TERRITÓRIO, INTEGRAÇÃO SOCIOESPACIAL, REGIÃO, FRAGMENTAÇÃO E EXCLUSÃO SOCIAL Álvaro Luiz Heidrich * Expressei certa vez, a fim de construir um argumento associado à compreensão da passagem da condição original para a condição histórica das relações da sociedade com o espaço que [a] diferenciação do espaço em âmbito histórico tem início a partir de sua delimitação, quer dizer: por sua apropriação como território, em parte determinada pela necessidade de domínio e posse de recursos naturais – para a conquista das condições de sobrevivência – e, por outra parte, por sua ocupação física como habitat (Heidrich, 2000, p. 24). Tal argumento rendeu interpretações de uma demarcação nítida sobre minhas convicções acerca da concepção de território, como uma compreensão já acabada. Não foram poucas as oportunidades em que me deparei com certa impossibilidade desta reflexão também acolher um contexto de territorialidades mais efêmeras e variantes, especialmente no campo do simbólico. Nesse sentido, vou procurar aproveitar oportunidade deste seminário para discutir um pouco desta questão: de que não devemos reconhecer necessariamente uma oposição conceitual entre as visões que aprofundam a análise sobre, por exemplo, a territorialidade estatal e as microterritorialidades humanas. Assim, procuro expor a seguir reflexões sobre as territorialidades humanas, enfatizando as dinâmicas de integração, regionalização ou regionalismo, fragmentação e desterritorialização. 1 – A CONDIÇÃO ORIGINAL Na verdade estamos discutindo sobre fatos e problemas resultantes de uma relação que surge a partir do desenvolvimento de um fato novo sobre a * Prof. no Departamento de Geografia e Programa de Pós-Graduação em geografia da UFRGS. Endereço eletrônico: [email protected].
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Expressei certa vez, a fim de construir um argumento associado à
compreensão da passagem da condição original para a condição histórica das
relações da sociedade com o espaço que
[a] diferenciação do espaço em âmbito histórico tem início a partir de sua delimitação, quer dizer: por sua apropriação como território, em parte determinada pela necessidade de domínio e posse de recursos naturais – para a conquista das condições de sobrevivência – e, por outra parte, por sua ocupação física como habitat (Heidrich, 2000, p. 24).
Tal argumento rendeu interpretações de uma demarcação nítida sobre minhas
convicções acerca da concepção de território, como uma compreensão já
acabada. Não foram poucas as oportunidades em que me deparei com certa
impossibilidade desta reflexão também acolher um contexto de territorialidades
mais efêmeras e variantes, especialmente no campo do simbólico.
Nesse sentido, vou procurar aproveitar oportunidade deste seminário para
discutir um pouco desta questão: de que não devemos reconhecer
necessariamente uma oposição conceitual entre as visões que aprofundam a
análise sobre, por exemplo, a territorialidade estatal e as microterritorialidades
humanas. Assim, procuro expor a seguir reflexões sobre as territorialidades
humanas, enfatizando as dinâmicas de integração, regionalização ou
regionalismo, fragmentação e desterritorialização.
1 – A CONDIÇÃO ORIGINAL
Na verdade estamos discutindo sobre fatos e problemas resultantes de uma
relação que surge a partir do desenvolvimento de um fato novo sobre a
* Prof. no Departamento de Geografia e Programa de Pós-Graduação em geografia da UFRGS. Endereço
afastamento, etc.. Em face do exposto, nos parece importante desde já
reconhecer que o espaço na condição original constitui-se em um campo de
relações, posto que está se falando da existência de coisas ou seres que estão
em algum lugar e podem ser comparáveis. Por isso, a realidade do espaço é
pertinente às relações entre objetos e ações (SANTOS, 1999).
Quando a humanidade começa a se libertar dos imperativos originais do
espaço também inicia a formação da espacialidade histórica2, que também
poderia ser entendida como uma humanização. É nesse momento que
aparecem as primeiras formas geográficas, mesmo que elas sejam muito
efêmeras. Quando um bando disputa com outro uma fonte de água, a relação
estabelecida é de uma territorialização, que ao mesmo tempo vincula um grupo
ao espaço e desvincula o outro. Ainda não é o caso de imediatamente
visualizar-se o território consubstanciado como a prisão inventada pelos
homens para eles mesmos (RAFFESTIN, 1993, p. 142), mas é importante que se
reconheça isso como o início de uma fronteira histórica que permite o alcance
da condição territorial.
1 À maneira de David Harvey (1992), é importante que a explicação sobre o espaço leve em consideração a sua temporalidade. 2 Como nos explica Jose Luís Coraggio, "... la espacialidad de los fenómenos sociales es indirecta y está basada en la articulación entre naturaleza y sociedad, pero con las leyes
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Mas, mesmo que aquele bando não se entenda como um agregado com
vínculos territoriais, não parece absurdo supor que a defesa e a disputa
extrapolam os limites do próprio corpo. Vivência em grupo, permanência e
repetição de trajetos podem ser reconhecidos como uma ponte entre o puro
espaço e o território.
Antes, porém, de uma sujeição plena ao território, antes deste se caracterizar
como recurso pelo qual se exerce o domínio e o controle social, surgem as
territorialidades. Ao território se chega pelo desenvolvimento dessa relação.
Aliás, isto é importante: o território é antes de tudo uma relação que envolve
apropriação, domínio, identidade, pertencimento, demarcação, separação. E,
se apenas parte destas características estão presentes, creio que podemos
considerar a ocorrência do seu princípio, ou seja, do princípio da
territorialidade.
A mais primordial ação humana que envolve a manifestação do princípio de
territorialidade é a ocupação, que implica no fato geográfico, em termos de
espaço absoluto e relativo3. Assim, se em determinado espaço surgem
localizações diversas, o fato em si já implica na condição relacional, mesmo
que a efetivação desta seja pelo estranhamento.
A descrição que Robert Sack (1986) faz das tribos Chippewa mostra um pouco
destas características. A relação com o espaço contém as características
inerentes à ocupação, mas as comunidades se sentem pertencidas a um
espaço em que as outras tribos também são vistas como parte daquele mundo
“natural”. Também, a apropriação ocorre sobre os meios mais imediatos e
diretos para a sobrevivência. Em geral, na comunidade tribal, a relação mais
importante com o território se define por uma lógica de diferenciação étnica: um
sociales sobreconstruyendo a la legalidad natural. Implica, asimismo, ver la espacialidad social como históricamente determinada y no como de carácter universal" (1987, pp. 31-32. 3 Essa distinção, de caráter fundamental para a Geografia, de que o espaço apresenta-se ao mesmo tempo como absoluto, porque cada lugar é único e não se repete, relativo, como espaço propriamente dito, por causa da relação entre os objetos; e relacional, porque cada "...objeto existe somente na medida em que contém e representa dentro de sí próprio as relações com outros objetos", encontra-se em David HARVEY, referenciando-se a LEIBNIZ, A justiça social e a cidade, 1980, p. 5; e também em: Roberto Lobato CORRÊA, "O espaço geográfico: algumas considerações", 1982; Ariovaldo U. de OLIVEIRA, op. cit.; e Neil SMITH, Desenvolvimento desigual, 1988.
