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Captulo VII -Teoria Geral dos Fatos Jurdicos
Sumrio: 1. Consideraes Preliminares; 2. Distino entre Fato
Jurdico e Fato Ma-terial (Ajurdico) e a Lgica do Mundo Jurdico; 3.
Definio do Fato Jurdico; 4.Classificao dos Fatos Jurdicos; 5. Os
Diferentes Planos do Mundo Jurdico; 6.Consequncias dos Fatos
Jurdicos; 6.1. Generalidades; 6.2. Aquisio de direitos;6.3.
Modificao dos direitos; 6.4. Defesa dos direitos; 6.5. Extino dos
direitos; 7.Fato Jurdico em Sentido Estrito; 8. Ato-Fato Jurdico;
9. Ato Jurdico; 10. NegcioJurdico; 10.1. Noes gerais; 10.2.
Definio; 10.3. Caractersticas e breve escoroevolutivo; 10.4.
Classificao; 10.5. Regras de interpretao; 10.6. Diferentes
planos(dimenses) do negcio jurdico; 10.7. Plano da existncia e seus
pressupostos (ele-mentos de existncia); 10.8. Plano da validade e
seus requisitos: a invalidade (nulid-ade a anulabilidade) do negcio
jurdico; 10.8.1. Consideraes gerais sobre o planoda validade;
10.8.2. Os requisitos da validade; 10.8.3. A representao no
negciojurdico; 10.8.4. A invalidade do negcio jurdico; 10.8.5.
Converso substancial donegcio jurdico; 10.8.6. A simulao; 10.9.
Plano da eficcia e seus fatores; 10.9.1.Generalidades; 10.9.2.
Condio; 10.9.3. Termo; 10.9.4. Modo ou encargo; 10.10.Defeitos do
negcio jurdico; 10.10.1. Generalidades; 10.10.2. Erro ou
ignorncia;10.10.3. Dolo; 10.10.4. Coao; 10.10.5. Leso; 10.10.6.
Estado de perigo; 10.10.7.Fraude contra credores ou Fraude
Pauliana; 10.11. O negcio jurdico e a proteodo terceiro de boa-f;
11. O Fato Ilcito; 11.1. Advertncia prvia; 11.2. Noes con-ceituais;
11.3. Efeitos jurdicos decorrentes da ilicitude; 11.4. Tutela
preventiva e tu-tela reparatria da ilicitude; 11.5. Excludentes de
ilicitude; 12. O Abuso do Direito;12.1. Noes introdutrias e
referncias histricas; 12.2. O abuso de direito naordem
civil-constitucional e a sua ntima relao com a boa-f objetiva;
12.3. Recon-hecimento e efeitos do abuso de direito; 12.4. O abuso
de direito e o Cdigo Civil(art. 187); 12.5. Modalidades especficas
de atos abusivos; 12.5.1. Generalidades;12.5.2. A proibio de
comportamento contraditrio (venire contra factum propri-um);
12.5.3. A supressio (Verwirkung) e a surrectio (Erwirkung); 12.5.4.
O tuquoque; 12.5.5. O duty to mitigate the loss (o dever do credor
de mitigar as prpriasperdas); 12.5.6. O substancial performance (a
tese do inadimplemento mnimo ouadimplemento substancial); 12.5.7. A
violao positiva de contrato (tese do adimple-mento fraco ou ruim);
12.6. O abuso de direito em concreto (aplicao prtica);
13.Referncias; 14. Jurisprudncia Sumulada.
Amores vista, amores a prazo,Amor ciumento que s cria caso,
Tem gente que jura que no volta maisMas jura sabendo que no
capaz
Tem gente que escreve at poesia,
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E rima saudade com hipocrisiaTem assunto bea para a gente
falarMas no interessa, o negcio amar.
(Carlos Lyra, O negcio amar)
1. Consideraes PreliminaresNo se pode olvidar que o Direito
serve para a adaptao social, orde-
nando a comunidade e viabilizando a convivncia. Traa, pois,
regras de
controle social, dotadas de coercibilidade. fenmeno, pois, tpico
do homosocialis, uma vez que o homo naturalis, isolado de tudo e de
todos, no ne-cessitaria de harmonizao social.
V-se, ento, com clareza solar a importncia dos fatos para a vida
so-cial. Com efeito, dos fatos que surgir o Direito organizado como
cin-
cia (ex facto ius oritur, j dizia a parmia latina).Com habitual
sensibilidade, explica Caio Mrio da Silva Pereira ser o
fato elemento gerador do direito subjetivo mesmo quando se
apresenta tosingelo que mal se perceba, mesmo quando ocorra dentro
do ciclo rotineirodas eventualidades quotidianas, de que todos
participam sem daremateno. A lei comumente define uma
possibilidade, um vir a ser, que setransformar em direito mediante
a ocorrncia de um acontecimento queconverte a potencialidade de um
interesse, em direito individual.[1076]
Efetivamente, a vida uma sucesso de acontecimentos, fatos,
origina-dos por vezes das foras da natureza e em outras
oportunidades da condutahumana. O valor desses acontecimentos
diuturnos, todavia, no igual. Aorevs. Surge a norma jurdica
exatamente para sopesar o valor dos fatos. Emoutras palavras, a
norma ir qualificar, adjetivar, os fatos
cotidianos,juridicizando-os.
Marcos Bernardes de Mello, preclaro civilista da bela e
aprazvelMacei, sempre pertinente, observa: quando o fato interfere,
direta ou in-diretamente, no relacionamento inter-humano, afetando,
de algum modo, oequilbrio de posio do homem diante dos outros
homens, a comunidadejurdica atua sobre ele, edita norma que passa a
regul-lo, imputando-lhe
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efeitos que repercutem no plano da convivncia social. Parece
claro, da,que a norma jurdica atua sobre os fatos que compem o
mundo,atribuindo-lhes consequncias especficas (efeitos jurdicos) em
relao aos
homens, os quais constituem um plus quanto natureza do fato
emsi.[1077]
Ora, se a norma qualifica os fatos, exsurge a bvia concluso de
que odireito, surgindo de fatos que sucedem habitualmente no mundo,
aconte-cimento rotineiro na vida humana. Como bem visualizava o
eminente juristapeninsular Roberto de Ruggiero, em obra clssica, o
direito, sendo aconte-cimento dirio, no se desenrola seno atravs de
uma srie infinita demanifestaes jurdicas.[1078]
Desde atos mais banais (como no exemplo do turista que apanha
aconcha na praia, realizando ocupao e adquirindo a propriedade mvel
de
uma res nullius ou do campons que, arando a propriedade, lana
sementesno campo do seu vizinho, dando lugar a uma acesso), at
outros atos maiscomplexos e formais (como o casamento ou a elaborao
de um testa-mento) evidenciam a presena do direito.
A norma jurdica representa, pois, a valorao de fatos. Ao traar
suasregras de convivncia social, o homem est, a partir de critrios
axiomticos,valorando os fatos que reputa importantes para as relaes
intersubjetivas,elevando-os categoria de fatos jurdicos.[1079] Essa
valorao essencialpara conferir coercibilidade a determinados
acontecimentos, afinal somenteos fatos qualificados como jurdicos
trazem fora coercitiva.
Dessa multiplicidade de eventos (dependentes ou no da vontade
hu-
mana), que ganharam qualificao da norma, nascem os fatos
jurdicos,caracterizando-se pela repercusso na rbita jurdica,
produzindo efeitosjurdicos.
Assim, ser fato jurdico aquele evento, seja qual for a sua
natureza eorigem, que repercutir na esfera jurdica.
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2. Distino entre Fato Jurdico e Fato Material(Ajurdico) e a
Lgica do Mundo Jurdico
O fato jurdico se caracteriza pela produtividade de efeitos
jurdicos,distinguindo-se do fato material, que no os produz, no
estando acober-tado pela coercibilidade. Aqui, repita-se saciedade,
no importa a naturezainstrnseca do fato, podendo ter idntica
origem. O que interessa produtividade de efeitos normatizados.
Exemplo tpico e claro o raio(relmpago) que atinge uma casa. Esse
acontecimento pode ser um fatojurdico (se a residncia estava
acobertada com uma aplice de seguro) ouum simples fato material (se
no estava assegurada a residncia contra oevento).
Assim, o que distingue o fato jurdico do fato material no a
origem,mas sim a produo dos efeitos na rbita do direito.
Diante desse quadro, preciso ressaltar o caminho percorrido
pelofato material at ser juridicizado, desde logo lembrando que o
mundojurdico, seguramente, est contido no mundo ftico,
correspondendoaquele s imputaes realizadas pelo homem, valorando
acontecimentos quese multiplicam neste.
Para que determinado acontecimento esteja inserto no mundo
jurdico,ento, preciso que cumpra diferentes momentos,
interdependentes, essen-ciais sua qualificao.
Assim, possvel sintetizar:[1080] i) definio pela norma jurdica
dahiptese ftica merecedora de qualificao; ii) concreo da hiptese
defin-ida na realidade fenomenolgica da vida (realizao concreta da
hiptese);
iii) incidncia automtica da norma sobre a hiptese valorada; iv)
juridiciza-o do acontecimento, como conseqncia da incidncia.
Tomando comoexemplo o nascimento de uma criana, possvel raciocinar
ilustrativa-mente. Em primeiro lugar, a norma (CC, art. 2) prev a
aquisio da per-sonalidade como consequncia jurdica do nascimento.
Ora, no momentoem que algum nasce (presena de ar nos pulmes),
tem-se a concreo doacontecimento previsto na norma, vindo,
consequentemente, a ocorrer a
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incidncia da norma, juridicizando o evento. Da a assertiva de
que umacontecimento meramente material, corriqueiro, transforma-se
em fen-meno jurdico por conta da normatizao. a lgica do mundo
jurdico.
3. Definio do Fato JurdicoComo visto alhures, todo fato jurdico
(situao concreta) decorre da
valorao realizada pela vontade humana. Ou seja, do mundo ftico
so ex-trados acontecimentos que, em razo de sua importncia, merecem
recebera incidncia da norma jurdica, transformando-se em fatos
jurdicos.
Para os civilistas clssicos, so fatos jurdicos os que produzem
umevento jurdico, que pode consistir, em particular, na constituio,
modi-ficao ou extino de uma relao jurdica, ou tambm na substituio
deuma relao jurdica nova a uma relao preexistente e ainda na
qualificaode uma pessoa, duma coisa ou de um outro fato, na
tradicional definiode Santoro-Passarelli.[1081] Seriam, na trilha
desse raciocnio, aconteci-mentos que produzem consequncias
jurdicas, tendo a virtude de desen-cadear a aplicao da regra
objetiva, dando nascimento a um direito ou situ-ao subjetiva.
No discrepa disso a maioria da doutrina brasileira. Veja-se.
Para CaioMrio da Silva Pereira, fatos jurdicos so os acontecimentos
em virtudedos quais comeam, se modificam ou se extinguem as
relaesjurdicas.[1082] Washington de Barros Monteiro, por seu turno,
lecionaque os acontecimentos de que decorrem o nascimento, a
subsistncia e a
perda dos direitos, contemplados em lei, denominam-se fatos
jurdicos (latosensu).[1083]
Com raciocnio idntico, encontram-se, ainda, Orlando
Gomes,[1084]Francisco Amaral,[1085] Slvio Rodrigues[1086] e Maria
Helena Din-iz.[1087]
Fcil depreender, assim, que na tradicional viso da doutrina
(major-itria) brasileira o conceito de fato jurdico sempre esteve
centrado, funda-mentalmente, na induvidosa produtividade de seus
efeitos, fazendo com que
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as relaes jurdicas viessem a nascer ou a ser extintas,
modificadas ou sub-stitudas. A preocupao bsica sempre foi com os
efeitos concretos.
