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Superando a ingenuidade: minha dvida a Guerreiro Ramos Fernando
Guilherme Tenrio*
1. Introduo
"A teoria da organizao. tal como tem prevalecido. ingnua .
..
Guerreiro Ramos
Em 1967, quando o professor Alberto Guerreiro Ramos deixava o
pas para exilar-se nos EUA, tive um rpido encontro de despedida com
ele, em sua sala, no antigo prdio da EBAP. A sala, um pequeno espao
quadrado junto ao trmino de uma bonita escada de madeira, parecia
no ser suficiente para caber a grande quantidade de livros, o odor
de bons charutos e a grandeza intelectual de seu ocu-pante. Ali,
paternalmente, perguntou-me o que eu gostaria de estudar quando
fos-se para a universidade. Respondi de imediato: sociologia.
Rindo, o professor Guerreiro comentou: "No faa isso, veja o que est
acontecendo comigo".
A resposta que dei nasceu muito mais da minha admirao por
Guerreiro Ramos do que de alguma convico a respeito de minha futura
formao profis-sional. O professor Guerreiro era uma figura que
impressionava qualquer pessoa, fosse pela sua maneira altiva de
ser, fosse pela sua bagagem intelectual. Poste-riormente, no como
estudante de sociologia mas de administrao, tive oportu-nidade de
estudar a obra de Alberto Guerreiro Ramos, estimulado,
inicialmente, por ex-alunos seus, ento meus professores: Antonio
Carlos Ned, Jos Antonio Parente Cavalcante, Luiz Antonio Alves
Soares e Wilson Pizza Jr.
Quando do falecimento de Guerreiro Ramos, em 1982, organizei,
juntamen-te com a professora Ana Maria Marquesini e o ento
mestrando, hoje professor da EBAP, Frederico Lustosa da Costa, um
frum em homenagem quele que foi um dos maiores pensadores da
sociologia brasileira e, com certeza, o brasileiro que desenvolveu
um pensamento terico original em administrao. Justamente a partir
da leitura e reflexo dos textos do sociLogo Guerreiro, senti-me na
obrigao de rever meu "pensamento" sobre o significado da
administrao como rea de conhecimento no mbito das cincias sociais
aplicadas. Qual no foi a minha surpresa ao encontrar, nas minhas
leituras, os indicadores da inge-nuidade to objetivamente apontados
por Guerreiro Ramos no seu livro A nova
* Coordenador do Programa de Estudos em Gesto Social, da
EBAPIFGY.
RAP RIO DE JANEIRO 31 (5):29-44, SET.lOUT. 1997
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cincia das organizaes: uma reconceituao da riqueza das naes
(Guerrei-ro Ramos, 1981).
Assim, a temtica central deste texto-depoimento a identificao
crtica de posies anteriormente assumidas quanto ao papel da
administrao, como rea de conhecimento e prtica, e das teorias
organizacionais, como ideologias desse saber analtico-emprico. Para
tanto, este artigo desenvolvido em trs momen-tos. No primeiro,
aponto aqueles textos, por mim elaborados, que se posiciona-vam
ingenuamente quanto administrao e seus contedos terico-prticos. No
segundo, identifico o referencial terico crtico, a partir de
Guerreiro Ramos, que estimulou a ilustrao da minha ingenuidade. No
terceiro, resumo aqueles textos que so uma tentativa de assumir uma
outra posio, guerreira, frente ao pensa-mento administrativo
contemporneo. I
2. Ingenuidade
Cinco foram os textos que, no perodo 1978-83, identificaram
minha creduli-dade acrtica no pensamento administrativo. O primeiro
deles foi um ensaio inti-tulado Teoria geraL da administrao:
necessidade de seu estudo (Tenrio, 1978). Nele defendi a tese de
que, para um bom desempenho organizacional, era indis-pensvel que
os ocupantes de cargos gerenciais conhecessem as diferentes escolas
ou teorias organizacionais em curso nos compndios de administrao.
Ali afir-mava: "Normalmente, quando observamos ou tentamos explicar
um fato adminis-trativo, somos levados a esquecer que ele possui
uma explicao terica. Claro que esta explicao no est dita nos
compndios nem ser encontrada pelo sim-ples relacionamento
cronolgico dos fatos. Isto , o que estamos observando ou desejando
explicar num determinado momento est muitas vezes disperso em
diferentes enfoques tericos, que s podero ser identificados na
medida em que estejamos familiarizados com a Teoria Geral da
Administrao, que poderia ser conceituada como o conjunto de idias
prescritivas ou explicativas dos fenmenos administrativos" (Tenrio,
1978:40).
Mais tarde, quando da redao de "Lecturas bsicas sobre
administracin y teora de sistemas", captulo I do livro Proyectos de
desarrollo: planificacin, im-plementacin y controL (Tenrio, 1979)
no s atribu grande importncia admi-nistrao como rea de
conhecimento, como tambm afirmei que a teoria de sistemas, atravs
de seu modelo ciberntico de orientao globalizante, seria ca-paz de
explicar e prescrever o processo produtivo com mais clareza do que
as abordagens que a antecederam. O texto foi iniciado da seguinte
forma: "Os pro-blemas que existem no mundo so, antes de tudo,
problemas humanos, porque
J Esta idia foi originariamente motivada pelo professor Michel
Thiollent, quando fui seu aluno, em 1995, na disciplina de anlise
organizacional, no curso de engenharia da produo da Coppe/UFRJ.
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existem na medida em que o homem os percebe. E o homem que se
defronta com uma situao problemtica deseja melhor compreend-Ia e
classific-Ia, quer di-zer, observ-Ia desde os mais variados pontos
de vista: educacional, social, eco-nmico, cientfico, tecnolgico
etc.
