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Antteses, Ahead of Print do vol. 3, n. 5, jan.-jun. de 2010
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Sob sol, chuva e moscas: os quiosques na cidade de So Paulo
(1880-1910) Under the sun, rain and flies: the kiosks in the city
of So Paulo (1880-1910)
Daisy de Camargo
RESUMO O artigo versa sobre a saga da instalao dos quiosques na
cidade de So Paulo no decorrer dos anos de 1880 at sua extino, com
as re-formas urbanas ocorridas nas dcadas de 1910 passando pela
anlise desse objeto e suas liga-es com as influncias do mobilirio
urbano e reformas haussmannianas parisienses sobre as cidades
brasileiras, assim como da maneira que foram reapropriados nessa
cidade, confo-rme especificidades locais. PALAVRAS-CHAVE: Brasil;
So Paulo; espao urbano; reformas urbanas; quiosques; bebidas
alcolicas.
ABSTRACT The article deals with the saga of installing kiosks in
the city of So Paulo in the 1880s until their extinction, due to
the urban reforms occurred in the 1910s, analysing this object and
its links with the influences of urban furniture and parisian
Haussmannian reforms upon the Brazilian cities, as well as the way
that they were reappropriated in that city, according to local
conditions. KEYWORDS: Brazil; So Paulo; urban; urban reforms;
kiosks; alcoholic beverages.
criana e ao borracho pe-lhes Deus a mo por baixo...
[Provrbio paulistano do sculo XIX]
O objetivo desse artigo percorrer o caminho da instalao dos
quiosques
de vendas de bebidas na cidade de So Paulo, no transcurso dos
anos de 1880
at seu desmantelamento, ocorrido na dcada de 1910. Esse perodo d
conta de
intervenes urbanas que ocorreram na dcada de 1870 na cidade de
So Paulo,
no que diz respeito aos cdigos de obras de 1875, durante a gesto
de Joo
Doutora em Histria pela Universidade Estadual Paulista Julho de
Mesquita Filho (UNESP/Assis) e Bolsista da Fundao de Amparo
Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP) / Brasil.
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Teodoro (1872-1875), que decretaram a condenao das tcnicas e
formas
construtivas da tradio ibrica que imperava at ento na cidade; e
a
interveno do poder pblico na regulao arquitetnica e urbanstica
da
cidade; e o bota-abaixo paulistano, efetuado a partir de 1912,
com a demolio
de grande parte do centro Rua Direita, 15 de Novembro, Rua do
Quartel,
Santa Teresa e Esperana (as trs ltimas para ampliao da Praa da
S). Essas
modificaes tinham como bojo uma nova proposio de exibir a
cidade.
(BARBUY, 2006: 28). lgico que populares bebendo e atirando
improprios
nos espaos pblicos no combinavam com essa nova proposta de
urbanidade
que emerge.
Essa novidade do pensamento urbano foi alavancada pelas
reformas
efetuadas por Haussmann (prefeito parisiense sob o Imprio de
Napoleo
III), na cidade de Paris no decorrer do sculo XIX. Esse conjunto
de
transformaes urbanas foi um modelo a ser espalhado e comprado
por
todo o mundo, partindo para muitas das capitais europias, tais
como
Londres, Berlim, Madrid, Lisboa, Bruxelas, Roma, Viena; e
chegando s
cidades americanas, como Chicago, Buenos Aires, Rio de Janeiro e
So
Paulo.
No obstante, a So Paulo do final do sculo XIX estava longe
desse
modelo de assepsia. Era ainda uma cidade misturada, que obrigava
uma
convivncia entre negros e brancos, ricos e pobres, damas e
mulheres
desconsideradas. claro que essa coexistncia incomodava e era
repleta de
conflitos e repdios. A reforma efetuada pela prefeitura na Praa
da S, durante
a administrao de Antonio Prado e Rogrio Duprat tinha como
objetivo varrer
a geografia do prazer e da embriaguez.
Todavia, muito antes dessa cirurgia drstica, o poder pblico,
sobretudo a partir do Cdigo de 1886, vistoriava tabernas e
quartos alugados
por homens e mulheres considerados de nfima classe social. Na
ampliao do
controle estatal sobre o mundo do prazer, que culminaria com a
tentativa de
extino da boemia popular no centro da cidade, nos anos de 1910 e
1920, a
vigilncia da grande imprensa era perspicaz, assim como a leitura
das
autoridades policiais, jornalistas, pessoas respeitveis,
memorialistas, que
retratavam os arredores da S, onde havia muitos botequins, e
muitas pessoas
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pobres eram presas por embriaguez, como um labirinto de tabernas
e
quiosques. (GONALVES, 1919).
