1 Fundação Instituto de Administração – FIA Milena Tobias Televisão estratégica. Análise do funcionamento da televisão sob a ótica do conteúdo: um estudo de caso da série “o infiltrado” no canal History Brasil. Estudo apresentado como parte dos requisitos para a conclusão do curso de Pós-Graduação em Gestão Estratégica de Marcas, turma 3, sob a orientação do professor Adriano Sá. São Paulo Julho – 2013
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Televisão Estratégica: Análise do funcionamento da televisão sob a ótica do conteúdo
Escrevi esse artigo para meu trabalho de conclusão na pós-graduação em "Gestão Estratégica de Marcas" na FIA- Fundação Instituto de Administração de São Paulo em julho de 2013. A ideia foi abordar um tema que não foi muito conversado durante as aulas e no mercado em geral. O audiovisual e o entretenimento são mercados que movimentam bilhões de reais no país e acredito que a atenção será cada vez mais voltada para eles. Porém sua administração e colocação no mercado envolve particularidades. Entender de comunicação, história, do mundo em que costumávamos viver, do mundo que vivemos agora. Inovação, política, saúde, meio ambiente, relações internacionais e fofocas de Hollywood. Tudo é material de criação, quando o produto é conteúdo. Esse artigo é uma introdução para um universo de interpretações e possibilidades. O assunto é extenso e cheio de coisas para se estudar!
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Fundação Instituto de Administração – FIA
Milena Tobias
Televisão estratégica. Análise do funcionamento da televisão sob a ótica do conteúdo: um estudo
de caso da série “o infiltrado” no canal History Brasil.
Estudo apresentado como parte dos requisitos para a
conclusão do curso de Pós-Graduação em Gestão Estratégica
de Marcas, turma 3, sob a orientação do professor Adriano Sá.
São Paulo
Julho – 2013
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Resumo
Enquanto o mundo ganha universos cada vez mais múltiplos, os desafios ao procurar o
produto certo para cada público se torna cada vez mais complexo. Na televisão esse cenário
não é diferente, mas com um desafio extra. O conteúdo é o produto.
A gestão de marcas voltada para o mercado de televisão pode fornecer associações cada vez
mais relevantes para quem tem interesse em produzir conteúdo que converse com a audiência
em múltiplos níveis. O desafio é grande e o Brasil entra em uma fase importante de criação de
força de produção sob a abertura de uma nova lei federal. Canais de televisão são marcas e
seus produtos são responsáveis por mexer com o imaginário de milhões de telespectadores
todos os dias. Gerir esse conteúdo e entender seus significados é premissa para o
fortalecimento da indústria nacional de audiovisual.
Palavras chave: televisão; televisão por assinatura; marca; associações de marca; conteúdo.
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1. INTRODUÇÃO
O conceito principal de qualquer negócio é a forma como ele entrega valor para a sociedade e
obtêm receita financeira para poder cobrir os custos e gerar lucros para a empresa. Desta
forma, as empresas e companhias que fazem parte da indústria televisiva, seja em sua criação,
fabricação, distribuição ou veiculação estão, como em todas as outras indústrias, a procura de
formas para aumentar receita, expandir mercados e se fazer presente da vida de seus
consumidores.
O século XXI transformou o modo como os consumidores experimentam o processo de
compra e também o que os fazem comprar, antes de tudo porque o cliente se tornou o detentor
de maior poder na relação de compra e venda. A sociedade moderna urbanizada possui mais
trabalho e cada vez menos tempo. As empresas perceberam que esse tempo que ficava cada
vez menor teria que ser divido entre toda a variedade de interessados em “falar” com seus
consumidores. Empreitada cada vez mais complexa.
Some a esse poder do consumidor a evolução sem precedentes da tecnologia. O computador
doméstico, a internet de banda larga, os aparelhos de celular e mais tarde os smartphones e
aparelhos móveis se tornaram os principais meios por onde um novo contexto de comércio,
informação, segurança e propaganda, entre outros assuntos, emergiriam.
A eclosão do aumento de canais de venda e a fragmentação, convergência dos meios e seus
efeitos foram absorvidos por diversos mercados. Nesse caso, a televisão, mais precisamente a
televisão por assinatura, possui em si, por definição, grande parte desses conceitos que
traduzem o consumo nos tempos atuais.
