Teologia dos Sacramentos
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TEOLOGIA DOS SACRAMENTOSPrograma do curso.
DOUTRINA GERAL DOS SACRAMENTOSOs sacramentos do Novo Testamento,
institudos pelo Cristo Senhor e confiados Igreja, como aes de
Cristo e da Igreja, constituem sinais e meios pelos quais se
exprime e se robustece a f, se presta culto a Deus e se realiza a
santificao dos homens; por isso, muito concorrem para criar,
fortalecer e manifestar a comunho eclesial; em vista disso, os
ministros sagrados e os outros fiis, em sua celebrao, devem usar de
suma venerao e devida diligncia.Celebrados dignamente na f, os
sacramentos conferem a graa que significam. So eficazes porque
neles agem o prprio Cristo; ele quem batiza, ele quem atua nos
sacramentos, a fim de comunicar a graa significada pelo sacramento
[...] (Cat, 1127). Introduo.
1.1. Lugar.Sacramentos so manifestaes da vida da Igreja. Por
essa razo so tratados em conexo com a eclesiologia. Nela se falou
das trs manifestaes bsicas: martyra, leitourga e diakona.
Sacramentos fazem parte da rea da leitourga.1.2. A problemtica de
hoje.
H vrios decnios vem diminuindo continuamente a participao de
cristos catlicos nos sacramentos em vrios pases do mundo. Acaso
revela-se nisso, ao lado de outras razes, tambm uma crescente
incompreenso? Por outro lado, desenvolveu-se nos ltimos anos uma
nova compreenso para atos simblicos, para a linguagem dos gestos,
um novo interesse pelo tema smbolo. Estaramos diante a diante de
uma nova chance para a compreenso de liturgia do sacramento? Podem
princpios teolgicos correspondentes, que desenvolvem a teologia do
sacramento a partir do smbolo, ser conciliados com a tradio?Na
conscincia de f hodierna a pergunta pela salvao se deslocou: em
primeiro plano est menos a preocupao com o futuro depois da morte,
e, sim, mais a preocupao com um vida bem-sucedida e com o rumo a
ser dado histria da humanidade. Essa mudana tambm tange a
compreenso dos sacramentos, especialmente l onde, at agora, foram
entendidos precipuamente como meio para garantir a salvao no alm. A
pergunta se impe com fora tanto maior quanto maior a clareza com
que se v o elemento socioprtico da f: Se evangelizao significa um
convite para uma vida engajada em favor dos outros, os sacramentos
perdem seu significado? Acaso, na colocao de seus objetivos,
pastoral e misso so colocados diante da alternativa:
sacramentalizar ou evangelizar? Ou seria possvel mostrar uma
inter-relao entre celebrao litrgica e prtica de vida formadora de
histria?No dilogo ecumnico se tornou mais aguda a pergunta pela
forma de ao dos sacramentos: Como se pode falar de sua eficincia
sem que surja a impresso de um pensamento mgico? Acaso a confiana
no poder dos sacramentos se ope convico de que somente a graa de
Deus aceita na f justifica? Estaria a Igreja se interpondo como
mediadora da salvao entre Deus e os homens? Isso implicaria a reduo
do conceito de Cristo como nico mediador? Certamente est superada
(ao menos teoricamente) a contraposio esquematizante de que a
Igreja evanglica seria a Igreja da Palavra, e a Igreja catlica, a
Igreja dos sacramentos. Como, porm, se deve definir com mais
exatido a relao de Palavra e Sacramento?1.3. Conceitos.
Com o vocbulo latino sacramentum se reproduz, com freqncia,
desde as antigas tradues latinas da Bblia, o vocbulo grego . Para a
Doutrina geral dos Sacramentos, resulta a pergunta pelos critrios
segundo os quais deve fazer o levantamento dos enunciados bblicos e
do desenvolvimento histrico e apresent-los.1.4. Conseqncias para o
mtodo.
Para a apresentao dos dados bblicos e da Igreja antiga
encetaremos, dois caminhos na DGS: 1. esboaremos a histria dos
significados das palavras e sacramentum e, 2. tentaremos descobrir
um pensamento sacramental tambm fora dessa terminologia, isto ,
testemunhos de corporificao em sinais da salvfica proximidade de
Deus e da f que responde a essa proximidade. Nisso, porm, se
evidencia imediatamente que a atua certa pr-compreenso de
sacramento como interesse orientador do conhecimento.2. FUNDAMENTOS
BBLICOS2.1. O termo .O emprego neotestamentrio do termo mystrion
deve ser visto sobre o fundo de seu emprego na cultura grega e na
apocalptica. No grego, tem a ver, antes de mais, com o culto. O
radical significa o fechar dos olhos ou da boca: reao a uma
experincia que foge do pensamento discursivo, que no se pode
formular em palavras. A pessoa iniciada no culto (o mstico) no
participa do evento sagrado de modo intelectivo-racional (...),
mais atingido numa camada de experincia mais profunda. Por isso o
contedo do culto e do prprio evento cltico chamado de . Para nosso
contexto interessam dos aspectos: (1) Um dos mistrios centrais do
culto de mistrios a ligao de vida de morte, muitas vezes a vida a
ser conquistada por meio da passagem pela morte; (2) o mistrio no
concedido por meio de ensinamento racional, e, sim, por meio de
experincia; por isso somente a pessoa engajada no culto pode
experiment-lo. Somente por meio da prtica de manter os cultos de
mistrio em segredo a palavra adquire um significado mais restrito,
que, muitas vezes, tambm associado ao termo alemo Geheimnis
(segredo): o que silenciado. O significado bsico, porm mais amplo:
com mistrio se expressa uma realidade e uma participao nessa
realidade, que transcendem a linguagem e o discurso racional.Na
apocalptica fala-se de uma variedade de mistrios. Eles so a origem
da realidade oculta, transcendente a tudo que e acontece,
especialmente daquilo que ser revelado no fim do tempo, o plano
divino dos acontecimentos histricos futuros, revelado a
determinados videntes em experincias extraordinrias (arrebatamento,
sonho, viso), ao qual tambm eles, por sua vez, so capazes de
transmitir somente em figuras. Aqui o conceito recebe uma colorao
fortemente apocalptica.De modo semelhante tambm deve ser entendida
a palavra em algumas passagens neotestamentrias. Assim, por
exemplo, o poder escatolgico da ilegalidade (2Ts 2,7), a
transformao dos seres humanos por ocasio da parusia de Cristo (1Cor
15,51), a futura histria de Israel (Rm 11,25s) so chamados de
mistrio.Para o uso lingstico do NT a concentrao no evento crstico.
A vs foi confiado o mistrio do reino de Deus (Mc 4,11). O reino de
Deus que irrompe na atuao de Jesus eis o mistrio em si. Ele dado
queles que seguem a Jesus. Paulo coloca o acento cristolgico de
modo ainda mais expresso. Ele no pretende anunciar outra coisa seno
a Jesus Cristo, o Crucificado, o que se tornou Senhor da glria e o
chama de o mistrio da sabedoria oculta de Deus (1Cor 2,2.7-8). O
mistrio divino, que Cristo, diz Cl 2,2, de modo convincente. Paulo
associa esse mistrio comunidade na qual Cristo anunciado. Este o
mistrio de Deus entre os povos: Cristo em (no meio) de vs (, Cl
1,27). De modo semelhante, Ef une Cristo e a comunidade: o fato de
os gentios serem co-herdeiros, de pertencerem ao mesmo corpo o
mistrio de Cristo (gen. caracterizante = o mistrio que Cristo, Ef
3,4-6). A relao em amor, santificadora e purificadora de Cristo com
a Igreja, comparvel ao amor entre homem e mulher, ele denomina de
grande mistrio (Ef 5,32). Assim resulta uma linha de pensamentos: o
mistrio de Deus Jesus Cristo esse mistrio se torna presente na
comunidade em que Jesus Cristo anunciado.Em parte alguma do NT o
vocbulo relacionado a atos litrgicos. No obstante, as referncias
acima expostas so importantes para a doutrina dos sacramentos. Com
o auxlio de mistrio pode-se descrever a relao dos sacramentos com o
evento crstico e com o mistrio de sua presena na Igreja.2.2.
Pensamento sacramental: a corporalidade da histria salvfica.
