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INSTITUTO POLITÉCNICO DE VISEU
ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO
ANÁLISE DOS TEXTOS:
Ubong S.Nda: Preferring a drama-based model for a sustainable development
advocacy1
e
Marcia Blumberg: Puppets doing time in the age of AIDS1
Animação e Desenvolvimento Comunitário
Docente: Jorge Manuel Fraga de Mendonça
Discente: Mariana Mendonça Veloso
Viseu - 2012
1 Kuppers P., Robertson G. (2007) The Community Performance Reader, (pp165-188) Oxon UK,
Routledge
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Índice
1. Análise Textual ...................................................................................................... 3
1.1. Ubond S. Nda ................................................................................................. 3
1.2. Marcia Blumberg ............................................................................................ 6
2. Análise Pessoal ................................................................................................... 10
2.1. Ubong S. Nda ............................................................................................... 10
2.2. Marcia Blumberg .......................................................................................... 11
3. Anexos (tradução do texto) .................................................................................. 14
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1. Análise Textual
Este capítulo remete para um resumo objetivo da leitura feita aos capítulos 15 e 16
do manual The Community Performance Reader, assim com para um conjunto de
palavras-chave de cada um dos capítulos. Primeiro será abordado o texto de Ubong
Samuel Nda e de seguida o de Marcia Blumberg.
1.1. Ubond Samuel Nda
O autor: Professor de teatro na Universidade de Uyo na Nigéria. Fez o doutoramento
com a tese “Teatro e Conservação Ambiental” na Universidade de Calabar. Tem
trabalhado as temáticas do ambientalismo, média rural e teatro.
Teatro e sensibilização ambiental
Palavras-chave: Nigéria, valores, tradições, culturas, desenvolvimento sustentável,
vulnerabilidade ambiental, erosão, pobreza, procriação irresponsável, recursos
naturais, colheitas excessivas, degradação da comunidade, teatro comunitário,
mudança de comportamento, cooperação, assistência externa.
Ubong desenvolveu uma experiência, na vila Ikot Ayan Itam – Nigéria, com vista à
sensibilização ambiental, fazendo uso do teatro. Uma região em desenvolvimento,
com problemas ambientais e uma cultura muito enraizada.
Ubong divide o seu trabalho em várias etapas. Primeiro estudou a comunidade e
o território alvo do seu trabalho. Tentou perceber “crenças, sistemas de valores,
tradições, tabus, a visão geral de mundo, de relacionamento com os vizinhos,
atividades sociais, políticas, religiosas e económicas, bem como o nível ou
desenvolvimento tecnológico. Isto foi necessário porque, para que o desenvolvimento
seja social e ambientalmente sustentável "deve ter em conta e desenhar sobre os
valores, tradições e culturas dos povos" (Davis e Ebbe, 1993).”
Quando se atua num espaço para alterar algo, deve-se ter em conta todas as
caraterísticas das pessoas que habitam esse espaço, uma vez que “uma
manipulação errada de tais sensibilidades culturais, pode criar desconfiança,
alienação e mesmo total rejeição, da equipa da comunidade”.
A comunidade escolhida para este projeto tem caraterísticas específicas. “É uma
grande aldeia com cerca de 13 mil pessoas. lkot Ayan é uma comunidade puramente
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rural. Não tem nenhum sistema de energia elétrica nem de abastecimento de água
potável. É quase toda cercada por vales e as estradas estão em péssimo estado.”
Os problemas ambientais prendem-se acima de tudo com a erosão, deslizamentos
de terra e poluição dos recursos hídricos. O solo da comunidade foi desgastado pelo
cultivo excessivo, causando transformações topográficas, como por exemplo o
aparecimento da ravina “aba ekpe” que cortou o acesso desta aldeia com o resto das
aldeias do clã Itam, assim como o abastecimento de água.
Os maus hábitos da comunidade prendem-se com a falta de planeamento para a
utilização da terra. Também a procriação irresponsável e a pobreza estão na base da
maioria dos problemas, o que leva a esticar demasiado os recursos naturais através
de “colheitas excessivas em todo e qualquer espaço de terras disponíveis, bem com a
utilização de produtos químicos na pesca.”
O projeto de Ubong divide-se também em etapas como reuniões, constituição da
equipa principal, encontro com a comunidade, formação do grupo voluntário de teatro,
guião e cenário, elenco, ensaios, necessidades técnicas, data/publicidade,
apresentação pública, sessão de dicussão, pós-desempenho, avaliação e
acompanhamento, observações e conclusão.
Depois de constituir a equipa de trabalho, Ubong foi bem recebido pela comunidade
uma vez que o projeto se encontrava fora dos programas partidários, com que a
comunidade tem vindo a ser inundada e não merece da parte deles qualquer
credibilidade. Abraçaram de imediato o projeto, “de coração, na crença de que ele não
ia apenas ajudá-los na autorrealização, mas também a abrir a comunidade à
assistência externa, no combate a problemas ambientais e deficiências de
infraestruturas.”
O grupo de teatro foi criado com voluntários da comunidade e ficou logo esclarecido
que Ubong não tinha nenhum guião pré-estabelecido para a performance/teatro. Seria
algo a construir em conjunto, onde todos poderiam participar. Surgiram então várias
linhas orientadoras que vinham das experiências, hábitos e vivências da comunidade.
E assim se foi construindo o guião, que representava os problemas locais, referidos
anteriormente. Ubong acrescenta:
“Este projeto foi uma experiência total de improvisação embora algumas situações
dialógicas fossem demasiado importantes para serem deixadas ao esforço livre da
improvisação, e, por isso foram dadas aos atores. A improvisação permitiu um maior
tratamento individual do assunto e solidificou o espírito de envolvimento local.”
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Os ensaios duraram 5 semanas, mais do que o previsto, devido a imprevistos
relacionados com programas sociais e económicos da comunidade local.
Quanto às condições técnicas Ubong decidiu “abandonar o método de apresentação
menos formalista associada com a experiência de teatro da comunidade. (…) O teatro
para o projeto de sensibilização ambiental é, essencialmente, um teatro para atividade
de desenvolvimento. Desenvolvimento implica uma mudança de comportamento do
Estado, ou metodologia e resposta à mudança e a estímulos - novas informações ou
consciência que têm de ser mais credíveis do que um conhecimento ou posição
existente. O meio através do qual esta nova informação é apresentada deve ser
atraente e possuir a capacidade de ser levada a sério.” Para criar um maior nível de
seriedade no espetáculo, Ubong decidiu, faze-lo num espaço fechado com a
existência de iluminação, figurinos, caracterização e construção de cenários. Desta
forma, envolveu também, mais pessoas da comunidade que apoiaram todas estas
vertentes.
Com a sessão de discussão conclui-se que “a comunidade viu e apreciou a
necessidade de realizar mudanças nos seus hábitos ambientais.”. E o final da
performance não coincidiu com o final do projeto, mas sim com um ponto de partida,
“…o início de uma nova fase – acompanhamento e monitoramento”.
Medidas acordadas pela comunidade: “…conter a destruição da vegetação em locais
de erosão, plantio de árvores, arbustos e grama na 'aba Ekpe ", a criação de rotas
para canalização de água dentro da comunidade da aldeia, entre outros.”
Ubong deixa ainda algumas conclusões:
“Com base no exposto, gostaria de alegar que há uma necessidade urgente
para a sensibilização sincera das populações locais, especialmente os
moradores rurais, que formam a grande percentagem de população do país em
problemas do meio ambiente”
“No emprego do teatro dramático como meio, os organizadores não devem
rigidamente seguir os padrões já estabelecidos de teatro comunitário, mas
devem, antes, estudar a comunidade e as circunstâncias do projeto para
permitir a elaboração de um modelo que melhor se adequa à situação a ser
concebida.”
“Organizações de teatro devem despertar-se para a importante
responsabilidade social de maximizar as características benéficas do seu meio
de sensibilização ambiental.”
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“Organizações governamentais e não-governamentais poderiam (em
reconhecimento do lugar do meio ambiente como a base para o sustento da
vida) patrocinar tais atividades, uma vez que financeiramente as organizações
de teatro não se podem estender ao financiamento e logística para estes
projetos.”
1.2. Marcia Blumberg
O autor: ensina teatro na Universidade York, em Toronto – Canadá. Já publicou muitos artigos
e é coeditora com Dennis Walder do South African Theatre As/And Intervention (1999).
Teatro e sensibilização ambiental
Palavras-chave: África do Sul, Sida, Reclusos, Censura, Descriminação, Desinformação,
Teatro de Fantoches, Aprendizagem, Confidencialidade, Autoestima, Educação para a SIDA.
Marcia Blumberg escreveu um artigo onde recolhe as várias experiências feitas
com teatro de fantoches na África do Sul com vista a sensibilizar, principalmente
reclusos, para a problemática da Sida.