Enquanto empresa, um canal de televisão por assinatura não pode deixar calcular sua receita,
mas ao mesmo tempo necessita se empenhar cada vez mais no conteúdo que produz. São seus
programas, séries, novelas, elenco, cores e sons para citar alguns, que balanceados e somados
ao elemento surpresa presente na ficção é que fazem a receita de um canal.
Buscando garantir o sucesso, as emissoras (que possuem diversos canais) e os próprios canais
de televisão, sendo unidades de negócio, adotaram modelos estratégicos e conceitos vindos da
administração de empresas dentre eles, a gestão de marcas.
Muito além de fábricas de sonhos, os canais de televisão são construtores de conteúdo. A
gestão de marcas mostra, por exemplo, que para que esses canais sejam fortes, precisam ter
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marcas acessíveis e singulares. Se tornando diferentes de seus concorrentes e fornecendo
associações de qualidade com as quais sua audiência queiram se identificar.
O Brasil está no início de um novo momento no universo da televisão por assinatura. Após
uma decisão do governo brasileiro, a Lei 12485/2011 exige uma presença maior de conteúdo
nacional nos canais, abrindo espaço para a circulação de conteúdo audiovisual brasileiro,
diversificado e de qualidade, gerando vastas oportunidades profissionais para os mais diversos
participantes do setor.
O espaço para o crescimento não só de quantidade de produtos produzidos para a televisão,
mas a qualidade de crescimento do entendimento de toda o funcionamento de setor, inclusive
de entendimento maior a respeito dos interesses dos canais em relação ao que podem se
interessar em criar no Brasil a longo prazo tornam o futuro um espaço aberto para
investigações cada vez maiores e aprofundadas sobre a identidade brasileira pós-moderna e
seu comportamento de consumo quando se trata da televisão.
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO
A entrada da televisão na “TVIII” ou terceira era da televisão (JOHNSON. 2008) acontece em
um momento em que o capitalismo ser expande, no final do século XX. Sob aspectos
econômicos sem precedentes, países se tornam mercados e passam a ter oportunidade de
produzir e vender não só para suas próprias fronteiras, mas para todo o mundo.
Segundo Philip Kotler, (Revista HSM,1997), a globalização tem dois significados principais
para as empresas. “No lado da demanda, sugere o aumento do número de estilos de vida
globais e maiores expectativas a respeito de qualidade, serviço e valor. No lado da oferta,
significa que cada vez mais companhias concorrerão em cada mercado”.
Neste contexto volátil, a contribuição dos avanços tecnológicos de tecnologias como a
internet e seu alcance em todas as camadas da sociedade se tornam fundamentais para a
compreensão do mundo atual. Nesse período se inicia, conforme a movimentação econômica
mundial, os conglomerados de mídia como a Time Warner1, a Viacom2
e as Organizações
1 Time Warner é composta por New Line Cinema, Time Inc., HBO, Turner Broadcasting System, The CW
Television Network,TheWB.com, Warner Bros., Kids' WB, Cartoon Network, Boomerang, Adult
Swim, CNN, DC Comics, Warner Bros. Animation, Cartoon Network Studios, Hanna-Barbera, and Castle Rock
Entertainment.
2 Viacom é: MTV Films , Nickelodeon Movies, Paramount Animation, Paramount Pictures, Viacom
International. MTV, BET, CMT, Comedy Central, Logo, MTV2, Nick at Nite, Nick Jr,. Nickelodeon,Nicktoons,
Globo3, que se formam de modo a continuar crescendo em um mercado que se torna cada vez
mais plural e fragmentado.
“o consumidor pós-moderno sofre hoje uma crescente escassez de tempo, atenção e confiança (...)
processam um grande número de estímulos visuais a uma velocidade cada vez maior e ignoram as
informações que não são claras. São infiéis às marcas e relutam em oferecer confiança
incondicional aos fornecedores” (LEWIS e BRIDGES, 2004, p. 17)
Para se aproximar deste consumidor, os canais passaram a adotar estratégias de marketing e
administração em seus negócios com mais frequência. Catherine Jonhson, especialista em
estudos de televisão relata o cenário (início do século XXI) em que o branding surgiu e
passou a ser utilizado pelos canais.
