PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação em Administração Mestrado Acadêmico em Administração SUSTENTABILIDADE É ATRIBUTO DE QUEM? CRÍTICAS ÀS PRÁTICAS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL A PARTIR DE UM ESTUDO EM TERRITÓRIO MINERADOR RAQUEL OLIVEIRA WILDHAGEN Belo Horizonte 2015
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SUSTENTABILIDADE É ATRIBUTO DE QUEM? CRÍTICAS ÀS … · SUSTENTABILIDADE É ATRIBUTO DE QUEM? ... de argumentação, recorreu-se aos estudos críticos sobre RSE, especialmente
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-graduação em Administração
Mestrado Acadêmico em Administração
SUSTENTABILIDADE É ATRIBUTO DE QUEM?
CRÍTICAS ÀS PRÁTICAS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL A
PARTIR DE UM ESTUDO EM TERRITÓRIO MINERADOR
RAQUEL OLIVEIRA WILDHAGEN
Belo Horizonte
2015
Raquel Oliveira Wildhagen
SUSTENTABILIDADE É ATRIBUTO DE QUEM?
CRÍTICAS ÀS PRÁTICAS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL A
PARTIR DE UM ESTUDO EM TERRITÓRIO MINERADOR
Dissertação apresentada ao Programa da Pós-
Graduação em Administração da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito para obtenção do título de Mestre em
Administração.
Orientador: Prof. Dr. Armindo dos Santos de
Sousa Teodósio
Belo Horizonte
2015
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Wildhagen, Raquel Oliveira
W671s Sustentabilidade é atributo de quem? críticas às práticas de
responsabilidade social empresarial a partir de um estudo em território
A Lei nº 6.938/81 "aceita o princípio do poluidor-pagador como a forma de se identificar
culpa e estabelece a obrigação de que quem causa prejuízo ambiental é responsável por repará-
lo." (Cavalcanti, 2004, p. 4). Além disso, criou instrumentos para a PNMA, como a Avaliação de
Impactos Ambientais (AIA) e o processo de Licenciamento Ambiental, uma exigência para
empreendimentos considerados efetivos ou potencialmente poluidores ou causadores de impactos
ambientais de nível elevado (Cavalcanti, 2004; Rezende, 2007). O Licenciamento Ambiental está
baseado no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). O
AIA, por sua vez, seria um “conjunto de procedimentos adotados para permitir uma cognição
acerca do uso adequado do meio ambiente” (Rezende, 2007, p. 34). Dessa forma, procedimentos
como o Licenciamento Ambiental constituiriam formas para se chegar ao AIA.
Em 1988, a Constituição Brasileira “consagrou a proteção do meio ambiente em capítulo
específico [...], elegendo o desenvolvimento sustentável como um projeto nacional” (Hartmann,
2009, p. 35). Para Hartmann (2009), apesar da pressão pelo desenvolvimento fazer com que
muitos empreendimentos consigam encontrar lacunas na lei, foi a partir da introdução do assunto
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pela Constituição de 1988 que se pode equiparar o respeito ao meio ambiente aos direitos sociais
fundamentais. Da mesma forma, a obrigação de estudos prévios de impacto ambiental,
devidamente publicados, ganhou espaço em artigo constitucional, atrelando-se diretamente aos
impactos sociais gerados pelos empreendimentos (Hartmann, 2009).
As transformações político-institucionais e a ampliação de canais de representatividade dos
setores da sociedade civil organizados, principalmente, após a Constituição de 1988, aumentando
sua atuação junto aos órgãos públicos, mostram a potencialidade de construção de sujeitos sociais
identificados por objetivos comuns na transformação da gestão pública, associado à construção
de uma nova institucionalidade (Jacobi, 1999). Nesse sentido, a configuração desse novo
paradigma se concretizaria de forma efetiva através da ampliação e democratização das relações
de poder, práticas participativas de discussão das políticas públicas e compartilhamento das
informações e estímulo ao debate público sobre o significado social das ações desenvolvidas,
tendo em vista o caráter difuso e coletivo das questões socioambientais (Jacobi, 1999; Rodrigues,
Malheiros, Fernandes, Darós, 2012). No Brasil, os conselhos são as aberturas políticas
institucionalizadas para que haja a participação da sociedade nos processos de decisão por meio
de representação (Rodrigues, Malheiros, Fernandes, Darós, 2012)
Apesar disso, questões relacionadas aos processos políticos-estruturais e políticos-
procedimentais ainda apresentariam problemas significativos, especialmente, no que concerne o
Licenciamento Ambiental, conforme apontado por Zhouri (2008). O primeiro, de ordem político-
estrutural, se encontraria nos Conselhos de Política Ambiental (COPAM), que deveriam ser
espaços de consenso e, portanto, de boa governança. No entanto, o que se observaria seriam
processos de oligarquização do poder deliberativo e de juridicialização do campo ambiental ao se
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controlar o ingresso de novos membros, concentrando o poder de decisão em uma minoria, que,
não raras as vezes, desempenham o mesmo papel por anos (Carneiro; 2003; Zhouri, 2008).
O capital específico do campo é caracterizado pela formação e pela reputação técnica e/ou
científica dos agentes, pela “representatividade” de determinado segmento da sociedade e,
finalmente, pelas relações pessoais. Há nessa dinâmica uma circulação de posições dos
atores, ora em cargos públicos deliberativos, ora como consultores ambientais e mesmo
como empreendedores. Tal círculo vicioso evidencia o mecanismo pelo qual se dá a
perpetuação de uma visão dominante acerca dos recursos naturais, ou seja, da apropriação
sempre capitalista da natureza. (Zhouri, 2008, p.100)
O segundo, de ordem político-procedimental, se encontraria na marginalização de
comunidades atingidas durante o processo de Licenciamento Ambiental. De acordo com Zhouri
(2008), a falta de transparência no processo de licenciamento seria um dos principais empecilhos
à participação da população. O conhecimento prévio, aprofundamento dos projetos e
acompanhamento desde a fase inicial de planejamento representam formas e oportunidades de
inclusão das comunidades no processo participativo para tomada de decisão (Zhouri, 2008).
Apesar de esses procedimentos estarem previstos em lei, o que se assistiria é à ausência de
mecanismos institucionais que considerem, de fato, a demanda e o conhecimento das
comunidades locais na caracterização dos impactos socioambientais dos empreendimentos. Não
raras as vezes, as comunidades são comunicadas no estágio avançado dos empreendimentos,
quando acordos e intervenções já foram feitos entre empresas, poder público e organizações da
sociedade civil. Dessa forma, sem conhecimento sobre as reais dimensões dos projetos, as
comunidades não teriam informações suficientes para um posicionamento frente às propostas
(Zhouri, 2008).
Considerando que o município é o nível de governo mais próximo da população, a
participação deveria ir além daquela representativa nos conselhos, utilizando-se de maneira mais
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efetiva outros canais disponíveis à população que podem facilitar a participação, como, a Câmara
de Vereadores, Associações de moradores, Fóruns Locais, e outras entidades não-governamentais
que podem atuar juntamente com o poder público para o cumprimento da política local de
proteção ao meio ambiente (Rodrigues et. al. 2012). Nesse contexto, a percepção da população se
tornaria um importante aliado para o poder público local na gestão das políticas socioambientais
locais.
Entretanto, Zhouri (2008) aponta que a sociedade chamada a participar é aquela intitulada
como organizada. Mas essa sociedade organizada, seria composta por participantes “capacitados”
dentro dos moldes eleitos pelos segmentos dominantes, detentores de conhecimentos técnicos,
linguagem de projetos e domínio de língua estrangeira (Zhouri, 2008). Porém, conforme
apontado por Leff (2009), o saber ambiental não estaria relacionado ao conhecimento da biologia
e da ecologia e não trataria apenas do saber a respeito do ambiente, sobre as externalidades das
formações teóricas centradas em seus objetos de conhecimento, trataria sim, da construção de
sentidos coletivos e identitários que formam múltiplos significados culturais na perspectiva de
um futuro sustentável.
A compreensão do ser no saber, a concentração das identidades nas culturas, incorpora um
princípio ético que se traduz em diretriz pedagógica; para além da racionalidade dialógica,
da dialética entre fala e escuta, da disposição para compreender e colocar-se no lugar do
outro, a política da diferença, a ética da outredade e a hibridização de identidades levam a
interiorizar o outro em um, no jogo de mismidades que introjetam outredades sem renunciar
ao seu ser individual e coletivo. As identidades híbridas que assim se constituem não são a
expressão de uma essência, tampouco na entropia do intercâmbio subjetivo e comunicativo.
Elas emergem da afirmação de seus sentidos diferenciados frente a um mundo
homogeneizado e globalizado (Leff, 2009).
Para Spink (2001), quando se fala em poder local, ambiente local, comunidade local, saber
local esbarra-se nas tecnoburocracias empresariais e públicas que considerariam o local “como
parte intrínseca de uma lógica de ordenação de espaço — construído e produzido num dado
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processo socioeconômico — que automaticamente o subordina a algo maior” (Spink, 2001, p.
15). Dessa forma, Spink (2001) traça um paralelo com o termo descentralização, cujo uso muitas
vezes é uma forma sutil de valorizar o centro. Assim, volta-se à problemática do todo e das partes
e à dificuldade de se focalizar no menor sem a tutela do maior (Spink, 2001).
O Brasil, desde a década de 30, adota uma postura desenvolvimentista, apropriando-se do
discurso da lógica do desenvolvimento econômico, justificando práticas social e ambientalmente
insustentáveis. Conforme discutido acima, os países em desenvolvimento adotaram e muitos
ainda adotam uma postura na qual reivindicam o seu direito de desenvolver-se economicamente
assim como os países desenvolvidos. O Brasil encabeça essa discussão e adota políticas
conservadoras de desenvolvimento econômico que teriam reduzido o meio ambiente e a justiça
social “ao estatuto de barreiras ao desenvolvimento” (Zhouri, Laschefski & Pereira, 2005, p.5).
Para que alcancemos um planejamento do desenvolvimento efetivamente sustentável ainda temos
que avançar muito como gestores públicos e privados e cidadãos.
2.3. Territórios e Sustentabilidade
A primeira condição para aqueles que partem de uma ideologia – que é o meu caso —, é oferecer
claramente os termos do debate que desejam. Se não o proclamo, fujo à discussão, evito-a,
impeço que debatam comigo. Há que definir por conseguinte essas duas palavras:
o território e o dinheiro.
