UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS XIV COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS - LICENCIATURA ADRIANA BARBOSA DOS SANTOS AS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS: HISTÓRICO E USO NO COTIDIANO SOCIAL Conceição do Coité 2012
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS XIV
COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS - LICENCIATURA
ADRIANA BARBOSA DOS SANTOS
AS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS: HISTÓRICO E USO NO
COTIDIANO SOCIAL
Conceição do Coité
2012
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ADRIANA BARBOSA DOS SANTOS
AS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS: HISTÓRICO E USO NO
COTIDIANO SOCIAL
Monografia, apresentada ao Colegiado do Curso de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas – Licenciatura, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus XIV como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciatura em Letras Vernáculas.
Orientadora: Profa. Dra. Celina Abbade.
Conceição do Coité
2012
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela permissão, sem Ele nada posso fazer. A Jean Alves
Lima, esposo, companheiro, pelo incentivo, você faz parte dessa trajetória. Aos meus
pais Hilda Barbosa e José Hermogenes por serem o que são para mim, sempre
dispostos a doar sem esperar receber em troca. Aos irmãos Joelma, Débora e
Hervanio e vó Guilhermina pelo carinho.
Agradeço também ao pré-vestibular UNICOM por ter me dado a oportunidade
de voltar a ser estudante, pelo apoio e pelas palavras de encorajamento quando
pensava não ser capaz.
A todos os professores do Colegiado de Letras Vernáculas da Universidade do
Estado da Bahia/Campus XIV, pelas contribuições durante o curso, em especial, a
profª Antonilma e profª Celina Abbade, pelas orientações.
A todos os colegas da graduação, sempre serão lembrados porque fizeram
parte desta história, em especial a Maura Moreira companheira de trabalho.
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RESUMO
Este trabalho tem como objetivo fazer o levantamento das expressões idiomáticas em textos escritos de revistas informativas, especificamente a revista Veja. Para tanto foi realizada a seleção desses periódicos bem como teorias que baseassem a discussão. A partir da seleção das expressões nos artigos de opinião publicados nas revistas foi realizada a análise dessas expressões buscando entender o uso de recursos próprios da linguagem falada na modalidade escrita. A partir da análise dos dados com base nas teorias encontradas constatou-se que quanto mais formal é o texto, menor é a chance de encontrar expressões idiomáticas. No que se refere ao gênero artigo de opinião verificou-se que este viabiliza o uso dessas expressões. Notou-se que alguns autores utilizam mais do que outros, expressões típicas da linguagem falada. Concernente ao significado dessas expressões presentes nos dicionários do português brasileiro notou-se a carência de informações precisas nos dicionários sobre essas expressões e também de teorias que delimitem o que deva ser considerado expressão idiomática e a diferencie de outras expressões com características semelhantes. Constatou-se que o usuário da língua deve conhecer as peculiaridades da cultura na qual está inserido para saber utilizar e entender as expressões idiomáticas. Notou-se que algumas expressões dependem do contexto para serem entendidas e outras não. A mudança ou troca dos elementos que compõe uma expressão pode comprometer seu significado idiomático. O significado idiomático não depende da junção do significado dos elementos formadores da expressão, mas da imagem metafórica que sugerem ao falante. Por fim, a originalidade dessas expressões seja na fala ou na escrita constitui um diferencial que deve ser considerado nos estudos da linguagem, possibilitando o reconhecimento das marcas culturais presentes nelas e a valorização da linguagem falada como um contínuo da escrita e não como forma menos apreciada nas escolas, nas gramáticas e no ensino-aprendizagem como um todo.
This work has as objective to survey the idiomatic expressions in written texts of magazines informative, specifically the Veja magazine. For both was the selection of these journals as well as theories that reliance on the discussion. From the selection of the expressions in opinion articles published in the magazines was performed the analysis of these expressions in an attempt to understand the use of own resources of the spoken language in the written modality. From the analysis of the data on the basis of the theories found it was found that the more formal and the text, the lower the chance of finding idiomatic expressions. As regards the genre article of opinion it was found that this makes the use of these expressions. It was noted that some authors use more than others, typical expressions of the spoken language. Concerning the meaning of these words present in the dictionary of the brazilian portuguese also noticed the lack of precise information in dictionaries on these expressions and also of theories that clarifying what must be considered idiomatic expression and differentiates itself from other expressions with similar characteristics. It was noted that the user of the language must know the peculiarities of the culture in which it is inserted to know how to use and understand the idiomatic expressions. It was noted that some expressions depend on the context to be understood and others do not. A change or an exchange of the elements that compose a expression may compromise its meaning idiomatico. The meaning idiomatico does not depend on the junction of the significance of formative elements of expression, but the metaphorical image that suggest the speaker. Finally, the originality of these expressions is in speech or in writing is a differential that should be considered in studies of language, allowing the recognition of cultural marks present in them and the recovery of the spoken language as a continuum of writing and not as a less appreciated in schools, in grammars and in teaching-learning as a whole.
Key-words: Idiomatic expressions, language spoken, written modality.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
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1 LINGUAGEM E INTERAÇÃO HUMANA
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1.1Expressões idiomáticas em Língua Portuguesa
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2 AS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS E O SEU USO NO COTIDIANO SOCIAL
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2.1 Expressões idiomáticas em revistas informativas 24
3 LEVANTAMENTO DAS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS NA REVISTA INFORMATIVA “VEJA” (2009/2010)
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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ANEXOS
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INTRODUÇÃO
Este trabalho discute sobre o uso das expressões idiomáticas em textos
escritos que circulam do cotidiano social. A partir da leitura dos autores de trabalhos
voltados para essa questão e do interesse pessoal pela linguagem falada é que teve
inicio essa investigação, com o objetivo de fazer o levantamento dessas expressões
em textos do gênero artigo de opinião, bem como o confrontamento das teorias
encontradas com o corpus da pesquisa , buscando reconhecer e identificar essas
expressões nos textos informativos escritos.
Para dar início à pesquisa foram selecionados dez exemplares da revista Veja
dos anos 2009 e 2010 e após a leitura foram encontradas sete expressões
idiomáticas, selecionadas estas expressões foi realizado um confrontamento entre os
estudos teóricos. O trabalho está dividido em três capítulos, o capítulo 1 apresenta os
estudos teóricos encontrados sobre a linguagem e interação humana como também
definições teóricas do que vem a ser expressões idiomáticas. O capitulo 2 aborda
sobre o uso das expressões idiomáticas no cotidiano social, bem como a presença
dessas expressões em revistas informativas. No capítulo 3 faz-se o levantamento das
expressões encontradas nas revistas Veja bem como a análise e o confrontamento
com os estudos teóricos.
A escolha da revista Veja se justifica por ser publicada semanalmente e ter um
número elevado de leitores e tratar-se de uma revista informativa de fácil acesso
atualmente, ou seja trata-se de uma publicação popular. O gênero textual artigo de
opinião se justifica por ser um gênero textual que permite ao autor expor sua opinião
sobre determinado assunto com mais liberdade para usar determinadas expressões.
A relevância social da pesquisa está ligada a contribuição da pesquisa para a
valorização da linguagem falada como elemento cultural que deve ser reconhecido
tanto quanto a modalidade escrita. Visando o incentivo dos estudos dessas
expressões e o seu reconhecimento como fonte de criatividade e representação da
cultura popular brasileira.
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1 LINGUAGEM E INTERAÇÃO HUMANA
Este capítulo apresenta a linguagem como instrumento de comunicação
utilizado pelos indivíduos de diferentes formas e discute algumas definições de
expressões idiomáticas apresentadas por teóricos como Biderman (2005),
Tagnin(1989), Xatara (1998) que apresentam ideias semelhantes sobre o assunto.
Defendendo a opacidade de tais expressões bem como sua consagração pela cultura
que as criou. Também aborda sobre a origem dessas expressões nem sempre
possível definir, muitas vezes alvo de duplicidade de origem histórica e sua função
ligada principalmente a oralidade, mas já presente na escrita, funcionando como
elemento dinâmico e original na linguagem.
A partir de exemplos de expressões idiomáticas e dos estudos dos teóricos
acima citados foi construída a base para as discussões que se fará nos próximos
capítulos.
