MOÇAMBIQUE 40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA UM PAÍS ADULTO A PRECISAR DE CRESCER SUPLEMENTO ESPECIAL 25 junho, 2015
ponto final • QUI. 25 JUN, 2015
MOÇAMBIQUE 40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA
UM PAÍS ADULTO A PRECISAR DE CRESCER
SUPLEMENTO ESPECIAL 25 junho, 2015
ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015II | REPORTAGEM III
Moçambique é uma das economias mais dinâmicas do mundo, que vai continuar a crescer à conta do carvão e do gás. Este desenvolvimento, todavia, não está a criar emprego e deixa de fora os mais pobres. Quarenta anos após a independência, mais de 80 por cento dos moçambicanos continua a viver com menos de dois dólares (16 patacas) por dia. TEXTO E FOTOS DE CLÁUDIA ARANDA, EM MOÇAMBIQUE
Pobre país rico
novos onde se come pregos em bolo
do caco e espetadas de picanha. Não
faltam alternativas e opções na hora
de se beber um café e comer uma
tarte de castanha de caju, desde a
zona nobre da Avenida Julius Nyerere
e do Bairro da Sommerschiled, até à
área mais popular junto à Estátua de
Eduardo Mondlane, já quase à saída
da cidade.
Quem chega vai reparar que já
existem armazéns de roupa e marcas
de luxo, como a “Loja das Meias”,
inaugurada em Maio, próximo do
Jardim dos Namorados, com modelos
de Marc Jacobs, Dolce&Gabbana
ou do estilista moçambicano Taibo
Bacar. Ou como a loja da marca
alemã “Hugo Boss”, com porta aberta
na Avenida 25 de Setembro, na baixa
da cidade, em frente ao mercado
central.
Longe vão os tempos austeros
vividos logo a seguir à independência
– proclamada a 25 de Junho de
1975 – e os anos marcados pelo
idealismo e pela solidariedade
revolucionária. Havia “uma vontade
colectiva de mudar as coisas, era
quase como que um conceito
religioso do paraíso, colectivamente a
independência representava alcançar
o mundo perfeito”, descreve Carlos,
moçambicano, nascido em 1961,
actualmente empresário no sector da
construção.
Na altura, conta Carlos, as pessoas
organizavam-se nos grupos
dinamizadores: “Dávamos aulas
de alfabetização, fazíamos teatro,
discutíamos política, o capitalismo, o
marxismo-leninismo”, recorda.
A crise económica começa a fazer-se
sentir a partir de 1980, “passa a haver
falta de tudo”. Seguiram-se tempos
muito difíceis de escassez de bens,
em que nada havia para comprar nas
lojas de prateleiras vazias.
Muita coisa mudou a partir de 1987,
com a liberalização económica
iniciada em 1985, ainda no tempo
de Samora Machel, o primeiro
presidente de Moçambique,
“quando há uma tentativa de criar
uma economia privada”, prossegue
Carlos. A devastadora guerra civil
que durou 16 anos termina em 1992,
com o acordo geral de paz assinado
em Outubro de 1992, entre o então
presidente da República, Joaquim
Chissano, representante do Governo
liderado pelo partido no poder, a
Frente de Libertação de Moçambique
(Frelimo), e Afonso Dhlakama, lider
das forças da Resistência Nacional
Moçambicana (Renamo). O regime de
partido único liderado pela Frelimo,
que governava o país desde 1975, deu
lugar ao multipartidarismo. O país
tornou-se democrático e começou a
realizar eleições multipartidárias a
cada cinco anos.
ECONOMIA INFORMAL ENCHE BARRIGAS
Da época que Carlos descreve pouco
resta na memória de Pedro, na altura
uma criança. Hoje condutor de moto-
táxi – ou “tchopela”, como é conhecido
o veículo de três rodas –, Pedro vê
nas novas estruturas de betão que
se erguem na avenida Julius Nyerere
“sinais de desenvolvimento”.
A vida até nem corre mal ao moto-
taxista. Depois de cumprir dois
anos de serviço militar teve a sorte
de conseguiu um “biscate” como
condutor de tchopela. Começou a
juntar dinheiro e há três anos, com a
ajuda do irmão, acabou por investir
150 mil meticais – mais de 31 mil
patacas – no seu próprio “riquexó”
de fabrico indiano. Cada viagem custa
pelo menos 100 meticais (quase 30
patacas), 20 vezes mais do que o preço
do “chapa”, o transporte colectivo mais
usado na capital moçambicana, que
geralmente circula superlotado com
dezenas de passageiros. Ao fim de três
anos, Pedro já pagou o investimento
Flávio Quembo
EMPRESAS MOÇAMBICANAS QUEREM ENTRAR NOS PROJECTOS CHINESESAs pequenas e médias empresas moçambicanas querem ser incluídas nos projectos de investimento da China, diz Flávio Quembo, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários.
Na opinião de Flávio Quembo, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) existe espaço para as pequenas e médi-as empresas (PME) moçambicanas participarem dos investimentos que a China está a fazer em Moçambique. “Há muitas empresas chinesas a investir em Moçambique e essas empresas poderiam req-uerer serviços às pequenas e médias empresas locais”, sugere Quembo. No entanto, alerta o presidente da ANJE, é pre-
ciso estar consciente das limitações das PMEs locais: “Essa é também uma preocupação, não podemos só exigir essa abertura e oportuni-dade, sem garantir que as empresas locais ten-ham a capacidade”. Defende.Por outro lado, a China é um mercado que inter-essa a Moçambique para a aquisição de tecnolo-gia de baixo custo. “A China permite-nos conseguir máquinas e eq-uipamentos a preços democráticos para estabe-lecermos pequenas indústrias e conseguirmos
transformar os nossos recursos naturais”, afir-ma o presidente da associação.O interesse da ANJE foca-se em mercados como a China e o Japão: “A China fornece novo porque consegue fabricar por um preço democratizado, o Japão não nos oferece novo, mas é de boa qualidade, e nós podemos ter acesso a produtos de segunda mão. De uma maneira ou de outra precisamos de ter acesso à tecnologia”, afirma Quembo. O Japão já é fonte de carros em se-gunda mão a preços mais acessíveis. • C.A.
Quem hoje visita Maputo,
a capital de Moçambique,
vai notar que a cidade está
a renovar-se. Há grandes projectos
imobiliários em construção nas
partes alta e baixa da cidade, que
estão a ocupar espaços antes
habitados por casas de arquitectura
colonial, testemunhos de uma outra
época. As ruas e avenidas têm asfalto
recente, há cafés e restaurantes
> > >
Hoje condutor de moto-táxi – ou “tchopela”, como é conhecido o veículo de três rodas –, Pedro vê nas novas estruturas de betão que se erguem na avenida Julius Nyerere “sinais de desenvolvimento”.
ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015
Um dos novos projectos com investimento, construção e gestão chinesas e grande visibilidade na cidade portuária da Beira, no centro do país, é o empreendimento de cinco estrelas “Beira Golden Peacock Resort - Hotel e Casino”. A unidade hoteleira foi inaugurada em Julho de 2014, com a presença do ex-presidente da República de Moçambique, Armando Guebuza. O hotel tem 100 mil metros quadrados de área, dois quilómetros de extensão de praia, restaurantes, spa, discoteca e um casino: “Casino Marina Beira”, o primeiro estabelecimento do género a abrir no centro do país. A unidade disponibiliza 70 slot-machines, uma sala de jogo com mesas de Blackjack, Roleta e Pocker e ainda duas salas VIP para quem quiser arriscar apostas elevadas.O jogo em Moçambique era operado até agora por três monopólios: na cidade de Maputo pelo Casino Polana, na província de Maputo, no distrito da Namaacha, junto à fronteira com a Swazilândia pelo Sul Libombos e na cidade de Pemba, no norte do país, pelo Nautilus Hotel & Casino.A cidade capital da província de Sofala – a segunda mais importante do país – deseja reafirmar-se como “uma cidade de referência em termos de oportunidades de negócios e de investimento”, afirmou ao PONTO FINAL Daviz Simango, presidente do município da Beira. O porto da cidade é o ponto de escoamento do carvão que chega do couto mineiro de Moatize, na província de Tete, que a mineradora brasileira Vale está a operar desde 2011. Essa actividade está a movimentar a economia na Beira e a atrair novos investimentos, inclusive chineses.Há mais de 60 grandes empresas chinesas estabelecidas em Moçambique e algumas delas já começam a fazer investimentos em Sofala, confirmou recentemente o segundo secretário da embaixada chinesa em Moçambique, Wang Lipei, num encontro realizado na Beira.
HOTEL CINCO ESTRELAS “BOM MAS BARATO”
O novo empreendimento hoteleiro da Beira promove-se como “um hotel de cinco estrelas económico”. O slogan promocional não deixa dúvidas: “Nice but Cheap”, qualquer coisa como “Bom mas Barato”. O hotel, casino e spa pretende tornar-se “um local incontornável” para empresários em trânsito para o Zimbabwe, o Malawi e a Zâmbia.O projecto foi construído pela Sogecoa (Moçambique), uma subsidiária em África da empresa chinesa Anhui Foreign Economic Construction Corporation (EFECC), estabelecida em 1999. A companhia foi responsável por grandes obras em Moçambique como o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Centro de Conferências Joaquim Chissano, a reabilitação do aeroporto internacional de Maputo, a construção do estádio nacional do Zimpeto ou do edifício da operadora de telefonia móvel MCel, na Beira. A Sogecoa é hoje empresa líder do mercado da construção. Um dos seus próximos projectos é a reabilitação da estrada que liga a Beira a Machipanda, na fronteira com o Zimbabwe, numa extensão de 287 quilómetros.
Na Beira, a China vai também financiar a reabilitação e capacitação do porto. Em Setembro do ano passado um investimento de 120 milhões de dólares ficou acordado entre o Exim Bank da China e o Governo moçambicano para o efeito. Na sexta-feira, 19 de Junho, os governos moçambicano e chinês assinaram em Maputo um acordo geral para os próximos três anos, nos sectores económico, técnico e comercial, com um valor global dos investimentos chineses no país previsto de 5 mil milhões de dólares.O governo moçambicano anunciou recentemente em Macau que espera que a construção de infra-
estruturas continue a fazer-se com investimento da China, dada a sua capacidade de mobilização de fundos. Os projectos de infra-estruturas que o governo de Moçambique pretende desenvolver nos próximos cinco anos – incluindo pontes, estradas e barragens – têm um custo estimado de oito mil milhões de dólares. Do investimento efectuado em Moçambique nos últimos quatro ou cinco anos no sector das infra-estruturas cerca de “60 a 70 por cento tem sido executado por empresas chinesas”, afirmou na altura o vice-ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos de Moçambique. • C. A.
IV | REPORTAGEM V
Na opinião de Egídio Vaz, investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (CEC), a abertura do país ao investimento chinês resulta da vontade do antigo presidente moçambicano, Armando Guebuza, de “diminuir o envolvimento dos doadores internacionais no orçamento de Estado” e “escapar à cartilha do Ocidente” sobre a boa governação. A ajuda internacional tem desempenhado um papel importante na recuperação económica e social de Moçambique, mas é tida como restritiva da capacidade dos políticos governarem de forma autónoma, uma vez que os doadores impõem critérios de boa governação, transparência no gasto público e respeito pelas regras da democracia para a concessão de ajuda.Egídio Vaz acredita que houve “uma viragem clara para o Oriente” durante os 10 anos de governação de Armando Guebuza, porque “os chineses não se intrometem na política doméstica” do país. O analista defende, no entanto, que é “possível conciliar as duas coisas: as boas relações com a China e o esforço do Estado ser responsabilizável, ser um governo sério, continuar a trabalhar para aperfeiçoar o seu desempenho e combater a corrupção”. Aliás, diz o analista, “a própria China tem exemplos claros, concretos e vibrantes de luta
contra a corrupção. Lá [na China] executa-se [a guerra contra a corrupção] sem contemplação. Ou seja, nós não podemos como moçambicanos deixarmo-nos seduzir pelo dinheiro fácil e deixar de aperfeiçoar o nosso quadro institucional para a boa governação”, sustenta.O analista critica fortemente a forma como foi aplicada a estratégia de Guebuza de “reduzir drasticamente a dependência externa e o poder do Ocidente sobre as decisões do país”. Egídio Vaz considera que o processo “não foi feito de forma sustentada”, mas sim recorrendo ao endividamento externo, nomeadamente chinês. Apesar de estar a aumentar a capacidade de se autofinanciar com recursos internos, a sustentabilidade financeira do Estado moçambicano ainda depende da ajuda externa prestada pelos doadores internacionais. O G19 reúne todos os parceiros de cooperação que prestam apoio geral ao orçamento do Estado moçambicano. O grupo é actualmente presidido por Portugal e inclui organizações como o Banco Mundial e a União Europeia entre os membros permanentes. O Japão é membro associado. A China não faz parte, preferindo distribuir ajuda bilateralmente. O G19 foi responsável por 1,9 mil milhões de dólares de ajuda em 2013. • C.A.
ENTRE A CHINA E O OCIDENTE O analista moçambicano Egídio Vaz diz que a viragem do país para a China foi uma escapatória à “cartilha do Ocidente” sobre boa governação. Mas, lembra que até a China está a dar exemplos “vibrantes” de luta contra a corrupção.
CASINO CHINÊS NO CENTRO DE MOÇAMBIQUE Um hotel casino com 10 hectares de área e dois quilómetros de extensão de praia é o investimento chinês que mais tem dado que falar na Beira, no centro do país.
de pagar despesas extra lá em casa.
