SISTEMA DE GESTÃO DO CONHECIMENTO EM EMPRESAS FAMILIARES BRASILEIRAS: REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA Patricia de Sá Freire (Universidade Federal de Santa Catarina) Greicy Kelli Spanhol Lenzi (Universidade Federal de Santa Catarina) Roberto Rogério Amaral (Universidade Federal de Santa Catarina) Neri dos Santos (Universidade Federal de Santa Catarina) Resumo Este trabalho teve como objetivo revisar sistematicamente a literatura sobre estudos na área de Sistema de Gestão do Conhecimento em Empresas Familiares. A busca foi realizada em uma base de dados eletrônica e os descritores, na língua ingllesa, utilizados foram: “Gestão do Conhecimento”; “Sistema de Gestão do Conhecimento” e “Empresa Familiar”. A busca eletrônica inicial resultou em 17.936 artigos. O processo de análise dos estudos envolveu leitura de títulos, resumos, palavras-chave e, após uma seleção por objetivos, procedeu- se a leitura dos textos completos, quando acessíveis. Após percorrer as fases de planejamento e execução, 45 publicações preencheram os critérios pré-definidos para a revisão, e durante a fase de análise percebeu-se que tratavam da participação de pequenas e médias empresas, tais como as familiares, nas redes de criação e implantação de Sistemas de Gestão do Conhecimento (SGC). Dessa forma, relacionou-se as dificuldades de gestão de tipo familiar elencadas por autores que tratam especificamente sobre o tema, com as observações oferecidas pelos artigos resultantes da revisão sistemática para pequenas e médias empresas. Concluiu-se que as maiores dificuldades que as empresas familiares brasileiras enfrentam diz respeito a transparência e disseminação de informações e como solução, pode-se sugerir a participação destas em rede de empresas parceiras para o seu fortalecimento junto aos clientes, fornecedores e concorrentes, bem como o uso de SGC para potencializar tanto a captação como o compartilhamento do conhecimento. Palavras-chaves: Gestão do Conhecimento; Sistemas de Gestão do Conhecimento; Empresa Familiar; Revisão Sistemática da Literatura. 12 e 13 de agosto de 2011 ISSN 1984-9354
21
Embed
SISTEMA DE GESTÃO DO CONHECIMENTO EM EMPRESAS … · “Gestão do Conhecimento”; “Sistema de Gestão do Conhecimento” e “Empresa Familiar”. A busca eletrônica inicial
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
SISTEMA DE GESTÃO DO
CONHECIMENTO EM EMPRESAS
FAMILIARES BRASILEIRAS: REVISÃO
SISTEMÁTICA DA LITERATURA
Patricia de Sá Freire
(Universidade Federal de Santa Catarina)
Greicy Kelli Spanhol Lenzi
(Universidade Federal de Santa Catarina)
Roberto Rogério Amaral
(Universidade Federal de Santa Catarina)
Neri dos Santos
(Universidade Federal de Santa Catarina)
Resumo Este trabalho teve como objetivo revisar sistematicamente a literatura
sobre estudos na área de Sistema de Gestão do Conhecimento em
Empresas Familiares. A busca foi realizada em uma base de dados
eletrônica e os descritores, na língua ingllesa, utilizados foram:
“Gestão do Conhecimento”; “Sistema de Gestão do Conhecimento” e
“Empresa Familiar”. A busca eletrônica inicial resultou em 17.936
artigos. O processo de análise dos estudos envolveu leitura de títulos,
resumos, palavras-chave e, após uma seleção por objetivos, procedeu-
se a leitura dos textos completos, quando acessíveis. Após percorrer as
fases de planejamento e execução, 45 publicações preencheram os
critérios pré-definidos para a revisão, e durante a fase de análise
percebeu-se que tratavam da participação de pequenas e médias
empresas, tais como as familiares, nas redes de criação e implantação
de Sistemas de Gestão do Conhecimento (SGC). Dessa forma,
relacionou-se as dificuldades de gestão de tipo familiar elencadas por
autores que tratam especificamente sobre o tema, com as observações
oferecidas pelos artigos resultantes da revisão sistemática para
pequenas e médias empresas. Concluiu-se que as maiores dificuldades
que as empresas familiares brasileiras enfrentam diz respeito a
transparência e disseminação de informações e como solução, pode-se
sugerir a participação destas em rede de empresas parceiras para o
seu fortalecimento junto aos clientes, fornecedores e concorrentes, bem
como o uso de SGC para potencializar tanto a captação como o
compartilhamento do conhecimento.
