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TECNOLOGIAS COMPUTACIONAIS: aplicativos multimídia para registro e difusão do patrimônio histórico arquitetônico Fábio de Almeida* e Regina A. Tirello ** * Drdo. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP. É docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Paulista (UNIP), São José dos Campos e da Faculdade de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), São José dos Campos. [email protected] ** Docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp (Arquitetura- UNICAMP) e especialista doutora em conservação e restauro do Centro de Preservação Cultural da Universidade de São Paulo (CPC-USP). [email protected] , [email protected] SEÇÃO TEMÁTICA: Novas Tecnologias de informações aplicadas ao estudo da cidade. RESUMO Este trabalho apresenta à discussão avaliações, métodos e técnicas de documentação e difusão do patrimônio arquitetônico realizados por meio de tecnologias computacionais. Tomando- se como base os sistemas de inventariação de edifícios e conjuntos tradicionalmente adotadas por órgãos preservacionistas, neste texto busca-se apresentar outras vertentes de abordagem e propor reflexões sobre as potencialidades e limitações das tecnologias digitais como técnica de levantamento e registro documental fidedigno de objetos arquitetônicos que integram nossa herança cultural. Discute-se uma possível e positiva interface entre a gráfica digital e a representação da arquitetura histórica por meio de estudos de caso de levantamentos e inventários digitais de edifícios de duas cidades do Vale do Paraíba Paulista, São José dos Campos e Jacareí. Reunindo desenhos, registros fotográficos dinâmicos, animações tridimensionais e outras informações pertinentes aos bens em foco, as experiências realizadas nestas duas cidades resultaram na criação de aplicativos multimídia disponível em CD-ROM e via internet constituindo site específico em desenvolvimento. Além da documentação e difusão pública de características diversas de edifícios antigos e modernos de interesse cultural com a apresentação destes trabalhos busca-se associar levantamentos arquitetônicos às novas formas de percepção e representação da cidade visando a valorização e preservação do patrimônio cultural construído. Palavras-Chave: Inventário Digital do Patrimônio, Patrimônio Arquitetônico, Representação Gráfica Digital.
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TECNOLOGIAS COMPUTACIONAIS: aplicativos multimídia para registro e difusão do patrimônio histórico arquitetônico

Jan 25, 2023

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Page 1: TECNOLOGIAS COMPUTACIONAIS: aplicativos multimídia para registro e difusão do patrimônio histórico arquitetônico

TECNOLOGIAS COMPUTACIONAIS: aplicativos multimídia para registro e difusão

do patrimônio histórico arquitetônico

Fábio de Almeida* e Regina A. Tirello **

* Drdo. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP. É docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Paulista (UNIP), São José

dos Campos e da Faculdade de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), São José dos Campos.

[email protected]

** Docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp (Arquitetura-UNICAMP) e especialista doutora em conservação e restauro do Centro de Preservação Cultural da

Universidade de São Paulo (CPC-USP). [email protected], [email protected]

SEÇÃO TEMÁTICA: Novas Tecnologias de informações aplicadas ao estudo da cidade.

RESUMO

Este trabalho apresenta à discussão avaliações, métodos e técnicas de documentação e

difusão do patrimônio arquitetônico realizados por meio de tecnologias computacionais. Tomando-

se como base os sistemas de inventariação de edifícios e conjuntos tradicionalmente adotadas por

órgãos preservacionistas, neste texto busca-se apresentar outras vertentes de abordagem e propor

reflexões sobre as potencialidades e limitações das tecnologias digitais como técnica de

levantamento e registro documental fidedigno de objetos arquitetônicos que integram nossa herança

cultural.

Discute-se uma possível e positiva interface entre a gráfica digital e a representação da

arquitetura histórica por meio de estudos de caso de levantamentos e inventários digitais de

edifícios de duas cidades do Vale do Paraíba Paulista, São José dos Campos e Jacareí. Reunindo

desenhos, registros fotográficos dinâmicos, animações tridimensionais e outras informações

pertinentes aos bens em foco, as experiências realizadas nestas duas cidades resultaram na criação

de aplicativos multimídia disponível em CD-ROM e via internet constituindo site específico em

desenvolvimento.