Nos dias que correm, nos mercados
formais ou de rua não falta variedade
de alimentos para pôr na mesa, mas
as famílias têm de fazer aquilo que
chamam de “ginástica financeira” para
conseguirem alimentar-se com salários
mínimos na ordem dos 3100 meticais
mensais. É por este montante – 640
patacas – que se pauta a remuneração
mais baixa aplicada ao sector da
agricultura e silvicultura, segundo os
valores aprovados pelo novo Governo,
em Março de 2015.
O comércio informal prolifera
como forma de obter rendimento
complementar. Os restaurantes
ambulantes ou as refeições informais
são um dos negócios que se têm
revelado bastante rentáveis. À hora
de almoço, na alta da cidade, são
dezenas os carros que estacionam
nas esquinas: no interior as panelas
de arroz, frango, caril. No exterior,
as próprias cozinheiras a servirem
pratos por uma média de 50 meticais a
funcionários de escritórios e serviços.
Mais de 300 mil novos candidatos
a emprego entram no mercado de
trabalho todos os anos. No entanto,
Moçambique é caracterizado pela
elevada taxa de desemprego (22 por
cento) e sub-emprego (mais de 87 por
cento). A maioria da força de trabalho
dedica-se à agricultura de subsistência
e actividades informais. Hoje, “80 por
cento da actividade empresarial em
Moçambique é informal”, explica Flávio
Quembo, presidente da Associação
Nacional de Jovens Empresários
(ANJE). “Há uma predisposição para
as pessoas fazerem negócios por
necessidade e não por oportunidade.
Esses 80 por cento no sector informal
fazem negócio porque lhes foi vedada
qualquer outra oportunidade de se
inserirem economicamente. Fazem-
no por reacção, daí que tendem a
ter um crescimento limitado, não se
desenvolvem, não se estabelecem
Egídio Vaz
> > >
como empresas, porque começaram
o negócio apenas para comer e assim
vão continuar”, explica Quembo.
O baixo poder de compra dos
moçambicanos e a falta de capacidade
financeira são alguns dos factores que
limitam o crescimento dos pequenos
empresários.
MOVIDOS A CARVÃO, GÁS E DIAMANTES
Moçambique alterou o seu rumo
económico, sobretudo, com a
descoberta de enormes reservas de
carvão e gás, que atrairam a atenção
de grandes investidores estrangeiros.
O país é rico numa grande variedade
de recursos minerais, especialmente
gás natural (tem as segundas
maiores reservas mundiais), carvão,
petróleo, depósitos de areias
pesadas, ouro, cobre, titânio, grafite
e outros minerais em quantidades
significativas. Recentemente, foi
descoberto o primeiro depósito do
país de diamantes de qualidade e com
valor de mercado por uma empresa
australiana, a Mustang Resources.
Na última década, Moçambique –
com uma população de 25,8 milhões
– situou-se entre as 10 economias
mundiais com o crescimento mais
rápido, a uma média anual de 7,5 por
cento. As previsões para a próxima
década indicam que esse crescimento
vai continuar acelerado e a uma taxa
elevada. No relatório de avaliação
apresentado em Maio deste ano, o
Fundo Monetário Internacional (FMI)
deu nota positiva ao desempenho
económico de Moçambique, que
continua “robusto e mais forte do que
a maioria dos outros países da África
subsariana”. Para 2015, estima-se um
crescimento de 7 por cento.
Mas as agências de notação de risco
Fitch e Moody’s têm estado a lançar
alertas para uma possível descida nas
estimativas de crescimento. Em causa
está a queda nos preços do carvão e
do gás no mercado internacional e a
incerteza global sobre o financiamento
dos projectos de infra-estrutura,
inclusive devido à possibilidade de
a China também abrandar o seu
crescimento.
No entanto, a médio prazo,
“Moçambique deverá manter-se uma
das economias mais dinâmicas do
continente, com taxas de crescimento
médio de 8 por cento ao longo do
período entre 2016 e 2019”, prevê o
FMI. As primeiras exportações de
gás natural estão previstas para 2019.
China, Japão e Índia deverão ser os
“O desafio maior é a boa gestão dos recursos
financeiros, é garantir que os recursos
alocados sejam usados para os fins para os
quais estão destinados”, diz Egídio Vaz.
> > >
realizado e está a construir uma casa
para a família na Matola, cidade-
satélite de Maputo. Para quem se
consegue afirmar no competitivo
mundo da prestação de serviços de
transporte, conduzir tchopela é uma
forma de sair do desemprego ou
ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015
Em Abril deste ano, o novo presidente moçambicano, Filipe Nyusi, deu início às celebrações dos 40 anos de independência com o lançamento na província de Cabo Delgado, a norte do país, junto à fronteira com a Tanzânia, da “chama da unidade nacional”. Desde então a tocha da unidade tem vindo a passar de mão em mão, percorrendo as diversas províncias e distritos num apelo à união dos moçambicanos e à manutenção da paz no país. A tensão política e militar escalou em 2013 e 2014 com confrontos violentos entre as forças do Governo e elementos armados da Renamo, resultando em baixas militares e civis, deslocação da população e interrupção das actividades sócio-económicas, de acordo com o “African Economic Outlook 2015”. A discórdia relacionava-se com leis eleitorais percebidas como injustas, acusações de domínio do partido no Governo nas instituições do Estado e exclusão política e económica. A situação aliviou em Setembro de 2014, quando um acordo de paz foi assinado entre o presidente da República
cessante, Armando Guebuza, e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama. O convénio previa um cessar-fogo, o desarmamento, uma nova lei eleitoral, a integração dos homens armados nas forças de segurança nacionais, a “despartidarização das instituições” e a redução da influência da Frelimo no Estado. A Frelimo ganhou as eleições de Outubro, com 144 assentos na Assembleia Nacional, perdendo 47 assentos para a Renamo. O maior partido da oposição aumentou a presença no parlamento de 51 para 89 assentos, enquanto o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) passou de 8 para 17 representantes. Os resultados foram aprovadas pelo Conselho Constitucional, mas tanto a Renamo como o MDM rejeitaram-nos, alegando fraude generalizada. Esta situação voltou a criar tensão política. No início do seu mandato, a 15 de Janeiro deste ano, o novo presidente da república, Filipe Nyu-si, avistou-se duas vezes com o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, e também com o presidente do MDM, Daviz Simango, e representantes de vários partidos extraparlamentares. Depois dos encon-
tros entre o Presidente da República e o líder da oposição, a Renamo submeteu um ante-projeto de lei ao parla-mento, preconizando a criação das autarquias provinciais em seis regiões do país – Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa – mas a proposta foi rejeitada pela maioria da Frelimo. A c t u a l m e n t e , a Renamo continua a não reconhecer os resultados das eleições de Outubro e exige um acordo de partilha de poder que in-clui a criação de autarquias provinciais em todo o país e a gestão das seis regiões onde reclama vitória eleitoral, sob ameaça de tomar o poder à força. No Conselho Nacional da Renamo, realizado na primei-
ra quinzena de Junho, na cidade da Beira, província de Sofala, foi aprovada a criação de uma polícia e a redistribuição do efectivo militar da Renamo para responder a eventuais ataques do Governo. • C.A.
“A UNIDADE NACIONAL SÓ SE CONSEGUE ENVOLVENDO AS PESSOAS”Maria Ivone Soares, líder da bancada parlamentar da Renamo, lamenta que o parlamento moçambicano não consiga ser “o centro privilegiado de busca de consensos”.
“SITUAÇÃO POLÍTICA É FRÁGIL”Para Daviz Simango, presidente do município da Beira e líder do MDM, terceiro maior partido em Moçambique, a arrogância dos políticos fragiliza o processo de crescimento do país.
APELO À PAZ Moçambique completa 40 anos de independência a 25 de Junho com apelos à unidade nacional e à paz.
principais destinos.
VIVER COM MENOS DE 16 PATACAS POR DIA
O país está mais rico hoje, os
restaurantes da capital do país
enchem-se à sexta-feira à noite com
casais, grupos de amigos ou homens
de negócios para comer o afamado
camarão tigre de Moçambique (um
dos produtos mais exportados pelo
país), caranguejo ou um bife de vaca
a uma média de 700 meticais só pelo
prato – 145 patacas – ou 2000 por
uma refeição com vinho e sobremesa.
No entanto, os que podem pagar pelo
festim representam menos de 20 por
cento da população.
O crescimento registado não se está a
traduzir na melhoria das condições de
vida dos cidadãos mais pobres. Pelo
contrário, a riqueza está a concentrar-
se nas mãos de um grupo de pessoas
e o fosso entre ricos e pobres está a
aumentar.
Apesar dos progressos registados em
termos de qualidade de vida face aos
dias difíceis da década de 1980, o
país continua a sofrer de altos níveis
de pobreza e de vulnerabilidade.
Actualmente, 82 por cento dos
moçambicanos vivem com menos de
2 dólares norte-americanos por dia
(cerca de 16 patacas), e mais de metade
– 55 por cento – vive abaixo do limiar de
pobreza nacional fixada em 0,6 dólares
por dia (cerca de 5 patacas), indica o
relatório “Perspectivas Económicas em
África 2015” (African Economic Outlook
2015), divulgado pelo Banco Africano
de Desenvolvimento (BAD). No índice
de desenvolvimento humano (IDH) de
2014, compilado pelas Nações Unidas,
Moçambique surge na cauda da tabela,
ocupando a 178ª posição em 187 países.
A expansão da riqueza “está concentrada
nas infra-estruturas, nos mega-projetos
e no sector financeiro, que representam
menos de 20 por cento da população”,
disse recentemente o economista
António Francisco, coordenador do
grupo de investigação sobre Pobreza
e Protecção Social no Instituto de
Estudos Sociais e Económicos, em
Maputo, citado pela Lusa. Em 2009,
num estudo intitulado “A Relatividade
da Pobreza Absoluta e Segurança Social
em Moçambique”, António Francisco
calculou em 90 por cento o número de
moçambicanos a viver com menos de
2 dólares norte-americanos, que é um
dos limiares de pobreza de referência
internacional.
O “African Economic Outlook 2015”
alerta para o facto de o crescimento
económico não estar a criar empregos
“É preciso compreender que a situação política em Moçambique está frágil. Há a tendência para voltarmos para situações anteriores”, disse Daviz Simango, presidente do município da Beira, o segundo maior do país, e líder do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), o terceiro maior partido político em Moçambique.“Infelizmente, nós como moçambicanos não aprendemos isso. Lembro-me perfeitamente que quando se juntou os moçambicanos pela independência a ideia era lutar para que o país se tornasse independente, para que os moçambicanos, em processo democrático, pudessem depois fazer as suas opções. A democracia foi interdita em 1975 e começámos
com uma guerra civil em 1976. Houve um acordo de paz em 1992 e ficou tudo convencido que poderíamos abrir uma nova jornada de convivência. Mas, ainda persiste a arrogância, a exclusão, o provérbio de que ‘se não estás comigo então não és nosso’. Esta situação fragiliza o processo de crescimento de Moçambique”, disse o líder partidário, que tem ganho sucessivamente as eleições autárquicas desde 2003, mantendo-se como presidente do Conselho Municipal da Beira desde 2004. Daviz Simango é filho de Celina e Uria Simango, ex-vice-presidente da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), ambos supostamente mortos por alegada traição ao
Em conversa mantida com o Ponto Final, em Maputo, Maria Ivone Soares, líder da bancada parlamentar da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), principal partido da oposição, defendeu que a verdadeira reconciliação depende da inclusão das outras forças políticas no processo. “As pessoas quando estão envolvidas comprometem-se, apropriam-se das iniciativas, contribuem e avançam como um grupo, mas isto nunca aconteceu”. “A Frelimo continua a desenhar programas sem envolver as pessoas e depois diz que está a unir os moçambicanos”.No entender da deputada de 35 anos, sobrinha do líder da Renamo, Afonso Dhlakama, com assento na assembleia nacional moçambicana desde 2010, o parlamento não tem conseguido ser o centro privilegiado de busca ou de encontro de consensos. “Quando são questões fundamentais que mexem com a vida dos cidadãos os consensos são encontrados noutras mesas de diálogo, não na Assembleia da República e isso para mim é algo que me deixa extremamente chocada”, diz. Ivone Soares explica que isso se deve à “incapacidade do parlamento de puxar para si estas matérias que deveriam ser tratadas aqui”, no hemiciclo. Por isso, a Renamo buscou um espaço alternativo para o diálogo com o Governo. “Já vamos em mais de 100 rondas de diálogo, mas pela primeira vez estamos a discutir assuntos profundos, que na minha óptica deveriam estar a ser discutidos no parlamento, se o parlamento fosse um centro de discussão de ideias por excelência”.Essa ineficácia do hemiciclo enquanto espaço de debate de ideias deve-se à “arrogância do partido no Governo”, prossegue
Ivone Soares. O partido maioritário no parlamento, a Frelimo, “limita-se a chumbar todas as propostas da oposição, sem procurar entender ou oferecer uma contra-proposta”.Foi o caso do projecto de lei sobre o quadro institucional das autarquias provinciais. A deputada da Renamo defende que o seu partido e o candidato presidencial Afonso Dhlakama ganharam as eleições em todo o país, em 2014, mas que houve manipulação dos resultados de maneira a manter a Frelimo no poder. A proposta de criação de autarquias provinciais surge como a “solução pacífica” para a alegada fraude eleitoral. “O que nós pretendemos é exigir que, onde eles [partido no Governo] reconhecem que nós ganhamos, que nos deixem governar”. Por outro lado, a deputada – que advoga que a liberdade de expressão foi uma conquista da Renamo, que lutou “pela democracia e pela realização de eleições multipartidárias” - diz que esse direito está “ameaçado diariamente”. “Teoricamente nós dizemos o queremos, mas volta e meia há consequências. Sinto que há esta ameaça constante, mas nem por isso nos devemos acobardar ou ficar receosos de dizer o que pensamos, vamos continuar a falar cientes dos riscos que corremos”, garante. Para exemplificar esta situação, a deputada mencionou o caso do assassinato do constitucionalista e professor catedrático moçambicano, Gilles Cistac, baleado em Março de 2015, em Maputo. Ivone Soares critica a falta de empenho das autoridades moçambicanas na investigação daquela morte. Afonso Dhlakama, na altura, acusou a ala radical da Frelimo de matar o académico para “desmoralizar a Renamo”. Cistac foi uma figura central no debate sobre as regiões autónomas em Moçambique e a descentralização do poder. • C.A.
