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Charles Finney 1
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Teologia sistematica - Charles Finney

Aug 09, 2015

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  1. 1. Charles Finney 1
  2. 2. TEOLOGIA SISTEMTICA Um dos maiores telogos e avivalistas de todos os tempos 2
  3. 3. SUMRIO PREFACIO A EDIO BRASILEIRA PREFCIO DO AUTOR AULA1 VARIAS CLASSES DE VERDADES Como chegamos ao conhecimento de certas verdades As revelaes da autoconscincia Dos sentidos Da razo Do entendimento Verdades que exigem prova Verdades que no exigem prova AULA 2 GOVERNO MORAL Lei fsica Lei moral Os atributos essenciais da lei moral Subjetividade Objetividade Liberdade em contraposio necessidade Adequao Universalidade Imparcialidade Praticabilidade Independncia Imutabilidade Unidade Convenincia Exclusividade AULA 3 GOVERNO MORAL A razo fundamental do governo moral De quem o direito de governar? Que se implica no direito de governar? Os limites desse direito Obrigao moral 3
  4. 4. As condies da obrigao moral Condies da obrigao de desenvolver atos executivos AULA 4 OBRIGAO MORAL O homem est sujeito obrigao moral A amplitude da obrigao moral AULA 5 VRIAS TEORIAS SOBRE O FUNDAMENTO DA OBRIGAO MORAL Da vontade de Deus como a base da obrigao Teoria do Interesse Prprio de Paley A filosofia utilitarista A teoria do direito como o fundamento da obrigao A teoria da bondade ou a excelncia moral de Deus A filosofia da ordem moral Teoria da natureza e relaes dos seres morais Teoria da idia do dever Filosofia da complexidade AULA 6 TENDNCIAS PRTICAS DAS VRIAS TEORIAS DO FUNDAMENTO DA OBRIGAO MORAL A teoria da soberania da vontade de Deus A teoria da escola egosta Utilitarismo Teoria do direito A natureza e o valor intrnsecos do mximo bem-estar de Deus e do universo AULA 7 A UNIDADE DA AO MORAL O que constitui a obedincia lei moral A obedincia no pode ser parcial AULA 8 OBEDINCIA LEI MORAL O governo de Deus nada aceita como virtude, exceto a obedincia lei de Deus No pode haver uma regra de dever, seno a lei moral Que nada pode ser virtude ou religio verdadeira, seno a obedincia lei 4
  5. 5. moral O que no est implcito na perfeita obedincia a essa lei AULA 9 OS ATRIBUTOS DO AMOR Certos fatos na filosofia mental conforme revelados na conscincia Atributos daquele amor que se constitui obedincia lei de Deus Voluntariedade Liberdade Inteligncia Virtude Desinteresse Imparcialidade Universalidade Eficincia Satisfao Oposio ao pecado Compaixo pelos miserveis Misericrdia Justia Veracidade Pacincia Mansido Humildade Abnegao Condescendncia Estabilidade Santidade AULA 10 EM QUE CONSISTE A DESOBEDINCIA LEI MORAL Em que no pode consistir a desobedincia lei moral Em que consiste a lei moral AULA 11 ATRIBUTOS DO EGOSMO Voluntariedade Liberdade Inteligncia Irracionalidade Carter interesseiro 5
  6. 6. Parcialidade Eficincia Oposio benevolncia Crueldade Injustia Falsidade, ou mentira Orgulho Inimizade contra Deus Intemperana Depravao moral total AULA 12 SANES DA LEI MORAL, NATURAL E GOVERNAMENTAL O que constitui as sanes da lei Em que luz devem ser consideradas as sanes Por qual regra devem ser conferidas as sanes A lei de Deus possui sanes A perfeio e durao das sanes remuneratrias da lei de Deus As inflies sob o governo de Deus devem ser infinitas Examinemos esta questo luz da revelao AULA 13 EXPIAO Alguns princpios bem estabelecidos de governo O termo expiao Os ensinos da teologia natural O fato da expiao O que constitui a expiao AULA 14 EXTENSO DA EXPIAO Quais as pessoas para quem se destinavam os benefcios da expiao Respostas s objees AULA 15 GOVERNO HUMANO Os governos humanos fazem parte do governo moral divino O fim ltimo da criao divina Os governos providencial e moral so indispensveis Os governos civil e familiar so indispensveis Demarcao dos limites ou fronteiras do direito de governo 6
  7. 7. Algumas observaes a respeito de formas de governo Princpios dos direitos e deveres dos governos e indivduos AULA 16 DEPRAVAO MORAL O termo depravao A distino entre depravao fsica e moral O que est sujeito depravao fsica O que est sujeito depravao moral A humanidade fsica e moralmente depravada Subseqente ao incio da agncia moral e anterior regenerao, a depravao moral da humanidade universal A depravao moral dos agentes morais irregenerados de nossa raa total O mtodo apropriado para explicar a depravao moral universal e total dos agentes morais irregenerados A depravao moral consiste em egosmo ou na escolha do interesse prprio Exame complementar dos argumentos mencionados em apoio oposio de que a natureza humana em si pecaminosa Observaes AULA 17 REGENERAO A distino comum entre regenerao e converso As razes alistadas em favor dessa distino As objees a essa distino O que no regenerao O que regenerao A necessidade universal de regenerao Agncias empregadas na regenerao Instrumentos empregados na obra Na regenerao o indivduo passivo e ativo O que est implcito na regenerao AULA 18 TEORIAS FILOSFICAS DA REGENERAO O esquema do gosto O esquema ou teoria da eficincia divina O esquema da suscetibilidade O esquema da teoria da persuaso moral Observaes finais AULA 19 7
  8. 8. EVIDNCIAS DA REGENERAO Observaes introdutrias Em que santos e pecadores podem concordar Em que santos e pecadores diferem AULA 20 A CAPACIDADE NATURAL A noo do presidente Edwards sobre a capacidade natural Esta capacidade natural no absolutamente capacidade O que constitui a incapacidade natural de acordo com esta escola Esta incapacidade natural no absolutamente incapacidade A capacidade natural idntica liberdade da vontade A vontade humana livre, ento os homens tm o poder ou a capacidade de cumprir todo o seu dever O que constitui a incapacidade moral, segundo Edwards e os que esto de acordo com ele A incapacidade moral da escola edwardiana em obedecer a Deus consiste em real desobedincia e numa incapacidade natural em obedecer Esta pretensa distino entre a incapacidade natural e moral absurda O que constitui a capacidade moral de acordo com esta escola? A capacidade moral da escola edwardiana em obedecer a Deus nada mais do que real obedincia e uma incapacidade natural em desobedecer O que considero serem os erros fundamentais de Edwards e de sua escola sobre o tema da capacidade Outro esquema da incapacidade e sua filosofia As reivindicaes desta filosofia da incapacidade AULA 21 A CAPACIDADE DA GRAA O que se quer dizer pelo termo capacidade da graa Esta doutrina de uma capacidade da graa um absurdo Em que sentido possvel uma capacidade da graa? AULA 22 A NOO DE INCAPACIDADE AULA 23 ARREPENDIMENTO E IMPENITNCIA O que o arrependimento no O que arrependimento 8
  9. 9. O que est implcito no arrependimento O que no impenitncia O que impenitncia Coisas que esto implcitas na impenitncia Algumas das caractersticas ou evidncias da impenitncia AULA 24 F E INCREDULIDADE O que a f evanglica no O que a f evanglica O que est implcito na f evanglica? O que a incredulidade no O que incredulidade Condies da f e da incredulidade A culpa e o merecimento da incredulidade Conseqncias naturais e governativas da f e da incredulidade AULA 25 JUSTIFICAO O que a justificao evanglica no O que justificao evanglica? Condies da justificao O fundamento da justificao dos crentes penitentes em Cristo Observaes finais AULA 26 SANTIFICAO Alguns pontos j estabelecidos neste curso Definindo os termos principais a serem usados nesta discusso Mostrando qual a verdadeira questo em debate Esta santificao plena alcanvel nesta vida O argumento da Bblia AULA 27 SANTIFICAO: PAULO PLENAMENTE SANTIFICADO AULA 28 CONDIES PARA ALCANARMOS A SANTIFICAO AULA 29 9
  10. 10. OBJEES SANTIFICAO Objees respondidas Observaes finais AULA 30 ELEIO Concordncia geral entre todas as denominaes crists, no que diz respeito aos atributos naturais e morais de Deus O que a doutrina bblica da eleio no O que a doutrina bblica da eleio Devo provar a doutrina quando a declaro como verdadeira Quais podem ter sido as razes para a no eleio Quais devem ter sido provavelmente as razes para a eleio Quando a eleio foi feita A eleio no fornece meios desnecessrios salvao dos eleitos A eleio a nica base para a esperana no sucesso dos meios A eleio no coloca nenhum obstculo salvao dos no eleitos No existe nenhuma injustia na eleio Este o melhor que pode ser feito pelos habitantes deste mundo Como que podemos apurar a nossa prpria eleio Inferncias e comentrios AULA 31 REPROVAO O que a doutrina da reprovao no O que a doutrina da reprovao Esta uma doutrina da razo Esta a doutrina da revelao Por que os pecadores so reprovados ou rejeitados Quando os pecadores so reprovados A reprovao justa A reprovao benevolente Como se poder saber quem so os reprovados Objees AULA 32 A SOBERANIA DIVINA O que o termo "soberania" no significa quando aplicado a Deus O que se deseja transmitir atravs dos termos "soberania divina" Deus , e deve ser, um soberano absoluto e universal 10
  11. 11. Observaes finais AULA 33 OS PROPSITOS DE DEUS O que eu entendo por propsitos de Deus A diferena entre propsito e decreto Existe obrigatoriamente um sentido pelo qual os planos de Deus estendem- se a todos os eventos O diferente sentido, em que Deus prope diferentes eventos A vontade revelada de Deus jamais inconsistente com o seu propsito secreto A sabedoria e a benevolncia dos propsitos de Deus A imutabilidade dos propsitos divinos Os propsitos de Deus so a base de uma confiana eterna e feliz Os propsitos de Deus com a sua prescincia ou conhecimento prvio Os propsitos de Deus no so inconsistentes entre si, porm demandam o uso de meios, tanto por parte de Deus como por ns, para que se cumpram AULA 34 A PERSEVERANA DOS SANTOS Os diferentes tipos de certeza A declarao do que no pretendido pela perseverana dos santos O que a doutrina em questo pretende AULA 35 A PROVA DA PERSEVERANA DOS SANTOS AULA 36 A PERSEVERANA DOS SANTOS Objees respondidas Mais objees respondidas Observaes finais GLOSSRIO 11
  12. 12. PREFACIO EDIO BRASILEIRA Gostaria que Ernest Renan tivesse lido a Teologia Sistemtica de Charles Finney. Mas pelo que depreendemos das obras do genial escritor francs, no fora ele brindado com tal privilgio. Quem sabe haja sido este o motivo que o levou a pronunciar-se to ceticamente acerca da teologia: "Construo, toda ela, do sculo XIII, a teologia se assemelha a uma catedral gtica: tem-lhe toda a grandeza, os vazios imensos e a pouca solidez". Que a teologia comparvel a uma catedral, nem os seus mais renhidos adversrios discordam. Ela bela e majestosa; a cincia de Deus. Vazios? So preenchidos pelo Esprito Santo toda vez que a Ele se entrega o telogo que busca o conhecimento do Altssimo. Imensides? Imensurvel Deus em suas grandezas e bondades. Pouca solidez? As catedrais, mesmo as gticas, vm desafiando os sculos, ostentando uma firmeza digna dos palcios encastelados nas rochas. A teologia, porm, no propriamente uma catedral; um templo similar ao que Salomo fez construir em Jerusalm. Neste santurio, Renan jamais transps a linha dos trios exteriores; limitou-se a contemplar os alpendres. Tivera se postado naqueles degraus de onde os levitas enalteciam a Deus, veria que a teologia celebrao. Adentrasse o santurio onde estavam a mesa com os pes da apresentao e o candelabro, constataria ser a teologia alimento para a alma e luz para o caminho do peregrino. Rompesse o vu do Santos dos santos, haveria de ser convencido de que a teologia, conquanto a mais alta e sublime das cincias, acha-se acessvel ao viajor que anseia por um conhecimento mais profundo de Deus. Se Renan, por causa de sua incredulidade, no logrou ultrapassar os alpendres da teologia, Charles Finney no se limitou aos seus degraus. Seguindo as pegadas do Mestre dos mestres, adentrou o santssimo onde 12