Essa anlise do problema, essa decomposio do todo em partes,
facilita a determinao dos passos necessrios para encontrar a soluo.
No obstante, necessrio sintetizar e integrar as solues parciais em
uma soluo global ( ... ). Portanto, parece ser essencial buscar a
otimizao do todo e no somente das par-tes consideradas de maneira
isolada. Esta uma das preocupaes principais do mtodo sistmico"
(Tenrio, 1979:29).
Ainda no captulo I do citado livro, tambm descrevi a
"administrao por ob-jetivos" (APO), apontando-a como a tecnologia
gerencial mais importante daque-le momento: "( ... ) a APO tem por
objetivo assegurar que todos os membros de uma organizao
orientem-se em uma mesma direo e com o mximo de esforo. Portanto,
para realizar este fim quem utiliza a Administrao por Objetivos
preo-cupa-se em:
- concentrar a ateno dos administradores nos resultados
importantes;
- proporcionar uma base para coordenar os planos da
organizao;
- estabelecer um vnculo de comunicao que v desde o executivo
mais importante at a primeira linha de superviso e que funcione em
ambos os sen-tidos;
- permitir que os gerentes que vo executar o plano participem
tambm de sua formulao;
- estimular a identificao e satisfao das necessidades dos
gerentes em mat-ria de desenvolvimento" (Tenrio, 1979: 108).
Em seguida, com o artigo "Permanencia dei modelo weberiano"
(Tenrio, 1981), a pretenso era divulgar o conceito de burocracia de
forma no-pejorativa, como normalmente ocorre. A motivao do trabalho
era ir de encontro ao slogan que pre-dominava na linguagem
modernizante da poca: "vamos acabar com a burocracia", dito muito
utilizado pelos programas governamentais de desburocratizao de
en-to. Esse ensaio era concludo da seguinte maneira: "Tentou-se
mostrar ( ... ) o quo 'ridculo' ( ... ) ficam aqueles autores,
professores ou tcnicos que, divulgando ou exercitando o estudo da
burocracia, deseducam leitores, estudantes ou clientes. De-seducam
por no estarem aptos conceitualmente no que se refere ao fenmeno
bu-rocrtico. Quando dizemos aptos conceitualmente, no no sentido de
estudar o fenmeno burocrtico apenas pela tica weberiana. A nossa
idia bsica a de que devemos estudar a burocracia e suas
manifestaes, partindo das diferentes concep-es que a ela se
reportam. Da porque iniciamos focalizando ( ... ) as
perspectivas
SUPERANDO A INGENUIDADE: MINHA DivIDA A GUERREIRO RAMOS 31
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liberal e marxista. A preocupao de centrar em Max Weber foi
somente a de, por aceitarmos seu modelo como referencial, darmos um
carter mais cientfico ou im-parcial ao tema burocracia" (Tenrio,
1981 :232).
Finalmente, ainda nesse perodo de fase ingnua, desenvolvi o
artigo "Admi-nistracin versus planificacin" (Tenrio, 1983), que
tinha como idia central en-fatizar a importncia do profissional de
administrao no seu papel de agente modemizador da sociedade. Para
justificar essa funo, formulei as seguintes per-guntas: "Como
perseguir mudanas se os instrumentos de implantao dessas mudanas
tambm devem mudar? Poderia ainda ser feita outra pergunta,
aparen-temente contraditria com a anterior: antes de planejar deve
o Estado melhorar o seu aparato burocrtico? A resposta seria
afirmativa, j que uma boa estrutura bu-rocrtica agilizaria tanto a
fase de diagnstico como a de execuo do que foi pla-nejado" (Tenrio,
1983:421).
As passagens aqui retomadas revelam uma viso positivista da
administrao como cincia social aplicada e uma certa alienao com
relao ao carter ideol-gico das teorias organizacionais, fato que
impedia sua anlise do ponto de vista das contradies scio-econmicas
em que ela se insere.
Inspirado em Guerreiro Ramos, observei no somente a simplicidade
da lin-guagem utilizada nos textos anteriormente citados mas,
principalmente, percep-es fundamentalmente acrticas:
a) a compreenso da relao teoria-prtica, a partir das teorias
organizacionais, era que a teoria, idealmente, deveria preceder a
prtica, isto , limitava a ao administrativa ao pensamento
administrativo;
b) a importncia atribuda percepo do administrador em detrimento
da ao do administrado, ou seja, restringia o processo produtivo
predominantemente dimenso gerencial;
c) o desenvolvimento scio-econmico do pas ou regio condicionado
ao bom desempenho tcnico-organizacional, ou seja, limitando as aes
da sociedade performance da tecnoburocracia.
3. Referencial terico crtico
A crtica do Guerreiro
A identificao da percepo acrtica, ingnua, vai aparecer quando
estudo, de forma mais sistemtica, a obra de Guerreiro Ramos
(Soares, 1993). Nela trs livros foram fundamentais: Introduo crtica
sociologia brasileira (Guerreiro Ramos, 1995), A reduo sociolgica:
introduo ao estudo da razo sociolgica (Guerreiro Ramos, 1958) e
notadamente o seu ltimo livro, A nova cincia das organizaes:
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UIrUl reconceituao da riqueza das naes (Guerreiro Ramos, 1981).
O primeiro pa-rgrafo do livro estabelece a dimenso das provocaes
que em mim suscitou: "A teoria da organizao, tal como tem
prevalecido, ingnua. Assume esse carter por-que se baseia na
racionalidade instrumental inerente cincia social dominante no
Ocidente. Na realidade, at agora essa ingenuidade tem sido o fator
fundamental de seu sucesso prtico. Todavia, cumpre reconhecer agora
que esse sucesso tem sido unidimensional e, como ser mostrado,
exerce um pacto desfigurador sobre a vida humana associada. No esta
a primeira vez em que, em razo de consideraes te-ricas, se levado a
condenar aquilo que funciona na vida social prtica. ( ... )
Nessas circunstncias, a teoria da organizao, tal como hoje
conhecida, menos convincente do que foi no passado e, mais ainda,
toma-se pouco prtica e inoperante, na medida em que continua a se
apoiar em pressupostos ingnuos" (Guerreiro Ramos, 1981: 1).
