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Retirado de: http://adorno.planetaclix.pt/sohn-rethel.htm
(27/10/2010)
Alfred SOH-RETHEL
Trabalho espiritual e corporal
Para a epistemologia da histria ocidental
Traduo
Cesare Giuseppe Galvan
SOH-RETHEL, Alfred. Geistige und krperliche Arbeit. Zur
Epistemologie der abendlndischen Geschichte. (Trabalho espiritual e
corporal. Para a epistemologia da histria ocidental). Rev. u. erg.
Neuauflage. Weinheim, VCH, Acta Humaniora, 1989. H edio inglesa de
uma verso anterior (1950).
Prefcio
O trabalho intelectual de minha vida at o nonagsimo aniversrio
serviu para esclarecer ou decifrar uma viso meio intuitiva, que me
coube elaborar em 1921 em meu estudo na Universidade de Heidelberg:
o descobrimento do sujeito transcendental na forma mercadoria, um
axioma condutor do materialismo histrico. Um esclarecimento
satisfatrio desse axioma pode ser alcanado somente como resultado
final de ataques sempre novos, titulados Exposs (Exposio). Distingo
sete de tais ataques:
1921: Postulado: a forma mercadoria compreende em si o sujeito
transcendental (este conhecimento resultava de uma anlise palavra
por palavra da anlise marxiana da mercadoria nos captulos iniciais
de "O Capital" em combinao com um seminrio sobre os Prolegomena de
Kant ministrado por Ernst Cassirer em Berlim, em 1920).
1936: Minuta para uma teoria sociolgica do conhecimento. Esta
foi a primeira tentativa de uma exposio geral. O termo "sociolgica"
(em vez de: "marxista") servia para despiste perante os nazistas. O
"Expos" de Lucerna
1937: Liquidao crtica do apriorismo. Em Paris sob o influxo de
Th. Adorno e de Walter Benjamin. "Expos" de Paris.
1950: Intellectual and Manual Labour (Trabalho Intelectual e
Manual). Escrito em Birmingham, no publicado. O "Expos" ingls.
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1961: Warenform und Denkform (Forma Mercadoria e Forma de
Pensamento), tentativa de uma explicao social da origem da razo
pura. Publicado na Revista da Academia da Universidade Humboldt,
Berlim (DDR). "Expos" de Berlim.
1970: Geistige und krperliche Arbeit (Trabalho espiritual e
corporal).
1976: Das Geld, die bare Mnze des Apriori (O dinheiro, a moeda
lquida do a priori). O "Expos" de Bremen.
1989: Geistige und Krperliche Arbeit. Epistemologie der
abendlndischen Geschichte (Trabalho espiritual e corporal.
Epistemologia da histria ocidental). Nova edio, revista e
completada, de "Trabalho espiritual e corporal".
Tambm esta verso, aqui apresentada, deixa em aberto muitas
questes. Mas minhas pesquisas levadas adiante ao longo de 68 anos
tornaram possvel uma tese resumo:
Decifrar o estado de coisas (fechado) da sntese funcional de
nossa sociedade ocidental possibilita ao mesmo tempo a
reconceptualizao da filosofia ocidental.
Adorno formulou a grandiosa proposio: o materialismo histrico a
anamnese da gnese; que este entendimento - que destri o platonismo
- chegue elegncia do prprio platonismo, atesta o esprito de
Adorno.
Na pesquisa aqui apresentada trata-se portanto da alternativa
entre epistemologia idealista ou materialista. Enquanto a idealista
(algo assim como na exposio de Kant) se apresenta como nexo de
invenes, a materialista s pode repousar sobre um nexo de
descobertas.
Marx no fundou nenhuma interpretao materialista do conhecimento
cientfico, mas pagou seu tributo quela dominante a seu tempo,
fundada por Kant e Hegel. A anlise marxiana no comeo de "O Capital"
analisa a economia poltica, mas no se questiona sobre a
possibilidade de sntese social em sociedades, que repousam no
princpio da propriedade privada. Diante disso, meus estudos
dirigem-se exatamente pesquisa do nexo social - por essa mudana de
temtica o questionamento poltico-econmico torna-se sociolgico.
Contudo, eu quereria salientar, que a passagem de economia
sociologia no foi de nenhuma maneira o ponto de partida., que me
moveu remodelao da anlise marxiana da mercadoria. S por ocasio de
uma palestra sobre "Forma mercadoria e forma do pensamento"
Universidade Humboldt em 1958, eu reconheci, que Marx tinha
descuidado de seguir nesse ponto sua primeira Tese sobre Feuerbach,
onde se trata da pesquisa do nexo violento que formam as sociedades
ocidentais.
As teoria idealistas do conhecimento, as quais esbarram no
obstculo de no poder elas mesmas explicar o poder das snteses
espirituais, tm sua verdade aparente no fato de
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que a eficcia scio-sinttica dos sujeitos individuais permanece
totalmente escondida para eles mesmos: essa eficcia hipostasiada
pelas teorias idealistas do conhecimento como "sujeito
transcendental". Se ns, ao contrrio, seguirmos o fio da meada da
praxis social real, deveria ser possvel fundar uma teoria
materialista do conhecimento, a qual s pode ser histrica.
Bremen, Agosto 1989
Alfred Sohn-Rethel
Quereria agradecer meus colaboradores Karim Akerma e Udo Casper,
que tornaram possvel esta edio com o apoio da Stiftung fr
Philosophie (Fundao para a Filosofia), de Mnchengladbach, e da
Universidade de Bremen.
I Parte:
"Forma-mercadoria e forma de pensamento - Crtica da teoria do
conhecimento"
1. Partir criticamente de Kant ou de Hegel?
O desenvolvimento do pensamento e a nfase recebem nova luz e se
deslocam se o caminho da filosofia de Kant a Hegel for submetido a
uma considerao sob o ponto de vista do trabalho espiritual e
corporal, sua relao e sua separao radical no capitalismo. Com isso,
a apreciao da filosofia sai dos enredamentos conceituais internos e
do reino dos especialistas do pensamento filosfico, para o campo
visual histrico e deveria, entre outras coisas, tornar-se
compreensvel at aos trabalhadores manuais. As especulaes de Kant
sobre a "coisa em si", por exemplo, tornam-se pelo menos em parte
perfeitamente evidentes. Se considerarmos to somente a obra sobre a
razo terica, como o caso da Crtica da razo pura, se a anlise se
ocupar exclusivamente com as formas conceituais do trabalho
intelectual na "matemtica pura" e na "cincia pura da natureza", com
a medio de seus limites de validade, sobretudo com sua "pura
possibilidade" bem como com seu mtodo, ento est claro, que algo
fica fora, ou seja o trabalho manual. O trabalho manual leva a cabo
as coisas, das quais a razo teortica considera somente a
"aparncia", e tem um carter de realidade diferente daquele que
possa jamais competir ao objeto do conhecimento. No decurso de
nossa pesquisa mostrar-se- que o prprio trabalho (e somente como
tal) se subtrai a todos os conceitos de sociedades produtoras de
mercadorias, sendo a eles "transcendente", pois esses conceitos
derivam em seu conjunto da conexo de apropriao, formada por essas
sociedades. Certo, encobre-se tal situao ao pensamento de Kant,
cujo esforo fundamental dirigiu-se a provar a autonomia
autofundante do trabalho intelectual, precisamente do trabalho
cientfico, bem como de todos os demais interesses da classe
burguesa, "formada". Nisso reluz a "coisa em si" em variadas
significaes, antes de
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tudo na tica, onde ao indivduo moral se assegura, que a "coisa
em si" leva, em si mesma, sobretudo ao apoio de sua liberdade.
Mas o dualismo, que fica para Kant em todo seu esforo do comeo
ao fim, um reflexo da realidade capitalista sem comparao mais fiel
verdade que os esforos de seus seguidores, que se livram do
dualismo na medida em que neles tudo puxado para dentro da
"imanncia do esprito". J Fichte chama Kant de "cabea de trs
quartos", porque ele no teria extrado, ele mesmo, toda a conseqncia
de sua filosofia. No entanto, bem tinha acontecido a Revoluo
Francesa, na qual a burguesia parecia ter-se apropriado
completamente de toda a realidade, sem deixar nenhuma realidade
oposta. Pode-se tambm dizer, que aps a Revoluo Francesa a sociedade
toda se tornara pasto do capital. Mas sob este aspecto, ao tempo de
Hegel e para um esprito com sua viso, ainda nada se podia
reconhecer. Ele tomou a Revoluo no sentido no qual ela tinha sido
entendida, leu com seus amigos Hlderlin e Schelling todos os
eventos, cada notcia, que o jornal anunciava, como acontecer
filosfico, olhou a Napoleo em sua entrada em Iena como ao "Esprito
do Mundo", que ele "viu chegar a cavalo". Essa era a "soberania do
pensamento", mas tambm a descolagem do terreno histrico, culminao
suprema, que se prevalecia das implicaes correspondentes realizao
da liberdade e as entendia sistematicamente, independentemente de
se as ruas de Paris e seus pores ofereciam abrigo a isso ou no.
Para Hegel no bastava tomar a liberdade puramente como a exigncia e
o ideal, como ele tinha sido para Kant, cuja filosofia Marx
denomina "a filosofia da revoluo francesa", a filosofia no estgio
da revoluo. Para Hegel, ela se tornou lei fundamental, pela qual se
move a realidade. Pensar e ser esto para ele no mais em relao como
opostos, eles tornaram-se uno, e o mesmo valia correspondentemente
para todas as antteses e dicotomias da reflexo filosfica. Essa
unidade aquilo que, desde sempre, tinha sido entendido com pensar e
ser, ideal e realidade, essncia e aparncia, forma e matria, etc.;
sua unidade era aquilo que elas significavam, era sua verdade.
Assim, da lgica veio a dialtica. As determinaes realizaram-se, mas
em sua realizao mudaram as condies de sua realizao, de modo que
cada determinao, para realizar-se, desenvolver-se, para ser ela
mesma, devia tornar-se algo outro de si. A verdade tornou-se
processo gerador do tempo, que devia estar certo (o que sempre
ocorria) com aquilo que se encontrava no tempo e nele se realizava.
O ato de nascimento (a origem burguesa do pensamento) mostra-se
claramente no fato que ele era s pensamento, a dialtica pura lgica,
a realizao nada seno filosofia, a concretizao no ocorria nenhures
seno na "Imanncia do Esprito". O Ser, com o qual o pensar era uno,
no era o ser espao-temporal das coisas e das relaes da histria
factual e dos fatos histricos, e sim o Ser, que Hegel puxou ao
ponto de fundao da lgica, da cpula do "eu sou eu", portanto no era
nada seno o ser do pensar mesmo, o ser, com o qual o pensar se
confunde pensando, e, falando materialistamente, o
auto-espelhamento da plena hegemonia burguesa de classe. De todas
as filosofias, que "s interpretam o mundo de vrias maneiras", sem
"mud-lo", a de Hegel a mais crassa, mesmo porque ela dissipa a
forma da mudana do ser, a prpria dialtica, em nada seno "na idia".
E para valer, para Marx a dialtica devia de fato ser "entornada",
melhor: ser revirada e revirada. Ela devia sobretudo deixar de
ser
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lgica1 .Na luta de classes para a mudana da realidade h
certamente a necessidade de pensar dialeticamente, e para aprender
isso pode-se ir escola de Hegel, talvez at seguindo a sugesto de
Lenin de fundar "uma sociedade para a cura da dialtica hegeliana".