Além da documentação e difusão pública de características diversas de edifícios antigos e

modernos de interesse cultural com a apresentação destes trabalhos busca-se associar

levantamentos arquitetônicos às novas formas de percepção e representação da cidade visando a

valorização e preservação do patrimônio cultural construído.

Palavras-Chave: Inventário Digital do Patrimônio, Patrimônio Arquitetônico, Representação

Gráfica Digital.

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INTRODUÇÃO

O suporte digita[1] desde o final do século XX vem se afirmando como meio tecnológico

imprescindível para diferentes áreas das atividades humanas; seu avanço é considerado exponencial

e irreversível. A gráfica digital, por constituir-se em poderosa ferramenta de execução e de

transmissão de grande numero de informações, propõe-se também para o campo de estudo da

arquitetura histórica, podendo ser utilizada em aplicações específicas relacionadas aos processos de

salvaguarda dos bens culturais em ampla gama de aspectos.

No entanto, no Brasil o emprego de recursos informacionais para estudo e divulgação da

herança cultural ainda é muito insipiente, refletindo, em parte, orientações teóricas datadas.Desde as

primeiras experiências coloniais de inventário do patrimônio cultural à criação do Serviço de

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SPHAN pelo Decreto-Lei nº. 25 em 1937, as bases

teóricas, legais e administrativas de salvaguarda e preservação do patrimônio arquitetônico

estiveram vinculadas a iniciativas de caráter governamental. Passados setenta anos da instituição

jurídica do tombamento, afirmadas as instituições públicas de preservação em nível nacional,

estadual e municipal; assimiladas parcialmente as recomendações internacionais de conservação,

pode-se afirmar que, apesar das inúmeras possibilidades de interfaces possibilitadas pelas

ferramentas computacionais, ainda hoje, os sistemas de inventário dos bens culturais mantém seus

seus campos informativos e formatos baseados nas pioneiras proposições de Lucio Costa na década

de 1930 para a documentação do acervo arquitetônico nacional. Prioriza-se o caráter normativo do

inventário em detrimento de sua função cognitiva.

Como àquela época, a maior parte dos inventários realizados pelos órgãos oficiais de

preservação estaduais e municipais ainda se organizaram por meio de “fichamentos” em papel, para

os quais ocorrem prioritariamente recursos textuais e iconográficos analógicos, representados por

escassas fotografias e raros desenhos de levantamento de campo que, sem atualização, congelam as

informações no tempo em que foram colhidas.Nos últimos anos observam-se tentativas de

informatização dessas fichas convencionais, entretanto, a permanência do formato descritivo

demonstra que tratam-se de adaptações de velhos modelos ao suporte digital.O que vem ocorrendo

não é a incorporação de novas tecnologias, mas a simples substituição dos meios de produção das

mesmas fichas.A. quantidade e qualidade das informações nelas veiculadas permanecem as mesmas

sem incorporar novas dinâmicas afeitas as ações preservacionistas propostas pelos documentos

normativos internacionais de tutela da herança cultural.

A parte os óbvios problemas acarretados pela falta de protocolos unificadores da coleta e

registro dados, no aspecto técnico este tipo de inventariação tem capacidade cada vez mais limitada

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de documentar e explicitar as transformações de que são passíveis os objetos do patrimônio

arquitetônico ao longo do tempo, tanto sob o ponto de vista da deterioração como aquelas relativas

as intervenções de restauração ou substituição.Em conseqüência, os órgãos de preservação oficiais

potencialmente os centros propositores de sistemas de documentação e difusão do patrimônio

cultural, que pouco tem investido na revisão de suas práticas e hoje acumulam grande quantidade de

arquivos mal acondicionados e tal modo dispersos, que terminam não cumprindo a função para a

qual foram produzidos: apoiar diretrizes de intervenção protecionistas e divulgar publica e

amplamente seus conteúdos.

A revisão dos modos de coleta de dados, armazenamento, representação e modos de difusão de

inventários gerais de bens imóveis brasileiros (tombado ou não) é ação prioritária para que se aceda

a sistemáticas efetivas de valorização do patrimônio cultural..

