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INSTITUTO POLITÉCNICO DE VISEU ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO ANÁLISE DOS TEXTOS: Ubong S.Nda: Preferring a drama-based model for a sustainable development advocacy 1 e Marcia Blumberg: Puppets doing time in the age of AIDS 1 Animação e Desenvolvimento Comunitário Docente: Jorge Manuel Fraga de Mendonça Discente: Mariana Mendonça Veloso Viseu - 2012 1 Kuppers P., Robertson G. (2007) The Community Performance Reader, (pp165-188) Oxon UK, Routledge
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Teatro e Sensibilização Ambiental

Dec 10, 2015

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Teatro e Sensibilização Ambiental
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Page 1: Teatro e Sensibilização Ambiental

INSTITUTO POLITÉCNICO DE VISEU

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

ANÁLISE DOS TEXTOS:

Ubong S.Nda: Preferring a drama-based model for a sustainable development

advocacy1

e

Marcia Blumberg: Puppets doing time in the age of AIDS1

Animação e Desenvolvimento Comunitário

Docente: Jorge Manuel Fraga de Mendonça

Discente: Mariana Mendonça Veloso

Viseu - 2012

1 Kuppers P., Robertson G. (2007) The Community Performance Reader, (pp165-188) Oxon UK,

Routledge

Page 2: Teatro e Sensibilização Ambiental

Índice

1. Análise Textual ...................................................................................................... 3

1.1. Ubond S. Nda ................................................................................................. 3

1.2. Marcia Blumberg ............................................................................................ 6

2. Análise Pessoal ................................................................................................... 10

2.1. Ubong S. Nda ............................................................................................... 10

2.2. Marcia Blumberg .......................................................................................... 11

3. Anexos (tradução do texto) .................................................................................. 14

Page 3: Teatro e Sensibilização Ambiental

1. Análise Textual

Este capítulo remete para um resumo objetivo da leitura feita aos capítulos 15 e 16

do manual The Community Performance Reader, assim com para um conjunto de

palavras-chave de cada um dos capítulos. Primeiro será abordado o texto de Ubong

Samuel Nda e de seguida o de Marcia Blumberg.

1.1. Ubond Samuel Nda

O autor: Professor de teatro na Universidade de Uyo na Nigéria. Fez o doutoramento

com a tese “Teatro e Conservação Ambiental” na Universidade de Calabar. Tem

trabalhado as temáticas do ambientalismo, média rural e teatro.

Teatro e sensibilização ambiental

Palavras-chave: Nigéria, valores, tradições, culturas, desenvolvimento sustentável,

vulnerabilidade ambiental, erosão, pobreza, procriação irresponsável, recursos

naturais, colheitas excessivas, degradação da comunidade, teatro comunitário,

mudança de comportamento, cooperação, assistência externa.

Ubong desenvolveu uma experiência, na vila Ikot Ayan Itam – Nigéria, com vista à

sensibilização ambiental, fazendo uso do teatro. Uma região em desenvolvimento,

com problemas ambientais e uma cultura muito enraizada.

Ubong divide o seu trabalho em várias etapas. Primeiro estudou a comunidade e

o território alvo do seu trabalho. Tentou perceber “crenças, sistemas de valores,

tradições, tabus, a visão geral de mundo, de relacionamento com os vizinhos,

atividades sociais, políticas, religiosas e económicas, bem como o nível ou

desenvolvimento tecnológico. Isto foi necessário porque, para que o desenvolvimento

seja social e ambientalmente sustentável "deve ter em conta e desenhar sobre os

valores, tradições e culturas dos povos" (Davis e Ebbe, 1993).”

Quando se atua num espaço para alterar algo, deve-se ter em conta todas as

caraterísticas das pessoas que habitam esse espaço, uma vez que “uma

manipulação errada de tais sensibilidades culturais, pode criar desconfiança,

alienação e mesmo total rejeição, da equipa da comunidade”.

A comunidade escolhida para este projeto tem caraterísticas específicas. “É uma

grande aldeia com cerca de 13 mil pessoas. lkot Ayan é uma comunidade puramente

Page 4: Teatro e Sensibilização Ambiental

rural. Não tem nenhum sistema de energia elétrica nem de abastecimento de água

potável. É quase toda cercada por vales e as estradas estão em péssimo estado.”

Os problemas ambientais prendem-se acima de tudo com a erosão, deslizamentos

de terra e poluição dos recursos hídricos. O solo da comunidade foi desgastado pelo

cultivo excessivo, causando transformações topográficas, como por exemplo o

aparecimento da ravina “aba ekpe” que cortou o acesso desta aldeia com o resto das

aldeias do clã Itam, assim como o abastecimento de água.

Os maus hábitos da comunidade prendem-se com a falta de planeamento para a

utilização da terra. Também a procriação irresponsável e a pobreza estão na base da

maioria dos problemas, o que leva a esticar demasiado os recursos naturais através

de “colheitas excessivas em todo e qualquer espaço de terras disponíveis, bem com a

utilização de produtos químicos na pesca.”

O projeto de Ubong divide-se também em etapas como reuniões, constituição da

equipa principal, encontro com a comunidade, formação do grupo voluntário de teatro,

guião e cenário, elenco, ensaios, necessidades técnicas, data/publicidade,

apresentação pública, sessão de dicussão, pós-desempenho, avaliação e

acompanhamento, observações e conclusão.

Depois de constituir a equipa de trabalho, Ubong foi bem recebido pela comunidade

uma vez que o projeto se encontrava fora dos programas partidários, com que a

comunidade tem vindo a ser inundada e não merece da parte deles qualquer

credibilidade. Abraçaram de imediato o projeto, “de coração, na crença de que ele não

ia apenas ajudá-los na autorrealização, mas também a abrir a comunidade à

assistência externa, no combate a problemas ambientais e deficiências de

infraestruturas.”

O grupo de teatro foi criado com voluntários da comunidade e ficou logo esclarecido

que Ubong não tinha nenhum guião pré-estabelecido para a performance/teatro. Seria

algo a construir em conjunto, onde todos poderiam participar. Surgiram então várias

linhas orientadoras que vinham das experiências, hábitos e vivências da comunidade.

E assim se foi construindo o guião, que representava os problemas locais, referidos

anteriormente. Ubong acrescenta:

“Este projeto foi uma experiência total de improvisação embora algumas situações

dialógicas fossem demasiado importantes para serem deixadas ao esforço livre da

improvisação, e, por isso foram dadas aos atores. A improvisação permitiu um maior

tratamento individual do assunto e solidificou o espírito de envolvimento local.”

Page 5: Teatro e Sensibilização Ambiental

Os ensaios duraram 5 semanas, mais do que o previsto, devido a imprevistos

relacionados com programas sociais e económicos da comunidade local.

Quanto às condições técnicas Ubong decidiu “abandonar o método de apresentação

menos formalista associada com a experiência de teatro da comunidade. (…) O teatro

para o projeto de sensibilização ambiental é, essencialmente, um teatro para atividade

de desenvolvimento. Desenvolvimento implica uma mudança de comportamento do

Estado, ou metodologia e resposta à mudança e a estímulos - novas informações ou

consciência que têm de ser mais credíveis do que um conhecimento ou posição

existente. O meio através do qual esta nova informação é apresentada deve ser

atraente e possuir a capacidade de ser levada a sério.” Para criar um maior nível de

seriedade no espetáculo, Ubong decidiu, faze-lo num espaço fechado com a

existência de iluminação, figurinos, caracterização e construção de cenários. Desta

forma, envolveu também, mais pessoas da comunidade que apoiaram todas estas

vertentes.

Com a sessão de discussão conclui-se que “a comunidade viu e apreciou a

necessidade de realizar mudanças nos seus hábitos ambientais.”. E o final da

performance não coincidiu com o final do projeto, mas sim com um ponto de partida,

“…o início de uma nova fase – acompanhamento e monitoramento”.

Medidas acordadas pela comunidade: “…conter a destruição da vegetação em locais

de erosão, plantio de árvores, arbustos e grama na 'aba Ekpe ", a criação de rotas

para canalização de água dentro da comunidade da aldeia, entre outros.”

Ubong deixa ainda algumas conclusões:

“Com base no exposto, gostaria de alegar que há uma necessidade urgente

para a sensibilização sincera das populações locais, especialmente os

moradores rurais, que formam a grande percentagem de população do país em

problemas do meio ambiente”

“No emprego do teatro dramático como meio, os organizadores não devem

rigidamente seguir os padrões já estabelecidos de teatro comunitário, mas

devem, antes, estudar a comunidade e as circunstâncias do projeto para

permitir a elaboração de um modelo que melhor se adequa à situação a ser

concebida.”

“Organizações de teatro devem despertar-se para a importante

responsabilidade social de maximizar as características benéficas do seu meio

de sensibilização ambiental.”

Page 6: Teatro e Sensibilização Ambiental

“Organizações governamentais e não-governamentais poderiam (em

reconhecimento do lugar do meio ambiente como a base para o sustento da

vida) patrocinar tais atividades, uma vez que financeiramente as organizações

de teatro não se podem estender ao financiamento e logística para estes

projetos.”