Mas no marxismo temos a dialtica no por causa de Hegel. A dialtica
marxista vale no sentido do ser scia, pois o marxismo visa a tornar
esse ser uma realidade, na qual o real tenha sentido e o sentido se
torne realidade, onde portanto a sociedade humana sai de sua
"pr-histria", na qual a humanidade bola de jogo das necessidades
naturais. A servio dessa finalidade, a histria humana deve ser
entendida em seu conjunto sob um postulado metodolgico, pelo qual a
possibilidade dessa finalidade, a possibilidade real de sua
realizao, concebida j como o propriamente determinante, a lei
natural dominando completamente a histria humana, portanto como a
verdade que est por toda parte j por baixo de seu acontecer. Esse
postulado metodolgico o materialismo histrico. Com tal expresso,
"materialismo histrico", entende-se que a histria humana parte da
histria natural, ou seja dominada em ltima instncia por
necessidades naturais. Estas necessidades naturais tornam-se
humanas, ou seja a natureza experimenta sua continuao na forma de
histria humana l onde comea o trabalho. Que os homens no vivem em
um pas das delcias, ou seja que no vivem de graa, mas nem so
nutridos cegamente pela natureza como os animais, e sim vivem na
medida de seu trabalho, portanto em fora da sua produo, por eles
mesmos gerada, empreendida e levada a termo, aqui est a base
natural dos homens e o "materialismo" da histria humana. "Na produo
de sua vida...", assim soam as primeiras palavras, com as quais
Marx comea sua exposio dos axiomas do enfoque materialista da
histria. Poder-se-ia tambm dizer que a lei fundamental do
materialismo histrico a lei do valor. Mas a lei do valor comea seu
caminho s quando o produto do trabalho humano ultrapassa a pura
necessidade natural e se torna "valor" inter-humano: e esse o
limiar onde comeam a troca de mercadorias e a explorao, portanto
onde, dito de modo no marxista, comea o "pecado original" ou, dito
marxisticamente, onde se introduzem a "reificao" e a "autoalienao"
dos homens, sua perverso ou danao, seu deslumbramento ou cegamento,
a causalidade natural historicamente gerada da "economia" e a
dominao de uma naturalidade, que deixado aos homens superar, quando
o tempo chegar. A lei do valor torna-se, em outras palavras, lei
fundamental do materialismo histrico no decurso das pocas da
dominao da sociedade de classe. Como, portanto, pertence a dialtica
s instncias marxsticas: materialismo histrico, lei do valor,
sociedade de classes, economia, autolibertao dos homens de sua
pr-histria? De acordo com o enfoque aqui defendido, a dialtica est
no pensamento marxista tal como a dialtica hegeliana na lgica de
Hegel. Ela est, porm, tambm no na histria como parte de sua
facticidade. Se algum for positivista, e portanto registra a
"verdade" como pedra e pedras, fato e fatos, a ele nunca a dialtica
daria sequer uma ensinadela. Contudo a dialtica encontra-se na
histria, mas ela se mostra s quele que considera a histria sob o
postulado metodolgico do materialismo histrico. A ele ela se mostra
porque a dialtica aquilo, que dela Hegel desenvolveu, unidade de
pensar e de ser, de sentido e de realidade, e porque essa unidade,
entendida materialisticamente, desde o comeo forma a essncia
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da histria humana, mesmo para aquele que no sabe de nada melhor
que das aparncias e no costuma sequer comear a entender qualquer
coisa dessa essncia.
Quem foi ento que batizou Marx: Hegel ou Kant? A resposta menos
simples que comumente se supe. Em toda a concepo, regada a
dialtica, do materialismo histrico, domina uma perigosa tentao de
ignorar o problema do conhecimento em vista da natureza. A natureza
aparece por meio do trabalho, de sua matria, foras, instrumentos,
mquinas aparecem j como fator dado introduzido na histria humana e
dominado. Ela no exerce sua causalidade sobre a histria como
constante, e sim atravs do grau de desenvolvimento das foras
produtivas; por isso, bem ocorrem perdas, mas no essencial as pocas
se seguem uma sobre as costas das outras, porquanto as consequncias
possam atuar sem progresso de acordo com as significaes nas relaes
sociais de produo. A natureza aparece portanto como uma matria
contida na histria, sempre digerida atravs da prxis da produo. O
conhecimento e a cincia da natureza exigido com isso tratado por
Marx, correspondentemente, com uma aparente naturalidade, na medida
em que h algum aceno especial a ele. Parece portanto no oferecer-se
nenhuma oportunidade de fazer disso um problema do conhecimento
conforme a maneira kantiana. Contudo tal problema se pe.
Obviamente ele no se coloca no fundamento da filosofia como em
Kant, como questo a-histrica "do conhecimento como tal" nem sequer
da "possibilidade da experincia". Ele se pe como fenmeno histrico
especfico pela separao entre trabalho espiritual e manual, que
cresce no terreno da diviso de classes na produo mercantil
desenvolvida, e de maneira completamente desenvolvida pela primeira
vez entre os antigos clssicos e depois por sua vez sobretudo na
poca moderna europia. Aqui coloca-se um problema terico do
conhecimento pelo fato histrico de que as formas do conhecimento da
natureza se separam da produo manual, se autonomizam perante ela e,
portanto, fluem abertamente de outras fontes que aquelas das quais
flui o trabalho manual. Quais fontes possam ser essas, isso no por
sua vez nada evidente, mesmo que se partilhe a crena da teoria
tradicional do conhecimento em uma capacidade humana inata de
"entendimento". O fenmeno em si, pelo menos em sua forma moderna
europia, aquele mesmo, para o qual valem as questes de Kant: como
possvel a pura matemtica? Como possvel a pura cincia da natureza? A
teoria, com a qual ele respondeu apoiava-se em anlises,
desenvolvidas por mais de dez anos, do mtodo galileano e da fsica
newtoniana, complementadas e comprovadas por trabalhos prprios em
cincia natural, e em partes essenciais a teoria se constitua de
concluses dos resultados, que ele tinha alcanado. Que a "pura
cincia natural" possvel, disso no h dvida, pois ela um dado de
fato; conseqentemente deve-se poder indagar como ela possvel. Esta
era a forma de argumentao de Kant, e a mesma argumentao se torna
necessria para o histrico-materialista, se ele se der bastante
conta de quo essencial e inseparavelmente, por exemplo, a separao
do trabalho espiritual da cincia natural em relao com o trabalho
manual proletrio est relacionada com a hegemonia econmica do
capital sobre a produo. A hegemonia econmica no poderia ser
exercida pelo capital, se a tecnologia fossa coisa dos
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trabalhadores. Portanto, o problema do conhecimento na formulao
kantiana se coloca no terreno do materialismo histrico induzido por
Hegel; no, por assim dizer, Kant ou Hegel, e sim Kant na moldura de
Hegel. Na verdade no se trata nem de um nem de outro, e sim das
formas de aparecimento do trabalho espiritual e de sua separao do
trabalho manual, como problema parcial histrico-materialista.
Sublinhe-se que o problema parcial de uma significao, que para
ns no momento atual cresce enormemente. Quem no dia de hoje falar
em revolucionar a sociedade, em transformar o capitalismo em
socialismo e porventura na possibilidade de uma ordem comunista,
sem saber como a cincia e a tcnica cientfica se inserem na
sociedade, de onde elas provem, de que natureza e origem sua forma
conceptual, como portanto a sociedade deve dominar o
desenvolvimento da cincia em vez de ser por ele dominada e
subjugada, ele se expe censura da absurdidade. Nas teorias
existentes do conhecimento porm as formas dos conceitos do trabalho
espiritual cientfico e filosfico no se concebem de maneira nenhuma
como fenmeno histrico. Ao contrrio. A forma conceptual do modo de
pensar das cincias da natureza assinala-se em geral pela
a-temporalidade histrica de seu contedo. Nas teorias do
conhecimento aceita-se essa a-historicidade como fundamento dado.
Uma explicao histrica da origem declarada como impossvel ou sem
mais nem sequer se menciona. Certo, nas teorias do conhecimento o
pensamento das cincias naturais de uma ou outra poca no avaliado
como fenmeno do trabalho espiritual, o qual deve estar em uma relao
social determinada de separao do trabalho manual de dado tipo. Tais
parmetros de pensamento pertencem ao materialismo histrico, mas at
o momento no foram explorados para a crtica da teoria do
conhecimento, para a qual eles possuem capacidade. Isso deve ser
empreendido nesta pesquisa, no convencimento que uma teoria
fundamental da histria do trabalho intelectual e do trabalho manual
contribuiria para o complemento essencial e a continuao dos
conhecimentos marxistas.
O modo como temos que proceder, portanto a metodologia da coisa,
bem devia pertencer a este ponto preliminar. De fato, porm, ela
sempre primeiro se aplica e pressupe que j se chegou a resultados
crveis. Primeiro, torna-se evidente aquilo de que ela deve
prescindir. Propor ao leitor uma metodologia ab ovo abusar de sua
pacincia. Isso no deve significar que no se d valor metodologia. Ao
contrrio, deve-se dar-lhe valor to grande, que ela se deixe avaliar
adequadamente s com um pleno conhecimento da pesquisa. Portanto,
ela ser aqui colocada em apndice pesquisa. Naturalmente cada qual
est livre de inverter a sequncia, se lhe aprouver.
2. Abstrao conceptual ou real?
Forma do esprito ou forma da sociedade tm em comum que so
"formas". O modo de pensar marxiano caracteriza-se por uma concepo
das formas, na qual ele se afasta de todos os outros modos de
pensar. Ele se guia a partir de Hegel, mas to somente para tambm
afastar-se de Hegel logo a seguir. Forma para Marx algo
temporalmente condicionado. Ela surge, passa e transforma-se no
tempo. Entender forma como ligada
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ao tempo sinal de pensamento dialtico e deriva de Hegel. Mas em
Hegel o processo de origem e mudana das formas, conforme exposto
acima, originariamente processo mental. Ele constitui a lgica.
Mudanas de formas de outro tipo, como na natureza ou na histria, em
Hegel so sempre inteligveis s pela relao lgica e em analogia com
ela. A concepo hegeliana da dialtica atua ento de tal modo que no
somente autoriza o primado do esprito sobre a matria, mas o empossa
em soberania nica.
Para Marx, ao contrrio, o tempo, que domina a gnese e a mudana
das formas, entende-se de antemo como histrico, tempo da histria
natural ou humana 2. Por isso no se pode descobrir tambm nada de
antemo sobre as formas. Uma Prima Philosophia est excluda em
qualquer feio no marxismo. O que se deve afirmar, deve primeiro ser
encontrado pelas pesquisas. O materialismo histrico , como
dissemos, s o nome para um postulado metodolgico, e mesmo isso para
Marx tinha primeiramente "resultado de seus estudos".