“Branding pode ser entendido não simplesmente como característica da rede de televisão, mas
também como características de programas televisivos. Se inicia com o exame de como a
emissora/canal é construído e transmitido como marca para o consumidor, a partir da utilização de
logos, slogans e programas. O papel dos programas na construção da identidade da marca é então
complicado pelo exame das vendas deste programa no exterior (...)”.4
Informações como essa, iniciam uma movimentação de relacionamento entre as estratégias de
planejamento e comunicação e marketing voltadas para empresas varejistas como a Nike, que
passam a ser utilizadas nessas grandes corporações e em todas as empresas que passam a fazer
parte de seu portfólio de marcas e precisam se diferenciar entre em si e perante o público. As
marcas na televisão passam a ser consideradas não só pelo seu logo, mas na sua totalidade
complexa.
A televisão americana tem uma medida mais fácil de ser seguida nesse sentido, haja vista, faz
parte da construção da receita dessas empresas o valor e quantidade de venda desses produtos
em outros países. No Brasil esse cenário é mais limitado, pois os programas nacionais ainda
são muito mais importados do que exportados. Um exemplo contrário a esse seriam as
telenovelas produzidas pela Rede Globo como ‘Avenida Brasil’ que foi vendida para mais de
106 países e dublada em 14 línguas (REDE GLOBO, 2013).
3 Canais da TV Globo voltado para televisão paga são: TV Globo Internacional Globo News, Viva, SporTV,
PFC, Premiere Shows, Megapix, Gloob GNT, Multishow, Viva, Bis + Globosat, OFF HD e Combate Hdmini.png Rede Telecine;Universal Channel, Syfy, Studio Universal, Canal Brasil e canais Playboy do Brasil Entretenimento. 4 “branding can be understood not simply as a feature of television networks, but also as a characteristic of
television programmes. It begins by examining how the network as brand is constructed and conveyed to the consumer through the use of logos, slogans and programmes. The role of programmes in the construction of brand identity is then complicated by examining the sale of programmes abroad.
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A televisão digital, a internet de velocidade, celulares e computadores portáteis são apenas
parte do escopo de estudo daqueles que trabalham com o tema mídia. A forma como os
consumidores se relacionam com esses produtos simultaneamente fortalece a prerrogativa de
que o conteúdo e o tratamento que ele recebe, seja no tipo de narrativa utilizado (storytelling)
quanto a forma de viabilizar esse conteúdo (vendas e participação da audiência em diversos
canais, como canais de internet e aplicativos de celular) se torna cada vez mais fundamental
para gerar valor para a marca.
1.2 PROBLEMA DE PESQUISA
Em que medida o programa “O Infiltrado” co-produzido e transmitido pelo canal History
Brasil fortalece a imagem de marca do canal?
1.3 OBJETIVOS DO TRABALHO
O objetivo geral deste trabalho é analisar como a produção de conteúdo (programa “O
Infiltrado”) pode criar associações positivas para o canal por assinatura History e por
consequência fortalecer sua marca.
Os objetivos específicos são:
Identificar referenciais teóricos que descrevem o atual modelo de consumo de
produtos e a participação dos canais de televisão como mercado
Apresentar o canal History e a estratégia de sua gestão de marca a partir evolução de
seu conteúdo programático
Identificar junto ao canal History Brasil como a veiculação do programa “O Infiltrado”
foi bem sucedida em seu desafio de criar um conteúdo que fortalecesse a presença da
audiência no canal e por contrapartida fortalecesse sua marca.
1.4 JUSTIFICATIVA
O século XXI alterou a forma como a sociedade participa do processo de consumo. O mundo
globalizado abriu fronteiras e implementou uma nova forma de se pensar em negócios. Os
cenários após a revolução do consumo abrangem também o consumo de mídia, como produto
cultural, de função social e interesse praticamente unânime entre os indivíduos de uma
sociedade contemporânea.
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A importância da análise feita neste trabalho é levantar a discussão do modelo atual de negócio
da televisão por assinatura, mercado que economicamente tem grande relevância, com uma
receita de mais de cerca de 18 bilhões de reais em 2011 (ABTA,2013). Somando retornos
publicitários, receitas de assinaturas e serviços adicionais esse faturamento já supera o das
redes de TV aberta.
O Brasil está vivendo um momento de abertura de mercado audiovisual com a Nova Lei da
TV Paga. O que leva cada vez mais os profissionais que participam dessa rica indústria a
procurar por formas de reconhecer o produto que fabricam com uma ótica mercadológica sem
perder sua qualidade artística e intelectual.