1.2. Marcia Blumberg

O autor: ensina teatro na Universidade York, em Toronto – Canadá. Já publicou muitos artigos

e é coeditora com Dennis Walder do South African Theatre As/And Intervention (1999).

Teatro e sensibilização ambiental

Palavras-chave: África do Sul, Sida, Reclusos, Censura, Descriminação, Desinformação,

Teatro de Fantoches, Aprendizagem, Confidencialidade, Autoestima, Educação para a SIDA.

Marcia Blumberg escreveu um artigo onde recolhe as várias experiências feitas

com teatro de fantoches na África do Sul com vista a sensibilizar, principalmente

reclusos, para a problemática da Sida.

Blumberg cita Peter Larlham para caraterizar o teatro da África do Sul “Um

teatro que aborda questões de relevância imediata para a sociedade sul-Africana, com

ênfase na produção de obras ocidentais; escrever novas peças em vez de trabalhar a

partir de guiões/peças pré-existentes; o ator é considerado como um fabricante de

papéis, em vez de um intérprete de papéis; um teatro que auxilia na reeducação após

o longo período de censura imposta e desinformação.”. Ela diz que “De forma pouco

comum as marionetas cumprem estas caraterísticas de contribuir de forma radical

para o teatro como uma força transformadora na áfrica do Sul, num momento

significativo, em que a opinião de um especialista local em Sida, Dr. Clive Evian diz

que "A epidemia sul-africana é umas mais explosivas do mundo e terá consequências

devastadoras para o país".”

Marcia Blumberg ao longo do seu artigo discorre sobre vários projetos como

Puppets in Prison, The Island’s, Projeto de Educação AIDS e Estilo de Vida realizado

em Zululan Rural, Pedagogia do Oprimido, DramAidE, Fantoches contra a Sida,

Sarafina 2… todos eles, realizados por diferentes autores e observa o impacto deles

nos diferentes contextos. Como ela diz “…O meu artigo situa este projeto de fantoches

Page 7: Teatro e Sensibilização Ambiental

em coordenadas específicas nacionais e sociopolíticas do sentido do teatro como uma

força intervencionista no meio prisional e no vírus da Sida – VIH.”

The Island, concebido em 1973 por Athol Fugard, John Kani e Winston

Nshona, dá aos espetadores uma janela para um mundo que, John

Kani nos lembra, "do qual nós nunca falamos, ninguém pode escrever

sobre ele, a imprensa não pode falar dele, do qual nem mesmo os sul-

africanos brancos, livres como são, podem falar."

Este projeto foi desenvolvido na prisão Robben Island e incidiu sobre os direitos e

rituais da Grécia antiga e ao mesmo tempo falou diretamente para as estruturas

opressivas que expõem os problemas da raça, classe e os papeis do género, bem

como da liberdade restrita para a grande maioria dos sul-africanos até 1994.

Esta prisão já foi um hospital para doentes mentais e uma colónia de leprosos. Um

livro sobre Robben Island foi dirigido a professores do 3º ciclo e alunos, e define as

tarefas de cada secção. Um dos debates propostos intitula-se “As vítimas da Sida são

os leprosos dos anos 1900?” e refere-se a uma reportagem do jornal de 1994, que

sugere que as crianças da Suazilândia infetadas com HIV devem ser impedidas de

frequentar a escola, uma vez que não têm futuro e estão a ser condenadas por castigo

divino. Marcia rejeita, de imediato, a palavra “vítimas” no título do debate, dado que as

pessoas infetadas não são vítimas e enfrentam corajosamente obstáculos diários e

orgulham-se do seu fortalecimento. E refuta a analogia de sida e lepra com a

preocupada citação de Paula Treichler "Sida é simultaneamente uma epidemia de

uma doença transmissível letal/mortal e uma epidemia de sentidos e significados".

Marcia refere que “Apesar da ignorância, da intolerância e da discriminação,

que espalham o medo e o estigma, em relação às pessoas infetadas com sida, a

desconfiança da política oficial criada durante os anos do apartheid agrava a

complexidade destas questões. Mary Crewe explica como as estruturas do apartheid

afetaram a crise da sida: Restam poucas dúvidas de que a sida tem gerado uma boa

dose de ansiedade no sul de África. Apesar de ser uma doença nova, é posta a nu e

agrava os preconceitos sociais, as desigualdades económicas, a prática

discriminatória e as injustiças políticas, que têm sido os pilares do apartheid.”

O relatório de Lynn Dalrymple sobre o “Projeto de Educação Sida e Estilo de

Vida realizado em Zululand Rural” fornece análises detalhadas, metodologia e

fundamentação para a educação pelo drama, pelo teatro, em vez do ensino

convencional, em torno das questões do VIH. Paulo Freire na sua Pedagogia do

Oprimido, desafia alterar, o que ele chama “educação bancária” (depositar informação

em vasos vazios), para uma educação baseado no “aprender fazendo”.

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Marcia Blumberg refere outro autor, Gary Friedman, que contribui

significativamente para este campo de consciencialização da sida. Friedman fundou,

em 1987, um programa (AREPP) - Programa Africano de Investigação e Fantoches

Educacionais, que teve como primeiro projeto Fantoches Contra a Sida, que ainda é

atualizado periodicamente e levado para as ruas. Espetáculos que abordam a questão

do HIV a partir de perspetivas diferentes e empregam uma variedade de bonecos e

media para entreter os espetadores e simultaneamente envolve-los para a questão

iminente.

Em 1994 Friedman deixa o AREPP, e embarca em novos desafios. Um deles

“Fantoches na Prisão/ Puppets in Prison”.

Gary Friedman vive segundo a máxima: “Não vale a pena fazer nada se não se

aceitarem os riscos, na vida e no teatro.”

Em 1996 empreende este projeto na prisão Diepkloof (prisão que abriga

presos com idades entre 18-24 anos e não permite facilidades de lazer), em

Joanesburgo. Seleciona 12 prisioneiros, de longa data, para participar num workshop

de 8 semanas. Os profissionais de saúde participaram desde início no projeto com

sessões de consciencialização sobre o VIH e o seu impacto sobre a comunidade

prisional – em particular. Friedman e Nyanga Tshabalala deram formação em

construção de fantoches, interpretação e cenografia. “Mais importante, eles criaram

um espaço seguro e geraram um processo de colaboração com base numa crescente

confiança em que os prisioneiros / manipuladores de fantoches tinham a oportunidade

de compartilhar experiências pessoais e medos sobre a infeção HIV, violação,

prostituição, gangues, e outros cenários relacionados que eventualmente constituíram

as narrativas das peças de teatro de fantoches.” Friedman enfatiza que "os fantoches

podem fazer e dizer coisas que os atores reais, ao vivo, não ousariam fazer." Os

prisioneiros passaram as suas histórias através da boca dos fantoches, o que tem um

efeito libertador, “…já que os atores podem comunicar as suas preocupações numa

narrativa que envolve questões delicadas e até mesmo assuntos perigosos ainda que

não haja uma linha direta de vingança, uma vez que é o personagem fantoche e não o

ator realizando sua própria história.”

O plano era habilitar 11 grupos de prisioneiros que, através dos fantoches,

iriam educar os seus colegas nas prisões de todas as províncias. Este projeto

continuado e significativo foi abortado devido à falta de fundos, apesar do depoimento

com grandes elogios por parte de um ministro do Congresso Nacional Africano, que

diz que este projeto deveria ser implementado em todas as prisões da África do Sul, e

refere o conhecimento das estatísticas de que a 20% dos prisioneiros de Diekloof foi

Page 9: Teatro e Sensibilização Ambiental

diagnosticado o vírus da Sida. Disputas internas no governo político foram um forte

obstáculo para o projeto.

“O projeto Diepkloof não foi reintegrado, e cada vez que ouço a opinião dos

participantes sobre o vídeo ou leio o relatório de avaliação, sinto uma combinação de

raiva, um sentimento de traição e de oportunidades desperdiçadas, e um temor para

os seus futuros.

A função de reabilitação dos Fantoches na prisão é claramente articulada pelos

marionetistas envolvidos. Reiteraram como o programa serviu como um ponto de

viragem na sua vida, quando, pela primeira vez, eles formaram metas de longo prazo

e visões futuras. O mais notável foi o aumento da sua confidencialidade e sentido de

auto-estima, suas habilidades recém-adquiridas e papéis importantes como

educadores de pares traduzido para eles sobre o potencial para um futuro viável,

especialmente quando a educação para a Sida aborda questões de vida e morte e os

outros problemas interligados de violência que forma um ciclo que tem impacto sobre

a vida dentro e fora da prisão. Durante o workshop, os marionetistas também

desenvolveram um compromisso com o projeto e os seus participantes, aprenderam a

ter disciplina, e a treinar a parte física e a meditação. Os aspetos criativos e

performáticos ofereceram-lhes uma oportunidade especial numa rotina dura da prisão

que de outro modo não admitia a prática de lazer. O fim do projeto Dicpkloof ocorreu

apesar de muitas iniciativas por parte de Gary Friedman e outros, bem como

avaliações críticas, como o de Daryl Accone: que este projeto "pode fornecer o plano

para a educação sobre o VIH nas nossas cadeias." O relatório de avaliação global que

analisa vários aspetos, conclui com louvor geral para o projeto como "uma iniciativa

excelente que deu ao público informações importantes sobre a sida e serviu para

acumularem mais interesse e aumentar a discussão sobre a doença." No entanto, foi

também ameaçado noutros requisitos, "Alguns dos prisioneiros sentiram que

Fantoches na prisão estava a dar uma mensagem negativa para o mundo exterior.”