Inventários de bens arquitetônicos devem ser instrumentos vivos, dinâmicos, capazes de

amortizar os efeitos nefastos da excessiva setorização tipológica ou cronológica herdada em favor

de avaliações integradas e globais, que levem em conta as relações dos bens estudados com as

mutações do contexto histórico, natural e edificado em que se insere.Para tanto devem acolher

pesquisas continuas e multidisciplinares, possibilitadoras de revisões constantes das informações

que contém e capazes de promover a comunicação efetiva entre os distintos entes administrativos

envolvidos na gestão e tutela do patrimônio.

Não obstante o pouco interesse /investimento dos órgãos oficiais no emprego de ferramentas

digitais para aprimoramento das forma de representação e difusão, já existem diversas iniciativas

de caráter acadêmico[2] e organizações de preservação não governamentais que têm procurado

integrar em plataformas multimídia dados de natureza multidisciplinar para criação de meios de

difusão flexíveis e democráticos, sem prejuízos à cientificidade requerida para análise e registro

fidedigno desses bens que, espera-se, sejam acolhidas e aperfeiçoadas no âmbito dos entes

governamentais responsáveis.

Destaca-se que o uso das novas tecnologias de informação e comunicação, ao contrário de que

muitos afirmam, ou temem, não interfere negativamente na forma de como o patrimônio cultural é

percebido pelo fruidor contemporâneo. Trata-se de uma adequação de linguagem, que se

referenciada em pesquisas históricas e avaliação crítica dos objetos não modificam os fundamentos

conceituais que devem balizar as ações preservacionistas. São mudanças, mas mudanças

instrumentais que prestam-se a aprimorar as atividades existentes e a fruição e apreensão cultural

dos objetos da história por um maior números de pessoas ( TIRELLO, 2009) .

Na categoria de estudo que vimos desenvolvendo, tão importante quanto apontar técnicas e

discutir a evidente necessidade de incorporação de produtos de tecnologias computacionais nos

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procedimentos de inventario, registro e representação dos bens culturais brasileiros é a análise

histórica dos objetos à luz das dinâmicas sociais .

Para melhor discutir a pertinência da adoção de recursos digitais para metodologias de

inventário digital para a documentação e difusão do patrimônio arquitetônico e cultural,

apresentamos neste texto estudos e registros digitais de edifícios pertencentes ao patrimônio

histórico arquitetônico de duas cidades do Vale do Paraíba Paulista, São José dos Campos e Jacareí.

Trata-se de trabalho que deu origem a produtos informatizados relacionados à preservação do

patrimônio cultural, usados de forma diversificada, nos quais se busca contemplar questões relativas

ao reconhecimento, documentação, comunicação e valorização dos bens em foco.

REGISTRO DIGITAL DO PATRIMÔNIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS E JACAREÍ:

experiências a continuar e aperfeiçoar.

Os registros digitais de edificações históricas de São José dos Campos e Jacareí, no Estado de

São Paulo foram realizados com o objetivo desenvolver elementos definidores de um sistema

padrão de inventariação arquitetônica com vistas à preservação do patrimônio construído destes

municípios.O inicio desses trabalhos remontam a 1996, um longo percurso[3]. Sua primeira etapa

correspondeu à busca de associações entre as formas de registro convencionais e a computação

gráfica, que à época já mostrava ao arquiteto recursos de representação até então impensáveis.

Na primeira etapa desta pesquisa desenvolvida no Vale do Paraíba nos detivemos ao

levantamento métrico arquitetônico de 10 edifícios do município de São José dos Campos. Alguns

protegidos pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,

Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) e COMPHAC (Conselho Municipal de Preservação

do Patrimônio Histórico, Artístico, Paisagístico e Cultural), incluindo também outros bens não

protegidos que consideramos igualmente de interesse histórico ou arquitetônico. Incluiram-se

portanto, no rol edifícios analisados diferentes categorias tais como arquitetura religiosa,

arquitetura ferroviária, arquitetura civil de função pública e arquitetura moderna.

