Estimativas do consumo de sdio no Brasil, reviso dos benefcios relacionados limitao
do consumo deste nutriente na Sndrome Metablica e avaliao de impacto de
interveno no local de trabalho
Flvio Sarno
Tese apresentada ao Programa de Ps Graduao em Nutrio em Sade Pblica para obteno do ttulo de Doutor em Cincias
rea de concentrao: Nutrio em Sade Pblica Orientador: Professor Titular Carlos Augusto Monteiro
So Paulo
2010
expressamente proibida a comercializao deste documento, tanto na sua forma impressa como eletrnica. Sua reproduo total ou parcial permitida exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, desde que na reproduo figure a identificao do autor, ttulo, instituio e ano da tese/dissertao.
DEDICATRIA
AOS MEUS AVS: Gennaro Sarno, Joo Bessa, Rachele Antonia Colicigno
Sarno, Rosa Helena Pimentel Bessa.
AOS MEUS PAIS: Antonio Luiz Sarno e Elza Bessa Sarno.
MINHA TIA: Maria da Glria Bessa.
Todos comearam suas vidas com dificuldades, porm com
esperanas e vontade de construir.
Minha chegada at aqui est embasada e s foi possvel depois de
dcadas de dedicao, esforos e renncias destas pessoas.
Portanto, este momento e este trabalho pertencem e so dedicados a
elas.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Titular Carlos Augusto Monteiro.
Deve-se ao professor Carlos o mrito de nos orientar a estudar o
tema consumo de sdio, vislumbrando com antecedncia o aumento das
discusses em torno desta questo.
Professora Doutora Patrcia Constante Jaime.
A professora Patrcia nos acolheu prontamente em seu grupo de
pesquisa, onde pudemos desenvolver trabalhos conjuntos que contriburam
muito com o resultado final da tese.
Professora Titular Sandra Roberta G. Ferreira.
Agradecemos a professora Sandra pelo voto de confiana para
participarmos de seus projetos de trabalho. O aprendizado obtido nestas
participaes e discusses foi parte muito importante da elaborao desta
tese.
Aos membros da banca: Profa. Dra. Dirce Marchioni, Dra. Lenise Mondini,
Profa. Titular Maria Zanella e Profa. Dra. Maria Gondim Peixoto.
As sugestes e correes das professoras acrescentaram qualidade e
contriburam muito com o trabalho final.
Aos amigos Daniel Bandoni e Rafael Claro
Comeamos e terminamos juntos a ps-graduao. Amigos de todas
as horas, estiveram sempre prontos a nos ajudar e a partilhar seus
conhecimentos.
Aos amigos de pesquisa Renata Levy, Bettina Brasil, Kelly Bombem, Adriana
Pellogia, Iramaia Figueiredo, Natalia Okada e Lais Peccia
Ajudaram muito em vrios momentos da confeco da tese: coleta de
dados, reunies e discusses das anlises dos dados dos artigos que
compem esta tese.
Regina
Esteve sempre pronta a nos ajudar em todos os processos que
envolveram as pesquisas e o doutorado.
Aos funcionrios do Departamento de Nutrio
Agradecemos a todos que sempre foram atenciosos com nossas
solicitaes.
Enfim, esta tese fruto da colaborao e participao de todos, que
em vrios momentos sugeriram, opinaram, corrigiram, ou seja, tornaram este
trabalho melhor.
Agradeo a todos vocs!
EPGRAFE
Os cegos e o elefante Poema de John Godfrey Saxe (1816 - 1887). Baseado em uma parbola indiana (traduo livre).
Eram seis homens da ndia, muito inclinados a aprender, que foram ver o elefante. Embora todos eles fossem cegos, que cada um, por meio de observao, pudesse satisfazer a sua mente. O primeiro aproximou-se do elefante e caiu contra o seu lado mais amplo e robusto. Imediatamente comeou a berrar: "Valha-me Deus! Mas o elefante muito parecido com uma parede!" O segundo, sentindo sua presa, chorou, "O que temos aqui muito redondo e liso e afiado? Para mim, isto est claro: esta maravilha de elefante muito parecido com uma lana!" O terceiro aproximou-se do animal e tomou sua tromba a contorcer-se dentro de suas mos. Assim, corajosamente falou: "Eu vejo o elefante e muito parecido com uma cobra!" O quarto esticou a mo ansiosa e sentiu o joelho. "Com o que mais parecida este maravilhosa besta? Est bastante claro: o elefante muito semelhante a uma rvore!" O quinto, que teve a chance de tocar na orelha, disse: "O homem cego pode dizer com o que isto se assemelha mais. Quem pode negar o fato de que esta maravilha de elefante muito parecido com um abanador!" O sexto mal havia comeado a apalpar a besta e apodera-se da cauda balanante, que cara dentro do seu alcance: "Eu vejo o elefante e muito parecido com uma corda!" E assim, esses homens da ndia discutiram alto e longamente, cada um com suas prprias opinies, demasiadas firmes e fortes. Embora cada um estivesse, em parte, correto todos estavam errados! Moral da histria: Assim, frequentemente como em guerras teolgicas, os disputantes, eu suponho, fechados em suas absolutas ignorncias sobre o que cada um quis dizer, tagarelam sobre um elefante que nenhum deles viu!
RESUMO
Sarno F. Estimativas do consumo de sdio no Brasil, reviso dos benefcios relacionados limitao do consumo deste nutriente na Sndrome
Metablica e avaliao de impacto de interveno no local de trabalho. So
Paulo; 2010. [Tese de Doutorado. Faculdade de Sade Pblica da
Universidade de So Paulo].
Introduo: O consumo excessivo de sdio tem se associado com vrios efeitos prejudiciais sade, como aumento da presso arterial (PA) e
doena cardiovascular. Objetivos: Os objetivos da tese foram avaliar a disponibilidade de sdio no Brasil, analisar os efeitos de dietas com teores
reduzidos de sdio em indivduos com Sndrome Metablica (SM) ou
resistncia insulina (RI) e avaliar o impacto de uma interveno que
promoveu a reduo da adio de sal aos alimentos. Sujeitos e mtodos: A tese est composta de trs artigos. O primeiro deles avaliou as aquisies
de alimentos e bebidas realizadas pelos domiclios na Pesquisa de
Oramento Familiar de 2002/2003 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatstica. O segundo artigo revisou a literatura de forma sistemtica acerca
dos ensaios clnicos realizados em adultos entre anos de 2004 e 2008. E o
ltimo artigo avaliou o impacto de uma interveno, baseada no modelo
ecolgico de promoo de sade, na reduo da adio de sal nos
alimentos consumidos por trabalhadores de empresas da cidade de So
Paulo. Resultados: A quantidade diria de sdio disponvel para consumo nos domiclios brasileiros foi de 4,7 g per capita e para uma ingesto diria
de 2.000 kcal. A maior parte do sdio disponvel para consumo proveio do
sal de cozinha e de condimentos base desse sal (76,2%). A frao
proveniente de alimentos processados com adio de sal representou 9,7%
do total de sdio no quinto inferior da distribuio da renda per capita e
25,0% no quinto superior. A restrio no consumo de sdio associou-se ao
aumento da RI em dois artigos e diminuio em trs outros. Em sete dos
nove artigos, uma dieta com teor reduzido de sdio determinou reduo da
PA e em dois artigos ocorreram efeitos adversos em marcadores da SM.
Nas anlises multivariadas, homens (IRR = 0,51) e aqueles considerados
normotensos (IRR = 0,61) alocados no grupo interveno no momento final
apresentaram taxas menores de adio de sal ao prato quente.
Concluses: O consumo de sdio no Brasil excede largamente a recomendao mxima para esse nutriente. A maioria dos estudos da
reviso sistemtica mostrou efeitos benficos da restrio moderada de
sdio da dieta, associada ou no a outras modificaes nutricionais ou ao
aumento da atividade fsica. A interveno realizada no ambiente de trabalho
reduziu a taxa de relato de adio de sal no prato quente entre trabalhadores
do sexo masculino e entre aqueles categorizados como normotensos.
Descritores: Cloreto de Sdio; Sdio na Dieta; Brasil; Dieta Hipossdica; Sndrome Metablica; Resistncia Insulina; Reduo da adio de sal;
Ambiente de Trabalho.
ABSTRACT Sarno F. Estimativas do consumo de sdio no Brasil, reviso dos benefcios relacionados limitao do consumo deste nutriente na Sndrome
Metablica e avaliao de impacto de interveno no local de trabalho.
[Estimates of sodium consumption in Brazil, review of benefits related to
limiting the consumption of this nutrient in the Metabolic Syndrome and
assessment of impact of intervention at the workplace.] So Paulo (Br); 2010.
[Tese de Doutorado. Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So
Paulo].
Introduction: The excess of sodium consumption has been associated with several adverse health effects, such as increased of blood pressure (BP) and
cardiovascular disease. Objectives: Evaluate the availability of sodium in Brazil, analyze the effects of diets with reduced sodium content in subjects
with Metabolic Syndrome (MS) or insulin resistance (IR) and evaluate the
impact of an intervention which promoted the reduction of adding salt to
foods. Subjects and Methods: The thesis is composed of three articles. The first one assessed the food and beverage purchases made by households in
the Household Budget Survey of 2002/2003, by the Brazilian Institute of
Geography and Statistics. The second article reviewed the literature in a
systematic way about clinical trials performed in adults between the years
2004 and 2008. And the last paper assessed the impact of an intervention,
based on the ecological model of health promotion, in reducing the added
salt to foods consumed by employees of Sao Paulo based companies. Results: The daily amount of sodium available in Brazilian households was 4.7 g daily per person for 2,000 kcal intake. Most of the sodium available for
consumption comes from the salt and salt based seasonings (76.2%). The
fraction derived from processed foods with added salt represented 9.7% of
total sodium intake at the bottom of per person income distribution and
25.0% at the top fifth. The restriction in sodium intake was associated with
increased IR in two articles and the decrease in three others. In seven of the
nine articles, the salt intake restriction had caused decreased in BP and in
two articles have occurred adverse effects on markers of MS. In multivariate analysis, men (IRR = 0.51) and those considered normotensive (IRR = 0.61)
allocated in the intervention group at the final moment had lower rates of salt
addition in the hot meal. Conclusions: The results indicate that sodium intake in Brazil far exceeds the maximum recommended intake for this
nutrient. Most studies have shown beneficial effects of a diet with moderate
sodium restriction, with or without other nutritional modifications or increased
physical activity. The intervention carried out at the workplace reduced the reporting rate of salt addition in the hot meal by male workers and those
categorized as normotensive. Descriptors: Sodium Chloride; Sodium, Dietary; Brazil; Diet, Sodium-Restricted; Metabolic Syndrome, Insulin Resistance; Reduction of added salt;
Workplace.
