TECNOLOGIAS DIGITAIS E MODELAGEM MATEMÁTICA NAxanpedsul.faed.udesc.br/arq_pdf/1511-0.pdf · TECNOLOGIAS DIGITAIS E MODELAGEM MATEMÁTICA NA ARTE DA PESQUISA NO ENSINO MÉDIO Morgana
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X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.1
TECNOLOGIAS DIGITAIS E MODELAGEM MATEMÁTICA NA ARTE DA PESQUISA NO ENSINO MÉDIO
Resumo Este artigo apresenta e analisa uma prática de iniciação científica desenvolvida a partir da utilização de modelagem e tecnologias digitais na realização de projetos de pesquisa básica como meio de estimular a arte da pesquisa. O estudo empírico foi desenvolvido em uma instituição pública agrícola do sul do Brasil, na qual estudantes do Ensino Médio desenvolvem trabalhos de pesquisa no ambiente escolar, durante um ano letivo. Os dados, coletados por meio da observação dos fazeres destes estudantes, diários de campo, artigos finais e do material de socialização, foram analisados utilizando os procedimentos de Análise Textual Discursiva, o qual destacou três categorias. Os resultados apontaram que o uso das tecnologias digitais potencializa o trabalho de modelagem matemática, e, ambas articuladas com discussões vinculadas à realidade dos projetos desenvolvidos promovem aos estudantes: motivação no aprender e no pesquisar; o uso de normas técnicas na escrita; autonomia; reflexão e conhecimento para a expressão de suas ações e a própria matemática. Palavras‐chave: Modelagem. Tecnologias digitais. Projeto. Iniciação científica Jr
Malheiros (2008) e Borba e Villareal (2005), cujas pesquisas, envolveram modelagem e
TIC objetivando compreender e analisar práticas de modelagem e tecnologias digitais na
sala de aula, seja na forma de atividades ou de projetos desenvolvidos em níveis
diferentes de ensino com propósito de explorar conteúdos matemáticos, ou seja,
aprender matemática e não necessariamente desenvolver habilidades relacionadas à
pesquisa.
Baseados nos estudos recentes envolvendo Modelagem e tecnologias digitais, e
tendo como premissa que os estudantes tornam‐se mais interessados em aprender ao
realizar pesquisa, o estudo objetiva apresentar e analisar uma prática de Iniciação
Científica no Ensino Médio de Escola Agrícola na busca de potencialidades da utilização
de tecnologias digitais na modelagem. Para tanto, a seguir apresenta‐se um esboço
teórico utilizado para a contextualização do estudo; seguido dos aspectos metodológicos
que serviram de orientação, fundamentação do mesmo, os dados, os conhecimentos
manifestos e latentes do estudo.
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2. O aporte teórico da pesquisa: da modelagem às tecnologias digitais
Biembengut (2004) concebe a modelagem como um conjunto de procedimentos
necessários para fazer um modelo cujo processo pode ser utilizado em qualquer área do
conhecimento. Já para Bassanezi (2006), seja como estratégia de ensino ou método
científico, a modelagem é um processo que envolve teoria e prática, levando o
pesquisador a interagir e entender a realidade que está inserida na investigação, podendo
ter como consequência a ação sobre ela visando transformações.
No contexto da Educação, Biembengut (2004) define a modelagem como um
método de pesquisa utilizado, em particular nas Ciências. Destaca que os procedimentos
da modelagem são essencialmente os mesmos presentes nas etapas da pesquisa
científica, defendendo‐os como método de pesquisa na Educação. O propósito é
incentivar e envolver os estudantes a fazer pesquisa e ao mesmo tempo aprender
matemática, podendo ser utilizada em qualquer fase da escolaridade. Para tanto,
Biembengut (2013) agrupa em três os procedimentos da modelagem:
‐ 1ª fase ‐ Percepção e apreensão: nesta fase ocorre o reconhecimento e delimitação do
problema; bem como a familiarização com o assunto a ser modelado, que consistirá
posteriormente num referencial teórico;
‐ 2ª fase ‐ Compreensão e explicitação: após realizada a inteiração com o tema, faz‐se a
formulação do problema, elaboram‐se questões e apontam‐se hipóteses; posteriormente
realizando a formulação do modelo;
‐ 3ª fase ‐ Significação e expressão: a resolução do problema é desenvolvida a partir do
modelo e interpretação da solução encontrada. Consiste numa avaliação do modelo
procurando verificar se o mesmo é ou não válido, assim como a expressão do processo e
do resultado.
