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cone v. 14 n.1 agosto de 2012
c o n ePrograma de Ps-Graduao em ComunicaoUniversidade Federal
de PernambucoISSN 1516-6082
Sete sintomas de transformao da fotografia documental
Susana Dobal1
Universidade de Braslia, DF.
RESUMO: As estratgias para associar a fotografia realidade no
maisse apiam nos pilares que fundamentaram a realismo fotogrfico
nossculos XIX e XX. Noes cruciais como o momento decisivo, o ponto
devista fixo, o instantneo, a suficincia da imagem para representar
osfatos vm sendo questionadas por prticas verificadas tanto nos
ensaiosdocumentais quanto no fotojornalismo dirio. As
experimentaescresceram consideravelmente com a entrada da
fotografia documental noterritrio artstico, porm, mesmo no
fotojornalismo dirio esses pilares dafotografia documental foram
abalados. Por meio de exemplos diversos,esse artigo investiga
aspectos da transformao da fotografia documentalque dizem respeito
a questes tcnicas e conceituais.
A vocao documental nasce com a prpria inveno da fotografia
ou
assim fomos levados a crer. Enquanto o cinema conheceu um breve
incio
onde se privilegiou as tomadas de cenas cotidianas para logo ser
utilizado
principalmente para obras de fico, a fotografia seguiu caminho
inverso.
Se no incio naturezas-mortas e tableaux vivants foram temas
presentes
apontando tambm para outras possibilidades que no a que
predominou
no sculo XX, a fotografia seria utilizada em geral para
registrar e flagrar
cenas que ocorreriam independentemente da cmera. Tal tendncia
abriu
a porta para diversas vertentes da fotografia documental, mas
limitou a
entrada da fico na fotografia. Esse quadro, porm, est
mudando.
A transformao no lida exclusivamente com a dicotomia entre
realismo
1 Mestra em Fotografia (New York University/International Center
of Photography (1994)), doutora em Histria daArte/City University
of New York/Graduate Center (2003) e ps doutora na Universit Paris
8 (2009). [email protected]
v. 14 n.1ago - 2012
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(entendido como a esttica do instantneo) e fico, mas sim com o
abalo
dos pilares que sustentaram o realismo fotogrfico de forma a
no
necessariamente apontar para uma escolha da fico na fotografia,
e sim
revelar o lado fictcio de toda recriao de realidades. Esse
artigo investiga
manifestaes de uma nova forma de pensar fotograficamente onde
a
confiana na visibilidade j no pode repetir paradigmas herdados
do
sculo XIX. Em cenrio bem mais fluido, a fotografia perdeu o
status de
verdade ltima mas ganhou a possibilidade de revelar verdades
mltiplas
e provisrias.
O termo fotografia documental refere-se ao uso da fotografia
tanto
acompanhando uma notcia em veculos de imprensa nesse caso
denominado em geral de fotojornalismo - como ensaios fotogrficos
de
temas mais amplos e no necessariamente relacionados a um
acontecimento especfico, como o que rege a notcia. Embora
essas
categorias tenham caractersticas prprias, elas sero tratadas
aqui
conjuntamente pelo que tm em comum, ou seja, o
comprometimento
com a busca da verdade e o desejo de trazer a pblico um tema
de
relevncia social.2 Ambas vertentes alimentaram boa parte da
prtica
fotogrfica no sculo XX e ainda que tenham particularidades
pertinentes
aos respectivos contextos jornais, livros, sites etc partiram
de
pressupostos semelhantes e desenvolveram uma configurao
atualmente
questionada por novas prticas.
