TERMODIN ˆ AMICA Enrico Fermi Traduzido por Alejandra Kandus I. OS SISTEMAS TERMODIN ˆ AMICOS A. O Estado de um Sistema e suas Transforma¸ c˜ oes Na mecˆanica, o estado de um sistema em um instante dado, fica completamente definido se s˜ao conhecidas a posi¸ c˜ ao e a velocidade de cada part´ ıcula de massa do sistema. Isto significa que, para especificar o estado de um sistema composto por um n´ umero N de massas pontuais, ´ e necess´ario conhecer 6N variaveis. Na termodinˆamica introduz-se um conceito diferente e muito mais simples de estado. Na verdade seria inconve- niente utilizar a defini¸ c˜ aodinˆamicade estado, j´a quetodos ossistemas com osque setrabalha em termodinˆamica, contˆ em um grande n´ umero de massas pontuais (os ´ atomos e mol´ eculas) e seria pr´aticamente imposs´ ıvel especi- ficar as 6N variaveis. Por outra parte, n˜ao ter´ ıa sentido faz´ e-lo, j´a que as magnitudes que s˜ao utilizadas em termodinˆamica s˜ao propriedades em promedio do sistema; em conseq¨ uˆ encia, um conhecimento detalhado de cada massa pontual seria superfluo. Para explicar o conceito termodinˆamico de estado de um sistema, examinaremos primeiramente alguns exemplos simples. • Sistema composto por um fluido homogˆ eneo e qu´ ımicamente definido. ´ E possivel medir em este sistema a temperatura t, o volume V e a press˜ao p. A temperatura mede-se pondo um termˆometro em contato com o sistema, durante um intervalo de tempo suficiˆ entemente longo para que se chegue ao equil´ ıbrio t´ ermico. Como ´ e sabido, a temperatura definida por qualquer termˆometro (por exemplo, um termˆometro de merc´ urio) depende das propriedades particulares da substˆancia termom´ etrica utilizada. Por enquanto, convenimos em usar o mesmo tipo de termˆometro para todas as medi¸ c˜ oes de temperatura, de manera tal que sejam compar´aveis entre si. A geometr´ ıa de nosso sistema est´a caracterizada, como ´ eobvio,n˜aos´opor um volume, mas tamb´ em pela sua forma. Por´ em, a maioria das propriedades termodinˆamicas independem da forma do sistema e, portanto, ´ e o volume o ´ unico dado geom´ etrico necess´ario. Somente noscasos emque a rela¸ c˜ ao de superf´ ıcie ` a volume ´ e muito grande (por exemplo, uma substˆancia finamente pulverizada), deve levarse em conta tamb´ em a superf´ ıcie. Para uma determinada quantidade de substˆancia contida no sistema, a temperatura, o volume e a press˜ao n˜ao s˜ao magnitudes independentes, pois est˜ao relacionadas umas com outras por uma equa¸ c˜ ao de forma geral: f (p,V,t)=0 (1) conhecida como equa¸ c˜ ao de estado. Sua forma funcional depende das propriedades caracter´ ısticas da substˆancia. Quaisquer das trˆ es variaveis na rela¸ c˜ ao (1) pode ser expressada como uma fun¸ c˜ ao das out- ras duas, resolvindo a equa¸ c˜ ao com respeito ` a vari´avel dada. O estado do sistema fica assim completa-
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Transcript
TERMODINAMICA
Enrico Fermi
Traduzido por Alejandra Kandus
I. OS SISTEMAS TERMODINAMICOS
A. O Estado de um Sistema e suas Transformacoes
Na mecanica, o estado de um sistema em um instante dado, fica completamente definido se sao conhecidas a
posicao e a velocidade de cada partıcula de massa do sistema. Isto significa que, para especificar o estado de um
sistema composto por um numero N de massas pontuais, e necessario conhecer 6N variaveis.
Na termodinamica introduz-se um conceito diferente e muito mais simples de estado. Na verdade seria inconve-
niente utilizar a definicao dinamica de estado, ja que todos os sistemas com os que se trabalha em termodinamica,
contem um grande numero de massas pontuais (os atomos e moleculas) e seria praticamente impossıvel especi-
ficar as 6N variaveis. Por outra parte, nao terıa sentido faze-lo, ja que as magnitudes que sao utilizadas em
termodinamica sao propriedades em promedio do sistema; em consequencia, um conhecimento detalhado de cada
massa pontual seria superfluo.
Para explicar o conceito termodinamico de estado de um sistema, examinaremos primeiramente alguns exemplos
simples.
• Sistema composto por um fluido homogeneo e quımicamente definido. E possivel medir em este sistema
a temperatura t, o volume V e a pressao p. A temperatura mede-se pondo um termometro em contato
com o sistema, durante um intervalo de tempo suficientemente longo para que se chegue ao equilıbrio
termico. Como e sabido, a temperatura definida por qualquer termometro (por exemplo, um termometro
de mercurio) depende das propriedades particulares da substancia termometrica utilizada. Por enquanto,
convenimos em usar o mesmo tipo de termometro para todas as medicoes de temperatura, de manera tal
que sejam comparaveis entre si. A geometrıa de nosso sistema esta caracterizada, como e obvio, nao so por
um volume, mas tambem pela sua forma. Porem, a maioria das propriedades termodinamicas independem
da forma do sistema e, portanto, e o volume o unico dado geometrico necessario. Somente nos casos em que
a relacao de superfıcie a volume e muito grande (por exemplo, uma substancia finamente pulverizada), deve
levarse em conta tambem a superfıcie. Para uma determinada quantidade de substancia contida no sistema,
a temperatura, o volume e a pressao nao sao magnitudes independentes, pois estao relacionadas umas com
outras por uma equacao de forma geral:
f (p, V, t) = 0 (1)
conhecida como equacao de estado. Sua forma funcional depende das propriedades caracterısticas da
substancia. Quaisquer das tres variaveis na relacao (1) pode ser expressada como uma funcao das out-
ras duas, resolvindo a equacao com respeito a variavel dada. O estado do sistema fica assim completa-
2
mente determinado por quaisquer duas das tres variaveis p, V , t. Frequentemente e conveniente representar
graficamente estas duas quantidades em um sistema de cordenadas ortogonais. Por exemplo, podemos usar
uma representacao (V, p) tomando V ao longo do eixo das absicas e p ao longo do eixo das ordenadas. Um
ponto no plano (V, p) definira assim um estado do sistema. Os pontos que representam estados de igual
temperatura, jacem sobre uma curva denominada isoterma.