Palavras-chaves: Gestão do Conhecimento; Sistemas de Gestão do
Conhecimento; Empresa Familiar; Revisão Sistemática da Literatura.
12 e 13 de agosto de 2011
ISSN 1984-9354
VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011
2
Introdução
Segundo o IBGE (2008), representando 98% das empresas brasileiras, as empresas
familiares brasileiras são base de sustentação da economia no país. Assim, é numerosa a
quantidade de empresas com gestão de tipo familiar, pois muitas destas nasceram como
pequenas empresas de algum membro de uma família que iniciou seu próprio negócio. Estes
fundadores são membros empreendedores de uma família, descobridores de oportunidades,
que perceberam o momento de constituir um negócio e de crescê-lo.
Ainda não há um consenso entre autores e consultores brasileiros quanto à definição
de Empresa Familiar. Objetivando conceituar o tema, foi realizada uma classificação por
Bernhoeft (1991) que agrupa não somente as empresas administradas há pelo menos duas
gerações de uma mesma família, mas sim, as que mantêm membros da família ou amigos na
administração. Como expõem o autor, incluem-se ainda nesta definição as empresas com
gestão baseada em contratos emocionais entre gestor e funcionários antigos que o
acompanham desde o início dos negócios, uma vez que na gestão do tipo familiar os laços
afetivos são base das decisões, assim como há a valorização da antiguidade, alta fidelidade e
exigência de dedicação exclusiva. Deste modo, caracteriza-se a empresa familiar como
uma organização empresarial que tem sua origem e sua história vinculada a uma
mesma família há pelo menos duas gerações, ou aquela que mantém membros da
família na administração dos negócios, ou seja, empresa que é controlada e/ou
administrada por membros de uma família (BERNHOEFT, 1991. p.19).
As dificuldades de gestão neste tipo de empresa começam a surgir quando os
fundadores, ou seus herdeiros, se propõem a perpetuar o negócio, demandando, desta forma, a
profissionalização da gestão e a diminuição da subjetividade no processo de decisão,
substituindo-a pela objetividade baseada em informações e conhecimentos explicitados e
gerenciados sistematicamente. Assim, uma questão basilar nesse contexto é a eliminação da
subjetividade comum à gestão familiar, pois esta envolve conflitos de interesses baseados em
discussão emocionais, que acaba por desequilibrar a divisão entre o enriquecimento da
família e a saúde financeira da empresa.
Freire et al. (2009) realizaram uma pesquisa em duas empresas brasileiras com o
intuito de diagnosticar quais características de gestão familiar persistiam após ter se
processado a profissionalização. A questão norteadora do trabalho foi: Quais os vícios
presentes na gestão de empresas familiares brasileiras que apresentavam maior resistência
VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011
3
para serem desativados em processos de profissionalização? Ressalta-se ainda que as
empresas que serviram para o estudo foram classificadas como familiar por existirem em suas
dinâmicas internas características próprias de gestão familiar conforme definidas por
Bernhoeft (1991).
As duas empresas estudadas participaram de processos de profissionalização de gestão
com a implantação das boas práticas de governança corporativa, sendo uma para abrir o
capital e a outra para promover a sucessão de pai para filho. Referindo as dificuldades
encontradas neste processo em uma das empresas, um dos gerentes entrevistados oferece um
depoimento contundente quanto à necessidade de melhorar a gestão das informações e
conhecimentos na empresa:
Se a empresa aprender a ouvir, decidir para onde quer ir, formalizar as políticas e
processos, disseminar todas as informações às áreas e, todos respeitarem estas
políticas, inclusive os líderes, a empresa com certeza crescerá em qualidade e
tamanho. O que falta é dar fim a vícios de empresa de família, que só eles precisam
saber o que fazer e fazer da maneira deles. Agora precisamos entender que cada um
daqui faz parte dos problemas e da solução e não mais somente a família busca as
respostas para tudo (entrevistado apud Freire et al., 2009, p.38).