Frege-moscas
Ali, fritava-se de tudo, principalmente insetos, que se
apinhavam em
nuvens escuras. Da o apelido carinhoso de frege-moscas. Ali,
bebia-se de
tudo, sobretudo aguardente. No fogareiro gs deitavam-se bifes,
lascas de
fgado, rodelas de batatas, sardinhas fritas no azeite, bolinhos
de bacalhau, caf
em tigelas, vinho em canecas, aguardente em martelos. (SCHMIDT,
2003: 93-
94)
vista de todos, os garrafes de vinho, os ancorotes de cachaa
brava1,
conhaque, capil, cerveja, o que permitia diversas misturas:
cerveja com
groselha ou com vinho tinto, cachaa com qualquer coisa que
escorresse. Para
desanuviar os pensamentos, cigarros de palha, charutos, fumo de
corda, doces,
jornais, jogos de loteria. (BRUNO, 1991: 1155)
Do lado de dentro, um portugus de bigodes abastados e
retorcidos, sem
palet, em mangas de camisa, ficava no comando. (MILANO, 1949:
29) Do lado
de fora, escravos forros, vendedores de jornais, engraxates,
carregadores,
homens e mulheres vendedores ambulantes, cocheiros, vagamundos
de toda a
sorte, filsofos diletantes, quase todos descalos, roupas pudas,
chapus
amassados e gastos, encostavam os cotovelos nos balces para
jogar conversa
fora, entornar copos oitavados de caninha, no perfume de fumo e
pimenta.
(SCHMIDT, 2003: 93-94).
Nas quatro fotos seguintes, Vicenzo Pastore retrata o perfil da
freguesia
dos quiosques num trabalho quase nico de flagrante fotogrfico de
tipos
populares do comeo do sculo XX. Vemos nessas imagens os mesmos
tipos
descritos pelos memorialistas, que se encostavam nos balces dos
quiosques,
pessoas mais pobres, como ex-escravos, carregadores de malas,
ambulantes,
quase todos descalos e de chapu amarrotado.
1 Sobre os ancorotes, escreveu Camara Cascudo: No tenho notcia,
em Portugal e Brasil, da vasilha denominada ncora. Existem os
barriletes ancorotes e ancoretas, transportando gua ou cachaa, esta
para o engarrafamento. Os sufixos denunciam a reduo na capacidade.
As ncoras seriam bem maiores. Ancorotes e Ancoretas podem conter at
cinquenta litros de aguardente. (CASCUDO, 1986: 29).
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Fotografia N 1 Fotografia N 2
Fotografia N 3 Fotografia N 4
Fonte: Vicenzo Pastore, 1910c. Instituto Moreira Salles.
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Um desses fregueses, apontados pelo memorialista Miguel Milano,
era
Mestre Chico, bastante representativo do pblico que se apinhava
em torno
desses comrcios. Mestre Chico era sapateiro, freqentador de
vendas e
quiosques, e, apesar de suas parcas rendas, era bastante
conhecido pela
magnanimidade com que pagava cachaa e mata-bichos a quem
quisesse;
pelas bravatas, histrias originalssimas e absurdas, inventadas e
narradas em
tom macarrnico. Morava na parte mais alta de um poro de um prdio
da
ladeira Tabatinguera, esquina com Boa Morte, onde tambm
instalara sua
Sapataria Individiata (Sapataria Invejada), em que se misturavam
uma cama-
de-vento, uma prateleira muito rstica que acomodava algumas
frmas de
sapatos, dois bancos longos, uma banqueta, uma cadeirinha do
tempo do ona.
Esse era o mundo do Mestre Chico: muito trabalho de tera a
domingo, muita
bebedeira s segundas feiras nos quiosques do centro da cidade.
(MILANO,
1949: 96).
Como cogumelos
Os quiosques eram feitos de madeira e de formato cilndrico,
com
um estreito balco de zinco que dava para todos os lados, na
altura do
peito dos fregueses. S podiam ser abertos em lugares
autorizados, por
particulares que preenchessem certos quesitos e deveriam ser
construdos
segundo um modelo de planta proposta pela cmara municipal.