Hoje temos um mercado mais maduro no Brasil, com mais de 16 milhões de domicílios
assinantes (idem) crescendo a 30% ao ano. Existe um grande espaço para o entendimento do
conteúdo nacional transmitido pelos canais de TV por assinatura e as possibilidades de
crescimento dos canais que o transmitem. De forma balanceada, o domínio desse assunto
poderá fazer o país se fortalecer em todo o fluxo, inovado seus processos em todas as etapas
do modelo de negócio da televisão nacional, se fortalecendo e aumentando sua
competitividade para poder brigar com os grandes fornecedores de conteúdo de todo o
mundo.
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2. REVISÃO DA LITERATURA
No final da década de 80, a configuração histórico- social entra em definitivo no modo de
produção capitalista, da cultura de mercados. Caracterizada especialmente pela globalização
(IANNI, 1995) “toda economia nacional, seja qual for, torna-se província da economia global.
O modo capitalista de produção entra em uma época propriamente global, e não apenas
internacional ou multinacional. Assim, o mercado, as forças produtivas, a nova divisão
internacional do trabalho, a reprodução ampliada do capital, desenvolvem-se em escala
mundial”.
A expansão de mercados desse momento marca o início da produção cultural industrializada
pelo mundo. Samuel Castells (2000) reflete sobre esse momento da cultura a partir de um
exemplo japonês que estudava na ocasião:
“Youich Ito, ao analisar a evolução dos usos da mídia do Japão, também conclui que existe a
evolução de uma sociedade de massa, para uma sociedade segmentada, resultante das novas
tecnologias de comunicação que enfocam a comunicação especializada, diversificada, tornando a
audiência cada vez mais segmentada por ideologias valores, gostos e estilos de vida. (...)
“este na verdade é o presente e o futuro da televisão: descentralização, diversificação e adequação
ao público- alvo. (...) o que caracteriza o novo sistema de comunicação, baseado na integração em
rede digitalizada de múltiplos modos de comunicação, é a sua capacidade de inclusão e
abrangência de todas as expressões culturais. (CASTELLS, 2000).
O futuro da televisão citado por Castells é real se analisarmos o modelo de negócio e o
contexto da produção midiática do século XXI. Na cultura da convergência:
“em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados,
podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de
regras, que nenhum de nós entende por completo” (p. 28), pois a “convergência envolve uma
transformação tanto na forma de produzir quanto na forma de consumir os meios de comunicação”
(JENKINS, 2006).
O perfil do consumidor está maquiado por camadas e camadas de dados e de informação. Na
mídia, o poder que antes era exclusivo das corporações foi dividido. Migrou “das redes de
televisão, das gravadoras e das agências de propaganda para o sujeito no sofá com o controle
remoto ou para o adolescente que baixa música na internet. O consumidor ganhou poder e
liberdade”. (DONATON,2007).
Como afirma Albarran (2006), a indústria da mídia é única para a sociedade de diversas
maneiras, constituindo-se como fonte primária de informação e entretenimento,
desempenhando uma importante função cultural. A abrangência praticamente generalizada da
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revolução do consumo atinge também o consumo de mídia, como produto cultural, de “função
social e interesse praticamente unânime entre os indivíduos de uma sociedade
contemporânea” (GALVÃO, 2008). A entrada da era digital mudaria o universo da
comunicação e forma como é transformada em receita.
A TV na Era Digital e sua relação com conteúdo atualmente
A professora Catherine Johnson em seu trabalho “Tele Branding in TVIII” fala sobre diversos
aspectos que podem ser trabalhados na televisão de características pós-modernas e
convergentes que gerem valor para o canal. Nesse cenário, uma das principais “medidas”
compreendidas foi a adoção do branding, como ferramenta importante na geração de valor.
Como citado por Timothy M. Todreas. “Na era digital as companhias mais bem sucedidas serão
aquelas que criarem marcas fortes mais rapidamente” 5.
São três grandes mudanças na era da TVIII que fazem a gestão de marcas particularmente
lucrativas: a escalada da consolidação da midia com a emergência dos conglomerados de mídia; a
mudança para uma relações de mercado de primeira-ordem (onde telespectadores pagam
diretamente pela assinatura de um canal ou de pay-per view) e o aumento no número de lugares
por onde a televisão pode ser distribuída”6 (JOHNSON,2000)
A descoberta da necessidade da criação de determinados aspectos administrativos a respeito da
televisão fizeram florescer pesquisas e desenvolvimentos neste campo. Estudiosos passaram a
abordar territórios interdisciplinares, domínios teóricos e sistemas políticos diversos, voltados
ao entendimento das tendências contemporâneas e padrões existentes e a adaptação, de maneira
eficiente, dos modelos de negócios específicos de cada indústria da mídia, para adequar-se às
mudanças em curso e manter sua relevância, lucratividade e audiência em tempos de sucessivas
mudanças. (BATES e ALBRIGHT)
Fluxograma geral do Modelo de Negócios da Televisão aberta (Figura1)
5 [In the digital era] the companies that succeed will be the ones that rapidly create the strongest brands”.