APRESENTAO
Esta tese est composta por introduo, objetivos, trs artigos e
resultados e concluses finais.
Na introduo so levantados os aspectos gerais sobre o tema em
estudo (sal e sdio). A seguir so apresentados os objetivos da tese.
Os trs artigos procuraram responder aos objetivos da tese e esto
apresentados de forma independente, cada um com suas respectivas
introdues, objetivos, mtodos, resultados, concluses e referncias.
Ao trmino, so apresentados os resultados e concluses finais que
buscaram aglutinar, tanto os resultados obtidos nos artigos, quanto as
informaes apresentadas na introduo e os consensos existentes na
literatura sobre consumo de sal e sdio.
NDICE GERAL
ndice Geral Pgina
1. INTRODUO........................................................................... 18
1.1 Histria do sal................................................................ 18
1.2 Consumo de sdio mtodos de aferio.................... 19
1.3 Produo e consumo de sal no mundo e no Brasil....... 21
1.4 Sal e sade................................................................... 25
1.4.1 Sdio e Presso Arterial.................................... 25
1.4.2 Sdio e Sndrome Metablica............................ 26
1.4.3 Sdio e Doena Cardiovascular......................... 27
1.5 Intervenes e consumo de sdio................................. 28
1.5.1 Ambiente de Trabalho........................................ 28
1.5.2 Reduo do consumo de sdio.......................... 29
1.5.3 Dieta DASH........................................................ 30
1.6 Controvrsias................................................................ 31
2. OBJETIVOS............................................................................... 34 2.1 Objetivos especficos.................................................... 34
3. MTODOS................................................................................. 35 4. PRIMEIRO ARTIGO.................................................................. 36
Resumo............................................................................... 38
Abstract............................................................................... 40
Introduo e objetivos......................................................... 41
Mtodos............................................................................... 42
Resultados.......................................................................... 44
Discusso e Concluses..................................................... 46
Tabelas................................................................................ 51
Referncias......................................................................... 54
5. SEGUNDO ARTIGO.................................................................. 57 Resumo............................................................................... 59
Abstract............................................................................... 60
Introduo e objetivos......................................................... 61
Mtodos............................................................................... 66
Resultados.......................................................................... 68
Discusso e Concluses..................................................... 70
Tabelas................................................................................ 73
Referncias......................................................................... 77
6. TERCEIRO ARTIGO.................................................................. 82 Resumo............................................................................... 84
Abstract............................................................................... 86
Introduo e objetivos......................................................... 88
Mtodos............................................................................... 88
Resultados.......................................................................... 93
Discusso e Concluses..................................................... 94
Tabelas................................................................................ 99
Anexos................................................................................ 105
Referncias......................................................................... 120
7. RESULTADOS E CONCLUSES FINAIS................................ 123 8. REFERNCIAS......................................................................... 125 9. CURRCULO LATTES: Professor Titular Carlos Augusto Monteiro.........................................................................................
133
10. CURRCULO LATTES: Flvio Sarno...................................... 135
LISTA DE TABELAS E ANEXOS
ndice Pgina
1. INTRODUO
Grfico 1. Estimativa da produo mundial de sal, de acordo com pases selecionados. 2007 a 1998.
22
Tabela 1. Estimativas de consumo de sdio no Brasil, segundo estudos selecionados.
24
4. PRIMEIRO ARTIGO Tabela 1. Disponibilidade domiciliar de energia e de sdio, decorrente da aquisio de alimentos, segundo
macrorregio e situao urbana ou rural do domiclio.
Brasil, 2002/03.
51
Tabela 2. Disponibilidade domiciliar de energia e de sdio, decorrente da aquisio de alimentos, segundo quintos
crescentes da distribuio de renda domiciliar per capita.
Brasil, 2002/03.
52
Tabela 3. Distribuio (%) da disponibilidade domiciliar de sdio, decorrente da aquisio de alimentos, em quintos
crescentes da distribuio da renda domiciliar per capita,
segundo grupos de alimentos. Brasil, 2002/03.
53
5. SEGUNDO ARTIGO Tabela 1. Artigos includos na reviso de acordo com autor, ano de publicao e segundo caractersticas das
populaes submetidas s intervenes.
73
Tabela 2. Artigos includos na reviso de acordo com autor, ano de publicao e segundo caractersticas das
intervenes.
74
Tabela 3. Artigos includos na reviso de acordo com autor, ano de publicao e segundo caractersticas das
intervenes, diferenas avaliadas e resultados e
75
concluses principais.
6. TERCEIRO ARTIGO Tabela 1. Caractersticas dos participantes antes e aps a interveno e segundo grupo de alocao. So Paulo,
2006-2007.
99
Tabela 2. Frequncias (%) e intervalos de confiana de 95% (IC 95%) do hbito de adicionar sal aos alimentos
antes e aps a interveno, de acordo com as
caractersticas dos participantes e segundo grupo de
alocao. So Paulo, 2006-2007.
100
Tabela 3. Frequncias (%) e intervalos de confiana de 95% (IC 95%) do hbito de adicionar sal no prato quente
antes e aps a interveno, de acordo com as
caractersticas dos participantes e segundo grupo de
alocao. So Paulo, 2006-2007.
102
Tabela 4. Razo da taxa de incidncia (IRR) dos participantes pertencentes ao grupo interveno no
momento final, segundo as variveis do estudo. So Paulo,
2006-2007.
104
Anexo 1. Manual. 106 Anexo 2. Mini lbum seriado. 112 Anexo 3. Cartazes ou fundos de bandeja, banners e frases para serem veiculadas por meio da mdia da empresa.
115
Anexo 4. Flder e Filipeta. 117 Anexo 5. Comit de tica. 119
LISTA DE ABREVIAES E SIGLAS
DASH Dietary Approaches to Stop Hypertension Abordagem diettica
para controle da hipertenso arterial
DCNT Doenas Crnicas no Transmissveis
DCV Doena Cardiovascular
DM Diabetes Mellitus
EGIR European Group for the Study of Insulin Resistance Grupo
Europeu para o estudo da resistncia insulina
EUA Estados Unidos da Amrica
HA Hipertenso Arterial
HAS Hipertenso Arterial Sistmica
HDL High Density Lipoprotein Lipoprotena de Alta Densidade
HOMA Homeostatic Model Assessment Modelo de Avaliao de
Homeostase
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDF International Diabetes Federation Federao Internacional de
Diabetes
LDL Low Density Lipoprotein Lipoprotena de Baixa Densidade
NCEP National Cholesterol Education Program Programa Nacional de
Educao em Colesterol
NHANES National Health and Nutrition Examination Survey Inqurito
Nacional em Sade e Nutrio
OMS Organizao Mundial da Sade
PAS Presso Arterial Sistlica
PAD Presso Arterial Diastlica
PAT Programa de Alimentao do Trabalhador
PCR Protena C Reativa
POF Pesquisa de Oramentos Familiares
SM Sndrome Metablica
TG Triglicerdeos
UAN Unidade de Alimentao e Nutrio
EQUIVALNCIAS
1.000 mg de sal 400 mg de sdio 17,4 mmol de sdio
1 mmol de sdio = 23 mg de sdo
18
1. INTRODUO
1.1 Histria do sal
Sdio, usualmente encontrado nos alimentos na forma de cloreto de
sdio ou sal, um nutriente essencial para manuteno de vrias funes
fisiolgicas do organismo: transmisso nervosa, contrao muscular,
manuteno da presso arterial e equilbrios de fluidos e cido bsico.