Com pensamento sacramental quer-se expressar a convico de que a
histria de Deus com os homens acontece em eventos, em atos e
encontros historicamente constatveis: esse se tornam sinais da
proximidade de Deus. Neles Deus se mostra: aos homens, e neles se
aproxima deles, transformando-os.A dupla estrutura (mostrar-se
dar-se) tambm determina o conceito da revelao como autocomunicao:
Deus se doa a si mesmo e mostra, desse modo, como ele : pensamento
sacramental significa: Deus se comunica aos homens corporalmente,
se torna experimentvel corporalmente. Todavia o fato de ser
realmente Deus que age e experimentado no se pode comprovar
independentemente da f; pois da experincia sempre faz parte no
apenas o evento, mas tambm sua interpretao. Pensamento sacramental
o contrrio de pensamento mtico, no qual eventos histricos no tm
importncia, porque o divino se d a entender atemporalmente, e do
pensamento contemplativo, no qual encontros corporais no tem
importncia, porque a comunicao com o divino acontece exclusivamente
no interior do indivduo. Toda tradio bblica est fortemente
impregnada do pensamento sacramental.2.2.1. No Antigo Testamento.Um
sinal central do AT o xodo do Egito. Um evento historicamente
constatvel (a fuga bem-sucedida, a travessia do mar, a constituio
de Israel em povo) se torna uma decisiva experincia de Deus para
Israel: Deus acolhe Israel, liberta, salva e se revela nesse evento
como Ihwh, Libertador, Salvador, Deus forte e confivel. A festa
anual do pesaH sempre coloca essa experincia na atualidade. Ele ,
de certo modo, o sinal do sinal: a reiterada narrativa e a repetio
no drama ritual lembram o incio da histria com Ihwh, e justamente
assim essa histria se torna novamente realidade para Israel.Sinal
realizador da dispensao de Deus sobremodo a Torah. Nela se revela a
eleio de Israel, com ela Deus possibilita vida bem-sucedida para
seu povo na Terra Prometida. Ela no uma palavra vazia, que fosse
sem importncia para vs, e, sim, [ela] vossa vida (Dt 32,47;
4,32-40). A Torah lida no culto (Dt 31,10), o sbio a recita para si
dia e noite (Sl 1,2), em tempos ps-exlicos, Israel celebra a Torah
anualmente na festa da alegria da Torah, por ocasio da qual os
rolos so tirados do armrio e so conduzidos em alegre procisso, e
recolocados em seu lugar.Estrutura sacramental possuem igualmente
os gestos simblicos dos profetas. Elias lana seu manto sobre Eliseu
(torna-se seu discpulo, 1Rs 19,19-21); Osias casa-se com uma
meretriz, retrata a atitude de Deus com seu povo rebelde (Os 3,1-5;
1,2-9); Jeremias compra um campo, e assim prenuncia um futuro no
qual se poder novamente casas, campos e vinhas (Jr 32,6-15). Entre
o gesto simblico e a realidade que se quer expressar existe, desse
modo, um elo de ligao sacramental. O gesto proftico no apenas um
meio de expresso, mas ao carregada de acontecimentos; no apenas um
sinal expresso, e, sim, um ato eficiente.Toda a histria de Israel
tem carter simblico. Nos processos polticos de sada da escravido,
instituio da Lei, tomada da terra e retorno do exlio desenvolve-se
uma histria com Deus que liberta, institui uma ordem de vida, d a
terra, perdoa e possibilita um recomeo. Em sentido mais amplo,
inclusive toda a terra criada pode ser entendida como sinal de
Deus, e em especial do homem, criado imagem de Deus (Gn 1,26s). Na
criao Deus revela e realiza sua benevolncia.No Novo Testamento.O NT
fala do mundo em ambigidade. O eterno poder e divindade de Deus
pode ser reconhecido a partir do mundo criado (Rm 1,20); as aves do
cu e as flores do campo falam do cuidado previdente de Deus (Mt
6,25-34); mas o gemido da criao fala de sua escravatura e perdio, o
mundo encontra-se em dores de parto at o dia presente, ele ainda
tem que ser libertado (Rm 8,21s), transformado em novo cu e nova
terra (2Pd 3,13; AP 21,1; cf. Is 51,6; 65,17; 66,22).O sinal
inequvoco de Deus no NT Jesus Cristo. De suas palavras e obras se
pode deduzir o que Deus faz no homem. Por isso os sinticos
descrevem com expressiva plasticidade determinados atos de Jesus:
ele toca o leproso (Mc 1,41), no culto da sinagoga traz o homem
deficiente fsico para o meio (Mc 3,3), leva o surdo-mudo parte,
afastado da multido, coloca-lhe os dedos nos ouvidos, toca a lngua
do homem com saliva (Mc 7,33), coloca as mos nas costas da mulher
encurvada (Lc 13,13): desse modo corporal-concreto Deus se volta
para os homens. A comunho de mesa de Jesus, especialmente com os
publicanos e pecadores, entendida como sinal de solidariedade,
criticada por sua vez pelos escribas e fariseus (Mc 2,15s; Lc 15,2)
e interpretada pelo prprio Jesus como sinal de solidarizao de Deus
(Mc 2,17; Lc 15,3-32). Nesses sinais, porm, a proximidade de
libertao, cura, perdo e congregao realizadas por Deus no apenas
representada, nelas ela acontece: Se pelo dedo de Deus expulso os
demnios, certamente o reino de Deus j chegou a vs (Lc 11,20).O
Evangelho segundo Joo denomina os grandes feitos de Deus
freqentemente de sinais (, Jo 2,11.23; 3,2; 4,54; 20,30 etc.) e
ainda vai mais uma vez alm do conceito de sinal das narrativas de
milagres dos sinticos: o prprio Jesus o grande sinal de Deus.
Jamais algum viu a Deus. O nico, que Deus e descansa no seio do
Pai, o revelou (Jo 1,18). No homem Jesus Deus se corporificou: (Jo
1,14).Entre os discpulos da comunidade ps-pascal os sinais
continuam: Em meu nome expulsaro demnios, [...] e os enfermos aos
quais impuserem as mos sero curados (Mc 16,17s; v. 20). At
evidencia a inter-relao dessas coisas por meio de um sinal
lingstico: por meio de milagres e sinais Deus aprovou a Jesus (At
2,22), e agora acontecem milagres e sinais por meio das mos dos
apstolos (At 5,12; cf. 2,43; 8,13; 14,3; 15,12). No entanto, o
Senhor mesmo que faz os milagres e sinais por meio deles (At
14,3).Assim, o resultado do levantamento semelhante ao encontrado
em relao ao emprego da palavra no NT. Assim como Jesus Cristo o
mistrio de Deus por excelncia e assim como esse mistrio se torna
presente na comunidade, assim Jesus Cristo o sinal realizador de
Deus por excelncia, e a comunidade se torna sinal porque e na
medida em que nela atua o Jesus ressurreto. Alguns procedimentos da
comunidade finalmente se tornam sinais, porque e na medida em que a
comunidade anuncia neles a Jesus e o experimenta como presente.3.
ABORDAGEM HISTRICO-DOGMTICA3.1. Igreja antiga.1.1. Histria dos
conceitos.
A partir do sculo II, fundem-se os conceitos e sacramentum na
teologia ocidental.1.2. .
Os telogos da Igreja antiga empregam a palavra em amplitude de
significado semelhante como o faz o NT. Em decorrncia da discusso
com a gnose e cultos de mistrio, porm, fazem mais outra associao: s
doutrinas ocultas dos gnsticos e aos cultos pagos, denominados
mistrios, os apologetas, especialmente os alexandrinos Clemente (+
antes de 215) e Orgenes (+254), contrapem os contedos da f crist
como os verdadeiros mistrios. Disso resultam duas mudanas
essenciais em relao ao NT: 1) contrariando a concentrao paulina no
nico mistrio, que Cristo, fala-se agora em mistrios no plural; 2)
agora tambm os ofcios litrgicos passam a ser chamados de
mistrios.1.3. Sacramentum.O significado bsico do radical latino
sacr designa a esfera do sagrado, religioso; sacrare significa:
destinar algo ou algum esfera do sagrado, consagrar; sacramentum
tanto o ato de consagrao como tambm o meio consagrador. No uso
lingstico concreto da Antiguidade latina, o vocbulo tem colorido
acentuadamente jurdico: so denominados sacramentum o juramento no
processo civil, o juramento bandeira no exrcito e a quantia de
dinheiro em que os partidos em litgio tinham que depositar como
cauo no processo. Em ambos os trs casos, o aspecto jurdico tem
conotao religiosa: juramento e juramento bandeira entregam a pessoa
ao juzo da divindade, a cauo processual a um santurio no caso de
uma derrota.1.4. Sacramentum como traduo do .
As primeiras tradues latinas da Bblia procedem de modo diverso
com o termo grego : as verses surgidas na Itlia preferem o termo
mystrion, entre as quais, a Vulgata; as tradues de origem africana,
porm, usam sacramentum. Inclusive Tertuliano aplica o vocbulo
sacramentum tambm ao Batismo. A comparao com o juramento bandeira
(como rito de ingresso no servio militar) lhe parece bem um acesso
aproveitvel para a compreenso do Batismo com iniciao ao
cristianismo; tambm chama a Eucaristia de sacramento. Com isso esto
colocadas linhas decisivas para o uso lingstico futuro na Igreja
Latina.Entretanto, a palavra sacramentum preserva ainda, semelhana
de , seu significado amplo: em Tertuliano (+220) e no perodo depois
dele, no somente Batismo e Eucaristia so chamados de sacramenta,
mas tambm os planos salvficos de Deus e os eventos da histria
salvfica vtero e neotestamentria, especialmente a humanizao, morte
e ressurreio de Jesus, os artigos da doutrina de f, os diversos
ritos eclesisticos, o juramento, as alegorias bblicas; inclusive
toda a religio crist chamada de sacramentum.Agostinho usa as
palavras sacramentum e como sinnimos. Em sua acepo, sacramentum ou
significa, em sentido mais amplo, todo fato perceptvel pelos
sentidos, cujo significado no se esgota em ser aquilo que aparenta
ser imediatamente, mas que, alm disso, aponta para uma realidade
espiritual. Entre eles contam os sacramentos de Israel (circunciso,
sacrifcios, festa da pscoa, a uno dos sacerdotes e dos reis etc.),
bem como todas as cerimnias da Nova Aliana. O sacramento mximo,
para o qual convergem todos os demais, a encarnao de Deus em Jesus
Cristo. Ao lado dessa concepo, encontra-se, em Agostinho, ainda
outra, mais restrita: pelo menos um tero do emprego da palavra
sacramentum se refere ao Batismo e Eucaristia.2. REFLEXO TEOLGICAO
amplo aspecto de significado sugere procurar a reflexo teolgica dos
Padres da Igreja no tanto na discusso do conceito sacramentum, e,
sim, na anlise de alguns sacramentos separadamente, principalmente
Batismo e Eucaristia, por serem testemunhados
preferencialmente.2.1. Padres gregos.