  13. 13. ofertou a Deus o labor de um conhecimento maduro, slido e experimentado, e o incenso de uma devoo prpria dos serafins. Finney no foi apenas um grande telogo; ergueu-se como um autntico homem de Deus. Por mais altissonantes que lhe hajam sido as palavras, sua vida de uma eloqncia insupervel. Uma vida santificada a Deus Nascido no ano de 1792, na cidade norte-americana de Connecticute, na Nova Inglaterra, Charles Finney teve o privilgio de ser educado numa famlia tradicionalmente puritana. Quando ele tinha dois anos de idade, seus pais resolveram transferir-se para Nova Iorque. Aos vinte anos, retornou Nova Inglaterra a fim de cursar a Escola Superior. Enquanto prosseguia nos estudos, ps-se a lecionar em escolas pblicas. Nessa poca, j se havia especializado em latim, grego e hebraico. Em 1918, comeou a estudar Direito nos escritrios de Squire Wright, de Adams, em Nova Iorque. Quanto vida espiritual, seu progresso era quase nulo. Os sermes que ouvia, achava-os montonos e sem nenhum atrativo. Sua mente lgica e agudssima exigia algo mais consistente. Foi por essa poca, que ele comeou a estudar as Sagradas Escrituras. De incio, mostrou-se ctico. Mas com o passar dos tempos, no pde mais resistir: a Bblia de fato a inspirada, infalvel e inerrante Palavra de Deus. O que lhe faltava seno aceitar a Cristo? Deixemos que ele mesmo fale de sua experincia de salvao: "Num sbado noite, no outono de 1821, tomei a firme resoluo de resolver de vez a questo da salvao de minha alma e ter paz com Deus". Finney, porm, no se conformava. Queria mais de Cristo. Sua fome pelo Senhor era insacivel. Foi assim, buscando incessantemente a Deus, que veio ele a ser batizado no Esprito Santo. Que o prprio Finney narre como se deu sua experincia pentecostal: "Ao entrar e fechar a porta atrs de mim, parecia-me ter encontrado o Senhor Jesus Cristo face a face. No me entrou na mente, na ocasio, nem por algum tempo depois, que era apenas uma concepo mental. Ao contrrio, parecia-me que eu o encontrara como encontro qualquer pessoa. Ele no disse coisa alguma, mas olhou para mim de tal forma, que fiquei quebrantado e prostrado aos seus ps. Isso, para mim, foi uma experincia extraordinria, porque parecia-me uma realidade, como se Ele mesmo ficasse em p perante mim, e eu me prostrasse aos seus ps e lhe derramasse a minha alma. Chorei alto e fiz tanta confisso quanto possvel, entre soluos. Parecia-me que lavava os seus ps com as minhas lgrimas; contudo, sem sentir ter tocado na sua pessoa. "Ao virar-me para me sentar, recebi o poderoso batismo com o Esprito Santo. Sem o esperar, sem mesmo saber que havia tal para mim, o Esprito Santo desceu de tal maneira, que parecia encher-me o corpo e a alma. Senti-o como uma onda eltrica que me traspassava repetidamente. De fato, parecia-me como ondas de amor liqefeito; porque no sei outra 13
  14. 14. maneira de descrever isso. Parecia o prprio flego de Deus. "No existem palavras para descrever o maravilhoso amor derramado no meu corao. Chorei de tanto gozo e amor que senti; acho melhor dizer que exprimi, chorando em alta voz, as inundaes indizveis do meu corao. As ondas passaram sobre mim, uma aps outra, at eu clamar: 'Morrerei, se estas ondas continuarem a passar sobre mim! Senhor, no suporto mais!' Contudo, no receava a morte. "Quando acordei, de manh, a luz do sol penetrava no quarto. Faltam-me palavras para exprimir os meus sentimentos ao ver a luz do sol. No mesmo instante, o batismo do dia anterior voltou sobre mim. Ajoelhei- me ao lado da cama e chorei pelo gozo que sentia. Passei muito tempo sem poder fazer coisa alguma seno derramar a alma perante Deus". Um homem profundamente espiritual Quem l a Teologia Sistemtica de Charles Finney tem a impresso de estar diante de um Aristteles ou de um Emanuel Kant. E no est de todo errado; ele foi um pensador de inigualveis pendores. Com rarssima maestria, utilizou-se das ferramentas da filosofia, a fim de expor as verdades acerca do Deus nico e Verdadeiro. Eis por que Finney considerado o maior telogo desde os tempos apostlicos. O que muita gente no sabe, porm, que esse gigante do pensamento foi um mstico apaixonado pelo Senhor. Finney era profundamente espiritual, mas jamais colocou a sua espiritualidade acima das Sagradas Escrituras. Toda a sua experincia passava necessariamente pelo crivo da Palavra de Deus. Em nada assemelhava-se aos msticos da Idade Mdia que se punham acima da Bblia. Sua espiritualidade tinha equilbrio, possua moderao e era temperada pela s doutrina. No era fantico; fervoroso de esprito, tinha um arrebatado amor pelas almas. O grande evangelista Charles Finney foi um grande evangelista. Suas campanhas eram marcadas por fatos extraordinrios. O missionrio Orlando Boyer mostra o impacto que Finney causava como mensageiro de Cristo: "Perto da aldeia de New York Mills, no sculo dezenove, havia uma fbrica de tecidos movida pela fora das guas do Rio Oriskany. Certa manh, os operrios se achavam comovidos, conversando sobre o poderoso culto da noite anterior, no prdio da escola pblica. "No muito depois de comear o rudo das mquinas, o pregador, um rapaz alto e atltico, entrou na fbrica. O poder do Esprito Santo ainda permanecia sobre ele; os operrios, ao v-lo, sentiram a culpa de seus pecados a ponto de terem de se esforar para poderem continuar a trabalhar. Ao passar perto de duas moas que trabalhavam juntas, uma delas, no ato de emendar um fio, foi tomada de to forte convico, que caiu em terra, chorando. Segundos depois, quase todos em redor tinham lgrimas nos olhos e, em poucos minutos, o avivamento encheu todas as dependncias da fbrica. 14
  15. 15. "O diretor, vendo que os operrios no podiam trabalhar, achou que seria melhor se cuidassem da salvao da alma, e mandou que parassem as mquinas. A comporta das guas foi fechada e os operrios se ajuntaram em um salo do edifcio. O Esprito Santo operou com grande poder e dentro de poucos dias quase todos se converteram. "Diz-se acerca deste pregador, que se chamava Charles Finney, que, depois de ele pregar em Governeur, no Estado de New York, no houve baile nem representao de teatro na cidade durante seis anos. Calcula-se que, durante os anos de 1857 e 1858, mais de 100 mil pessoas foram ganhas para Cristo pela obra direta e indireta de Finney". A importncia da teologia de Finney Charles Finney no foi apenas o maior evangelista do sculo XIX. J. Gilchrist Lawson, um de seus mais autorizados bigrafos, nele reconhece o mais importante telogo do Cristianismo. Ernest Renan errou mais uma vez ao afirmar ser a teologia um edifcio iniciado e concludo no sculo XIII. Pois se Toms de Aquino ergueu uma catedral, Charles Finney consagrou um templo cujo lugar santo, descerrado j o vu, conduz-nos ao corao do Eterno. Charles Finney e Ernest Renan so de um sculo onde a palavra de ordem era a racionalizao. Haja vista a Vida de Cristo de Renan, onde, ignorando as profecias e as mais sublimadas demandas das Sagradas Escrituras, esvazia ele, de Cristo, toda a divindade. Transforma-o num mero fundador de religies, num simples Jesus histrico. Enquanto isso, ia Finney levantando o edifcio de um sistema teolgico que, conquanto se utilize das ferramentas da razo e dos instrumentos da filosofia, tornou-se insupervel como demonstrao da superioridade da revelao divina a Bblia a Palavra de Deus. Como compreender o pensamento teolgico de Finney Antes de nos pormos a ler a Teologia Sistemtica de Finney, tenhamos em mente os seguintes pontos: A teologia de Finney no meramente sistemtica; ampla; sua abrangncia, s vezes, surpreendente e desconcertante. Isto no significa que Finney seja especulativo; ele simplesmente no tem medo de levantar possibilidades. Neste sentido, foi muito mais ousado que Calvino. A teologia de Finney no dogmtica; amorosamente ortodoxa e bblica; jamais se distancia da Palavra de Deus. Se no a entendemos de imediato porque o autor, ao contrrio de ns, sabia como entranhar-se nos mistrios divinos. Teria ele, em sua experincia pentecostal, ouvido coisas que ao comum dos mortais no lcito referir? A teologia de Finney no calvinista nem arminianista; bblica. Ele fala da predestinao, da reprovao e da eleio com a liberdade que lhe propicia o Novo Testamento. E um pentecostal transitando com desenvoltura pelo terreno das maravilhosas verdades da salvao. A teologia de Finney acadmica, mas no hermtica. E um genial pensador discorrendo sobre Deus. A linguagem difcil, mas no 15
  16. 16. intrincada. O estilo complexo, mas no indevassvel. E uma obra que exige reflexo e pacincia. Esta a Teologia Sistemtica que a CPAD apresenta aos evanglicos brasileiros. Atravs desta obra, teremos condies de compreender melhor os mistrios de Deus e o seu plano redentivo. Nossa orao que os estudiosos das Sagradas Escrituras, atravs deste livro, possam aprofundar suas experincias com o Deus que transformou o jovem Finney num dos maiores heris da f de todos os tempos. A Deus toda a glria. PREFCIO 1. Boa parte das verdades do evangelho bendito est escondida sob uma falsa filosofia. Em minhas primeiras indagaes no campo da religio, vi-me totalmente incapaz de compreender as instrues tanto orais como escritas de mestres religiosos no inspirados. Parecia-me que eles resolviam toda religio dividindo-a em estados, ou do intelecto, ou da sensibilidade, coisa que a conscincia me garantia serem totalmente passiva ou involuntria. Quando buscava definies e explicaes, ficava certo de que eles no compreendiam bem a si prprios. Fiquei alarmado com o fato de que raramente definiam, mesmo para si, as prprias posies. Entre as palavras empregadas com maior freqncia, era-me difcil encontrar algum termo definido de maneira inteligvel. Eu perguntava em que sentido os termos "regenerao", "f", "arrependimento", "amor", etc, eram empregados, mas no conseguia obter resposta, e no me parecia que a razo ou a revelao revoltassem-se contra isso. As doutrinas de uma natureza, pecaminosa por si, de uma vontade necessitada, da incapacidade e da regenerao fsica, e a influncia fsica na regenerao, com seus dogmas afins e conseqentes, desconcertavam e at confundiam- me a cada passo. Dizia para mim mesmo com freqncia: "Se essas coisas so de fato ensinadas na Bblia, devo ser incrdulo". Contudo, quanto mais lia minha Bblia, tanto mais claro percebia que essas coisas no se encontravam ali sob nenhum dos princpios sadios de interpretao que pudessem ser aceitos em um tribunal de justia. No pude deixar de perceber que a verdadeira idia de governo moral no tinha lugar na teologia da Igreja; pelo contrrio, por trs de todo o sistema havia pressu- posies de que todo governo era fsico (no que se ope a "moral") e que o pecado e a santidade so mais atributos naturais que atos morais e voluntrios. Tais erros no eram expressos em palavras, mas no podia deixar de ver que eram pressupostos. Desconcertavam-me a distino entre pecado original e pecado de fato, e a total ausncia de uma distino entre 16
