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i
UNIVERSIDADE DE LISBOA
Instituto de Educao
SER PROFESSOR AVALIADOR Uma experincia formativa que desafia
a
profissionalidade docente
Ana Cristina Matias do Carmo Cirne
Orientadora: Prof. Doutora Isabel Maria Pimenta Henriques
Freire
Tese especialmente elaborada para obteno do grau de Doutor em
Educao
(Especialidade em Formao de Professores)
2017
-
ii
-
i
UNIVERSIDADE DE LISBOA
Instituto De Educao
SER PROFESSOR AVALIADOR Uma experincia formativa que desafia
a
profissionalidade docente
Ana Cristina Matias do Carmo Cirne
Orientadora: Prof. Doutora Isabel Maria Pimenta Freire
Tese especialmente elaborada para obteno do grau de Doutor em
Educao
(Especialidade em Formao de Professores)
Jri
Presidente: Doutor Domingos Manuel Barros Fernandes, Professor
Catedrtico e
membro do Conselho Cientfico do Instituto de Educao da
Universidade de Lisboa;
Vogais:
- Doutora Maria Teresa Ribeiro Pessoa, Professora Associada da
Faculdade de
Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade de
Coimbra;
- Doutora Ana Maria Carneiro Costa e Silva, Professora Auxiliar
do Instituto de
Educao da Universidade do Minho;
- Doutor Domingos Manuel Barros Fernandes, Professor Catedrtico
do Instituto
de Educao da Universidade de Lisboa;
- Doutora Ana Margarida Vieira, da Veiga Simo, Professora
Associada com
Agregao da Faculdade de Psicologia da Universidade de
Lisboa;
- Doutora Isabel Maria Pimenta Henriques Freire, Professora
Associada do
Instituto de Educao da Universidade de Lisboa, orientadora;
- Doutor Lus Alexandre da Fonseca Tinoca, Professor Auxiliar do
Instituto de
Educao da Universidade de Lisboa;
- Doutora Carmen de Jesus Dores Cavaco, Professora Auxiliar do
Instituto de
Educao da Universidade de Lisboa.
2017
-
ii
-
iii
AGRADECIMENTOS
Professora Doutora Isabel Maria Pimenta Freire pela superviso
deste estudo, pelo
profissionalismo da sua orientao e humanismo da sua pessoa, ao
longo de todo o percurso de
investigao.
Aos diretores das trs escolas, pela partilha de conhecimentos,
boa vontade e participao no
estudo.
A todos os professores avaliadores do 3. ciclo do ensino bsico e
do ensino secundrio, que
participaram nesta investigao, pela disponibilidade e colaborao,
sem as quais este trabalho no
teria sido possvel.
colega e amiga crtica, Elisa Valrio, pelo dilogo colaborativo,
durante o estudo, e participao
no focus group.
colega Brgida Silva pela pronta resposta e apoio no recurso
certeira terminologia da lngua
inglesa.
amiga de todas as horas, Ana Csar Machado, pelo apoio minha
filha menor, nas minhas
ausncias.
Ao meu primo, Lus Daniel Traa, pelo apoio informtico e incentivo
continuao do estudo.
Ao meu querido e saudoso pai, Licnio Cirne, que sempre acreditou
silenciosamente em mim.
minha querida e saudosa me, M de Lourdes Cirne, sempre orgulhosa
dos meus sucessos.
s minhas duas queridas filhas, Andreia Filipa Cirne Santos e
Diana Sofia Cirne Baptista, pela
pacincia, a quem dedico todo este trabalho, como um exemplo de
tenacidade e resilincia a adotar
nas suas vidas.
-
iv
-
v
RESUMO
O profissionalismo docente requere atualmente uma renovao de
fundamentos epistemolgicos
que sustentem a ao profissional dos professores, especialmente
no desempenho da funo de
professores avaliadores. Reconhece-se que o desempenho do papel
de professor avaliador pode ser
um contributo fundamental na construo da sua profissionalidade
docente, construindo saber sobre
e para a sua prtica profissional e o seu desenvolvimento
profissional e dos seus pares. Porm,
rareiam ainda estudos sobre a caracterizao dos saberes
experienciais dos professores avaliadores,
especialmente no contexto educativo portugus.
Esta investigao inscreve-se na rea de especializao em Formao de
Professores, no domnio
do desenvolvimento profissional de professores avaliadores. Tem
como tema central a formao
experiencial dos professores avaliadores do 3 ciclo do ensino
bsico e do ensino secundrio, de
trs escolas pblicas portuguesas, focalizando-se nos binios de
2007-2009 e 2010-2011. O
principal objetivo deste estudo compreender o contributo dos
saberes experienciais decorrentes
do desempenho do papel de professor avaliador e como esses
saberes se consubstanciam num
conhecimento praxeolgico sobre o ensinar, designadamente na
avaliao do desempenho do
professor e na avaliao dos seus alunos. Pretende-se compreender
o modo como os professores
avaliadores (avaliados tambm) interpretam o processo de avaliao
entre pares, enquanto processo
de aprendizagem e de desenvolvimento profissional. Parte-se da
hiptese de que o exerccio dessa
funo constitui um processo formativo e formador, num
desenvolvimento profissional bilateral e a
sua descrio contribuir para um melhor conhecimento da profisso
docente, na funo especfica
de avaliao entre pares e dos processos formativos, que lhe so
inerentes.
