85 Tecido Nervoso Capítulo 4 1 – INTRODUÇÃO O tecido nervoso encontra-se distribuído pelo organismo, mas está interligado, resultando no sistema nervoso. Forma órgãos como o encéfalo e a medula espinal, que compõem o sistema nervoso central (SNC). O tecido nervoso localizado além do sistema nervoso central é denominado sistema nervoso periférico (SNP) e é constituído por aglomerados de neurônios, os gânglios nervosos, e por feixes de prolongamentos dos neurônios, os nervos. 1 2 – FUNÇÕES O tecido nervoso recebe informações do meio ambiente através dos sentidos (visão, audição, olfato, gosto e tato) e do meio interno, como temperatura, estiramento e níveis de substâncias. Processa essas informações e elabora uma resposta que pode resultar em ações, como a contração muscular e a secreção de glândulas, em sensações, como dor e prazer, ou em informações cognitivas, como o pensamento, o aprendizado e a criatividade. Ele é ainda capaz de armazenar essas informações para uso posterior: é a memória. 3 – COMPONENTES O tecido nervoso apresenta abundância e variedade de células, mas é pobre em matriz extracelular. 2 Os neurônios são responsáveis pela transmissão da informação através da diferença de potencial elétrico na sua membrana, enquanto as demais células, as células da neuróglia (ou glia), sustentam-nos e podem participar da atividade neuronal ou da defesa. No SNC, essas células são os astrócitos, os oligodendrócitos, as células da micróglia e as células 1 JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia básica: texto e atlas. 12.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. pp. 150, 167-168. 2 OVALLE, W. K.; NAHIRNEY, P. C. Netter Bases da Histologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 121. ependimárias. No SNP, são as células-satélites e as células de Schwann. 3 A matriz extracelular deve constituir 10 a 20% do volume do encéfalo. Não há fibras, mas há glicosaminoglicanos (ácido hialurônico, sulfato de condroitina e sulfato de heparana), que conferem uma estrutura de gel ao líquido tissular, permitindo a difusão entre capilares e células. 4 Em 1872, o anatomista italiano Camillo Golgi (1843-1926) aceitou o emprego em um hospital como cirurgião, mas, devido ao seu interesse pela pesquisa, montou um laboratório histológico em sua cozinha, onde trabalhava à noite. Ele fixou fragmentos de tecido nervoso em uma solução de bicromato de potássio por um longo período e depois os mergulhou em nitrato de prata. A prata impregnou algumas células, destacando-as contra um fundo claro. A sua reazione nera (reação negra) corava adequadamente as células do tecido nervoso, permitindo o seu estudo. Ele próprio descreveu uma célula glial do cerebelo, um astrócito modificado atualmente denominado célula do tipo radial de Bergmann. 5,6,7,8 O neuro-histologista espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), usando o método de Golgi e o método de ouro-cloreto mercúrico (ouro-sublimado), detalhou a citoarquitetura do tecido nervoso: os neurônios e os astrócitos. Pelo trabalho pioneiro no sistema nervoso, Golgi e Cajal dividiram o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1906. 9,10,11,12 Estudante de Cajal, Pio del Rio Hortega (1882-1945) desenvolveu sua própria coloração. À base de carbonato de prata, corava seletivamente a glia, e ele descobriu os 3 JUNQUEIRA & CARNEIRO. 12.ed. Op. cit., pp. 150, 157-160. 4 HAM, A. W.; CORMACK, D. H. Histologia. 8.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983. p. 485. 5 BARRADAS, P. C.; CAVALCANTE, L. A.; GOMES, F. C. A.; LIMA, F. R. S.; MOURA-NETO, V.; TRENTIN, A. G. As células da glia. In: CARVALHO, H. F.; COLLARES-BUZATO, C. B. Células: uma abordagem multidisciplinar. Barueri: Manole, 2005. p. 265. 6 HAM & CORMACK. Op. cit., p. 477. 7 JONES, E. G.; COWAN, W. M. Tecido nervoso. In: WEISS, L.; GREEP, R. O. Histologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981. p. 269. 8 OVALLE & NAHIRNEY. Op. cit., p. 112. 9 BARRADAS et al. Op. cit., p. 265. 10 HAM & CORMACK. Op. cit., p. 477. 11 OVALLE & NAHIRNEY. Op. cit., p. 112. 12 RAMÓN Y CAJAL, S. Histologie du système nerveux de l`homme et dês vertébrés. 1909-1911. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 1952, 1955.