  17. 17. depravao fsica e moral. Alis, estava convencido: ou eu era incrdulo ou eram erros que no encontravam espao na Bblia. Fui vrias vezes alertado contra a racionalizao e a dependncia de meu prprio entendimento. Descobri que os mestres de religio discriminadores eram levados a confessar que no conseguiam estabelecer a consistncia lgica do sistema deles e que eram obrigados a fechar os olhos e crer, quando a revelao parecia entrar em conflito com as afirmaes da razo. Mas eu no podia seguir esse curso. Descobri, ou pensei ter descoberto, que todas as doutrinas do cristianismo esto envolvidas pelas pressuposies acima citadas. Mas o Esprito de Deus conduziu-me pela escurido e livrou-me do labirinto e do nevoeiro de uma falsa filosofia, firmando-me os ps sobre a rocha da verdade, conforme creio. Mas at hoje encontro alguns que parecem estar muito confusos a respeito da maioria das doutrinas prticas do cristianismo. Reconhecem que o pecado e a santidade devem ser voluntrios, ainda assim falam em regenerao como qualquer coisa, exceto mudana voluntria, e dizem que a influncia divina na regenerao tudo, exceto moral ou persuasiva. Parece que no tm conscincia alguma das decorrncias e implicaes da admisso da existncia do governo moral e do fato de que o pecado e a santidade devem ser atos livres e voluntrios e estados mentais. Nesta obra empenho-me por definir os termos empregados por clrigos cristos e as doutrinas do cristianismo, conforme os compreendo, e levar s concluses lgicas as conseqncias das admisses cardeais de autores teolgicos mais recentes e tpicos. Insisto, especialmente, em levar s suas conseqncias lgicas as duas afirmaes de que a vontade livre e que o pecado e a santidade so atos voluntrios da mente. No vou pressupor que consegui satisfazer os outros nos pontos que discuti, mas consegui ao menos satisfazer a mim mesmo. Considero perigosa e ridcula a declarao de que as doutrinas da teologia no podem preservar uma coerncia lgica do princpio ao fim. 2. De incio, meu principal objetivo ao publicar uma Teologia Sistemtica era prover para meus alunos um livro didtico em que fossem discutidos muitos pontos e questes de grande importncia prtica que, segundo me consta, no tm sido discutidos em nenhum sistema de instruo teolgica existente. Tambm espero beneficiar outras mentes estudiosas e piedosas. 3. Escrevi para aqueles que se disponham a enfrentar a dificuldade de pensar e formar opinies prprias acerca de questes teolgicas. No faz parte de meu alvo poupar meus alunos ou qualquer outra pessoa do trabalho de pensar intensamente. Caso desejasse faz-lo, os assuntos discutidos tornariam abortivo tal empenho. 4. H muitas questes de grande importncia prtica e questes em que multides esto profundamente interessadas no momento, as quais no podem ser estabelecidas de maneira inteligente sem que se institua investigaes fundamentais envolvendo a discusso daquelas questes colocadas no alicerce da moralidade e da religio. 5. A maior parte dos assuntos em debate entre cristos nos dias de hoje est fundamentada em concepes errneas em torno de assuntos 17
  18. 18. discutidos no volume. Se consegui elucidar as questes que discuti, veremos que num volume futuro a maior parte dos focos de discordncia entre os cristos no presente pode ser ajustada com relativa facilidade. 6. O que digo em "Lei Moral" e "Fundamento da Obrigao Moral" a chave para toda a questo. Quem dominar e compreender esses pode compreender de pronto o restante. Mas aquele que no dominar o que entendo desses assuntos no compreender o restante. 7. Que ningum desanime no incio do livro nem tropece nas definies, pensando que jamais conseguir compreender assunto to obscuro. Lembre-se que o que se segue uma expanso e explicao guisa de aplicao do que se encontra de maneira muito condensada nas primeiras pginas no livro. Meu irmo, irm, amigo: leia, estude, pense e leia novamente. Voc foi feito para pensar. Far-lhe- pensar; desenvolver suas capacidades pelo estudo. Deus determinou que a religio exigisse pensar, pensar intenso, e desenvolvesse nossa capacidade de pensamento. A prpria Bblia escrita em estilo to condensado para exigir o mais intenso estudo. No pretendo explicar a teologia de tal maneira que dispense o labor do pensamento. No tenho habilidade para isso nem desejo faz-lo. 8. Se alguns de meus irmos pensam convencer-me de que estou errado, primeiro devem compreender-me e mostrar que leram o livro todo, que o compreenderam e que esto em busca sincera da verdade, no "lutando por domnios". Se meu irmo est buscando a verdade, irei, pela graa de Deus, "ouvir com os dois ouvidos e depois julgar". Mas no prometerei atender a tudo o que os crticos possam dizer nem prestar ateno ao que possam dizer ou escrever todos aqueles palestrantes e escritores impertinentes que precisam de controvrsias. Mas a todos os que buscam honestamente a verdade, eu diria: Salve, meu irmo! Vamos ser meticulosos. A verdade nos far bem. 9. Notar-se- que o presente volume s contm parte de um curso de Teologia Sistemtica. Caso o curso inteiro venha a pblico, um volume preceder e outro suceder o presente. Publico primeiro este porque contm todos os pontos em que suponho diferir das opinies que se costumam receber. Como professor de teologia, considerei que a Igreja e o mundo mereciam que lhes desse minhas opinies acerca daqueles pontos em que tenho sido acusado de divergir das opinies comuns dos cristos. 10. Ainda no consegui estereotipar minhas opinies teolgicas e parei de pensar consegui-lo algum dia. A idia absurda. Nada, seno um intelecto onisciente, pode continuar mantendo uma identidade precisa de concepes e opinies. Mentes finitas, a menos que adormecidas ou entorpecidas por preconceitos, devem avanar no conhecimento. A descoberta de uma nova verdade modificar concepes e opinies antigas, e talvez esse processo no tenha fim em mentes finitas, qualquer que seja o mundo. A verdadeira coerncia crist no consiste em estereotipar nossas opinies e concepes e em recusar-nos a fazer qualquer progresso para no sermos acusados de mudana, mas consiste em manter a mente aberta para receber os raios da verdade por todos os lados e em mudar 18
  19. 19. nossas opinies, linguagem e prtica na freqncia e na velocidade com que conseguimos obter informaes complementares. Chamo-o de coerncia crist porque s essa trilha est de acordo com uma confisso crist. Uma confisso crist implica a confisso de uma sinceridade e de uma disposio de conhecer toda a verdade e obedecer a ela. Deve-se seguir que a coerncia crist implica investigao contnua e mudana de opinio e prtica em correspondncia ao conhecimento crescente. Nenhum cristo, portanto, e nenhum telogo deve temer uma mudana em suas concepes, linguagem ou prticas em conformidade com uma luz crescente. A predominncia desse temor manteria o mundo no mnimo numa imobilidade perptua, e todos os objetos da cincia e, por conseguinte, todos os aperfeioamentos tornar-se-iam impossveis. Toda tentativa no inspirada de esboar para a Igreja um padro de opinio que possa ser considerado uma exposio inquestionvel da Palavra de Deus no s mpia em si, como tambm uma admisso tcita do dogma fundamental do papado. A Assemblia de Clrigos fez mais que admitir a necessidade de um papa para fazer leis das opinies humanas; ela admitiu criar uma lei imortal ou, antes, embalsamar o credo que tinha e preserv-lo como o papa de todas as geraes; ou mais justo dizer que os que adotaram aquela confisso de f e catecismo como padro autorizado de doutrina, adotaram de maneira absurda o mais detestvel princpio do papado, elevando a confisso e o catecismo deles ao trono papal e ao lugar do Esprito Santo. Que o instrumento forjado por tal assemblia seja reconhecido no sculo XIX como o padro da Igreja, ou de um ramo inteligente dela, no s surpreendente como, devo dizer, por demais ridculo. absurdo na teologia como seria em qualquer outro ramo da cincia, e to prejudicial e entorpecente quanto absurdo e ridculo. melhor ter um papa vivo que um morto. Se precisarmos de um expositor autorizado da palavra de Deus, que tenhamos um vivo, para no excluir a esperana de progresso. "Melhor o co vivo do que o leo morto" (Ec 9.4), assim, um papa vivo melhor que uma confisso de f morta e estereotipada, que obrigue todos os homens a subscrever seus dogmas inalterveis e sua terminologia invarivel. 11. Mantenho-me sagradamente obrigado, no a defender essas posies em qualquer circunstncia, mas, pelo contrrio, a sujeitar cada uma delas mais completa discusso e a mant-las e trat-las como opinies de qualquer outro; ou seja, se aps maior discusso e investigao no encontrar motivo para mudar, mantenho-as com firmeza; mas se conseguir ver uma falha em alguma delas, farei emendas ou a rejeitarei por completo, conforme exigir a luz complementar. Caso eu me recusasse a isso ou falhasse nesse ponto, teria de corar por meu desatino e incoerncia, pois, repito, a verdadeira coerncia crist implica progresso em conhecimento e santidade, e mudanas em teoria e prtica conforme exigir a luz crescente. Nas questes estritamente fundamentais da teologia, minhas opinies no tm sofrido nenhuma mudana h muitos anos, exceto pelo fato de ter uma compreenso mais clara do que antes, devendo, talvez, expressar 19
  20. 20. algumas delas de maneira um tanto diferente do que teria feito. O AUTOR AULA 1 VRIAS CLASSES DE VERDADES (Da edio de 1847) Antes de prosseguir nessas investigaes, devo chamar sua ateno para um assunto que precisa estar exatamente no incio deste curso de estudos e que a deve ser encontrado, caso essas aulas sejam publicadas na devida ordem: refiro-me s vrias classes de verdades consideradas neste curso de instruo, com a maneira pela qual chegamos a conhec-las ou a crer nelas. Todas as investigaes humanas avanam sobre o pressuposto da existncia e validade de nossas faculdades e da credibilidade do testemunho inequvoco delas. Negar isso cancelar de uma vez a possibilidade do conhecimento ou de uma crena racional e entregar a mente ao ceticismo universal. As classes de verdades a que seremos chamados a estar atentos em nossas investigaes podem ser divididas, com exatido suficiente para nosso propsito, em verdades que no precisam ser provadas e verdades que precisam ser provadas. A mente humana constituda de tal forma que, por meio de leis prprias, percebe, reconhece ou conhece algumas verdades sem testemunho externo. Ela toma conhecimento direto dessas verdades, e s pode ser assim. A primeira classe, ou seja, verdades que no precisam ser provadas, pode ser subdividida em verdades da razo pura e verdades da sensao. Essas duas classes so em certo sentido evidentes por si, mas no no mesmo sentido. Verdades da razo pura so intuies dessa faculdade, e verdades da sensao so intuies dos sentidos. Falarei, portanto, de verdades manifestas da razo e de verdades manifestas da sensao. Devo pressupor que vocs possuem algum conhecimento de psicologia e dar por certo que compreendem a diferena entre as intuies da razo e as intuies dos sentidos. 20