O pensamento da maioria dos Padres gregos se move no horizonte
de compreenso do smbolo real. Ser humano e mundo so interpretados
de tal maneira que uma realidade smbolo de outra realidade, de uma
realidade superior, no entanto, no smbolo apenas no sentido de se
enxergar uma semelhana e estabelecer uma relao, mas smbolo no
sentido de a realidade superior se expressar na inferior, de estar
nela e atuar por meio dela, ainda que numa forma deficiente,
atenuada. O pano de fundo desse horizonte de compreenso formado
pelo pensamento platnico em termos de imagem original e
imagem-cpia: a imagem original se mostra na cpia, ela est presente
na cpia, ainda que de modo mais fraco quanto essncia.O pensamento
em termos de imagem simblico-real determina tambm a interpretao da
Eucaristia. Como na figura se torna presente o que figurado, assim
Cristo se torna presente na eucaristia. Esta denominada de figura
(), imagem (,), semelhana (), smbolo () do Senhor exaltado. Com
isso no se tem em mente apenas uma figura esttica, mas tambm um
evento figurativo-realizador, de modo que se pode falar, conforme a
compreenso dos patrsticos gregos, no apenas de uma presena real,
mas tambm de uma presena atual de Cristo. No evento
figurativo-ilustrativo da celebrao eucarstica os celebrantes so
envolvidos na histria de Jesus Cristo; ele prprio se comunica nesse
evento figurativo. Quem se envolve com a figura, envolve-se com
aquele que figurado.Pensamento semelhante se expressa por meio do
conceito da imitao (). Originalmente (p. ex., Incio de Antioquia [+
c. 117]) empregado para designao de toda a existncia crist imitao
no sentido de discipulado , no decorrer do tempo esse conceito mais
associado liturgia. Assim, por exemplo, as Catequeses mistaggicas
de Jerusalm (atribudas ao bispo Cirilo de Jerusalm, + 386)
interpretam os ritos batismais como imagens e imitaes de paixo,
morte e ressurreio de Cristo: no gesto de despirem as roupas antes
do banho batismal, os batizados imitam a Cristo, que foi despido na
cruz; na tripla imerso seu morrer e os trs dias e as trs noites em
que permaneceu no seio da terra. Imitao significa aqui, repetio
dramtica com forte cunho de experincia na liturgia, por meio da
qual os batizados tm parte na histria de Cristo, conquistando desse
modo a salvao.A terminologia figurativa se encontra sobremodo,
entre os Padres gregos; entretanto, ela no se restringe Igreja
Oriental. Assim se l, p. ex., na tradio latina do texto (sc. IV) da
ordem eclesistica (originalmente grega) de Hiplito (c. 215), que o
bispo recita a orao de agradecimento sobre o po para que ele se
torne exemplum, quod dicit graecus antitypum do corpo de Cristo, e
sobre o clice com vinho, para que se torne antitypus, similitudo do
sangue de Cristo. Tambm da Igreja Oriental essa terminologia no era
consensual. Cirilo de Alexandria (+444) critica o vocbulo typos,
Teodoro de Mopsustia (+428), a palavra smbolo e Joo Damasceno (+ c.
749), a expresso figura, aparentemente porque tambm na Igreja
Grega, figura e smbolo nem sempre puderam ser entendidos no sentido
de smbolo real (real porque na figura), e, sim, tambm como aposto
realidade (no real, apenas como figura).2.2. Agostinho de
Hipona.
Grande influncia sobre a teologia ocidental do sacramento tem a
sua teoria dos sinais. Ele parte da distino entre res (coisa) e
signum (sinal). Segundo ele, coisas no verdadeiro sentido so as que
no existem para designar algo, mas representar a si mesmas, como
madeira, animal e semelhantes. Sinais, porm, sempre apontam para
algo diferente. Ao lado disso, existem tambm coisas que existem
entre si e que so, ao mesmo tempo, sinais para outras coisas.
Exemplos bblicos para isso so madeira que Moiss atirou na gua
amarga, para lhe retirar a amargura (Ex 15,25), e o animal que
Abrao sacrificou por seu filho (Gn 22,13). Dentre os sinais deve-se
distinguir os sinais naturais (signa naturalia) dos sinais dados
(signa data). Sinais naturais do a reconhecer uma coisa sem que
tenham a inteno, como p. ex., a fumaa aponta para a existncia de um
fogo e a expresso de rosto de uma pessoa entristecida revela seu
estado de esprito. Sinais dados, porm, como, por exemplo, um aceno
consciente com a cabea, um gesto intencional com a mo ou uma
sinalizao militar do estandarte, so dados intencionalmente, para
dar a conhecer algo. Entre esses figura, sobretudo, a palavra. Essa
tem uma primazia tal para Agostinho que chega a chamar todos os
demais sinais de, por assim dizer, palavras sensveis.Sacramentos so
sinais dados. So denominados sinais sagrados (signa sacra) porque
apontam para uma realidade sagrada. Por meio das coisas visveis a
pessoa crente conduzida s realidades invisveis. A gua do Batismo
toca a palavra, e que a gua seno simplesmente gua? A palavra se
agrega ao elemento e ele se torna sacramento. Assim o sacramento
como que uma palavra visvel. A elevada posio que compete palavra,
porm, no tem apenas fundamentao fenomenolgica (numa teoria geral
dos sinais), mas tambm teolgica: a palavra sacramental palavra de f
da Igreja, palavra extrada da Bblia, em ltima anlise, palavra de
Cristo. Da tem seu poder.Pela enftica distino de Agostinho entre
sinal e realidade e por meio de sua nfase na palavra em relao ao
sinal visvel a teologia ocidental recebe uma tnica diversa da
teologia oriental: em contraposio ao pensamento mais voltado para
figuras e mais real-simblico da Igreja Oriental, no Ocidente ganha
espao o pensamento mais analtico, determinado por palavra e
conceitos.3.2. Escolstica. 3.2.1. procura de uma definio.
O conceito de sacramento amplo da Igreja antiga, no definido com
preciso, vigora at o sculo XII. Na poca da pr-escolstica ainda
proliferam idias muito divergentes sobre o nmero dos sacramentos.
Os bispos Fulberto de Chartres (+1028) e Bruno de Wrzburg (+1153)
admitem somente dois: Batismo e Eucaristia, enquanto Bernardo de
Claraval (+1153) admitem dez (entre eles o lava-ps), e o cardeal
Pedro Damio (+1072) quer doze (inclusive a uno do rei). Outros se
movem entres essas grandezas. Somente o interesse sistematizante da
Escolstica primitiva surgem os primeiros tratados sobre os
sacramentos, e, com eles, tentativas de definio, bem como (por
volta da metade do sc. XII) a fixao em sete.Hugo de so Vitor
(+1141).Influente telogo da Escola Agostiniana dos Cnegos de Paris,
procura uma definio que vale somente para os sacramentos no sentido
mais restrito. O termo sinal lhe parece demasiadamente amplo:
sinais sinalizam, mas no so capazes de conceder o que sinalizado;
no sacramento, porm, no se trata apenas de sinalidade, e, sim,
tambm de eficcia. Os sacramentos contm a graa que sinalizam;
portanto no so apenas sinais, mas tambm vasos da graa. Na figura do
vaso tambm se expressa a compreenso teraputica da doutrina
sacramental da Escolstica: a graa sacramental entendida em grande
parte (ainda que no exclusivamente) como medicamento contra o
pecado e suas conseqncias, os sacramentos em si so algo como
recipientes do medicamento.Sua obra De sacramentis christianae um
exemplo tpico para a mudana que se d no uso lingstico. No ttulo,
sacramentum ainda tem o sentido de mistrio, contedo da f. Nela,
Hugo desenvolve, depois de tratar da criao, da f e dos sacramentos
da Antiga Aliana no primeiro livro, um tratado sistemtico sobre os
sacramentos no sentido mais restrito. Cuja definio Sacramento um
elemento material, apresentado exteriormente perceptvel aos
sentidos e que, em virtude de uma semelhana, representa
(repraesentans), em virtude da instituio (por Cristo), significa
(significans) e em virtude de uma consagrao santificadora, contm
(continens) uma graa espiritual invisvel.Pedro Lombardo (+1160),
cujo quatro Livros de Sentenas se tornaram leitura obrigatria para
todo telogo no sc. XIII, formula: Sacramentum [...] proprie
dicitur, quod ita signum est gratiae Dei [...], ut ipsius imaginem
gerat et causa existat. O termo imago (imagem) lembra a tradio da
Igreja antiga, e o vocbulo causa sinaliza o novo interesse: a
pergunta pela causalidade. Com isso est colocada a tarefa central
por cuja soluo se empenha a teologia sacramental da Escolstica:
como pode algo ser sinal de tal modo que simultaneamente retrata e
causa?3.2.2. Causa da graa.