Permissa maxima venia, no lhes assiste razo. que nem sempre
decorrero efeitos do fato jurdico, podendo ocor-
rer que um determinado fato exista e deixe de existir sem que,
jamais,produza um nico efeito. Tome-se como exemplo a elaborao de
um testa-mento. Com efeito, se algum, maior e capaz, elaborar um
testamento,teremos, efetivamente, um fato jurdico que somente
produzir seus efeitosdepois da morte do testador. Se, contudo, vier
a revogar, ainda em vida, otestamento antes elaborado, o referido
fato jurdico deixar de existir semnunca produzir um nico efeito
concreto, no criando, modificando, sub-stituindo ou extinguindo
nenhuma relao jurdica.
Por isso, urge revisitar o conceito de fato jurdico, buscando
adequ-lo concreta possibilidade de no produzir qualquer efeito.
Assim, com Pontes de Miranda, possvel definir o fato jurdico,
de
maneira mais realista, como o fato ou complexo de fatos sobre o
qual in-cidiu a regra jurdica; portanto, o fato de que dimana,
agora, ou mais tarde,talvez condicionalmente, ou talvez no dimane,
eficcia jurdica.[1088]
Parecendo comungar com esse pensamento, Pietro Perlingieri
defineo fato jurdico como qualquer evento que seja idneo, segundo o
ordena-
mento, a ter relevncia,[1089] deixando antever a possibilidade,
potencial-idade, de produzir efeitos.
Veja-se, portanto, que o fato jurdico aquele acontecimento capaz
deproduzir efeitos (isto , capaz de criar, modificar, substituir ou
extinguir situ-aes jurdicas concretas), trazendo consigo uma
potencialidade deproduo de efeitos, mas no necessariamente fazendo
com que decorramtais consequncias.
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4. Classificao dos Fatos JurdicosOs fatos jurdicos so aqueles
eventos, oriundos da natureza ou da
vontade humana, que podem repercutir na rbita jurdica,
produzindo difer-entes consequncias.
De logo, preciso divisar uma dicotomia fundamental, enxergada
luzda conformidade ou contrariedade do fato ao direito. Ou seja,
existem fatos
que se concretizam em conformidade com a ordem jurdica (fatos
lcitos),enquanto outros, ao se concretizarem, violam as normas
jurdicas, negando
o direito. So os fatos ilcitos.Prosseguindo a classificao, no se
pode negar que os fatos jurdicos
podem se originar da vontade humana, decorrendo da inteno do
agente,ou da fora da natureza, independendo do elemento volitivo.
Percebe-se,ento, dois diferentes sentidos para o fato jurdico: numa
primeira per-
spectiva (em sentido lato), qualquer acontecimento, dependente
ou no, dohomem, que tem potencialidade de conferir efeitos
concretos. Em outro
prisma (em sentido estrito), significa o acontecimento
involuntrio, inde-pendente da vontade humana, que produz efeitos
jurdicos.
Ato jurdico, em sentido amplo, expresso utilizada para designar
osacontecimentos que tm no seu suporte ftico (tipificao) a presena
do
elemento volitivo. Essa vontade humana (caracterizadora dos atos
jurdicos,em sentido amplo) poder se dar meramente para aderir a
efeitos
preestabelecidos pelo ordenamento jurdico (atos jurdicos em
sentido es-trito) ou, ao revs, poder ser uma vontade criadora,
estabelecendo novascategorias jurdicas que devem decorrer dos fatos
(negcios jurdicos).
Ao lado dessas, encontra-se, tambm, o ato-fato jurdico,
caracteriz-ando espcie autnoma que surge da vontade humana, tendo,
pois, o atohumano como essencial, porm desprezando-a em seguida,
uma vez quepara a produo dos seus efeitos a vontade humana
irrelevante, independ-endo do elemento anmico.
Partindo dessas premissas fundamentais, de modo amplo,
possvel
classificar os fatos jurdicos em sentido amplo lcitos (em
conformidade com
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o ordenamento jurdico) em: a) fatos jurdicos em sentido estrito,
que decorr-em de fenmenos naturais, sem interveno humana; b) atos
jurdicos emsentido amplo, que so os acontecimentos decorrentes da
exteriorizao davontade humana; c) atos jurdicos em sentido estrito,
resultante da subdivisodo ato jurdico lato sensu, caracterizados
pela vontade humana de que de-corram efeitos previstos na norma
jurdica; d) negcio jurdico, tambm frutoda subdiviso dos atos
jurdicos em senso amplo, tipificando categoria na
qual a vontade humana escolhe os efeitos que decorrero; e)
ato-fatojurdico, no qual o elemento humano essencial para a sua
existncia, mascuja produo de efeitos independe do nimo, pois o
direito reputa irrelev-ante a vontade de pratic-lo.
Existem outras classificaes adotadas pela doutrina brasileira,
oraprestigiando os efeitos decorrentes dos fatos, ora a natureza
deles.[1090]Apresenta-se, entretanto, dotada de maior tcnica a
teoria construda nadoutrina germnica (Kipp, Von Thur, Klein,
Biermann, dentre outros) eabraada no Brasil por Pontes de Miranda e
Marcos Bernardes deMello,[1091] identificando como elementos
nucleares diferenciais para a
distino: a) a conformidade, ou no, com o direito; e b) a
presena, ou no,de ato humano volitivo.
Importa dizer, ainda, que tanto o estatuto civil de 1916 quanto
o de2002 consideram o fato ilcito como jurdico, apenas realando que
os efei-tos produzidos so desconformes ordem jurdica (arts. 186 e
ss., CC).
Assim, com o propsito de facilitar a compreenso da matria,
pos-svel demonstrar graficamente a classificao adotada no seguinte
esquema:
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5. Os Diferentes Planos do Mundo Jurdico
No raro a doutrina brasileira utiliza com equvoco as expresses
ex-istncia, validade e eficcia, chegando mesmo a emprestar
significadosinnimo.
Por todos, confira-se a lio do eminente professor das Alterosas
Caio
Mrio da Silva Pereira, lecionando que se deve empregar os
vocbulos in-eficaz e ineficcia com sentido genrico, reservando as
palavras nulidade enulo, anulabilidade e anulvel, inexistncia e
inexistente para a designaode tipos especficos de ineficcia. A
ineficcia gnero, porque pode atingiros efeitos do ato
vlido.[1092]
Todavia, de se notar que um determinado acontecimento
jurdicopode existir e no ter validade (reconhecimento pelo
ordenamento jurdico)e, por conseguinte, no produzir qualquer
conseqncia jurdica (ou seja,no ter eficcia).
O que se pretende afirmar com isso que todo e qualquer fato
jurdicopassar por diferentes planos (dimenses): primeiramente, o
fato jurdico tem
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existncia (plano ontolgico, ganhando uma estruturao bsica e
element-ar); em seguida, ganha validade (quando se conformar com a
ordem jurdicavigente, atendendo aos elementos exigidos pelo sistema
jurdico); e, final-
mente, sendo existente e vlido, o fato jurdico, naturalmente,
produzir efei-tos jurdicos (admitindo-se, porm, que esta eficcia,
produzida, de ordinrio,automaticamente, possa ser controlada pelos
interessados).
Em sendo assim, averiguando, com acuidade, as mculas que
podemviciar os fatos jurdicos, possvel encontrar diferentes
situaes, especifica-
mente: i) existir, ser vlido e eficaz (contrato de compra e
venda celebradocom outorga do cnjuge, entre maiores e capazes); ii)
existir, ser vlido, masineficaz (o testamento realizado por pessoa
maior e capaz, antes de sua
morte); iii) existir, ser invlido, porm eficaz (como no exemplo
docasamento putativo); iv) existir, ser invlido e ineficaz (doao
realizada porpessoa absolutamente incapaz, pessoalmente); v)
existir e ser eficaz (nasci-mento com vida).
Ora, a partir dessas premissas fundamentais, lcito inferir que
os pla-nos de existncia, validade e eficcia so autnomos e
distintos, no sendopossvel emprestar-lhes tratamento idntico.
Outrossim, h de se estabelecer como premissa fundamental e
insuper-vel o plano de existncia que a base para todos os
demais.
Essa tripartio foi desenvolvida amplamente na obra de Hans
Kelsene introduzida, no Brasil, por Pontes de Miranda.[1093] O
Cdigo Civil,entretanto, optou por manter uma anlise bipartida do
fato jurdico, deixan-do de tratar de maneira expressa do plano da
existncia, sob o argumento deque ao legislar j se est no plano da
validade, e, portanto, restaria desne-cessria a anlise do plano da
existncia em sede de direito positivo.
O plano da existncia o plano do ser. Nele ingressam todos os
fatosjurdicos, sejam lcitos, sejam ilcitos. Desenvolvida no seio da
doutrina ejurisprudncia francesa e italiana (Zacchariae, Demolombe
e Aubry etRau), a inexistncia diz respeito falta de elementos
fundamentais. Por isso,o fato inexistente o no-fato, o nada
jurdico.
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Por seu turno, o plano da validade concerne perfeio do ato sob
atica dos requisitos exigidos pela lei. Assim, a ausncia de algum
dos ele-mentos da validade torna o fato invlido, gnero do qual
decorrem a nulid-ade e anulabilidade como espcies.
Destaque-se, por oportuno no passarem pelo plano da validade os
fa-
tos jurdicos stricto sensu, os atos-fatos jurdicos e os fatos
ilcitos. quesomente os atos jurdicos stricto sensu e os negcios
jurdicos passaro pelocrivo da validade, uma vez que, derivando da
vontade humana, poderoproduzir efeitos em conformidade ou
desconformidade com o ordena-mento jurdico. As demais categorias,
como no tm a vontade humana nocerne de seu suporte ftico, por
conseguinte, no passaro pelo plano davalidade.
Finalmente, no plano da eficcia o fato produzir efeitos
jurdicos, cri-ando, extinguindo, modificando ou substituindo relaes
jurdicas. bvioque o plano da eficcia pressupe a passagem pelo plano
da existncia, atu-ando, apenas, na produtividade dos efeitos
concretos. Aqui passam todos osfatos jurdicos, inclusive os
anulveis e nulos, que, em determinadas situ-aes, podem produzir
efeitos.
No despiciendo sublinhar que essa trilogia (tridimensionalidade)
dosfatos jurdicos no pode ser utilizada como um mecanismo
positivista, con-ferindo realce s normas legais em detrimento das
normas principiolgicas.No possvel abraar a concepo tridimensional
do fato jurdico para as-fixiar a abertura de caminhos possveis no
campo do constitucionalismocontemporneo, prejudicando a aplicao das
normas constitucionais, emespecial dos direitos e garantias
fundamentais. preciso, pois, situar a (rel-evantssima) contribuio
ponteana no contexto histrico-social de sua po-ca e utilizar com
prudncia a sua aplicao concreta, em especial no que dizrespeito s
relaes existenciais. At porque a trilogia do fato jurdico foi
construda, fundamentalmente, para a compreenso de relaes
jurdicaspatrimoniais (v.g., as relaes contratuais). Por isso,
quando se tratar de re-laes jurdicas existenciais (como, por
exemplo, os direitos da
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personalidade) sobreleva partir da mxima efetivao dos direitos e
garantiasfundamentais.[1094] Tal advertncia, por lgico, no diminui
em nada a co-erncia e relevncia da teoria construda pelo imortal
professor alagoano.Apenas, impe-se, nessa nova e exuberante
arquitetura decorrente daefetivao da norma constitucional no campo
do Direito Civil, a sua re-leitura crtica, com o objetivo
construtivo de adapt-la ao garantismoconstitucional.