  21. 21. Por verdades manifestas da razo, portanto, quero dizer aquela classe de verdades intudas e confirmadas diretamente por essa faculdade, de acordo com suas evidncias e em virtude de suas leis, sempre que forem declaradas de tal forma que os termos da proposio pelos quais so expressas so entendidos. No se chega a elas por argumentaes ou por nenhum tipo de evidncia, exceto o que est contido nelas mesmas. Assim que se compreendem os termos da proposio em que so expressas, a razo confirma sua veracidade de maneira instantnea e segura. desnecessrio e absurdo procurar qualquer outra prova dessa classe de verdades, exceto elaborar uma declarao compreensvel delas. Tambm completamente prejudicial, talvez absurdo, tentar provar na acepo normal do termo provar uma verdade manifesta da razo. Todas as tentativas de provar tais verdades por argumentao implicam um absurdo, sendo mais uma obra de supererrogao, como seria tentar provar que vocs vem um objeto com os olhos bem abertos e fixados nele. Os axiomas matemticos pertencem a essa classe. As verdades manifestas da razo so verdades de conhecimento certo. Uma vez declaradas dessa forma ou apresentadas de algum modo mente para que sejam compreendidas, a mente no s cr nelas, como sabe que so absolutamente verdadeiras. Ou seja, ela percebe que so verdades absolutas e sabe que impossvel no serem verdadeiras. Embora no se chegue a essa classe de verdades por argumentao, faz-se muito uso delas na argumentao, j que a principal premissa de um silogismo com freqncia uma verdade manifesta da razo. Essa classe de verdades afirmada por uma faculdade de todo distinta do entendimento ou daquele poder que adquire por intermdio dos sentidos todo o seu conhecimento. Ela toma conscincia de uma classe de verdades que, pela prpria natureza dela, permanece eternamente parte dos sentidos e, por conseguinte, do entendimento. Os sentidos jamais nos podem dar as verdades abstratas da matemtica. Jamais nos podem dar o absoluto ou o infinito. No nos podem dar uma lei moral ou alguma lei. Os sentidos podem dar fatos, mas no leis e princpios. Que Deus e o espao e o tempo so infinitos, que todos os atributos de Deus devem ser infinitos, so verdades manifestas da razo; ou seja, so verdades de uma afirmao e pressuposio a priori. Jamais se chega a elas pela argumentao ou por induo, e no se pode chegar. A mente s as conhece em virtude de leis prprias, pressupondo-as e intuindo-as diretamente, sempre que apresentadas. Os olhos da razo vem-nas de maneira distinta, assim como os olhos da mente vem objetos de viso apresentados ao rgo fsico da viso. A mente construda de tal maneira que v algumas coisas com os olhos naturais da carne e algumas verdades diretamente com olhos prprios, sem o uso de algum olho fsico. Todas as verdades manifestas da razo pertencem a essa classe; ou seja, so verdades que a mente v e conhece, e no simplesmente cr. Na argumentao, a declarao crua de uma verdade manifesta suficiente, desde que, conforme se disse, seja expressa com tal clareza que os termos da proposio sejam compreendidos. Deve-se ter em mente, na 21
  22. 22. argumentao, que todos os homens possuem mente e que as leis do conhecimento so fsicas e, claro, estabelecidas e comuns a todos eles. As condies do conhecimento so iguais em todos os homens. Devemos, portanto, sempre pressupor que no se pode deixar de compreender as verdades manifestas assim que sejam expostas com tal clareza que os termos em que so expressas sejam compreendidos. Nossas pesquisas futuras apresentaro muitas ilustraes da verdade desse tipo. Deve-se tambm notar que a universalidade um atributo das verdades manifestas da razo. Ou seja, so universais nos seguintes sentidos: 1. Todos os homens afirmam serem verdades quando as compreendem. 2. Todos afirmam serem verdades do mesmo modo; ou seja, por intuio direta. Ou as percebem por luz prpria e no por meio de argumentao, demonstrao ou sentidos. 3. As verdades manifestas da razo so verdadeiras sem exceo e, nesse sentido, tambm universais. 4. A necessidade tambm um atributo das verdades manifestas. Ou seja, so necessariamente verdadeiras e no possvel consider-las de outra maneira. E quando so cumpridas as condies alistadas, s podem ser conhecidas dessa maneira por todos os agentes morais. As verdades manifestas da razo podem, de novo, ser divididas em verdades meramente manifestas e verdades primeiras da razo. Essa classe de verdades possui todas as caractersticas das verdades manifestas, ou seja: so verdades universais; so verdades necessrias; so verdades de intuio direta; so verdades de conhecimento certo. Nisto est sua peculiaridade: so verdades necessria e universalmente conhecidas pelos agentes morais. Ou seja, no se distinguem das meras verdades manifestas da razo, exceto pelo fato de serem universalmente conhecidas a partir da lei da agncia moral; assim todos os agentes morais possuem e devem possuir conhecimento certo delas. So verdades de pressuposio necessria e universal. Estejam ou no no pensamento direto em algum tempo ou a todo tempo, sejam ou no objeto de ateno especfica da mente, de qualquer forma so pressupostas por uma lei da necessidade universal. Suponham, por exemplo, que a lei da causa e efeito no estivesse o tempo todo ou em algum tempo sujeita a uma ponderao ou ateno distinta. Suponham que a proposio em palavras jamais viesse mente: "todo efeito deve ter uma causa". Ainda assim, a verdade est ali em forma de um conhecimento absoluto, uma pressuposio necessria, uma afirmao a priori, e a mente defende isso com tamanha fora, que totalmente incapaz de dispensar, esquecer ou neg-la na prtica. Toda mente a tem por conhecimento certo muito antes de conseguir compreender a linguagem em que expressa, e nenhuma declarao ou evidncia pode dar mente alguma convico mais firme de sua veracidade do que a dada primeiro pela necessidade. Isso verdade em relao a todas as verdades dessa classe. Elas so sempre e 22
  23. 23. necessariamente aceitas por todos os agentes morais, quer haja um pensamento distinto, quer no. E a maior parte dessa classe de verdades aceita sem ser objeto freqente ou, pelo menos, objeto geral de ponderao ou ateno direta. A mente as pressupe, sem que haja conscincia direta da pressuposio. Por exemplo, agimos a cada momento, julgamos, raciocinamos e cremos na pressuposio de que cada efeito precisa ter uma causa mesmo assim no temos conscincia de pensar nessa verdade nem de pressup-la, at que algo nos chame ateno para ela. As verdades primeiras da razo, portanto, que sejam lembradas com nitidez, so sempre e necessariamente pressupostas, embora possam receber pouca ateno. Elas so conhecidas universalmente, antes que se compreendam as palavras pelas quais possam ser expressas e, ainda que possam ser jamais expressas numa proposio formal, a mente tem por certo um conhecimento delas assim como tem por certa a existncia de si mesma. Mas cabe indagar se existem algumas condies para que sejam pressupostas e, caso existam, quais so. A inteligncia faz essas pressuposies sob certas condies ou independentemente de todas ou de algumas condies? A verdadeira resposta a essa indagao que a mente s aceita essa pressuposio aps o cumprimento de certas condies. Cumpridas essas condies, a inteligncia faz essa pressuposio de maneira instantnea e necessria em virtude de uma lei da prpria natureza dela e a faz, quer a pressuposio seja um objeto distinto da conscincia, quer no. A nica condio dessa pressuposio que precisa ser mencionada a percepo mental daquilo com que a verdade primeira mantm a relao de um antecedente lgico ou uma condio lgica. Por exemplo, para desenvolver a pressuposio de que cada efeito deve ter uma causa e para necessitar dessa pressuposio, a mente s precisa perceber ou possuir a concepo de um efeito, qual a pressuposio em questo segue-se de imediato por uma lei da inteligncia. Essa pressuposio no uma deduo lgica a partir de alguma premissa; mas a partir da percepo de um efeito ou a partir do fato de a mente possuir a idia ou noo de um efeito, a inteligncia irresistivelmente, em virtude de leis prprias, pressupe a verdade primeira da causalidade como condio lgica e necessria do efeito; ou seja, pressupe que um evento e todos os eventos precisam ter uma causa. A condio pela qual as verdades primeiras da razo so pressupostas ou desenvolvidas chamada a condio cronolgica de seu desenvolvimento, por ser anterior em tempo e na ordem da natureza para seu desenvolvimento. A mente percebe um efeito. Com isso, pressupe a verdade primeira da causalidade. Ela percebe o corpo e, com isso, pressupe a verdade primeira: o espao existe e deve existir. Essas verdades primeiras, vamos repetir, no so pressupostas na forma de uma proposio, ponderada ou expressa em palavras, e nem sempre, ou talvez nunca de incio, a mente est consciente da pressuposio, ainda que desse momento em diante a verdade coloque-se entre as posses 23
  24. 24. inalienveis da mente e para sempre; a partir de ento, seja necessariamente reconhecida em todos os julgamentos prticos da mente. Assim, deve-se dizer de modo especfico, as verdades primeiras da razo postam-se to profundas na mente, que talvez seja raro aparecerem diretamente no campo do pensamento consciente; ainda assim, a mente as conhece de maneira to absoluta, que j no as pode esquecer, desprezar ou negar na prtica, assim como no pode esquecer, desprezar ou negar na prtica a existncia dela mesma. Afirmei que todas as argumentaes procedem da pressuposio dessas verdades. Preciso faz-lo necessariamente. E absurdo tentar provar verdades primeiras para um agente moral: pois caso seja um agente moral, j as conhece absolutamente e, se no conhecer, no h meio possvel de coloc-lo em posse delas, a no ser apresentar sua percepo a condio cronolgica do desenvolvimento delas, e em circunstncia alguma seria necessrio mais que isso, pois ocorrendo essa percepo, segue-se a pressuposio ou desenvolvimento, por uma lei de necessidade absoluta e universal. E at que essas verdades sejam desenvolvidas de fato, nenhum ente pode ser um agente moral. No h argumentao com algum que questione as verdades primeiras da razo e exija prova delas. Toda argumentao deve, pela natureza da mente e pelas leis do raciocnio, ter as verdades primeiras da razo por certas e notrias e como condio a priori de todas as dedues e demonstraes lgicas. Algumas deles devem ser pressupostas verdadeiras, direta ou indiretamente, em todos os silogismos e em todas as demonstraes. Em todas as nossas investigaes futuras na linha da verdade que realizaremos, teremos ocasies abundantes para aplicar e ilustrar o que se disse agora acerca das verdades primeiras da razo. Se, em algum estgio de nosso progresso, iluminarmos uma verdade dessa classe, que se tenha em mente que a natureza da verdade a precluso, ou, como diriam os advogados, a interdio de toda controvrsia. Negar a realidade dessa classe de verdades negar a validade de nosso conhecimento mais perfeito e, claro, negar a validade de nossas faculdades. A nica pergunta a se levantar a respeito dessa classe de verdades : a verdade em questo pertence a essa classe? H muitas verdades dessa classe que no obtiveram reconhecimento geral de que pertencem a ela. Disso teremos exemplos abundantes que ocorrero em nosso caminho quando prosseguirmos em nossa investigao. H muitas verdades que os homens, todos os homens sadios, com certeza conhecem, sobre as quais raramente pensam, mas que, em teoria, negam com persistncia. Antes de dispensar essa parte de nosso assunto, mencionarei algumas das muitas verdades que pertencem inegavelmente a essa classe, deixando outras para serem mencionadas conforme prosseguirmos, encontrando-as em investigaes futuras. J observei trs tipos dessa classe, ou seja: a verdade da causalidade a existncia do espao e do tempo. Que o todo de qualquer coisa igual 24