6 “There are three major changes in the era of TVIII that make branding particularly valuable: the escalation of
media consolidation with the emergence of large media conglomerates; the shift towards first-order commodity
relations (where viewers pay directly for subscription or pay-per-view services); and an increase in the number
of sites through which television can be distributed”.
10
Fonte: ANCINE, 2013.
A estrutura das relações que podem ser observadas na Figura1. mostram um modelo de
análise que pode ser feito a partir de suas 5 atividades sequenciais “por meio do
fracionamento de seus componentes em elementos associados em primeiro lugar à forma de
ter acesso, e por outro lado, em segundo e não menos importante, à precificação, à
comercialização, e ao recebimento de receita, por meio do fluxo de trocas econômicas entre a
empresa, os atores diretamente envolvidos no ambiente e também, o papel de agentes
complementares na operação do negócio em questão (REIS et al. 2003, p. 6).
“A televisão é um meio polisensorial, já que engaja visão e adição, mas mesmo assim não nos
demanda primordialmente nenhum dos nossos sentidos. A televisão é ligada enquanto estamos
comendo, as crianças brincando. Ela pode ser vista como plano de fundo pode ser somente
escutada”. (Buonnano apud Goffman, 1971)
Essa síntese da definição do assistir televisão retoma mais uma visão da dificuldade de
ligação entre o conteúdo que é transmitido e a forma como o público o recebe e transforma.
Gerando valor para marca a partir de seu conteúdo
O conteúdo para um canal de televisão é muito importante, mas desde a entrada na era digital
(TVIII) essa importância mudou de mãos. Antes da era digital, a importância era dos
distribuidores (operadoras a cabo e satélites) e líderes das tecnologias de telecomunicação.
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Porém a era digital abre caminhos nunca antes vistos, a internet passa a dar a qualquer pessoa
a possibilidade de se tornar um veiculador. A concorrência dos canais deixa de ser com seus
semelhantes e passa a ser com toda a internet e seus usuários. Empresas ou indivíduos podem
igualitariamente criar bom conteúdo e criar uma marca relevante.
Sendo o conteúdo fonte de valor de primeira importância para a televisão (BATES e
ALBRIGHT., 2006) a busca da percepção de uma marca em relação à ele se torna ainda mais
relevante. Uma marca não é somente um logo ou uma embalagem de produto. “(...) ela serve
de combustível para a prosperidade de economias em todos os lugares. Uma marca comercial
é um relacionamento emocional entre o mercado de compra e um produto ou serviço colocado
no mercado. Um laço de lealdade, uma conexão de relevância e confiança”. (POST,2007).
O conteúdo do cinema e o poder cultural que envolve as pessoas é conhecido e estudado. É
possível fazer uma relação com aspectos citados por O Reilly, no artigo “Introducing the Film
Brandscape” e o universo de estudo da tv por assinatura.
“A marca do filme é artística e comercial, e esses valores não são facilmente separados. Elementos
artísticos do filme como marca inclui: marcas pessoas, como os diretores, atores, roteiristas e
também a “storyline”, personagens, músicas, gênero do filme, e vários identificadores visuais de
gestos e de aura (espirito). Um filme pode conter um personagem que se torna uma marca, ou uma
música da trilha sonora e pode virar um produto por si só. No lado comercial um filme pode ter
sequencias que podem ser tratadas como extensões de marca. Pode conter marcas que foram
colocadas no filme como resultados de acordos financeiros, acordos entre promoções e acordos
entre o estúdio e marcas comerciais”. 7
Levando em consideração o conceito de imagem para uma marca “a forma como o público vê
a empresa e seus produtos” (KOTLER apud, MARQUES 2000, pp 204) é possível visualizar
um paralelo entre os produtos do cinema como citado e da televisão. Conteúdos de televisão,
assim como produtos em uma empresa precisam comunicar o que desejam de forma clara,
criando associações valorosas e as cultivando.