MILTON SANTOS
A definição do que é território impulsiona uma discussão complexa sobre seus conceitos.
Milton Santos, uma das principais referências nessa discussão, acredita que território é "o lugar
em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as
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fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da
sua existência" (Santos, 1999a). Para o autor, o território não pode ser entendido apenas pelo
conjunto de sistemas naturais e de coisas superpostas, mas sim como território usado, ou seja, o
chão mais a identidade, e identidade entendida como "o sentimento de pertencer àquilo que nos
pertence" (Santos, 1999a, p.8). O território, portanto, "é o fundamento do trabalho, o lugar da
residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida" (Santos, 1999a, p.8). Para
Saquet (2011), é preciso compreender a dialética no e do território entre o concreto e o abstrato,
superando o que é visível, o que está apenas no nível do concreto. Saquet (2011) afirma que a
abstração é imprescindível para se compreender o território e, para isso, as formas e os conteúdos
dos territórios precisam ser expressos no pensamento.
De acordo com Santos (1999b), a ciência política acabaria por ignorar o território, uma vez
que o entenderia, na maioria das vezes, apenas a partir da divisão entre estados e municípios, mas
não do conteúdo social nele inserido. Trata esse conteúdo de maneira quantitativa, medindo-o
através de estatísticas, e excluí o dinamismo socioterritorial, que, segundo o autor, são formas-
conteúdo relacionados à existência fazendo com que o território deva ser visto sempre como algo
em constante processo (Santos, 1999b). É o território que constitui o traço de união entre o
passado e o futuro imediatos e deve ser visto como um campo de forças, como o lugar do
exercício, de dialéticas e contradições entre o vertical e o horizontal, entre o Estado e o mercado,
entre o uso econômico e o uso social dos recursos (Santos 1999b). O território poderia ser
entendido como uma construção social, a partir das diferentes formas de uso e apropriação do
espaço geográfico (Saquet, 2011). Dessa forma, o território traz em si os contextos históricos e
relacionais, formados a partir das relações de poder que ali se estabelecem, porém, envolvendo as
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redes de circulação e comunicação, a natureza exterior ao homem, as diferenças, as desigualdades
e as identidades culturais e identitárias (Saquet, 2011).
Em relação ao uso econômico do território com a expansão cada vez maior das instalações
das multinacionais o dinheiro a circular nos territórios começa a ser cada vez mais o dinheiro
global (Santos, 1999a). O autor levanta uma questão importante apontando que o dinheiro "cria
sua lei e a impõe aos outros, forçando mimetismos, adaptações, rendições, a partir de duas outras
lógicas complementares: a das empresas e a dos governos mundiais" (Santos, 1999a, p.11). Dessa
forma, a lógica do dinheiro das empresas seria a da competitividade, que faz com que qualquer
empresa que busque o universo global aumente sua esfera de influência e de ação para se
expandir, e isso transforma qualquer lugar, por mais insignificante que pareça ser, em uma peça
fundamental no mundo da competitividade (Santos, 1999a). Para que essa lógica da
competitividade empresarial funcione plenamente, é preciso apoiar-se nos governos mundiais
como o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, bancos internacionais regionais, como o
BID, pelo consenso de Washington, pelas Universidades centrais produtoras de ideias de
globalização e pelas Universidades subalternas que aceitam reproduzi-las, já os Estados podem
optar por atender os reclames da sociedade uma vez que, as multinacionais escolhem lugares, em
função das respostas que imaginam poder ter e desertam esses lugares quando descobrem que já
não podem mais oferecer tais respostas (Santos, 1999a).
O que estaria em jogo seria a ampliação do poder e a utilização cada vez maior do espaço
da natureza socializada (Santos, 1999a). Essa relação entre a natureza e a sociedade poderia ser
entendida como o suposto da produção do homem, que, através de suas ações sobre ela, acabaria
por provocar alterações e modificações deste espaço e do próprio homem, refletindo na
reprodução social e na construção da paisagem (Machado & Saquet, 2011). A paisagem não
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seria, no entanto, algo estático, como um quadro que congela as externalidades sociais e da
natureza (Machado & Saquet, 2011). Ela seria, em uma determinada porção do espaço, "o
resultado da combinação dinâmica, portanto, instável, de elementos físicos, biológicos e
antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto
único e indissociável, em perpétua evolução" (Bertrand, 1971, p.2). A paisagem deve ser
entendida como a expressão concreta da relação entre sociedade e natureza destacando-se as
dimensões históricas e temporais, ou seja, analisar suas transformações com base no tempo e na
história (Bertrand, 1998; Machado & Saquet, 2011).
Levando-se em consideração essa abordagem, a análise do território pode e deve ser
somada às dinâmicas da paisagem, uma vez que esta serviria de instrumento de diálogo, com o
qual, busca-se entender a diversidade e como as pessoas se organizam, constroem sua identidade
e representam seu espaço (Machado & Saquet, 2011). “Uma paisagem é uma escrita sobre a
outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes
momentos” (Santos, 1997, p. 66). O real do território e do desenvolvimento estaria em suas
contradições e unidades dialógicas, fundindo-se entre as relações sociais, sociais-naturais,
sociais-espirituais, em conflitos, contradições e interações, contendo em si heterogenias,
mudanças, permanências, desigualdades, diferenças e identidades (Saquet, 2011).
Quando se pensa em território como demarcações geográficas que abrigam sistemas
humanos e ecossistêmicos complexos, um jogo de oposições é evidenciado a partir de uma
racionalidade imposta sobre as outras formas de ações e saberes ligados ao uso e apropriação da
natureza (Floriani, Ríos & Floriani, 2013). Tal jogo conflitivo refletiria as formas como o modelo
hegemônico de produção e consumo do espaço é planejado para ser, em sua ação individual,
forçosamente indiferente ao seu entorno (Floriani et. al., 2013; Santos, 2009). Esse modelo
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ancora-se na visão hegemônica, tanto nas teorias de sociedade quanto nas ciências da natureza, da
independência das populações frente aos territórios, refletindo um processo político de
construção social de espaço e tempo (Floriani et. al., 2013).
Esses modelos fundamentar-se-iam na forma de “conceber o espaço como estático, através
do tempo, como representação, como um sistema fechado, e assim por diante, são todos modos
de subjugá-lo” (Massey, 2008, p. 94). Assistimos à perturbadora hegemonia de um tipo de cultura
científica sobre velhos paradigmas de análise da realidade social. Conforme Boaventura de Sousa
Santos (1988) afirma:
[…] todos os conceitos com que representamos a realidade (a sociedade, o estado, o
indivíduo e a comunidade, a cidade e o campo, as classes sociais, etc...) têm uma contextura
espacial física e simbólica, que nos tem escapado pelo fato de nossos instrumentos
analíticos estarem de costas viradas para ele, mas que, vemos agora, é a chave para a
compreensão das relações sociais de que se tece cada um desses conceitos. Sendo assim, o
modo como imaginamos o real espacial pode vir a tornar-se a matriz das referências com
que imaginamos todos os demais aspectos da realidade (Sousa Santos, 1988, p.141).
Não obstante, o território se oporia à plenitude dessa hegemonia, além das racionalidades
típicas que atravessam o território, o espaço vivido admitiria a presença de outras racionalidades
(e irracionalidades) cujo âmago são priorizadas formas de convivência e regulação criadas a
partir do próprio território, a despeito da vontade de unificação e homogeneização que
caracterizam a racionalização econômico-instrumental do espaço (Floriani et. al., 2013). Ao se
colocar os dispositivos da ação-cognição humana nessas bases, se abriria a possibilidade do não
aprisionamento de antemão na rigidez de um esquema mental que tende a impedir e reconhecer a
ocorrência de emergências, de incertezas e de ambiguidades pela ação humana no interior dos
processos sociais. Com isso, a própria criatividade desafiadora poderia operar a partir de um
sistema de racionalidade aberto (Floriani et. al., 2013).
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A instauração de uma “imaginação espacial alternativa” permitiria pensar o espaço
abertamente, como multiplicidades discretas, nos quais os elementos estão impregnados de
temporalidades, isto é, como multiplicidades contemporâneas de outras trajetórias e vozes, cuja
interpretação requer “uma mentalidade aberta à subjetividade espacializada” (Massey, 2008, p.
93). Trata-se, portanto, de defender um modo de ser e pensar diferentes, a partir de uma
imaginação e de uma atitude capazes de propiciar o desenvolvimento potencial de uma
mentalidade aberta à subjetividade praticada, isto é, à vivência do espaço enquanto experiência de
multiplicidades de coisas e de relações (Floriani, et. al., 2013). Em outras palavras, a vivência do
espaço deveria ocupar uma das posições de destaque no estudo da relação sociedade-natureza, a
partir de um novo paradigma para pensar a sociedade-espaço: o paradigma da cultura, que
negaria os antigos modelos, porque nenhum deles consegue dar conta dos sujeitos emergentes,
cujas ações estariam centradas não apenas na política ou na sociedade, mas também na cultura
(Floriani et. al., 2013). A cultura, interpretada pelo viés do espaço geográfico, não pode ser
separada da ideia de território e paisagem, pois seria pela existência de uma cultura que se criaria
um território. E é por ele que se exprimiria a relação simbólica existente entre a cultura e o
espaço e identidade de um grupo social (Bonnemaison, 2002; Floriani, et. al., 2013).
Nessa abordagem da geografia, os estudiosos reconhecem que as paisagens materiais não
são neutras, mas refletiriam as relações de poder e as ‘dominantes maneiras de ver’ o mundo.
Com isso, a paisagem passaria a ser entendida não apenas como resultado das interações
materiais entre sociedade e meio ambiente, mas como consequência de uma maneira específica
de olhar, passando a ser concebida como uma imagem cultural (McDowell, 1996; Floriani, et. al.,
2013). De acordo com Floriani et. al. (2013), entre os homens e suas paisagens existiria
efetivamente uma conivência secreta, da qual o discurso racional científico, dissecador e
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classificador não pode dar conta. A paisagem seria ao mesmo tempo o seu prolongamento e o seu
reflexo (Floriani, et. al., 2013).
A partir daí, entramos em outro constructo desenvolvido fundamentalmente pelos estudos
no campo da geografia: o topocídio. Este termo definiria a aniquilação deliberada dos lugares.