Apesar disso, adicionar sal dieta no necessrio, pois a quantidade
necessria para repor as perdas do nutriente prxima do contedo j
existente nos alimentos in natura. Alm disso, o organismo apresenta alta
capacidade de conservar sdio e perdas importantes do mineral s ocorrem
em situaes no usuais, como na sudorese prolongada.(1)
O hbito de acrescentar sal aos alimentos ocorreu apenas com a
introduo da agricultura, cerca de 10.000 anos atrs. Antes disso, e por
vrios milhes de anos, os ancestrais dos seres humanos consumiram uma
dieta que continha quantidades bastante pequenas de sal. Seu uso era
desconhecido dos povos, geralmente nmades, que viviam da caa e da
coleta de alimentos, tanto que antigos idiomas no possuem uma palavra
para sal.(2)
Uma dieta da era paleoltica compreendendo, em bases energticas,
aproximadamente dois teros de alimentos de origem vegetal e um tero de
origem animal, fornecia cerca de 0,8 g de sdio por dia. Para cada 1.000
Kcal ingeridas, nossos ancestrais consumiam em torno de 0,3 g de sdio,
em comparao com 1,9 g dos dias atuais.(3)
H cerca de 5.000 anos, os chineses descobriram que o sal podia ser
utilizado na preservao dos alimentos, o que permitiu o estoque de
alimentos, reduziu a necessidade dos povos de migrar e ajudou na fixao
permanente de grupos de indivduos e no desenvolvimento de
comunidades.(4) Porm, a adio de sal causou elevao do consumo de
sdio, para um maquinrio renal ainda geneticamente fixado no perodo de
nossos antepassados, ou seja, no preparado para excretar as grandes
19
quantidades de sdio consumidas.(5) A adio de sal aos alimentos durante
os perodos Neoltico e Industrial causou um aumento de cerca de 400% na
ingesto de sdio.(6)
Com o advento da refrigerao, o sal no necessitava mais ser
utilizado como conservante e sua ingesto comeou a decair. Entretanto, o
consumo de sal voltou a aumentar com a elevao da ingesto de alimentos
processados com adio de sal, estando atualmente entre 9 e 12 g por dia
na maioria dos pases.(4)
No passado, o sal influenciou profundamente o pensamento, a cultura
e o estilo de vida humano de uma forma que atualmente no pode mais ser
devidamente apreciada, agora que se tornou uma substncia facilmente
disponvel. O ouro branco era motivo de discusso de altas autoridades, de
forma comparvel ao que o petrleo representa nos dias de hoje.(2)
O sal est associado com sade: as expresses latinas para sade e
saudvel, salus e salubris, so derivadas de sal. Em muitas culturas foi o
equivalente de dinheiro, como na Roma antiga onde os soldados e os
oficiais eram reembolsados na forma de um salarium, a partir do qual a
palavra salrio derivada. Na frica, j foi trocado por ouro na proporo de
um para um.(2)
O sal desempenhou tambm um papel central na economia de muitas
regies, o que est muitas vezes refletido nos nomes de diversas
localidades. Foi utilizado como base para tributao e monoplios foram
praticados em muitos Estados. O sal esteve tambm no foco de conflitos
como, por exemplo, na Revoluo Francesa e na Guerra da Independncia
da ndia.(7)
A importncia do sal na cultura humana pode ser resumida nas
palavras de Ritz: ainda hoje, talvez subconscientemente, o sal no se
tornou uma substncia emocionalmente neutra devido, pelo menos em
parte, aos resqucios de seus profundos significados simblicos anexados ao
longo de milnios.(2)
1.2 Consumo de sdio mtodos de aferio
20
Os mtodos atualmente disponveis para avaliao de consumo de
sdio podem ser utilizados isoladamente ou em conjunto: avaliao da
alimentao (questionrio de frequncia alimentar, dirio alimentar,
recordatrio alimentar de 24 h e anlise por meio de duplicatas de
consumo), marcao do sal com ltio, pesagem do sal consumido,
disponibilidade (aquisio) de alimentos e de sal e dosagem de sdio em
urina de 8 h, 24 h ou em amostra isolada.(8-11)
Porm, a avaliao acurada do consumo de sdio pela populao
permanece uma tarefa difcil de ser realizada. As vrias metodologias
existentes apresentam limitaes que se devem, em parte, s diversas
fontes de sdio encontradas na alimentao. Apesar de que mais de 90% do
sdio consumido provenham do sal (cloreto de sdio), este se encontra
distribudo entre a ocorrncia natural nos alimentos e sua adio durante o
processamento, no preparo dos alimentos e mesa. A quantidade de sdio
presente na gua representa uma frao no significativa de consumo do
mineral.(12)
Grande parte da dificuldade em se estimar o consumo de sdio por
meio de inquritos alimentares se deve frao do consumo total de sal
adicionada mesa ou no preparo dos alimentos, que em vrias populaes,
inclusive a brasileira, a frao responsvel pela maior parte do consumo
de sdio.(13)
Resultados variados tm sido obtidos na estimativa do consumo de
sdio, tanto com a utilizao de vrios tipos diferentes de questionrios,
quanto de mtodos tradicionais de avaliao alimentar.(8, 14, 15) A reviso
dos questionrios de frequncia alimentar desenvolvidos no Japo para
avaliar ingesto de sdio mostrou coeficiente de correlao mediano de 0,33
nos estudos de validao.(16)
A excreo urinria de sdio de 24 h recomendada pela
Organizao Mundial da Sade como o melhor mtodo para estimar o
consumo de sdio.(17) O mtodo captura cerca de 86% do sdio ingerido
(18), porm o procedimento de coleta necessita de alta adeso do
participante para o recolhimento completo da urina do perodo. Alm disso,
21
utilizado isoladamente, o mtodo no possibilita informaes sobre as
diversas fonte de sdio da alimentao e devido necessidade de se obter
todas as mices das 24 h, restringe a avaliao do consumo de sdio
quele realizado dentro do domiclio. Assim, faz-se necessrio avanar em
formas mais convenientes de avaliar comportamentos de ingesto, bem
como estimar impactos de intervenes relacionadas ao consumo de
sal.(19) A escolha da melhor estratgia para anlise do consumo de sdio
depende no s das limitaes e vantagens de cada mtodo, mas tambm
dos recursos disponveis e das caractersticas de consumo de sal da
populao em estudo.
1.3 Produo e consumo de sal no mundo e no Brasil
A indstria do sal se refere apenas aos produtores ou tambm a toda
cadeia de distribuio para os consumidores finais. A estrutura desta
indstria difere geograficamente, refletindo diversas condies econmicas,
polticas e culturais. Em alguns sistemas, podem ser pequenas empresas
familiares e, em outros, grandes aglomerados internacionais que operam em
diversos continentes. Alm disso, atravs da histria, muitos governos tm
sido os proprietrios das instalaes de produo de sal, refletindo a
importncia estratgica do produto.(20)
Maior produtor tradicional de sal do mundo, os EUA foram superados
em 2006 pela China. Combinados, os pases representam cerca de 40% da
produo total de sal do mundo, estimada em 257 milhes de toneladas
mtricas em 2007. O Brasil apresenta uma produo estvel desde 1998 e
o oitavo maior produtor de sal do mundo, com 6,9 milhes de toneladas
mtricas (Grfico 1).(21)
22
Grfico 1. Estimativas da produo de sal, de acordo com pases selecionados. 2007 a 1998.
Produo de Sal. 2007 a 1998.
0.0
10.0
20.0
30.0
40.0
50.0
60.0
70.0
2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998
Milh
es
de T
onel
adas
Mt
ricas
ChinaEUAAlemanhandiaCanadAustrliaMxicoBrasil
Recente reviso dos estudos que avaliaram o consumo de sdio em
diversos pases demonstrou que na maioria das populaes o consumo do
mineral encontra-se acima de 100 mmol por dia (2,3 g) e, em particular na
China e Japo, a ingesto mdia esteve acima de 200 mmol por dia (4,6
g).(22)
No Brasil, os primeiros estudos sobre consumo de sal datam da
dcada de 70 do sculo passado. A partir da anlise do gasto mensal ou
aquisio de alimentos, estimou-se que a disponibilidade domiciliar de sdio
foi de 5,9 g em 1971-1972 para uma aquisio de 2.000 kcal.(23) Em outros
estudos, levando-se em conta diferenas de amostragem e metodologia de
avaliao de consumo de sdio, observou-se que o consumo variou entre
3,1 g e 4,9 g mmol por dia (tabela 1).
Em relao procedncia do sdio, existem diferenas importantes
quando so comparados pases desenvolvidos e em desenvolvimento. Nos
primeiros, estima-se que a maior parte do sdio consumido pelos indivduos
provenha de alimentos processados pela indstria. J nos pases em
23
desenvolvimento, a maior parte do sdio consumido proveniente do sal de
cozinha e de condimentos base desse sal adicionados no preparo dos
alimentos ou mesa.(24)
24
Tabela 1. Estimativas de consumo de sdio no Brasil, segundo estudos selecionados.
Referncias Ano da
pesquisa n
Metodologia de avaliao do
sdio
Caractersticas
da amostra
Sdio
g / dia
Sarno e cols.,
2009.(13) 2002 - 2003
48.470
domiclios
Quantidade de alimentos
adquiridos Brasil 4,7*
1971 -1972 10.418 Gasto Mensal com aquisio
dos alimentos Cidade de So Paulo 5,9*
Claro e cols.,
2007.(23) 1998 -1999 7.980
Quantidade de alimentos
adquiridos Cidade de So Paulo 4,5*
27 Com histria familiar de
HAS 3,1
Moraes e cols.,
2000.(25) 1990 - 1992
130
Urina noturna Sem histria familiar de
HAS 3,1
764 Homens 4,9 Molina e cols.,
2003.(26) 1999 - 2000
899 Urina noturna
Mulheres 4,3
31 Urina de 24 h 6 a 17 anos 3,4 Michelia e Rosa,
2003.(27) 2000 - 2001
188 Urina noturna 6 a 17 anos 3,1
Pavan e cols., 1997.
(28) 1997** 370 Questionrio alimentar 4,0
* g de sdio por 2.000 Kcal ** Data da publicao da pesquisa HAS Hipertenso Arterial Sistmica
25
1.4 Sal e sade
O consumo excessivo de sal tem se associado com vrios efeitos
prejudiciais sade. Foram observadas evidncias da associao entre alto
consumo de sdio e doena cardiovascular, acidente vascular cerebral,
hipertrofia ventricular esquerda, independentemente ou associadas com a
elevao da presso arterial. Alm disso, outros agravos incluem neoplasia
de estmago, doena e calculose renal, osteoporose, asma e obesidade.(4)
1.4.1 Sdio e presso arterial
Vrios estudos tm sido conduzidos e, quase todos eles, apoiam o
conceito de que o consumo de sal um importante fator no aumento da
presso arterial da populao. Tal conceito est embasado em pesquisas
com diversos delineamentos, desde estudos em animais, de gentica
humana, de migrao, com sociedades no aculturadas, at estudos
observacionais e de interveno.(4) Estima-se que 30% da hipertenso
arterial possa ser atribuda ao consumo excessivo de sal (29), sendo o
restante constitudo por gentica, excesso de peso e diminuio do consumo
de potssio, entre outros fatores.
Por outro lado, a resposta da presso arterial frente a modificaes no
consumo de sdio no homognea na populao. Existem indivduos que
apresentam tendncia maior ou menor para queda ou aumento da presso
arterial frente a redues ou suplementaes de sal, fenmeno este
conhecido como sensibilidade ao sal.