Tão adequado este projeto teatral vital era, que ganhou apoio e força dentro da prisão.

Mas a sua implantação limitada relaciona-se diretamente com a escassez de fundos e

inação governamental.

Page 10: Teatro e Sensibilização Ambiental

2. Análise Pessoal

Neste capítulo será feita uma análise crítica aos depoimentos anteriores.

Principalmente comentários aos projetos, pontos de interesse, conclusões sobre as

características da comunidade e a ação do animador na mesma.

2.1. Ubong S. Nda

O trabalho de Ubong prende-se com a problemática social do ambiente. Em países

em desenvolvimento esta questão ganha dimensões negativas que podem pôr em

causa a sobrevivência de comunidades quando não há uma sensibilização adequada

para a problemática. No caso da Nigéria, mais especificamente da vila de Ikot Ayan

Itam, como o autor constatou, era necessário tomar medidas para ensinar a população

a fazer uso dos recursos naturais de forma mais adequada. Reeducar a população

para o uso do solo e da água. Num ambiente pobre, em que a população não está

sensibilizada para as temáticas: erosão dos solos, contaminação das águas e

procriação, a forma como os “educadores” atuam é a chave para a alteração de

comportamentos por parte dos habitantes. As formas tradicionais de sensibilização

poderão não estar adequadas e o resultado é o desinteresse e a rejeição das

comunidades. É necessário traçar um plano de ação adequado à realidade onde se

vai implementar esta luta na mudança de comportamentos e consciencialização do

problema. Ubong fê-lo da melhor forma: estudou a comunidade onde ia atuar, os seus

hábitos, crenças e tradições e respeitando a conjetura, traçou um plano de ação que

conseguiu, em primeiro lugar captar a atenção e o interesse do alvo, e depois adequou

os passos seguintes à realidade e expectativas dos participantes. O teatro é uma

prática de grupo, que implica dedicação, envolvência, confiança, partilha,

aprendizagem. Para conseguir todas estas mestrias, um autor, deve criar o grupo.

Neste caso, um grupo que partilha da mesma vontade: aprender a fazer uso dos seus

recursos para melhorar a qualidade de vida e a interação com o meio ambiente.

Portanto uma ferramenta perfeita que ensina pela experiência, pela formulação de

questões, encontro de respostas, um processo que se realiza em conjunto e contraria

o modelo dos discursos ou palestras que apontam erros e soluções generalistas, sem

avaliar cada caso, como único e resguardado com uma cultura específica.

Ubong, mostra de forma muito clara os vários passos do seu projeto. As várias

fases de implementação, desde o pré-estudo até às conclusões do resultado final.

Uma boa estruturação dá ao animador alguma vantagem na ação, reduzindo margens

de erro em relação a abordagens, tempos, e formação de equipas.

Page 11: Teatro e Sensibilização Ambiental

Foi bastante eficaz na envolvência da comunidade, quer com o grupo de

voluntários atores, quer com a equipa de profissionais, os responsáveis por cada

valência mais técnica ou criativa, como cenografia, caracterização, iluminação…

Nunca expondo resultados finais, mas sempre envolvendo os habitantes nos vários

processos, o que se traduziu numa forte dinâmica de aprendizagem, auto-

consciencialização e critica rumo a novas predisposições para a ação.

Outro aspeto que me surpreendeu na implementação deste projeto foi a

sensibilidade de Ubong quanto à adequação das várias comunicações ou fases de

contacto com os habitantes, respeitando os acontecimentos públicos/eventos, políticos

ou sociais, da vila.

É de referir a escolha de Ubong em quebrar com a estrutura habitual do teatro

comunitário em espaços abertos, praças e sem recursos técnicos ou preenchimento

visual de cenários e adequação de figurinos e caracterização. Neste caso, Ubong

escolheu integrar a vertente técnica, o pormenor estético da caracterização de atores,

figurinos e cenários e optou pela execução em palco, espaço fechado.

As histórias que constituíram o enredo foram resultado de improvisações dos

atores, baseadas em acontecimentos reais e orientados pelo autor, por forma a

respeitarem a temática e uma linha coerente de montagem.

Este projeto enriqueceu-me bastante, não propriamente pelo interesse pessoal em

relação à problemática (talvez por não estar tão presente na atenção atual que dou às

problemáticas da sociedade na qual me insiro), mas pela forma como Ubong o

implementou.

2.2. Marcia Blumberg

Marcia Blumberg apresenta-nos um artigo resultante de uma recolha de vários

projetos implementados por vários autores de referência, na problemática do vírus VIH

e que escolheram o contexto prisional como espaço de implementação, na África do

Sul.

Entre vários projetos que refere, e testemunhos de autores, como base de

fundamentação teórica para conceitos como Sida, apartheid e holocausto, acaba por

aprofundar principalmente um autor – Gary Friedman e os seus projetos.

Contextualizando os principais termos ou conceitos chaves do seu artigo, refiro:

Peter Larlham que caracteriza o teatro da África do Sul como um teatro

que aborda temáticas de relevância imediata para a sociedade, no qual

se produzem novas peças e o ator é considerado como um fabricante

de papéis e não um simples intérprete. O que contribui para a

Page 12: Teatro e Sensibilização Ambiental

reeducação após um longo período de censura imposta e

desinformação.

Dr. Clive Evian que contextualiza a problemática da sida como a

epidemia sul-africana das mais explosivas do mundo e com

consequências devastadoras para o país.

Projeto THE ISLAND – implementado na prisão Robben Island por Athol

Fugard, John Kani e Winston Nshona, dá aos espetadores uma janela

para um mundo que, John Kani nos lembra, "do qual nós nunca

falamos, ninguém pode escrever sobre ele, a imprensa não pode falar

dele, do qual nem mesmo os sul-africanos brancos, livres como são,

podem falar.". Este projeto demonstra o poder do teatro como voz de

protesto, aqui na forma de peça de teatro dentro de peça de teatro, uma

vez que se baseia n’O Julgamento de Antígona, de Sófocles.

Paula Treichler constata que a Sida é “…simultaneamente uma

epidemia de uma doença transmissível letal/mortal e uma epidemia de

sentidos e significados". Devido à ignorância e consequente

descriminação em relação à doença. Isto porque foi escrito um livro

sobre a prisão Robben Island que sugeria um debate sobre as vítimas

de sida serem os leprosos dos anos 1900. O livro apresenta uma ideia,

baseada num artigo de um jornal, de que as crianças portadoras do

vírus deviam ser impedidas de frequentar a escola, uma vez que estão

condenadas por um castigo divino.

Mary Crewe explica como as estruturas do apartheid afetaram a crise

da sida. “Apesar de ser uma doença nova, é posta a nu e agrava os

preconceitos sociais, as desigualdades económicas, a prática

discriminatória e as injustiças políticas, que têm sido os pilares do

apartheid.”

Lynn Dalrymple fornece análises detalhadas, metodologia e

fundamentação para a educação pelo drama, pelo teatro, em vez do

ensino convencional, em torno das questões do VIH.

Paulo Freire na sua Pedagogia do Oprimido, desafia alterar, o que ele

chama “educação bancária” (depositar informação em vasos vazios),

para uma educação baseada no “aprender fazendo”.

Depois deste conjunto de fundamentações para a temática, Marcia Blumberg foca-se

em Gary Friedman e nos seus 2 projetos: (AREPP) - Programa Africano de

Page 13: Teatro e Sensibilização Ambiental

Investigação e Fantoches Educacionais e Puppets in Prison. Estes exemplos e todos

os anteriores argumentam a sua opinião que “De forma pouco comum as marionetas

cumprem estas caraterísticas de contribuir de forma radical para o teatro como uma

força transformadora na áfrica do Sul, num momento significativo…”

Friedman desenvolveu o seu programa AREPP que se traduz como expressão

de teatro de rua com fantoches alusivo à sensibilização para a SIDA. Mais tarde

desenvolveu na prisão Diepkloof, o projeto Puppets in Prison, com 12 reclusos com

idades entre os 18 e 24 anos. Desde o início integrou no projeto profissionais de saúde

que fizeram sessões de consciencialização sobre o VIH e o seu impacto sobre a

comunidade prisional – em particular. Friedman e Nyanga Tshabalala deram formação

em construção de fantoches, interpretação e cenografia. “Mais importante, eles

criaram um espaço seguro e geraram um processo de colaboração com base numa

crescente confiança em que os prisioneiros / manipuladores de fantoches tinham a

oportunidade de compartilhar experiências pessoais e medos sobre a infeção HIV,

violação, prostituição, gangues, e outros cenários relacionados que eventualmente

constituíram as narrativas das peças de teatro de fantoches.” Friedman enfatiza que

"os fantoches podem fazer e dizer coisas que os atores reais, ao vivo, não ousariam

fazer." Os prisioneiros passaram as suas histórias através da boca dos fantoches, o

que tem um efeito libertador, “…já que os atores podem comunicar as suas

preocupações numa narrativa que envolve questões delicadas e até mesmo assuntos

perigosos ainda que não haja uma linha direta de vingança, uma vez que é o

personagem fantoche e não o ator realizando sua própria história.”