A linguagem é um instrumento de comunicação que torna possível a interação
entre os indivíduos nos diferentes tempos e espaços sociais. O intercâmbio ocorre
entre sujeitos de um mesmo grupo social e também entre os de grupos distintos, seja,
pela condição social, econômica, religiosa ou por questões de etnia. E, é o fenômeno
linguístico que possibilita tal interação. Os escritores, ouvintes, leitores e falantes de
uma comunidade social, geralmente partilham o mesmo registro de linguagem,
principalmente no dia a dia, em situações mais informais.
Segundo Rousseau (2008), em Ensaio sobre a origem das línguas, através da
linguagem podem-se distinguir os homens dos animais já que estes não possuem a
capacidade de transformar sua comunicação enquanto o ser humano transforma-se a
cada momento, inclusive em seus atos comunicativos. Os humanos podem
diferenciar-se ainda de acordo com a sua nacionalidade, pois cada espaço social
possui características linguísticas específicas, através das quais os usuários de
determinada língua se distinguem entre si.
Na reflexão do autor a interação pela linguagem pode ter surgido ou do desejo
ou da necessidade dos humanos de se expressar. Nessa perspectiva, inventaram-se
maneiras diversas de realizá-la através do movimento e da voz. O movimento, por
sua vez, realiza mais facilmente o seu papel uma vez que expressa com maior
rapidez. Desde a antiguidade os sinais já se mostravam mais eficientes que os
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discursos em várias situações, exceto em situações que envolvem emoção e paixão.
Assim, presumiu que as paixões teriam sido responsáveis pela criação da palavra,
sendo a linguagem figurada a primeira a surgir e o sentido próprio o último a ser
descoberto.
No processo comunicativo, pode-se entender a linguagem não somente na
forma escrita ou falada, mas nas diversas maneiras que o ser humano possui de
interagir entre si através de gestos, imagens, sinais, que são algumas das
possibilidades para se promoverem entendimento entre as pessoas. Na visão de
Bakhtin, a comunicação verbal está ligada aos outros tipos de comunicação e
depende da situação de produção.
A comunicação verbal entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles sobre o terreno comum da situação de produção. Não se pode, evidentemente, isolar a comunicação verbal dessa comunicação global em perpétua evolução. Graças a esse vínculo concreto com a situação, a comunicação verbal é sempre acompanhada por atos sociais de caráter não verbal (gestos do trabalho, atos simbólicos de um ritual, cerimônias, etc.), dos quais ela é muitas vezes apenas o complemento, desempenhando um papel meramente auxiliar. (2006, p.124.)
Segundo o autor, mesmo na fase em que se adquire a linguagem, a forma
linguística sempre está associada ao contexto. E, numa mesma comunidade
linguística, tanto o locutor quanto o receptor considera a forma linguística como um
signo variável e flexível.
Defendendo a ideia de que a língua evolui constantemente e suas normas não
são imutáveis, afirma que a evolução real da língua ocorre a partir da evolução das
relações sociais que, de certa forma, faz com que a comunicação e a interação verbal
evoluam. Em conseqüência disso, os atos de fala também mudam refletindo, por fim,
nas formas da língua.
No seu discurso, “a enunciação é de natureza social”, os atos de fala são
determinados pela situação social imediata, meio social mais amplo e pelos
participantes mais imediatos.
Alguns elementos externos como o ambiente social, as crenças ou
manifestações culturais, exercem influência na linguagem e podem ser responsáveis
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pelas diferenças encontradas entre as variantes de uma mesma língua. Vale ressaltar
o que diz Marte Lotta (2008):
“o homem adquire a linguagem e dela se utiliza dentro de uma
comunidade de fala, tendo como objetivos a comunicação com os indivíduos e a atuação sobre os interlocutores. Portanto, muito se perde ao abstrair a língua de seu uso real”,
Nota-se que muito se perde ao separar a língua dos fatores sociais, culturais e
psíquicos que interagem na linguagem. Portanto, a língua sempre é influenciada
pelos fatores externos. E se tratando de expressões idiomáticas, os fatores externos
também influenciam o seu uso. A depender do falante, da situação, da cultura e de
todo contexto, as expressões idiomáticas podem ser mais ou menos utilizadas.
Geralmente são encontradas nos textos menos formais, sejam eles orais ou escritos.
A linguagem seja a padrão ou a coloquial tem como principal finalidade tornar
possível a comunicação/interação entre os indivíduos. Nessa linha de raciocínio,
pode-se dizer que, embora sirvam para o mesmo fim, a interação entre membros de
um mesmo grupo de falantes, a forma padrão se difere da não padrão em diversos
aspectos.
Em linhas gerais, essa linguagem comum ou popular difere da variante padrão ou culta, entre outros aspectos, pela ausência de elaboração consciente, que se reflete numa estruturação frásica simples, de frases geralmente curtas e ligadas ou encadeadas parataticamente; um vocabulário comum, repetitivo e pouco seletivo, frequentemente gírio; uma ausência de preocupação e fixidez gramatical; uma prosódia descuidada e simplificada, própria da articulação da fala, inclusive em pessoas cultas e formais, sem muita nitidez e regularidade na fonação de determinadas palavras ou de determinadas sequências silábicas, cuja articulação exige maior esforço e atenção, como tão por estão; pra por para; primero por primeiro; falá por falar; xícra por xícara; abobrinha por aboborazinha etc. É que atua aqui, entre outras razões, o impulso do mínimo esforço articulatório (URBANO, 2008, p.35).
Na fala pode-se perceber uma menor preocupação do usuário da língua com a
pronúncia considerada padrão das palavras e com a rigidez das regras gramaticais.
Ao contrário da fala, a modalidade escrita requer maior cuidado com as normas que
regem o bom uso da língua, uma vez que o descuido nesse aspecto resulta no
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desprestígio tanto do texto quanto do seu autor, exceto os textos em que os autores
intencionalmente utilizam recursos linguísticos considerados informais ou
pertencentes à oralidade.
Oportuno ressaltar que nos estudos gramaticais o uso da fala cotidiana sempre
foi menos prestigiado, pois a escrita recebia e atualmente ainda recebe maior atenção
tanto nos estudos científicos quanto no uso social. Felizmente, os estudos sobre os
recursos da língua falada têm sido cada vez mais valorizados no contexto
contemporâneo.
Nessa perspectiva, deve-se entender que cada grupo social possui
características linguísticas próprias dentro de uma comunidade linguística global. Isso
não impede que o dialeto de uma determinada comunidade torne-se comum em
outros grupos de falantes ou até mesmo deixe de ser considerado como pertencente
a uma pequena parte de usuários de uma língua, passando a ser aceito como parte
da linguagem global. Essa interferência ocorre devido aos contatos existentes entre
os diversos grupos, o que muitas vezes impede a identificação da origem de muitas
expressões.
Nesse sentido, o entendimento entre grupos distintos requer uma adequação
ao contexto situacional. Para que a interação aconteça de forma satisfatória é
necessária uma adequação da linguagem à situação, levando-se em consideração
não só o público alvo, mas também o contexto sócio comunicativo.
È possível notar que, a depender do contexto sócio comunicativo, frases
simples e curtas possam ser empregadas de forma distensa e flexível, inclusive por
usuários que têm “certo domínio” da norma padrão. O que pode determinar o tipo de
uso é o tipo de situação em que se empregam os fenômenos linguísticos.
O uso das expressões idiomáticas, como todo e qualquer fenômeno linguístico,
requer do falante uma adequação ao contexto situacional tanto na fala quanto na
escrita. A utilização das expressões idiomáticas em textos escritos é o que norteia o
presente estudo, mas antes de abordar sobre isso, torna-se necessário buscar sua
origem, conceito e sua função na linguagem.
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1.1. Expressões idiomáticas em Língua Portuguesa
Segundo o dicionário Aurélio (1999, p.1.072), o termo “idiomático” deriva-se do
grego idiomatikós, ‘particular’, ‘especial’. Adj. Relativo a, ou próprio de um idioma.
Para Tagnin (1989, p.13) o termo idiomático tem sido usado, em português,
com o sentido de vernáculo, próprio da língua. O significado “não transparente” ou
“opaco” a autora reserva somente para o que se refere às expressões idiomáticas.
No dicionário etimológico, o termo Idio se refere a elemento composto derivado
do grego ídio-, de ídios ‘próprio, pessoal, privativo’, que já se documenta em
vocábulos formados no próprio grego (como idioma) em alguns compostos formados
nas línguas modernas de cultura (CUNHA, 1992, p.422).