Assim, na constituio de formas histricas de conscincia no se
pode deixar de fazer caso de processos de abstrao, que l se
exercem. A abstrao iguala-se oficina da formao dos conceitos, e se
o discurso sobre a determinao social do ser da conscincia deve
possuir um sentido que satisfaa forma, ento deve-se poder colocar
no fundamento dela uma concepo materialista da natureza do processo
de abstrao. Uma formao da conscincia a partir do ser social
pressupe um processo de abstrao. que parte do ser social. S um tal
fato pode tornar inteligvel o que se entende com a afirmao de que
"o ser social dos homens determina sua conscincia". Mas com uma tal
concepo, o materialista histrico est em contradio inconcilivel com
toda a filosofia teortica tradicional. Para a tradio de pensamento,
globalmente, est certo que a abstrao a atividade prpria e o
privilgio exclusivo do pensamento. Falar em abstrao em um sentido
distinto da abstrao do pensamento passa por inadmissvel, mesmo em
se empregando a palavra s em sentido metafrico. Mas com base em tal
concepo, o postulado do materialismo histrico no pode ser levado
adiante. Se o processo de formao da conscincia, ou seja a abstrao,
for assunto exclusivo da prpria conscincia, ento permanece um
abismo entre a forma da conscincia por um lado, e sua suposta
determinao pelo ser, por outro lado, abismo que o materialista
histrico desmente em princpio, mas de cuja ultrapassagem ele
concretamente no pode dar conta satisfatoriamente.
Com certeza deve-se pensar que a prpria tradio teortica um
produto da separao entre trabalho da cabea e das mos e foi desde
seu comeo com Pitgoras, Herclito e Parmnides uma tradio de
trabalhadores intelectuais para trabalhadores intelectuais, e nisso
pouco mudou at hoje. O testemunho desta tradio, mesmo se
representado em unanimidade ininterrupta, no tem portanto nenhum
valor incontestvel para um ponto de vista intelectual, que se situa
na outra margem. E ns atribumos anlise marxiana da mercadoria no
comeo de O capital e j no texto Para a crtica da economia poltica
de 1859 uma significao sem par para o pensamento materialista,
baseados em que o
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discurso sobre uma abstrao em um sentido distinto daquele de
abstrao do pensamento.
3. A abstrao mercadoria (p.11-16)
No contexto de sua anlise da forma mercadoria, Marx fala em
"abstrao mercadoria" e em "abstrao valor". A forma mercadoria
(Warenform) abstrata, e a abstrao domina em todo o seu circuito. Em
primeiro lugar, o prprio valor de troca ele mesmo valor abstrato,
em contraposio ao valor de uso das mercadorias. Somente o valor de
troca passvel de diferenciao quantitativa, e a quantificao que aqui
se apresenta , por sua vez, de natureza abstrata em comparao com a
determinao quantitativa de valores de uso. O prprio trabalho, como
Marx sublinha com particular nfase, torna-se fundamento da
determinao da grandeza do valor e substncia do valor somente
enquanto "trabalho humano abstrato", trabalho humano como tal tout
court. A forma em que aparece sensivelmente o valor da mercadoria,
ou seja o dinheiro (quer como moeda, quer como bilhete) riqueza
abstrata, qual j no se colocam mais limites. Como possuidor de tal
riqueza o prprio homem torna-se homem abstrato, sua individualidade
torna-se a essncia abstrata do proprietrio privado. Enfim, uma
sociedade, na qual a circulao de mercadorias forma o nexo das
coisas, uma conexo puramente abstrata, na qual todo concreto se
encontra em mos privadas.
Mas a natureza da abstrao mercadoria consiste em que ela no um
produto mental, nem tem sua origem no pensamento do homem, e sim em
seu agir. Contudo, isso no confere a seu conceito uma significao
puramente metafrica. Ela abstrao no sentido literal rigoroso. O
conceito econmico de valor, que da resulta, caracteriza-se por
total falta de qualidade e por uma diferenciabilidade puramente
quantitativa e por se poder utilizar para qualquer tipo de
mercadorias e prestaes de servios, que possam apresentar-se em um
mercado. Com estas propriedades, a abstrao econmica do valor possui
semelhanas externas marcantes com categorias bsicas do conhecimento
da natureza, sem que se manifeste a mnima relao interna entre esses
dois planos totalmente heterlogos. Enquanto os conceitos do
conhecimento da natureza so abstraes mentais, o conceito econmico
de valor uma abstrao real. Embora ele no exista em nenhum lugar
seno no pensamento humano, ele no surge do pensar. Ele
imediatamente de natureza social, tem sua origem na esfera temporal
e espacial do intercmbio entre homens. No so as pessoas que geram
esta abstrao, mas seus feitos, seus negcios recprocos o fazem. "No
o sabem, mas o fazem".
Para entender adequadamente o empreendimento marxiano da Crtica
da economia poltica, deve-se reconhecer que o fenmeno da abstrao
mercadoria, ou abstrao valor, descoberto na anlise da mercadoria,
tem a caracterstica saliente de abstrao real. isso que julgamos
indispensvel. Do contrrio, a descoberta marxiana da abstrao
mercadoria (assim entendida) encontrar-se-ia em contradio
incompatvel com o conjunto da tradio de pensamento terico, e tal
contradio deve ser levada a um ajuste crtico3. Por ajuste crtico
entendo aqui um procedimento, no qual nenhuma
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das duas teses reciprocamente contraditrias se supe como
verdadeira, e sim deve-se descobrir por critrios crticos qual delas
seja verdadeira. Marx no levou um tal ajuste at seu completo
desenvolvimento, e eu estou inclinado a concordar com Louis
Althusser bem como com Jrgen Habermas, de que nos fundamentos
tericos do Capital est em questo algo mais, e de maior
profundidade, que aquilo que se expressa na avaliao econmica. Louis
Althusser do parecer que o Capital se deva ler como resposta a uma
pergunta subentendida mas no formulada por Marx4. Jrgen Habermas
vai mais longe e acusa Marx de ter ignorado as implicaes teorticas
de seu ponto de vista. Eu concordo at mesmo com Habermas de que, se
tais implicaes se assumirem e se perseguirem de maneira
consequente, a prpria teoria do conhecimento experimentaria uma
transformao radical, ou seja completaria sua metamorfose em teoria
da sociedade 5. Porm, creio que s podemos desembaraar-nos mais
eficientemente da tradio epistemolgica e idealista, se no falarmos
mais em "teoria do conhecimento", mas na separao entre trabalho
espiritual e trabalho manual. Pois aqui toda a colocao do problema
alcana o denominador de sua significao prtica.
Se no submetermos a um ajuste crtico a contradio entre a abstrao
real em Marx e a abstrao mental na teoria do conhecimento,
estaramos com isso satisfeitos com a falta de relacionamento entre
a forma de pensamento das cincias naturais e o processo histrico
social. Fica-se com a separao de trabalho da cabea e das mos. Mas
isso significa sobretudo que se admite a dominao social de classes,
mesmo se esta assumir as formas de dominao socialista de
burocratas. A omisso da teoria do conhecimento por parte de Marx
expressa-se em erros de uma teoria da relao do trabalho mental com
o trabalho manual, ou seja como descuido teortico de uma precondio
para a socializao sem classes, precondio reconhecida pelo prprio
Marx como essencial 6. A chamada significao prtica do problema no
deve diminuir seu valor terico. Este valor no se situa somente em
uma concepo coesa em si, mas em uma concepo consistentemente crtica
do pensamento marxista, motivada pela finalidade da sociedade sem
classes, sua possibilidade e as condies de sua realizao, de forma
anloga primazia da razo prtica sobre a razo terica em Kant. A
semelhana vai to longe, que a possibilidade da liberdade de uma
sociedade sem classes depende da concepo consistentemente crtica de
nosso pensamento marxista.
s condies de uma sociedade sem classes ns acrescentamos (em
consonncia com Marx) a unidade do trabalho espiritual e manual ou,
como ele diz, o desaparecimento de sua separao. E vamos to longe
que dizemos, que no se pode dar sequer uma olhada suficiente nas
possibilidades reais e nas condies formais de uma sociedade sem
classes, se faltar uma viso satisfatria da diviso do trabalho
espiritual e manual e das condies precisas de seu surgimento. Tal
viso prende-se aos supostos, de que as formas conceituais de
conhecimento - objeto especfico da teoria do conhecimento inclusive
da filosofia terica dos Gregos - formalmente podem ser deduzidas do
mesmo plano ao qual pertence tambm o trabalho manual, ou seja o
plano da existncia social. Ser este o caso? Esta a questo, que aqui
se pesquisa. A pesquisa prende-se portanto
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metodicamente linha, sobre a qual em uma sociedade futura
poder-se- estabelecer a unidade entre cabea e mo.
A tarefa a comprovao crtica da abstrao mercadoria. Isso a mesma
coisa que aquilo que acima denominamos de "ajuste crtico". Deve-se
primeiramente comprovar o fato formal da abstrao em um sentido da
palavra reconhecido de um ponto de vista da teoria do conhecimento;
e sem segundo lugar seu carter real de modo que no possa ser
contestado pelos argumentos da teoria do conhecimento. A comprovao
da abstrao mercadoria deve portanto trazer consigo a crtica
concludente da teoria do conhecimento no entendimento tradicional.
O critrio deste entendimento tradicional que a teoria do
conhecimento implica a impossibilidade formal de uma unidade entre
trabalho manual e o trabalho espiritual das cincias da natureza. Um
conceito mais preciso desta unidade pode-se esperar sem dvida como
resultado da pesquisa sobre a separao dos dois e os fundamentos de
seu surgimento.
comprovao crtica da abstrao mercadoria deve-se antepor primeiro
uma determinao do prprio fenmeno.
4. Descrio fenomenolgica da abstrao mercadoria
O conceito marxiano de abstrao mercadoria refere-se
rigorosamente ao trabalho incorporado nas mercadorias e
determinando a grandeza de seu valor. O trabalho criador de valor
determinado como "trabalho humano abstrato" em contraposio ao
trabalho til e concreto, criador de valor de uso. Ora, nem o
trabalho abstrato por natureza, nem sua abstrao para "trabalho
humano abstrato" seu prprio produto. O trabalho no se abstrai a si
mesmo. O lugar da abstrao est fora do trabalho, na forma social de
relacionamento prpria da relao de troca. bem verdade que, de acordo
com a concepo marxiana, vale que tambm a relao de troca no se
abstrai a si mesma. Ela abstrai (ou, digamos, abstratifica) o
trabalho. O resultado dessa relao o valor das mercadorias. O valor
das mercadorias tem como forma a relao de troca abstraidora e como
substncia o trabalho abstratificado. Nesta determinao abstrata da
"forma valor" o trabalho como "substncia do valor" torna-se o
fundamento puramente quantitativo da "grandeza do valor". Na anlise
da mercadoria do primeiro livro do Capital, o objeto da pesquisa a
natureza da grandeza do valor no menos que a natureza da forma
valor somente segundo sua essncia; as relaes quantitativas de troca
das mercadorias, como "aparecem" historicamente de fato, sero
explicadas primeiramente muito mais adiante, no volume terceiro.
