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Teoria de Galois para Anéis Comutativos
João Rafael de Melo Ruiz
2018
Resumo
Neste artigo, exploramos a teoria de Galois para anéis
comutativoscomo a generalização natural da teoria de Galois
finita para corpos. Umdos elementos fundamentais dessa teoria é o
conceito de álgebras se-paráveis sobre anéis comutativos,
introduzido por M. Auslander e O.Goldman em [1] em 1960.
Desenvolvendo-se essa teoria, pode-se gene-ralizar diversos
resultados da Teoria de Galois para extensões finitas decorpos,
entre eles a correspondência de Galois, objetivo principal
destetrabalho.
Sumário
1 Checagem de motores 2
2 Levantando vôo 6
3 Rumo ao espaço! 21
Por que generalizar essa teoria?
A resposta curta é: porque é legal! A resposta um pouco mais
longa: ateoria de álgebras separáveis sobre anéis comutativos,
bastante necessária para odesenvolvimento da teoria aqui
explorada, é excepcionalmente útil na definiçãoe cálculo do
Grupo de Brauer de anéis comutativos (tanto é que o artigo
deAuslander e Goldman trata como tema principal a definição do
Grupo de Brauerde um anel). O Grupo de Brauer é uma construção
algébrica que até então jáera conhecida para corpos e tinha a
interpretação como um grupo que classificaas álgebras de
divisão sobre tal corpo. Generalizando-se isso para um
anelcomutativo qualquer, ganhamos uma poderosa ferramenta de
classificação deálgebras sobre anéis comutativos.
Retornando à pergunta original, e juntando as duas respostas,
pode-se argu-mentar que a Matemática é, muitas vezes, movida a
generalizações, que nada
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mais são o ato de perceber que situações ou construções
aparentemente não-relacionadas na verdade são apenas instâncias
ou consequências de uma estru-tura mais geral. Um exemplo é a
Teoria de Categorias, que dá um motivo claroao “roteiro” que
muitas vezes os cursos de Álgebra a ńıvel de graduação
seguem(introduzir uma estrutura → morfismos entre essas estruturas
→ quocientes eteoremas de isomorfismo), e guia estudos mais
aprofundados (dando ênfase amorfismos no lugar de objetos, pelo
Lema de Yoneda). Outro exemplo é a ca-tegoria de espaços
localmente anulares (LRS), que unifica praticamente todosos objetos
geométricos da Matemátcia: de variedades algébricas a
esquemas,passando por variedades diferenciáveis e superf́ıcies de
Riemann, praticamentetodo objeto geométrico possui uma estrutura
de espaço localmente anular.
O desejo de generalizar cada vez mais é muitas vezes comparado
a levantarvôo e “subir” cada vez mais, rumo a um grau “espacial”
de abstração. Essacomparação motiva a nomenclatura das seções
deste trabalho: na primeira,Checagem de motores, revisitaremos
alguns tópicos importantes da teoriade anéis e de módulos, além
de resultados importantes da Teoria de Galoisque serão utilizados
aqui como ponto de partida para generalizações. Depois,em
Levantando vôo, começamos com as definições da Teoria de Galois
paraextensões finitas de corpos e, por meio das equivalências e
definições certas,encontramos generalizações adequadas tanto
para as definições quanto para osresultados da Teoria de Galois.
Finalmente, sáımos da atmosfera terrestre emRumo ao espaço, com
indicações de aplicações da teoria aqui explorada eonde buscar
generalizações possivelmente para anéis não-comutativos.
1 Checagem de motores
Aqui lembraremos alguns tópicos importantes da teoria de anéis
e módulos,além de um ou outro resultado das teorias de corpos e
de Galois. Uma dasreferências canônicas para esses assuntos é
[4]. Antes de qualquer coisa, con-vencionaremos que o termo “anel”
significa “anel comutativo com unidade”,e o termo “álgebra”
significa “álgebra comutativa com unidade”, a menos deexpĺıcita e
inegável menção do contrário. Além disso, 0 ∈ N.
Comecemos lembrando que se R é um anel, um R-módulo M é um
grupoabeliano (M,+) munido de uma operação bilinear R ×M → M ,
(a,m) 7→ amde forma que para quaisquer a, b ∈ R e m ∈M , (ab)m =
a(bm). Temos tambémo conceito de R-homomorfismo: fixado um anel R
e R-módulos M e N , um R-homomorfismo (ou morfismo de R-módulos)
f : M → N é um homomorfismode grupos para o qual vale, para todo a
∈ R, m ∈M , f(am) = af(m).
Com essas definições, verifica-se facilmente que acabamos de
definir uma ca-tegoria, a de R-módulos, denotada por RMod
1. Para o leitor ou a leitora que
1Para ser espećıfico, definimos aqui para cada anel R a
categoria de R-módulos à esquerda.Isso porque a multiplicação
por escalares (isto é, por elementos de R) é feita à esquerda.
Todos
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já leu sobre Teoria de Categorias, a categoria RMod é uma
categoria abeliana.A “moral” dessa última frase é que, entre
outras coisas, valem:
• Se M e N são R-módulos, Hom(M,N) é um grupo abeliano e a
com-posição de morfismos é bilinear;
• Se f : M → N é um morfismo de R-módulos, então M/ ker f '
Imf .
Com a noção de núcleo e de imagem, é posśıvel definir
exatidão para sequênciasde morfismos. Se M , N e P são
R-módulos e f : m → N e g : N → P sãomorfismos de R-módulos,
diz-se que a sequência
Mf−→ N g−→ P
é exata em N se Imf = ker g. Sequências com mais módulos e
morfismos sãoditas ser exatas se são exatas em cada termo em que
há uma composição demorfismos.
Um tipo de sequência exata importante são as sequências
exatas curtas, asda forma
0→M f−→ N g−→ P → 0.Note que essa sequência é exata se, e
somente se, Imf = ker g, f é injetora e gé sobrejetora.
Dada uma famı́lia qualquer {Ai}i∈I de R-módulos, podemos
construir suasoma direta:
⊕i∈I
Ai é o subconjunto de∏i∈I
Ai de todas as famı́lias quase-nulas,
isto é: dado a = (ai)i∈I ∈∏i∈I
Ai, a ∈⊕i∈I
Ai se, e somente se, ai 6= 0 para uma
quantidade finita de ı́ndices i. Nessa situação, cada Ai é
chamado de somandodireto de
⊕i∈I
Ai. Note então que para famı́lias finitas o produto cartesiano
usual
e a soma direta coincidem. A soma direta de dois módulos M e N
é denotadapor M ⊕N .