• Sistema composto por um solido homogeneo, quımicamente definido. Neste caso, para definir o estado do
sistema podemos introduzir, alem da temperatura t e o volume V , as pressoes atuantes nas distintas direcoes.
Porem, na maioria dos casos, supoe-se que o solido esta submetido a uma pressao isotropica, e leva-se em
conta um unico valor dela, como no caso de um fluido.
• Sistema constituido por uma mistura homogenea de distintos compostos quımicos. Neste caso as variaveis
que definem o estado do sistema nao sao unicamente a temperatura, volume e pressao, mas tambem as
concentracoes dos diferentes compostos quımicos que compoem a mistura.
• Sistemas nao homogeneos. Para definir o estado de um sistema nao homogeneo, e necessario dividı-lo em
um certo numero de partes homogeneas. Esse numero pode ser finito em alguns casos, e infinito em outros.
Esta ultima posibilidade, considerada so raramente em termodinamica, aparece quando as propriedades do
sistema, ou pelo menos de algumas partes dele, variam de forma contınua de um ponto para outro. O
estado do sistema fica entao definido pela massa, a composicao quımica, o estado de agregacao, a pressao,
o volume e a temperatura de cada uma das partes homogeneas. E obvio que estas variaveis nao sao todas
independentes entre si. Assim, por exemplo, a soma das quantidades de cada elemento quımico presente
nas distintas partes homogeneas deve ser constante e igual a quantidade total desse elemento presente no
sistema. Alem, o volume, a pressao e a temperatura de cada uma das partes homogeneas que tem uma
massa e uma composicao quımica determinada, estao relacionadas por uma equacao de estado.
• Sistema que contem partes em movimento. Em quase tudos os sistemas que sao estudados em ter-
modinamica, supoe-se que as distintas partes que o constituem estao em repouso, ou movimentam-se tao
lentamente que a sua energıa cinetica pode ser desprezada. Se esse nao e o caso, devem-se especificar tambem
as velocidades das partes para que o estado do sistema fique completamente definido.
Do dito ate agora surge claramente que o conhecimento do estado termodinamico nao e suficiente para a
determinacao do estado dinamico de um sistema. Estudando o estado termodinamico de um fluido homogeneo,
de volume e temperatura dados (a pressao fica entao determinada pela equacao de estado), observa-se que existe
um numero infinito de estados de movimento molecular que lhe correspondem. Na medida que o tempo decorre,
o sistema passa sucesivamente por todos os estados dinamicos correspondentes ao estado termodinamico dado.
Desde esse ponto de vista, pode-se dizer que um estado termodinamico e o conjunto de todos os estados dinamicos
pelos quais passa rapidamente o sistema, como resultado do movimento molecular. Esta definicao de estado e mais
bem abstrata e de modo nenhum unica. E por isso que indicaremos quais sao as variaveis de estado, em cada caso
particular.
3
Entre os estados termodinamicos de um sistema devemos destacar, pela sua importancia, os estados de equilıbrio.
Eles tem a propriedade de nao mudar, entanto sejam mantidas constantes as condicoes externas. Por exemplo, um
gas encerrado em um recipiente de volume constante, esta em equilıbrio quando a pressao se mantem constante e
sua temperatura igual a do medio ambiente.
Com frequencia deveremos considerar transformacoes de um sistema, desde um estado inicial ate outro final,
passando por uma sucessao contınua de estados intermediarios. Se o estado do sistema pode representar-se em
um diagrama (V, p), o grafico da transformacao sera uma curva que une os dois pontos que representam os estados
final e inicial.
Diz-se que uma transformacao e reversıvel, quando os sucessivos estados intermediarios da transformacao se
diferenciam dos estados de equilıbrio, em quantidades infinitesimales. Uma transformacao reversıvel, realiza-
se na pratica, variando muito lentamente as condicoes externas para assim permitir que o sistema se ajuste
gradativamente as novas condicoes. Por exemplo, pode-se produzir uma expansao reversıvel de um gas, encerrando-
o dentro de um cilindro com um pistao movil, e deslocando o pistao para fora muito lentamente. Se desloca-mos o
pistao bruscamente, formariam-se correntes na massa gaseosa em expansao, e os estados intermediarios deixariam
de ser estados de equilıbrio.