Embora estudos sobre expressões idiomáticas não sejam facilmente
encontrados, alguns estudiosos já se dedicaram a esse objeto de pesquisa e, a partir
de seus trabalhos, podem-se citar alguns conceitos.
Segundo Biderman (2005, p.751), “as expressões idiomáticas são expressões
semanticamente opacas, cujo significado não depende do sentido de cada um de
seus componentes”. Nesse sentido, entende-se que o seu significado não depende do
valor denotativo das palavras que a formam, mas do sentido conotativo de toda a
expressão.
De acordo com Tagnin (1989, p. 13),
“uma expressão é idiomática apenas quando seu significado não é transparente, isto é, quando o significado da expressão toda não corresponde à somatória do significado de cada um de seus elementos”.
Na definição de Xatara (1998, p.149), “Expressão idiomática é uma lexia
complexa indecomponível, conotativa e cristalizada em um idioma pela tradição
cultural”. A autora ainda explica o porquê de cada uma dessas características. Para a
autora, uma expressão idiomática pode ser uma lexia complexa indecomponível
porque “constitui uma combinatória fechada de distribuição única ou distribuição
bastante restrita”(p.149), o que impede que seus elementos sejam trocados por
outros, ou seja, é uma frase que não permite nenhuma mudança de palavras, caso
isso ocorra a expressão deixa automaticamente de ser uma expressão idiomática. Na
sua argumentação, traz um exemplo com a expressão “dar com a cara na porta” que
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na ordem em que seus elementos aparecem pode ser considerada uma expressão
idiomática o que já não ocorre com as frases “dar na porta com a cara”, “dar com o
rosto na porta” ou “dar com a cara na janela”.
No caso da lexia complexa conotativa, a autora explica como a expressão
adquire um significado metafórico e cada palavra que a forma deixa seu valor
denotativo ou literal para exercer, dentro da construção idiomática, outro significado.
Nesse caso, o mesmo exemplo anterior “dar com a cara na porta” significa
metaforicamente não encontrar ninguém onde se foi procurar e não, bater com a cara,
intencionalmente ou não, numa determinada porta.
E para ser considerada lexia complexa cristalizada, essa lexia deve ser
utilizada com frequência pelos falantes, já que é o uso constante de uma lexia que a
consagra culturalmente, mantendo o seu significado e passando-a de geração para
geração dentro de uma comunidade linguística.
Esses são três aspectos importantes na caracterização de uma expressão e
imprescindíveis para que a expressão seja considerada idiomática.
O uso de expressões idiomáticas é mais comum na comunicação oral informal,
mas pode e tem sido usada nos mais diferentes tipos de comunicação falado ou
escrito, elas são encontradas na TV, em jornais, revistas, textos literários ou não.
O motivo pelo qual as pessoas têm utilizado as expressões idiomáticas,
segundo Xatara, é a necessidade de se expressar com originalidade e transmitir ao
ouvinte/ leitor peculiaridades que através da linguagem padrão não seria possível.
Muitas vezes o léxico de uma língua não dispõe em seu acervo de unidades lexicais apropriadas para expressar certas nuanças de sentimentos, emoção, ou sutilezas de pensamento do falante. Por não encontrar no repertório disponível os elementos de que necessita para sua comunicação ou expressão verbal em determinada situação, o falante lança mão de combinatórias inusitadas, ou seja, originais, buscando um efeito de sentido (XATARA, 1995, p.195).
Segundo Caramori (2006), “as expressões idiomáticas são combinatórias de
palavras de sentido pouco ou muito opaco que dificultam, quando não a conhecemos,
e iluminam, quando deslumbramos seu sentido, a comunicação” (p.22).
Nesse sentido, uma expressão idiomática pode dificultar o entendimento da
mensagem quando o leitor /ouvinte não tem conhecimento do seu sentido, mas ela
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também torna o texto expressivo e original na medida em que incrementa o conteúdo
textual com o sentido conotativo que possui.
Quanto ao surgimento das expressões idiomáticas, não há informações exatas
de quando e como essas formações linguísticas começaram a aparecer na
linguagem. Os dicionários de expressões idiomáticas não trazem a origem exata
dessas expressões porque elas não resultam da escrita e como produto da fala essas
formações dificultam um registro escrito do momento exato em que foram criadas.
Sabe-se que as expressões idiomáticas surgem em situações concretas da
linguagem falada, mas não se sabe em que situação específica cada expressão foi
construída, a sua origem real geralmente tem várias versões e isso impede que
encontremos na escrita uma resposta concreta para a criação de cada uma dessas
construções. Embora dificulte a pesquisa sobre o tema, isso não impede que estudos
sejam realizados cada vez mais e melhor, uma vez que sabemos em qual modalidade
da língua elas aparecem.
Segundo Biderman (2005), o Português brasileiro herdou do Português
Europeu algumas dessas expressões e, com o passar do tempo, com as
transformações naturais pelas quais a língua passa, os falantes brasileiros foram
criando novas expressões.
Expressões idiomáticas, também chamadas de expressões populares, são
construções criadas e utilizadas pelo povo, encontradas geralmente na fala popular.
Geralmente transmitem características culturais e ideológicas de um povo e surgem
de acontecimentos do dia a dia das pessoas. Desse modo, são as situações reais da
vida que possibilitam a construção desses recursos linguísticos. Para mostrar os
valores dessas expressões no cotidiano vale ressaltar o que diz Jorge:
As expressões idiomáticas (EIs) descrevem, pelas imagens que sugerem, o mundo real, os lugares, as experiências quotidianas, os sentires...Mantêm intacto o colorido de um povo, constituem uma voz rica em sabedoria que soube imprimir na linguagem a sua identidade. Este tipo de estrutura ilustra uma parte desse saber, desse colorido. Conhecê-las implica conhecer o povo, a cultura que lhes deu vida, estabelecer entre elas e os homens relações, conhecer mais profundamente a língua e as múltiplas formas de expressividade. As expressões integram o melhor sistema de símbolos para representar uma identidade cultural ( 2001, p.216).
E ainda o que diz Urbano com relação ao surgimento dessas construções:
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Há que se imaginar que as expressões e provérbios, de modo geral, são criados ou acontecem no seio do povo em situações concretas, portanto, com significado denotativo, e, logo, ou com o transcorrer do tempo e das situações, esse significado vai se metaforizando... Mais objetivamente pode-se imaginar — mas só imaginar — a trajetória de uma expressão ou provérbio da fase embrionária do seio popular à vida plena da seguinte forma: são formulados em situação concreta quanto ao fato, mas imprecisos quanto às circunstâncias (como os enunciadores e co-enunciadores — gente do povo, porém não particularmente identificada — mais as circunstâncias de tempo, lugar etc.). De fato, aceita-se sua origem popular — que é a regra ( 2008, p.38).
A partir desses conceitos do termo em particular nota-se que uma expressão
idiomática pode ser entendida como uma combinação de palavras de um idioma
qualquer com características próprias desse idioma e dificilmente traduzível, ou ainda,
“que expressão idiomática é uma expressão, cujo significado não é transparente e
cujas palavras componentes não se somam para compor seu sentido” (URBANO,
[ca..2007]).
Na fraseologia popular, além das expressões idiomáticas, existem os
provérbios, os clichês, os ditados populares, que são elementos representantes da
cultura de um povo. Esses recursos linguísticos se expandem passando de geração a
geração, sendo modificados ou não, mas sempre enriquecendo a fala e perpetuando
as ideologias e os costumes de cada grupo social.
Cada grupo social possui as suas peculiaridades da linguagem que funcionam
como uma identidade. O modo particular com que cada grupo usa a linguagem faz
com que algumas das expressões utilizadas no grupo sirvam como uma espécie de
código, entendidos somente pelos seus integrantes.
Com a mundialização das informações e a rapidez com que as pessoas se
comunicam atualmente, as características linguísticas dos grupos sociais chegam
cada vez mais rápido ao conhecimento de outros grupos e são incorporadas por eles
no uso cotidiano da fala. Dentre as expressões utilizadas no cotidiano brasileiro
podem-se citar como exemplo as seguintes expressões:
01- Ver passarinho verde1 - é uma expressão criada a partir do costume antigo
dos casais apaixonados de enviar mensagens amorosas utilizando um
1 “Ver passarinho verde” - COTRIM, Márcio. A origem popular das expressões brasileiras. Revista Língua
Portuguesa. N.48, ano 4 p.64, out.2009.