Com somas diretas, podemos definir a noção de módulo livre,
que são aquelesque “possuem uma base”. Equivalentemente, um
R-módulo é livre se M '
⊕i∈I
R
para algum conjunto I 6= ∅. Note que qualquer espaço vetorial
é um módulolivre.
Diz-se que uma sequência exata
0→M → N → P → 0
cinde se N ' M ⊕ P . Entre outras coisas, isso equivale a dizer
que existe ummorfismo P → N tal que a composta P → N → P é a
identidade em P .os conceitos aqui possuem formulações quase
idênticas para módulos à direita porém, comoestamos nos
limitando a anéis comutativos, o caso de módulos à esquerda é
mais do que osuficiente.
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Módulos livres, apesar de frequentes, são bastante especiais,
então muitasvezes não podemos exigir que os módulos com que
trabalhamos sejam livres.Nos restringimos a trabalhar
principalmente com módulos projetivos: diz-se queum R-módulo P é
projetivo se, para quaisquer R-módulos M e N , morfismosde
módulos P → N e M → N → 0, exista um (não necessariamente
único)morfismo P →M tal que o diagrama abaixo comuta:
P
M N 0
O principal teorema sobre módulos projetivos, que não será
provado aqui, éo seguinte:
Teorema 1.1. Seja P um R-módulo. Equivalem:
• P é projetivo;
• Toda sequência exata de R-módulos
0→M → N → P → 0
cinde.
• P é (isomorfo a um) somando direto de um módulo livre.
• Existem elementos pi ∈ P e R-homomorfismos fi : P → R (para i
∈ I), deforma que, para todo p ∈ P , finitos fi(p) são não-nulos,
e p =
∑i∈I
fi(p)pi.
A coleção dos pi e fi é chamada de base dual.
A partir de dois R-módulos podemos construir vários outros
módulos. Umdesses é o produto tensorial, que veremos que tem uma
importante interpretaçãocomo mudança de base. Sua construção
não é relevante, porém o leitor ou aleitora que se interessar
pode consultar [4]. Aqui, vamos apenas ver algumaspropriedades
básicas e exemplos para fins de interpretação.
O R-módulo M ⊗R N é gerado por elementos da forma a ⊗ b com a
∈ M eb ∈ N , chamados de tensores elementares. Os tensores
elementares satisfazemas relações (a+ a′)⊗ b = a⊗ b+ a′ ⊗ b, a⊗
(b+ b′) = a⊗ b+ a⊗ b′ e se r ∈ R,(ra)⊗b = a⊗ (rb) = r(a⊗b). Além
disso, o produto tensorial é criado com umaaplicação R-bilinear
⊗ : M×N →M⊗RN dada por (a, b) 7→ a⊗b satisfazendoa propriedade
universal de que toda aplicação R-bilinear saindo de M × N
sefatora de maneira única por ⊗. Visualmente, essa propriedade
universal estáilustrada no diagrama abaixo:
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M ⊗R N
M ×N
P
⊗
f
Existe um único homomorfismo de R-módulos φ : M ⊗R N → P tal
quef = φ ◦ ⊗.
O caso interessante é quando tensorizamos por um módulo que é
tambémum anel: nesses casos, o produto tensorial tem uma clara
interpretação comomudança do “anel de escalares”: por exemplo,
tanto R[x] quanto C são R-módulos. Nesse caso, temos R[x] ⊗R C '
C[x]. O isomorfismo é induzido pelapropriedade universal do
produto tensorial: a aplicação de R[x]×C em C[x] dadapor (p, z)
7→ zp é R-bilinear, induzindo assim um morfismo φ : R[x]⊗RC→
C[x]que leva o tensor elementar p⊗z em zp. O inverso de φ é o
morfismo ψ induzidopela aplicação znx
n 7→ xn ⊗ zn. Verificando-se (facilmente) que ψ e φ são defato
inversos, temos que R[x]⊗R C ' C[x].
Essa é a “moral” do produto tensorial na Álgebra Comutativa:
mudar a base.Da mesma forma que fizemos com esse exemplo, não é
dif́ıcil provar que, seL ⊇ k é uma extensão de corpos, então
k[x]⊗k L = L[x]. Para fazer contas como produto tensorial, basta
usar a seguinte “cola”: se você quer saber quem é oproduto
tensorial M ⊗R S, em que S é um anel, além de um R-módulo,
bastanotar que R “aparece” em M de alguma forma; o produto
tensorial meramentetroca R por S. Para muitas contas básicas, essa
regra é suficiente.
O último tópico da Álgebra Abstrata a ser abordado aqui são
álgebras. Umaálgebra nada mais é do que um módulo sobre um
anel, que porventura tambémé ele próprio um anel, com
operações compat́ıveis. Ou seja: uma R-álgebra Aé um anel A
munido de uma estrutura de R-módulo, de forma que para todoa, b ∈
A e r ∈ R, tem-se r(ab) = (ra)b = a(rb). A única observação
importanteque devemos fazer é que se A e B são duas R-álgebras,
podemos munir A⊗RBde uma estrutura de R-álgebra, via a
multiplicação em tensores elementaresa⊗ b · a′ ⊗ b′ = (aa′)⊗
(bb′).
Agora, será útil relembrarmos alguns resultados e definições
importantes dateoria de Galois: se k é um corpo e f ∈ k[x], então
f é dito ser separável sef não possui ráızes múltiplas em k.
Similarmente, se L ⊇ k é uma extensãode corpos, um elemento α ∈ L
é dito ser separável sobre k se seu polinômiominimal é
separável e uma a extensão L ⊇ k é dita ser separável se todos
osseus elementos são separáveis.
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Uma extensão L ⊇ k de corpos é dita ser simples se L = k(α),
para algumα ∈ L. Nesse caso, α é dito ser um elemento primitivo da
extensão. Temos umimportante
Teorema 1.2 (Elemento Primitivo). Se uma extensão finita L ⊇ k
é separável,então L = k(α).
A demonstração pode ser conferida em [2].