Blumberg cita Peter Larlham para caraterizar o teatro da África do Sul “Um
teatro que aborda questões de relevância imediata para a sociedade sul-Africana, com
ênfase na produção de obras ocidentais; escrever novas peças em vez de trabalhar a
partir de guiões/peças pré-existentes; o ator é considerado como um fabricante de
papéis, em vez de um intérprete de papéis; um teatro que auxilia na reeducação após
o longo período de censura imposta e desinformação.”. Ela diz que “De forma pouco
comum as marionetas cumprem estas caraterísticas de contribuir de forma radical
para o teatro como uma força transformadora na áfrica do Sul, num momento
significativo, em que a opinião de um especialista local em Sida, Dr. Clive Evian diz
que "A epidemia sul-africana é umas mais explosivas do mundo e terá consequências
devastadoras para o país".”
Marcia Blumberg ao longo do seu artigo discorre sobre vários projetos como
Puppets in Prison, The Island’s, Projeto de Educação AIDS e Estilo de Vida realizado
em Zululan Rural, Pedagogia do Oprimido, DramAidE, Fantoches contra a Sida,
Sarafina 2… todos eles, realizados por diferentes autores e observa o impacto deles
nos diferentes contextos. Como ela diz “…O meu artigo situa este projeto de fantoches
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em coordenadas específicas nacionais e sociopolíticas do sentido do teatro como uma
força intervencionista no meio prisional e no vírus da Sida – VIH.”
The Island, concebido em 1973 por Athol Fugard, John Kani e Winston
Nshona, dá aos espetadores uma janela para um mundo que, John
Kani nos lembra, "do qual nós nunca falamos, ninguém pode escrever
sobre ele, a imprensa não pode falar dele, do qual nem mesmo os sul-
africanos brancos, livres como são, podem falar."
Este projeto foi desenvolvido na prisão Robben Island e incidiu sobre os direitos e
rituais da Grécia antiga e ao mesmo tempo falou diretamente para as estruturas
opressivas que expõem os problemas da raça, classe e os papeis do género, bem
como da liberdade restrita para a grande maioria dos sul-africanos até 1994.
Esta prisão já foi um hospital para doentes mentais e uma colónia de leprosos. Um
livro sobre Robben Island foi dirigido a professores do 3º ciclo e alunos, e define as
tarefas de cada secção. Um dos debates propostos intitula-se “As vítimas da Sida são
os leprosos dos anos 1900?” e refere-se a uma reportagem do jornal de 1994, que
sugere que as crianças da Suazilândia infetadas com HIV devem ser impedidas de
frequentar a escola, uma vez que não têm futuro e estão a ser condenadas por castigo
divino. Marcia rejeita, de imediato, a palavra “vítimas” no título do debate, dado que as
pessoas infetadas não são vítimas e enfrentam corajosamente obstáculos diários e
orgulham-se do seu fortalecimento. E refuta a analogia de sida e lepra com a
preocupada citação de Paula Treichler "Sida é simultaneamente uma epidemia de
uma doença transmissível letal/mortal e uma epidemia de sentidos e significados".
Marcia refere que “Apesar da ignorância, da intolerância e da discriminação,
que espalham o medo e o estigma, em relação às pessoas infetadas com sida, a
desconfiança da política oficial criada durante os anos do apartheid agrava a
complexidade destas questões. Mary Crewe explica como as estruturas do apartheid
afetaram a crise da sida: Restam poucas dúvidas de que a sida tem gerado uma boa
dose de ansiedade no sul de África. Apesar de ser uma doença nova, é posta a nu e
agrava os preconceitos sociais, as desigualdades económicas, a prática
discriminatória e as injustiças políticas, que têm sido os pilares do apartheid.”
O relatório de Lynn Dalrymple sobre o “Projeto de Educação Sida e Estilo de
Vida realizado em Zululand Rural” fornece análises detalhadas, metodologia e
fundamentação para a educação pelo drama, pelo teatro, em vez do ensino
convencional, em torno das questões do VIH. Paulo Freire na sua Pedagogia do
Oprimido, desafia alterar, o que ele chama “educação bancária” (depositar informação
em vasos vazios), para uma educação baseado no “aprender fazendo”.
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Marcia Blumberg refere outro autor, Gary Friedman, que contribui
significativamente para este campo de consciencialização da sida. Friedman fundou,
em 1987, um programa (AREPP) - Programa Africano de Investigação e Fantoches
Educacionais, que teve como primeiro projeto Fantoches Contra a Sida, que ainda é
atualizado periodicamente e levado para as ruas. Espetáculos que abordam a questão
do HIV a partir de perspetivas diferentes e empregam uma variedade de bonecos e
media para entreter os espetadores e simultaneamente envolve-los para a questão
iminente.
Em 1994 Friedman deixa o AREPP, e embarca em novos desafios. Um deles
“Fantoches na Prisão/ Puppets in Prison”.
Gary Friedman vive segundo a máxima: “Não vale a pena fazer nada se não se
aceitarem os riscos, na vida e no teatro.”
Em 1996 empreende este projeto na prisão Diepkloof (prisão que abriga
presos com idades entre 18-24 anos e não permite facilidades de lazer), em
Joanesburgo. Seleciona 12 prisioneiros, de longa data, para participar num workshop
de 8 semanas. Os profissionais de saúde participaram desde início no projeto com
sessões de consciencialização sobre o VIH e o seu impacto sobre a comunidade
prisional – em particular. Friedman e Nyanga Tshabalala deram formação em
construção de fantoches, interpretação e cenografia. “Mais importante, eles criaram
um espaço seguro e geraram um processo de colaboração com base numa crescente
confiança em que os prisioneiros / manipuladores de fantoches tinham a oportunidade
de compartilhar experiências pessoais e medos sobre a infeção HIV, violação,
prostituição, gangues, e outros cenários relacionados que eventualmente constituíram
as narrativas das peças de teatro de fantoches.” Friedman enfatiza que "os fantoches
podem fazer e dizer coisas que os atores reais, ao vivo, não ousariam fazer." Os
prisioneiros passaram as suas histórias através da boca dos fantoches, o que tem um
efeito libertador, “…já que os atores podem comunicar as suas preocupações numa
narrativa que envolve questões delicadas e até mesmo assuntos perigosos ainda que
não haja uma linha direta de vingança, uma vez que é o personagem fantoche e não o
ator realizando sua própria história.”
O plano era habilitar 11 grupos de prisioneiros que, através dos fantoches,
iriam educar os seus colegas nas prisões de todas as províncias. Este projeto
continuado e significativo foi abortado devido à falta de fundos, apesar do depoimento
com grandes elogios por parte de um ministro do Congresso Nacional Africano, que
diz que este projeto deveria ser implementado em todas as prisões da África do Sul, e
refere o conhecimento das estatísticas de que a 20% dos prisioneiros de Diekloof foi
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diagnosticado o vírus da Sida. Disputas internas no governo político foram um forte
obstáculo para o projeto.
“O projeto Diepkloof não foi reintegrado, e cada vez que ouço a opinião dos
participantes sobre o vídeo ou leio o relatório de avaliação, sinto uma combinação de
raiva, um sentimento de traição e de oportunidades desperdiçadas, e um temor para
os seus futuros.
A função de reabilitação dos Fantoches na prisão é claramente articulada pelos
marionetistas envolvidos. Reiteraram como o programa serviu como um ponto de
viragem na sua vida, quando, pela primeira vez, eles formaram metas de longo prazo
e visões futuras. O mais notável foi o aumento da sua confidencialidade e sentido de
auto-estima, suas habilidades recém-adquiridas e papéis importantes como
educadores de pares traduzido para eles sobre o potencial para um futuro viável,
especialmente quando a educação para a Sida aborda questões de vida e morte e os
outros problemas interligados de violência que forma um ciclo que tem impacto sobre
a vida dentro e fora da prisão. Durante o workshop, os marionetistas também
desenvolveram um compromisso com o projeto e os seus participantes, aprenderam a
ter disciplina, e a treinar a parte física e a meditação. Os aspetos criativos e
performáticos ofereceram-lhes uma oportunidade especial numa rotina dura da prisão
que de outro modo não admitia a prática de lazer. O fim do projeto Dicpkloof ocorreu
apesar de muitas iniciativas por parte de Gary Friedman e outros, bem como
avaliações críticas, como o de Daryl Accone: que este projeto "pode fornecer o plano
para a educação sobre o VIH nas nossas cadeias." O relatório de avaliação global que
analisa vários aspetos, conclui com louvor geral para o projeto como "uma iniciativa
excelente que deu ao público informações importantes sobre a sida e serviu para
acumularem mais interesse e aumentar a discussão sobre a doença." No entanto, foi
também ameaçado noutros requisitos, "Alguns dos prisioneiros sentiram que
Fantoches na prisão estava a dar uma mensagem negativa para o mundo exterior.”