(Para uma compreenso adequada da dialtica interna e da sistemtica
da obra principal de Marx, mencionemos aqui os estudos excelentes
de Rosdolski e de Reichelt.) Mas como tambm a relao essencial entre
a forma de relacionamento social da troca, por um lado, e o
trabalho, pelo outro, apresentada de maneira rigorosa por Marx,
sobre isso deveriam tomar lugar discusses analticas e crticas: elas
iriam atrasar e complicar o presente desenvolvimento de idias,
tanto que as remetemos para um anexo separado. O que aqui nos
interessa no o relacionamento em seu conjunto, mas s um aspecto
parcial do mesmo, ou seja o poder de abstrao
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que se deve troca de mercadorias, no ao trabalho: "O processo de
troca confere mercadoria que ele transforma em dinheiro no seu
valor, mas sua forma especfica de valor." (MARX, O Capital, MEW,
23, p.105). Falamos portanto a seguir em abstrao da troca, no em
abstrao mercadoria. Como que a abstrao da troca se deixa descrever
isoladamente como puro fenmeno?
A troca das mercadorias abstrata porque est no somente distinta,
mas at temporalmente separada de seu uso. A ao da troca e a ao do
uso excluem-se reciprocamente no tempo. Enquanto mercadorias so
objetos de aes de troca (portanto se encontram no mercado) no podem
ser utilizadas nem pelos vendedores nem pelos clientes. S depois de
completada a transao, portanto aps sua passagem esfera privada dos
seus compradores, as mercadorias tornam-se disponveis para o uso
dos ltimos. No mercado, nas lojas, nas vitrinas etc., as
mercadorias esto quietas, prontas para um s tipo de manuseio, sua
troca. Uma mercadoria assinalada por um preo definitivo, por
exemplo, est sujeita fico de perfeita imutabilidade material, e
isso no somente por parte de mos de homens. Supe-se at mesmo da
natureza, que ela suspende sua respirao no corpo das mercadorias,
enquanto o preo deve permanecer o mesmo. O fundamento que s o
negcio da troca muda o status social das mercadorias, seu status
como propriedade de seu possuidor, e, para poder levar adiante essa
mudana social ordenadamente e segundo suas normas prprias, as
mercadorias devem permanecer excludas de todas as mudanas fsicas
simultneas ou ento que se possa providenciar, que elas permaneam
materialmente imutadas. Portanto a troca abstrata no tempo, a que
ela recorre. E "abstrato" significa aqui que se evitam todos os
indcios de possvel uso das mercadorias. "Uso" entende-se aqui como
produtivo tanto quanto consuntivo, e como sinnimo com todo o reino
do relacionamento material do homem com a natureza, no sentido de
Marx. "Em contraposio direta rude objetividade sensvel dos corpos
das mercadorias, nenhum tomo de matria natural entra em sua
objetividade de valor". (O capital, MEW, p.62). Onde o nexus rerum
social reduzido a troca de mercadorias, deve-se produzir um vcuo em
todas as atividades vitais fsicas e espirituais dos homens, para
que nesse vcuo tome lugar sua conexo com a sociedade. Troca de
mercadorias socializao pura enquanto tal, atravs de um ato que
possui somente esse nico contedo, separado de todos os outros.
Contudo isso vale somente para os atos da troca, os atos recprocos
da entrega da propriedade, mas no vale para a conscincia daqueles
que trocam.
Pois enquanto o uso das mercadorias excludo de tal modo das aes
dos interessados durante o tempo das tratativas da troca, ele no
excludo em absoluto de seus pensamentos. Ao contrrio. O uso e a
utilidade das mercadorias que esto no mercado para a troca ocupa os
pensamentos dos clientes com toda vitalidade. E tambm esse
interesse no se limita a conjectura. Os clientes tm o direito de
assegurar-se do valor de uso das mercadorias. Podem tomar as
mercadorias para observar, eventualmente toc-las, prov-las,
experiment-las, fazer-se exibir o uso delas, e o tratamento do uso
apresentado deveria ser idntico com aquele, para o qual as
mercadorias devem ser adquiridas. Contudo a demonstrao das
mercadorias no mercado serve to somente
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para a instruo conceptual e a formao do juzo dos clientes,
portanto permanece restrita ao puro valor do conhecimento e
separada com absoluta preciso da prxis do prprio uso, mesmo que os
dois sejam empiricamente de todo indistinguveis reciprocamente. A
praxis do uso banida da esfera pblica do mercado e pertence
exclusivamente esfera privada dos possuidores de mercadorias. No
mercado o uso das coisas permanece "pura demonstrao" para os
interessados. Com a formao da essncia do mercado, a imaginao dos
homens separa-se do fazer e individualiza-se mais e mais como
conscincia privada. Esse fenmeno toma sua origem exatamente no da
esfera privada do "uso", e sim daquela pblica do mercado.
Portanto, no a conscincia dos atores mercantis que abstrata. S
seu negcio o . Ambos so necessrios: a abstrao do negcio e a falta
de abstrao na conscincia que o acompanha; por isso os agentes
mercantis no se conscientizam da abstrao de sua ao. A abstrao
subtrai-se conscincia deles. Com isso, a falta de conscincia dos
homens perante a abstrao de suas relaes de troca no nem fundamento
nem condio para esta abstrao.
J esta pura fenomenologia da abstrao da troca sugere que o
sentido nela utilizado da palavra "abstrato" corresponde
formalmente com seu uso na teoria do conhecimento. Denominamos
"abstrato" aquilo que no emprico, e o uso que se exclui da ao de
troca corresponde com o conceito da empiria dentro de seus limites
prticos, no mbito de representao que lhe pertence. O que ultrapassa
esses limites (ou seja propriedades das mercadorias irrelevantes
para seu uso) subtrai-se empiria do uso, mas com isso no se
acrescenta nada ao da troca. Esta abstrata no sentido do no
emprico, independentemente de quanto ampla ou estreitamente se
estenderam os limites do uso das mercadorias nas vrias pocas. Alis
o que est em questo aqui em ambos os campos (no da abstrao da troca
e no da teoria do conhecimento) a homogeneidade da abstrao.
Aqui deve ser apontada outra ulterior contradio da abstrao
mercadoria (respectivamente: da troca). A ao da troca exige
prescindir por completo do uso (e das propriedades empricas dos
objetos trocados). Ela exerce assim a negao radical da realidade
fsica do uso. Apesar disso, ela mesma contudo uma ao fsica: ela
arranca a mercadoria trocada da propriedade do vendedor e a desloca
para a propriedade do comprador e movimenta o dinheiro do pagamento
na direo oposta. Eu denomino isso de fisicalidade da ao de troca 7.
Evidentemente, a ao da troca deve-se distinguir do transporte, o
qual - por difcil e complicado que seja - tem s que providenciar
que sua carga chegue intacta ao cliente.
Ser necessrio dizer uma palavra sobre uma nova concepo da
essncia da abstrao. Eu considero a pura abstrao em sua forma
gentica como uma propriedade do ser social. Ela parte imprescindvel
da sntese da sociedade funcional, que caracteriza a histria
ocidental. De um ponto de vista burgus todos os conceitos puros,
desprovidos de realidade perceptvel, apresentam-se como criaes do
pensamento. Na prtica, para
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a formao de tais conceitos no se pode encontrar na constituio
corporal da pessoa nenhum fundamento, ao qual tais imagens
correspondam. Hegel, no ponto mais elevado do pensamento burgus,
serve-se da filosofia do esprito para fundamentar a posio do
idealismo absoluto. De um ponto de vista materialista, ao contrrio,
o pensamento puro representa a socializao do pensamento. Ela
deve-se ao influxo da abstrao social real da ao de troca. Eu
sustento portanto a tese da origem social da razo pura. Esta tese
pode-se apoiar em sua demonstrao deduzindo do ser social os
conceitos puros da razo, mais precisamente: deduzindo-os da
fisicalidade abstrata da ao de troca. Esta deduo oferece a
contrapartida difcil "deduo transcendental dos conceitos da razo
pura" praticada por Kant, que foi reconhecida por Hegel como "puro
idealismo".8
O carter real da abstrao da troca pode ser tanto menos colocado
em dvida. A abstrao da ao de troca o efeito direto de uma
causalidade por manipulao e no se apresenta imediatamente de forma
nenhuma no conceito. Ela surge como resultado do fato de no
acontecerem operaes de uso durante o tempo e no lugar onde ocorre a
troca. Ordinariamente esto em vigor leis ou pelo menos ordens de
mercado, para garantir tal condicionamento da troca de mercadorias.
Mas o que a abstrao realiza no a lei em si, nem a proibio punindo
violaes das condies fundamentais. A abstrao um processo
espao-temporal; ela acontece por trs das costas dos atores
participantes. Aquilo que a torna to dificilmente descobrvel o
carter negativo de sua constelao, ou seja: ela se funda na pura
ausncia de um acontecer. O que aqui "enche" o espao e o tempo o no
acontecer do uso no mbito da troca, o vazio em uso e a
esterilidade, que se estende pelo lugar e pelo tempo que a transao
exige. Por isso cada ao de troca que acontece abstrata no de
maneira puramente acidental, mas em sua essncia, porque de outro
modo (ou seja sem situao abstraente) ela nem teria podido
acontecer.
5. Economia e conhecimento
Diferentemente da ao da troca entendemos aqui o "uso" das
mercadorias quer no sentido produtivo quer no do consumo e, numa
produo mercantil completamente desenvolvida, como sinnimo daquele
conjunto que Marx compreende sob o processo de troca material com a
natureza. Enquanto a ao da troca supe a separao do uso (mais
precisamente: de aes de uso), ela postula portanto o mercado como
um vcuo medido temporal e localmente, um vcuo no processo humano de
metabolismo com a natureza. No meio desse vcuo a troca de
mercadorias desenvolve a socializao como tal, puramente em si, in
abstrato. Nossa questo (como possvel a socializao nas formas da
troca de mercadorias?) poderia deixar-se formular tambm como questo
sobre a possibilidade da socializao solta do processo humano de
metabolismo com a natureza. Aquilo que capacita a troca de
mercadorias para sua funo socializadora (ou, conforme prefiro
dizer, sua funo socialmente sinttica) o fato de ser abstrata. Nossa
questo inicial poderia portanto tambm soar assim: como possvel uma
socializao
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pura? - segundo os mesmos critrios de "pureza", que esto na base
da "cincia pura da natureza" em Kant. O ponto de partida de nossa
pesquisa implica com isso a tese, que h uma questo a respeito do
contedo: como possvel uma socializao pura? Ela contm a chave para
responder de forma espao-temporal questo kantiana sobre as condies
de possibilidade de uma cincia pura da natureza. Esta questo, que
Kant entendia em sentido idealista, pode-se traduzir em sentido
marxiano: como possvel um conhecimento fidedigno da natureza de
outras fontes que o trabalho manual? Colocada desta forma, a questo
tem em vista o ponto de origem da separao entre trabalho
intelectual e corporal como condio socialmente necessria do modo de
produo capitalista. - Os corolrios colocao da questo devem elucidar
a conexo sistemtica, pela qual a anlise ampliada das formas da
abstrao mercadoria (aqui empreendida) serve crtica
histrico-materialista da teoria do conhecimento - em complementado
crtica marxiana da economia poltica. Expliquemos isso mais em
detalhe.