2 Levantando vôo
Comecemos exporando um pouco a definição de separabilidade de
um po-linômio por um viés da álgebra comutativa. Sabemos que f ∈
k[x] ser separávelsignifica que em um fecho algébrico de k, f
não possui ráızes repetidas. Issoequivale, claramente, a dizer
que para qualquer extensão L ⊇ k, f não possuifatores repetidos
em L. Ora, se L ⊇ k é extensão e, em L, f = pn11 ...pnrr comcada
pi irredut́ıvel, para que f seja separável é necessário e
suficiente que ni = 1para todo i = 1, ..., r e toda extensão L ⊇
k.
Passando ao quocienteL[x]
(f), sabemos pelo teorema chinês dos restos, que
L[x]
(f)' L[x]
(p1)⊕ ...⊕ L[x]
(pr).
Como cada pi é irredut́ıvel, cada somando da expressão acima
é um domı́nio.
Assim, mesmo queL[x]
(f)não seja um domı́nio, sabemos que esse anel não possui
nilpotentes não nulos. Um anel com essa propriedade é chamado
de reduzido.
Lembrando-se da seção anterior que L[x] = k[x] ⊗k L, a
discussão acima sereduz à seguinte
Proposição 2.1. Sejam k um corpo, f ∈ k[x] um polinômio
irredut́ıvel. Então
f é separável se, e somente se,k[x]
(f)⊗k L é reduzido para toda extensão L ⊇ k.
Corolário 2.2. Seja L ⊇ k uma extensão finita. Então L é uma
extensãoseparável de k se, e somente se, L⊗k F é reduzido para
toda extensão F de k.
Demonstração. Como consequência do Teorema do Elemento
Primitivo, umaextensão finita L ⊇ k é separável se, e somente
se, L = k(α) para algum α ∈ L
algébrico sobre k com polinômio minimal f ∈ k[x] separável.
Ora, k(α) = k[x](f)
,
portanto L e separável se, e somente se, L⊗k F é reduzido para
toda extensãoF de k. �
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Assim, temos uma formulação de separabilidade que independe de
alguns con-ceitos da teoria de corpos: a dizer, podemos considerar
“objetos separáveis”quenão são extensões de corpos. Isso motiva
a seguinte
Definição 2.3. Uma álgebra A de dimensão finita sobre um
corpo k é dita serseparável se, para toda extensão L de k, A⊗k L
é uma álgebra reduzida.
Exemplo 2.4. Sejam F1, ..., Fr extensões finitas separáveis de
um corpo k.Então a álgebra A = F1⊕ ...⊕Fr é separável. Afinal,
se L ⊇ k é uma extensão,temos que
A⊗k L =
(n⊕i=1
Fi
)⊗k L
=
n⊕i=1
(Fi ⊗k L),
e como cada somando não possui nilpotentes não-nulos, A ⊗k L
não os possuitampouco. Portanto A é uma álgebra separável.
O que o corolário 2.2 diz é que de fato o conceito de álgebra
separável sobreum corpo é uma generalização do conceito de
extensão separável de um corpo.Na realidade, esse é o único
exemplo de álgebra separável sobre um corpo. Issose deve ao
seguinte teorema (que não será provado aqui por depender de
algunsresultados técnicos sobre anéis semisimples, mas está
dispońıvel em [6]):
Teorema 2.5. Seja A uma k-álgebra separável. Então existem
extensões finitase separávels F1, ..., Fr de k tais que A ' F1 ⊕
...⊕ Fr.
Corolário 2.6. Seja A uma álgebra de dimensão finita sobre um
corpo k. EntãoA é separável se, e somente se, existe uma
extensão E ⊇ k tal que A⊗kE = E⊕n.
Agora nosso objetivo se volta a generalizar o conceito de
separabilidade paraálgebras sobre anéis, e não sobre corpos.
Começamos com a seguinte
Definição 2.7. Sejam R um anel e A uma R-álgebra. A álgebra
envolvente deA é definida como sendo Ae = A⊗R A.
Na realidade a álgebra envolvente é um conceito mais geral
para álgebrassobre anéis não necessariamente comutativos: mais
geralmente, Se A é umaR-álgebra à esquerda, Ae = Aop ⊗R A, em
que Aop é a álgebra oposta de A.
Ainda, A admite uma estrutura de Ae-módulo dada por (a⊗ b) · x
:= axb.
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Podemos induzir um morfismo Ae → A de Ae-módulos: pela
propriedadeuniversal do produto tensorial, o diagrama abaixo induz
µ : Ae → A dado emtensores elementares por µ(a⊗ b) = ab.
A⊗R A
A×A
A
µ
⊗
f
No diagrama, f(a, b) = ab.
O núcleo do morfismo é um ideal de Ae, e podemos
caracterizá-lo: temoskerµ = (a ⊗ 1 − 1 ⊗ a|a ∈ A). A inclusão (⊇)
é clara, e se
∑i
ai ⊗ bi ∈ kerµ,
com ai 6= aj e bi 6= bj para i 6= j, temos∑i
aibi = 0 em A. Disso conclúımos que
a soma possui uma quantidade par de parcelas que podem ser
agrupadas empares aibi+ajbj = 0. Supomos então SPG que ai = −bj e
bi = aj , de forma queai⊗ bi +aj ⊗ bj = bi · (1⊗ bj − bj ⊗ 1), de
forma que kerµ ⊆ (a⊗ 1− 1⊗a| ∈ A)e temos a igualdade.
Para continuar nossa exploração, o seguinte lema será útil.
Ele não seráprovado pois é parte de uma equivalência muito
maior, dispońıvel em [6].
Lema 2.8. Seja A uma álgebra de dimensão finita sobre um corpo
k. Equiva-lem:
1) A é reduzida;
2) Toda sequência exata curta de A-módulos cinde;
3) Todo submódulo N de um A-módulo M é um somando direto de M
.
Teorema 2.9. Uma álgebra A de dimensão finita sobre um corpo k
é separávelse, e somente se, a sequência exata curta de
Ae-módulos
0→ kerµ→ Ae µ−→ A→ 0
cinde.
Demonstração. ( =⇒ ) Pela hipótese, conclúımos que existe
uma extensão E dek tal que A⊗k E = E⊕n. Dessa forma, conclúımos
que
Ae ⊗k E = (A⊗k A)⊗k E)= A⊗k (A⊗k E)= A⊗ (E⊕n)= (A⊗k E)⊕n
= E⊕n2
.
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Portanto, Ae é uma k-álgebra separável. Em particular, Ae =
Ae⊗kk é reduzida,de forma que toda sequência exata curta de
Ae-módulos cinde, em particular asequência
0→ kerµ→ Ae µ−→ A→ 0.