Em seguida, no captulo 3, Guerreiro Ramos atribui, ao que ele
denominou "sndrome comportamentalista", a incapacidade de anlise
das teorias organiza-cionais frente complexidade dos sistemas
sociais organizados, na medida em que o uso exagerado da psicologia
por estas teorias no suficiente para explicar o funcionamento
desses sistemas nas sociedades contemporneas. Para ele, "essas
sociedades constituem a culminao de uma experincia histrica, a esta
altura j velha de trs sculos, que tenta criar um tipo nunca visto
de vida humana associa-da, ordenada e sancionada pelos processos
auto-reguladores do mercado. A expe-rincia foi bem-sucedida,
certamente que bem demais. No apenas o mercado e seu carter
utilitrio tomaram-se foras histricas e sociais inteiramente
abran-gentes, em suas formas institucionalizadas em larga escala,
mas tambm demons-traram ser altamente convenientes para a escalada
e a explorao nos processos da natureza e para a maximizao das
inventivas e das capacidades humanas de produo. No entanto, atravs
de todo esse experimento, o indivduo ilusoriamen-te ganhou melhora
material em sua vida e pagou por ela com a perda do senso pes-soal
de auto-orientao. A iseno do mercado da regulao poltica deu origem
a um tipo de vida humana associada, ordenada pela interao dos
interesses indi-viduais (para autopreservao), ou seja, uma
sociedade em que o puro clculo das conseqncias (ao com respeito a
fins) substitui o senso comum do ser humano" (Guerreiro Ramos, 1981
:52).
J concluindo seu ltimo livro, Guerreiro Ramos prope um novo
paradigma: a "teoria da delimitao dos sistemas sociais". Paradigma
que prope substituir a viso unidimensional, no estudo dos sistemas
sociais, por uma abordagem multi-dimensional. Segundo Guerreiro, o
enfoque unidimensional tem no mercado "a principal categoria para a
ordenao dos negcios pessoais e sociais" (Guerreiro Ramos, 1981:
140). a seguinte a proposta desse paradigma: "O ponto central desse
modelo multidimensional a noo de delimitao organizacional, que
en-volve: a) uma viso da sociedade como sendo constituda de uma
variedade de en-claves (dos quais o mercado apenas um), onde o
homem se empenha em tipos nitidamente diferentes, embora
verdadeiramente integrativos, de atividades subs-
SUPERANDO A INGENUIDADE: MINHA DVIDA A GUERREIRO RAMOS 33
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tantivas; b) um sistema de governo social capaz de formular e
implementar as po-lticas e decises distributivas requeridas para a
promoo do tipo timo de transaes entre tais enclaves sociais"
(Guerreiro Ramos, 1981: 140).
A crtica frankfurtiana
A erudio de Guerreiro Ramos transcendia qualquer bibliografia
por ele ci-tada. No entanto, uma das fontes usadas em A nova cincia
das organizaes foi a escola de Frankfurt, corrente de pensamento do
denominado marxismo ociden-tal. Esta fonte pode ser observada logo
no primeiro captulo do livro, quando Guerreiro faz referncia a esse
grupo de pensadores alemes: "na sociedade mo-derna, a racionalidade
se transformou num instrumento disfarado de perpetuao da represso
social, em vez de ser sinnimo de razo verdadeira. Esses autores
pretendem restabelecer o papel da razo como uma categoria tica e,
portanto, como elemento de referncia para uma teoria crtica da
sociedade" (Guerreiro Ramos, 1981:8).
Portanto, foi a partir do estmulo de Guerreiro Ramos que
procurei, por meio da escola de Frankfurt, entender, criticamente,
os postulados das teorias organi-zacionais e suas relaes com o
cotidiano dos sistemas sociais organizados.
A escola de Frankfurt2 foi a institucionalizao de um grupo de
pensadores alemes, originariamente liderados por Felix Weil, que
renem-se no vero de 1922 em Ilmenau (Turngia), para discutir o
marxismo em um encontro por eles denominado Primeira Semana de
Trabalho Marxista. A inteno de realizar uma segunda semana no foi
adiante, porque o grupo avanou na possibilidade de for-malizar as
suas discusses. Assim, foi criado em 3 de fevereiro de 1923, no
mbito da Universidade de Frankfurt, o Instituto de Pesquisa Social,
posteriormente co-nhecido como escola de Frankfurt.
Na realidade, a escola de Frankfurt somente passa a ser
institucionalizada como movimento intelectual a partir da ascenso
de Max Horkheimer direo do instituto, em janeiro de 1931. At ento,
o instituto era liderado por pensadores como Friedrich Pollock,
Carl Grnberg e outros, que cultivavam um marxismo ortodoxo. Sob a
direo de Horkheimer, o instituto, apelidado pelos alunos da
uni-versidade de "Caf Marx", por sua estreita ligao com o marxismo,
passa a in-corporar outros pensadores, como Theodor W. Adorno,
Erich Fromm e Herbert Marcuse. A partir da liderana de Horkheimer,
o instituto, que originariamente somente estudava os fenmenos
econmicos, amplia o foco de suas pesquisas, publicando, na sua
Revista de Pesquisa Social, inclusive ensaios relacionando a
psicanlise com o marxismo, como foi o caso dos textos escritos por
Erich Fromm.