partido. O antigo membro da Renamo, fundou o MDM em 2009, depois de um desentendimento com o líder do maior partido da oposição, Afonso Dhlakama.Para a pacificação do país, o presidente do MDM gostaria que os dirigentes políticos abandonassem a arrogância e encetassem um diálogo leal que permita a reconstrução de Moçambique: “Temos de manter mais o diálogo, tem de ser um diálogo de facto, tem de haver cedências de todas as partes, para acabar com o conflito e essa sombra que está a pairar sobre Moçambique”, defende.Nas eleições gerais de 2014, o partido fundado em 2009 por Simango alargou a sua representação parlamentar, ao eleger 17 deputados num total de 250, mais nove dos que na anterior legislatura. O MDM lidera quatro municípios: a Beira, Nampula, Quelimane e Gurué. “A economia está nas mãos de um punhado de pessoas, e são pessoas claramente identificadas, porque estão ligadas ao regime do dia. Por outro lado, nota-se que não há políticas claras sobre como aproveitar os nossos recursos naturais (…). Isso vai dificultar a saída do país da situação em que está”. Para Daviz Simango, “este conflito também tem a ver com a exclusão que os moçambicanos vivem, atingimos níveis de exclusão inadmissíveis num Estado de direito, em que em alguns momentos a actividade política é vedada”.O autarca defende que a capacidade técnica, o mérito e o conhecimento devem sobrepor-se à afiliação partidária. “O país já tem 40 anos de independência, é preciso que os moçambicanos sejam mais abertos e acabar com a história de ‘partidarização’. Não se pode partidarizar as mentes, as pessoas, a economia, isso tudo pode ser evitado. Queremos uma forma de Estado independente, livre de amarras e influências políticas. O político concorre, ganha eleições, hoje está aqui, amanhã vai embora, mas as instituições ficam, o Estado fica, o conhecimento técnico das instituições fica, os funcionários ficam. É essa cultura que temos de cultivar no nosso país”. • C.A.
suficientes e recomenda um modelo de
crescimento inclusivo, a diversificação
da economia independente dos mega-
projectos e dos recursos naturais e a
melhoria da forma como são gastos
os dinheiros do erário público para
promover o desenvolvimento humano.
Para Egídio Vaz, investigador do
Centro de Estudos Interdisciplinares
de Comunicação (CEC), o factor
“corrupção” continua a ser um dos
maiores males do país: “Se, por um lado,
estamos a registar um bom crescimento
económico com tendências para
continuar, e por outro lado não estamos a
conseguir que este crescimento se revele
no desenvolvimento das populações,
é justamente porque temos problemas
sérios ao nível da boa governação, da
corrupção”, diz o analista. “O desafio
maior é a boa gestão dos recursos
financeiros, é garantir que os recursos
alocados sejam usados para os fins para
os quais estão destinados”, prossegue.
“Na ausência de uma boa governação,
presume-se que esses recursos vão ser
usados para outro tipo de coisas e não
em prol do desenvolvimento. Estamos a
falar aqui da corrupção.”
O novo presidente da república
de Moçambique, Filipe Nyusi,
comprometeu-se no seu discurso de
tomada de posse, a 15 de Janeiro, a
“melhorar as condições de vida do povo
moçambicano aumentando o emprego,
a produtividade, a competitividade
e criando riqueza para o alcance do
desenvolvimento inclusivo”. Para a
realização destes objectivos, Nyusi
afirmou ser “crucial” o empenho do país
na “consolidação do Estado de direito
democrático, na boa governação e na
descentralização”.
Na opinião de Egídio Vaz “o sucesso de
Nyusi vai residir na sua capacidade de
resiliência: ou ele subverte este sistema
para uma situação mais prestativa ou o
sistema engole-o e acomoda-o”.
VI | REPORTAGEM VII
Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi
> > >
ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015VIII | ENTREVISTA IX
Greg Carr é o milionário
americano que nos anos de
1980 e 1990 fez fortuna com
o desenvolvimento e marketing de
serviços de voice-mail e Internet. A
partir de 2004, o filantropo colocou
de lado 40 milhões de dólares
norte-americanos para investir na
recuperação do Parque Nacional da
Gorongosa, onde hoje passa quase
metade do ano.
“Este é um parque espectacular e
com alguma ajuda poderá vir a ser
um dos melhores de África”, escreveu
quando visitou pela primeira vez a
área. O parque, situado no distrito de
Gorongosa, província de Sofala, com
entrada a 180 quilómetros da cidade
da Beira, tem quase 4 mil quilómetros
quadrados e já foi considerado um dos
“Gorongosa é uma experiência fantástica”O PONTO FINAL foi fazer um safari na Gorongosa e almoçou com Greg Carr no acampamento de Chitengo. O milionário e filantropo, presidente do projecto de restauração do Parque Nacional da Gorongosa, não tem dúvidas: o turismo é uma garantia de sustentabilidade para os parques naturais, cria empregos e motiva tanto os locais como os de fora a protegerem a vida selvagem.
melhores do mundo nos anos 1960 e
1970, com grandes concentração de
elefantes e de leões. Dezasseis anos
de guerra civil levaram, contudo,
ao extermínio de 90 por cento dos
animais. O número de elefantes caiu
de seis mil, em 1976, para apenas 100.
Os leões, cerca de 500 na altura, quase
desapareceram. Entre 2004 e 2007 a
Carr Foundation investiu mais de 10
milhões de dólares na reabilitação da
fauna da Gorongosa. Neste período
foram reintroduzidos búfalos e bois-
cavalos, entre outras espécies, e
começou o processo de restauro do
acampamento de Chitengo, ponto de
acolhimento dos visitantes. Seguiu-se
em 2008 a assinatura de um acordo por
20 anos entre a Carr Foundation – que
passou a designar-se por “Gorongosa
Restoration Project” - e o Governo de
Moçambique para a gestão conjunta
do parque, que prevê a restauração
do ecossistema, a criação de uma
indústria turística sustentável e o apoio
ao desenvolvimento socioeconómico
das 16 comunidades e cerca de 100 mil
pessoas que vivem na zona tampão
à volta da área protegida. Para Carr,
já não se trata de fazer dinheiro.
Trata-se, sim, de recuperar, proteger
e desenvolver a Gorongosa, com
projectos que ajudem a natureza e as
populações nela inseridas.
- Já passaram alguns anos desde
que empreendeu o projecto de
recuperação do parque. Está satisfeito
com os resultados?
Greg Carr (G.C.) – Até agora há três
coisas que fizemos que são muito
importantes. Em primeiro lugar a
conservação, com a criação de uma
força de “rangers” (fiscais ou guarda
florestais) para proteger os animais.
Contratamos localmente, treinamos os
rangers, damos-lhes bons empregos.
Fizemos a reintrodução de animais e
o número de animais está a aumentar,
por causa da proteção adicional. Estou
feliz com isso. Em segundo lugar,
estamos a trabalhar nas comunidades,
com o nosso atendimento de saúde,
educação, com projectos agrícolas.
Sinto-me feliz com estes programas,
que estão a melhorar as vidas de
milhares de pessoas. E, em terceiro
lugar, estou muito feliz e orgulhoso
com a ciência que fazemos aqui: temos
cientistas de todo o mundo. Temos
cientistas moçambicanos que estão a
estudar este ecossistema, que estão a
aprender coisas novas sobre ecologia
que não sabíamos, estão a publicar
artigos científicos, a identificar espécies
que são novas para a ciência e estas
lições de ecologia podem ser usadas
noutras partes do mundo. Quando
olho para os últimos oito anos, vejo
um grande crescimento no número
de animais, a criação de um centro de
pesquisa científica de classe mundial e
a intervenção em milhares e milhares
de famílias em todo o parque. Sinto-
me muito satisfeito em relação a
isso. Vamos fazer crescer todas estas
actividades ao longo dos próximos doze
anos. Tenho a certeza que o número de
animais vai dobrar e dobrar novamente.
Todos os nossos projectos vão crescer.
– Que tipo de projectos?
G.C. – Em 2016 teremos a marca de café
Gorongosa, que talvez possamos vir a
vender em Macau. Este projecto tem
vários objectivos. Primeiro, vai criar
empregos para 1000 famílias que irão
produzir o café e vão colhê-lo. Segundo,
consiste num método para restaurar a
floresta da Serra da Gorongosa, porque
plantamos e produzimos árvores de
café nativas, mas também plantamos
árvores para fazer sombra às plantas de
café, porque elas precisam de sombra.
Este é um exemplo de um projecto que
ajuda as pessoas e a floresta. Sentimo-
nos muito confiantes em relação ao
sucesso do nosso café. As árvores já
estão com um metro de altura, estamos
confiantes de que teremos um produto
muito bom, um café de origem local,
vindo de uma montanha especial,
crescendo naturalmente, orgânico. Há
uma grande quantidade de abelhas que
vivem na montanha que polinizam as
árvores, estou muito animado.
– Falou em Macau. Acha importante
trazer turismo da Ásia para a
Gorongosa?
G.C. - O único aspecto em que vamos
estar a investir muito nos próximos
anos é o turismo. O turismo gera
empregos para a população local,
constrói a economia regional. A
Gorongosa é uma experiência
fantástica. As pessoas estão a fazer
safaris, veem elefantes, leões, pássaros
e nós estamos a acrescentar actividades
turísticas. Pensamos que a Gorongosa
é uma experiência turística de classe
mundial, e vamos acrescentar mais
alojamentos. Espero que as pessoas
na China, em Macau, em Hong Kong
considerem vir à Gorongosa. Acho que
vão ter uma das melhores experiências
das suas vidas.
– Qual vai ser o futuro do parque
quando terminarem os 20 anos
de parceria com o Governo? Tem
expectativa de renovar o contrato?
G.C. - Sim, o nosso contrato tem um
prazo de renovação e suspeito que é
muito provável que renovemos. Há
mais de 99 por cento de probabilidades
de eu ficar a trabalhar aqui para o resto
da minha vida. Provavelmente outros
25 ou 30 anos. Não há nenhuma razão
para parar daqui a 12 anos. Toda a
gente está feliz.
- Quais as formas de sustentabilidade
do parque, para além do
financiamento a fundo perdido que
está a fazer?
G.C. - O turismo é a sustentabilidade
do parque. Há três coisas que o turismo
faz pelo Gorongosa: número um, cria
empregos para a população local;
número dois, quando as pessoas pagam
as taxas para entrarem no parque estão
a tornar o parque sustentável; número
três, quando as pessoas vêm aqui de
férias e passam a semana como turistas,
apaixonam-se pela natureza talvez mais
profundamente do que alguma vez
imaginaram. Então, vão para casa, onde
quer que seja, com um compromisso
renovado de “salvar a natureza”. Dessa
forma, a Gorongosa pode influenciar o
mundo inteiro e levá-las a proteger os
lugares em perigo. Às vezes as pessoas
tendem a esquecer esta terceira função
do turismo. Os turistas também vivem
uma experiência que lhes vai fazer
ver as coisas de outra forma e esses
benefícios são incalculáveis. Essa
experiência educa, inspira. A seguir,
muita gente vai transformar isso em
acções, vão voltar para casa e talvez se
tornem conservadores da natureza nos
seus países.
– O turismo é suficiente para sustentar
o parque?
G.C. - Também temos apoio dos
governos dos EUA e de Portugal.
Recebemos agora um donativo
importante da Irlanda e há indivíduos
e empresas que nos apoiam. Temos
muitos que nos ajudam e isso é
importante para que o parque não
dependa de apenas um doador como
eu. Queremos ter o maior número
possível de doadores para que o
projecto seja mais resiliente. Mesmo
daqui a 20 anos, mesmo que haja
muito turismo, a gerar muitas receitas,
acredito que vai haver indivíduos e
governos generosos a preocuparem-
se com a conservação, penso que uma
parte do orçamento do parque pode
vir de filantropia. Mas, se uma grande
parte das receitas vier do turismo
então isso é muito bom.
– Tem confiança no futuro do parque
a longo prazo?
G.C. - A coisa boa sobre Moçambique
é que o governo moçambicano
ama a Gorongosa. Este parque é da
propriedade do povo de Moçambique,
todos os moçambicanos amam a
Gorongosa, é o seu tesouro. Quando
me encontro com um funcionário do
Governo, na capital (Maputo), ele ou
ela, expressam sempre o seu apoio à
Gorongosa. É o símbolo da sua nação
e está situada no centro da sua nação,
ligando o norte ao sul. Acho que a
razão da Gorongosa estar a ser bem
sucedida não tem nada a ver comigo,
eu sou apenas uma pessoa. O parque
da Gorongosa está a ter sucesso porque
25 milhões de moçambicanos querem
ter um parque nacional e um parque
nacional é um dos melhores símbolos
da democracia e do igualitarismo,
porque este parque é de todos, todos
são bem-vindos. Acho que o governo
de Moçambique constitui um bom
exemplo para outras nações. Sabe
como valorizar um parque nacional.