O conceito causa, inicialmente, aceito com hesitao e empregado
em forma modificada. Falam contra ele a preocupao teolgica de que a
soberania de Deus sofreria restrio quando se fala de influncia
causal de sua graa, e o problema antropolgico: como coisas
materiais (os elementos do rito) poderiam atuar sobre algo
espiritual (a alma humana). Por isso a Summa Halensis (a obra
conjunta de telogos franciscanos primitivos, depois de 1235) ensina
um efeito dispositivo: o sacramento efetuaria certa disposio, ou
seja, um efeito na alma, que ainda no seria a prpria graa, mas
prepararia para a graa. Boaventura (+1274) rejeita expressamente a
idia de um princpio causal no sacramento; pois a graa seria
infundida unicamente por Deus, e Deus no teria vinculado seu poder
aos sacramentos (cf. Breviloquium). As palavras vaso e causa
deveriam ser entendidas somente no sentido de que, em virtude de
uma ordem divina, a graa teria que ser recebida nos sacramentos e
atravs deles. O fato de, desse modo, de fato acontecer cura no se
deve a uma fora prpria dos sacramentos, mas unicamente ordem de
Deus, ou, promessa divina, firmada como que por um pacto (ex quadam
pactione), de atuar por seu poder toda vez que o sacramento
recebido. (cf. Comentrio s Sentenas). Essa interpretao se denomina
de teoria do condicionamento, ou teoria do pacto na histria dos
dogmas.Toms de Aquino (+1274) no est satisfeito com a teoria do
pacto, preferida por Boaventura, pois desse modo os sacramentos no
seriam causas, e, sim, apenas condies da graa. Sua eficcia no seria
fundamentada objetivamente, mas puramente por decreto: os
sacramentos seriam comparveis a uma moeda de chumbo, que recebeu o
valor de cem libras apenas por decreto do rei, mas que, ao contrrio
do ouro autntico, em si no tem valor algum. Por isso Toms defende a
idia da causalidade instrumental: os sacramentos so instrumentos
(causa instrumentalis = causa instrumental) na mo de Deus. O prprio
Deus permanece sendo o verdadeiro sujeito do agir da graa; no
entanto, os sacramentos no so necessrios apenas em virtude de uma
ordem divina (que tambm poderia no ter sido dada), mas em virtude
da causa em si. Os sinais fsico-materiais so adequados so ser
humano fsico. Nesta viso positiva de matria e corporalidade se
evidencia a diferena em relao teologia franciscana contempornea,
que via o fato de ser o humano espiritual ter que envolver-se com
sinais materiais antes como prova de obedincia para humilhao do
esprito humano.Na verdade, ao menos no Comentrio s Sentenas, Toms
entende a instrumentalidade causal em sentido restrito: como causa
instrumentalis, o sacramento atua no que concerne ao efeito
sacramental intermedirio ( preparao da alma para a graa); quanto ao
ltimo efeito (da prpria graa), o sacramento atua somente de modo
dispositivo. Se essa associao restritiva de causalidade
instrumental e causalidade dispositiva vale tambm para a Summa
theologiae controvertida na pesquisa atual.3.2.3. Ex opere
operato.A convico de que a eficincia do sacramento no depende da f
pessoal do ministrante ou do recebedor, mas se fundamenta no agir
de Deus, expressa na Escolstica com a frmula que diz que os
sacramentos so eficientes ex opere operato (por fora do rito
executado) e no apenas ex opere operantis (por fora daquele que
executa o sacramento).A validade do Batismo no depende da f reta e
tambm no da integridade moral do batista; pois quem, na verdade,
atua sobre o sacramento Deus, respectivamente Jesus Cristo. Desse
modo o sacramento adquire certa objetividade: j antes do fator
subjetivo da f e da sinceridade dos seres humanos que efetuam o
sacramento a graa de Deus est seguramente presente.Para designar
essa objetividade, os telogos da alta Escolstica empregam uma
terminologia que, a princpio (na Escolstica primitiva), foi usada
na soteriologia. Em relao morte e ressurreio de Jesus distingue a
verdadeira (boa) obra redentora de entrega da vida por Jesus, como
o opus operantum, da obra (m) dos homens que o levaram morte, como
o opus operans. Na alta Escolstica usa-se o par de conceitos ex
opere operato ex opere operantis para distinguir entre fator
objetivo divino e subjetivo humano no sacramento. Essa terminologia
serve tambm para delimitar os sacramentos da Nova Aliana dos da
Antiga Aliana e dos sacramentais. Estes atuam em virtude do opus
operatum (da obra divina, contida no sacramento).3.2.4. Res et
sacramentum character indelebilis.
Importante para a idia da eficincia sacramental. Agostinho
distinguiu entre o sinal exterior (signum, sacramentum) e o efeito
interior (res sacramenti). Entre esses dois conceitos a alta
Escolstica insere um terceiro: o efeito sacramental intermdio (res
et sacramentum ou res et signum), algo que, por um lado, j efeito
(res) do ato sacramental, mas que, por outro, ainda no a graa
visada em ltima anlise pelo sacramento, e, sim, uma vez mais, sinal
e causa da mesma (signum, sacramentum).No caso do Batismo,
Confirmao e ordenao sacerdotal, a Escolstica identifica esse efeito
intermedirio com o character indelebilis, a caracterstica indelvel
que o sacramento concede. Trata-se aqui de uma realidade que marca
o receptor do sacramento permanentemente, inclusive quando esse se
fecha para a graa ou a perde novamente pelo pecado. Em virtude do
character indelebilis o sacramento no pode ser repetido. Em formao
positiva: na doutrina do character indelebilis se reflete a convico
de que o batismo, confirmao e ordenao sacerdotal provocam no
receptor um efeito permanente, um fato objetivo, que existe
independentemente da santidade do receptor.3.2.5. Materia
sacramenti e forma sacramenti.
Na discusso sobre a causalidade est o pensamento aristotlico das
causas, assumido especialmente por Toms de Aquino. Desse pensamento
se adota tambm o par de conceitos hilemorfista materia () e forma
(). Dentro do sinal sacramental, Agostinho havia feito uma rigorosa
distino entre elemento visvel (ou coisa) e palavra audvel. Toms
pergunta pela unidade do sinal e responde: [...] das palavras e das
coisas resulta, de certo modo, uma unidade nos sacramentos, como de
forma e matria. Visto que no hilemorfismo aristotlico forma e
matria no so partes separveis, e, sim, constituintes de um todo que
se condicionam mutuamente, esse par de conceitos se presta para
caracterizar o ato sacramental simblico como um s evento.De fato,
porm, o conjunto do contexto litrgico se perdeu de vista. A ateno
da teologia estava to presa questo da eficincia e validade do
sacramento que, diante da pergunta sobre qual seria o mnimo de
palavras e sinais visveis absolutamente necessrio para se
constituir o sacramento, o interesse pela liturgia como um evento
simblico desdobrado passou para segundo plano. Ao contrrio do que
aconteceu na Igreja antiga, a dogmtica (usando terminologia
hodierna) se havia separado da liturgia.Resumo do magistrio.
O Conclio de Florena (1438-1445) apoiado estreitamente em Toms
de Aquino elabora o Decreto para os armnios: H sete sacramentos da
Nova Aliana: batismo, confirmao, eucaristia, penitncia, uno dos
enfermos, ordenao, matrimnio. Eles se distinguem muito dos
sacramentos da Antiga Aliana. Pois estes no efetuavam a graa, mas
apenas indicavam que um dia a graa seria dada pelo sofrimento de
Cristo. Esses nossos sacramentos, porm, contm a graa e a conferem
queles que os recebem dignamente [...]. Todos esses sacramentos so
realizados em trs partes: pela realizao concreta como matria, pelas
palavras como forma, pela pessoa do ministrante, que administra o
sacramento na inteno de fazer o que a Igreja faz. Faltando uma
dessas trs partes, o sacramento no realizado. Entre esses
sacramentos temos trs: batismo, confirmao e ordenao, que imprimem
alma um carter, i.., um sinal espiritual indelvel, o que os
distingue dos demais. Por isso no so repetidos na mesma pessoa. Os
outros quatro sacramentos no imprimem um carter e admitem uma
repetio.3.3. Controvrsias na poca da Reforma.
Os protestos reformatrios contra a doutrina sacramental da
Escolstica devem ser vistos sobre o pano de fundo da prtica da
Idade Mdia tardia.