Essa aniquilação decorreria de uma posição ideológica e cultural frente ao ambiente que é
transformado (Santos, & Machado, n.d.; Tuan, 1980). Se agora paisagens são entendidas como
reflexos sociais e culturais dos homens, qual o real impacto de empreendimentos que alteram essa
paisagem? Nessa visão, os impactos iriam além da natureza, afetando a expressão mais clara de
apego, cotidiano e sentimentos que explicam uma série de experiências pessoais e íntimas para
com o território (Santos, & Machado, n.d.; Tuan, 1980).
Esse fator por si só já seria um forte gerador de conflitos entre as empresas e a sociedade,
somado à falta de transparência por parte das empresas, as resistências frente aos
empreendimentos que causariam fortes alterações nas dinâmicas do território se intensificam. Por
não terem interesse em lidar com conflitos, as empresas, numa tentativa de neutralizá-los,
causariam um outro impacto, ao que Acselrad e Bezerra (2009) denominam de “chantagem
locacional” ou “chantagem de localização/deslocalização”. As estratégias territoriais de capital,
dotadas de mobilidade potencial acrescida às empresas, aprisionaria parcelas importantes das
populações locais na “alternativa” de promessas de emprego e renda (Acselrad & Bezerra, 2009).
Esse aumento da mobilidade do capital seria, então, um dos “pivôs” dos conflitos ambientais
locais por “desregulação” nas áreas dos investimentos, assim, observar-se-ia um cenário de
“denúncias e resistências à despossessão ambiental de populações locais, observada em áreas de
expansão de fronteira capitalista, ou à imposição de riscos ambientais aos grupos sociais mais
destituídos, em áreas de ocupação intensa” (Acselrad & Bezerra, 2009, p. 3).
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Atores da resistência acabariam entrando em embate, não apenas com as empresas
geradoras dos conflitos, como também com parcelas da população interessada nas promessas de
desenvolvimento. As empresas, portanto, ganham uma força a mais, sendo suas pressões podendo
se dar através de dois meios: (1) pela ameaça de retirada do investimento para outro local; ou (2)
pela ameaça de que não se aceitando o empreendimento tal como a empresa o deseja, nenhuma
outra atividade irá ali ser implantada (Acselrad & Bezerra, 2009). Com a imposição dessas
condições, os empreendimentos acabam tornando-se ““quase-sujeitos” das políticas de regulação
dos territórios e “quase-sujeitos” dos limites de aceitabilidade dos riscos para a própria população
local” (Acselrad & Bezerra, 2009, p.4).
Em síntese, no processo da chantagem locacional, a população tenderia a submeter-se à
essa manipulação por ter um poder de barganha restringido pelas condições econômico-sociais
débeis em que vive, ficando, assim, cada vez mais sujeita aos riscos socioambientais dos
empreendimentos. Estaria em vigor, segundo Acselrad & Bezerra (2009), uma “divisão
socioespacial da degradação ambiental” reduzindo o potencial socioprodutivo de várias
comunidades e, consequentemente, seu bem-estar socioambiental. O próprio poder público
estaria legitimando a atração locacional chantagista de investimentos, oferecendo uma série de
benefícios, seja em recursos físicos ou fiscais, e estimulando inclusive uma “guerra predatória
regional”.
Os impactos sobre as comunidades locais podem ir além da atividade fim das empresas,
sendo causados também pelas próprias contrapartidas ambientais exigidas pela legislação
ambiental no processo de licenciamento, como é o caso das Unidades de Conservação ou dos
Parques Ecológicos. No caso da mineração, por exemplo, exige-se que uma área semelhante
àquela a ser minerada seja destinada para a conservação ambiental. Entretanto, se essas áreas
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forem espaços utilizados por comunidades tradicionais locais para suas atividades de
subsistência, um novo conflito pelos espaço se manifestaria, pois, restringiria os direitos ao uso
daquela terra (Diegues, 1996).
Por construírem uma relação simbólica com o espaço, sendo ali, o meio pelo qual
desenvolvem seu trabalho, suas relações sociais e manifestações culturais, a restrição do uso da
terra implicaria na impossibilidade de continuar existindo como grupo social, portador de uma
cultura e de uma relação específica com a natureza (Diegues, 1996). O Estado ao conduzir a
criação desses espaços, age em favor dos interesses das sociedades industriais que passam a
utiliza-los como áreas de exploração do turismo, em grande parte voltado para a parcela da
sociedade que vive nos centros urbano-industriais, ou criando áreas restritas como contrapartida
ambiental das empresas que as utilizam sob o discurso das práticas de RSE.
Na verdade, o que está implícito é que as comunidades tradicionais rurais deveriam
"sacrificar-se" em prol do "direito" das sociedades urbano-industriais em usufruírem de espaços
naturais de lazer, em contato com a natureza (Diegues, 1996). Ou ainda, legitimando o modo de
produção predatório e insustentável enquanto houverem áreas para contrapartidas ambientais. A
experiência tem mostrado que os proprietários individuais ou as empresas tem degradado esses
recursos naturais dentro de suas propriedades e que o próprio Estado tem criado políticas
degradadoras do meio ambiente (Diegues, 1996).
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2.4. Empresas e Territórios
2.4.1 A abordagem da Nova Sociologia Econômica
Qual deverá ser o fim do homem e como ele deverá escolher seus meios?
O racionalismo econômico, no senso estrito, não tem resposta a essas perguntas,
pois implicam motivações e conceitos de valor de uma ordem moral
e prática que vão além da exortação irresistível, conquanto vazia, de ser
‘econômico’
KARL POLANYI
A Nova Sociologia Econômica (NSE) ganhou fôlego a partir da década de 80, tendo origem
na sociologia econômica de Weber, Durkheim e Marx, voltando seu interesse para as bases
deixadas pelos seus precursores, ou seja, os estudos dos fenômenos econômicos à luz de uma
abordagem sociológica (Abramovay, 2004; Serva & Andion, 2006; Levèsque, 2007). A
sociologia econômica nessa década, por meio de suas diferentes correntes, passou então a se
contrapor aos fundamentos da ciência econômica neoclássica na tentativa de demonstrar que o
mercado e os demais fenômenos econômicos são construções sociais (Serva & Andion, 2006).
Os pressupostos e noções que configuram as análises da NSE, entretanto, não se definem de
maneira unanime, surgindo diversas vertentes no interior de seu campo epistemológico. Essa
diversidade pode apresentar uma dicotomia: se por uma lado se configura como um aspecto
preocupante por gerar o risco de ruptura interna ou um novo “adormecimento”, por outro, tal
configuração atesta a riqueza do movimento, ensejando debates vigorosos e constituindo rica
fonte de energia para seu próprio avanço (Serva & Andion, 2006). Para melhor entender o campo
atual da sociologia econômica, é importante realizar algumas distinções entre os seus
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representantes destacando-se a clivagem entre os autores clássicos, que deram origem ao campo e
construíram as suas bases – Émile Durkheim, Max Weber, Karl Marx, Tornstein Veblen,
Vilfredo Pareto, Joseph Schumpeter, Marcel Mauss e Karl Polanyi – e os autores que,
principalmente após a década de 1980, constituíram a sociologia econômica contemporânea. Sob
o guarda-chuva desta última, se incluem várias correntes e autores (Serva & Andion, 2006;
Levèsque, 2007), destacando-se as abordagens francesas e inglesas, conforme figura 2:
Figura 2. Abordagens Francesa e Inglesa da NSE Nota.Fonte: Levésque, B. (2007). Contribuição da nova sociologia econômica para repensar a economia no sentido
do desenvolvimento sustentável. Revista de Administração de Empresas, 47 (2), pp. 60.
A abordagem francofônica relacionar-se-ia à sociologia e antropologia, representada pelo
Movimento Anti-Utilitarista nas Ciências Sociais (MAUSS), economia solidária e plural, escola
da regulação e abordagem das convenções (Serva & Andion, 2006; Levésque, 2007). Os autores
dessas correntes, além de realizarem uma crítica aos pressupostos da economia neoclássica,
fazem também propostas em termos de transformação social, redefinindo o que deve ser
entendido por atividade econômica e buscando responder aos desafios colocados pelos novos
contextos da modernidade.
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Por outro lado, se enquadram os trabalhos dos autores de língua inglesa no campo da NSE,
com destaque para o institucionalismo e a socioeconomia (Serva & Andion, 2006; Levésque,
2007). Na sua maioria, os estudos elaborados por essas correntes anglosaxônicas se contraporiam
à economia neoclássica, mas não se concentrariam em propor alternativas contundentes. Nesse
espectro, buscariam mostrar que as teses neoclássicas seriam reforçadas, mesmo em seu domínio
mais central, se lhes fossem acrescentadas uma perspectiva sociológica dialogando com os
autores da economia (Granovetter, 1994).
Existem diversas correntes no âmbito da sociologia econômica, cada uma delas com seus
conceitos centrais, suas opções de pesquisa, seus autores e obras-chave. Entretanto, pode-se
observar que tais correntes têm em comum o fato de realizarem uma crítica aos fundamentos da
economia neoclássica e de partirem do pressuposto de que os fenômenos econômicos são
essencialmente uma construção social. Swedberg (2004) descreve a sociologia econômica como
o conjunto de teorias que se esforçam para explicar os fenômenos econômicos a partir de
elementos sociológicos. Segundo Fligistein (1996, p. 8), “diferentemente dos clássicos, a
moderna sociologia econômica dos mercados raramente conecta as suas ideias teóricas a uma
visão de sociedade ou à mudança social. Ao contrário, a maioria dos estudos enfoca o seu objeto
empírico e a literatura no qual ele está inserido” (Fligstein, 1996, p. 8). Os pressupostos centrais
da NSE afirmam que “toda ação econômica é uma ação social; a ação econômica é socialmente
situada; e as instituições econômicas são construções sociais” (Serva & Andion, 2006, p. 13).
Tais pressupostos confirmam a importância da dimensão sociológica e se contrapõem a uma
visão eminentemente utilitarista dos fenômenos econômicos.
Levèsque (2007) aponta para algumas hipóteses que guiam as pesquisas no campo da NSE,
destacando-se aquela relacionada à chamada “sociedade de risco”, conforme a entende Ulrich
53
Beck. O aumento dos riscos na vida social contemporânea poderia chegar ao ponto de que os
atores sociais não hesitariam mais em falar dos riscos ambientais, o que poderia levar a discussão
da sustentabilidade ao centro das preocupações. O crescimento dos riscos revelaria os limites da
racionalidade tecnocientífica e a necessidade de uma racionalidade social e ética, “se quisermos
que o futuro não seja moldado por cegos” (Levèsque, 2007, p. 50).
