TERRITÓRIOS DE EXPLORAÇÃO MINERAL DE CAULIM NA PARAÍBA Hamilton Matos Cardoso Júnior – Doutorando do PPGG/UFPB Técnico em Assuntos Educacionais - UFPB Membro do CEGeT -PB [email protected]María Franco García DGEOC - PPGG/UFPB Coordenadora do CEGeT-PB [email protected]RESUMO O ambiente geológico do estado da Paraíba é diversificado e seu território apresenta importantes reservas minerais. Na região do Seridó Paraibano, localizada no Semiárido, ocorre um dos principais adensamentos de exploração mineral do estado. Dentre os minérios explorados nessa região destaca-se o caulim. Este trabalho tem como objetivo apresentar a construção e definição do projeto de tese de doutorado em Geografia desenvolvido na Universidade Federal da Paraíba. O referido projeto tem como objetivo analisar a dimensão do processo de degradação da vida da comunidade garimpeira de caulim a partir da realidade vivida no município de Junco do Seridó. Este trabalho classifica-se como exploratório e de caráter qualitativo. Recorreu-se à pesquisa bibliográfica, documental e tabulação de dados como metodologia. Para se entender a degradação da vida nos garimpos de caulim em Junco do Seridó, a tese estrutura-se nos conceitos de Território, em sua dimensão material e imaterial; Estado, enquanto instituição reguladora da atividade econômica; Capital, traçando- se e interpretando os interesses do mercado consumidor de minérios; Trabalho, inserindo-se na discussão a exploração e precarização do trabalhador. PALAVRAS-CHAVE: Caulim; Degradação da vida; Garimpo; Junco do Seridó. INTRODUÇÃO O município de Junco do Seridó, estado da Paraíba, está localizado a 243 km da capital estadual, João Pessoa, e faz divisa com o estado do Rio Grande do Norte no sertão paraibano. Possuía em 2010 uma população de 6.643 habitantes, sendo estimados em 2019 7.150 moradores (BRASIL, 2019a). O município faz parte da região do Seridó Paraibano que integra a chamada região do Seridó que envolve duas microrregiões do estado da Paraíba e duas do Rio Grande do
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TERRITÓRIOS DE EXPLORAÇÃO MINERAL DE CAULIM NA PARAÍBA€¦ · TERRITÓRIOS DE EXPLORAÇÃO MINERAL DE CAULIM NA PARAÍBA Hamilton Matos Cardoso Júnior – Doutorando do PPGG/UFPB
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TERRITÓRIOS DE EXPLORAÇÃO MINERAL DE CAULIM NA PARAÍBA
Hamilton Matos Cardoso Júnior – Doutorando do PPGG/UFPB
Souza (2011) destaca que a jornada de trabalho dos garimpeiros nas minas de
Caulim em Junco do Seridó chega a 12 horas diárias. As condições precárias iniciam-se no
transporte dos trabalhadores que é realizado nos mesmos caminhões que transportam o
minério. Na maior parte das lavras não há equipamentos de proteção, bem como as estruturas
das minas ameaçam a vida dos garimpeiros.
Aliado à precarização do trabalho, a extração e beneficiamento do caulim ainda
traz efeitos negativos ao meio ambiente. Souza (2011) destaca em seu estudo que a destruição
da natureza é evidente. Os resultados da extração consistem na destruição e contaminação do
solo com a formação de grandes crateras e deposição de rejeitos sem atenção às medidas de
proteção ambiental, bem como a contaminação das águas no momento de beneficiamento dos
minérios com a deposição dos rejeitos líquidos ou sólidos em rios ou deixados sobre a terra.
A extração desse mineral ainda traz efeitos nocivos à saúde dos garimpeiros
formais ou informais, bem como impacta o bem-estar e a qualidade de vida da comunidade
garimpeira. Um dos principais efeitos negativos possivelmente 3 manifesta-se em doenças
respiratórias advindas do pó gerado na extração do minério.
A poluição gerada na exploração do caulim gera sérios problemas respiratórios, e
podem ser agravadas dependendo da quantidade de mica penetrada nos pulmões. Um dos
3 Utiliza-se esse termo, pois esse é um dos objetivos da pesquisa, analisar os efeitos negativos da exploração do
caulim na saúde e no corpo do garimpeiro em Junco do Seridó.
principais problemas causados pela inalação dessa poeira é a silicose que é “irreversível e
intratável podendo cursar com graves problemas à saúde do trabalhador, assim como sério
impacto econômico” (LIMA, 2009a, p. 45) sendo uma das principais doenças respiratórias
que causam invalidez ocupacional.