(⇐= ) Seja F uma extensão de k e denote por B a F -álgebra
A⊗kF . garantindoque B é reduzida, o teorema está provando. Para
isso, provaremos que todosubmódulo de um B-módulo é um somando
direto. Comecemos notando que
Be = B ⊗F B = (A⊗k F )⊗F (A⊗k F ) = (A⊗k A)⊗k F.
Portanto temos um isomorfismo θ : Be∼−→ Ae ⊗k F . Por outro
lado, como a
sequência 0→ kerµ→ Ae µ−→ A→ 0 cinde, existe ν : A→ Ae tal que
µ◦ν = 1A.Sejam
µ′ = (µ⊗ 1) ◦ θ : Be → Ae ⊗k F → A⊗k Fν′ = θ−1 ◦ (ν ⊗ 1) : A⊗k F
→ Ae ⊗k F → Be.
Obviamente µ′ ◦ ν′ = 1B .
Consideremos agora um B-móduloM eN um B-submódulo deM . Como
ambossão B-módulos, são k-espaços vetoriais. Portanto, como N
é um k-subespaçovetorial de M , existe uma projeção k-linear Π
: M → N que quando restrita aN é a identidade. Se tivéssemos a
noção de ortogonalidade, tomando o comple-mento ortogonal N⊥ de N
teŕıamos M = N ⊕ N⊥. Infelizmente não é esse ocaso, então
teremos que tomar um caminho um pouco mais longo para provarque N
é um somando direto de M :
Seja ν′(1) =r∑i=1
xi ⊗ yi. Aplicando-se µ′ temos
1 = µ′(ν′(1)) =
r∑i=1
µ′(xi ⊗ yi) =r∑i=1
xiyi.
Para qualquer aplicação k-linear f : M → M e qualquer a⊗ b ∈
Be, definimos(a ⊗ b) · f : M → M por (a ⊗ b) · f(m) = af(bm),
aplicação que claramenteretém a k-linearidade de f . Seja Π′ =
ν′(1)Π : M → M . Provaremos que Π′ éum projetor B-linear2, com
imagem N , de forma que N é um somando diretode M . Primeiro, para
n ∈ N , temos
Π′(n) = ν′(1)Π(n) =
r∑i=1
xi ⊗ yiΠ(n)
=
r∑i=1
xiΠ(yin) =
r∑i=1
xiyin = n.
2Para mais sobre projetores, incluindo a propriedade que estamos
usando aqui, consulte[4]
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Portanto, Π′(M) = N e (Π′)2 = Π′. Provando que Π′ é B-linear,
teremos Ncomo somando direto de M . Sejam b ∈ B e m ∈M . Temos:
Π′(bm) = (1⊗ b) ·Π′(m)= (1⊗ b)ν′(1)Π(m) = (ν′(1⊗ b · 1)Π(m)=
ν′(b⊗ 1 · 1)Π(m) = (b⊗ 1)ν′(1)Π(m)= (b⊗ 1) ·Π′(m) = bΠ′(m).
Assim, M = N ⊕ ImΠ′. Dessa forma, N é um somando direto e B = A
⊗k Fé reduzida. Como isso é válido para qualquer extensão F de
k, segue que A éseparável sobre k. �
Está na hoar de passarmos de álgebras sobre corpos para
álgebras sobre anéis:
Teorema 2.10. Sejam R um anel e A uma R-álgebra. Equivalem:
1) A é um Ae-módulo à esquerda projetivo;
2) A sequência exata curta de Ae-módulos
0→ kerµ→ Ae µ−→ A→ 0
cinde;
3) Existe x ∈ Ae tal que µ(x) = 1 e kerµx = 0.
Demonstração. (1 =⇒ 2) É uma propriedade imediata de módulos
projetivos.(2 =⇒ 1) Como Ae é um Ae-módulo livre e a sequência
dada cinde, A é(isomorfo a) um somando direto de Ae, dessa forma A
é projetivo.(2 =⇒ 3) Sejam ν : A → Ae morfismo de Ae-módulos tal
que µ ◦ ν = 1A ex = ν(1). Então temos imediatamente µ(x) = 1 e,
para a ∈ A,
(a⊗ 1) · x = (a⊗ 1) · ν(1) = ν((a⊗ 1) · 1)= ν(a) = ν((1⊗ a) · 1)
= (1⊗ a) · ν(1) = (1⊗ a) · x.
Ou seja, para qualquer gerador a ⊗ 1 − 1 ⊗ a de kerµ, (a ⊗ 1 − 1
⊗ a)x = 0,portanto kerµx = 0.(3 =⇒ 2) Por hipótese, existe x ∈ Ae
tal que µ(x) = 1 e kerµx = 0. Definamosν : A→ Ae por ν(a) =
(a⊗1)·x. Provando que ν é um morfismo de Ae-módulostal que µ ◦ ν
= 1A, a sequência acima garantidamente cindirá. Claramente sea, b
∈ A, ν(a+ b) = ν(a) + ν(b) e µ ◦ ν = 1A. Finalmente, se a, b, c ∈
A, temos
ν((a⊗ b) · c) = ν(acb) = ((acb)⊗ 1) · x= ((ac)⊗ 1)(b⊗ 1) · x =
((ac)⊗ 1)(1⊗ b) · x= (a⊗ b)(c⊗ 1) · x = (a⊗ b) · ν(c).
Portanto a sequência acima cinde. �
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Definição 2.11. Uma álgebra A sobre um anel R é dita ser
separável se são sa-tisfeitas as condições equivalentes do
teorema 2.10. Nessa situação, um elementox como no item 3 é
chamado de idempotente3 de separabilidade.
Exemplo 2.12. Se R é um anel, R é uma R-álgebra separável.
Afinal, µ é umisomorfismo (note que Re = R ⊗R R = R e µ é o
isomorfismo canônico entreesses dois anéis), seu núcleo é zero
e por exemplo 1 ∈ Re é um idempotente deseparabilidade.
Exemplo 2.13. A noção de separabilidade de uma álgebra sobre
um anel é, defato, uma generalização da noção de extensão
separável finita4: lembre que umaextensão finita L ⊇ k de corpos
é separável se, e somente se, L é uma k-álgebraseparável (no
sentido que para toda extensão F ⊇ k, L ⊗k F é reduzida),
eportanto a sequência
0→ kerµ→ Le µ−→ L→ 0cinde, portanto L é uma k-álgebra
separável em nosso sentido mais geral se, esomente se, é uma
extensão separável de corpos.