Este projeto teve um impacto positivo, no entanto a sua continuidade ficou limitada

devido à falta de verbas, apoios e desentendimentos políticos internos.

A recolha de Marcia Blumberg é muito pertinente na demonstração de projetos

comunitários, que podem ser postos em prática por animadores e uma equipa reunida

com elementos especializados nas várias valências ou problemáticas em causa. De

referir que cada projeto apresentado envolve uma equipa de trabalho e nunca é

desenvolvido por um só agente. Por muito polivalente que um animador seja, quando

trabalha certas temáticas deve conseguir reunir uma equipa que apresente

especializações nas áreas de intervenção. A conjetura política pode retardar ou

mesmo inibir a implementação de um projeto, ainda que, pertinente para o contexto,

se for envolvido em rixas e lutas de interesses. Esta é, infelizmente uma realidade

bastante presente e, a meu ver, global.

Page 14: Teatro e Sensibilização Ambiental

3. Anexos (tradução do texto)

Ubong S. Nda

Preferência por um modelo baseado no drama para a defesa do

desenvolvimento sustentável

O Ikot Ayan Itam Teatro para a experiência de Desenvolvimento

Como o mau estado do meio ambiente causa preocupação em várias partes do mundo, surgiu a

necessidade para cada profissão de se tornarem partes interessadas no processo de educação

ambiental. O teatro, especialmente o teatro participativo para o desenvolvimento, poderia ser

uma metodologia credível na sensibilização das pessoas, especialmente os moradores rurais de

nações em desenvolvimento, em desenvolvimento sustentável. Com, a sua prestação para

participação em jogo-criação, performance, discussões e decisões após a performance; o modelo

é capaz de assegurar considerações para sensibilidades culturais locais, e gerar propriedade

comunal do meio de comunicação. Este capítulo relata uma experiência prática no teatro e

sensibilização ambiental, que teve lugar na vila de lkot Ayan Itam, em ltu área do governo local

de Akwa Ibom Estado da Nigéria.

Antecedentes do projeto e metodologia

Eu coloquei à frente o Teatro, para o Projeto Sensibilização Meio Ambiente para o Instituto

África-América, como uma entrada para o Ake Claude 2002 Memorial Award. Eu propus usar a

vila de Ikot Ayan Itam em LTU área do governo local, em Akwa Ibom, Nigéria, como um

estudo de caso. Metodologicamente, este projeto envolveu levantamento ambiental / pesquisa,

uma apresentação prática teatral dos resultados de pesquisas e discussões comuns sobre a

situação e o caminho a seguir. A abordagem do teatro para o desenvolvimento (popularmente

conhecido como teatro comunitário) foi empregada com algumas modificações. As fases de

consulta incluíram: discussão de pesquisa / um acordo sobre a linha orientadora da história da

peça e cenário, os ensaios através do uso de técnicas de improvisação, produção / discussões e

seguimento/acompanhamento.

Comunidade de Pesquisa

Tive primeiro que realizar um estudo sobre os problemas a serem enfrentados e o background

das pessoas naquela área, incluindo a principal causa da situação, que hábitos específicos da

comunidade melhoram a sua escalada e qual a melhor forma para levar a correções, a curto e

longo prazo. Eu estudei a fundo a comunidade, a fim de identificar as suas crenças, os sistemas

de valores, tradições, tabus, visão geral de mundo, de relacionamento com os vizinhos,

atividades sociais, políticas, religiosas e económicas, bem como o nível ou desenvolvimento

tecnológico. Isto foi necessário porque, para que o desenvolvimento seja social e

ambientalmente sustentável "deve ter em conta e desenhar sobre os valores, tradições e culturas

dos povos" (Davis e Ebbe, 1993). Os tabus específicos das pessoas tiveram que ser levados

Page 15: Teatro e Sensibilização Ambiental

seriamente em consideração, uma vez que, uma manipulação errada de tais sensibilidades

culturais, pode criar desconfiança, alienação e mesmo total rejeição, da equipa da comunidade.

Escolha da amostra

Ikot Ayan ltam, a área escolhida para o projeto, é uma comunidade populosa altamente

autónoma em ltu área do governo local (uma área de conselho local conhecida pela sua

topografia problemática) em Akwa lbom Estado, na Nigéria. É uma grande aldeia com cerca de

13 mil pessoas. lkot Ayan é uma comunidade puramente rural. Não tem nenhum sistema de

energia elétrica nem de abastecimento de água potável. É quase toda cercada por vales e as

estradas estão em péssimo estado. Há muitos anos atrás, a vila perdeu o seu estatuto acarinhado

de estar ao lado de uma estrada nacional quando a velha estrada Uyo-Itu foi abandonada em

detrimento da nova, e, como é o caso de muitas situações, nos países em desenvolvimento, a

estrada velha que atravessava Ikot Ayan ficou em péssimo estado de dilapidação. A ponte que

em tempos cruzou 'idim efod "- um riacho popular em Ikot Ayan - desabou completamente por

causa da erosão, e agora está submersa na água. Além deste riacho, a estrada velha é um mero

caminho de arbustos.

Em 1989, o governo ou o Estado de Akwa Ibom, em reconhecimento da vulnerabilidade

ambiental da área do Estado, decidiu realizar o lançamento estadual da campanha de plantação

de árvores em Enen Atai. Foi um exercício que deveria ter provocado a mobilização completa

das aldeias em redor, compreendendo Enen Atai, lkot Allie e lkot Ayan. Mas a ocasião, uma

simples cerimónia do governo, apenas chegou e passou sem qualquer sensibilização para o

plantio de árvores na consciência nas pessoas. Poucos anos depois, em 1996, a visita de outro

governador aos pontos de erosão da área, revelou que o local exato onde a cerimónia de plantio

de árvores de 1989 teve lugar, se tinha tornado um vale impenetrável. É neste cenário de

abandono e desamparo aparente, especialmente como o exemplo dos graves problemas

ambientais que preocupam a comunidade, que o investigador Ubong S. Nda, informou a escolha

de lkot Ayan ltam como estudo de caso para este projeto.

Problemas ambientais de Ikot Ayan ltam

Um dos graves problemas ambientais que assolam esta comunidade é a erosão. Como resultado

da natureza ondulada da topografia ltu, o solo é facilmente suscetível à erosão e deslizamentos

de terra. Há mais de 20 locais propensos à erosão, e cerca de 10 destruídos por erosão. O pior

deles, a ravina "aba ekpe”, quase impede a ligação desta aldeia com resto das aldeias do clã

ltam. A estrada que liga Ikot Ayan com lkot Artie, e através do qual as pessoas ganham acesso à

estrada Uyo-Itu-Calabar maior, está quase inacessível devido à ravina "aba ekpe”. O solo desta

comunidade foi esgotado por excesso de cultivo, tornando-o impotente diante da fúria da água e

de outras forças ou desnudamento. O problema da erosão também afetou o abastecimento de

água na aldeia. Ikot Ayan não tem instalações de canalização de água, por isso, depende dos

fluxos locais para o seu abastecimento. As vias montanhosas para a maioria destes córregos

estão se a tornar intransitáveis, bloqueando o acesso das pessoas às fontes disponíveis de água.

Outro problema muito sério ambiental de Ikot Ayan é a poluição dos recursos hídricos através

do despejo de resíduos. A aldeia tem sorte de ter sido dotado de fluxos em quase todo os seus

limites (pode-se facilmente contar cerca de 12 córregos em diferentes pontos da aldeia).

Infelizmente, estes fluxos foram poluídos por efluentes mais a montante e pela própria

comunidade lkot Ayan. Assim, o jacinto de água quase assumiu/tomou/”bebeu” o 'efod idim ",

Page 16: Teatro e Sensibilização Ambiental

um dos fluxos sobreviventes, e uma importante fonte de abastecimento de água para uma maior

parte da Vila.

Os maus hábitos ambientais da comunidade

Apesar de alguns dos problemas ambientais serem devido a causas naturais, especialmente onde

as questões como a topografia estão envolvidas, as observações gerais da pesquisa têm

mostrado que uma grande parte deles são induzidos pelo homem. Afinal, mesmo que uma área

tenha um terreno ou uma topografia difícil, um cuidadoso planeamento do uso da terra poderia

oferecer uma proteção contra qualquer situação desagradável. O uso da terra na lkot Ayan,

assim como em qualquer comunidade rural típica na África, não foi bem planeado. A omissão

humana ou a falta de planeamento para a utilização da terra continua a ser um problema para o

controle ambiental, mesmo em centros urbanos dos países em desenvolvimento. Para os

moradores de Ikot Ayan, esta questão é considerada para além deles, como atividade de tal

porte, que eles acreditam só poder ser tratada pelo governo.