2 Dada a dimenso deste trabalho, faremos uso de indicaes
historiogrficas resumidas no cap-tulo I da tese de doutorado por
mim defendida em dezembro de 1996 (Tenrio, 1996b).
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Com a ascenso do nazismo em 1933, o instituto cria filiais em
outros pases europeus (Sua e Frana) e, mais tarde, exila-se nos
Estados Unidos, ficando or-ganizacionalmente alojado na
Universidade de Colmbia. Com o retomo Ale-manha em 1950, o
instituto volta consolidado como uma escola, porm no exclusivamente
marxista, o ponto de os estudantes da Universidade de Frankfurt
redenominarem-no "Caf Max", em homenagem a Max Horkheimer e
supera-o da ortodoxia marxista do incio da sua constituio.
A produo intelectual dos frankfurtianos varia sobre disciplinas
como a filo-sofia, sociologia, psicanlise, economia, cultura e
msica. A fim de no correr o risco de superficializar temtica to
ampla, privilegio como objeto de referncia a racionalidade
instrumental.
A expresso teoria crtica foi usada por Horkheimer para
diferenciar a pro-posta da escola do que ele chamou de teoria
tradicional. Os frankfurtianos enten-deram como teoria tradicional
o conhecimento, baseado nos pressupostos das cincias naturais, que
se preocupa em estabelecer princpios gerais, enfatizando o
empirismo e o conhecimento antes da ao. Tal conhecimento estaria,
portanto, sob a gide do pensamento positivista. A teoria crtica,
por sua vez, estaria preo-cupada em investigar as interconexes dos
fenmenos sociais e observ-los numa relao direta com as leis
histricas do momento da sociedade estudada. Ou seja: "O
especialista 'enquanto' cientista tradicional v a realidade social
e seus produ-tos como algo exterior e 'enquanto' cidado mostra o
seu interesse por essa reali-dade atravs de escritos polticos, de
filiao a organizaes partidrias ou beneficentes e participao em
eleies, sem unir ambas as coisas e algumas ou-tras formas suas de
comportamento, a no ser por meio da interpretao ideolgi-ca. Ao
contrrio, o pensamento crtico motivado pela tentativa de superar
realmente a tenso, de eliminar a oposio entre a conscincia dos
objetivos es-pontaneidade e racionalidade, inerentes ao indivduo,
de um lado, e as relaes de processo de trabalho, bsicas para a
sociedade, de outro" (Horkheimer et alii, 1975:140).
O uso da teoria crtica frankfurtiana como referncia justifica-se
aqui na me-dida em que ela contribuiu para uma releitura das
teorias organizacionais, uma vez que o estudo da racionalidade
instrumental foi uma das contribuies mais importantes dessa escola
ao pensamento do sculo XX. Apesar dos frankfurtianos discutirem o
conceito de razo indo de Immanuel Kant a Max Weber, no nosso caso
fundamental a oposio entre os conceitos weberianos de razo com
rela-o afins (racionalidade instrumental) e razo com relao a
valores (racionali-dade substantiva), com o qual os frankfurtianos
tambm trabalharam: "Os conceitos de razo - escreveu Horkheimer - no
representam duas formas in-dependentes e separadas da mente, ainda
que sua oposio expresse uma antino-mia. A tarefa da filosofia no
consiste em confront-las, mas sim em fomentar uma crtica recproca
e, desse modo, se possvel, preparar na esfera intelectual a
reconciliao das duas" (citado em Jay, 1974:419).
SUPERANDO A INGENUIDADE: MINHA DIvIDA A GUERREIRO RAMOS 35
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No obstante essa posio, os frankfurtianos da primeira gerao
mantm o pessimismo com relao ao predomnio da racionalidade
instrumental na socie-dade contempornea. Para essa possvel
reconciliao, sero de fundamental im-portncia os estudos de Jrgen
Habermas, frankfurtiano da segunda gerao, que prope que este
"encontro" se d por meio da razo comunicativa, tema objeto de
exposio no item seguinte.
4. Negao
Neste item focalizo minha autocrtica, apoiado em Guerreiro Ramos
e na escola de Frankfurt, procurando demonstrar meu inconformismo
com as teorias organizacionais tradicionais. Esta perspectiva ser
demonstrada seguindo a cro-nologia de publicao dos textos.
A anomalia do fato administrativo (Tenrio, 1989)
Com a publicao desse artigo, procurei atingir trs objetivos:
a) utilizar um ttulo que provocasse a pretensa normalidade do
fato administra-tivo;
b) estabelecer uma estrutura de redao que a diferenciasse
daquelas geralmente usadas na redao de trabalhos acadmicos -
introduo, desenvolvimento e concluso -, substituindo a introduo por
incitao e a concluso por comeo;
c) adotar a idia de que os paradigmas tradicionais no estudo de
administrao no eram suficientes para explic-la, j que
"privilegiavam a razo funcional homogeneizadora do homem nas
organizaes" (Tenrio, 1989:7).
Propnhamos, ento, uma sada antiparadigmtica que significava
"resgatar conhecimentos que no circulam na normalidade dos estudos
administrativos". Completvamos essa idia dizendo: "O anti
paradigma, h que busc-lo fora da bi-bliografia que privilegia a
funcionalidade. E essa bibliografia no-convencional encontra-se nos
escritos deserdados pela tecnocracia e pela comunidade acadmi-ca.
Podemos ach-los nos escritores tidos como 'malditos' pelo 'sistema'
ou nos textos dos partidrios da acracia, por exemplo, cujas idias,
por mais absurdas que possam ser ( ... ), podem contribuir para
aperfeioar o conhecimento administrati-vo. Por que acreditamos
nessa possibilidade? Porque aceitamos que as contradi-es servem
para promover o conhecimento em dado momento da anlise, ou seja, o
confronto ( ... ) da racionalidade administrativa com conceitos
aparentemen-te esdrxulos contribuiria para melhorar o contedo
ingnuo e mecanicista das
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teorias organizacionais. Confrontar conhecimentos, ainda que
polarizados, no perder a razo, mas sim encontr-la temporariamente"
(Tenrio, 1989:7).