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pássaro verde chamado periquito. Ao avistar o animal as pessoas
possivelmente ficavam felizes por receber notícias do ser amado. Assim
surge a expressão “ver passarinho verde” que equivale inicialmente dizer
que se estar feliz, mesmo sem motivo aparente ou demonstrar alegria
exagerada.
Exemplo:
Seu Bebé acha D. Daga muito alegre. Ele pensa que a velha maluquinha hoje deve estar de boa paz. Seu Bebé pergunta: - Você viu passarinho verde, D. Daga2?
02- Está com a corda toda3 vem do universo dos brinquedos que se moviam
através de um mecanismo em forma de mola ou de elástico. Assim, quanto
mais se “dar corda” no brinquedo por mais tempo ele se movimenta.
Assim, a expressão significa estar muito animado ou se refere a uma
pessoa muito agitada para fazer algo.
Exemplo:
Ford focus está com a corda toda – e mais um pouco4.
03- Malhar em ferro frio5 trata-se de uma expressão antiga, tem como origem
um ditado francês que diz que é preciso bater no ferro enquanto ele está
quente. Caso deixe esfriar perderá a oportunidade de moldá-lo, pois isso
só pode ser feito em temperatura elevada. Quando alguém diz que está
malhando em ferro frio equivale dizer que estar a fazer algo sem obter
resultado algum, significa perder tempo, deixar passar as oportunidades.
Exemplo:
Discutir com Joaquim é malhar em ferro frio.
2 ALBERGARIA, Lino de. Dia da caça. São Paulo: Edições Loyola, 1995. Disponível em:
%20verde&f=false .Acesso em: 9 set.2011. 3 “Está com a corda toda” - COTRIM, Márcio. A origem popular das expressões brasileiras. Revista Língua
Portuguesa N.40, ano 4, p.59, fev. 2009. 4 SALES, Patrícia. Ford Focus está com a corda toda - e mais um pouco. jul. 2010. Disponível em:
Ehttp://ford.jalopnik.com.br/conteudo/ford-focus-esta-com-corda-toda-e-mais-um-pouco Acesso em: 9 set 2011. 5 “Malhar em ferro frio” - COTRIM, Márcio. A origem popular das expressões brasileiras. Revista Língua
Portuguesa. n. 45, ano 3, p. 64, jul .2009.
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04- Enfiar a carapuça6 trata-se de um costume do período da Inquisição, na
Idade Média em que os réus eram obrigados a se vestirem com trajes
ridículos dentre eles um chapéu longo e pontiagudo, chamado carapuça.
Isso era um sinal de que o indiciado era culpado. Compreende-se então
que essa expressão significa “assumir a culpa“, “reconhecer o erro”.
Exemplo:
Lula enfia a carapuça na cabeça de Serra7.
05- Frouxos de riso8 tem origem antiga. Frouxo vem do latim fluxu, significa
fluir. Ao contrário do que pensamos frouxo não tem a ver com folgado,
fraco, mas significa, nessa expressão, um riso forte, prolongado, explosivo.
Exemplo:
Eu tenho frouxos de riso com o PT de Além Paraíba9.
06- Ter dente de coelho10 lembra o que acontece com esses roedores, seus
dentes grandes não cabem dentro da boca que mesmo fechada continua
mostrando-os. Refere-se a uma situação difícil de ser resolvida em que se
tenha algum segredo.
Exemplo:
Nesses dois textos, há dentes de coelho11.
07- Está com a macaca12 refere-se a alguém que está em estado de irritação e
nervoso, possuído pelo demônio. Para diminuir a carga negativa de alguns
vocábulos como, por exemplo, demônio, utiliza-se as palavras cão no
6 “Enfiar a carapuça” - COTRIM, Márcio. A origem popular das expressões brasileiras. Revista Língua
Portuguesa n.47, ano 4, set.2009. 7WINDOWS 2007: Yahoo Brasil respostas. Disponível em:
http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20100323073511AAAHjL0. Acesso em: 9 set. 2011. 8 “Frouxos de riso” - COTRIM, Márcio. A origem popular das expressões brasileiras. Revista Língua Portuguesa
. N.39, ano 4, p.59, jan 2009. 9 MACHADO, Dauro. Eu tenho frouxos de riso com o PT de Além Paraíba. Minas Gerais, jun. 2011. Disponível
muito usadas pelos falantes, mas que com o passar do tempo caem em desuso e são
trocados por termos mais recentes. O texto poético de Andrade (1970) traz essa
reflexão com a análise feita pelo poeta sobre as palavras e expressões substituídas
por outras.
ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé- de- alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva i ir pregar em outra freguesia [...] (ANDRADE, 1970, p.7)
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Nota-se que algumas palavras e expressões utilizadas por Drummond em seu
texto já não são usadas na atualidade. O termo “completar primavera” também está
entre os esquecidos termos da linguagem brasileira e equivale a “fazer aniversário”.
As expressões fazer pé-de-alferes; arrastar asas; ficar debaixo do balaio; levar tábua;
tirar o cavalo da chuva; ir pregar em outra freguesia, segundo Drummond, eram
utilizadas com frequência, mas com o passar do tempo deixaram de ser usadas ou
foram substituídas por outras expressões. Essas e todas as outras expressões e
vocábulos citados por Drummond, que foram substituídos com o passar do tempo,
constituem marcas do movimento contínuo da língua que não para de mudar.
Nesse sentido, entende-se que a interação diária entre os usuários de uma
língua permite o uso de expressões idiomáticas, construções estas, cheias de
criatividade, permeadas de referências advindas do contexto sócio-histórico-cultural e,
principalmente da construção ideológica dos seus usuários. Essa possibilidade de uso
das expressões coloquiais no decorrer de diferentes épocas comprova o caráter vivo
da língua e mostra toda a flexibilidade de uso.
Como já se sabe as expressões idiomáticas são inerentes à linguagem. Elas
aparecem em qualquer língua humana e particularmente na linguagem falada. Pode-
se dizer que se trata de uma marca identitária da fala. De fato, as expressões
idiomáticas são bastante utilizadas pelos usuários de uma língua e para os falantes
de uma língua materna elas não representam nenhuma dificuldade quanto ao seu
entendimento, a não ser de um grupo para outro, onde os diferentes usos podem, por
vezes, dificultar a significação. Para quem se aventura no aprendizado de uma língua
16
Poema retirado da obra Quadrante, publicada em 1962, obra coletiva, reproduzida em Caminhos de João
Brandão, editora José Olímpio 1970, p. 7.
20
estrangeira elas podem se tornar verdadeiros entraves no início, mas isso pode ser
amenizado através do convívio com os usuários da língua estrangeira, atitude que
deve ser tomada por aqueles que querem dominar outro idioma.
Outro aspecto muito comum e que dificulta a trajetória de quem quer aprender
uma língua estrangeira é a falta de dicionários que abordem de maneira eficiente
essas expressões. Segundo Xatara (1998), a elaboração de dicionários especiais de
expressões idiomáticas também carece de sistematização, pois geralmente essas
expressões são tratadas de um modo excessivamente amplo. No Brasil, podem ser
encontrados muitos dicionários de expressões populares, mas esses materiais são
incompletos porque foram produzidos sem bases teóricas consistentes.
21
2 As expressões idiomáticas e seu uso no cotidiano social
Este capítulo aborda sobre o uso das expressões idiomáticas, de como elas
são incorporadas no dia a dia dos falantes e como são construídas a partir de
metáforas e apresenta exemplos analisados por Lodovici (2007) em que essas
expressões são vistas como manifestações lingüísticas que podem se modificar como
outro processo lingüístico qualquer e que dependem da situação contextual para ser
entendido. E justifica a escolha das revistas informativas como fonte da pesquisa ,
destacando a Revista Veja e nela o gênero artigo de opinião.
Para Tagnin (1989, p.8), em “Expressões idiomáticas e convencionais”, as
expressões idiomáticas têm de ser aprendidas individualmente.