Utilizando-se o mtodo proposto por Weinberger e colaboradores a,
51% e 33% dos indivduos com hipertenso arterial e 26% e 58% dos
indivduos normotensos foram classificados como sensveis ou resistentes a Aferio das diferenas de presses arteriais mdias observadas antes e aps a administrao intravenosa de dois litros de soluo salina a 0,9% em 4 h e antes e aps a depleo de sdio da dieta (10 mmol por um dia), associada administrao de furosemida (3 doses de 40 mg). A sensibilidade ao sal foi definida quando da obteno de uma diferena de 10 mmHg ou mais entre as situaes de carga e depleo de sal e a resistncia ao nutriente por uma diferena igual ou menor de 5 mmHg. Os indivduos restantes foram classificados como apresentando resposta indeterminada.
26
ao sal, respectivamente.(30) Alm da hipertenso arterial, so reconhecidos
outros determinantes da sensibilidade ao sal, como etnia negra, maior idade
(31) e histrico de baixo peso ao nascimento (32). Alm disso, fatores
genticos (33), disfunes renais hereditrias ou adquiridas (34) e dieta (1,
35) influenciam as modificaes da presso arterial frente s variaes no
consumo de sal.
1.4.2 Sdio e Sndrome Metablica
A Sndrome Metablica consiste de uma complexa inter-relao entre
fatores de risco para doena cardiovascular, como alterao do metabolismo
da glicose, aumento da presso arterial e dos nveis de triglicrides,
diminuio da HDL colesterol e obesidade (particularmente adiposidade
central). Embora a patognese da Sndrome Metablica no esteja
completamente estabelecida, seus mltiplos componentes esto conectados
possivelmente resistncia insulina.(36)
Estresse oxidativo, disfuno endotelial, sistema renina angiotensina
aldosterona ativado, aumento de mediadores inflamatrios e apnia do sono
obstrutiva tm sido propostos como fatores associados hipertenso arterial
na sndrome metablica, atuando por meio da hiperatividade simptica,
vasoconstrio, aumento de lquido intravascular e diminuio da
vasodilatao.(37)
Alm disso, o excesso de ingesto de sdio e alteraes na
manipulao do mineral levando sua reteno so conceitos
fisiopatolgicos bsicos da hipertenso arterial. A insulina apresenta um
efeito antinatriurtico, estimulando a reabsoro renal de sdio. Este efeito
claramente mantido e, talvez aumentado, em indivduos com resistncia
insulina, representando um papel importante no desenvolvimento da
hipertenso arterial e, possivelmente, da sensibilidade ao sal nestes
estados.(38)
Dessa forma, a restrio do consumo de sdio como forma de
diminuir os nveis de presso arterial tem sido recomendada no apenas nos
27
casos de hipertenso arterial, mas tambm nos estados onde a doena se
associa com a resistncia insulina, como na Sndrome Metablica.(39)
O papel da dieta e dos nutrientes na ocorrncia e no desenvolvimento
da Sndrome Metablica no esto estabelecidos de forma definitiva e, de
forma geral, nenhum componente individual da alimentao pode ser
considerado totalmente responsvel pela associao entre dieta e Sndrome
Metablica. a qualidade global da dieta que parece oferecer proteo
contra a sndrome e seus componentes.(40)
1.4.3 Sdio e Doena Cardiovascular
Cerca de 54% dos acidentes vasculares cerebrais e 47% da doena
cardaca isqumica podem ser atribudas elevao da presso arterial,
perfazendo um total de 13,5% de todas as mortes e 6,0% da morbidade
ocorridas em 2001 globalmente.(41) Existe uma relao contnua e
progressiva entre presso arterial e doena cardiovascular, iniciando em
nveis pressricos de 115 x 75 mmHg, fazendo com que, na maioria dos
pases, cerca de 80% dos adultos se encontrem sob risco de doena
cardiovascular.(42)
As evidncias que apoiam a reduo da ingesto de sal como ao
de sade pblica para preveno da doena cardiovascular tm sido
convincentes.(43) Reviso sistemtica e sntese por meta-anlise dos
estudos prospectivos publicados entre 1966 e 2008 e com seguimentos que
variaram entre 3,5 a 19 anos demonstraram que o maior consumo de sal
est associado com aumento do risco de ocorrncia de acidente vascular
cerebral (23%) e doena cardiovascular (14%).(44) Bibbins-Domingo e
colaboradores (45) contabilizaram redues anuais de dezenas a centenas
de milhares no nmero de casos de doena cardiovascular, acidente
vascular cerebral, infarto do miocrdio e mortes por todas as causas pela
diminuio para 3 gramas por dia no consumo de sal pela populao,
resultados que se equiparam aos que podem ser obtidos nas redues do
tabagismo, obesidade e nveis de colesterol.
28
Os efeitos da reduo do consumo de sal na presso arterial e na
doena cardiovascular puderam ser observados no estudo de interveno
Trials of Hypertension Prevention, Phases I and II (TOHP I e II). No primeiro
ensaio, os participantes foram seguidos por 18 meses e no segundo por 36
meses. Comparados com o grupo controle, o grupo interveno obteve
reduo do consumo de sal de 1,9 g e 2,5 g por dia, com queda de 1,7 / 0,8
mmHg na presso arterial aos 18 meses e 1,2 / 0,7 mmHg aos 36 meses,
respectivamente. Dez a quinze anos aps, os indivduos originalmente
alocados no grupo que obteve reduo no consumo de sal apresentaram
25% a 30% menor incidncia de eventos cardiovasculares.(46)
1.5 Intervenes e consumo de sdio
1.5.1 Ambiente de trabalho
Vrias razes indicam o ambiente de trabalho como um dos locais
adequados para intervenes promotoras de sade. Em primeiro lugar,
proporcionam acesso a um importante segmento da populao (adultos
jovens e de meia idade), cuja abordagem seria dificultada de outra forma. No
Brasil existem cerca de 50 milhes de trabalhadores empregados (47) e um
indivduo adulto chega a passar um tero do seu dia no local de trabalho,
fazendo, ao menos, uma grande refeio durante sua jornada laboral. Em
segundo lugar, o ambiente de trabalho permite o acesso continuado aos
funcionrios e programas de interveno podem ser oferecidos
continuamente. Este contacto intenso pode facilitar mudanas nos hbitos e
comportamentos dessa populao.(48)
Finalmente, o ambiente de trabalho pode propiciar intervenes de
diferentes nveis - individual, ambiental e organizacional -, permitindo uma
maior sustentao das mudanas favorveis obtidas. Em nvel individual, as
intervenes podem utilizar vrias estratgias e ferramentas educacionais;
no ambiente, h possibilidade de se aumentar as oportunidades e reduzir as
barreiras para comportamentos saudveis e, do ponto de vista
29
organizacional, mecanismos de suporte podem reforar e encorajar aes
positivas para sade.(49)
Em reviso do estado da arte dos programas de promoo de sade
no local de trabalho, Goetzel e Ozminkowski identificaram os seguintes
fatores que tornariam estes programas eficazes: a) Integrar os programas
nas operaes centrais das empresas; b) direcionar as abordagens para
componentes individuais, ambientais, polticos e culturais; c) abordar vrios
problemas de sade em simultneo; d) criar programas para fazer face s
necessidades especficas da populao; e) procurar alcanar altas taxas de
participao; f) avaliar rigorosamente os resultados e g) comunicar
eficazmente estes resultados para os principais interessados.(50)
1.5.2 Reduo do consumo de sdio
Os primeiros estudos que utilizaram a reduo do consumo de sal no
controle da presso arterial datam do incio do sculo 20.(51) Esses
resultados foram confirmados durante vrios anos por diversos
pesquisadores, mas foi apenas aps o estudo de Kempner (52) que a
restrio de sal para o tratamento da hipertenso arterial se tornou
largamente utilizada.(4)
Vrias meta-anlises e revises dos ensaios para reduo de
consumo de sal e seu impacto na presso arterial tm sido realizadas.
Quando foram analisados os estudos com um ou mais meses de durao
que testaram redues moderadas de sal (4,3 a 4,6 g), foram observadas
pequenas, porm de um ponto de vista populacional, significativas
diminuies na presso arterial frente s redues no consumo de sal, tanto
em indivduos hipertensos como normotensos. Alm disso, foi observado um
efeito dose resposta entre a reduo do sdio urinrio e a diminuio da
presso arterial.(53) Esses dados foram posteriormente atualizados,
analisando-se agora 20 ensaios clnicos em indivduos com presso arterial
elevada (17 no estudo anterior) e 11 ensaios clnicos em normotensos
30
(mesmo nmero que anteriormente) e, novamente, os resultados foram
confirmados.(54)
A reviso dos estudos de interveno com durao de 3 ou mais
meses, que analisaram os efeitos do aconselhamento diettico na reduo
de fatores de risco cardiovascular em adultos saudveis, demonstrou que a
diminuio no consumo de sal em 2,5 g por dia produziu uma reduo mdia
de 2,1 mmHg na PAS e de 1,2 mmHg na PAD.(55)
1.5.3 Dieta DASH
Em 1997 foi publicado um ensaio clnico que avaliou os efeitos dos
padres dietticos sobre a presso arterial. Foram includos 459 adultos com
presso arterial sistlica inferior a 160 mmHg e presso arterial diastlica de
80 a 95 mmHg. Durante 8 semanas, os participantes foram aleatorizados
para consumir uma dieta controle (pobre em frutas, verduras e laticnios e
com teores de gordura tpicos da dieta mdia nos EUA), uma dieta rica em
frutas e legumes ou uma dieta rica em frutas, verduras e produtos lcteos
com baixos teores de gordura total e de gordura saturada. A ingesto de
sdio e o peso corporal foram mantidos em nveis constantes. Os
participantes que consumiram a ltima de dieta (que mais tarde ficaria
conhecida como dieta DASH Dietary Approach to Stop Hypertension)
apresentaram redues maiores das presses arteriais sistlica e diastlica
de 5,5 e 3,0 mmHg, respectivamente, em comparao com a dieta controle,
tendo sido os resultados mais expressivos entre os indivduos com
hipertenso arterial (redues de 11,4 e 5,5 mmHg).(56)
Anos mais tarde, foram estudados os efeitos de diferentes nveis de
sdio na dieta DASH, em comparao com dietas controles tpicas de
consumo nos EUA. Os participantes alocados no grupo da dieta DASH e
controle com altos teores de sdio apresentaram excreo urinria mdias
de sdio de 24 horas de 144 e 141 mmol/d, no grupo intermedirio de sdio
de 107 e 106 mmol/d e no grupo de baixos teores de 67 e 64 mmol/d,
respectivamente. Concluiu-se que tanto a reduo de sdio quanto a dieta
31
DASH foram capazes de reduzir a presso arterial, sendo que os maiores
efeitos foram observados na combinao de ambos.(57)
1.6 Controvrsias
Na literatura, possvel se encontrar estudos que colocam dvidas
quanto efetividade e segurana da reduo do consumo de sal pela
populao.