A partir das entrevistas realizadas, como resultado da pesquisa, os autores (Freire et
al., 2009) concluíram que as características mais prejudicadas na gestão de tipo familiar são
ligadas à comunicação interna, tanto vertical (hierarquizada) como horizontal
(interdepartamental). E, devido a isso, recomendaram mudanças em como são processadas
tanto a comunicação interna e quanto as tomadas de decisão.
Destarte, os Sistemas de Gestão do Conhecimento (SCG) têm importante papel no
processo de profissionalização das empresas familiares brasileiras, visto que esses sistemas
inteligentes propiciam a disseminação de informações e conhecimentos que antes se
mantinham restritos à família e seus escolhidos. Dessa forma, os SCGs auxiliam na quebra do
paradigma de que a tomada de decisão é de responsabilidade das altas hierarquias (exatamente
por ela ter acesso a informações e conhecimentos para basear suas decisões), criando um novo
olhar sobre as responsabilidades de cada colaborador (de um simples funcionário que obedece
ordens para um indivíduo autônomo e parceiro no sucesso).
Assim, diversos pesquisadores voltaram a atenção sobre o conhecimento e a gestão do
conhecimento organizacional, desenvolvendo os Sistemas de Gestão do Conhecimento para
que este seja uma importante ferramenta para a criação, compartilhamento e disseminação do
conhecimento (ALAVI; LEIDER, 2001). Entretanto, embora hajam diversos estudos nesta
VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011
4
área, ainda não existe uma teoria consolidada que relacione a importância dos SGCs
organizacionais ao processo de profissionalização de empresas familiares. E devido a isso se
faz necessário desenvolver novas pesquisas para que se possa caminhar nessa direção,
avançando a partir de conhecimentos científicos existentes.
Buscando conhecer o que já existe de produção científica na área, para realização
deste trabalho foi conduzida uma revisão sistemática com o intuito de levantar as pesquisas
relacionadas à Gestão do Conhecimento e aos Sistemas de Gestão do Conhecimento
visando investigar como esses sistemas inteligentes podem contribuir para a melhoria da
gestão das empresas familiares.
E para atender ao objetivo projetado, realizou-se a pesquisa na base de dados Scopus
para levantar os estudos já realizados sobre os temas: “Gestão do Conhecimento”; “Sistemas
de Gestão do Conhecimento”; e “Empresa Familiar”. Ao final, planejou-se limitar os estudos
na área de negócios, gestão e contabilidade pelo interesse do próprio tema, sendo que para a
revisão respeitaram-se os passos determinados pela Fundação Cochrane e pela NHS/YORK
quanto às etapas de planejamento, execução, análise e relatoria.
O processo de análise dos estudos envolveu leitura de títulos, resumos, palavras-chave
e, após uma seleção por objetivos, procedeu-se a leitura dos textos completos, quando
acessíveis.
Foi escolhida a base Scopus por que esta hoje é a maior base de resumos e referências
bibliográficas de literatura científica, o que permite uma visão multidisciplinar e que integra
as fontes mais relevantes para a pesquisa bibliográfica sistemática (FREIRE, 2010). Como
afirma o portal da CAPES (2004, p.1) a consulta aos Resumos “é a forma recomendada para
iniciar uma pesquisa bibliográfica sistemática, de ampla cobertura e metodologicamente
correta”. Por meio desses serviços, é possível identificar artigos de periódicos e outros
documentos científicos e técnicos publicados sobre o assunto de interesse do pesquisador.
Assim, a abordagem metodológica adotada caracteriza-se como um estudo
exploratório e descritivo feito mediante revisão sistemática da literatura, seguindo-se pela
meta-pesquisa.
1. Gestão do Conhecimento
VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011
5
O conhecimento é um conceito amplo e abstrato que provocou debates
epistemológicos na filosofia ocidental desde a época clássica grega. Nos últimos anos, no
entanto, tem havido um crescente interesse em tratar o conhecimento como um importante
recurso organizacional, o que configura e demonstra o crescente desenvolvimento da área de
Gestão do Conhecimento (GC)1. Destarte, em consonância com o interesse do mercado, mais
pesquisas vem sendo desenvolvidas nessa área, o que permite com que teorias e aplicações
produzam uma maior base teórico-científica sobre este tema.
Para realização da pesquisa sistemática neste trabalho, a primeira palavra-chave
averiguada foi Knowledge Management (Gestão do Conhecimento) e posto entre aspas para
que não fossem levantados publicações sobre gestão e nem sobre conhecimento em geral.