– Os moçambicanos mais
desfavorecidos também têm acesso?
G.C. – Trazemos milhares de crianças
das localidades vizinhas que têm a
oportunidade de serem turistas, que
começam a aprender sobre o parque
e que se divertem. Nós pagamos
tudo, do orçamento do parque e
convidamos os professores das
escolas. Portanto, há uma tremenda
quantidade de moçambicanos que
começam a vir aqui e se você vier aqui
como um moçambicano, como um
turista normal, a taxa de entrada para
um adulto é de 100 meticais, menos de
três dólares [100 meticais para adultos,
50 para jovens e grátis as crianças].
Cobramos mais aos internacionais,
para que eles possam ajudar a
construir a economia desta nação [500
meticais para adultos, 250 os jovens e
grátis as crianças]. Mas, considerando
que é um parque nacional são umas
férias acessíveis. Você pode trazer a
sua tenda, a sua própria comida, pode
acampar, por isso não têm de ser umas
férias caras.
- A caça furtiva é um problema sério
em Moçambique...
G.C. - A lei em Moçambique protege
os animais dentro do parque nacional,
porque eles são herança e património
de todos os moçambicanos. Por isso,
se uma pessoa entra dentro do parque
e mata um animal de forma ilegal para
seu próprio benefício, ele está a tirar
a todo o povo moçambicano. Mas,
reconhecemos que as famílias que
vivem perto do parque nacional da
Gorongosa precisam de comer e é por
isso que temos um extenso programa
agrícola. Ajudamos todas as famílias
que vivam próximo deste parque.
Qualquer família que precise de ajuda
com a sua machamba receberá a nossa
ajuda, temos sementes, métodos
agrícolas. Por isso, se uma família diz
que está com fome, vamos ajudá-los
com a sua horta para que não tenham
que vir dentro do parque e levar um
animal selvagem. A caça furtiva pode
criar muito sofrimento aos animais:
os caçadores colocam armadilhas, o
animal pode ficar preso pela perna
ou pela cabeça e sofrer durante dias e
dias. Por isso nós actuamos de duas
maneiras: impomos a lei dentro do
parque e ajudamos as pessoas fora dele.
- A organização International Fund
for Animal Welfare (IFAW) indica
que a China tem sido um destino
significativo para o comércio ilegal
de marfim, acha que as mentalidades
podem vir a mudar?
G.C. – Tenho visto muitas boas
notícias ultimamente que dizem que
as pessoas na China estão a optar por
não comprar marfim, o que é muito
importante. Se você comprar marfim
para a sua casa como peça de arte o que
está a fazer é contribuir para o abate de
um elefante. Os elefantes são criaturas
belas: têm famílias, são inteligentes,
têm emoções, preocupam-se com o
outro. O comércio de marfim leva as
pessoas a disparar contra os elefantes
para os matar, cortar as suas presas e
é horrível. Quem compra marfim deve
entender que está a causar uma morte
dolorosa a um animal magnífico.
Tenho visto notícias recentemente que
dizem que há agora uma discussão
na China para parar com a compra
do marfim [A China comprometeu-se
em Maio a eliminar progressivamente
o comércio de marfim para travar
o negócio ilegal e a caça furtiva de
elefantes]. Aplaudo os chineses por
esta mudança de direcção e espero que
se torne num sentimento universal na
China. Os elefantes precisam de estar
vivos, não devemos comprar marfim.
ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015X | PERFIL XI
No quintal, é onde se instala a oficina, se constroem as peças escultóricas, que se que cobrem e desenham as paredes e os muros com peças de ferro velho. A casa do artista está sempre de portas abertas a quem chega: organizam-se convívios culturais, mostras de arte, cafés-concerto. Mabunda notabilizou-se com as máscaras, esculturas e, sobretudo, com as cadeiras ou “tronos” feitos com armas e munições utilizadas na guerra civil em Moçambique, que o artista recicla. Com método e paciência, Gonçalo Mabunda recria objectos que reflectem aquilo que os críticos vêm como “a história da violência e absurdo vivida durante os 16 anos de guerra civil em Moçambique, que isolou o país do mundo por um longo período”. A sua obra já esteve exposta um pouco por todo o mundo, incluindo Itália, França - no museu de arte moderna Centro Pompidou, em Paris -, Japão, Portugal e por aí fora. No currículo conta até com uma colaboração com a Fundação Bill Clinton, que lhe solicitou que concebesse o troféu dos Global Initiative Awards, os prémios da Fundação. Mabunda é, também, um dos artistas moçambicanos escolhidos para representar o país na 56.ª edição da Bienal de Veneza, que decorre nesta cidade do norte de Itália até Novembro. Em Maputo, Mabunda deixa-se fotografar pelo Ponto Final em frente do quadro que vai representar Moçambique em Paris, numa exposição colectiva dedicada ao tema “Energia”. A mostra reúne obras de artistas de todo os 54 países africanos. “A minha ideia sempre é reciclar. Fazer coisas em metal é dar vida e mostrar a vida daquilo que não conheço. Cada chapa tem a sua história, é isso que eu exploro”, esclarece. Gonçalo Mabunda escolhe a sua matéria-prima entre objectos apanhados na sucata. Volvidas mais de duas décadas sobre o fim da guerra, hoje o que o inspira é o dia-a-dia, para o qual olha com sentido crítico: “O que acontece é o que me inspira, o bem e o mal, tento perceber como é que a vida é, tento opinar”. Sobre o estado do país é especialmente implacável: “Hoje dizem que somos ricos mas o povo não tem, então o país não está melhor, para mim o país está melhor quando o povo tem, se a corrupção parar um bocadinho talvez melhore, mas cada dia que passa o país vicia-se, porque a corrupção está bem ramificada”, defende.O artista entrou no mundo das artes em 1992, como “estafeta” na Associação Núcleo de Arte de Maputo, instituição que tem sido a incubadora das gerações mais recentes de artistas em Moçambique. Ali começou a experimentar a pintura, usando restos de tinta que pintores como Malangatana e Miro lhe deixavam. Em 1995 participa num workshop com o artista sul-africano Andreies Botha, que lhe desperta o talento para novas formas de expressão. Faz um curso de escultura em metal na África do Sul e, a partir de 1997, começa a destacar-se.O seu percurso, garante, aconteceu “por sorte”. Começou por ver a sua obra reconhecida no estrangeiro e só depois é notado em Moçambique. Lamenta que não haja mais artistas moçambicanos com reconhecimento internacional: “Quando falam de arte é só Malangatana, e acabou. Mas tem [Estevão]Mucavele, que é um grande artista, tem o [Jacob] Macambo. É tudo complicado, eu sinto isso. Os meus colegas hoje falam de mim um bocadinho, mas eu não sou tudo, tem muitos. Devia ser de muitos que deveríamos estar a falar aqui, mas eles existem e estão cada vez mais fortes, apesar de faltarem as oportunidades”, remata, referindo-se aos muitos pintores, escultores moçambicanos com obra de grande qualidade, mas ainda amplamente desconhecidos.
Stella Mendonça, CANTORA DE ÓPERA
A ópera que vai colocar Moçambique na boca do mundoA soprano Stella Mendonça está a preparar “Terra Sonâmbula”, aquela que será a primeira ópera moçambicana. A ópera é uma parceria com os escritores Mia Couto, autor do livro que lhe dá origem, e Henning Mankell, que já escreveu o libreto.
TEXTO E FOTOS DE CLÁUDIA ARANDA
“Terra Sonâmbula” é a primeira obra do escritor moçambicano Mia Couto, escrita no tempo da guerra civil. Publicado em 1992, o livro foi considerado em 2002 um dos melhores 12 romances africanos do século XX. O romance narra a viagem de um órfão e de um velho durante a guerra civil de Moçambique e ilustra temas como a descoberta da identidade nacional ou a capacidade de resiliência do homem perante uma situação difícil. Um dia ocorreu a Mia Couto e a Stella Mendonça transformar “Terra Sonâmbula” numa ópera. Ambos resolveram contactar Henning Mankell - criador do inspector Kurt Wallander, personagem fictícia de romances policiais, que desde 1986 vive parte do ano em Moçambique - para transformar o romance mais famoso de Moçambique no primeiro libreto do país. O libreto já está, entrretanto, escrito, mas a produção ainda se debate para encontrar os fundos necessários para levar a ópera a cena: “Temos o draft do libreto. Levou tempo a preparação, o investimento que fizemos até chegar ao libreto é enorme e o draft deste libreto, pela mão de Henning Mankell, tem um valor inestimável, mas depois de várias tentativas ainda estamos neste processo”, lamenta Stella Mendonça.Ao mesmo tempo, a cantora não tem pressa. “O Henning Mankell já me disse: ‘Stella, fazer uma ópera é como fazer um bom filme, pode durar 3, 4, 10 anos. E é verdade, quantas óperas não foram mexidas e remexidas e agora são intemporais? Nós não estamos com pressa, queremos que a maturação desse processo traga um bom resultado, que seja algo que fique durante séculos”. Stella Mendonça, a primeira cantora de ópera moçambicana, já produziu em 2002 aquela que foi a primeira ópera na história de Moçambique, a “Carmen” de Bizet. A cantora, que nasceu em Nampula e cresceu na Beira, cresceu no seio de uma família de nove irmãos. Em casa ouvia-se “Bach e Vivaldi, tocávamos piano, flauta, guitarra, tínhamos a tradição de tocar e cantar em família”.
A VOZ NÃO TEM COR
Stella nunca teve dúvidas quanto à sua vocação. Mas, o sonho só poderia ser cumprido no estrangeiro: “Eu dizia, eu hei-de ir a um país onde existem conservatórios e escolas de música. Esse era o meu diálogo com as minhas colegas, que se riam de mim. ‘Que sonho tão inacessível’, diziam. Mas a determinação de Stella foi mais forte, venceu e convenceu. Em meados de 1985, com 15 anos, saiu de Moçambique com a ajuda financeira de amigos dos pais, para estudar. Passou por França, Suíça, Espanha e Estados Unidos. No estrangeiro sofreu na pele o preconceito “por ser africana, por ser negra” e por pertencer a uma cultura desconhecida: “Ninguém conhecia Moçambique”. Moçambique, na altura, “era um país sem interesse, era um país em guerra”. Stella diz que “havia naquela altura, e talvez ainda haja, pessoas que pensam que a música clássica é só para europeus e que não faz parte da cultura africana”. “As pessoas que têm esse preconceito não perceberam nada do que é a arte, porque a arte ultrapassa a dimensão de onde você vem, de quem você é, vai para além disso tudo. A voz não tem cor”. Stella reconhece que, apesar de tudo, estudou em países onde essa barreira quase que não existe: “O que conta é a qualidade, o talento, o profissionalismo”.A vontade de ensinar jovens moçambicanos a cantar fez Stella lançar-se na abertura de uma escola de música, um dos projectos que a trouxeram de volta ao país, onde tem vindo regularmente desde os anos 1990. O país tem apenas duas cantores de ópera profissionais, Stella Mendonça e Sónia Mocumbi, a filha do ex-primeiro-ministro Pascoal Mocumbi. Ambas decidiram dedicar-se ao ensino para “oferecer uma plataforma de estudos que seja sólida antes dos jovens seguirem para a universidade”. Aguarda-se agora que os patrocinadores abram os cordões à bolsa para que chegue mais rapidamente o momento da estreia de Terra Sonâmbula, a ópera que Stella espera que possa vir a colocar Moçambique nas parangonas internacionais pelas melhores razões: a cultura.
Gonçalo Mabunda, ARTISTA PLÁSTICO
“A minha ideia sempre é reciclar”Gonçalo Mabunda tem 40 anos, os mesmos que Moçambique tem de independência. O artista plástico, conhecido pelas suas esculturas feitas com munições de guerra e sucata, é um dos criadores moçambicanos da nova geração com maior visibilidade internacional.
TEXTO E FOTOS DE CLÁUDIA ARANDA
É na sua casa na avenida Karl Marx, no número 1834, em Maputo, com uma cerveja na mão, que Gonçalo Mabunda recebe o Ponto Final. O artista vive rodeado de obras de arte de outros moçambicanos, artistas, com quem trocou peças ou a quem comprou quadros, esculturas e fotografias, ou de quem recebeu esboços desenhados em guardanapos de restaurante: “Este é [Eugénio] Saranga, este é Titos Mabota, este é o fotógrafo Filipe Branquinho, este é Miro, já falecido, ofereceu-me há muito tempo”, explica.
ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015XII | LAZER XIII
ONDE FICAR
Acácia Inn Uma opção de alojamento central e acolhedora, com preços em conta por comparação com os hotéis da cidade. Inaugurada em Março.
Bed & BreakfastAV. FRANCISCO ORLANDO MAGUMBWE, AO LADO DA EMBAIXADA DO
VIETNAME.
ONDE COMERA cozinha moçambicana é rica e variada, a lista de lugares onde comer com qualidade é imensa e a escolha é difícil. Optámos por eleger um restaurante que abriu recentemente e que tem entre os sócios uma antiga residente de Macau, Marta Curto.
Restaurante Tree HouseAV. FRANCISCO ORLANDO MAGUMBWE,
NA ESQUINA COM A AV. 24 DE JULHO.