6. Consequncias dos Fatos Jurdicos
6.1. Generalidades
Em razo de a potencialidade do fato jurdico lato sensu criar,
modifi-car, substituir ou extinguir relaes jurdicas, preciso
delimitar as principaiscaractersticas de cada um desses possveis
efeitos.
6.2. Aquisio de direitosTem-se a aquisio de direitos quando
ocorre a sua conjuno com o
titular, surgindo, ento, a propriedade quando o bem se subordina
ao
dominus.[1095]Alguns direitos so adquiridos pelo simples fato
objetivo da aquisio
da personalidade (personalssimos), bastando o nascimento com
vida. Na
seara patrimonial, por seu turno, adquirem-se direitos por: i)
modo ori-ginrio, nascendo o direito no momento em que o titular se
apropria dobem diretamente, sem interposio ou transferncia de outra
pessoa. Ouseja, no havendo translatividade, como no exemplo da
ocupao da concha
do mar ou da caa e pesca; ii) modo derivado, ocorrendo a aquisio
a partirde uma transmisso de direito de uma pessoa a outra,
evidenciando a ex-istncia de relao jurdica anterior e outra atual,
como na compra e vendade imvel.
A aquisio de direitos pode se dar de forma: i) gratuita, no
havendocontraprestao, como na doao; ii) onerosa, quando houver uma
con-traprestao, enriquecendo ambas as partes, como na compra e
venda.
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Ainda possvel que a aquisio se opere: i) a ttulo universal,
quandoo novo titular substitui o anterior proprietrio na totalidade
dos poderes
sobre a coisa, como o herdeiro; ou ii) a ttulo singular,
sucedendo o novotitular apenas em determinadas coisas, certas e
determinadas, como nafigura do legatrio.
O ato de aquisio, por sua vez, pode ser: i) simples, quando o
fatogerador consiste em um s ato, como uma simples assinatura de
cheque; ou
ii) complexo, nas hipteses em que se apresentar necessria
ocorrncia demais de um fato, como na aquisio por usucapio.
O Cdigo Civil de 1916, no seu art. 74, diferentemente do
vigente, in-
dicava as regras sobre aquisio: i) direitos so adquiridos por
ato do ad-quirente ou por meio de outrem (se capaz, pode adquirir
pessoalmente oupor representao convencional, como no exemplo do
mandato ou da
gesto de negcios; se incapaz, pela representao legal); ii)
existem direitosque podem ser adquiridos independente de ato do
adquirente, como a avulso(CC, art. 1.248, III); iii) possvel
adquirir para si ou para outrem (no seconfunde com representao, so
casos de aquisio para terceiro, comoevidencia o art. 436 da
Codificao, ao estipular o seguro de vida em favor
de terceiro); iv) so atuais os direitos j adquiridos e futuros
os que aaquisio ainda no completa ( o caso da compra e venda em
prestaes).
O direito futuro pode ser deferido (quando s depende do prprio
titu-lar, como no exemplo do herdeiro que para adquirir a herana
depender
apenas de sua aceitao) ou no deferido (hiptese em que se
subordina a fa-tos ou condies falveis, como na doao condicionada a
casamento ou napromessa de recompensa, dependendo do cumprimento de
condies).
No se confundem os direitos no deferidos com a expectativa
dedireito. Esta mera possibilidade ou esperana de adquirir um
direito (e.g., oherdeiro testamentrio que aguarda a abertura da
sucesso). J o direitoeventual consiste em um direito, ainda que
incompleto, pela falta de ele-mento bsico protegido pela norma ( o
caso da hipoteca sobre bens futur-
os, herdeiro legtimo). Por fim, o direito condicional, que
somente se perfaz
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pelo advento de acontecimento futuro e incerto (que pode ser
ilustrado coma promessa de sociedade se algum colar grau
universitrio).
6.3. Modificao dos direitosCom Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho, ainda que
no haja alterao da sua essncia, perfeitamente possvel a prtica
de atosou a ocorrncia de fatos jurdicos que impliquem a modificao
de direit-os.[1096]
Assim, possvel que um determinado fato jurdico venha a
sofrermodificao independente de alterao na substncia.
A modificao pode ser: i) objetiva, quando atingir a qualidade
ouquantidade do objeto da relao jurdica (como na amortizao de dbito
ou
recebimento de obrigao de fazer em dinheiro); ou ii) subjetiva,
dizendorespeito aos sujeitos, subsistindo a relao jurdica ntegra (
o exemplo dadesapropriao). Tambm se opera com multiplicao ou
diminuio desujeitos.
Lembre-se, de qualquer sorte, que os direitos da personalidade
nocomportam modificao subjetiva.
6.4. Defesa dos direitosPara resguardar os direitos que j
adquiriu, poder o titular praticar
atos conservatrios (protesto, reteno concedida ao possuidor de
boa-fque promoveu benfeitorias teis ou necessrias, arresto,
sequestro, cauofidejussria ou real, interpelaes judiciais para
constituir em mora o de-vedor etc.), livrando-os de ameaa atual ou
iminente.
Pondera, no sem razo, Slvio Rodrigues que o direito que se
titular-iza seria ineficaz se no pudesse ser defendido quando
violado ouameaado,[1097] por isso a lei concede ao titular a via
judicial para defend-er seus interesses ( o direito de ao, alado
altitude de garantia constitu-cional pelo art. 5, XXXV). Em casos
excepcionais (como no desforo in-continnti, art. 1.210, 1, da Lei
Civil), permite o legislador a defesa diretae pessoal do direito
pelo seu titular. Trata-se, entrementes, de hiptese
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absolutamente excepcional, somente admissvel por fora de
expressa pre-viso legal.
Lembre-se, ademais, que nas excepcionais hipteses de
autodefesa,como no desforo incontinnti exemplificado, admitido para
a legtima de-fesa da posse, quando indispensvel para manter-se ou
restituir-se nela,exige-se a presena dos requisitos da legtima
defesa do Direito Penal.
Desta forma, considerando os termos do art. 5, XXXV, da
Constitu-io da Repblica, nada podendo ser subvertido apreciao do
PoderJudicirio, detecta-se que, de regra, necessrio o uso da via
judicial, paraque o titular possa garantir a conservao de seus
direitos. Precisar, to-davia, demonstrar legtimo interesse econmico
ou moral (CPC, art. 3, eSmula 409 do Supremo Tribunal Federal).
Surge, nesse panorama, a ao
judicial como o direito pblico subjetivo e abstrato de todos em
movimentara mquina judiciria para cessar violao ou impedir que
ameaa se realize,ds que se tenha interesse econmico ou moral. Mais
ainda, avulta eviden-ciar a existncia de um direito ao recebimento
do Estado-Juiz da tutela juris-dicional justa, adequada e
clere.
Merece realce a possibilidade de defender em juzo direitos
atuais oufuturos deferidos. Os futuros no deferidos, por sua vez, s
admitiro atosconservatrios (CC, art. 130).
Vale chamar a ateno, ainda, para o fato de que tanto os direitos
pat-rimoniais, quanto os direitos extrapatrimoniais, podem ser
defendidos em
juzo, como assegura a Lex Legum, art. 5, V e X, e o novo Codex,
art. 186.
6.5. Extino dos direitos
Extinguem-se os direitos pelo: i) perecimento do objeto (quando
o ob-jeto do direito perde suas qualidades essenciais ou valor
econmico ouquando se confunde com outro, no sendo possvel
distingui-lo, ou ainda,
quando cair em local onde no possa ser retirado); ii) alienao;
iii) renncia(despojamento do direito, sem transferncia, com exceo
de alguns direitos
de carter irrenuncivel, como os direitos da personalidade); iv)
abandono(deixando a coisa em qualquer local, no mais tendo
interesse); v)
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falecimento do titular (em se tratando de direito da
personalidade); vi) pre-scrio (extino da pretenso); vii) decadncia
(fulminando o prpriodireito); viii) abolio de instituio jurdica
(como se deu na escravido);ix) confuso (reunio de direitos na mesma
pessoa); x) implemento da con-dio resolutiva; xi) escoamento de
prazo, se a termo; xii) perempo da in-stncia ou do processo (CPC,
art. 301, IV, apesar de ficar ileso o direito);xiii) aparecimento
de direito incompatvel com o atual e que o suplanta.
Registre-se, finalmente, existirem casos em que, apesar da
extino, otitular ter ao indenizatria, quando perece por culpa de
terceiros, com opropsito de reparar eventuais prejuzos
sofridos.
7. Fato Jurdico em Sentido Estrito
possvel delimitar o mbito conceitual do fato jurdico stricto
sensucomo sendo o acontecimento oriundo da natureza (evento), que
repercutena rbita jurdica.
Ou seja, o acontecimento em cujo suporte ftico (tipicidade)
estopresentes apenas fatos da natureza, independentes de atividade
humanacomo dado essencial sua formalizao. o caso do decurso do
tempo, donascimento, etc.
Assim sendo, o fato jurdico stricto sensu supe a inexistncia de
vont-ade, enquanto acontecimento fenomnico, uma vez que os seus
efeitos de-correm da simples prtica de um comportamento humano,
independente doestado de conscincia.
Para o seu reconhecimento bastante a ocorrncia de
acontecimentonatural, sendo desnecessria a atuao humana ainda que,
eventualmente,
esteja presente. Assim, pode acontecer que algumas vezes o
evento suporteftico do fato jurdico stricto sensu esteja ligado a
um ato humano, comoocorre com o nascimento do ser humano que tem
sua origem na con-cepo. Outras vezes, at, o fato pode resultar de
ato humano intencional,como na morte por assassnio ou por
suicdio... Isto, entretanto, no altera anatureza de fato jurdico,
uma vez que a circunstncia de haver um ato
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humano em sua origem no muda o carter do evento que constitui
seusuporte ftico. A morte no deixa de ser evento da natureza se
provocadapor ato humano; do mesmo modo o nascimento no perde a sua
caracter-stica de fato natural porque houve um ato que lhe deu
origem, na per-cepo de Marcos Bernardes de Mello.[1098]
Portanto, o critrio essencial para a classificao dos
acontecimentosem fatos jurdicos em senso estrito se funda na
presena, ou no, de ato hu-mano como elemento necessrio para a
composio da categoria jurdica.
Assim, ainda que se tenha eventual participao humana, como
nocaso do homicdio, no se desnatura o acontecimento como um
fatojurdico em sentido estrito, uma vez que a conduta humana
desnecessriapara a composio de sua estrutura.
Distinguem-se os fatos jurdicos em sentido estrito em: i)
ordinrios;ii) extraordinrios.
Ordinrios so os acontecimentos de ocorrncia costumeira,
cotidiana,esperada, como a morte, o nascimento, o decurso do
tempo.[1099] De
outra banda, extraordinrios so eventos caracterizados pela
excepcionalid-ade, pela imprevisibilidade, como no claro e evidente
exemplo do caso for-tuito e da fora maior.[1100]
8. Ato-Fato JurdicoA partir das ideias postas, possvel formular
o raciocnio de que os
acontecimentos merecedores de juridicidade so as condutas
humanas
(negcio jurdico e ato jurdico em senso estrito), os eventos da
natureza (fatosjurdicos em sentido estrito) e, finalmente, o ato
ilcito como uma quarta es-pcie, nas hipteses nas quais houver
colidncia dos efeitos com a previsodo ordenamento jurdico.
Existem, contudo, espcie na qual o fato para existir necessita,
essen-cialmente, de um ato humano, mas a norma jurdica abstrai
desse atoqualquer elemento volitivo como relevante. Isto , o ato
humano da sub-stncia do fato jurdico, mas no importa para a norma
se houve, ou no,
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vontade em pratic-lo, conforme a precisa lio de Bernardes
deMello.[1101]
Enfim, o ato-fato jurdico aquele em que a hiptese de
incidnciapressupe um ato humano, porm os seus efeitos decorrem por
conta danorma, pouco interessando se houve, ou no, vontade em sua
prtica.