  25. 25. a todas s suas partes tambm uma verdade dessa classe, conhecida universal e necessariamente e pressuposta por todos os agentes morais. Tambm, que algo no pode ser e no ser ao mesmo tempo. Uma terceira classe de verdades manifestas so verdades particulares da razo. A razo as intui e afirma diretamente. So verdades de conhecimento certo, mas no possuem os atributos de universalidade ou infinitude. A essa classe pertencem as verdades de nossa existncia, de identidade pessoal e individualidade. No so verdades dos sentidos nem so verdades primeiras ou manifestas, de acordo com o uso comum desses termos. Mas so verdades de intuio racional e so consideradas verdadeiras luz da prpria evidncia delas e, como tais, nos so dadas como verdades indubitveis pela conscincia. Todas as verdades que ficam no mbito de nossa experincia, ou seja, todos os nossos exerccios e estados mentais so verdades manifestas para ns. No precisamos prov-las. Quer sejam fenmenos, quer sejam estados do Intelecto, da Vontade ou da Sensibilidade. Quando se fala delas no coletivo, no podem ser chamadas verdades manifestas, exceto no sentido de que para ns manifestam-se no campo da conscincia, como fatos ou realidades, e que as conhecemos ou as afirmamos com certeza indubitvel. As verdades dos sentidos, como dissemos, so em certo sentido verdades manifestas. Ou seja, so fatos dos quais a mente possui conhecimento direto por intermdio dos sentidos. Ao falar que as verdades dos sentidos so de certa forma manifestas, falo, claro, de verdades ou fatos de nossos sentidos ou daqueles revelados a ns diretamente pelos nossos sentidos. Sei que no comum falar dessa classe de verdades como manifesta; e no o so no sentido que so as intuies racionais simples. Ainda assim, so fatos ou verdades que no precisam de provas para nos serem estabelecidas. O fato de que seguro esta caneta na mo uma realidade manifesta para mim, tanto quanto trs e dois so cinco. Percebo uma e outra com a mesma realidade e nenhuma delas precisa de prova alguma. No meu intuito exaurir este assunto, nem entrar em distines sutis e altamente metafsicas, mas s dar indicaes e deixar sugestes que o faam estar atento ao assunto, e suprir nossas necessidades durante nosso curso de estudos, deixando a seu critrio entrar numa anlise mais crtica do assunto. Das verdades que exigem prova, a primeira classe para a qual devo chamar ateno a das verdades de demonstrao. Essa classe de verdades admite grau to elevado de prova que, completada a demonstrao, a inteligncia confirma que impossvel no serem verdades. Essa classe, quando demonstrada com eficincia, so consideradas verdadeiras com no menos certeza que as verdades manifestas: mas a mente no chega percepo delas por algum caminho. Chega-se quela classe de maneira universal e direta, a priori, pela intuio direta, sem argumentao. Chega-se a esta classe universalmente pela argumentao. Aquelas so obtidas sem nenhum processo lgico, enquanto esta ltima classe sempre e necessariamente obtida por conseqncia de um processo lgico. Muitas vezes obtemos essas verdades por um processo 25
  26. 26. estritamente lgico, sem conscincia alguma da maneira pela qual as obtivemos. Essas classes, portanto, diferentes das outras, no devem ser comunicadas e estabelecidas sem argumentao, mas pela argumentao. Nessas classes de verdades, a mente, por leis prprias, no descansar a menos que sejam demonstradas. Elas admitem demonstrao e, pela natureza delas e pela natureza da inteligncia, precisam ser demonstradas antes que possam ser consideradas e aceitas como conhecimento certo. Muitas delas podem ser aceitas, no sentido de receber crdito, sem uma demonstrao absoluta. Mas no se pode dizer de maneira exata que a mente as conhece antes que tenha percorrido a demonstrao, e depois disso ela no pode deixar de conhec-las. Para colocar a mente em posse de uma verdade primeira da razo, vocs s precisam apresentar a condio cronolgica de seu desenvolvimento. Para revelar uma verdade manifesta da razo, vocs s precisam defini-la com termos suficientemente claros. Mas para provar uma verdade pertencente classe ora em considerao, vocs precisam cumprir as condies lgicas do intelecto para afirm-las. Ou seja, precisam demonstr-las. A prxima classe a considerar so as verdades da revelao. Quero dizer as verdades reveladas por inspirao divina. Todas as verdades so de algum modo reveladas mente, mas nem todas, pela inspirao do Esprito Santo. A mente conhece algumas das verdades dessa classe; em outras, ela s cr. Ou seja, algumas dessas verdades so objetos ou verdades do conhecimento ou da intuio quando levadas pelo Esprito Santo ao campo da viso ou intuio. Outras so s verdades de f ou verdades em que se deve acreditar. A divindade do Senhor Jesus Cristo uma verdade da revelao da primeira classe, ou seja, uma verdade da intuio ou de conhecimento certo quando revelada para a mente pelo Esprito Santo. Essa verdade, quando assim revelada, intuda diretamente pela razo pura. Ela sabe que Jesus verdadeiro Deus e vida eterna pela mesma lei pela qual conhece as verdades primeiras da razo. O nico motivo que a alma pode dar para crer ser ela verdade saber que verdade. Ela v ou percebe que verdadeira. Mas essa percepo ou intuio condicionada pela revelao do Esprito Santo. Ele "h de receber do que meu e vo-lo h de anunciar", disse Jesus. Mais acerca desse tpico ser acrescentado no seu devido lugar. Os fatos e verdades ligados com a humanidade do Senhor Jesus so da segunda classe de verdades da revelao, ou seja, so s verdades de crena ou de f, em contraste com verdades da razo pura ou da intuio. Essa classe de verdades, pela prpria natureza, no so suscetveis de intuio. Podem ser reveladas de tal maneira que a mente no tenha dvidas acerca delas, sendo-lhe difcil distingui-las das verdades de conhecimento certo; entretanto, s se cr nelas e no so conhecidas com a mesma certeza que as verdades da intuio. Por si, a Bblia no estrita e propriamente uma revelao para o homem. , mais propriamente, uma histria de revelaes antes feitas a certos homens. A fim de ser uma revelao para ns, suas verdades devem 26
  27. 27. ser levadas pelo Esprito Santo para o campo da viso espiritual. Essa a condio para conhecermos as verdades da revelao ou crer nelas da maneira apropriada. "Ningum pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, o no trouxer". "O homem natural no compreende as coisas do Esprito de Deus, porque lhe parecem loucura; e no pode entend-las, porque elas se discernem espiritualmente". "Mas o que espiritual [possui o Esprito] discerne bem tudo". Mas no devo me prolongar aqui neste assunto. S acrescentaria agora que os que questionam a divindade de Cristo manifestam evidncia conclusiva de que Cristo jamais lhes foi revelado pelo Esprito Santo. Os que defendem sua divindade como uma teoria ou opinio no so de algum modo beneficiados por ela, pois Cristo no conhecido por algum de maneira salvadora, exceto pela revelao do Esprito Santo. s classes de verdades j consideradas podem-se acrescentar algumas outras, tais como Verdades Provveis, Verdades Possveis, etc. Mas levei longe demais esta discusso para atender aos propsitos deste curso de instruo e, creio, o suficiente para impressionar a mente de vocs com uma noo da importncia de atentar para a classificao das verdades e verificar a classe especfica a que certa verdade pertence como a condio para obt-la com sucesso para si mesmo ou dar posse dela a outras mentes. Como mestres de religio, nunca lhes ser demais ter incutida a importncia de atentar para essa classificao. Estou plena- mente convencido de que boa parte da ineficcia dos mestres de religio deve-se ao fato de no estudarem as leis do conhecimento e da crena e no obedecerem a elas para levar convico mente de seus ouvintes. Eles no parecem ter considerado as diferentes classes de verdades e como a mente passa a conhec-las ou acreditar nelas. Por conseguinte, ou gastam o tempo em esforos menos que inteis para provar verdades primeiras ou manifestas, ou esperam que verdades suscetveis de demonstrao sejam recebidas e aceitas sem tal demonstrao. Com freqncia fazem pouca ou nenhuma distino entre as diferentes classes de verdades e raramente ou nunca chamam a ateno de seus ouvintes a essa distino. Conseqentemente, desconcertam e muitas vezes confundem seus ouvintes com violaes flagrantes de todas as leis da lgica, conhecimento e crena. Com freqncia tenho sido afligido e at angustiado com a deficincia de mestres de religio nesse aspecto. Estudem para se apresentarem aprovados, como obreiros que no tm de que se envergonhar e estarem aptos para se recomendar conscincia de todo homem, na presena de Deus. COMO CHEGAMOS AO CONHECIMENTO DE CERTAS VERDADES (Da edio de 1851) Todos os ensinos e argumentaes pressupem certas verdades. E preciso pressupor e aceitar que as afirmaes inequvocas e a priori da razo so vlidas para todas as verdades e princpios afirmados dessa forma; ou cada tentativa de construir uma cincia de qualquer tipo ou de 27