Para Milly Buonanno a televisão passou de uma fase de generalização (broadcasting) para
outra, mais moderna que privilegia uma televisão mais especializada, em suas palavras,
7 “The film brand is both artistic and commercial, and these values cannot easily be decoupled .Artistic elements
of the film brand include the people brands, such as the director, actors, or screenwriters, as well as the storyline,
characters, music, genre of film, and various visual, aural and gestural identifiers. It may contain characters that
become brands, or a music soundtrack which acts as a brand cue but may also be a branded product in its own
right. On the commercial side, a film brand may have prequels and sequels, which can be regarded as brand
extensions. It may contain brands which have been placed in the film as a result of funding agreements reached
between studio and commercial brands, as well as tie-ins and cross-promotional campaigns”.
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temáticas. Uma televisão difundida para pequenas partes de público. Um cenário com mais
canais exige naturalmente mais linguagens. Neste caso as marcas com identidades e
posicionamento claros e bem desenvolvidos têm mais chance de permanecer na memória do
seu público e se tornar uma marca reconhecida e com público fiel.
“Uma identidade de marca clara ajuda a audiência a decidir entre um vasto alcance de canais pelo
fornecimento de acesso reconhecível e confiável, e também ajudando a estabelecer um forte e leal
relacionamento entre espectadores e emissoras”. (Todreas 1999,pp. 156–163).8
Aaker (1996) chama esse conjunto de associações à marca, de identidade expandida, ou seja,
inclui elementos que proporcionam à marca uma determinada textura (elementos visíveis –
estética) e um sentido de integridade (elemento relacional – ética). Para o autor, uma
identidade e uma posição de marcas bem concebidas e implementadas trazem uma série de
vantagens à organização: (a) orientam e aperfeiçoam a estratégia de marca; (b) proporcionam
opções de expansão da marca; (c) melhoram a memorização da marca; (d) dão significado e
concentração para a organização; (e) geram uma vantagem competitiva; (f) ocupam uma
posição sólida contra a concorrência; (g) dão propriedade sobre um símbolo de comunicação;
(h) provêm eficiências em termos de custos de execução.
A televisão por assinatura no Brasil
Atualmente, após 23 anos de funcionamento no Brasil, as informações de agências
especializadas mostram que o número de assinantes da televisão por assinatura cresce como
nunca – motivado principalmente pelo barateamento dos custos, pela multiplicidade cada vez
maior de canais e pela entrada da classe c no mercado de consumo.
O mais recente Relatório de Monitoramento de Programação de 2012, produzido pela OCA-
ANCINE9 mostrou que o número de assinantes brutos é 27% maior em relação a dezembro de
2011. Segundo a ANATEL10
, em dezembro de 2012 a base atingiu o número de 16.188.957 assinantes
no país. Esse número representa cerca de 8% da população nacional.
8 “A clear brand identity can help viewers to choose between the wide range of different channels by providing
points of access that are recognizable and reliable, while also helping to establish a strong and loyal relationship
between viewers and networks”.
9 Agência Nacional de Cinema é uma agência reguladora que tem como atribuições, a regulação e a fiscalização
do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil. É uma autarquia especial, vinculada desde 2003 ao Ministério da Cultura. 10
Agência Nacional de Telecomunicações.
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A ABTA11
em seu relatório projeta que em 2017 o Brasil terá 44 milhões de domicílios
assinantes. Segundo o mesmo relatório o faturamento das operadoras em 2011 foi de R$ 18,1
bilhões.
Visto isso é possível perceber um grande potencial de exploração, não só porque existe uma
grande área do país que ainda não tem acesso a tecnologia do sinal a cabo, mas pelo momento
de crescimento e amadurecimento financeiro de uma camada social que teve seu acesso a
bens de consumo viabilizado. O relatório da Associação Brasileira de TV por Assinatura
(ABTA), “a classe C já representa 30% da base de assinantes que cresceu 30,45% em 2012”.
Outra importante ferramenta que faz as projeções para o setor serem cada vez mais positivas
serão os desdobramentos que a nova lei da TV paga trará levando uma quantidade
expressivamente maior de conteúdo nacional para os lares brasileiros.
