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B r a sil
ensaios sobre o ordenamento territorial
Milton Santos Bertha K. Becker Carlos Alberto Franco da Silva
Carlos Walter Porto Gonalves Ester Limonad Flvio Gomes de Almeida
Ivaldo Lima Jacob Binsztok Jailson de Souza e Silva Jorge Luiz
Barbosa Mrcio Pinon de Oliveira Nelson da Nbrega Fernandes Rogrio
Haesbaert
andra Baptista da Cunha Satie Mizubuti
&lamparina
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Territrio, territriosensaios sobre o ordenamento territorial
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Territrio, territriosensaios sobre o ordenamento
territorialMilton Santos * Bertha K. Becker * Carlos Alberto Franco
da Silva Carlos Walter Porto Gonalves Ester Limonad Flvio Gomes de
Almeida Ivaldo Lima * Jacob Binsztok * Jailson de Souza e Silva
Jorge Luiz Barbosa Mrcio Pifion de Oliveira Nelson da Nbrega
Fernandes Rogrio Haesbaert Rui Erthal * Ruy Moreira * Sandra
Baptista da Cunha * Satie Mizubuti
3a edio
Coleo espao, territrio e paisagem lamparina
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Os autores
Milton Santos. Professor do Departamento de Geografia da
Universidade de So Paulo (USP), onde desempenhou ativi- dades de
magistrio e pesquisa at seu falecimento em 2001. Tem seu nome
ligado ao estudo da geografia urbana brasileira e renovao do
pensamento geogrfico, tema ao qual dedicou numerosos livros e
trabalhos em peridicos especializados com traduo e publicao em
vrios pases, exprimindo seu amplo reconhecimento internacional.
Desenvolveu atividades docentes em diferentes universidades no
exterior.
Bertha K. Becker. Professora do Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da qual professora
titular e emrita. E especialista e pesquisadora internacionalmente
reconhecida em questes de geopoltica, em particular da Amaznia,
regio brasileira sobre a qual consultora para governos e instituies
de defesa e uso sustentvel do meio ambiente, no pas e no
exterior.
Carlos Alberto Franco da Silva. Professor dos cursos de graduao
e ps-graduao (mestrado e doutorado) em Geografia da Universidade
Federal Fluminense (UFF). Doutor em Geografia Humana pela UFRJ.
Realiza pesquisa nas reas de dinmica espacial de complexos
produtivos e organizao e dinmica espacial em reas de fronteira
agrcola.
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Carlos Walter Porto Gonalves. Professor dos cursos de graduao e
ps-graduao (mestrado e doutorado) em Geografia da UFF. Doutor em
Geografia Humana pela UFRJ. Realiza pesquisa nas reas de movimentos
sociais e organizao do espao e Amaznia. E coordenador do Lemto
(Laboratrio de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades),
do Departamento de Geografia da UFF.
Ester Limonad. Professora dos cursos de graduao e ps-graduao
(mestrado e doutorado) em Geografia da UFF. Doutora em Estruturas
Ambientais pela USP. Realiza pesquisa nas reas de novas tecnologias
e novas territorialidades, complexos de redes empresariais e
urbanizao e ordenamento territorial. E coordenadora do Gecel (Grupo
de Estudos da Cidade, Espao e Lugar), do Departamento de Geografia
da UFF.
Flvio Gomes de Almeida. Professor dos cursos de graduao e
ps-graduao (mestrado e doutorado) em Geografia da UFF. Doutor em
Geografia Fsica pela UFRJ. Realiza pesquisa nas reas de avaliao
ambiental, eroso e conservao de solos e dinmica ambiental.
Ivaldo Lima. Professor dos cursos de graduao e ps-gradua- o
(mestrado e doutorado) em Geografia da UFF. Doutor em Geografia
Humana pela UFF. Realiza pesquisa nas reas de redes polticas,
modernizao poltica e ordenamento territorial na
Amaznia e geopoltica da Amaznia.
Jacob Binsztok. Professor dos cursos de graduao e ps-graduao
(mestrado e doutorado) em Geografia da UFF. Doutor em Geografia
Humana pela USP. Realiza pesquisa nas reas de geografia agrria,
desenvolvimento capitalista no espao agrrio brasileiro e
planejamento ambiental. E coordenador do Nepam (Ncleo de Pesquisas
Agroambientais), do Departamento de Geografia da UFF.
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Jailson de Souza e Silva. Professor do curso de Pedagogia da
Faculdade de Educao da U F F e dos cursos de ps-gradua- o (mestrado
e doutorado) em Geografia da UFF. Doutor em Sociologia da Educao
pelo Departamento de Educao da Pontifcia Universidade Catlica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio). Realiza pesquisa nas reas de espaos
urbanos e prticas sociais populares, territrio e identidade,
cidade, estado e poltica e movimentos sociais e territrios. E
coordenador do Observatrio de Favelas do Rio de Janeiro.
Jorge Luiz Barbosa. Professor dos cursos de graduao e ps-graduao
(mestrado e doutorado) em Geografia da UFF. Doutor em Geografia
Humana pela USP. Realiza pesquisa nas reas de ordenamento
territorial e polticas pblicas sociais e geografia e cinema.
Mrcio Pinon de Oliveira. Professor dos cursos de graduao e
ps-graduao (mestrado e doutorado) em Geografia da UFF. Doutor em
Geografia Humana pela USP. Realiza pesquisa nas reas de geografia
urbana, polticas urbanas, gesto urbana e cidade e cidadania. E
coordenador do Neurb (Ncleo de Estudos e Pesquisas Urbanas) do
Departamento de Geografia da UFF.
Nelson da Nbrega Fernandes. Professor dos cursos de graduao e
ps-graduao (mestrado e doutorado) em Geografia da U FF. Doutor em
Geografia Humana pela UFRJ. Realiza pesquisa nas reas de geografia
urbana, geografia cultural, geografia poltica e evoluo urbana do
Rio de Janeiro.
Rogrio Haesbaert. Professor dos cursos de graduao e ps-gra- duao
(mestrado e doutorado) em Geografia da U FF. Doutor em Geografia
Humana pela USP. Realiza pesquisa nas reas de geografia regional,
globalizao e regionalizao, geografia cultural, identidade
territorial e processos de desterritorializao. E coordenador do
Nureg (Ncleo de Estudos de Regionalizao e Globalizao), do
Departamento de Geografia da UFF.
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Rui Erthal. Professor dos cursos de graduao e ps-graduao
(mestrado e doutorado) em Geografia da UFF. Doutor em Geografia
Humana pela UFRJ. Realiza pesquisa nas reas de geografia urbana e
geografia histrica.
Ruy Moreira. Professor dos cursos de graduao e ps-graduao
(mestrado e doutorado) em Geografia da UFF. Doutor em Geografia
Humana pela USP. Realiza pesquisa nas reas de reestruturao do espao
e do trabalho, representaes em geografia e epistemologia da
geografia e da geografia que se ensina. E coordenador do Neret
(Ncleo de Estudos da Reestruturao do Espao e do Trabalho), do
Departamento de Geografia da UFF.
Sandra Baptista da Cunha. Professora dos cursos de graduao e
ps-graduao (mestrado e doutorado) em Geografia da UFF. Doutora em
Geografia Fsica pela Universidade de Lisboa Codex. Realiza pesquisa
nas reas de planejamento ambiental e geomorfologiafluvial.
Satie Mizubuti. Professora dos cursos de graduao e ps-gradua- o
(mestrado e doutorado) em Geografia da UFF. Doutora em Geografia
Humana pela USP. Realiza pesquisa nas reas de geografia urbana:
urbanizao, industrializao e relao campo x cidade no Brasil, cidade,
movimentos sociais e cidadania e geografia da populao: dinmica
populacional.
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i. r. r. j.BIBLIOTECA
I P P u *
Sumrio
Apresentao 11Captulo 1O dinheiro e o territrio ^
Milton Santos
Captulo 2A Amaznia e a poltica ambiental brasileira 22
Bertha K. Becker
Parte I: Territrio, espao e ordem
Captulo 3Concepes de territrio para entender a
desterritorializao 43
Rogrio HaesbaertCaptulo 4O espao e o contra-espao:as dimenses
territoriais da sociedade civil e do Estado, do privado e do pblico
na ordem espacial burquesa 72
Ruy Moreira
Captulo 5Da representao do poder ao poder da representao: uma
perspectiva qeoqrfica 109
Ivaldo Lima
Parte II: O ordenamento te rrito r ia l urbano-regional
Captulo 6O ordenamento territorial urbano na era da acumulao
qlobalizada 125
Jorge Luiz Barbosa
Captulo 7Urbanizao e organizao do espao na era dos fluxos
145
Ester Limonad
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Captulo 8O retomo cidade e novos territrios de restrio cidadania
17]
Mrcio Pifion de Oliveira
Captulo 9Onde a cidade perde seu nome
Nelson da Nbrega Fernandes
Captulo 10Um espao em busca de seu lugar: as favelas para alm
dos esteretipos
Jailson de Souza e Silva
Captulo IIUma releltura do movimento associativo de bairro
Satie Mizubuti
Captulo 12A colonizao portuguesa no Brasil e a pequena
propriedade
Rui Erthai
Captulo 13Fronteira agrcola capitalista e ordenamento
territorial
Carlos Alberto Franco da Silva
P arte III: O o rdenam ento te r r ito r ia l am bienta l
Captulo 14Principais vertentes (escolas) da (des)ordem
ambiental
Jacob Binsztok
Captulo 15O ordenamento territorial e a geografia fsica no
processo de gesto ambiental
Flvio Gomes de Almeida
Captulo 16Impactos geomorfolgicos da barragem de Xing -ba ixo
curso do rio So Francisco
Sandra Baptista da Cunha
Captulo 17A inveno de novas geografias: a natureza e o homem em
novos paradigmas
Carlos Walter Porto Gonalves
197 j
209;
231
247
282
315
332
353
375
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Apresentao
Territrio, territrios resulta de um projeto conjunto do corpo
docente do Programa de Ps-Graduao em Geografia da Universidade
Federal Fluminense (UFF), no ano em que se inicia seu curso de
doutorado.
A idia central deste livro a de reunir, por meio da produo dos
professores da Ps-Graduao em Geografia da UFF, um contedo capaz de
projetar, de maneira ampla, as linhas mestras que regem a filosofia
de nosso Programa, representando assim um panorama ou retrato de
sua concepo mais geral. Construdo sobre o tema do Ordenamento
Territorial, o Programa se articula a partir de suas grandes linhas
que incluem o Ordenamento Urbano-Regional e o Ordenamento
Ambiental.
Ordenamento", aqui, tem um sentido bastante amplo de arranjo
espacial; no se restringe, em hiptese alguma, dimenso prtica do
colocar em ordem e da simples gesto. Ordenamento territorial, neste
ponto de vista, outra forma de dizer des-ordem territorial, pois se
trata de um movimento dialtico que se reproduz de forma aberta, nem
sempre previsvel, e que envolve as mltiplas dimenses da sociedade,
desde sua base fsica, natural, at as representaes construdas sobre
o espao a partir dos smbolos de uma cultura, passando pela dinmica
econmico-poltica.