O grande nmero de missas, muitas vezes, uma se sobrepondo outra,
celebradas simultaneamente em numerosos altares na mesma igreja,
alm disso freqentemente sem comunidade, por um s sacerdote, as
ofertas e a doutrina dos frutos do sacrifcio da missa, a venerao do
po eucarstico com relquia preciosa em lugar da ceia conjunta,
praxes de tocar a hstia, sugerindo prtica de magia, o comrcio de
indulgncias e muitas outras coisas colocaram a doutrina da eficcia
do sacramento ex opere operato sob luz diferente do que fora
intecionado em sua origem. Sacerdotes que persignavam o po e o
vinho obstinadamente, como se a consagrao consistisse nisso, ainda
reforavam a impresso, j favorecida pela recitao dos textos
litrgicos em tom de voz inaudvel e numa linguagem incompreensvel
para o povo, de que a palavra anunciadora desvalorizada, que o
sacramento, que outrora fora palavra visvel (cf. Agostinho), se
transformou em ao meramente ritual.3.3.1. Posies reformatrias.
Em oposio a isso, os reformadores insistem, de acordo com a sua
trplice confisso de f bsica: sola gratia sola fide sola scriptura,
na decisiva importncia da graa de Deus aceita na f e numa
reorientao na vontade de Cristo, como o testemunha a Escritura.
Isso leva a certa desconfiana em relao ao conceito geral sacramento
(que no ocorre na Bblia) e reduo do nmero de sacramentos a trs,
respectivamente dois: Batismo, Eucaristia e Penitncia. Decisiva a
instituio por Jesus Cristo, conforme consta no texto do NT. Lutero
(+1546) emprega o conceito de sacramento conscientemente, por toda
a vida, em vrios sentidos (ficando assim prximo da tradio da Igreja
antiga), e, em De captivitate babylonica (apoiado no NT),
concentrado cristologicamente: Se quero falar de acordo com o
costume da Escritura, no tenho mais que um sacramento e trs sinais
sacramentais. A crtica teolgica mais acirrada se volta contra a
frmula ex opere operato. Nela os reformadores enxergam um
automatismo sacramental: sem Cristo, sem f, sem participao interior
do corao, a mera execuo exterior do rito efetuaria a graa: Essa
opinio mpia e perniciosa eles encontram ensinada em todo o reino
pontifcio. A isso opem com nfase a importncia da f pessoal que
creia essas promessas e receba as coisas prometidas, que so
oferecidas no sacramento.Na relao entre sacramento, f e graa,
todavia, se mostram diferentes: para U. Zwinglio (+1531) os
sacramentos so meros sinais de identificao, de certo modo cerimnias
de admisso e comprometimento (como juramento bandeira), por meio
dos quais as pessoas manifestam sua filiao Igreja e sua f em Jesus
Cristo. Eles no possuem poder de justificao da parte de Deus. So,
na melhor das hipteses, sinais da graa acontecida; mas no operam a
graa, apenas a testemunham. Os sacramentos no foram institudos no
somente como sinais por que se possam conhecer exteriormente os
cristos, mas para serem sinais e testemunhos da vontade divina para
conosco, com o fim de que por eles se desperte e fortalea a nossa
f.3.3.2. O Conclio de Trento.
O Conclio tridentino (1545-1563) refuta ao repto lanado pelos
reformadores, e confirma o nmero de sete sacramentos. Batismo,
confirmao, eucaristia, penitncia, extrema-uno, ordem e matrimnio so
institudos por Cristo nosso Senhor (DH 1601). O Conclio rejeita
tambm a idia de que os sacramentos seriam to iguais entre si que,
sob considerao alguma, um seria de maior importncia que o outro (DH
1603), dando assim espao para um escalonamento diferenciado quanto
a sua importncia. Ele condena aqueles que dizem que esses
sacramentos teriam sido institudos apenas para alimentar a f (DH
1605). Sem que citasse algum nome, visa-se a teoria de Zwnglio com
sentena: Quem diz que os sacramentos da Nova Aliana no conteriam a
graa que designam, ou que no concederiam a prpria graa queles que
no opem nenhum bice, como se fossem apenas sinais exteriores da
graa ou da justia conseguida pela f, e certos sinais de
reconhecimento da confisso crist, segundo os quais pessoas crentes
se distinguem das no crentes perante os seres humanos, esse seja
antema (HD 1606). A frmula da Escolstica do ex opere operato,
rejeitada por todos os reformadores, expressamente defendida pelo
Conclio: Quem afirma que, por meio dos sacramentos da Nova Aliana,
a graa no seria concedida ex opere operato, mas que para conseguir
a graa bastaria a mera f e a promessa divina, esse seja antema (DH
1608).3.3.3. As condenaes atingem o lado oposto?
A justaposio das formas ex opere operato e mera f (sola fide),
formulada na ltima frase, parece, primeira vista, conduzir a
controvrsia confessional a esse ponto. Estudos histricos mais
recentes, porm empreendidos com intenes ecumnicas, revelaram que as
sentenas condenatrias tanto dos reformadores quando do Conclio
Tridentino passam de largo pela respectiva oposio.A compreenso da
frmula ex opere operato estava determinada por perspectivas
distintas: O partido reformatrio tem em vista o recebimento do
sacramento [...], o lado catlico tem em vista a administrao do
sacramento. [...] Deixando de observar a respectiva perspectiva, o
lado reformatrio v na confirmao catlica do ex opere operato, a
confirmao de um efeito salvfico automtico dos sacramentos, e,
inversamente, o lado catlico v na rejeio reformatria do ex opere
operato [...] uma negao da eficincia dos sacramentos. Ambos os
lados, porm, rejeita essa interpretao. Tambm para o lado catlico a
aceitao em f exigida para a recepo dos sacramentos para a salvao.
Ao definir a Cristo como sujeito ativo do sacramento, a frmula
contradiz tendencialmente a uma concepo que entende os sacramentos
no sentido da justificao por obras. Inversamente, tambm para o lado
reformatrio os sacramentos surgem em virtude da instituio de
Cristo, independentemente da dignidade tanto do ministrante [...]
quanto do receptor, no entanto, somente se tornam eficazes na
f.Tambm jogos de palavras distintos contriburam para que se
entendesse erroneamente a posio da respectiva oposio. Isso vale,
sobretudo para o conceito f (fides). Enquanto os telogos romanos
partiam de conceito de f mais restrito (f como considerar
verdadeiro), os reformadores defendiam um conceito de fides [...]
segundo o qual sua recepo inclui a transformao da existncia, que a
tradio catlica designou especificamente com o conceito da gratia
faciens (graa santificadora). Efeitos semelhantes se verificam no
caso de uma pr-compreenso diferente em relao instituio. Para ambos
os lados a instituio por Jesus era elemento constitutivo do
sacramento. No entanto, a compreenso medieval de instituio
(institutio) por Jesus Cristo mais abrangente do que a moderna,
cunhada por fatores histricos; para ela, os sacramentos foram
colocados em vigor pela obra salvfica de Cristo em cruz,
ressurreio, concesso do Esprito e envio dos apstolos. Institutio
nesse sentido encerra, portanto, o desenvolvimento ps-pascal da
vida sacramental da Igreja, sendo que fundamentalmente no se faz
diferena entre a instituio por Cristo e a ao do Esprito Santo na
Igreja. , pois, essa linguagem que constitui o pano de fundo do cn.
1 do decreto tridentino sobre os sacramentos (DH 1601). A concepo
reformatria se distingue desta pelo fato de exigir a instituio por
Jesus Cristo mesmo diretamente comprovvel, respectivamente, por um
expresso mandatum Dei (ordem de Deus). A partir da deve ser
entendida a controvrsia sobre o nmero dos sacramentos.3.4. Teologia
ps-tridentina.
Na teologia catlica dos sacramentos dos tempos modernos, se d,
inicialmente continuidade aos princpios da Escolstica, no entanto,
com um acento anti-reformatrio. Porque a teologia protestante
enfatiza mais o carter de sinal dos sacramentos, a teologia catlica
refora o aspecto da eficcia.Da se destacam trs teorias. a) o modo
de agir fsico ([Tiago de Vio Caetano]: segundo a qual os
sacramentos exercem uma influncia fsica sobre Deus. Porque Deus fez
dos sacramentos instrumentos de sua graa, agora o poder que lhes
inerente produz diretamente a graa designada. b) o modo de agir
moral (escotistas): os sacramentos comovem a Deus a conceder a
graa; atribui-se valor fora causadora dos sacramentos, eles tm o
poder de influenciar a Deus; c) o modo de agir intencional (Louis
Billot, sj, +1931) defende que os sacramentos visam graa, mas no a
efetuam diretamente, e, sim, uma disposio no receptor, que traz a
graa em sua esteira, se no lhe for posto nenhum bice. Esse princpio
retoma a doutrina tomista da causalidade dispositiva.3.5.
Redefinies no sculo XX.
3.51. Renovao litrgica.Uma redefinio radical ocorre no sc. XX.
Antes da mudana na teologia, porm, vem a mudana na prtica litrgica.