Aliada a essa doença, a autora destaca que os garimpeiros, bem como a
comunidade que tiver contato com a poluição causada pela exploração do caulim, ficam
expostos a outras doenças como a tuberculose que se desenvolve pela insuficiência de
oxigênio nos pulmões.
A exposição aos efeitos nocivos da exploração do caulim, devido aos riscos da
atividade e à ausência de materiais de proteção e descarte correto dos rejeitos, submete aos
garimpeiros a degradação de sua saúde com danos irreparáveis. A situação pode ser agravada
e torna-se demasiada delicada diante do quadro de hipossuficiência econômica 4 do
trabalhador que fica à margem dos tratamentos clínicos e não específicos na maioria dos
casos.
Diante do contexto que envolve a extração de caulim em Junco do Seridó, a
degradação da vida é uma realidade e passa pela precarização do trabalho, degradação da
saúde e do corpo do trabalhador e destruição do meio ambiente. Tendo como fenômeno o
garimpo em Junco do Seridó e as análises e conclusões realizadas pelos estudos apresentados,
definiu-se um problema espacial para a pesquisa: a esperança de vida nascer.
A escolha desse indicador se deu em virtude de sua importância, síntese e
facilidade de interpretação, representando o número médio de anos a serem vividos por um
indivíduo recém-nascido. A esperança de vida ao nascer permite realizar recortes analíticos
das condições de vida e de saúde da população, bem como de questões relativas à pobreza,
desigualdade e vulnerabilidade social.
De acordo com dados tabulados do Atlas do Desenvolvimento Econômico
(BRASIL, 2013), a esperança de vida ao nascer do município de Junco do Seridó está entre as
menores do estado da Paraíba. No ano de 2010, o município possuía uma esperança de vida
ao nascer de 67 anos, 4 anos inferior à estadual, 72 anos, e 6 anos à nacional de 74 anos. Na
4 Em 2010, de acordo com dados do Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, 64,81% da população do
município era vulnerável à pobreza, ou seja, que possuem renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$
255,00. Esse dado era de 87,07% em 2000 e 96,91% em 1990 (BRASIL, 2013).
Paraíba, o município ocupou, nesse ano, a 198° posição de um total de 223 municípios, 7 anos
abaixo do município com melhor índice: João Pessoa com 74,89 anos.
Analisando o índice na dimensão da Região do Seridó Paraibano, Junco do Seridó
ocupa a 13° posição entre os 15 municípios que a compõe, apenas 0,48 pontos à frente do
munícipio que ocupa a última posição: Tenório com 67,43 anos. Em contrapartida, o
município foi o segundo no ranking de produção mineral em 2017 na região do Seridó
Paraibano, participando com 33,31%, atrás apenas de Pedra Lavrada (37,29%)5.
Os dados apontam para um problema de ordem social, tendo em vista que o
município possui esperança de vida abaixo da média nacional e estadual e, quando comparado
com os demais de sua região, ocupa as últimas posições.
Parte-se do ponto de partida da relação das condições de vida, saúde e trabalho
dos garimpeiros para analisar esse problema. Essa linha de investigação evidência esses três
elementos por entender que as causas das doenças geradas pelo trabalho no garimpo de
caulim são essencialmente de natureza social e política, dada a escolha de um modo de
produção que aumenta e mantém o processo de degradação a vida em virtude da acumulação
e do lucro.
A escolha do garimpo enquanto fenômeno que baliza o probelma espacial
definido se dá em conseqência da relação dessa atividade com a formção econômica e
histórica do município, bem como por sua participação na dinâmica econômica de Junco do
Seridó, tendo em vista que indústria participou com 21% na geração de riquezas nesse
município analisando-se o Valor adicionado bruto a preços correntes em 2016 (BRASIL,
2019a), o que demostra papel significativo da mineração na economia e ocupação dos
trabalhadores6.