“Aqui fala-se português”
Marta Curto é uma dos quatro sócios que investiram na abertura do restaurante Tree House, em Maputo, em Abril de 2015. A jornalista, que viveu em Macau, e que se mudou para a capital moçambicana há seis anos, em Moçambique gosta particularmente “da liberdade, das oportunidades, dos salários mais altos do que em Portugal”. Além disso, “as pessoas são afáveis, o ritmo de trabalho é diferente”. Marta Curto realça ainda as vantagens do clima e o facto de que, em Moçambique, “fala-se português”.
ROTEIRO DE MAPUTO
ONDE VER, LER E OUVIR CULTURA
Fundação Fernando Leite CoutoAV. KIM IL SUNG, BAIRRO DA SOMMERSCHIELD
Organiza regularmente colóquios, saraus musicais, mostras de arte. Trabalhos do pintor moçambicano Naguib encontravam-se em exposição na altura em que foi feito este roteiro.
Continuar o trabalho de Fernando Leite Couto
A Fundação Fernando Leite Couto, inaugurada em Abril, é um projecto que resulta da vontade do escritor moçambicano Mia Couto e dos dois irmãos Fernando e Armando Jorge de homenagear o trabalho desenvolvido pelo pai. Jornalista, escritor, professor e editor, responsável pela editora moçambicana Ndjira, Fernando Leite Couto publicou autores como o próprio Mia Couto e Paulina Chiziane, entre outros.Segundo Fernando Couto (filho), em conversa com o Ponto Final, a instituição pretende continuar a obra do seu patrono, com enfoque na literatura e na arte.A Fundação Fernando Leite Couto organiza exposições de pintura, conferências, debates, colóquios sobre os mais variados temas relacionados com a cultura. A fundação tem também Internet-café e restaurante e espaço para leitura de livros e jornais.
Ver programação em: https://www.facebook.com/FernandoLeiteCouto/info
ONDE VER O PÔR-DO-SOL
Dhow Moçambique – Galeria de Arte e CaféRUA DE MARRACUENE,Nº4, (RUA JOSÉ MACAMO)
Hotel CardosoAV. DOS MÁRTIRES DE MUEDA
ONDE COMPRAR COISAS CHIQUES
Loja das MeiasAbriu em Maio, deverá a partir de Agosto abrir o espaço para eventos e esplanada com menu “gourmet”.Rua Chuindi, nº 45 (junto ao Jardim dos Namorados)
ONDE COMPRAR OBRAS DE ARTISTAS MOÇAMBICANOS E OUVIR MÚSICA AO VIVO
Associação Núcleo de Arte – Café e Galeria de Arte Trata-se de uma organização cultural para a promoção e desenvolvimento de artes plásticas a funcionar desde 1921, oferece espaço de atelier e de exposição aos artistas moçambicanos.MÚSICA AO VIVO AOS DOMINGOS.
RUA DA ARGÉLIA, Nº 194
UM MUSEU A VISITAR
Vale a pena espreitar o Museu dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), que acaba de ser inaugurado no edifício centenário dos CFM, na baixa da cidade. Uma das atracções do museu é a história da primeira ligação ferroviária entre o país e a vizinha África do Sul, a chamada ligação entre Lourenço Marques (Maputo) e Transvaal, iniciada em 1895.
ONDE BEBER UM COPO À NOITE
Mau Mau Maria Restaurante e BarAV. MAO TSE TUNG, Nº 911
Bairro, Bistro e Mercado de IdeiasAV. JULIUS NYERERE, Nº 562
Bar Lounge 1908 Restaurante e BarESQUINA DA AV. SALVADOR ALLENDE COM
A AV. EDUARDO MONDLANE.
TRANSPORTES
Táxis e Tchopela (média de 200 meticais por viagem)Chapa ( 5 meticais)
Maputo é uma cidade com muita oferta cultural, gastronómica e de alojamento. Optámos por apresentar sugestões de lugares que abriram recentemente. Recomendam-se os locais do costume quando se trata de comprar arte moçambicana e artesanato africano.
ONDE COMPRAR ARTESANATO E CASTANHA DE CAJU
Nos lugares do costume:
FEIMA Feira de Artesanato, Flores e GastronomiaPARQUE DOS CONTINUADORES,
AV. ARMANDO TIVANE
Mercado Central de MaputoAv. 25 de Setembro
Mercado do PauPraça 25 de Junho
Oponto finalFELICITA
A REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE
PELO SEU 40º ANIVERSÁRIO
ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015XIV | ENTREVISTA XV
O Aeroporto de Nacala, por exemplo,
quando poderá receber voos? Quando
é que o norte de Moçambique estará
capacitado nesse sentido?
R.C.M.- Em relação ao Aeroporto
de Nacala, está já praticamente
concluído. Vai começar a operar
dentro em breve. Contamos para este
grande desafio naturalmente com a
cooperação internacional, daí que
Moçambique tenha aberto as portas
para quem quiser, efectivamente,
cooperar. Moçambique propõe
vantagens e benefícios mútuos às
empresas e companhias que queiram
investir em Moçambique. Se esses
benefícios mútuos existirem, o
investimento é bem vindo. É por esta
razão que eu referia há um bocadinho
que é um grande desafio. Por um
lado temos estes recursos, estão lá
disponíveis, mas, por outro lado,
é preciso capacitar-mo-nos para
retirar benefícios destes recursos.
Moçambique não tem experiência e
por isso contamos com a cooperação
de todos.
- O contexto político – com a troca
de acusações entre o Governo e a
oposição – tem dificultado a atracção
de investimento?
R.C.M.- As instituições e a economia
têm funcionado com normalidade.
A estabilidade política está lá. Houve
sim, num passado recente, alguns
sinais de instabilidade, mas por via do
diálogo, conseguiu-se ultrapassar...
- Admite que para um país que quer
captar investimento, esta questão da
instabilidade política não ajuda …
R.C.M.- Não se tem mostrado difícil.
Temos vindo a captar investimento,
tanto que há grandes companhias na
prospecção de gás em Cabo Delgado,
as companhias de mineração de
carvão estão a funcionar normalmente,
continuamos a ter o benefício das
nossas praias e o turismo tem fluído com
naturalidade e com normalidade. A meu
ver, não se trata de uma instabilidade
que traga efeitos que possam repelir o
investimento. As instituições estão a
funcionar normalmente …
- Voltando à questão do gás
natural, a China é obviamente um
parceiro preferencial, tanto na
construção de infra-estruturas, como
eventualmente na exploração e, mais
tarde, na exportação da matéria-
prima, sendo um dos países do
mundo com maiores necessidades
energéticas. Já há algo estipulado a
este respeito entre Maputo e Pequim?
R.C.M.- A área do investimento nos
carbonetos, o gás particularmente,
está aberta. Eu sei que há companhias
chinesas interessadas e há mais
blocos a serem abertos, naturalmente
através de concurso. Cabe às empresas
chinesas também concorrer, mas
fui informado de que há empresas
interessadas na área do gás.
- E na área do turismo? Há potenciais
investidores da República Popular
“As portas parecem-me abertas para atrair mais investimento chinês”
- Quarenta anos após a independência,
em que passo estão as relações entre
Moçambique e Macau?
R.C.M.- Há uma empresa a construir
casas. Está a construir casas económicas
em Moçambique. Nós estámos muito
contentes com o rumo da cooperação.
Para além disso, Macau está a cooperar
com Moçambique na área da formação.
Está a dar formação em áreas como o
turismo, a finança ou a educação. Há
estudantes moçambicanos que estão a
completar os cursos nas universidade
de Macau. São várias as áreas cobertas
pela cooperação entre o nosso país e a
Região.
- A desaceleração da economia na
República Popular da China é algo
que o preocupa? É algo que pode
colocar em causa algum investimento
chinês em Moçambique?
R.C.M.- Penso que não. O investimento
em Moçambique, apesar das estatísticas
dizerem que nos últimos tempos
caiu significativamente em termos de
exportações, penso que, por aquilo que
estamos a assistir em Moçambique o
investimento decorre a muito bom ritmo
e não temos sentido até este momento
o facto de haver esta desaceleração na
China no que respeita ao investimento
da China em Moçambique.
- Acredita que é algo que pode vir a
acontecer no futuro?
R.C.M.- Eu acho que não. Moçambique
prefigura-se também como uma
oportunidade de forma a proporcionar
desenvolvimento que se calhar pode
ajudar a evitar essa desaceleração.
É um mercado novo, é um mercado
com muitas potencialidades, em que
o investimento chinês é bem vindo e
não acredito que isso venha a retrair
investimento em Moçambique.
- Do ponto de vista do investimento
de Macau? Existe investimento de
Macau em Moçambique nesta altura,
para além do que foi já anunciado …
R.C.M.- Existe sim. Existe uma
empresa de Macau a construir em
Moçambique na área da construção
de habitação. As primeiras casas serão
entregues, os primeiros investimentos
serão concluídos e entregues em
Outubro deste ano. Estou em crer que
mais empresários … Aliás , isso era o
que nós gostaríamos que acontecesse,
que mais empresários de Macau
investissem em Moçambique.
- Este investimento foi um
investimento dinamizado ao abrigo
dos contactos feitos no âmbito do
Fórum de Cooperação Económica e
Comercial entre a China e os Países de
Língua Portuguesa. Porque é que não
há mais empresas a investir por esta
via? Com o Fórum Macau servindo
como plataforma …
R.C.M.- Eu penso que se calhar tem de
se fazer um bocadinho mais ao nível
do Fórum Macau, no sentido de se
divulgar esta oportunidade, esta porta
que está criada para o investimento
entre Macau ou entre empresários
chineses ou macaenses nos países
de expressão portuguesa. Penso que
tem que haver um pouco mais de
divulgação. É a minha opinião pessoal.
Tem de haver mais divulgação, mais
massificação em termos de informação
junto do empresariado de Macau. É
necessário que os investidores vejam
países como Angola, Moçambique e
outros como uma oportunidade para
os seus investimentos...
- Os dois grandes trunfos de
Moçambique nesta altura em termos
de investimento são, por um lado, o
turismo e por outro o gás natural. A
exploração de gás, na zona norte de
Moçambique, ao largo da província
de Cabo Delgado, pode vir a ajudar
a revolucionar de forma substancial
as perspectivas económicas de
Moçambique?
R.C.M.- Nós acreditamos que sim.
O gás natural é para nós, e por um
lado, um factor de esperança para
o desenvolvimento económico de
Moçambique. Por outro lado é um
desafio, porque não basta termos
recursos: é preciso capacitar as
pessoas, é preciso criar infra-estruturas
, é preciso melhorar o aparato de
serviços. Enfim, o investimento é
uma área que precisa não só da parte
extractiva, mas também de aspectos
relacionados. Esse é o grande desafio
com o qual Moçambique se depara
neste momento: passa por se capacitar
para conseguir tirar vantagens
máximas destas oportunidades e
destes recursos de que dispõe.
- Este é um trabalho que terá que
ser feito a longo prazo. No norte do
país, ao nível das infra-estruturas,
Moçambique ainda está um
bocadinho atrás daquilo que seria
esperado. Há metas nesse sentido?
da China? Há interesse chinês para
investir na área do turismo nas
nove zonas que Moçambique quer
desenvolver?
R.C.M.- Nas zonas de que falávamos
não, porque são zonas abertas para
novos investimentos. Apraz-nos referir
que há empresas chinesas a investir na
área do turismo, por exemplo na área da
construção de hotéis. Em Maputo, em
algumas cidades da província de Tete,
há empresas chinesas que têm vindo
a construir novos hotéis. Portanto, as
portas parecem-me abertas para atrair
mais e mais investimento chinês.
- Este plano de exploração turística
de Moçambique … Neste momento,
Moçambique, curiosamente é um
dos destinos mais caros ao nível
do turismo balnear. Com os novos
investimentos, Moçambique vai
tornar-se um destino turístico para
todos os bolsos? Ou o objectivo é
captar turistas endinheirados?
R.C.M.- A ideia, naturalmente, é fazer
com que Moçambique se torne num
destino de turismo massivo, num
destino turístico para todo os bolsos.
Se calhar o que torna o turismo caro
em algumas zonas é, efectivamente,
a falta de infra-estruturas. Com a
conclusão do aeroporto de Nacala,
penso que chegar a Cabo Delgado –
vindo da Europa ou de qualquer parte
do mundo – vai-se tornar mais barato
e consequentemente vai ter influência
no pacote que qualquer cidadão terá
que pagar para visitar Moçambique …
- Quando é que o Governo
moçambicano vai avançar com este
programa para atrair investimento
para a área do turismo? Ou há já
contactos a serem feitos?
R.C.M.- Os contactos já estão a ser
feitos. O nosso Centro de Promoção
de Investimento tem vindo a divulgar
as oportunidades que há. O Governo
criou uma instituição que é o Fundo do
Turismo e o próprio Fundo Nacional
de Turismo tem vindo a catalisar a
questão do turismo como um dos
grandes recursos que Moçambique
tem para a sua economia...
- Dizia há pouco que o Fórum Macau
tem de se mostrar um pouco mais e
mostrar um pouco mais de trabalho.
O que é que poderá ser feito? Não é
de todo necessária a intervenção do
Fórum Macau para que o investimento
chinês seja feito em Moçambique.
O mais das vezes é feito em
circunstâncias bilaterais, por exemplo.
Em que é que o Fórum Macau pode ir
mais longe no seu entender?