O ttulo Territrio, territrios, tal como a idia de des-otdena-
mento territorial, implica uma viso ao mesmo tempo una e mltipla da
Geografia. Se toda territorialidade, nessa perspectiva,
-
Territrio, territrios
sntese, esta sntese se manifesta como uma das dimenses
fundamentais da sociedade. Tanto quanto a antiga dicotomia socie-
dade-natureza, a noo de territrio(s) deve superar o dualismo
social-espacial que marca a maior parte do discurso das cincias
sociais. A o mesmo tempo que reconhecemos que o territrio um
componente indissocivel de todos os processos sociais, devemos
reconhecer tambm o carter uno-mltiplo da especificidade das
problemticas que ele expressa.
A obra se estrutura em trs partes correlacionadas. A primeira,
Territrio, espao e ordem, a mais ampla, d conta de pressupostos
tericos gerais envolvendo noes como territrio, espao,
desterritorializao, contra-espao, representao e poder. A segunda, O
ordenamento territorial urbano- regional", focaliza mais
especificamente o espao urbano e agrrio. A cidade enfocada sob
vrias perspectivas, desde as mais gerais, num balano dos atuais
processos de urbanizao, at anlises de problemticas mais especficas,
mas fundamentais, como a cidadania, o associativismo de bairro e as
favelas. O espao agrrio abordado a partir da ao dos processos de
formao da pequena propriedade em reas de imigrao e das corporaes
nas fronteiras agrcolas capitalistas. A terceira parte,
O ordenamento territorial ambiental, rene tanto abordagens
gerais sobre a des-ordem quanto problemas ambientais mais
direcionados, como os de gesto de espaos, do desenvolvimento
sustentvel e de bacias fluviais em reas de usinas hidreltricas e
lagos de barragem. A obra concluda com uma perspectiva geral sobre
os novos caminhos da Geografia contempornea.
O livro inclui a aula inaugural do curso de mestrado, proferida
em maro de 1999 pelo professor Milton Santos, e do curso de
doutorado, proferida pela professora Bertha Becker em maio de 2002,
cujas conferncias so aqui reproduzidas, abrindo este livro, numa
homenagem aos grandes mestres.
Pretende-se assim, com este trabalho, traar ao mesmo tempo um
quadro bsico de reflexes sobre os rumos da atual ordem territorial
e incitar o debate em torno de novos caminhos epis- temolgicos para
a Geografia.
Os autores
12
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Captulo 1O dinheiro e o territrio
Milton Santos
A geografia alcana neste firo de sculo a sua era de ouro, porque
a geograficidade se impe como condio histrica, na medida em que
nada considerado essencial hoje se faz no mundo que no seja a
partir do conhecimento do que o territrio.O territrio o lugar em
que desembocara todas as aes, todas as paixes, todos os poderes,
todas as foras, todas as fraquezas, isto , onde a histria do homem
plenamente se realiza a partir das manifestaes da sua existncia. A
geografia passa a ser aquela disciplina tornada mais capaz de
mostrar os dramas do mundo, da nao, do lugar.
O que eu trago aqui um ensaio. muito mais um ensaio de mtodo que
algo terminado. Alis, para que um professor dirigir-se a quem quer
que seja com coisas j prontas? Uma aula sempre um conjunto de
questes, e no propriamente de respostas. A aula que quer ser uma
resposta algo quase desnecessrio. A aula tem que ser um conjunto de
perguntas as quais incompletamente o professor formula, e as quais
os ouvintes tomam como um guia tanto para aceitar, como para,
depois de aceitar, discutir e, mesmo, recusar.
A indagao que estou fazendo aqui a respeito destes dois plos da
vida contempornea: o dinheiro, que tudo busca desmanchar, e o
territrio, que mostra que h coisas que no se podem desmanchar.
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Territrio, territrios
A primeira coisa a fazer definir o que a gente pretende
conversar. Se no o fao, tambm no permito que as pessoas discutam
comigo. A primeira condio para aqueles que partem de uma ideologia
que o meu caso oferecer claramente os termos do debate que desejam.
Se no o proclamo, fujo discusso, evito-a, impeo que debatam comigo.
H que definir por conseguinte estas duas palavras: o territrio e o
dinheiro.
O territrio no apenas o conjunto dos sistemas naturais e de
sistemas de coisas superpostas; o territrio tem que ser entendido
como o territrio usado, no o territrio em si. O territrio usado o
cho mais a identidade. A identidade o sentimento de pertencer quilo
que nos pertence. O territrio o fundamento do trabalho; o lugar da
residncia, das trocas materiais e espirituais e do exerccio da
vida. O territrio em si no uma categoria de anlise em disciplinas
histricas, como a geografia. E o territrio usado que uma categoria
de anlise. Alis, a prpria idia de nao, e depois a idia de Estado
nacional, decorrem dessa relao tornada profunda, porque um faz o
outro, maneira daquela clebre frase de Winston Churchill:
Primeiro fazemos nossas casas, depois nossas casas nos fazem.
Assim o territrio que ajuda a fabricar a nao, para que a nao depois
o afeioe.
O dinheiro aparece em decorrncia de uma vida econmica tomada
complexa, quando o simples escambo j no basta e, ao longo do tempo,
acaba se impondo como um equivalente geral de todas as coisas que
existem e so, ou sero, ou podero ser, objeto de comrcio. O dinheiro
pretende ser a medida do valor que , desse modo, atribudo ao
trabalho e aos seus resultados.
Metamorfoses do dinheiro e do te rrit rio
Faamos um passeio rpido a partir do que chamaramos, para
facilidade da exposio, de comeo da histria dos dois, isto , do
dinheiro e do territrio.
Num primeiro momento h um dinheiro local, expressivo, de
contextos geogrficos limitados e de um horizonte comercial
limitado. Era o tempo de um mundo cuja compartimentao
Territrio e dinheiro: definies
14
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0 dinheiro e o territrio
produzia alvolos que seriam quase autocontidos. Um mundo sem
movimento, um mundo lento, estvel, aquelas mnadas de Leibniz,
mnadas numerosas, mas, ao contrrio das de Leibniz, sem princpio
geral. Era um dinheiro com circulao apenas local, ou quase. Nesse
primeiro momento, o funcionamento do territrio deve muito s suas
feies naturais, s quais os homens e suas obras se adaptam com
pequena mediao tcnica, porque ento as tcnicas eram de alguma forma
herdeiras da natureza circundante, ou um prolongamento do corpo.
Elas eram ao mesmo tempo o resultado desse afeioamento do corpo
natureza, e desse comando da natureza sobre a histria possvel, de
tal maneira que a tecnicidade a partir dos objetos fabricados alm
do corpo era limitada.
As relaes sociais presentes eram pouco numerosas, e eram tambm
relaes simples e pouco densas. Se o entorno mostrava mistrios na
sua existncia, no eram eles devidos, como hoje, produo da histria,
mas s foras naturais, e foras naturais desconhecidas, ao contrrio
de hoje quando de alguma forma conhecemos o funcionamento da
natureza. Ento, naquele tempo a vida material de algum modo se
impunha sobre o resto da vida social, e o valor de cada pedao de
cho lhe era atribudo pelo prprio uso desse pedao de cho. A
existncia podia ser interpretada a partir de relaes que eram
ressentidas diretamente, ou como se fossem diretas.
Nesse perodo da histria, o territrio assim delineado rege o
dinheiro; o territrio era usado por uma sociedade localizada, assim
como o dinheiro.
Da razo do uso razo da troca
Essas categorias se metamorfoseiam ao longo do tempo. Com a
ampliao das trocas, a amplificao do comrcio, com a interdependncia
crescente entre sociedades, com a produo de um nmero maior de
objetos e de um nmero maior de valores a trocar, vem a
complexificao do dinheiro, como alargamento do seu uso e da sua
eficcia. Para garantia de estabilidade das trocas e da produo de
cada grupo, aparece a necessidade da regulao, e o dinheiro comea
sua trajetria como informao e como regulador.
15
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Territrio, territrios
Cresce, expande-se e se identifica no apenas o comrcio
internacional, mas tambm o comrcio interno. Tudo tende a se tornar
objeto de troca, valorizado cada vez mais pela troca do que mesmo
pelo uso. O papel que a troca comea a ganhar uma enorme mudana na
histria dos lugares e do mundo, deslocando da primazia o papel do
uso, e at mesmo comandando o uso, ao revs do comando anterior da
troca pelo uso. Isso fundamental tanto para entender as mudanas que
o mundo conhece como para produzir toda a possibilidade de
interpretao do que existe como se fosse um resultado de relaes
mecnicas imediatas entre o grupo e o seu entorno, entre o homem e o
que ainda se chamaria a natureza.
O dinheiro aparece como uma arena de movimentos cada vez mais
numerosos, fundados sob uma lei do valor que se deve tanto ao
carter da produo escolhida como s possibilidades da circulao. A
circulao ganha sobre a produo o comando da explicao, porque ganha
sobre a produo o comando da vida. E essa lei se estende aos
lugares. Quanto maior a complexidade das relaes externas e
internas, mais necessidades de regulao; e se levanta a necessidade
de Estado: o Estado e os limites, o Estado e a produo, o Estado e a
distribuio, o Estado e a garantia do trabalho, o Estado e a
garantia da solidariedade e o Estado e a busca da excelncia na
existncia.
Cria-se o Estado territorial, o territrio nacional, o Estado
nacional, que passam a reger o dinheiro. O que h nesta fase so
dinheiros nacionais internacionalizados. E evidente que o dinheiro
nacional sofre modulaes internacionais. Ele parcialmente um
respondente interno das modulaes internacionais. M ais
profundamente a partir da presena forte do Estado, esse dinheiro
representativo das relaes, ento profundas, entre Estado
territorial, territrio nacional, Estado nacional, nao. Era um
dinheiro relativamente domesticado, o que era feito dentro dos
territrios.
0 dinheiro e o te rrit rio da globalizao
Chega o dinheiro da globalizao. Este fim de sculo permitiu a
instalao das tcnicas da informao, que so tcnicas que
16
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O dinheiro e o te rrit rio
ligam todas as outras tcnicas, que permitem que as mais diversas
tcnicas se comuniquem. Essas tcnicas da informao, afinal, a partir
do planeta, produzem um mundo (e por isso que se fala de
globalizao) e nos levam iluso da velocidade como m atriz de tudo,
como necessidade indispensvel, e certamente criam uma fluidez
potencial transformada nessa fluidez efetiva a servio de capitais
globalizados, de tal modo que o dinheiro aparece como fluido dos
fluidos, o elemento que imprime velocidade aos outros elementos da
histria. N o entanto, se o dinheiro que comanda dinheiro global, o
territrio ainda resiste. Basta refazermos mentalmente o mapa do
dinheiro no B rasil e nele encontraremos um lugar onde h todas as
modalidades possveis de dinheiro (So Paulo) e outro onde a nica
modalidade de dinheiro possvel o dinheiro-moeda (um ponto isolado
no estado mais pobre). E m outras palavras, o territrio tam bm pode
ser definido nas suas desigualdades a partir da idia de que a
existncia do dinheiro no territrio no se d da m esma form a. H
zonas de condensao e zonas de rarefao do dinheiro. Todavia, o com
ando da atividade financeira est ali onde os dinheiros todos podem
estar presentes: So Paulo. M a s , sobretudo, o com ando se d a
partir do dinheiro global. Esse dinheiro fluido, que tambm
invisvel, um dinheiro tornado praticamente abstrato, um dinheiro
global e um dinheiro desptico.