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território para cada povo. Embora não seja um quadro geral, muitas destas
situações, não definem grandes imposições territoriais internas, mantendo-se o
espaço, natural e social, de uso comunitário. As relações de poder são mais
diretas e pessoais e em muitos casos, conserva-se uma visão de
pertencimento a própria natureza. Não há um domínio estabelecido
indiretamente por estarem as pessoas abarcadas por um território e uma força
pública separada do próprio povo (ENGELS, 1981). Muito embora, o fato envolva
já a fixação e o habitat, necessariamente não está associada á situação de
integração socioeconômica e domínio territorial (figura 1).
Figura 1 - Territorialidades locais (comunidades locais não integradas)
2 – A CONDIÇÃO TERRITORIAL
Da ocupação e formação do habitat a manifestação das demais características
da condição territorial (apropriação, domínio, identidade, pertencimento,
demarcação, separação) parece necessária a ocorrência de: “(a) uma relação
de apropriação (mais que domínio) das condições naturais e físicas por uma
determinada coletividade, b) uma organização das relações, de modo a
particularizar a coletividade como uma comunidade, por isso mesmo
diferenciada de outras e, pela mesma razão, c) a delimitação do acesso, do
domínio e da posse ao interior da comunidade constituída” (HEIDRICH, 2000, p.
26).
Mas a ocorrência do completo desenvolvimento das relações que estabelecem
a condição territorial, exige uma manifestação generalizada de um poder. O
território estatal-nacional é o que mais visivelmente reúne todos esses
5
elementos. Mas isto não elimina a possibilidade do reconhecimento de relações
outras que venham desenvolver territorialidades superpostas. HAESBAERT
(1997), por exemplo, identificou a ocorrência de três tipos de territórios: o
político, o cultural e o econômico. Dessa forma, parece importante estabelecer
o discernimento entre território como uma manifestação geral e territórios de
soberania política.
3 – O TERRITÓRIO DE SOBERANIA POLÍTICA
Nesta condição, quando geralmente está associado um poder instituído de
soberania, seja um imperador, um rei ou um Estado nacional, há uma
população socialmente organizada para produzir riquezas e começam a
aparecer mediações entre o povo e o espaço, por meio de instituições voltadas
para a defesa territorial, a organização e a manutenção do poder.
Por outro lado, na condição de Império os limites territoriais nem sempre foram
tão nítidos, como também nem sempre estiveram historicamente sujeitos a
presença efetiva de um exército. A vida das regiões seguiu, muitas vezes, em
contraposição a uma territorialização identitária exterior (BADIE, 1996). Trata-se
de uma realidade pela qual já passou várias vezes o Cáucaso, entre a
constituição do espaço social e a subordinação de um povo a uma
universalidade muitas vezes estranha. Entre a comunidade étnica e doméstica
e um poder indireto, através do domínio da extensão. Com ou sem limites mais
precisos, das territorialidades locais ainda sem sujeição territorial, deve-se
então, reconhecer que aos poucos aparece a sujeição ao território por meio de
uma imposição “superior”. No Império ou no Reino as comunidades envolvidas,
geralmente identificadas e de vida econômica associada a suas próprias
territorialidades locais, nem sempre estiveram integradas com as demais do
mesmo domínio (figura 2). Além da não integração, muitas vezes o próprio
vínculo identitário era estabelecido diretamente ao soberano e não ao território
sob seu poder
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Quando se desloca, o rei delimita o seu território. Faz o seu reino existir e toma posse dele. ... Podemos ver [na viagem] ... uma espécie de intercâmbio contratual implícito entre o rei e o reino. Fazer um reconhecimento e fazer-se reconhecer: aqui o modelo é o da entrada real, tantas vezes repetida durante o percurso, cujo ritual reitera simbolicamente o contrato que liga a cidade ao soberano ... Da mesma forma que a cidade escolhe dar-se ao rei enquanto corpo, é toda a comunidade territorial que se oferece àquele que escolheu ir à sua descoberta (REVEL, 1989, pp. 108-109)4.
Quando se delineia a formação das nações modernas que posteriormente
capturam a soberania para si mesmas, manifesta-se crescentemente a
tendência de uma fusão entre um espaço delimitado de manifestação deste
poder, uma identidade de pertencimento e uma extensão das relações
econômicas para uma mesma e única abrangência geográfica (ESCOLAR, 1996,
p. 102-103). Quando surge, o Estado une a coletividade humana e a parcela do
espaço em que expressa sua soberania. Trata-se de uma organização do
poder voltada para o domínio territorial que engloba habitantes, riquezas, uma
estrutura voltada para a produção, etc..
Figura 2 - Comunidades locais inseridas em territórios não integrados
A generalização da apropriação, fixação e acumulação de trabalho ao espaço está na raiz do processo de constituição dos territórios e dos Estados. Este já representa um momento superior do processo de
4 Referência aos soberanos franceses dos séculos Entre os séculos XIV e XVII.
7
valorização, aquele que se assenta no efetivo domínio do espaço, agora já plenamente concebido como espaço de reprodução da sociedade. O território é, assim, a materialização dos limites da fixação, revelando formas de organização bem mais complexas. O Estado, por sua vez, é a institucionalização política não apenas da sociedade, mas também do próprio espaço dessa sociedade (Moraes e Costa, 1984, p. 137).
No sentido exposto, o território estatal-nacional consiste no estágio mais
complexo até então alcançado das relações da sociedade com o espaço. Além
de distinguir as sociedades umas das outras, internamente essa configuração
espacial se organiza a partir de uma combinação de espaço público e privado,
de modo a permitir que interesses diversos possam ter coexistência com uma
finalidade geral ao todo social. Para a sua criação é fundamental que a
sociedade se organize a partir da política e, sob tal noção não se admite que
interesses particulares venham se sobrepor a interesses públicos. Este é o
padrão territorial pelo qual se generalizaram as noções de sociedade civil, de
política e de cidadania. Nele, o poder político se espalha por toda a sociedade
e o legitima através de um sentimento de coesão social e de uma identidade,
ambos fundamentados pelos vínculos que possuem com o território.
Além da soberania territorial, o Estado se interpõe entre os diversos interesses
particulares, estabelece uma ordem e implanta uma infra-estrutura pública de
recursos. No exercício destes papéis, assume a forma de uma construção
coletiva que permite e estimula cada indivíduo identificar-se à coletividade.
Este é um cenário de integração social e territorial, no qual se somam
elementos que contribuem para a formação de um ambiente comum de
interesses como a língua, a moeda, um sistema jurídico que permite o
desenvolvimento da economia. Tudo isto vai tornando material a unificação
sociopolítica nacional. Diferentes áreas que antes se relacionavam de modo
autônomo, passam a se relacionar como partes de um sistema (figura 3).
Figura 3 – Territórios Integrados
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Como destacou Anderson, no século XIX
as línguas de Estado vulgares assumiam cada vez mais poder e status em um processo que, pelo menos de início, era em grande medida não planejado. Assim, a língua inglesa expulsou o gaélico da maior parte da Irlanda, o francês limitou o âmbito do bretão e o castelhano compeliu o catalão à marginalidade (1989, pp. 88-89).
A nação moderna é, em síntese, uma comunidade territorial ampliada, em que
“se especificam as noções essenciais de fronteira e territorialidade dos
estatutos e costumes jurídicos” (BADIE Y HERMET, 1993, p. 179). Estes traços
caracterizam-na como uma comunidade de interesses que é compelida a
manter-se agregada.