O problema da erosão na comunidade tem sido seriamente auxiliado pelas atividades

agropecuárias nas áreas sujeitas a erosão. A ravina "aba Ekpe”, por exemplo, foi escalada por

meio do cultivo pelos aldeões. Quase todo o espaço da ravina foi cultivado repetidamente,

tornando o solo vulnerável às forças da erosão. Outra atividade que tem seriamente contribuido

para a degradação da comunidade Ayan lkot são as escavações de areia e cascalho. As encostas

dos córregos da aldeia são ricas em cascalho e terra vermelha. Alguns dos jovens estão

ocupados a escavar esses recursos para a venda, a fim de fazer face às despesas. As encostas do

popular 'idim efod "já estão a sofrer com essa atividade.

O assoreamento das fontes de água na aldeia também decorre a partir de resíduos dispersos

nesses fluxos, por exemplo, as ervas daninhas e outros resíduos de cultivo são depositados

neles. As atividades de eliminação de resíduos a montante, e em lkot Ayan, criaram depósitos

pesados que se fixaram ao longo dos anos, poluindo a água e causando o bloqueio do seu fluxo.

Na base da maioria destes problemas estão a procriação irresponsável e a pobreza, as principais

características endêmicas da África rural. As campanhas de planeamento familiar ainda não

chegaram a esta aldeia, tais programas estão ainda principalmente urbano-centrados. Nem a

campanha da sida. Mesmo que eles fizessem chegar às pessoas de lkot Ayan, a importância no

uso de preservativos, por exemplo, iria colidir seriamente com sensibilidades culturais dos

habitantes, causando a sua alienação. Como é o caso da maioria das áreas rurais na Nigéria, em

que meninas na idade escolar dão à luz bebés sem casas definitivas. Esta situação temerária de

procriação deu origem ao tipo de cenário descrito pelo Dr. Lilica Sagoe, um fundo pontual, das

Nações Unidas para a população na Nigéria:

Suponha que um agricultor possui 10 hectares de terra. Se ele tem 10 filhos e divide a terra

igualmente entre eles, cada criança terá um hectare. Se cada um desses filhos tem dez filhos e

divide a terra da mesma forma, cada um de seus filhos terão um décimo de hectare. É evidente

que estas crianças não estarão tão bem como seu avô, que tinha 10 hectares de terra.

Aqui talvez esteja a causa da fragmentação da terra em Ikot Ayan e no resto da Nigéria rural,

especialmente nos estados do sul. Esta situação levou a esticar demais os recursos naturais

através das colheitas excessivas, em todo e qualquer espaço de terras disponíveis, mesmo em

áreas propensas a erosão, bem como a utilização de produtos químicos na pesca, que se uniram

Page 17: Teatro e Sensibilização Ambiental

a impor à comunidade Ayan lkot Itam uma situação ambiental que não pressagia um futuro

significativo para a habitação.

O Projeto

Consultas e reuniões

A receção do projeto por parte dos dirigentes e do povo da aldeia lkot Ayan foi esmagadora e

encorajadora. Os primeiros contatos que fiz com a aldeia foram facilitados por James Edet - um

artista versátil e produtor de teatro drama no serviço de televisão da Iborn Akwa Broadcasting

Corporation, Uyo. Sr. Edet havia recebido a ideia de fomentar o entusiasmo. O Eteidung (o

título oficial de chefes de aldeia na nacionalidade Ibibio étnica - o grupo predominante em

Akwa Nigéria Iborn Estado) recebeu o projeto com carinho. Um estável, inteligente, mas

humilde líder, do seu Povo, Eteidung Anieting Akpan Mboko, tem cerca de 62 anos de idade.

Ele é bem respeitado pela comunidade por causa do seu elevado sentido de responsabilidade.

Ele comentou que ele e seu povo estavam prontos a cooperar com qualquer pessoa, pessoas e

organizações que desejem contribuir positivamente para o desenvolvimento da comunidade. Ele

referiu-se ao passado, quando a vila foi enganada por pessoas que prometeram atrair projetos de

desenvolvimento, mas nunca mais voltaram depois que eles concederam total cooperação.

Constituição de uma equipa principal

Formei uma equipa principal para ajudar na execução do projeto. Esta equipa foi composta por

mim, um consultor ambiental chamado Sr. Effiong Ntukidem, e um diretor artístico, James

Edet. Sr. Ntukidem é um indígena de Ikot Ayan Itam e é um membro da equipe do Estado de

Akwa Ibom Ministério da terra e habitação. Ele é formado em Geografia e é um mestre da

Universidade de Uyo em Ciência em Planeamento Urbano e Regional. A sua boa compreensão

das questões ambientais e a profunda compreensão da sua aldeia foram grandes contributos para

este projeto. Sr. Jame Edet, também um indígena de Ikot Ayan ltam, é um membro da equipa de

televisão do Akwa Ibom Broadcasting Corporation, Uyo. Ele é bacharel em Artes Cênicas pela

Universidade de Calabar. O facto de ser um bom organizador de pessoas, o seu vasto

conhecimento da história da lkot Ayan ltarn e as boas relações públicas que ele teve com os

moradores ao longo dos anos ajudou a boa execução deste projeto.

Encontro com a comunidade

O encontro com a comunidade da aldeia foi realizada num dia de mercado, o que era

conveniente para a maioria das pessoas. Os grandes mercados na área são convocados em dias

específicos, e qualquer evento realizado em qualquer dia desses não seria bem atendido. Esta

consideração guiou reuniões posteriores com os membros desta comunidade.

A reunião que introduziu o projeto foi bem atendida. Foram feitas perguntas e esclarecimentos,

especialmente porque o programa estava fora dos programas partidários políticos e

governamentais a que as pessoas têm sido inundadas há algum tempo. A partir das suas

observações, foi possível deduzir que estas são as pessoas alimentadas com declarações

governamentais de desenvolvimento e pronunciamentos políticos, o que em última instância não

merecem da parte deles qualquer credibilidade. Eles abraçaram este projeto de coração, na

crença de que ele não ia apenas ajudá-los na autorrealização, mas ia também abrir a sua

comunidade à assistência externa, especialmente no combate a problemas ambientais e

Page 18: Teatro e Sensibilização Ambiental

deficiências de infraestruturas. Eles expressaram profunda satisfação para a inclusão dos seus

membros na equipa principal do projeto.

Formação do grupo voluntário de teatro/performance

A data foi fixada para os interessados em participar na peça de teatro para uma reunião com os

membros da equipa do projeto. Mais uma vez, a presença nessa reunião foi encorajadora e eu

abordei novamente os objetivos e a metodologia do projeto. Eu disse na reunião que não tinha

um guião preparado para a produção, mas um quadro sugestivo para a improvisação, que estava

aberto à aceitação ou rejeição por parte do grupo, que contribuiu com ideias para a construção

do dito guião e das diferentes cenas.

Guião/Cenário

O guião acordado foi o seguinte. Enquanto o Eteidung e os membros do conselho da aldeia

estão reunidos no palácio do Eteidung, uma mulher corre chorando. Ela conta ao perplexo

conselho como ela e o seu marido estavam a cultivar as encostas da “aba Ekpe” (a grande ravina

da vila que é a estrada de acesso da vila), e houve um deslizamento de terra, que quase enterrou

seu marido. O Eteidung chama o líder dos jovens da aldeia e dois outros jovens para irem

libertar o homem do desastre. Um argumento segue entre os membros do conselho sobre a

causa provável do problema. Outro sugere que os deuses estão com raiva e devem ser

apaziguados. Outro é da opinião de que ou o homem ou a mulher poderiam ser produtos de um

nascimento gémeo, que, de acordo com suas fontes mitológicas, não deveriam entrar nos

arbustos de “aba Ekpe”.

Outra cena envolve duas mulheres, uma retornando da fazenda que encontra a outra ainda a

trabalhar na fazenda dela. Elas discutem a situação da água na aldeia onde os fluxos estão

desbastados e a rota para os córregos está a tornar-se intransitável por causa da erosão. E, noutra

cena, alguém reclama ao conselho da aldeia que tinha pedido a outro morador para cuidar da sua

cabra, descobrindo depois que a cabra tinha caído no buraco da latrina da mulher. Enquanto a

questão está a ser tratada pelo conselho da aldeia, o filho do Eteidung, que estudava longe de

casa há muito tempo, volta para casa. É ele que desvenda os enigmas dos problemas ambientais

que afligem a comunidade. A vila inteira está chocada com suas explicações e decide

coletivamente tomar medidas corretivas e preventivas para a situação.