Exemplos elucidativos podem ser mencionados com a caa e
pesca,quando permitidas, o desforo incontinnti (CC, art. 1.210, 1)
do pos-suidor para manter-se ou ser reintegrado na posse, a tomada
de posse e aocupao.
Trata-se de ato humano no qual a vontade inexiste (ao menos
dirigidano sentido de produzir determinados efeitos) ou, se existe,
no necessrioconsiderar o seu contedo, uma vez que os efeitos
decorrero independ-entemente dela. Se o turista, andando na praia,
apanha uma concha e, emseguida, lana de volta ao mar, pratica
abandono (perda da propriedademvel por conduta voluntria do
titular, nos termos do art. 1.275, III, do
Codex). Ora, se o referido turista abandonou sua propriedade
mvel, intu-itivo concluir que, ao assenhorear-se da concha,
praticando ocupao (CC,art. 1.263), adquiriu a sua propriedade,
independentemente de sua vontade.
Noutro exemplo, vale a lembrana do direito recompensa
decorrenteda descoberta (CC, art. 1.233). Na forma do citado
dispositivo, descobertasignifica encontrar coisa mvel alheia
perdida, impondo-se ao descobridor odever de restituir a coisa
encontrada ao titular ou, sendo desconhecido, autoridade policial.
Decorre da descoberta, ento, a obrigao de reparar asdespesas
decorrentes da manuteno da coisa, alm do pagamento de uma
recompensa (que tem o nome de achdego). Observe-se que ao
encontrarcoisa mvel alheia perdida, o descobridor far jus
recompensa, tenha tido,ou no, a vontade de adquirir tal direito.
Cuida-se, portanto, de ato-fatojurdico.
Logo, em sntese, o ato-fato jurdico surge de um comportamento
hu-mano e produz efeitos independentemente da vontade humana e,
alis,podendo produzir os seus efeitos, at mesmo, contra a
vontade.
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Os atos-fatos jurdicos podero ser: i) atos-fatos reais, tambm
ditosatos materiais, quando consistir em ato humano do qual
resultam circun-stncias fticas, geralmente irremovveis (como no
exemplo da ocupao);
ii) atos-fatos indenizativos, que se configuram nas hipteses em
que de umato humano no contrrio ao direito decorrer prejuzo a
terceiro, com o de-ver de reparar o dano ( o caso do estado de
necessidade, com sacrifcio de
bem pertencente a um terceiro, como indica o art. 188 da Lei
Civil); iii)atos-fatos caducificantes, correspondendo a situaes que
constituem fatosjurdicos, cujo efeito consiste em extinguir
direitos, como no caso dadecadncia ou prescrio.
9. Ato JurdicoEm sentido lato, os atos jurdicos derivam,
necessariamente, de uma
atuao do ser humano ou de sua exteriorizao de vontade,
produzindoefeitos reconhecidos pelo direito (fato jurdico humano
voluntrio). Soaqueles que, derivando da exteriorizao da vontade do
agente, se dirigem obteno de um resultado jurdico concreto (no
vedado por lei).[1102]
Da, ento, ser lcito extrair alguns elementos caracterizadores do
atojurdico em sentido amplo:
i) ato humano de vontade;ii) exteriorizao da vontade pretendida
(at porque a vontade en-
quanto interior no vincula, nem produz efeitos. Por isso, se
al-gum comparece a um leilo e no levanta o brao, estar
im-possibilitado de apresentar um lance para a aquisio do
bemleiloado);
iii) conscincia dessa exteriorizao de vontade (se, nesse
mesmoleilo, levanto o brao para chamar o garom, sem ter
conscinciade que estarei oferecendo um lance, no posso estar
praticandoato jurdico);
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iv) que essa vontade exteriorizada dirija-se obteno de
resultadopermitido (no proibido) pela ordem jurdica.
Vale destacar que a exteriorizao de vontade poder se dar atravs
de
declarao ou manifestao de vontade, distinguindo-se a partir da
noo deque esta (manifestao) a exteriorizao por simples
comportamento daspessoas, enquanto aquela (declarao) a manifestao
qualificada,distinguindo-se de acordo com o modo pelo qual a
vontade explicitada.Exemplifica Marcos Bernardes de Mello: se algum
lana ao lixo um parde sapatos, manifesta a sua vontade de
abandon-lo; se, diferentemente, dizs pessoas da casa que vai lanar
os sapatos ao lixo, declarou a sua vont-ade.[1103]
Dividem-se os atos jurdicos em: ato jurdico stricto sensu e
negciojurdico.
Em sentido lato o ato jurdico o acontecimento jurdico cujo
suporteftico tenha como cerne uma exteriorizao consciente de
vontade, dirigida obteno de resultado juridicamente protegido,
previsto na norma oueleito pela prpria parte.
J o ato jurdico em sentido estrito o que gera
consequnciasjurdicas previstas em lei (tipificadas previamente),
desejadas, bem ver-dade, pelos interessados, mas sem qualquer
regulamentao da autonomiaprivada. Surge como mero pressuposto de
efeito jurdico preordenado porlei. Ilustrativamente possvel invocar
o exemplo do reconhecimento de pa-ternidade, no qual h vontade
exteriorizada no sentido de aderir a efeitospreviamente previstos
na norma, no sendo possvel ao manifestante criarefeitos distintos
daqueles contemplados na norma. No possvel, assim,reconhecer um
filho, impedindo-lhe, porm, de cobrar alimentos ou de serherdeiro
necessrio.
Para Marcos Bernardes de Mello o ato jurdico em senso estrito
oque tem por elemento nuclear do suporte ftico manifestao ou
de-clarao unilateral de vontade cujos efeitos jurdicos so
prefixados pelasnormas jurdicas e invariveis, no cabendo s pessoas
qualquer poder de
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escolha da categoria jurdica ou de estruturao do contedo das
relaesjurdicas respectivas.[1104]
A distino entre ato e negcio jurdico centra-se, pois, no poder
deescolha da categoria jurdica respectiva (que praticamente
inexistente noato e pleno no negcio) e no na presena de ato de
vontade.
Exemplos esclarecedores de ato jurdico stricto sensu so a fixao
dedomiclio, o reconhecimento de filhos, a quitao, a escolha nas
obrigaesalternativas e o perdo.[1105] J o negcio jurdico pode ser
exemplificadoclaramente atravs do contrato.
Observe-se que, enquanto o Cdigo Civil de 1916 adotava a
teoriaunitria do ato jurdico (sistema francs), no fazendo distino
entre o ato
e o negcio jurdico, o novo Codex abraou a teoria dualista
(sistemaalemo), distinguindo, explicitamente, os atos jurdicos
stricto sensu dosnegcios jurdicos, dada a autonomia conceitual de
cada espcie.
Assim, derivando da teoria alem, a tese dualista, que j tinha
sidoacolhida pela doutrina, faz distino entre negcio jurdico e ato
jurdico
stricto sensu, ambos derivando de um tronco nico: o ato jurdico
lato sensu.Enquanto o ato jurdico em sentido estrito (ou ato
no-negocial) tem con-sectrios previstos em lei, afastando, em
regra, a autonomia privada (neles ainteno est em segundo plano,
ganhando realce a consequncia desejada),
o negcio jurdico (ou ato negocial) ato de autonomia privada, com
osquais o particular regula por si os prprios interesses. ato
regulamentadordos interesses privados.[1106] Desfechando: quando a
autonomia da vont-ade no exercer influncia nos efeitos decorrentes
ter-se- ato jurdico sen-
tido estrito, cujo efeito se produz ex lege, sem considerar a
vontade doagente; j se o resultado depender da vontade (ex
voluntate), caso de neg-cio jurdico.
A finalidade do ato jurdico estrito senso est prevista em lei
(embora aparte a deseje); j a do negcio jurdico pode se concretizar
em momentosdiversos da vida do direito.
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Normalmente, os atos jurdicos em sentido estrito partem de
manifest-aes de vontade, enquanto os negcios jurdicos so estribados
em de-claraes de vontade. Trata-se de simples regra, que pode ser
alterada nocaso concreto, sem que qualquer prejuzo ocorra
configurao do ato.
Por derradeiro, impende chamar a ateno para a regra nsita no
art.185 do Cdigo Civil, nitidamente inspirada no art. 1.324 do
Cdigo Civilitaliano, determinando a aplicao das regras dos negcios
jurdicos (dada amaior complexidade e riqueza estrutural) aos atos
jurdicos lcitos no nego-ciais (em sentido estrito).
Reza, in litteris, o dispositivo legal:
Art. 185, Cdigo Civil: Aos atos jurdicos lcitos, que no
sejamnegcios jurdicos, aplicam-se, no que couber, as disposies do
Ttuloanterior.Concretamente, o interesse no estudo do negcio
jurdico , justifica-
damente, maior do que a preocupao com os atos jurdicos em
sentido es-trito, em razo da concepo voluntarista do ato negocial,
decorrendo davontade do agente os seus efeitos, sendo necessrio o
exame dos vcios quepodem se abater sobre esta vontade, as clusulas
restritivas de sua eficcia,
etc. J no ato jurdico stricto sensu, em que os efeitos decorrem
diretamenteda lei, pouca ou nenhuma interferncia tm estes fatores,
uma vez que o atopossuir requisitos prprios, disciplinados em
lei.
O Cdigo Civil, ento, determina a aplicao da disciplina dos
neg-
cios jurdicos aos atos jurdicos lcitos no que couber, deixando
antever orespeito s diferenas ontolgicas entre as citadas figuras
jurdicas. Atporque no seria possvel aplicar aos atos no-negociais
regras relacionadas inteno do agente. Deste modo, a aplicabilidade
das regras do negcio
jurdico ao ato jurdico stricto sensu cinge-se s normas que no se
refiram inteno do declarante, como, por exemplo, as que tratam da
forma donegcio jurdico ou da capacidade (CC, art. 104, I e III,
entre outros).
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Detecta-se, hodiernamente, uma tendncia induvidosa no sentido de
senegar vontade individual a relevncia que lhe era atribuda pela
cinciajurdica nos Cdigos oitocentistas (sculo XIX). Especialmente
no DireitoCivil vislumbra-se a superao do voluntarismo e do
individualismo porparadigmas sociais e ticos (como a funo social do
contrato e a boa-f ob-jetiva, arts. 421 e 422 da Codificao Reale),
valorizando a conduta daspartes interessadas.[1107]
Decorre dessa regra, pois, que o reconhecimento de filhos
(exemplode ato jurdico em senso estrito), embora irrevogvel e
irretratvel (CC, art.1.609), admite anulabilidade.
No demais registrar, concluindo a abordagem do ato jurdico
emsenso estrito, que alguns doutrinadores de escol, como os
eminentesmestres baianos Orlando Gomes[1108] e Jos Abreu,[1109]
optam por
uma subdiviso dos mesmos, encontrando as figuras dos atos
materiais edas participaes. Para eles, os atos materiais (ou reais)
resultariam da atu-ao da manifestao volitiva corporificada em ato
material (exemplo datomada de posse), englobando um elemento
psquico (vontade) e outroconcreto (a prtica do ato correspondente).
No teriam destinatrio, con-sistindo na simples atuao da vontade
corporificada, que j lhes d existn-
cia imediata. So, na realidade, os atos-fatos jurdicos que
estudamos alhures.Por seu turno, as participaes se caracterizam
pela exteriorizao de vont-ade para a cincia de fatos ou intenes,
como na interpelao. Buscariamproduzir efeito psquico.