Esse
projeto possua a arquitetura de uma barraca oitavada. Era quase
um
guarda-chuva aberto protegido por uma palissada de tbuas.
(SANTANNA,
1939: 42). Comia-se e bebia-se sob sol e chuva, deixando
espalhar,
incontrolveis, as moscas, vozes pastosas e alteradas, a fumaa
das
iguarias, o cheiro de cachaa, por at duas braas de rua, pondo
gua na boca e
inveja na gente distinta que passava a quatro metros de
distncia. (SCHMIDT,
2003: 94).
A primeira meno localizada nas Atas da Cmara sobre o assunto
data de
1872, de parte de Verssimo e Irmo, pedindo para instalar nos
largos da
Memria, Misericrdia, da Cadeia, e Estao da Luz um caf porttil,
a
semelhana dos que se acham na corte.
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Depois desse primeiro sinal, vrios outros negociantes pedem
concesso
para obter o privilgio de monopolizar o empreendimento por toda
a cidade,
para acomod-los, iguais em dimenses e ornatos aos existentes no
Rio de
Janeiro. Eram eles: Augusto Duprat, Avelino de Souza Figueiredo,
Joo Antonio
Baptista Rodrigues, Antonio Jos Pinto, Andra Franchi e
Canterini, Egedardo
Bailly de Pressy, ngelo e Domenico Puglia.
Em junho de 1881 a Comisso de Obras manda que o Engenheiro
Municipal levante uma planta para instalao desse melhoramento.
Dada a
chuva de pedidos e a ateno voltada pela Cmara, lgico que se
tratava de um
bom investimento para os exploradores, uma nova modalidade de
arrecadao
e, ao mesmo tempo, uma preocupao com o aformoseamento urbano,
por
parte da municipalidade.
Depois de tantas solicitaes, desta vez, foi um outro cidado,
Porfrio
Alvarez da Cruz, que obteve uma concesso para estabelecimento
nos
Largos da S, do Rosrio, do Carmo, Sete de Setembro, Estao do
Norte,
Estao da Luz, Mercado, Riachuelo, Municipal, do Jardim,
Matadouro e
Estao Sorocabana, conforme planta apresentada pelo Engenheiro
da
Cmara. Alvarez da Cruz, pessoa muito bem relacionada e influente
na
urbe de ento, conseguiu, de uma vez s, alojar seus quiosques
nos
principais largos da cidade, que logo depois foram sublocados a
pequenos
comerciantes.
Por conta da negligncia desse primeiro concessionrio, novos
pretendentes apelaram para a edilidade, solicitando licena para
o
estabelecimento de outros e inclusive em pontos j requeridos
pelo prprio
Porfirio Alvares da Cruz, que provavelmente no os
aproveitara
convenientemente. Com o tempo, Cruz saiu de cena e outros
exploradores desse
comrcio se apresentaram nos pequenos quiosques, que se
alastravam por toda
a cidade como cogumelos. (SANTANNA, 1939: 42).
A hora do piquenique e da vitrine
O certo que, depois dessa concesso, as solicitaes isoladas
de
pequenos comerciantes irrompem. E os quiosques tambm seguem
igual
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caminho, sempre deferidos em conformidade com planta preparada
pelo
Engenheiro Municipal.
Infelizmente, esse projeto no foi localizado nos arquivos, mas
por
base em todas as descries de poca, o modelo desenhado pelo
engenheiro
similar aos registros fotogrficos de quiosques instalados no Rio
de Janeiro
(como os que seguem nas fotos de nmero 5 e 6), capital do
Imprio, centro
cultural, porto de entrada e sada, carto de visita do pas,
exportador de
modas para outras cidades e importador de novidades das
metrpoles de
alm Atlntico. (SEVCENKO, 1998: 522). Consta na legenda da foto
de
nmero 5, um trecho de um texto do cronista Luiz Edmundo, dando
conta do
pssimo hbito do p-rapado cuspir no cho antes de tomar o trago,
e
denotando uma repugnncia pelo entorno do quiosque: Tudo aquilo
era
saliva.