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Tecido Nervoso Capítulo 4 - UFRGS · espinal, que compõem o sistema nervoso central (SNC). O tecido nervoso localizado além do sistema nervoso central é denominado sistema nervoso
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Tecido Nervoso Capítulo 4
1 – INTRODUÇÃO
O tecido nervoso encontra-se distribuído pelo
organismo, mas está interligado, resultando no sistema
nervoso. Forma órgãos como o encéfalo e a medula
espinal, que compõem o sistema nervoso central
(SNC). O tecido nervoso localizado além do sistema
nervoso central é denominado sistema nervoso
periférico (SNP) e é constituído por aglomerados de
neurônios, os gânglios nervosos, e por feixes de
prolongamentos dos neurônios, os nervos.1
2 – FUNÇÕES
O tecido nervoso recebe informações do meio
ambiente através dos sentidos (visão, audição, olfato,
gosto e tato) e do meio interno, como temperatura,
estiramento e níveis de substâncias. Processa essas
informações e elabora uma resposta que pode resultar
em ações, como a contração muscular e a secreção de
glândulas, em sensações, como dor e prazer, ou em
informações cognitivas, como o pensamento, o
aprendizado e a criatividade. Ele é ainda capaz de
armazenar essas informações para uso posterior: é a
memória.
3 – COMPONENTES
O tecido nervoso apresenta abundância e
variedade de células, mas é pobre em matriz
extracelular.2
Os neurônios são responsáveis pela transmissão
da informação através da diferença de potencial
elétrico na sua membrana, enquanto as demais células,
as células da neuróglia (ou glia), sustentam-nos e
podem participar da atividade neuronal ou da defesa.
No SNC, essas células são os astrócitos, os
oligodendrócitos, as células da micróglia e as células
1 JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia básica: texto e atlas.
12.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. pp. 150, 167-168. 2 OVALLE, W. K.; NAHIRNEY, P. C. Netter Bases da Histologia. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2008. p. 121.
ependimárias. No SNP, são as células-satélites e as
células de Schwann.3
A matriz extracelular deve constituir 10 a 20% do
volume do encéfalo. Não há fibras, mas há
glicosaminoglicanos (ácido hialurônico, sulfato de
condroitina e sulfato de heparana), que conferem uma
estrutura de gel ao líquido tissular, permitindo a
difusão entre capilares e células.4
Em 1872, o anatomista italiano Camillo Golgi
(1843-1926) aceitou o emprego em um hospital como
cirurgião, mas, devido ao seu interesse pela pesquisa,
montou um laboratório histológico em sua cozinha, onde
trabalhava à noite. Ele fixou fragmentos de tecido
nervoso em uma solução de bicromato de potássio por
um longo período e depois os mergulhou em nitrato de
prata. A prata impregnou algumas células, destacando-as
contra um fundo claro. A sua reazione nera (reação
negra) corava adequadamente as células do tecido
nervoso, permitindo o seu estudo. Ele próprio descreveu
uma célula glial do cerebelo, um astrócito modificado
atualmente denominado célula do tipo radial de
Bergmann.5,6,7,8
O neuro-histologista espanhol Santiago Ramón y
Cajal (1852-1934), usando o método de Golgi e o
método de ouro-cloreto mercúrico (ouro-sublimado),
detalhou a citoarquitetura do tecido nervoso: os
neurônios e os astrócitos. Pelo trabalho pioneiro no
sistema nervoso, Golgi e Cajal dividiram o Prêmio Nobel
de Fisiologia ou Medicina em 1906.9,10,11,12
Estudante de Cajal, Pio del Rio Hortega (1882-1945)