Tão adequado este projeto teatral vital era, que ganhou apoio e força dentro da prisão.
Mas a sua implantação limitada relaciona-se diretamente com a escassez de fundos e
inação governamental.
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2. Análise Pessoal
Neste capítulo será feita uma análise crítica aos depoimentos anteriores.
Principalmente comentários aos projetos, pontos de interesse, conclusões sobre as
características da comunidade e a ação do animador na mesma.
2.1. Ubong S. Nda
O trabalho de Ubong prende-se com a problemática social do ambiente. Em países
em desenvolvimento esta questão ganha dimensões negativas que podem pôr em
causa a sobrevivência de comunidades quando não há uma sensibilização adequada
para a problemática. No caso da Nigéria, mais especificamente da vila de Ikot Ayan
Itam, como o autor constatou, era necessário tomar medidas para ensinar a população
a fazer uso dos recursos naturais de forma mais adequada. Reeducar a população
para o uso do solo e da água. Num ambiente pobre, em que a população não está
sensibilizada para as temáticas: erosão dos solos, contaminação das águas e
procriação, a forma como os “educadores” atuam é a chave para a alteração de
comportamentos por parte dos habitantes. As formas tradicionais de sensibilização
poderão não estar adequadas e o resultado é o desinteresse e a rejeição das
comunidades. É necessário traçar um plano de ação adequado à realidade onde se
vai implementar esta luta na mudança de comportamentos e consciencialização do
problema. Ubong fê-lo da melhor forma: estudou a comunidade onde ia atuar, os seus
hábitos, crenças e tradições e respeitando a conjetura, traçou um plano de ação que
conseguiu, em primeiro lugar captar a atenção e o interesse do alvo, e depois adequou
os passos seguintes à realidade e expectativas dos participantes. O teatro é uma
prática de grupo, que implica dedicação, envolvência, confiança, partilha,
aprendizagem. Para conseguir todas estas mestrias, um autor, deve criar o grupo.
Neste caso, um grupo que partilha da mesma vontade: aprender a fazer uso dos seus
recursos para melhorar a qualidade de vida e a interação com o meio ambiente.
Portanto uma ferramenta perfeita que ensina pela experiência, pela formulação de
questões, encontro de respostas, um processo que se realiza em conjunto e contraria
o modelo dos discursos ou palestras que apontam erros e soluções generalistas, sem
avaliar cada caso, como único e resguardado com uma cultura específica.
Ubong, mostra de forma muito clara os vários passos do seu projeto. As várias
fases de implementação, desde o pré-estudo até às conclusões do resultado final.
Uma boa estruturação dá ao animador alguma vantagem na ação, reduzindo margens
de erro em relação a abordagens, tempos, e formação de equipas.
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Foi bastante eficaz na envolvência da comunidade, quer com o grupo de
voluntários atores, quer com a equipa de profissionais, os responsáveis por cada
valência mais técnica ou criativa, como cenografia, caracterização, iluminação…
Nunca expondo resultados finais, mas sempre envolvendo os habitantes nos vários
processos, o que se traduziu numa forte dinâmica de aprendizagem, auto-
consciencialização e critica rumo a novas predisposições para a ação.
Outro aspeto que me surpreendeu na implementação deste projeto foi a
sensibilidade de Ubong quanto à adequação das várias comunicações ou fases de
contacto com os habitantes, respeitando os acontecimentos públicos/eventos, políticos
ou sociais, da vila.
É de referir a escolha de Ubong em quebrar com a estrutura habitual do teatro
comunitário em espaços abertos, praças e sem recursos técnicos ou preenchimento
visual de cenários e adequação de figurinos e caracterização. Neste caso, Ubong
escolheu integrar a vertente técnica, o pormenor estético da caracterização de atores,
figurinos e cenários e optou pela execução em palco, espaço fechado.
As histórias que constituíram o enredo foram resultado de improvisações dos
atores, baseadas em acontecimentos reais e orientados pelo autor, por forma a
respeitarem a temática e uma linha coerente de montagem.
Este projeto enriqueceu-me bastante, não propriamente pelo interesse pessoal em
relação à problemática (talvez por não estar tão presente na atenção atual que dou às
problemáticas da sociedade na qual me insiro), mas pela forma como Ubong o
implementou.
2.2. Marcia Blumberg
Marcia Blumberg apresenta-nos um artigo resultante de uma recolha de vários
projetos implementados por vários autores de referência, na problemática do vírus VIH
e que escolheram o contexto prisional como espaço de implementação, na África do
Sul.
Entre vários projetos que refere, e testemunhos de autores, como base de
fundamentação teórica para conceitos como Sida, apartheid e holocausto, acaba por
aprofundar principalmente um autor – Gary Friedman e os seus projetos.
Contextualizando os principais termos ou conceitos chaves do seu artigo, refiro:
Peter Larlham que caracteriza o teatro da África do Sul como um teatro
que aborda temáticas de relevância imediata para a sociedade, no qual
se produzem novas peças e o ator é considerado como um fabricante
de papéis e não um simples intérprete. O que contribui para a
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reeducação após um longo período de censura imposta e
desinformação.
Dr. Clive Evian que contextualiza a problemática da sida como a
epidemia sul-africana das mais explosivas do mundo e com
consequências devastadoras para o país.
Projeto THE ISLAND – implementado na prisão Robben Island por Athol
Fugard, John Kani e Winston Nshona, dá aos espetadores uma janela
para um mundo que, John Kani nos lembra, "do qual nós nunca
falamos, ninguém pode escrever sobre ele, a imprensa não pode falar
dele, do qual nem mesmo os sul-africanos brancos, livres como são,
podem falar.". Este projeto demonstra o poder do teatro como voz de
protesto, aqui na forma de peça de teatro dentro de peça de teatro, uma
vez que se baseia n’O Julgamento de Antígona, de Sófocles.
Paula Treichler constata que a Sida é “…simultaneamente uma
epidemia de uma doença transmissível letal/mortal e uma epidemia de
sentidos e significados". Devido à ignorância e consequente
descriminação em relação à doença. Isto porque foi escrito um livro
sobre a prisão Robben Island que sugeria um debate sobre as vítimas
de sida serem os leprosos dos anos 1900. O livro apresenta uma ideia,
baseada num artigo de um jornal, de que as crianças portadoras do
vírus deviam ser impedidas de frequentar a escola, uma vez que estão
condenadas por um castigo divino.
Mary Crewe explica como as estruturas do apartheid afetaram a crise
da sida. “Apesar de ser uma doença nova, é posta a nu e agrava os
preconceitos sociais, as desigualdades económicas, a prática
discriminatória e as injustiças políticas, que têm sido os pilares do
apartheid.”
Lynn Dalrymple fornece análises detalhadas, metodologia e
fundamentação para a educação pelo drama, pelo teatro, em vez do
ensino convencional, em torno das questões do VIH.
Paulo Freire na sua Pedagogia do Oprimido, desafia alterar, o que ele
chama “educação bancária” (depositar informação em vasos vazios),
para uma educação baseada no “aprender fazendo”.
Depois deste conjunto de fundamentações para a temática, Marcia Blumberg foca-se
em Gary Friedman e nos seus 2 projetos: (AREPP) - Programa Africano de
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Investigação e Fantoches Educacionais e Puppets in Prison. Estes exemplos e todos
os anteriores argumentam a sua opinião que “De forma pouco comum as marionetas
cumprem estas caraterísticas de contribuir de forma radical para o teatro como uma
força transformadora na áfrica do Sul, num momento significativo…”
Friedman desenvolveu o seu programa AREPP que se traduz como expressão
de teatro de rua com fantoches alusivo à sensibilização para a SIDA. Mais tarde
desenvolveu na prisão Diepkloof, o projeto Puppets in Prison, com 12 reclusos com
idades entre os 18 e 24 anos. Desde o início integrou no projeto profissionais de saúde
que fizeram sessões de consciencialização sobre o VIH e o seu impacto sobre a
comunidade prisional – em particular. Friedman e Nyanga Tshabalala deram formação
em construção de fantoches, interpretação e cenografia. “Mais importante, eles
criaram um espaço seguro e geraram um processo de colaboração com base numa
crescente confiança em que os prisioneiros / manipuladores de fantoches tinham a
oportunidade de compartilhar experiências pessoais e medos sobre a infeção HIV,
violação, prostituição, gangues, e outros cenários relacionados que eventualmente
constituíram as narrativas das peças de teatro de fantoches.” Friedman enfatiza que
"os fantoches podem fazer e dizer coisas que os atores reais, ao vivo, não ousariam
fazer." Os prisioneiros passaram as suas histórias através da boca dos fantoches, o
que tem um efeito libertador, “…já que os atores podem comunicar as suas
preocupações numa narrativa que envolve questões delicadas e até mesmo assuntos
perigosos ainda que não haja uma linha direta de vingança, uma vez que é o
personagem fantoche e não o ator realizando sua própria história.”