Fotografia N 5
Nota: Quiosque instalado na cidade do Rio de Janeiro. Fonte:
Nosso Sculo (1900/1910). So Paulo: Abril Cultural, 1985.
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Fotografia N 6
Fonte: O Malho, 1952, n. 52, p. 66. Fundao Casa de Rui Barbosa.
Embora seja da dcada de 1950, O Malho recorda os quiosques dos
tempos de Dom Pedro II.
Nos idos dos anos de 1890 os quiosques continuavam em
atividade.
Embora sublocados e repassados, nessa poca surge um
concessionrio que
novamente monopoliza as licenas: o Baro de Ibirocay, apelidado
pela
imprensa de Baro de E-birou-quiosque (SCHMIDT, 2003: 93),
proprietrio da
Empresa Industrial de Quiosques, que tambm centralizava
esses
estabelecimentos na cidade do Rio de Janeiro.2
Essa alcunha presenteada ao Baro no foi nada inocente, nem
toa.
Nessa altura as elites j encastoavam com os quiosques espalhados
pela cidade e
havia uma campanha para sua pulverizao. Gente que implicava com
os
barulhos e cheiros daqueles grupos de indivduos de baixa condio,
como diz
Nuto SantAnna:
Nos quiosques, uma espcie de botequim, se grupava gente de baixa
condio, paus-dgua, vadios, mulheres exalando um cheiro pronunciado
de cachaa, bodum e iodofrmio. Esse povilu barato ia bebendo e ia
discutindo. Seres desbocados, chegava a hora dos
2 No caso de So Paulo, a Companhia Industrial de Quiosques foi
localizada em vrios documentos, tais como: Completo Almanak
Administrativo, Commercial e Profissional do Estado de So Paulo
para 1895 (contendo todos os municipios e distritos de paz), nono
anno, reorganizado segundo os decretos por Canuto Thorman, So
Paulo: Editora Companhia Industrial de So Paulo, 1895, pp. 243-244;
Livro 756 Alvar licena indstria e profisso 1896 a 1898, Seo de
Manuscritos do Arquivo Municipal W. Luis, Papis Avulsos.
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palavres. E havia sarilhos. Grupos s correrias ou vociferando.
E, diante disso, os moradores das circumvizinhanas protestavam.
Pediam a transferncia deles. E assim foi crescendo a sua
impopularidade. (SANTANNA, 1939: 55).
Nesse perodo, o que pipoca nos documentos dos arquivos so os
pedidos
de moradores inconformados com essas presenas pouco queridas.
Apropriados
pela populao pobre e alojados nos centros urbanos, os quiosques
foram des-
mantelados no Rio, durante a gesto de Pereira Passos
(1902-1906), cujas
reformas urbanas, balizadas nos projetos haussmannianos de
Paris, expulsaram
os pobres para os morros e afrancesaram a cidade, como discorre
Sevcenko:
O smbolo mximo da Regenerao, porm, ficou sendo o eixo
funda-mental do projeto de reurbanizao, a avenida Central.
Inspirada no planejamento dos bulevares parisienses conforme o
projeto dos AM-plos corredores comerciais do baro de Haussmann,
prefeito plenipo-tenciario de Paris sob o Imprio de Napoleo III, a
Avenida introdu-zira na capital a atmosfera cosmopolita ansiada
pela nova sociedade republicana. No s os produtos venda nas
vitrines de cristal eram via de regra franceses, assim tambm eram
as roupas e os modos dos consumidores, tanto quanto os bandos de
pardais encomendados pelo prefeito Pereira Passos, por serem tpicos
de Paris. O carter suntuoso da Avenida era acentuado pelas fachadas
em arquitetura ecltica, oferecendo um cenrio para o desfile
ostensivo da nova sociedade e instigando a animao do consumo
conspcuo. Como observou atento Lima Barreto de uma hora para outra,
a antiga cidade desapareceu e outra surgiu como se fosse obtida por
uma mutao de teatro. Havia mesmo na coisa muito de cenografia. Um
novo cenrio, uma nova pea e uma nova tica. (SEVCENKO,1998:
545).
Imagem N 1
Nota: O Malho, 18 de maio de 1907, n. 244, ano VI, s. n. p.
Fundao Casa de Rui Barbosa. Na imagem, Pereira Passos, prefeito do
Rio de Janeiro, mostra-se indignado com os quiosques, assim como
ocorreu com o prefeito Antonio Prado em So Paulo.