Resgatar conhecimentos que no circulam na normalidade dos
estudos em ad-ministrao no significava procurar apoio em propostas
esotricas, msticas ou assemelhadas, mas em idias cujo contedo
estivesse relacionado a questes de natureza scio-econmica, como o
caso dos textos de origem libertria. Finali-zei o texto dizendo que
"no conclumos, comeamos, pois seria contraditrio propor qualquer
sada na medida em que a suposio bsica deste artigo a de que no h
razo que justifique a permanncia de outra razo", acrescentando que
"pensar diferente do 'normal' reconhecer que jamais existiu e
jamais existir uma palavra nica; porque, acima de tudo, existe a
diferena" (Tenrio, 1989:8).
Tem razo a administrao? (Tenrio, J 990)
Esse texto apresentava a discusso conceitual de trs tipos de
racionalidade: instrumental, substantiva e comunicativa. As duas
primeiras derivadas de Max Weber e a terceira de Jrgen
Habermas.
Duas observaes devem ser feitas antes que apresente o contedo
desse texto:
a) os frankfurtianos, a includo Habermas, tm, como j observei,
uma dvida para com as concepes weberianas de racionalidade;
b) Horkheimer usa a expresso razo subjetiva para identificar a
razo instru-mental e razo objetiva para razo substantiva.3
A fim de evitar confuso e por acreditar ser mais inteligvel,
optei por traba-lhar com os conceitos de razo instrumental (com
relao a meios e fins) e razo substantiva (com relao a valores),
distino que est bem desenvolvida no livro de Guerreiro Ramos
Administrao e estratgia do desenvolvimento: elementos de uma
sociologia especial da administrao (Guerreiro Ramos, 1966:37-42),
quando ele discute os dois conceitos a partir das leituras de Karl
Mannheim e Chester Bamard. Guerreiro Ramos retoma essa discusso de
maneira mais crtica no livro A nova cincia das organizaes: uma
reconceituao da riqueza das na-es (Guerreiro Ramos, 1981). Baseado
nestas referncias bibliogrficas, fiz o se-guinte comentrio a
respeito da interao da racionalidade instrumental com a
racionalidade substantiva: "A racionalidade instrumental ou
funcional o pro-cesso organizacional que visa a alcanar objetivos
prefixados, ou seja, uma ra-zo com relao a fins no qual vai
predominar a instrumentalizao da ao social dentro das organizaes,
predomnio esse centralizado na formalizao mecani-
3 Estes conceitos de racionalidade esto desenvolvidos em Tenrio
(I996b:31-8).
SUPERANDO A INGENUIDADE: MINHA DVIDA A GUERREIRO RAMOS 37
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cista das relaes sociais em que a diviso do trabalho um
imperativo categ-rico, atravs da qual se procura justificar a
prtica administrativa dentro dos sistemas sociais organizados. Por
sua vez, a racionalidade substantiva a percep-o individual-racional
da interao de fatos em determinado momento. O que significa dizer
que os atores sociais dentro das organizaes, administradores e
administrados, deveriam desenvolver suas relaes e forma de produzir
segundo a sua maneira particular de perceber a ao racional com
relao a fins. No en-tanto, isso no ocorre devido a razes que s a
razo funcional procura explicar" (Tenrio, 1990:6).
Na realidade, o que comumente ocorre no interior das organizaes
o con-fronto entre a racionalidade instrumental e a racionalidade
substantiva. De um lado, a organizao estabelece seus mecanismos
funcionais de ao com respeito a fins e, de outro, a pessoa humana
desenvolve sua percepo individual-racional, interpretando as
intenes do sistema. Intenes essas que, na linguagem haber-masiana,
colonizam o mundo da vida.
A fim de minimizar o conflito entre as duas racionalidades e
considerando a hegemonia da razo instrumental no interior das
organizaes, hegemonia essa ideologizada pelas teorias
organizacionais, propus que essas teorias fossem apli-cadas atravs
da intermediao da racionalidade comunicativa habermasiana:
ra-cionalidade sob a qual os atores sociais tm no dilogo, por meio
do melhor argumento, o contedo central de suas decises.
Portanto, como a "ao comunicativa pressupe a linguagem como um
meio dentro do qual tem lugar um tipo de processo de entendimento,
em cujo transcurso os participantes ( ... ) se apresentam uns
frente aos outros com pretenses de vali-dade que podem ser
reconhecidas ou postas em questo" (Tenrio, 1990:8), a pro-posta
habermasiana do agir comunicativo implicaria uma mudana de
paradigma das teorias organizacionais. Isso ocorreria porque o uso
desse novo "paradigma em administrao significaria, em primeiro
lugar, admitir a falibilidade de seus conceitos e, em segundo,
incorporar criticamente outros conceitos que ampliem o horizonte de
suas perspectivas como rea de conhecimento" (Ten6rio, 1990:8).
o mythos da razo administrativa (Tenrio, 1993)
Com esse artigo procurei enfatizar minha percepo crtica quanto
ao papel das teorias organizacionais. Para tanto, desenvolvi o
texto com dois objetivos. O primeiro era utilizar a mitologia grega
para relatar "aquilo que poderia ter aconte-cido se a realidade
coincidisse com o paradigma da realidade" (Tenrio, 1993:3).
Portanto, trabalhei com a "hiptese de que as teorias
organizacionais", assim como seus novos paradigmas de produo
centrados em mecanismos "flexveis", por serem "dependentes
imediatos da racionalidade instrumental, no passam de mitos daquilo
que poderia ter acontecido, no daquilo que realmente ocorre no
interior dos sistemas sociais organizados" (Tenrio, 1993:3).
