Suspensão Condicional da Pena: direito subjetivo do condenado ou faculdade do juiz? Probation: subjective right of the convict or college judge? Edmundo de Almeida Teixeira Junior¹ Raíssa Pacheco S. Mendes 2 1 Graduando em Direito Aluno do 10º Semestre do Curso de Direito da Faculdade Icesp de Brasília ² Orientadora do Curso de Direito da Faculdade Icesp de Brasília Resumo: A suspensão condicional da pena ou sursis é um instituto previsto no Código Penal Brasileiro que proporciona ao condenado a uma pena privativa de liberdade que não seja levado ao convívio carcerário, caso se enquadre nos requisitos legais para essa concessão. Contudo, a redação do artigo 77 do Código Penal, que trata sobre esse assunto, causa dúvida no leitor, no sentido de saber se a suspensão condicional da pena é um direito subjetivo do condenado ou uma faculdade do juiz. Foram analisadas diversas doutrinas de autores renomados, assim como as jurisprudências do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e tribunal estadual para dirimir qualquer dúvida que possa existir. Palavra-Chave: Sursis; Pena; benefício; direito. Abstract: The conditional suspension of sentence or probation is an Institute provided for in Brazilian Penal Code that provides the sentenced to a penalty involving deprivation of liberty that is not taken to the prison living, if falls within the legal requirements for that award. However, the wording of article 77 of the Penal Code, which deals with this matter, cause doubt in the reader, whether the conditional suspension of sentence is a subjective right of the condemned or a college. Analyzed various doctrines of renowned authors, as well as the jurisprudence of the Supreme Court, Superior Court and State Court to resolve any doubts that may exist. Keywords: Probation; feather; benefit; right. Sumário: Introdução. 1. Histórico. 2. Sistemas. 3. Do Instituto da Suspensão Condicional da Pena. 3.1 Conceito. 3.2 Espécies de sursis. 3.3 Requisitos do sursis. 3.4 Condições do sursis. 3.5 Período de prova. 3.6 Revogação. 3.7 Extinção da pena. 4. Diferença entre o sursis penal e o sursis processual. 5. Direito subjetivo do apenado ou faculdade do juiz? Considerações finais. Referência bibliográfica. Introdução Com o aumento da criminalidade no Brasil, a população carcerária brasileira acompanhou esse crescimento, tornando-se na 3ª maior do mundo em 2016, tendo 711.463 mil detentos, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Contudo, manter uma pessoa presa nem sempre é uma solução viável e acertada, tendo em vista que os custos para o Estado são elevados e as circunstâncias pessoais do apenado nem sempre justificam o encarceramento. O tema dessa pesquisa é a análise do instituto da Suspensão Condicional da Pena (Sursis), onde se tem como objetivo principal verificar se é um direito subjetivo do condenado ou uma
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Suspensão Condicional da Pena: direito subjetivo do condenado ou faculdade do juiz? Probation: subjective right of the convict or college judge?
Edmundo de Almeida Teixeira Junior¹
Raíssa Pacheco S. Mendes2 1 Graduando em Direito Aluno do 10º Semestre do Curso de Direito da Faculdade Icesp de Brasília
² Orientadora do Curso de Direito da Faculdade Icesp de Brasília
Resumo: A suspensão condicional da pena ou sursis é um instituto previsto no Código Penal
Brasileiro que proporciona ao condenado a uma pena privativa de liberdade que não seja levado
ao convívio carcerário, caso se enquadre nos requisitos legais para essa concessão. Contudo, a
redação do artigo 77 do Código Penal, que trata sobre esse assunto, causa dúvida no leitor, no
sentido de saber se a suspensão condicional da pena é um direito subjetivo do condenado ou
uma faculdade do juiz. Foram analisadas diversas doutrinas de autores renomados, assim como
as jurisprudências do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e tribunal
estadual para dirimir qualquer dúvida que possa existir.
Palavra-Chave: Sursis; Pena; benefício; direito.
Abstract: The conditional suspension of sentence or probation is an Institute provided for in
Brazilian Penal Code that provides the sentenced to a penalty involving deprivation of liberty
that is not taken to the prison living, if falls within the legal requirements for that award.
However, the wording of article 77 of the Penal Code, which deals with this matter, cause doubt
in the reader, whether the conditional suspension of sentence is a subjective right of the
condemned or a college. Analyzed various doctrines of renowned authors, as well as the
jurisprudence of the Supreme Court, Superior Court and State Court to resolve any doubts that
may exist.
Keywords: Probation; feather; benefit; right.
Sumário: Introdução. 1. Histórico. 2. Sistemas. 3. Do Instituto da Suspensão Condicional da
Pena. 3.1 Conceito. 3.2 Espécies de sursis. 3.3 Requisitos do sursis. 3.4 Condições do sursis.
3.5 Período de prova. 3.6 Revogação. 3.7 Extinção da pena. 4. Diferença entre o sursis penal e
o sursis processual. 5. Direito subjetivo do apenado ou faculdade do juiz? Considerações finais.
Referência bibliográfica.
Introdução
Com o aumento da criminalidade no Brasil, a população carcerária brasileira acompanhou
esse crescimento, tornando-se na 3ª maior do mundo em 2016, tendo 711.463 mil detentos,
segundo o Conselho Nacional de Justiça. Contudo, manter uma pessoa presa nem sempre é uma
solução viável e acertada, tendo em vista que os custos para o Estado são elevados e as
circunstâncias pessoais do apenado nem sempre justificam o encarceramento.