  28. 28. obter certo conhecimento sobre algum assunto seria vo e at absurdo. Devo comear minhas aulas sobre governo moral estabelecendo certos postulados ou axiomas morais que so, a priori, afirmados pela razo e, portanto, manifestos a todos os homens quando expressos de tal forma que sejam compreendidos; passarei alguns instantes estabelecendo alguns fatos que pertencem mais propriamente ao departamento da Psicologia. A Teologia est to ligada Psicologia que impossvel ser bem-sucedido no estudo daquela, sem um conhecimento desta. Todo sistema teolgico e toda opinio teolgica pressupem alguma verdade na Psicologia. A Teologia , em grande parte, a cincia da mente e suas relaes com a lei moral. Deus uma mente ou Esprito: todos os agentes morais so a sua imagem. A Teologia a doutrina de Deus, compreendendo sua existncia, atributos, relaes, carter, obras, palavra, governo (providencial e moral) e, claro, deve abranger os fatos da natureza humana e a cincia da agncia moral. Todos os telogos supem e precisam supor a verdade de algum sistema de psicologia e filosofia mental, e os que clamam com mais vigor contra a metafsica no o fazem menos que os outros. H uma distino entre a mente ter conhecimento de uma verdade e ter conhecimento de que a conhece. Assim, comeo definindo a autoconscincia. Autoconscincia o reconhecimento que a mente faz de si mesma. E o ato de perceber ou conhecer a si prprio: sua existncia, atributos e estados, com os atributos de liberdade ou necessidade que caracterizam tais atos e estados. Disso falarei com freqncia daqui em diante. As revelaes da autoconscincia A autoconscincia nos revela trs faculdades primrias da mente a que chamamos intelecto, sensibilidade e vontade. O intelecto a faculdade de conhecimento; a sensibilidade a faculdade ou susceptibilidade de sentir; a vontade a faculdade executiva ou a faculdade de fazer ou agir. Todo pensamento, percepo, intuio, raciocnio, opinio, formao de noes ou idias pertencem ao intelecto. A conscincia revela as vrias funes do intelecto e tambm da sensibilidade e da vontade. Aqui, s vamos atentar para as funes do intelecto, uma vez que nosso interesse presente verificar os mtodos pelos quais o intelecto chega a seus conhecimentos, os quais nos so dados na autoconscincia. A autoconscincia , em si, obviamente, uma das funes do intelecto; e cabe aqui dizer que uma revelao na conscincia cincia e conhecimento. O que a conscincia nos d, sabemos. Seu testemunho infalvel e conclusivo em todos os assuntos sobre os quais testifica. Entre outras funes do intelecto, que no preciso mencionar, a autoconscincia revela a trplice distino fundamental dos sentidos, da razo e do entendimento. Dos sentidos O sentido a capacidade que percebe sensaes e as leva ao campo 28
  29. 29. da conscincia. A sensao uma impresso deixada na sensibilidade por algum objeto externo ou por algum pensamento na mente. O sentido assume ou percebe a sensao e essa sensao percebida revelada na conscincia. Se a sensao vem de algum objeto fora da mente, como um som ou uma cor, sua percepo pertence ao sentido externo. Se vem de algum pensamento ou exerccio mental, a percepo do sentido interno. Eu disse que o testemunho da conscincia conclusivo para todos os fatos dados por seu testemunho inequvoco. No precisamos nem podemos ter qualquer evidncia mais contundente da existncia de uma sensao que aquela dada pela conscincia. Nossas primeiras impresses, pensamentos e conhecimento so derivados dos sentidos. Mas o conhecimento derivado puramente dessa fonte seria necessariamente muito limitado. Da razo A autoconscincia tambm nos revela a razo ou a funo a priori do intelecto. A razo aquela funo do intelecto que defende ou intui de imediato uma classe de verdades que, pela natureza delas, no podem ser conhecidas nem pelo entendimento nem pelos sentidos. Tais, por exemplo, so os axiomas e postulados da matemtica, filosofia e moral. A razo fornece leis e princpios primeiros. Ela fornece o abstrato, o necessrio, o absoluto, o infinito. Ela fornece todas as suas afirmaes pela contemplao ou intuio direta, no por induo ou raciocnio. As classes de verdades dadas por essa funo do intelecto so manifestas. Ou seja, a razo intui ou as contempla de maneira direta, assim como a faculdade dos sentidos intui ou contempla de maneira direta uma sensao. Os sentidos fornecem conscincia a viso direta de uma sensao e, assim, a existncia da sensao conhecida de maneira inegvel por ns. A razo fornece conscincia a viso direta da classe de verdades das quais toma conhecimento; e da existncia e validade dessas verdades j no podemos duvidar, assim como no podemos duvidar da existncia de nossas sensaes. H uma diferena entre o conhecimento derivado dos sentidos e o derivado da razo: no primeiro caso, a conscincia nos d a sensao: pode-se questionar se as percepes dos sentidos so uma contemplao direta do objeto da sensao e, por conseguinte, se o objeto realmente existe e o real arqutipo da sensao. De que a sensao existe estamos certos, mas se existe o que supomos ser o objeto e causa da sensao, admite dvida. A questo : ser que os sentidos intuem ou contemplam de maneira imediata o objeto da sensao? O fato de nem sempre ser possvel confiar no relato dos sentidos parece mostrar que a percepo dos sentidos no uma contemplao imediata do objeto da sensao; a sensao existe, isso sabemos; que possui uma causa, sabemos; mas talvez no saibamos se conhecemos corretamente a causa ou o objeto da sensao. Mas a respeito das intuies da razo, essa faculdade contempla diretamente as verdades que afirma. Essas verdades so os objetos de suas 29
  30. 30. intuies. No so recebidas em segunda mo. No so inferncias ou indues, no so opinies, nem conjecturas ou crenas; so conhecimentos diretos. As verdades fornecidas por essa faculdade so vistas e conhecidas de maneira to direta que impossvel duvidar delas. A razo, em virtude de leis prprias, contempla-as face a face luz das evidncias delas prprias. Do entendimento O entendimento aquela funo do intelecto que toma, classifica e arranja os objetos e verdades da sensao sob uma lei de classificao e arranjo dada pela razo, e assim forma noes e opinies e teorias. As noes, opinies e teorias do entendimento podem ser errneos, mas no possvel haver erros nas intuies a priori da razo. O conhecimento do entendimento com tamanha freqncia o resultado de induo ou raciocnio, ficando com isso totalmente distante de uma percepo direta, que muitas vezes s so conhecimento num sentido modificado e restrito. Da imaginao, da memria, etc, no h necessidade que eu fale aqui. O que se disse, creio, preparou o caminho para dizer que as verdades da teologia agrupam-se sob duas categorias: Verdades que exigem prova e verdades que no exigem prova. Verdades que exigem prova. Primeiro. Dessa classe deve-se dizer, em geral, que a ela pertencem todas as verdades no intudas diretamente por alguma funo do intelecto luz de evidncias prprias. Toda verdade a que se deva chegar por raciocnio ou induo, toda verdade que se alcana por outro testemunho, que no o de observao, percepo, intuio ou reconhecimento direto uma verdade que pertence classe que necessita de prova. Segundo. As verdades de demonstrao pertencem classe que necessita de prova. Quando verdades de demonstrao so de fato demonstradas por alguma mente, ela com certeza sabe que so verdades e sabe no ser possvel que afirmaes contrrias sejam verdadeiras. Para incutir outras mentes com essas verdades, precisamos conduzi-las pelo processo de demonstrao. Fazendo isso, no podem deixar de ver a verdade demonstrada. A mente humana em geral no recebe uma verdade de demonstrao nem descansa nela, a menos que seja demonstrada. Ela o faz com freqncia sem reconhecer o processo de demonstrao. As leis do conhecimento so fsicas. As leis da lgica so inerentes a todas as mentes; mas em vrios estados de desenvolvimento em diferentes mentes. Se uma verdade que exige demonstrao e pode ser demonstrada simplesmente anunciada e no demonstrada, a mente sente-se insatisfeita e no descansa sem a demonstrao que considera necessria. Pouco adianta, portanto, dogmatizar, quando se deve argumentar, demonstrar e explicar. Em todos os casos de verdades no manifestas ou de verdades que exigem prova, os mestres religiosos devem entender e as condies lgicas do 30
  31. 31. conhecimento e da crena racional e adaptar-se a elas; eles atentam contra Deus quando s dogmatizam quando devem argumentar, explicar e provar, lanando sobre a soberania de Deus a responsabilidade de produzir convico e f. Deus convence e produz f, no pela deposio das leis mentais estabelecidas, mas de acordo com elas. E, portanto, absurdo e ridculo dogmatizar e asseverar, quando explicaes, ilustraes e provas so possveis e exigidas pelas leis do intelecto. Fazer isso e depois deixar a cargo de Deus fazer as pessoas compreender e crer pode-nos ser conveniente no momento, mas se no significar morte para nossos auditores, no se nos devem agradecer. Somos intimados a inquirir que classe pertence certa verdade, se uma verdade que, pela natureza e pelas leis da mente, precisa ser ilustrada ou provada. Caso sim, no temos o direito de meramente assever-la, se no tiver sido provada. Vamos cumprir as condies necessrias de uma convico racional e depois deixar o resultado com Deus. A classe de verdades que no exigem prova pertencem as da revelao divina. Todas as verdades conhecidas do homem so divinamente reveladas a ele em algum sentido, mas falo aqui de verdades reveladas ao homem pela inspirao do Esprito Santo. A Bblia anuncia muitas verdades manifestas e muitas verdades de demonstrao. Elas podem ou poderiam ser conhecidas, pelo menos muitas delas, independentemente da inspirao do Esprito Santo. Mas a classe de verdades de que falo aqui baseia-se inteiramente no testemunho de Deus, sendo verdades de inspirao pura. Algumas dessas verdades esto acima da razo, no sentido de que a razo no pode, a priori, nem afirmar nem neg-las. Quando se afirma que Deus as afirmou, a mente no precisa de outra evidncia de sua veracidade, pois por uma lei necessria do intelecto, todos os homens afirmam a veracidade de Deus. Mas apesar dessa lei necessria da mente, os homens no conseguem apoiar-se no simples testemunho de Deus, solicitando evidncias de que se deve crer em Deus. Mas tal a natureza da mente, conforme constituda pelo Criador, que nenhum agente moral necessita provar que o testemunho de Deus deve ser recebido. Uma vez estabelecido que Deus declarou um fato ou verdade, essa , para todos os agentes morais, toda a evidncia necessria. A razo, por leis prprias, afirma a perfeita veracidade de Deus, e embora a verdade anunciada possa ser tal, que a razo, a priori, no consiga nem afirmar nem neg-la; ainda assim, quando afirmada por Deus, a razo confirma irresistivelmente que o testemunho de Deus deve ser recebido. Essas verdades exigem prova no sentido de determinar que se demonstre que foram dadas por inspirao divina. Demonstrado esse fato, as prprias verdades s precisam ser compreendidas, e a mente necessariamente afirma sua obrigao de crer nelas. Meu presente objetivo mais particular observar: Verdades que no exigem prova. Essas so verdades a priori da razo e verdades dos sentidos; ou seja, 31