O movimento litrgico redescobre, apoiado por uma nova conscincia de
Igreja, o fundamental carter comunitrio e a essencial sinalidade do
sacramento. Na liturgia ele tenta superar o abismo entre sacerdote
e comunidade, e comea a perceber, compreender e co-realizar os
sinais de modo novo. O Conclio VT II toma essa preocupaes em conta
na constituio litrgica: Com esta reforma, porm, o texto e as
cerimnias devem ordenar-se de tal modo, que de fato exprimam mais
claramente as coisas santas que eles significam e o povo cristo
possa compreend-las facilmente, na medida do possvel, e tambm
participar plena e ativamente da celebrao comunitria (SC 21). A
teologia contempornea inspirada por esse movimento de renovao
surgindo na base e, posteriormente, adotado oficialmente pela
Igreja. Ao mesmo tempo, o movimento litrgico e um novo interesse na
patrstica levam a perguntar pelas fontes mais antigas da f,
anteriores Escolstica.3.5.2. Teologia dos mistrios.
Defendida por Odo Casel, osb (+1948), no recurso aos Padres
ocidentais. Seu modelo de compreenso so os antigos cultos de
mistrios (pagos), nos quais, na participao ldica dos prprios
mistrios, na participao dramtico-teatral do evento simblico-cltico
[...], o iniciado ganha simultaneamente parte na vida divina. Esta
para Casel a chave de compreenso da liturgia da Igreja antiga, a
partir desse princpio tambm pretende renovar a prtica sacramental e
a teologia dos sacramentos de sua poca.Do meio da graa para o
evento simblico.Liturgia um ato ldico dramtico, no, porm, espetculo
para espectadores estranhos, e, sim, um evento ldico que envolve os
prprios participantes e os transforma. O sacramento eficaz
justamente porque sinal e pelo fato de ser sinal. O sinal
eficiente, todavia, abrange mais do que aquele mnimo de elementos
rituais, que a dogmtica da Escolstica considerava teologicamente
decisivo no sacramento. O sinal sacramental um ato dinmico, evento
dramtico = figurativo, no qual, se possvel, todos os celebrantes
devem ser envolvidos; pois a vivncia elemento essencial do
sacramento: [] tanto para a intensidade do com-viver como para a
perfeio da expresso simblica necessria a participao, tambm a
participao exterior, do ato litrgico.3.5.3. Do meio da graa para o
evento simblico.Com a teologia dos mistrios anuncia-se uma mudana
de perspectiva: do conceito do meio da graa como princpio para o
conceito do smbolo como princpio. Tal mudana acompanha a tendncia
de entrosar a doutrina dos sacramentos mais com outros temas
teolgicos (eclesiologia, cristologia, antropologia, teologia da
palavra, ocasionalmente tambm com a doutrina da criao).Otto
Semmelroth (+1979) publica em 1953, o conceito de Igreja como
sacramento original. A Igreja no apenas distribui sacramentos, mas
ela prpria sacramento, sinal eficiente da graa de Deus. Com base
numa reflexo de aprofundamento sobre a fundamentao cristolgica dos
sacramentos, ele e outros telogos catlicos, modificaram essa
terminologia e passaram a chamar a Cristo o sacramento original, a
Igreja, o sacramento fundamental, e os sete sacramentos individuais
auto-realizaes (respectivamente realizaes bsicas) da Igreja. Assim
surgiu, em maior proximidade com a Igreja antiga, um conceito
analgico de sacramento. O dilogo ecumnico inspirou a teologia
catlica a repensar a relao de palavra e sacramento. Em tempos mais
recentes, o termo smbolo se tornou conceito fundamental da doutrina
dos sacramentos de muitos telogos catlicos.4. REFLEXO
SISTEMTICA4.1. Definies bsicas do sacramento.
Os sacramentos podem ser descritos como as celebraes centrais da
Igreja. Celebrao encerra os elementos smbolo, palavra e atividade
ldica. Como celebraes realizadas corporalmente, eles so sinais de
um mundo redimido.4.1.1. Sinal realizador, smbolo real.
No termo smbolo se renem a atual redespertada conscincia da
unidade do ser humano, o reconhecimento da corporalidade essencial
de toda comunicao inter-humana, bem como a experincia de que a
realidade multidimensional, que coisas visveis primeira vista
apontam coisas profundas invisveis, que o fundo se mostra nas
coisas perceptveis pelos sentidos como em figuras, inclusive
comunicando-se a si mesmo em expresso corporal. Para a teologia dos
sacramentos hodierna o pensamento em smbolos poderia ter uma
funo-chave semelhante do pensamento das causas para a doutrina dos
sacramentos da escolstica da alta Idade Mdia, orientada em
Aristteles.O que se quer expressar com smbolo na teologia dos
sacramentos pode ser desenvolvido inicialmente a partir de um ponto
de vista antropolgico. Em virtude de sua estrutura corpo-esprito, o
ser humano se realiza em expresso corporal: no riso sua alegria, no
choro sua tristeza, no punho cerrado sua raiva etc. [...] Nesses
smbolos a aproximao e a rejeio no so apenas sinalizadas, e, sim,
tambm realizadas, no apenas reconhecidas, e, sim, tambm
experimentadas.Para caracterizar esses fatos fundamentais para a
compreenso do smbolo e dos sacramentos, distingue-se entre smbolo
real e smbolo representativo, ou, em outras palavras, entre sinal
realizador e sinal meramente informativo.Os sacramentos, aqui, so
entendidos como smbolos reais, sinais realizadores.
Karl Rahner (+1984) em sua teologia do smbolo, parte da
ontologia e aplica o conceito de smbolo doutrina dos sacramentos,
passa pela teologia trinitria, pela cristologia at a eclesiologia:
O ente necessariamente simblico de si mesmo, porque se expressa
necessariamente, a fim de encontrar sua prpria essncia. O
verdadeiro smbolo (smbolo real) a auto-realizao, elemento
constituinte da essncia, de um ente no outro. Isso j vale
intratrinitariamente: O Logos a Palavra do Pai, sua perfeita
imagem, [...] seu reflexo, seu auto-enunciado. O Pai ele mesmo ao
contrapor a si mesmo a imagem consubstancial com ele como aquele
outro de si, possuindo deste modo a si mesmo. Isso, porm,
significa: o Logos smbolo do Pai. Uma cristologia que parte do
smbolo poderia restringir-se quase exegese do dito: Quem v a mim, v
o Pai (Jo 14,9). O Logos humanado o smbolo absoluto de Deus no
mundo. A categoria do smbolo no pretende substituir os enunciados
da doutrina escolstica dos sacramentos, e, sim, traduzi-los (e
coloc-los simultaneamente num contexto maior); pois no conceito de
smbolo se relacionam objetivamente sinal e causa, os dois conceitos
bsicos da escolstica: o sacramento causa da graa conquanto seu
sinal [...] Numa s palavra: no sacramento, a graa de Deus se coloca
eficazmente presente ao criar sua expresso, sua concretude histrica
dentro de espao e tempo, ou seja, seu smbolo.4.1.2. Palavra
criadora de realidade.Movimento litrgico e movimento bblico, o
dilogo ecumnico com as Igrejas da Reforma levaram a uma compreenso
dos sacramentos no somente a partir de uma reflexo sobre a
importncia dos sinais, mas tambm a partir de uma teologia da
palavra.Na dogmtica catlica se desenvolveu uma teologia da palavra
somente nas ltimas dcadas. Ela apia-se amplamente no testemunho
bblico. Pois o que na tradio doutrinria catlica vale como enunciado
bsico sobre a natureza do sacramento: que ele efetua o que designa,
isso a Bblia afirma claramente a respeito da palavra, tanto a
respeito da palavra de Deus quanto a respeito das palavras humanas
(p. ex., Gn 1,3.6 e outras; Is 48,13; Sl 33,9; Rm 4,17). Ao ser
enunciada, ela cria o que ele disse, surge o que ele ordenou. Ela
palavra criadora de relao: com a palavra do Sinai Deus institui sua
aliana com Israel (cf. Ex 19s, esp. 19,3; 20,33). A palavra atinge
os seres humanos, transformando-os, vence resistentes, de modo que
tm que ser profetas (Jr 1,4-9; Ez 2,1-3,3). A palavra proftica tem
parte no poder transformador, criador de realidade da palavra de
Deus: Como a chuva e a neve cai do cu e no retorna para l, mas rega
a terra e a faz germinar e brotar [...], a mesma coisa acontece com
a palavra: ela no volta para mim, mas efetua o que quer e alcana
tudo para que a enviei (Is 55,10s).Tambm a pregao do Evangelho mais
do que apenas trazer uma notcia.A constituio SC menciona diferentes
modos da presena de Jesus em sua Igreja, e coloca lado a lado:
Presente est pela Sua fora nos sacramentos, de tal forma que quando
algum batiza Cristo mesmo que batiza. Presente est pela Sua
palavra, pois Ele mesmo que fala quando se lem as Sagradas
Escrituras na igreja (SC 7). A constituio sobre a revelao DV cunha
a frmula da mesa de Deus para a salvao (DV 17), fala do poder e da
eficcia presente na palavra de Deus, que ela constitui sustentculo
e vigor para a Igreja, e, para seus filhos, firmeza de f, alimento
da alma, pura e perene fonte da vida espiritual (DV 21) e exige uma
acrescida venerao pela palavra de Deus (DV 26).Sacramento palavra
criadora de realidade, discurso realizador, tanto no sentido da
palavra que atinge algum pessoalmente, transforma interiormente e
cria relaes (anncio do perdo, a narrativa da Ceia), quanto no
sentido da palavra eficaz juridicamente (o batismo como admisso
Igreja, ou a ordenao a um ministrio).A teologia dos sacramentos
pode basear-se tanto na palavra quanto no smbolo. Ambos os
princpios so conciliveis sem contradies. Tambm o discurso
realizador smbolo real, sinal realizador. Por isso o sacramento
pode ser discutido tanto como palavra visvel (como em Agostinho)
quanto (como acontece de modo mais enftico na tradio oriental) como
evento figurativo evidenciado pela palavra.4.1.3. Atividade ldica
transformadora.