Mudanças constantes, manutenção da estabilidade e da capacidade de permanecer frente a
transformações inesperadas seriam princípios paradoxais necessários para compreender todos os
sistemas em nosso planeta, sejam eles indivíduos ou coletivos (Ruiz-Ballesteros, 2011). A chave
para o sucesso da gestão de processos de mudanças com vista a atingir a sustentabilidade residiria
na capacidade de resiliência, o que evitaria a dissolução do desenvolvimento circundante. Este
não significaria resistência a uma mudança inerente ou estabilidade total - o que seria impossível
-, mas sim se constituir ao mesmo tempo como remanescente e em mudança. Este é o paradoxo
que definiria a realidade (Ruiz-Ballesteros, 2011). O chamado “processo de resiliência” dos
territórios se interessa pela redução da vulnerabilidade das populações através da gestão de risco,
estimulando o debate sobre a formulação de novas políticas públicas. Isso levaria as Ciências
Sociais a investigar a evolução e a eficácia das políticas públicas, problematizar as inovações
introduzidas pelo termo resiliência na compreensão dos riscos e buscar novas formulações
conceituais e metodológicas para a análise dos territórios (Metzger & Robert, 2013).
No campo dos riscos e da preparação anti-desastres, o termo resiliência encontra sua
origem na psicologia e na ecologia. Desde meados do século XX, pesquisadores do campo da
psicologia têm trabalhado com a questão da resiliência para descrever as capacidades e
fenômenos psíquicos que permitiriam a um indivíduo recuperar sua integridade psicológica após
sofrer um estresse traumático. A ecologia por sua vez, adotou a resiliência como questão central
54
da evolução dos ecossistemas silvestres, constituindo-a como uma das referências para a
mitigação dos riscos ambientais. Posteriormente, o termo resiliência encontra a Economia, mais
especificamente o mercado financeiro, na busca de uma teoria geral que pudesse integrar
sociedade e meio ambiente (Metzger & Robert, 2013). O termo resiliência, portanto, passa a ser
tratado como a capacidade de adaptação, constituindo-se em uma forma de gestão de sistemas
complexos frente a quaisquer riscos, choques ou perturbações, permitindo assim, a evolução dos
sistemas e seu fortalecimento, evitando colapsos e bifurcações (Metzerger & Robert, 2013; Ruiz-
Ballesteros, 2013).
Incorporar as premissas da NSE, associadas às noções de resiliência dos territórios nos
permite ampliar o olhar sobre as dinâmicas entre atores da sociedade civil, Estado e mercado em
torno das questões ambientais. Essa perspectiva teórica permite uma análise mais complexa das
possibilidades, riscos, contradições e armadilhas da busca pela sustentabilidade dos territórios.
Além disso, reconhece o poder de diferentes atores, não apenas aqueles do mercado, nas
interações das quais resultam os processos de sustentabilidade e insustentabilidade dos territórios.
2.4.2 Novos olhares sobre a Responsabilidade Social Empresarial
Colocar a ética e o respeito aos ecossistemas no centro das decisões econômicas exige a ruptura com a
maneira como os mercados são encarados pela esmagadora maioria da ciência econômica
e, portanto, com essa rígida separação entre economia e sociedade,
como se a primeira fosse a expressão exclusiva dos interesses privados
e só a segunda exprimisse a esfera pública.
RICARDO ABRAMOVAY
A partir da década de 60, as questões ambientais começam a ganhar força, conforme visto
anteriormente. Nesse cenário de contestações as empresas passaram a ser alvo de movimentos da
55
sociedade civil que exerceram sob elas pressões, especialmente relacionadas à poluição,
desemprego, consumo e descriminações, entre outras (Kreitlon, 2004). É nesse contexto que a
conduta ética das empresas começa a ser debatida por um olhar mais crítico, questionando-se sua
responsabilidade para além de seus portões. O dogma segundo o qual as empresas devem
consagra-se, exclusivamente, à maximização de seus lucros começa a ser questionado por vários
movimentos de contra-cultura (Kreitlon, 2004).
Segundo Kreitlon (2004), esse questionamento ético e social das empresas existe desde os
primórdios do capitalismo, fato confirmado por obras de Engels e Marx, por exemplo. Entretanto,
a partir da década de 60, essa problemática ganha força justamente em uma época em que o sistema
capitalista encontrava-se sob críticas acirradas. A temática suscitou uma grande variedade de
discussões teóricas, tendo acabado por institucionalizar-se durante os anos 80 sob a forma de três
correntes básicas, a saber: (1) Ética nos Negócios (Business Ethics); (2) Negócios e Sociedade
(Business& Society); e (3) Gerenciamento das Questões Sociais (Social Issues Management)
(Kreitlon, 2004).
A primeira corrente, Ética nos Negócios, ressaltaria a relevância dos valores e julgamentos
morais dos atores econômicos, muitas vezes entendidos como indivíduos inseridos nas
organizações, e em sua capacidade e responsabilidade em assumir deveres morais. Apesar de
vários autores dessa corrente considerarem diferentes perspectivas dos estudos éticos na filosofia,
a presença de abordagens normativas a partir de imperativos categóricos é marcante nas
discussões. Outra característica dessa abordagem seria a centralidade atribuída à formação moral
dos gestores como estratégia para a difusão de práticas de responsabilidade social empresarial.
Dessa forma, faz-se uma contraposição à mão invisível dos mercados e à regulação da “mão do
governo” (Galbraith, 1986), perspectivas que rejeitam o fato de as empresas poderem ter
56
julgamento moral independente (Teodósio, 2008). Para Weiss (1995), essa parece ser uma das
grandes debilidades dessa corrente, na medida em que não reconhece que valores e instituições
são socialmente construídos, “acabando paradoxalmente por consolidar os fundamentos do
mercado e suas dinâmicas de racionalidade auto-interessada como pilares inquestionáveis da
sociedade contemporânea” (Teodósio, 2008, p. 73).
A segunda corrente, Negócios e Sociedade, reconhece que as instituições sociais permeiam
e dão sentido às atividades empresariais. Nesse sentido, pressupõe-se que a legitimidade
empresarial advém dos papéis que exercem e das expectativas que provocam junto à sociedade.
Diferentemente de algumas abordagens da primeira corrente, essa assume caráter eminentemente
sociopolítico, sendo a sociedade é trazida para o primeiro plano das discussões e deixando de ser
assumida como mera beneficiária das virtudes morais desenvolvidas pelas empresas (Kreitlon,
2004; Teodósio, 2008).
A terceira corrente, Gerenciamento das Questões Sociais, fundamenta-se nitidamente no
utilitarismo, com destacada concepção instrumental da RSE (Teodósio, 2008). Essa corrente é
apoiada por três pressupostos: (1) a empresa pode tirar proveito de vantagens do mercado se
antecipando a mudanças de valores da sociedade; (2) posturas e ações socialmente responsáveis
se constituem em vantagens competitivas para as corporações; e (3) a proatividade permite a
antecipação de mudanças na legislação e nas exigências de diferentes formas de controle social,
trazendo impactos positivos para o empreendimento a longo-prazo (Jones, 1996; Teodósio,
2008). Dessa forma, essa abordagem apresenta concepções que vão de encontro ao pensamento
neoclássico, na medida em que reafirmam que o único interesse legítimo da empresa é perseguir
seus próprios interesses, o crescimento e a lucratividade, e consolidam a ideia de que os atores
57
econômicos são movidos pelo estrito auto-interesse, racionalidade instrumental e sentido de
utilidade (Logsdon e Palmer, 1988; Teodósio, 2008). Como sintetiza Teodósio (2008):
[...] enquanto a primeira corrente seria a precursora desse campo de estudos, com marcada
natureza normativa, a segunda vertente procuraria incorporar variáveis sócio-políticas e
contratuais (no sentido de interações sociais), ao passo que a terceira perspectiva focaria
suas análises na gestão estratégica da ética empresarial, com forte caráter instrumental.
(Teodósio, 2008, p. 85).
Esse processo não necessariamente resultou em avanços em termos de cidadania e da
sustentabilidade, bem como não pôde ser percebido de forma homogênea em todos os lugares,
pois, cada campo organizacional possui dinâmicas e repostas diferentes aos desafios que enfrenta
em cada território (Gonçalves-Dias, Teodósio & Barbieri, 2007). Mas a regulação legal e pressão
social, somadas ao desejo de melhoria da reputação organizacional e diminuição dos riscos,
diferenciação e busca por segmentos específicos de mercado e a internalização das questões
socioambientais por conta das pressões externas, estariam impulsionando as organizações à um
processo de mudança, ainda que, permeado de contradições, idas e vindas e em uma velocidade
muito aquém do necessário para a sustentabilidade (Gonçalves-Dias, Teodósio & Barbieri, 2007).
Esse debate sobre a RSE, que tem incitado diversas abordagens conceituais que partem de
campos e princípios distintos sobre os questionamentos éticos e sociais das empresas, muitas
vezes adotam elementos conceituais de variadas vertentes, não constituindo, portanto, em um
campo de pesquisa unificado e independente (Gonçalves-Dias & Teodósio, 2011). Esse fato
acaba promovendo críticas às teorias de RSE pelos adeptos à Teoria de Maximização de Riqueza,
uma vez que as consideram conceitualmente frouxas e agregam muitos atores as dinâmicas
empresariais sem explicar como os conflitos entre esses diferentes atores deveriam ser resolvidos,
58
deixando o executivo sem qualquer princípio para tomada de decisões e avaliação de
desempenho, valendo a lei das preferências pessoais (Silveira, Yoshinaga & Borba, 2004).
Essa argumentação tem fundamento na abordagem Neoclássica do economista Milton
Friedman (1970) que, baseando-se na teoria da “mão-invisível” de Adam Smith, afirmava que há
uma e apenas uma RSE, voltada para a utilização dos recursos em atividades destinadas a
maximização dos lucros, contanto que permanecesse dentro das “regras do jogo”, ou seja, se
engajasse na concorrência aberta e livre, sem enganos ou fraude (Falkenberg & Brunsael, 2011).