Exemplo 2.14. Vejamos um exemplo de álgebra sobre um anel que
não éseparável: A = Z[
√2] sobre R = Z. Suponha que A é uma R-álgebra separável,
e seja x ∈ A um idempotente de separabilidade. Primeiro, notemos
que A é umR-módulo livre de base {1,
√2}, de forma que Ae = A ⊗Z A também é livre,
possuindo base {1⊗1, 1⊗√
2,√
2⊗1,√
2⊗√
2}. Existem portanto a, b, c, d ∈ Rtais que
x = a(1⊗ 1) + b(1⊗√
2) + c(√
2⊗ 1) + d(√
2⊗√
2).
Como 1 = µ(x) = (a+ 2d) + (b+ c)√
2, temos um sistema linear{a+ 2d = 1
b+ c = 0
Ainda, de kerµx = 0, em particular como 1⊗√
2−√
2⊗ 1 ∈ kerµ, devemos terx(1 ⊗
√2) = x(
√2 ⊗ 1). Abrindo os termos, acabamos com o seguinte par de
equações em R = Z: {a = 2d
b = c
Disso conclúımos que b = c = 0, a = 2d e 2a = 1. Porém lembre
que a ∈ R = Z,donde 12 ∈ Z, um absurdo. Portanto A não possui
idempotente de separabilidadee assim não é uma R-álgebra
separável.
A próxima definição dá um feeling de Teoria de Galois para
nosso estudo que,até agora, está deveras abstrato:
Definição 2.15. Um anel S é dito ser uma extensão de um anel
R se S é umaR-álgebra fiel, i.e., 0 6= r ∈ R =⇒ r · 1 6= 0.
3De fato x é idempotente, afinal x2 − x = (x− 1⊗ 1)x ∈ kerµx =
04A finitude advém do fato de estarmos generalizando a teoria de
Galois finita.
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Nessa situação, o morfismo canônico R → S dado por r 7→ r · 1
é injetor epodemos identificar R com sua imagem R · 1. Dessa
forma, o grupo AutR(S)de R-automorfismos de S (isto é,
automorfismos de S enquanto R-álgebra) éo análogo ideal dos
automorfismos de uma extensão de corpos (coincidindo nocaso em que
ambas as definições se aplicam).
Definição 2.16. Seja G um subgrupo finito de AutR(S).
Definimos duasálgebras: seja F =
⊕σ∈G
Sσ o módulo livre de base {σ|σ ∈ G}. Em F defi-
nimos duas multiplicações:
1) Para σ, τ ∈ G, a, b ∈ S, (aσ) · (bτ) := (aσ(b))(στ). Essa
R-álgebra édenotada por ∆(S : G).
2) Para σ, τ ∈ G, a, b ∈ S, (aσ) · (bτ) := (ab)δσ,τvσ, em que
δij é o delta dekronecker. Essa S-álgebra é denotada por ∇(S :
G).
Observação. Note que podemos facilmente definir um morfismo
deR-álgebrasφ : ∆(S : G) →HomR(S, S) por (φ(aσ))(x) = aσ(x). Além
disso, ∇(S : G)é naturalmente isomorfo a S⊕|G|. Ainda, podemos
definir um morfismo de S-álgebras ψ : S ⊗S S → ∇(S : G) por ψ(a⊗
b) =
∑σ∈G
aσ(b) · σ.
Lembre que uma extensão de corpos L ⊇ k é dita ser Galoisiana
com grupode Galois G = Autk(L) se é separável e normal.
Equivalentemente, L
G = k. Opróximo lema nos permitirá encontrar um exemplo que
será uma justificativade por quê não podemos definir uma
extensão galoisiana de anéis como apenasuma em que SG = R:
Lema 2.17. Sejam L ⊇ k uma extensão de corpos e G ⊆ Aut(L) um
subgrupofinito. Então equivalem:
1) LG = k;
2) dimk L < ∞ e φ : ∆(L : G) →Homk(L,L) é um isomorfismo de
k-álgebras.
Demonstração. (1 =⇒ 2) Como LG = k, a extensão é galoisiana
e comoG é finito, dimk L = [L : k] = |G| < ∞. Ainda, φ é
injetor: afinal, se
φ
( ∑σ∈G
aσ · σ)≡ 0, então
∑σ∈G
aσσ ≡ 0 e, pelo Lema de Dedekind, aσ = 0
para todo σ ∈ G. Ainda, temos dimk ∆(L : G) = dimk L · |G| =
(dimk L)2 =dimkHomk(L,L). Portanto φ também é sobreketor e
portanto uma bijeção.Como G ⊆ Autk(L), φ também é um morfismo
de k-álgebras. Portanto, φ é umisomorfismo de k-álgebras.(2 =⇒
1) Como φ é um isomorfismo de k-álgebras, em particular ∆(L : G)
éuma k-álgebra e portantoG ⊆ Autk(L). Ainda, dimk δ(L : G) =
dimkHomk(L,L)e, como dimk L
-
Vejamos se essa condição é suficiente pra generalizar a
noção de extensãogaloisiana de corpos. Lembre que, se L ⊇ k é
uma extensão de corpos e G ⊆Autk(L) é um subgrupo finito, então
L ⊇ k é uma extensão galoisiana com grupode Galois G se, e
somente se LG = k. Note que isso implica automaticamenteque a
extensão é separável. Se encontrarmos uma extensão de anéis S
⊇ R eum subgrupo finito G de AutR(S), com S
G = R e não separável, chegaremosà conclusão de que essa
não é a generalização certa. Um exemplo de extensãonão
separáveis de anéis é R = Z ⊆ Z[
√2] = S. Ora, os automorfismos de S
(enquanto anel) são exatamente G = AutR(S) = 〈σ〉 (automorfismos
enquantoR-álgebra), em que σ : S → S é σ(a + b
√2) = a − b
√2. Ora, é fácil ver que
SG = R. Porém S ⊇ R não é separável, portanto devemos
incluir isso nashipóteses ao tentar uma generalização do
conceito de extensão galoisiana decorpos.
Teorema 2.18. Sejam S uma extensão de R e G um subgrupo finito
de Aut(S)(automorfismos enquanto anel). Equivalem:
1. (i) S é um R-módulo projetivo finitamente gerado;
(ii) φ : ∆(S : G)→ HomR(S, S) é um isomorfismo de
S-álgebras.