Este projeto teve um impacto positivo, no entanto a sua continuidade ficou limitada
devido à falta de verbas, apoios e desentendimentos políticos internos.
A recolha de Marcia Blumberg é muito pertinente na demonstração de projetos
comunitários, que podem ser postos em prática por animadores e uma equipa reunida
com elementos especializados nas várias valências ou problemáticas em causa. De
referir que cada projeto apresentado envolve uma equipa de trabalho e nunca é
desenvolvido por um só agente. Por muito polivalente que um animador seja, quando
trabalha certas temáticas deve conseguir reunir uma equipa que apresente
especializações nas áreas de intervenção. A conjetura política pode retardar ou
mesmo inibir a implementação de um projeto, ainda que, pertinente para o contexto,
se for envolvido em rixas e lutas de interesses. Esta é, infelizmente uma realidade
bastante presente e, a meu ver, global.
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3. Anexos (tradução do texto)
Ubong S. Nda
Preferência por um modelo baseado no drama para a defesa do
desenvolvimento sustentável
O Ikot Ayan Itam Teatro para a experiência de Desenvolvimento
Como o mau estado do meio ambiente causa preocupação em várias partes do mundo, surgiu a
necessidade para cada profissão de se tornarem partes interessadas no processo de educação
ambiental. O teatro, especialmente o teatro participativo para o desenvolvimento, poderia ser
uma metodologia credível na sensibilização das pessoas, especialmente os moradores rurais de
nações em desenvolvimento, em desenvolvimento sustentável. Com, a sua prestação para
participação em jogo-criação, performance, discussões e decisões após a performance; o modelo
é capaz de assegurar considerações para sensibilidades culturais locais, e gerar propriedade
comunal do meio de comunicação. Este capítulo relata uma experiência prática no teatro e
sensibilização ambiental, que teve lugar na vila de lkot Ayan Itam, em ltu área do governo local
de Akwa Ibom Estado da Nigéria.
Antecedentes do projeto e metodologia
Eu coloquei à frente o Teatro, para o Projeto Sensibilização Meio Ambiente para o Instituto
África-América, como uma entrada para o Ake Claude 2002 Memorial Award. Eu propus usar a
vila de Ikot Ayan Itam em LTU área do governo local, em Akwa Ibom, Nigéria, como um
estudo de caso. Metodologicamente, este projeto envolveu levantamento ambiental / pesquisa,
uma apresentação prática teatral dos resultados de pesquisas e discussões comuns sobre a
situação e o caminho a seguir. A abordagem do teatro para o desenvolvimento (popularmente
conhecido como teatro comunitário) foi empregada com algumas modificações. As fases de
consulta incluíram: discussão de pesquisa / um acordo sobre a linha orientadora da história da
peça e cenário, os ensaios através do uso de técnicas de improvisação, produção / discussões e
seguimento/acompanhamento.
Comunidade de Pesquisa
Tive primeiro que realizar um estudo sobre os problemas a serem enfrentados e o background
das pessoas naquela área, incluindo a principal causa da situação, que hábitos específicos da
comunidade melhoram a sua escalada e qual a melhor forma para levar a correções, a curto e
longo prazo. Eu estudei a fundo a comunidade, a fim de identificar as suas crenças, os sistemas
de valores, tradições, tabus, visão geral de mundo, de relacionamento com os vizinhos,
atividades sociais, políticas, religiosas e económicas, bem como o nível ou desenvolvimento
tecnológico. Isto foi necessário porque, para que o desenvolvimento seja social e
ambientalmente sustentável "deve ter em conta e desenhar sobre os valores, tradições e culturas
dos povos" (Davis e Ebbe, 1993). Os tabus específicos das pessoas tiveram que ser levados
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seriamente em consideração, uma vez que, uma manipulação errada de tais sensibilidades
culturais, pode criar desconfiança, alienação e mesmo total rejeição, da equipa da comunidade.
Escolha da amostra
Ikot Ayan ltam, a área escolhida para o projeto, é uma comunidade populosa altamente
autónoma em ltu área do governo local (uma área de conselho local conhecida pela sua
topografia problemática) em Akwa lbom Estado, na Nigéria. É uma grande aldeia com cerca de
13 mil pessoas. lkot Ayan é uma comunidade puramente rural. Não tem nenhum sistema de
energia elétrica nem de abastecimento de água potável. É quase toda cercada por vales e as
estradas estão em péssimo estado. Há muitos anos atrás, a vila perdeu o seu estatuto acarinhado
de estar ao lado de uma estrada nacional quando a velha estrada Uyo-Itu foi abandonada em
detrimento da nova, e, como é o caso de muitas situações, nos países em desenvolvimento, a
estrada velha que atravessava Ikot Ayan ficou em péssimo estado de dilapidação. A ponte que
em tempos cruzou 'idim efod "- um riacho popular em Ikot Ayan - desabou completamente por
causa da erosão, e agora está submersa na água. Além deste riacho, a estrada velha é um mero
caminho de arbustos.
Em 1989, o governo ou o Estado de Akwa Ibom, em reconhecimento da vulnerabilidade
ambiental da área do Estado, decidiu realizar o lançamento estadual da campanha de plantação
de árvores em Enen Atai. Foi um exercício que deveria ter provocado a mobilização completa
das aldeias em redor, compreendendo Enen Atai, lkot Allie e lkot Ayan. Mas a ocasião, uma
simples cerimónia do governo, apenas chegou e passou sem qualquer sensibilização para o
plantio de árvores na consciência nas pessoas. Poucos anos depois, em 1996, a visita de outro
governador aos pontos de erosão da área, revelou que o local exato onde a cerimónia de plantio
de árvores de 1989 teve lugar, se tinha tornado um vale impenetrável. É neste cenário de
abandono e desamparo aparente, especialmente como o exemplo dos graves problemas
ambientais que preocupam a comunidade, que o investigador Ubong S. Nda, informou a escolha
de lkot Ayan ltam como estudo de caso para este projeto.
Problemas ambientais de Ikot Ayan ltam
Um dos graves problemas ambientais que assolam esta comunidade é a erosão. Como resultado
da natureza ondulada da topografia ltu, o solo é facilmente suscetível à erosão e deslizamentos
de terra. Há mais de 20 locais propensos à erosão, e cerca de 10 destruídos por erosão. O pior
deles, a ravina "aba ekpe”, quase impede a ligação desta aldeia com resto das aldeias do clã
ltam. A estrada que liga Ikot Ayan com lkot Artie, e através do qual as pessoas ganham acesso à
estrada Uyo-Itu-Calabar maior, está quase inacessível devido à ravina "aba ekpe”. O solo desta
comunidade foi esgotado por excesso de cultivo, tornando-o impotente diante da fúria da água e
de outras forças ou desnudamento. O problema da erosão também afetou o abastecimento de
água na aldeia. Ikot Ayan não tem instalações de canalização de água, por isso, depende dos
fluxos locais para o seu abastecimento. As vias montanhosas para a maioria destes córregos
estão se a tornar intransitáveis, bloqueando o acesso das pessoas às fontes disponíveis de água.
Outro problema muito sério ambiental de Ikot Ayan é a poluição dos recursos hídricos através
do despejo de resíduos. A aldeia tem sorte de ter sido dotado de fluxos em quase todo os seus
limites (pode-se facilmente contar cerca de 12 córregos em diferentes pontos da aldeia).
Infelizmente, estes fluxos foram poluídos por efluentes mais a montante e pela própria
comunidade lkot Ayan. Assim, o jacinto de água quase assumiu/tomou/”bebeu” o 'efod idim ",
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um dos fluxos sobreviventes, e uma importante fonte de abastecimento de água para uma maior
parte da Vila.
Os maus hábitos ambientais da comunidade
Apesar de alguns dos problemas ambientais serem devido a causas naturais, especialmente onde
as questões como a topografia estão envolvidas, as observações gerais da pesquisa têm
mostrado que uma grande parte deles são induzidos pelo homem. Afinal, mesmo que uma área
tenha um terreno ou uma topografia difícil, um cuidadoso planeamento do uso da terra poderia
oferecer uma proteção contra qualquer situação desagradável. O uso da terra na lkot Ayan,
assim como em qualquer comunidade rural típica na África, não foi bem planeado. A omissão
humana ou a falta de planeamento para a utilização da terra continua a ser um problema para o
controle ambiental, mesmo em centros urbanos dos países em desenvolvimento. Para os
moradores de Ikot Ayan, esta questão é considerada para além deles, como atividade de tal
porte, que eles acreditam só poder ser tratada pelo governo.