Na troca de mercadorias, ao e conscincia, fazer e pensar dos
atores da troca separam-se e percorrem caminhos distintos. S a ao
da troca abstrata do uso, enquanto a conscincia do ator no o . Sua
prpria abstrao confere a todas as aes de troca (independentemente
do contedo, do tempo, do lugar onde se executam) uma uniformidade
formal rigorosa, em fora da qual elas formam a partir de si mesmas
uma concatenao, de maneira que cada transao exerce inumerveis
repercusses sobre a concluso de outras transaes por parte de
possuidores desconhecidos de mercadorias. De tal maneira, resulta
um entrelaamento dos homens "por trs de suas costas" para uma
conexo existencial que se regula segundo funes da unidade - conexo
na qual tambm a produo e o consumo ocorrem de acordo com as normas
das mercadorias. Mas no so os homens que realizam isso, no so eles
que do origem a esta conexo, e sim suas aes o fazem, enquanto eles
vo selecionando uma mercadoria das outras como o portador e o
"cristal" de sua abstrao e se referem a esse como ao idntico comum
denominador de seus "valores". " primeiramente dentro da troca que
os produtos do trabalho recebem uma objetividade de uso separada,
distinta fisicamente deles, uma objetividade de valor socialmente
igual." (O Capital. L. I, p.87 [da ed. alem Dietz]). "A ao social
de todas as outras mercadorias exclui portanto uma mercadoria
determinada, na qual elas representam seus valores universalmente.
[...] Ser equivalente geral torna-se pelo processo social funo
social especfica da mercadoria excluda. Assim ela se torna -
dinheiro." (Ibid., p.101) "O processo de troca d s mercadorias, que
ele transforma em dinheiro, no seu valor, e sim a forma especfica
de valor." (Ibid., p.105) "A necessidade de representar
externamente esta oposio entre valor de uso e valor para a troca,
impele a uma forma autnoma do valor das mercadorias e no repousa
nem descansa, at que ela est definitivamente alcanada pela duplicao
da mercadoria em mercadoria e dinheiro." (Ibid., 102) "O cristal do
dinheiro um produto necessrio do processo de troca, no qual
diferentes produtos do trabalho so colocados como realmente
equivalentes uns aos outros e portanto de fato so transformados em
mercadorias." (Ibid., p.101) "A graa da sociedade burguesa est
exatamente em que a priori no h nenhuma regulao consciente, social
da produo. O que razovel e
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necessrio impe-se somente como mdia que atua cegamente." (Carta
a Kugelmann de 11 de julho de 1868) Isso caracteriza com bastante
clareza o processo de constituio da economia sobre base capitalista
como causalidade inconsciente de aes humanas, das aes na troca de
mercadorias.
Mas o discurso sobre a falta de conscincia do processo no nega
naturalmente a conscincia individual dos possuidores de mercadoria.
Eles so e permanecem os atores no jogo. "As mercadorias no podem ir
por si mesmas ao mercado, nem podem trocar-se entre si mesmas.
Devemos portanto procurar seus guardas, os proprietrios."(O
Capital, L. I, p.99 [ed. alem cit.]) Os proprietrios de mercadorias
na troca esto bem atentos coisa, ansiosos que nada lhes escape. Mas
de onde tomam eles os conceitos, que esto disposio deles? No os
tomam do tesouro de sua prpria conscincia; mesmo tendo-a, no meio
da anarquia de uma sociedade de mercadorias, de nada ela lhes
serviria para a obteno at mesmo da necessidade mais premente.
Sobretudo eles no sabem sobretudo por si, como eles devem
comportar-se aqui, eles devem deixar que as mercadorias lhes digam.
Devem prestar ateno aos preos das mercadorias, compar-los com
outros, perseguir suas oscilaes. Primeiramente com esta linguagem
das mercadorias na conscincia os possuidores de mercadorias
tornam-se seres racionais, que dominam seu agir e conseguem o que
querem. Sem esta linguagem os homens estariam perdidos em sua
prpria sociedade mercantil como em uma selva enfeitiada. Esta
transferncia da conscincia humana s mercadorias e o equipamento do
crebro humano com conceitos mercantis, estas "relaes humanas das
coisas e relaes materiais dos homens" so aquilo que Marx denomina
de coisificao (reificao). Aqui no so os produtos que obedecem aos
seus produtores, e sim ao contrrio, os produtores agem conforme a
ordem dos produtos, to logo estes estejam disposio em forma de
mercadorias. A forma mercadoria a abstrao real, que no tem seu
lugar e sua origem seno na troca mesma, de onde ela se estende
atravs de toda a amplido e profundidade da produo mercantil
desenvolvida, alcanando assim tambm o trabalho e at o
pensamento.
O pensamento no atingido diretamente pela abstrao da troca, e
sim primeiro quando seus resultados se defrontam com ele em forma
acabada, portanto primeiro post festum da evoluo das coisas. Depois
sem dvida as diferentes feies da abstrao se facilitam ao pensamento
sem qualquer sinal de sua origem. "O movimento de mediao desaparece
em seu prprio resultado e no deixa atrs de si nenhum rastro."(O
Capital., cit., p.107) Como isso acontece, ser assunto que nos
ocupar mais de perto em seu lugar. Aqui devia-se somente assinalar
de forma mais geral a conexo funcional bem como a essencial separao
do mundo do agir humano e do mundo do pensar humano em sociedades
de produo mercantil desenvolvida. Isso tinha sido omitido na
primeira edio deste livro.
Acrescentem-se um ou dois pontos adicionais de significao
essencial para a compreenso do conjunto. O efeito fundamental da
conexo da abstrao da troca sobre a sociedade burguesa consiste em
que nela se chega a operar uma comensurao do
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trabalho "morto" usado nas mercadorias e nelas objetivado. Como
base de determinao da grandeza do valor (ou como "substncia do
valor"), o prprio trabalho abstrato, "trabalho humano abstrato" ou
trabalho de carter formal imediatamente social. Esta comensurao do
trabalho possibilita de forma geral a coeso das "membra disiecta"
da sociedade burguesa em uma economia. Esta a significao vital da
abstrao real efectuada na troca para o processo de produo e
reproduo da sociedade burguesa, portanto deveras "o ponto de
partida ao redor do qual gira o entendimento da economia poltica"
(O Capital, cit., p.56). "Enquanto os homens nivelam seus distintos
produtos uns aos outros na troca como valores, eles igualam seus
distintos trabalhos, como trabalho humano. Eles no o sabem, mas
eles o fazem."(Ibid., p.88). O efeito desse nivelamento ou a
comensurao dos trabalhos a determinao do tamanho das relaes de
troca. " preciso ter uma produo desenvolvida de mercadorias, antes
que da prpria experincia brote a seguinte intuio cientfica: os
trabalhos privados realizados independentemente (em todos os
sentidos) uns dos outros, mas como membros naturais da diviso
social do trabalho so continuamente reduzidos a sua medida social
proporcional, porque nas relaes de troca, casuais e continuamente
oscilantes, de seus produtos o tempo de trabalho socialmente
necessrio sua produo impe-se como uma norma da natureza, quase como
a lei da gravidade, quando a casa desmorona. A determinao da
grandeza do valor pelo tempo de trabalho portanto um mistrio
escondido sob as movimentaes aparentes dos valores relativos das
mercadorias." (Ibid., p.89). Enquanto o trabalho na produo das
mercadorias se realiza na forma de trabalhos privados levados
adiante independentemente, a funcionalidade da sociedade incnscia
depende da comensurao do trabalho objetivado segundo normas da
macroeconomia. S quando esta forma bsica do trabalho que produz
mercadorias substituda por uma outra forma, s ento entra em jogo
tambm outra forma de economia, independentemente de se os homens se
tornam conscientes disso ou no. Na terceira parte deste escrito
voltaremos a esta observao.
Deve-se atribuir importncia ao fato de que, como aqui a
determinao da grandeza do valor das mercadorias apresentada por
Marx como resultado de uma causalidade puramente funcional que
opera cegamente, tambm a constituio da forma valor mostra-se como
um processo real no tempo e no espao, puramente funcional e
igualmente inconsciente. E eu sustento a necessidade de que minha
deduo faa justia a essa exigncia. A determinao formal abstrata do
ato da troca surge atravs de uma impossibilidade causal de se
chegar a um contrato de troca, se fosse necessrio supor que os
objetos da troca durante as negociaes e na transferncia de posse se
encontram em processo de mudana fsica. Somente se o estado social
das mercadorias - ou seja a questo de sua posse - se puder separar
claramente de seu estado fsico e de seu uso, s ento a troca de
mercadorias pode funcionar como instituio social regular e uma
transao pode referir-se a uma outra. Que isso confira um carter
abstrato s aes de troca, no pertence finalidade da separao e de sua
institucionalizao jurdica; mas ela sua consequncia inevitvel,
sobretudo quando as transaes se realizam na prtica e sua execuo se
torna fato. A execuo do ato da troca coloca em vigor a abstrao,
prescindindo totalmente da conscincia que os atores das trocas
possam ter desse efeito.
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Independentemente de quais traos dessa abstrao se possam
encontrar no pensamento dos homens, deve valer como certo que a
abstrao real da troca social se encontra em sua base como fonte
primria.
O que se deve estabelecer na anlise da forma a seguir, so os
critrios pelos quais se possa decidir quais dentre as abstraes que
vivem na conscincia remontam abstrao real da troca e quais no. A
partir do fato de que, no processo de troca, o fazer e o pensar por
parte de quem troca se separam, uma verificao imediata da
interrelao impossvel. Os homens no sabem de onde as formas de seu
pensamento provm e como eles possam ter chegado posse de tais
formas. Seu pensamento est cortado de sua base. Mas mesmo com uma
identificao formal da abstrao de pensamento e da abstrao real, no
se assegura ainda uma clara explicao da origem da primeira a partir
da segunda. Exatamente por causa da dualidade de fazer e pensar,
que reina aqui, a identificao formal somente indicaria um
paralelismo entre os dois planos, o que poderia ser indcio tanto de
uma pura relao de analogia quanto de uma conexo de fundamentao.
Para provar a conexo de fundamentao deve-se poder indicar de que
modo a abstrao real torna-se pensamento, qual papel ela joga no
pensar e qual tarefa socialmente necessria lhe cabe.
6. Anlise da abstrao da troca
a. Colocao do problema
A significao e necessidade histrica da abstrao da troca em sua
realidade espao-temporal consiste em que, em sociedades produtoras
de mercadorias, ela a portadora da socializao. Na conexo da diviso
do trabalho da produo de mercadorias, nenhum procedimento de uso,
de consumo ou de produo, no qual se desenrola a vida dos indivduos,
pode realizar-se sem que seja mediado pela troca de mercadorias.
Cada crise econmica ensina-nos que produo e uso - na medida de sua
extenso e durao - so embargados, enquanto o sistema social da troca
estiver quebrado. Abstemo-nos propositalmente de aprofundar as
interdependncias econmicas, pois aqui no temos a ver com a
economia. Baste assegurar-nos do registro de que a sntese das
sociedades produtoras de mercadorias se deve buscar na troca de
mercadorias, mais precisamente na prpria abstrao da troca.
Correspondentemente, empreendemos a anlise formal da abstrao da
troca em resposta questo: Como possvel uma sntese social nas formas
da troca de mercadorias?