  32. 32. so verdades que no exigem prova porque so intudas ou observadas diretamente por uma dessas faculdades. As verdades a priori possuem os seguintes atributos. (1) So verdades absolutas ou necessrias no sentido de que a razo afirme que preciso que sejam verdadeiras. Cada efeito tem uma causa adequada. O espao deve existir. E impossvel que no exista, mesmo que qualquer outra coisa exista ou no. O tempo deve existir, haja ou no eventos que se sucedam no tempo. Assim, a necessidade um atributo dessa classe. (2) A universalidade um atributo de uma verdade primeira. Ou seja, as verdades dessa classe no comportam exceo. Todo efeito deve ter uma causa; no pode haver efeito sem uma causa. (3) As verdades primeiras so verdades de conhecimento necessrio e universal. Ou seja, no so meramente cognoscveis, mas conhecidas de todos os agentes morais por uma lei necessria de seu intelecto. O espao e o tempo existem e devem existir; que cada efeito possui e deve possuir uma causa, e verdades desse tipo so conhecidas universalmente e pressupostas por todos os agentes morais, quer os termos em que so declaradas tenham sido ouvidas por eles, quer no. Esta a caracterstica que distingue as verdades primeiras das outras, meramente manifestas, das quais logo falaremos. (4) As verdades primeiras so, claro, manifestas. Ou seja, so percebidas de maneira universal e direta luz de evidncias prprias. (5) As verdades primeiras so de razo pura e, claro, verdades de conhecimento certo. So conhecidas universalmente com tal certeza que impossvel algum agente moral negar, esquecer ou desconsider-las na prtica. Ainda que possam ser negadas em teoria, so sempre e necessariamente reconhecidas na prtica. Nenhum agente moral pode, por exemplo, em hiptese alguma, negar ou esquecer ou desconsiderar na prtica as verdades primeiras de que o tempo e o espao existem e devem existir; que cada efeito deve ter uma causa. Deve-se, portanto, lembrar sempre que as verdades primeiras so pressupostas e conhecidas universalmente, e em todos os nossos ensinos e em todas as nossas indagaes devemos tomar por certas as verdades primeiras. E absurdo tentar prov-las, em razo de necessariamente pressup-las como base e condio de todo raciocnio. A mente chega a um conhecimento dessas verdades pela observao direta e necessria delas, preenchida a condio de primeiro perceber a condio lgica delas. A mente percebe ou atinge a concepo de um efeito. Com essa concepo conclui instantaneamente, quer pense quer no na concluso, que esse efeito teve, e que cada efeito deve ter, uma causa. A mente percebe o corpo ou tem noo dele. Essa concepo desenvolve necessariamente a verdade primeira, o espao existe e deve existir. A mente observa ou concebe a sucesso; e essa observao ou concepo desenvolve necessariamente a verdade primeira: o tempo existe e deve existir. 32
  33. 33. A medida que prosseguirmos vamos notar vrias verdades que pertencem a essa classe, algumas das quais, em teoria, tm sido negadas. No entanto, em seus julgamentos prticos, todos os homens as tm aceitado e dado profundas evidncias do fato de as conhecerem, tanto quanto tm conhecimento da existncia deles prprios. Suponham, por exemplo, que a lei da causalidade no fosse, jamais, em tempo algum, objeto de ponderao e ateno distinta. Suponham que a proposio, em palavras, "todo efeito deve ter uma causa", jamais estivesse em mente ou que tal proposio devesse ser negada. Ainda assim o conhecimento permanece ali, em forma de conhecimento absoluto, uma pressuposio necessria, uma afirmao a priori, e a mente possui tamanha convico dela que totalmente incapaz de desconsiderar, esquecer ou neg-la na prtica. Todas as mentes a tem por conhecimento certo muito antes de conseguir compreender a linguagem em que expressa, e nenhuma declarao ou evidncia, qualquer que seja, pode dar a elas convico maior que a obtida primeiro pela necessidade. Isso se aplica a todas as verdades dessa classe. Elas so sempre e necessariamente aceitas por todos os agentes morais, quer haja um pensamento distinto, quer no. E a maior parte dessa classe de verdades aceita, sem que sejam com freqncia ou, pelo menos, em geral, objeto de ponderao ou ateno direta. A mente as pressupe sem uma conscincia distinta da pressuposio. Por exemplo, agimos a cada momento e julgamos, raciocinamos e acreditamos na pressuposio de que cada efeito deve ter uma causa; ainda assim no temos conscincia de ponderar acerca dessa verdade nem de pressup-la, at que algo nos chame a ateno para ela. Verdades primeiras da razo, portanto, que fique bem destacado, so sempre e necessariamente aceitas, ainda que possa ser rara a ponderao acerca delas. Elas so de conhecimento universal antes de se compreenderem as palavras pelas quais so expressas; e embora possam ocorrer de jamais serem expressas numa proposio formal, ainda assim a mente possui um conhecimento certo delas tanto quanto possui da existncia dela prpria. Todo raciocnio desenvolve-se na pressuposio dessas verdades. Precisa faz-lo necessariamente. absurdo tentar provar verdades primeiras para um agente moral, pois, sendo um agente moral, j deve conhec-las de maneira absoluta e, caso contrrio, no h meio pelo qual se consiga coloc-lo em posse delas, exceto pela apresentao da condio cronolgica do desenvolvimento delas sua percepo e em hiptese alguma seria necessrio mais alguma coisa, pois com a ocorrncia dessa percepo, segue-se a pressuposio ou o desenvolvimento, por uma lei de necessidade absoluta e universal. E at essas verdades serem de fato desenvolvidas, nenhum ser pode ser um agente moral. No se pode discutir com algum que questione as primeiras verdades da razo e exija comprovao delas. Toda argumentao deve, pela natureza da mente e pelas leis do raciocnio, considerar certas e aceitas as verdades primeiras da razo e como condio a priori de toda 33
  34. 34. deduo e demonstrao lgica. Algumas delas precisam ser consideradas verdades, de maneira direta ou indireta, em cada silogismo e em cada demonstrao. Em todas as nossas investigaes futuras, teremos abundantes ocasies para aplicar e ilustrar o que se disse agora acerca das verdades primeiras da razo. Se, em algum estgio de nosso progresso, lanarmos luz sobre uma verdade dessa classe, tenha-se em mente que a natureza da verdade a precluso, ou, como expressariam os advogados, a interdio de toda controvrsia. Negar a realidade dessa classe de verdades negar a validade de nosso mais perfeito conhecimento. A nica dvida a se elucidar : a verdade em questo pertence a essa classe? H muitas verdades que os homens, todos os homens, com certeza conhecem, acerca dos quais raramente pensam, mas que, em teoria, so persistentes em negar. 2. A segunda classe de verdades que no exigem prova so verdades manifestas, que possuem os atributos de necessidade e universalidade. Dessas verdades, destaco: (1) Elas, como as verdades primeiras, so confirmadas pela razo pura e no pelo entendimento ou pelos sentidos. (2) So confirmadas, como as verdades primeiras, a priori; ou seja, so percebidas ou intudas diretamente e no se chega a elas por evidncias ou induo. (3) So verdades de afirmao universal e necessria, quando expressas de maneira que sejam compreendidas. Por uma lei da razo, todos os homens sos devem aceitar e confirm-las luz de evidncias prprias, sempre que se as compreende. Essa classe, ainda que manifesta quando apresentada mente, no , como as verdades primeiras, universal e necessariamente conhecida de todos os agentes morais. Os axiomas matemticos e os princpios primeiros, as bases e princpios a priori de toda a cincia, pertencem a essa classe. (4) So, como as verdades primeiras, universais no sentido de no haver exceo a elas. (5) So verdades necessrias. Ou seja, a razo afirma, no s que so verdadeiras, mas que precisam ser verdadeiras; que essas verdades no podem deixar de ser. O abstrato, o infinito pertencem a essa classe. Para compelir outras mentes a aceitar essa classe de verdades, s precisamos elaborar uma declarao to perspicaz para elas, que possam ser percebidas e compreendidas com clareza. Feito isso, todas as mentes ss as confirmam irresistivelmente, quer o corao seja, quer no honesto o bastante para admitir a convico. 3. Uma terceira classe de verdades que no exigem prova so verdades de intuio racional, mas no possuem os atributos de universalidade e necessidade. Nossa existncia, personalidade, identidade pessoal, etc, pertencem a essa classe. Essas verdades so intudas pela razo, so manifestas e certas, como tais, na conscincia; so conhecidas da prpria pessoa, sem 34
  35. 35. provas, e no se pode duvidar delas. Elas so primeiro desenvolvidas pela sensao, mas no inferidas dela. Suponham uma sensao a ser percebida pelos sentidos; tudo o que se poderia inferir logicamente disso que existe algum recipiente dessa sensao, mas que eu existo e sou o recipiente dessa sensao, no surge logicamente. A sensao primeiro desperta a mente conscincia do eu; ou seja, uma sensao de algum tipo primeiro desperta a ateno da mente para os fatos da prpria existncia dela e da identidade pessoal. Essas verdades so percebidas e confirmadas diretamente. A mente no diz, sinto, ou penso, logo existo, pois isso um mero sofisma; isso pressupor a existncia do eu como o recipiente do sentimento e depois inferir a existncia do eu a partir do sentimento ou sensao. 4. Uma quarta classe de verdades que no exigem prova so as sensaes. J se observou que todas as sensaes dadas pela conscincia so manifestas para quem as sente. Se atribuo ou no minhas sensaes verdadeira causa delas possvel discutir, mas no se pode duvidar que a sensao real. O testemunho dos sentidos vlido quanto ao que eles contemplam ou intuem de forma direta, ou seja, quanto realidade da sensao. O julgamento pode enganar-se, atribuindo a sensao a uma causa errada. Mas no devo prosseguir com esse discurso; meu objetivo no entrar em muitos detalhes em distines metafsicas sutis, nem, de maneira alguma, esgotar o assunto desta aula, mas s fixar a ateno nas distines em que venho insistindo com o propsito de evitar todas as discusses irrelevantes e absurdas acerca da validade das verdades primeiras e manifestas. Devo pressupor que vocs possuem algum conhecimento de psicologia e filosofia mental, e deixo a seu critrio um exame mais completo e extenso do assunto s insinuado nesta preleo. O suficiente, creio, foi dito a fim de preparar a mente de vocs para a instruo dos grandes e fundamentais axiomas que se colocam no fundamento de todas as nossas idias de moralidade e religio. Nossa prxima aula apresentar a natureza e os atributos da lei moral. Prosseguiremos luz das afirmaes a priori da razo, ao postular sua natureza e atributos. Tendo chegado a um terreno firme quanto a esses pontos, devemos ser naturalmente conduzidos pela razo e pela revelao a nossas concluses ltimas. 35
  36. 36. AULA 2 GOVERNO MORAL A lei, num sentido do termo suficientemente popular e tambm cientfico para meus propsitos, uma regra de ao. Em seu significado genrico, aplicvel a todo tipo de ao, seja material, seja mental seja inteligente, seja no inteligente seja livre, seja necessria. Lei fsica um termo que representa a ordem de seqncia em todas as mudanas que ocorrem sob a lei da necessidade, quer na matria, quer na mente. Ou seja, todas as mudanas de estado ou de ao que no consistem nos estados ou aes de livre-arbtrio. A lei fsica a lei do universo material. tambm a lei da mente, desde que os estados e as mudanas sejam involuntrios. Todos os estados ou atos mentais que no sejam atos livres e soberanos da vontade devem ocorrer sob a lei fsica e ser sujeitos a ela. No se pode ser responsvel por eles, a menos que sejam atribudos lei da necessidade ou imposio. A lei moral uma regra de ao moral com sanes. E aquela regra a que os agentes morais precisam conformar todos os atos voluntrios, sendo reforada por sanes equivalentes ao valor do preceito. a regra que governa a ao livre e inteligente, em contraposio lei da necessidade de motivaes e livre escolha em oposio a uma ao necessria e no inteligente. a lei da liberdade, em contraste com a lei da necessidade de motivao e livre escolha, em oposio imposio de todo tipo. A lei moral primeiramente uma norma para regular todas aqueles atos e estados da mente e do corpo que se seguem aos atos livres da lei por uma lei da necessidade. Assim, a lei moral controla estados mentais involuntrios e atos exteriores s pelo ato de assegurar a conformidade das aes do livre-arbtrio com seu preceito. 36