O tema dessa pesquisa é a análise do instituto da Suspensão Condicional da Pena (Sursis),
onde se tem como objetivo principal verificar se é um direito subjetivo do condenado ou uma
1
faculdade do magistrado em concedê-lo a quem for condenado por um crime ou contravenção
penal.
Será feita a análise da suspensão condicional da pena diante do ordenamento jurídico
brasileiro, bem como com a visão doutrinária e jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal,
Superior Tribunal de Justiça e tribunal estadual. Serão verificados os direitos e deveres do
apenado, levantando-se em consideração que se trata de um benefício de grande importância
jurídica e social, tendo em vista que sua função primordial é afastar o réu do ambiente maléfico
do cárcere e, pelas condições exigidas, levá-lo a reintegrar-se na sociedade.
Será desenvolvido um estudo explicativo do instituto, onde será utilizada a pesquisa
qualitativa, levando-se em conta a pretensão da interpretação do Capítulo IV do Código Penal
Brasileiro, que versa sobre o instituto da suspensão condicional da pena.
Assim, o presente artigo científico será estruturado da seguinte forma: inicialmente será
abordado o histórico e os sistemas relacionados ao assunto; no tópico seguinte será realizada
uma análise do instituto da suspensão condicional da pena, verificando-se os pontos mais
relevantes; e, por fim, será discutido se a aplicação desse instituto penal é um direito subjetivo
do condenado ou uma faculdade do juiz.
Isto posto, espera-se que qualquer pessoa, operador do direito ou não, possa compreender a
real função do sursis penal, bem como interpretar corretamente o que o legislador brasileiro
queria alcançar com a adoção desse instituto.
1. Histórico
Alguns doutrinadores consideram que foi em Massachusetts, Estados Unidos da América,
no ano de 1846, que se originou efetivamente a suspensão condicional da pena ao se instituir a
Escola Industrial de Reformas.1
A princípio, o instituto da suspensão condicional da pena, nessa escola, era designado aos
menores infratores, presumivelmente primários, que, ao cometerem ilícitos penais, eram
recolhidos para a referida escola sem sofrerem as consequências da aplicação da pena, tendo
como objetivo serem afastados de todos os malefícios que o cárcere poderia ocasionar.
O instituto consagrou-se definitivamente com a edição da uma lei em 1896, também no
estado de Massachusetts, que após se expandiu aos demais Estados. Na Inglaterra, o Criminal
1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 21 ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 802.
2
Law Consolidation Act de 1861 (Consolidação do Direito Penal) e o Summary Law Jurisdiction
Act de 1897 (resumo das leis de jurisdição) mantinham uma espécie de substitutivo penal com
alguma semelhança com a antiga fustigatio romana (espécie de castigo), o que permitia ao
magistrado omitir a declaração de culpabilidade diante de determinas circunstâncias.2
No ano de 1886, com o Probation of First Offenders Act (permite a liberação de réus
primários que tinham boa conduta), foi estendida a concessão do benefício a delitos cuja pena
fosse de até dois anos de prisão, com a condição de o condenado manter boa conduta durante o
período probatório.3
A maioria dos doutrinadores considera a origem contemporânea da suspensão condicional
da pena no projeto do senador Franco Berenger exposto no parlamento francês no ano de 1884,
que reconhecia o Sursis, havendo longos e polêmicos debates naquele parlamento sobre o
assunto.4
A Bélgica, depois de tomar ciência da incontestável relevância do trabalho Berenger,
antecipou-se e em 1888 aderiu ao novo instituto, tornando-se o primeiro país da Europa
Continental a introduzi-lo em seu ordenamento jurídico.5
Passados três anos, a França instituiu o mesmo instituto, com a Lei de 26 de março de 1891,
que passou a ser chamado de belgo-francês. Sua consagração ou importação pelos demais
países viria em breve: Portugal (1893), Itália e Bulgária (1904), Dinamarca e Holanda (1905),
A Alemanha teve seu próprio sistema durante muito tempo, adotado em 1896, o sistema
que suspendia a condenação, tendo características diferentes do sistema adotado nos Estados
Unidos e Inglaterra (anglo-saxão) e continente europeu (belgo-francês). Seguindo a tendência
mundial, os países da América Latina também passaram a adotar, em geral, o sistema belgo-
francês.7
Contudo, independentemente do país e do continente, a legislação que versa sobre a
suspensão condicional da pena apresenta as mesmas características básicas. As variações nos
2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral I. 21 ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 802. 3 Idem 4 Ibidem, p. 803. 5 Idem. 6 Idem. 7 Idem.
3
diversos países não vão além da maior ou menor amplitude de seu âmbito de aplicação ou outras
peculiaridades de pequena importância, sem lhe desnaturar a finalidade.8
A adoção do instituto da suspensão condicional da pena no Brasil foi proposta em 1906,
pelo então deputado federal Esmeraldino Bandeira, porém não obteve êxito perante à Câmara
dos Deputados, sendo voto vencido. Quase duas décadas após o fracasso em se instituir o Sursis
no Brasil, o Decreto 4.577, de 5 de setembro de 1922, autorizou o Poder Executivo, no mandato
do Presidente da República Arthur da Silva Bernardes, a expedir o Decreto 16.588, de 6 de
setembro de 1924, regulamentando o assunto.9
Na Exposição de Motivos desse decreto, o então Ministro da Justiça João Luiz Alves
ressaltou as finalidades do instituto, as quais subsistem nos dias atuais:
a) Não inutilizar, desde logo, pelo cumprimento da pena, o criminoso
primário, não corrompido e não perverso;
b) Evitar-lhe, com o contágio na prisão, as funestas e conhecidas
consequências desse grave mal;
c) Diminuir o índice de reincidência, pelo receio de que se torne efetiva a
primeira condenação.10
Torna-se clara a intensão do legislador em afastar do convívio carcerário o pequeno
delinquente, para que este não seja corrompido por criminosos altamente perigosos e com penas
mais altas.