Na origem deste estudo de tese há um fato e uma apreensão. O fato decorre de o
garimpo de caulim em Junco do Seridó não ser uma atividade invisível, mas seus efeitos
negativos assim são tratados, tampouco é uma atividade executada por garimpeiros rudes e
5 Juntos, os dois municípios representaram 70% da exploração mineral na região nesse ano. O município de
Pedra Lavrada, principal extrator, de acordo de com dados de 2017 (BRASIL, 2018), também possui esperança
de vida baixa com 69 anos em 2010 (BRASIL, 2013). 6 A indústria representa 29% das empresas no município em 2017, sendo que a indústria extrativa representou
67% das empresas desse setor (BRASIL, 2019a). O pessoal ocupado na indústria extrativa representou 22% do
total no município em 2017, atrás apenas da administração pública com 57% (BRASIL, 2019b). Esse número
pode ser ainda mais expressivo, tendo em vista que parte da extração mineral é desenvolvida de forma ilegal e,
por esse motivo, não aparece nos dados oficiais.
aventureiros. A exploração de caulim nesse município contribui com a produção mineral do
país e do estado da Paraíba, abastecendo um mercado inteiro interessado nesse recurso.
A apreensão decorre de que, apesar da riqueza que gera, os sujeitos garimpeiros
de caulim ainda continuam em contextos de pobreza, distantes de seu realizar como
trabalhador, e em condições de precarização do trabalho e cotidianos de contínua degradação
da saúde e do corpo.
CAMINHO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA
A proposta téorico-metodológica para o estudo diante do problema apresentado
estrutura-se nos conceitos de Território em sua dimensão material (Terra), entendendo-se a
rigidez locacional do minério, e imaterial (relações homem-homem; homem-território);
Estado, enquanto instituição reguladora da atividade econômica; Capital, traçando-se e
interpretando os interesses do mercado consumidor de minérios; Trabalho, inserindo-se na
discussão a exploração e precarização do trabalhador.
Parte-se da hipótese de tese de que o baixo indíce de esperança de vida
identificado no município de Junco do Seridó está relacionado à presença da exploração de
caulim organizada formalmente ou não, condunzindo a um processo de degradação da vida
que rebatimem na saúde da comunidade garimpeira, no corpo que trabalha e na degradação da
natureza.
Possivelmente, esse cenário existe e é mantido para avalizar a
produtividade/lucratividade do capital, tendo em vista a inversão de valor colocada pelo
sistema capitalista, em que o bem fundamental deixa de ser a vida em detrimento da
produção/exploração, o que perite entender esse processo em Junco do Seridó pelas vias da
acumulação por espoliação.
Na construção da proposta de tese a categoria território é encarada como chave.
Inicialmente da Geografia, essa categoria tem feito parte de pesquisas de diversos campos de
estudo, popularizou-se. Seu conceito evoluiu no decorrer do tempo, sendo apresentado por
diferentes perspectivas.
O conceito de território foi trazido, inicialmente, pelas reflexões evolucionistas de
Ratzel. Para o autor: “[...] organismos que fazem parte da tribo, da comuna, da família, só
podem ser concebidos junto a seu território” (RATZEL, 1990, p. 74), e ainda, “sobre este
território7 vemos claramente repetir-se o desenvolvimento das formas sociais e políticas, que
tendem a ocupar espaços cada vez maiores” (RATZEL, 1990, p. 80). Percebe-se, dessa forma,
a importância que Ratzel dá ao território como sendo uma parcela do espaço necessária para a
evolução do Estado e de uma determinada sociedade.
Segundo Coelho Neto (2013), a palavra território significa uma área que é
dependente de uma nação, de uma província ou de uma localidade. É a jurisdição de um
determinado Estado. O autor, ao analisar dicionários de línguas estrangeiras, aponta que a
definição de território em outras culturas pouco se altera, representando, de maneira quase
homogênea, uma extensão delimitada de terra, área ou superfície que é controlada por uma
jurisdição político-administrativa: é a base do Estado-Nação.
Destaca-se que o conceito carrega em sua essência as relações de poder. Ao
relacionar o território como sendo a base de um Estado-Nação, pressupõe-se a presença de
poder exercido em uma determinada parcela do espaço com limites bem demarcados.
Nesse ponto, insere-se a discussão do papel do Estado na análise do garimpo de
caulim em Junco do Seridó. O caminho da história mostra que para se explorar as riquezas
minerais no Brasil criou-se um aparato regulatório para a atividade econômica, bem como
grupos e empresas tanto estatais quanto privadas destinados a essa finalidade. O setor
acompanha as necessidades do mercado mundial e as tendências que o sistema capitalista
apresenta, e o Estado é um agente essencial nesse processo.