Empresas envolvidas em atividades que não servissem aos interesses dos seus acionistas, como
projetos sociais, por exemplo, deveriam repassar os custos inerentes a essas atividades aos
clientes e, em última instância, à sociedade (Gonçalves-Dias & Teodósio, 2011), dessa forma, o
mercado seria suficiente para promover o equilíbrio entre as empresas e a sociedade. Friedman
(1970) argumenta que a prática da RSE é antidemocrática, pois, investe poder governamental a
pessoas que não possuem mandato para governar, e fútil, porque é improvável que o executivo
seja capaz de antecipar as consequências sociais de suas ações e porque impõe custos a seus
acionistas, clientes e/ou funcionários, o que provavelmente faria com as empresas perdessem
apoio e, consequentemente, seu poder (Mulligan, 1986).
Contrapondo-se à essa visão, Freeman (1984) argumenta que as atividades sociais não
poderiam ser distinguidas das atividades econômicas, pois, uma teria impacto direto sobre a
outra. Com base nesta perspectiva, o autor argumenta que as empresas não responderiam apenas
aos acionistas, mas também aos funcionários, clientes, comunidades afetadas e a sociedade, sobre
questões como os direitos humanos, bem-estar empregado e as alterações climáticas (Jenkins &
Yakvleva, 2006; Falkenberg & Brunsael, 2011). Diferentemente do exposto por Friedman (1970)
e pela abordagem neoclássica, Freeman (1984) acredita que a RSE seria uma ferramenta
59
importante para se alavancar o desempenho econômico de uma empresa e, consequentemente,
maximizar a riqueza dos acionistas. A instrumentalização da RSE, para Freeman (1984), poderia
melhorar a reputação da empresa, identificar oportunidades, testar novas tecnologias e produtos e,
dessa forma, adquirir vantagens competitivas no mercado globalizado (Porter & Kramer, 2006;
Shen & Chang, 2009).
A abordagem defendida por Freeman (1984), afirma que as empresas devem responder a
suas partes interessadas, seus stakeholders. Mas como definir quem são esses stakeholders? São
aqueles que têm uma relação estreita e “direito” à voz dentro das organizações? Ou, englobaria
amplamente todos os grupos que podem afetar e/ou serem afetados pela organização, incluindo-
se ativistas, concorrentes, o ambiente natural, a mídia? Para Phillips (2004), os stakeholders são,
no mínimo, aqueles grupos com os quais a organização tenha, voluntariamente, aceito benefícios
e para quem a organização tem obrigações decorrentes de equidade, incluindo-se grupos como:
financiadores, funcionários, clientes, fornecedores e comunidades locais. Freeman (1984) vai um
pouco além e inclui em sua “lista” qualquer grupo ou indivíduo que poderiam ajudar ou
prejudicar a empresa, apontando, além dos acima citado, os ambientalistas e o governo. Phillips
(2004) destaca que os concorrentes podem certamente afetar uma organização e devem, portanto,
serem considerados legítimos interessados, mas a organização e seus gestores não tem obrigações
morais de comparecer com seu bem-estar.
Tullberg (2005) apresenta uma abordagem que inclui um “teste de publicidade” em que a
gestão seria encorajada a considerar certas reações dos stakeholders em relação às atividades de
RSE ou a falta delas. Uma organização poderia gastar recursos na gestão de cobertura da mídia
para o único propósito de fazer avançar os seus próprios objetivos e não por uma questão de valor
da mídia intrínseco (Phillips, 2004), mas também poderia optar por cuidar de certas questões,
60
como o meio ambiente, por exemplo, porque seus stakeholders legítimos se preocupariam
profundamente com isso (Phillips, 2004).
A Teoria dos Stakeholders (TS) pode ser indicada nos termos descritivos, instrumentais ou
normativos, conforme Donaldson e Preston (1995). Brenner e Cochran (1991), apontam para uma
TS cujo objetivo seria descrever como as organizações operam para ajudar a prever o seu
comportamento organizacional. Freeman (1984), por outro lado, utiliza a TS para desenvolver
uma aproximação instrumental entre as práticas gerenciais, especialmente a estratégica.
Donaldson e Preston (1995), no entanto, entendem a TS como essencialmente normativa. Para
esses autores ela não poderia ser suportada apenas por motivos descritivos e instrumentais. Iria
além da simples ideia de que empresas possuem stakeholders e que os interesses desses devem
ser considerados nas operações das organizações (Donaldson & Preston, 1995). Ela incitaria uma
análise sobre quais interesses as organizações deve atuar e a quem a administração serve.
Enquanto a perspectiva geral da TS parece plausível para alguns, Donaldson & Preston (1995)
acreditam haver rachaduras em sua base conceitual e empírica. Estas falhas enfraquecem-na e
mascaram algumas de suas implicações, subestimando a necessidade de uma mudança na sua
estrutura fundamental se os interesses das partes interessadas tornarem-se parte integrante das
operações da empresa (Donaldson & Preston, 1995).
Por causa das "rachaduras na fundação" da TS uma série de questões podem ser levantadas
sobre a utilidade e validade de quaisquer conclusões morais ou prescrições que oferece.Weiss
(1995) afirma que a TS goza do status de paradigma no campo dos estudos organizacionais sobre
RSE. Trata-se de um sistema geral de ideias e suposições, padrão, exemplos e afirmações
estabelecidas. Apesar disso, o autor afirma que os fundamentos teórico-conceituais que
estruturam a interpretação da postura e ação empresariais baseados na noção de stakeholders
61
permanecem pouco debatidos. O autor critica as abordagens sobre stakeholders, visto que não
colocariam em questão a natureza do capitalismo contemporâneo, com a expansão de grandes
corporações globais detentoras de grandes capacidades e recursos concentrados. Além disso,
assumiria que princípios utilitaristas movem os grupos na luta por seus interesses, apesar de
paradoxalmente negar o utilitarismo, assim como a concepção neoclássica sobre ação social dos
atores econômicos. Ao partir do princípio que as empresas e os mercados são formados por
interesses voluntários, a TS justificaria o próprio comportamento auto-interessado dos atores
empresariais, apesar de afirmar pretender reprimi-lo e negá-lo (Weiss, 1995).
Para que de fato a RSE ocorra na perspectiva dos stakeholders, Jones (1999) afirma que os
gestores precisam desenvolver valores compatíveis e interesse em se responsabilizar pelos
impactos causados pela organização. Além dessa dimensão individual, os níveis socioculturais e
a racionalidade do setor empresarial e da própria empresa também precisariam avançar no sentido
de dialogar com as partes envolvidas (Jones, 1996; Teodósio, 2008). Dessa forma, os projetos
passariam a ser concebidos e desenvolvidos em conjunto com as comunidades, inclusive
partilhando ações, custos e soluções a serem implementadas. "Nessa perspectiva, as comunidades
e associações locais assumiriam status de parceiro privilegiado entre os stakeholders." (Teodósio,
2008, p. 79).
Para avançar nesse sentido, seria necessário se modificar a concepção sobre a relação de
aprendizagem entre empresas e comunidades. Anteriormente, tinha-se a ideia de que os
indivíduos, membros de comunidades afetadas, não poderiam sair de sua condição de excluídos.
Isso faria, em tese, com que, passivamente, aceitassem as intervenações tecnológicas e gerenciais
promovidas pelas empresas nos territórios como a solução de problemas sociais e ambientais,
(Teodósio, 2008). No entanto, os defensores de uma perspectiva modernizadora do investimento
62
social de empresas afirmam que, atualmente, a relação com comunidades poderia ser
extremamente frutífera para as empresas, visto que formas criativas, de baixo custo e mais
adequadas às realidades sociais específicas, poderiam surgir do contato entre gerentes e
funcionários com indivíduos empreendedores pertencentes a essas comunidades. Assim, a
aprendizagem tecnológica e gerencial se daria em via de mão-dupla na relação entre organização
e sociedade. (Teodósio, 2008).
Essa discussão, entretanto, gera alguns debates e controvérsias, tal como a assimilação dos
saberes locais e tradicionais por grandes corporações sem as contrapartidas esperadas para as
comunidades, ampliando a dominância de relações de mercado para bens e esferas da vida antes
caracterizadas pela sua natureza pública e coletiva (Teodósio, 2008). Outra ideia apontada
Teodósio (2008), é a de que os projetos não podem caracterizar-se pela extrema dependência de
uma única fonte de financiamento externa, devendo caminhar para a autosustentação no médio e
longo-prazos. De acordo com Pereira (2001), esse ponto seria fundamental para romper com as
práticas assistencialistas, pois, partiria da ideia de investimentos alocados e multiplicados através
do seu gerenciamento adequado.
Para Teodósio e Carvalho Neto (2003), no entanto, o questionamento mais relevante diz
respeito à possibilidade de avanço da cidadania através do provimento de políticas públicas por
agentes privados, cujos interesses e/ou resultado das ações voltar-se-iam para o aumento do
comprometimento de seus trabalhadores com o trabalho e para a melhoria da imagem junto aos
stakeholders, inclusive a comunidade no entorno de suas atividades, podendo resultar em maior
dependência social do que emancipação. Ainda que as possibilidades de ganhos compartilhados
entre comunidades e setor privado apontassem cenários atrativos para os investimentos sociais de
empresas, grande parte da literatura gerencial sobre stakeholders distanciar-se-ia da ideia do
63
conflito como estruturante das relações sociais, seja ele de natureza econômica, política, cultural,
social ou de poder. (Teodósio & Carvalho Neto, 2003).
Com isso, é possível afirmar que uma das motivações das empresas é a neutralização dos
atores em conflito. Nesse sentido, as parcerias com OSC’s representariam forte temor às
empresas pelo fato de que estas, ao descobrirem suas debilidades operacionais, poderiam levá-las
a público (Teodósio, 2008). Em contrapartida, as OSC’s correriam o risco de terem seus nomes,
portanto, sua legitimidade e credibilidade, acessados pelas corporações através das parcerias para
certificar práticas, produtos e serviços questionáveis do ponto de vista social e ambiental
(Teodósio, 2008).
A literatura aponta para seis aspectos decisivos que deveriam ser considerados e
operacionalizados para aprimoramento da performance das alianças entre empresas e OSC’s: (1)
identificação de projetos específicos para colaboração e dos recursos requeridos para o processo;
(2) formulação de critérios para a seleção de parceiros; (3) desenvolvimento de procedimentos
mutuamente aceitáveis para a colaboração; (4) definição clara e precisa de problemas e
exploração de soluções viáveis; (5) focalização em tarefas de implementação rápida; (6)
manutenção de confidencialidade por todas as partes (Rondinelli & London, 2003; Meirelles,
2005).