Tais prticas podem ser observadas na imprensa e principalmente
na
migrao da fotografia documental para novos territrios
galerias,
museus, revistas e livros de arte onde a possibilidade de
experimentao costuma ser maior. Esse artigo foi
particularmente
estimulado por dois editoriais sobre o fotojornalismo publicados
no site
Paris Art por Andr Rouill. Em Un photojournalisme aux abois
(Um
fotojornalismo em apuros, ROUILL, 16.9.2011) o autor critica
o
tradicional festival de fotojornalismo que ocorre em Perpignan,
no sul da
Frana, pelo fato de o evento promover a espetacularizao dos
acontecimentos retratados e de no dar conta de transformaes
2 Jorge Pedro Sousa distingue fotojornalismo e
fotodocumentarismo e comenta que o primeiro lida com temasquentes,
com a noo de valor-notcia e dialoga com o texto enquanto o segundo
lida com temas intemporais,eventualmente tambm com um
acontecimento, porm em formato de ensaios mais longos (SOUSA,
2004).
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ocorridas no fotojornalismo, que, no entanto, o autor no define.
Em um
outro editorial, Le crpuscule du photojournalisme (O crespsculo
do
fotojornalismo, ROUILL, 19.11.2011) Rouill oferece algumas
pistas e
comenta as transformaes ocorridas com a opo dos fotgrafos
pelo
territrio da arte, alm de ressaltar a importncia da tecnologia
digital
para transformar os hbitos de representao dos fatos. A partir
desses
editoriais e de transformaes observadas em material recolhido
para
aulas ou visto em diversas exposies, procuro aqui apresentar
quais
seriam esses sintomas de transformao dos pilares da
fotografia
documental. Algumas dessas mudanas foram sugeridas brevemente
nos
editoriais mencionados, outras foram adicionadas. A tecnologia
digital foi
omitida no por ter menor relevncia, mas por permear diversos
desses
sintomas e pelo fato de muitos deles antecederem a era do
digital.
O fato de se recorrer tambm a exemplos que no so
contemporneos
demonstra que havia possibilidades latentes de utilizao da
fotografia
para alm do realismo predominante, porm essas possibilidades
foram
abafadas por muito tempo pela necessidade de se legitimar a
fotografia
enquanto documento.
1. Do flagrante ao simbolismo da imagem
Em 1981, o fotgrafo Raymond Depardon visita Nova Iorque a
trabalho
com a misso de acompanhar um fotojornalista local e enviar todo
dia
uma foto a ser publicada pelo jornal francs Libration com breve
texto-
legenda. Depardon usa uma cmera Leica, uma objetiva 35mm e
filmes
analgicos que ele revela diariamente. Entre suas primeiras
observaes,
ele est impressionado com a eficincia local, com o fato de que
ningum
conhecia o Libration e de haver computadores em todo lugar. A
era
digital mal despontava, mas a crise do flagrante j se
antecipava. Embora
Depardon fotografe os ps de um suicida estatelado na calada e
as
pessoas em volta, o tom geral de recusa do flagrante: em um
mesmo
dia h um incndio sem vtimas no Harlem, uma manifestao de
policiais
no Bronx, um encontro com um lder republicano, mas o que ele
fotografa
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so as crianas pulando corda em uma rua no Harlem (6.7.1981);
dois
dias depois ele parte para um hospital para ver a vtima de um
famoso
assassino do Bowery, mas a foto do fotgrafo que ele acompanhava
na
redao, de pernas para o alto, um pouco antes de sarem para
cobrir a
pauta (8.7.1981); perto do Central Park ele v Mia Farrow
passando no
Rolls Royce do Woody Allen e Mick Jagger passeando de bermuda
rosa e
walkie-talkie, mas a foto mostra dois jovens amigos de uma
agncia com
suas bicicletas conversando na calada prxima ao Central Park. Em
outra
foto uma menina aparece na janela de um txi e Depardon
comenta:
Habituado h vinte anos a cobrir histrias. Liberado! ... eu me
sinto um
pouco perdido. Preciso reaprender a olhar (DEPARDON e
BERGALA,
1981, p. 57).