Mesmo nesta forma inicial e simples, esta formulao da questo
lembra mais Kant que Marx. Mas com isso um bom caso marxiano. A
comparao implcita (como foi dito) no entre Kant e Marx, e sim entre
Kant e Adam Smith ou, melhor, entre a teoria do conhecimento e a
economia poltica, das quais os nomes mencionados podem constar como
os fundadores sistemticos conhecidos. A riqueza das naes de Adam
Smith, de 1776, e a Crtica da razo pura de Kant, de 1781 (primeira
edio), so as duas obras em que, antes de todas as outras, se
persegue a mesma finalidade com perfeita
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independncia sistemtica em campos conceitualmente desligados: a
comprovao da natureza ordenada da sociedade burguesa.
Com base na pressuposio de que na natureza do trabalho humano
est de produzir seus produtos como valores, Adam Smith prova que s
h um curso timo que a sociedade possa assumir: ou seja, dar a cada
possessor de mercadorias ilimitada liberdade de dispor de sua
propriedade privada. Isso para a sociedade o caminho justo
normativo fundamentado na essncia da prpria sociedade - que seja
para seu bem, como estava convenido Adam Smith, ou para sua
desgraa, como Ricardo comeou a desconfiar. Sabemos que a anlise da
mercadoria da Marx serve a demolir at mesmo este suposio bsica da
economia poltica em seu conjunto e, a partir da, a abrir os olhos
para a verdadeira dialtica da sociedade burguesa. Esse o assunto da
marxiana Crtica da economia poltica.
A obra de Kant no tem por suposio (mas chega concluso) de que
est na natureza do esprito humano de fazer seu trabalho separado e
independente do trabalho corporal. Certo, em Kant s raramente h
meno do trabalho manual e das "mos trabalhadoras", embora seu papel
social indispensvel nunca esteja em dvida. Esse papel, porm, no se
estende nem possibilidade de um conhecimento exato da natureza. A
teoria da "matemtica pura" e da "cincia pura da natureza" triunfa
no fato de que nela no h necessidade nenhuma sequer de mencionar o
trabalho corporal. Ela conhecimento em base puramente espiritual e
a prpria possibilidade disso a tarefa explicativa de sua teoria.
Para Kant, as vises empiristas de Hume eram um escndalo, porque
nelas se abalava a qualidade apodctica de juzo dos conceitos puros
da razo, e esta qualidade justifica a separao entre princpios a
priori e princpios a posteriori do conhecimento, portanto o
isolamento de uma parte de nosso ser no deduzvel da natureza
corporal e sensvel, uma parte que ao mesmo tempo fundamenta a
autonomia da pessoa espiritual com a possibilidade do conhecimento
teortico da natureza. De acordo com esta autonomia, para assegurar
a ordem social no so necessrios nem privilgios externos, nem
restries artificiais da "maioridade", por outro lado. Quanto mais
vem assegurado aos homens um "uso desimpedido de sua razo", tanto
melhor se serve s necessidades sociais, ou seja moral, ao direito e
ao progresso espiritual.9 o nico caminho fundamentado na natureza
de nosso prprio poder espiritual, portanto caminho justo, aquele no
qual sociedade pode caber a ordem conforme a ela. Que esta ordem
traga em si a separao de classes perante as categorias
trabalhadoras, isso se dissimulou a Kant tal como aos outros
filsofos do iluminismo burgus. "A filosofia da revoluo francesa" -
assim denominou Marx a kantiana: esta iluso no era o ltimo motivo
para isso. Mas a separao entre as classes "formadas" e as
"trabalhadoras", esse era o conceito sob o qual na Alemanha
economicamente subdesenvolvida a sociedade burguesa tomou forma
mais e mais, distino dos conceitos de capital e trabalho no
ocidente, onde a economia poltica dominava o pensamento burgus. -
Ora, onde est aqui a questo da "crtica da teoria do conhecimento"
que visamos realizar?
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As suposies da teoria kantiana do conhecimento so corretas na
medida em que as cincias exatas so de fato tarefa do trabalho
espiritual, que se realiza em completa independncia do trabalho
manual nas fbricas. Isso foi mencionado acima. A separao entre
trabalho da cabea e das mos - especificamente, sobretudo a propsito
cincia da natureza e tecnologia - tem significao igualmente
imprescindvel para a dominao burguesa de classe, quanto a
propriedade privada dos meios de produo. Do desenvolvimento de
certos dos atuais pases socialistas pode-se ler hoje a verdade, de
que se pode desfazer a propriedade capitalista e no entanto a
oposio de classes no se dissolve. Entre a oposio de classes de
capital e trabalho, por um lado, e a separao de trabalho de cabea e
mos, por outro lado, subsiste um nexo com razes profundas. Mas o
nexo s causal e histrico. Conceitualmente eles so totalmente
disparatados, ou seja entre eles no h (quer no todo, quer nos
pormenores) nenhuma ligaes transversais, que permitam deduzir um do
outro. Por isso se deve empreender a crtica da teoria do
conhecimento em independncia completa sistemtica da crtica da
economia poltica.
A questo inicial poderia naturalmente ser formulada de forma
mais simples: como possvel a socializao atravs da troca de
mercadorias? O uso da palavra "sntese" oferece porm trs vantagens.
Primeiro, pode-se falar facilmente de funes socialmente sintticas
da troca mercantil. Segundo, a expresso "sociedade sinttica" coloca
a produo de mercadorias em contraposio ordem natural de comunidades
originais comunistas ou, de qualquer modo, primitivas de modo
correspondente - assim como se fala em borracha sinttica em
comparao com o caucho como produto natural. De fato, na
objetividade-valor das mercadorias (da qual depende o efeito
socializador da troca) no entra "nenhum tomo de matria natural". A
socializao, aqui, puro feito humano, separado da relao material do
homem com a natureza, e h boa base para suspeitar, que aqui est
afinal escondida tambm a condio transcendental histrica da
possibilidade de toda a atual produo sinttica. Eu uso, portanto, a
expresso "sociedade sinttica" em um sentido diferente e com outra
abrangncia conceptual que a expresso "sntese social". A primeira
refere-se ao a sociedades mercantis, a ltima se emprega como condio
comum do modo de existncia humano, sem restrio histrica. Neste
ltimo sentido, a expresso consegue seu terceira significao, ou seja
a de um aguilho polmico de meu questionamento contra a hipostatizao
kantiana de uma sntese a priori da espontaneidade do esprito, paga
portanto com a mesma moeda o idealismo transcendental.
Nenhum dos trs sentidos da sntese indispensvel para os fins
desta pesquisa. A derivao da razo pura da abstrao da troca pode-se
expor tambm sem todos os emprstimos anti-idealistas. Mas a
referncia polmica oferece a vantagem que com isso o caracter
essencialmente crtico do mtodo marxiano mantm seu tom devido. E
isso perante a atual dogmatizao do marxismo fundada em autoridade
no vantagem desprezvel. S pela revitalizao de sua essncia crtica o
marxismo pode ser salvo do entorpecimento, no qual dele se abusa
sob sinal trocado para legitimar relaes de dominao
inconfessadas.
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21
Por trs de nossa oposio crtico-polmica a Kant est uma
concordncia como medida de comparao. Estamos de acordo com Kant,
que os princpios bsicos de conhecimento das cincias naturais
quantitativas no se podem deduzir do poder fsico e fisiolgico
(alias manual) do indivduo. As cincias exactas naturais pertencem
aos recursos de uma produo, que abandonou os limites individuais da
produo isolada de observncia precapitalista. A composio dualstica
do conhecimento em Kant (de princpios a posteriori e princpios a
priori) corresponde contribuio dos sentidos individuais, que sempre
alcanam somente to longe quanto um par de olhos, de ouvidos, etc.,
e a contribuio de contedo imediatamente universal, que prestam os
conceitos ligados matemtica. Na praxis do mtodo experimental a
contribuio da funo individual de significao "leitura" dos dados
reduzida a instrumentos de medida cientificamente construdos. A
evidncia cientfica tem certeza s para a pessoa que l na hora, para
as outras no tem seno credibilidade. Quando no for eliminavel tout
court, ela reduzida a um mnimo, e esse mnimo o que fica do
trabalhador manual no experimento, pois mesmo sua pessoa constitui
o fator "subjectivo", a cujo desligamento se desliga a objetividade
cientfica. Necessidade lgica mora somente na hiptese formulada
matematicamente e nas consequncias de seu mago. Esta dualidade das
fontes de conhecimento vale para ns como fato indiscutvel. O que
est em questo a origem histrica, espao-temporal do poder lgico das
hipteses, mais precisamente a origem dos elementos formais sobre os
quais tal poder se funda. Mas nem Kant nem qualquer outro pensador
burgus pode levar at o resultado essa questo da origem, nem sequer
mant-la como questo. Nas primeiras linhas da Introduo segunda edio
da Crtica a questo colocada, mas a seguir esgota-se. Kant concentra
as formas conceituais incertas em um princpio ltimo bsico, da
"unidade originalmente-sinttica da appercepo", mas mesmo para este
princpio no tem ele nenhuma explicao outra, seno que ele existe em
fora de sua prpria "espontaneidade transcendental". A explicao
dispersa-se no fetichismo daquilo que se devia explicar. A partir
da, vale insistir na afirmao de que simplesmente no pode haver uma
explicao gentica, ou seja espao-temporal, da origem da "pura
potncia da razo". A questo selada por um dos tabus mais
santificados da tradio filosfica de pensamento. O escrnio de
Nietzsche - de que Kant pergunta "como so possveis juzos sintticos
a priori" e responde, "por uma capacidade" - perfeitamente
fundamentado. S que Nietsche mesmo no sabe nada melhor. O tabu
significa que a separao existente entre trabalho da cabea e das mos
no possui nenhum fundamento espao-temporal, e sim de acordo com sua
natureza atemporal, de maneira que tambm a ordem burguesa vai
manter sua justeza normativa at o fim dos tempos.
Ora, em contraste com a questo kantiana, coloquemos a nossa:
Como possvel a socializao atravs da troca de mercadorias? Esta
questo situa-se fora de todo o crculo conceptual da teoria do
conhecimento e no est portanto de forma nenhuma j implicada em
qualquer pressuposto terico-cognitivo corrente. Se no tivssemos a
ver com o paralelismo com a formulao kantiana, poderamos igualmente
escolher a seguinte formulao: De onde se gerou a abstrao do
dinheiro? Ambas as colocaes da questo mantm-se no campo
espao-temporal do pensamento histrico materialista
-
22
e so igualmente dirigidas a abstraes formais, que no campo
econmico so homogneas com aquelas dos "puros" princpios do
conhecimento. Parece excludo que nenhuma pura ligao entre ambas
deveria ser descoberta, se formos adiante com base na primeira.
b. Solipsismo prtico
primeira vista no nada evidente como a troca de mercadorias deva
possibilitar a sntese social entre indivduos, que possuem as
mercadorias em propriedade privada, portanto separada. Pois a troca
de mercadorias com absoluta preciso aquela relao entre possuidores
de mercadorias, que se regula totalmente segundo princpios da
propriedade privada - e nenhum outro. "Coisas so em e por si
externas aos homens e portanto alienveis. Para que esta alienao
seja recproca, os homens precisam s encontrar-se implicitamente
como possuidores privados daquelas coisas alienveis e mesmo por
isso como pessoas reciprocamente independentes. Tal relao de
recproca estranheza no existe porm para os membros de uma
comunidade natural..."10 Ela existe sobre a base da produo de
mercadorias. Sobre seu terreno todo uso dar mercadorias - quer para
consumo quer para produo - procede somente no campo privado dos
possuidores de mercadorias. O processo da socializao, ao contrrio,
considerado formalmente por si, acontece s na troca das mercadorias
por parte de seus possuidores, portanto em tratativas que decorrem
sem mesclar-se com o uso das mercadorias e em separao temporal
precisa dele. Portanto o formalismo da abstrao das mercadorias e da
sntese social, qual ele serve, deve-se encontrar dentro da relao de
troca no espao assim precisamente medido.