O problema da erosão na comunidade tem sido seriamente auxiliado pelas atividades
agropecuárias nas áreas sujeitas a erosão. A ravina "aba Ekpe”, por exemplo, foi escalada por
meio do cultivo pelos aldeões. Quase todo o espaço da ravina foi cultivado repetidamente,
tornando o solo vulnerável às forças da erosão. Outra atividade que tem seriamente contribuido
para a degradação da comunidade Ayan lkot são as escavações de areia e cascalho. As encostas
dos córregos da aldeia são ricas em cascalho e terra vermelha. Alguns dos jovens estão
ocupados a escavar esses recursos para a venda, a fim de fazer face às despesas. As encostas do
popular 'idim efod "já estão a sofrer com essa atividade.
O assoreamento das fontes de água na aldeia também decorre a partir de resíduos dispersos
nesses fluxos, por exemplo, as ervas daninhas e outros resíduos de cultivo são depositados
neles. As atividades de eliminação de resíduos a montante, e em lkot Ayan, criaram depósitos
pesados que se fixaram ao longo dos anos, poluindo a água e causando o bloqueio do seu fluxo.
Na base da maioria destes problemas estão a procriação irresponsável e a pobreza, as principais
características endêmicas da África rural. As campanhas de planeamento familiar ainda não
chegaram a esta aldeia, tais programas estão ainda principalmente urbano-centrados. Nem a
campanha da sida. Mesmo que eles fizessem chegar às pessoas de lkot Ayan, a importância no
uso de preservativos, por exemplo, iria colidir seriamente com sensibilidades culturais dos
habitantes, causando a sua alienação. Como é o caso da maioria das áreas rurais na Nigéria, em
que meninas na idade escolar dão à luz bebés sem casas definitivas. Esta situação temerária de
procriação deu origem ao tipo de cenário descrito pelo Dr. Lilica Sagoe, um fundo pontual, das
Nações Unidas para a população na Nigéria:
Suponha que um agricultor possui 10 hectares de terra. Se ele tem 10 filhos e divide a terra
igualmente entre eles, cada criança terá um hectare. Se cada um desses filhos tem dez filhos e
divide a terra da mesma forma, cada um de seus filhos terão um décimo de hectare. É evidente
que estas crianças não estarão tão bem como seu avô, que tinha 10 hectares de terra.
Aqui talvez esteja a causa da fragmentação da terra em Ikot Ayan e no resto da Nigéria rural,
especialmente nos estados do sul. Esta situação levou a esticar demais os recursos naturais
através das colheitas excessivas, em todo e qualquer espaço de terras disponíveis, mesmo em
áreas propensas a erosão, bem como a utilização de produtos químicos na pesca, que se uniram
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a impor à comunidade Ayan lkot Itam uma situação ambiental que não pressagia um futuro
significativo para a habitação.
O Projeto
Consultas e reuniões
A receção do projeto por parte dos dirigentes e do povo da aldeia lkot Ayan foi esmagadora e
encorajadora. Os primeiros contatos que fiz com a aldeia foram facilitados por James Edet - um
artista versátil e produtor de teatro drama no serviço de televisão da Iborn Akwa Broadcasting
Corporation, Uyo. Sr. Edet havia recebido a ideia de fomentar o entusiasmo. O Eteidung (o
título oficial de chefes de aldeia na nacionalidade Ibibio étnica - o grupo predominante em
Akwa Nigéria Iborn Estado) recebeu o projeto com carinho. Um estável, inteligente, mas
humilde líder, do seu Povo, Eteidung Anieting Akpan Mboko, tem cerca de 62 anos de idade.
Ele é bem respeitado pela comunidade por causa do seu elevado sentido de responsabilidade.
Ele comentou que ele e seu povo estavam prontos a cooperar com qualquer pessoa, pessoas e
organizações que desejem contribuir positivamente para o desenvolvimento da comunidade. Ele
referiu-se ao passado, quando a vila foi enganada por pessoas que prometeram atrair projetos de
desenvolvimento, mas nunca mais voltaram depois que eles concederam total cooperação.
Constituição de uma equipa principal
Formei uma equipa principal para ajudar na execução do projeto. Esta equipa foi composta por
mim, um consultor ambiental chamado Sr. Effiong Ntukidem, e um diretor artístico, James
Edet. Sr. Ntukidem é um indígena de Ikot Ayan Itam e é um membro da equipe do Estado de
Akwa Ibom Ministério da terra e habitação. Ele é formado em Geografia e é um mestre da
Universidade de Uyo em Ciência em Planeamento Urbano e Regional. A sua boa compreensão
das questões ambientais e a profunda compreensão da sua aldeia foram grandes contributos para
este projeto. Sr. Jame Edet, também um indígena de Ikot Ayan ltam, é um membro da equipa de
televisão do Akwa Ibom Broadcasting Corporation, Uyo. Ele é bacharel em Artes Cênicas pela
Universidade de Calabar. O facto de ser um bom organizador de pessoas, o seu vasto
conhecimento da história da lkot Ayan ltarn e as boas relações públicas que ele teve com os
moradores ao longo dos anos ajudou a boa execução deste projeto.
Encontro com a comunidade
O encontro com a comunidade da aldeia foi realizada num dia de mercado, o que era
conveniente para a maioria das pessoas. Os grandes mercados na área são convocados em dias
específicos, e qualquer evento realizado em qualquer dia desses não seria bem atendido. Esta
consideração guiou reuniões posteriores com os membros desta comunidade.
A reunião que introduziu o projeto foi bem atendida. Foram feitas perguntas e esclarecimentos,
especialmente porque o programa estava fora dos programas partidários políticos e
governamentais a que as pessoas têm sido inundadas há algum tempo. A partir das suas
observações, foi possível deduzir que estas são as pessoas alimentadas com declarações
governamentais de desenvolvimento e pronunciamentos políticos, o que em última instância não
merecem da parte deles qualquer credibilidade. Eles abraçaram este projeto de coração, na
crença de que ele não ia apenas ajudá-los na autorrealização, mas ia também abrir a sua
comunidade à assistência externa, especialmente no combate a problemas ambientais e
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deficiências de infraestruturas. Eles expressaram profunda satisfação para a inclusão dos seus
membros na equipa principal do projeto.
Formação do grupo voluntário de teatro/performance
A data foi fixada para os interessados em participar na peça de teatro para uma reunião com os
membros da equipa do projeto. Mais uma vez, a presença nessa reunião foi encorajadora e eu
abordei novamente os objetivos e a metodologia do projeto. Eu disse na reunião que não tinha
um guião preparado para a produção, mas um quadro sugestivo para a improvisação, que estava
aberto à aceitação ou rejeição por parte do grupo, que contribuiu com ideias para a construção
do dito guião e das diferentes cenas.
Guião/Cenário
O guião acordado foi o seguinte. Enquanto o Eteidung e os membros do conselho da aldeia
estão reunidos no palácio do Eteidung, uma mulher corre chorando. Ela conta ao perplexo
conselho como ela e o seu marido estavam a cultivar as encostas da “aba Ekpe” (a grande ravina
da vila que é a estrada de acesso da vila), e houve um deslizamento de terra, que quase enterrou
seu marido. O Eteidung chama o líder dos jovens da aldeia e dois outros jovens para irem
libertar o homem do desastre. Um argumento segue entre os membros do conselho sobre a
causa provável do problema. Outro sugere que os deuses estão com raiva e devem ser
apaziguados. Outro é da opinião de que ou o homem ou a mulher poderiam ser produtos de um
nascimento gémeo, que, de acordo com suas fontes mitológicas, não deveriam entrar nos
arbustos de “aba Ekpe”.
Outra cena envolve duas mulheres, uma retornando da fazenda que encontra a outra ainda a
trabalhar na fazenda dela. Elas discutem a situação da água na aldeia onde os fluxos estão
desbastados e a rota para os córregos está a tornar-se intransitável por causa da erosão. E, noutra
cena, alguém reclama ao conselho da aldeia que tinha pedido a outro morador para cuidar da sua
cabra, descobrindo depois que a cabra tinha caído no buraco da latrina da mulher. Enquanto a
questão está a ser tratada pelo conselho da aldeia, o filho do Eteidung, que estudava longe de
casa há muito tempo, volta para casa. É ele que desvenda os enigmas dos problemas ambientais
que afligem a comunidade. A vila inteira está chocada com suas explicações e decide
coletivamente tomar medidas corretivas e preventivas para a situação.
Escrever o guião
A escolha de uma criação espontânea do público participativo da peça de teatro é deliberada. Eu
adotei o modelo democrático do processo de teatro da comunidade, onde a equipa do projeto faz
o papel de guia e não de impositor. Processos de desenvolvimento que emanam da abordagem
de cima para baixo falharam em várias partes do mundo, mas a abordagem de baixo para cima
foi aceite como capaz de engendrar propriedade comunal. Além disso, no processo de
elaboração da peça, os problemas da aldeia e as suas soluções sugeridas estavam a ser
enraizadas nas mentes dos atores / atrizes, que não eram artistas meros recetores, mas sim
“recipientes” participativos dos ensinamentos da produção.