Segundo a autora, para que um falante se comunique bem em outra língua, ou
seja, uma segunda língua, é necessário conhecer o jeito próprio que a comunidade
utiliza para se comunicar, denominado por ela de “o jeito que a gente diz”. Isso porque
existem inúmeras expressões que só um falante experiente sabe utilizar. Essa
experiência não se consegue apenas estudando uma língua com suas regras
gramaticais. É preciso ter a habilidade que só um falante materno tem ao lidar com a
linguagem.
Para a autora, um falante que não tem intimidade com a língua que se propõe
a aprender é chamado de ‘falante ingênuo’ porque não conhece as frases idiomáticas
da língua; não conhece combinações léxicas que não estejam necessariamente
baseadas em relações de significado; não tem a capacidade de julgar a adequação
de expressões fixas a certos tipos de situações; não conhece as imagens metafóricas
de uma língua; não entenderá atos de comunicação indireta, nem será capaz de ler
entre linhas e desconhece as convenções das estruturas de diversos textos.
As expressões idiomáticas têm sua origem na linguagem falada e passam a ser
usadas no cotidiano social, sendo repetidas pelos falantes até se consagrarem pelo
uso. Ao serem aceitas pela comunidade de fala elas se tornam convencionais, ou
seja, torna-se um costume social. Após o uso contínuo na fala, aparecem também na
escrita e atualmente são encontradas em diversos textos. Podem ser metafóricas
quando o falante/ouvinte ou leitor conhece a imagem aludida.
Por expressão metafórica entende-se aquelas que a imagem que lhe deu
origem ainda é do conhecimento dos usuários, as que tiveram essa imagem
esquecida tem o significado convencionalizado pela comunidade lingüística e são
22
chamadas de expressões totalmente idiomáticas, porque o seu sentido não pode ser
retirado do significado de cada um de seus elementos, mas da expressão como um
todo.
Vemos então que, quando a expressão deixa transparecer a relação entre o seu significado e a imagem aludida, temos as expressões metafóricas. Quando, entretanto, não se pode mais recuperar essa relação, teremos as expressões idiomáticas propriamente ditas, de sentido totalmente arbitrário. (TAGNIN, 1989, p.49).
As expressões idiomáticas podem ter sua origem metafórica e com o passar do tempo se tornar expressão de sentido arbitrário. De acordo com Lessa e Guimarães (1988, p.9):
Metáfora é a figura de palavra em que um termo substitui outro em vista de uma relação de semelhança entre os elementos que esses termos designam. Essa semelhança é resultado da imaginação, da subjetividade de quem cria a metáfora. A metáfora também pode ser entendida como uma comparação abreviada, em que o conectivo comparativo não está expresso, mas subtendido.
Para Lodovic (2007, p.168), “o idiomatismo é mesmo um fato de língua: resulta
de um jogo combinatório no qual se configura seu efeito de unidade, e delimita-se no
fluxo da fala ‘em ato’”.
Segundo a autora o sentido da expressão depende do texto e do contexto no
qual está inserida, sendo imprevisível antes do uso. Pode ser estável, mas não fixo.
Uma expressão pode ter duplo sentido e sofrer processo de
composição/recomposição. Nessa análise a autora compara os idiomatismos às
outras manifestações lingüísticas e conclui que elas se comportam da mesma
maneira, ou seja, tanto uma expressão idiomática quanto uma não idiomática se
modifica constantemente, o que torna o conceito de idiomatismo correspondente à
forma fixa e sentido único, defendido em alguns trabalhos, algo a ser discutido.
Na tentativa de explicar melhor o seu ponto de vista alguns exemplos são
explorados em seu texto. Em um deles, a expressão bater as botas teria duplo
sentido, a depender do texto poderia significar morrer. Na frase: ‘o coitado (do colono)
bateu as botas, tão novo!’ bater as botas significa morrer. Nesse caso, assumindo um
sentido idiomático ou bater as botas no sentido de dar pancadas nos calçados para
retirar o barro, por exemplo, em: O coitado (do colono) bateu as botas carregadas de
barro. Nesse caso assume o sentido não-idiomático. O sentido idiomático depende do
processo de metaforização que possibilita que outro sentido seja atribuído a uma
mesma expressão.
23
Sendo assim, segurar vela a depender do texto em que for utilizado pode ter o
sentido de agarrar ou apanhar uma vela ou ainda atrapalhar um casal de namorados,
como nessa frase. Ex: “Não tem nada pior do que você, além de ajeitar um menino
para sua amiga, ainda ter que ficar segurando vela17”. Nota-se que a expressão é a
mesma, o que muda é o sentido. Segurar vela com significado transparente não pode
ser idiomática, já a mesma construção com significado não-transparente é um
idiomatismo. Ou seja, a expressão diz uma coisa para dizer outra coisa.
De acordo com Xatara (1995) as expressões idiomáticas sempre ficaram à
margem dos estudos lingüísticos, atualmente vem sendo estudadas, mas ainda não
possui estudos e teorias que abarquem toda sua complexidade. Isso tem dificultado a
inclusão dessas expressões em dicionários de língua, especificamente nos
dicionários de língua portuguesa essas expressões não são facilmente encontradas e
quando encontradas estão dentre outras expressões que possui um verbo ou um
nome em comum, ou seja, não possuem entrada principal como os outros verbetes
dificultando assim a consulta.
Segundo a autora, nas gramáticas tradicionais estão entre as anomalias da
língua e não têm espaço porque se referem à linguagem informal. São usadas por
alguns autores da literatura com algumas ressalvas, entre aspas ou com explicação
posterior.
No ensino-aprendizagem, as expressões idiomáticas, embora sejam importante
recurso de comunicação, que reflete a cultura de um povo e o modo próprio como
utilizam a língua, ainda não são usadas como deveriam no processo de
aprendizagem de língua materna e muito pouco na aquisição de uma segunda língua.
É necessário aprender essas expressões para saber usá-las dentro de um
determinado contexto, pois tanto a aquisição quanto o uso dependem do todo.
Enfim, o uso das expressões idiomáticas depende da experiência do falante,
da intimidade que este tem com a língua, está ligado à fala, mas tem sido encontrado
na escrita. Essas expressões ainda precisam ser estudadas de forma mais
abrangente de modo que garanta sua abordagem em dicionários da língua e um
espaço maior no ensino- aprendizagem e nas gramáticas.
17
WINDOWS 2007. Segurar vela? Jamais. Tudo sobre namoro. mar. 2011. Disponível em:
2.1 Expressões idiomáticas em revistas informativas
A princípio o presente trabalho teria as revistas Veja, Isto é e Época como fonte
para a busca das expressões idiomáticas, mas devido ao número elevado desses
periódicos optou-se por apenas um deles: a revista Veja. A escolha de revistas
informativas se deu a partir do momento em que se percebeu que nelas seria possível
encontrar autores que se arriscavam no uso de certas expressões não formais para
enriquecer sua escrita. Isso se comprovou nas leituras feitas principalmente nos
textos do gênero artigo de opinião. Nas poucas revistas Isto é e Época encontradas,
notou-se que os idiomatismos eram muito escassos talvez pelo fato de essas revistas
ainda se aterem à escrita formal. Notou-se também que quanto mais formal é a
escrita e quanto mais restrito è o público alvo da publicação menos idiomatismos são
encontrados. Quanto mais científica for a revista menor a chance de encontrar marcas
da oralidade em seus textos.
A escolha de um gênero textual específico também se torna necessário uma
vez que pesquisar em diversos gêneros tornaria o trabalho um tanto exaustivo. Os
gêneros do discurso, segundo Bakhtin (2010, p. 286), equivalem a “formas
relativamente estáveis e normativas de enunciados”, criados a partir da necessidade
de cada campo de utilização da língua. São muitos os gêneros porque são muitas e
diferentes as necessidades de comunicação, já que a atividade humana é vasta e
complexa. Assim como as atividades humanas evoluem e se modificam
constantemente, assim também os gêneros mudam para atender as necessidades
imediatas daqueles que os utiliza.
Os gêneros do discurso, ainda segundo Bakhtin (2010) podem se dividir em
gêneros primários e gêneros secundários, os primeiros, para o autor, são simples e
formados em situação comunicativa imediata; os segundos, complexos, formados em
situação discursiva complexa a partir de um convívio cultural e aparece
predominantemente no texto escrito. Os secundários incorporam os primários e
assumem uma característica mais complexa, ou seja, abandonam o caráter simples.