Se em um sistema efetuarmos uma transformacao reversıvel, desde um estado inicial A ate um estado final B,
poderemos levar o sistema novamente, por meio da transformacao inversa, desde B ate A, passando pela mesma
sucessao de estados intermediarios, mas desta vez na ordem inversa. Para realizar esta transformacao, e necessario
simplesmente variar em forma muito lenta, e em sentido oposto ao da transformacao original, as condicoes do
meio que envolve ao sistema. Poderıamos assim, voltando para a experiencia discutida no paragrafo anterior,
comprimir o gas encerrado no cilindro, deslocando o pistao muito devagar, para dentro, ate levar o gas ao seu
volume e estado iniciais. A compressao e entao realizada em forma reversıvel, e o gas passa pela misma sucessao
de estados intermediarios do processo de expansao.
1. Trabalho
A definicao de trabalho feito sobre um sistema por uma forca f e
L =
∫ r1
r2
f · dr
Existem muitas formas de fazer trabalho sobre um sistema, algumas delas sao
• Comprimindo um fluido: quando se comprime um fluido submetendo-o a uma pressao externa p, o trabalho
feito e dL = −pdV . Como dV neste caso e negativo (o fluido diminui seu volume), esse trabalho feito pelas
vizinhancas sobre o gas e positivo. Se o fluido se expande, o trabalho feito pelo gas sobre as vizinhancas e
positivo, e sobre o sistema negativo. Assim o sinal do incremento de volume e importante.
• Esticamento de um arame em dl: dL = f · dl.
• Trabalho feito por um campo eletrico E sobre uma carga q: dL = qE · dr.
4
• Trabalho feito contra a tensao superficial ao incrementar a area superficial de um lıquido em dA: dL = γdA,
onde γ e o coeficiente de tensao superficial.
• Trabalho feito por uma cupla G para produzir um deslocamento angular dθ: dL = G · dθ.
• Trabalho por unidade de volume feito por um campo eletrico E: dL = E.dP , onde dP e a polarizacao, ou
seja, o momento dipolar eletrico por unidade de volume.
• Trabalho por unidade de volume feito por um campo magnetico sobre um meio magnetizavel: dL = B ·dM ,
onde M e a magnetizacao do meio, ou seja, momento dipolar magnetico por unidade de volume.
Assim, o trabalho feito sobre um sistema e o produto de uma forca geralizada, X e um deslocamento geralizado
dx. Deve-se ressaltar que o trabalho feito e sempre o produto de uma variavel intensiva, X (ou seja, uma
propriedade definida em todo ponto do sistema material) e uma variavel extensiva, dx, que descreve o deslocamento
sob a acao da variavel intensiva.
Variaveis Intensivas: sao aquela que nao dependem da quantidade de materia do sistema (exemplos: pressao,
temperatura).
Variaveis Extensivax : sao aquelas que dependem da quantidade de materia do sistema (exemplos: volume,
densidade).
Durante uma transformacao, o trabalho externo que realiza o sistema, pode ser positivo ou negativo, isto e, o
sistema pode efetuar trabalho sobre o meio que o rodeia, ou o meio fazer trabalho sobre o sistema. Como exemplo
consideramos um corpo encerrado em um cilindro, com um embolo movil de area S (Figura 1)
dh
p
Fig. 1
Se p e a pressao do corpo sobre as paredes do cilindro, a forca exercida pelo corpo sobre o embolo sera pS. Se
se desloca o embolo uma distancia infinitesimal dh, efetua-se um trabalho infinitesimal
dL = pSdh, (2)
devido a que o deslocamento e paralelo a forca. Mas Sdh e igual ao incremento dV no volume do sistema. Portanto
podemos escrever
dL = pdV. (3)
5
Para uma transformacao finita, o trabalho que realiza o sistema obtem-se integrando a equacao (3):
L =
∫ B
ApdV, (4)
tomando a integral sobre toda a transformacao.
E obvio que (3) e valida em geral, independentemente de qual seja a forma do recipiente. Consideremos um corpo
submetido a uma pressao uniforme p, encerrado em um recipiente de forma irregular A (Fig.2 ). Consideremos
agora uma transformacao infinitesimal de nosso sistema, durante a qual as paredes do recipiente se movimentam
desde a posicao inicial A ate a posicao final B, permitindo assim a expansao do corpo contido nele. Seja dσ
um elemento de superfıcie do recipente e dn o deslocamento desse elemento na direcao normal a superfıcie do
recipiente. O trabalho efetuado sobre o elemento de superfıcie dσ pela pressao p durante o deslocamento das
paredes do recipiente desde a posicao A ate a posicao B sera pdσdn. O trabalho total realizado durante a
transformacao infinitesimal se obtem integrando essa expressao sobre toda a superfıcie σ do recipiente. Dado que
p e uma constante, obtemos:
dL = p
∫
dσ dn
. Resulta evidento ao observar a Fig.2 que a variacao dV do volume do recipiente e dada pela integral de superfıcie,
dV =
∫
dσ dn
Comparando estas duas equacoes obtemos (3)
dσ
dn
B A
Fig. 2
Quando o estado do sistema pode ser representado num diagrama (V, p), o trabalho realizado durante uma
transformacao tem uma interpretacao geometrica simples. Consideraremos uma transformacao desde um estado
inicial indicado pelo ponto A ate um estado final indicado pelo ponto B (vide Fig. 3). Esta transformacao sera
representada por uma curva que une A e B, e cuja forma depende do tipo de transformacao considerada.
O trabalho realizado durante esta transformacao e dado pela integral
L =
∫ VB
VA
pdV, (5)
sendo VA e VB os volumes correspondentes aos estados A e B. Esta integral, e portanto o trabalho efetuado, pode
representar-se geometricamente pela area sombreada na Fig. 3.