A admissão da Lei 12.485, conhecida como a “Nova Lei da TV Paga” é extensa, mas entre as
principais atribuições que ela emprega nos canais, está a obrigatoriedade de dedicar à
veiculação de conteúdos brasileiros, três horas e 30 minutos semanais de seu horário nobre -
das 11h às 14h e das 17h às 21h nos canais direcionados para as crianças e de 18h à 0h para os
demais. Outra característica importante para o setor é que os conteúdos brasileiros devem ser
produzidos por produtoras nacionais terceirizadas.
Essa resolução entrou em vigor nos canais em setembro de 2012 e mexeu com um mercado
nacional que sentia dificuldades de encontrar seu espaço e agora vive uma “explosão de
demanda”. "O País está sendo capaz de produzir a sua própria imagem. Um país que não faz
isso tem muita dificuldade de afirmação na cena internacional" comentou Manoel Rangel diretor
da Ancine.
O exemplo que o artigo traz é do canal “History”, co-produtor da série “O Infiltrado” que estreou
nesse canal não só pela necessidade de cumprir a lei, mas para cumprir seu planejamento estratégico
interno ao transmitir uma série nacional com conteúdo inédito e de qualidade que fosse capaz de gerar
nova audiência para o canal e surpreender os homens entre 24 e 54 anos que são seu público alvo
padrão.
11
Associação Brasileira de TV por assinatura.
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3. METODOLOGIA DE PESQUISA
A pesquisa para a condução desse artigo foi feita a partir de pesquisas secundárias e
entrevistas com objetivo de fazer um resgate teórico de informações relativas aos objetivos
gerais apresentados e para contextualizar o escopo do tema de estudo.
As informações referentes ao estudo de caso foram obtidas por meio de entrevistas
qualitativas de profundidade feitas pessoalmente em visitas no escritório nacional do History
localizado em São Paulo. As entrevistas foram conduzidas com a produtora executiva do
canal no país Krishna Mahhon e a responsável pelo marketing no escritório de São Paulo,
Lívia Micelli. As entrevistas foram executadas no dia 18 e 20 de junho de 2013.
Para Goode e Hatt:
“o estudo de caso é um meio de organizar os dados, preservando do objeto estudado o seu caráter
unitário. Considera a unidade como um todo, incluindo o seu desenvolvimento (pessoa,
família,conjunto de relações ou processos etc.). Vale, no entanto, lembrar que a totalidade de
qualquer objeto é uma construção mental, pois concretamente não há limites, se não forem
relacionados com o objeto de estudo da pesquisa no contexto em que será investigada. Portanto,
por meio do estudo do caso o que se pretende é investigar, como uma unidade, as características
importantes para o objeto de estudo da pesquisa.” (apud VENTURA ,2007)
Para compor as entrevistas foi necessário fazer um levantamento tanto do canal central que
seria o History nos Estados Unidos e em seguida mostrar como o escritório nacional
prossegue com essa estratégia no Brasil.
Esse levantamento foi feito com a busca em bancos de dados que guardam as histórias de
formações de marcas, os americanos tem uma vastidão deles, em comparação com matérias
na imprensa a respeito do canal. Trabalhos acadêmicos também foram utilizados para dar
profundidade neste estudo de caso. Dada a confidencialidade de dados como retorno de
receita e número de audiência determinados números não foram disponibilizados o que
enfraquece o argumento em alguns momentos mas mostra também uma necessidade do
mercado de se tornar por inteiro mais aberto. Nesse caso somente os números adquiridos em
entrevista foram utilizados.
A observação da primeira temporada da série pesquisada e a análise de seu efeito no seu
contexto real e natural também foram utilizadas para dar ao estudo noção do real
envolvimento que o programa causa em seu público. A série o Infiltrado foi transmitida de
maio a junho de 2013 no canal History, às terças-feiras às 23h00.
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Esse estudo de caso pode ser classificado como instrumental (VENTURA, 2007) e busca por
meio da examinação de um caso, compreender melhor outra questão, algo mais amplo. Esse
estudo, como sua definição adianta, deixa uma abertura para ser utilizado como ferramenta
para outros estudos posteriores que procurem completar o tema aqui proposto.
Dessa forma, a análise a respeito aspectos e elementos associativos do programa “O
Infiltrado” para seu público foi feita de forma a obter resultados direcionados a partir das
entrevistas e de possibilidade de generalizações naturalísticas, e a revelação dos diferentes
pontos de vista sobre o objeto de estudo” (Idem).