Nas sociedades políticas, ao mesmo atuam tempo forças aglutinadoras, que
integram a sociedade numa mesma realidade, e diferenciadoras, que a
segmentam(quadro 1). As sociedades políticas são plurais e se distinguem
claramente das comunidades unidas por laços consangüíneos e afetivos, onde
também é comum o poder se constituir à base de uma estrutura doméstica5.
Enquanto na comunidade vigora o interesse comum, na situação de sociedade
manifestam-se divergências ou pluralidade de interesses. Não é sem razão
esta realidade ser a que a esfera pública ganha enorme importância, onde os
5 É importante ressaltar que esta característica também pode ocorrer em sociedades políticas, nas quais, por exemplo, as ações governamentais são guiadas para a transferência de privilégios a famílias dominantes (Cf. BANFIELD, 1958).
9
conflitos e interesses passam a ser mediados por discursos e ação política
voltados para uma generalidade6.
Quadro 1 – Forças atuantes na integração socioespacial
Forças/Dinâmica
Integração Segmentação
Esp
acia
l
Integração econômica e territorial
Regionalismos e regionalidades
Dim
ensõ
es
Soc
ial Códigos civis, desenvolvimento da
esfera pública
Diferenças e conflitos sociais
Integração e segmentação fazem parte de uma mesma realidade. Uma
segmentação só existe se for referenciada ou pertinente a uma totalidade. Em
âmbito social, ela constituída de classes ou grupos sociais. No âmbito espacial
ela se manifesta como segmentos de espaço ou território – regiões e suas
manifestações instauradoras.
4 – REGIÃO E REGIONALISMO
A integração socioespacial proporcionada pela nação não significa que o
Estado tenha resolvido o problema de representar a amplitude dos interesses
particulares, senão através da “imposição de um consenso organizado pela
classe dirigente” (Gramsci, 1978, p. 276) que, transferido à nação, transforma o
interesse particular, em interesse geral.
Como observado acima em relação às forças antagônicas que atuam na
integração socioespacial, há uma contradição elementar entre classes sociais e
uma contradição no seio da própria classe dominante. Esta última pode
6 Conforme Weber, para cada comunidade prevalece um respectivo interesse econômico, enquanto na situação mais complexas de uma pluralidade de interesses de classes ou profissionais diversos é necessário falar de interesses capitalistas, como interesses relacionados a todas as classes, de suas probabilidades sociais e econômicas (1969, p 278-282).
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assumir o aspecto de uma crise que envolve setores econômicos ou o aspecto
de um conflito regional, quando numa região for definida uma forma singular do
interesse geral da nação, quando mesmo a favor da reprodução econômica em
sua generalidade, se opuser uma feição particular da mesma.
Interesses territoriais diferenciados em relação aos da nação, podem ser
entendidos ora como uma diversidade espacial nas formas de reprodução
econômica, ora como um estabelecimento de "subdomínio" no território
nacional. São, em síntese dois campos do poder social: a dominação social e o
poder político, que podem ser apontados como razão e origem da questão
regional7.
Considerando-se a diversidade espacial da reprodução econômica, a região
tem sido vista como produto do “desenvolvimento espacial desigual do
processo de acumulação8 e seus efeitos nas relações sociais” (MASSEY, 1981,
p. 58), à medida que engendra abandono e inserção de áreas, além da
reestruturação da divisão territorial do trabalho (BENKO, 1996). Quando, porém,
este padrão de desenvolvimento se relaciona com a contradição entre o
interesse particular e o coletivo, a disputa pela captura do Estado em prol de
uma área pode equivaler ao controle político parcial do território nacional.
Desse modo, o regionalismo consiste em reivindicação territorial relacionada
diretamente à questão política e não necessariamente ligada à diferenciação
das formas assumidas pela dominação social ou à expressão territorial da
7 Cf. EGLER, questão regional: "... se expressa historicamente em uma determinada regionalização, enquanto projeção do espaço de atuação do Estado sobre o território, e em diversas formas de regionalismo, enquanto expressão de ajustes contraditórios _ em alguns casos até antagônicos, quando então se configura uma questão nacional _ deste espaço projetado com a sociedade civil territorialmente organizada" (1995, p. 218). 8 Segundo Neil SMITH (1988), trata-se de um desenvolvimento desigual que decorre do movimento simultâneo no espaço global diferenciado, da tendência à equalização e à diferenciação da taxa de lucro. Esta dinâmica provoca, respectivamente, subdesenvolvimento e desenvolvimento, sucedendo-se localizadamente, uma após a outra e, possuindo ocorrência simultânea em localizações diversas. Sabe-se que outros fatores além da taxa de lucro podem ser atrativos ao investimento de capital, como o câmbio, o crescimento econômico, o clima de investimentos, etc. Embora eles possa também influir na lucratividade do investimento, no atual estágio da conglomeração e dos monopólios, estratégias de expansão podem desconhecer inicialmente tais condicionantes.
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acumulação (MARKUSEN, 1981). Padrões diferenciados de reprodução do
capital não se constituem diretamente em apropriação de uma área em
dimensão política. Já, o domínio territorial que envolve o âmbito público,
necessariamente vincula-se ao poder político, constitui a objetivação de uma
classe, coalizão ou grupo social que busca a transformação do seu interesse
próprio em interesse público ou geral.
Assim, à medida que uma reivindicação se destina ao atendimento de “uma
necessidade territorial”, já encaminha ao mesmo tempo a segmentação do
espaço, incluindo toda a sociedade a ele vinculada.
A reivindicação ou a luta que encaminha no plano político a influência ou a participação na direção do Estado, caracteriza-se como apropriação particularizante do domínio público, como ampliação do interesse particular ou setorial sobre o coletivo. Nesse sentido, a região _ do mesmo modo como mais evidentemente se percebe a nação _ está ligada a uma forma particularmente moderna de alcance e justificação do poder político, da constituição do Estado territorial moderno, da separação entre dominação social e poder político, entre domínio privado e domínio público (HEIDRICH, 2000, p. 45).
Como um seccionamento do território as regiões também são fruto das
relações de poder. Como resultam do reconhecimento de um argumento
generalizador, são regiões autodenominadas por um interesse em relação à
unidade territorial maior. Tal como a nação que se constitui como uma
comunidade imaginada (Anderson, 1989) e propicia a construção de
sentimento de pertencimento, sem necessariamente desvelar diferenças
econômicas, sociais e condições de participação política.
É bastante propício comentar sobre este tema, alguns aspectos que envolvem
o perfil mais recente do regionalismo gaúcho. O interesse econômico gaúcho,
consubstanciado como um interesse geral, pode ser caracterizado por um
generalizado apoio e defesa ao setor primário, originalmente vinculado à
estância pastoril, evoluindo entretanto, para uma identificação com a
agricultura, particularmente a de tipo moderno _ capitalizada e produtora de
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grãos para o mercado interno e externo, como arroz, trigo e soja (Heidrich,
2000). Tanto uma como outra, necessitaram e continuam necessitando da
defesa de mecanismos de apoio à produção alimentar, como crédito agrícola,
preços mínimos e poder aquisitivo no mercado interno. Destarte, via de regra,
este interesse não é coincidente nem com as necessidades das economias
exportadoras, nem com os interesses da indústria. Assim, por exemplo, o
controle do câmbio para desvalorizar a moeda nacional já esteve diretamente
associado à perda do poder aquisitivo no consumo de mercado interno que
“prejudicava” a colocação de carne gaúcha no mercado nacional. A importação
de trigo mais barato como meio de pressionar salários para baixo, uma medida
favorável à grande indústria, evidentemente opõe-se ao interesse econômico
gaúcho. Nos últimos anos setenta, certa ambigüidade apresentou-se nesse
sentido pois o cultivo de soja, quase sempre associado ao de trigo, colocou sob
as mesmas mãos, desde o agricultor até a cooperativa, tanto o interesse no
mercado interno, como no externo. Caracterizou-se o processo de
modernização agrícola no Rio Grande do Sul, via expansão da sojicultura,
como um importante fato que veio introduzir grande importância econômica
para o estado na exportação de grãos.