Nas últimas décadas, assim como a modelagem, as tecnologias digitais, também
destacaram‐se quando o objetivo é a busca do conhecer e interpretar um fenômeno,
visto que devido a mesma há mais e melhores maneiras de se aprender. Lévy (1993)
destaca que a mídia informática cria condições para mudanças qualitativas na educação,
qualidade esta referente como sendo a que surge do coletivo, com a formação das redes
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e da inteligência vista como um processo em que se incluem vários saberes. Para Papert
(1985), ao pensar no uso de computadores aliado ao uso de projetos, só percebe que isto
agrega qualidade à aprendizagem, se quem executa o projeto, o faz de posse de seus
interesses e vontades. Pondera que “[...] tecnologia não é a solução, é somente um
instrumento (p. 2).” Logo, práticas escolares de modelagem podem tê‐la como
instrumento e potencializar a pesquisa na educação, como defende Brasil (2008).
Para Moran, Masetto e Behrens (2000), a internet facilita a motivação dos
estudantes, pela novidade e pelas possibilidades inesgotáveis de pesquisa que oferece.
Ela ajuda a desenvolver a intuição, a flexibilidade mental e a adaptação a ritmos
diferentes. No contexto da modelagem, Blum e Niss (1991) afirmam que as TIC, usadas
nos trabalhos de Modelagem, não só facilitam a resolução de problema como são
indispensáveis para validação do modelo matemático. Borba e Penteado (2001) por sua
vez consideram que a informática facilita as visualizações de modelos, possibilita o
surgimento de conjecturas e podem levar à descobertas. Destacam que
os computadores reorganizam o pensamento e contribuem para modificar as práticas
do ensino tradicional. Já Araújo (2002) confirma estas informações expondo que a
interação entre estudantes e as TIC possibilita novas vertentes da pesquisa, assim como a
interação da modelagem e da tecnologia possibilita a exploração de situações problemas
em que o mesmo participa ativamente do processo.
3. Os caminhos da pesquisa: do contexto ao método
Em relação ao espaço empírico, o estudo foi realizado numa instituição pública de
Ensino Técnico Integrado localizada no sul do Brasil, durante o desenvolvimento de
quatro projetos de pesquisa em que estudantes iniciavam a arte da pesquisa.
Desenvolvido no espaço escolar, sete estudantes da 2ª e 3ª série do Ensino Médio, cuja
faixa etária é 15 à 17 anos de idade, realizaram seus projetos integrando as áreas de
agropecuária, matemática e informática. Estes projetos utilizaram a modelagem como
método de pesquisa para o estudo de fenômenos/problemas existentes em outras áreas
do conhecimento e relacionados ao cotidiano do seu curso, sendo as tecnologias digitais
um recurso para o desenvolvimento da pesquisa.
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A instituição parte da premissa de que um ensino no qual o estudante sente‐se
interessado e envolvido, num movimento de buscar respostas para aquilo que não está
em seu interior assimilado e acomodado, propiciará não só o desenvolvimento de espírito
investigativo, mas também, de atividades voltadas para a compreensão da realidade
sócio‐econômica‐cultural, buscando soluções para problemas/curiosidades.
No contexto desta instituição de ensino se inseriu o presente estudo de natureza
qualitativa, que segundo Bogdan e Biklen (1994) é uma tentativa de compreensão
detalhada dos significados e características de situações apresentadas pelos
investigadores, os quais são os responsáveis por recolher os dados. No estudo
qualitativo, o pesquisador interessa‐se por investigar o problema em seu ambiente
natural considerado como a fonte direta dos dados, tais como eles se manifestam nas
atividades, nos procedimentos e nas interações entre investigador e sujeito da pesquisa.
Trata‐se de um estudo de caso (YIN, 2001; BOGDAN; BIKLEN, 1994), em que os
quatro projetos desenvolvidos pelos estudantes e orientados pela primeira autora
iniciaram por interesse dos estudantes (1) ou por convite desta (3). Os temas escolhidos
encontram‐se situados na área de agropecuária, área de formação dos estudantes.
Referiam a temas de crescimento de bezerras para fins leiteiros e crescimento de frangos
e suínos realizados em 2012, estudo da produção de ovos de aves de postura
desenvolvido em 2013, e curva de lactação de vacas holandesas, em 2011. Neste estudo
foram utilizados apenas excertos de cada um dos produtos de pesquisa elaborados.