Entretanto, esses aspectos podem reproduzir a visão de que os problemas sociais e
ambientais se dariam de maneira pontual, podendo ser resolvidos por projetos específicos. “Além
disso, situações de conflito são assumidas como indesejáveis e improdutivas, a menos que se
manifestem dentro do fluxo de cooperação das parcerias” (Teodósio, 2008, p. 83). De acordo
com Teodósio (2008), essa visão poderia acabar reforçando a ideia de uma sociedade voltada
apenas para as micro mudanças, subtendendo que caberia ao Estado ou outras OSC’s o combate a
64
fenômenos estruturais que levariam aos problemas sociais e ambientais. As parcerias, nesse
modelo, se dariam com a presença do Estado e as OSC’s assumiriam apenas a função de
fornecedoras de soluções para os problemas empresariais, podendo se transformar em instituições
especializadas em bens concretos, perdendo o foco das lutas sociais mais amplas, muitas vezes
marcadas pelo conflito entre sociedade civil e empresas. Além disso, as comunidades
permaneceriam marginalizadas nesse processo (Teodósio, 2008).
Vasconcellos, Alves e Pesqueux (2012) apontam para duas perspectivas analíticas sobre a
TS a partir das ideias de Habermas. A primeira, trataria da avaliação ético-normativa da
racionalidade, das decisões administrativas por uma racionalidade comunicativa, com base no
envolvimento dos stakeholders em debates travados em condições não distorcidas de “discurso
ideal” (Habermas, 1987a, 1987b, 1984). A segunda compreenderia as ações de responsabilidade
social das empresas em contextos de criação de espaços deliberativos e de globalização, nos quais,
apesar de ainda dominante a visão econômica por influência da TS, muitas empresas passariam a
agir em diversas áreas antes exclusivas ao poder público.
Costa (2002) classifica três esferas para as quais as empresas privadas destinariam seus
investimentos sociais: (1) os esforços estariam voltados para o público interno da organização,
sendo característica deste tipo de investimento a melhoria das condições de trabalho, estrutura
salarial, alimentação fornecida e benefícios aos empregados, dentre outros fatores; (2) a
organização privada destinaria recursos e ações para o público localizado no entorno de suas
atividades, como por exemplo, a manutenção de áreas de esporte e lazer, escolas e outras
instalações de provisão de políticas sociais com restrições maiores ou menores quanto ao público
beneficiário; e (3) os recursos e ações seriam focalizados na luta por direitos sociais,
independentemente do público-alvo estar ou não ligado diretamente à empresa ou às
65
comunidades nas quais opera. Costa (2002) afirma que esse último seria o nível ideal e desejável
para as políticas, estratégias e/ou ações de RSE. No entanto, o autor afirma que grande parte das
empresas brasileiras se encontram na esfera 2, preocupando-se com o entorno geográfico de suas
plantas industriais.
As modalidades de inovação empresarial frente às questões socioambientais poderiam ser
impulsionadas por diversos tipos de capital, conforme apresenta a figura 3:
Figura 3. Inovação Empresarial frente às Questões Socioambientais Nota. Fonte: Gonçalves-Dias, S., & Teodósio, A. S. S. (2011). Perspectivas de análise do ambientalismo empresarial
para além de demonizações e santificações. Revista de Gestão Social e Ambiental, 5 (2), pp. 10.
De acordo com Gonçalves-Dias e Teodósio (2011), a primeira modalidade refere-se à
defesa, por parte das empresas, de um campo em crise e no qual se procura restaurar a confiança
provocada por episódios especialmente marcantes, sem, no entanto, que haja mudanças
66
significativas no padrão de operação das organizações, tendo o capital econômico maior peso que
o capital social ou cultural. A segunda modalidade de intervenção seria definida como
“construção de pontes” como, por exemplo, a criação de instâncias para discutir temas
socioambientais com ONGs e movimentos sociais. A terceira modalidade de intervenção
envolveria a captura, por parte de uma empresa ou grupo de empresas, de questões
socioambientais, sem alterar, porém, as relações entre seus membros ou as relações de poder
existentes no setor. Para tanto, as organizações empresariais precisariam mobilizar capital
cultural capaz de persuadir formadores de opinião de que estas mudanças são reais e
significativas, ainda que não alterem as forças que dominam o mercado em questão. A quarta
modalidade estaria no esforço de criar um novo campo social e, em torno dele, organizar o
mercado.
Autores como Windsor (2001) argumentam que esses discursos são representados e
construídos baseando-se nos interesses corporativos e não nos interesses da sociedade. Para
Abramovay (2009), porém, afirmar que as empresas só tomam estas iniciativas por interesse,
apenas para consolidar sua posição competitiva por razões egoístas e não por uma preocupação
socioambiental legítima, implicaria em um ponto de vista ilusório, parcial e incapaz de
compreender a complexidade que envolve a difusão de práticas de responsabilidade
socioambiental do setor privado. É claro que o setor privado age por interesse. A questão
consistiria em saber de que maneira se formam e se exprimem estes interesses. A principal crítica
que se pode fazer aos que rejeitam, em princípio, o conceito de RSE é que tratam os interesses
empresariais como se fossem imunes à pressão social. Tudo se passa como se os mercados, de
fato, fossem mecanismos de equilíbrio, neutros, impessoais e situados, por assim dizer, acima da
vida social. (Abramovay, 2009).
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Para Abramovay (2009), a responsabilidade socioambiental refere-se, antes de tudo, a uma
inversão na perspectiva que dominou a formação e o desenvolvimento das ciências sociais desde
o século XVIII. É um convite para que se examinem não apenas os impactos do mercado na
sociedade, mas ao contrário, a maneira como a sociedade, que só poderia ser compreendida de
forma organicamente articulada aos ecossistemas com que interage, produz e transforma os
mercados (Abramovay, 2009). A ideia de que os mercados são mecanismos de equilíbrio, neutros
e impessoais, dão lugar a uma nova visão: a de que os mercados não são autônomos em relação
ao conjunto da vida social e não podem ser encarados como engrenagem de vidas permanentes.
"Quando se abre a caixa-preta dos mercados, o que há dentro é a sociedade" (Abramovay, 2009,
p.2) com seus conflitos e divergências.
A partir dessa perspectiva, o que se observaria é o mercado influenciando o meio ambiente
e a sociedade e a sociedade e o meio ambiente influenciando o mercado. Nesse sentido, o sucesso
empresarial não poderia ser analisado em separado da dinâmica de legitimação ou deslegitimação
social das atividades, atitudes, ações, produtos, serviços, impactos e desdobramentos que as
empresas causam nos territórios (Abramovay, 2009, Gonçalves-Dias & Teodósio, 2011).
De acordo com Acselrad (2000), é difícil não perceber que o debate sobre sustentabilidade
tem se pautado, predominantemente, pelo recurso a categorizações socialmente vazias. Para o
autor, as noções evocadas costumam não contemplar a diversidade social e as contradições que
perpassam a sociedade quando está em jogo a legitimidade de diferentes modalidades de
apropriação dos recursos territorializados. Essas abordagens embasam muitas discussões sobre a
sustentabilidade, porém, cabe destacar que a abordagem baseada na teoria dos stakekholders
considera as empresas como atores centrais responsáveis pela sustentabilidade. Desconsidera o fato
de que sustentabilidade não é adjetivo de organizações e sim atributo dos territórios, e territórios não
68
teriam stakeholders, ao contrário, apresentam atores em constante interação e ação em seu interior,
ora convergindo, ora divergindo em torno de interesses, valores, motivações e posturas.
O que se propõe com esse trabalho é que se problematize o papel das empresas, poder público e
sociedade na promoção da sustentabilidade dos territórios. Essa sustentabilidade não ocorrerá pelas
mãos das empresas, tão pouco pelas mãos do poder público ou da sociedade civil de maneira isolada e
egocentrada. Ocorrerá sim, quando esses diferentes atores, convergindo ou divergindo, pensarem,
debateram e buscarem desenvolver e suportar processos que visem a sustentabilidade do território.
Dessa forma, poder-se-á vislumbrar um desenvolvimento a longo prazo, pautado em valores
econômicos, sociais, ambientais e culturais que possam contribuir e não fragilizar, a sustentabilidade
dos territórios. A figura 4 esquematiza a proposta teórica dessa pesquisa:
Figura 4. Abordagens Teóricas Norteadoras da Pesquisa Nota. Fonte: Original desta pesquisa.
69
Dada a importância dos governos, a possibilidade de êxito, ou não, dos territórios estaria
diretamente relacionada ao sucesso das políticas públicas que seriam adotadas. Boa vontade
apenas não bastaria, visto que:
[...] sociedade alguma logrou reformar-se a si mesma, substancialmente, com movimento
partido de cima ou com simples decisão voluntária de uma classe superior, originada com
sua consciência social de tornar-se igual às classes inferiores e permitir-lhes o livre acesso
aos monopólios de classe. Os ideais e a consciência social desempenham papel muito
importante, que não pode ser menosprezado; mas são fracos como forças autopropulsoras
que iniciam reformas sociais em grande escala – necessitam do impulso de reivindicações
que se definem, e com isso passem a exercer pressão. (Myrdal, 1972, p. 112)
É improvável que qualquer revisão radical sobre a RSE vá emergir das organizações
empresariais, dado como o discurso é construída em níveis mais elevados da economia política.
Para que qualquer revisão radical ocorra, seria necessária uma abordagem mais crítica no campo
da teoria das organizações. Novas questões precisariam ser levantadas, não só sobre a
sustentabilidade ecológica e social das corporações de negócios, mas da economia política em si.
Revisões radicais neste nível só poderiam ocorrer se houver uma mudança de pensamento no
nível macro. Seria preciso abrir novos espaços e oferecer novos quadros para diálogos entre
organizações empresariais e os demais atores sociais, bem como analisar, criticamente, as
dinâmicas das relações entre empresas, OSCs, governos e sociedade civil. (Banerjee, 2012).
A RSE não poderia ser avaliada apenas por critérios econômicos. A ética ambiental, por sua
vez, não poderia ser desenvolvida através de uma moralidade "eticamente pragmática de gestão",
que atende, via de regra, aos interesses organizacionais (Fineman, 1998; Snell, 2000). Enquanto
as OSC’s servirem como contrapontos importantes às corporações, a sua relação com as
empresas e os governos poderão ser ambíguas e emolduradas por categorias ditadas por
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instituições internacionais como as Nações Unidas e o Banco Mundial (Spivak, 1999; Teodósio,
2008; Banerjee, 2012).