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4. ANÁLISE DE DADOS
A “A+E Networks” é uma premiada empresa de mídia de conteúdo de alcance global e
oferece aos seus consumidores um diverso ambiente com grande alcance dentro da
comunicação indo das redes de televisão até seus websites, de DVD´s até jogos e softwares
educacionais.
A A+E Networks é uma joint venture entre a Disney-ABC Television Group e a Hearst
Corporation e é constituída dos seguintes canais: Lifetime, HISTORY, LMN, BIO., H2,
HISTORY en Español, Crime & Investigation Network™, Military HISTORY™, Lifetime
Real Women®, A&E IndieFilms®. Também fazem parte da emissora o A+E Networks
Digital e A+E Networks Consumer Products além da A+E Networks International. Os canais
e a programação ligados à marca A+E alcançam mais de 300 milhões de lares, em 150
países.
O History Channel
O History Channel estreou nos Estados Unidos no ano novo de 1995, como segundo canal a
cabo possuído em conjunto pela ABC INC., e a NBC. Na época diversos programas do
gênero “históricos” estavam sendo bem recebidos por seu canal irmão o A&E Television
Network, mas muitos especialistas da indústria achavam que um canal com uma programação
“all history” poderia ser arriscado demais.
Desde sua primeira transmissão, com o programa “The History Of The Automobile:
Corvette”, o History Channel mostrou, que neste tipo de conteúdo, com caraterística de
documentário, entrevistas com importantes participantes do tema do episódio e utilização de
imagens históricas raras, existia um forward momentum 12
. O canal se fortaleceu e encontrou
seu lugar na grade de programação com muita velocidade tornando-se popular entre homens
de classes A e B entre 25-54 anos. Esse perfil tornou o canal um espaço interessante para
publicidades voltadas para o público masculino que não assistia canais esportivos.
Em 1998, o canal iniciou sua expansão e criou o History International, especializada em
produzir conteúdo sob uma perspectiva global. Em 1999, o canal apresentou um novo
slogan “The official network of every millennium”. Sendo o slogan um dos elementos de
criação de identidade de marca (AKKER,1996), essa mensagem consegue mostrar claramente
12
“Foward Momentum” em livre tradução seria algo como “a criação de um ímpeto de um movimento para frente, para o futuro”.
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a intenção do canal de se posicionar não só como formatadora de temas históricos para
linguagem televisiva, mas como criadora de conteúdo. Esse é o momento onde os conteúdos
de “não-ficção” 13
começam a ganhar espaço no canal.
No ano 2000, o canal transmitiu um especial de 46 minutos chamado “Ice Road Truckers”,
como parte da série “Dangerous Missions”. Baseado no livro “Denison's Ice Road”, o
episodio relatava o trabalho traiçoeiro e perigoso que envolvia alguns motoristas de caminhão
que dirigiam sobre lagos congelados. Em 2003, o mesmo episódio foi retransmitido na série
“Modern Marvels” e se tornou grande destaque entre a audiência.
Em 2006, o History Channel desenvolveu uma temporada sobre os “Caminhoneiros do Gelo”.
O episódio inicial da série foi assistido por 3.4 milhões de pessoas e se tornou o programa
original mais assistido do canal desde sua abertura doze anos antes. Como é possível ver nas
imagens (Figura 3), o canal passou por um longo caminho de testes antes de ser utilizado
como aposta pelo canal.
Evolução do programa Ice Road Truckers na grade de programação do canal History. Figura 3
FONTE: HISTORY
“O programa deu confiança para o History e deu sinal para a audiência e futuros produtores
do canal que ele estava mudando para algo mais explicitamente entretenimento” 14
(STELTER, 2010) “Nesse ponto, o conteúdo de entretenimento ganha força e amplia seu
alcance de audiência com a ajuda de “Ice Road Truckers” que ajudou muito a alguns anos
atrás. O desafio era diversificar sem alienar os telespectadores”15
, comentou Nancy Dubuc,
coordenadora de programação do canal na ocasião.
13 “
genre” that involves writing from personal experience and/or reporting on other peoples’ experiences. The best
creative non-fiction work usually involves conducting a considerable amount of research, most often “in the field,”
involving oral history interviewing, participant observation, detective/sleuthing work, as well as jumping into new
adventures” (DUKE).
14“gave confidence to the History staff and gave a signal to viewers and would-be producers that the channel was
changing into something new and more explicitly entertaining”. 15
“helped enormously a few years ago, the challenge is to diversify without alienating viewers”.