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O silncio das lnguas: a possibilidade de traduzir um poema
Author(s): Maria das Graas G. Villa da Silva Source: Revista de
Letras, Vol. 40 (2000), pp. 181-191Published by: UNESP Universidade
Estadual Paulista Julio de Mesquita FilhoStable URL:
http://www.jstor.org/stable/27666741Accessed: 01-06-2015 23:37
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O SILENCIO DAS L?NGUAS: A POSSIBILIDADE DE TRADUZIR UM POEMA
Maria das Gra?as G. Villa da SILVA
RESUMO: Neste ensaio, retoma-se a afirma?ao do tradutor Sergio
Augusto de Andrade sobre a impossibilidade de se traduzir um poema.
Por meio da no?ao derridiana de significante e significado, que
inclu? a existencia de uma pre
sen?a-aus?ncia na origem do significado, tenta-se demonstrar que
a tradu?ao ? poss?vel, em razao do movimento de
dissemina?ao/contamina?ao do signi ficado ou suplementaridade do
signo.
PALAVRAS-CHAVE: e. e. cummings; Sergio Augusto de Andrade;
Jacques Derrida; tradu?ao po?tica; diff?rance.
H? s?culos o tradutor vem sendo mal visto por seu trabalho,
consi derado imperfeito, imposs?vel. Alguns ousam e levam ? frente
a tarefa "insana" de que literaturas v?o se alimentando, se
comunicando, se en
trela?ando. Na Inglaterra, as bases da literatura foram
construidas com ecos de tradu?oes latinas e francesas. No Brasil,
de tradu?oes francesas,
muitas vezes textos escritos, originalmente, em ingles. Dessa
forma, os textos estrangeiros foram percorrendo o mundo e
se "aclimatando" ao sabor das escolhas de seus tradutores. Esses
leito res atuam sobre o texto2 que perde estabilidade e deixa de
ser "um re
1 Departamento de Letras Modernas - Faculdade de Ciencias e
Letras - ?NESP - 14800-901 - Ara raquara - SP.
2 Arrojo (1986, p.23-4), cuja defim?ao adotamos, considera o
texto como: "uma m?quina de signifi cados em potencial", um
palimpsesto, ou seja, "o texto que se apaga, em cada comunidade
cultu ral em cada ?poca, para dar lugar a outra escritura
(interpretac?o, leitura, ou tradu??o) do 'mesmo" texto'.
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cept?culo em que algum "conte?do" ? depositado e mantido sob con
trole" (Arrojo, 1986), sua equivalencia se desequilibra em
detrimento da fidelidade.
Embora as tradu?oes tenham dado contribui?oes significativas,
a
no?ao de infidelidade e intraduzibilidade persiste. Para alguns,
isso ocorre, principalmente, quando o texto ? considerado
literario, pois for
ma e conte?do s?o indissoci?veis e com peculiaridades
espec?ficas. As id?ias est?o co?udas, ?nicamente, ?as palavras, s?o
insepar?veis d?las e o leitor ? mero decodificador de sentidos j?
expressos. ? o ponto de vista do logocentrismo ou cartesianismo
para o qual o h?rnern, ser racio nal (Pens?, logo existo), descobre
o significado do texto sem se envolver com ele, dando sentido ?
no?ao da literalidade, ou seja, o significado est? contido na
letra, imune ? interpreta?ao do sujeito.
Tal concepc?o acaba sendo abalada com a publicac?o dos traba
lhos de Nietszche e Freud. Nietzsche (1983) analisa a rela?ao do
sujeito com o real a partir da linguagem e suas met?foras, o que
leva a um dis tanciamento da ess?ncia. Para Freud (1988), n?o ? a
raz?o que comanda o ser humano, mas seu inconsciente, seu lado
desconhecido, o que se
op?e ? literalidade, ou seja, o significado depositado na letra
imune ? in terpreta?ao do sujeito.
Apoiado sobretudo nessas id?ias e em outras, o fil?sofo franc?s
Jac ques Derrida (1973) retoma o conceito de significado de
Saussure (1972), segundo o quai sua produ?ao se d? pela forma?ao de
signos, marcados por dois aspectos: percepc?o sensorial
-
significante (a palavra ouvida ou escrita) - e o conceito ligado
? palavra - significado, resultante da selec?o de um conjunto de
diferen?as.