Escrever o guião

A escolha de uma criação espontânea do público participativo da peça de teatro é deliberada. Eu

adotei o modelo democrático do processo de teatro da comunidade, onde a equipa do projeto faz

o papel de guia e não de impositor. Processos de desenvolvimento que emanam da abordagem

de cima para baixo falharam em várias partes do mundo, mas a abordagem de baixo para cima

foi aceite como capaz de engendrar propriedade comunal. Além disso, no processo de

elaboração da peça, os problemas da aldeia e as suas soluções sugeridas estavam a ser

enraizadas nas mentes dos atores / atrizes, que não eram artistas meros recetores, mas sim

“recipientes” participativos dos ensinamentos da produção.

Este projeto foi uma experiência total de improvisação embora algumas situações dialógicas,

fossem demasiado importantes para serem deixadas ao esforço livre da improvisação, e, por isso

foram dadas aos atores. A improvisação permitiu um maior tratamento individual do assunto e

Page 19: Teatro e Sensibilização Ambiental

solidificou o espírito de envolvimento local. Prevê também a acentuação de símbolos

importantes através de diálogos subtilmente prescritos.

A produção também teve que apresentar sugestões sobre como resolver os problemas. Um aviso

por Carlton (como citado por Epskarnp, 1989) foi vital neste aspecto:

A população rural não são ovelhas que podem ser levadas cegamente. Eles geralmente não

reagem bem à pregação e propaganda que deixar de dar-lhes razões convincentes e novas

perspetivas sobre por que é que eles deveriam mudar seu comportamento habitual e práticas.

Elenco

Houve indefinições iniciais por parte de Ubong em convidar alguns atores e chamar também

voluntários. Mas com a sua experiência no campo percebeu que os voluntários locais

conseguiram dar a expressão visual necessária para a transmissão da mensagem da peça, sem o

envolvimento de atores profissionais. No final todos os papeis foram realizados pelos aldeões.

Ensaios

Como uma experiência de improvisação dramática, os atores / atrizes foram autorizados a

desenvolver as suas funções e exteriorizar dentro de suas capacidades com o diretor atuando

como um guia. Os ensaios para esta produção durou cinco semanas, não porque os atores /

atrizes não estavam prontos, mas porque os programas sociais e económicos da comunidade

local tornaram impossível encenar a produção tão cedo como previsto.

Necessidades técnicas

Iluminação sempre foi derivada da luz solar natural. Não há cenário fabricado. O diretor tem

apenas o corpo do ator, sua voz e seus gestos, para comunicar a sua mensagem. O diretor,

portanto, presta atenção séria à entrega dos atores / atrizes. Figurino e maquilhagem mal são

utilizados.

Mas surgiu a necessidade de trilhar um caminho diferente e inovador. "Estamos decididos a

abandonar o método de apresentação menos formalista associada com a experiência de teatro da

comunidade. Esta decisão foi baseada em certas considerações. O uso da arena aberta como

palco foi sugerido afincadamente para projetos teatrais desta natureza por ser um teatro

ambiental mais informal e intimista (Wilson, 1991:310). Devido a condições climatéricas foi

necessário recorrer à escola primária de São João na aldeia.

O teatro para o projeto de sensibilização ambiental é, essencialmente, um teatro para atividade

de desenvolvimento. Desenvolvimento implica uma mudança de comportamento do Estado, ou

metodologia e resposta à mudança e a estímulos - novas informações ou consciência que têm de

ser mais credíveis do que um conhecimento ou posição existente. O meio através do qual esta

nova informação é apresentada deve ser atraente e possuir a capacidade de ser levada a sério.

Para um novo conceito, um projeto como o nosso, para atrair e influenciar, deve mostrar um

maior nível de seriedade no espetáculo. Ao contrário das apresentações culturais em praças da

aldeia que se fazem com comunidades nigeriana, associadas ao casamento, nascimento e morte

– obras-primas cheias de cor e espetáculo.

Page 20: Teatro e Sensibilização Ambiental

Para conferir esta carga mais séria a este projeto teatral achei necessário ter uma produção

teatral formal com iluminação, figurinos e caracterização apropriada e construção de cenários.

Envolveu, assim, mais pessoas e entidades (escola primária de São João – palco, Universidade

de Uyo – figurinos e caracterização, Senhor Charles Nwadigwe – iluminação, caracterização no

dia da performance – Senhora Nkanga…)

Data/Publicidade

A total dependência de negociação interna da comunidade para uma data conveniente era para

garantir que não coincidia com nenhuma outra atividade que envolvesse importante participação

comunitária. A decisão da data de estreia também foi pensada para criar tempo suficiente para a

publicidade se espalhar entre os elementos individuais e os grupos na comunidade. O uso da

aldeia Pregoeiro, um meio de publicidade controlada pelo governo tradicional, assim como

anúncios em igrejas e reuniões de grupo, foram empregados.

Alguns convites foram enviados para pessoas fora de Ikot Ayan e arredores. Foram convidados

convites ao comissário Estado do Meio Ambiente, ao Chefe de Departamento, professores e

alunos do departamento de artes cénicas da universidade de Uyo, bem como membros da

imprensa. A propagação descuidada de cartas-convite teria exposto a ocasião para ativistas

políticos e isso teria prejudicado a credibilidade de todo o projeto.

Apresentação Pública

A apresentação pública desta produção tomou a forma de uma matinê, a partir das 15:00. O

conselho da aldeia tinha assegurado a publicidade adequada para o evento e no dia da produção

o pregoeiro estava para lembrar as pessoas de ir até às instalações da escola primária. Os

processos preparatórios também serviram como atividades de publicidade nos últimos minutos.

A construção do palco e ensaios intensivos dias antes ajudou a criar ansiedade e expetativa para

a produção.

A performance foi bem atendida, tanto pela comunidade da aldeia como pelas pessoas dos

arredores. Tudo começou com observações minhas introdutórias como o líder do projeto. Eu

convidei a comunidade a participar na performance e no segmento de discussão que se seguiria.

O primeiro segmento foi a performance coral de alunos da escola primária de John. O grupo

adaptou algumas das canções folclóricas populares na comunidade em mensagens ambientais,

instando as pessoas a abster-se do bloqueio das drenagens, desde o cultivo nas zonas propensas

à erosão, da escavação em encostas de areia e cascalho, desde o despejo de resíduos em fontes

de água, e de atendimento deficiente de habitações familiares. No segundo segmento da

produção, os alunos do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Uyo, realizou uma

dança dramática, intitulada "Dilúvio", que demorou cerca de 10 minutos. O desempenho

principal era o de "Mfina Idung eu yin” (os problemas da nossa Comunidade), um drama para o

qual a linha da história já havia sido fornecida. Esta performance durou cerca de 40 minutos.

Todos os segmentos foram bem recebidos pelo público, que assistiu e ouviu com muita atenção.

Sessão de discussão

A sessão de debate que se seguiu foi um aspeto muito importante do projeto. Os membros da

comunidade envolveram-se nas revelações de toda a produção.

Era óbvio que a comunidade viu e apreciou a necessidade de realizar mudanças nos seus hábitos

ambientais. O interessante é que uma questão como a venda de lenha, o que não havia sido

Page 21: Teatro e Sensibilização Ambiental

tratado na produção, foi mencionado por uma das mulheres, discutido pela comunidade e aceite

como um dos atos que devem ser alterados para que o ambiente seja salvo. A comunidade

resolveu tomar ações que possam evitar a deriva ambiental de Ikot Ayan Ilam.

Pós-desempenho, avaliação e acompanhamento

O final da performance não foi o fim do projeto, mas, na verdade, o início de uma nova fase - o

acompanhamento e monitoramento. Este processo envolveu a observação da situação através de

contatos individuais e de grupo. O acompanhamento e avaliação deste projeto foram baseados

no plano de ação acordado pela comunidade. Medidas: conter a destruição da vegetação em

locais de erosão, plantio de árvores, arbustos e grama na 'aba Ekpe ", a criação de rotas para

canalização de água dentro da comunidade da aldeia, entre outros. O povo de Ikot Ayan também

fez um apelo apaixonado para as organizações em qualquer parte do mundo para ajudá-los com

o fornecimento de água canalizada e electricidade. Com o atual estado de poluição da água na

comunidade, a aldeia corre o risco de uma epidemia grave se as pessoas continuam a depender

dos rios contaminados e secagem para as suas fontes de água.

Observações

A boa receção do projeto pelo povo de Ikot Ayan é uma indicação da aceitabilidade do método

drama de apresentação da mensagem. A comunidade ficou emocionada com a introdução de

uma alternativa aos métodos de "loja de conversa" que eles achavam chato. Com base no

exposto, gostaria de alegar que há uma necessidade urgente para a sensibilização sincera das

populações locais, especialmente os moradores rurais, que formam a grande percentagem de

população do país em problemas do meio ambiente. Mesmo que a quantidade de informações

sobre o ambiente disponível para os moradores urbanos ainda seja escassa e inadequada, pelo

menos alguns esforços na criação de consciência ambiental tem sido a sua vantagem. No

entanto, os moradores urbanos constituem apenas cerca de 30 por cento da população do país, e

se os eleitores rurais desta população continuarem a ser deixados de fora da unidade ambiental,

então o ritmo das mudanças ambientais no comportamento vai continuar a ser lenta. Em

contraste, a sensibilização adequada da maioria vai significar um grande avanço na tentativa de

salvar o meio ambiente local e global. Drama poderia ser mal utilizado principalmente no

processo de sensibilização rural sobre as questões ambientais. O modelo descrito no presente

estudo mostra a plausibilidade da utilização desta forma dramática. No emprego do teatro

dramático como meio, os organizadores não devem rigidamente seguir os padrões já

estabelecidos de teatro comunitário, mas devem, antes, estudar a comunidade e as circunstâncias

do projeto para permitir a elaboração de um modelo que melhor se adequa à situação a ser

concebida.