Este projeto foi uma experiência total de improvisação embora algumas situações dialógicas,
fossem demasiado importantes para serem deixadas ao esforço livre da improvisação, e, por isso
foram dadas aos atores. A improvisação permitiu um maior tratamento individual do assunto e
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solidificou o espírito de envolvimento local. Prevê também a acentuação de símbolos
importantes através de diálogos subtilmente prescritos.
A produção também teve que apresentar sugestões sobre como resolver os problemas. Um aviso
por Carlton (como citado por Epskarnp, 1989) foi vital neste aspecto:
A população rural não são ovelhas que podem ser levadas cegamente. Eles geralmente não
reagem bem à pregação e propaganda que deixar de dar-lhes razões convincentes e novas
perspetivas sobre por que é que eles deveriam mudar seu comportamento habitual e práticas.
Elenco
Houve indefinições iniciais por parte de Ubong em convidar alguns atores e chamar também
voluntários. Mas com a sua experiência no campo percebeu que os voluntários locais
conseguiram dar a expressão visual necessária para a transmissão da mensagem da peça, sem o
envolvimento de atores profissionais. No final todos os papeis foram realizados pelos aldeões.
Ensaios
Como uma experiência de improvisação dramática, os atores / atrizes foram autorizados a
desenvolver as suas funções e exteriorizar dentro de suas capacidades com o diretor atuando
como um guia. Os ensaios para esta produção durou cinco semanas, não porque os atores /
atrizes não estavam prontos, mas porque os programas sociais e económicos da comunidade
local tornaram impossível encenar a produção tão cedo como previsto.
Necessidades técnicas
Iluminação sempre foi derivada da luz solar natural. Não há cenário fabricado. O diretor tem
apenas o corpo do ator, sua voz e seus gestos, para comunicar a sua mensagem. O diretor,
portanto, presta atenção séria à entrega dos atores / atrizes. Figurino e maquilhagem mal são
utilizados.
Mas surgiu a necessidade de trilhar um caminho diferente e inovador. "Estamos decididos a
abandonar o método de apresentação menos formalista associada com a experiência de teatro da
comunidade. Esta decisão foi baseada em certas considerações. O uso da arena aberta como
palco foi sugerido afincadamente para projetos teatrais desta natureza por ser um teatro
ambiental mais informal e intimista (Wilson, 1991:310). Devido a condições climatéricas foi
necessário recorrer à escola primária de São João na aldeia.
O teatro para o projeto de sensibilização ambiental é, essencialmente, um teatro para atividade
de desenvolvimento. Desenvolvimento implica uma mudança de comportamento do Estado, ou
metodologia e resposta à mudança e a estímulos - novas informações ou consciência que têm de
ser mais credíveis do que um conhecimento ou posição existente. O meio através do qual esta
nova informação é apresentada deve ser atraente e possuir a capacidade de ser levada a sério.
Para um novo conceito, um projeto como o nosso, para atrair e influenciar, deve mostrar um
maior nível de seriedade no espetáculo. Ao contrário das apresentações culturais em praças da
aldeia que se fazem com comunidades nigeriana, associadas ao casamento, nascimento e morte
– obras-primas cheias de cor e espetáculo.
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Para conferir esta carga mais séria a este projeto teatral achei necessário ter uma produção
teatral formal com iluminação, figurinos e caracterização apropriada e construção de cenários.
Envolveu, assim, mais pessoas e entidades (escola primária de São João – palco, Universidade
de Uyo – figurinos e caracterização, Senhor Charles Nwadigwe – iluminação, caracterização no
dia da performance – Senhora Nkanga…)
Data/Publicidade
A total dependência de negociação interna da comunidade para uma data conveniente era para
garantir que não coincidia com nenhuma outra atividade que envolvesse importante participação
comunitária. A decisão da data de estreia também foi pensada para criar tempo suficiente para a
publicidade se espalhar entre os elementos individuais e os grupos na comunidade. O uso da
aldeia Pregoeiro, um meio de publicidade controlada pelo governo tradicional, assim como
anúncios em igrejas e reuniões de grupo, foram empregados.
Alguns convites foram enviados para pessoas fora de Ikot Ayan e arredores. Foram convidados
convites ao comissário Estado do Meio Ambiente, ao Chefe de Departamento, professores e
alunos do departamento de artes cénicas da universidade de Uyo, bem como membros da
imprensa. A propagação descuidada de cartas-convite teria exposto a ocasião para ativistas
políticos e isso teria prejudicado a credibilidade de todo o projeto.
Apresentação Pública
A apresentação pública desta produção tomou a forma de uma matinê, a partir das 15:00. O
conselho da aldeia tinha assegurado a publicidade adequada para o evento e no dia da produção
o pregoeiro estava para lembrar as pessoas de ir até às instalações da escola primária. Os
processos preparatórios também serviram como atividades de publicidade nos últimos minutos.
A construção do palco e ensaios intensivos dias antes ajudou a criar ansiedade e expetativa para
a produção.
A performance foi bem atendida, tanto pela comunidade da aldeia como pelas pessoas dos
arredores. Tudo começou com observações minhas introdutórias como o líder do projeto. Eu
convidei a comunidade a participar na performance e no segmento de discussão que se seguiria.
O primeiro segmento foi a performance coral de alunos da escola primária de John. O grupo
adaptou algumas das canções folclóricas populares na comunidade em mensagens ambientais,
instando as pessoas a abster-se do bloqueio das drenagens, desde o cultivo nas zonas propensas
à erosão, da escavação em encostas de areia e cascalho, desde o despejo de resíduos em fontes
de água, e de atendimento deficiente de habitações familiares. No segundo segmento da
produção, os alunos do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Uyo, realizou uma
dança dramática, intitulada "Dilúvio", que demorou cerca de 10 minutos. O desempenho
principal era o de "Mfina Idung eu yin” (os problemas da nossa Comunidade), um drama para o
qual a linha da história já havia sido fornecida. Esta performance durou cerca de 40 minutos.
Todos os segmentos foram bem recebidos pelo público, que assistiu e ouviu com muita atenção.
Sessão de discussão
A sessão de debate que se seguiu foi um aspeto muito importante do projeto. Os membros da
comunidade envolveram-se nas revelações de toda a produção.
Era óbvio que a comunidade viu e apreciou a necessidade de realizar mudanças nos seus hábitos
ambientais. O interessante é que uma questão como a venda de lenha, o que não havia sido
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tratado na produção, foi mencionado por uma das mulheres, discutido pela comunidade e aceite
como um dos atos que devem ser alterados para que o ambiente seja salvo. A comunidade
resolveu tomar ações que possam evitar a deriva ambiental de Ikot Ayan Ilam.
Pós-desempenho, avaliação e acompanhamento
O final da performance não foi o fim do projeto, mas, na verdade, o início de uma nova fase - o
acompanhamento e monitoramento. Este processo envolveu a observação da situação através de
contatos individuais e de grupo. O acompanhamento e avaliação deste projeto foram baseados
no plano de ação acordado pela comunidade. Medidas: conter a destruição da vegetação em
locais de erosão, plantio de árvores, arbustos e grama na 'aba Ekpe ", a criação de rotas para
canalização de água dentro da comunidade da aldeia, entre outros. O povo de Ikot Ayan também
fez um apelo apaixonado para as organizações em qualquer parte do mundo para ajudá-los com
o fornecimento de água canalizada e electricidade. Com o atual estado de poluição da água na
comunidade, a aldeia corre o risco de uma epidemia grave se as pessoas continuam a depender
dos rios contaminados e secagem para as suas fontes de água.
Observações
A boa receção do projeto pelo povo de Ikot Ayan é uma indicação da aceitabilidade do método
drama de apresentação da mensagem. A comunidade ficou emocionada com a introdução de
uma alternativa aos métodos de "loja de conversa" que eles achavam chato. Com base no
exposto, gostaria de alegar que há uma necessidade urgente para a sensibilização sincera das
populações locais, especialmente os moradores rurais, que formam a grande percentagem de
população do país em problemas do meio ambiente. Mesmo que a quantidade de informações
sobre o ambiente disponível para os moradores urbanos ainda seja escassa e inadequada, pelo
menos alguns esforços na criação de consciência ambiental tem sido a sua vantagem. No
entanto, os moradores urbanos constituem apenas cerca de 30 por cento da população do país, e
se os eleitores rurais desta população continuarem a ser deixados de fora da unidade ambiental,
então o ritmo das mudanças ambientais no comportamento vai continuar a ser lenta. Em
contraste, a sensibilização adequada da maioria vai significar um grande avanço na tentativa de
salvar o meio ambiente local e global. Drama poderia ser mal utilizado principalmente no
processo de sensibilização rural sobre as questões ambientais. O modelo descrito no presente
estudo mostra a plausibilidade da utilização desta forma dramática. No emprego do teatro
dramático como meio, os organizadores não devem rigidamente seguir os padrões já
estabelecidos de teatro comunitário, mas devem, antes, estudar a comunidade e as circunstâncias
do projeto para permitir a elaboração de um modelo que melhor se adequa à situação a ser
concebida.