O quadro terico estrutura-se em torno dos temas do
desenvolvimento profissional (do
profissionalismo e da profissionalidade docentes) e da formao
experiencial, enquanto processo de
formao contnua, encarado numa perspetiva fenomenolgica, cujo
mtodo de eleio o
biogrfico, com recurso a entrevistas semiestruturadas, memrias
narrativas escritas, entrevistas
focus group e entrevista em profundidade.
O estudo enquadra-se numa abordagem metodolgica de natureza
qualitativa, dentro do paradigma
fenomenolgico interpretativo (Denzin & Lincoln, 2003). A
abordagem descritiva e interpretativa
recorre a tcnicas de inquirio, para um estudo em espiral,
gradualmente construdo, afunilando
em intensidade do coletivo para o individual. O estudo emprico
contempla quatro etapas ou
estratgias de investigao: (1) um estudo de natureza exploratria,
a partir dos dados da entrevista
semiestruturada a diretores de trs escolas, pertencentes ao
mesmo centro de formao; (2) as
memrias narrativas escritas de dezoito professores avaliadores
dessas escolas; (3) um focus group
com cinco professoras avaliadoras (entre os dezoito respondentes
etapa anterior) para uma
recolha mais focalizada, num ambiente interativo; (4) uma
entrevista individual em profundidade a
-
vi
uma professora avaliadora (que manifestou ter vivenciado
processos mais formativos como
avaliadora nas memrias escritas narrativas e no focus group,
numa lgica de estudo de caso.
Os resultados revelaram um conhecimento profissional sincrtico
de saberes diversos e
experincias diferentes, marcado pela singularidade do percurso
profissional e pessoal de cada
professor avaliador; a importncia da prtica profissional e do
saber experiencial na construo da
profissionalidade docente dos avaliadores; a existncia de um
saber eminentemente experiencial,
ainda pouco praxeolgico; a necessidade e relevncia de conceber e
desenvolver programas de
formao que valorizem a prtica, como centro da ao formativa,
desenvolvidos na escola,
portanto, em contexto laboral, e em trabalho colaborativo, logo,
em comunidades profissionais de
aprendizagem, com lideranas partilhadas e superviso,
propiciadoras de anlise reflexiva e crtica
sobre as prticas, de modo a estimular a construo de saberes
profissionais praxeolgicos, a
autossegurana e autoafirmao docentes.
Palavras-Chave: Avaliao do Desempenho Docente; Desenvolvimento
Profissional; Formao
Contnua Experiencial; Profissionalismo e Profissionalidade
Docentes; Saberes Docentes
[experiencial e praxeolgico].
-
vii
ABSTRACT
The most recent views on the teaching expertise assumes a change
of the epistemological
foundations on which the professional action of the teachers is
based. It is accepted that assessing
teachers plays an active role in building their expertise as
other teachers, but in this case by
constructing specific knowledge about and for their professional
practice, and by defining their way
of being and acting as professionals in the school, but also in
the action of evaluating teachers, by
the teacher performance evaluation. However, there are not many
studies that characterize the
experiential knowledge of the teachers, particularly about
teachers who evaluate others within the
Portuguese educational context.
The main aim of this study was to understand the contribution of
the experiential knowledge in the
construction of assessing teachers, specifically within basic
and secondary portuguese schools, and
to understand how this knowledge becomes praxeological knowledge
about teaching and teacher
performance evaluation. It is about the teacher education area
of expertise, particularly in
professional development of assessing teachers. The main theme
is the professional development of
assessing teachers in three basic and secondary portuguese
schools, in the periods 2007-2009 and
2010-2011. The main target is to understand the way assessing
teachers (also rated teachers)
interpret the teacher performance evaluation process between
pairs, as a learning and professional
development process. The starting point hypothesis is that
evaluating other teachers is a formative,
training and trainer process, in a dual professional
development. It provides better knowledge to
teaching profession, in the specific task of teacher performance
evaluation and in their formative
processes.
The theoretical framework is about professional development (and
teacher professionalism) and the
experiential knowledge, during the teacher performance
evaluation process in a phenomenological
perspective through the biographic method, by using a
semi-structured interview, written narratives
memories, focus group and in-depth interview (Denzin &
Lincoln, 2003). The study follows the
interpretative paradigm, it is qualitative and focusing on
eighteen assessing teachers and their three
directors. The results showed a professional knowledge which
integrates diverse knowledge and
different experiences according to the uniqueness of the
professional and personal career of each
one of the teachers; the importance of the professional practice
and of the experiential knowledge
in the construction of the teaching expertise of the teachers; a
knowledge which is mainly
experiential but not entirely praxeological; the need and the
relevance of designing and developing
education programs which might value practice as the centre of
the education action, in
collaborative contexts that promote a reflexive and critical
work on the practice, in order to
stimulate the construction of praxeological professional
knowledge.