Correspondentemente a sua ancoragem na propriedade privada, como
forma de relacionamento de acordo com as regras da propriedade
privada, a troca de mercadoria est sujeita em todo e qualquer caso
individual ao princpio da oposio privada11 de ambos os campos de
propriedade. Meu - portanto no teu; teu - portanto no meu: o
princpio, que domina a lgica da relao. Esse princpio abarca
qualquer particularidade na medida em que ela ganhe relevncia para
a transao. Ele opera tambm a relao de cada contraente aos objetos
envolvidos na troca. Que seu interesse nos mesmos seja seu
interesse e no dos outros, sua representao tambm seja a sua, que as
necessidades, sensaes, pensamentos, que esto em jogo, sejam
polarizados sobre aquilo a que se referem, isso o que conta,
enquanto os contedos tornam-se realidades monadolgicas ou
solipssticamente incomparveis para os parceiros da troca uns
perante os outros. O solipsismo, de acordo com o qual entre todos
cada um por si o nico (solus ipse) que existe e consequentemente
mais adiante todos os dados, enquanto possurem objetividade, so
seus dados privados, 12 - o solipsismo a descrio exacta do ponto de
vista sobre o qual os interessados esto uns perante os outros na
troca. Mais precisamente, sua relao recproca objectiva na troca
solipsismo prtico, no importa o que pensem eles mesmos sobre si e
seu comportamento.13 Expressado na conceitualizao dos economistas,
os possuidores de mercadorias encontram-se reciprocamente na troca
exatamente como se cada um fosse
-
23
um Robinson em sua ilha privada de propriedade, ou seja de tal
forma que as mudanas no estado da propriedade, das quais eles
tratam, deixem inalterados seus campos de propriedade. A isso
providencia a reciprocidade, que manda pesar cada mudana por uma
outra. A reciprocidade no algo que compense pela excluso de uma
propriedade atravs de princpio contraposto, e sim ela - ao contrrio
- universaliza-o. Como os contraentes se reconhecem reciprocamente
como possuidores privados, aquela excluso da propriedade, que
ocorre em uma direco, correspondida por uma igual na outra direco.
O fundamento para a reciprocidade mesmo a excluso privada de
propriedade em vigor entre os proprietrios, a qual permanece
intocada pela transao como "troca". O que a aquiescncia troca traz
expresso o reconhecimento que a mudana de propriedade negociada
deixa inalterados os campos de propriedade que se encontram um
perante o outro. Com isso, a troca de mercadorias articulada como
uma forma de relacionamento social entre campos no misturveis e
separados de propriedade.
Expressa laconicamente o quanto possvel - esta uma descrio da
recproca relao de proprietrios de mercadorias na troca, descrio que
temos como exacta na medida em que ela se dispe a qualquer
aprofundamento na casustica quase infinita desse campo, que se
poderia empreender, mas da qual poupamos aqui o leitor. Em outras
palavras, esta descrio d o estado objectivo do relacionamento que
ocorre na troca entre possuidores de mercadorias. Que seja
necessria uma anlise mais circunstanciada, para trazer luz este
estado de coisas, pois ele nos circunda diariamente, isso se
explica pela mesma lgica pela qual o cheiro do ar que respiramos se
tornou imperceptvel a ns. A circulao costumeira das mercadorias
entrou tanto na rotina de seus trilhos institucionais e nos casos
onde ela se prende em duras lutas de interesses to pouco o lugar
para filosofar, que nesse lugar impossvel uma conscincia da
estrutura que serve de base. S no afastamento do mercado sua
estrutura chega reflexo abstrata, ma a sistematizao que ela ento
experimenta torna-se o fundamento, que torna incognoscvel sua
origem histrica.
c. A forma na qual as mercadorias se podem trocar
A elaborao precisa das condies da excluso recproca da
propriedade e do solipsismo prtico (sob as quais se situa a relao
de troca) necessria para colocar em base correcta a questo da
possibilidade da socializao pela troca de mercadorias. O primeiro
passo na anlise das mercadorias ou da troca apronta a dificuldade
maior, porque a abstrao penetra mais fundo que se possa suspeitar e
estar preparados para aceitar primeira vista. Deve-se colocar a
questo sobre como as mercadorias sejam de todo permutveis entre os
mundos solipssticos que negociam ao redor delas, segundo qual
propriedade ou forma, e como portanto a prpria troca seja possvel.
Onde se encontram os Robinsons uns aos outros, baseados em suas
ilhas de propriedade, privadas e reciprocamente privativas? qual o
ponto de comunicao de seus negcios entre elas?
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24
Evidentemente este o ponto que faz com que uma pretenso de ambas
as partes propriedade de uma e a mesma coisa leve contradio
privada. O princpio: meu - portanto no teu; teu - portanto no meu,
pressupe uma unidade perante a qual o "meu" e o "teu" tornam-se
primeiramente reciprocamente privativos. Trata-se de saber como
definir correctamente essa unidade, pois ela evidentemente a
possibilidade de troca das mercadorias e a primeira condio
fundamental de uma sntese social no caminho da excluso privativa da
propriedade entre possuidores de mercadorias.
A unidade precria das mercadorias no evidentemente sua
indivisibilidade material. Que se esteja trocando uma tonelada ou
cinquenta quilos de ferro, no faz diferena nenhuma para a essncia
da coisa. Poder-se-ia reduzir o material at seus tomos indivisveis,
e o problema se colocaria da mesma maneira para cada um deles, se
se chegasse ao ponto que eles estivessem sendo trocados. Nem se
pode tratar da unicidade e insubstituibilidade das mercadorias,
pois em geral as mercadorias so artigos de massa, contando que um
exemplar possa substituir o outro. Mas qualquer que possa ser o
exemplar individual, cada vez deve ser uma coisa que esteja pronta
para a troca, e essa tem ento aquela unidade tal que, ao mesmo
tempo, no possa pertencer a um proprietrio e ao outro, e sim
somente a um ou ao outro, em propriedade separada. Supondo agora
que esta unidade "descascvel" pertena ao trigo, vamos descobrir que
no h absolutamente nenhuma unidade da coisa-mercadoria em sua
natureza corporal, em sua matria ou natureza. A unidade que faz com
que uma determinada mercadoria no possa pertencer simultaneamente a
dois possuidores como propriedade separada, mas que entre eles ela
deve ser "trocada" contra uma outra mercadoria - essa unidade na
verdade a unidade de seu ser, ou seja o dado de fato que cada
mercadoria tem um ser indivisvel e nico. A unicidade do ser de cada
coisa a razo pela qual essa coisa no pode pertencer separadamente
ao mesmo tempo a diversos proprietrios privados, porque a apropriao
privada tem o sentido que o interessado faz da coisa parte de seu
prprio ser.14 Chegamos com isso ao resultado de que a forma de
trocabilidade das mercadorias a unicidade de sua existncia.
Podemos lidar com a coisa tambm de outro aspecto. Dissemos acima
que a troca como forma de relacionamento daqueles que trocam
necessita de um solipsismo prtico recproco. Mas enquanto cada qual
coloca seu ser com todo o mundo de seus dados privados (ou
percepes) em confronto com qualquer outro e o mundo dele, cada vez
que eles se encontram na troca de suas mercadorias, o mundo
contudo, mesmo em sua realidade, somente um entre eles. A que se
reduz porm essa unidade do mundo em sua realidade entre os
mercantes? Tudo o que se pode perceber no mundo e nas coisas
dividido monadologicamente entre eles como sua propriedade privada.
O mundo portanto possui unidade entre eles somente prescindindo da
natureza deles. E no somente as percepes das coisas so trocadas
entre os possuidores, mas as coisas mesmas, enquanto as percepes
delas continuam a ser individuais. Segundo o ser puro como tal,
portanto, as mercadorias se movem entre os possessores,
prescindindo de tudo aquilo que forma as percepes privadas dos
possuidores. S em sua realidade o mundo um entre os possessores que
dele participam, enquanto o modo da participao exerce
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25
a negao subjectiva da unidade do mundo e obedece necessidade da
troca s como a constrio externa das coisas objectivas. A troca
mesma providencia sua prpria cegueira como relacionamento social
sinttico. A troca ocorre s devido ao solipsismo prtico dos
trocantes, que subtrai a socializao que eles praticam possibilidade
de seu conhecimento. Mas o que que constitui a unidade do mundo em
contraposio com o solipsismo dos trocantes? De novo, ela no se
constitui da indivisibilidade material do mundo ou de seus
componentes ou das coisas; nem tambm da unicidade e
insubstituibilidade dos exemplares individuais, de acordo com seu
ser.15 Muito mais, to s a unicidade do ser de cada parte o que
torna o mundo uno, por longe que se queira esticar o reino do
"Mundo". O resultado portanto o mesmo que antes: a forma de
trocabilidade das mercadorias a unicidade do ser de cada uma; essa
mesma unicidade do ser in abstrato, ou seja "independentemente" de
tudo aquilo que pertence percepo das coisas mercadorias e desagua
no solipsismo prtico dos trocantes uns com os outros.
Falta perguntar o que que esta natureza da forma de
trocabilidade das mercadorias confere socializao pela troca. Ela
confere sntese social pela troca de mercadorias sua unidade. Se a
circulao mercantil alcana o grau de desenvolvimento, no qual ela se
torna o nexus rerum decisivo, a "duplicao da mercadoria em dinheiro
e mercadoria" deve ter-se realizado; possivelmente tambm, pelo
contrrio, esta duplicao (que na histria ocorreu pela primeira vez
em torno do ano 700 a.C. na periferia inica do mundo grego) leva a
que a troca de mercadorias bem cedo se torne um meio determinante
de socializao. O dinheiro ento o portador material da forma de
trocabilidade das mercadorias, atua como forma equivalente geral
das mesmas e forma de trocabilidade. A essncia da mesma como
unicidade do ser das mercadorias opera o efeito de que o dinheiro,
de acordo com sua essncia funcional, uno: em outras palavras, s
pode haver um dinheiro.16 Naturalmente existem um grande nmero de
divisas; mas enquanto cada uma delas exerce de fato as funes de
dinheiro em seu mbito de circulao vale entre elas o postulado, que
elas devem poder-se calcular reciprocamente a um curso de cmbio
claro, portanto devem comunicar funcionalmente com um e s um
sistema monetrio universal. A isso corresponde a unidade funcional
de todas as sociedades mercantis comunicantes. Um curso das trocas,
que se formou em diversos lugares do mundo em isolamento geogrfico,
torna-se necessariamente com a constituio de contacto desimpedido,
mais cedo ou mais tarde, um nexo de interdependncia, cego mas
indivisvel, entre os valores das mercadorias em seu conjunto. Esta
unidade essencial intercomunicativa de todas as divisas em um
sistema monetrio, bem como a unidade da sntese social pela troca de
mercadorias, que por isso mediada, formalmente e geneticamente
(portanto, digamos, formgenticamente) a mesma que a unidade de ser
do mundo. A unidade abstratificada do mundo circula como dinheiro
entre os homens e possibilita a eles uma conexo inconsciente a uma
sociedade.