Na palavra gato, por exemplo, seu significado ou conceito est?
associado ? percepc?o sensorial (o significante -g/a/t/o) + a
imagem do animal (significado), selecionada entre os varios tipos
de gato exis tentes. O signo se forma nessa rela?ao: percepc?o
sensorial + algo que pensamos (selec?o de diferen?as). Os
significantes e significados s?o criados em um sistema de
diferen?as.
Os sons /g/, /pi, III, por exemplo, em si mesmos nada
significam, mas s?o diferentes entre si, o que torna poss?vel a
criac?o de outros sig nificados: gato, pato, rato. No entanto,
Derrida (1973) afirma que, para o /g/ ser ouvido, ? preciso que o
Ipl, n?o o seja. Embora ausente na pala vra gato, sua existencia se
faz necess?ria para que o /g/ seja identificado e carregue
significado.
A ausencia do /p/ implica presen?a/exist?ncia e ? um trago cons
tante em /g/, que joga incessantemente com a presen?a/aus?ncia,
con
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tida na origem do significado: uma instabilidade inerente a que
nenhu ma lingua pode escapar. Para mostrar essa instabilidade,
Derrida cria um neologismo: diff?rance (grafado com a) que n?o ?
palavra francesa,
mas se relaciona com algumas d?las: com o substantivo la
diff?rence (a diferen?a) e com o verbo diff?rer (diferir /adiar e
diferir/ ser diferente, dis cordar).
Esse neologismo possibilita a Derrida exemplificar o jogo
existente entre o significado e sua instabilidade. Diff?rance, com
a mesma pronun cia de diff?rence, permite a demonstrac?o desse
jogo. Oculta a diferen?a que n?o pode ser ouvida, mas ? percebida
na escrita. Substitu? a noc?o saussuriana da diferen?a por
presen?a/ausencia, deixando o significado,
marcado por esse tra?o, entregue ? oscilac?o da
presen?a/aus?ncia, con figurada como elemento desestabilizador. A
lingua se sustenta na alter nancia entre o que est? l? e o que n?o
est?. Essa suplementaridade do signo ou movimento de
dissemina?ao/contamina?ao do significado comp?e toda a rede de
significados da lingua e permite a leitura e traduc?o de
textos.
Pelo exposto, a quest?o de fidelidade/infidelidade ou de
intraduzi bilidade parece estar esclarecida, no entanto ?, as
vezes, retomada. Ser gio Augusto de Andrade (1998), em O silencio
das l?nguas - Da impossi bilidade de traduzir um poema, afirma que
traduzir um poema ? uma tarefa imposs?vel, mas acaba por apresentar
sua traduc?o para um poema de e. e. cummings (cf. Anexo). O autor
diz que criticar a traduc?o de um poema ? "um ato ingenuo", "uma
contradi?ao escandalosa", visto que ? tarefa imposs?vel, em raz?o
da presen?a de certos sons. A atitude po?tica ? "a mais
impenetr?vel e irredut?vel da linguagem", uma "ilus?o pr?diga", e
d? exemplos: as tradu?oes de Poe feitas por Mal larm?, as de Guido
Cavalcanti por Pound e da Il?ada por Pope.
Os trabalhos que Andrade considera "frustrantes" tiveram papel
de grande importancia. A obra de Poe, por Mallarm?, acabou por
eclodir o movimento simbolista na Franca, for?ando a releitura do
escritor e o questionamento de seu lugar na literatura
norte-americana. A traduc?o da Il?ada por Pope contribuiu para
despertar um novo fazer literario. N?o se pode negar que, apesar da
"utopia gentil", as tradu?oes trouxeram algo inusitado, por causa
da leitura dos tradutores.
Antes de apresentar sua traduc?o para o portugu?s do poema de e.
e. cummings (1894-1963), justifica-se, classificando-a como
"imperti nencia indecorosa":
um fracasso que, de antem?o, n?o pode aspirar nem sequer a
qualquer forma de dignidade ... N?o se trata, propriamente, de uma
traduc?o; nem
mesmo de uma par?frase. ? minha absoluta convicc?o de que um
verso
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bem escrito ? t?o deslumbrante e anebatador quanto a sucess?o
das esta
??es do ano. ? tamb?m igualmente insubstitu?vel e ...
independente do
controle humano. Ningu?m pode emprestar uma tarde de maio para
aliviar
um pouco o peso de certos c?us de outono. (Andrade, p.23)
O autor parece nao se dar conta de que a tradu?ao depende da lei
tura do tradutor e das escolhas que faz. O "arrebatamento", o
"deslum
bramento" sentidos por e. e. cummings jamais ser?o recuperados
por Andrade, pois correspondem a uma experiencia individual.