Organizações de teatro devem despertar-se para a importante responsabilidade social de

maximizar as características benéficas do seu meio de sensibilização ambiental. Placas de centro

cultural, teatros universitários, etc, podem chegar às comunidades rurais a este respeito.

Organizações governamentais e não-governamentais poderiam (em reconhecimento do lugar do

meio ambiente como a base para o sustento da vida) patrocinar tais atividades, uma vez que

financeiramente as organizações de teatro não se podem estender ao financiamento e logística

para estes projetos. Comunidades como lkot Ayan Itam, que perceberam os danos causados

pelos maus hábitos ambientais de ambas as gerações passadas e presentes e está pronto para

adotar métodos de desenvolvimento sustentável, devem ser assistidas e incentivadas.

Page 22: Teatro e Sensibilização Ambiental

Conclusão

Este projeto estabeleceu a plausibilidade e possibilidade de empregar o drama e o teatro como

um bom meio de divulgação de informação ambiental, especialmente nas áreas rurais. O

entusiasmo sustentado e aceitação, o que prevaleceu durante todo o curso do projeto, bem como

a participação ativa das pessoas rurais, são indicações vitais de um sucesso que pode ser

replicado em outros lugares, se o processo é cuidadosamente planeado e executado, com uma

forte consciência das necessidades específicas da comunidade local.

Marcia Blumberg

Fantoches cumprem pena na era da Sida

Ao longo dos séculos, as marionetes tornaram-se numa forma de arte multifacetada que inclui

ritual, arte popular, peças de teatro, e um entretenimento popular especialmente vocacionado

para crianças nos géneros mais interligados relativos a teatro, cinema e televisão. No pré e pós

eleitoral da Africa do Sul, os bonecos têm desempenhado um papel importante no desbravar

novos caminhos.

Peter Larlham em 1991 escreveu um ensaio sobre o teatro em transição que documenta

vários exemplos, incluindo os bonecos de Gary Friedman contra a Sida, e enumera caraterísticas

que definem o teatro Sul-africano:

Um teatro que aborda questões de relevância imediata para a sociedade sul-Africana,

com ênfase na produção de obras ocidentais; escrever novas peças em vez de trabalhar a partir

de guiões/peças pré-existentes; o ator é considerado como um fabricante de papéis, em vez de

um intérprete de papéis; um teatro que auxilia na reeducação após o longo período de censura

imposta e desinformação.

De forma pouco comum as marionetas cumprem estas caraterísticas de contribuir de

forma radical para o teatro como uma força transformadora na áfrica do Sul, num momento

significativo, em que a opinião de um especialista local em Sida, Dr. Clive Evian diz que "A

epidemia sul-africana é umas mais explosivas do mundo e terá consequências devastadoras para

o país". Como uma criação de marionetes, Gary Friedman é um projeto piloto desenvolvido há

10 anos, um trabalho com fantoches para promover a consciência do HIV / SIDA. Puppets in

Prison, outro projeto que utiliza o local austero de um ambiente de prisão para intervir por meio

de marionetas na dura realidade das estruturas opressivas, nas práticas brutais, e na sempre

crescente pandemia da Sida.

O meu artigo situa este projeto de fantoches em coordenadas específicas nacionais e

sociopolíticas do sentido do teatro como uma força intervencionista no meio prisional e no vírus

da Sida – VIH. Para contextualizar historicamente, estas questões complexas, é importante

analisar o papel das prisões Sul-africana na história da nação. Embora os motivos criminosos e

políticos que levam à reclusão fossem muitas vezes abafados e considerados por alguns como

equivalentes ao discurso apartheid. Robben Island, uma prisão política de 1667, tem assumido

desde 1961, uma posição única de uma fortaleza na luta de libertação, significando a coragem, a

sobrevivência e o sonho de liberdade. Os líderes das, então proibidas, organizações políticas

mantiveram a fé nos seus ideais, apesar das duras condições e exigências físicas. Nelson

Mandela articulou o dilema: "O grande desafio é: Como resistir, como não se ajustar, para

manter intacto o conhecimento ainda que excluídos da sociedade, e viver de acordo com suas

regras"? As estratégias para promulgar este desafio envolveram a circulação, muitas vezes

clandestina, de materiais de leitura, um grande empenho dos prisioneiros para partilhar os seus

Page 23: Teatro e Sensibilização Ambiental

conhecimentos. Com um ensino rudimentar, ler e escrever, melhorar competências, ou

manterem-se informados uns aos outros, dos últimos desenvolvimentos políticos. Participação

nas semanais performances de poesia, contos de histórias e material dramático.

Robben Island também fornece um contexto para o teatro na prisão como um veículo de

intervenção, A Ilha, concebido em 1973 por Athol Fugard, John Kani e Winston Nshona, dá aos

espetadores uma janela para um mundo que, John Kani nos lembra, "do qual nós nunca falamos,

ninguém pode escrever sobre ele, a imprensa não pode falar dele, do qual nem mesmo os sul-

africanos brancos, livres como são, podem falar.". No entanto, este trabalho colaborativo evoca

aspetos importantes:

A cena de abertura, que inclui uma sequência de ''Back-breaking e trabalho

grotescamente fútil” (o que pode levar um tempo interminável no palco de dez minutos ou

mais);

A complexidade de estabelecer ligação e comunicação pelos dois atores e presidiários,

John e Winston;

O poder do teatro na voz protestante, aqui na forma da peça dentro da peça, o

julgamento de Antígona, da tragédia de Sófocles.

Uma vez que a pequena peça é realizada no evento da prisão, os espectadores da The

Island, que observam a ação no palco nu são escolhidos para o papel adicional de público

prisional, ao contrário dos reclusos da prisão, eles são livres de deixar o teatro e

necessariamente ocupar a posição de espetadores, sinónimo dos guardas prisionais. O teatro

neste cenário de prisão incide sobre os direitos e rituais da Grécia antiga e ao mesmo tempo fala

para as estruturas opressivas que expõem os problemas de raça, classe, e os papéis de género,

bem como liberdade restrita para a grande maioria dos sul-africanos até 1994.

Robben Island (prisão) nos meados do século XIX também serviu como um hospital

para doentes mentais e desde a última década desse mesmo século até 1930 funcionava como

uma colónia de leprosos. Um livro sobre Robben Island dirigida a professores do ensino médio

e estudantes, define tarefas em cada secção; o debate proposto, intitulado "são vítimas de HIV

os "leprosos" dos anos 1900?" refere-se a uma reportagem do jornal local de 1994, que sugere

que as crianças na Suazilândia infetadas com o HIV devem ser impedidas de frequentar a

escola, uma vez que não têm futuro e são condenadas pelo castigo divino. Não obstante a

palavra vitima ser completamente contestada e tão criticada pelas pessoas que vivem com sida

(muitas das quais enfrentam corajosamente obstáculos diários e orgulham-se do seu

fortalecimento), e por muito que a doença possa criar desafios, a analogia entre sida e lepra

provoca em Paula Treichler a preocupação "Sida é simultaneamente uma epidemia de uma

doença transmissível letal/mortal e uma epidemia de sentidos e significados". Apesar da

ignorância, da intolerância e da discriminação que espalham o medo e o estigma em relação às

pessoas infetadas com sida, a desconfiança da política oficial criada durante os anos do

apartheid agrava a complexidade destas questões. Mary Crewe explica como as estruturas do

apartheid afetaram a crise da sida: Restam poucas dúvidas de que a sida tem gerado uma boa

dose de ansiedade no sul de África. Apesar de ser uma doença nova, é posta a nu e agrava os

preconceitos sociais, as desigualdades económicas, a prática descriminatória e as injustiças

políticas que têm sido os pilares do apartheid.

Aqui Crewe insiste numa tomada de consciência dos diferenciais de marginalização e

do seu efeito sobre as situações de pessoas que vivem com HIV. No seu relatório de 1992 sobre

um "Projeto de Educação AIDS e Estilo de Vida realizado em Zululand Rural," Lynn

Dalrymple fornece análises detalhadas sobre a metodologia e fundamentação para a educação

Page 24: Teatro e Sensibilização Ambiental

do drama/teatral ao invés de ensino convencional em torno das questões do HIV. Entre muitos

aspetos, ela destaca o trabalho de Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, onde desafia alterar o

que ele chama "o conceito de educação bancária" que deposita informações em vasos vazios,

para uma educação baseada no "aprender fazendo", por forma a perceber como funciona a

sociedade. Este projeto, DramAidE, previu a participação ativa dos participantes e causou um

impacto tão grande que, programas relacionados com este começaram em Grahamstown e

Joanesburgo.