Para termos clareza da anlise feita at aqui, seja repetido: a
forma de trocabilidade prpria das mercadorias; isso vale
independentemente de sua condio material, ou seja
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prescindindo daquilo que entra na percepo e no prtico solipsismo
dos indivduos trocantes. A forma abstrao da trocabilidade portanto
produto da atividade interhumana desse solipsismo, respectivamente
do carter privado da propriedade das mercadorias. A abstrao surge
da relao de circulao entre os homens; ela no surge no mbito nico,
nem no mbito da percepo de um indivduo por si. Ela surge de uma
maneira, que se subtrai complemente ao empirismo, o qual se refora
com base no ponto de vista da percepo do indivduo. Pois no so os
indivduos que operam sua sntese social: seus negcios o fazem. Os
negcios operam uma socializao, da qual os negociadores nada sabem
no instante em que ela acontece. Apesar disso, a troca de
mercadorias um relacionamento, no qual os atores mantm seus olhos
bem abertos, um relacionamento no qual a natureza fica parada,
portanto um relacionamento em que absolutamente nada no humano se
imiscui, um relacionamento, enfim, que se reduz a um puro
formalismo, um formalismo de "pura" abstrao, mas de realidade espao
- temporal. Esse formalismo assume feio especial concreta no
dinheiro. O dinheiro coisa abstrata, um paradoxo em si, e tal coisa
exerce sua ao social sinttica sem nenhum entendimento humano
daquilo que ele . Apesar disso, o sentido do dinheiro no acessvel a
nenhum animal, mas somente a homens. Temos agora que descrever
ulteriormente este formalismo.17
d. Quantidade abstrata
De fato, na gerao deste formalismo jogam dois processos de
abstrao um dentro do outro. O primeiro a abstrao, que est na base
de toda transao mercantil na forma de seu isolamento e separao
temporal dos atos de uso. O segundo se joga dentro da transao na
feio da segregao da forma de trocabilidade das mercadorias e efeito
do solipsismo privativo recproco dos indivduos que trocam. Esta
segunda abstrao prende-se execuo do ato da troca. A separao da
forma de trocabilidade com isso imediatamente conectada equao da
troca. A equao da troca, como nivelamento das correspondncias de
mercadorias pelo processo de troca, um postulado imanente troca em
sua propriedade de forma de relacionamento social entre os homens.
No subjectivamente que valem como equivalentes as colocaes de
mercadorias trocadas para os possuidores de mercadorias que
efectuam trocas, e sim objectivamente entre eles. A equao
encontra-se implcita no reconhecimento recproco da transao como
"troca", ou seja como uma mudana de posse, a qual deixa imutada a
situao de propriedade de cada um. Eu falo de situao de propriedade
em vez de direito de propriedade, para com isso deixar claro, que a
forma jurdica da relao no traz nada para sua explicao. A formulao
jurdica supe a equao da troca, no ao contrrio.
Repito: a equao da troca postulado relacional da troca como
movimento social. O postulado de origem social e tem valor
puramente objectivo, social. As mercadorias no so iguais, a troca
pe-nas iguais. Esta colocao executa uma abstrao ulterior, a abstrao
das quantidades de mercadorias que esto disposio para a troca em
quantidades abstratas exclusivamente como tais. As mercadorias so
trazidas ao mercado em quantidades determinadas de acordo com o
uso, conforme seu peso ou
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nmero de peas ou unidades quantitativas, em volumes, grandezas,
etc. A equao da troca apaga estas determinaes quantitativas que
pertencem ao valor de uso e no so equiparveis entre umas s outras.
Ela substitui estas quantidades mencionadas por uma no mencionada,
que nada mais seno pura quantidade, independentemente de qualquer
tipo de qualidade. Esta quantidade em si ou em abstrato de natureza
relacional tal como a equao da troca, da qual ela surge, e
prende-se tambm tal como a equao da troca ao ato da execuo da
troca. Se a execuo da troca no chega a realizar-se, pelo fato de
que entre as duas colocaes domina um "demais ou maior" (>) ou um
"de menos ou menor" (
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das mercadorias nenhuma relao inerente ao trabalho. Aqui no nos
encontramos absolutamente em discrepncia de Marx. A forma valor
nega e encobre a relao quantitativa do valor com o trabalho atravs
da "aparncia objectiva" do valor das mercadorias. "No est portanto
escrito na testa do valor o que ele ." A abstrao da troca a trama
da qual se tece a aparncia, pois ela s surge do fato de que produo
e consumo no tm lugar na troca. O trabalho onde se produzem as
mercadorias, bem como os atos nos quais elas so usadas, so as
mudanas fundamentais fsicas, das quais a troca de mercadorias deve
ser isolada para poder ter lugar. A troca de mercadorias em si no
seno um relacionamento recproco de apropriao. O fato decisivo
presente na produo de mercadorias que sobre sua base a socializao
no se enraza no caracter social do processo de trabalho nem na mais
ou menos abrangente colectividade do modo de produo (algo assim
como no comunismo primitivo), mas em um sistema da apropriao
formalizado e generalizado como circulao da troca. Em sua base est
a ciso da produo originariamente colectiva em um sistema de produo
individual com diviso do trabalho. "Somente produtos de trabalhos
privados autnomos, independentes uns dos outros, podem enfrentar-se
reciprocamente como mercadorias.21 Naturalmente o mecanismo da
apropriao privada nas formas da troca deve realizar, no resultado
final, uma interrelao dos trabalhos privados independentes mais ou
menos conforme com as necessidades sociais, a fim de que a
sociedade de produo de mercadorias seja vivel. "E a forma, pela
qual se dissemina esta diviso proporcional do trabalho em uma
sociedade, na qual a interdependncia do trabalho social se faz
valer como troca privada dos produtos individuais do trabalho, essa
forma mesmo o valor de troca desses produtos."22 Todos os conceitos
dominantes nas sociedades produtoras de mercadorias, conceitos
orientadores do operar dos indivduos, surgem do mecanismo da troca
e da aparncia objectiva, pela qual essa sociedade inconsciente se
torna de todo possvel. Assim como este mecanismo no consta seno dos
atos recprocos de apropriao na troca dos produtos do trabalho como
valores, assim tambm esses conceitos so cunhados pelas relaes de
apropriao, que lhes emprestam significao social. Sua relao com a
substncia social real, ou seja o trabalho, pelo qual primeiro algo
que se possa trocar vem a existir, no geral somente uma relao
indireta. Somente a crtica gentica da forma desses conceitos
encobridores pode trazer vista sua relao com o trabalho. Devido
reciprocidade como troca, a apropriao assume a forma do mecanismo
autoregulador, que a capacita a tornar-se portadora da sntese
social; isso em contraposio apropriao unilateral, tributria, nas
"relaes diretas de domnio e servido", as quais predominam nas
civilizaes orientais antigas e no feudalismo.23 Por outro lado, a
troca no produz seus objetos, mas pressupe a produo e o trabalho.
No se pode em geral trocar mais do que aquilo que se produz. A soma
de todos os preos (preos de apropriao) deve ser essencialmente
igual a todos os valores (valores trabalho), e tambm dentro desta
equao global a relao entre apropriao e produo pertence necessidade
econmica causal e automtica. Mas a forma valor das mercadorias, ou
seja a abstrao das mercadorias, no est em nenhuma conexo com o
trabalho necessrio para a produo das mercadorias. No conexo, e sim
separao caracteriza esta relao. Em outras palavras, a abstrao das
mercadorias abstrao da troca, no abstrao do trabalho. A abstrao do
trabalho, que se encontra na produo
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capitalista das mercadorias, tem - como veremos mais adiante, na
parte 3 deste escrito - tem seu lugar no processo de produo, no no
processo de troca.
A economia das robinsonadas da teoria subjectiva do valor no tem
olhos para o postulado da equivalncia. Nesta disciplina terica o
aspecto social da troca, sua caracterstica como forma social de
relacionamento e portador da sntese social, conceitualmente
extinto. Que essa extino, falando sistematicamente, seja errnea,
aparece do fato que a teoria subjectiva do valor no pode dar conta
nenhuma da quantificao dos valores, aos quais ela se refere, ou
seja a determinao de valores numricos para as mercadorias,
respectivamente os "bens"; a quantificao nessa teoria alcana algo s
pelo caminho da captao lgica. Mas a consequncia metodolgica a criao
da assim chamada "economia pura", que depois por sua vez deu azo
criao metodolgica de uma cincia da sociedade separada da economia.
Esta separao daqueles que se pertencem reciprocamente, que
aproximadamente to velha quanto o capitalismo monopolista, leva a
que ambas as disciplinas - a "economia pura" e a sociologia emprica
- perdem o contacto com o processo histrico; pois o processo
histrico dominado pela pertena recproca de economia e socializao.
Isso no exclui anlises penetrantes de fenmenos individuais. Mas
sobre o terreno dessa separao no se podem alcanar as categorias sem
as quais a conexo dos fenmenos individuais no processo histrico
(respectivamente com o processo histrico) no se torna compreensvel.
Sobre aquilo que acontece propriamente com a sociedade desde o
comeo do capitalismo monopolista, no se pode esperar esclarecimento
nem da "economia pura" nem da sociologia emprica; e isso no s por
causa da falta de interesse por um tal esclarecimento por parte da
maioria dos economistas e socilogos, mas mesmo com base na
impossibilidade metodolgica de sua disciplina.
O papel do postulado da equivalncia para a sntese social pela
troca de mercadorias to evidente, que no precisa ser sublinhado. A
equao da troca serve realidade casual, puramente contingente do
acontecer nas conexes da lgica da troca. As mercadorias so jogadas
no mercado, arrancadas de suas conexes de origem, arrancadas, por
exemplo, das ordens de comunidades naturais atravs de comrcio
pirata. No mercado elas encontram outras mercadorias de presena
semelhantemente casual. Tal casualidade no precisa predominar, mas
ela pode predominar. Se e at que ponto ela predomina, depende ao
fim das contas do grau de desenvolvimento das foras produtivas
materiais. Pressupondo que seus possuidores tm livre domnio sobre
as mercadorias, e que reconhecem tal domnio reciprocamente, a forma
homologa da equao da troca oferece, com sua completa abstrao, os
termos de uma "lngua das mercadorias", como diz Marx, a qual com a
devida ampliao do mercado possibilita uma conexo existencial de
homens como de puros possessores de mercadorias, mesmo que todas as
ordens distintas entre os homens sejam dilaceradas - e pela ampliao
do mercado de fato devem ser dilaceradas. A rede que produz as
formas da abstrao da troca (ou seja a lgica da "forma valor") no
mercado das mercadorias, possui a necessria funcionalidade,24 para
forar a conexo formal interdependente do mercado sobre a base da
existncia das mercadorias, portanto da produo e consumo de
-
30
mercadorias. Este ordenamento e seu carter de necessidade
econmica no tm, em ltima instncia, nada mais solto como raiz seno a
unidade de ser das coisas, que pelas consequncias da trocabilidade
das mercadorias fora os homens, a encaixar-se na unidade do
mesm