10. Negcio Jurdico
10.1. Noes geraisInicialmente, calha repetir, exausto, que os
atos jurdicos, com-
preendidos em sentido amplo, dizem respeito aos atos decorrentes
da vont-ade humana. E que essa vontade humana pode ser
exteriorizada no sentidode aderir a efeitos jurdicos concretos
previstos na norma jurdica (ato
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jurdico stricto sensu) ou pode ser dirigida criao de concretos
efeitosjurdicos (negcio jurdico).
Assim, negcio jurdico (Rechtsgeschaft) o acordo de vontades,
quesurge da participao humana e projeta efeitos desejados e criados
por ela,tendo por fim a aquisio, modificao, transferncia ou extino
de direit-os. H, nesse passo, uma composio de interesses ( o
exemplo tpico doscontratos), tendo a declarao de vontades um fim
negocial.
Na viso particular de Santoro-Passarelli, negcio jurdico o ato
deautonomia privada, com o qual o particular regula por si os
prprios in-teresses. Por outras palavras, o ato regulamentador dos
interesses priva-dos.[1110]
, pois, mais rico e complexo, em sua estrutura interna, do que o
atojurdico (no qual a vontade apenas para aderir aos efeitos
previstos na or-dem jurdica), seja pelo seu contedo, seja pela
produo de efeitos. Nonegcio h uma composio de interesses, um
regramento de condutas es-tabelecido bilateralmente, entre as
partes envolvidas no acontecimento. Essaexteriorizao de vontade
presente no negcio jurdico tem o escopo nego-
cial, visando criar, adquirir, transferir, modificar ou
extinguir direitos.
10.2. DefinioDe sada, convm encarecer vnia ao leitor para fugir
das intensas con-
trovrsias relativas s correntes dogmticas que estudam e
justificam o con-ceito de negcio jurdico, evitando uma fuga s
explcitas finalidades re-stritas deste trabalho.[1111]
Colocadas de lado as discusses doutrinrias relacionadas s
teorias ex-plicativas do negcio jurdico, de Antonio Junqueira de
Azevedo a felizconceituao do negcio jurdico como todo fato jurdico
consistente nadeclarao de vontade, a que o ordenamento jurdico
atribui os efeitos des-ignados como queridos, respeitados os
pressupostos de existncia, validadee eficcia impostos pela norma
jurdica que sobre ele incide.[1112]
Orlando Gomes, por sua vez, dispara ser o negcio jurdico toda
de-clarao de vontade destinada produo de efeitos jurdicos
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correspondentes ao intento prtico do declarante se reconhecido e
garan-tido pela lei.[1113]
Como observado, o Cdigo Civil de 1916 no admitia,
explicitamente,a figura do negcio jurdico, deixando de promover a
sua distino em re-
lao ao ato jurdico stricto sensu. A Codificao de 2002, em seu
art. 104,expressamente acolhe a diferenciao, admitindo a existncia
do ato nego-cial com autonomia e independncia conceitual,
influenciado pela Escolaalem.
10.3. Caractersticas e breve escoro evolutivoO negcio jurdico,
por ser situao jurdica derivada do elemento
volitivo (vontade humana), pertencente classe dos fatos jurdicos
cujo res-ultado final pretendido, desejado, pelas partes, tem ntido
cunho de satis-fao de interesses privados.
Logo, a exteriorizao da vontade a nota caracterstica que
maisavulta no negcio jurdico. a sua fora propulsora.
preciso aqui registrar, reiterando posio antes evidenciada
ex-
austo, que o elemento volitivo, fruto da autonomia da vontade e
da auto-nomia privada,[1114]-[1115] marca registrada do negcio
jurdico, nomais assume carter absoluto, sofrendo, sempre, as
limitaes decorrentesda ingerncia de normas de ordem pblica,
notadamente constitucionais,por fora da proteo destinada pessoa
humana, realando sua necessriadignidade (CF/88, art. 1, III).
J se teve oportunidade, inclusive, de reconhecer o raciocnio
aqui es-posado em sede jurisprudencial, como se pode notar:
A concepo moderna do princpio da autonomia da vontade,que se
harmoniza com o princpio da obrigatoriedade dos
contratos,afastou-se do seu carter absoluto anterior e, diante de
determinadascircunstncias, admite a imposio de limites ao poder de
contratar...
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(TJ/RJ, Ac. 5 Cm. Cv., Ap.Cv. 10.128/2000, rel. Des.
MltonFernandes de Souza, DOERJ 6.11.00)
que a personalidade humana deve estar, sempre, sublinhada
comovalor jurdico insusceptvel de reduo a situaes-tipo, sendo
mister suaproteo eficaz e efetiva, nas mltiplas e renovadas
circunstncias em que seencontre.
Assim, embora a vontade sempre tenha sido considerada (e
continu-ar, sem dvida, a ser) como elemento propulsor do ato
negocial, dvida in-existe de que a sua compreenso dever se dar luz
dos elevados princpiosconstitucionais protetivos da pessoa humana,
considerada em suas variadase diversas necessidades, interesses,
exigncias, qualidades, condies econ-micas e sociais, respeitados
seus valores essenciais (dignidade, segurana,igualdade, liberdade)
e fundamentais instncias de sua promoo e desen-volvimento (sade,
trabalho, educao).[1116]
No se pense, todavia, que se tenha negado o princpio da
liberdade de
contratao. Consagrada a livre iniciativa no art. 170 da Lex
Legum, apenasfoi instrumentalizada a servio da cidadania,
condicionada a um estgiomenos malfico, mais humanizado, de maneira
a possibilitar a real igualdadeentre as partes, proclamando os
ideais de justia social (art. 3, CF).[1117]
Assim, o negcio jurdico, assim como si ocorrer com os demais
in-stitutos fundamentais do Direito Civil (a propriedade, o
contrato, a re-sponsabilidade civil, a sucesso, a famlia...), deve
ser compreendido de
maneira funcionalizada, preocupando-se em, concretamente,
emprestareficcia organizao social, abandonando o histrico carter
neutro paraassumir feio integrada s necessidades reais do seu
tempo.
Forte em Francisco Amaral, emprestar ao negcio jurdico
(assimcomo aos demais institutos fundamentais do direito civil) uma
funo so-cial significa considerar que os interesses da sociedade se
sobrepem aos doindivduo, sem que isso implique, necessariamente, a
anulao da pessoahumana, justificando-se a ao do Estado pela
necessidade de acabar com asinjustias sociais. E conclui o mestre
fluminense: precisamente com esse
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entendimento (funo social) que a autonomia privada pode e
devedirecionar-se, dizendo respeito aos deveres das pessoas em
relao sociedade, superando-se o individualismo jurdico em favor dos
interessadoscomunitrios e corrigindo-se os excessos da autonomia da
vontade dosprimrdios do liberalismo e capitalismo.[1118]
Exemplos eloquentes de uma concepo tica e social dos negcios
jurdicos podem ser encontrados nos arts. 113, 421 e 422 do
Codex, es-tabelecendo a boa-f objetiva e a funo social dos
contratos, como vetoresapontando para um novo tempo de compreenso
das relaes negociaisentre ns, transformando efetivamente a
realidade viva das relaes jurdicasprivadas, em consonncia com os
ditames da solidariedade e justia social.
O negcio jurdico transcende o individualismo da vontade
paracumprir funo de instrumento de concretizao da nova tbua
axiolgicaconstitucional (CF/88, arts. 1, III, 3 e 5).[1119]
Sem dvida, esta h de ser a diretriz do negcio jurdico na
perspectivacivil-constitucional: mbito de atuao individual com
eficcia jurdica,servindo aos ideais de desenvolvimento e realizao
da pessoa humana.
Nesse panorama de evoluo da compreenso do negcio jurdico,
es-pecialmente considerando os novos valores afirmados pela Carta
Magna, mister superar a ideia de negcio jurdico fundado em
autonomia privada,entronizada historicamente como a garantia da
liberdade dos cidados.
No plano concreto do ato negocial, significa que as partes no
estoobrigadas a cumprir, apenas, as obrigaes impostas pelo prprio
contrato,mas, por igual, devem respeitar deveres anexos, implcitos,
que decorrem datica comum esperada de todas as pessoas nas relaes
intersubjetivas. oexemplo da empresa que aceita um pagamento atravs
de cheque ps-datado e, em seguida, o deposita antes da data, sob a
alegao de que ocheque ordem de pagamento vista, quebrando a
confiana que despertou
em seu cliente. Da ter concludo a jurisprudncia que caracteriza
danomoral a apresentao antecipada de cheque pr-datado (Smula 370 do
Su-perior Tribunal de Justia). Identicamente, as partes de um
contrato devem
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ter a preocupao de no causar prejuzos a terceiros, cuidando,
assim, dosimpactos sociais do negcio.
Ora, considerando o deslocamento do eixo das relaes privadas
para
busca da tutela da pessoa humana, afirmando-se premente
preocupaocom o princpio da confiana (boa-f objetiva e funo social
do contrato),urge revisitar o instituto, dando-lhe novo colorido.
Com isso, afirma-se umanecessria limitao da liberdade de determinao
do contedo negocial (nomais das vezes estabelecidas unilateralmente
pelas grandes empresas egrupos econmicos), com maior interveno
estatal,[1120] atravs de nor-mas de ordem pblica, para assegurar a
primazia da cidadania.
J h, inclusive, quem afirme que, diante da crise que envolve a
pr-pria noo de autonomia privada, cabe questionar a subsistncia do
negciojurdico como objeto de estudo no mbito do Direito Civil. Mais
relevanteque o exame da figura do negcio jurdico, cujas razes
histrico-ideolgicasse prendem vida da sociedade alem dos Sculos
XVIII e XIX, partir,hoje, para o estudo do contrato, em qualquer
dos variados aspectos quepossa suscitar, como dispara,
corajosamente, Leonardo Mattietto, paraconcluir, lembrando
Francesco Galgano: a verdade que os nossos civilis-tas falam enfim
de negcio jurdico mais por hbito lingstico que por con-vico
conceitual.[1121]
10.4. ClassificaoA classificao dos negcios jurdicos deve ser
feita atravs da veri-
ficao dos elementos comuns e diferenciais que os estremam, a
partir decritrios distintos,[1122] resultando em diversas espcies
que servem paraauxiliar o aplicador da norma.