Paralelamente aos trabalhosos de levantamentos arquitetônicos foram digitalizados os desenhos

existentes sobre todos os edifícios selecionados e feitos levantamentos fotográficos minuciosos,

buscando-se registrar todas suas particularidades construtivas e ornamentais. Em posse destes

dados, com o auxilio de dos softwares AutoCAD e 3D Studio, criaram-se desenhos arquitetônicos e

modelos tridimensionais (maquetes eletrônicas) formando um pequeno acervo técnico sobre estas

obras.

As imagens geradas foram associadas às informações históricas obtidas e à documentação

disponível possibilitando assim que se constituísse um banco de dados inicial.

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O passo seguinte foi o desenvolvimento de um aplicativo multimídia para possibilitar consulta

publica das informações históricas e gráficas. Esse acervo digital gerado pelo projeto tornou-se um

instrumento de exploração formal para se obter soluções projetivas (cor, textura, características

físicas etc.), vindo a ser posteriormente utilizado pelo Departamento de Patrimônio Histórico de São

José dos Campos pelo setor responsável pela restauração e conservação do acervo arquitetônico do

Município.

Além do uso do acervo digital pela equipe técnica do órgão, o aplicativo foi distribuído em CD-

ROM e, com o auxilio de um dispositivo de demonstração visual (totem) pôde ser levado para

inúmeros pontos da cidade, como escolas, shoppings, agências bancárias, e outros locais de grande

visitação popular. Esse procedimento permitiu que a população do município tivesse acesso ao

aplicativo.

Com este aplicativo o usuário pode conhecer melhor os edifícios, selecionando o tipo de

informação disponível: histórico, características arquitetônicas, fotos, desenhos arquitetônicos

(planta, fachada, cortes, etc.) e o modelo digital, que permite a visualização de todo o edifício

(Figura 1).

Figura 1 - Tela do aplicativo que permite a consulta das informações sobre os edifícios. Imagem: Fabio de

Almeida, 2009.

A partir de 1999 o projeto foi ampliado. Mais prédios foram incluìdos na pesquisa,

ocasião em que agregamos novos recursos de levantamento e registro digital tais como fotos

panorâmicas de 360º, o uso da fotogrametria[4] e da prototipagem rápida[5]. O CD-ROM

ganhou uma nova edição, porém agora em formato html, que permitiu veiculação na na

internet.

Em 2004 a mesma metodologia foi aplicada para constituição de um acervo de

informações digitais sobre o patrimônio arquitetônico do município de Jacareí, desta vez

contemplando edifícios também protegidos pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do

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Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) e pelo

conselho municipal da cidade.

Esse dois levantamentos continuam sendo atualizados , pois o caráter replicável da

metodologia de composição das páginas aberta do aplicativo multimídia (em formato html)

permite constante evolução e revisão dos dados, além de inserção de outras edificações e

inclusão de mais informações e produtos nos aplicativos multimídia.

Figura 2-Telas do aplicativo que mostra a fotografia da Estação Ferroviária Martins Guimarães em

avançado estado de degradação e ao lado a imagem do “restauro digital” da mesma estação. Imagem: Fabio de Almeida, 2009.

Esses trabalhos podem ser vistos pela internet no endereço eletrônico

www.fabioalmeida.xpg.com.br.

MÉTODOS E ETAPAS DE TRABALHO

A representação digital dos objetos desenvolvida teve como ponto de partida o

levantamento arquitetônico, que realiza ou averigua, quando já existem, as medidas dos

edifícios. O trabalho de mensuração e representação inicial foi complementado por registros

fotográficos, que possibilitaram por sua vez a visualização em detalhes de todas as faces das

construções. As fotos antigas foram utilizadas para referenciar “simulações digitais“ de

elementos originais desaparecidos ou destruídos de cada prédio, propiciando “restauros digitais”

alicerçados em documentos fidedignos (Figura 2). A fotogrametria foi empregada em casos nos

quais os métodos tradicionais de medição não eram possíveis: quando haviam muitos elementos

faltantes nas edificações ( conhecidos apenas em fotografias) e mesmo em caso de inviabilidade

de contato físico com parte dos objetos, seja pelo avançado estado de degradação ou por suas

características de implantação.