Os dados empíricos, os quais comportam o nosso corpus de análise1, advieram da
observação, diários de campo, artigos finais e do material de socialização, materiais estes
produzidos durante o desenvolvimento dos projetos. As observações de natureza não
estruturada ocorreram durante aproximadamente um ano (2011‐2013), em encontros
semanais de 1,5 a 2 horas e foram sendo registradas num diário de bordo. Elas foram
realizadas visando descrever e compreender o que estava ocorrendo em determinadas
situações. Também utilizaram‐se cópias dos materiais escritos produzidos pelos
1 Termo utilizado por Bardin em: BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.
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estudantes no decorrer da atividade de pesquisa, tais como arquivos do trabalho, artigo
final, pôster e vídeo.
Para a análise dos dados foram utilizados os procedimentos de Análise Textual
Discursiva (ATD) de Moraes e Galiazzi (2007), entendida como uma metodologia de
análise de dados e informações de natureza qualitativa cujo propósito é a produção de
novas compreensões sobre os fenômenos e os discursos. Ela pode ser compreendida
como um processo auto‐organizado da construção de produção de novas compreensões
e novos entendimentos em relação ao fenômeno investigado. Este processo compreende
três etapas: na primeira, ocorreu a desconstrução dos textos do corpus (registros das
observações e materiais produzidos pelos estudantes) ‐ a unitarização; na segunda,
ocorreu o estabelecimento de relações entre os elementos unitários ‐ a categorização; e
na terceira, realizou‐se a captação do emergente em que a nova compreensão é
comunicada e confirmada, portanto, obtendo validade nas interpretações.
4. Os caminhos percorridos sob a rota da tecnologia digital e modelagem: resultados e discussão
Como os trabalhos escritos (relatórios e artigos) referentes aos quatro tópicos são
extensos e detalhados, fez‐se necessário um recorte, frisando apenas algumas ações dos
mesmos. Também considerou‐se partes dos demais dados compilados no estudo.
Os dados coletados possibilitaram a identificação emergente de três categorias
em relação aos potenciais das tecnologias digitais e modelagem nos primeiros passos na
arte da pesquisa básica no Ensino Médio. Elas fluem com mais ou menos ênfase de
acordo com as características de cada grupo de estudantes nos projetos desenvolvidos.
Estas categorias podem ser vislumbradas nas falas dos estudantes, bem como no
material que os mesmos produziram. No texto que segue estão implícitas essas três
categorias, que se identificaram como: utilização das normas técnicas na escrita da
pesquisa; compreensão do que é e como se pesquisa; desenvolvimento cognitivo
(habilidades descritivas, analíticas, críticas e criativas).
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4.1 Da percepção e apreensão
Relacionados á área agropecuária, os temas das pesquisas versaram sobre
crescimento de bezerras para fins leiteiros, estudo da produção de ovos de aves de
postura, crescimento de frangos e suínos e curva de lactação de vacas holandesas. Em um
momento inicial no desenvolvimento destes projetos, os estudantes buscaram por
perceber e apreender um maior número de informações relativas ao tema, a fim de
delimitar uma situação problema para cada projeto. Biembengut (2013) destaca que essa
fase é importante, pois para que se possa compreender uma situação‐problema, um
fenômeno ou um tema/assunto de interesse, precisa‐se perceber o respectivo contexto e
apreender o maior número de informação e dados disponíveis em primeira instância, e,
assim, reconhecer e se familiarizar com o tema/assunto.
Nesta etapa, os estudantes exploraram o conhecimento existente na literatura,
com profissionais da área zootécnica, bem como em parte de material acadêmico
disponível em páginas da rede mundial, todos com referência ao tema. Estas informações
obtidas estavam dispostas em forma de arquivos, fichas de leituras, tabelas de dados,
vídeos, artigos de revistas, entre outros. A internet, computador e softwares como Excel e
Grafhmática foram os recursos mais explorados pelos estudantes. Isto confirma o
descrito por Borba e Penteado (2001), que os estudantes utilizam tecnologias desde o
início de suas pesquisas. Isto pode ser percebido nas considerações do estudante A: “‐
Quando optamos pela busca no Google, surgem milhares de opções de pesquisa pra
gente saber mais sobre o tema. É preciso agora filtrar e ver o que realmente interessa.
Não é só abrir o primeiro e acabou a pesquisa.”