6
p
V
A
B
V VBA
Fig. 3
Especialmente importantes sao as transformacoes para as quais os estados inicial e final sao os mesmos. Estas
sao as chamadas transformacoes cıclicas, ou ciclos. Um ciclo, portanto, e uma transformacao que leva novamente
o sistema para seu estado inicial. Se o estado do sistema pode ser representado num diagrama (V, p), um ciclo
sera representado neste diagrama por uma curva fechada, como a curva ABCD (vide Fig. 4).
O trabalho, L, efetuado pelo sistema durante a transformacao cıclica, e dado geometricamene pela area encer-
rada pela curva que representa o ciclo. Sejam A e C os pontos das absicas mınima e maxima do nosso ciclo, e sejam
A′ e C ′ as suas respetivas projecoes sobre o eixo V . O trabalho realizado durante a parte ABC da transformacao
e positivo e igual a area ABCC ′A′A. O trabalho efetuado durante o resto da transformacao, CDA, e negativo
e igual em magnitude a area CC ′A′ADC. A quantidade total de trabalho positivo realizado e igual a diferencia
entre estas duas areas, e, portanto, igual a area limitada pela curva que representa o ciclo.
D
P
V
CB
A
A´ C´
Fig. 4
E importante notar que, o trabalho total realizado e positivo porque percorrimos o ciclo no sentido do movimento
das agulhas do relogio. Se o percorremos em sentido contrario, o trabalho efetuado sera dado novamente pela area
limitada pela curva representativa do ciclo, mas desta vez ele sera negativo.
Uma transformacao durante a qual o sistema nao faz trabalho externo, e chamada transformacao isocora. Se
supomos que o trabalho dL efetuado durante um elemento infinitesimal da transformacao e dado, de acordo com
a equacao (3), por pdV , para uma transformacao isocora e dV = 0, ou, por integracao, V = constante. Uma
transformacao isocora e, portanto, uma transformacao de volume constante. Este fato justifica o nome de isocora.
Porem, deve-se ter em conta que o conceito de transformacao isocora e mais geral, devido a que requer que dL = 0,
para a transformacao dada, mesmo quando o trabalho dL nao possa-se representar pela equacao (3).
As transformacoes durante as quais a pressao ou a temperatura do sistema mantem-se constantes, denominam-
se respectivamente transformacoes isobaricas e transformacoes isotermicas.
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B. Gases Ideais ou Perfeitos
A equacao de estado de um sistema composto por uma certa quantidade de gas, que ocupa um volume V a
uma temperatura t e uma pressao p, pode ser exprimida por uma lei analıtica muito simples. Obtemos a equacao
de estado de um gas na sua forma mais simples, passando da escala empırica de temperatura, t usada ate agora,
para uma nova escala de temperatura T .
Provisoriamente definimos T como a temperatura indicada por um termometro de gas, no qual o gas ter-
mometrico e mantido a uma pressao muito baixa, e a um volume constante. Supoe-se entao que T e proporcional
a pressao do gas. E um fato experimental bem conhecido que, sob essas condicoes, as leituras de distintos
termometros de gas sao, em grande medida, independentes da natureza do gas termometrico, sempre que ele se
encontre suficientemetne longe da condensacao. Porem, mais adiante veremos que e possıvel definir essa mesma
escala de temperaturas T por meio de consideracoes termodinamicas gerais, completamente independentes das
propriedades especıficas dos gases. A temperatura T e a temperatura absoluta.
A equacao de estado de um sistema composto por m gramas de um gas, cujo peso molecular e M , e dada
aproximadamente por
pV =m
MRT, (6)
R e uma constante universal (isto e, tem o mesmo valor para todos os gases: R = 8, 314×107erg/K, ou R = 1, 986
cal/K). A equacao (6) e chamada de equacao de estado de um gas ideal ou perfeito; ela inclui as leis de Boyle,
Gay-Lussac e Avogadro. Nao existe qualquer gas real que cumpra exatamente a equacao (6). Para n moles de um
gas (mol: numero de gramas de um gas, numericamente igual ao seu peso molecular), teremos m = M , e portanto
(6) reduz-se a:
pV = nRT. (7)
De (6) e (7) podemos obter a densidade ρ do gas em funcao da pressao e da temperatura
ρ =m
V=
Mp
RT. (8)
Para uma transformacao isotermica de um gas ideal (transformacao a temperatura constante), temos
pV = constante.
No diagrama (V, p), portanto, as transformacoes isotermicas de um gas ideal estao representadas por hiperbolas
equilateras que tem como assıntotas os eixos V e p.
Podemos calcular facilmente o trabalho realizado pelo gas durante uma expansao isotermica, desde um volume
inicial V1 ate um volume final V2. Este trabalho sera dado por
L =
∫ V2
V1
pdV =m
MRT
∫ V2
V1
dV
V
=m
MRTln
(
V2
V1
)
=m
MRTln
(
p1
p2
)
(9)
8
no qual p1 e p2 sao as pressoes inicial e final respectivamente. Para um mol de gas temos:
L = RTln
(
V2
V1
)
= RTln
(
p1
p2
)
(10)
Uma mistura de varios gases e governada por leis muito semelhantes a aquelas que cumpre um gas quımicamente
homogeneo. Chamaremos de pressao parcial de uma das componentes de uma mistura de gases, a pressao que essa
componente exercerıa se esse gas ocupara sozinho o volume total que ocupa a mistura, encontrando-se a mesma
temperatura que ela. Podemos entao exprimir a lei de Dalton para as misturas de gases, na forma seguinte: A
pressao exercida por uma mistura de gases e igual a soma das pressoes parciais de todas as componentes presentes
na mistura. Os gases reais obedecem so aproximadamente a esta lei, mas supoe-se que ela e cumprida exatamente
no caso dos gases ideais.