A partir da obtenção dos conjuntos de dados , criaram-se as primieras peças gráficas

fundamentais com o auxilio do software AutoCAD, como plantas, cortes e fachadas. Em

seguida, usando-se o software 3D Studio, criaram-se modelos geométricos digitais com os quais

pode-se recompor virtualmente, além dos elementos originais desaparecidos ou destruídos,

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outras características distintivas dos prédios, tais como a combinação de cores primitiva, sempre

tomando como base para a reconstituição as medidas de campo, a pesquisa fotográfica e os

estudos de prospecção realizados.

Figura 3 - Produtos digitais resultantes do levantamento arquitetônico e da modelagem geométrica da Capela Nossa Senhora Aparecida em São José dos Campos. Imagem: Fabio de Almeida, 2005.

Com o programa Panorama Factory[6] foram criadas visualizações panorâmicas (360

graus) que permitem o registro visual dos ambientes com um grau de interatividade

surpreendente. Além de se constituírem em recurso de grande apelo lúdico - como alternativa

complementar de visitação virtual dos edifícios e conjuntos arquitetônicos –, essas panorâmicas

são importantes ferramentas de projetos preservacionistas. Na medida em que compõem

visualizações completas do entorno das edificações permitirem melhores avaliações do impacto

de futuras intervenções sobre o patrimônio edificado. Se feitas periodicamente, as panorâmicas

podem ajudar na gestão desses bens ao registrarem alterações na área envolvente dos edifícios.

Figura 4 - Tela do programa Panorama Factory em processo de criação da imagem panorâmica da Estação

Ferroviária Central de São José dos Campos. Imagem: Fabio Almeida, 2004.

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Nestas pesquisas a prototipagem rápida (plotter 3D) foi adotada para a criação de

modelos físicos de edifícios que apresentavam severa descaracterização ou estavam em estado

avançado de deterioração.Este recurso computacional oferece, além da representação física do

modelo tridimensional que apóia a análise formal e estudo das características arquitetônicas,

outras aplicações educativas. No âmbito das ações educativas destacamos as oficinas de

educação patrimonial, realizadas com estudantes do ensino fundamental e de graduação em

arquitetura e urbanismo em São José dos Campos, nas quais os participantes puderam montar

maquetes físicas (de papel), produzidas por meio da impressão da representação gráfica

planificada dos modelos digitais.

Figura 5 – Acima, tela do aplicativo AutoCAD com o modelo geométrico planificado da residência do H19. Abaixo à esquerda, a maquete física da residência do H19 e à direita a maquete física da Capela de São Miguel, ambas realizadas

por meio da impressão em papel da planificação de seus modelos digitais. Imagens: Fabio de Almeida, 2009.

Para a realização da pesquisa histórica e documental foram consultados os arquivos

públicos municipais, estaduais e também acervos particulares. Os dados históricos delas

decorrentes tiveram papel fundamental na concepção do banco de dados por

proporem/associarem-se às informações técnicas dos edifícios.

RESULTADOS: os aplicativos multimídia e a preservação arquitetônica.

Com a constituição de um considerável acervo de informações gráficas geradas nos

levantamentos do patrimônio arquitetônico de São José dos Campos e Jacareí criaram-se aplicativos

multimídia disponíveis em CD-ROM e via Internet, que sintetizam de forma simples e clara um

grande numero de informações sobre os edifícios estudados. Entre outros resultados mais evidentes,

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como “restauro digital” de edifícios degradados, tais aplicativos oferecem-se à estudos técnicos e à

diversas aplicações educativas.

A utilização de aplicativos multimídia, ao propiciarem a reunião virtual de conjunto de

informações muito específicas em um mesmo arquivo de consulta podem vir a propiciar

encadeamentos mais lógicos do fluxo histórico que estes objetos e estruturas testemunham. A

criação, por exemplo, de um arquivo de dados históricos, tridimensional, por meio do qual os

consulentes possam conhecer melhor o agenciamento de espaços, ainda que virtualmente,

enriquecerão seu repertório sobre os modos de vida e organização da sociedade que os produziu e

utilizou.