Desde ento, a reaprendizagem no foi s dele, como atestam,
por
exemplo, algumas inventivas capas de jornal. Em exemplo recente,
a capa
da Folha do dia 1.4.2012 mostra o olhar inquisidor de um atleta
negro
associado indiretamente a uma manchete sobre corrupo. A foto
do
atleta refere-se matria sobre condicionamento gentico e
sucesso
profissional dos esportistas enquanto a manchete prxima foto
relata
sobre esquema de contrabando no aeroporto de Braslia. Na parte
inferior
da capa, outra denncia, agora em rima visual com um anncio. A
foto
mostra barcos ancorados em Florianpolis associados compra
aparentemente ilcita deles pelo governo; logo abaixo v-se o
ltimo
modelo de carro da Honda. Lanchas e carro so brancos com
detalhes
pretos; o atleta negro e no close do seu rosto destaca-se o
contraste da
ris com a parte branca dos olhos. Seu olhar lembra o de um
policial que
perscrutasse o corrupto. A pgina pode ser vista como um poema
visual
que consiste em sugerir rimas entre assuntos dspares, uma
estratgia
recorrente em jornais com alguma sofisticao no layout. Embora a
foto
das lanchas seja um flagrante, o furo jornalstico dilui-se em um
contexto
onde o sentido da imagem vem tambm do seu posicionamento na
pgina
e da interao com outras imagens e texto.
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Figura 01: Jornal Folha de So Paulo, 1.4.2012
O simbolismo da imagem pode ser deduzido no s pelo que
mostrado,
mas pelo contexto em que a imagem aparece. O simbolismo
interno
foto, por outro lado, pode tambm ser enfatizado como se v na
prtica
diria do fotojornalismo em que situaes banais adquirem
sentido
especfico dentro de determinado contexto histrico. Basta lembrar
da
famosa foto do ex-presidente Jnio Quadros com os ps torcidos
sugerindo a falta de rumo do seu governo.3 A cobertura de
poltica rica
nesse tipo de exemplo em que se procura atribuir uma conotao a
uma
expresso do personagem que seja a mais adequada notcia do
momento, podendo-se para isso recorrer at mesmo a fotos de
arquivo. A
flexibilidade com a exigncia de uma foto do dia demonstra que
mais do
que um flagrante, o que importa a interpretao que a imagem
pode
sugerir.
Se Raymond Depardon recusou-se a registrar o flagrante na
maioria das
3 A foto de Erno Scneider, foi publicada em 10.3.1991 no Jornal
do Brasil e ganhou o Prmio Esso de 1962(GURAN, 1992, p. 71).
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suas fotos em New York, o jornalismo dirio e ainda mais o
ensaio
fotogrfico tm procurado tambm outros mecanismos para dar
sentido
s imagens que no o mero registro incontestvel de um fato. Muito
mais
do que um flagrante, a fotografia documental, tanto em um
contexto
como no outro, uma construo de sentido a partir de
argumentos
visuais que implicam a conduo de uma determinada leitura dos
fatos
pela maneira como ele fotografado.
2. Do momento decisivo ao momento indefinido
Boa parte do fotojornalismo baseado na crena de que a realidade
deve
culminar em uma fugaz combinao de elementos a serem flagrados
pelo
fotgrafo bem treinado a fim de representar da melhor forma a
sntese de
uma situao. Essa f cujo principal arauto foi Henri
Cartier-Bresson e sua
noo de momento decisivo vem sendo substituda pela adeso a um
tempo outro, que seria o da durao.
Depois das experimentaes dos irmos Bragaglia na poca do
futurismo,
Hiroshi Sugimoto foi um dos que mais se destacaram por retomar
a
experimentao usando exposio com longa durao na sua srie
Theaters (Teatros), mostrando telas em branco em salas de
cinema. A
srie iniciada em 1978 consiste de fotos obtidas deixando o
obturador
aberto durante todo o tempo de projeo de filmes. Outras
experincias
como essa tm se repetido desde ento. Na Rssia, Alexey
Titarenko
trabalha com longa exposio para registrar o movimento das
multides
nas ruas obtendo como resultado imagens borradas ou
eventualmente
com algum personagem ou detalhe fixo que contrastam com a
aparncia
geral de um fluxo urbano. Com isso ele conseguiu trazer um
nova
perspectiva para um dos gneros mais explorados na fotografia do
sculo
XX que foi a street photography. Suas imagens so menos de
tipos
especficos do que de uma sensao geral de se estar em meio ao
rebanho urbano.