9
II. PRIMEIRA LEI DA TERMODINAMICA
A. Formulacao da Primeira Lei da Termodinamica
A primeira lei da termodinamica e escencialmente a formulacao do princıpio de conservacao da energıa para
sistemas termodinamicos. Como tal, pode ser exprimida deixando estabelecido que a variacao de energıa de
um sistema durante uma transformacao qualquer, e igual a quantidade de energıa que o sistema recebe do meio
circundante. Para dar um significado preciso a esta formulacao, e necessario definir o que e “energıa do sistema”
e “energıa que o sistema recebe do meio circundante, durante uma transformacao”,
Nos sistemas conservativos, puramente mecanicos, a energıa e igual a soma das energıas cinetica e potencial, e
portanto uma funcao do estado dinamico do sistema, ja que conhecer este estado dinamico, e equivalente a conhecer
as posicoes e velocidades de todas as massas pontuais contidas no sistema. Se sobre o sistema, nao atuam forcas
externas, a energıa permanece constante. Portanto, se A e B sao dois estados sucessivos de um sistema isolado e
UA e UB sao as energıas correspondentes, temos
UA = UB
Quando sobre o sistema atuam forcas externas, UA nao devera ser necessariamente igual a UB . Se −L e o
trabalho feito pelas forcas externas durante uma transformacao desde o estado inicial A ate o estado final B (+L
e o trabalho feito pelo sistema), o princıpio dinamico de conservacao da energıa toma entao a forma
UB − UA = −L (11)
Desta equacao surge que o trabalho L, feito durante a transformacao, depende so dos estados extremos A e B
desta, e nao da maneira particular em que foi feita a transformacao de A ate B.
Suponhamos agora que desconhecemos as leis de interacao entre as distintas massas pontuais do nosso sistema
dinamico. Neste caso, nao podemos calcular a energıa do sistema, quando este encontra-se em um estado dinamico
determinado. Porem, utilizando a equacao (11) podemos obter uma definicao empırica da energıa de nosso sistema,
na forma seguinte:
Consideremos em nosso sistema um estado O, escolhido arbitrariamente e, por definicao, tomamos a sua energıa
como igual a zero:
UO = 0 (12)
Em adiante, vamos nos referir a este estado como o estado de referencia do sistema. Consideremos agora um
estado qualquer, A; aplicando ao sistema forcas externas adequadas, poderemos levar-o desde o estado de referencia
(no qual supomos que se encontrava inicialmente) ao estado A. Seja LA o trabalho feito pelo sistema durante
esta transformacao (−LA e o trabalho que fazem as forcas externas sobre o sistema). Aplicando (11) e esta
transformacao, e levando em conta (12) temos
UA = −LA (13)
Esta equacao pode ser usada como definicao empırica da energia UA do sistema no estado A.
10
Para que a definicao (13) tenha significado, e obvio que o trabalho LA deve necessariamente depender so dos
estados O e A, e nao do caminho particular entre O e A no qual a transformacao e feita. Ja temos dito que
esta propriedade deduz-se da (11). Se fosse demostrado experimentalmente que essa propriedade nao e cumprida,
isso significarıa que, ou a energıa nao e conservada em nosso sistema, ou que alem do trabalho mecanico, devem
levar-se em conta outras formas de transferencia de energia.
Supomos por enquanto, que o trabalho relizado durante qualquer transformacao, pelo nosso sistema mecanico
depende unicamente dos estados inicial e final da transformacao, de forma tal que podemos utilizar (13) como
definicao de energia.
A equacao (11) pode-se obter a partir da (13) da seguinte forma. Uma transformacao entre dois estados
quaisquer A e B pode-se efetuar sempre como duas transformacoes sucessivas: primeiro realiza-se a transformacao
desde A ate o estado de referencia O, e logo a transformacao desde O ate B. Devido a que o sistema efetua durante
estas duas transformacoes a soma dos trabalhos −LA e +LB, o trabalho total realizado durante a transformacao
desde A ate B (que independe do percurso) e
L = −LA + LB
De (13) e da equacao analoga,
UB = −LB
obtemos
UB − UA = −L
que e identica a (11).
Devemos notar, finalmente, que a definicao de energıa dada pela (13) nao e unica, ja que depende da escolha
particular do estado de referencia O. Se em vez de O tivessemos escolhido um estado de referencia diferente, O′,
terıamos obtido um valor diferente, U ′A, para a energıa do estado A. Porem, pode se demostrar muito facilmente
que UA e U ′A diferem somente em uma constante aditiva. A transformacao entre os estados O′ e A pode por
sua vez efetuarse como soma de duas transformacoes sucessivas, uma desde O′ ate O, e outra desde O ate A. O
trabalho L′A realizado pelo sistema, quando ele passa de O′ ate A sera entao dado por
L′A = LO′O + LA
na qual LO′O e o trabalho que realiza o sistema indo de O′ ate O. Temos agora:
UA = −LA; U ′A = −L′
A
de modo que
UA − U ′A = LO′O
o que demostra que os valores da energıa obtidos baseando-nos nas duas escolhas do estado de referencia, diferem
na constante LO′O.
11
Esta constante aditiva indeterminada que aparece na definicao da energıa, e, como e sabido, uma caraterıstica
escencial do conceito de energıa. Porem, dado que na pratica consideram-se diferencas de energıa, a constante
aditiva nao aparece nos resultados finais.