Na celebrao do sacramento, smbolo e palavra se encontram num
relacionamento de ao, que pode ser descrito como atividade
dramtica, que envolve os participantes.Atividade ldica significa
agir sem visar qualquer objetivo, mas justamente por isso eficaz.
(Atividade ldica no um oposto de seriedade, mas de agir dirigido a
um objetivo). Com atividade ldica dramtica no se tem em vista, em
primeiro lugar, um espetculo para espectadores, e, sim, um modo
como os participantes de uma celebrao se envolvem com o evento
celebrado: participando ludicamente da atividade ldica, os
participantes deixam envolver-se no evento representado, e ao
inclurem a si mesmos, suas prprias palavras e gestos, de modo
criativo na atividade ldica, eles colaboram em sua forma
concreta.[...] Atividade ldica, pode ser entendida igualmente como
categoria fundamental de liturgia. Para isso apontam a dramaturgia
litrgica da Igreja antiga, a idia da mmica nas Catequeses
mistaggicas de Jerusalm, a teologia dos mistrios de Odo Casel e o
apelo do C. VT II de que os cristos no deveriam assistir Eucaristia
como estranhos ou espectadores mudos (SC 48); pelo contrrio, na
renovao da liturgia se deveria levar todos os fiis [...] quela
plena, cnscia e ativa participao (totius populi plena et actuosa
participatio, SC 14; 19.21.41.48).4.1.4. Celebrao da Igreja.
O que foi dito acima, tambm vale para a celebrao. Tambm ela
acontece livre de finalidades (onde uma celebrao organizada para
certa finalidade, errou-se sua essncia como celebrao); tambm ela
transcende a situao atual, descortina um horizonte maior, lembra
origens (de aniversrio ou dia de casamento etc.) e esperanas no
cumpridas (a celebrao da memria de uma rebelio numa situao de
opresso); desse modo ela tem feito subversivo sobre situaes de
injustia reinantes (o que se pode reconhecer muitas vezes em sua
proibio). Alm das categorias smbolo, palavra ldica, celebrao
expressa com maior clareza o convvio de uma comunho e o conjunto de
muitos elementos: da celebrao fazem parte tanto a palavra como
tambm o gesto e a atividade ldica.Celebrao (celebratio, celebrare)
um conceito bsico da constituio de liturgia do C. VT II. As aes
litrgicas no so aes privadas, mas celebraes da Igreja (SC 26; SC
6-8.11.17.21.27). A introduo geral ao Missal fala, no cap. 1, sobre
a importncia e dignidade da celebrao da Eucaristia e usa em todos
os seis pargrafos o vocbulo celebrao. Com isso est colocado um
acento diferente em comparao a documentos similares mais antigos,
que falavam da administrao e de distribuio dos sacramentos, e nos
quais inclusive a palavra celebrao se tornou termo tcnico para as
funes do sacerdote em seu papel e dificilmente evocava a idia de
uma celebrao comunitria: o sacerdote celebra, os crentes ouvem a
missa (CIC de 1917, cn. 804 1; c. 806 1; c. 1248s).Sacramentos so
celebraes da Igreja. Neles se constitui comunidade: como reunio em
nome de Cristo, como comunho comemorativa presentificadora e
comunho da esperana antecipadora do futuro, como povo de Deus que
anuncia o Evangelho e representa a nova vida simbolicamente. No
entanto, a Igreja no celebra a si mesma, e, sim, a histria qual ela
se deve, e a esperana que a move.Com a categoria celebrao se
associam vrias caractersticas do sacramento:1) Sacramentos so atos
de comunho, pois nenhum sacramento est destinado a ser celebrado
por uma s pessoa (SC 27);2) A comunho (no um indivduo) tambm o
sujeito da celebrao sacramental. Juntamente no contexto do vocbulo
celebrao (celebratio), a constituio de liturgia insiste na exigncia
de cnscia e ativa participao de todos os fiis (SC 14; 21.27.41). A
partir da as tradicionais definies de ministro e receptor como
categorias bsicas para a distribuio de papis no sacramento so
problemticas.3) Toda celebrao vive de uma esperana, pois com sua
alegria (ou sua consolao), ela transcende as circunstncias atuais.
Sem esperana, a celebrao seria supresso anestesiante da realidade.
Na celebrao, a realidade esperada antecipada. Assim, em batismo e
Eucaristia, celebramos, em meio experincia de sofrimento, injustia
e pecado, a ressurreio e a comunho de mesa no vindouro reino de
Deus. Como imagens virtuais do mundo vindouro, os sacramentos tm,
ao mesmo tempo, efeito tranqilizador e relativizador em face do que
existe de fato: eles fortalecem o empenho por um mundo melhor e
permitem simultaneamente crer no sentido dos pequenos passos;
4) A partir da tambm se pode mostrar a relevncia da prtica do
sacramento. Agir teolgico e celebrao sem intenes, prtica e festa so
interdependentes. A prxis enlouquece, porque pouco a pouco o homem
se v pequeno diante das tarefas. [...] A festa, porm, com o riso,
tem o dom de mediar entre magnitude ingente das tarefas histricas e
a limitao das foras do agente, diante do pano de fundo das
experincias no movimento libertador latino-americano. Como festa e
celebrao, tambm o sacramento no deve desviar do engajamento prtico,
mas lembrar seu sentido e a esperana a ele associada;5) A partir
disso, porm, evidencia-se igualmente que os sacramentos no podem
perfazer o todo da existncia crist ou da vida eclesistica. Como do
todo da vida fazem parte festa e prtica, assim fazem parte do todo
da Igreja, alm da liturgia, tambm a proclamao e a diaconia: essas,
na verdade, so representadas simbolicamente no sacramento; mas o
sinal se torna vazio, se o representado no fosse tambm realizado na
prtica;6) Tomar por point dpart partida a celebrao sugere, por fim,
tambm uma contemplao holstica do sacramento. Uma celebrao no pode
ser reduzida a um nico fator, que fosse o causador de tudo que
essencial. Por isso, o objeto da teologia dos sacramentos no um
cerne dogmaticamente relevante (p. ex., a exigncia mnima de
palavras da instituio para que a missa seja vlida), e, sim, a
celebrao como um todo. 4.1.5. Sinais de um mundo redimido.Os sinais
sacramentais no representam uma linguagem religiosa particular;
pelo contrrio, elementos fundamentais do mundo: gua, po, vinho, leo
e gestos elementares do homem imposio das mos, uno, ceia, casamento
se tornam sinais de salvao. [...] Os elementos do mundo e os gestos
do ser humano no so, por natureza, caminhos de salvao, e, sim,
sempre somente num contexto redentor, consumador da criao: sinal
sacramental no o poder catico gua, e, sim, a gua em seu poder
purificador e doador de vida; no o perecer nas ondas, e, sim, o
passar pela gua; no o po em si ou a mera ingesto de alimentos, e,
sim, o po repartido e comido em comunho; no o vinho como causa de
um xtase inebriante, e, sim, o clice que passado adiante; no o
gesto do poder, e, sim, o gesto da cura; no a palavra que se apossa
do outro, e, sim, a palavra que aceita o outro como
parceiro.Sacramentos so sinais de um mundo redimido. Isso
significa, portanto, duas coisas: a) eles so expresso de f na criao
e da esperana na consumao; b) eles apontam a direo em que se h de
procurar redeno e consumao.4.2. Redefinindo precisamente os
conceitos.