2. (i) SG = R;
(ii) ψ : S ⊗R S → ∇(S : G) é um isomorfismo de S-álgebras.
3. (i) SG = R;
(ii) Existem x1, y1, ..., xn, yn ∈ S tais que, para todo σ ∈
G,n∑j=1
xjσ(yj) = δ1,σ.
4. (i) SG = R;
(ii) para cada idempotente não-nulo e ∈ S e para cada σ, τ ∈ G,
σ 6= τ ,existe x ∈ S tal que σ(x)e 6= τ(x)e;
(iii) S é separável sobre R.
Claramente esse é um dos teoremas mais importantes deste
trabalho, cujademonstração será extremamente trabalhosa. Para
prová-la, vamos quebrar ademonstração desse teorema em duas
partes:
Parte 1. No teorema 2.18, (1 =⇒ 2 =⇒ 3 =⇒ 1).
Demonstração. (1 =⇒ 2) Comecemos provando que SG = R. Bom,
comoφ é um isomorfismo de R-álgebras, em particular ∆(S : G) é
uma R-álgebra,portanto R ⊆ SG. Seja agora x ∈ SG. Identificando x
com x · Id ∈ ∆(S :G), é imediato que x pertence ao centro de ∆(S :
G). Porém como φ é umisomorfismo, φ(x) está no núcleo de
HomR(S, S). Como S é um R-módulofinitamente gerado, projetivo e
fiel, então HomR(S, S) é isomorfo a R e portanto
13
-
x ∈ R. Dessa forma, SG = R.Para provar que ψ é um isomorfismo
de S-álgebras, primeiro notemos que φ(t ·S) =HomR(S,R) para todo t
∈ ∆(S : G) da forma
t =∑σ∈G
1 · σ.
Agora, considere a seguinte sequência de isomorfismos de
R-módulos:
S⊗RSφ1−→ S⊗Rt·S
φ2−→ S⊗RHomR(S,R)φ3−→ HomR(S, S)
φ4−→ ∆(S : G) φ5−→ ∇(S : G),
em que os isomorfismos são:
• φ1 : S ⊗R S → S ⊗R t · S, induzido pela aplicação (a, b) 7→
a ⊗ ty; seuinverso é induzido pela aplicação (a, tb) 7→ a⊗ b,
portanto φ1 é de fato umisomorfismo de R-módulos;
• φ2 = 1 ⊗ φ. Como φ é um isomorfismo de R-álgebras (em
particular deR-módulos), φ2 o é;
• φ3 : S⊗RHomR(S,R) →HomR(S, S) é dado por φ3(a ⊗ f)(x) =
f(x)a.Como S é um R-módulo projetivo finitamente gerado, φ3 é um
isomor-fismo;
• φ4 é o inverso de φ, portanto é um isomorfismo;
• φ5 é a identidade enquanto R-módulos.
Finalmente, uma conta na “força bruta” evidencia que ψ = φ5 ◦φ4
◦φ3 ◦φ2 ◦φ1,portanto ψ é um isomorfismo de R-módulos. Como ψ já
era um homomorfismode S-álgebras, ψ é um isomorfismo de
S-álgebras.
(2 =⇒ 3) Considere o elemento ψ−1(1 · Id) ∈ S ⊗R S. Seja
ψ−1(1 · Id) =n∑i=1
xi ⊗ yi.
Então temos imediatamente que ψ
(n∑i=1
xi ⊗ yi)
= 1 · Id. Lembrando da de-
finição de ψ, temos que
1 · Id = ψ
(n∑i=1
xi ⊗ yi
)=
n∑i=1
∑σ∈G
xiσ(yi) · σ.
Dessa forma, temos que
1 · Id =∑σ∈G
(n∑i=1
xiσ(yi)
)· σ
14
-
Portanton∑i=1
xiσ(yi) = δ1,σ.
(3 =⇒ 1) Comecemos provando que S é um R-módulo projetivo
finitamentegerado. A aprte de ser um R-módulo decorre
imediatamente de que SG = R.Sejam x1, y1, ..., xn, yn ∈ S tais
que
n∑i=1
xiσ(yi) = δ1,σ.
Para x ∈ S, defina fi(x) =∑σ∈G
σ(xyi). Claramente fi é um R-homomorfismo
de S em R e, para x ∈ S,n∑i=1
fi(x)xi =
n∑j=1
∑σ∈G
σ(xyj)xi
=∑σ∈G
σ(x)
n∑i=1
xiσ(yi)
=∑σ∈G
σ(x)δ1,σ
= x.
Assim, enquanto R-módulo S admite uma base dual finita e,
portanto, é proje-tivo finitamente gerado.
Provemos agora que φ é um isomorfismo de R-álgebras.
Claramente φ éum R-homomorfismo, então basta provar que φ é uma
função bijetora. Seja
h ∈HomR(S, S). Defina w =∑σ∈G
n∑i=1
h(xi)σ(yi) · σ ∈ ∆(S : G). Provemos que
φ(w) = h. Para tanto, seja x ∈ S. Então
φ(w)(x) = φ
(∑σ∈G
n∑i=1
h(xi)σ(yi)
)(x)
=∑σ∈G
(n∑i=1
h(xi)σ(yi)
)σ(x)
=∑σ∈G
n∑i=1
h(xi)σ(xyi)
= h
(∑σ∈G
n∑i=1
xiσ(yi)σ(x)
)
= h
(∑σ∈G
δ1,σσ(x)
)= h(x).
15
-
Finalmente, φ é injetor, afinal se w =∑σ∈G
aσ · σ ∈ ∆(S : G) pertende ao núcleo
de φ, então φ(w)(x) = 0 para todo x ∈ S, isto é,∑σ∈G
aσσ(x) = 0 para todo
x ∈ S, em particular para todo xi. Dessa forma, temos
0 =∑τ∈G
n∑i=1
φ(w)(xi)τ(yi) · τ
=∑τ∈G
n∑i=1
∑σ∈G
aσσ(xi)τ(yi) · τ
=∑τ∈G
∑σ∈G
aσσ(xiσ−1τ(yi)
)· τ
=∑τ∈G
∑σ∈G
aσδ1,σ−1τ · τ
= aσ · σ = w.
Portanto φ é um isomorfismo de R-álgebras e está provada a
equivalência dostrês primeiros itens do teorema. �
Parte 2. No teorema 2.18, (3 ⇐⇒ 4).