Aqueles a favor da reduo alegam que a recomendao justificada
porque ficou provada de forma convincente que a restrio de sdio diminui
a presso arterial e que isto certamente ir prevenir a ocorrncia de
acidentes vasculares cerebrais e de infartos do miocrdio. Os cticos
argumentam que a modificao desta nica varivel no garante um
benefcio sade e, alm disso, poderia afetar, de forma desfavorvel,
outros marcadores de doena cardiovascular.(58)
Fatores genticos, comportamentais e ambientais determinam grande
variao individual de consumo de sdio. Porm, uma reviso recente que
analisou 62 pesquisas publicadas entre 1982 e 2008, compreendendo
19.151 participantes em 33 pases, constatou uma gama mundial bastante
estreita de consumo de sdio (mdia de 3,7 g/d). Alm disso, no ficou
demonstrado que a ingesto de sdio tem aumentado ao longo do
tempo.(59) Segundo alguns autores, estes resultados podem fornecer
explicao para a dificuldade em limitar o consumo de sdio, aps dcadas
de esforos: por apresentar um parmetro fisiolgico definido, o consumo
de sdio pode no ser influenciado por intervenes de sade pblica.(59)
De outro lado, Cook e colaboradores relatam que as concluses a
cerca dos efeitos deletrios da reduo do consumo de sdio esto
baseadas em estudos de baixa qualidade, com srias falhas metodolgicas
e em erros de interpretao: contabilizao de estudos nos quais os
pacientes hipertensos estavam fora da terapia anti-hipertensiva e foram
instrudos a evitar alimentos de elevado teor de sal antes das avaliaes de
excreo de sdio; incluso de pacientes com grave insuficincia cardaca e
32
sob uso de diurticos, nos quais a restrio de sdio pode mesmo ser
prejudicial e falha na interpretao dos resultados do ensaio ranzomizado de
reduo de consumo de sdio TOPH (Trials of Hypertension Prevention
Prevention), quando se alegou ter o estudo apresentado um efeito nulo
sobre a mortalidade.(60)
Alm disso, as associaes nulas ou deletrias entre baixo consumo
de sdio e hipertenso arterial ou doena cardiovascular tm sido atribudos,
no geral, questionvel utilizao de mtodos dietticos para avaliar o
consumo do nutriente.(61) A dificuldade destes mtodos em estimar a frao
de adio de sdio no preparo ou mesa podem causar distores nas
associaes entre sdio e os desfechos analisados.
Da mesma forma, medidas no acuradas de presso arterial podem
distorcer as associaes com o consumo de sdio. Tipo (mercrio, aneroide
ou dispositivos hbridos), validao e calibrao do aparelho de presso
arterial, local da medida (consultrio versus em casa), treinamento do
observador, posio do paciente e seleo do tamanho do manguito do
aparelho so fatores importantes na acurcia da medida da presso arterial.
A utilizao da monitorizao por 24 h constitui-se em medida mais fidedigna
da presso arterial, pois permite a feitura de medidas repetidas, o clculo da
presso arterial mdia e avaliao da queda noturna da presso arterial.(62)
Deve-se ter em mente tambm nos estudos que analisam
associaes entre a reduo do consumo de sdio e a presso arterial ou
risco cardiovascular, a no determinao da ingesto de potssio pode
causar modificaes nestas associaes, pois este ltimo induz reduo dos
nveis tensionais.(63)
Em dois estudos de reviso, concluiu-se que a reduo de sal
apresentou pequeno efeito sobre a presso arterial em indivduos com
presso arterial normal e no se justificava uma reduo de sal pela
populao como um todo.(64, 65) No entanto, esses estudos incluram
pesquisas de curta durao (14 e 8 dias, respectivamente) e algumas
comparando os efeitos agudos de consumo de sal com severa restrio do
nutriente (de 20 g para menos de 1 g de sal por dia). Sabe-se que essas
33
alteraes agudas na ingesto de sal podem aumentar a atividade
simptica, a atividade da renina plasmtica, angiotensina II e aldosterona,
(66) que poderiam contrabalanar os efeitos de reduo da presso arterial.
Quando a reduo no consumo de sal modesta, ocorre pequeno aumento
da atividade da renina (53) e no se detectam alteraes na atividade
nervosa simptica.(67) Portanto, no seria apropriado incluir ensaios de
restries agudas de sal em uma meta-anlise, cujos resultados seriam
utilizados como base para recomendaes de sade pblica de redues
modestas e de longo prazo na ingesto de sal.(4)
Alm dos efeitos no sistema nervoso e no sistema renina angiotensina
aldosterona, tm sido descritos tambm efeitos adversos no perfil
lipdico.(68) Porm, com redues moderadas de sdio no foram
observadas modificaes no colesterol total, triglicrides e protenas de
baixa e alta densidades.(53) Outros estudos tm documentado modificaes
na tolerncia glicose e sensibilidade insulina. Contudo, a maioria
envolve, novamente, alteraes intensas no consumo de sal realizadas em
poucos dias.(69) Estudos de mdio prazos com redues moderadas na
ingesto de sal no observaram efeito significativo no metabolismo da
glicose.(70)
Finalmente, os efeitos da reduo ou suplementao de sdio na
presso arterial dependem das condies iniciais da interveno, em relao
ao consumo de sdio. Quando se aumentou a ingesto de sdio, partindo-se
de um nvel de consumo baixo, observou-se, como esperado, reteno de
sdio e fluido. Porm, quando a carga de sdio foi fornecida a partir de um
nvel mdio de consumo, houve novamente reteno de sdio, mas no de
fluidos, demonstrando-se, desta forma, diferenas nos balanos de sdio e
gua no organismo, na dependncia de as cargas de sal se iniciarem de
situaes onde existe consumo baixo ou mdio de sdio. Estimou-se que
78% do sdio retido foi armazenado em uma forma osmoticamente inativa,
alm de no terem sido observadas modificaes significativas na presso
arterial.(71)
34
2. OBJETIVOS
1- Estimar a disponibilidade de sdio no Brasil.
2- Avaliar os efeitos de dietas com baixos teores de sdio na
Sndrome Metablica e/ou resistncia insulina.
3- Avaliar o impacto de interveno voltada para reduo da adio
de sal aos alimentos.
2.1. Objetivos especficos
1- Estimar a disponibilidade de sdio no Brasil, por macrorregio,
situao do domiclio (urbana ou rural) e por classe de renda, bem
como avaliar as principais fontes de sdio.
2- Revisar a literatura de forma sistemtica acerca dos ensaios
clnicos realizados em adultos entre os anos de 2004 e 2008.
3- Avaliar o impacto de interveno realizada em trabalhadores de
empresas da cidade de So Paulo.
35
3. MTODOS
As respostas aos objetivos apresentados sero fornecidas por meio
dos trs artigos que compem esta tese.
Por se tratarem de artigos independentes, com base de dados e
anlises estatsticas diferentes, os detalhamentos de cada um dos mtodos,
resultados, concluses e referncias esto includos nos textos dos
respectivos artigos.
36
4. PRIMEIRO ARTIGO
Publicado na Revista de Sade Pblica. 2009;43(2):219-225.
ISSN 0034-8910. doi: 10.1590/S0034-89102009005000002.
37
Estimativa de consumo de sdio pela populao brasileira, 2002-2003
Estimated sodium intake by the Brazilian population, 2002-2003
Flvio Sarno I; Rafael Moreira Claro I; Renata Bertazzi Levy II; Daniel Henrique Bandoni I, III; Sandra Roberta Gouva Ferreira III; Carlos Augusto Monteiro II, III
I Programa de Ps-Graduao de Nutrio em Sade Pblica. Faculdade de
Sade Pblica (FSP). Universidade de So Paulo (USP). So Paulo, SP,
Brasil
II Ncleo de Pesquisas Epidemiolgicas em Nutrio e Sade. FSP-USP.
So Paulo, SP, Brasil
III Departamento de Nutrio. FSP-USP. So Paulo, SP, Brasil
38
Resumo Objetivos: Estimar a magnitude e a distribuio regional e socioeconmica do consumo de sdio no Brasil e identificar as fontes alimentares que mais
contribuem para esse consumo. Mtodos: As estimativas foram baseadas nos dados da Pesquisa de Oramentos Familiares, realizada no Brasil entre
julho de 2002 e junho de 2003. Foram analisados 969.989 registros de
aquisio de alimentos efetuados por uma amostra probabilstica de 48.470
domiclios localizados em 3.984 setores censitrios do Pas. Realizou-se
converso dos registros das aquisies de alimentos em nutrientes por meio
de tabelas de composio de alimentos. Foram calculadas as
disponibilidades mdias de sdio por pessoa e por dia e as disponibilidades
mdias ajustadas para um consumo energtico equivalente a 2.000 kcal.