Cabe-lhe apenas sentir seu pr?prio arrebatamento, movido por seu
desejo e sua imagina?ao ligados a um contexto hist?rico, social e
cultural.
Como a escritura, a leitura ? uma forma de violencia e, nesse
caso, contra o pr?prio texto/autor com quem o leitor pode
estabelecer uma rela
?ao, j? que esse texto/autor jamais ser? repetido ou resgatado
num pro cesso impessoal ou desinteressado, e sim tomado, possu?do e
transformado
pelo desejo e pelas circunstancias do leitor que com ele se
misturar. (A?ojo, 1993)
Negando que se possa tomar emprestada uma tarde de maio em
pleno outono, Andrade, no poema "ensolarado" de e. e. cummings,
re
corre as alegr?as de ver?o para amenizar o invern? prolongado.
Isso de monstra que o desejo, amparado pela imagina?ao, pode fazer,
exata mente o que o ensa?sta nega: tomar emprestado uma tarde.
Cumprindo um ritual de "culpa pela posse" do texto, Andrade tra
duz o poema "musical e delicado", justificando, segundo afirma, o
"in
justific?vel", apresentando-o como a "tentac?o" de participar
dos jogos das meninas maggie, milly, molly e may durante um dia na
praia. Para o
autor: "levar um poema para passear em outra lingua ? namorar
um
pouco a linguagem". Nesse ensaio, o "passeio-namoro" de Andrade
(poema de 12 versos
irregulares, rimas ricas, emparelhadas com encadeamento) ?
contra
posto ao texto de e. e. cummings (poema de 12 versos regulares
de qua tro p?s, rimas ricas, emparelhadas, misturadas com
encadeamento) para verificac?o das associa?oes que ambos
proporcionam. O contraponto ?
minucioso, e o exame de cada estrofe busca demonstrar, passo a
passo, as escolhas do tradutor.
1 maggy and milly and molly and may 1 maggy e milly e molly e
may 2 went down to the beach 2 foram brincar no mar
(to play one day) (e ? s? o que eu sei)
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Na estrofe inicial, composta de dois versos, quatro meninas,
mag
gie, milly, molly e may v?o ? praia para brincar. No texto de
Andrade, os nomes das meninas, em ingl?s, preservam o ritmo e a
aliterac?o do texto de e. e. cummings, sugerindo o vai-e-vem do
movimento das ondas
mar?timas, real?ado pelo emprego da express?o: "e ? s? o que eu
sei", contraposto a "may", ecoando o som da rima em ingl?s.
O aspecto gr?fico do texto em ingl?s ? mantido na traduc?o,
inclu? os par?nteses, o que, em ingl?s, parece evocar o torn de uma
historia in fantil pelo emprego de "one day", ressaltando a ac?o
das meninas. Al?m disso, os par?nteses pospostos ? palavra "beach",
limitando, gr?fica
mente, o espa?o, permitem a associac?o com o verbo "to beach"
que,
segundo o dicion?rio, indica algo que foi retirado do mar (um
barco, por exemplo) e deixado sobre a areia (encalhado). No caso
das meninas, elas est?o na praia com um ?nico intuito:
brincar/jogar (play). No texto de
Andrade, a escolha da palavra "mar" conota amplid?o, espa?o
aberto, restando apenas o conhecimento limitado do eu do poema
sobre a histo ria das meninas (e ? s? o que eu sei).
A escolha de "mar" indica uma das interferencias de Andrade no
poema, demonstrando seu trabalho de leitor/tradutor, corroborando a
afirmac?o de que leitura "? uma forma de violencia". O tradutor
atua so bre o texto para estabelecer uma especie de elo de
comunicac?o, confir mando que a tarefa n?o ? desinteressada e est?
associada ao jogo exis tente entre o significado e sua
instabilidade, ressaltado por Derrida.