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Figura 03: Patrcia Gouveia. Imagens Posteriores
3. Do ponto de vista privilegiado ao ponto de vista mltiplo
A fotgrafa na srie de Patrcia Gouveia no ocupa um ponto fixo
herdado da perspectiva linear renascentista. Ela se movia no
espao e a
imagem trazia o testemunho dessa mobilidade. O ponto de vista
ideal ir
ser ainda mais radicalizado pela sua multiplicao em diversos
pontos de
vista simultneos. Se o tempo o da durao, o espao o da
mobilidade.
Corine Vionnet, fotgrafa franco-sua cujo trabalho Photo
Opportunities
foi exposto no ltimo Encontro de Fotografia de Arles (Frana,
2011),
adicionou um elemento a mais na longa exposio, que foi reunir
diversas
fotografias recolhidas na internet para montar imagens
sobrepostas de
monumentos conhecidos. O resultado mais uma vez so imagens
borradas
onde prdios como as pirmides do Egito, o Coliseu, a torre Eiffel
ou o
Tah Mahal parecem borrados. Ao trabalhar com imagens de
turistas
annimos, ela introduziu novas questes ao tempo de exposio: o que
se
perdeu no foi s o privilgio de uma frao de segundo sobre
outras,
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Figura 05: Cia da Foto, 2008. Publicado originalmente na Folha
de So Paulo e reproduzido no livro O melhor dofotojornalismo
brasileiro edio 2009 (ARAJO, 2009).
4. Do instantneo s cenas montadas
A legitimidade do instantneo tem sido questionada tambm pelo
uso
cada vez mais corrente de cenas montadas, mesmo em temas
documentais. Isso se verifica tanto no fotojornalismo publicado
em jornais
e revistas onde retratos acompanhando reportagens podem ser
realizados
com produo prvia em estdio ou ao ar livre, quanto no territrio
da
fotografia documental que povoa galerias de arte.
O fotojornalista argentino Alejandro Chaskielberg prefere
fotografar
noite e para isso conta com a luz da lua e tambm com
iluminao
artificial que ele prepara. Os personagens dos seus ensaios
sobre a vida
em torno do Rio Paran na Argentina ou sobre a vida no Lago
Turkana, no
Knia, posam em cenas da vida cotidiana deles, recriadas pelo
fotgrafo.
O resultado um trabalho aparentemente documental porm de
apurado
valor esttico e cuidadosamente encenado.
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contrasta com outros publicados quase ao mesmo tempo no portal
terra
tambm sobre o aterro do Jardim Gramacho, porm onde se v apenas
a
iluminao natural e ensaios mais relacionados a fatos como o
trabalho no
aterro e o fechamento do local pelos funcionrios do Servio de
Limpeza
Urbana. O ensaio do Le Monde pode levantar a antiga questo
da
estetizao da misria tornada palatvel pelo tratamento primoroso
dado
ao assunto. Porm, pode-se questionar igualmente se o tratamento
dado
pelo portal Terra no obedece ele tambm a outras convenes do
fotojornalismo que no excluem, por exemplo, uma foto do
pr-do-sol em
meio a montanhas de lixo.4
A interveno do fotografo pode ir alm de questes tcnicas
quando
aparecem as cenas montadas. A fotgrafa mexicana Dulce Pizn
produziu
retratos de imigrantes latinos morando em New York em
encenaes
diversas: seus personagens reais aparecem vestidos de
super-heris da
cultura de massa exercendo suas profisses. Assim, o
homem-aranha
um limpador de janelas; Batman, um taxista; Super-Homem, um
entregador e Huck descarrega caixas em uma mercearia. A
mulher-gato
transforma-se em uma atarefada bab em uma situao onde o
exerccio
de convencimento e seduo para a causa dos imigrantes ocorre com
uma
fuso de humor e realismo. A legenda de cada foto traz a origem
do
imigrante e quanto ele consegue enviar por semana para a famlia
no seu
pas de origem. Os elementos da fotografia documental esto
presentes e
no entanto a fico e o humor so evidentes: cada personagem
exemplifica uma situao socioeconmica representada por
indivduos
com nome real tal qual um ensaio fotogrfico de clssicos do
fotojornalismo como Eugene Smith ou Eugene Richards. A
diferena,
porm, que cada indivduo vive uma bem humorada fico.