Destaca‐se além da modificação do conceito de pesquisar comum na Educação
Básica pelos estudantes, que na transição da primeira para a segunda fase da
modelagem, eles já optaram pelo registro de dados utilizando o Excel, deixando logo de
lado recursos mais simples como calculadoras ou planilhas não digitais. Os estudantes já
incorporaram a tecnologia em seus estudos, confirmando o nascimento na era digital. “‐
Quando achamos algo interessante a gente já vai separando e arquivando para depois ler
com calma e atenção. O mesmo ocorre com os dados de peso e altura das terneiras já
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vamos deixando separadinho lá no Excel. A prof. orientou desde o início que devemos ser
organizados.” Destacou o estudante B.
Biembengut (2013) destaca que a fase de percepção e apreensão (reconhecimento
e familiarização do tema) não são disjuntas. Na medida em que se percebem alguns
dados, os apreendem, e esta apreensão permite a percepção de outros dados, de outras
informações e, assim por diante, num processo cíclico, contudo, crescente. Esta fase da
modelagem pode‐se findar com um texto compilado e dados organizados em tabelas,
como o da Tabela 1.
Tabela 1 ‐ Classificação industrial de ovos de galinhas de acordo com a massa, em gramas.
IDENTIFICAÇÃO CLASSIFICAÇÃO
Jumbo Maior que 66
Extra De 60‐65
Grande De 55‐60
Médio 50‐55
Pequeno De 45‐50
Industrial Menor que 45
Fonte: FRANÇA (2013).
De acordo com Booth, Colomb e Williams (2000), o estudante nos primeiros
passos na arte da pesquisa, tem na pesquisa um modo de melhor compreender o assunto
estudado e, em longo prazo, o domínio das técnicas de pesquisa e redação o capacitarão
para trabalhar por conta própria. Pois cabe ao pesquisador “coletar informações,
organizá‐las de modo coerente e apresentá‐las de maneira confiável e convincente são
habilidades indispensáveis na ‘Era da Informação’” (p. 3).
4.2 Da compreensão e explicitação
Na segunda etapa da modelagem, destaca‐se um diálogo entre a orientadora e o
estudante C, o qual desenvolvia o projeto sobre crescimento de terneiras:
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‐ “Será que a altura e o perímetro torácico das terneiras possuem crescimento
proporcional? Serão eles constantes?” Estudante C.
‐ “O que esta indagação pode inferir no seu estudo?” A professora questionou.
‐ “Quer dizer que os dois não crescerem proporcionalmente, ela terá seu corpo
desproporcional e isso pode prejudicar na produção de leite” Estudante C.
Os estudantes procuraram compreender um problema em cada tema, buscando
uma forma de explicitá‐lo. A indagação do estudante demonstrava que os mesmos
passam a não aceitar a realidade de qualquer forma, questionando‐a. Não consideram as
informações como algo perfeito, correto.
A pesquisa em sala de aula precisa do envolvimento ativo e reflexivo permanente de seus participantes. A partir do questionamento é fundamental pôr em movimento todo um conjunto de ações, de construção de argumentos que possibilitem superar o estado atual e atingir novos patamares do ser, do fazer e do conhecer. (MORAES, GALIAZZI E RAMOS, 2012, p. 15)
No episódio acima, o estudante faz uso de mecanismos mentais ao se valer e
atualizar a sua percepção nas considerações do problema. Dessa forma é que os sujeitos
ampliam sua capacidade cognitiva. Vygostky (1998) denomina fala interna o processo em
que o estudante incorpora o sistema simbólico no seu aparato psicológico, com o suporte
da língua. E um trabalho de pesquisa privilegia este tipo de desenvolvimento por ser o
sujeito ativo, interativo e construtivo num meio propício de interação.
Suas habilidades cognitivas possibilitaram elaborar um modelo que permitisse não
apenas a resolução da questão em particular, mas que também servisse para efetuar
previsões ou permitisse uma (re)criação. Eles utilizaram os conhecimentos a priori para
obter um modelo que pode ser construído fazendo uso da razão cognitiva ou de
interação que origina a comunicação de ideias e conceitos. O resultado pode traduzir o
que, a nível médio, pode ser construído pelos estudantes.
O modelo algébrico A(p) = 0,55p + 32,28 foi um dos obtidos, como auxílio do Excel,
ao investigarem a relação entre altura e perímetro torácico presentes no crescimento das
terneiras. Neste modelo, a exemplo de todo modelo funcional, estão incorporadas as
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particularidades do fenômeno analisado (Bassanezi, 2006). No caso do modelo algébrico
explicitado, o “A(p)” representa a altura (cm) e “p” o perímetro torácico (cm) ao longo
do crescimento da terneira, obtido por meio do que Lévy (1993) denomina de
possibilidades de simulações. Desta maneira a segunda etapa se efetiva com o
compreender dos dados e explicitação de um modelo. E isto requer do estudante
modelador criatividade, criticidade, poder analítico e persistência, entre outros.