N u n ca na histria do homem houve um tirano to duro, to
implacvel quanto esse dinheiro global. E esse dinheiro global
fluido, invisvel, abstrato, mas tambm desptico, que tem um papel na
produo atual da histria, impondo cam inhos s naes. O equivalente
geral torna-se afinal o equivalente realmente universal. M a s esse
dinheiro no sustentado por operaes da ordem da infra-estrutura. E
um dinheiro sustentado por um sistema ideolgico. E sse dinheiro
global o equivalente geral dele prprio. E p or isso ele funciona de
form a autnom a e a partir de normas. Produzindo um a falsificao do
critrio, esse dinheiro autonom izado e em estado puro no existiria
assim se as condies tcnicas utilizadas pelas condies polticas que
dom inam o perodo histrico no contassem com a possibilidade de
enviesar a inform ao.
17
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Territrio, territrios
O papel do sistema ideolgico
Nossa era se caracteriza sobretudo por essas ditaduras: a
ditadura da informao e a ditadura do dinheiro, e a ditadura do
dinheiro no seria possvel sem a ditadura da informao. O dinheiro em
estado puro nutre-se da informao impura, tornada possvel quando
imaginvamos que ela seria cristalina. Curiosamente, este formidvel
sistema ideolgico acaba por ter um papel na produo da materialidade
e na conformao da existncia das pessoas.
A ideologia, como nunca aconteceu, passa a mostrar-se como
aquela metafsica suscetvel de aparecer como uma empiria. H 25 anos,
empolgava-nos a assimilao da diferena entre o veraz e o no
verdadeiro, entre a aparncia e a existncia, entre o ideolgico e o
real. Hoje a ideologia se tornou realidade, o que complica nossa
tarefa de anlise, porque se impe produo da histria concreta dos
homens a partir de um discurso nico perfeitamente elaborado e que
se torna acreditvel a partir do bombardeio das mdias, mas tambm a
partir da chancela da universidade. E desse modo que as lgicas do
dinheiro se impem ao resto da vida social. Assim, o dinheiro cria
sua lei e a impe aos outros, forando mimetismos, adaptaes, rendies,
a partir de duas outras lgicas complementares: a das empresas e a
dos governos mundiais.
A lgica do dinheiro das empresas a lgica da competitividade, que
faz com que cada empresa tornada global busque aumentar a sua
esfera de influncia e de ao para poder crescer. Os ltimos anos so
emblemticos porque so 0 teatro das grandes fuses, tanto no domnio
da produo material como no da produo de informao. Essas fuses
reduzem o nmero de atores globais e, ao mesmo tempo, a partir da
noo de competitividade, conduzem as empresas a disputarem o menor
espao, a menor fatia do mercado.
Quando, cavaleiros andantes, saem os ministros para esmolar no
Norte o que eles chamam de compreenso das empresas, como se no
soubessem que essas empresas globais necessitam dos mercados, por
mnimos que sejam, porque a perda do menor grama de atividade
inflete o poder de uma em benefcio da outra.
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O dinheiro e o te rrit rio
Todos os mercados, por menores que sejam, so fundamentais isso
tambm globalizao. Desse modo, por menor que seja um lugar, por mais
insignificante que parea, no mundo da competitividade este lugar
fundamental porque as empresas globais dependem de pequenas
contribuies para que possam manter o seu poder. Esse poder que
cego, porque no olha ao redor. Esse poder que se preocupa com
objetivos precisos, individualistas, egosticos, pragmticos um poder
cego, j que no olha ao redor. M a s escolhe lugares aqui e ali,
hoje e amanh, em funo das respostas que imaginam poder ter, e
desertam esses lugares quando descobrem que j no podem oferecer
tais respostas.
Ora, essas lgicas individuais necessitam de uma inteligncia
geral, e essa inteligncia geral no pode ser confiada aos Estados
porque estes podem decidir atender aos reclames das populaes. Ento
so esses governos globais representados pelo Fundo M o netrio
Internacional, pelo Banco M undial, pelos bancos internacionais
regionais, como o B ID , pelo consenso de Washington, pelas
universidades centrais produtoras de idias de globalizao e pelas
universidades subalternas que aceitam reproduzi-las.
Nesse mundo de enganos, a contabilidade dos pases aparece como
um dado central. M as essa contabilidade nacional , no fundo, um
nome fantasia para a contabilidade global que escolhe, entre as
categorias utilizadas, aquelas que privilegiam os interesses de um
certo tipo de agente e exclui todas as categorias de outra ndole. E
essa contabilidade global se funda em parmetros inspirados nas
prprias finanas globais, num mundo no qual no mais o capital como
um todo que rege os territrios, mas uma parte dele, isto , o
dinheiro em estado puro.
Antes o territrio continha o dinheiro, que era em parte regulado
pelo dinheiro, pelo territrio usado. Hoje, sob a influncia do
dinheiro, o contedo do territrio escapa a toda regulao interna,
trazendo aos agentes um sentimento de instabilidade, essa produo
sistemtica de medo que um dos produtos da globalizao perversa
dentro da qual vivemos, esse medo que paralisa, esse medo que nos
convoca a apoiar aquilo em que no cremos apenas pelo receio de
perder ainda mais.
Perm ita-m e aqui fazer um parntese. A associao que este fim de
sculo permitiu entre a cincia e a tcnica, a tcnica e o
19
-
Territrio, territrios
mercado, esse tecnomercado no qual vivemos e essa tecnocincia
que nos arrasta e desgraadamente tambm est arrastando as cincias
humanas, que reduz o escopo do trabalho acadmico e afasta-nos,
vezes, da busca da verdade. Devemos preocupar- nos com os destinos
que possa tomar a universidade, sobretudo quando condena a crtica
de fora, mas tambm no faz a sua prpria crtica.
Voltando ao tema central, dizamos que antes o territrio continha
o dinheiro, regulado pelo territrio usado, enquanto hoje o contedo
do territrio escapa a toda regulao interna. E o problema do Brasil
atual.
A briga entre governadores, a zanga de alguns prefeitos mais
audveis interpela o trabalho dos gegrafos e dos cientistas
polticos, conjuntamente. Porque uma cincia poltica que no se funde
no funcionamento e na dinmica do territrio pode, dificilmente,
oferecer uma contribuio emprica soluo dos problemas nacionais. O
contedo do territrio mudou, fundamentalmente, com a globalizao,
seja o contedo demogrfico, o econmico, o fiscal, o financeiro, o
poltico. O contedo de cada frao do territrio muda rapidamente. Essa
instabilidade e nervosismo atuais do territrio so a representao
emprica do nervosismo, da nervosidade, da impacincia e do
vulcanismo da nao.
Ditadura do dinheiro e desregulao do territrio nacional
Nesta fase da vida nacional, esse papel extraordinrio da
ditadura do dinheiro em estado puro acaba de mostrar-nos,
definitivamente, a dificuldade de regulao interna e tambm de
regulao externa, j que cada empresa tem interesses que somente se
exercem a partir da desregulao dos outros; ajuda a organizar a
empresa em questo e desorganiza tudo o mais. Em outras palavras, a
presena das empresas globais no territrio um fator de desorganizao,
de desagregao, j que elas impem cegamente uma multido de nexos que
so do interesse prprio, e quanto ao resto do ambiente nexos que
refletem as suas necessidades individualistas, particularistas. Por
isso, o territrio brasileiro se tornou ingovernvel. E como o
territrio o lugar de todos os homens, de todas as empresas e de
todas as
20
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0 dinheiro e o territrio
instituies, o pas tambm se tornou ingovernvel como nao, como
estado e como municpio.
Em ltima anlise esse o resultado da influncia do dinheiro em
estado puro sobre o territrio. A finana tornada internacional como
norma contraria as estruturas vigentes e impe outras. E quando tem
uma existncia autnoma, isto , no necessita consultar a ningum para
se instalar, ela funciona a despeito dos outros atores e acarreta
para o lugar uma existncia sem autonomia. H, certamente, anteparos
a essa ao do dinheiro em estado puro, maneiras de reorganizar o
territrio, como a Europa da Comunidade Europia. E outro dado que
resiste a essa ao cega do dinheiro a cidadania. No caso do Brasil
isso grave, porque o fato de que jamais tivemos cidados faz com que
a fluidez dessas foras de desorganizao se estabelea com a rapidez
com que se instala.
Essa srie de idias extremamente elementares, descosidas,
pretensiosamente despretensiosas, um convite a um trabalho maior de
pesquisa, que nos permita produzir um discurso. A universidade est
a para isso, pois ela o lugar da produo desse discurso que resulta
da anlise.
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Captulo 2A Amaznia e a poltica ambiental brasileira
Bertha K. Becker
Quando a tecnologia dos satlites permitiu ao homem olhar a terra
a partir do Cosmos, houve uma verdadeira revoluo no sentido da
percepo sobre o Planeta: passou-se a ter conscincia da sua unidade.
E importante lembrar que no se tinha, at recentemente, essa viso da
unidade do Planeta. Comeou-se a ter noo do conjunto planetrio com a
expanso da navegao a vapor, com as ferrovias e, depois, com o avio.
Isso, praticamente, no sculo X IX ; antes, conheciam-se apenas
pedaos da superfcie da Terra. No se tinha essa noo do conjunto, da
unidade do Planeta. E essa viso de fora foi extraordinria, porque
se passou a ter a conscincia da unidade e, tambm, ao mesmo tempo, a
percepo de que a natureza tornara-se um bem escasso. Isso teve um
impacto enorme. Assim, muito importante chamar a ateno sobre essa
mudana das percepes de mundo a partir do avano da tecnologia.
Outro ponto interessante a destacar aquele em relao afirmao de
Yuri Gagrin, ao ver o planeta do espao, de que a Terra era azul. Na
verdade, se mudarmos de escala, diminuindo-a um pouco, ou talvez at
mesmo na mesma escala, sob outra perspectiva, descobriremos um
imenso corao verde na Terra, e este corao a Amaznia. Descendo ainda
mais um pouco e mudando novamente a escala, veremos que essa grande
mancha verde, esse heartland - corao verde da Terra na verdade
no
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A Amaznia e a poltica ambiental brasileira
homogneo: existe uma diversidade dentro dessa unidade, comeando
pela diversidade dos ecossistemas e passando pela diversidade
cultural que existe na regio. Queremos com isto destacar duas
questes geogrficas de grande relevncia: a questo da mudana de
percepo com o avano da tecnologia e a questo das escalas,
extremamente importante na nossa disciplina, um dos trunfos que
temos em relao a outras reas e que no podemos perder, ou seja, os
territrios e suas diferentes escalas.
E claro que no s a tecnologia que muda a percepo do espao. Essas
percepes variam com os interesses humanos, e so, via de regra,
interesses conflitivos, e conflitivas, portanto, as percepes e as
aes que decorrem desses interesses. A tecnologia um elemento da
globalizao. Esse avano da tecnologia dos satlites um aspecto da
globalizao que no tem sido suficientemente explorado. Mas ele no ,
absolutamente, o nico.E um elemento entre outros. O que vale so os
diferentes interesses, motivaes, o modo como esses interesses e
motivaes se transmitem atravs de aes e como rebatem no espao
planetrio e nos territrios.
Cham o a ateno para isso porque quero dizer que a A m aznia
brasileira, nos ltimos anos, passou por profundas transformaes, e
porque existem muitos mitos em relao a ela. E importante reconhecer
isso, uma vez que, num processo repleto de sangue, suor e lgrimas,
como foi o processo de ocupao da Amaznia, na dcada de 1970 e comeo
dos anos 1980, surgiram tambm mudanas estruturais e fundamentais na
regio. Se no reconhecermos essas mudanas estruturais, no
entenderemos os processos em curso e nem poderemos fazer uma
reflexo para subsidiar polticas mais conseqentes para a regio.