O aumento da responsabilidade das organizações (incluindo-se aqui as OSC’s) em relação
as comunidades locais, dotando de concretude e vigor à participação popular em contextos locais,
permanece como um desafio para o futuro (Escobar, 1992; Derman, 1995). As limitações de um
modelo-espelho de RSE e as deficiências do racionalismo econômico baseado no mercado
precisam ser superadas. O próprio termo racionalismo econômico é problemático e precisa ser
descompactado (Banerjee, 2012).
Outro ponto importante a ser destacado, é o de que as empresas não têm a capacidade de
assumir o papel dos governos no bem-estar social, simplesmente porque sua função básica é
inerentemente impulsionada por necessidades econômicas. Se uma empresa, por exemplo,
decidisse encerrar suas atividades em um determinado local (o que provavelmente ocorreria por
razões econômicas ou demandas do mercado, e não por razões sociais ou ambientais), o que
aconteceria com a comunidade local que se tornasse completamente dependente de seu bem-estar
econômico, social e ambiental? Verdade é, que as empresas nem sempre irão agir conforme os
interesses da sociedade, os investimentos sociais e justiça social nunca poderão tornar-se
atividades principais de uma empresa privada, a não ser que essa se constitua como uma Empresa
Social. (Banerjee, 2012).
A economia política que vigora nos dias de hoje influenciam as estratégias corporativas
direcionando-as para a criação de valor para os acionistas e retorno sobre o capital, não para a
justiça social ou moral (Banerjee, 2012). Isso faz com que as tentativas emergentes para
conceituar a responsabilidade social como "capital social" ainda fiquem aquém, ao menos que
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haja uma reestruturação radical da economia política repensando o papel de uma empresa na
sociedade (Banerjee, 2012).
A perspectiva desse trabalho é discutir as possibilidades de margem de manobra para os
territórios encontrarem uma via alternativa de desenvolvimento. Além disso, busca analisar
profundamente e de forma crítica a atuação de governos, empresas e sociedade civil para o êxito
(ou não) das estratégias de sustentabilidade de territórios mineradores.
72
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Com o objetivo de investigar e analisar como os atores locais se relacionam na promoção
da sustentabilidade em um território minerador,s realizou-se uma pesquisa de natureza qualitativa
pelo método de estudo de caso (Greenwood, 1973; Bonoma, 1985; Eisenhardt, 1989; Yin, 2005)
buscando-se identificar os fatores que estimularam a ocorrência de eventos, bem como
compreender a interação que se estabeleceu entre as variáveis, revelando as inter-relações e as
complexidades que poderiam se manifestar (Greenwood,1973; Bonoma, 1985). Através do
método de estudo de caso, pôde-se obter uma visão holística do objeto analisado. Para tanto,
buscou-se identificar uma experiência prática que melhor se apresentasse como fenômeno
relevante para análise, de acordo com o foco delimitado para a pesquisa, ou seja, a
sustentabilidade de territórios marcados pela atividade de mineração.
O estudo de caso foi desenvolvido tendo como unidade de análise o município de
Brumadinho/Minas Gerais, que tem sua história fortemente ligada à exploração mineral. A
proposta desse trabalho é analisar as articulações dos atores com a sustentabilidade desse
território. Com base na abordagem proposta por Yin (2005), foi desenvolvido um estudo de caso
único, contextualizado com sentido interpretativo dos depoimentos dos entrevistados sobre os
fatores que potencializavam ou enfraqueciam, tanto os processos de sustentabilidade do
município, quanto a relação dos três setores com esse desenvolvimento, tomando como base a
compreensão da experiência subjetiva dos atores envolvidos.
A coleta de dados foi composta por representantes das esferas de governo, empresas e
sociedade civil, por se configurarem como os atores que fazem parte da construção do
desenvolvimento do território de Brumadinho. Foram entrevistados funcionários de duas
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mineradoras com atividades no município, um funcionário de um instituto de cultura de
Brumadinho, representantes de OSC's e comunidades, e membros do poder executivo e
legislativo de Brumadinho.
Velasco e Díaz de Rada (1997) argumentam que a pesquisa de campo, em especial aquela
aplicada em ambientes comunitários, é uma forma de investigação sociocultural que exige a
utilização de um conjunto de procedimentos e normas que possibilitam a organização e a
produção do conhecimento sobre a realidade local permitindo ao pesquisador maior interação
com o objeto pesquisado. Por meio do critério definido pelo processo “bola de neve” (Yin, 1981,
2005; Eisenhardt, 1989; Meyer, 2001), nessa pesquisa buscou-se favorecer a coleta de dados com
entrevistas por indicação, ampliando o acesso aos discursos e diálogos de atores desse território
sobre as questões socioambientais que o envolvem.
As coletas de dados foram feitas através de dados primários e secundários utilizando-se,
preferencialmente, as (1) entrevistas semiestruturadas, (2) pesquisas bibliográfica, (3)
documentos e arquivos e a (4) observação in loco como estratégia de coleta de dados. A
entrevista e a observação in loco foram fontes de evidência importantes nessa pesquisa qualitativa,
especialmente, porque pretendia-se compreender em profundidade uma situação sociocultural e
ambiental complexa a partir da perspectiva dos atores envolvidos, considerando-se o contexto no
qual ela ocorre (Eisenhardt, 1989). Por se tratar de uma técnica que permite captar a percepção,
as experiências e as motivações dos indivíduos, fez-se apropriada à essa pesquisa qualitativa
priorizando o entendimento do fenômeno a partir do sujeito (Godoy & Balsini, 2004).
Para se obter fontes de evidências empíricas, a pesquisadora participou de reuniões mensais
do Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente de Brumadinho
(CODEMA), no período entre os meses de fevereiro a setembro de 2014, assim como audiências
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públicas de assuntos relevantes à essa pesquisa e agendamentos de entrevistas in loco com os
integrantes da pesquisa. As entrevistas foram estruturadas a partir de um conjunto de perguntas
definidas a priori, porém, essa estruturação foi flexível, contendo apenas um roteiro para orientar
o diálogo durante a coleta de dados e permitindo a alteração da ordem das perguntas, supressão
de algumas questões de acordo com o contexto e andamento de cada entrevista e inserção de
outras indagações, configurando-se o chamado roteiro de entrevista semiestruturadas (Bauer &
Gaskell, 2002). Assim, no momento da entrevista, a pesquisadora teve liberdade para explorar
novas questões não identificadas, mas que se apresentaram relevantes para o estudo em questão.
O roteiro da entrevista dessa pesquisa foi ainda construído considerando os registros dos diálogos
dos participantes já coletados pela pesquisadora em conversas iniciais, como: membros da
prefeitura, mineradoras, comunidades e membros de OSC’s entre os meses de agosto e dezembro
de 2013.
As principais diretrizes contempladas na elaboração do roteiro das entrevistas envolveram
questões como: a visão dos integrantes dos setores sobre o desenvolvimento do município, a
realidade de conservação (ou não) da diversidade ambiental e sociocultural nos processos de
desenvolvimento do município, as ações de cada setor para que essa diversidade fosse preservada
e valorizada, a percepção dos entrevistados acerca das parcerias intersetoriais e a participação das
empresas mineradoras no processo de sustentabilidade do território de Brumadinho, dentre outros
temas relevantes para o foco da pesquisa. Tais questionamentos auxiliaram na análise das
dimensões que guiaram a coleta dos dados secundários, conforme exemplificado na Figura 5.
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Figura 5. Estrutura metodológica da pesquisa Nota. Fonte: Original desta pesquisa.
A pesquisa apresentou algumas limitações relacionadas ao acesso da pesquisadora aos
atores sociais do município considerados importantes para o trabalho. Apesar de ter vivido por 27
anos no território de Brumadinho, a relação da pesquisadora com o município, em especial, com
a sede, sempre foi muito distante. Para superar esse fato e acessar os atores selecionados para a
pesquisa, a pesquisadora contou com o apoio de seu orientador que viveu durante muitos anos na
sede do município e facilitou o acesso a vários entrevistados por suas ligações com Brumadinho.
Entretanto, alguns atores locais não se disponibilizaram para a pesquisa, como a Secretária de
Governo do município que saiu de férias na época das entrevistas e a após retorno as tentativas de
novo contato não foram bem sucedidas, e o representante dos quilombolas que, por conta de sua
luta com uma empresa de mineração que atua no município, atendeu ao pedido de sua família de
não mais se envolver com assuntos relacionados à mineração.
Para conferir maior confiabilidade e qualidade aos resultados da pesquisa, a análise dos
dados obtidos a partir das fontes primárias e secundárias, permitiu comparar e confrontar a
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percepção de diferentes atores acerca de uma mesma dimensão de análise, bem como realizar a
triangulação das fontes dessas evidências (Eisenhardt, 1989). A pesquisa recorreu a triangulação
como estratégia de análise de conteúdo para auxiliar no tratamento e na interpretação dos dados
coletados sobre o processo. Tanto os documentos e arquivos das fontes secundárias, como os
dados obtidos por meio das entrevistas (fontes primárias) foram gravados, transcritos na íntegra e
analisados para interpretação do conteúdo das informações levantadas, a fim de compreender
melhor o discurso dos entrevistados.
3.1 Participação nas reuniões do CODEMA e Audiências Públicas
O processo da pesquisa em Brumadinho se iniciou com algumas visitas da pesquisadora à
sede do município e com algumas conversas informais com atores mais envolvidas com as
dinâmicas do município. Um desses atores, compunha a mesa do CODEMA e através dele a
pesquisadora era informada sobre as reuniões que aconteciam mensalmente no período da manhã,
com cerca de três horas de duração no, até então, prédio da Secretaria de Meio Ambiente de
Brumadinho, hoje, sede da Secretaria de Planejamento de Brumadinho.
A mesa do CODEMA era presidida pelo Secretário de Meio Ambiente, e composta por
mais dois membros. Um deles representando a rede de empresários do município e o outro
representando as empresas mineradoras que atuam no município. Os demais participantes eram
conselheiros que representavam diversos setores, incluindo-se membros da sociedade civil,
representantes do poder legislativo, e até mesmo do Inhotim, que hoje parece não ocupar mais
cadeiras nos conselhos municipais, segundo relato de um conselheiros do CODEMA. Apesar da
abertura, a participação da pesquisadora em todas as reuniões não foi possível pois, houveram
77
alguns reagendamentos que não chegaram a seu conhecimento. Nas reuniões em que participou, a
pesquisadora percebeu a ausência de representantes das comunidades e um distanciamento da
linguagem utilizada pelos membros do conselho que, a todo momento, se referiam ao CODEMA
como um conselho, cuja função, era discutir aspectos técnicos dos projetos.