3 and maggie discovered a shell that 3 e maggie achou uma concha
que sang cantava t?o bem
4 so sweetly she couldn't remember 4 que fez sumir seus
problemas, num
her troubles, and suave vai-e-vem, e
Na segunda estrofe, em ingl?s, composta de versos regulares,
a
brincadeira-jogo continua. Maggie descobriu uma concha que canta
t?o suavemente que a faz esquecer seus problemas. Os versos,
rimados e ir
regulares, de Andrade tamb?m v?o contando a historia. A concha
pro duz o mesmo efeito na garota, reiterac?o conseguida pelo
emprego de "t?o bem", "suave vai-e-vem" e "e", ap?s a v?rgula,
refor?adores do mo
vimento ininterrupto, presente no texto de cummings por meio de
"sang" e "and" (separado por v?rgula), colocados no final dos
versos da estrofe, criando urn continuum que indica o movimento
eterno do tempo e do mar, enquanto elas, distra?das, brincam na
praia. ?ndices da rela??o do tradutor com o texto, expondo o
trabalho transformador, norteado
por ajustes, oscilando na presen?a/aus?ncia
desestabilizadora.
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Na estrofe ?cima, o tradutor opta pela tradu?ao de "discovered"
como "achou" (encontrar por acaso), que recupera a sonoridade de
"shell/sang",
no contraste de "achou/concha" e permite a mesma associac?o
evocada pelo texto do poeta, sugerindo que as experiencias na vida
se d?o por acaso, inesperadamente, acidentalmente. A express?o "t?o
bem" cor
responde ? "so sweetly" (t?o docemente), auxiliando na
manutenc?o da cadencia e rima da estrofe traduzida. "She couldn't
remember" (n?o po dia lembrar), no segundo verso, refere-se a "fez
sumir", que ajuda a manter o sentido negativo de "couldn't
remember" e explicita o que ocorreu com "troubles" (problemas) na
vers?o portuguesa: "fez sumir seus problemas".
H? um jogo constante de sonoridades, estabelecido entre sons pre
sentes e ausentes do poema e significados entregues ao movimento de
dissemina?ao/contamina?ao, permitindo a traduzibilidade, motivada
por associa?oes.
"Num suave vai-e-vem" recupera a ternura do cantar da concha,
omitida com o emprego de "t?o bem". As alitera?oes, em ingl?s:
"she?", "sang", "sweetly","she", que sugerem o ruido das ondas do
mar, s?o re
presentadas, em portugu?s, por ch: achou, concha, estabelecendo
uma
especie de contraste, por meio da grada?ao do som do ch e do s
em: "sumir", "seus" e "suave", canc?o que embala a historia
infantil. O
"and" interliga a descoberta de maggie com a de milly na
terceira estrofe, t?cnica repetida nos versos de Andrade.
5 milly befriended a stranded star 5 milly ficou amiga de uma
estrela perdida 6 whose rays five languid 6 com cinco raios que
eram dedos na
fingers were; tarde ardida;
Milly torna-se amiga de uma estrela perdida (stranded star),
cujos raios s?o cinco dedos l?nguidos. A descoberta parece marcante
para a
garota. A rima da estrofe se rompe, quebrando-lhe o ritmo,
enquanto o
ponto-e-v?rgula, no final do segundo verso, torna sim?trica a
historia de milly com a de molly, narrada na quarta estrofe.
O termo "stranded" remete ? id?ia de isolado, retido em algum
lugar, j? contida na primeira estrofe do poema por meio de "beach".
O dicion?rio indica que "stranded" e
"
"be beached" s?o sin?nimos, quando se referem a contexto
mar?timo, evocando a no?ao de limitac?o, de ficar encalhado. O
termo, qualificando a estrela de cinco dedos l?nguidos,
atribuidores de debilidade, sensualidade e abandono, indica seu
desam paro. Como se trata de texto po?tico, conforme conven?ao, a
estrela pode
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ser uma estrela-do-mar (a five-f?nger), pois as meninas est?o
numa praia, ou uma estrela celeste perdida que caiu na terra. Tais
associa?oes bro
tam do emprego de "rays" (raios) pelo poeta, referindo-se aos
cinco "bracos" [arms) da estrela-do-mar (starfish/five-finger).
Andrade mostra uma estrela perdida, "com dedos na tarde
ardida",
afastando-se das associa?oes permitidas pelo emprego de "languid
fin gers" (dedos l?nguidos). Por um lado, mant?m a rima da estrofe;
por outro, revela a atmosfera, a importancia do encontr? e a
solid?o da nova amiga. Ecos que produzem sensac?o de desconforto no
verso 5 com amiga/ perdida, verso 6 com ardida e no verso 7
perseguida, o que con tamina a estrofe seguinte. Tais procedimentos
demonstram o envolvi
mento do tradutor com sua tarefa.