Com o gegrafa poltica, estou falando de mudanas estruturais.
Podemos perguntar: afinal de contas, que mudanas estruturais so
essas? Em primeiro lugar, h uma mudana na conectividade a Amaznia,
at as dcadas de 19 50 ,19 6 0 , era uma grande ilha, praticamente
voltada para o exterior, desligada do territrio nacional, como
ocorria no antigo arquiplago" brasileiro. A conectividade de que
mais se ouve falar a conectividade promovida pelas estradas. A mais
importante, porm, a conectividade pela rede de telecomunicaes,
que
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Territrio, territrios
foi vital para a A m aznia, perm itindo a conexo com o territrio
nacional e com o exterior. E la foi base de parcerias que se
organizam hoje em vrias escalas, do nvel local ao regional,
nacional e internacional.
O utra mudana estrutural im portantssim a foi a econmica, porque
se tratava de uma rea de extrativism o que, agora, possui uma
indstria relativamente im portante, com impactos negativos muito
conhecidos. A A m aznia ocupa hoje o segundo lugar no pas na produo
m ineral e o terceiro na produo de bens de consumo durveis.
M ais um a m udana fundam ental ocorreu na estrutura do povoam
ento, que era toda fundam entada ao longo dos rios e que, hoje,
desenvolve-se ao longo das estradas implantadas na regio; e,
sobretudo, mudana na estrutura do povoamento no que se refere ao
processo de urbanizao. M uito se falou na expanso da fronteira
agrcola, mas ela foi sempre o incio de uma fronteira urbana, porque
o urbano precedeu a prpria expanso agrcola. O s ncleos urbanos eram
os ncleos de agregao, de mobilizao da fora de trabalho, da m
o-de-obra, e era a que os gatos vinh am pegar os pees, os ncleos
urbanos foram fundam entais para a devastao da floresta e a expanso
da pecuria. Portanto, no era um a fronteira para a produo agrcola
no sentido em que com um ente se pensa o espao agrrio. D e acordo
com o C en so de 20 00 , 6 9 ,0 7% da populao, na R egio N orte
urbana. A A m a z n ia um a floresta urbana. Voltaremos a esse
ponto m ais frente.
O m ais im portante em todo esse processo a m udana na organizao
da sociedade, a m udana na sociedade da A m aznia. E ssa a base de
todo processo e est ligada s grandes mazelas da regio: as telecom
unicaes, a m obilidade do trabalho, a urbanizao. O fato que houve
um a tom ada de conscincia enorme por parte da populao, um
aprendizado social e poltico, e a sociedade se organizou com o
nunca antes tinha se verificado, nem na regio nem , ta lvez, no B
rasil. M esm o no conhecendo em profun did ad e as outras regies do
B rasil em comparao mais rigorosa, facilm ente se constata a
importncia das mudanas na organizao da sociedade civil na Amaznia:
grupos sociais, projetos alternativos, m ovim entos
socioambien-
24
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A Amaznia e a poltica am biental brasileira
tais que, efetivamente, dominaram o cenrio regional,
especialmente no perodo entre 1985 e 1996, anterior aos programas
governamentais Avana Brasil e Brasil em Ao.
A viso dessas mudanas estruturais ajuda, assim, a derrubar
certos mitos sobre a regio que, importante destacar, tambm no se
revela homognea, nem na sua percepo interna, nem na sua percepo
externa. Podemos dizer que h percepes diversas ao nvel global, ao
nvel nacional e ao nvel local e regional. A esto as escalas,
percepes que, por sua vez, como j enfatizamos, esto ligadas a
interesses e motivaes diversas.
As diferentes percepes da Amaznia
Em nvel global, qual a percepo dominante em relao Amaznia? Nunca
h uma percepo unificada, evidente. Mas h uma que dominante: a da
Amaznia como uma grande unidade de conservao, a grande mancha verde
a ser preservada para a sade do planeta. O que est sob essa percepo
dominante a questo, a preocupao com o desflorestamento e seus
efeitos sobre 0 clima e o aquecimento do planeta, bem como a perda
de biodiversidade. Mais recentemente devemos acrescentar a questo
da gua, que est se tornando um bem escasso e uma preocupao central
no sentido da sua conservao e utilizao.
Essa percepo global tem duas razes muito diversas. Uma ocorre no
nvel simblico-cultural, legtima, que vem da questo ambiental, da
legitimidade dos ambientalistas, que se preocupam com a salvao do
planeta. A outra econmica e geopo- ltica, ligada riqueza natural da
Amaznia que, com as novas tecnologias, vem sendo valorizada como
capital natural, de realizao atual ou futura, ligado biodiversidade
- a base do avano da cincia na biotecnologia, no genoma; alm da
grande abundncia de gua, de crescente valor estratgico no mundo.
Trata-se do capital natural, por um lado, e de Gaia, o peso
simblico, por outro.
Evidentemente, a Amaznia tornou-se uma regio central para a
cincia, para a investigao; tornou-se uma fonte de poder porque tem
toda essa riqueza potencial, esse capital natural a ser utilizado
com as novas tecnologias. claro que estamos frisando
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Territrio, territrios
foi vital para a Amaznia, permitindo a conexo com o territrio
nacional e com o exterior. Ela foi base de parcerias que se
organizam hoje em vrias escalas, do nvel local ao regional,
nacional e internacional.
Outra mudana estrutural importantssima foi a econmica, porque se
tratava de uma rea de extrativismo que, agora, possui uma indstria
relativamente importante, com impactos negativos muito conhecidos.
A Amaznia ocupa hoje o segundo lugar no pas na produo mineral e o
terceiro na produo de bens de consumo durveis.
Mais uma mudana fundamental ocorreu na estrutura do povoamento,
que era toda fundamentada ao longo dos rios e que, hoje,
desenvolve-se ao longo das estradas implantadas na regio; e,
sobretudo, mudana na estrutura do povoamento no que se refere ao
processo de urbanizao. Muito se falou na expanso da fronteira
agrcola, mas ela foi sempre o incio de uma fronteira urbana, porque
o urbano precedeu a prpria expanso agrcola. Os ncleos urbanos eram
os ncleos de agregao, de mobilizao da fora de trabalho, da
mo-de-obra, e era a que os gatos vinham pegar os pees, os ncleos
urbanos foram fundamentais para a devastao da floresta e a expanso
da pecuria. Portanto, no era uma fronteira para a produo agrcola no
sentido em que comumente se pensa o espao agrrio. De acordo com o
Censo de 2000, 69,07% da populao, na Regio Norte urbana. A Amaznia
uma floresta urbana. Voltaremos a esse ponto mais frente.
O mais importante em todo esse processo a mudana na organizao da
sociedade, a mudana na sociedade da Amaznia. Essa a base de todo
processo e est ligada s grandes mazelas da regio: as
telecomunicaes, a mobilidade do trabalho, a urbanizao. O fato que
houve uma tomada de conscincia enorme por parte da populao, um
aprendizado social e poltico, e a sociedade se organizou como nunca
antes tinha se verificado, nem na regio nem, talvez, no Brasil.
Mesmo no conhecendo em profundidade as outras regies do Brasil em
comparao mais rigorosa, facilmente se constata a importncia das
mudanas na organizao da sociedade civil na Amaznia: grupos sociais,
projetos alternativos, movimentos socioambien-
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A Amaznia e a poltica ambiental brasileira
tais que, efetivamente, dominaram o cenrio regional,
especialmente no perodo entre 1985 e 1996, anterior aos programas
governamentais Avana Brasil e Brasil em Ao.
A viso dessas mudanas estruturais ajuda, assim, a derrubar
certos mitos sobre a regio que, importante destacar, tambm no se
revela homognea, nem na sua percepo interna, nem na sua percepo
externa. Podemos dizer que h percepes diversas ao nvel global, ao
nvel nacional e ao nvel local e regional. A esto as escalas,
percepes que, por sua vez, como j enfatizamos, esto ligadas a
interesses e motivaes diversas.
As diferentes percepes da Amaznia
Em nvel global, qual a percepo dominante em relao Amaznia? Nunca
h uma percepo unificada, evidente. Mas h uma que dominante: a da
Amaznia como uma grande unidade de conservao, a grande mancha verde
a ser preservada para a sade do planeta. O que est sob essa percepo
dominante a questo, a preocupao com o desflorestamento e seus
efeitos sobre o clima e 0 aquecimento do planeta, bem como a perda
de biodiversidade. Mais recentemente devemos acrescentar a questo
da gua, que est se tornando um bem escasso e uma preocupao central
no sentido da sua conservao e utilizao.
Essa percepo global tem duas razes muito diversas. Uma ocorre no
nvel simblico-cultural, legtima, que vem da questo ambiental, da
legitimidade dos ambientalistas, que se preocupam com a salvao do
planeta. A outra econmica e geopo- ltica, ligada riqueza natural da
Amaznia que, com as novas tecnologias, vem sendo valorizada como
capital natural, de realizao atual ou futura, ligado biodiversidade
a base do avano da cincia na biotecnologia, no genoma; alm da
grande abundncia de gua, de crescente valor estratgico no mundo.
Trata-se do capital natural, por um lado, e de Gaia, o peso
simblico, por outro.
Evidentemente, a Amaznia tornou-se uma regio central para a
cincia, para a investigao; tornou-se uma fonte de poder porque tem
toda essa riqueza potencial, esse capital natural a ser utilizado
com as novas tecnologias. claro que estamos frisando
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Territrio, territrios
a questo das novas tecnologias mas no podemos esquecer que,
simultaneamente, persiste na regio, historicamente, o extrativismo,
persistem exploraes no nobres, predatrias, como a explorao de
madeira, a expanso da agropecuria etc.
Essa valorizao da Amaznia nos d uma lio: as redes e fluxos de
capital e de informao que sustentam a riqueza circulante do mundo
hoje, que sustentam a globalizao, no eliminam o valor da riqueza in
situ, da riqueza localizada no territrio. E isso muito importante
para a Geografia. Porque muitos afirmam: Os fluxos transfronteiras
acabaram com a importncia do territrio, do Estado nacional. Ledo
engano. A prtica da geopoltica est a e mostra essa valorizao da
natureza evidenciando a importncia da riqueza localizada. E onde
esto localizados os grandes estoques da natureza, hoje? Em trs
grandes eldorados naturais no mundo contemporneo: os fundos
ocenicos (uma riqueza imensa), ainda no regulamentados e sobre os
quais h uma disputa enorme na definio dos mares territoriais; a
Antrtida, nico que est partilhado em torno de soberanias nacionais;
e a Amaznia.
Percebe-se facilmente que esses estoques de natureza esto
localizados em reas perifricas, enquanto a tecnologia avanada est
localizada nos pases centrais da o grande embate entre as potncias
pelo capital natural e pelos estoques de natureza.
A Amaznia , dessa forma, valorizada estrategicamente como smbolo
de vida e capital natural. importante frisar que o uso dessa
valorizao, seja como vida seja como capital natural, no pode
aparecer dissociada das populaes que vivem na Amaznia, porque so
elas que tm o saber local, que convivem h sculos com essa natureza
e que tm os conhecimentos (sbios), adquiridos historicamente, ao
longo do seu convvio na regio. Isso tambm um ponto importante,
porque a maioria das pessoas no tem noo do papel das populaes
nativas nessa dinmica.