4 O ensaio de Fred Merz est disponvel em
http://abonnes.lemonde.fr/planete/portfolio/2012/05/17/rio-de-janeiro-
jardim-gramacho-la-plus-grande-decharge-d-amerique-du-sud_1702498_3244.html
. O portal Terra retirou nainternet um dos ensaios publicados tambm
em maio, porm conservou outros sobre o mesmo assunto sem ocrdito do
fotgrafo:
http://noticias.terra.com.br/brasil/fotos/0,,EI8139-OI203544,00.html
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verifica-se na recusa em produzir uma viso abrangente do tema e
pela
opo de representar um aspecto especfico do assunto. Isso no
quer
dizer que se recusa o poder da fotografia em representar um tema
e sim
que, da mesma forma que ocorreu nos exemplos anteriores, aqui
tambm
d-se ao fotgrafo uma maior liberdade de escolha quanto ao
aspecto a
ser ressaltado.
A metonmia uma figura de linguagem que consiste no emprego de
um
termo para referir-se a outro. O seu uso no nosso contexto pode
ser
verificado como estratgia de organizao de um ensaio fotogrfico
onde
em vez de se mostrar diversos aspectos de um tema, um
detalhe
escolhido para representar um contexto maior.
Um dos temas que mais impulsionaram a fotografia documental foi
o
registro das guerras, a comear pela guerra da Crimeia registrada
por
Roger Fenton, a Guerra da Secesso registrada por Mathew Brady,
a
segunda guerra fotografada por Robert Capa e inmeros outros
fotgrafos. O assunto sempre provocou curiosidade no s pelas
suas
consequncias mas tambm pela situao de risco que a cobertura
envolve. Em ocasio, portanto, onde o flagrante seria
contundente,
curioso que um fotgrafo opte pelo distanciamento e por um olhar
mais
interpretativo. Esse foi o caso de Milomir Kovacevic que em vez
do
confronto no front, em Sarajevo, optou por registrar objetos,
mais
especificamente retratos do ex-presidente Josip Broz Tito, da
antiga
Ioguslvia, cujos retratos tombados em diversos reparties
pblicas
sugeriam o fim de uma era. Tito representava o fim da unidade
que
manteve relativa paz entre os pases que ento guerreavam e
portanto
era personagem simblico. O ensaio fotogrfico sobre a guerra
que
terminaria do dividir a nao opta no pelo combate e sim por um
vis
mais interpretativo que destaca o poder unificador de um
retrato.
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Figura 09: Edu Simes . Gastronomia para um dia de trabalho duro.
(Foto realizada pela autora na exposio doFoto Rio 2011).
6. Das margens pretas s imagens manipuladas
Assim como o tempo um dia culminou em uma privilegiada frao
de
segundo, tambm a integridade da imagem foi legitimada pela
ausncia
de corte que o friso preto em volta da imagem garantia. Tal
prtica
tornou-se, no entanto, marca de uma era. As imagens hoje so
manipuladas das mais diversas formas: o corte tornou-se prtica
comum,
j falamos da imagem montada e da recusa de um momento
privilegiado.
Pode-se falar ainda da manipulao da imagem para alm dos recursos
j
expostos, ou seja, manipulaes mais evidentes.