Assim, diversas so as classificaes formuladas do negcio
jurdico,variando conforme o critrio enfocado. Veja-se, ento,
sistematicamente:
i) quanto declarao de vontade das partes, o negcio jurdico
podeser unilateral (quando se aperfeioar apenas com uma
nicamanifestao de vontade, como no testamento), bilateral
(sendo
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aquele que se completa com duas manifestaes de vontade,
co-incidentes com o mesmo objeto, atravs de consentimentomtuo, porm
com interesses antagnicos, como se pode notar
no casamento ou na compra e venda) ou, ainda,
plurilateral(dizendo respeito quele negcio que envolve a composio
demais de duas vontades paralelamente manifestadas por
diferentes
partes, com um interesse convergente, como, e.g., no contrato
desociedade);
ii) quanto aos titulares, o negcio pode ser inter vivos (quando
celeb-rado para produzir efeitos desde logo, quando ainda vivos
oscontratantes, ainda que, eventualmente, um deles venha a
morrer,
de que exemplo o contrato de compra e venda) ou causa
mortis(cujos efeitos somente decorrem aps o bito de um ou de maisde
um dos declarantes, podendo ser lembrado o testamento);
iii) quanto aos benefcios patrimoniais reconhecidos s partes, o
neg-cio jurdico pode ser oneroso (quando h vantagem patrimonialpara
ambas as partes. o exemplo do contrato de compra e
venda. Vale lembrar que o negcio oneroso pode ser comutativoou
aleatrio, distinguindo-se porque naquele h prvio conheci-mento das
vantagens econmicas auferidas pelas partes, como naaquisio de um
bem imvel, enquanto neste as vantagens a ser-em obtidas so incertas
e no sabidas, como no contrato de se-
guro e na cesso de direitos hereditrios), gratuito
(referindo-sequele em que s uma das partes aufere benefcios, de que
hiptese a doao sem encargo, chamada de pura e simples),
neutro (constituindo espcie desprovida de expresso econmica,como
na gestao em tero alheio, que ser, necessariamente,destituda de
qualquer envolvimento patrimonial, consoante a ad-
vertncia da Lei n 9.434/97), ou bifronte (quando o negciopuder
ser gratuito ou oneroso, a depender da vontade almejadapelas
partes, como se nota do contrato de depsito, que permite
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conveno de remunerao do depositrio, convertendo-se emoneroso,
nos termos do art. 644 do Cdigo Civil);[1123]
iv) quanto forma, pode ser o ato negocial formal (tambm dito
solene,quando tiver de obedecer a alguma solenidade exigida por
lei,como da essncia do ato, como o casamento ou a compra e
venda de imvel) ou informal (com forma livre, consistindo
naregra geral, de que exemplo um emprstimo);
v) quanto importncia, o negcio poder ser principal ou acessrio,
setiver, ou no, existncia prpria. Se tiver existncia autnoma,
in-dependente de outro, principal; se, entrementes, a sua
existnciae destino so subordinados juridicamente a outro negcio,
trata-se de negcio acessrio. possvel invocar o exemplo do con-trato
de emprstimo e de fiana como eloquente exemplo denegcio principal
(o emprstimo) e acessrio (a fiana). Nomesmo passo, vale lembrar o
casamento e o pacto antenupcial;
vi) quanto durao, poder o negcio ser instantneo (cujos efeitosso
exauridos em momento nico, podendo ser lembrada como
exemplo a compra e venda vista) ou de durao, tambm ditode trato
sucessivo (hiptese em que os efeitos so protrados notempo, como na
compra e venda em prestaes). Releva a dis-tino porque somente o
negcio de trato sucessivo admite a res-oluo ou reviso judicial por
onerosidade excessiva, nos termosdos arts. 478 a 480 do Cdigo
Civil;
vii) quanto causa, existe o negcio jurdico causal (quando
fundadoem motivo determinante) ou abstrato (sem
causapredeterminada);
viii) quanto eficcia, pode ser que o negcio assuma
formaconsensual (bastando-lhe, para o seu aperfeioamento, a
exterior-izao da vontade das partes), solene (quando for exigido,
por lei,o atendimento a alguma formalidade ou solenidade, sob pena
de
nulidade, nos termos do art. 166 da Lei Civil) ou real
(hiptese
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em que a perfectibilizao do negcio jurdico depende datradio,
isto , da efetiva entrega do objeto negocial);
Alm dos critrios apontados, sobreleva registrar que j se fala na
clas-sificao dos negcios jurdicos a partir da extenso dos
interesses das
partes. Por esse critrio, pode o negcio assumir feio
intersubjetiva (cont-ando com apenas uma pessoa em cada um dos
polos da relao, no tpico
exemplo do contrato de mandato), plrima (quando um ou ambos os
polosda relao negocial conta com mais de um sujeito, como na
prestao de
servios por duas ou mais pessoas) ou individual homognea (quando
contarcom a presena de uma entidade, regularmente autorizada,
representando osinteresses de uma das partes, consubstanciando
interesses de um grupo de-terminado de pessoas, previamente
determinadas e determinveis).[1124]
Pelo mesmo fio condutor, pode o negcio jurdico produzir efeitos
di-fusos ou coletivos. H negcio com eficcia coletiva no caso de os
interessesdefendidos serem de abrangncia coletiva, como na conveno
coletiva de
trabalho firmada por sindicato. A outro giro, ser difusa a
produtividade dosefeitos quando estiver presente entidade
representativa de interesses difusos,como na hiptese de o Ministrio
Pblico celebrar termo de ajustamento deconduta tendo como objeto a
proteo ao meio ambiente. Importa lembrarque os negcios jurdicos
difusos apresentam cunho eminentemente ex-trapatrimonial, em razo
da matria sobre a qual versam, no se admitindoclusulas em que se
disponha sobre o contedo material dos direitos emapreo, pois
pertencem coletividade (direitos de massa).[1125] Ou seja,
avalidade dos negcios difusos depende da inexistncia de concesses
mtu-as, pois o direito no pertence aos legitimados para celebr-los,
servindocomo instrumento de proteo dos valores mais significativos
da sociedade,como o meio ambiente, a defesa do consumidor, a
moralidade adminis-trativa, etc. o exemplo dos termos de
ajustamento de condutas celebradospelo Ministrio Pblico ou por
entidades do poder pblico (art. 5, 6, daLei n 7.347/85 Lei da Ao
Civil Pblica).
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H interessante precedente jurisprudencial que pode ser trazido
bailapara ilustrar a matria tratada:
Sendo o mago da questo a proteo aos interesses de todos
einexistente qualquer nocividade do produto, protegida est
asociedade, reputando-se perfeitamente vivel a transao e
julgando-seextinto o procedimento recursal (STJ, Ac. 2 T., REsp.
8741, rel. Min.Hlio Mossimann, j. 13.11.91, DJU 10.2.92).
Francisco Jos Marques Sampaio ilustra a possibilidade de
negcios
jurdicos difusos fazendo referncia operao interligada, que
instru-mento de interveno urbanstica utilizado pela administrao
municipal doRio de Janeiro para obter a cooperao de pessoas
naturais e jurdicas emdeterminados empreendimentos imobilirios.
Pelo referido negcio, oPoder Pblico autoriza a realizao de um
projeto imobilirio especfico,que no atende integralmente legislao
urbanstica pertinente, obtendo,em troca, como contrapartida, um
benefcio (como a construo ou reformade prdios pblicos municipais,
dentre outras possibilidades). Outro neg-
cio jurdico difuso mencionado a urbanizao consorciada,
consistente narealizao de empreendimentos conjuntos entre a
iniciativa privada e a mu-nicipalidade, com o fito de dividir
projetos comuns, como a urbanizao defavelas ou loteamentos
irregulares ou clandestinos.[1126] Em tais hipteses,alm do Poder
Pblico, o tambm o Ministrio Pblico tem legitimidadepara firmar
termos de ajustamento (negcios jurdicos).
mister, outrossim, fazer meno ao chamado negcio de
acertamento.Trata-se de negcio celebrado com base na teoria do
reconhecimento comocausa da obrigao. Nele se demonstra uma declarao
de verdade pronun-ciada pelas mesmas partes de um contrato, com o
fito de esclarecer osdireitos e deveres recprocos, gerando obrigaes
para elas. , pois, o neg-cio celebrado pelas prprias partes de um
outro ajuste, destinado elimin-ao de um estado de incerteza, acerca
do pacto anteriormente acertado.Esta, alis, a sua causa: afastar as
dvidas de um outro contrato.[1127]
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Finalmente, registre-se que ao negcio de acertamento aplicam-se,
subsidi-ariamente, as regras codificadas da transao (CC, arts. 849
e ss.).
10.5. Regras de interpretaoA partir da necessria perspectiva
civil-constitucional, at porque no
h outro modo de entender o Direito Civil da ps-modernidade (como
vis-lumbra Erik Jaime, de Heidelberg), impende estabelecer uma
regra funda-mental de interpretao de toda e qualquer atividade
negocial: a boa-fobjetiva.
que, como ensina Gustavo Tepedino, a leitura da clusula geral
daboa-f objetiva a partir dos princpios constitucionais
informadores da ativid-ade econmica privada permite desvendar o
verdadeiro sentido transformadordo preceito na teoria da
interpretao dos negcios jurdicos, deixandoantever a importncia da
clusula como fonte precpua de interpretao ne-gocial.[1128]
De fato, o dever de interpretar todo e qualquer negcio conforme
aboa-f objetiva encontra-se, sem dvida, informado pelos princpios
con-stitucionais fundamentais para a atividade privada a dignidade
da pessoahumana (art. 1, III), o valor social da livre iniciativa
privada (art. 1, IV), asolidariedade social (art. 3, I) e a
igualdade substancial (arts. 3, III, e 5).
Nesse sentido, acolhendo tais ponderaes, o art. 113 do Cdigo
Civilprev, expressamente, que os negcios jurdicos devem ser
interpretadosconforme a boa-f.
A boa-f na nova ordem jurdica positivada, ao revs do Cdigo
Civilde 1916, em que era encarada to somente em seu aspecto
subjetivo, con-
siderada de forma subjetiva e objetiva. A boa-f objetiva a busca
doequilbrio. Constitui-se, a um s tempo, na estipulao de deveres
anexos,implcitos, nos negcios, impondo probidade, honestidade,
tica, honradez einformao, mesmo no estando previstos expressamente
na declarao ne-gocial, alm de limitar o exerccio dos direitos
subjetivos, evitando o abuso dedireito e, finalmente, servindo como
fonte de interpretao dos negcios jurdi-cos.[1129] O ilcito
contratual, portanto, no se caracteriza apenas pelo
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descumprimento de regras expressamente convencionadas, mas
tambmpela violao de determinados princpios, que se consideram
implicitamenteinseridos, encartados, no negcio.
feliz Rose Melo Vencelau ao comentar o supracitado
dispositivolegal, valendo, aqui, transcrever seus ensinamentos: com
isso, percebe-seuma relativizao do subjetivismo da interpretao do
negcio jurdico, umavez que, se, por um lado, a investigao sobre a
inteno importante, poroutro, elementos objetivos devem tambm ser
observados. Desse modo, onovo Cdigo mais parece ter pendido para
uma teoria intermediria, como ateoria da confiana, entre a vontade
real do agente e a declarao por elelevada a efeito.[1130]
A jurisprudncia j teve oportunidade de reconhecer a aplicao
doprincpio da boa-f objetiva como cnone interpretativo dos
negciosjurdicos. Veja-se ilustrativamente:
Boa-f. Contrato. O princpio da boa-f impe deveres anexos,de
acordo com a natureza do negcio e a finalidade pretendida
pelaspartes. Entre eles encontra-se a obrigao da vendedora de
pequena lojade vesturio no cancelar pedidos j feitos, com o que
inviabilizaria onegcio e frustraria a justa expectativa do
comprador (TJ/RS, Ac.589073956, 5 Cm. Cv., rel. Des. Ruy Rosado de
Aguiar Jr., j.
19.12.89, in Ajuris 50:207)
O compromisso pblico assumido pelo Ministro da Fazenda, at-ravs
de Memorando de Entendimento, para suspenso de execuo ju-dicial de
dvida bancria de devedor que se apresentasse para acerto decontas,
gera no muturio a justa expectativa de que essa suspensoocorrer,
preenchida a condio. Direito de obter a suspenso fundadono princpio
da boa-f objetiva, que privilegia o respeito lealdade(STJ, Ac.unn.
4 T., RMS6183, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr., j.14.11.95).
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Estabelea-se, pois, que interpretar o negcio jurdico de acordo
com aboa-f significa, em ltima anlise, garantir sua
funcionalidade.
Visualizado o cnone interpretativo fundamental, apresentemos as
de-mais regras de interpretao do negcio jurdico, conforme referncia
doCdigo Civil, em outros dispositivos relacionados matria,
espalhados nosarts. 110 a 114.
No art. 110, o Cdigo Civil cuida da reserva mental,
caracterizadacomo a emisso de uma declarao no querida, no desejada,
em seu con-tedo e muito menos em seu resultado, tendo por fito nico
enganar, iludir,o declaratrio (parte contrria).[1131] No negcio
celebrado com reservamental o declarante afirma determinada inteno
que sabe, previamente,no pretender cumprir. Logo, declara apenas
para enganar a parte contrria.