7 and molly was chased by a 7 e molly foi perseguida por uma
horrible thing coisa honorosa
8 which raced sideways while 8 que conia de lado soltando
uma
blowing bubbles; and bolha teimosa: e
Na quarta estrofe, a experiencia de molly ? desestruturadora,
expressa pelo estancamento da rima (versos 7 e 8), refletindo medo
(cha sed/perseguida) e (ftomjbie/horr?vel). A menina ? perseguida
por uma coisa horr?vel, que corre de lado, soltando bolhas. O poeta
marca a sime tr?a das experiencias, colocando o ponto-e-v?rgula no
final da estrofe
para abrir espa?o para a historia de may. O tradutor mant?m a
noc?o de continuidade e persegui?ao, real
?ada pela intermitente figura da bolha, pelo emprego de
"teimosa", rimando com "horrorosa", o que conserva o ritmo dos
versos e permite a
suspens?o da melod?a, representada pelos dois pontos, no verso
final, para introduzir a narrativa de may. Os dois textos
possibilitam a associa c?o: quando se est? no mar da vida,
brincando/jogando, corre-se o risco de ser perseguido por um
monstro horr?vel.
9 may came home with a smooth 9 may voltou para casa com uma
round stone peque?a pedra redonda
10 as small as a world and as large 10 grande como o mundo e
doce as alone. como uma onda.
Na quinta estrofe, ligada ? anterior por and/e, may retorna a
casa com uma pedra redonda e lisa, peque?a como um mundo e t?o
grande quanto estar sozinha (alone), que, associadas parecem
indicar o uni
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verso particular da menina e a solid?o. Andrade efetua outras
associa
?oes, decorrentes do emprego de "grande" e "o", referindo-se a
"mundo"
("peque?a pedra redonda grande como o mundo") e "doce como uma
onda".
O contraste entre peque?a pedra/grande mundo, contrapondo
pequenez e grandeza, evoca conflitos que se configuram como
angus
tia,3 relacionados a "stranded!beached". O tradutor reconstr?i
atmos fera menos desesperadora, quando acrescenta "doce como uma
onda",
que se op?e as "intemp?ries" enfrentadas pelas meninas durante o
pas seio pela praia, motivado pelo desejo de brincar/jogar.
Redonda/onda concorrem para a marcac?o da cadencia ondulante do
verso, confirmando
o empenho do tradutor.
O "andle", ponto de liga?ao das estrofes e da historia das
meninas, ? interrompido pelo ponto, que abre espa?o para a
conclus?o, a ?ltima estrofe, uma especie de "moral da historia",
que n?o ? interrompida por ponto final, demonstrando a repeti?ao
constante do encontr?.
11 For whatever we lose (like a you 11 Pois quando a gente se
perde e or a me) desiste de achar
12 it's always ourselves we find in 12 ? sempre nos mesmos o que
se
the sea encontra no mar
A conclus?o de e. e. cummings envolve o leitor na experiencia
das meninas, sem sa?da da brincadeira/jogo que, segundo o eu do
poema,
"seja l? o que for que percamos, um voce ou um eu, ? sempre nos
mes mos que encontramos no mar", ou seja, depois de todas as
perdas, de correntes de experiencias vividas, nos defrontamos
sempre com nosso EU, retorno constante ? nossa historia. H? a
retomada da no?ao de isola
mento e solid?o, aprisionando o leitor, deixando-o "encalhado"
(beached) na praia, onde s? ? permitido brincar/jogar, sempre,
consigo mesmo.
O texto de Andrade ressalta a perda e a desistencia de um
reencon tr?, que acaba ocorrendo por designio: a presen?a de nos
mesmos no
mar. O aprisionamento do leitor se presentifica nos versos do
tradutor, acalentado pelas rimas, no vai-e-vem constante dos versos
e no espe
lhamento final.
3 Em "Conferencias introdut?rias sobre psican?lise", Freud
(1970) recorda que o substantivo Angst -Enge- Angustia significando
"lugar estreito", acent?a a caracter?stica de limita?ao e
respira??o, sintoma que se manifesta na ida ? praia.
188 Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000
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Embora Andrade relute em apresentar sua leitura, faz aquilo que
nega: conjuga "vozes, m?sica, perfumes e pausas", ajustando-os ao
pa ladar estrangeiro, demonstrando a possibilidade da tarefa e o
paradoxo criado. Ele salta o "abismo que separa as l?nguas" e leva
o poema de e.
e. cummings a passear pelo portugu?s.