R.C.M.- A meu ver, já está a fazer muito
trabalho. A abertura dos três centros
penso que é sintomática desse esforço
que está a ser feito pelo Fórum Macau,
mas é necessário que, não só o Fórum
Macau, aqui em Macau, mas os nossos
países também, divulguem um pouco
mais a existência deste Fórum, por
forma a que haja mais gente a participar,
haja mais gente a beneficiar e haja mais
gente a conhecer e a dar mais dinâmica
a Macau como plataforma para a
cooperação entre a China e os Países de
Língua Portuguesa …
No quadro do Fórum, já agora
que fala nisso, o primeiro projecto
financiado pelo Fundo de 100 mil
milhões, começou precisamente
por Moçambique, com investimento
chinês no Limpopo. Existem outros
projectos financiados por este fundo?
Ou financiados no âmbito do Fundo
China-África?
R.C.M.- A maior parte dos projectos
têm beneficiado de financiamento
a nível bilateral, mas em relação
ao Fundo de Macau, a informação
que tenho é que existe este
empreendimento da Charlestrong,
que é aqui de Macau e de plantio de
arroz no vale do Limpopo...
- Esse foi o primeiro …
R.C.M.- Sim, sim, sim...
- Financiado pelos dois fundos?
R.C.M.- Sim, financiado pelos dois
fundos.
- Não existe mais nenhum projecto
neste momento?
R.C.M.- Que eu tenha conhecimento,
não. Se existirem estão ainda em fase
de processo, mas como dizia, não
disponho de informação.
- Quarenta anos depois da
independência, uma iniciativa como
o Fórum Macau pode ajudar a derimir
problemas que ainda existiam
entre Portugal e Moçambique e os
países que estiveram sob a égide
do colonialismo português. Ou esta
questão faz já parte do passado?
R.C.M.- O Fórum Macau vem
juntar-nos, vem unir-nos cada
vez mais porque as relações entre
Moçambique e Portugal – não quero
falar, obviamente, pelos outros – é
excelente. Portugal é um dos maiores
investidores em Moçambique em
termos de interesses empresariais no
país. Temos vindo a receber quase
todos os dias pessoas, investidores
vindos de Portugal interessados em
investir na área da gastronomia e do
turismo. A meu ver, o Fórum Macau
vem catalisar estas boas relações que já
existem entre Portugal e Moçambique.
- Quatro décadas após a
independência, Moçambique é
um país de futuro? Ou, como se
mencionava há pouco, este fantasma
da instabilidade entre a FRELIMO
e a RENAMO pode colocar em risco
o futuro do país. Moçambique tem
sido nos últimos anos visto como
uma espécie de bom aluno da costa
oriental africana. Este fantasma que,
de vez em quando assoma, de alguma
instabilidade entre os dois maiores
partidos do país, pode colocar em
causa esta imagem?
R.C.M.- Está tudo a ser feito no sentido
deste empecilho nunca prejudicar,
nem retrair o investimento e por
isso é que o Governo se tem pautado
pelo diálogo. É um diálogo que já
vem decorrendo há alguns meses,
por forma a minimizar as diferenças
que existem. Mas a aposta é feita
no diálogo sem ter que se recorrer
à violência. Diferenças há muitas,
mas não há nenhuma diferença que
justifique a violência. É inconcebível.
O Governo vai fazer tudo o que estiver
ao seu alcance para que, através do
diálogo, se possam encontrar meios
termos, passe a expressão, no sentido
de afastar cada vez mais ou erradicar
de uma vez por todas a tendência de
recurso à violência para reivindicar
seja o que for.
As relações económicas e comerciais entre a República
Popular da China e Moçambique seguem de vento em popa. Quem o diz é Rafael Custódio Marques.
O diplomata, que lidera a representação de Moçambique
na RAEM, lembra que há investimento chinês em sectores
como o turismo, a agricultura ou a extracção de recursos minerais. O
investimento de Macau é pontual, mas significativo: uma empresa
do território está envolvida na construção de habitação
económica. Apesar da economia moçambicana estar em expansão e os investimentos estrangeiros se
multiplicarem, Rafael Custódio Marques deixa um recado.
O Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua
Portuguesa deve fazer mais para ajudar a divulgar Moçambique junto dos investidores chineses.
ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015XVI | MACAU XVII
Fugir dos temas políticos e
recordar os momentos felizes
é o que fazem os sócios
da Associação dos Amigos de
Moçambique (AAM) quando se
reúnem em Macau. “Falamos dos
bons momentos que passamos. Quer-
se esquecer o que foi mal, fugimos
das questões políticas e recordamos
os momentos felizes. Há uma certa
nostalgia”, assinala Helena Brandão,
57, presidente da AAM.
Moçambicana da Beira, no centro do
país, Helena deixou África em 1984,
“obrigada” a sair do país no contexto
da guerra civil entre o Governo e
a RENAMO (Resistência Nacional
Moçambicana), que reivindicava um
regime multipartidário.
Há quase 30 a viver em Macau, onde
se radicou em 1987, Helena não
perdeu os vínculos com Moçambique
e regularmente visita o país, onde
estão amigos e familiares. Quarenta
anos depois da independência, a
presidente da Associação dos Amigos
de Moçambique faz uma avaliação
“Fugimos das questões políticas e recordamos os momentos felizes”Divulgar a produção artística do país africano é o foco das actividades da Associação dos Amigos de Moçambique em Macau. Este ano a região recebe uma mostra sobre o Parque da Gorongosa.
TEXTO DE ISADORA ATAÍDE
positiva da trajectória da sua terra
natal. “As pessoas têm condições
de vida melhores, o sistema de
ensino melhorou: inclusive com
universidades, e há novas infra-
estruturas. É claro que há muito a
ser feito, porque a guerra impediu o
desenvolvimento normal do país”,
salienta.
Foi em 2006 que Helena se juntou
à Associação dos Amigos de
Moçambique, fundada em 1992.
Com mais de 80 sócios, a organização
estima que em Macau vivam mais
de 200 pessoas originárias de
Moçambique, além de uma população
moçambicana flutuante de cerca de
20 pessoas.
Reunir os que nasceram ou viveram
em Moçambique e os amigos do
país para manter os vínculos com o
passado e para divulgar as expressões
culturais moçambicanas é o objectivo
central do organismo que dirige:
“Nunca esquecemos da terra onde
nascemos, nos reunimos para não
deixar morrer as nossas memórias
e histórias. Mas também queremos
divulgar as expressões artísticas de
Moçambique, a música, a dança, o
teatro, a pintura”, sublinha Helena.
GORONGOSA EM MACAU
Carlos Barreto, “português nascido
em Nampula e criado em Lourenço
Marques”, deixou Moçambique um
ano depois da independência, em
1976. Em Macau há 29 anos, Carlos
ingressou na associação em 2005 e é
actualmente o seu vice-presidente:
“Já fizemos algumas actividades de
recolha de fundos em campanhas
para combater a malária e para ajudar
as vítimas da cheias. Mas o nosso foco
é cultura”.
Sem família em Moçambique, Carlos
tem regressado ao país desde 2007,
inclusive para conhecer artistas e
a produção cultural do país e para
trazer exposições para Macau.
O Parque da Gorongosa, uma reserva
natural protegida, situada no centro
de Moçambique, é o tema de uma das
próximas iniciativas da Associação
Um país que conquista pelo estômago Matapa, leite de coco, camarão tigre. Na orla do Índico, os sabores telúricos da cozinha africana misturaram-se com influências portuguesas e indianas. O resultado? Uma cozinha ecléctica, rica em pratos e sabores.
TEXTO DE MARCO CARVALHO
Independência de Moçambique não foi manchete em Macau
dos Amigos de Moçambique: “Vamos
contar a história do Parque, que
tem mais de 95 anos e que viveu
anos muito difíceis. Actualmente
há uma parceria entre o Governo
de Moçambique e uma fundação
americana, o parque está a ser
recuperado e os animais selvagens
estão a voltar”, explica Carlos. A
realizar-se de 13 a 29 de Novembro,
na Torre de Macau, “a exposição irá
reunir fotografias, filmes e livros sobre
a Gorongosa. Queremos mostrar que
o Parque está a ser recuperado e que
ele pertence às populações que vivem
na sua periferia”, explica o dirigente.
A organização do evento conta
com o apoio da Associação dos
Amigos de Moçambique em parceria
com a ATFPM (Associação dos
Trabalhadores da Função Pública
de Macau), do Parque Nacional da
Gorongosa, da Torre de Macau e do
Fórum para a Cooperação Económica
e Comercial entre a China e os Países
de Língua Portuguesa.
Este ano, a AMM participa ainda na
feira de cultura promovida pelo Fórum
Macau e no Festival da Lusofonia.
A participação em tais eventos
contribui para divulgar Moçambique
na China: “A comunidade chinesa
ainda conhece muito pouco sobre
Moçambique. Mas o trabalho do
Fórum Macau está a dar a conhecer o
país”, assinala Carlos.
Nas comemorações dos 40 anos da
independência, a AMM trouxe a
Macau o chef Carlos Graça, que até o
próximo dia 28 serve especialidades
moçambicanas – entre elas matapa
e frango à zambeziana – no Grande
Lapa (ver texto nestas páginas).
Se um dia lhe fosse dada a
oportunidade de cozinhar
para Xi Jinping, Carlos Khan
da Graça engalanava a mesa do todo
poderoso líder chinês com o melhor
que a gastronomia moçambicana tem
para oferecer. Em Macau pelo sexto
ano consecutivo para dar a conhecer
os ingredientes e os sabores com
português que à data se publicava em Macau, não deixava ainda assim de sublinhar a esperança manifestada pela delegação portuguesa de que, no final do processo de descolonização, a vontade do povo timorense seria respeitada. Almeida Santos, então ministro da Coordenação Interterritorial e membro da delegação chefiada por Vítor Alves, explicava que Macau tinha sido escolhido para local da cimeira, não apenas por ser próximo de Timor, mas por ser “um território capaz de propiciar uma atmosfera de paz”. Além disso, acrescentava, não havia um problema de descolonização em Macau, razão
pela qual a cidade podia “acompanhar de forma desapaixonada” a questão timorense. Entregue a manchete à cimeira, a Gazeta Macaense do dia 26 de Junho publicava na página 2 a notícia da proclamação da independência de Moçambique, destacando o facto da chefia do novo Estado ter sido assumida por Samora Machel. No discurso proferido no Estádio Nacional da Machava, onde uma forte chuvada atrasou em 15 minutos o arrear da bandeira portuguesa, Samora Machel prometeu que a Frelimo seria um instrumento revolucionário que conduziria Moçambique a uma
“democracia popular, com base no socialismo e no internacionalismo, destruindo o elitismo e seguindo uma nova política educacional, para revigorar a cultura moçambicana e criar uma mentalidade revolucionária entre o povo”. O líder da Frelimo garantiu também que Moçambique trabalharia para “uma paz verdadeira no mundo, apoiando o estabelecimento do Oceano Índico como zona de paz”, e respeitaria a Carta das Nações Unidas, “aliando-se ainda com as outras nações socialistas”.Vasco Gonçalves, então primeiro-ministro, chefiou a delegação portuguesa à cerimónia, também integrada por Melo Antunes, Mário Soares, Álvaro Cunhal e Otelo Saraiva Cunhal, entre outros dirigentes políticos e militares. Porta-voz da delegação junto da imprensa, Vasco Gonçalves comparava a Frelimo ao Movimento das Forças Armadas (MFA), pois ambos eram movimentos de libertação. “Nós próprios em Portugal também fomos colonizados”, dizia aos jornalistas o chefe do governo, que
não se esqueceu também de elogiar o processo de descolonização então em curso. “Desejamos firmemente enterrar o passado e cicatrizar as feridas”; “somos um pequeno país que neste aspecto da descolonização recebe lições de nenhum outro povo do mundo”.
FELICITAÇÕESDE PEQUIM E MACAU
Reproduzindo a informação avançada pela agências internacionais, a Gazeta Macaense salientava a ausência nas cerimónias da independência de representantes dos Estados Unidos, República Federal Alemã, França, Japão e África do Sul, por não terem sido convidados, ao mesmo tempo que, um tanto incongruentemente, noticiava sem comentários ter sido o Japão o primeiro país a reconhecer a nova nação de Moçambique independente.A República Popular da China apressou-se também a dar as boas vindas ao novo membro da comunidade
internacional. Num editorial publicado no Diário do Povo, no próprio dia 25, endereçavam-se “amistosas congratulações no renascimento de Moçambique” e dizia-se que a fundação do novo país provinha “do cano de uma espingarda”. O artigo apontava a luta da Frelimo como um exemplo a seguir por outros povos da África Austral que ainda não tinham conseguido libertar-se do jugo colonial – e informava que o primeiro-ministro Chou En Lai tinha enviado a Samora Machel uma mensagem de felicitações pela proclamação da independência.O mesmo fez em Macau o então Governador Garcia Leandro. Publicado pela Gazeta Macaense já no dia 27, o telegrama saído do Palácio da Praia Grande rezava o seguinte: “Data histórica oficialização independência Moçambique em nome população e governo Macau transmito Vexa. Melhores desejos felicidade para povo de Moçambique com votos de que o exemplo dado na descolonização seja também concretizado na formação
de um país próspero progressivo e democrático Apresento Vexa. Meus melhores cumprimentos”.E com a publicação destas linhas se esgotou na imprensa de Macau a cobertura noticiosa da independência de Moçambique, nesse já distante ano de 1975. Nos dias seguintes, a Gazeta Macaense voltaria as suas atenções para a crise política que então começava a acentuar-se em Macau, onde um grupo de oficiais conotados com sectores da esquerda revolucionária contestava abertamente a governação moderada de Garcia Leandro. Mas o “Verão Quente de 75” foi de curta duração em Macau. Menos de um mês depois, a Gazeta Macaense noticiava a partida para Lisboa do comandante Catarino Salgado, tido como líder dos contestatários. Restabelecido o consenso entre os militares, a vida política do território voltou rapidamente à normalidade, à data uma situação rara, senão única, no império português então a caminho do fim.