Demonstração. ( =⇒ ) Sejam x1, y1, ..., xn, yn ∈ S como na
hipótese. Provemosque
e =
n∑j=1
xj ⊗ yj
é um idempotente de separabilidade de S sobre R. Primeiro,
sendo µ : S⊗RS →S o morfismo de módulos dado por µ(a ⊗ b) = ab,
temos que µ(e) = δ1,1 = 1.Provemos agora que a multiplicação por
e anula o núcleo de µ. Primeiro, sejatr : S → R o morfismo de
R-módulos dado por
tr(x) =∑σ∈G
σ(x).
Primeiramente, provemos que de fato para x ∈ S, tr(x) ∈ R. Basta
notarque, se τ ∈ G, τ(tr(x)) =
∑σ∈G
τ(σ(x)) =∑τσ∈G
(τσ)(x) = tr(x). Assim, tr(x) é
invariante pela ação de G e como SG = R, de fato temos tr(x) ∈
R.
16
-
Temos, para x ∈ S,
(x⊗ 1) · e =∑i
(xxi ⊗ yi)
=∑i
(∑σ∈G
σ(xxi)δ1,σ
)⊗ yi
=∑i
∑σ∈G
σ(xxi)∑j
xjσ(yj)
⊗ yi=∑i
∑j
(∑σ∈G
σ(xxiyj)
)· xj ⊗ yi
=∑j
∑i
(tr(xxiyj)) · xj ⊗ yi.
Simetricamente, concúımos que (1⊗x) · e =∑j
∑i
(tr(xxiyj)) · xj ⊗ yi. Portanto
e é um idempotente de separabilidade de S sobre R, de forma que
S é umaR-álgebra separável. Agora, sejam σ, τ ∈ G e e ∈ S um
idempotente qualquernão-nulo de S. Suponhamos que para todo x ∈ S,
σ(x)e = τ(x)e. Como σ e τsão automorfismos, existem seus inversos,
e temos xσ−1(e) = σ−1(τ(x)e) paratodo x ∈ S. Temos então
σ−1(e) = 1 · σ−1(e)
=∑j
xjyjσ−1(e)
=∑j
xjσ−1(τ(yj))σ
−1(e)
= σ−1(e)δσ−1◦τ,1.
Como e é não-nulo, temos σ−1(e) 6= 0. Assim, δσ−1◦τ,1 = 1 e
portanto σ = τ .( ⇐= ) Só precisamos provar 3.(ii). Como S é
separável sobre R, existe umidempotente de separabilidade e ∈ S ⊗R
S, tal que para todo x ∈ S, (1 ⊗ x −x⊗ 1)e = 0 e, sendo
e =
n∑j=1
xj ⊗ yj ,
tem-se∑j
xjyj = 1. Esses elementos que constituem e serão os elementos
do
item 3.(ii). Mãos à obra: como SG = R, todo elemento de σ ∈ G
é umautomorfismo de S enquanto R-álgebra. Sendo µ : S ⊗R S → S o
morfismodado por µ(a ⊗ b) = ab, note que µ é um morfismo de anéis
por conta dacomutatividade de S. Ainda, como σ ∈ G é um
automorfismo de S, 1⊗ σ é umhomomorfismo de anéis. Assim,
denotando por eσ o elemento µ((1⊗σ)(e)) ∈ S,
17
-
temos
eσ = µ((1⊗ σ)(e))
= µ
(1⊗ σ) n∑j=1
xj ⊗ yj
= µ
n∑j=1
xj ⊗ σ(yj)
= µ
n∑j=1
xj ⊗ σ(yj)
.=∑j=1
xjσ(yj)
Ou seja, se conseguirmos provar que eσ = δ1,σ, está provada a
implicação. Ora,comecemos notando que eσ é idempotente:
e2σ = µ((1⊗ σ)(e))2
= µ(((1⊗ σ)(e))2)= µ((1⊗ σ)(e2))= µ((1⊗ σ)(e))= eσ.
Portanto eσ é um idempotente de S, para qualquer σ ∈ G. Porém,
para todox ∈ S, tem-se
xeσ = xµ((1⊗ σ)(e))= µ(x⊗ 1)µ((1⊗ σ)(e))= µ((x⊗ 1) · ((1⊗
σ)(e)))= µ((1⊗ σ)(x⊗ 1) · (1⊗ σ)(e))= µ((1⊗ σ)((x⊗ 1) · e))= µ((1⊗
σ)((1⊗ x) · e))= µ((1⊗ σ)(1⊗ x) · (1⊗ σ)(e))= µ((1⊗ σ(x))(1⊗
σ)(e))= σ(x)µ((1⊗ σ)(e))= σ(x)eσ.
Dessa forma, para qualquer x ∈ S, temos que xeσ = σ(x)eσ.
Portanto, oueσ = 0 ou σ = 1. Assim, eσ = δ1,σ, implicando que eσ =
1 e está provada aequivalência. �
Definição 2.19. Uma extensão S de um anel R é dita ser
galoisiana se satisfazuma (e portanto todas) as condições
equivalentes do teorema 2.18, e diz-se queG é o grupo de Galois de
S sobre R.
18
-
Exemplo 2.20. Seja L ⊇ k uma extensão galoisiana de corpos (no
sentidoda Teoria de Galois usual). Como a extensão é separável,
L é uma k-álgebraseparável. Ainda, sendo G ⊆ Autk(L) o grupo de
Galois da extensão, temosque LG = k. Finalmente, como 1 é o
único idempotente não-nulo de L, paraquaisquer σ, τ ∈ G
distintos, é óbvio que existe x ∈ L tal que σ(x) 6= τ(x).Portanto
L ⊇ k é uma extensão galoisiana de anéis, cujo grupo de Galois
coincidecom o que já conhećıamos como “grupo de Galois da
extensão”. Agora, noteque se L ⊇ k é uma extensão de corpos que
satisfaz a condição 4 do teorema2.18, então LG = k implica que L
⊇ k é uma extensão galoisiana de corpos comgrupo de Galois G. Ou
seja: de fato encontramos uma generalização para oconceito de
extensões galoisianas de corpos!
Exemplo 2.21. Sejam R um anel, G um grupo finito e S =⊕σ∈G·σ,
com as
operações definidas coordenada a coordenada. Então S é uma
extensão de R.Ainda, fazendo G agir em S via σ(1 · τ) = 1 · (στ),
então os elementos de Sfixos por G são exatamente os elementos de
R · 1 (em que 1 =
∑σ∈G
1 · σ é
a unidade de S), que identificamos, é claro, com R, de forma
que S ⊇ R éuma extensão galoisiana de R: afinal, S é um
R-módulo livre, em particularprojetivo, e claramente é
finitamente gerado. Finalmente, φ é bijetora, comoverifica-se
facilmente, donde é um isomorfismo de R-álgebras. Portanto S é
umaextensão galoisiana de R com grupo de Galois (isomorfo a)
G.