Calculou-se a contribuio de grupos de alimentos selecionados para o total
de sdio disponvel para consumo no domiclio. As estimativas so
apresentadas segundo regies, situao urbana ou rural do domiclio, e
estratos de renda. Resultados: A quantidade diria de sdio disponvel para consumo nos domiclios brasileiros foi de 4,5 g por pessoa (ou 4,7 g para
uma ingesto diria de 2.000 kcal), excedendo, assim, em mais de duas
vezes o limite recomendado de ingesto desse nutriente. Embora a maior
parte do sdio disponvel para consumo em todas as classes de renda
provenha do sal de cozinha e de condimentos base desse sal (76,2%), a
frao proveniente de alimentos processados com adio de sal aumenta
linear e intensamente com o poder aquisitivo domiciliar, representando 9,7%
do total de sdio no quinto inferior da distribuio da renda per capita e
25,0% no quinto superior. Concluses: Os resultados indicam que o consumo de sdio no Brasil excede largamente a recomendao mxima
para esse nutriente em todas as macrorregies brasileiras e em todas as
classes de renda.
39
Descritores: Sdio na Dieta. Consumo de Alimentos. Fatores Socioeconmicos. Brasil.
40
Abstract Objectives: To estimate the magnitude and distribution of sodium intake in Brazil and to identify major dietary sources contributing to this intake.
Methods: Estimates were based on data from a Brazilian household budget survey carried between July 2002 and June 2003. A total of 969,989 food
purchase records from a probabilistic sample of 48,470 households located
in 3,984 census tracts across the country were analyzed. Purchase records
were converted into nutrients using food composition charts. Mean sodium
availability per person per day and mean adjusted availability considering a
2,000 kcal daily energy intake were calculated, as well as the contribution of
selected food groups to total household sodium availability. Estimates are
presented according to geographical region, urban or rural status of the
household, and income stratum. Results: Mean daily sodium availability in Brazilian households was 4.5 g per person (or 4.7 g considering a daily
calorie intake of 2,000 kcal), thus exceeding by more than two times the
recommended levels of intake for this nutrient. Although most of the sodium
available for intake across all income strata was derived from kitchen salt or
salt-based condiments (76.2%), the fraction derived from processed foods
with added salt showed a strong linear increase as household purchasing
power increased, representing 9.7% of total sodium intake in the lower
quintile of the per capita income distribution and 25.0% in the upper quintile.
Conclusions: Results indicate that sodium intake in Brazil widely exceeds the maximum recommended intake level for this nutrient in all of the country's
macro regions and across all income strata.
Key words: Sodium, Dietary; Food Consumption; Socioeconomic Factors; Brazil.
41
Introduo
So vrias as evidncias que relacionam o consumo excessivo de sal
ao desenvolvimento de doenas crnicas.(1) Estima-se que, entre 25 e 55
anos de idade, uma diminuio de apenas 1,3 g na quantidade de sdio
consumida diariamente se traduziria em reduo de 5 mmHg na presso
arterial sistlica ou de 20% na prevalncia de hipertenso arterial. Alm
disso, haveria tambm substanciais redues na mortalidade por acidentes
vasculares cerebrais (14%) e por doena coronariana (9%), representando
150.000 vidas salvas anualmente em todo o mundo.(2) O consumo
excessivo de sal tambm est associado ao cncer gstrico (3) podendo
contribuir, ainda, para o desenvolvimento de osteoporose.(4)
Nos pases desenvolvidos, que contam com estimativas confiveis
sobre o consumo de sdio, a ingesto desse mineral tende a ultrapassar o
limite mximo de 2 g (ou 5 g de sal) por pessoa por dia recomendado pela
Organizao Mundial da Sade (OMS),(5) sendo a maior parte deste sdio
proveniente de alimentos industrializados.(6-8)
Nos pases em desenvolvimento, as informaes sobre o consumo de
sdio ainda so escassas em face da complexidade envolvida na avaliao
de sua ingesto pelos indivduos.
Estimativa indireta, calculada a partir da quantidade de sal por
habitante comercializada pelas indstrias brasileiras do setor, indicam que o
consumo de sdio no Brasil ultrapassa o limite mximo recomendado para
sua ingesto.b,c concluso semelhante chegaram estudos realizados em
trs cidades brasileiras a partir do perfil de aquisio de alimentos pelas
famlias (9) ou de estimativas diretas obtidas com a avaliao da excreo
urinaria de sdio.(10)
a Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Coordenao-Geral da Poltica de Alimentao e Nutrio. Guia alimentar para a populao brasileira: promovendo a alimentao saudvel. Braslia; 2005. b Servio Nacional de Aprendizagem Industrial. Plano de apoio ao desenvolvimento da cadeia produtiva do sal. [Acesso em 18/04/08]. Disponvel em: http://www.fiern.org.br/servicos/estudos/mossoro/cadeia_produtiva_sal.htm
42
O presente estudo objetiva estimar o consumo de sdio pela
populao brasileira e identificar as fontes alimentares que mais contribuem
para este consumo.
Mtodos
Os dados analisados procedem da Pesquisa de Oramentos
Familiares (POF) realizada entre julho de 2002 e junho de 2003 pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE).
De forma resumida, a POF uma pesquisa que objetiva a obteno
de informaes acerca dos rendimentos e despesas das famlias brasileiras.
A edio 2002/03 estudou uma amostra probabilstica representativa do
conjunto dos domiclios brasileiros, bem como das cinco macrorregies do
Pas conforme situao urbana ou rural do domiclio. Para tanto, foi utilizado
um plano amostral complexo, envolvendo a constituio prvia de estratos
sociogeogrficos (em nmero de 443) integrados por setores censitrios
pertencentes a um mesmo domnio territorial (regio, Estado e situao
urbana ou rural do setor) e homogneo quanto ao nvel de escolaridade do
chefe do domiclio no setor (informao obtida do Censo Demogrfico de
2000). Posteriormente, realizou-se sorteio de setores censitrios (unidades
primrias de amostragem) dentro de cada estrato e sorteio de domiclios
(unidades secundrias de amostragem) dentro de cada setor. Por fim, para
que a coleta de dados fosse uniforme nos quatro trimestres do ano, as
entrevistas realizadas dentro de cada estrato foram distribudas para estudo
ao longo dos 12 meses de durao da pesquisa. Detalhes do plano amostral
da POF esto descritos em outra publicao.d
A informao central analisada compreende os registros de todas as
aquisies de alimentos e bebidas feitas ao longo de sete dias consecutivos
pelos domiclios que integraram a amostra da POF 2002/03 (969.989
d Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Coordenao de ndices de Preos. Pesquisa de oramentos familiares 2002-2003: anlise da disponibilidade domiciliar e estado nutricional no Brasil. Rio de Janeiro; 2004.
43
registros efetuados por 48.470 domiclios localizados em 3.984 setores
censitrios). Considerando que o perodo de referncia de sete dias para a
coleta de informaes no suficiente para caracterizar o padro de
aquisio de alimentos em cada domiclio, adotamos como unidade de
estudo os agrupamentos de domiclios correspondentes aos 443 estratos da
amostra da POF, no o domiclio individual estudado. Esses estratos so
constitudos por unidades domiciliares homogneas do ponto de vista de
domnio territorial e condio socioeconmica das famlias, estudadas de
modo uniforme ao longo dos quatro trimestres do ano. O nmero mdio de
domiclios estudados em cada estrato da POF 2002/03 foi de 109,6,
variando de 9 a 804. O peso amostral de cada unidade de estudo (estrato de
domiclios) corresponde somatria dos pesos amostrais dos domiclios que
constituem o estrato.
Inicialmente, excluiu-se, quando necessrio, a frao no comestvel
da quantidade bruta em gramas de cada alimento adquirido pelos domiclios,
usando-se para tanto fatores de correo recomendados pelo IBGE.e A
quantidade comestvel de cada alimento foi ento convertida em energia
(kcal) e sdio (gramas) utilizando a Tabela Brasileira de Composio dos
Alimentos - verso 1f ou, na ausncia desta, a tabela oficial de composio
de alimentos dos Estados Unidos, verso 15. No caso especfico da
aquisio de alimentos preservados em sal, como charque, carne seca e de
sol e peixes salgados, considerou-se a quantidade equivalente do alimento
aps hidratao e a concentrao de sdio referente ao alimento j
dessalgado.
Aps a converso dos registros semanais das aquisies de
alimentos em nutrientes, calculou-se, para cada unidade de estudo (estratos
de domiclios), a disponibilidade diria por pessoa de energia e de sdio.
Adicionalmente, visando a contornar o fato de que se analisa a
disponibilidade domiciliar de sdio e no o consumo efetivo desse nutriente,
d Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Estudo Nacional da Despesa Familiar ENDEF 1974/75. Rio de Janeiro; 1978. e Universidade Estadual de Campinas. Ncleo de Estudos e Pesquisas em Alimentao. Tabela brasileira de composio de alimentos TACO: verso 1. Campinas; 2004.
44
visto que no so consideradas as refeies feitas fora do domiclio, nem a
frao de alimentos adquiridos e no consumidos, calculou-se a
disponibilidade de sdio ajustada para um valor energtico total de 2.000
kcal, correspondente recomendao brasileira para a ingesto diria per
capita de energia.
Mdias da disponibilidade de sdio (e respectivos erros padro) so
apresentadas para o Pas como um todo, para as cinco macrorregies
geogrficas, desagregadas em situao urbana ou rural e para quintos da
distribuio da renda per capita observada nos 443 estratos. A participao
percentual de grupos de alimentos na disponibilidade domiciliar total de
sdio descrita para o Pas como um todo e segundo quintos da distribuio
da renda per capita.
Assim, os alimentos adquiridos pelas famlias foram divididos em
quatro grupos: 1) sal e condimentos base de sal; 2) alimentos processados
com adio de sal; 3) alimentos in natura ou alimentos processados sem
adio de sal; e 4) refeies prontas. Anlises de regresso linear foram
empregadas para testar a relao entre renda familiar (quintos da
distribuio da renda per capita dos estratos de domiclios) e a contribuio
de cada grupo de alimentos para o total de sdio.