Há 40 anos, quando foi oficialmente proclamada a independência de Moçambique, era outra a então colónia portuguesa que fazia as primeiras páginas da imprensa de Macau. O major Vítor Alves, membro do Conselho da Revolução, chegava ao território para presidir a uma cimeira sobre o futuro de Timor-Leste, onde era suposto estarem representadas todas as forças políticas timorenses. O encontro acabou, no entanto, por ser boicotado pela Fretilin, por se opor à presença de uma delegação da Apodeti, partido que defendia a integração de Timor-Leste na Indonésia. A Gazeta Macaense, único jornal diário
que se urde o saber fazer culinário de
Moçambique, o cozinheiro acredita
que a gastronomia moçambicana tem
o que é necessário para se afirmar
a nível internacional como um dos
principais cartões de visita do país.
Fruto da fusão de sabores e de
circunstâncias históricas, a culinária
moçambicana é uma das mais ricas
e variadas da África subsariana. À
sombra das acácias, na orla do Índico,
às técnicas, costumes e ingredientes
locais somaram-se influências
portuguesas e indianas e é a mistura
da telúrica cozinha africana com as
subtilezas aromáticas da Índia e os
métodos importados de Portugal que
contribuem para a originalidade da
gastronomia de Moçambique: “Acho
que sabe que a comida moçambicana
não é uma entidade homogénea:
temos a comida tradicional e depois
temos uma fusão, que é a mistura
da portuguesa e da indiana. Temos
muita influência”, sublinha Carlos
Graça. “Tanto de um lado, como de
outro, são comidas muito gostosas,
muito apaladadas e nada melhor
que divulgarmos para as pessoas
conhecerem e para que tenha mais
aceitação. Eu acho que é um grande
trampolim e tem de haver essa ligação
constante, entre a parte gastronómica
e a parte cultural. Tem de haver esse
casamento para podermos divulgar
ao máximo as potencialidades dos
sabores de Moçambique”, defende o
cozinheiro.
Com uma extensa linha de costa, o
país é afamado pela frescura do peixe
e do marisco que se retira do Índico e
tornou-se, por exemplo, sinónimo de
camarão de qualidade. A riqueza e a
variedade da cozinha de Moçambique
não se fica, no entanto, apenas pelos
trunfos retirados ao mar. Fértil e
imaginativa, a gastronomia tradicional
moçambicana é também caracterizada
pela simplicidade dos ingredientes a
partir dos quais se estrutura: “Apesar
de haver uma grande variedade
gastronómica em Moçambique, os
hábitos são quase os mesmos. Deixe-
me dizer-lhe que de norte a sul, nós
utilizamos a matapa, que é a famosa
folha de mandioca pisada. No sul, a
matapa é cozinhada com o amendoim
pilado e no centro-norte já leva mais
o leite de coco. São essas as pequenas
diferenças. Depois o caril, o pó de
caril, que nós fazemos com coco, que
fazemos com marisco, que fazemos
de várias formas também é usado de
norte a sul do país”, exemplifica Carlos
Graça.
Se cozinhasse para Xi Jinping, a
matapa seria, de resto, um dos
ingredientes incontornáveis do menu
preparado pelo chef moçambicano.
Fácil de encontrar em Moçambique,
a folha de mandioca pisada é um
dos ingredientes mais emblemáticos
da culinária do país, considera o
cozinheiro: “Eu nunca deixaria de
colocar a matapa no menu”, admite
Carlos Graça. “Mas servia também o
frango à zambeziana, que é um frango
que tem um sabor muito especial e
muito característico e que é o frango
grelhado com leite de coco e que tem
um gosto muito característico. Temos
vários tipos de folhas. Utilizamos
vários tipos de folhas: desde derivados
de feijão, a folha da batata doce, a folha
da abóbora. São folhas que podem ser
confeccionadas de diversas formas e é
sempre muito bom”, explica.
No ano em que celebra três décadas
de carreira, Carlos Khan da Graça
assume de bom grado o estatuto de
embaixador gastronómico do país,
mas reconhece, ainda assim, que
divulgar fora de portas não basta. No
entender do cozinheiro, a gastronomia
moçambicana só se elevará ao estatuto
de indústria quando o seu potencial
económico for reconhecido pela
própria população de Moçambique:
“No meu entender, a gastronomia é por
si só uma experiência, mas acredito
que a gente ainda tenha que fazer,
em Moçambique, um bocado mais
em prol da divulgação do potencial
gastronómico do país. Não basta só
fazermos as semanas gastronómicas
fora. Neste momento, nós já temos
uma feira gastronómica mensal em
Maputo, mas temos de tentar fazer
esse tipo de feiras de norte a sul do
país, porque têm muita procura e têm
muita aceitação”, sublinha.
Com algumas das praias mais apetecidas
do mundo e uma diversidade natural
de fazer inveja, Moçambique tem na
variedade da sua oferta gastronómica
um outro trunfo para convencer quem
o visita. Para Carlos Khan da Graça,
os sabores e o saber fazer culinário
moçambicano justificam por si só uma
visita à pérola do Índico: “Três grandes
razões para visitar Moçambique?
Primeiro, a alimentação, que é a minha
área. O turismo. E depois, o calor
humano. Nós somos muito humildes,
muito calorentos. Gostamos muito de
receber pessoas, mesmo por vezes, sem
falar a mesma língua. O moçambicano
tenta sempre uma maneira de se
explicar e de se fazer entender com que
o visita”, remata o chefe.
ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015XVIII | ENTREVISTA XIX
Sociólogo e antropólogo, Nuno Domingos estuda
o colonialismo português em África. Moçambique
– onde investiga o vinho colonial e o futebol – é
o seu objecto de estudo. Quarenta anos após
a independência, o investigador do Instituto
de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
considera que o projecto socialista melhorou
a vida da população africana, apesar dos seus
equívocos. Crítico das relações neocoloniais que
a Europa mantém com o continente, Domingos
aponta entre as reminiscências coloniais do
presente moçambicano as estruturas de classe
“absolutamente” desiguais .
PONTO FINAL - Quais as razões de Portugal para
a retomada do projecto colonial na segunda
metade do século XIX em Moçambique?
Nuno Domingos - A situação portuguesa em
Moçambique não deve ser compreendida
fora do contexto internacional da partilha de
África, do processo da Conferência de Berlim,
em 1884-85. A partir de então o colonialismo
português para África apresenta um projecto
mais sustentável, uma presença estatal mais
importante, a qual tinha começado sobretudo
com a presença militar, mas que depois teve
uma base administrativa mais forte. Nesta fase,
o colonialismo voltou-se também para a ciência,
para o reconhecimento dos rios, da fauna e da
flora, para a elaboração dos mapas, e, claro, para
o reconhecimento das populações. Todo esse
processo de ocupação data do final do século
XIX. Há uma explicação mais especificamente
portuguesa para tal processo, que tem a ver
com o nacionalismo e com a ideia de quem nem
tudo estava perdido depois da independência
do Brasil. África poderia ser o novo Brasil.
E havia questões materiais: África era uma
estrutura de oportunidades para a extracção de
matérias-primas, para a cobrança de impostos,
para a exploração do trabalho. Em África havia
oportunidades para a Igreja, para os militares,
havia um contexto de conquista que era bom
para um conjunto de interesses.
- Também em Moçambique havia “estados” e
reinos africanos com organização sociopolítica.
Houve resistência ao projecto colonial nesta fase?
N.D. - Houve resistência das populações. Havia
sistemas políticos africanos organizados. Em
Moçambique houve resistência sobretudo do
Reino de Gaza, e a sua conquista, com a captura
de Gungunhama, foi um grande momento do
colonialismo português. A retórica de Mouzinho
de Albuquerque e de António Eannes, dos heróis
coloniais, ainda é forte em Portugal. A narrativa
oficial imposta pelo colonialismo assumia que a
história começava com a chegada dos europeus,
como se África não fosse complexa nos seus
sistemas políticos e sociais. É fundamental
olhar para o colonialismo a partir do modo
como estes povos estavam organizados e como
o colonialismo vai modificar as suas estruturas,
privilegiando as organizações que contribuíram
para o esforço colonial e suprimindo aquelas
que resistiram, numa administração do tipo
indirecto.
colonial. As empresas privadas tinham a sua
polícia e também exerciam violência. Neste
cenário, houve um conjunto de lutas laborais,
algumas urbanas, outras rurais. A resistência
era complicada - embora tenha acontecido e
tenha sido constante – pelo contexto imperial
e colonial, com a matriz fascista do Estado
Novo, no qual não havia partidos políticos e os
sindicatos estavam controlados.
- Quais os antecedentes dos movimentos de
libertação?
N.D. – Há os motivos internos ao próprio
território moçambicano. Há o contexto
africano de descolonização. Há uma pressão
internacional sobre Portugal e a organização
de elites e partidos fora do país, as quais vão
ter apoios em África e no contexto mais geral
da Guerra fria, o que lhes permite apoios para
começar um movimento militar de resistência
ao regime. A dimensão internacional é muito
importante para explicar o processo, o que não
significa que não houvesse condições internas
e a expectativa da população de correr com os
portugueses.
- Em Portugal, alguns argumentam que foi um
erro não se ter realizado um referendo, uma
consulta à população sobre a independência ...
N.D. - É muito difícil tentar racionalizar um
processo que naquele momento tinha uma
dinâmica muito própria. No cenário do 25 de
Abril e das guerras de libertação, quem liderava
o processo percebeu que não havia outra
hipótese senão descolonizar. A situação a nível
militar e das populações era insustentável.
No caso de Moçambique, sabe-se hoje que
houve uma tentativa de se fazer um golpe, uma
independência branca, a qual teve apoios da
África do Sul e da Rodésia. Além do referendo,
também se fala que a transição poderia ter sido
mais lenta. São coisas que se dizem hoje e que
expressam uma certa nostalgia imperial, só
que na altura as coisas tinham uma dinâmica
própria, não me parece que fosse justificável a
realização de um referendo.
- Quarenta anos depois, que significado tem a
independência de Moçambique?
N.D. - O tempo alterou a nossa percepção desta
experiência. Os últimos 40 anos não foram
fáceis, com a guerra civil, e há um debate
sobre o que são os Estados em África, se eles se
aguentam sozinhos. Além disso, no período pós-
independência, as pessoas que tinham o capital
e a técnica abandonaram o país, o que foi uma
situação bastante complicada. A situação colonial
não era sustentável e é evidente que o projecto
pós-independência era mais interessante, mais
democrático, mais justo, tanto na produção
quanto nas relações sociais. Depois pode-se
discutir se havia conhecimento e capacidade
técnica para este projecto. Foram cometidos
erros, a aplicação de algumas receitas socialistas
não funcionaram.
- Que legado deixou, a experiência socialista de
Moçambique?
N.D. - É evidente que a população viveu muito
melhor, houve fomento da participação política.
Também houve tentações totalitárias e um conjunto
de coisas que não correram bem. Mas num conjunto
de aspectos importantes, a vida dos moçambicanos
melhorou. Porém, a guerra começou logo depois
e o conflito trouxe dificuldades produtivas. Se as
pessoas não têm as suas necessidades básicas
atendidas elas não podem viver bem, por mais que
o projecto seja bom.
- A transição para o multipartidarismo, na
década de 1990, modificou o cenário do país?
N.D. - Estamos sempre nestas duas linhas, a
olhar para a história de Moçambique a partir
da sua história interna e dos seus líderes, isso é
importante. Mas depois há os determinantes
externos. A presença de Moçambique numa
divisão social do trabalho e da produção tem de
ser analisada para se perceber o país. A relação
de Moçambique com instituições externas é
fundamental; ou seja, não depende apenas
da questão interna. O multipartidarismo não
terá solucionado parte dos problemas, porque
vem associado às dinâmicas internacionais, às
dependências económicas. Apesar de tudo, eu
acho que a democracia moçambicana tem bons
mecanismos, por exemplo, existe uma imprensa
a discutir os problemas.
- Tem realizado viagens de trabalho e estudo
a Moçambique? Qual a sua percepção das
reminiscências coloniais?
N.D. - Há reminiscências evidentes, nas quais
eu reparei pelo facto de ser branco, europeu e
português, coisas associadas mas com significado
diferente, o que só pode ser compreendido a luz
do passado colonial. Mas, neste processo de
liberalização da economia, o que mais se sente
é a reprodução das estruturas de poder. Por
exemplo, na organização urbana de Maputo. Vai
aos bairros periféricos e percebe que estes são
hoje o que foram há 50 anos. Há uma estrutura de
classes que se mantém absolutamente desigual,
como no contexto colonial. A estrutura mantém-
se, mas é formada por pessoas diferentes. Hoje
existe uma classe internacional europeia que
tem poder, que está a frente das empresas e
dos negócios e que ocupa bairros de classe alta,
Polana e Sommerschild. Também existe uma
elite africana que não existia antes, mas que
em termos estruturais ocupa o lugar que uma
elite branca ocupava antes da independência.
É uma nova classe média e alta, constituída por
moçambicanos, muito ligada ao aparelho de
Estado, que constituiu um poder em si mesmo e
que é ocupado por estas pessoas.
- Pensa que a Europa mantém uma relação
neocolonial com África?