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No segundo objetivo dizia que: "O mito na idade contempornea,
que preva-lece como elemento possvel e ilustrativo, no deve ser
visto como um objeto de pura investigao emprico-descritiva, nem
tampouco manifestao histrica de nenhum absoluto: o modo de ser ou
forma de uma conscincia - a conscincia mtica. Esta conscincia tem
um princpio que se pode investigar mediante um tipo de anlise que
no emprico nem metafsico, mas - em sentido lato - epis-temolgico"
(Tenrio, 1993:3).
Dividi o texto em trs momentos e de acordo com as etapas do
teatro clssico grego: prlogos, gon e xodos. No prlogo, primeiro ato
da comdia grega, a ra-zo instrumental representada por Zeus, deus
supremo, senhor do universo, "pai dos deuses e dos homens, diante
de quem no s os deuses, mas tambm os mor-tais compartilham idntica
inferioridade: Zeus no se considera sujeito a regras democrticas.
ele quem faz a lei. Atena, sua filha, diz: preciso tem-lo, pois ele
castiga, indistintamente, o inocente e o culpado" (Tenrio, 1993
:2).
No segundo ato, gon, cena intermediria da comdia grega, utilizei
o mito de Ssifo para ilustrar o papel submisso das teorias
organizacionais racionalidade instrumental. De acordo com a
mitologia grega, Zeus condenou Ssifo a carregar uma pesada pedra
para o cume de uma colina; porm, quando Ssifo chegava ao topo, a
pedra rolava de volta base da colina e ele tinha de repetir a
tarefa indefini-damente. Assim, eu apresentava a hiptese de que
esse castigo tambm foi imposto pela razo instrumental s teorias
organizacionais, na medida em que, at nossos dias, a razo
administrativa ainda no resolvera o "problema da relao
homem-trabalho na 'modernidade' da sociedade tcnico-burocrtica"
(Tenrio, 1993:6).
No xodo, ato final da comdia grega, fiz as seguintes perguntas:
"Que teremos de sacrificar perante o Orculo de Zeus em Dodona, no
pico para minorar o so-frimento de Ssifo? O que se tem sacrificado
nos ltimos anos o taylorismo-for-dismo e colocado disposio de Ssifo
robs, na tentativa de o aliviar da pesada e repetida tarefa de
(e)levar a pedra para cima do monte Hades. Ser que a simples
substituio da automao rgida pela automao flexvel alivia o castigo
que Zeus determinou? No ser mais esse um novo artifcio da toda
poderosa razo instru-mental de mais uma vez impedir a emancipao do
homem?" (Tenrio, 1993:17).
A flexibilizao da produo significa a democratizao do processo de
produo? (Tenrio, 1994)
O objetivo desse trabalho era verificar se, conceitualmente, o
novo paradigma de gesto denominado ps-fordista ou flexibilizao
organizacional possua ca-ractersticas que o identificasse com
possibilidades de democratizao das rela-es sociais no processo de
produo. A hiptese bibliogrfica estudada era "se as novas
tecnologias de organizao da produo baseadas no princpio da
flexi-bilidade, podero promover, favorecer ou pelo menos no impedir
a democratiza-o das relaes sociais no interior das empresas"
(Tenrio, 1994:87).
SUPERANDO A INGENUIDADE: MINHA DIvIDA A GUERREIRO RAMOS 39
-
Dos trs indicadores que compem o contedo do modelo da
fleXibilizao organizacional - progresso cientfico-tecnolgico,
globalizao da economia e valorizao da cidadania, a nfase foi dada a
este ltimo, na medida em que a ele est vinculado o tema da
participao do trabalhador no processo de tomada de deciso. A
participao com aflexibilidade organizacional foi assim
identificada: "No 'universo das cincias sociais pode dizer-se que a
participao o conjunto organizado de aes tendentes a aumentar o
controle sobre os recursos, decises ou benefcios, por pessoas ou
grupos sociais que tm nveis de influncia relativa-mente menores
dentro de uma comunidade ou organizao ( ... )'. Apesar dos
tra-balhadores, principalmente aqueles de nvel operacional, terem
sob o fordismo reduzido nvel de influncia nos processos formais de
produo, o novo paradig-ma (flexibilidade organizacional) tem como
proposta transformar o processo pro-dutivo atomizado, setorial, em
outro mais integrado e homogneo socialmente. Dois elementos so
importantes para consolidar essa proposta de uma gesto mais
participativa: circulao das informaes e gesto social das relaes
homem-trabalho" (Tenrio, 1994:93).
O indicador progresso cientfico-tecnolgico, no ps-fordismo,
interagiria com a valorizao da cidadania e, conseqentemente, com a
varivel participa-o, na medida em que a circulao das informaes,
favorecida pelos equipa-mentos de base microeletrnica, contribuiria
para uma maior aproximao entre superiores e subordinados. Como
tecnologias favorecedoras dessa relao revolu-o cientfica-valorizao
da cidadania, o artigo apontava as tcnicas de qualida-de e
produtividade, to em voga no pas nos anos 90. A concluso crtica a
que cheguei nesse ensaio (1994:98) foi: "Poderamos concluir este
trabalho dizendo que aflexibilidade organizacional no Brasil, de
acordo com a bibliografia estuda-da, parece percorrer um continuum
entre dois extremos: flexibilidade organiza-cional defensiva
-flexibilidade organizacional ofensiva; acreditamos at que as
empresas brasileiras aproximem-se mais de uma estratgia defensiva
do que o seu contrrio. V. Prochnick em pesquisa realizada na
indstria de calados diz que existe um possvel tipo de flexibilidade
organizacional, 'no qual equipamentos e tcnicas modernas coexistem
com salrios baixos e condies de trabalho prec-rias, denominado
flexibilizao espria'''.