A maior expresso da importncia da natureza como capital natural
o processo que estamos vivendo de mercantilizao da natureza. Ao
fazer essa reflexo, temos primeiramente essa viso atravs do mercado
do ar: a troca de crditos em funo das emisses de gs carbnico. O que
isso seno um mercado do ar, to discutido em Kioto? Quer dizer, os
pases altamente po-
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A Amaznia e a poltica ambiental brasileira
luidores fazem investimentos na conservao ou regenerao de
florestas e, com isso, ganham crdito para continuar poluindo nos
seus pases. Aqui, podemos recorrer a Karl Polanyi (2000(1944]),
quando mostra que, no sculo X IX , no processo de industrializao,
foram criadas mercadorias fictcias, porque no foram geradas com o
objetivo de venda no mercado. Mas, embora fictcias, elas geraram
mercados reais. Ele se refere, por exemplo, ao mercado da terra.
Ora, diz o autor, o que terra seno natureza? No foi produzida com o
objetivo de venda no mercado, mas, ao se tornar uma mercadoria
fictcia, gerou mercado real. Outro exemplo: a organizao dos
mercados de trabalho no sculo X IX . O que o trabalho seno vida?
Diz Polanyi: Vida no foi gerada como mercadoria, mas se tornou
mercadoria fictcia e gerou mercados reais. E finalmente o dinheiro,
que tambm foi gerado por todos os interesses, pelos bancos, e
tornou-se uma mercadoria fictcia, gerando o mercado do
dinheiro.
Polanyi chamava a ateno para isso nos sculos passados, e estamos
chamando a ateno hoje, porque esse processo de mercadorias fictcias
e mercados reais somente pode ser controlado, um pouco, pelos
movimentos da sociedade que se organizaram desde ento. Polanyi
ressaltava que esses mercados no poderiam ser deixados sua sorte
pelas leis prprias a eles. Na verdade, a sociedade gerou os
sindicatos, os movimentos de defesa de todos esses mercados reais
criados com mercadorias fictcias. Assim, no o mercado que vai poder
controlar tudo isso, e sim a sociedade. A responsabilidade de fazer
a regulao e de fazer os controles desses mercados cabe sociedade.
Temos o mercado do ar (troca de crditos de carbono), o mercado da
vida (com a questo da biodiversidade, a busca das matrizes genticas
e do direito da propriedade intelectual) e o mercado da gua, que
est em gestao com as primeiras reunies em nvel internacional. So os
foros internacionais que criam o mercado e tentam fazer a regulao,
mas a sociedade precisa estar alerta, no sentido de fazer ela
prpria essa regulao.
E difcil impedir a formao desses mercados. M as o que se pode
fazer influir e pressionar em favor de sua regulao. O que acontece
hoje envolve vrias questes. Uma a questo tica, pouco comentada. O
fato de pases poderem reflorestar,
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Territrio, territrios
criar florestas aqui e continuar poluindo alhures... H uma
questo social tambm embutida, porque muitos desses reflo-
restamentos no se fazem respeitando as demandas das sociedades que
vivem nessas florestas; configura-se uma atitude extremamente
paternalista, como j se observa em muitos casos no Brasil.
Igualmente, h uma questo ambiental porque, muitas vezes, no
reflorestamento no se usam as espcies nativas, mas espcies de fora,
sem saber ao certo como iro reagir naquele lugar. Ademais, existe a
questo geopoltica, porque floresta territrio. E possvel privatizar
uma empresa e criar outra, mas no se cria outro territrio. Penso
que uma questo sria, porque privatizar floresta privatizar
territrio. Somente se cria outro territrio, como disse Fernando
Henrique Cardoso, pela guerra. Mas essa uma hiptese que no est em
minha cogitao.
O desafio do desenvolvimento regional da Amaznia no se esgota na
problemtica global. Estou sugerindo que isso uma percepo (com aes
dela decorrentes) dominante em nvel global. H um discurso
ambientalista, mas, na verdade, sob o discurso, jazem interesses
econmicos e geopolticos, h o mercado se formando em relao aos
elementos da natureza.
Mas, insisto, a problemtica da Amaznia no se esgota em nvel
global. Em nvel nacional, qual a percepo dominante da Amaznia,
considerando-se inclusive as dissidncias? Parece- me que ainda a da
fronteira de recursos. Ou seja, a Amaznia como rea de expanso da
economia e da sociedade nacional a viso dominante. Essa questo da
viso em nvel nacional nos remete a outra: o interesse nacional, que
estava muito desleixado - pouco ou nada se falava dele. Era at
feio, porque no tinha mais Estado-nao. Logo, no tinha interesse
nacional, tema que agora est retornando. A questo se coloca no
apenas para ns, mas para o mundo todo. O que interesse nacional?
Conjunto de valores da sociedade historicamente construdo e
condicionado por situaes econmicas e geopolticas. Acredito que a
busca do desenvolvimento econmico , historicamente, um valor no
Brasil. A busca de autonomia, sem dvida, tambm um valor, embora,
via de regra, essa busca tenha levado a tratados e acordos que
conduziram a uma autonomia relativa. A paz tambm um valor
historicamente construdo no Brasil no mbito das relaes
28
-
A Amaznia e a poltica ambiental brasileira
externas; existe no pas um certo convvio pacfico em termos de
diversidade cultural, apesar das imensas desigualdades sociais.
Acrescentaramos, ainda, outro valor: a territorialidade, que,
historicamente, um valor da sociedade brasileira no somente por
causa da geopoltica, mas porque nos prprios movimentos sociais
perpassa a questo da territorialidade. Poderamos indicar: Canudos,
os quilombos, todos os movimentos de resistncia revolucionria; os
territrios indgenas, as reservas extrativistas... A questo
territorial encerra um valor no apenas do ponto de vista da
geopoltica governamental. E lcito questionar o que est acontecendo
com esses valores historicamente estabelecidos. Estaro sendo
alterados pela rpida mudana em curso na sociedade brasileira? No se
pode perder de vista a sociedade com suas demandas, presses e
conquistas de cidadania. Atualmente, ao interesse nacional
incorporam-se muitas das demandas da cidadania, como a questo
ambiental e os direitos do cidado, entre outros, que esto mudando o
prprio contedo do interesse nacional. Outro elemento que est sendo
introjetado a questo da estabilidade do entorno na Amrica do Sul,
hoje uma questo fundamental para o Brasil. Deve-se reconhecer que
esse processo repercute na Amaznia.
Polticas para a Amaznia
A mudana do contedo do interesse nacional rebate na Amaznia em
duas polticas nacionais absolutamente paralelas e conflitantes: uma
a poltica ambiental do Ministrio do Meio Ambiente poltica que foi
desenvolvida, sem dvidas, por presso internacional e nacional dos
grupos sociais que se organizaram e tambm por respostas do governo
brasileiro.
Deve-se pensar a importncia dessa poltica ambiental. Julgo que
tivemos avanos. A legislao ambiental brasileira considerada das
mais avanadas do mundo. A poltica ambiental, em dez anos, teve
grandes conquistas. A demarcao dos territrios indgenas no fato
desprezvel - algo fantstico, de conquista, de luta das sociedades e
de grupos indgenas que se caracterizam por sua capacidade de
conciliar um rpido aprendizado com a preservao de sua cultura. E
parece que vamos nos in-
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Territrio, territrios
criar florestas aqui e continuar poluindo alhures... H uma
questo social tambm embutida, porque muitos desses reflo-
restamentos no se fazem respeitando as demandas das sociedades que
vivem nessas florestas; configura-se uma atitude extremamente
paternalista, como j se observa em muitos casos no Brasil.
Igualmente, h uma questo ambiental porque, muitas vezes, no
reflorestamento no se usam as espcies nativas, mas espcies de fora,
sem saber ao certo como iro reagir naquele lugar. Ademais, existe a
questo geopoltica, porque floresta territrio. E possvel privatizar
uma empresa e criar outra, mas no se cria outro territrio. Penso
que uma questo sria, porque privatizar floresta privatizar
territrio. Somente se cria outro territrio, como disse Fernando
Henrique Cardoso, pela guerra. Mas essa uma hiptese que no est em
minha cogitao.
O desafio do desenvolvimento regional da Amaznia no se esgota na
problemtica global. Estou sugerindo que isso uma percepo (com aes
dela decorrentes) dominante em nvel global. H um discurso
ambientalista, mas, na verdade, sob o discurso, jazem interesses
econmicos e geopolticos, h o mercado se formando em relao aos
elementos da natureza.
Mas, insisto, a problemtica da Amaznia no se esgota em nvel
global. Em nvel nacional, qual a percepo dominante da Amaznia,
considerando-se inclusive as dissidncias? Parece- me que ainda a da
fronteira de recursos. Ou seja, a Amaznia como rea de expanso da
economia e da sociedade nacional a viso dominante. Essa questo da
viso em nvel nacional nos remete a outra: o interesse nacional, que
estava muito desleixado - pouco ou nada se falava dele. Era at
feio, porque no tinha mais Estado-nao. Logo, no tinha interesse
nacional, tema que agora est retornando. A questo se coloca no
apenas para ns, mas para o mundo todo. O que interesse nacional?
Conjunto de valores da sociedade historicamente construdo e
condicionado por situaes econmicas e geopolticas. Acredito que a
busca do desenvolvimento econmico , historicamente, um valor no
Brasil. A busca de autonomia, sem dvida, tambm um valor, embora,
via de regra, essa busca tenha levado a tratados e acordos que
conduziram a uma autonomia relativa. A paz tambm um valor
historicamente construdo no Brasil no mbito das relaes
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A Amaznia e a poltica ambiental brasileira
externas; existe no pas um certo convvio pacfico em termos de
diversidade cultural, apesar das imensas desigualdades sociais.
Acrescentaramos, ainda, outro valor: a territorialidade, que,
historicamente, um valor da sociedade brasileira no somente por
causa da geopoltica, mas porque nos prprios movimentos sociais
perpassa a questo da territorialidade. Poderamos indicar: Canudos,
os quilombos, todos os movimentos de resistncia revolucionria; os
territrios indgenas, as reservas extrativistas...A questo
territorial encerra um valor no apenas do ponto de vista da
geopoltica governamental. E lcito questionar o que est acontecendo
com esses valores historicamente estabelecidos. Estaro sendo
alterados pela rpida mudana em curso na sociedade brasileira? No se
pode perder de vista a sociedade com suas demandas, presses e
conquistas de cidadania. Atualmente, ao interesse nacional
incorporam-se muitas das demandas da cidadania, como a questo
ambiental e os direitos do cidado, entre outros, que esto mudando o
prprio contedo do interesse nacional. Outro elemento que est sendo
introjetado a questo da estabilidade do entorno na Amrica do Sul,
hoje uma questo fundamental para o Brasil. Deve-se reconhecer que
esse processo repercute na Amaznia.
Polticas para a Amaznia
A mudana do contedo do interesse nacional rebate na Amaznia em
duas polticas nacionais absolutamente paralelas e conflitantes: uma
a poltica ambiental do Ministrio do Meio A m biente - poltica que
foi desenvolvida, sem dvidas, por presso internacional e nacional
dos grupos sociais que se organizaram e tambm por respostas do
governo brasileiro.