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Imagem N 2
Nota: O Malho, 1905, n. 169, p. 17. Fundao Casa de Rui Barbosa.
A fala do quiosqueiro, que troca o v pelo b, uma piada sobre o
sotaque luso
Essa vontade de mudana de cenrio tambm ntida durante a
gesto de Antonio Prado (1898-1910) na prefeitura do municpio de
So
Paulo. Membro de influente famlia da elite paulistana, muito
interessado
em converter a cidade em ambiente civilizado e europeizado,
esse
prefeito tomou uma srie de medidas visando reverter a imagem da
urbe
num pulo, de ares provincianos metrpole prspera, com passos
acertados com a capital federal e com as metrpoles europias.
Esse
sonho de metamorfose de vitrines e cartes postais foi congelado
pelo
fotgrafo Guilherme Gaensly. No cenrio capturado pelas imagens
de
autoria desse fotgrafo sobra elegncia, limpeza, sinais de
progresso e
civilizao, como os bondes, a Brasserie Paulista, a Confeitaria
Casteles.
Foi, por exemplo, sob a administrao de Prado que o Jardim da
Luz
acabou sendo remodelado, de acordo com as prescries do
paisagismo ingls,
para enriquecer o footing da elite, trajada de chapu, colarinho
e gravata,
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regada chopp oferecido no restaurante da Bavria. (SCHAPOCHNIK,
1998:
450-451).
A rea central de So Paulo, pesada como no civilizada, tambm
foi
reformulada, passando por demolies excludentes e pela construo
de
edifcios oficiais monumentais. Ruas foram alargadas, garantindo
circulao
dos fluxos e visibilidade dos novos edifcios. Residncias
populares,
caracterizadas por uma arquitetura portuguesa, com paredes
caiadas,
beirais e telhas coloniais, sobreviventes at a dcada de 1910,
foram
expulsas. O prefeito que se seguiu, o Baro de Duprat, continuou
no
mesmo caminho, com instalao de novas reas de lazer na regio
central,
como o Parque Anhangaba e o D. Pedro II, o saneamento das vrzeas
e,
mais uma vez excluso de outros casebres do entorno imediato, que
por
acaso tivessem sobrevivido ao bota abaixo anterior. (MARINS,
1998: 179-
180).
Fotografia N 7
Nota: Largo do Rosrio em direo rua So Bento, 1902. esquerda,
bonde da linha Liberdade-Tiradentes e a confeitaria Casteles. Foto
Guilherme Gaensly. Acervo: Fundao Patrimnio da Energia
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Fotografia N 8
Nota: Rua So Bento, 1902. Ao fundo, o largo So Francisco.
direita, os escritrios da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.
Ao centro, o bonde da linha Liberdade. Foto de Guilherme Gaensly.
Acervo: Fundao Patrimnio da Energia.
O esforo de racionalizao e ordenao converge para a imagem
pretendida para a capital do caf. A eliminao dos botecos do
centro e de um
casario colonial portuguesa um aviso de que chegou a hora da
sociedade da
vitrine, do piquenique, das confeitarias e cafs luxuosos. Nesse
novo cenrio,
botequins, tabernas, quiosques, barris de bebidas e toda sorte
de gneros
pendurados nas portas, no eram bem vindos. Tambm no estava nesse
script
paus dgua bebendo a cu aberto, andando pelas ruas vociferando
palavres e
sarilhos.
Ventos haussmannianos
Entretanto, para se entender a saga dos quiosques preciso
localiz-
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la nas grandes inquietaes urbanas que surgem nesse perodo, alm
da
histria das cidades brasileiras. Esse equipamento urbano,
caracterstico da
segunda metade do sculo XIX, transmite as preocupaes com o
embelezamento das cidades, em face de um momento em que cabia
dar ao
espao pblico um plano e um sentido; impulso evidentemente dado
na Paris de
Haussmann e espalhado pelas capitais europias e depois para as
periferias do
mundo.
A palavra quiosque vem do persa Kouchk e do turco Kioshk,
cujo
significado pavilho de jardim. (FERREIRA, 1986: 1438). Sucedneo
do caf,
da taberna, uma loja miniatura acessvel aos bolsos mais
parcos.