Os diversos gêneros servem para organizar nossos enunciados e tornar possível a
comunicação eficaz entre os usuários da língua. Segundo o autor, como usuários de
uma determinada língua, somos dependentes dos gêneros do discurso:
25
Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo. Dispomos de um rico repertório de gêneros de discurso orais (e escritos). Em termos práticos, nós os empregamos de forma segura e habilidosa, mas em termos teóricos podemos desconhecer inteiramente a sua existência. (BAKHTIN, 2010, p.282).
Nota-se que a comunicação seja ela oral ou escrita se dá mediante
determinada ordem e essa ordem, na prática, todos os usuários da língua são
capazes de utilizar. Desde a organização de uma simples frase até a produção de um
texto é feita obedecendo a regras, regras essas que torna possível o entendimento
entra falantes/ouvintes, escritores/leitores, evitando assim a desordem que seria se
cada um tivesse que inventar o próprio jeito de falar ou escrever.
Para Marcuschi (2007) “os gêneros textuais são fenômenos históricos,
profundamente vinculados à vida cultural e social. [...] contribuem para ordenar e
estabilizar as atividades comunicativas do dia a dia”. No entanto, não são formatos
fixos, ao contrário, possuem elasticidade, podem e devem ser modificados de acordo
com a necessidade do falante/escritor. Segundo o autor os gêneros são criados a
partir de outros preexistentes e são adaptados ao contexto de uso. No momento em
que vivemos, com as revoluções tecnológicas, principalmente no que se referem à
comunicação, os gêneros são a todo o momento modificados. Mediante o contexto
atual de rapidez e mundialização de informações, uma carta, por exemplo, dá origem
a um e-mail, que se adéqua melhor ao meio de comunicação internet.
O autor revela que há uma diferença entre texto e discurso, o texto equivale à
parte material e o discurso aquilo que é produzido através do texto em determinadas
situações institucionais, históricas, sociais e ideológicas.
Em gêneros como propaganda, entrevista, entre outros seria provável
encontrar os recursos idiomáticos já que nesses textos a liberdade de expressão do
autor é maior do que em outros. Sendo as expressões idiomáticas recursos utilizados
sobretudo na linguagem oral, constituindo uma marca da oralidade, é de se esperar
que nos textos escritos elas apareçam em construções textuais menos formais e
sejam usadas por autores que ousam inovar na sua escrita dando um caráter original
ao seu texto. Embora as expressões idiomáticas estejam ao alcance da maioria dos
falantes/ escritores, somente alguns as utilizam. Mesmo em gêneros textuais que
permitam o uso dessas expressões, observa-se que alguns autores que escrevem
26
textos de gêneros semelhantes, uns utilizam os idiomatismos com mais freqüência
que outros assinalando assim para uma tendência de estilo de cada um.
Mas, a proposta aqui é colocar em evidência apenas o artigo de opinião,
definido por Costa (2009), como:
Num jornal, numa revista ou num periódico, ou na TV e no webjornalismo, trata-se de um texto de opinião, chamado artigo de opinião, dissertativo ou expositivo que forma um corpo distinto na publicação trazendo a interpretação do autor sobre um fato noticiado ou tema variado (político, cultural, científico, etc.). Ao contrário do editorial, que nunca vem assinado e traz sempre a opinião do jornal, da revista, etc. em que circula, o artigo geralmente vem assinado pelo articulista e não reflete necessariamente a opinião do órgão que publica. A estrutura composicional desse tipo de texto varia bastante (não necessariamente terá uma estrutura canônica tradicionalmente ensinada na escola: Tese inicial na introdução; argumentação/refutação no desenvolvimento e conclusão), mas sempre desenvolve, explicita ou implicitamente uma opinião sobre o assunto com um fecho conclusivo, a partir da exposição das ideias ou da argumentação/refutação construídas. Em suma, a partir de uma questão polêmica e num tom estilo de convencimento, o articulista (jornalista ou pessoa entendida no tema) tem como objetivo apresentar seu ponto de vista sobre o assunto, usando o poder da argumentação, defendendo, exemplificando, justificando ou desqualificando posições (p.36).
Nesse sentido, entende-se que um artigo de opinião dá margem para que o
autor utilize um estilo próprio de escrita porque se trata de um texto dissertativo ou
expositivo em que há uma interpretação pessoal sobre determinado tema. Em textos
desse tipo as expressões idiomáticas podem ser facilmente incorporadas na escrita,
demonstrando domínio da língua utilizada.
Enfim, esse capítulo aborda a relação que há entre as expressões idiomáticas
e o dia a dia dos falantes e através de alguns exemplos tenta justificar a dependência
do contexto para a construção do sentido de cada expressão, além de expor o modo
como os idiomatismos tem sido tratados atualmente. A partir dessas considerações
pode-se passar para o capítulo 3 em que se faz o levantamento e análise do Corpus
da pesquisa.
27
3. LEVANTAMENTO DAS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS NA REVISTA
INFORMATIVA “VEJA” (2009/2010).
Para dar início à pesquisa, a seleção do corpus foi feita a partir da busca de
revistas Veja na biblioteca da Escola Normal de Serrinha, através de empréstimo de
assinantes. Das revistas encontradas separaram-se cinco publicações do ano 2009 e
cinco do ano 2010. Nessas revistas, buscaram-se, nos artigos de opinião, as
possíveis expressões idiomáticas. Na busca, foram encontradas sete expressões que
serão analisadas mais adiante.
A escolha da revista Veja justifica-se por ser uma revista informativa semanal,
acessível à maior parcela da população e por ser mais facilmente encontrada em
bibliotecas públicas. A escolha do artigo de opinião se deu pelo fato de ser um texto
no qual o autor tem maior liberdade de escolha quanto à formalidade do texto,
podendo optar em ser mais ou menos formal. Outro aspecto que favoreceu essa
escolha foi o uso de expressões idiomáticas que nesse gênero tende a ser mais
comum do que em textos científicos, por exemplo.
Nas leituras feitas com o propósito de selecionar o corpus da pesquisa, notou-
se que quanto mais formal é o veículo informativo e mais científico é o texto menor
são as chances de encontrar expressões idiomáticas. Quanto mais conservador é o
autor menor é a possibilidade de ele utilizar expressões originárias da linguagem
falada em seus textos.
Enfim, as expressões idiomáticas são usadas, seja numa conversa
descontraída, onde provavelmente boa parte delas surgem ou se tornam costumeiras
,seja num texto escrito demonstrando que a linguagem é viva e admite formas
criativas, a depender do contexto de uso.
Na edição 2137 de 4 de novembro de 2009 foram encontradas três
expressões: Engolir sapo, dar de ombros e dar bola.
1. Engolir sapo18 - aturar situações desagradáveis ou comportamentos alheios incômodos ou mesmo ofensivos, por conveniência ou impossibilidade de reagir à altura19.
18
Revista Veja. n. 44,ano 42, p.24, 4 nov. 2009Edição 2137. Revista Veja. n. 28, ano 42, p. 22, 15 jul 2009 Edição 2121. 19
, XIMENES Sérgio. Minidicionário da língua portuguesa. 2. ed. reform. São Paulo: Ediouro, 2000.
28
Ex 1: “Pois, na vida pública, não malbaratar o dinheiro, não fazer jogos de poder
ilícitos, não participar das tramas, ficar fora da dança dos rabos presos em que todos se protegem, virou quase uma excentricidade. Quem sabe o jeito é engolir sapos inaceitáveis: fim para o idealismo treinem-se um olho clínico e cínico, enchendo bolsos e esvaziando pudores na permissividade geral que questiona o velho conceito de certo-errado.”
No trecho citado a autora utiliza a expressão engolir sapos se referindo ao
comportamento dos homens públicos eleitos pelo povo e que no Brasil têm se tornado
cada vez mais alvo de denúncias pela prática de corrupção. Nesse caso, a expressão
pode ser entendida com o sentido de aturar um comportamento alheio incômodo, uma
vez que segundo a autora os brasileiros “estão se tornando mais abertamente
corruptos ou condescendentes” com a corrupção. E que embora as pessoas
reclamem da condição moral dos políticos e cidadãos, ainda não se tem uma solução
para isso.