De acordo com Marx (1985), não se pode entender o Estado capitalista moderno
(detentor do aparato jurídico-político) apenas enquanto uma instituição determinada pelos
processos socioeconômicos, pois o inverso também é verdadeiro: ele também é determinante
dos processos socioeconômicos. O autor ainda esclarece que a economia capitalista depende
do Estado para existir e, sobretudo, para se desenvolver.
O papel do Estado no contexto da mineração se dá pelo uso de aparatos jurídicos-
políticos que se traduzem em leis, políticas públicas, regulamentos, financiamentos e
subsídios ao transporte e comércio dos produtos (minérios beneficiados ou não) do setor
mineral para se garantir a exploração dos recursos minerais e o funcionamento da máquina
7 Ao empregar o pronome demonstrativo “este” o autor refere-se ao território como uma categoria concreta,
ratificando a importância de se estudar algo que está em contato com o homem, “que está sob os nossos pés”
(RATZEL, 1990, p. 80).
capitalista. Entretanto, faz-se necessário entender como isso se dá na dimensão do trabalho
nos garimpos, sobretudo em Junco do Seridó, carregada pela informalidade.
Diante da precariedade do trabalho nas áreas de garimpo no município, nos
últimos anos (2000-2015), o Estado tem se feito presente no Seridó por meio das políticas
públicas, criando ações para a (re)organização do trabalho dos garimpeiros em cooperativas,
estruturando a atividade no terceiro setor.
De acordo com Macedo et al (2016), essa é uma tendência nacional, tendo em
vista que o Estado tem priorizado organizar os mineradores em cooperativas e associações
como estratégia que seria capaz de regularizar, normatizar e incentivar a formalidade da
mineração ilegal em pequena escala por entender que representam um problema complexo
para a gestão pública, tendo em vista suas questões ligadas à vulnerabilidade ambiental,
econômica e social.
Essas iniciativas estiveram articuladas com ações no plano nacional integradas à
Agência Nacional de Mineração (ANM) 8 ; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
(MCT); Ministério de Minas e Energia (MME); Ministério da Integração Nacional (MI) e
Centro de Tecnologia Mineral (CETEM); bem como a Planos de relevância para o setor como
o Plano Plurianual para o Desenvolvimento do Setor Mineral – PPDSM (1994-2010) e o
Plano Nacional de Mineração – PNM – 2030 (FARIAS, 2015).
Todavia, faz-se necessário refletir o real interesse dessas ações e entender se
realmente têm sido eficazes em promover a superação da vulnerabilidade do trabalho nas
áreas de garimpo e da degradação da vida do garimpeiro, ou se essas estratégias estatais estão
centradas apenas no controle social do trabalho e da vida em atendimento ao mercado.
Para Milton Santos (2014), o território é construído historicamente, sendo um
conjunto de lugares com uma constituição material. O território se modela no espaço e
compreende os complexos naturais e os elementos artificiais construídos pelo homem.
Haesbaert da Costa (2004) destaca dois sentidos atrelados ao território. Primeiro,
o sentido que se refere a terra, entendendo o território de forma material; segundo, utilizado
com menos frequência, o sentido relacionado aos sentimentos que o território provoca, sua
forma imaterial.
A dimensão material do território, o sentido que se refere a terra, a uma porção
territorial, abre caminhos para a reflexão da dinâmica do garimpo de caulim em Junco do
8 Extinto Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Seridó por explicar o fenômeno em um domínio de determinados recursos naturais, agrupados
por fronteiras específicas.
Para isso, é necessário entender a dimensão da rigidez locacional da mineração.
Diferentemente de outras atividades econômicas, a extração mineral não pode ser realizada
em qualquer área. Para que ela ocorra são necessárias condições geológicas que a permitam
existir.
Os depósitos de minérios não são criações do homem, mas da natureza formados
de acordo com o tempo geológico. Por isso a exploração mineral não possui a livre escolha do
local onde se instalar, seguindo os mandos das ocorrências minerais no território dos países. A
isso se dá o nome de rigidez locacional:
[...] uma conjugação de fatores físicos, químicos e geológicos que permitiu seu
acumulo em tal quantidade teor que podem ser economicamente extraídos. Essa
localização exclusiva e privilegiada dos bens minerais em alguns locais da crosta
terrestre é chamada de rigidez locacional. (SCLIAR, 1996, p. 35).