Apropriados pelos comerciantes portugueses aqui no Brasil,
no
eram uma novidade em Portugal. O primeiro instalado em Lisboa,
no
Rossio, data de 1869. Seu nome oficial era Elegante, mas os
seus
freqentadores populares o apelidaram de Bia. No deixa de ser uma
boa
designao: bia, baliza, ncora, ponto de referncia, de encontro e
salvamento,
de mudana de roteiro e de turno, para descansar, retomar o flego
e tomar uns
copinhos.
Na cidade de Lisboa, a iniciativa surge a partir da idia de
Thomaz Jos
Fletcher de Mello Homem, um artista bomio, que trouxe o conceito
de uma
estadia em Paris e fez de tudo para levar s autoridades sua
proposta de
aformoseamento. Consta das Actas das Deliberaes da Assemblia
Municipal
de Lisboa o pedido de Joaquim Jos Rodrigues da Cmara, que
acampou o
projeto:
Senhores Proponho que se officie ao governo de Sua Majestade,
dizendo que a camara approva a collocao dos kioskos propostas pelo
Sr. Dom Thomaz de Mello, como uma coisa til, e, at certo ponto,
como um meio de embellesamento; mas que, dependendo de approvao
superior a referida collocao, se pede a autorizao necessria.
Lisboa, 4 de Novembro de 1867. Joaquim Jos Rodrigues da Camara.
(BONY, 2004: 16).
Os quiosques fazem parte, portanto, de todo um conjunto de
interesses
e modismos despertados pela influncia da Paris haussmanniana.
Napoleo
III, impressionado com avanos tecnolgicos de Londres, por conta
de suas
visitas a essa cidade entre 1846 e 1848, encomendou ao prefeito
de Paris, baro
Georges-Eugne Haussmann, a elaborao de um projeto de remodelao
dessa
urbe com intuito de torn-la um exemplo do que havia de mais
moderno,
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assptico, arejado e fludo no que tange circulao. Entre outras, j
que
tambm o controle social est presente. Lgico que, atravs da
oferta de certo
conforto proporcionado pela infra-estrutura, tais como redes de
gua e esgoto,
transporte de massa, apresenta-se uma proposta de estratgias
de
disciplinarizao da populao mais pobre, bem como sua expulso do
centro da
cidade. No mesmo esteio, a abertura de ruas medievais e sua
transformao em
grandes bulevares dificultavam a formao de barricadas no caso de
sublevaes
populares.
Cercado de uma equipe multidisciplinar, Haussmann realiza uma
srie de
aes no espao urbano, com ancoragem em legislao. O problema do
plano
regulador para uma cidade moderna foi colocado, pela primeira
vez, em escala
apropriada nova ordem econmica norteada pela especulao
imobiliria.
Nesse perodo Paris praticamente dobra seu nmero de habitantes
(de um
milho e duzentos mil para dois milhes).
Entre as obras executadas por Haussmann, em dezessete anos de
poder,
destacam-se as obras virias (urbanizao dos terrenos perifricos,
traado de
novas retculas virias, abertura de novas artrias nos velhos
bairros,
reconstruo de edifcios ao longo do alinhamento); construes de
edifcios
pblicos; criao de parques pblicos; renovao das instalaes da
velha Paris,
como as hidrulicas.
O arquiteto Gabriel Davioud, aluno brilhante da Escola de
Belas
Artes, foi o responsvel pela concepo de todo o projeto de
mobilirio
urbano. Talvez, tenha sido a primeira vez que foi dada ateno a
esse
conjunto de objetos leves, mas no mveis, voltados a servirem
para
servios e confortos, como quiosques, bancos, cestos de lixo,
luminrias,
mictrios, grades, candeeiros, que, para alm dos usos
corriqueiros, foram
percebidos enquanto contribuio para o espao e a harmonizao da
esttica
urbana.
Ao notar o esgotamento da rigidez neoclssica, Davioud cria,
nesse projeto,
um estilo autoral, bastante marcado pelas formas vegetais, pela
variedade de
emprego de suportes, cores e texturas, desvelando o Art Nouveau
que se
tornaria febre, a comear pelas sadas de metr feitas por Guimard
das quais
nos enamoramos at hoje. (BONY, 2004: 19).