Deve-se pensar a importncia dessa poltica ambiental. Julgo que
tivemos avanos. A legislao ambiental brasileira considerada das
mais avanadas do mundo. A poltica ambiental, em dez anos, teve
grandes conquistas. A demarcao dos territrios indgenas no fato
desprezvel - algo fantstico, de conquista, de luta das sociedades e
de grupos indgenas que se caracterizam por sua capacidade de
conciliar um rpido aprendizado com a preservao de sua cultura. E
parece que vamos nos in-
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Territrio, territrios
dianizar de novo: muitos grupos indgenas, que vm tendo seus
territrios demarcados, apresentam uma taxa de crescimento
demogrfico que o dobro da taxa de crescimento da mdia brasileira,
3,5%. fantstico. s vezes penso que as pessoas no do valor ao que de
fato ocorre em termos de mudana na sociedade brasileira.
Alm disso, multiplicaram-se unidades de conservao de vrios
tipos. Modelos e conceitos novos, como o caso das reservas
extrativistas - uma forma de luta, um modelo de gesto de territrio
dos seringueiros, uma verdadeira reforma agrria na rea
extrativista. Torna-se fundamental a experincia das unidades de
conservao. Em conjunto, hoje, 22% de reas indgenas e 6% de unidades
de conservao do territrio amaznico esto sob essa tutela
conservacionista. E h um projeto do governo federal, j em curso - o
Projeto A rpa (reas Protegidas da Amaznia) - que visa a ampliar a
rea protegida da Amaznia em 10%. Assim ter-se- mais de 30% do
territrio amaznico como rea protegida. Fora isso, existem mltiplos
projetos, centenas de projetos alternativos de comunidades que
lidam com a floresta, tm prticas diferenciadas e distintos usos dos
recursos da natureza. Entre as iniciativas de proteo da natureza
destacam-se tambm os corredores ecolgicos, corredores imensos, com
extenso maior do que vrios pases europeus juntos. Na minha opinio,
trata-se de algo significativo.
Uma caracterstica a ser destacada que todos os projetos
ambientais se desenvolvem com a cooperao internacional. Eu diria
que existem, hoje, trs grandes tipos de projetos com cooperao
internacional:
1) Os clssicos, que so os projetos bilaterais de cooperao
internacional.
2) Os grandes projetos voltados para o meio ambiente, com
aliados poderosssimos. Exem plos: a) Programa-Piloto para Proteo
das Florestas Tropicais (P PG -7), parceria do Brasil com o G -7 ,
Unio Europia e Banco Mundial; b) o L B A (Large Scale Biosphere-Atm
osphere Experi- ment in the Amazon), cujo grande parceiro a N A SA
; c) o Probem, projeto que envolve um a srie de laboratrios
-
A Amaznia e a poltica ambientai brasileira
estrangeiros e nacionais, alm de empresas, voltado para o
desenvolvimento da biotecnologia, que est sendo implantado cm
Manaus. outro grande projeto com grandes parcerias, mas estagnado
por impasses polticos.
3) As parcerias vinculando o local ao global que ocorrem graas s
redes de telecomunicaes, viabilizando o apoio dc parceiros
externos. Assim, por um lado, essas parcerias viabilizaram os
projetos e as lutas, como foi o caso de Chico Mendes, o mais
conhecido. Mas, por outro lado, tambm h uma ingerncia externa.
Muitas vezes as comunidades so cooptadas e a luta pela terra, pela
sobrevivncia, acaba transformando-as em sentinelas da floresta.
Ento, h certa mudana na luta inicial, nos objetivos iniciais de
resistncia, de luta de defesa da terra. E sutil. E no quero
insinuar que os projetos comunitrios no possam ter tambm essa funo,
mas acho que essa, sinceramente, no era a fundamental.
A cooperao internacional fundamental. Ningum faz nada no mundo,
hoje, sem a cooperao internacional. No adianta xenofobismo. Porm, a
cooperao precisa ter regulao, e a a sociedade tem importante papel.
preciso estabelecer as regras do jogo, pois o que vem acontecendo
na Amaznia uma autonomia excessiva da cooperao internacional, 0 que
possibilita abusos inaceitveis. Sabe-se que o Ministrio da Cincia e
Tecnologia est tomando uma srie de providncias no sentido de
robustecer as regras a fim de reduzir tal autonomia.
Retomando o ponto sobre as polticas paralelas e conflitantes na
Amaznia, emerge um segundo: a poltica de infra-estrutura. Pode-se
reportar aos principais eixos de integrao do programa Avana Brasil,
que comeou com o programa Brasil em Ao, em 1996. Basicamente,
enfocam infra-estruturas, uma estratgia antiga de ocupao da
Amaznia, porm muito mais sofisticada em termos logsticos porque usa
sistemas intermodais de transporte, com eixos hidrovirios e
estradas. Da decorre a polmica, j que so conflitantes as polticas e
muitos desses eixos vo afetar imensas reas florestais, que abrigam,
inclusive, territrios indgenas e unidades de conservao. Alm disso,
seccionaro
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Territrio, territrios
dianizar de novo: muitos grupos indgenas, que vm tendo seus
territrios demarcados, apresentam uma taxa de crescimento
demogrfico que o dobro da taxa de crescimento da mdia brasileira,
3,5%. fantstico. s vezes penso que as pessoas no do valor ao que de
fato ocorre em termos de mudana na sociedade brasileira.
Alm disso, multiplicaram-se unidades de conservao de vrios
tipos. Modelos e conceitos novos, como o caso das reservas
extrativistas - uma forma de luta, um modelo de gesto de territrio
dos seringueiros, uma verdadeira reforma agrria na rea
extrativista. Torna-se fundamental a experincia das unidades de
conservao. Em conjunto, hoje, 22% de reas indgenas e 6% de unidades
de conservao do territrio amaznico esto sob essa tutela
conservacionista. E h um projeto do governo federal, j em curso - o
Projeto Arpa (reas Protegidas da Amaznia) -, que visa a ampliar a
rea protegida da Amaznia em 10%. Assim, ter-se- mais de 30% do
territrio amaznico como rea protegida. Fora isso, existem mltiplos
projetos, centenas de projetos alternativos de comunidades que
lidam com a floresta, tm prticas diferenciadas e distintos usos dos
recursos da natureza. Entre as iniciativas de proteo da natureza
destacam-se tambm os corredores ecolgicos, corredores imensos, com
extenso maior do que vrios pases europeus juntos. Na minha opinio,
trata-se de algo significativo.
Uma caracterstica a ser destacada que todos os projetos
ambientais se desenvolvem com a cooperao internacional. Eu diria
que existem, hoje, trs grandes tipos de projetos com cooperao
internacional:
1) Os clssicos, que so os projetos bilaterais de cooperao
internacional.
2) Os grandes projetos voltados para o meio ambiente, com
aliados poderosssimos. Exemplos: a) Programa-Piloto para Proteo das
Florestas Tropicais (PPG-7), parceria do Brasil com o G-7, Unio
Europia e Banco Mundial; b) o L B A (Large Scale
Biosphere-Atmosphere Experi- ment in the Amazon), cujo grande
parceiro a NASA; c) o Probem, projeto que envolve uma srie de
laboratrios
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A Amaznia e a poltica ambiental brasileira
estrangeiros e nacionais, alm de empresas, voltado para o
desenvolvimento da biotecnologia, que est sendo implantado em
Manaus. outro grande projeto com grandes parcerias, mas estagnado
por impasses polticos.
3) As parcerias vinculando o local ao global que ocorrem graas s
redes de telecomunicaes, viabilizando o apoio de parceiros
externos. Assim, por um lado, essas parcerias viabilizaram os
projetos e as lutas, como foi o caso de Chico Mendes, o mais
conhecido. Mas, por outro lado, tambm h uma ingerncia externa.
Muitas vezes as comunidades so cooptadas e a luta pela terra, pela
sobrevivncia, acaba transformando-as em sentinelas da floresta.
Ento, h certa mudana na luta inicial, nos objetivos iniciais de
resistncia, de luta de defesa da terra. sutil. E no quero insinuar
que os projetos comunitrios no possam ter tambm essa funo, mas acho
que essa, sinceramente, no era a fundamental.
A cooperao internacional fundamental. Ningum faz nada no mundo,
hoje, sem a cooperao internacional. No adianta xenofobismo. Porm, a
cooperao precisa ter regulao, e a a sociedade tem importante papel.
E preciso estabelecer as regras do jogo, pois o que vem acontecendo
na Amaznia uma autonomia excessiva da cooperao internacional, o que
possibilita abusos inaceitveis. Sabe-se que o Ministrio da Cincia e
Tecnologia est tomando uma srie de providncias no sentido de
robustecer as regras a fim de reduzir tal autonomia.
Retomando o ponto sobre as polticas paralelas e conflitantes na
Amaznia, emerge um segundo: a poltica de infra-estrutura. Pode-se
reportar aos principais eixos de integrao do programa Avana Brasil,
que comeou com o programa Brasil em Ao, em 1996. Basicamente,
enfocam infra-estruturas, uma estratgia antiga de ocupao da
Amaznia, porm muito mais sofisticada em termos logsticos porque usa
sistemas intermodais de transporte, com eixos hidrovirios e
estradas. Da decorre a polmica, j que so conflitantes as polticas e
muitos desses eixos vo afetar imensas reas florestais, que abrigam,
inclusive, territrios indgenas e unidades de conservao. Alm disso,
seccionaro
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Territrio, territrios
essas massas de florestas contguas e contnuas, abrindo brechas
na floresta, tornando-a descontnua, permitindo a expanso de frentes
e potencializando o desmatamento regional.
Cabe indagar se possvel transformar os eixos em elementos de
novas oportunidades, ao invs de transform-los em elementos de
predao. Penso que possvel, se houver polticas complementares e
medidas adequadas. Cabe sociedade desempenhar ativamente seu papel.
E ela j fez uma presso enorme. Logrou, em apoio ao Ministrio do M
eio Ambiente, a efetivao de o B N D E S (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econmico e Social) fazer uma licitao para anlise do
impacto dos eixos na Amaznia. Essa licitao j foi realizada, mas no
produziu resultados at o momento.
A dinmica territorial regional
Retornemos questo das diferentes perspectivas em relao A m
aznia. E m nvel regional e local, a Am aznia percebida como um
espao de projeo para o futuro, de novas oportunidades, de
alternativas, de possibilidades de ascenso na qualidade de vida por
diferentes grupos sociais, cada qual com seus projetos que
registram as diferentes demandas locais, certamente influenciadas
por aes nacionais e globais. E isso se traduz, na regio, por uma
dinm ica de grande velocidade de transformao.
Citarei alguns elementos dessa transformao:i) Em relao ao
povoamento regional: um dos principais aspec
tos a questo da urbanizao. N a Amaznia ocorreu o maior
crescimento urbano do pas, porque partiu quase do zero. E um
crescimento muito grande; de acordo com o Censo de 2000, quase 70%
da populao vive em ncleos urbanos.
Discordo de alguns critrios e argumentos tradicionalmente
utilizados para tratar o processo de urbanizao no Brasil, que negam
a atribuio do conceito de urbano a ncleos pequenos e sem
equipamento. D iscordo porque a urbanizao tem dois nveis: um o nvel
pontual, concreto, do ncleo urbano em si. O outro o da urbanizao
que se d pela insero da populao
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A Amaznia e a poltica ambiental brasileira
nos valores urbanos. Esse processo tambm um processo de
urbanizao, mesmo que a populao possa viver no campo. Quer dizer,
alm dos ncleos urbanos em si, tem-se toda essa insero, essa
introjeo dos valores urbanos na populao da Amaznia. E isso por qu?