4.3 Da significação e expressão
Os resultados obtidos na segunda etapa, o modelo, necessita de avaliação, de
teste que procure esclarecer se o mesmo atende às exigências do fenômeno ou não.
Analisar e interpretar o modelo obtido faz com que o estudante se mova em direção à
formação de novas compreensões a respeito do tema investigado, confirmando ou não
as hipóteses anteriormente explicitadas. Trata‐se de significar o modelo, segundo
Biembengut (2004).
Também é nesta fase que os estudantes expressam seus estudos na forma escrita.
A produção escrita é uma forma de deixar aos que não fizeram parte da pesquisa, os
resultados e considerações do fenômeno, para crítica e avaliação.
A validação do modelo, em todos os projetos, valeu‐se do uso do Excel e se traduz
na retomada dos dados empíricos advindos de experimentos e/ou da literatura aplicando‐
se ao modelo. Percebeu‐se nesta etapa que ao estudar e resolver uma problemática
utilizando o computador, o estudante descreve o problema a ser resolvido, o computador
executa uma tarefa por meio de um software ou uma linguagem de programação e
permite que o aluno interaja com o programa, pensando, refletindo e tomando decisões a
respeito da atividade. Trata‐se do paradigma construcionista defendido por Valente
(1993).
‐ “Nossa, a visualização gráfica do modelo obtido por dados empíricos e do
modelo projetado pela empresa que fornece os animais é bem próxima visualmente.
Agora precisamos verificar se essa diferença é significativa”! Estudante S diante do
modelo gráfico expresso pela Figura 1.
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Figura 1 ‐ Comparativo dos modelos representativos do crescimento dos frangos de corte, baseado em dados empíricos e projetados para os animais.
Fonte: STRESSER; GADOTTI; SCHELLER (2012).
Nesta terceira etapa da modelagem, Biembengut (2013) aborda que é a fase da
expressão e isso implica em avaliar e verificar a validade do modelo, e por assim,
expressá‐lo. Os estudantes realizaram a avaliação dos modelos levando em consideração
aspectos presentes na literatura, os dados obtidos empiricamente e os projetados pelo
modelo. “– Poxa vida, agora tô vendo realmente o que significa fazer pesquisa, é bem
massa né prof.!” Ilustra o estudante K a respeito da fase da modelagem e do que
representa a pesquisa para si, ao manusear a planilha do Excel objetivando validar o
modelo.
Destaca‐se que nessa etapa, as tecnologias digitais assumiram o papel de
protagonista estando sempre sua utilização em destaque. A validação do modelo foi
facilitada quando os estudantes fizeram uso de softwares. Podemos afirmar o mesmo
quando considerou‐se a expressão do modelo e comunicação das novas compreensões
atingidas.
A comunicação do modelo é uma das maneiras de colocá‐lo a prova e completar o
processo de modelagem. Como etapa final de expressão, os estudantes do projeto de
Peso (g)
Idade (dias)
Experimento
Projeção AgRoss
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curvas de lactação elaboraram um instrumento de projeção e controle destas curvas em
uma planilha do Excel, bem como um vídeo para melhor explicitação do projeto e do
instrumento ao público em geral (Figura 2). Esta parte extrapolou os propósitos iniciais
do projeto e demonstra que motivação e interesse impulsionam o estudante a construir
formas para resolver seus problemas. “A apropriação de uma resposta a um estímulo ou
complexo de estímulos deve depender da motivação (GEORGE, 1973, p. 28)”.
Figura 2 ‐ Esboço de instrumento de estudo elaborado pelos estudantes findando o processo de modelagem, Rio do Sul, 2011.
A pesquisa inclui sempre a percepção emancipatória do sujeito que busca fazer e fazer‐se oportunidade, à medida que começa e se reconstitui pelo questionamento sistemático da realidade. Incluindo a prática como componente necessário da teoria, e vice‐versa, englobando a ética dos fins e valores. (DEMO, 1996, p. 8)
Moraes, Galiazzi e Ramos (2012) destacam que as novas verdades produzidas
durante a pesquisa necessitam serem comunicadas, compartilhadas com a comunidade
científica mais ampla para sua validade e crítica. É importante extrapolar as fronteiras da
escola e expressar com clareza novas compreensões do fenômeno investigado. Isso pode
ser feito por meio de relatórios e artigos, apresentação de trabalhos em eventos ou pela
utilização prática dos novos modos de agir diariamente.