Para a converso das quantidades (kg) brutas adquiridas de
alimentos em nutrientes (kcal e sdio) utilizou-se o aplicativo AQUINUT.g
Para todos os demais procedimentos e para as anlises estatsticas
empregou-se o aplicativo Stata verso 9.2, considerando os pesos amostrais
das unidades de estudo.
Resultados
A tabela 1 apresenta estimativas para a disponibilidade domiciliar de
sdio no Brasil e nas macrorregies. Para o Pas como um todo, a
quantidade de sdio disponvel para consumo foi de 4,5 gramas por pessoa
f Ncleo de Pesquisas Epidemiolgicas em Nutrio e Sade. Conversor de aquisies de alimento em energia e nutrientes (AQUINUT): verso 1.0 [Internet] [Acesso em 12/10/07]; Disponvel em: http://www.fsp.usp.br/nupens
45
por dia (g/p/d), portanto mais de duas vezes superior ao limite mximo de
consumo de 2 g/p/d. Em nenhuma regio brasileira a disponibilidade
domiciliar de sdio foi inferior a 4 g/p/d. Em todas as regies, a
disponibilidade de sdio foi maior nos estratos de domiclios rurais. A menor
disponibilidade de sdio, encontrada nos estratos de domiclios urbanos da
regio Centro-Oeste, superou em 70% o consumo mximo recomendado. A
disponibilidade de sdio ajustada para um consumo de 2.000 kcal dirias
no alterou substancialmente o cenrio de consumo excessivo em todas as
regies do Pas, atenuando apenas o excesso adicional observado nas
reas rurais.
A tabela 2 apresenta estimativas para a disponibilidade domiciliar de
sdio segundo quintos da distribuio da renda per capita observada nos
estratos de domiclios. A disponibilidade domiciliar de sdio ajustada para
um consumo de 2.000 kcal/p/d excedeu em duas vezes e meia a ingesto
mxima recomendada nos dois quintos de menor renda e em pouco mais de
duas vezes nos trs quintos de maior renda.
A tabela 3 descreve a contribuio de grupos de alimentos para a
disponibilidade domiciliar total de sdio. Levando em conta o conjunto dos
domiclios brasileiros, verifica-se que cerca de trs quartos do sdio
disponvel para consumo provm da aquisio de sal de cozinha (71,5%) ou
de condimentos base desse sal (4,7%). O restante do sdio disponvel
para consumo provinha da aquisio de alimentos processados com adio
de sal (15,8%), de alimentos in natura ou alimentos processados sem adio
de sal (6,6%) e de refeies prontas (1,4%). Embora majoritria em todos os
grupos de renda, a contribuio do sal de cozinha e dos condimentos base
de sal decresceu de forma linear com o aumento da renda (p < 0,001),
variando de 83,8% no quinto de menor renda a 62,5% no quinto de maior
renda. Por outro lado, a contribuio de alimentos processados com adio
de sal apresentou relao direta com a renda per capita (p < 0,001),
aumentando duas e meia vezes do quinto de menor (9,7% do total de sdio)
para o quinto de maior renda (25,0% do total de sdio). A contribuio de
refeies prontas para o total de sdio disponvel para consumo nos
46
domiclios, embora pequena, tambm aumentou intensamente com a renda
per capita (p < 0,001), representando 0,4% do total de sdio no quinto de
menor renda e 3,7% no quinto de maior renda. A contribuio do conjunto de
alimentos in natura e dos alimentos processados sem adio de sal para o
total de sdio foi relativamente pequena e estvel nos trs primeiros quintos
da distribuio da renda, cerca de 6%, aumentando para 7,3% e 8,8% nos
dois quintos de maior renda.
Discusso
Os resultados encontrados no presente estudo indicam que a
quantidade de sdio disponvel para consumo nos domiclios brasileiros
excede em mais de duas vezes a ingesto mxima recomendada.(5)
Excesso na disponibilidade de sdio foi encontrado em todas as
macrorregies do Pas, no meio urbano e no meio rural e em todas as
classes de renda.
Embora em todas as classes de renda a maior parte do sdio
disponvel para consumo provenha do sal de cozinha e de alimentos base
desse sal, a frao proveniente de alimentos processados com adio de sal
aumenta sua importncia com o poder aquisitivo domiciliar, representando
9,7% do total de sdio no quinto inferior da distribuio da renda per capita e
25,0% no quinto superior.
Destaca-se que os dados da POF referem-se disponibilidade
domiciliar de sdio e no ao consumo efetivo deste nutriente, visto que no
foram consideradas as refeies feitas pelos indivduos fora do domiclio,
nem a frao de alimentos adquiridos, mas no consumidos. Visando a
contornar essas limitaes, apresentamos estimativas para as
disponibilidades de sdio ajustadas para uma disponibilidade fixa de 2.000
kcal/p/d. A eficcia deste ajuste pressupe duas premissas bsicas: 1) a de
que as refeies feitas fora do domiclio tenham teor de sdio semelhante ao
das refeies feitas no domicilio e 2) a de que a frao desperdiada dos
alimentos seja independente do seu teor de sdio.
47
Embora no conheamos estudos brasileiros que tenham comparado
o teor de sdio de refeies feitas dentro e fora do domiclio, de modo geral,
admite-se que as refeies feitas fora de casa tendam a apresentar maior
teor de sdio.(11) Se este fenmeno for de fato observado no Brasil, o real
consumo de sdio pela populao poderia ser mesmo maior do que aquele
estimado neste estudo. A ingesto de sdio poderia estar subestimada
particularmente no meio urbano, onde o hbito de fazer refeies fora do
domiclio tende a ser mais comum. Utilizando os dados da POF 2002/03,
estimamos que os alimentos consumidos fora do domiclio representem 24%
das despesas totais com alimentao para famlias urbanas e 12% para
famlias rurais.
Dois procedimentos culinrios domsticos podem fazer com que o
desperdcio de sal de cozinha, a maior fonte de sdio da dieta brasileira, seja
superior ao dos demais itens da dieta: a coco de alimentos em gua de
salmoura e o salgamento de alimentos. No Brasil, os alimentos que mais
comumente so cozidos em gua de salmoura so macarro, batata e
cenoura. Considerando-se a quantidade mdia que as famlias brasileiras
adquirem desses alimentos,h a concentrao de sal habitual na gua de
salmoura i(12) e estimativas sobre a frao de sal retida por esses alimentos
aps sua coco,(13) estima-se que a coco do macarro, da batata e da
cenoura determinaria um desperdcio de sal equivalente a 9% do total de
sdio adquirido pelas famlias brasileiras. Este desperdcio no seria
suficiente para modificar as concluses do presente estudo com relao ao
consumo excessivo de sdio no Brasil.
No fcil avaliar o possvel impacto do salgamento domstico de
alimentos no desperdcio de sal. De qualquer modo, a excepcionalidade
desta prtica no meio urbano indica efeito pequeno das estimativas feitas
para os cerca de quatro quintos dos brasileiros que vivem nas cidades. A
g Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Coordenao de ndices de Preos. Pesquisa de Oramentos Familiares 2002-2003: anlise da disponibilidade domiciliar e estado nutricional no Brasil. IBGE; 2004. h Pinheiro ABV, Lacerda EMA, Benzecry EH, Gomes MCS, Costa VM. Tabela para avaliao de consumo alimentar em medidas caseiras. 3. ed. Rio de Janeiro; 1993.
48
possvel maior frequncia do salgamento domstico no meio rural poderia,
por outro lado, justificar a maior disponibilidade de sdio evidenciada nos
domiclios rurais.
Apesar das limitaes caractersticas das POF, estimativas mdias do
consumo de vrios grupos de alimentos obtidas a partir de inquritos de
compra de alimentos tendem a concordar com resultados obtidos por meio
de inquritos individuais de consumo.(14, 15) Ademais, no caso de
alimentos utilizados como ingredientes de preparaes, como leo, acar e
condimentos, admite-se que inquritos de compra possam refletir melhor a
ingesto real dos indivduos, do que inquritos de consumo. Isso ocorreria
em face da dificuldade dos indivduos em relatar a quantidade consumida de
alimentos ingeridos como parte de preparaes.(14)
Outra limitao relativa estimativa do consumo de sdio, comum a
todos os inquritos dietticos, decorre do uso de tabelas de composio de
alimentos, que nem sempre avaliam com preciso o teor de sdio dos
alimentos consumidos pelos indivduos. No caso do presente estudo, para a
maior parte dos alimentos, empregou-se tabela construda a partir de anlise
bromatolgica direta de alimentos comercializados no Brasil (Tabela
Brasileira de Composio de Alimentos), fato que determinou que 97% do
total de sdio disponvel para consumo nos domiclios pesquisados pela
POF 2002/03 sejam procedentes de alimentos cuja composio foi avaliada
por essa tabela (dados no mostrados).
A comparao das estimativas feitas para o Brasil com estimativas de
outros pases dificultada pelo uso de diferentes metodologias de avaliao
do consumo de sdio. Inquritos populacionais realizados em pases
desenvolvidos indicam, de modo geral, consumo excessivo de sdio com
estimativas variando entre 3,0 e 4,2 g/p/d.(7, 8) Ainda que menos
frequentes, estudos realizados em pases em desenvolvimento tambm
indicam excesso de consumo de sdio, com estimativas entre 3,4 a 5,6
g/p/d.(16, 17)
A partir de dados fornecidos pelas indstrias salineiras brasileiras
sobre a produo de sal para consumo humano e considerando a populao
49
brasileira no ano de 2000, estimou-se para aquele ano uma disponibilidade
per capita de sdio de 6,0 gramas por dia, valor trs vezes superior ao limite
recomendado de consumo dirio desse mineral.a,b Anlise a partir de dados
provenientes da Pesquisa de Oramentos Familiares da Fundao Instituto
de Pesquisas Econmicas, realizada na cidade de So Paulo em 1999,
estimou que a disponibilidade domiciliar diria de sdio era de 4,4 g para
uma aquisio de 2.000 kcal.(9) Portanto, muito semelhante ao valor
estimado pelo presente estudo para o conjunto dos domiclios brasileiros.