Pelas redes de telecomunicao, pela alta mobilidade espacial da
populao e pela prpria urbanizao. Os valores urbanos realmente foram
absorvidos, devido, inclusive, polivalncia daqueles que trabalhavam
na cidade e no campo.
Por outro lado, importante notar que tem havido crescimento nas
cidades de 50 mil habitantes e tambm naquelas de 20 mil.E isso
reduz a primazia histrica de Belm e Manaus. Antigamente, podia-se
generalizar, somente cresciam Belm e Manaus. Agora crescem, tambm,
as cidades de 50 e 100 mil habitantes, alm das muito pequenas, que
so as mais numerosas.
2) A migrao hoje , flagrantemente, intra-regional. No se trata
mais daquela migrao que vinha de outros estados.E mais novidade:
migrao para as fronteiras polticas, gerando movimento, por exemplo,
nas fronteiras do Brasil para a Guiana Francesa - onde os setores
de sade e de educao so gratuitos -, movimento que tende a estender
a influncia francesa pelo Amap.
3) Outro elemento importante da dinmica territorial regional o
uso da terra, podendo-se reconhecer quatro processos na Amaznia:a)
Reproduo do ciclo de expanso da pecuria, explora
o da madeira, desflorestamento e avano da fronteira. Isso se
reproduz tanto na rea j ocupada quanto na rea de floresta (talvez
em menor escala).
b) Um segundo diz respeito ao modelo socioambiental uma novidade
dos anos 1990 , representado justamente por esses projetos
alternativos, de diferentes tipos, que ocorrem em reas florestais,
em reas j povoadas. E Reserva Extrativista, pequeno produtor, ndio.
Ento, so modelos socioambientais inovadores, porque buscam
alternativas de uso da natureza e do territrio. Trata-se de prticas
locais que esto buscando e
-
Territrio, territrios
colaborando para a soluo de um problema global, qual seja, a
conservao da biodiversidade, a qual depende de solues locais,
c) Outro uso da terra a ser registrado a expanso da agricultura
capitalizada, representada principalmente pela soja. Ela vem do
Mato Grosso e adentra pelos cerrados campos e reas de pastagem
desflorestadas. O maior risco que avance sobre a floresta; existe
mesmo medo, embora se diga que no, que h umidade demais. .. A
discusso intensa, mas o risco parece ter sentido. Deve-se tomar
cuidado, face contradio da globalizao: por um lado, fala-se em
Programa-Piloto para Proteger a Floresta; por outro, a Europa, ao
subsidiar seus agricultores, impede que plantem soja para alimentar
seus animais. Ento, todo o mundo estimula a expanso da soja no
Brasil. Contradies da globalizao...
d) Da outra novidade: so os chamados econegcios, porque todos se
convenceram de que muito importante proteger a natureza, mas que
assegurar o lucro ainda fundamental. O modelo socioinovador um
sucesso poltico, mas, economicamente, no o ; apresenta mil
problemas. No tem acesso ao mercado, so difceis a comercializao e a
capacitao para gerenciamento do projeto. Ento, voltam-se para o
econegcio ou ecobusiness. Tudo indica que agora existem os dois
nveis. Os econegcios so dos pequenos, que esto fazendo artesanato,
polpa de aa, cupuau, algo mais modesto. E os ecobusiness so dos
grandes fundos de investimento, voltados, por exemplo, para o aa em
Maraj, no Baixo Amazonas, exportando para a Europa em termos
empresariais, com carteira assinada para todos os trabalhadores.
Outro exemplo o da madeira certificada, atividade bastante
lucrativa, porm muito custosa.
Esses seriam os quatro grandes componentes do uso da terra no
momento, excetuando-se, evidentemente, as unidades de conservao e
as terras indgenas, j mencionadas.
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A Amaznia o a poltica ambiental brasileira
Uma nova geografia amaznica
Com esse processo, delineia-se uma nova geografia amaznica.A
estratgia decisiva, no meu entender, refere-se aos eixos dc
integrao e desenvolvimento. (ou seria) possvel compatibilizar
interesses globais, nacionais e locais, regionais? Esta uma questo,
como tambm a de como compatibilizar aquelas duas polticas paralelas
e conflitantes.
A geografia poltica problematiza a dimenso territorial.
Visualizei at aqui um cenrio da nova geografia amaznica em
macrorregies, reconhecendo que pelo territrio que se efetiva a ao
poltica, a qual incide retroativamente sobre ele. E reconhecimento
do territrio pode ser uma sada para estabelecer diferentes
prioridades polticas. Ento, tratar-se-ia de uma nica diretriz
poltica com especificidades para as diferentes macrorregies dentro
da Amaznia. Podem-se distinguir trs grandes macrorregies na
Amaznia, com caractersticas diversas e onde devero incidir polticas
diferenciadas.
A primeira a Amaznia Oriental ou Meridional. Estou reunindo-as
propositadamente, porque esse espao no mais fronteira. E , a rigor,
acredito que no seja mais Amaznia. M aranho nunca foi Amaznia.
Tocantins nunca foi Amaznia. Mato Grosso tambm no. A Amaznia Legal
foi uma construo geopoltica. No tem nada a ver com os ecossistemas,
nem com a cultura. Hoje, essas reas esto ocupadas e povoadas. Sem
dvida, houve grandes trechos que foram desflorestados: sudeste e
sul do Par, Rondnia, norte do Mato Grosso. A fmbria da floresta foi
retirada, mas no o essencial da Amaznia. A construo geopoltica da
Amaznia Legal foi apagada pela prtica social, na minha viso. Fao
questo, igualmente, de suprimir dessa rea os nomes que lhe
atribuem: de arco do fogo" e de rea degradada". Eu levanto o
seguinte ponto: o Rio de Janeiro foi pntano. Nem por isso
insiste-se em dizer o pntano do Rio de Janeiro. Piazza Navona foi
um pntano; hoje ela Piazza Navona. Ningum continua a falar do
pntano. Com relao Amaznia semelhante: existiram florestas que foram
retiradas, mas essa macrorregio hoje uma rea povoada, de
35
-
Territrio, territrios
povoamento em consolidao. Acabou-se. Na minha opinio no h que se
referir a arco do fogo e a rea degradada, porque isso dificulta a
viso da realidade da prpria rea. Inclusive quanto a grande parte do
cerrado de Mato Grosso, riqussima em soja, no tem sentido design-la
arco do fogo e rea degradada. Ento, proponho essa mudana.
Trata-se da rea de economia mais dinmica da regio - em pecuria,
em minerao, em soja. Deve-se tambm dar ateno nessa rea, enorme
concentrao de assentamentos rurais do Incra. preciso garantir sua
permanncia. Qual seria a poltica para essa rea? A de uma poltica de
consolidao das reas produtivas, que produzem sem depredar a
natureza; consolidar mudar certos mtodos, como j se est tentando
nas imediaes de Marab pecuria melhorada, por exemplo - e recuperar
tambm reas que foram realmente devastadas, desflorestadas e
queimadas. Ve-se que a consolidao um elemento fundamental, porque
hoje, de fato, uma rea extremamente dinmica. Inclusive, diga-se, o
Tocantins um estado de passagem, que tem um dinamismo incrvel, alm
de Carajs e tudo o mais que ele comporta. Ento, para mim, isso no
mais fronteira; j uma rea de povoamento em consolidao, isto para no
dizer que j est consolidada.
A outra regio que estou reconhecendo a Amaznia Centra/, que
abrange grande parte do Estado do Par, estendendo- se at o novo
corredor da estrada Porto Velho-Manaus e sua seqncia at a
Venezuela; est-se abrindo, sem dvida alguma, um novo corredor
dentro da floresta. A temos um risco> realmente, de haver uma
frente de expanso maior. Essa rea a mais vulnervel na Am aznia,
porque nela haver maior nmero de eixos que aceleram a velocidade de
transformao, e nela existem imensas massas de florestas contguas
com unidades de conservao e com terras indgenas. Ocorre que esses
eixos seccionaro essas matas. Ento, o risco maior. Do que se
precisa em termos de poltica, se a rea mais vulnervel a velocidade
de transformao? Qual deveria ser a poltica? Acelerar o ritmo da
poltica conservacionista para contrabalanar esse risco, com
demarcao de terras indgenas, com unidades de conservao. Outra coisa
importantssima: estradas vicinais,
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-
yo js d j
para que as populaes locais tambm tirem partido da nova circulao
regional. Caso contrrio, os corredores somente exportaro soja, e a
populao local no usufruir nada. Ento, preciso prever a conservao e
a fluidez. Fluidez, para que as populaes indgenas e extrativistas
tambm possam utilizar esses eixos, porque, em geral, eles passam
pela regio completamente isolados da populao local, isto , sem a
perspectiva efetiva de inseri-la ou englob-la.
Finalmente, a Amaznia Ocidental a que fica para oeste daquele
novo corredor ao qual me referi. E a rea que ainda no foi afetada
por eixos de integrao e desenvolvimento. Ento, uma rea cuja dinmica
ainda comandada pelo ritmo da natureza; no tem a velocidade, o
risco que ter a Amaznia Central com os eixos. Ainda o domnio da
natureza. Nela est concentrada praticamente toda a riqueza da
regio, sem contar que tambm a rea do narcotrfico, do contrabando,
das maiores fronteiras polticas. Impe-se tambm a pergunta: qual a
poltica para essa rea? Vigilncia um termo fundamental para a
Amaznia Ocidental. Em termos no apenas das atividades ilcitas como
da proteo do meio ambiente, j que ela no foi depredada. Isso
significa vigilncia acompanhada de desenvolvimento sustentvel
(tenho restries a esse termo, mas enfim...). O que se poderia
prever para essa regio em termos de desenvolvimento? E bom destacar
que a expresso comandada pelo ritmo da natureza no significa que a
rea ficar parada no tempo. A Amaznia Ocidental a que tem o grande
potencial de implementar realmente um modelo de desenvolvimento
sustentvel, porque ela ainda tem a floresta.
Desenvolvimento sustentvel no se reduz quela idia de small is
beautiful. Sob o meu ponto de vista, desenvolvimento sustentvel
implica utilizar os recursos de forma conser- vacionista. A partir
da, podem-se alcanar nichos de mercado altamente sofisticados e
que, de certa maneira, j algo que est ocorrendo na regio, pois j
comearam investimentos em madeira certificada. Existem
experimentos, por exemplo, em Boca do Acre, da borracha vegetal,
que vende para a famosa Herms, na Frana. um comrcio considervel. So
produtos que podero ser utilizados de forma conservacionista e que
podem ter
A Amaznia e a poltica ambiental brasileira r - \
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Territrio, territrios
um alto valor do mercado internacional. Devem-se aprofundar as
pesquisas e as novas descobertas. Alguns produtos j esto a, mas h
outros (possibilidades de pesca, inclusive).
A Amaznia frente integrao continental e globalizao
Por fim, quero falar sobre uma nova escala que se apresenta para
a Amaznia: a escala continental. Falei da global, nacional, local.
E , agora, tem-se a Amaznia transnacional. No podemos mais pensar a
regio sem pensar na Amaznia sul-americana. Inclusive Manaus dever
ser o centro da Bacia Amaznica nessa regio ocidental, como, talvez,
Belm, que perde muito do seu espao para a ao de Goinia e Braslia
pode vir a estender sua rea de influncia at o Suriname e a Guiana
Francesa, via Macap.