desenvolveu sua própria coloração. À base de carbonato
de prata, corava seletivamente a glia, e ele descobriu os
3 JUNQUEIRA & CARNEIRO. 12.ed. Op. cit., pp. 150, 157-160.
4 HAM, A. W.; CORMACK, D. H. Histologia. 8.ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1983. p. 485. 5 BARRADAS, P. C.; CAVALCANTE, L. A.; GOMES, F. C. A.; LIMA,
F. R. S.; MOURA-NETO, V.; TRENTIN, A. G. As células da glia. In:
CARVALHO, H. F.; COLLARES-BUZATO, C. B. Células: uma abordagem multidisciplinar. Barueri: Manole, 2005. p. 265. 6 HAM & CORMACK. Op. cit., p. 477.
7 JONES, E. G.; COWAN, W. M. Tecido nervoso. In: WEISS, L.;
GREEP, R. O. Histologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981. p. 269. 8 OVALLE & NAHIRNEY. Op. cit., p. 112.
9 BARRADAS et al. Op. cit., p. 265.
10 HAM & CORMACK. Op. cit., p. 477.
11 OVALLE & NAHIRNEY. Op. cit., p. 112.
12 RAMÓN Y CAJAL, S. Histologie du système nerveux de l`homme et
dês vertébrés. 1909-1911. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones
Cientificas, 1952, 1955.
TATIANA MONTANARI
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oligodendrócitos e as células microgliais.13,14
3.1 – Neurônios
Os neurônios possuem um corpo celular (5 a
150m) com o núcleo e outras organelas e do qual
partem os prolongamentos, que são os dendritos e o
axônio. A forma do corpo celular varia conforme a
localização e a atividade funcional do neurônio,
podendo ser piramidal (Figura 4.1), estrelada,
fusiforme, piriforme (Figura 4.2) ou esférica (Figura
4.3).15,16
Figura 4.1 - Neurônios piramidais do cérebro. Impregnação
pela prata pelo método de Golgi. Objetiva de 40x (550x).
Figura 4.2 - Célula de Purkinje do cerebelo. Método de
Cajal-Castro. Objetiva de 40x (550x).
13
BARRADAS et al. Op. cit., p. 265. 14
OVALLE & NAHIRNEY. Op. cit., p. 112. 15
LENT, R.; UZIEL, D.; FURTADO, D. A. Neurônios. In: CARVALHO,
H. F.; COLLARES-BUZATO, C. B. Células: uma abordagem multidisciplinar. Barueri: Manole, 2005. pp. 232-234. 16
OVALLE & NAHIRNEY. Op. cit., pp. 107, 120-121.
O núcleo é grande, esférico ou ovoide e claro, por
causa da cromatina frouxa, com um e, às vezes, dois
ou três nucléolos proeminentes (Figura 4.3). Nos
neurônios do sexo feminino, pode ser observado,
associado ao nucléolo ou à face interna da membrana
nuclear, um corpúsculo que corresponde à cromatina
sexual, ou seja, ao cromossomo X heterocromático.
Como foi descrito primeiramente por Barr, é também
denominado corpúsculo de Barr.17
O retículo endoplasmático rugoso é bem
desenvolvido e há abundância de ribossomos livres, o
que confere basofilia ao citoplasma, inclusive na
forma de grânulos. Antes do advento da microscopia
eletrônica e, portanto, da compreensão do que
significavam, esses grânulos basófilos foram
denominados corpúsculos de Nissl (Figuras 4.3 e
4.4).18
Figura 4.3 - Neurônio pseudounipolar do gânglio sensorial.
HE. Objetiva de 100x (851x).