2. Sistemas
Os sistemas da suspensão condicional da execução da pena podem ser classificados de três
formas:
I. Sistema anglo-americano (probation system):
Verificando o juiz que o réu merece o sursis, declara-o responsável pela prática do fato,
suspende o curso da ação penal e marca o período de prova, ficando o condenado sob orientação
e fiscalização de funcionários (probation officers) com incumbência de realizar seu
reajustamento social. Há suspensão da sentença condenatória, que não é proferida. Em caso de
descumprimento das condições o julgamento é retomado.11
8 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral I. 21 ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 803. 9 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral I. 8 ed. São Paulo: Método 2015, p. 785. 10 Idem. 11 JESUS, Damásio de. Direito penal. Parte Geral I. 33 ed. São Paulo: Saraiva 2012.
4
Esse sistema é adotado nos Estados Unidos e na Inglaterra. A principal característica é a
suspensão da ação penal.
II. Sistema Eclético (alemão):
A ação era promovida, a instrução seguia em seu trâmite regular, o magistrado analisava o
processo, fixava a pena, mas não exarava a condenação se o réu não praticasse novo delito
durante o período de prova.12
A principal característica desse sistema era a suspensão da condenação.
III. Sistema franco-belga (europeu continental):
O acusado é processado, reconhecidamente culpado, condenado, impondo-se uma pena e
seu regime inicial de cumprimento, cuja execução será suspensa durante um período
determinado.13
É o sistema adotado no Brasil, tendo como principal característica a suspenção condicional
da execução da pena.
3. Do instituto da Suspensão Condicional da Pena
3.1 Conceito
Pode-se conceituar a suspensão condicional da pena como um instituto de política criminal
que se destina a evitar o recolhimento à prisão do sentenciado, submetendo-o à observância de
certos requisitos legais e condições estabelecidas pelo juiz, durante o tempo que for
determinado, findo, se não revogada a concessão, considera-se extinta a pena privativa de
liberdade.14
A concessão de tal instituto, a grosso modo, é dar um voto de confiança ao apenado, isto é,
dar uma chance de se reeducar sem ser encarcerado. Também dá a oportunidade de evitar o
convívio com delinquentes perigosos e sem recuperação.
O nome desse instituto, por vezes, pode confundir o leitor que não tenha conhecimento
sobre o assunto. O Penalista BITENCOURT, sabendo de tal situação, sugere uma nomenclatura
mais elucidativa para esse instituto: “A nosso juízo, suspensão condicional da execução da pena
12 WILSON, José Furtado. Da suspensão condicional da pena - Execuções e incidentes. Disponível em:
é a terminologia mais adequada, pois reflete melhor o verdadeiro sentido e alcance dessa
medida de política criminal.”15
3.2 Espécies de Sursis
Como bem ensina o douto BITENCOURT, a reforma penal brasileira de 1924, semelhante
à da República Federal Alemã, que instituiu a suspensão condicional da pena em três graus,
previu três espécies diferentes de sursis. A Lei 9.714/98 inovou o instituto acrescentando mais
uma modalidade, qual seja, “por razões de saúde”, a saber:16
a) Sursis simples ou comum – Nessa espécie de sursis, o sentenciado se submete à
prestação de serviços à comunidade ou à limitação de fim de semana, como requisito
obrigatório no primeiro ano de prazo.17
A imposição de se cumprir uma dessas obrigações equivale a uma verdadeira execução,
mesmo que parcial, da pena imposta. A exigência dessa condição demonstra que a Reforma
Penal buscou transformar esse instituto mais efetivo, respondendo melhor ao que se busca com
a pena e à prevenção geral, tendo em vista que o sentenciado não ficará inerte no processo, pois
terá que prestar serviços à comunidade ou terá limitação de fim de semana.
Levando-se em consideração que sua aplicação, em geral, ocorrerá para penas a partir de
um ano e até dois. Parece conveniente essa nova previsão legal, que deu a esse instituto
efetividade e um caráter retributivo para o sentenciado se reabilitar no convívio em sociedade.
Essa é a espécie mais frequente de suspensão condicional da pena no Direito Penal Brasileiro.18
b) Sursis especial – O nome dessa modalidade de sursis veio na própria Exposição de
Motivos em seu item 66. O sentenciado fica desobrigado de cumprir as já mencionadas penas
restritivas de direitos, no primeiro ano do período de provas (art. 78, § 2º, do CP).19
No sursis especial, a suspensão condicional vai ser sempre mais benéfica em relação às
penas restritivas de direitos e as de multa, independente do valor pecuniário. As condições do
§ 1º serão substituídas pelas do § 2º, ambos do mesmo art. 78 por serem mais convenientes ao
condenado.