Afora o interesse na agropecuária, as atividades de comércio e de indústria
quase sempre a esta estiveram associadas. Como uma base econômica, os
demais setores não apresentavam dinâmica independente. Assim,
comercialização de grãos, frigoríficos, lanifícios, indústrias de fertilizantes, de
equipamentos e máquinas agrícolas, moinhos, indústrias de óleos vegetais,
além do comércio e indústria de bens de consumo tradicionais, agregava-se ao
histórico perfil da economia gaúcha. Este perfil, quando se iniciou uma tomada
de consciência em determinados segmentos da sociedade gaúcha _ de
intelectuais, industriais e políticos _ era estágio a ser superado, o chamado
modelo histórico gaúcho. Enquanto não se sobressaiu um nítido movimento em
favor de uma reestruturação econômica, apontada esta para a chamada
industrialização dinâmica, de indústrias pesadas, capazes de dinamizar a
economia regional e se constituir como base econômica alternativa, os
segmentos ligados à indústria tradicional sujeitavam-se à maior importância do
mundo agrário gaúcho. Enquanto este remete a defesa dos interesses à
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política nacional (crédito, preços controlados, inflação, câmbio, etc.), os
interesses voltados para a industrialização dinâmica, mesmo que sempre
relacionados às questões nacionais, passam a apresentar reivindicações em
âmbito regional, já que ao segmento interessa basicamente infra-estrutura
(estradas, energia e comunicações) e vantagens no seu financiamento.
Os argumentos setoriais divulgados pelas organizações representativas das
principais atividades econômicas do Rio Grande do Sul reproduzem a
expressão territorial caracterizada anteriormente. Se unificadas, tais
argumentações, devem identificar uma visão geral e predominante na
sociedade gaúcha, à maneira de um consenso. A elaboração deste, ao permitir
o arranjo de materiais significantes do sistema simbólico, traz a possibilidade
de que representações se tornem realidade. Desta forma, vista a
argumentação de interesse econômico como produtora de vínculos com o
território e identificada a organização econômica como meio de sustentação da
reprodução social, se constrói a representação de como se pode preservar
esse mundo, isto é: zelando-se pelo interesse “de todos”. Como se pode notar,
o dilema, desde o surgimento da consciência teórica de certa condição
periférica da economia gaúcha, reside na necessidade em adotar um novo
modelo de desenvolvimento econômico. Com o modelo histórico se manteria a
condição dependente da economia regional a dinâmicas externas. A questão
fundamental, desde um ponto de vista da produção da representação, da
construção do argumento de interesse econômico, caracterizou-se pela
mudança de postura regionalista, para o interior da sociedade gaúcha, para
produzir a transição e, conseqüentemente a captura do Estado no seu âmbito
regional.
Ante a visão de que a captura do Estado para a viabilização do investimento
privado de industrialização dinâmica, através do financiamento do capital,
consiste na racionalização dos negócios públicos, a definição deste como
interesse econômico do Rio Grande do Sul mostra o fato como uma postura
regionalista. O regionalismo assim constatado revela-se como recurso de
apropriação do espaço público. A região deste regionalismo, no caso o Rio
Grande do Sul como um segmento do espaço-nação, constitui um universo
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simbólico, através do qual se permitiu a organização da concepção do espaço
público gaúcho como território de domínio da fração industrial da burguesia.
5 – A INTEGRAÇÃO GLOBAL E FRAGMENTAÇÃO SOCIOESPACIAL
Se por processo de globalização, podemos nos referir a diversos fatos
associados às transformações que ocorrem em âmbito mundial, uma tentativa
de maior detalhamento deve se referir a um amplo espectro de transformações
econômicas que envolvem: mudanças na Divisão Internacional do Trabalho,
uso intenso de novas tecnologias no processo industrial, reorganização das
empresas, abertura dos mercados nacionais ao comércio mundial e expansão
mundial do capitalismo.
O contexto descrito faz parte de uma dinâmica que possui origens já no
processo de partilha do mundo em unidades territoriais, os Estados-nações e
as colônias. A essa etapa, que Olivier DOLFUSS chama de pavimentação do
mundo (1993, p. 27), deve-se reconhecer o primeiro momento de uma
dinâmica mundial de integração socioeconômica. Como vimos acima, as
sociedades, territorializadas, passam a se constituir em integrações máximas,
aparecendo gradativamente como realidades nacionais que articulam as
esferas da política, da economia e da cultura, fusionando e produzindo
integradamente uma autêntica realidade social e territorial.
Esta situação é transformada já a partir de meados do século XIX, quando a
modernidade dos contratos se generaliza e a empresa transnacional começa a
atuar na intersecção de territórios aproveitando-se das melhores situações de
mercados de matéria-prima, de mão-de-obra, de consumo e de políticas
governamentais. O desenvolvimento do capital e sua lógica de reprodução se
tornam peças definidoras de uma “pressão” que rompe e se mescla às lógicas
do território das nações. Esta é uma segunda etapa do processo de integração
socioeconômica mundial. Enquanto as articulações econômicas passam a
ocorrer de modo mais autônomo entre as empresas de distintos países, o
comércio internacional vai se tornando cada vez mais presente, principalmente
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entre os países mais ricos e integrações regionais e internacionais (figura 4)
também começam a fazer parte deste cenário.
A integração mundial do comércio de hoje vem sendo impulsionada pela ação
das empresas transnacionais. A velocidade com que se fazem os contratos,
assim como a transferência de valores, não seria possível sem o
desenvolvimento da tecnologia de comunicações.
Figura 4 – Integrações regionais e internacionais
Este processo tem efeito direto para o próprio sistema, pois o aumento da
concorrência intercapitalista também faz concorrer entre si os sistemas
nacionais e regionais de normatizações. Funciona como “pressão” para a
unificação, para que as relações comerciais ocorram com as mesmas regras.
Dito isso, deve-se entender que a globalização não é uma força espontânea,
mas um encadeamento entre reestruturações econômicas, políticas
governamentais que vêm promovendo a transnacionalização, adoção de
progresso tecnológico e reestruturação organizacional nos sistemas de
comunicação e transportes. Desta forma, a globalização, vista como a etapa
atual de um processo maior de continua integração em âmbito mundial,
interfere também nas demais escalas das integrações socioespaciais, como o
cotidiano de comunidades locais, sociedades regionais e nacionais.
Como criação e recriação o espaço social é objeto de contínua transformação,
à medida que incorpora novas propriedades e condições advindas da ação
16
social sobre a existência geral. Assim ocorreu, por exemplo, com a invenção
do território quando a apropriação do espaço se revelou preponderante para a
condição de existência das sociedades. Sucessivamente, assim podemos
entender, a humanidade têm criado novas configurações que se acrescem ao
espaço e alteram a condição de vida social.