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Partindo desta premissa, todos os projetos foram divulgados à comunidade, de
forma oral e escrita. Os estudantes participaram de feiras e amostras tanto no espaço
escolar, como em eventos regional, estadual, nacional e até internacional.
Para tanto elaboraram resumo, artigo e pôster, justificando que as socializações
são de fundamental importância quando se faz pesquisa, quando se dá os primeiros
passos na arte da pesquisa. “‐ É muito bom apresentar o que fizemos, dá um orgulho,
ainda mais quando há pessoas que querem nos ouvir. É gratificante e compromisso
público levar nossos estudos aos produtores de leite e demais pessoas da comunidade”
estudante M ao expressar suas concepções a respeito da comunicação da pesquisa. Isto
só foi possível realizar “porque é dada ao estudante a oportunidade de estudar situações‐
problema por meio de pesquisa, desenvolvendo seu interesse e aguçando seu senso
crítico” (BIEMBENGUT, 2004, p. 23).
5. Finalizando o caminho na rota da tecnologia digital e modelagem
Todo o caminhar por este estudo até este momento permite a realização de
algumas considerações pertinentes à apresentação e à análise de uma prática de iniciação
científica: objetivo deste estudo. Destaco a modelagem como método de pesquisa no
qual os estudantes ampliam suas compreensões e constroem conhecimento.
Conhecimento não apenas em termos conceituais, mais também procedimentais e
atitudinais referentes ao domínio matemático e tecnológico, técnicas e procedimentos da
pesquisa. Considero importante a utilização das tecnologias como recurso apoiando a
modelagem, presentes em todas as suas etapas, possibilitando aos estudantes realizarem
inferências sobre: o tema da pesquisa e sua inteiração com ele, o modelo em suas
representações tabular, algébrica e gráfica, a significação e a expressão do modelo, bem
como a comunicação do trabalho para a validação.
Destaco no estudo três potencialidades do uso das tecnologias digitais e
modelagem nos primeiros passos da pesquisa de alunos de Ensino Médio: uso de normas
técnicas no registro escrito; reestruturação do conceito de pesquisa; e, desenvolvimento
cognitivo.
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A primeira refere‐se ao uso de indicativos técnicos na escrita dos resultados dos
projetos desses estudantes ao elaborarem seus artigos finais, resumos simples e
expandido, arquivos para apresentação oral e pôster. Destacam‐se aqui a manipulação de
softwares para registro escrito dos resultados, em que se fez uso de tabelas, gráficos,
citações, referências, a linguagem utilizada, entre outros. Trata‐se de aspectos que
costumeiramente não estão presentes em trabalhos elaborados por estudantes deste
nível de ensino.
Outro destaque é para com a “nova” concepção do que é e como se pesquisa para
os estudantes, visto que a maioria deles concebia pesquisa como cópia do que
determinado autor afirma referente à um tema, tomando‐o como seu. O contato com o
processo de pesquisa aproximou‐os do ambiente acadêmico científico ainda na Educação
Básica.
Por fim, destaco o desenvolvimento cognitivo dos estudantes em termos de
habilidades descritivas, criativas, analítica e crítica. Percebeu‐se ao descrever o tema,
esboçar e comparar os dados, escolher estratégias para a obtenção do modelo, analisar a
viabilidade do modelo, modificar as hipóteses para a melhoria do modelo, comunicar seus
resultados, preocupar‐se com o compromisso social ao socializar seus trabalhos, entre
outros.
A tecnologia digital e a modelagem proporcionaram aos estudantes nos caminhos
da pesquisa uma postura social ao estudarem um tema. Isto ocorre não somente pelo
estudar, mas por considerar indispensável o extrapolar das fronteiras escolares com a
socialização e divulgação do instrumento aos produtores de leite, criadores de terneiras e
de frango de corte e de postura, e comunidade escolar. Desta forma, contribuiu para a
formação da sua cidadania, ao despertar novos olhares, quer sobre a situação
investigada, quer sobre a realidade política e social que os envolvia no ambiente que para
eles era motivador. Esta apresentação e análise finda aqui destacando a afirmação de
Papert (1985), ao expressar que educar consiste em criar situações para que os
aprendizes se engajem em atividades que alimentem o processo construtivo para pensar
e aprender. Processo este em que sujeitos ativos na construção de conhecimento,
sujeitos autores, trilhem na arte da pesquisa.
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