N.D. - Podemos chamar neocolonial ou outra
coisa qualquer. Mas sim, e isso vê-se nesta elite
urbana estrangeira, das ONG’s, de um conjunto
de empresas e interesses europeus. Mas não só:
há americanos e asiáticos. África voltou a ser um
sítio interessante. O continente sempre esteve
dependente dos mercados de matérias-prima e
as suas dinâmicas de desenvolvimento sempre
estiveram vinculadas aos ritmos de exploração
das suas riquezas. Agora há um novo ciclo de
crescimento.
- As organizações que reúnem os países de língua
portuguesa têm sido muito criticadas pelo seu
fraco desempenho. Tal se deve a persistência dos
desentendimentos entre países?
N.D. – Neste tema há duas dimensões. Uma
delas é simbólica, de Portugal querer afirmar-se
como uma potência por ter sido a cabeça de um
império e porque a língua continua a ser falada,
uma grandeza que não existe em concreto.
Depois há a questão material, a ideia de que estas
relações são a base para se fazer negócios, uma
base institucional para os negócios. Mas estes
países precisam mesmo de Portugal? Não creio
que Brasil e Angola precisem de Portugal. Estes
fóruns de diplomacia económica, com base na
língua, têm limites para contar o que foi a história
do império colonial, porque não interessa a
ninguém voltar a falar sobre o colonialismo.
- Há muitos arquivos fechados e investigação
por ser feita sobre o período colonial em África.
Há interesse em aprofundar a pesquisa?
N.D. – Interesse há, a questão é para dizer o quê.
Em Portugal continua a existir um pensamento
imperial, nostálgico. Os estudos mostram que se
continua a acreditar que a experiência colonial
portuguesa foi única, excepcional, caracterizada
pela harmonia e que a violência foi marginal.
Esta ideia passou para o senso comum como
verdade, o que é dramático. Mesmo na cultura
popular, nas novelas e nos romances, essa ideia
continua, de uma África paradisíaca que foi
estragada pelas independências. É evidente
que muitos investigadores têm uma perspectiva
mais crítica e empírica, mais próxima do que
aconteceu. Mas, se queres criar laços que
permitam uma diplomacia económica, se
queres criar boas relações, o passado tem de ser
colocado entre parênteses.
“Não interessa a ninguém voltar a falar sobre o colonialismo”
Em entrevista ao PONTO FINAL o sociólogo Nuno Domingos revê o percurso colonial de Moçambique, as conquistas do período pós-independência e as marcas neocoloniais do presente.
TEXTO DE ISADORA ATAÍDE
- Quais as especificidades do colonialismo
português em Moçambique?
N.D. - O problema foi que Portugal tinha
dificuldades em ocupar o território como um
todo e administra-lo. Por isso, parte substancial
do país foi concessionada às companhias
majestáticas, o que mostrava a incapacidade
do Estado em administrar. Moçambique é o
lugar onde mais companhias apareceram, com
estatutos e funções diferentes, quase todas foram
constituídas no final do século XIX. A última foi
extinta em 1942, porque o Estado Novo passou
a dar prioridade à soberania e à centralização
da administração estatal. O colonialismo
português tinha uma grande dificuldade em
ordenar o território colonial devido as suas
próprias limitações em termos de recursos e
quadros e do seu perfil mercantilista, mais do
que capitalista. Tal não significa que não tenha
sido um colonialismo actuante no modo como
aplicou formas de trabalho forçado e como
desenvolveu um sistema fiscal para os indígenas,
o qual era uma das principais fontes de renda. Na
fase final, a partir dos anos 1950, foram aplicados
uma série de planos económicos e houve um
maior investimento estatal na construção de
infra-estruturas. Isso coincidiu com o fim do
poder colonial, com as guerras numa África em
processo de descolonização por todos os lados.
Para Portugal este é um colonialismo tardio.
- Quais os aspectos da política colonial que
foram decisivos nos conflitos entre europeus e
africanos?
N.D. - Durante as campanhas de ocupação os
conflitos tinham mais o aspecto de uma guerra
convencional. A partir do momento em que
se “pacifica” o território e até o período que
antecede as guerras de libertação, o que há são
conflitos nos locais de trabalho. São conflitos no
contexto de uma assimetria de poder enorme
entre colonizador e colonizado, europeu e
africano, branco e negro. Moçambique tinha a
sua capital na Ilha de Moçambique e apenas no
fim do século XIX a capital passou para Lourenço
Marques, actual Maputo. Essa passagem marca
o modo como a economia de Moçambique
transita do norte para o sul, o que se deve às
minas de ouro e diamantes na África do Sul, que
implicam a necessidade de um porto e de mão-
de-obra barata. O Estado colonial vai organizar
a cedência de trabalhadores e lucrar com isso.
Esta é uma das formas de violência colonial
mais evidente, além da utilização do trabalho
dentro de Moçambique, com práticas de
trabalho forçado. Os africanos eram obrigados
ao trabalho, disso dependia a sua presença
nos núcleos urbanos, disso dependia a sua
hipotética passagem ao estatuto do assimilado.
O trabalho tornou-se o grande elemento
a volta do qual se estruturou a sociedade
ponto final • QUI. 25 JUN, 2015
vc
Moçambique de Hoje / Mozambique Todayde Luís de AlmeidaCom um prefácio de Carlos Pinto Coelho, este álbum de Luís de Almeida é dedicado a todos os que de alguma forma vivem uma relação especial com Moçambique. Fruto de dez anos a calcorrear o país e de uma amizade intensa pelas suas gentes hospitaleiras, o trabalho do autor celebra a beleza natural deste lugar mágico. E fá-lo através das reminiscências do Moçambique de tempos idos numa janela aberta para os tempos de hoje.
Contributo para a boa Governança Democrática em África e Moçambiquede Serra de CarvalhoO objetivo deste ensaio é proporcionar um conjunto de reflexões (a estudantes, advogados, juristas, magistrados, sindicatos, polícia, partidos políticos, empresários, académicos, confissões religiosas, sociedade em geral, órgãos de soberania, entre outros) face aos desafios que se verificam na chamada sociedade híper moderna e híper consumista, trazidos pela globalização, o que faz com que, a certo momento, a dimensão temática continental (África-Moçambique) transcenda para a intercontinental e/ou global (Europa, Ásia e América), tornando o texto apreciável a todos os níveis.
Samora Machel - Atentado ou Acidente? PÁGINAS DESCONHECIDAS DAS RELAÇÕES SOVIETO-MOÇAMBICANASde José MilhazesQuando, em Outubro de 1986, o avião em que seguia Samora Machel, Presidente de Moçambique, se despenhou em território sul-africano, numa altura em que as relações entre Moçambique e a União Soviética esfriavam, logo foram aventadas as hipóteses de acidente ou atentado. Desde então que o mistério permanece por resolver. Com este livro, José Milhazes procura dar alguns contributos para a sua resolução, apresentando para o efeito documentos e depoimentos.
Gungunhana - O Último Rei de Moçambiquede Manuel Ricardo MirandaGungunhana, o gigante e temido rei de Moçambique, era o homem que todos queriam. Mouzinho de Albuquerque, o oficial da cavalaria portuguesa, ambicionava honra e fama. Ao iniciar a marcha até Chaimite tinha como missão capturar o régulo africano e submeter as populações locais ao poder da bandeira nacional. Sousa, senhor de possessões em terras moçambicanas, junta-se a Mouzinho de Albuquerque com um único e secreto objetivo: matar, com as suas próprias mãos, Gungunhana e vingar-se da traição da sua mulher Kali, que fugiu para se tornar amante do Leão de Gaza, como era conhecido. Já Pedro, braço direito do comandante português, tinha sede de aventura e descoberta. Talvez assim conseguisse esquecer um desgosto de amor que lhe atormentava a alma. O autor Manuel Ricardo Miranda transporta-nos, neste empolgante romance, para o universo africano dos finais do século XIX. E percebemos que África é um território com alma própria, mística, onde a realidade muitas vezes não é o que parece.
Terra Sonâmbulade Mia Couto“Terra Sonâmbula” foi considerado um dos doze melhores romances do século XX em África. Cruza elementos da cultura tradicional moçambicana com a própria história do país, realismo e magia, factos e símbolos, “Terra Sonâmbula” é, acima de tudo, um hino ao poder dos sonhos e da vida.
Obra Poéticade José CraveirinhaReúne-se aqui a primeira parte da obra poética de um dos grandes nomes da literatura moçambicana actual, com alguns dos poemas mais conhecidos do autor.
Moçambique40 Anos de Vida como Nação IndependenteALGUNS DOS TÍTULOS DISPONÍVEIS NA LIVRARIA PORTUGUESA
Niketche , Uma História de Poligamiade Paulina ChizianeRami, casada há vinte anos com Tony, um alto funcionário da polícia, de quem tem vários filhos, descobre que o partilha com várias mulheres, com as quais ele constituiu outras famílias. labirinto de emoções, de revelações, de contradições e perigosas ambiguidades. Poligamia e monogamia, que significado assumem? Cultura, institucionalização, hipocrisia, comodismo, convenção ou a condição natural de se ser humano, no quadro da inteligência e dos afectos? Niketche, dança de amor e erotismo, é um espelho em que nos vemos e revemos, mas no qual, seguramente, só alguns de nós admitirão reflectir-se.
Chorirode Ungulani Ba Ka KhosaHistória de um reino de um rei branco no vale do Zambeze no século XIX. Ungulani, munido de um saber histórico e etnográfico notável, parte para um relato emotivo e orgulhoso, elegia de um tempo feliz e formador da identidade moçambicana moderna.
A Canção de Zefanias Sforzade Luís Carlos Patraquim,Tendo como palco a cidade de Maputo, microcosmos do país que emerge com a proclamação da independência, esta é a estória de uma personagem improvável, tão improvável quanto possível, seus casos, sonhos e atribulações. O leitor perceberá que o excêntrico apelido e a particular idiossincrasia não são o melhor dos aliados num tempo e lugar em permanente ebulição.
Rio dos Bons Sinaisde Nelson SaúteEste Rio dos Bons Sinais é uma deambulação pela história recente de um país recém-chegado ao mundo e de gente que não se demarcou do estado de fantasma. Há, nestas histórias, mortos que não encontram a Morte, homens de luto perpétuo que apenas visitam a vida nas cerimónias fúnebres, jovens que amanhecem pendurados numa corda de sisal. Nelson Saúte lava, na própria escrita, as palavras: aqui se abrem rios de um outro tempo moçambicano e que nos fazem navegar por sonhos que são apenas o litoral da pesada realidade de um país que tem enorme dificuldade em se sonhar.
Contos Populares de Moçambiquede Margarida Pereira-Müller, Anna Bouza da CostaOs contos de tradição popular são como que a memória residual que transmite e interpreta os valores de uma comunidade. Os animais quase sempre antropomorfizados desempenham um papel fundamental. É assim que nos “Contos Populares de Moçambique” a esperteza dos pequenos vence os mais fortes (O coelho, o leão e a hiena, A hiena e o coelho), o poder do mágico liberta povoações do perigo (O caçador, o coelho e a raposa), a justiça distingue os bons dos trangressores (A hiena e a gazela, O macaco e o cágado ou O rato e o caçador).
Moçambiquede Helena CabeçadasEste é um livro sobre Moçambique e traduz o choque entre uma África imaginada e uma África vivida nos finais dos anos cinquenta do séc. XX. É também um livro sobre o fim da infância, numa cidade colonial, Lourenço Marques, então no seu apogeu. Pretende ser, ao mesmo tempo, uma homenagem ao trabalho desenvolvido pelos engenheiros da Missão Geográfica de Moçambique - um misto de cientistas e exploradores que, ao longo de décadas, nos confins do Império, procuravam conhecer o território e delimitar-lhe as fronteiras, com o máximo de rigor possível, em condições extremamente difíceis.
A Missão - O Diário de uma Médica em Moçambiquede Patrícia LopesEste livro relata a história de vida de uma finalista de Medicina que embarca sozinha para Moçambique para colaborar voluntariamente num orfanato, perto de Maputo. Mais tarde, aprende na pele como, no dizer do povo, “quando se chega ao oceano, as leis do rio deixam de servir”.
Photar Moçambiquede Paulo Alexandre«O paradoxo é este: às vezes, deixamos de ver por já termos visto.(...); Confirmei essa invisível cegueira quando me deparei com as fotografias de Paulo Alexandre. Que país era esse que era o meu e que eu nunca tinha visto antes? Que lugares eram aqueles, simultaneamente familiares e estranhos? Que gente era aquela tão inédita e tão nossa?(...) Posso dizer que conheço muitos dos Moçambiques que há dentro de Moçambique.(...) Mas eu nunca me compenetrei do quanto faltava ver. » Mia Couto
Arte em Moçambiquede Alda Costa«A autora traça uma panorâmica da situação e dos desenvolvimentos formais e conceptuais das artes visuais em Moçambique com enfoque para as práticas artísticas da modernidade. A partir de uma estratégia de pesquisa abrangente, realizada no país e em Portugal, constrói uma narrativa visando apreender diferentes vozes, visões e perspectivas de uma realidade complexa onde se cruzam diversas tradições e contextos culturais.
Sabores do ÍndicoRECEITAS DA COZINHA MOÇAMBICANAde Maria Fernanda SampaioSituado num ponto estratégico do oceano Índico, Moçambique recebeu ao longo dos tempos influências da Europa e da Índia que, mescladas com as próprias tradições e modos de fazer africanos, contribuíram para criar uma cultura rica e diversificada. A cozinha moçambicana reflecte isto ao mais alto grau, com um repositório riquíssimo de receitas da mais alta índole gastronómica.