Pressupe, logicamente, os seguintes elementos: i) declarao no
desejadaem seu contedo e resultado; ii) nimo de iludir a parte
contrria ou ter-ceiro. possvel citar como casos de reserva mental a
declarao do autorde obra literria anunciando tratar-se de livro
destinado campanha fil-antrpica, apenas com o propsito de assegurar
a circulao e impulsionaras vendas ou o casamento do estrangeiro com
mulher da terra apenas com ofito de no ser expulso do pas.
Bifurca-se a reserva mental em duas modalidades: i) sem o
conheci-mento do destinatrio e ii) com o conhecimento do
destinatrio. Naprimeira hiptese, o negcio subsiste, sendo
irrelevante a reserva mentaldesconhecida da parte contrria. Na
outra hiptese, sendo conhecida a re-serva mental pela parte
adversa, isto , sabendo que o declarante nocumprir o contedo
negocial, o negcio ser inexistente (dada a ausnciade qualquer ato
negocial) ou, se houver inteno de prejudicar terceiros ou
violar a lei, estar eivado de nulidade (de acordo com o art. 167
do Codex),caracterizando verdadeira simulao.[1132]
Na sequncia, o art. 111 da Codificao Reale trata do silncio,
de-terminando que seja interpretado como caracterizador de
concordncia com
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o negcio, desde que as circunstncias ou os usos locais autorizem
e noseja necessria declarao de vontade expressa.
No se deve, entretanto, considerar o silncio como uma espcie
dedeclarao de vontade. Trilhando neste caminho, Rose Melo Vencelau
es-clarece que no o silncio uma declarao de vontade expressa ou
tcita...No se confunde com a declarao tcita, uma vez que esta se
apresentacom atitudes do declarante que tornam clara sua vontade,
por exemplo, nahiptese prevista no art. 1.805 do Cdigo Civil. O
silncio a inrcia doagente que, de acordo com a anlise das
circunstncias do caso, pode provo-car efeitos de uma declarao
volitiva.[1133] o juiz quem deve averiguar,consideradas as
circunstncias objetivas e subjetivas do caso, se o silnciotraduziu,
ou no, declarao de vontade no caso concreto. A ttulo
exempli-ficativo, possvel observar que nas doaes pura e simples
(sem encargo) osilncio do donatrio poder caracterizar aceitao.
J no art. 112 o Codex preconiza que nas declaraes de vontade
seatender mais inteno nelas consubstanciada do que ao sentido
literal dalinguagem. Em sntese, o que importa a vontade real e no a
vontade de-clarada, importando interpretar o negcio, de acordo com
a boa-f, paraelucidar a inteno das partes, sem vinculao ao teor da
redao do neg-
cio (lingstica). a chamada teoria da confiana, que mantm ntima
re-lao com o princpio da boa-f objetiva. Por conta da teoria
confiana, adeclarao de vontade deve prevalecer sobre a efetiva
vontade na medidaem que tenha suscitado legtima expectativa no
destinatrio, conforme ascircunstncias objetivas. Assim, verificada
a boa-f do destinatrio, a de-clarao vlida conforme a confiana que
nele tenha despertado, comopondera Francisco Amaral.[1134]
Frente aos argumentos suso escandidos, possvel sintetizar
algumasregras de interpretao decorrentes da anlise dos citados
dispositivos legais:
i) as palavras e expresses ambguas devem ser interpretadas
peloscostumes locais;
ii) as expresses no compreensveis so tidas como no escritas;
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iii) o contedo negocial s compreende as coisas sobre as quais
po-dem as partes pactuar;
iv) os negcios jurdicos que estabeleam benefcios, privilgios,
arenncia e as clusulas sancionatrias devem ser
interpretadosrestritivamente;
v) as clusulas de uso so subentendidas no negcio;vi) na dvida,
interpreta-se favoravelmente ao devedor;vii) em se tratando de
negcio consumerista, interpreta-se em favor do
consumidor (hipossuficiente);
viii) o testamento interpretado pelo sentido que pretendeu o
testador(CC, art. 1.899).
10.6. Diferentes planos (dimenses) do negcio jurdicoConforme
analisado em passagem anterior, no possvel com-
preender o fenmeno jurdico, seno a partir de seus trs diferentes
planos:
existncia, validade e eficcia. E sendo o negcio jurdico uma
espcie dognero fato jurdico, tambm o seu exame pode (rectius:
deve!) ser feitonesses trs planos.
O precursor desta diviso foi Pontes de Miranda, em seu
monument-
al Tratado de Direito Privado, seguindo-lhe, hodiernamente, a
grande partede nossa doutrina.[1135]
Como esclarece Antonio Junqueira de Azevedo, plano da
existncia,plano da validade e plano da eficcia so os trs planos nos
quais a mentehumana deve sucessivamente examinar o negcio jurdico,
a fim de verificarse ele obtm plena realizao.[1136]
A partir dessa ideia, poderemos organizar a estrutura do
negciojurdico da seguinte forma:
i) plano da existncia, relativo ao ser, isto , sua estruturao,
deacordo com a presena de elementos bsicos, fundamentais, paraque
possa ser admitido, considerado;
ii) plano da validade, dizendo respeito aptido do negcio frente
aoordenamento jurdico para produzir efeitos concretos;
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iii) plano da eficcia, tendo pertinncia com a sua capacidade
deproduzir, desde logo, efeitos jurdicos ou ficar submetido a
de-terminados elementos acidentais, que podem conter ou liberar
taleficcia.
Conforme a precisa lio de Antonio Junqueira de Azevedo, no
plano
da existncia preciso preencher pressupostos ou elementos de
existncia; en-quanto no plano da validade necessrio que estejam
presentes os requisitosde validade; e, finalmente, no plano da
eficcia, encontram-se os fatores deeficcia.[1137]
De forma mais especfica. Inicialmente, averigua-se a presena dos
ele-mentos estruturantes para que seja considerado na esfera
jurdica. So ele-mentos essenciais, sem os quais no ter o negcio
sequer possibilidade deproduzir efeitos. Em seguida, no nvel da
validade, se analisam os requisitosde conformidade com a ordem
jurdica, para afirmar a aptido do negciopara produzir efeitos.
Finalmente, na ltima etapa, ser conferida aprodutividade imediata
dos efeitos, ou no. Trata-se de anlise progressiva,tendo como plano
prejudicial e imprescindvel a existncia.
Tomando como exemplo o testamento, possvel afirmar que
existirquando o sujeito emitir vontade, no sentido de dispor de seu
patrimnio
para depois de sua morte. Em seguida, ser vlido se contiver os
requisitosexigidos por lei, possuindo declarao de vontade ntegra,
sem vcios,
emitida por agente capaz. No entanto, existindo e sendo vlido o
negcio,no significa que o testamento ir produzir efeitos
necessariamente. Como sesabe, somente depois da morte do declarante
que os efeitos do testamentodecorrero, vislumbrando-se, assim, a
autonomia dos trs diferentes planos.
10.7. Plano da existncia e seus pressupostos (elementos
deexistncia)
No plano de existncia no se discute a validade ou invalidade
do
negcio e tampouco a sua eficcia. Neste plano analisa-se o ser,
isto , opreenchimento das condies mnimas para que possa produzir
efeitos.
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O negcio jurdico inexistente o que no possui os elementos
fticosque a sua natureza supe e exige como condio existencial,
conduzindo asua falta impossibilidade de sua formao. Assim,
frustrados os elementosde existncia, no existe na rbita jurdica, no
podendo produzir, por con-
seguinte, qualquer efeito jurdico. o no-ato.Como afirma Marcos
Bernardes de Mello no plano da existncia no
se cogita de invalidade ou eficcia do fato jurdico, importa,
apenas, a realid-ade da existncia. Tudo, aqui, fica circunscrito a
se saber se o suporte fcticosuficiente se comps, dando ensejo
incidncia.[1138]
Conquanto o Cdigo Civil no mencione expressamente os elementosda
existncia do negcio jurdico, induvidoso que, antes de produzir
efei-
tos com eficcia no plano concreto, o negcio precisa existir
juridicamente.No existindo juridicamente, o negcio sequer precisar
ser destitudo
judicialmente (como exigem os franceses), porque a inexistncia o
noser. Logo, no tendo vocao para produzir qualquer efeito, no h
ne-cessidade de declarar o negcio inexistente como tal.
Excepcionalmente,apenas, possvel a declarao judicial da inexistncia
do negcio, em razode efeitos indiretos gerados por ele. o exemplo
do casamento celebradopor um Delegado de Polcia ou por um Juiz do
Trabalho. O ato em si in-existente e, como tal, no se mostra
necessria a propositura de uma aopara declar-lo como tal. Todavia,
pode ser admissvel o ajuizamento deao para anular o registro pblico
de casamento, se eventualmente foi as-sentado pelo Oficial.
Muito embora a doutrina no seja pacfica quanto aos elementos
exist-enciais, possvel identific-los. Assim, so pressupostos de
existncia donegcio jurdico:
i) agente;ii) objeto;iii) forma;iv) vontade exteriorizada
consciente.
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Antonio Junqueira de Azevedo, inclusive, chama a ateno para
o
fato de que a declarao de vontade e no a vontade propriamente
ditaque se constitui elemento existencial do negcio jurdico, uma
vez que cro-nologicamente, ele (o negcio) surge, nasce, por ocasio
da declarao; suaexistncia comea nesse momento; todo o processo
volitivo anterior nofaz parte dele; o negcio todo consiste na
declarao.[1139] A tudo issoacresa-se que a vontade no exteriorizada
nenhum efeito poder produzirno plano concreto.
certo, e isso no se pode colocar em dvida, que sem a
exterioriza-o da vontade no h negcio jurdico, tomando-se como
exemplo o con-trato em que as partes no declaram sua inteno.
De outro lado, presentes os elementos mnimos, tem-se existente
onegcio jurdico. o exemplo do contrato de compra e venda de
imvel
celebrado por escritura particular. Encontrando-se no negcio
sujeito (com-prador e vendedor), objeto (a alienao do bem), forma
(escrito particular) evontade declarada (uma no sentido de vender,
compondo-se com outra nosentido de adquirir), o negcio preencheu os
elementos do plano da existn-cia, devendo ser analisado, dali em
diante, no plano da validade.
10.8. Plano da validade e seus requisitos: a invalidade
(nulidade aanulabilidade) do negcio jurdico
10.8.1. Consideraes gerais sobre o plano da validade
Somente aps a verificao da existncia do negcio jurdico
(afirmadaa partir da presena de seus pressupostos, elementos,
mnimos) que serpossvel apreciar o plano da validade, averiguando a
presena dos requisitosde validade exigidos por lei. H uma
verdadeira relao implicacional: se seanalisam os requisitos de
validade, porque esto presentes os elementosdo plano da existncia,
necessariamente.
No passou ao largo da perspicaz observao do saudoso San
TiagoDantas a necessidade de respeito a condies de validade para
que o neg-cio se torne idneo a produzir efeitos. Esclarece o
saudoso mestre da
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Faculdade Nacional de Direito (hoje UFRJ) a indispensabilidade,
com vistasa que produzam efeitos, de que os negcios jurdicos renam
certo nmerode requisitos que costumamos apresentar como os da sua
validade. Se o atopossui tais requisitos, vlido e dele decorre a
aquisio, modificao ou ex-tino de direitos prevista pelo agente. Se,
porm, falta-lhe um desses re-quisitos, o ato invlido, no produz o
efeito jurdico em questo.[1140]
no plano da validade que o negcio jurdico encontrar plena
justi-ficao terica, apreciando o papel maior ou menor da vontade
exterioriz-ada, bem como os limites da autonomia privada, a forma,
o objeto e ocontedo.