Essa característica da exploração mineral conduz a uma análise geológica do
território, destacando o conceito de terra para se entender a dinâmica locacional do fenômeno
do garimpo em Junco do Seridó, permitindo analisar sua formação sócio-territorial balizada
pela presença de determinados minérios.
Já a dimensão imaterial do território colocada por Hasbeart da Costa (2004)
refere-se ao sentido simbólico presente nessa categoria. Esse sentido se expressa nas relações
de poder estabelecidas, bem como na identidade obtida por meio das relações desenvolvidas e
mantidas entre o homem, o território e outros homens que o compartilham.
Essa dimensão do território, a princípio, é encarada no estudo do garimpo em
Junco do Seridó para entender as relações estabelecidas no âmbito dessa atividade econômica
em um processo de formação histórica que permita refletir sobre relações de trabalho, as
relações sociais e culturais da comunidade garimpeira para a definição dessa comunidade
enquanto uma comunidade tradicional de garimpo dotada de laços de identidade, vizinhança e
cooperação, colocando o garimpeiro como agente do território e em posição central no estudo;
bem como para inserir na discussão outros agentes como os atravessadores na economia
garimpeira, as cooperativas e pequenas/médias empresas.
Entende-se o território, na pesquisa, enquanto uma jurisdição político-
administrativa, um domínio de determinados recursos naturais, agrupados por fronteiras
estabelecidas, e enquanto um espaço de identidades sociais e da construção da vida: territórios
da vida. Essa dimensão dirige para as questões que envolvem o mundo do trabalho no
garimpo, trazendo a centralidade dessa categoria enquanto caminho investigativo para se
compreender a situação laboral dos garimpeiros de caulim em Junco do Seridó e seus efeitos
na saúde e corpo desses sujeitos.
Maar (2006) defende a centralidade do trabalho com foco nas relações dos
homens com outros homens e com a natureza, tendo em vista o processo de produção e
reprodução material da vida do homem em sociedade. Cabe decifrar como a questão do
trabalho e sua centralidade apresenta-se na concretude e contraditória reprodução social
capitalista. Nesses termos, dar centralidade ao trabalho significa assumir posição crítica às
formas sociais determinadas na formação vigente:
[...] crítica ao economicismo que instrumentaliza as relações sociais em termos de
produtividade capitalista; à mercantilização generelizada, que subordina a vida
social ao consumismo e aos ditames da indústria cultural; à destruição ambiental
resultante de uma relação com a natureza objetivada em matéria de exploração
predatória; à política instrumental que subordina a ampliação dos direitos sociais à
mera circulação no acesso aos mecanismos de poder, etc.. (MAAR, 2006, p. 26)
A tese da centralidade do trabalho carrega em si uma dialética: ao mesmo tempo
em que coloca o trabalho em posição central na sociedade vigente e em sua dinâmica social; é
crítica a essa sociedade do trabalho que vigora, vendo-a como negativa para sua própria
tendência evolutiva, já que está dominada pelo processo de acumulação capitalista que aliena
os homens do próprio processo de reprodução material de sua vida (MAAR, 2006).
A centralidade da categoria trabalho enquanto caminho teórico-metodológico
neste estudo é relevante para se compreender o garimpeiro enquanto ser social historicamente
construído. A observação atenta do ofício de garimpar minérios indica a existência de uma
atividade organizada e assentada em uma base social com características específicas, que a
definem.
Essas características não estão atreladas, apenas, ao tipo de trabalho
desempenhado, mas, também, à condição do garimpeiro: o ser garimpeiro. Como afirma
Thomaz Júnior (2009):
A vitalidade teórica que estamos tentando conferir ao universo do trabalho, levando
em conta seus diferentes mundos, enraíza-se no objetivo maior de reconhecer que sua centralidade, além de requerer que assumamos seu significado político,
ontológico, econômico [...]. (THOMAZ JÚNIOR, 2009, p. 193).
Com base nos pressupostos do autor, assume-se que a centralidade dada ao
trabalho permite sustentar o entendimento do amplo universo do trabalho do sujeito
garimpeiro, levando em conta seus diferentes mundos e contextos, requerendo que se assuma
o seu significado político, ontológico e econômico.
Nesses termos, o trabalho como categoria na leitura do garimpo em Junco do
Seridó permite ainda compreender o processo de (re)organização do território e das ações do
homem sobre ele, ampliando, desse modo, a compreensão social do fenômeno da mineração.