Lema 2.22. Seja S uma extensão galoisiana de R. Então R é um
somandodireto de S enquanto R-módulo.
Demonstração. Seja G o grupo de Galois da extensão S ⊇ R.
Provemos queexiste c ∈ S tal que tr(c) =
∑σ∈G
σ(c) = 1. Já vimos que tr ∈HomR(S,R) '
∆(S : G) via o isomorfismo φ. Seja então t = φ−1(tr) =∑σ∈G
1 · σ. Vimos, na
demonstração de 1 =⇒ 2 do teorema 2.18, que φ(t · S)
=HomR(S,R). Dessa
forma, dado f ∈HomR(S,R) existe s ∈ S tal que f = φ(ts) = φ(
∑σ∈G
σ(s) · σ)
.
Portanto, para x ∈ S, tem-se
f(x) = φ
(∑σ∈G
σ(s) · σ
)(x) =
∑σ∈G
σ(s)σ(x) =∑σ∈G
σ(sx) = tr(sx).
Ou seja, todos os elementos de HomR(S,R) são da forma tr(s−)
para al-gum s ∈ S. Note que, sendo S uma extensão galoisiana de R,
S é um R-módulo projetivo finitamente gerado e fiel, portanto
existem x1, ..., xn ∈ S ef1, ..., fn ∈HomR(S,R) tais que
n∑i=1
fi(xi) = 1.
19
-
Assim, existem s1, ..., sn ∈ S tais que
1 =
n∑i=1
tr(sixi) == tr
(n∑i=1
sixi
),
e tomando c =n∑i=1
sixi, temos que tr(c) = 1 como afirmado.
Note que isso implica que a sequência Str−→ R→ 0 é exata,
assim como S é um
R-módulo projetivo, R é (isomorfo a) um somando direto de S.
�
Teorema 2.23. Seja S uma extensão galoisiana de R com grupo de
Galois Ge suponha que os únicos idempotentes de S são 0 e 1.
Então os subgrupos de Gcorrespondem de maneira bijetora a
R-subálgebras T de S que são R-álgebrasseparáveis, via a
associação
H 7−→ SH
GT ←− [ T
Acima, GT = {σ ∈ G|σ(x) = x, ∀x ∈ T}. Ainda, se um subgrupo H de
G énormal, então a álgebra correspondente T é uma extensão
galoisiana de R.
Demonstração. Comecemos provando que se H é um subgrupo de G,
entãoT = SH é uma R-álgebra separável. Claramente T é uma
R-álgebra, entãosó precisamos provar que é separável sobre R
e, para isso, provaremos que Té um T ⊗R T -módulo projetivo.
Comecemos notando que S é uma extensãogaloisiana de T : afinal,
existem x1, y1, ..., xn, yn ∈ S tais que, para todo σ ∈ G,n∑i=1
xiσ(yi) = δ1,σ, em particular para todo σ ∈ H, portanto S é uma
extensão
galoisiana de T com grupo de Galois H. Nesse caso S é um T
-módulo projetivo,de forma que S⊗RS é um T ⊗R T -módulo
projetivo. Porém S é uma R-álgebraseparável, donde S é um S⊗R
S-módulo projetivo, logo S é um T ⊗R T -móduloprojetivo. Como S
é uma extensão galoisiana de T , T é um somando direto de
Senquanto T -módulo, portanto também como T ⊗R T -módulo. Por
ser somandodireto de um módulo projetivo, T é um T ⊗R T -módulo
projetivo e assim T éuma R-álgebra separável.
Assim, as duas aplicações estão bem-definidas. Provemos que
elas são inversasuma da outra. Trivialmente, temos que T 7→ GT = H
7→ SH = T , então sótemos que provar que H 7→ SH = T 7→ GT = H. A
inclusão (⊇) é óbvia. Agora,assim como no parágrafo acima, é
fácil ver que S é uma extensão galoisiana deT , com grupos de
Galois H e GT . Dessa forma, esses dois grupos são isomorfos.Em
particular, por serem finitos eles possuem o mesmo número de
elementos e,como um está contido no outro, temos H = GSH .
Seja H um subgrupo normal de G. Fazendo G/H agir em SH via σ(x)
= σ(x),temos que (SH)G/H = R, donde conclúımos que SH é uma
extensão galoisianade R (último item do teorema 2.18). �
20
-
3 Rumo ao espaço!
A partir daqui, há alguns posśıveis caminhos a serem seguidos:
é posśıvelutilizar a teoria aqui explorada para estudar o grupo
de Brauer de um anelcomutativo, seguindo como referências o artigo
[1] e o livre [3]. Também éposśıvel generalizar ainda mais o que
fizemos aqui, e criar uma teoria de Galoispara anéis
não-comutativos, a exemplo de [5].
Finalmente, é posśıvel seguir o caminho que é feito em
vários cursos de ÁlgebraComutativa e abordar extensões de anéis
de uma maneira intŕınseca: note queaqui estávamos explorando os
anéis de maneira extŕınseca, usando como fer-ramentas,
principalmente, morfismos saindo e chegando nos nossos objetos
deestudo. O estudo de extensões finitas e integrais de anéis
explora o conceito deextensão de anel tendo como base os elementos
do anel.
Referências
[1] AUSLANDER, M.; GOLDMAN, O. The Brauer group of a
commutativering. Transactions of the American Mathematical Society,
97(3), 367-409,1960.
[2] BORGES, Herivelto; TENGAN, Eduardo. Algebra comutativa em
quatromovimentos. Rio de Janeiro: IMPA, 2015.
[3] DE MEYER, F; INGRAHAM, E. Separable algebras over
commutativerings. Springer, 2006.
[4] HUNGERFORD, Thomas W. Algebra, volume 73 of graduate texts
inmathematics. 1980.
[5] KREIMER, H. F. A Galois theory for noncommutative rings.
Transactionsof the American Mathematical Society, 127(1), 29-41,
1967.
[6] PAQUES, A. Teoŕıa de galois sobre anillos conmutativos.
Universidad LosAndes, 1999.
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