A unica hipotese implıcita na definicao anterior de energıa, foi supor que o trabalho total efetuado pelo sistema
durante uma transformacao qualquer, depende so dos estados inicial e final desta. Temos dito que, se algum
resultado experimental contradiz esta hipotese, deverıamos admitir, para seguir afirmando a validade do princıpio
de conservacao da energıa, a existencia de metodos de intercambio de energıa, distintos do trabalho mecanico,
entre o sistema e o medio circundante.
Tomemos, por exemplo, um sistema composto por uma quantidade de agua. Consideremos dois estados A e B
deste sistema a pressao atmosferica; sejam tA e tB as temperaturas do sistema em estes dois estados, respetiva-
mente, com tA < tB . Podemos levar o nosso sistema desde A ate B por dois caminhos diferentes:
Primerio metodo: Aqueciendo a agua sobre uma flama, elevamos a sua temperatura desde o valor inicial tA ate
o valor final tB. O trabalho externo efetuado pelo sistema durante a transformacao, e praticamente zero. Serıa
exatamente zero se a mudanca de temperatura nao estivesse acompanhada por um cambio do volume da agua.
Em realidade, a mudanca de volume da agua durante a transformacao e muito pequena, por tanto a quantidade
de trabalho que efetua-se tambem e muito pequena, e nao sera levada em conta em nostras consideracoes.
Segundo metodo: Elevamos a temperatura da agua desde tA ate tB aqueciendo-a por atrito. Com este objetivo,
submergimos nela um pequeno conjunto de paletas adosadas a um eixo central, e fazendo-as girar, agitamos o
lıquido. Observamos que, ao girar as paletas, a temperatura da agua aumenta contınuamente. Devido a que
a agua oferece resistencia ao movimento das paletas, para manter-las em esse estado de movimento ate atingir
a temperatura tB , devemos efetuar trabalho mecanico. A esta consideravel quantıa de trabalho positivo feito
pelas paletas sobre a agua, corresponde uma quantıa igual de trabalho negativo efetuado por ela, ao resistir-se ao
movimento de aquelas.
Vemos entao que o trabalho efetuado pelo sistema para passar do estado A para o estado B depende do caminho
escolhido para efetuar a transformacao.
Se supomos que o princıpio de conservacao da energıa cumpre-se para o nosso sistema, devemos entao admitir
que a energıa transmitida a agua, no segundo metodo em forma de trabalho mecanico das paletas em rotacao, e
no primeiro, uma forma nao mecanica da energıa chamada de calor. Chegamos assim a conclusao de que o calor
e o trabalho mecanico sao equivalentes; sao dois aspectos diferentes do mesmo fenomeno: a energıa.
Para exprimier de um modo mais precisso o fato que o calor e o trabalho sao equivalentes, procederemos na
seguinte forma.
Primeiramente, encerramos nosso sistema em um recipiente com paredes nao condutoras de calor, para assim
evitar o intercambio de calor com o medio circundante. Porem, supomos que ha intercambio de trabalho entre
o sistema e o medio circundante (por exemplo, encerrando o sistema em um cilindro de paredes nao condutoras,
e provido de um embolo movil em uma das suas extremidades). O intercambio de energıa entre o interior e o
exterior do recipiente pode produzir-se agora so na forma de trabalho, e do princıpio de conservacao da energıa
deduz-se que a quantıa de trabalho feito pelo sistema durante qualquer transformacao depende unicamente dos
12
estados inicial e final da transformacao.
Podemos agora utilizar a definicao empırica (13) da energıa e definir a energıa U como funcao de somente o
estado do sistema. Se chamamos ∆U = UB − UA a variacao de energıa de nosso sistema que tem lugar durante
uma transformacao desde um estado A para um estado B, poderemos escrever a equacao (11) aplicada a nosso
sistema termicamente isolado na forma
∆U + L = 0 (14)
Se o nosso sistema nao esta termicamente isolado, o primeiro membro de (14) sera, em geral, distinto de zero,
pois em esse caso pode haver intercambio de energıa na forma de calor. Portanto, substituımos (14) pela equacao
mais geral
∆U + L = Q (15)
onde Q e igual a zero para transformacoes realizadas com sistemas isolados termicamente, e distinta de zero, em
geral nos outros casos.
Q pode interpretar-se fısicamente como a quantidade de energıa que recebe o sistema, em formas diferentes do
trabalho. Isto pode-se deduzir imediatamente do fato de que a variacao de energıa ∆U do sistema deve ser igual
a quantidade total de energıa que este recebe do meio circundante. Mas, pela (15) temos
∆U = −L + Q
onde −L e a energıa recebida em forma de trabalho; portanto Q representa toda outra forma de energıa que recebe
o sistema.
Por definicao, designamos a Q como a quantidade de calor recebido pelo sistema durante a transformacao.
Para uma transformacao cıclica, a equacao (15) adota uma forma muito simples. Devido ao fato que os estados
inicial e final sao os mesmos, a variacao de energıa e zero: ∆U = 0, e a equacao (15) transforma-se em
L = Q (16)
De aqui surge que o trabalho feito por um sistema durante uma transformacao cıclica, e igual ao calor absorvido
pelo sistema.
A esta altura, e importante estabelecer a relacao entre esta definicao abstracta de calor e sua definicao
calorimetrica elementar. A unidade calorimetrica de calor, a calorıa, define-se como a quantidade de calor
necessaria para elevar de 14 ◦C ate 15 ◦C a temperatura de uma grama de agua, a pressao atmosferica nor-
mal. Para elevar de 14 ◦C ate 15 ◦C a temperatura de m gramas de agua a pressao atmosferica normal, sao
necessarias, por tanto, m calorıas. Seja ∆uc a variacao de energıa de uma grama de agua, e lc o trabalho efetuado
como resultado da sua expansao quando a temperatura se eleva de 14 ◦C ate 15 ◦C a pressao atmosferica normal.