A denominação de corpúsculos de Nissl deve-se ao
neurologista alemão Franz Nissl, que os descreveu no
início do século XX, usando os corantes de anilina no
estudo do sistema nervoso.19,20
O núcleo eucromático, o nucléolo proeminente e a
abundância de retículo endoplasmático rugoso e
ribossomas estão relacionados com a intensa atividade
da célula na síntese proteica.21
Além das proteínas
necessárias para manter a sua estrutura e o seu
17
JONES & COWAN. Op. cit., p. 250. 18
Ibid. 19
HAM & CORMACK. Op. cit., p. 463. 20
JONES & COWAN. Op. cit., p. 250. 21
Ibid.
T. Montanari
T. Montanari
T. Montanari
HISTOLOGIA
87
metabolismo, o neurônio produz neurotransmissores
peptídicos.22,23
O Golgi, também implicado na síntese dessas
substâncias e no seu acondicionamento, é volumoso e
localiza-se geralmente próximo ao núcleo (Figura
4.4).24
O retículo endoplasmático liso é abundante e,
logo abaixo da membrana plasmática, forma as
cisternas hipolemais que sequestam Ca2+
e contêm
proteínas.25
As mitocôndrias, presentes por todo o
neurônio, estão relacionadas com a elevada
necessidade energética, especialmente para os
gradientes eletroquímicos do impulso nervoso.26
Os lisossomos são numerosos devido à intensa
renovação da membrana plasmática e de outros
componentes celulares (Figura 4.4).27
Com o
envelhecimento, corpúsculos residuais contendo
lipofuscina, um pigmento castanho-amarelado,
concentram-se, o que pode comprimir as organelas e o
núcleo, afetando as suas atividades.28,29
Gotículas lipídicas podem ser encontradas e
representam uma reserva de energia ou, em grande
número, podem ser decorrentes de uma falha no
metabolismo lipídico. Pigmentos contendo ferro
podem ser observados em certos neurônios do SNC e
também se acumulam com a idade. Grânulos de
melanina de coloração marrom-escura a negra estão
presentes em certos neurônios do SNC e do SNP.30
Como a diidroxifenilalanina (DOPA) é precursora da
melanina e dos neurotransmissores dopamina e
noradrenalina, tem sido sugerido que a melanina seja um
subproduto da síntese desses neurotransmissores.31
A dopamina é responsável pela coordenação e
fluidez de movimentos. A destruição dos neurônios com
essa substância (neurônios que contêm melanina e
constituem a substância negra e os núcleos da base do
cérebro) resulta na doença de Parkinson, a qual se
caracteriza por tremores, movimentos lentos e rigidez
muscular.32,33
22
GENESER, F. Histologia: com bases moleculares. 3.ed. Buenos Aires:
Médica Panamericana/ Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. p. 269. 23
LOWE, J. S.; ANDERSON, P. G. Stevens & Lowe´s Human Histology.
4.ed. Philadelphia: Elsevier, Mosby, 2015. p. 84. 24
JONES & COWAN. Op. cit., p. 250. 25
GARTNER, L. P.; HIATT, J. L. Tratado de Histologia em cores. 3.ed.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 191. 26
LOWE & ANDERSON. Op. cit., p. 84. 27
Ibid. 28
GARTNER & HIATT. Op. cit., p. 193. 29
HAM & CORMACK. Op. cit., p. 465. 30
GARTNER & HIATT. Op. cit., p. 193. 31
Ibid. 32
LOWE & ANDERSON. Op. cit., p. 103. 33
ROSS, M. H.; PAWLINA, W. Histologia: texto e atlas, em correlação
com Biologia celular e molecular. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2012. p. 366.
O citoesqueleto (Figura 4.4) é constituído por
filamentos de actina, filamentos intermediários
(neurofilamentos), microtúbulos e proteínas motoras,
como a dineína e a cinesina. Ele é bastante organizado
e mantém o formato da célula, sustenta os
prolongamentos e permite o transporte de organelas e
substâncias.34,35
Figura 4.4 - Eletromicrografia de neurônio pseudounipolar,
onde se observam parte do núcleo (N) e do citoplasma, com