Dois estudos realizados no Brasil, em perodos prximos ao ano
2000, avaliaram o consumo de sdio a partir da excreo desse mineral na
urina e encontraram estimativas de consumo de sdio bastante prximas
observada no presente estudo. O primeiro desses, realizado em amostra
probabilstica da populao da cidade de Vitria (ES), entre 25 a 64 anos de
idade, estimou o consumo de sdio em 5,0 g/p/d.(18) O segundo estudo,
realizado entre crianas e adolescentes de 6 a 17 anos de idade da cidade
de Porto Alegre (RS) estimou o consumo de sdio em 3,4 g/p/d.(10)
A relao inversa entre renda e disponibilidade de sdio encontrada
no presente estudo tem sido descrita em trabalhos realizados em pases
desenvolvidos.(19, 20)
Se o consumo excessivo de sdio no Brasil no parece diferir
substancialmente do que vem sendo registrado nos pases desenvolvidos,
outra a situao com relao procedncia do nutriente. Nesses pases,
estima-se que a maior parte do sdio consumido pelos indivduos de - 60% a
90% - provenha de alimentos processados pela indstria e no do sal
adicionado aos alimentos pelos indivduos.(6, 7) Situao semelhante
situao encontrada no Brasil, onde a maior parte do sdio consumido
aparenta ser proveniente do sal de cozinha e de condimentos base de sal,
ocorre em outros pases em desenvolvimento.(21) De qualquer modo, a forte
relao positiva entre a renda domiciliar e a frao de sdio proveniente de
alimentos processados e a rpida e intensa expanso que vem
caracterizando o consumo desses alimentos no Brasil (22), indicam
50
tendncia crescente de sua importncia para o consumo de sdio nesse
Pas.
Em concluso, nossos resultados confirmam a suposio de que o
consumo de sdio no Brasil excede largamente a recomendao mxima
para esse nutriente em todas regies brasileiras e classes de renda.
Apontam, tambm, a pertinncia para o Pas das recentes recomendaes
da OMS relativas adoo de polticas pblicas que, simultaneamente,
informem a populao sobre a importncia de reduzir a quantidade de sal
adicionada aos alimentos e regulem o teor de sdio dos alimentos
processados.
51
Tabela 1. Disponibilidade domiciliar de energia e de sdio, decorrente da aquisio de alimentos, segundo macrorregio e situao urbana ou rural do
domiclio. Brasil, 2002/03.
Energia (Kcal/p/dia) Sdio (g/p/dia) Sdio (g/p/2.000 Kcal) Regio / situao
do domiclio Mdia
(Erro Padro) Mdia
(Erro Padro) Mdia
(Erro Padro)
Norte Urbana 1848,6 (75,0) 4,3 (0,4) 4,7 (0,4) Rural 2951,6 (142,2) 11,4 (3,9) 7,4 (2,2) Total 2111,9 (107,5) 6,0 (1,1) 5,4 (0,6)
Nordeste
Urbana 1720,6 (27,2) 3,9 (0,1) 4,5 (0,1) Rural 2092,3 (52,3) 6,5 (0,4) 6,2 (0,4) Total 1818,4 (30,9) 4,6 (0,2) 5,0 (0,2)
Sudeste
Urbana 1760,8 (61,8) 3,8 (0,2) 4,3 (0,1) Rural 2623,4 (316,2) 7,0 (1,0) 5,8 (1,3) Total 1830,0 (64,3) 4,0 (0,2) 4,4 (0,2)
Sul
Urbana 1858,5 (67,1) 4,4 (0,2) 4,8 (0,2) Rural 3008,7 (244,5) 8,0 (0,9) 5,4 (0,4) Total 2045,8 (94,5) 5,0 (0,3) 4,9 (0,1)
Centro-Oeste
Urbana 1654,3 (47,0) 3,4 (0,2) 4,1 (0,3) Rural 2588,3 (136,5) 8,7 (2,1) 6,4 (1,3) Total 1763,7 (61,6) 4,0 (0,4) 4,3 (0,3)
Brasil
Urbana 1764,6 (33,5) 3,9 (0,1) 4,4 (0,1) Rural 2489,5 (110,0) 7,5 (0,6) 6,1 (0,4) Total 1875,1 (34,7) 4,5 (0,1) 4,7 (0,1)
52
Tabela 2. Disponibilidade domiciliar de energia e de sdio, decorrente da aquisio de alimentos, segundo quintos crescentes da distribuio de renda
domiciliar per capita. Brasil, 2002/03.
Energia (Kcal/p/dia) Sdio (g/p/dia) Sdio (g/p/2.000
Kcal) Quintos de Renda Mdia (EP) Mdia (EP) Mdia (EP)
1 1950,6 (59,3) 4,9 (0,3) 5,0 (0,2)
2 1976,7 (87,7) 5,1 (0,4) 5,0 (0,2)
3 1922,9 (93,2) 4,6 (0,4) 4,7 (0,3)
4 1735,0 (92,2) 3,8 (0,2) 4,4 (0,1)
5 1787,7 (46,1) 3,8 (0,2) 4,3 (0,2)
Brasil 1875,1 (34,7) 4,5 (0,1) 4,7 (0,1)
EP Erro Padro
53
Tabela 3. Distribuio (%) da disponibilidade domiciliar de sdio, decorrente da aquisio de alimentos, em quintos crescentes da distribuio da renda
domiciliar per capita, segundo grupos de alimentos. Brasil, 2002/03.
Quintos de renda
Grupos de alimentos Brasil 1 2 3 4 5
Sal e condimentos base
de sal 76,2 83,8 81,9 77,8 70,2 62,5
Alimentos processados
com adio de sal 15,8 9,7 11,8 15,2 21,0 25,0
Alimentos in natura ou
processados sem adio
de sal 6,6 6,1 5,6 6,0 7,3 8,8
Refeies prontas 1,4 0,4 0,7 1,0 1,5 3,7
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
54
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10.1590/S0004-27302009000500013.
58
Consumo de sdio e sndrome metablica: uma reviso sistemtica Sodium intake and metabolic syndrome: a systematic review
Flvio Sarno 1
Patrcia Constante Jaime 2
Sandra Roberta Gouvea Ferreira 3
Carlos Augusto Monteiro 3
1 Doutorando do Programa de Ps-graduao em Nutrio em Sade
Pblica. Faculdade de Sade Pblica (FSP). Universidade de So Paulo
(USP). So Paulo, SP, Brasil
2 Professora Doutora do Departamento de Nutrio. FSP/USP. So Paulo,
SP, Brasil
3 Professor(a) Titular do Departamento de Nutrio. FSP/USP. So Paulo,
SP, Brasil
59
Resumo Introduo: Estudos recentes mostram que restries na ingesto de sdio podem aumentar a resistncia insulina (RI) e induzir alteraes nas
lipoprotenas sricas e em marcadores de inflamao semelhantes s
encontradas na Sndrome Metablica (SM). Mtodos: Realizou-se uma reviso sistemtica da literatura sobre os efeitos da restrio do consumo de
sdio sobre a SM ou a RI. Nove artigos foram includos na reviso.
Resultados: A restrio no consumo de sdio associou-se ao aumento da RI em dois artigos e diminuio em trs outros. Em sete dos nove artigos,
a restrio na ingesto de sal determinou reduo da presso arterial e em
dois artigos ocorreram efeitos adversos em marcadores da SM.
Concluses: A maioria dos estudos mostrou efeitos benficos da restrio moderada de sdio da dieta, associada ou no a outras modificaes
nutricionais ou ao aumento da atividade fsica. Novos estudos so
necessrios para avaliar os efeitos de redues moderadas no consumo de
sdio sobre a SM e a RI.
Descritores: Dieta Hipossdica; Sdio na Dieta; Sndrome Metablica; Resistncia Insulina; Hipertenso Arterial.
60
Abstract Introduction: Recent studies have shown that sodium intake restrictions may increase insulin resistance (IR) and induce changes on serum
lipoproteins and on inflammation markers similar to those found in Metabolic
Syndrome (MS). Methods: We performed a systematic review of literature regarding the effects of restricting sodium intake on MS or on IR. Nine
articles were included in the review. Results: Restriction of sodium consumption was associated with increase insulin resistance in two articles
and decrease in three others. In seven of nine articles, salt intake restriction
determined blood pressure reduction and in two articles adverse effects on
markers of MS were found. Conclusions: Most studies showed beneficial effects of moderate sodium intake restriction, associated or not to others
nutritional modifications or increase physical activity. Further studies are
needed to evaluate the effects of moderate sodium consumption reductions
on MS and IR.
Keywords: Sodium-Restricted Diet; Dietary Sodium; Metabolic Syndrome; Insulin Resistance, Hypertension.
61
Introduo
Definio da sndrome metablica e riscos
Em 1988, Reaven descreveu a Sndrome X, hoje conhecida como
Sndrome Metablica (SM), como a ocorrncia de resistncia insulina,
hiperglicemia, elevao da lipoprotena de baixa densidade, diminuio da
lipoprotena de alta densidade (HDL-c) e hipertenso arterial sistmica
(HAS).(1)
Apesar do debate sobre a existncia como sndrome e da importncia
prognstica de sua caracterizao (2), organizaes de sade e sociedades
cientficas propuseram critrios diagnsticos para padronizar sua definio,
tanto para fins clnicos como para pesquisas. Devido a diferenas tnicas no
risco de desenvolvimento de certas doenas, alguns critrios e pontos de
corte, especificamente para a circunferncia da cintura, tm sido
diferenciados de forma a adaptar a definio de SM s diversas
populaes.(3)