Essas novas configurações, como as modificações difundidas pelo meio
técnico-científico-informacional, finalizam na conformação de novas
espacialidades: é a megalópole que se transforma em cidade global, cidades
que assumem mais o papel de fornecedoras de serviços especializados e se
distanciam dos distritos industriais; é o surgimento de espaços de fluxos que se
estruturam em lógica própria, em relação à lógica dos espaços de lugares
(Castells, 2001). Na atualidade, o meio técnico-científico-informacional propicia
o desenvolvimento de uma espacialidade que
[a] informação é o vetor fundamental do processo social e os territórios são, desse modo, equipados para facilitar a circulação. (...) Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes mundiais. O meio técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização (SANTOS, 1997, p. 191).
A atual etapa da integração socioeconômica – a globalização – produz um
novo espaço social, produto da contradição entre espaço de fluxos e de lugares
que, portanto, vem alterar as condições de vínculo da sociedade com os
espaços existentes. O que permite a compressão espaço-tempo (Harvey,
1992) é a incorporação de tecnologia às conexões dos lugares, portanto é a
facilitação dos fluxos.
Mas, também há dois outros aspectos da novidade: de um lado, nem todos os
lugares participam em condições equivalentes da compressão espaço-tempo
(mais ainda: nem todas as pessoas) e, por outro lado, o espaço de fluxos cria
uma materialidade diferenciada do espaço de lugares (enquanto a contigüidade
do espaço de lugares é dada pelo que está fisicamente unido, a contigüidade
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do espaço de fluxos é determinada pelo tempo de compartilhamento entre os
nós conectados). Assim, a integração proporcionada pela globalização (figura
5) se afasta dos imperativos do território e, ao fazer isso, cria uma nova
condição, a de que a participação a uma espacialidade integral, tanto de
lugares como de fluxos, depende da acessibilidade do lugar e das pessoas ao
meio técnico-científico-informacional.
As alterações nos vínculos que possuímos com o território têm contribuído para
o surgimento de novas expressões geográficas locais. Nesta escala, da cidade
ou do bairro, os processos associados à integração proporcionada pelo meio
técnico-científico-informacional têm proporcionado a perda da coesão
comunitária. Evidencia-se inclusive, uma ruptura da solidariedade territorial
construída sob os parâmetros gestados pela modernidade. Assim, por
exemplo, enquanto a política local interessa aos agentes hegemônicos como
uma possibilidade de adequação da cidade à globalização, às classes
populares e às pessoas do lugar, interessa a consolidação de um espaço de
garantia do emprego e da qualidade de vida. A solidariedade existente em
função da convivência dos grupos no mesmo território torna-se relativa, à
medida que o uso de novas tecnologias possibilita a substituição da
contigüidade física pelo tempo compartilhado no espaço de fluxos (figura 6).
Figura 5 – Integrações globais
18
Mas não é apenas isto. Práticas sociais têm sido alteradas por introduções
técnicas e padrões de uso do espaço. O consumo, a habitação, o lazer, entre
outras práticas cotidianas, consolidam-se como maneiras completamente
segmentadas de sua realização, não apenas localmente segregadas, mas
como uma diacronia local-global. De um lado os lugares tornam-se pontos
articulados em âmbito global e, de outro, a solidariedade territorial-local é cada
vez mais seletiva (Heidrich, 1998, p. 15-17).
Em análise desta situação na cidade de Porto Alegre, observou-se
especialmente cinco aspectos de significativa coerência a este argumento, de
haver repercussão no espaço social urbano, associada à integração
socioeconômica global. Tais aspectos envolvem: o uso de meios de
informação, meios de pagamento, o local de consumo, o tipo de lazer e
relações de vizinhança.
Figura 6 – INTEGRAÇÃO SOCIOESPACIAL FRAGMENTADA, COMPOSTA POR DISTINTOS
ÂMBITOS DE COESÃO SOCIAL E SOLIDARIEDADE, EM UM MESMO EIXO LOCAL.
19
Observa-se a tendência geral de em extratos socioespaciais9 médios e
superiores, com maior intensidade nos médio-superior e superior, de ocorrer
distanciamento das formas tradicionais das relações sociais e com o “meio
espacial”, tendendo para a adoção de recursos tecnológicos modernos (tabela
1) que, ao mesmo tempo permite maior individualidade, formalidade e
impessoalidade nas relações, também aproxima as pessoas de uma integração
mais global (tabelas 2 e 3). Entre os extratos socioespaciais inferiores (operário
9 Seguimos a identificação para Porto Alegre e sua região metropolitana, de extratos socioespaciais, elaborados por Kock, Mammarella e Barcellos (2001), que definem áreas com predominância de características socioeconômicas predominantes. Tais extratos são subdivididos em Superior, Médio-superior, Médio, Médio-inferior, Operário e Popular.
20
e popular, principalmente), conservam-se mais as formas tradicionais, muito
embora já apareçam sinais de alguma mudança, como: algum uso de cartão de
crédito e um pequeno, mas existente uso de internet.
Tabela 1 - Meios de Informação de uso predominante, por extratos sócio-espaciais.
Porto Alegre - 2001 (percentual relativo às observações por extrato) Extratos sócio-espaciais Meios de
Informação
Superior Médio-Superior
Médio Médio-Inferior
Operário Popular
TV a cabo 76,47 58,33 52,38 26,08 4,34 5,88 TV aberta 23,52 41,66 47,61 82,00 95,65 94,11 Internet 70,58 45,83 38,09 12,00 0,00 5,88
Tabela 2 - Meios de pagamento predominantes, por extratos sócio-espaciais.
Porto Alegre – 2001 (percentual relativo às observações por extrato) Extratos sócio-espaciais Meios de
Familiar TV 37,03 23,68 14,28 44,44 18,51 31,81 Futebol 0,00 2,63 1,78 0,00 3,70 4,54
Tabela 5. Relações de Vizinhança, segundo a intensidade, por extratos sócio-espaciais.
Porto Alegre – 2001 (percentual relativo às observações por extrato) Extratos sócio-espaciais Contatos
Superior Médio-Superior
Médio Médio-Inferior
Operário Popular
Intenso 5,88 25,00 47,61 20,00 34,78 29,41 Médio 35,29 29,16 33,33 12,00 47,81 41,17 Eventual 58,82 45,83 19,04 68,00 17,39 29,41 Há, entretanto, entre os indicadores obtidos um dado muito distintivo. Refere-se
ao lazer predominante: como se depreende da interpretação, o lazer é
influenciado pelo nível de renda, e isto influencia as relações, pois o convívio
familiar é significativo nos extratos inferiores e pouco nos demais (tabela 4). As
relações de vizinhança são mais formais e eventuais nos extratos mais
superiores, mais intensas no médio e há certo equilíbrio entre os níveis nos
extratos inferiores (tabela 5).