De acordo com Antunes (2009) em face do (re)ordenamento do trabalho, que se
dá em escala globalizada, é colocada em cena uma nova morfologia do trabalho com um
desenho multifacetado. Esse (re)ordenamento vem se configurando como resultado dos
rearranjos que o capitalismo tem promovido e “o trabalho como atividade vital se configura
como trabalho estranhado, expressão designativa de uma relação social encimada na
propriedade privada, no capital e no dinheiro.” (THOMAZ JÚNIOR, 2012, p. 3).
A centralidade da categoria trabalho dá suporte para se entender o garimpeiro de
caulim diante do capitalismo moderno e suas “reformas” no mundo do trabalho. Qual o lugar
no mapa de exploração mineral do garimpeiro na atualidade? Há lugar para esse sujeito? Se
há, quais condições são submetidos?
Em algumas áreas de garimpos, a territorialização de empresas com capital
nacional e internacional, e o consequente controle do subsolo, transforma os mecanismos de
apropriação e uso do território, (re)organizando as relações de trabalho e atrelando a produção
às redes nacionais e internacionais do comércio de minérios (GONÇALVES, 2012).
Entender a dinâmica do trabalho, sobretudo sua (re)organização dadas as políticas
públicas, nos garimpos de caulim em Junco do Seridó é encarado como caminho teórico-
metodológico para analisar o desenvolvimento do capitalismo diante da acumulação por
espoliação, como traz Harvey (2005). Parte-se do entendimento que as condições laborais nos
garimpos, sejam em situação formal ou informal, é uma estratégia do capitalismo para se
apropriar de formações sociais não capitalistas, garantindo sua reprodução (HARVEY, 2005).
Recorre-se à centralidade do trabalho, portanto, para desvendar os meandros da
precarização do trabalho do garimpeiro, evidenciando as condições laborais necessárias para
garantir a produção e o lucro, em especial do grande mercado consumidor de minérios.
Para Druck e Franco (2009, p. 227), a precarização do trabalho no mundo
moderno vem de mãos dadas com a flexibilização, sendo a terceirização sua principal marca
já que “ela consegue reunir e sintetizar o grau de liberdade de que o capital dispõe para gerir
e, dessa forma, dominar a força de trabalho”. A liberdade citada pelos autores consolida-se na
flexibilização dos contratos e na transferência de responsabilidades e de custos para outros.
No bojo da precarização e flexibilização do trabalho, o capital movimenta-se cada
vez mais para apropriar-se do trabalho alheiro, alcançando, ainda, trabalhadores em condições
de informalidade. Lima (2009b) destaca que o termo “informal” está associado a uma
multiplicidade de contextos e atividades econômicas que estão historicamente caracterizados
pela ausência de contratos e inexistência de direitos sociais.
O setor de mineração, sobretudo o relacionado ao garimpo de minérios, é
emblemático no movimento de precarização do trabalho promovido pelo capital. Além de se
tratar de um setor que, historicamente, incorpora o trabalho escravo e informal, não possui
qualquer tipo de sistema de fiscalização das condições de saúde e de vida dos sujeitos que
estão diretamente envolvidos na atividade ou que são indiretamente afetados por ela. As
conhecidas dimensões da exploração, da alienação do trabalho e flexibilização essenciais na
lógica do capital, ganham força e proporção e deixam de ser a exceção e passam a ser a regra
no trabalho em garimpos (LOURENÇO, 2016).
Assume-se a centralidade do trabalho em questões que envolvem o processo de
precarização do trabalho nos garimpos de caulim em Junco do Seridó, tomando posição
crítica diante das condições de trabalho que esses trabalhadores são submetidos diariamente
como: longas horas de trabalho, ambientes insalubres como tuneis sem ventilação adequada,
manipulação de componentes químicos sem equipamentos de proteção, trazendo risco de
contaminação, condições precárias da lavra, com sérios problemas estruturais que ameaçam a
vida como desmoronamentos, dentre outros.
O caminho teórico-metodológico definido (Estado, Território, Trabalho, Capital)
tem como objetivo colocar a vida em foco, entendendo o processo de degradação da vida
como consequência da exploração de caulim em Junco do Seridó.
Segundo Junges (1993), a questão da vida pode ser explicada de uma maneira
parenética, enquanto algo dado por uma santidade; ou científica, que parte do ponto de vista
da valorização qualitativa da vida e do homem como ser protagonista. Defende-se a visão da
vida por meio do discurso científico por entender as limitações da visão da vida enquanto algo
dado, e expandindo seu entendimento para a autodeterminação do homem.
