Não é possível ver tudo nem se conhecer totalmente, sempre haverá pontos cegos. Mas podemos melhorar nossa capacidade de escolher o que ver, escolher o nosso mundo e permanentemente construir o nosso eu. O momento atual da trajetória da humanida- de clama por mudanças em nossa forma de viver. Precisamos aprender como acomodar 9 a 10 bilhões de pessoas sobre o planeta. Como isso nunca aconte- ceu, não temos quem nos ensine. Podemos aprender com sociedades e civilizações que vivem ou viveram em regiões com recursos muito escassos para o tamanho de sua população, que sabem, souberam ou tiveram tempo para moldar convenientemente sua cultura e tecnologias. Podemos também apren- der com as que fracassaram. Porém, a situação do momento contém alguns elementos que as civiliza- ções anteriores não enfrentaram: a escala global de nossos impactos e de nossa presença interconectada. O coletivo agora é global. Sala de aula é fogo também porque ela não é o mundo. Criamos na sala de aula modelos do mun- do e brincamos com eles para ensinar e aprender. Espera-se que quem não conhece aprenda com quem conhece. E quando ninguém conhece? E quando precisamos aprender sobre um mundo que ainda não existe – o futuro? Imagine que o mundo seja uma sala de aula. Na situação atual, não há professor. Os alunos devem apren- der uns com os outros. Por outro lado, a sala de aula não é mais uma sala, mas o mundo, e podemos aprender com ele. O grande mestre pode ser o próprio mundo. A Teoria U guarda aí sua maior riqueza. Ao modelar a aprendizagem humana, nos permite aprender coletiva- mente sobre o todo, a partir da essência de cada parte. Nós, humanos, temos uma crença fantástica de que criamos o futuro a partir de hoje, utilizando o passado. Se nossa sala de aula é o próprio mundo, se a aula é a própria vida, se somos professor e aluno ao mesmo tempo, então a Teoria U se soma a outras propostas de formação e exercício da liderança, onde todos somos líderes e liderados. Porque 9 a 10 bilhões de pessoas – todos primos, já que descen- dentes da mesma origem africana – somente poderão viver bem e dentro dos limites do planeta se todas forem líderes e liderados. Sala de aula é fogo, porque ela tanto pode acen- der o fogo da criação quanto congelar a energia vital. Acostumamo-nos a pensar em uma sala de aula com um professor, os alunos e a matéria. Mais do que o obrigatório professar de seu conhecimento, ao profes- sor cabe arranjá-lo como se arranja a lenha em uma lareira, acender a fagulha em um recanto que possa aninhar uma chama, protegê-la do vento, alimentar o fogo até que ele arda. E depois controlá-lo para que ilumine sem ofuscar, aqueça sem chamuscar. É na sala de aula que o aluno pode mudar o rumo de sua vida, se frustrar ou nada sentir. Chamar uma pessoa de aluno é uma aplicação evidentemente incô- moda da palavra “aluno” – “sem luz” – a alguém que pode emitir, no próprio momento da aula, mais luz até sobre a matéria que o professor. Como um pedaço de lenha em uma lareira, cada aluno pode participar da fogueira coletiva, ou se isolar. Pior ainda, a lenha ansiosa por se queimar permanecer friamente deita- da, silenciosa, potencial. Um dos segredos da sala de aula é a atenção. Ao professor e aos alunos cabe dirigir a atenção para a matéria. O bom professor sabe mostrar aquele encanto da matéria em que a curiosidade dos alunos acende em suas mentes a fagulha da atenção. Cuidando do recanto em que as primeiras chamas se acendem, professor e alunos podem aumentar o calor da maté- ria até alcançarem juntos seus próprios corações. Devidamente cuidado, as vontades serão mobilizadas, e por isso a sala de aula tem o poder de despertar a plenitude do humano: inteligência, sentimento e rea- lização; mente, coração e vontade. Otto Scharmer chama nossa atenção para a atenção. Em minhas aulas, gosto muito de usar um filminho sobre dois times de basquete que trocam passes com duas bolas, uma para cada time. Estimulado a focar em um dos times, o espectador não percebe que um sujeito fan- tasiado de urso atravessa a cena e dança moon walker. As pessoas se assustam quando, em uma segunda exibi- ção do filme, são alertadas para o urso que não tinham visto. Ao exercitarem tão claramente o direcionamento intencional da atenção, as pessoas percebem o quanto ele é fundamental. O mundo em que imaginamos viver é a composição dos pontos que iluminamos com nossa atenção. Todo o resto são pontos cegos. A Teoria U destina-se a ajudar a ver mais do todo, a partir de um melhor conhecimento de si próprio. POR CLÁUDIO BOECHAT “Teoria U – Como liderar pela percepção e realização do futuro que emerge, através da mente aberta, coração aberto e vontade aberta” C. Otto Scharmer, Editora Campus, 2010 CLÁUDIO BOECHAT é professor e coordenador técnico do Núcleo Petrobras de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral. Pois hoje / É amanhã, / Ontem. (Nektar: Remember the Future) 104 DOM