Para m gramas de agua, a variacao de energıa e o trabalho realizado serao
∆Uc = m∆uc; Lc = mlc (17)
13
Consideremos agora um sistema S que experimenta uma transformacao. Com o objetivo de medir o calor
intercambiado entre o sistema e os corpos que o rodeiam, pomos-os em contato com um calorımetro que contem m
gramas de agua, a uma temperatura de 14 ◦C. Escolhemos a massa de agua de forma que quando a transformacao
tinha-se completado, a temperatura da agua seja de 15 ◦C.
Como um calorımetro ideal esta perfeitamente isolado termicamente, o sistema composto por S e a agua do
calorımetro, esta termicamente isolado durante a transformacao. Portanto, podemos aplicar a esta transformacao
a equacao (14). A variacao total de energıa e igual a soma
∆U = ∆Us + ∆Uc
sindo ∆Us a variacao de energıa do sistema S, e ∆Uc a variacao de energıa da agua do calorımetro. Em forma
analoga, para o trabalho total realizado temos:
L = Ls + Lc
Por (14) obtem-se
∆Us + ∆Uc + Ls + Lc = 0
ou, pela (17)
∆Us + Ls = − (∆Uc + Lc)
= −m (∆uc + lc) .
Mas, de acordo com a definicao (15), ∆Us + Ls e a quantidade de calor Qs recebida pelo sistema S. Entao temos
Qs = −m (∆uc + lc) (18)
que indica que a quantidade de calor e proporcional a m.
Por outra parte, em calorimetrıa, o fato que a temperatura de m gramas de agua tinha-se elevado de 14 ◦C ate
15 ◦C significa que tem sido transferidas do sistema S para o calorımetro, m calorıas; isto e, que o sistema S tem
recebido −m calorıas, ou que Qs exprimido em calorıas e igual a −m. Comparando com (18) vemos tambem que
a quantidade de calor como e dada pela definicao (15), e proporcional a mesma quantidade quando esta exprimida
em calorıas. A constante de proporcionalidade e (∆uc + lc).
De acordo com (15), o calor e medido em unidades de energıa (ergios). A relacao constante entre ergios e
calorias, tem sido medida por muitos pesquisadores, os que tem encontrado que
1 calorıa = 4, 185 × 107 ergios (19)
A equacao (15), que e uma formulacao precissa da equivalencia entre calor e trabalho, exprime a primeira lei
da termodinamica.
14
B. Aplicacao da Primeira Lei da Termodinamica a Sistemas Cujos Estados Podem-se Representar em um
Diagrama (V, p)
Aplicaremos agora a primeira lei da termodinamica a um sistema, um fluido homogeneo, cujo estado pode ser
definido em termos de quaisquer duas das tres variaveis V , p e T . Qualquer funcao de estado do sistema, como
por exemplo sua energıa U , sera uma funcao das duas variaveis escolhidas para representar esse estado.
Para evitar confusoes no que respecta a quais sao as variaveis independentes, quando seja necessario trabalhar
com derivadas parciais, encerramos o sımbolo de derivada parcial em um parentese e pomos ao pe a variavel que
se mantem constante na derivacao parcial. Desta forma (∂U/∂T )V significa derivada de U com respeito a T ,
mantendo V constante, quando tomamos V e T como variaveis independentes. Deve-se levar em conta que a
expressao de acima e em geral distinta de (∂U/∂T )p devido ao fato que no primeiro caso e o volume o que se
mantem constante, mas no segundo caso e a pressao a que se mantem constante.
Consideremos agora uma transformacao infinitesimal de nosso sistema, isto e, uma transformacao para a qual
as variaveis independentes sofrem so variacoes infinitesimais. Aplicamos a essa transformacao a primeira lei da
termodinamica, segundo se exprime na equacao (15). Em lugar de ∆U , L e Q devemos escrever dU , dL e dQ,
para indicar a natureza infinitesimal de essas quantidades. Obtemos entao
dU + dL = dQ (20)
Neste ponto e importante distinguir entre aqueles diferenciais que se referem a funcoes de estado, e aqueles que
nao. Ja vimos que p, V e T sao funcoes de estado, como U . Cada uma delas toma um valor definido para um
sistema em particular, em um estado em particular. Assim dU e o diferencial de uma funcao de estado, como o
sao dp, dV e dT , mas dQ e dL nao porque podemos passar de U1 a U2 somando quantidades distintas de L e Q.