Organizações de teatro devem despertar-se para a importante responsabilidade social de
maximizar as características benéficas do seu meio de sensibilização ambiental. Placas de centro
cultural, teatros universitários, etc, podem chegar às comunidades rurais a este respeito.
Organizações governamentais e não-governamentais poderiam (em reconhecimento do lugar do
meio ambiente como a base para o sustento da vida) patrocinar tais atividades, uma vez que
financeiramente as organizações de teatro não se podem estender ao financiamento e logística
para estes projetos. Comunidades como lkot Ayan Itam, que perceberam os danos causados
pelos maus hábitos ambientais de ambas as gerações passadas e presentes e está pronto para
adotar métodos de desenvolvimento sustentável, devem ser assistidas e incentivadas.
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Conclusão
Este projeto estabeleceu a plausibilidade e possibilidade de empregar o drama e o teatro como
um bom meio de divulgação de informação ambiental, especialmente nas áreas rurais. O
entusiasmo sustentado e aceitação, o que prevaleceu durante todo o curso do projeto, bem como
a participação ativa das pessoas rurais, são indicações vitais de um sucesso que pode ser
replicado em outros lugares, se o processo é cuidadosamente planeado e executado, com uma
forte consciência das necessidades específicas da comunidade local.
Marcia Blumberg
Fantoches cumprem pena na era da Sida
Ao longo dos séculos, as marionetes tornaram-se numa forma de arte multifacetada que inclui
ritual, arte popular, peças de teatro, e um entretenimento popular especialmente vocacionado
para crianças nos géneros mais interligados relativos a teatro, cinema e televisão. No pré e pós
eleitoral da Africa do Sul, os bonecos têm desempenhado um papel importante no desbravar
novos caminhos.
Peter Larlham em 1991 escreveu um ensaio sobre o teatro em transição que documenta
vários exemplos, incluindo os bonecos de Gary Friedman contra a Sida, e enumera caraterísticas
que definem o teatro Sul-africano:
Um teatro que aborda questões de relevância imediata para a sociedade sul-Africana,
com ênfase na produção de obras ocidentais; escrever novas peças em vez de trabalhar a partir
de guiões/peças pré-existentes; o ator é considerado como um fabricante de papéis, em vez de
um intérprete de papéis; um teatro que auxilia na reeducação após o longo período de censura
imposta e desinformação.
De forma pouco comum as marionetas cumprem estas caraterísticas de contribuir de
forma radical para o teatro como uma força transformadora na áfrica do Sul, num momento
significativo, em que a opinião de um especialista local em Sida, Dr. Clive Evian diz que "A
epidemia sul-africana é umas mais explosivas do mundo e terá consequências devastadoras para
o país". Como uma criação de marionetes, Gary Friedman é um projeto piloto desenvolvido há
10 anos, um trabalho com fantoches para promover a consciência do HIV / SIDA. Puppets in
Prison, outro projeto que utiliza o local austero de um ambiente de prisão para intervir por meio
de marionetas na dura realidade das estruturas opressivas, nas práticas brutais, e na sempre
crescente pandemia da Sida.
O meu artigo situa este projeto de fantoches em coordenadas específicas nacionais e
sociopolíticas do sentido do teatro como uma força intervencionista no meio prisional e no vírus
da Sida – VIH. Para contextualizar historicamente, estas questões complexas, é importante
analisar o papel das prisões Sul-africana na história da nação. Embora os motivos criminosos e
políticos que levam à reclusão fossem muitas vezes abafados e considerados por alguns como
equivalentes ao discurso apartheid. Robben Island, uma prisão política de 1667, tem assumido
desde 1961, uma posição única de uma fortaleza na luta de libertação, significando a coragem, a
sobrevivência e o sonho de liberdade. Os líderes das, então proibidas, organizações políticas
mantiveram a fé nos seus ideais, apesar das duras condições e exigências físicas. Nelson
Mandela articulou o dilema: "O grande desafio é: Como resistir, como não se ajustar, para
manter intacto o conhecimento ainda que excluídos da sociedade, e viver de acordo com suas
regras"? As estratégias para promulgar este desafio envolveram a circulação, muitas vezes
clandestina, de materiais de leitura, um grande empenho dos prisioneiros para partilhar os seus
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conhecimentos. Com um ensino rudimentar, ler e escrever, melhorar competências, ou
manterem-se informados uns aos outros, dos últimos desenvolvimentos políticos. Participação
nas semanais performances de poesia, contos de histórias e material dramático.
Robben Island também fornece um contexto para o teatro na prisão como um veículo de
intervenção, A Ilha, concebido em 1973 por Athol Fugard, John Kani e Winston Nshona, dá aos
espetadores uma janela para um mundo que, John Kani nos lembra, "do qual nós nunca falamos,
ninguém pode escrever sobre ele, a imprensa não pode falar dele, do qual nem mesmo os sul-
africanos brancos, livres como são, podem falar.". No entanto, este trabalho colaborativo evoca
aspetos importantes:
A cena de abertura, que inclui uma sequência de ''Back-breaking e trabalho
grotescamente fútil” (o que pode levar um tempo interminável no palco de dez minutos ou
mais);
A complexidade de estabelecer ligação e comunicação pelos dois atores e presidiários,
John e Winston;
O poder do teatro na voz protestante, aqui na forma da peça dentro da peça, o
julgamento de Antígona, da tragédia de Sófocles.
Uma vez que a pequena peça é realizada no evento da prisão, os espectadores da The
Island, que observam a ação no palco nu são escolhidos para o papel adicional de público
prisional, ao contrário dos reclusos da prisão, eles são livres de deixar o teatro e
necessariamente ocupar a posição de espetadores, sinónimo dos guardas prisionais. O teatro
neste cenário de prisão incide sobre os direitos e rituais da Grécia antiga e ao mesmo tempo fala
para as estruturas opressivas que expõem os problemas de raça, classe, e os papéis de género,
bem como liberdade restrita para a grande maioria dos sul-africanos até 1994.
Robben Island (prisão) nos meados do século XIX também serviu como um hospital
para doentes mentais e desde a última década desse mesmo século até 1930 funcionava como
uma colónia de leprosos. Um livro sobre Robben Island dirigida a professores do ensino médio
e estudantes, define tarefas em cada secção; o debate proposto, intitulado "são vítimas de HIV
os "leprosos" dos anos 1900?" refere-se a uma reportagem do jornal local de 1994, que sugere
que as crianças na Suazilândia infetadas com o HIV devem ser impedidas de frequentar a
escola, uma vez que não têm futuro e são condenadas pelo castigo divino. Não obstante a
palavra vitima ser completamente contestada e tão criticada pelas pessoas que vivem com sida
(muitas das quais enfrentam corajosamente obstáculos diários e orgulham-se do seu
fortalecimento), e por muito que a doença possa criar desafios, a analogia entre sida e lepra
provoca em Paula Treichler a preocupação "Sida é simultaneamente uma epidemia de uma
doença transmissível letal/mortal e uma epidemia de sentidos e significados". Apesar da
ignorância, da intolerância e da discriminação que espalham o medo e o estigma em relação às
pessoas infetadas com sida, a desconfiança da política oficial criada durante os anos do
apartheid agrava a complexidade destas questões. Mary Crewe explica como as estruturas do
apartheid afetaram a crise da sida: Restam poucas dúvidas de que a sida tem gerado uma boa
dose de ansiedade no sul de África. Apesar de ser uma doença nova, é posta a nu e agrava os
preconceitos sociais, as desigualdades económicas, a prática descriminatória e as injustiças
políticas que têm sido os pilares do apartheid.
Aqui Crewe insiste numa tomada de consciência dos diferenciais de marginalização e
do seu efeito sobre as situações de pessoas que vivem com HIV. No seu relatório de 1992 sobre
um "Projeto de Educação AIDS e Estilo de Vida realizado em Zululand Rural," Lynn
Dalrymple fornece análises detalhadas sobre a metodologia e fundamentação para a educação
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do drama/teatral ao invés de ensino convencional em torno das questões do HIV. Entre muitos
aspetos, ela destaca o trabalho de Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, onde desafia alterar o
que ele chama "o conceito de educação bancária" que deposita informações em vasos vazios,
para uma educação baseada no "aprender fazendo", por forma a perceber como funciona a
sociedade. Este projeto, DramAidE, previu a participação ativa dos participantes e causou um
impacto tão grande que, programas relacionados com este começaram em Grahamstown e
Joanesburgo.