15 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral I. 21 ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 805 16 Ibidem, p. 813. 17 ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de Direito Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 186. 18 BITENCOURT, op. cit. 19 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, 1940. Exposição de
As condições são: a) a proibição de frequentar determinados lugares; b) a proibição de
ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c) o comparecimento pessoal e
obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.20
Contudo, essa espécie de sursis será concedida, de forma excepcional, para aquele apenado
que, além de apresentar todos os requisitos gerais exigidos para o sursis simples, preencher dois
requisitos especiais: “reparar o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo”, e se as “circunstâncias
do art. 59 lhe forem inteiramente favoráveis”21. Aqui, na hipótese de sursis especial, se qualquer
uma das determinantes do art. 59 lhe for desfavorável, impedirá a obtenção do sursis especial,
restando-lhe, é claro, a possibilidade do sursis simples.
A exposição de motivos (item 66) encarrega-se de esclarecer que tal sursis está reservado
para aquele de “mínima culpabilidade, irretocáveis antecedentes, de boa índole a
personalidade, bem como relevantes os motivos e favoráveis as circunstâncias”.22
c) Sursis etário – Essa espécie do instituto foi o resultado de emenda legislativa (Lei nº
7.209 de 1984) e alinhado com os atuais princípios de política criminal, favoreceu o indivíduo
com mais de setenta anos de idade.
Buscou-se valorizar o fator velhice, que reduz a probabilidade de voltar a delinquir e
aumenta a expectativa de voltar a viver em liberdade de quem, por ventura, for levado ao
convívio carcerário nesta faixa etária. Para que o condenado fosse favorecido por esse tipo de
sursis, o limite da pena aplicada foi elevado para “superior a dois até quatro anos, inclusive”
(art. 77, § 2º). Com o implemento desse limite maior, o período de prova também foi alongado,
ocasião em que será de quatro a seis anos.23
Sursis humanitário – Essa espécie é um novo tipo de sursis, que foi somado pela Lei nº
9.714/98. A nova redação do § 2º do art. 77 deixa claro que “razões de saúde” podem
fundamentar que o sursis seja concedido, também para pena não superior a quatro anos,
independentemente da idade do condenado.24
Na verdade, trata-se de uma nova espécie de sursis e não simplesmente de um novo requisito
do sursis etário. Contudo, mostra-se como sendo uma nova possibilidade de sursis para penas
20 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, 1940. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 14 abr. de 2016. 21 Idem. 22 Idem. 23 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral I. 21 ed. rev., atual. e ampl. São
de até quatro anos, sendo alternativo e não simultâneo ou concomitante à maioridade de setenta
anos. Em resumo, para ter direito a essa modalidade de sursis, por razões de saúde, o condenado
não necessita ter mais de setenta anos.25
Não obstante, mesmo que o sentenciado tenha sérios problemas de saúde e tenha sido
condenado a uma pena superior a quatro anos, não enseja justificativa suficiente para que goze
de tal benefício.
Alguns doutrinadores, como MASSON26 e JESUS27, não consideram as modalidades de
sursis etário e nem o sursis humanitário. Apenas classificam como espécies de sursis duas
modalidades, quais sejam, o sursis simples e o sursis especial.
Contudo, a maioria dos doutrinadores, como GRECO28, BITENCOURT29 e MIRABETE30,
dentre outros, classificam as espécies de sursis nas quatro modalidades citadas, que são o sursis
simples, especial, etário e o humanitário.
Em excelente explanação, BITENCOURT demonstra de forma clara e elucidativa o
momento da ocorrência do sursis etário e humanitário:
Como a previsão dessas duas espécies de sursis está no § 2º do art. 77, que
estabelece os requisitos gerais para o sursis simples, evidentemente que os
mesmos também são exigidos para o sursis do septuagenário e “por razões de
saúde”. Os hermeneutas ensinam que não se pode interpretar parágrafos em
flagrante contradição com a cabeça do artigo, o que torna desnecessária a
repetição no parágrafo da exigência de tais requisitos. Nem seria razoável
outra interpretação. O condenado deve ser maior de 70 anos na data da
condenação, ou apresentar, até essa data, razões de saúde que justifiquem a
concessão do sursis. Embora não haja previsão legal nesse sentido, essa é a
interpretação que se pode tirar do art. 65, I, 2ª parte, do Código Penal. Como
o dispositivo existe em benefício do apenado e visa à execução da pena,
pensamos que, se houver recursos de decisão condenatória, a data-limite para
a verificação da idade deve ser a da publicação do acórdão que confirmar
aquela. Ninguém ignora que um recurso pode levar anos para seu desfecho
final, e tal decurso de prazo deve contar em favor do condenado.31
Assim, é prudente considerar todas as quatro espécies de sursis, tendo em vista que cada
uma tem suas características e particularidades que definirão sua aplicação.
25 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral I. 21 ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 814. 26 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral I. 8 ed. São Paulo: Método 2015, p. 790. 27 JESUS, Damásio de. Direito penal. Parte Geral I. 33 ed. São Paulo: Saraiva 2012, p.658. 28 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral 1. 17ª Ed. Rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Impetus,
2015, p. 602. 29 BITENCOURT, op. cit., p. 813. 30 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código Penal Interpretado. 9 ed. rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2015, p. 499. 31 BITENCOURT, op. cit., p. 814.