Assim, enquanto é a tecnologia, a característica do meio e o nível de renda que
influencia isto nos extratos superiores, pode-se supor que as indicações
variáveis nos inferiores devem ser explicadas tanto pela necessidade de
solidariedade local, como pelo grau mais elevado de violência urbana e
conseqüente exposição das pessoas a mesma. De maneira sintética, os
indicadores permitem concluir que no extrato médio há dupla experiência, ou
seja: vive-se uma situação de relações com a localidade relativamente
fortalecida, bem como se observação participação numa integração
socioeconômica mais global. As tecnologias (televisão fachada e Internet) e os
espaços sociais (shoppings) reforçam esse processo, facilitando a articulação
com a sociedade em geral, em detrimento das relações comunitárias, bem
como também se potencializam as relações através de mercado.
6 – TERRITORIALIDADES E EXCLUSÃO E INCLUSÃO SOCIAL
22
A participação diferencial das pessoas no espaço social faz pensar que a vida
social está sendo realizada não apenas permeada por contradições sociais,
mas por meio de distintas espacialidades. Estamos vivendo um tempo de
generalização da exclusão social. Isto ocorre não somente em termos reais,
mas também em plano discursivo. Faz-se referência regular e cotidiana à
exclusão, a amplitude e variação dessa situação. Muitas são as situações
assim caracterizáveis. A concepção, em nosso ver, apresenta sentido
polissêmico e não quer significar tão somente segregação ou apartheid, muito
embora possa contê-los.
Apesar da noção de exclusão social ter se originado “para designar processos
relacionados a problemas sociais advindos da reestruturação produtiva e da
globalização” (Martins e Mammarella, 1999, p. 11), o conteúdo significante da
expressão é mais abrangente. Em sentido amplo, o que a globalização e a
reestruturação produtiva fazem é produzir um novo espaço, com renovadas
possibilidades técnicas. Isto não é feito exclusivamente no período atual. A
geração de situações de perda da condição de reprodução social, posto que
implicam mudanças nos arranjos espaciais, especialmente em virtude das
mudanças técnicas, ganham sentido por meio de processos de
desterritorialização, posto que se configuram como descolamentos (social ou
territorial) das pessoas e grupos em relação a suas condições originais de
vínculo com espaço. Assim, se por exclusão social, se pressupõe considerar a
não participação do indivíduo na sociedade,10 torna-se útil associar esta
reflexão à concepção de sociedade como originária de um agrupamento
abrangente de interesses,11 e de significações.12 Neste sentido, ela consiste na
perda de sua participação na integração, de não ter participação nos interesses
e necessidades da integração, ou o acolhimento a suas significações e valores.
10 Para José de Souza MARTINS, tal sentido não existe em termos sociológicos e deveria se entender a “exclusão como aquilo que constitui o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão precária e instável, marginal” (1997, p. 26). 11 No sentido proposto por Max WEBER, em que a motivação para a sua formação esteja apoiada por uma racionalidade, seja por objetivação final, seja pela aceitação de valores (1964, p. 20-21 e 33). 12 No sentido proposto por Agnes HELLER, de que os valores do indivíduo constituem expressões humano-genéricas pelas integrações, de que estão ligados à explicitação da existência humana (1970, p. 8 e 21).
23
Faz sentido pensar esse problema como algo relacionado ao espaço e ao
território. Embora não seja possível aceitar a exclusão como um fato espacial
em situação absoluta, pode ser relativa a uma determinada condição de
espaço.
Embora as noções clássicas de território retenham o sentido de extensão13 e
de delimitação de lugares, especialmente do espaço das instituições políticas,
outros dois significados são de pertinência a esta discussão: o sentido de
âmbito geográfico da integração economia-política-cultura (Gore, 1984, p. 227)
e como produto da relação do(s) sujeito(s) com o espaço que termina por
definir-lhe uma adequação, uma diferença dada pelo uso cotidiano, pela
cultura, por algo que separa.14
A apropriação do espaço é a forma primeira que, se reduzida ao sentido de
posse (de domínio), resulta apenas na separação de grupos ou comunidades
(figura 1). O seu outro sentido, o de adequação (de tornar um espaço
apropriado, favorável ou suscetível), decorre do uso, da transformação que
embora não tenha tornado plenamente efetiva a desnaturalização, constrói a
humanização do espaço como uma condição oposta, recriada.
A condição humana de estar no espaço pressupõe ter acesso a um lugar,
relacionar-se, realizar a transformação e ter a consciência disto15. Assim, se
levarmos em consideração as mais amplas referências das integrações sociais,
tais vínculos podem ser apreendidos por expressões como: apropriação,
valorização e consciência. A apropriação do espaço consiste na criação dos
territórios, em seu duplo sentido de posse e de adequação. A valorização do
espaço (Moraes e Costa, 1984), na prática humana, social, da transformação
do espaço, na criação de estruturas e lugares ligados à sobrevivência, no
trabalho, na habitação, etc. A consciência do espaço refere-se a um sentimento
de pertencimento a um lugar ou território, consiste no campo da identidade e
13 Sobre o assunto ver Carlos SANTOS, 1986, p. 25-30. 14 Ver esta discussão em SOUZA (1995, p. 77-99) e HAESBAERT (1997, p.32-43 e 2002, p. 129-141). 15 David HARVEY (1974), tomando apoio em Henri LEFEBVRE (1968) considera o fato associado a práticas e representações sociais.
24
relaciona-se com a intencionalidade com a qual se faz a representação de
nossas ligações, constroem-se os mitos e se definem os agrupamentos
humanos.16
Por meio do estabelecimento de vínculos, por criações ou invenções humanas,
através de práticas sociais, é que se produz território, ou ao menos a sua
condição – uma territorialidade.17 Nesse sentido, a perda de vínculos,
econômicos, culturais, políticos ou sociais, implica em algum afastamento do
indivíduo ou coletividade, da condição territorial presente naquele momento.
Como se sabe, a re-territorialização está diretamente implicada nesta dinâmica
(Ortiz, 1999, p. 65; Haesbaert, 2002, p. 132-133) e, isto deve significar que
alguma condição territorial permanece.
Observa-se, como vimos acima, que é em âmbito local que os processos de
integração do lugar ao mundo têm conduzido à perda da atual coesão
comunitária. É no lugar que se observa a fragmentação da solidariedade
territorial, pois pelo seu eixo o indivíduo ou a comunidade apresentam os
vínculos com todas as escalas. Ao mesmo tempo participam de uma
complexidade que múltiplas territorialidades, que ora fortalecem, ora
enfraquecem seus vínculos com os vários âmbitos da integração (figura 6).18
7 – SITUAÇÕES DE EXCLUSÃO/INCLUSÃO E SEUS VÍNCULOS TERRITORIAIS19
7.1 – Situações limites de pobreza:
As situações de pobreza, de exclusão e de informalidade constituem produtos
da globalização, da vinculação da vida ao mercado em sua forma plena e
extrema. Produzem um não-território, em função da degradação de seus
16 Ver Gore, 1984, p. 225 e Harvey, 1992, p. 203. 17 Conforme a perspectiva adotada por Raffestin, “a territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral” (1993, p. 158) 18 Compartilhamos, desta forma, com o sentido apresentado por ORTIZ, para definir lugar: “como um ‘espaço transglóssico’ no qual se entrecruzam diferentes espacialidades” (1999, p. 67). 19 As situações relatadas nesta seção foram levantadas em pesquisa realizada em 2000-2001, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul.
25
vínculos. Até chegar a ele, dá-se por formas que o aproximam, como a
segregação, a rejeição, o não-direito, em fim, pela ausência das condições de
garantia da vida, da existência20.