A pesquisadora participou de três Audiências Públicas no período entre Fevereiro e Agosto
de 2014 no município de Brumadinho. A primeira aconteceu no dia 23/03, as 19:00, na Câmara
Municipal de Brumadinho e tinha como objetivo colocar em discussão as mudanças pelas quais o
Plano Diretor do município está passando e as leis de Uso e Ocupação do Solo, que tem gerado
diversos impactos ambientais em Brumadinho. Interessante destacar, que nessa reunião colocou-
se em discussão o tipo de desenvolvimento que se queria para Brumadinho: o crescimento
expansivo do território com abertura para novas indústrias ou o desenvolvimento sem
crescimento, ou seja, desenvolver o município a partir dos potenciais já explorados, sem
expansionismo do território. Esse debate tem gerado polêmicas, uma vez que, vai em sentido
oposto aos interesses dos empresariado, em especial, daqueles ligados ao setor da construção civil.
Na época, o debate tinha sido liderado pelo, então Secretário de Planejamento de Brumadinho,
José Bones, que saiu da secretaria pouco tempo depois dessa audiência por motivos que não
ficaram claros à pesquisadora.
A segunda Audiência Pública aconteceu no dia 24 de junho, às 19:00, na Câmara
Municipal e teve como objetivo apresentar os projetos que a Secretaria de Meio Ambiente vinha
realizando até então. A maioria desses projetos estão sendo realizados em parceria com o setor
privado, em especial as empresas de mineração, sendo muitas dessas obras nada mais do que
condicionantes impostas às mineradoras por suas operações na região.
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A terceira Audiência Pública foi realizada no dia 30 de maio, as 18:30, na Casa Guará em
Casa Branca. Essa audiência tinha como objetivo, o esclarecimento da Vale S/A em relação ao
projeto de expansão da mina da Jangada, operada por ela. A audiência acabou não acontecendo
pois, os representantes da empresa não compareceram. A justificativa dada pela empresa foi a de
que, esse projeto ainda não estava definido e não justificaria, portanto, uma audiência pública
naquele momento. Dessa forma, a reunião seguiu com a apresentação dos estudos de impactos
que o projeto poderia causar, feito por representantes de OSC’s e apresentado à população de
Casa Branca pelo vereador Lucas Machado. Nessa apresentação, mostrou-se o mapa de expansão
da mina da Jangada e os possíveis impactos nas comunidades do entorno, principalmente,
relacionados ao abastecimento de água.
Nas reuniões do CODEMA e nas Audiências Públicas, a participação desta autora
aproximou-se muito do método de pesquisa-ação, considerando-se a solicitação de seu
envolvimento em algumas plenárias e trabalhos em grupo. A pesquisa-ação é normalmente
utilizada, quando o objetivo da investigação é conhecer uma determinada realidade, onde os
dados e as informações necessárias não são encontradas em livros ou em outros trabalhos
científicos, e sim no seio de uma comunidade, um grupo, uma organização ou um movimento
social que esteja sendo estudado (Thiollent, 1987). O método de pesquisa-ação é considerado
adequado ou recomendável, quando a investigação prevê a participação dos sujeitos envolvidos
no estudo para se chegar a uma conclusão do que deve ser feito para solucionar um problema real
(Thiollent, 1987).
Após visitas ao município com observações in loco, dados coletados nas reuniões do
CODEMA e nas audiências públicas, a pesquisadora seguiu para as entrevistas semiestruturadas
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com os atores representantes dos quatro setores considerados por essa pesquisa e que compõem o
município de Brumadinho: poder públicos, empresas, comunidades e OSC’s.
3.2 Entrevistas semiestruturadas
A segunda etapa da coleta de dados utilizou a aplicação de entrevistas semiestruturadas
como método de natureza qualitativa próprio de pesquisas empíricas. Foram realizadas quinze
entrevistas, gravadas e transcritas, com representantes dos quatro setores de Brumadinho (poder
público, empresas, comunidades e OSC’s). Desses, quatro são representantes do poder público do
município sendo, dois do Poder Executivo e dois do Poder Legislativo, três são representantes de
empresas, sendo dois de mineradoras e um de um instituto cultural, quatro representantes de
OSC’s, sendo um representante de ONG, dois professores universitários e um ex-membro da
política local, e três representantes de comunidades: um da comunidade de Córrego do Feijão, um
da comunidade de Colégio e um da comunidade da Jangada. Dessa forma, tornou-se possível o
estudo de importantes dimensões de uma análise baseada no relato sobre os motivos pelos quais
aquele território era o alvo do estudo de caso da pesquisa.
Por meio de uma lista codificada, descreveu-se o perfil dos públicos, omitindo-se a
identificação nominal dos entrevistados, que foram substituídas pelas seguintes siglas: Poder
Público (PP), Empresa (EM), Organizações da Sociedade Civil (OSC) e Comunidades (COM).
Essas pessoas foram selecionadas pelo método ‘bola de neve’, (Yin, 1981; Eisenhardt, 1989;
Meyer, 2001) após observações in loco por parte da pesquisadora e conversas informais com
moradores da região sobre as dinâmicas pelas quais o município vem passando.
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Tabela 1
Caracterização dos entrevistados
Atores Siglas Característica Local de Moradia Tempo de relação com Brumadinho
Empresas EM 1 Mineração Sede 40 anos
EM 2 Mineração Belo Horizonte 47 anos
EM 3 Cultura Belo Horizonte 5 anos
Poder Público PP 1 Executivo Palhano 43 anos
PP 2 Executivo Sede 54 anos
PP 3 Lesgislativo Casa Branca 15 anos
PP 4 Legislativo Sede 51 anos
OSC’s OSC 1 ONG Suzana 7 anos
OSC 2 Professor Sede 60 anos
OSC 3 Professor Belo Horizonte 7 anos
OSC 4 Ex-membro do PP Sede 44 anos
Comunidades COM 1 Córrego do Feijão Morador da comunidade
72 anos
COM 2 Colégio Morador da comunidade
39 anos
COM 3 Jangada Morador da comunidade
6 anos
Nota. Fonte: Original desta pesquisa.
Os roteiros de entrevista (Apêndices A, B, C e D) foram estruturados com base em
dimensões temáticas predefinidas no planejamento do referencial teórico, contendo onze
perguntas objetivas, questões abertas e flexibilidade para reorientar a entrevista durante a coleta
das informações (Bauer & Gaskell, 2002). Foram formulados quatro roteiros, adaptados para
cada grupo de atores locais analisado. No primeiro momento, foram realizadas duas entrevistas
com um ‘roteiro teste’ para dois integrantes de OSC’s, afim de verificar se as questões elaboradas
atendiam requisitos, como: (i) alinhamento com a dimensão teórica; (ii) clareza e entendimento
das perguntas pelo entrevistado; (iii) tempo previsto para a entrevista (até uma hora de duração);
e (iv) respostas correlacionadas com os objetivos específicos da pesquisa. Desde o início, o
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roteiro se mostrou eficiente e aplicável para a pesquisa mantendo-se o roteiro inicial para dar-se
segmento à pesquisa.
Em relação ao roteiro de entrevistas, teve-se o cuidado de estruturá-lo de forma que, as
perguntas mais polêmicas relacionadas aos conflitos socioambientais no município, fossem feitas
do meio para o final da entrevista. Dessa forma, buscou-se iniciar as entrevistas com perguntas
que permitissem à pesquisadora entender a história de cada entrevistado no município, assim
como seus pontos de vista sobre a trajetória de desenvolvimento do município ao longo dos anos,
desde a sua fundação. A partir daí, buscou-se compreender os pontos positivos e negativos das
diferentes fases do desenvolvimento do município, para então analisar o papel atual dos diversos
atores no desenvolvimento de Brumadinho. Após esse levantamento, o roteiro de entrevistas
abordou a relação dos setores da mineração, do turismo, das ONG’s e do poder público com a
população de Brumadinho e os conflitos socioambientais no município buscando-se compreender
como esses conflitos tem-se dado e como tem sido tratados. Ao final da entrevista, pediu-se para
os entrevistados exporem as suas expectativas sobre o futuro do município, afim de, identificar as
motivações ou desesperanças em relação às dinâmicas que vem sendo traçadas em Brumadinho.
Nesse momento final da entrevista a pesquisadora pode perceber os anseios pessoais de
cada um dos entrevistados, e a relação afetiva com o município para além da racionalidade das
questões anteriores. Foi interessante observar nesse momento, as expressões nos olhares e nas
vozes ao se abrir a possibilidade de falarem livremente sobre os sentimentos em relação à
Brumadinho.
O roteiro de entrevistas foi elaborado com base nos três eixos teóricos: (1)
Desenvolvimento e Sustentabilidade; (2) Políticas Públicas Ambientais; e (3) Empresas e
Territórios, sendo divididos em três dimensões de análise. A primeira dimensão relacionada ao
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eixo teórico (1), buscou compreender as diferentes noções sobre sustentabilidade e as ações que
tem sido implementadas no território de Brumadinho voltadas para a sustentabilidade do
Outra ação importante para a Rede de Empresários foi o curso “Desenvolvimento de Plano
Estratégico para Empresários da Cadeia Produtiva do Turismo de Brumadinho, Bonfim, Moeda e
Rio Manso” em 2011, que aconteceu por meio do mesmo convênio beneficiando cerca de 70
empresários envolvidos na ação (Portal de Brumadinho, n.d).
O município de Brumadinho conta hoje com cerca de 30 pousadas e hotéis, além de
restaurantes e atrativos turísticos como cachoeiras, museus, trilhas, rampa de voo livre, atividades
de aventura, cavalgada, igrejas históricas, empregando hoje cerca de 3 mil pessoas diretamente e
8 mil indiretamente (Brumadinho, 2014). Além disso, esses empreendimentos tem como
característica o perfil familiar e investimentos feitos por pessoas de fora do município que
mudam-se para lá em busca de melhor qualidade de vida.
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Figura 10. Empreendimentos turísticos em Brumadinho Nota. Fonte: Portal de Brumadinho. (n.d). Rede Empresarial do Turismo em Brumadinho e entorno. Recuperado em