8
3.3 Requisitos do sursis
Os requisitos para a concessão do sursis se dividem em dois tipos, quais sejam:
a) Requisitos de natureza objetiva:
I. Qualidade da pena: a pena somente poderá ser a privativa de liberdade, isto é, reclusão
ou detenção, no caso de crime, ou prisão simples, em se tratando de contravenção penal.32
Como o sursis é uma medida que evita o cárcere ao condenado, fica inviável a sua aplicação
para as penas restritivas de direitos e para as penas de multa. Seguindo este raciocínio, esse
instituto não se aplica para as medidas de segurança, pois como o próprio nome diz, é suspensão
condicional da pena, e não da medida de segurança.
II. Quantidade da pena: a pena final imputada ao sentenciado não pode ser superior a dois
anos de reclusão, detenção ou prisão simples.
Existem situações excepcionais que o Código Penal Brasileiro, bem como leis especiais,
permitem que o sursis tenha validade em penas superiores a dois anos. No caso de condenados
septuagenários na época em que foi proferida a sentença ou o acórdão e dos que tenham
problemas de saúde, a condenação pode ser de até quatro anos. Nos crimes ambientais admite-
se penas iguais ou inferiores a três anos.
No caso de ocorrência de concurso de crimes, o somatório de todas as penas imputadas ao
acusado é que será levado em consideração para a concessão ou não da suspensão condicional
da pena. Assim, se o réu for condenado em alguns crimes em penas que não excedam a dois
anos fará jus ao benefício. Porém, se o somatório dessas pequenas penas ultrapassar os dois
anos, este condenado não poderá desfrutar do sursis.
III. Inaplicabilidade de penas restritivas de direitos: analisando o caso concreto, o juiz
deverá observar se a pena restritiva de direitos é indicada ou cabível. A suspensão condicional
da pena, por ser menos favorável ao apenado, fica afastada no caso de ocorrência da pena
restritiva de direitos, tendo em vista que no sursis existe uma série de condições a serem
obedecidas pelo condenado.
Deve-se levar em consideração que, com o advento da Lei 9.714/1998, ocorreu um
esvaziamento das situações em que cabe o sursis, sendo aplicado basicamente em ocasiões que
32 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral I. 8 ed. São Paulo : Método, 2015, p. 788.
9
envolvam violência33. Exemplos de aplicação do sursis são nos casos que envolvam violência
doméstica, pois tem pena baixa, variando de 3 meses a 3 anos de detenção.
b) Requisitos de natureza subjetiva:
I. Não reincidência em crime doloso: para que a suspensão condicional da pena seja
concedida, é imprescindível que o apenado não seja reincidente em crime doloso. Sendo assim,
uma eventual condenação por crime culposo ou pena de multa não obsta a concessão do sursis.
O renomado penalista brasileiro, MIRABETE, nos ensina com maestria:
Limitando-se a essa reincidência em crime doloso, não se exclui a
possibilidade do benefício ao condenado que é reincidente, mas que foi
condenado por crime culposo, seja ele o antecedente ou posterior ou sejam
ambos culposos. Além disso, exclui a lei expressamente, para o efeito de
concessão do sursis, a condenação anterior à pena de multa, ainda que o
condenado seja reincidente em crime doloso. Também não impede a
concessão do benefício ao condenado que anteriormente foi beneficiado, com
o perdão judicial, já que este não gera reincidência. Igualmente, tem direito à
concessão do sursis aquele que foi condenado anteriormente com sentença
transitada em julgado após o cometimento do crime pelo qual está sendo
julgado. Com a adoção do critério da temporariedade do sursis, nada impede
que uma pessoa seja beneficiada duas ou mais vezes, já que, decorrido o lapso
temporal de cinco anos, volta à condição de não reincidente.34
Sendo assim, a condenação por qualquer crime culposo ou ao pagamento de multa ao
condenado não impede de o mesmo gozar do benefício da suspensão condicional da pena, tendo
em vista que a proibição somente ocorre no caso de praticar crime doloso, isto é, quando o
agente prevê o resultado lesivo de sua conduta.
II. Condições e circunstâncias pessoais do sentenciado: é essencial analisar a culpabilidade,
os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as
circunstâncias do crime para que seja autorizada a concessão do benefício. Cada um desses
elementos deve ser analisado com muita cautela, pois é a partir deles que o magistrado vai tentar
fazer uma previsão futura da conduta do apenado, que, se favorável (provavelmente não voltará
a delinquir) autorizará a suspensão da execução da pena imposta, mediante o cumprimento de
determinadas condições. Porém, se os elementos examinados demonstrarem que provavelmente
voltará a praticar infrações penais, a execução da pena não deverá ser suspensa.35
33 BRASIL. Lei nº 9.714/95. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9714.htm>. Acesso
em 03 jun. 2016. 34 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código Penal Interpretado. 9 ed. Rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2015, p. 494. 35 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral I. 21 ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 812.
10
Vale salientar que nem todas as circunstâncias pessoais do condenado necessitam ser
favoráveis, como ocorre no sursis especial, para a concessão do benefício, tendo em vista que
será analisado pelo juiz todo o contexto do crime e os aspectos pessoais do indivíduo. O
importante é que as circunstâncias não sejam tão desfavoráveis a ponto de provocar, no
magistrado, dúvidas fundadas acerca da chance de o sentenciado cometer crime novamente.
3.4 Condições do sursis
Com a reforma do Código Penal por intermédio da Lei 7.209/1984, não existe a
possibilidade de se conceder o sursis sem que sejam impostas determinas condições. Até pelo
nome do instituto, seria contraditório conceder a suspensão condicional da pena sem condições.