A pobreza pode ser caracterizada pela falta do lugar da moradia, pela falta de
condições sanitárias e a inexistência de relações formais de reprodução social.
As condições de vida em geral são subumanas. Os vínculos de apropriação do
espaço em geral se caracterizam pela ocupação de lugares públicos do meio
urbano, como viadutos, pontes, estações, marquises ou soleiras de
edificações. De outro modo, submoradias, construídas em áreas verdes ou
qualquer brecha de espaço, como entre rodovias, são comuns.
Embora seja objeto de ação social pública, freqüentemente surgem novos
grupos sem alternativa de moradia. Agem como produtores de lugares
efêmeros. Suas ações não perpetuam. Pela condição que se encontram, agem
com intenção limitada de tentativas de reprodução da sua vida. Coleta de
esmola e alimento constitui prática comum do meio urbano metropolitano. Por
estarem presos à reprodução limitada da vida, também limitada pode ser vista
a sua participação no âmbito da integração. Pertencem à rua como a um
espaço geral que quase nunca é duradouro. Por isso, também estão limitados
na criação de valor, na geração de alguma utilidade.
Há situações um pouco variantes, como por exemplo, coletores de lixo. Destes
há pelo menos dois tipos: os coletores de alimento e aqueles que elaboram
alguma separação para comércio. Estes últimos, pode-se interpretar, produzem
valor. Constróem espaços de habitação em condições precárias, pois, com
freqüência ocupam áreas próximas a áreas geradoras de lixo. Neste caso, já
pertencem a um lugar, posto que criam territorialidades menos efêmeras. Estão
sujeitos a um mercado que se desenvolve e estabelece preços, muitas vezes
20 As situações descritas se referem a casos encontrados na cidade de Porto Alegre, uma metrópole do Sul do Brasil, mas por sua generalidade, poderiam ser exemplos de muitas outras cidades, especialmente de condição metropolitana.
26
em forma de monopólio aos materiais coletados. Possuem, portanto, vínculos
com o mercado.
Deve-se apontar que o modo geral de fazerem parte da integração
socioespacial se dá por sua localização no interior de um território nacional e,
por reterem a compreensão cultural a ele referente.
7.2 – Situações de assentamentos urbanos e economia popular:
Ações de inclusão social vem sendo desenvolvidas por associações locais, por
meio de atividades de economia popular. Neste âmbito tem sido especialmente
a combinação entre um lugar para morar, uma atividade econômica alternativa
(porque surgem a partir das possibilidades do capital humano em associação
com oportunidades locais, seja devido à existência de algum recurso ou pela
união de habilidades, etc.), e uma atuação em solidariedade o que tem
permitido manter estratégias de inclusão social.
Toma-se o exemplo de um assentamento urbano de população transferida de
uma área de risco em Porto Alegre, em que parte da comunidade dedica-se à
atividade de reciclagem do lixo seco coletado pelo Departamento Municipal de
Limpeza Urbana. Esta população residente à beira de um lago21, em favelas
sem saneamento urbano, junto às moradias mantinha criação de pequenos
animais, como porcos e galinhas, juntamente com o cultivo de alguma
hortaliça, em um ambiente com muita concentração de lixo. Este se originava
da separação realizada no próprio local, pois a maioria dos moradores
realizava a coleta na região mais central da cidade, transportando-a em
carrinhos de tração humana. Na própria favela havia um depósito, para o qual
os coletores vendiam sua produção, constituída predominantemente de
papelão.
Com a transferência da comunidade para um loteamento urbanizado,
melhoram as condições sanitárias e habitacionais, além de se incluir junto ao
21 Às margens do Guaíba, na cidade de Porto Alegre.
27
assentamento uma escola municipal de nível fundamental. O deslocamento da
população, entretanto, não é acompanhado completamente pela criação de
alternativas de trabalho.
Limitadamente, cerca de sessenta pessoas trabalham numa Unidade de
Reciclagem de Lixo Seco, implantada pela prefeitura. A atividade realizada na
separação do lixo rende cerca de dois salários mínimos por associado22. Trata-
se de uma alternativa econômica que apresenta as características de
autogestão, pois a organização apresenta a estrutura de uma cooperativa de
trabalhadores23.
Mas ainda há na comunidade muito desemprego. Isto proporciona sempre a
atuação de um agenciador que remunera precariamente as pessoas que
buscam de forma isolada uma atuação como coletores e separadores de lixo.
Nesse sentido, deve-se observar que se a atuação isolada no mercado implica
a ocorrência de mecanismos redutores da renda, a organização econômica
popular apresenta-se como uma alternativa a isto, porém limitada em termos
de demanda. Esta permite que a agregação de valor proporcionada pela
atividade, seja mais bem auferida como ganho aos seus operadores, em vez
de ser capturada por um depósito intermediário.
O grupo manifesta forte identidade com o passado. Guardam muitas
lembranças boas da vida e do lugar que habitavam. Em seus relatos apontam a
construção de uma vida solidária entre os vizinhos. Fazem referência à
arborização implantada pelos antigos moradores, assim como o cultivo de
hortaliças, o que se torna impeditivo atualmente, devido ao local do atual
assentamento ser constituído de pequenos lotes individuais. Em contraste, as
relações identitárias, embora sejam significativas entre os membros da
associação, não estão desenvolvidas como comunidade de bairro, pois
compartilham-no com grupos vindos de outras áreas da cidade.
22 aproximadamente 130 dólares, no ano de 1999 23 Há na cidade outras associações deste tipo e já se constitui no Rio Grande do Sul (o Estado mais meridional no Brasil) uma Federação que congrega cerca de trinta destas associações.
28
7.3 – Situações de acampamento e assentamento rural:
As duas situações consideradas aqui se relacionam ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra e suas ações pela realização de Reforma
Agrária. Este movimento, desde seu início (meados dos anos 80) tem realizado
ações de ocupação de terras públicas e privadas, de modo a pressionar pela
realização de Reforma Agrária. Nesse processo tem sido marcante a
realização de acampamentos, nos quais famílias de agricultores permanecem
por longo período até obterem a conquista da terra. Nos assentamentos variam
bastante as formas de organização interna, mas encontram-se muitas
situações de estruturas associativistas. Algumas delas se definem como
autogestionárias e coletivas.
Pelo modo de apropriação do espaço, pela criação de duas formas espaciais -
o acampamento e o assentamento rural - vê-se no MST sinais de ruptura com
o modo de apropriação do espaço hegemônico da sociedade capitalista. As
rupturas se percebem pela organização coletiva do acampamento e de muitos
assentamentos. A relação com o espaço, o vínculo de posse, estabelece de
início condições distintas de relação entre os indivíduos e propicia que a
participação na sociedade ocorra mediada pelo interesse de um coletivo.
Através da criação do fato territorial - do acampamento - o MST recria sob uma
forma autônoma de condução da vida (HELLER, 1970, p. 40). O sentimento de
pertencimento e a consciência territorial passam a ser ressignificados a partir
da intercessão entre territorialidade local e as escalas mais abrangentes.
“O acampamento produz formas de experiência de si onde os acampados tornam-se sujeitos de um modo particular. Essas formas de experiência configuram a formação da subjetividade socioespacial (ou territorial), na qual o sentimento e o sentido de pertencimento a um lugar não é fixo (mas que se encontra nos discursos do movimento), é criado e recriado por seus acampados onde estiverem reunidos ...” (Natividade, 2003, p. 217).