4.2.1. Conceito analgico de sacramento.
Na reflexo sobre o sacramento como smbolo foi apontada uma
perspectiva de fora a fora trinitria, cristolgica, eclesiolgica,
teolgico-sacramental. Atrs dela encontra-se um conceito analgico de
sacramento: Cristo como sacramento original, a Igreja como
sacramento fundamental, os sacramentos individuais como manifestaes
de vida da Igreja fundamentados em Cristo e que o representam. O
sacramento original Jesus Cristo. Ele o sinal realizador, o smbolo
real por excelncia, a corporificao de Deus para dentro de nosso
mundo. Ele sinal de Deus em dois sentidos: a) nele, em sua vida,
suas palavras, sua atuao e seu destino, pode-se reconhecer como
Deus age no ser humano e nele prprio Deus realiza sua histria com
os seres humanos; b) ele a palavra de Deus que no apenas fala a
respeito de Deus, mas que traz o prprio Deus para dentro da
Histria.A partir do sacramento original Jesus Cristo, a Igreja pode
ser chamada de sacramento. A realidade complexa da Igreja, em que
se funde o elemento divino e humano, , mediante uma no medocre
analogia, comparada ao mistrio do Verbo encarnado. Pois como
natureza [humana] assumida indissoluvelmente a Ele serve o Verbo
Divino como rgo vivo de salvao, semelhantemente o organismo social
da Igreja serve ao Esprito de Cristo que o vivifiva para o aumento
do corpo (LG 8). A vida da Igreja, inspirada pelo Esprito de
Cristo, sua proclamao, sua diaconia e liturgia, serve para ser
sinal de Jesus Cristo, para testemunhar e realizar sua permanente
presena e atuao no mundo. [...] a Igreja em Cristo como que o
sacramento ou o sinal e instrumento da ntima unio com Deus e da
unidade de todo gnero humano (LG 1; SC 5; GS 42.45; AG 1.5).Ao se
definir a Igreja como sacramento fundamental, quer-se expressar, em
sentido contrrio, o nexo entre o sacramento, que a Igreja, e os
sacramentos individuais: esses so sinais, manifestaes da vida da
Igreja, celebraes da Igreja, que o sacramento da unidade (SC 26).
Assim, p. ex., na Eucaristia no se realiza somente o mistrio do
pascha de Jesus Cristo, mas nela tambm se expressa o que a Igreja
deve ser: unio, comunho de esperana em gratido e partilha
fraternal; e o isso no apenas representado, mas tambm realizado: na
Eucaristia e por meio dela a Igreja se torna o que ela .4.2.2.
Origem em Jesus Cristo.
O problema da instituio pode ser abordado a partir da relao
entre Igreja e sacramento. Tanto na tradio doutrinria escolstica e
catlico-ps-tridentina quanto na protestante, a instituio por Jesus
Cristo faz parte da definio do sacramento (cf. DH 1601).A est em
discusso sobretudo, a importncia teolgica do sacramento. Os
sacramentos esto fundamentados nos gestos simblicos de Jesus,
testemunhados biblicamente. Neles tem continuidade o agir salvfico
simblico-corporal de Jesus. Neste ponto a compreenso catlica de
sacramento e a evanglica coincidem em grande parte: Sacramentos so
ddivas do Senhor sua Igreja, no obras da Igreja inventadas por ela.
Cristo presente est pela Sua fora nos sacramentos, de tal forma
que, quando algum batiza, Cristo mesmo que batiza (SC 7).4.2.3. A
ddiva precedente de Deus.
No sacramento atua o prprio Cristo. Esse tambm o sentido
(escolstico) original da frmula ex opere operato, posteriormente
controvertida (na poca da Reforma). O sacramento no recebe sua fora
da obra humana, da sbia direo de uma celebrao litrgica, ou da
santidade das pessoas participantes de uma celebrao, e, sim, do
agir redentor de Deus em Cristo. Esse Cristo est seguramente
presente onde o sacramento celebrado. A frmula ex opere operato
quer expressar essa pr-ddiva de Deus, a confiabilidade da dispensao
de Deus. Isso no significa que a f e a disposio pessoal fossem
irrelevantes para o efeito do sacramento, mas, sim, que a f e toda
a participao ativa na celebrao no o primrio, mas um envolver-se num
movimento que j foi desencadeado anteriormente por Deus. Na
linguagem da teologia dos mistrios: Quem se envolve na celebrao,
co-realiza a morte e a ressurreio do Senhor no sinal, esse faz e
experincia de que, como imagem ele , ao mesmo tempo, integrado,
cuja existncia redefinida por Cristo e seu feito salvfico.4.2.4. O
proprium do sacramento.O que um sacramento? O conceito de
sacramento desenvolvido na escolstica e em uso hoje uma abstrao
posterior. A inexatido no uso lingstico da Igreja antiga (percebida
a partir de uma compreenso hodierna) contm um enunciado positivo
indireto sobre a realidade como um todo: entre os patrsticos e os
telogos da Idade Mdia primitiva, o que hoje chamamos de sacramento,
delimitando-os em relao a outras formas de vida, era bem mais
entretecido em todo um universo de sinais, nos eventos da histria
salvfica de Deus com seu povo, que atinge seu auge na humanizao do
Filho de Deus e que, passando por batismo, Eucaristia e uma
variedade de manifestaes religiosas, se estendem at o mundo do
profano.Resumidamente, podemos formular: sacramentos so celebraes
da comunho eclesistica, orientadas na pregao de Jesus Cristo, nas
quais apresentada corporalmente a salvadora e transformadora
dispensao de Deus, imitada em comunicativa atividade ldica, em
palavras e gestos e, desse modo, recebida em f.
Essa descrio da essncia no fornece uma caracterstica de distino
exata, que delimitasse os sacramentos de outras celebraes
eclesisticas. Perguntamos pelo especfico, o que distingue o
sacramento de todo o mais, ento se haver de apontar para o
engajamento efetivo da Igreja: sacramentos so aquelas celebraes que
a Igreja reconhece, com vistas a Jesus Cristo e ao testemunho do
NT, como suas manifestaes litrgicas centrais, com as quais se
identifica oficialmente em grau mximo e nas quais ela se engaja
radicalmente.Com isso se concedeu Igreja uma grande competncia no
que diz respeito deciso sobre o que deve ser considerado
sacramento. Com efeito, o fato de exatamente essas sete prticas,
todas elas e nenhuma outra, serem sacramentos no pode ser
fundamentado inequivocamente pela Bblia nem ser deduzido de um
conceito de sacramento preestabelecido. I.., antes de mais nada, o
resultado contingente do desenvolvimento da histria da
Igreja.Ademais, naturalmente deve ser tomada a srio a passagem com
vistas a Jesus Cristo e ao testemunho do NT. Esse olhar para a
origem levar sempre de novo a correes em teoria e prtica da Igreja.
Assim, p. ex., em nosso sc., motivado por uma nova ocupao com a
Bblia, redescobriu-se e realizou-se de modo novo o carter da
Eucaristia como celebrao de uma ceia e a importncia teolgica da
pregao da palavra. Assim, tambm a teologia catlica atribui a
batismo e Eucaristia (sacramentos de longe melhor testemunhados na
Bblia) uma importncia maior em relao aos demais
sacramentos.BIBLIOGRAFIA PARA APROFUNDAMENTO1. Introduo geral
teologia dos Sacramentos.
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Petrpolis: Vozes, 199718.
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Ensaio de teologia bblica sobre os sacramentos como maravilhas da
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Ave-Maria/ Loyola, 1993.
COMPNDIO DO VATICANO II. Constituies, decretos, declaraes.
Petrpolis: Vozes, 19684.DENZINGER, Heinrich. Compndio dos smbolos,
definies e declaraes de f e moral; traduzido por Jos Marino e Johan
Konings. So Paulo: Paulinas/Loyola, 2007. CDIGO DE DIREITO CANNICO,
840. So Paulo: Loyola, 1983.
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H. KRMER. . In. TDNT II, p.1099.
Ibid., p. 1100.
Georg FOHRER. Die symbolischen Handlungen der Propheten. Zrich:
Zwingli-Verlag, 1953, p. 115s.
Cf. J. FINKENZELLER. Lehre, p. 39.
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Cf. J. BETZ. Eucharistie, 1/1, p. 65259.
CIRILO DE JERUSALM. Catequeses mistaggicas II, 2-5.
HIPLITO. Trad. Apost. 21.
AGOSTINHO. De Doc. Christ. II, 3,4.
AGOSTINHO. Tract. Io. Ev. 80,3.
Hugo de So Vitor. Dial. 34 D.
Hugo de So Vitor. De Sacr. 19,2.
Denomina-se de sacramento no verdadeiro sentido [...] o que
sinal da graa de Deus de tal modo [...] que leva sua imagem e sua
causa, Sent. IV.
TOMS De AQUINO. Summa theologiae, III. q. 60 a. 6 ad 2.
DENZINGER, Heinrich. Compndio dos smbolos, definies e declaraes
de f e moral. DH 1310-1313/501-504. So Paulo: Loyola/Paulinas,
2007.
LUTHER, Martin. Capt. Bab. WA 6,501; cf. Obras selecionadas, v.
2, 349.
Cf. Apol. 13,18s. In. Livro da Concrdia, 226.
Cf. Escritos Confessionais; CA 13 Livro da Concrdia, 34.
Cf. K. LEHMANN/ W. PANNENBERG (Ed.). Lehrverurteilungen
1,82.
Arno SCHILSON. Sakrament, p. 127.
Odo CASEL. Das christliche Kultmysterium. Regensburg: Pustet,
1960, p. 91 (trad. castellana, El misterio do culto Cristiano. San
Sebastian: Dinor, 1953).
Cf. H. SCHLIER. Wort, p. 846.
F. TABORDA. Sacramentos, p. 54.;
U. KHN. Sakramente, p. 309.
Cf. A. SCHILSON. Sakrament, p. 127.