O Código Penal prevê duas espécies de condições para se suspender a pena do condenado:
as condições legais (estão na Lei) e as condições judiciais (impostas pelo juiz na sentença).
Sendo assim, estas são definidas pelo magistrado levando em consideração o fato e a situação
pessoal do condenado, enquanto que aquelas são condições previamente estabelecidas na norma
penal.36
As condições legais, como o próprio nome sugere, são as impostas pela Lei. No sursis
simples, a condição é a de prestação de serviços à comunidade ou a limitação de fim de semana.
Tal requisito é válido no primeiro ano de prazo do período de suspensão.
Já no sursis especial, as condições legais são: proibição de frequentar determinados lugares,
com a finalidade de o apenado não ter contato com ambientes que podem ser nocivos a ele;
proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz, proporcionando
maior controle das autoridades em verificar se o sentenciado está cumprindo as condições
impostas; e comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e
justificar suas atividades. Tais condições são cumulativas, e dependem que as circunstâncias do
crime sejam favoráveis ao condenado, e este, reparar o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo.
As condições judiciais são determinadas pelo próprio magistrado, devendo observar o fato
e a situação pessoal do condenado. Isso implica dizer que é vedada a aplicação de condições
que importem em violação de direitos fundamentais da pessoa humana ou que se encontrem
subordinadas a fatores alheios ao sentenciado. O juiz pode, por exemplo, determinar que o
beneficiário da suspensão condicional da pena frequente curso de habilitação profissional ou de
36 LARIZZATTI, Rodrigo. Compêndio de Direito Penal. 2 ed.. Brasília: Obcursos 2008, p. 190.
11
instrução escolar, atenda aos encargos de família ou se submeta a tratamento de desintoxicação.
Também são cumpridas no primeiro ano do período de suspensão.37
A Lei de Execução Penal prevê a fiscalização do cumprimento das condições impostas.
Assim, BITENCOURT ensina que:
O cumprimento das condições impostas deve ser fiscalizado pelo serviço
social penitenciário, Patronatos, Conselho da Comunidade ou instituições
beneficiadas com prestação de serviços à comunidade. O Ministério Público
e o Conselho Penitenciário inspecionarão a atividade fiscalizadora das
entidades referidas. Eventuais lacunas de normas supletivas serão supridas por
atos do juiz da execução.38
Essa fiscalização é de grande importância para dar credibilidade ao instituto da suspensão
condicional da pena, tendo em vista que o condenado ficará desestimulado em desobedecer tais
condições, já que corre o risco de ter que cumprir sua pena.
Tendo em vista que o sursis é um benefício ao apenado, este não tem a obrigatoriedade de
aceitá-lo, podendo renunciar a esse direito na audiência de advertência ou durante o período de
prova.
3.5 Período de prova
Entende-se por período de prova o lapso de tempo que o apenado ficará em observação
quando a execução de sua pena ficar suspensa, isto é, garantirá sua liberdade se cumprir
efetivamente as condições impostas pelo magistrado durante tal período.
A partir da reforma do Código Penal em 1984, foi estabelecido que o período de prova iria
variar entre dois e quatro anos no sursis comum. Já no sursis etário e no humanitário, o período
de prova se prolonga, variando de quatro a seis anos. Neste caso, por questão de razoabilidade,
a condenação tem que ser maior que dois anos e menor que quatro anos.
O período de prova deve ser fixado levando-se em consideração o delito praticado, suas
repercussões sociais, a personalidade do agente e quantidade de pena a ele imposta. Não pode
o magistrado, senão em hipóteses excepcionais, estabelecê-lo o máximo de prazo, exigindo-se
sempre que seja fundamentada expressamente na decisão quando for fixado em tempo superior
ao mínimo.
37 PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 10 ed. Rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015, p. 396. 38 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 21 ed. Rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 815.
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A audiência de admoestação, ou audiência admonitória, marca o início do período de prova,
ocasião em que o juiz fará a leitura da sentença ao condenado, advertindo-o das consequências
de se praticar nova infração penal e do descumprimento das condições impostas, segundo o art.
160 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal). Essa audiência é realizada após o trânsito em
julgado da condenação.39
Ao cumprir todas as imposições, sem cometer outros crimes, demonstra ser a confirmação
de que o sentenciado percebeu as consequências de uma condenação e de que não precisava ser
levado ao cárcere para ajustar-se socialmente, garantindo sua liberdade.
Ainda existe a possibilidade de o período de prova ser prorrogado. Esse tempo fixado pelo
magistrado para a duração do sursis é prorrogado quando o agente está sendo processado, por
outro crime ou contravenção. Contudo, não basta para a prorrogação, que tenha sido instaurado
inquérito policial, iniciando-se a prorrogação somente quando instaurada a ação penal. A
prorrogação é automática, não necessitando de despacho do juiz nos autos. A prorrogação se
estende até a decisão transitada em julgado do processo, podendo então o juiz revogar o
benefício obrigatória ou facultativamente, conforme o caso.40 Essa prorrogação pode ultrapassar
o limite máximo previsto na lei, de quatro ou seis anos, dependendo do tipo de sursis, porém,
não perduram as condições legais e judiciais decretadas.
Além do Código Penal, podem-se encontrar períodos de prova em outros dispositivos legais.