Há várias ocupações distribuídas entre os acampados. Uma organização por
setor distribui funções no interior no acampamento, em geral, desempenhadas
29
por equipes ligadas a necessidades da coletividade: escola24, comunicação,
alimentação, higiene, religião e segurança. O acampamento, especialmente
quando muito grande também é dividido por núcleos organizados por
identidade, geralmente em função do local de origem dos acampados, o que se
define por maior aproximação cultural. De cada núcleo, devem ser indicados
participantes para os setores. Ainda, de cada setor e de cada núcleo são
indicados representantes para a coordenação geral do acampamento. Como
rotina, diariamente há reuniões regulares em núcleos, setores e coordenação
geral.
Esta estrutura tende a se repetir nos assentamentos rurais. Agregam-se a ela
várias funções organizativas ligadas às atividades rurais, como setor de
produção (de grãos), de horta, dos animais, etc. Na fase de implantação de um
assentamento, geralmente se definem também atividades ligadas a
implantação de infra-estrutura e construção de moradias.
O MST se organiza como uma rede. Possui coordenação regional e nacional.
Várias cooperativas do MST atuam no beneficiamento e comercialização da
produção. Também tem sido crescente a opção por uma produção orgânica.
Revelam, desta maneira fortes vínculos territoriais e com a integração social
geral.
7.4 – Situações de agricultura ecológica:
As comunidades de agricultores ecologistas têm, por seu turno, um forte
vínculo de consciência territorial, de compreensão de sua existência ligada à
natureza e ao sentido da vida. Apresentam por sua vez, rupturas com a
territorialidade moderna pela ressignificação de sua produção agrícola, de ser
orientada por um valor ético-ecológico-comunitário e não absolutamente
mercantil.
24 A partir de 1996, o MST no Rio Grande do Sul passou a implantar escolas nos acampamentos. São chamadas de Escola Itinerante, possuem uma Escola Base e estão regulamentadas pelo Conselho Estadual de Educação. Sobre o assunto, ver Heidrich et alli (2000, p. 13-17).
30
A agricultura orgânica ou ecológica é produzida por pequenos produtores, que
estruturam sua atividade baseada fundamentalmente no uso intensivo de mão-
de-obra. Esses pequenos produtores se organizam associações locais, que
possibilitam o apoio técnico de organizações voltadas para a promoção da
agricultura orgânica e a sua comercialização. Além da produção local, uma
outra atividade importante destas associações consiste na organização de
feiras, que além terem a comercialização por objetivo, também o de divulgação
do consumo de produtos orgânicos, da prática ecológica e da crítica ao modo
de vida tradicional. De fato, a prática parece implicar na constituição de um
modo de vida distinto.
Quadro 2 – Exemplos de vínculos territoriais, segundo a situação de exclusão ou inclusão social.
Vínculos territoriais Situação
Condição geral
Apropriação Valorização Consciência
Exclusão - moradores de rua/coletores de lixo
Frágeis
Condição efêmera
Muito limitada
Fraca ou inexistente consciência de participação na integração social
Inclusão -assentamentos urbanos e economia popular
Em construção
Garantida/em construção
Com algumas limitações/em construção
Em construção, com problema de coesão no grupo
Inclusão -acampamentos e assentamentos rurais
Fortes, desenvolvidos e articulados
Em construção, conscientemente conquistada
Variável, em construção, plenamente realizável e com problemas
Forte consciência social e territorial
Inclusão - agricultura ecológica
Fortes, desenvolvidos e articulados
Plenamente construídos
Em realização
Forte consciência social e territorial
Cada uma destas situações é parte de um complexo de fatos, objetos, relações
e arranjos. O mercado é um fato importante que pode caracterizar uma
31
situação, mas não é o único. A condição territorial que reconhece direitos é
outro. O acesso a terra, e a consciência disto, também são exemplos de
vínculos territoriais Dessa forma, a cada situação corresponde um conjunto
específico de vínculos territoriais, os quais em resumo, se traduzem por
diferentes níveis de inclusão (quadro 2).
As ações de desterritorialização e re-territorialização que demonstramos acima
desenvolvem-se a partir de ações ligadas a sobrevivência, a reprodução social,
a apropriação de espaço nesta realização e a consciência destas ações e
vínculos.
Para a construção de um processo de inclusão não basta estar no espaço e ter
relações com o mercado, posto que “ambos, através do trabalho de todos,
contribuem para a construção de uma contrafinalidade de todos e (...) os
define” (SANTOS, 1987, p. 60). A inclusão se viabiliza pela realização de ações
voltadas para o fortalecimento de vínculos com o espaço e, de modo mais
eficiente, por uma articulações em rede, pelas quais se pode construir vínculos
de solidariedade com instituições e lugares (SANTOS, 1997, p. 215). Colocado
desta forma, os vínculos territoriais são resultantes das ações ou práticas
sociais de condução e representação da vida. Dependem, portanto, de uma
relação com as externalidades, com os vários âmbitos da integração
socioespacial, que nos dirá sobre a sujeição a tais, que implique em
desterritorialização e re-territorialização dominantes ou, construção de
territorialidades autocentradas.
8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procurei apresentar nestas reflexões uma seqüência de argumentos
associados à concepção de territorialidade, os quais sintetizo a seguir:
1º. É importante reconhecer o princípio da territorialidade como uma
possibilidade aberta e pertinente à relação das sociedades com o espaço,
quando ocorrer tentativa e a necessidade da apropriação, de conquistar certa
32
exclusividade do uso territorial ou exercer por meio da demarcação o domínio
sobre os demais.
2º. Distingue-se entre as diversas possibilidades de desenvolvimento das
territorialidades humanas os territórios de soberania política que combinam
apropriação e ocupação territorial com institucionalidade jurídico-política,
organização econômica e identidade cultural associada ao território.
3º. Há dois movimentos pertinentes ao desenvolvimento das relações sobre os
território de soberania política: o aprofundamento da integração
socioeconômica que evolui para uma autêntica integração socioespacial e o
seccionamento do domínio territorial quando em uma parte deste se destacar
um interesse particularizado.
4º. A integração socioeconômica desenvolvida na consolidação dos territórios
de soberania política também ocorre entre territórios, assim como de modo
transnacional (quando ela transpassa fronteiras sem se submeter, nesta
passagem, ao princípio da territorialidade) e global (quando a integração atua
mais livremente no espaço, sem se prender às diferenças territoriais). Com o
processo de transnacionalização e globalização cresce o poder da empresa e
ela se distancia do controle pela política, à medida que os territórios são
transfigurados em mercados.
5º. A intensificação da formação de redes vem rompendo com a soberania
territorial. Pelas redes os lugares são aproximados, o espaço-tempo se
comprime para os que possuem acessibilidade ao meio técnico-científico-
informacional. Ocorrem rupturas na solidariedade territorial, pois partes da
sociedade se “descolam” de seus territórios, desenvolvem vínculos com
lugares distantes e assim se afastam dos cotidianos locais. A contigüidade
espacial tende a ser substituída por tempos compartilhados.
6º. A contínua recriação de espacialidades e as contradições sociais tornam
relativas as condições de participação das pessoas na integração
33
socioespacial. A perda desta condição significa propriamente afastamento em
relação ao território, em desterritorialização.
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