Contiene dialogicidad la calidad? Un anlisis crtico de la
calidad total (Tenrio, 1996a)
Esse trabalho deu seqncia ao anterior, na medida em que a
preocupao aqui foi colocar na berlinda a tcnica de gesto pela
qualidade, que est inserida no contedo do paradigama ps-fordista de
gesto da produo. Partimos do pres-suposto de que, nos dias atuais,
tanto o setor privado quanto o setor pblico preo-cupam-se em estar
atualizados com as novidades tecnogerenciais. Apesar disso, essas
preocupaes pareceriam estar isentas de anlises crticas referentes
vali-dade dessas novidades.
40 RAP 5/97
-
A fim de guardar coerncia com as propostas que fiz no artigo "A
anomalia do fato administrativo", no qual propus o uso de outros
contedos conceituais que no aqueles considerados "normais",
utilizei, para "discutir" a relao qualidade-dialogicidade, as
propostas conceituais de Martin Buber, nas quais a correspon-dncia
Eu-Tu (um-com-o-outro) antittica a Eu-Isso
(um-ao-Iado-do-outro).
O que procurei verificar, ainda que conceitualmente, se a tcnica
gerencial de gesto pela qualidade conteria elementos que
favorecessem a dialogicidade entre os diferentes atores sociais nos
sistemas formalmente organizados. E o mote dessa verificao era a
frase de Martin Buber: "O dilogo no imposto a nin-gum. Responder no
um dever, mas sim um poder" (Tenrio, 1996b: 189). Este mote
referendado pela idia central de que na relao Eu-Tu a alteridade o
con-tedo que fomenta a totalidade, a organicidade, entre os atores.
J na relao Eu-Isso, o entre intermediado por uma coisa.
A gesto pela qualidade pressupe o uso de tcnicas de mobilizao
grupal: crculos de controle de qualidade (CCQs), grupos de expresso
(GEs), clulas de produo (CPs) e outras que enfatizam aparticipao.
Corroborando esse pressu-posto, diz que o conceito de qualidade
total visto como "um sistema orgnico e no como um sistema mecnico
de tipo taylorista, cuja diviso do trabalho espe-cializado e
separao entre o planejamento e a execuo" (Tenrio, 1996a: 195)
impediria a ao dialgica entre os diferentes atores do processo
produtivo. Ape-sar da possibilidade de que a gesto pela qualidade
poderia contrapor-se aos es-quemas gerenciais mecanicistas, iniciei
a concluso do ensaio da seguinte maneira: "No interior dos sistemas
sociais organizados, o inter-humano geralmen-te uma ao que ocorre
entre os homens, ora como atores (dirigentes) ora como assistentes
(dirigidos), atravs de um processo estruturado, racional, de uma
ade-quao de meios e fins. Em uma empresa privada, por exemplo, o
inter-humano ter como objetivo, de uma forma ou de outra, o lucro,
o que faz com que a ao entre pessoas a ele seja submetida. Assim, a
relao Eu-Tu (um-com-o-outro) tor-na-se difcil porque numa organizao
entre o Eu e o Outro existe a intermediao do processo de produo, o
que faz com que a relao Eu-Isso (um-ao-Iado-do-outro) ocorra com
mais freqncia, j que a relao se d sob uma estrutura arti-ficial
(formal), no natural. Enquanto em um espao comunitrio, dialgico, o
ho-mem expressa sua totalidade reciprocamente a partir do que ele ,
na empresa, o homem, por estar dentro de uma estrutura
organizacional, por ser 'parte' de uma imagem determinada por essa
estrutura, pelo 'todo', expressa somente o 'desejo diferenciado em
tirar vantagens gerado pelo pensamento isolado da totalidade' ( ...
) em que o Tu j no mais seno um Isso, sendo parte de uma soma de
quali-dades teis para atender os objetivos planejados" (Tenrio,
1996a: 199).
Flexibilizao organizacional, mito ou realidade? (Te n rio,
1996b)
Nesse texto, utilizado para defesa de tese, procurei aprofundar
a crtica mi-nha ingenuidade que predominou at a metade dos anos 80.
Nesse trabalho estu-dei, no especificamente o contedo terico crtico
da obra de Alberto Guerreiro
SUPERANDO A INGENUIDADE: MINHA DVIDA A GUERREIRO RAMOS 41
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Ramos, mas aqueles marxistas ocidentais a mim "apresentados" por
Guerreiro Ramos. A fim de operacionalizar a anlise frankfurtiana,
realizei quatro estudos de caso para verificar se o paradigma da
flexibilizao organizacional (ps-for-dismo) contm elementos que
favoream uma ao gerencial dia lgica, tipo de ao social substanciada
pela teoria social de Jrgen Habermas.
Por flexibilizao organizacional entendo "o novo paradigma em
gesto da produo que preconizaria a diferenciao integrada da
organizao da produ-o e do trabalho sob a trajetria de inovao
tecnolgica em direo demo-cratizao das relaes sociais nos
sistemas-empresa" (Tenrio, 1996b:XIII). Defini o objetivo do estudo
da seguinte forma: " a partir da nova referncia ge-rencial quanto a
organizao da produo e do trabalho e dos possveis proble-mas por ela
gerados quanto gesto dos recursos humanos, que o nosso objetivo foi
pesquisar como est sendo implementado, sob a perspectiva de uma ao
ge-rencial dia lgica, a incorporao de tecnologias da informao em
quatro em-presas ( ... ) brasileiras. O que desejvamos verificar
era se os pressupostos gerenciais da flexibilizao organizacional
correspondem, de acordo com o pa-radigma terico-social
habermasiano, a um agir comunicativo (dialgico) ao in-vs de um agir
estratgico (monolgico). Contrariando este ltimo, em um agir
comunicativo no existe hegemonia decisria daqueles que ocupam
cargos de di-reo, mas sim uma esfera pblica na qual todos os
agentes envolvidos tm parti-cipao ativa no processo de tomada de
deciso" (Tenrio, 1996b:XIV).