Na Lei de Contravenções Penais, em seu artigo 11, estabelece um prazo de suspensão de um a
três anos. Já os prazos da Lei 7.170/1983, que dispõe, dentre outras coisas, sobre Crimes Contra
a Segurança Nacional, o período de prova é de dois a seis anos, se cometidos em tempo de paz.
3.6 Revogação
Durante o período de prova, o apenado deve cumprir as condições impostas pela lei e pelo
juiz. Caso ocorra o descumprimento de tais condições, o sursis é revogado, fazendo com que o
sentenciado cumpra por completo sua pena, em que a execução estava suspensa.
O Código Penal elenca duas formas para se revogar o sursis, que são:
a) Revogação obrigatória: hipóteses designadas em lei.
b) Revogação facultativa: a critério do magistrado.
39 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de execução penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm>. Acesso em 12 mar. 2016. 40 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código Penal Interpretado. 9 ed. rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2015, p. 517.
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Quanto à revogação obrigatória, esta ocorre quando o beneficiário é condenado por crime
doloso, tendo a sentença transitada em julgado. Para sustentar a revogação, o crime pode ter
sido praticado antes ou depois daquele que originou o sursis, uma vez que a lei não fixa um
prazo determinado em que o crime deve ocorrer. É necessário, porém, que a condenação
irrecorrível aconteça durante o transcurso do prazo da suspensão condicional da pena. É
indispensável que conste dos autos a comprovação de que a sentença condenatória transitou em
julgado para que se revogue o benefício. A revogação obrigatória é automática, não exigindo a
lei decisão do juiz.41
Quando o beneficiário, embora solvente, frustra a execução da pena de multa, é também
obrigatoriamente revogado o sursis. Antes, porém, deverá ser feita a prévia notificação do
condenado para o pagamento da multa e tentada a execução judicial para sua cobrança. Revoga-
se ainda o sursis se o beneficiário não efetua a reparação do dano, desde que tenha condições
de fazê-lo. Comprovada a impossibilidade da reparação, por qualquer causa, não pode o juiz
revogar o benefício.42
A última causa de revogação obrigatória prevista no Código Penal é o não cumprimento da
condição referente à prestação de serviços à comunidade ou à limitação de fim de semana,
imposta no caso de sursis simples.43
Quanto à revogação facultativa, poderá ocorrer se o sentenciado descumprir qualquer outra
condição imposta ou for irrecorrivelmente condenado por crime culposo ou por contravenção,
a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. Assim, cabe ao magistrado escolher pela
revogação ou determinar a prorrogação do período de prova até seu limite máximo, se este não
foi o fixado.44 O condenado deve ser ouvido previamente à revogação para justificar o não
cumprimento da condição.
41 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código Penal Interpretado. 9 ed. rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2015, p. 514. 42Ibidem, p. 516. 43 Idem. 44 PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015, p. 398.
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3.7 Extinção da pena
A pena privativa de liberdade do sentenciado será declarada extinta se forem respeitadas e
cumpridas, durante o período de prova, todas as condições impostas pelo magistrado.
O renomado penalista JESUS ensina com maestria:
Trata-se de sentença declaratória da extinção parcial da punibilidade, não de
natureza constitutiva. Em face disso, a extinção da pena ocorre na data do
término do período de prova e não na em que o juiz profere a decisão, ainda
que seja muito tempo depois.45
O magistrado deve declarar extinta a pena privativa de liberdade, porém a extinção da pena
não depende de expressa decisão judicial, bastando o término do período de prova para que seja
extinta.
4. Diferença entre o Sursis Penal e Sursis Processual
O instituto da suspensão condicional do processo, ou sursis processual, tem como objetivo
que a pena privativa de liberdade não seja aplicada nos casos em que a pena mínima em abstrato
a ser aplicada for igual ou inferior a 1 ano.
Diferentemente do que acontece com a suspensão condicional da pena, o sursis processual
interrompe o transcorrer do processo, não ocorrendo condenação.
Segundo o art. 89 da Lei nº 9.099/95, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá
propor o sursis processual pelo prazo de 2 a 4 anos, desde que o acusado não esteja sendo
processado ou tenha recebido condenação por outro crime, presentes os demais requisitos que
autorizam a suspensão condicional da pena, elencados pelo art. 77 do Código Penal.46
Caso o juiz receba a denúncia, estando presentes os requisitos de admissibilidade do sursis
processual, o réu terá que cumprir algumas condições objetivas como reparação do dano,
proibição de frequentar determinados lugares, proibição de ausentar-se da comarca onde reside
sem autorização do magistrado e comparecer pessoalmente em juízo para justificar suas
atividades. Terá, também, que cumprir outras condições que se adequam ao fato e a sua
situação.
45 JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral I . 33 ed. São Paulo: Saraiva 2012, p. 668. 46 BRASIL. Lei nº 9.099/95. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em: 31 maio 2016.