Dessa busca inicial surgiu o total de 17.936 artigos, que trouxeram informações importantes
para a construção do cenário relacionado ao tema dessa pesquisa.
O primeiro artigo publicado sobre Gestão do Conhecimento, registrado na base de
dados Scopus data de 1966 (BYRD et al., 1966) e esse já falava de Sistemas de Gestão do
Conhecimento. Após esse artigo, surgiram duas outras publicações apenas dez anos depois,
uma em 1976 (WILSON; EMERE, 1976) e outra em 1977 (FREEMAN, 1977). O tema voltou
a motivar algumas publicações acadêmicas na década de 80, porém somente ao final da
década de 90 as questões relacionadas à Gestão do Conhecimento chamam a atenção da
academia e, assim, houve um significativo aumento das publicações ano a ano, continuando
até os dias de hoje.
O artigo Byrd et al. (19662) descrevia um modelo orientado a objeto, baseado em
regras para o desenvolvimento de Sistemas Baseados em Conhecimento. São discutidas as
limitações dos Sistemas de Informações da época, e o desenvolvimento do modelo foi em
resposta a estas limitações encontradas nestes sistemas. O modelo é um guia de design para a
construção de sistemas orientados a objeto com processamento baseado em regras, sendo
utilizado para construir um Sistema de Gestão de Manutenção em um ambiente real. As fases
1 A “GC é a gestão dos processos que governam a criação, disseminação e a utilização de conhecimento por
meio fusão de tecnologias, estruturas organizacionais e pessoas para criar a mais efetiva aprendizagem, resolução de problemas e, tomada de decisão em uma organização” (NA UBON; KIMBLE, 2002). 2 Únicas referências encontradas na base de dados não constam dados da publicação como volume, página inicial
e final, como segue: Byrd, T.A., Markland, R.E., Karwan, K.R. , Philipoom, P.R. An object-oriented rule-based
design structure for a maintenance management system. Publisher Columbia, U.S.A., University of South
Carolina, 1966.
VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011
6
selecionadas do Sistema de Gestão de Manutenção são apresentadas e discutidas no artigo
para mostrar como o modelo foi implantado.
Os dois artigos que aparecem na década de 70, Wilson e Emere (1976) e Freeman
(1977), tratam da área ambiental. O primeiro aponta a importância da Gestão do
Conhecimento e dos Sistemas de Gestão do Conhecimento para o gerenciamento de situações
geológicas adversas3. Os autores afirmam que a Gestão do Conhecimento supera a capacidade
de apenas planejar o design e o layout de escavações minimizando danos e efeitos do estresse
ambiental desfavorável, mas também é capaz de conceber sistemas inteligentes sofisticados
de apoio, atendendo condições decorrentes de praticamente qualquer circunstância. Ressalta-
se que esse artigo na base de dados Scopus não aparece em nenhuma citação. Já o artigo de
Freeman (1977) trazendo a discussão sobre a importância da Gestão do Conhecimento (a
teoria, política e prática do conhecimento) para a Gestão dos Oceanos e de Informação
Ambiental, foi resgatado em artigo de 2006 (AZABACHE; MAZA; IZETA, 2006), marcando
então uma citação na base de dados estudada.
No que concerne aos estudos realizados nesta área, os temas Conhecimento e Gestão
do Conhecimento são intrinsecamente interdisciplinares abarcando uma grande variedade de
estudos em diferentes áreas do conhecimento (ALAVI; LEIDNER, 2001), sendo 27 ao total.
Destaca-se que uma grande parcela (62,73%) se concentra nas áreas: Ciências da Computação
(30,81%), Engenharia (17,88%) e, Negócios, Gestão e Contabilidade (14,04%).
O Gráfico 1 demonstra que as questões relacionadas à Gestão do Conhecimento
surgiram no final de década de 60, porém só atraíram a atenção da academia a partir da
segunda metade da década de 90, iniciando uma curva ascendente, conquistando em 2009 a
publicação de 4.699 artigos científicos.
Gráfico 1: Resultado da Busca por “Gestão do Conhecimento” na Base Scopus
3 Eles discutem como o conhecimento sobre o comportamento do maciço rochoso circundante tabular foi
utilizado para combater as condições adversas criado por inóspitos ambientes geológicos e estresse.
VII CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 e 13 de agosto de 2011