Ex 2: “Cansei de receber textos apócrifos, que seriam de Drummond, Pessoa,
Veríssimo, Clarice e, agora, meu. Basta um rápido olhar e, se estamos familiarizados com os autores, sabemos: isso não é dele, dela. Porém, muitas vezes não há como saber. Engolimos sapos desse tipo, como recebemos mensagens com vírus, mensagens que são spam, mensagens que são bobajadas. Um bom antivírus ou anti-spam sempre ajuda”
No texto, a autora fala sobre a publicação de textos que não são seus, mas
estão assinados como se fossem, na internet. Sem poder se defender nessa situação,
ela utiliza a expressão “engolir sapo” com o sentido de aturar a situação por não
poder reagir.
Para Xatara (1995) algumas expressões possuem sentido autônomo, ou seja,
não dependem do contexto para que seu sentido seja compreendido como: ser dono
do próprio nariz, ser Maria-vai-com-as-outras, não ter letreiro na testa, outras
necessitam, como: ter costas largas, colocar tudo em pratos limpos, embarcar em
canoa furada. A depender do contexto, a expressão engolir sapo pode ser idiomática
ou não, seu sentido pode vir da somatória dos elementos que a compõe engolir =
deglutir + sapo = anfíbio: A serpente engoliu sapo, rã e outros anfíbios ou ser um
idiomatismo, significando aturar situação desagradável por não poder reagir.
Nota-se que engolir sapo não possui sentido autônomo, pois precisa do contexto para
definir seu sentido. No sentido idiomático trata-se de uma expressão muito utilizada
29
no português brasileiro o que prova a sua cristalização pela cultura brasileira. É
convencional entender engolir sapo como aturar situações desagradáveis.
Outro aspecto é a combinação dos elementos que formam a expressão.
Verifica-se que ao trocar qualquer elemento a expressão perde sua idiomaticidade;
Engolir rã ou deglutir sapo.
Para Lodovici (2007), ao contrário do que diz alguns autores, as expressões
idiomáticas podem se estabilizar no uso, mas essa estabilização não significa fixidez.
A autora defende que a linguagem se modifica sempre, o que torna impossível fixar
algum significado por longo tempo, uma vez que as transformações são marcas em
qualquer língua. Para a autora forma fixa e sentido único em linguagem é algo quase
impossível já que cada contexto possui características próprias que influencia em
como se diz algo.
Ao utilizar o idiomatismo botar a boca no trombone, a autora explica que parte
da expressão permanece fixa, enquanto os outros elementos podem se modificar. Ex:
Botar/ pôr/ Meter/ Enfiar/ Estar com a boca no mundo/ no trombone e que embora tais
expressões sejam consideradas cristalizadas “cada forma idiomática ganha seu
sentido específico no momento de sua emergência, tal qual qualquer unidade
lingüística” (p.183).
A referida autora discorda da idéia de que os idiomatismos possuem um
sentido fixo e uma fixidez sintática.
Segundo Xatara (1995, p. 200) é necessário considerar o contexto ao ensinar
expressões idiomáticas “pois a contextualização é o melhor meio de ensinar a utilizá-
las no discurso”.
A autora afirma ainda que as expressões idiomáticas ”apresentam grande
fixidez por definição, própria às unidades lexicalizadas”, (p.197).
Essa posição é a mesma defendida por Biderman (2005, p.756) quando diz que “esse
tipo de sequência apresenta grande fixidez”. Nota-se que Xatara (1995) e Biderman
(2005) utilizam a expressão “grande fixidez” que a meu ver não é sinônimo de total
fixidez, ou seja, há o reconhecimento de que as expressões idiomáticas possuem
uma fixidez parcial de sentido e construção, que por vezes pode ser afetada por
diversas modificações.
30
2. Dar de ombros20 - Demonstrar não estar preocupado com um acontecimento e/ou não dar credibilidade a alguém ou alguma coisa21 Ex 3: “Mas como encontrar o criminoso? Que leis lhe aplicar? O jeito é dar de
ombros. Nem sempre dá pra dar de ombros. Às vezes machuca. Ofende. Prejudica quem é inocente, alegra quem é perverso. No espaço cibernético podemos caluniar e destruir ou elogiar e endeusar quem quer que seja, sem revelar nossa identidade.”
Nesse trecho, a expressão dar de ombros é usada para demonstrar
despreocupação com as publicações de textos falsificados na internet já que não se
tem o que fazer diante da situação pois é necessário atualizar as leis e as punições
para esse tipo de fraude.
Ao contrário de engolir sapo, dar de ombros possui sentido autônomo, pois é
uma expressão cuja distribuição denota seu sentido idiomático, ou seja, não é
necessário recorrer ao contexto para entendê-la. A repetição da expressão pelos
falantes fez dela cristalizada.
3- Dar bola22 - dar confiança, em geral para iniciar namoro23 Dar confiança, dar atenção24 Ex 4: “Possivelmente outros textos falsamente meus já apareceram e nem me dei
conta. O melhor nesses casos é não ligar, não dar bola, achar graça.”
Nesse caso, a expressão dar bola com o sentido de dar atenção está sendo
utilizada com o sentido negativo expresso pelo não e a partir do contexto pode-se
perceber que não se trata de uma situação amorosa em que a expressão poderia ser
utilizada numa paquera. No texto citado a expressão refere-se a não dar confiança,
atenção, a situação constrangedora de ter um texto falsificado circulando na internet
como se fosse verdadeiro.
Segundo Biderman (2005), em “Unidades complexas do léxico”, “geralmente no
interior do campo semântico de cada palavra gravita seu oposto no léxico mental dos
2020
Revista Veja. n. 44, ano 42, p. 24, 4 nov. 2009 Edição 2137. 21
http://www.dicionarioinformal.com.br/dar%20de%20ombros/ acesso em 16 jun 2012. 22
Revista Veja. n. 44, ano 42, p. 24, 4 nov. 2009 Edição 2137. 23
XIMENES Sérgio. Minidicionário da língua portuguesa. 2. ed. reform. São Paulo: Ediouro,2000. 24
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=bola adesso em 16 jun 2012.
31
indivíduos”, mas isso não se aplica, com algumas exceções, nas expressões
idiomáticas, ou seja, a expressão dar bola já está na memória dos usuários do
português, pode-se dizer que é uma expressão idiomática pertencente ao conjunto de
expressões cristalizadas do português, mas o seu oposto, não dar bola, é utilizado, as
pessoas entendem o que significa, mas não está na memória dos usuários. Nesse
caso, a partícula de negação foi utilizada na expressão dar bola para expressar o
contrário de dar atenção (não dar atenção). Essa é uma das poucas modificações que
uma expressão idiomática pode admitir.
Segundo Xatara (1995), as expressões idiomáticas possuem distribuição única
ou bastante restrita. Nas expressões idiomáticas, ao fazer qualquer modificação na
distribuição dos elementos, perde-se o efeito idiomático. Assim, fazer castelo na areia
não pode ser substituído por fazer mansões na areia ou fazer castelos na praia.
Assim também a expressão dar bola não admite a troca do verbo dar por doar (doar
bola) uma vez que a expressão que está na memória dos falantes é dar bola e não
doar bola.
Segundo Biderman (2005), ao analisar sintagmas cristalizados verificou que “a
ausência do artigo pode indicar que se trata de uma abstração e que a palavra
assume, nesse caso, um valor metafórico ou geral”. Isso também pode ocorrer com
expressões idiomáticas. A presença do artigo em dar a bola desfaz o valor metafórico
ou geral, na ausência do artigo a expressão volta ao seu sentido metafórico ou geral.
Assim como em engolir [o] sapo a presença do artigo desfaz o sentido metafórico ou
geral da expressão.
Outro aspecto que deve ser observado é o contexto em que a expressão se
encontra. Observa-se que a depender do contexto dar bola pode significar doar, por
exemplo, um artefato esférico de couro, borracha ou plástico, etc. usado como
brinquedo ou na prática de vários esportes. Então, pode-se dizer que dar bola não
possui sentido autônomo, pois seu sentido depende do contexto.
Assim como engolir sapo, a expressão dar bola é muito conhecida no
português brasileiro e seu sentido já consagrado pelo uso permite a sua permanência
entre os falantes.
Na edição 2130 de 15 de julho de 2009 foi encontrada uma expressão: Sair de
pau.