Entender o valor da vida permite fugir do esquema fixo de pensamento que encara
a vida de modo estático, garantindo sustentação ao entendimento da inversão de valores
atribuídos no sistema capitalista, partindo-se do contexto do trabalho em garimpos, no qual a
vida humana passa a valer pouco em detrimento da produção/exploração, já que está
constantemente ameaçada pela morte e pela degradação da saúde, do corpo e do trabalho do
garimpeiro dada as constantes condições de insegurança que a atividade de extração do
minério traz.
Para Junges (1993), é necessário responsabilizar o homem de uma maneira mais
forte diante da qualidade da vida, levando a sua valorização do ponto de vista qualitativo e
ampliando a visão sacralizada da defesa apenas de sua inviolabilidade. Esse posicionamento
permite entender os processos de degradação da vida do homem, que está relacionado à
degradação do meio ambiente, da saúde, do corpo, do trabalho e manutenção da pobreza. Para
o autor:
Em nossa realidade, a degradação da vida manifesta-se em violações contra a subsistência e a integridade do corpo. A fome, a violência e os diferentes atentados
contra a vida põe em perigo a subsistência física de milhões de pessoas. [...] Os
inúmeros acidentes de trabalho [...] atentam contra a integridade física de muitos
homens e mulheres de nosso país. (JUNGES, 1993, p. 343).
Nos garimpos, essa realidade é observada na falta de proteção contra os acidentes,
nas longas jornadas de trabalho a que os garimpeiros são submetidos para garantir a sua
“subsistência”, contexto que leva aos garimpeiros a sofrerem agressões contra sua integridade
física e a privarem-se das mínimas condições para a existência. A degradação da vida impõe
uma condição corpórea ao sujeito, a qual traduz a qualidade da vida na saúde. “Saúde é a
forma que assume a vida vivida em plenitude e neste sentido é uma qualificação da vida. O
preço da degradação da vida revela-se nos índices de saúde” (JUNGES, 1993, p. 344).
Entender o processo de degradação da vida nos garimpos de caulim em Junco do
Seridó permeia a discussão sobre os limites da atuação do Estado e de suas políticas públicas
para a (re)organização do trabalho dos garimpeiros, entendendo, ainda, suas contradições e
desenhando uma análise orgânica e holística da condição do ser garimpeiro traduzida em seu
trabalho, sua saúde e corpo, conduzindo às reflexões do problema defino: baixa esperança de
vida em Junco do Seridó.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões aqui propostas apresentam os interesses da pesquisa em
desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Geografia, nível de
doutorado, da Universidade Federal da Paraíba, que tem como tema central o fenômeno da
mineração de caulim em Junco do Seridó, estado da Paraíba, e como problema definido a
baixa esperança de vida no município.
O estudo estrutura-se nos conceitos de território, trabalho, capital e Estado para
analisar a dinâmica do garimpo. Entende-se que o contexto laboral envolvido na extração de
caulim nesse município evidência condições precárias de trabalho que traz efeitos negativos
para o garimpeiro, toda a comunidade e meio ambiente.
Nesse sentido, assume-se a centralidade da vida, entendendo que os rebatimentos
da exploração de caulim interferem negativamente na saúde e corpo do garimpeiro, bem como
conduzem à destruição da natureza. Esse processo, possivelmente, interfere na esperança de
vida em Junco do Seridó que é uma das menores da Paraíba e está abaixo da média nacional.
Esse cenário permite afirmar que a exploração de caulim nesse município é
conduzida no contexto da acumulação por espoliação, o que leva ao entendimento do
território de Junco do Seridó como um território contaminado pela mineração, em que a
dinâmica da exploração do caulim assenta-se em um projeto de morte em detrimento de um
projeto de vida.
Por fim, assume-se na narrativa uma análise crítica direcionada à omissão do
Estado e ao projeto de sociedade vigente que subordina o trabalho aos interesses do capital,
tidos como superiores, gerando condições que degradam a saúde e o corpo nos garimpos por
submeterem os trabalhadores a situações de vulnerabilidade dada as condições precárias de
trabalho que são mantidas pela lógica da produção, exploração e do lucro.
REFERÊNCIAS
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Brasília: CNPq, Assessoria Editorial e Divulgação Científica, 1987.
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