Os sintomas de transformao da fotografia documental foram
divididos
em categorias aqui com fins explicativos, mas muitas vezes elas
se
misturam. o caso do exemplo seguinte que une nfase em uma parte
da
imagem manipulao digital.
Alinka Echeverria ganhou o prmio HSBC 2011 na Frana com um
ensaio
fotogrfico sobre a procisso para a virgem de Guadalupe no Mxico
(The
Road To Tepeyac) . Seu ensaio consiste de retratos dos
peregrinos vistos
de costas com todo o contexto em volta apagado. Trata-se de
estratgia
semelhante de Rogrio Reis quando ele fotografou os folies no Rio
de
Janeiro (Carnaval na Lona projeto comeado em 1987 ) pedindo a
cada
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do texto j apareceu anteriormente junto com a diagramao nas
capas
de jornal, mas l eram meras legendas que direcionavam o sentido
da
imagem sugerindo uma vez mais a precariedade do simples
registro
fotogrfico. Tal prtica antiga, e no contexto brasileiro ela foi
empregada
com boa dose de inveno por Mrio de Andrade nos seus
registros
fotogrficos em viagens pelas regies Norte Nordeste. Nessas
fotos
publicadas no livro Turista Aprendiz, o poeta e escritor,
tambm
colecionador de revistas de fotografia e fotgrafo amador que
abordou a
fotografia consciente dos seus recursos, usou sugestivos ttulos
para as
suas imagens. Eles no apenas descreviam ou adicionavam
informaes
s fotografias, mas tambm davam a elas novas conotaes como
por
exemplo, na imagem dos lenis pendurados e a legenda "Roupas
freudianas, Fortaleza 5-VIII-27 Fotografia Refoulenta
Refoulement"
fazendo assim com que os lenis ao vento dessublimassem os
segredos
da alcova. Livres dos entraves da profisso de fotgrafo, Mrio de
Andrade
pde usar a fotografia de maneira ldica e inventiva, mesmo tendo
em
vista um programa documental de registro da cultura
brasileira
(ANDRADE, 1993).
So inmeras as combinaes de fotografia e texto em que o ltimo
relativiza o sentido da imagem. Destaco especialmente a obra de
Maureen
Bisilliat e seus livros ilustrando textos literrios com fotos
documentais.
Co sem plumas um dos mais bem sucedidos pois a partir do poema
de
Joo Cabral de Mello Neto sobre o rio Capibaribe, a fotgrafa
expe
imagens da pesca do caranguejo jamais mencionada no poema, mas
cuja
riqueza de conotaes assemelha-se pluralidade de sentidos que o
poeta
extrai do rio. Assim, a misria dos pescadores, principalmente
mulheres e
crianas, combina-se s suas risadas e sensualidade da mesma
forma
que, no poema, a fertilidade do rio Capibaribe combina-se com
a
indigncia das populaes ribeirinhas.
O fotojornalismo dirio tambm rico de exemplos em que o texto
relativiza o sentido das fotografias. Importa ressaltar que fica
implcito,
nesses casos, o fato de que o registro da realidade pode no
bastar e ser
enriquecido pelas palavras abalando, assim, a confiana na
fotografia pura
como documento inquestionvel.
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Todos esses sintomas apontam para o enfraquecimento da noo de
uma
grafia da luz que a fotografia parecia sugerir. Tal iluso h
muito foi
desbancada, porm hoje se observa que as mudanas no se limitam
ao
reconhecimento da presena do fotgrafo nessa escrita com a (e no
da)
luz. A fotografia documental est em transformao porque as noes
de
realismo foram afetadas, porque o tempo no mais o de uma frao
de
segundo, o fotgrafo no ocupa posio privilegiada, o real pode
estar na
encenao, no detalhe, na manipulao da imagem ou at mesmo no
texto em volta. Enfim, a atual fotografia documental demonstra
que a
realidade no slida, mas a sua instabilidade pujante.
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Turazzi, Maria Inez. O Brasil de Marc Ferrez. Rio de Janeiro:
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