Assim, para distinguir os diferenciais destas quantidades os escrevemos 6 dQ e 6 dL e portanto (20) fica
dU+ 6 dL = 6 dQ (21)
Como em nosso sistema do gas 6 dL e dado por 6 dL = pdV , temos
dU + pdV = 6 dQ (22)
Se elegemos T e V como variaveis independentes, U se converte em uma funcao dessas variaveis, de maneira
que podemos escrever
dU =
(
∂U
∂T
)
VdT +
(
∂U
∂V
)
TdV,
e a equacao (22) converte-se em
(
∂U
∂T
)
VdT +
[(
∂U
∂V
)
T+ p
]
dV = 6 dQ (23)
Na mesma forma, tomando p e T como variaveis independentes obtemos
[
(
∂U
∂T
)
p+ p
(
∂V
∂T
)
p
]
dT +
[(
∂U
∂p
)
T
+ p
(
∂V
∂p
)
T
]
dp = 6 dQ (24)
15
Finalmente, tomando V e p como variaveis independentes temos
(
∂U
∂p
)
V
dp +
[
(
∂U
∂V
)
p+ p
]
dV = 6 dQ (25)
A capacidade termica, ou capacidade calorıfica, de um corpo e, por definicao, a relacao
C ≡6 dQ
dT
entre a quantidade infinitesimal de calor 6 dQ absorvida pelo corpo e o incremento infinitesimal de temperatura
dT produzido por este calor. Em geral, a capacidade calorıfica de um corpo sera distinta se ele e aquecido
a volume constante ou a pressao constante. Sejam CV e Cp as capacidades termicas a volume constante e a
pressao constante, respectivamente. Da equacao (23) podemos obter uma expressao simples para CV . Para uma
transformacao infinitesimal a volume constante dV = 0 e portanto
CV =
(
6 dQ
dT
)
V=
(
∂U
∂T
)
V(26)
Em forma analoga, usando a expressao (24) obtemos para Cp a seguinte expressao
Cp =
(
6 dQ
dT
)
p=
(
∂U
∂T
)
p+ p
(
∂V
∂T
)
p(27)
O segundo termo a direita na expressao (27) representa o efeito do trabalho efetuado durante a expansao sobre a
capacidade calorıfica. Em (26) nao aparece um termo analogo porque nao ha expansao.
Chama-se calor especıfico de uma sustancia, a capacidade termica por unidade de massa. As formulas (26)
e (27) dao-nos o calor especıfico a volume constante e a pressao constante, sempre que, em vez de tomar uma
quantidade qualquer de sustancia, tomemos uma grama. Se tomarmos um mol de sustancia, entao as formulas
(26) e (27) dao-nos os calores moleculares, ou molares.
1. Outra Deducao dos Calores Especıficos
U e uma funcao de estado, e ja vimos que podemos descrever completamente as propriedades de um gas em
termos de somente duas coordenadas, isto e, duas funcoes de estado. Entao seja U = U (T, V ). Temos que
dU =
(
∂U
∂T
)
VdT +
(
∂U
∂V
)
TdV
Substituindo em (22) e usando 6 dL = pdV temos
6 dQ =
(
∂U
∂T
)
VdT +
[(
∂U
∂V
)
T+ p
]
dV
Podemos agora definir matematicamente o conceito de capacidade calorıfica C. A ”volume constante” definimos
Cv ≡
(
6 dQ
dT
)
V=
(
∂U
∂T
)
V(28)
A ”pressao constante”
Cp =
(
6 dQ
dT
)
p=
(
∂U
∂T
)
V+
[(
∂U
∂V
)
T+ p
](
∂V
∂T
)
p(29)
16
Estas expressoes nos dao o aumento da temperatura para uma determinada entrega de calor. Deve ser notado
que estas capacidades calorıficas nao se referem a alguma massa o volume de gas em particular. Se convenciona
usar ”capacidades calorıficas especıficas” ou ”calores especıficos”, onde a palavra ”especıfico” significa ”por
unidade de massa”. Convencionalmente, as quantidades especıficas se escrevem em letra minusucula, assim
cV =CV
m, cp =
Cp
m
Substraındo (28) de (29) obtemos
Cp − CV =
[(
∂U
∂V
)
T+ p
](
∂V
∂T
)
p
A interpretacao desta equacao e imediata. O segundo termo entre corchetes, p, descreve a razao a qual o
sistema faz trabalho sobre as vizinhancas, empurrando-as a pressao constante p. O primeiro termo tem a ver com
as propriedades internas do gas, porque ele descreve como muda a energıa interna com o volume. Ele deve ser
associado com o trabalho feito contra distintos tipos de forcas intermoleculares dentro do gas. Assim, Cp − CV
prove informacao sobre (∂U/∂V )T . Observar que o fator (∂V/∂T )p e proporcional ao coeficiente de dilatacao do
sistema.
C. Aplicacao da Primeira Lei da Termodinamica aos Gases Ideais.
No caso de um gas ideal, podemos exprimir em forma explıcita a dependencia entre a energıa e as variaveis
de estado. Escolhemos como variaveis independentes T e V , e demostramos, em primeiro lugar, que a energıa e
so funcao da temperatura T , e nao depende do volume V . Esta propriedade, como muitas outras propriedades
dos gases ideais, cumple-se aproximadamente para os gases reais. Mais para frente, partindo da segunda lei da
termodinamica, demostraremos que a energıa de qualquer corpo que cumpra a equacao de estado (7) de um gas
ideal, deve ser independente do volume V . A esta altura, porem, daremos uma demostracao experimental de esta
proposicao para um gas. Trata-se do experimento de Joule.
Dentro de um calorımetro, Joule colocou um recipiente provido de duas camaras, A e B, comunicadas por um
tubo. Recheiou com gas a camara A e fez vacuo na camara B. Previamente, colocou uma chave de passo no tubo
de conexao, para poder isolar entre sı as duas camaras. Quando o termometro introduzido no caloımetro indicava
que tinha-se atingido o equilıbrio termico, Joule abriu a chave para permitir a passagem do gas desde A para B,
ate que a pressao em tudo o recipiente fosse a mesma. Observou entao que tinha-se produzido so um pequeno
cambio na leitura do termometro. Isto significava que, praticamente nao tinha-se produzido qualquer transferencia
de calor do calorımetro para a camara ou a inversa. Considera-se que se fosse possıvel fazer esse experimento com
um gas ideal, produzirıa-se nenhum cambio de temperatura.