonolgicas em crianas de idade
pr-escolar fomenta o desenvolvimento da conscincia fonolgica e a
aprendizagem da leitura e da escrita.
Atravs da anlise dos estudos referidos, podemos sistematizar
esta perspectiva nos seguintes pontos (idem):
a) h uma continuidade entre as habilidades fonolgicas que as
crianas aprendem durante a fase pr-escolar e o seu desempenho na
leitura. Ist