  37. 37. Os atributos essenciais da lei moral 1. Subjetividade. Ela e deve ser uma idia de razo desenvolvida na mente do indivduo. uma idia ou concepo daquele estado de vontade, ou curso de ao, que est obrigatoriamente num agente moral. Ningum pode ser um agente moral, ou sujeitado lei moral, a menos que tenha essa idia desenvolvida; pois essa idia idntica lei. a lei desenvolvida ou revelada dentro dele mesmo, e assim ele se torna "lei para si mesmo", sua nica razo para reafirmar sua obrigao de conformar-se com essa idia. 2. Objetividade. A lei moral pode ser considerada uma regra de obrigao, prescrita pelo Legislador supremo e externa ao eu. Quando assim considerada, objetiva. 3. Liberdade em contraposio a necessidade. O preceito deve permanecer desenvolvido na mente, como uma regra de obrigao uma lei de obrigao moral uma regra de opo ou de inteno ltima, declarando aquilo que um agente moral deve escolher, desejar, pretender. Mas isso no possui, nem deve possuir, o atributo de necessidade em suas relaes. No deve, no pode, possuir qualquer elemento ou atributo de imposio, em algum sentido que traduza conformao inevitvel da vontade com seu preceito. Isso confundiria com a lei fsica. 4. Adequao. Deve ser uma lei da natureza, ou seja, seus preceitos devem prescrever e requerer s os atos da vontade cabveis natureza e relaes de seres morais, nada mais nem menos; ou seja, tendo por base o valor intrnseco do bem-estar de Deus e do universo, e por condio da obrigao da natureza e as relaes dos seres morais, a razo confirma necessariamente, em seguida, a correo e adequao intrnseca de escolher esse bem e de consagrar todo o ser sua promoo. isso que se entende por lei da natureza. E a lei ou regra de ao imposta a ns por Deus na natureza e pela natureza que ele nos deu. 5. Universalidade. Sendo iguais as condies e circunstncias, ela exige, e precisa exigir, o mesmo de todos os agentes morais, no importa o mundo em que se encontrem. 6. Imparcialidade. A lei moral no distingue pessoas no privilegia classes. Ela exige o mesmo de todos, sem nenhuma ressalva, exceto o fato de serem agentes morais. Com isso no se quer dizer que o mesmo curso de ao externo seja exigido de todos; mas o mesmo estado de alma em todos que todos tenham uma inteno maior que todos devotem-se a um fim que todos conformem-se inteiramente, de corao e vida, sua natureza e relaes. 7. Praticabilidade. A exigncia do preceito deve ser possvel para o indivduo. Aquilo que exige uma impossibilidade natural no nem pode ser uma lei moral. A verdadeira definio de lei exclui a suposio de que possa, sob alguma circunstncia, exigir uma impossibilidade absoluta. Tal exigncia no estaria de acordo com a natureza e as relaes dos agentes morais e, portanto, a praticabilidade deve sempre ser um atributo da lei moral. Falar da incapacidade de obedecer lei moral falar um absurdo. 8. Independncia. uma idia eterna e necessria da razo divina. 37
  38. 38. a regra eterna, autnoma da conduta divina, a lei que a inteligncia de Deus prescreve para si mesmo. A lei moral, como veremos melhor daqui em diante, no se origina, e no pode originar-se, na vontade de Deus. Ela existe eternamente na razo divina. E a idia daquele estado de vontade que permanece obrigatoriamente em Deus, sob condio de seus atributos naturais ou, em outras palavras, sob condio de sua natureza. Como lei, inteiramente independente da vontade de Deus, exatamente como a prpria existncia dele. Ela obrigatria tambm a todos os agentes morais, inteiramente independente da vontade de Deus. Dadas suas natureza e relaes e sendo desenvolvida sua inteligncia, a lei moral deve ser obrigatria a eles e no cabe a nenhum ser optar por outro caminho. Dadas suas natureza e relaes, seguir um curso de conduta adequado sua natureza e relaes necessrio e manifestamente obrigatrio, parte da vontade de qualquer ser. 9. Imutabilidade. A lei moral jamais pode mudar ou ser mudada. Ela sempre exige de todo agente moral um estado de alma e, claro, de conduta, precisamente adequado sua natureza, e relaes. Qualquer que seja sua natureza, quaisquer que sejam sua capacidade e relaes, requer-se dele, a todo momento, nada mais nada menos que inteira conformidade com essa natureza, essa capacidade e relaes, desde que seja capaz de compreend- las. Aumentando-se a capacidade, o indivduo no com isso considerado capaz de obras de super-rogao fazer mais do que exige a lei; pois a lei ainda requer, como sempre, a plena consagrao de todo seu ser aos interesses pblicos. Se por algum meio, qualquer que seja, sua capacidade reduzida, a lei moral, sempre e necessariamente coerente consigo mesma, ainda requer o que resta nada mais nem menos deve ser consagrado aos mesmos fins que antes. Qualquer coisa que exija conformidade mais ou menos completa, universal e constante do corao e da vida natureza, capacidade e relaes de agentes morais, seja qual for, no e no pode ser lei moral. Se, portanto, a capacidade diminuda de algum modo, o indivduo no se torna com isso incapaz de prestar plena obedincia; pois a lei ainda exige e insta que o corao e a vida estejam plenamente conformados com a natureza, capacidade e relaes existentes e presentes. Qualquer coisa que requeira mais ou menos que isso no pode ser lei moral. A lei moral invariavelmente fala uma lngua. Ela jamais muda suas exigncias. "Amars" (Dt 6.5) ou sers perfeitamente benevolente sua demanda uniforme e nica. Essa demanda jamais varia e jamais pode variar. Ela to imutvel quanto Deus, e pela mesma razo. Falar de abrandamento ou alterao da lei moral falar absurdo. Isso naturalmente impossvel. Nenhum ser possui o direito ou o poder de faz- lo. A suposio desconsidera a prpria natureza da lei moral. A lei moral no um estatuto, um decreto, que tenha sua origem ou fundamento na vontade de algum ser. a lei da natureza, a lei que a natureza ou constituio de todo agente moral impe a si prprio e que Deus nos impe porque inteiramente adequada a nossa natureza e relaes, sendo, portanto, naturalmente obrigatria para ns. demanda inaltervel da razo que todo o ser, o que quer que exista dele em qualquer tempo, deve 38
  39. 39. ser inteiramente dedicado ao mximo bem do ser universal, e por esse motivo Deus exige isso de ns, com todo o peso de sua autoridade. 10. Unidade. A lei moral prope um nico fim maior a ser buscado para Deus e para todos os agentes morais. Todas as suas exigncias, em seu esprito, resumem-se e expressam-se em uma palavra: amor ou benevolncia. Anuncio aqui s isso. Aparecer de maneira mais completa daqui em diante. A lei moral uma idia pura e simples da razo. a idia da consagrao perfeita, universal e constante de todo o ser para o mximo bem do ser. S isso , e nada mais nem menos pode ser, lei moral; pois s isso, e nada mais nem menos, um estado do corao e um curso de vida exatamente adequado natureza e relaes de agentes morais, a nica definio verdadeira de lei moral. 11. Convenincia. Aquilo que mais sbio no todo conveniente. Aquilo que conveniente no todo exigido pela lei moral. A verdadeira convenincia e o esprito da lei moral so sempre idnticos. A convenincia pode no estar em harmonia com a letra, mas isso nunca ocorre com o esprito da lei moral. Alei na forma de mandamento uma revelao ou declarao daquele caminho que conveniente. convenincia revelada, como no caso do declogo, e o mesmo verdade quanto a todos os preceitos da Bblia; ela nos revela o que conveniente. Uma lei ou um mandamento revelado jamais deve ser desconsiderado por nossa opinio de convenincia. Podemos saber com certeza que o que exigido conveniente. O mandamento o julgamento expresso de Deus no caso e revela com certeza inerrante o verdadeiro caminho da convenincia. Quando Paulo diz: "Todas as coisas me so lcitas, mas nem todas as coisas convm" (1 Co 6.12), preciso que no o entendamos como se quisesse dizer que todas as coisas, no sentido absoluto, fossem lcitas para ele, ou que algo no conveniente fosse lcito para ele. Mas sem dvida ele queria dizer que muitas coisas inconvenientes no eram expressamente proibidas pela letra da lei; que o esprito da lei proibia muitas coisas no proibidas expressamente pela letra. No se deve esquecer jamais que o que simplesmente se exige para o mximo bem do universo lei. E conveniente. sbio. O verdadeiro esprito da lei moral exige isso e precisa exigi-lo. Assim, por outro lado, tudo o que simplesmente inconsistente com o bem mximo do universo ilegal, insensato, inconveniente e deve ser proibido pelo esprito da lei moral. Mas vamos repetir o pensamento: os preceitos da Bblia sempre revelam o que conveniente de verdade, e em hiptese alguma temos liberdade de pr de lado o esprito de algum mandamento na suposio de que a convenincia o exige. Alguns condenam totalmente a doutrina da convenincia, como se fosse sempre contra a lei de direito. Trs filsofos elaboraram sobre a pressuposio de que a lei de direito e a lei da benevolncia no so idnticas, mas inconsistentes entre si. Trata-se de erro comum, mas fundamental, o que me leva a observar que: A lei prope o mximo bem do ser universal como fim e requer que todos os agentes morais consagrem-se promoo desse fim. Por conseguinte, a convenincia deve ser um de seus atributos. Aquilo que ocupa, no geral, o mais alto grau de utilidade para o universo deve ser exigido pela lei moral. 39
  40. 40. A lei moral deve, pela prpria natureza dela, requerer s aquele curso de vontade e ao que ocupa no todo o mais alto grau de utilidade e, por conseguinte, de convenincia. E estranho e absurdo que se tenha defendido que o direito seria obrigatrio se necessariamente tendesse para desgraa universal e perfeita ou nela resultasse. Jamais se fez afirmao mais disparatada. A afirmao pressupe que a lei de direito e a boa vontade no s so distintas, como podem ser antagnicas. Tambm pressupe que pode haver leis no adequadas natureza e relaes de agentes morais. Com certeza no se pretende que o curso de ao e de vontade que necessariamente tenda para a desgraa universal e nela resulte possa ser coerente com a natureza e relaes de agentes morais. Nada que no promova no todo o mximo bem-estar deles ou pode ser adequado sua natureza e relaes. A convenincia e o direito esto sempre e necessariamente juntos. Jamais podem ser discrepantes. Aquilo que no todo mais conveniente direito; e o que direito conveniente no todo. 12. Exclusividade. A lei moral a nica regra possvel de obrigao moral. Faz-se em geral distino entre leis morais, cerimoniais, civis e impostas. Essa distino conveniente em alguns aspectos, mas pode confundir, criando a impresso de que algo pode ser obrigatrio, em outras palavras, pode ser lei, sem possuir os atributos da lei moral. Nada pode ser lei, no devido sentido do termo, se no for universalmente obrigatrio a todos os agentes morais sob as mesmas circunstncias. E lei porque, e s porque, sob todas as circunstncias do caso, o curso prescrito adequado, apropriado, conveniente sua natureza, relaes e circunstncias. No pode haver outra regra de ao para agentes morais, a no ser a lei moral ou a lei da benevolncia. Todas as outras regras so absolutamente excludas pela prpria natureza da lei moral. Com certeza no pode haver lei que seja ou possa ser obriga