Nos resultados aqui apresentados, sem desconsiderar os dados historiográficos que estas

reconstituições devem engendrar e expressar, buscou-se dar aos aplicativos elaborados um formato

atrativo que ao mesmo tempo propicia consultas dinâmicas, fáceis e acessíveis a um número maior

de pessoas contribuído para afirmação de mentalidade preservacionista.

Também no campo específico de estudos técnicos, para a conservação e restauro

arquitetônico, cada vez mais a reconstituição gráfica computacional tem se caracterizado como

ferramenta importante para a realização de sínteses gráficas, úteis para estudo e entendimento da

história construtiva de edifícios antigos.

Existem no Brasil diversos profissionais que trabalham com recursos da computação para

explicitar melhor os resultados de complexos estudos interdisciplinares pertinentes à arqueologia da

arquitetura, que apóiam-se, entre outras bases, em estratigrafias verticais e exames micro analíticos

dos materiais constitutivos dos edifícios (TIRELLO, 2008).

O testemunho representado pelos materiais constituintes das construções antigas, as

transformações ambientais, estruturais, morfológicas e programáticas que ocorreram ao longo de

sua existência normalmente apresentam lacunas informativas e constantemente não são evidentes

ou lógicas para aqueles que desejam estuda-las. Neste sentido, a computação a serviço da

demonstração de cronologias arquitetônicas tem se prestado à evidenciar para um numero maior de

profissionais questões pertinentes às transformações do espaço, do histórico conservativo dos

prédios orientando positivamente tomadas de decisões em projetos de restauração.

Frisa-se ainda que as intervenções de restauro, mesmo quando são documentadas, muitas

vezes acabam comportando certa destruição, ocultando, ou até mesmo cancelando, evidências de

materiais que interessariam à estudos de arqueologia da arquitetura.

A interface da computação gráfica com a arqueologia da arquitetura se dá fundamentalmente

a partir das possibilidades que a primeira oferece para a otimização, organização, coleta e difusão

de dados coligidos em trabalhos de campo, bem como na possibilidade de simulação - não como

meio de reprodução formal - virtual de “um ou mais estados de originalidade” das construções

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antigas, contribuindo efetivamente para o aprofundamento de pesquisas a respeito da cultura

material das sociedades, que muito interessam a outras disciplinas como a antropologia, a etnologia,

história da arte dentre outras.

Figura 6 - Imagem dos desenhos da residência do H19 (Acervo do CTA, 1950) e tela do

aplicativo multimídia que apresenta o desenho digital. Imagem: Fabio de Almeida, 2009.

CONCLUSÃO

Analisando o processo de representação gráfica digital 2D e 3D e suas aplicações para

estudo histórico retrospectivo da arquitetura e contrapondo-se a análise simplista de sua utilização

corrente - geralmente relacionada à reprodução de casas antigas ou apresentação de projetos

contemporâneos - afirma-se a importância da reconstituição virtual para estudo da concepção

espacial, da planimetria e das ambientações configuradas no passado.

Todavia é impossível chegar a resultados científicos satisfatórios se a representação gráfica

computacional não for embasada em estudos multidisciplinares que produzam subsídios suficientes

para sua constituição.

A categoria de representação gráfica digital adequada para representação do patrimônio

histórico construído estrutura-se a partir de seqüências específicas de estudo: avaliações empíricas

de campo, levantamentos fotográficos precisos, sondagens superficiais, prospecções arqueológicas,

levantamentos métrico e arquitetônico, registro de materiais e técnicas construtivas além das

pesquisas históricas convencionais. (TIRELLO, 2006).

Com o uso de meios digitais para a representação gráfica dos dados coligidos em campo,

pode-se mais facilmente combinar modelos conceituais (textos) e modelos físicos de dois tipos:

icônicos (fotos) e analógicos (plantas, cortes, maquetes), sendo possível passar de um modelo

descritivo estático para modelos descritivos dinâmicos - em especial em ambiente 3D-, com

inúmeras vantagens em relação aos métodos convencionais.