Preciosa a lio de Antonio Junqueira de Azevedo, dizendo
entender-se perfeitamente que o ordenamento jurdico, uma vez que
autoriza aparte, ou as partes, a emitir declarao de vontade, qual
sero atribudosefeitos jurdicos de acordo com o que foi manifestado
como querido, pro-cure cercar a formao desse especialssimo fato
jurdico de certas garantias,tanto no interesse das prprias partes,
quanto no de terceiros e no de toda aordem jurdica.[1141]
Assim, fcil perceber a funo do plano da validade, servindo
comorede de proteo da vontade que est sendo exteriorizada pela(s)
parte(s).
10.8.2. Os requisitos da validade
Ora, se a validade e no poderia ser diferente a qualidade da
qualdeve se revestir o negcio ao ingressar no mundo jurdico,
consistente emestar em conformidade com as regras (opes) do
ordenamentojurdico,[1142] decorre quase que intuitivamente que os
requisitos exi-gidos neste plano tratam da qualificao dos prprios
pressupostosexistenciais.
Apresentam-se os requisitos da validade, pois, como os
caracteres exi-gidos por lei para o preenchimento do plano da
validade.
Nesta linha de inteleco, fcil concluir que h certo
paralelismoentre os elementos do plano da existncia e os elementos
do plano da valid-ade, constituindo estes, de forma simples e
direta, a qualificao,
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adjetivao, daqueles.[1143] Correspondem os requisitos do plano
da valid-ade s qualidades que os elementos estruturais
(existenciais) devem ter.
No primeiro plano (existncia), os elementos aparecem, estruturam
onegcio. J no plano seguinte (validade), aqueles mesmos elementos
se qual-ificam, para que se tornem aptos a produzir efeitos.
Assim, qualificando os elementos existenciais, tem-se como
requisitosda validade do negcio jurdico, a partir da leitura do
art. 104 do CdigoCivil:
i) agente capaz;ii) objeto lcito, possvel, determinado ou
determinvel;iii) forma adequada (prescrita ou no defesa em lei);iv)
vontade exteriorizada conscientemente, de forma livre e
desembaraada.
Em primeiro lugar, veja-se que o agente deve ser capaz,
respeitadas ashipteses de absoluta e relativa incapacidade traadas
pelos arts. 3 e 4 daCodificao. No se olvide que, como visto
alhures, por vezes poder a lei
exigir, alm da capacidade geral, determinado requisito concreto,
denom-inado doutrinariamente capacidade especfica ou legitimao, da
qual exem-plo elucidativo a outorga do cnjuge para a alienao de
bens imveis porpessoas casadas, exceto se o regime de bens do
casamento for a separaode bens (CC, art. 1.647).
O objeto h de ser lcito, possvel, determinado ou determinvel,
nose contrapondo lei, moral ou aos bons costumes.
Tambm merece qualificao a forma. Embora, de regra, seja livre,no
se pode ignorar que a lei, no raro, exigir forma especial, como se
de-preende da simples e ainda que perfunctria leitura do art. 107
do TextoCodificado: a validade da declarao de vontade no depender
de formaespecial, seno quando a lei expressamente exigir. Exemplo
claro so os
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contratos de compra e venda de imveis, que exigem escritura
pblica, re-gistrada em Cartrio de Imveis.
Relembre-se, exausto, que a regra a forma livre, pelo que
qualquerexigncia de forma especial depende de previso
normativa.
A vontade, por sua vez, deve ser explicitada de forma livre, sem
em-baraos, no podendo estar impregnada de malcia ou vcio. preciso
que aexteriorizao da vontade ocorra com respeito boa-f (objetiva e
subjetiva)e autonomia privada. Sofrendo alguma mcula (seja a m-f,
seja a quebrada autonomia privada), haver defeito na manifestao de
vontade, caracter-
izando os chamados defeitos do negcio jurdico, que podem ser
vcios devontade (quando houver discordncia entre a vontade e a
declarao devontade) ou vcios sociais (quando a vontade estiver
perturbada, sendo expli-citada para causar prejuzo a algum ou
fraudar a lei).[1144]
10.8.3. A representao no negcio jurdico
a) Nota introdutria
Tema dos mais relevantes na teoria dos fatos jurdicos, sem
dvida,pertine representao. At mesmo porque o referido instituto
tambmprojeta seus tentculos em outras sedes, como na teoria da
capacidadejurdica.
De sada, convm diferenar a representao legal[1145] (tambm
ditarepresentao necessria) e a voluntria (ou privada, como preferem
alguns).Aquela (a representao legal) corresponde ao poder,
conferido por lei, deagir em nome de outrem, de um incapaz. o caso
dos pais, tutores ecuradores.[1146] Esta (a representao voluntria),
quando o poder de atu-ao em nome de outra pessoa concedido por ato
do prprio interessado,da prpria pessoa cujos interesses estaro em
pauta.
Releva, nesse ponto, promover o estudo da representao
voluntria,por dizer respeito exteriorizao vlida da vontade que
elemento devalidade do negcio jurdico.
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Sem dvida, de regra, os negcios e atos jurdicos (em senso
estrito)so realizados pessoal e diretamente pelos interessados,
sobre os quais de-vero incidir os efeitos. No se nega, no entanto,
a possibilidade (bastantecomum) de prtica do negcio por uma pessoa
para projetar efeitos na es-fera de interesses de outra. que
existem situaes concretas, cotidianas,nas quais, por variados e
incontveis motivos (especialmente na sociedadehodierna,
multifacetria, complexa e dinmica), surge para algum a ne-cessidade
de que outra atue em seu lugar, permitindo quela adquirir
direitosou obrigaes como se estivesse agindo pessoalmente. o
exemplo de umacompra e venda cujo adquirente encontra-se no
exterior e confere poderespara que algum exercite a sua vontade, em
seu favor, representando-o nacelebrao do negcio.
b) A representao voluntria no Direito Civil
Originada da expresso latina representatio, representationis,
signific-ando a ao ou efeito de pr diante dos olhos de algum, a
representaoconsiste em verdadeira substituio da exteriorizao da
vontade. ExplicaMairan Gonalves Maia Jnior que na representao a
vontade manifest-ada por outra pessoa, por interveniente ou
cooperador, o qual faz asvezes de, apresenta-se no lugar de, agindo
e fazendo com que os efeitosjurdicos e econmicos do negcio
celebrado por seu intermdio recaiam
diretamente na esfera jurdica do substitudo, ou seja, do dominus
ne-gotii.[1147]
A representao voluntria surge da ideia fundamental de que
algumpode celebrar um negcio ou um ato jurdico em nome de outra
pessoa,sobre cuja esfera jurdica sero produzidas as consequncias
jurdicas.
Por isso, consubstancia, no mbito da cincia jurdica, o fenmeno
da
cooperao. , pois, cooperao (colaborao) jurdica. Torna possvel a
cel-ebrao de contratos entre um interessado direto ou principal (o
repres-entado) e uma outra pessoa interessada (o terceiro), por
intermdio de umagente interposto (o representante privado), de
maneira tal que os efeitos at-injam apenas o representado e o
terceiro, passando longe da esfera jurdica
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de interesses do representante. Equivale a dizer: uma pessoa
participa pess-oalmente de um negcio que produzir efeitos sobre
outra[1148] (a ver-dadeira parte do ato negocial).
Caracteriza-se, pois, a representao pela evidente ciso
(distino)entre a pessoa por meio de quem se revela, se exterioriza,
a vontade e o des-tinatrio dos efeitos do negcio celebrado. Da a
feliz percepo de RenDemogue, citado por Maia Jnior, afirmando que o
representante umaprojeo da personalidade jurdica do representado,
muito embora no seconfundam.[1149]
Qualquer negcio jurdico, como regra, admite a
representaoprivada. De qualquer modo, as relaes contratuais
apresentam-se como odomiclio mais comum da representao voluntria. A
figura jurdica podetambm ser encontrada em outras sedes, como no
casamento e na confis-so, muito embora, em tais hipteses (assim
como em outras hiptesesassemelhadas), exija-se a concesso de
poderes especficos.
Na linha de tais ideias, Leonardo Mattietto bem percebe que na
rep-resentao voluntria encontra-se um pressuposto (a relao
jurdicabsica), um requisito (agir em nome de outrem) e um efeito
tpico (a im-putao na esfera jurdica do representado).[1150] por
isso que no se
enquadra nas latitudes do instituto em apreo a chamada
representao in-direta, figura materializada quando o agente realiza
o negcio em seuprprio nome para, somente depois, transferir os seus
efeitos para orepresentado.
c) O representante aparente e a boa-f
A disciplina jurdica da representao voluntria no pode se afastar
doprincpio da notoriedade (aparncia). Com isso, se uma pessoa atua,
apar-entemente (aos olhos de todos), como se tivesse poderes para
representaroutra, esta responder, prestigiado o comportamento tico
das partes (boa-f objetiva).
Equivale a dizer: pode haver outorga de poderes (representao)
noapenas de forma expressa, mas tambm de modo comportamental.
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Quando a aparncia de celebrao de negcio idnea a suscitar
aconfiana ou representao mental, o criador desta situao
concreta
(aparncia) est vinculado ao resultado.[1151] a chamada teoria
daaparncia, que aqui ganha terminologia prpria: representao ou
procuraoaparente.
certo, destarte, que a exteriorizao da vontade reconhecida
tam-bm atravs de atos e comportamentos concludentes que permitem
aos ter-ceiros confiar, acreditar, na relao jurdica que se
vislumbra. Em outra ex-presso: no raro, apesar da inexistncia de
mandato, a situao apresenta-sede forma aparente, ensejando a
caracterizao da representao. Com Mair-an Gonalves Maia Jnior, em
obra dedicada ao tema, na representaoaparente, apesar de no existir
a manifestao de vontade do representadoem outorgar poderes, a
conduta dele, objetivamente considerada, contribuipara formar no
terceiro a convico de ter sido outorgada procur-ao.[1152]
Nesse sentido, admitindo a representao aparente, h importante
pre-cedente em nossos Pretrios:
Locao. Contrato. Novo aluguel. Efetivao por pessoa queno era
scio da locatria, mas por ela respondia. Configurao demandato
tcito. Validade. Se a contratao do novo aluguel veio a serefetivada
entre a locadora e quem, embora no sendo scio da loc-atria, por ela
respondia, tal como de fato veio a ocorrer em situaopretrita, sem
qualquer oposio daquela, vlido se mostra o acordo,porque tem-se
configurado verdadeiro mandato tcito (2 TACv.SP,Ac. 4 Cm., ApCv.
518.102, rel. Juiz Mariano Siqueira, j. 26.5.98).
O fundamento da possibilidade de mandato aparente decorre,
semqualquer dvida, do princpio da boa-f objetiva.
d) Representao, mandato e procurao
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Apesar de um intuitivo raciocnio contrrio,[1153] a representao
nopode ser confundida com o contrato de mandato. Muito pelo
contrrio. Omandato um contrato (e assim est contemplado na Lei
Civil brasileira)por intermdio do qual algum se incumbe de praticar
negcios no interessede outrem. O mandatrio, no entanto, pode atuar
em nome do mandante ecom os necessrios poderes representantivos ( o
chamado mandato repres-entativo) ou pode atuar em seu prprio nome
(quando nominado man-dato sem representao).[1154] Assim, a
representao est liberta da con-dio servil e obediente ao mandato
(que caracteriza verdadeira figura con-tratual, contemplada em
lei).
plenamente possvel ocorrer representao sem mandato e mandatosem
representao. Exemplificando, pode haver mandato sem repres-entao
quando o mandatrio no recebeu poderes para agir em nome domandante:
ainda que v agir por conta do mandante, o far em nomeprprio. De
outra banda, t