O trabalho est? feito e a m?sica e os perfumes impregnam o texto
de Andrade com seu pr?prio perfume, pausas e silencios. O
tradutor/lei tor, dominado por seus "desejos", entrega-se ?
fragrancia preferida, ao ritmo do compasso escolhido, cria uma
musicalidade pr?pria, revelando sua alteridade, comalitera?oes,
versos irregulares, encadeamento, ecos,
rimas emparelhadas e met?foras. A leitora/autora deste texto,
perse
guida por outros desejos, comp?s a interpretac?o com imagens e
ritmos preferidos at? que outro leitor/tradutor se manifeste.
SILVA, M. das G. G. V. da. The silence of the languages: the
possibility of trans
lating a poem. Rev. Let. (S?o Paulo), v.40, p.181-191, 2000.
ABSTRACT: In this essay, it is considered the statement of the
translator
Sergio Augusto de Andrade about the impossibility of translating
a poem.
Applying the denidean notion of the signif?er and the signified,
which includes
the idea of an undecidable presence-absence at the origin of the
meaning, it is
discussed that the translation of a poem is possible due to the
movement of
dissemination/contamination of the meaning or supplementarity of
the sign.
KEYWORDS: e. e. cummings; Sergio Augusto de Andrade; Jacques
Derrida;
poetic translation; diff?rance.
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Anexo
Maggie and milly and molly and may went down to the beach (to
play one day)
and maggie discovered a shell that sang so sweetly she couldn't
remember her troubles, and
milly befriended a stranded star whose rays five languid fingers
were;
and molly was chased by a horrible thing which raced sideways
while
blowing bubbles; and
190
Maggie e milly e molly e may foram brincar no mar (e ? s? o que
eu sei)
e maggie achou urna concha que cantava t?o bem
que fez sumir seus problemas, num suave vai-e-vem, e
milly ficou amiga de uma estrela
perdida com cinco raios que eram dedos na tarde ardida;
e molly foi perseguida por uma coisa horrorosa
que corria de lado soltando uma bolha teimosa: e
Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000
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may came home with a smooth round stone as small as a world and
as large as alone.
For whatever we lose (like a you or a me) It's always ourselves
we find in the sea
e. e. cummings
may voltou para casa com uma
peque?a pedra redonda
grande como o mundo e doce como uma onda.
Pois quando a gente se perde e
desiste de achar ? sempre nos mesmos o que se encontra no
mar
Sergio Augusto de Andrade
Rev. Let., S?o Paulo, 40: 181-191, 2000 191
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Article Contentsp. 181p. 182p. 183p. 184p. 185p. 186p. 187p.
188p. 189p. 190p. 191
Issue Table of ContentsRevista de Letras, Vol. 40 (2000), pp.
1-263Front MatterApresentao: Poesia, e agora? [pp.
7-9]ConvidadosPanorama da poesia brasileira no sculo XX [pp.
13-39]Algumas consideraes sobre a poesia italiana contempornea [pp.
41-61]Itinerrio do poeta de "Macunama": uma leitura de "A meditao
sobre o Tiet" [pp. 63-76]Jos Luandino Vieira: conscincia nacional e
desassossego [pp. 77-98]
A vida inteira nos versos: a potica de Manuel Bandeira [pp.
101-111]Intimismo e resistncia: reflexes sobre os discursos poticos
de Ana Cristina Cesar e Ferreira Gullar [pp. 113-126]Leito de
maravalhas, farfalhando: breve estudo da construo rtmica em "Leito
de folhas verdes" de Gonalves Dias [pp. 127-138]Sob os caninos de
Oswald [pp. 139-158]Lirismo e guerra: os poemas no-caligramticos
dos "Calligrammes" [pp. 159-180]O silncio das lnguas: a
possibilidade de traduzir um poema [pp.
181-191]Resenhas/ReviewsReview: untitled [pp. 195-201]Review:
untitled [pp. 202-204]Review: untitled [pp. 205-208]Review:
untitled [pp. 209-218]Review: untitled [pp. 219-224]Review:
untitled [pp. 225-229]
Resumos de Teses e Dissertaes/Abstracts of Doctoral Theses and
Master Dissertations [pp. 233-235, 237-241, 243-249]Back Matter