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Sendo assim, pode-se verificar que as condições do sursis processual são as mesmas do
sursis penal. Entretanto, os desdobramentos desses dois institutos são diferentes, como bem
explica o doutrinador GRECO:
1º) no sursis penal o agente foi condenado e a concessão da suspensão
condicional da pena somente ocorrerá após o trânsito em julgado da sentença
condenatória, na audiência admonitória;
2º) no sursis processual, o juiz somente recebe a denúncia, sendo que os
demais atos do processo ficarão suspensos, não havendo que se falar, pois, em
condenação do réu;
3º) a vítima que figurou no processo no qual foi concedido o sursis penal tem
direito a seu título executivo judicial, nos termos do inciso II do art. 475-N do
Código de Processo Civil;
4º) a vítima que figura no processo em que houve a suspensão do processo,
como não existe condenação com trânsito em julgado, não tem direito a
qualquer título executivo judicial;
5º) o beneficiário com o sursis penal, depois do período de prova, não apaga
seus dados criminais, servindo a condenação em que houve a suspensão
condicional da pena para forjar a reincidência ou os maus antecedentes do
agente;
6º) como não há condenação, uma vez cumpridas as condições do processo,
expirado o prazo sem revogação, o juiz declarará a extinção da punibilidade,
não servindo tal declaração para fins de reincidência ou mesmo maus
antecedentes.47
Assim, tem-se que na suspensão condicional da pena existe uma condenação com todas as
suas consequências, como a reincidência e os maus antecedentes, porém, sem o cumprimento
efetivo da pena. Já da suspensão condicional do processo, o que existe é a interrupção do curso
do processo, que proporcionará ao réu a extinção de sua punibilidade se cumpridas as condições
impostas.
5. Direito subjetivo do apenado ou faculdade do juiz?
Uma discussão que muitos doutrinadores faziam quanto à concessão da suspensão
condicional da execução da pena era no sentido de se definir se era mais um direito subjetivo
da pessoa condenada ou se era apenas uma faculdade do juiz. Isso ocorreu, tendo em vista que
a redação do artigo traz dúvidas quanto ao que o legislador realmente pretendia dizer ao
escrever o artigo.
Fazendo uma leitura mais atenta do artigo 77 do Código Penal Brasileiro, o leitor é induzido
a interpretá-lo de forma equivocada no sentido de que a concessão do sursis seja uma faculdade
do magistrado, tendo em vista que o mencionado artigo afirma que “a execução da pena
47 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral I. 17 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Impetus,
2015, p. 608.
16
privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4
(quatro anos)...”.48
Ao utilizar a expressão “poderá ser”, a lei penal sugere ser uma faculdade do juiz.
Entretanto, esse entendimento não é seguido por nenhum doutrinador e o STF pacificou o
assunto. Isso porque, na Lei de Execução Penal, em seu art. 157, determina que o juiz ou
tribunal, na sentença que aplicar pena privativa de liberdade, na situação determinada no artigo
anterior (art. 156), deverá pronunciar-se, motivadamente, sobre a suspensão condicional, quer
a conceda, quer a denegue.49
Sendo obrigatório o pronunciamento do juiz, preleciona GRECO que:
A Lei Penal exigiu que fossem analisados todos os requisitos que possibilitam
a suspensão condicional da pena, os quais, se preenchidos, conduzirão à
suspensão pelo juiz. Assim, trata-se de direito subjetivo do condenado, e não
simples faculdade do julgador, pois, conforme já decidiu o STF: o réu tem
direito à suspensão condicional da pena, se preenchidos os requisitos legais.50
Caso o magistrado não se pronuncie na sentença sobre a concessão ou não do sursis, a
defesa do réu condenado pode opor embargos de declaração, com o objetivo de que se esclareça
sobre a possibilidade de se substituir aquela pena privativa de liberdade em restritiva de direitos
ou se pode substituir por um sursis.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal teve que pacificar a questão em julgamento do HC
56.118 de 1978. Na ocasião, o paciente foi denunciado como um dos autores de furto
qualificado e foi condenado a uma pena de 1 ano e 6 meses de reclusão. O STM, apreciando o
recurso de apelação, negou por unanimidade o pleito da defesa em que fosse concedida a
suspensão condicional da pena, sob o argumento de que não seria uma boa política criminal,
incorrendo-se no risco de gerar a indisciplina no seio da tripulação onde servem. O STM alegou
que a concessão do sursis se tratava de uma faculdade do juiz, in verbis:
Considerando-se que a aplicação do benefício do sursis é uma faculdade do
julgador e se negada, deverá ser fundamentada, como o foi, não se
configurando na espécie, constrangimento ilegal sanável pela via do Habeas
Corpus...51
48 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, 1940. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 14 abr. de 2016. 49 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal. Brasília, 1984. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm>. Acesso em: 31 maio 2016. 50 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral I. 17 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Impetus,
2015, p. 600. 51 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 56.118/RJ. Segunda Turma. Paciente: Fernando Sérgio da Pas.
Impetrado: Superior Tribunal Militar. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília, 02 mai. 1978. Diário de Justiça,
Acesso em 01 jun. 2016. 53 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 63.038-3/SP. Segunda Turma. Paciente: Luiz Fernando de Souza.
Impetrado: Superior Tribunal Militar. Relator: Ministro Francisco Rezek. Brasília, 18 jun. 1985. Diário de
Justiça, 09 ago. 1985. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=68517>. Acesso em 31 mai. 2016. 54 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Criminal 690008784 RS. Segunda Câmara
Criminal. Relator: Desembargador Alaor Antônio Wiltgen Terra. Porto Alegre, 29 mar. 1990. Diário de Justiça,
29 mar. 1990. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8831517/apelacao-crime-acr-
690008784-rs-tjrs>. Acesso em: 07 maio 2016. 55 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC 332.303 – SP. Sexta Turma. Paciente: Alfredina Aparecida Faria.
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
RIDICO>. Acesso em: 07 maio 2016. 56 JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral I. 33 ed. São Paulo: Saraiva 2012, p.658. 57 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, 1940. Disponível