Aps a anlise dos quatro casos estudados, cheguei ao seguinte
resultado: "a con-cluso que chegamos a partir dessas anlises nos
permite dizer que, no conjunto, as quatro empresas pesquisadas
ainda carecem de contedos substantivos facilitadores do
desenvolvimento de aes gerenciais dia lgicas. Ou seja, apesar do
'caminhar' em direo dialogicidade, nos quatro casos estudados ainda
ocorrem procedimentos gerenciais direcionados a aes estratgicas
(monolgicas), nos quais os gerentes implementam tais aes mais
atravs do clculo de meios e fins sob o ponto de vista da maximizao
da utilidade ou de expectativas de utilidade do que orientados a
aes comunicativas (dialgicas), quando os gerentes deveriam
implementar suas aes por meio do entendimento com os outros atores
a fim de coordenarem, de co-mum acordo, seus planos de ao e com
eles suas aes" (Tenrio, 1996b:469).
5. Concluso
Apesar de um texto-depoimento caracterizar-se por pontuaes de
natureza pessoal, fato que mobiliza motivaes egocntricas, no
descarto a hiptese de que este tambm um processo de aprendizagem.
Processo que permite rever conceitos ou prticas, considerados aqum
da possibilidade de estabelecer com-promissos com a razo
verdadeira.
Portanto, a importncia da obra de Alberto Guerreiro Ramos na
minha forma-o terica caracterizou-se pela sinalizao da necessidade
de leituras que justifi-quem o estar "em mangas de camisa"
(Guerreiro Ramos, 1995:31), no apenas
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com o "hbito" (Guerreiro Ramos, 1996:7) do conhecimento mas com
o de um "saber de salvao".
Assim, possvel observar, neste texto-depoimento, que trs foram
os mo-mentos nos quais constru e reconstruf minha compreenso da
administrao como rea de conhecimento e das teorias organizacionais
como referncias con-ceituais da prtica
administrativo-gerencial:
a) ingnuo ou de compreenso tradicional, no qual a idealizao do
processo de trabalho se dava sob o fenmeno administrativo como
racionalidade exclusiva-mente instrumental;
b) estudo do fenmeno administrativo como um fenmeno de natureza
social e interatuante com a racionalidade substantiva, fase
estimulada pelo socilogo Guerreiro e ampliada, criticamente, pela
perspectiva dos frankfurtianos de pri-meira e segunda geraes;
c) (re)leitura e redao crtica, atravs da publicao de textos e
execuo de pes-qUisas,4 muito mais como uma catarse do que com
pretenses de originalidade, acreditando na possibilidade de a
administrao e as teorias organizacionais rea-lizarem-se sob a
racionalidade comunicativa.
Esta autocrtica serve para ilustrar a importncia, na trajetria
intelectual de qualquer pesquisador, de uma referncia paradigmtica
que pode ser expressa por meio da teoria, epistemologia, axiologia
e mesmo tica de um indivduo. Alberto Guerreiro Ramos foi uma das
referncias fundamentais na minha formao. Por-tanto, a ele devo a
oportunidade de procurar a natureza e o poder da razo
admi-nistrativa no mbito da racionalidade instrumental.
Referncias bibliogrficas
Guerreiro Ramos, Alberto. A reduo sociolgica: imroduo ao estudo
da razo sociolgica. Rio de Janeiro, MEC/lseb, 1958.
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uma sociologia especial da administrao. Rio de Janeiro, FGV,
1966.
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4 Desenvolvo na EBAPIFGV um programa de pesquisa denominado
Programa de Estudos em Gesto Social (PEGS), no qual o referencial
terico aqui apresentado procura ser operacionalizado em dois
segmentos bsicos de investigao: relao sociedade-Estado e relao
trabalho-capital.
SUPERANDO A INGENUIDADE: MINHA DVIDA A GUERREIRO RAMOS 43
-
---o Introduo crtica sociologia brasileira. Rio de Janeiro,
Andes, 1957. (reed. Rio de Janeiro, UFRJ, 1995.)
Horkheimer, Max et alii. Os pensadores. So Paulo, Abril
Cultural. 1975. v. XXLVIII.
Jay, Martin. La imaginacin dialtica: una historia de la escuela
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Soares, Luiz Antonio. A sociologia crtica de Guerreiro Ramos: um
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---o Lecturas bsicas sobre administracin y teora de sistemas.
In: BID-FGV IEIAP. Proyectos de desarrollo: planijicacin,
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I.
---o Permanencia dei modelo weberiano. Revista Internacional de
Ciencias Administrativas. Bruxelas, Instituto Internacional de
Ciencias Administrativas, 47(3), 1981.
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---o O mythos da razo administrativa. Revista de Administrao
Pblica. Rio de Janeiro, FGV, 27(3), 1993.
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processo de produo? In: Encon-tro anual da Anpad. Anais. Curitiba,
Anpad, 1994. V. 9. (rea: Produo Industrial e de Servios.)
---o Contiene dialogicidad la calidad? Un anlisis crtico de la
calidad total. Reforma e Demo-cracia. Caracas, Clad (6), jul. I
996a.
---o Flexibilizao organizacional, mito ou realidade? Estudo de
caso nas empresas Eletro-brs, Embratel, Fumas e Petrobras. Rio de
Janeiro, UFRJ/Coppe, I 996b. (Tese de Doutorado.)
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