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Com as avaliações do desempenho das ferramentas computacionais apresentadas neste

trabalho objetiva-se não somente apontá-las como possível instrumental técnico a serviço da

historiografia arquitetônica, mas também, fortalecer seu uso como suporte para a comunicação, que

vai além da simples promoção e difusão do patrimônio arquitetônico e cultural. Tenciona-se

contribuir para o processo de fruição social dos bens culturais, promovendo o sentimento de

pertença sócio-espacial (MENEZES, 2003), tendo em vista que a sua preservação depende

diretamente da identificação, apropriação, aceitação e entendimento dos objetos como elemento

revelador da identidade local.

Notas:

[1] O suporte digital é um termo genérico e impreciso. Fisicamente pode referir-se aos discos de

armazenamento de dados, ao CD-ROM, ao DVD à rede de computadores, chegando-se à própria

noção do uso da informação via meio eletrônico, que transcende a dimensão física da mídia.

[2] Destaca-se como exemplo destacado o “Projeto Lençóis”, realizado na Faculdade de Arquitetura

da Universidade Federal da Bahia pelo LCAD (Laboratório de Computação Gráfica Aplicada à

Arquitetura e ao Desenho), sob a coordenação do Prof. Arivaldo Leão de Amorim. O projeto

compreende um amplo espectro de ações relacionadas à documentação do patrimônio arquitetônico

do estado da Bahia, com o emprego de tecnologias digitais. Outro projeto de pesquisa relevante é o

“Rio-H: representação da história da cidade através de banco de dados e modelos 3D digitais”,

coordenado pelo prof. José Ripper Kós, responsável pelo Laboratório de Análises Urbanas e

Representação Digital (LAURD) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade

Federal do Rio de Janeiro.O inventário digital de elementos componentes da arquitetura da “Casa

de D. Yayá”, do Centro de Preservação Cultural da USP, realizado pela Profa. Regina A Tirello e

equipe, propõe-se como amplo registro de técnicas construtivas e solução ornamentais de edifícios

históricos, sintetizados em modelagens 3 D, voltado à difusão publica de diversas formas de morar

e construir do passado que constitui-se em método que tem sido adotado em outros imóveis de

estratigrafia arquitetônica complexa.

[3] Os trabalhos foram realizados e financiados através de recursos provenientes das legislações

municipais de incentivo fiscal a cultura dos dois municípios em questão. O levantamento de São

José dos Campos teve como incentivador a empresa Johnson & Johnson entre os anos de 1996 a

1999, o de Jacareí foi incentivado pela empresa Jacareí Transporte Urbano entre 2004 e 2005.

[4] Fotogrametria é a técnica de obtenção de medições fidedignas a partir de imagens fotográficas,

utilizando-se de métodos e aparelhos específicos. Por meio da fotogrametria digital é possível extrai

a partir de fotografias, as formas, dimensões e posições dos objetos fotografados.

Etimologicamente, a palavra “fotogrametria” vem de “photo” – luz, graphos – escrita, metron –

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medições, ou seja, medições executadas através de fotografias. Entretanto, o consenso geral define

o termo, a grosso modo, como tecnologia para se obter informações confiáveis, através de imagens

adquiridas por sensores.

[5] O termo prototipagem rápida designa um conjunto de tecnologias usadas para se fabricar objetos

físicos diretamente a partir de fontes de dados gerados por sistemas de projeto auxiliado por

computador (C.A.D).

[6] Aplicativo especializado em criar imagens panorâmicas baseadas em figuras e fotos digitais. O

aplicativo reúne várias imagens digitais num único arquivo que pode ser visualizado de várias

maneiras (foto única, foto cilíndrica ou esférica com sensação de visualização 360 graus) por

diferentes aplicativos de visualização.

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Universidade de 2002.

Sobre os autores

1)Fábio de Almeida Drdo. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP; É docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Paulista (UNIP), São José dos Campos e da Faculdade de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), São José dos Campos.

2) Regina A.Tirello

É doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1999), É docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp (Arquitetura-UNICAMP) dedicando-se a disciplinas de preservação da arquitetura, e especialista doutor em conservação e restauro de bens arquitetônicos e integrados do Centro de Preservação Cultural da Universidade de São Paulo (CPC-USP). Tem diversas publicações na área.