32
4- Sair de pau25
Ex 5: “Mesmo quando está comemorando alguma coisa boa, real ou imaginária, Lula
sempre dá um jeito de sair de pau para cima de alguém; dá a impressão de que só fica satisfeito, mesmo, quando agride, critica, ou faz pouco de quem coloca na sua lista de adversários”.
No texto o autor fala do comportamento do ex-presidente Lula que discorda
sempre das opiniões de outros políticos e segundo o autor se acha superior aos
outros atribuindo a si e ao seu governo todas as coisas boas que acontecem no país.
A expressão sair de pau é utilizado com o sentido de agredir, criticar, como o próprio
trecho em destaque deixa claro.
Nota-se que a dificuldade em encontrar o significado da expressão sair de pau
não é mera coincidência, pelo contrário, dificilmente são encontradas nos dicionários
da língua portuguesa, mesmo nos mais completos. Isso se deve à falta de teorias que
delimitem essas expressões e ao não reconhecimento dessas unidades como
pertencentes ao léxico da língua.
Trata-se de uma expressão pouco conhecida, mas ao analisá-la pode-se
perceber que seu significado idiomático não depende da junção do significado dos
elementos que a compõe. Sair de pau segundo o contexto é agredir, criticar e não sair
para fora /partir de cacete ou pedaço de madeira.
Independente do contexto, sair de pau possui sentido autônomo, ou seja, não
há outro significado para essa expressão na língua portuguesa a não ser o significado
idiomático. É uma expressão que se parece com outras como: ser dono do próprio
nariz, ser Maria-vai-com-as-outras,
Na publicação de 2 de setembro de 2009 foram encontradas duas expressões:
pé-rapado e papo cabeça.
5- Pé-rapado26 - pobretão27, indivíduo de baixa condição28
Ex 6: “Segundo ele, na sua origem, ‘o malandro é o nobre pé-rapado, o sujeito que viu
os aristocratas lendo e escrevendo, não teve educação para entender o eventual valor da escola e vive de expediente’.
25
26 Revista Veja. n 35, ano 42, p. 26, 2 set 2009.
27 XIMENES Sérgio. Minidicionário da língua portuguesa. 2. ed. reform. São Paulo: Ediouro,2000.
No texto a expressão pé-rapado está sendo utilizada para indicar que o
malandro não é apenas um nobre pobre é mais do que isso, é um nobre pobretão.
Segundo Xatara (1995), “de um modo geral, as expressões idiomáticas são
muito frequentes (besta quadrada; ter costas largas; com o pé nas costas, etc.) visto
que fazemos constante uso delas em nosso dia a dia”. É o caso de pé-rapado, sem
perceber os falantes utilizam em textos orais ou escritos. Nota-se que se trata de uma
combinação de apenas dois elementos que se cristalizou na cultura brasileira com o
sentido de pobretão. Percebe-se que a junção do significado das partes (pé = membro
inferior do corpo humano + rapado = raspado; ralado, não é suficiente para definir seu
sentido idiomático, mas a cultura brasileira convencionou o significado idiomático
pobretão.
6- Papo cabeça29 = conversa intelectualizada30
Ex 7: “Os bons são muito poucos? Acho que não. Estão por todos os lados. Mas não
chamam atenção, por serem menos pitorescos e divertidos. Aliás, dom Pedro II gostava
mesmo era de um papo cabeça.” Nota-se que o significado literal de cada elemento formador da expressão ao
ser somado traduz algo diferente do sentido idiomático. Para um falante do português
brasileiro é fácil entender papo cabeça como conversa intelectualizada, mas difícil
para um aprendiz da língua, que não conhece os usos culturalmente consagrados.
Trata-se de uma expressão de sentido autônomo, pois não precisa do contexto para
ser entendida. Diferente do que ocorre com a expressão engolir sapo, que necessita
do contexto para ser entendida como um idiomatismo, papo cabeça independe do
contexto.
Para serem entendidas algumas expressões não dependem do contexto, mas
para serem usadas, todas precisam ser inseridas numa determinada situação.
Segundo Xatara (1995, p. 200) é necessário considerar o contexto ao ensinar
expressões idiomáticas “pois a contextualização é o melhor meio de ensinar a utilizá-
las no discurso”.
2929
Revista Veja, n 35, ano 42, p.26, 2 set 2009. 30
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=papo acesso em 16 jun 2012.
34
Na edição 2164 de 12 de maio de 2010 foi encontrada uma expressão: Nervos
à flor da pele.
7- Nervos à flor da pele - estado de grande nervosismo31
Ex 8: “Que, quando se lembrarem de sua infância, não recordem os dias difíceis
(vocês nem sabiam), o trabalho cansativo, a saúde não tão boa, o casamento numa pequena ou grande crise, os nervos à flor da pele – aqueles dias em que, até hoje arrependida, dei um tapa que ainda agora dói em mim, ou disse uma palavra injusta.”
Nota-se que a junção dos significados das partes da expressão não é suficiente
para o entendimento.
Para Xatara (1995) algumas expressões possuem sentido autônomo, ou seja,
não dependem do contexto para que seu sentido seja compreendido. Nervo à flor da
pele não necessita do contexto para ser entendida, mas como toda expressão deve
ser inserida numa situação determinada para ser ensinada ou utilizada.
Segundo Xatara (1995) as expressões idiomáticas possuem distribuição única
ou bastante restrita. Em Nervos à flor da pele, ao fazer qualquer modificação na
distribuição dos elementos, perde-se o efeito idiomático. Assim, segundo a autora, ao
substituir pele por epiderme ou qualquer elemento formador da expressão por
sinônimos perde-se o sentido idiomático.
3131
http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=nervo acesso em 16 jun 2012.
35
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve início a partir do interesse pessoal pela linguagem falada e
na busca por entender como as expressões típicas da oralidade estão sendo cada
vez mais incorporadas na modalidade escrita e em diversos textos que circulam no
cotidiano brasileiro.
Para isso foram selecionadas edições da revistas Veja de 2009 e 2010 e feita a
leitura dos artigos de opinião nelas publicados. A partir da leitura foram destacadas
todas as expressões típicas da fala utilizadas pelos autores nesses textos. Feita a
seleção, foi feita a busca por autores que trabalham com a temática e considerou-se
os estudos desses teóricos na análise dos dados.
A partir da análise dos dados com base nas teorias encontradas constatou-se
que quanto mais formal é o texto, menor é a chance de encontrar expressões
idiomáticas.
No que se refere ao gênero artigo de opinião verificou-se que este viabiliza o
uso dessas expressões, uma vez que se trata de um gênero que traz a opinião do
autor sobre algum fato e não necessariamente precisa ser assinado nem necessita de
aval do órgão que a publica.
Notou-se que alguns autores utilizam mais do que outros, expressões típicas
da linguagem falada, a exemplo da autora Lya Luft, articulista da Veja.
Concernente ao significado dessas expressões presentes nos dicionários do
português brasileiro notou-se também a carência de informações precisas nos
dicionários sobre essas expressões e também de teorias que delimitem o que deva
ser considerado expressão idiomática e a diferencie de outras expressões com
características semelhantes.
Constatou-se que o usuário da língua deve conhecer as peculiaridades da
cultura na qual está inserido para saber utilizar e entender as expressões idiomáticas.
Estas têm origem na fala e o seu significado é convencionalizado passando a ser
repedido por vários falantes até se consagrar como idiomatismo.
Notou-se que algumas expressões dependem do contexto para serem
entendidas, uma vez que possuem um sentido literal e um sentido idiomático a
exemplo de engolir sapo. E que outras não precisam estar ligadas ao contexto para
serem decifradas como é o caso de dar de ombros.
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A mudança ou troca dos elementos que compõe uma expressão pode
comprometer seu significado idiomático. Isso não quer dizer que elas não admitam
nenhuma mudança, apenas sinaliza para uma possibilidade menor de trocas
comparado ao processo de transformação por que passa as manifestações
lingüísticas não idiomáticas.
O significado idiomático não depende da junção do significado dos elementos
formadores da expressão, mas da imagem metafórica que sugerem ao falante.
Por fim, a originalidade dessas expressões, seja na fala ou na escrita, constitui
um diferencial que deve ser considerado nos estudos da linguagem, possibilitando o
reconhecimento das marcas culturais presentes nelas e a valorização da linguagem
falada como um contínuo da escrita e não como forma menos apreciada nas escolas,
nas gramáticas e no ensino-aprendizagem como um todo.
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