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Daisy de Camargo Sob sol, chuva e moscas: os quiosques na cidade
de So Paulo (1880-1910)
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Fotografia N 9
Nota: Quiosque octogonal localizado em Arts et Mtiers, Paris,
1877. Foto: Charles Marville. (MONCAN & HEURTEUX, 2002).
O projeto do mobilirio urbano parisiense concedeu cidade uma
homogeneidade e talvez at uma organizao racional que seria to
valorizada
no XIX. A saber, foi um modelo a ser espalhado e comprado por
todo o mundo.
Na segunda metade desse sculo muitas das capitais europias
Londres,
Berlim, Madrid, Barcelona, Lisboa, Bruxelas, Roma, Viena
sofreram
intervenes urbanas correlatas, que envolveram demolies de muitos
bairros
do medievo, abertura de grandes vias e novos bairros. Enfim, a
palavra era pr
ordem no espao com o objetivo de prepar-lo para uma futura
expanso
urbana.
Em Lisboa, alm dos quiosques, uma das marcas haussmannianas
mais
emblemticas o projeto das Avenidas Novas, de Frederico Ressano
Garcia,
engenheiro da Escola Politcnica de Lisboa e aluno da cole des
Ponts et
Chausss de Paris; e, sobretudo, a abertura da larga Avenida da
Liberdade, que
liga o Rossio ao Campo Grande. tambm Garcia que, em 1895,
estabelece um
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plano para os quiosques. A partir de ento, as autorizaes s
seriam concedidas
aos licenciados que obedecessem s normas de localizao, dimenso e
planta,
conforme dois padres aprovados pela Repartio Tcnica. So criados
e
resolvidos ento modelos de quiosques, mictrios, iluminao a gs,
todos
fortemente influenciados pelos desenhos franceses de Davioud.
(BONY, 2004:
24). Esse tipo de mobilirio no ficou circunscrito na capital
portuguesa e h
registros de quiosques instalados na cidade do Porto nesse
perodo. (PACHECO,
1998: 125-167).
Imagem N 3
Nota: Quiosque Tivoli, um dos mais antigos sobreviventes de
Lisboa. (BONY, 2004).
De uma maneira geral, o quiosque possui uma cpula que pode
exibir uma
flecha ou decorao de ferro forjado. A cobertura pode ser cnica,
piramidal ou
circular; e os materiais diversificam-se entre madeira, ferro ou
zinco. Ainda que
variem na forma, suportes e penduricalhos, seguem um certo norte
no que diz
respeito ao design arquitetural. demarcada a estrutura
tripartida composta
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por uma base, um corpo e uma cobertura. As bases so
predominantemente
hexagonais ou octogonais, sendo que em So Paulo, a planta aceita
foi nesse
ltimo formato. Mas existe uma interseco fixa em todos os
quiosques
vendedores de bebidas, de Paris a Lisboa, Dresden ou Rio de
Janeiro e So
Paulo, ou qualquer outro lugar em que eles tenham pousado: um
balco
estreito, fixado numa das faces ou em toda a sua volta. Apesar
da exposio s
intempries, os balces dos quiosques no deixam de ter uma certa
relao de
continuidade das tabernas e botequins: o de beber com a barriga
ali encostada.
A diferena fica por conta da falta de proteo das paredes, portas
e janelas e de
uma maior exibio vigilncia e s intolerncias.
Desse perodo de instalao dos quiosques haussmannianos do sculo
XIX
em Lisboa sobreviveram alguns, como o Tivoli. Essa cidade ainda
hoje repleta
de quiosques, mas o que se v hoje uma mescla de geraes
posteriores de
projetos que utilizam novos materiais, como ao, inox, vidro. No
obstante, h
muitos modelos antigos, incluindo os de bebidas, que continuam
l, protegidos
pelos donos. (BONY, 2004: 31-32).
Trs chic na bancarrota
Enfim, quando os quiosques apareceram como proposta de
embelezamento e explorao de renda na cidade de So Paulo, no
representavam novidade para os portugueses, que, de pronto,
tomaram conta
desse comrcio. O projeto de mobilirio urbano trs trs chic, na
sua
interpretao local, apropriada pelos comerciantes patrcios e pelo
populacho,
foi bancarrota nos seus primeiros objetivos de requinte.
A histria urbana at o incio do XX sempre se referenciou a partir
de
padres estrangeiros, primeiro portugueses e a partir do final do
XIX, sobretudo
franceses, por conta do impacto das reformas haussmannianas.