Assim , M anaus tem uma posio estratgica em relao Bacia
Amaznica. Hoje, h um movimento de retomada do famoso Tratado de
Cooperao Amaznica, o qual foi estabelecido em 1978, mas ficou no
papel e praticamente nada se fez a no ser criar uma Unamaz, que
interessante: Universidades Amaznicas. Porm, em termos de cooperao,
no houve nada de significativo. Agora, esse tratado est sendo
resgatado. Um fato importante que a Secretaria do Tratado foi
instalada permanentemente no Brasil; antes girava em rodzio nos
diferentes pases sul-americanos.
Por que, de repente, resolve-se resgatar o Tratado de Cooperao
Amaznico, que estava parado no tempo? Penso duas coisas a esse
respeito. D o ponto de vista do interesse nacional, a integrao
latino-americana fundamental hoje e, particularmente, para o
Brasil, no sentido da ampliao de mercados, de cooperao, de
complementaridade, sobretudo energtica. E o caso do Mer- cosul, com
dificuldades para se consolidar. Em compensao, a Alca se afirma
cada vez mais. A Alca uma presso dos Estados Unidos, a Amrica para
os americanos - e o Mercosul, que era um projeto regional e que est
balanando.
A outra razo para a integrao amaznica o que est acontecendo
neste incio do sculo X X I , em termos de mudanas globais: a Amrica
Central e a fachada do Pacfico da Amrica do Sul esto sofrendo um
processo de militarizao crescente.
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A Amaznia e a poltica ambiental brasileira
Existem localidades de operao avanada - este o nome para evitar
chamar de bases - desde a Costa Rica, Curaao, Panam, Colmbia,
Equador, Bolvia e Chile (e Alcntara). Mas a presso para colocar
bases no territrio brasileiro era muito grande, muito maior. De
certa maneira, houve uma resistncia por parte do Brasil. Os
projetos dos Sistemas de Proteo e Vigilncia da Amaznia
(Sipam/Sivam) foram uma resposta do governo brasileiro a essa
presso.
Enquanto a crise financeira abalou a Argentina, mais de uma
tentativa de golpe ocorreu na Venezuela, configurando um verdadeiro
cerco ao territrio brasileiro. As presses so enormes: polticas,
econmicas, cientficas, financeiras. Ento, deve-se levar isso em
conta, tambm. Parece-me que, de repente, tor- namo-nos uma ilha
cercada de bases por todos os lados. E qual a incidncia da
globalizao no Brasil?
No Brasil, a incidncia da globalizao se faz pela cooperao
internacional. Parceiros poderosos, com redes locais/globais, mas
que tm o seu lado positivo, pois essa cooperao internacional um
instrumento de mudana se houver negociao adequada. E ela tem sido
um instrumento de mudana, principalmente em relao ao padro de
ocupao da Amaznia que se tinha antes. Ela trouxe, realmente,
viabilidade para os projetos alternativos, uma outra forma de
organizao da sociedade. Isso extremamente importante, um lado
extremamente positivo. Por outro ngulo, h que fazer a regulao, as
regras do jogo para o controle da informao. Para onde vai a
informao produzida nos grandes projetos?
O que estamos vivendo um outro elemento da globalizao: a
globalizao da pesquisa. Existe o International Council of
Scientific Union, que agrega todas as organizaes cientficas
internacionais de todas as disciplinas. E h um projeto imenso,
Global Environmental Change, que comeou tratando da parte fsica dos
oceanos, do clima, mas hoje um subprograma de dimenses humanas.
Pesquisadores de diferentes pases so pin- ados para participar
desses projetos, fazem parceria com pesquisadores de outros pases e
ficam satisfeitos, porque tm apoio financeiro, tm recursos para
tudo o que valorizado nessa rea. Porm, quem fica com o conjunto da
informao? No so os
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Territrio , territrios
pesquisadores nacionais; eles tm a informao apenas sobre o seu
projeto. Mas se global, tem um parceiro aqui, outros acol. O
conjunto de informao, I dorit know. Falo essas coisas porque somos
da universidade, somos pesquisadores. Devemos fazer parcerias? Sim.
A cooperao internacional importante? Sim. No h dvida alguma. Porm,
temos de saber negociar No sabemos negociar. E preciso evitar a
xenofobia sem motivos bvios. E preciso aprender isso, pois estamos
vivendo um pro- cesso de globalizao. Se no se aprende, como fazer a
regulao e estabelecer as regras do jogo que nos interessam?
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Parte ITerritrio, espao e ordem
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Captulo 3Concepes de territrio para entender a
desterritorializao*
Rogrio Haesbaert
O debate sobre os processos de des-re-territorializao, ou seja,
sobre a criao e o desaparecimento dos territrios, constitui,
podemos afirmar, um dos mais relevantes na ltima dcada e promoveu
uma espcie de dilogo oculto entre a Geografia e as demais cincias
sociais, preocupadas cada vez mais com a dimenso espacial da
sociedade. Dilogo oculto porque ele poucas vezes explicitado e,
acreditamos, pouco se d de maneira efetiva. A maioria dos gegrafos
discute pouco, de forma direta, a questo da desterritorializao
(explicitada apenas em obras bem recentes como as de 0 Tuathail
(1998) e M itchell (2000), ou a nossa prpria em Haesbaert, 1995), e
a imensa maioria dos cientistas sociais que abordam a questo ignora
solenemente o trabalho dos gegrafos.
Este texto vincula-se a um trabalho de maior flego sobre as
dinmicas ditas de desterritorializao, em desenvolvimento no mbito
do Nureg (Ncleo de Pesquisas sobre Regionalizao e Globalizao) do
Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense. O
autor agradece aos participantes dos debates efetuados em eventos
cientficos em que o tema foi apresentado, especialmente o II
Simpsio Nacional sobre Espao e Cultura (Uerj, 2000), o Simpsio
Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (PUC-Rio, 2001) e o XX
Encontro Nacional da Anpur (UFRJ, 2001).
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Territrio, terrltrloi
possvel afirmar que as cincias sociais promoveram uma verdadeira
redescoberta do territrio, mas na maioria das v. zes, de forma
contraditria, apenas para enfatizar o seu desaparecimento. A obra
que melhor sintetiza este ponto de vista a do cientista poltico
francs Bertrand Badie, em O fim dos territrios (1996). Ele um dos
autores (incluindo a alguns gegrafos) que acreditam na mudana de um
mundo territorial" para um mundo reticular ou das redes, como se
fosse ntida a distino entre estas duas formas de organizar e de
pensar 0 espao geogrfico.
No bojo do discurso dos fins, tpico do climafin-de-siicleque
recentemente vivenciamos e antecedido pelo debate em torno do fim
da modernidade e do advento da ps-modernidade surgiu tambm, depois
da polmica tese de Francis Fukuyama sobre o fim da histria
(Fukuyama, 1992), o discurso sobre 0 fim da Geografia. Dois textos
so os mais explcitos: 0 do pensador francs Paul Virilio (1997) e o
de Richard OBrien (1991), E muito fcil perceber, desse modo, a
intensidade com que tem sido abordado o tema do debilitamento ou do
quase completo desaparecimento dos territrios, da geografia ou,
enfim, das bases espaciais da sociedade. O mais incmodo, contudo,
perceber que h lugar para o discurso da defesa tanto do fim do
espao ou do territrio quanto da superabundncia espacial" do nosso
tempo (Jameson, 1984), sob o domnio do presente e da
sincronicidade. Grande parte destes equvocos se deve | confuso
conceituai em relao a espao e territrio. Mesmo entre autores que
utilizaram amplamente a noo de desterrito- rializao, como Deleuze e
Guattari, encontramos uma grande ambivalncia conceituai se nas
sociedades tradicionais no h dvida sobre seu carter mais
territorializado, sob 0 capitalismo pode-se falar tanto em um
domnio da territorializao quanto da desterritorializao.1
1. Em outros trabalhos, j desenvolvidos, analisamos essas
ambivalnciai da noo de desterritorializao presente nas obras O
anti-dipo (Deleuze e Guattari, s/d) e O que afilosofia? (Dclcuze e
Guattari, 1992). Para cises autores, o capitalismo promotor,
sobretudo, da destcrritorializaio. J para autores como Badie
(1996), o territrio fundado pela ordem estatal moderna.
44
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Concepes de territrio para entender a destorrltorlalIzaSo
Territrio e terrltorlallza3o no discurso das cincias sociais
Para entender os sentidos atuais com que se utiliza o termo des-
territorializao preciso, primeiro, esclarecer a que noo de
territrio estamos nos referindo. Em trabalho anterior (Haesbaert,
2001), realizamos um balano dessas noes a partir do modo (muitas
vezes implcito) com que elas apareciam nos discursos sobre a
destcrritorializao. Aqui, procederemos no sentido inverso,
inventariando as grandes linhas de interpretao do territrio
vigentes at hoje nas cincias sociais para, a partir da,
interpretarmos as diversas possibilidades de entender os processos
de desterritorializao.
Como sabemos, o conceito de territrio amplamente utilizado no
apenas na Geografia, mas tambm em reas como a Cincia Poltica
(especialmente no que se refere ao Estado) e a Antropologia
(principalmente em relao s sociedades tradicionais, com vnculos
espaciais mais pronunciados).
Um levantamento mais detalhado dessas diversas concepes permite
agrup-las dentro dos seguintes referenciais tericos:
a) o binmio materialismo e idealismo, desdobrado depois em duas
outras perspectivas, a viso mais totalizante e a viso mais parcial
de territrio em relao a: i) o vnculo sociedade-natureza; ii) as
dimenses sociais privilegiadas (econmica, poltica e/ou
cultural);
b) a historicidade do conceito, em dois sentidos: i) sua
abrangncia histrica se um componente ou condio geral de qualquer
sociedade ou se est historicamente circunscrito a determinado(s)
perodo(s) ou grupo(s) sociais; ii) seu carter mais absoluto ou
relacional: fsico-concreto (como
coisa", objeto), apriori (no sentido de espao kantiano) ou
social-histrico (como relao).
Fica evidente que a resposta a esses referenciais ir depender,
sobretudo, da posio filosfica a que estiver filiado o pesquisador.
Assim, um marxista, dentro do materialismo histrico e dialtico, ir
defender uma noo de territrio que: i) privilegia sua dimenso
material, sobretudo no sentido econmico, ii) est historicamente
situada e iii) define-se a partir das relaes sociais nas quais se
encontra inserido, ou seja, tem um sentido claramente
relacional.
45
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Territrio, territrios
No entanto, devemos reconhecer que vivenciamos hoje um
entrecruzamento de proposies tericas, e so muitos, por exemplo, os
que contestam a leitura materialista como aquela que responde pelos
fundamentos primeiros da organizao social. Somos levados, mais uma
vez, a buscar superar a dicotomia material/ideal, o territrio
envolvendo, ao mesmo tempo a dimenso espacial concreta das relaes
sociais e o conjunto de representaes sobre o espao ou o imaginrio
geogrfico" que tambm move essas relaes.
E por isso que no basta partirmos de posies filosficas bem
definidas, na medida em que diversas proposies conceituais no se
enquadram com clareza em uma nica grande corrente terica, como
ocorria no passado. Apesar dos riscos de seus edetismos, um dos
legados do chamado ps-modernismo contemporneo justamente esta
abertura para um maior cruzamento de influncias tericas, sem
esquecer que se trata de um movimento multifacetado (Haesbaert,
1997), que incorpora inclusive autores que mantm um p em correntes
filosficas bem estruturadas (como o caso do materialismo histrico
[e geogrfico] em autores como Harvey, 1989, e