Gary Friedman também contribui significativamente para este campo de
consciencialização da sida. O seu trabalho simboliza o potencial tranformativo do teatro de
fantoches. Regressando à sua terra natal em 1987, após a formação em Paris com o mestre dos
Muppets, Jim Henson, Friedman fundou o Programa Africano de Investigação e Fantoches
Educacionais, que defende uma comunidade baseada numa educação de confiança. O primeiro
projeto do grupo, Fantoches contra a Sida, é atualizado periodicamente e leva a vida dos
fantoches para as ruas para se apresentar para adultos fora das clínicas de saúde, nas minas,
pontos de táxi e outros locais de rua; projeto teatral transportável, assim como a versão de
consciencialização do Punch and Judy também visita fábricas e escritórios. Espetáculos
diferentes voltados para públicos das escola primárias, ciclos e liceus que abordam as questões
do HIV a partir de perspetivas diferentes e empregam uma variedade de bonecos e média para
entreter e envolver os espetadores e simultaneamente envolver a questão premente.
Gary Friedman vive com a sua crença de que “Não vale a pena fazer nada se não se
aceitarem os riscos, na vida e no teatro.”
Para este projeto inovador, realizado em 1996, 12 prisioneiros de longa data, foram
selecionados para participar num workshop de oito semanas de uma secção da Prisão Diepkloof,
Joanesburgo, que abriga presos entre as idades de 18-24 anos e não permitem facilidades de
lazer. A sua modesta proposta deve ser comparada com uma outra abordagem para o teatro
como um veículo supostamente intervencionista: pródigos Mbongeni Ngema, um Musical de
1995, Sarafina 2, pretendia ser uma produção de entretenimento, bem como educacional sobre o
HIV e as questões de sexo seguro. Escandalosas exigências orçamentais (mais de 14 milhões de
rands, cerca de 3-5 milhões de dólares) canalizados para salários e excessos promocionais
resultaram na obtenção de créditos de funcionários, incluindo o Ministro da Saúde e do retorno
de fundos para a União Europeia, o encerramento da produção dentro de alguns meses dependia
desses fatores, bem como do preço dos bilhetes inflacionados e má receção do musical. Mais
significativamente, a falta de conselhos de ativistas, profissionais de saúde e pessoas da
comunidade, que são mais afetadas, não só demonstrou arrogância, mas resultou numa
comunicação deficiente e irresponsável sobre questões relevantes no âmbito da produção. Adele
Baleta revela que "o Dr. Evian, um médico de saúde pública, viu Sarafina 2 e descreveu-o como
uma bofetada na cara para ajudar os trabalhadores de saúde que lutam com escassos recursos.”.
O brutal desperdício é facilmente avaliado quando os cálculos demonstram que o orçamento do
Sarafina 2 teria financiado mais de 150 Puppets em Prision, oficina de série (a um custo de
cerca de 90 mil Rand cada).
Ao contrário da situação do Sarafina 2, os profissionais de saúde iniciaram um projeto
prisão com sessões de consciencialização sobre o HIV e o seu impacto sobre a comunidade
prisional, em particular. Friedman e Nyanga Tshabalala deram formação em construção de
marionetas, interpretação e cenografia rudimentar. Mais importante, eles criaram um espaço
seguro e geraram um processo de colaboração com base numa crescente confiança em que os
prisioneiros / manipuladores de fantoches tinham a oportunidade de compartilhar experiências
pessoais e medos sobre a infeção HIV, violação, prostituição, gangues, e outros cenários
relacionados que eventualmente constituíram as narrativas das peças de teatro de fantoches.
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Friedman enfatiza que "os fantoches podem fazer e dizer coisas que os atores reais, ao vivo, não
ousariam fazer." Passar as suas histórias através das bocas dos personagens de marionetes tem
um efeito libertador, já que os atores podem comunicar as suas preocupações numa narrativa
que envolve questões delicadas e até mesmo assuntos perigosos ainda que não haja uma linha
direta de vingança, uma vez que é o personagem fantoche e não o ator realizando sua própria
história.
Uma avaliação detalhada do processo e do produto final do desempenho de Fantoches
de prisão por Renee Bub e Dr. Clive Evian demonstra uma receção muito positiva por vários
públicos. Os poucos comentários negativos de prisioneiros/espetadores foram os conteúdos
abordados, principalmente pela ausência de questões que consideravam especialmente
pertinentes, mas que as narrativas não conseguiram incluir. Para o projeto o grupo optou por
trabalhar com dois tipos de bonecos. Os fantoches de luva ou de mão, no formato do espetáculo
Punch e Judy estavam situados numa cabine de fantoches formada a partir de uma tenda. Para
além disso, grandes hastes (corpos) de fantoches foram manipulados na frente da cabine, à vista
do público. Marionetistas usaram os seus braços como o braço do boneco e mostraram a
manipulação da vara do boneco. Pequenos microfones foram usados pelos atores /
manipuladores para amplificar a voz durante a performance. Cada um dos 12 prisioneiros criou
um personagem, desenvolveu uma narrativa, e fez um fantoche apropriado a um de três sketchs.
Estes constituem guiões rudimentares que encaixam na rubrica geral de um modo apto para a
vida na prisão: "o amor não tem grades". Da análise desses cenários, os quais giram em torno de
redes de poder e relações sexuais, as narrativas realizadas são examinados em conjunto com um
vídeo de sessões de workshop e observações pelos marionetistas, críticas de jornal, e um
relatório de 38 páginas de avaliação do projeto para avaliá-la como um veículo de
transformação e reabilitação, ainda que em pequena escala.
O primeiro cenário centra-se num homem prostituto chamado Sharon Stone cujo
relacionamento com dois presos "chefes" demonstram uma economia sexual e material que
envolve também a transmissão do HIV. Algumas observações expuseram a separação da raça,
do género, e orientações sexuais no modo de realização desta construção especial, que leva para
o coração de uma localidade questões restritivas de identidade só recentemente abordadas na
áfrica do Sul por leis de anti descriminação. Uma vez que 11 dos 12 presos do grupo eram
negros, essas mudanças constituíram uma sensação de realismo para os criadores e para o
público prisão da mesma forma, todos eles valorizavam o aspeto dos cenários como uma
necessidade básica para a identificação de pares e sensibilização.
(…)
Um relatório do Herald Sun lembra-nos que a "África do Sul tem uma das taxas mais
altas de crime no mundo, e já concedeu amnistia a alguns prisioneiros para aliviar uma crescente
carga sobre o sistema prisional."
O projeto Diepkloof não foi reintegrado, e cada vez que ouço a opinião dos
participantes sobre o vídeo ou leio o relatório de avaliação, sinto uma combinação de raiva, um
sentimento de traição e de oportunidades desperdiçadas, e um temor para os seus futuros.
A função de reabilitação dos Fantoches na prisão é claramente articulada pelos
marionetistas envolvidos. Reiteraram como o programa serviu como um ponto de viragem na
sua vida, quando, pela primeira vez, eles formaram metas de longo prazo e visões futuras. O
mais notável foi o aumento da sua confidencialidade e sentido de auto-estima, suas habilidades
recém-adquiridas e papéis importantes como educadores de pares traduzido para eles sobre o
potencial para um futuro viável, especialmente quando a educação para a Sida aborda questões
de vida e morte e os outros problemas interligados de violência que forma um ciclo que tem
impacto sobre a vida dentro e fora da prisão. Durante o workshop, os marionetistas também
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desenvolveram um compromisso com o projeto e os seus participantes, aprenderam a ter
disciplina, e a treinar a parte física e a meditação. Os aspetos criativos e performáticos
ofereceram-lhes uma oportunidade especial numa rotina dura da prisão que de outro modo não
admitia a prática de lazer. O fim do projeto Dicpkloof ocorreu apesar de muitas iniciativas por
parte de Gary Friedman e outros, bem como avaliações críticas, como o de Daryl Accone: que
este projeto "pode fornecer o plano para a educação sobre o VIH nas nossas cadeias." O
relatório de avaliação global que analisa vários aspetos, conclui com louvor geral para o projeto
como "uma iniciativa excelente que deu ao público informações importantes sobre a sida e
serviu para acumularem mais interesse e aumentar a discussão sobre a doença." No entanto, foi
também ameaçado noutros requisitos. Tão adequado este projeto teatral vital era, que ganhou
apoio e força dentro da prisão. Mas a sua implantação limitada relaciona-se diretamente com a
escassez de fundos e inação governamental.
Agora, mais do que nunca, o seu fim deve ser combatido através de esforços renovados
e uma realização urgente: no período de transição pós-eleitoral, fazer o tempo, pode ser
sinónimo de um uso produtivo do tempo.