Evidentemente
que isso no quer dizer que as histrias locais no tenham dinmica
interna;
muito pelo contrrio, falo aqui de contaminaes e de apropriaes de
alguns
gostos, conceitos e projetos, de acordo com o que acontecia na
histria da cidade
de So Paulo, com suas tradies e mentalidades particulares.
(BARBUY, 2006:
20).
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Mas certo que com a perseguio e investida de extino das tabernas
na
cidade, tratada anteriormente, o poder pblico passa a intervir
de forma
veemente nas iniciativas de instalao de quiosques. Beber s de p
e se o
consumo j tivesse se efetuado, a ordem era circular. Trata-se de
uma procura
de dissoluo dos espaos informais dentro do ncleo urbano da
cidade. Mas
claro que estas experincias de estancamento no so totalmente bem
sucedidas
e as resistncias se do de maneira recndita. As tabernas
desaparecem ou
mudam de nome, as lojas de secos e molhados, botequins, padarias
e casas de
pasto persistem; e os quiosques so apropriados pela populao mais
modesta,
tornando-se pontos de encontro peculiares.
Outrossim, no se pode afirmar que os anseios da elite
cafeeira
transmutaram o espao urbano, mas, sim, que atuaram dentro de um
campo de
foras. Nem se pode acreditar cegamente na assepsia dos bulevares
e das
vitrines das fotos de Gaensly, mas sim consider-las um lado
aparente que se
pretendia mostrar. (OLIVEIRA, 2005: 385).
Entretanto, o que importa aqui ressaltar a perspectiva de
descortinar o
universo do consumo das bebidas alcolicas como um processo
criativo de
reapropriao. A criana toma essa atitude o tempo todo e de
maneira mais livre
porque ainda no teve seu fluxo de conscincia totalmente
domesticado e
coagido. Ela faz dos culos um avio e vira um piloto. Reapropriao
isso: a
descoberta de que os culos podem virar um avio, de que uma
iniciativa
pblica de higienizao dos hbitos populares, como a instalao dos
quiosques,
pode ser deslocada como um propulsor de laos de sociabilidade. E
essa a
grande resistncia do mundo do consumo dos objetos: a
desobedincia e a
subverso do seu uso.
A histria dos quiosques de So Paulo, seus martelos de cachaa,
garrafes
de vinho, um bom exemplo da riqueza de se explorar a
marginalidade, os
contornos, posto que muitas vezes a partir da que as coisas
dizem e se
espalham.
Acontece dessas margens, dos gostos populares, serem refugados
pelas
fontes memorialistas de cunho elitista. As fotosvitrines de
Guilherme Gaensly
no captam essas bordas, mas Vicenzo Pastore nos d de presente.
Cabe
ressaltar tambm a leitura de cronistas como Afonso Schmidt, de
carter raro,
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sem dvida, sobretudo na sua simpatia pelo saborear da gente do
povo, sem
julgamentos e recusas, dada sua vocao libertria, articulando
temas da vida
annima da antiga cidade e trazendo tona o que interessa: a
inveja que os
transeuntes engravatados sentiam do cheiro de pinga com sardinha
que exalava
dos quiosques, as disputas aparentemente tolas pelo espao
pblico, o cime, a
ganncia, o desdm, o conflito da representado, novas vontades,
sensibilidades,
as blasfmias atiradas de lado a lado, as cusparadas e repdios,
mal-estares,
expressam muito mais sobre os processos de metropolizao, a
passagem do
Imprio para a Repblica, a insero de forros e pobres na
experincia urbana,
do que as trocas de poder, fardas e tronos.
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1878; vol. 65, 1879; vol. 66, 1880; vol. 67, 1881; vol. 67 1881; e
vol. 68, 1882.
COMPLETO Almanak Administrativo, Commercial e Profissional do
Estado de So Paulo para 1895 (contendo todos os municipios e
distritos de paz), nono anno, reorganizado segundo os decretos por
Canuto Thorman. So Paulo: Editora Companhia Industrial de So Paulo,
1895.
Livro 756 Alvar licena indstria e profisso 1896 a 1898, Seo de
Manuscritos do Arquivo Municipal W. Luis, Papis Avulsos.
Colaborao recebida em 07/10/2009 e aprovada em 15/11/2009.