Gary Friedman também contribui significativamente para este campo de

consciencialização da sida. O seu trabalho simboliza o potencial tranformativo do teatro de

fantoches. Regressando à sua terra natal em 1987, após a formação em Paris com o mestre dos

Muppets, Jim Henson, Friedman fundou o Programa Africano de Investigação e Fantoches

Educacionais, que defende uma comunidade baseada numa educação de confiança. O primeiro

projeto do grupo, Fantoches contra a Sida, é atualizado periodicamente e leva a vida dos

fantoches para as ruas para se apresentar para adultos fora das clínicas de saúde, nas minas,

pontos de táxi e outros locais de rua; projeto teatral transportável, assim como a versão de

consciencialização do Punch and Judy também visita fábricas e escritórios. Espetáculos

diferentes voltados para públicos das escola primárias, ciclos e liceus que abordam as questões

do HIV a partir de perspetivas diferentes e empregam uma variedade de bonecos e média para

entreter e envolver os espetadores e simultaneamente envolver a questão premente.

Gary Friedman vive com a sua crença de que “Não vale a pena fazer nada se não se

aceitarem os riscos, na vida e no teatro.”

Para este projeto inovador, realizado em 1996, 12 prisioneiros de longa data, foram

selecionados para participar num workshop de oito semanas de uma secção da Prisão Diepkloof,

Joanesburgo, que abriga presos entre as idades de 18-24 anos e não permitem facilidades de

lazer. A sua modesta proposta deve ser comparada com uma outra abordagem para o teatro

como um veículo supostamente intervencionista: pródigos Mbongeni Ngema, um Musical de

1995, Sarafina 2, pretendia ser uma produção de entretenimento, bem como educacional sobre o

HIV e as questões de sexo seguro. Escandalosas exigências orçamentais (mais de 14 milhões de

rands, cerca de 3-5 milhões de dólares) canalizados para salários e excessos promocionais

resultaram na obtenção de créditos de funcionários, incluindo o Ministro da Saúde e do retorno

de fundos para a União Europeia, o encerramento da produção dentro de alguns meses dependia

desses fatores, bem como do preço dos bilhetes inflacionados e má receção do musical. Mais

significativamente, a falta de conselhos de ativistas, profissionais de saúde e pessoas da

comunidade, que são mais afetadas, não só demonstrou arrogância, mas resultou numa

comunicação deficiente e irresponsável sobre questões relevantes no âmbito da produção. Adele

Baleta revela que "o Dr. Evian, um médico de saúde pública, viu Sarafina 2 e descreveu-o como

uma bofetada na cara para ajudar os trabalhadores de saúde que lutam com escassos recursos.”.

O brutal desperdício é facilmente avaliado quando os cálculos demonstram que o orçamento do

Sarafina 2 teria financiado mais de 150 Puppets em Prision, oficina de série (a um custo de

cerca de 90 mil Rand cada).

Ao contrário da situação do Sarafina 2, os profissionais de saúde iniciaram um projeto

prisão com sessões de consciencialização sobre o HIV e o seu impacto sobre a comunidade

prisional, em particular. Friedman e Nyanga Tshabalala deram formação em construção de

marionetas, interpretação e cenografia rudimentar. Mais importante, eles criaram um espaço

seguro e geraram um processo de colaboração com base numa crescente confiança em que os

prisioneiros / manipuladores de fantoches tinham a oportunidade de compartilhar experiências

pessoais e medos sobre a infeção HIV, violação, prostituição, gangues, e outros cenários

relacionados que eventualmente constituíram as narrativas das peças de teatro de fantoches.

Page 25: Teatro e Sensibilização Ambiental

Friedman enfatiza que "os fantoches podem fazer e dizer coisas que os atores reais, ao vivo, não

ousariam fazer." Passar as suas histórias através das bocas dos personagens de marionetes tem

um efeito libertador, já que os atores podem comunicar as suas preocupações numa narrativa

que envolve questões delicadas e até mesmo assuntos perigosos ainda que não haja uma linha

direta de vingança, uma vez que é o personagem fantoche e não o ator realizando sua própria

história.

Uma avaliação detalhada do processo e do produto final do desempenho de Fantoches

de prisão por Renee Bub e Dr. Clive Evian demonstra uma receção muito positiva por vários

públicos. Os poucos comentários negativos de prisioneiros/espetadores foram os conteúdos

abordados, principalmente pela ausência de questões que consideravam especialmente

pertinentes, mas que as narrativas não conseguiram incluir. Para o projeto o grupo optou por

trabalhar com dois tipos de bonecos. Os fantoches de luva ou de mão, no formato do espetáculo

Punch e Judy estavam situados numa cabine de fantoches formada a partir de uma tenda. Para

além disso, grandes hastes (corpos) de fantoches foram manipulados na frente da cabine, à vista

do público. Marionetistas usaram os seus braços como o braço do boneco e mostraram a

manipulação da vara do boneco. Pequenos microfones foram usados pelos atores /

manipuladores para amplificar a voz durante a performance. Cada um dos 12 prisioneiros criou

um personagem, desenvolveu uma narrativa, e fez um fantoche apropriado a um de três sketchs.

Estes constituem guiões rudimentares que encaixam na rubrica geral de um modo apto para a

vida na prisão: "o amor não tem grades". Da análise desses cenários, os quais giram em torno de

redes de poder e relações sexuais, as narrativas realizadas são examinados em conjunto com um

vídeo de sessões de workshop e observações pelos marionetistas, críticas de jornal, e um

relatório de 38 páginas de avaliação do projeto para avaliá-la como um veículo de

transformação e reabilitação, ainda que em pequena escala.

O primeiro cenário centra-se num homem prostituto chamado Sharon Stone cujo

relacionamento com dois presos "chefes" demonstram uma economia sexual e material que

envolve também a transmissão do HIV. Algumas observações expuseram a separação da raça,

do género, e orientações sexuais no modo de realização desta construção especial, que leva para

o coração de uma localidade questões restritivas de identidade só recentemente abordadas na

áfrica do Sul por leis de anti descriminação. Uma vez que 11 dos 12 presos do grupo eram

negros, essas mudanças constituíram uma sensação de realismo para os criadores e para o

público prisão da mesma forma, todos eles valorizavam o aspeto dos cenários como uma

necessidade básica para a identificação de pares e sensibilização.

(…)

Um relatório do Herald Sun lembra-nos que a "África do Sul tem uma das taxas mais

altas de crime no mundo, e já concedeu amnistia a alguns prisioneiros para aliviar uma crescente

carga sobre o sistema prisional."

O projeto Diepkloof não foi reintegrado, e cada vez que ouço a opinião dos

participantes sobre o vídeo ou leio o relatório de avaliação, sinto uma combinação de raiva, um

sentimento de traição e de oportunidades desperdiçadas, e um temor para os seus futuros.

A função de reabilitação dos Fantoches na prisão é claramente articulada pelos

marionetistas envolvidos. Reiteraram como o programa serviu como um ponto de viragem na

sua vida, quando, pela primeira vez, eles formaram metas de longo prazo e visões futuras. O

mais notável foi o aumento da sua confidencialidade e sentido de auto-estima, suas habilidades

recém-adquiridas e papéis importantes como educadores de pares traduzido para eles sobre o

potencial para um futuro viável, especialmente quando a educação para a Sida aborda questões

de vida e morte e os outros problemas interligados de violência que forma um ciclo que tem

impacto sobre a vida dentro e fora da prisão. Durante o workshop, os marionetistas também

Page 26: Teatro e Sensibilização Ambiental

desenvolveram um compromisso com o projeto e os seus participantes, aprenderam a ter

disciplina, e a treinar a parte física e a meditação. Os aspetos criativos e performáticos

ofereceram-lhes uma oportunidade especial numa rotina dura da prisão que de outro modo não

admitia a prática de lazer. O fim do projeto Dicpkloof ocorreu apesar de muitas iniciativas por

parte de Gary Friedman e outros, bem como avaliações críticas, como o de Daryl Accone: que

este projeto "pode fornecer o plano para a educação sobre o VIH nas nossas cadeias." O

relatório de avaliação global que analisa vários aspetos, conclui com louvor geral para o projeto

como "uma iniciativa excelente que deu ao público informações importantes sobre a sida e

serviu para acumularem mais interesse e aumentar a discussão sobre a doença." No entanto, foi

também ameaçado noutros requisitos. Tão adequado este projeto teatral vital era, que ganhou

apoio e força dentro da prisão. Mas a sua implantação limitada relaciona-se diretamente com a

escassez de fundos e inação governamental.

Agora, mais do que nunca, o seu fim deve ser combatido através de esforços renovados

e uma realização urgente: no período de transição pós-eleitoral, fazer o tempo, pode ser

sinónimo de um uso produtivo do tempo.