Keywords: teacher performance evaluation process, professional
teaching development, teacher experiential
education, teacher professionalism and professionality, teaching
knowledge [experiential and praxeological].
-
viii
-
ix
INDICE GERAL
AGRADECIMENTOS
iii
RESUMO
v
ABSTRACT
vii
NDICE GERAL
ix
INTRODUO
1
PARTE I
ENQUADRAMENTO TERICO E CONCEPTUAL
5
CAPTULO I PROFISSO DOCENTE 7
1. Conceito(s) em debate 7
1.1. Entraves e dinmicas de construo 9 2. Profissionalismo e
profissionalidade 13
3. Dimenses da profisso docente 24
3.1. tico-deontolgica 24
3.2. Afetiva e emocional 30
3.3. Integradora da teoria-prtica 32
CAPTULO II DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE 40
1. Concees, princpios e dimenses 40
1.1. Impactos e dinmicas de construo 55 2. Conhecimento
profissional dos professores 57 3. Competncia e competncias
profissionais 73 4. Aprendizagens docentes 81 5. Modelos e
paradigmas 85
CAPTULO III FORMAO CONTNUA DOS PROFESSORES 88
1. Conceito(s) em debate 88
2. Modelos e instrumentos 96
3. Formao experiencial 103
3.1. Em contexto laboral 133
3.2. Em trabalho colaborativo 139
3.3. Em comunidades profissionais de aprendizagem 144
3.4. Com lideranas partilhadas e superviso 149
3.5 Riscos e virtualidades 160
4. Dimenses da formao 166
4.1. A prtica reflexiva 168 4.2. A prtica dos afetos e das emoes
170 4.3. A prtica deontolgica e tica 177
CAPTULO IV AVALIAO DO DESEMPENHO DOCENTE 179
1. Conceito(s) e Perspetivas 179
2. Modelos e instrumentos 197
3. Avaliao de desempenho docente em Portugal 203
3. 1. Antes de 2007 203
3.2. O modelo nos ensinos bsico e secundrio 2007-2011 206
3.2.1. Pontos crticos 218
4. Vantagens e desvantagens 228
5. Sugestes de melhoria 230
-
x
PARTE II
ESTUDO EMPRICO
239
CAPTULO V METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DA INVESTIGAO 241
1. Problemtica e objetivos 241
2. Natureza do estudo e opes metodolgicas 241
3. Desenho de investigao e desenvolvimento do processo
investigativo 247
3.1. Etapa exploratria: entrevistas individuais a trs diretores
de escola 250
3.2. Etapas de estudo 252
3.2.1. Memrias escritas narrativas e inqurito por questionrio a
professores avaliadores 252
3.2.2. Focus group com professores avaliadores 260
3.2.3. Estudo de caso de um professor avaliador 261
4. Contextos de estudo 266
5. Conceo, testagem e aplicao dos instrumentos em cada etapa de
recolha 267
5.1. Entrevistas semiestruturadas individuais a trs diretores de
escola 268
5.2. Memrias escritas narrativas e inqurito por questionrio a
porofessores avaliadores 271
5.3. Focus group com professores avaliadores 278
5.4. A entrevista semiestruturada em profundidade a uma
avaliadora caso 288
6. Consistncia, credibilidade e validade dos procedimentos de
recolha e anlise 295
7. Etapas e procedimentos da investigao 298
8. Procedimentos de anlise de dados 300
8.1. Organizao e codificao dos dados 306
8.2. Categorizao dos dados 308
9. Constrangimentos na investigao e suas implicaes 309
CAPTULO VI O OLHAR DOS PARTICIPANTES SOBRE A AVALIAO COMO
PROCESSO
FORMATIVO
310
1. O ponto de vista de trs diretores de escola 310
2. O ponto de vista de dezoito professores avaliadores 331
3. O ponto de vista de cinco professoras avaliadoras em conjunto
345
4. O caso da uma professora avaliadora 367
5. Discusso e interpretao 379 6. Esboo de um referencial
formativo 389 7. Limitaes deste estudo e recomendaes 392
CONCLUSO
395
REFERNCIAS
BIBLIOGRFICAS
397
LEGISLAO
CITADA 439
NDICE DE
QUADROS E
GRFICOS
443
-
1
INTRODUO
A formao e a avaliao dos professores tm sido duas temticas que,
por razes diversas,
permanecem na ordem do dia, neste incio do sculo XXI. A questo
da avaliao de desempenho
docente nas escolas bsicas e secundrias surgiu em Portugal num
contexto de grande turbulncia,
pese embora a evoluo para um perodo de maior acalmia e integrao
no quotidiano da vida
escolar. Apesar das circunstncias e, sabendo-se que a formao est
intimamente associada ao
conceito de desenvolvimento profissional e a avaliao de
desempenho aos processos de regulao
e certificao da carreira, no presente trabalho visamos encontrar
pontos de contacto entre a
avaliao, a formao e o desenvolvimento profissional.
A evoluo da sociedade contempornea revela outras e diversas
exigncias a que urge dar
resposta. As polticas educativas e a identidade profissional e o
desenvolvimento profissional
docente, como a investigao educacional e as prticas educativas
plasmam novos contornos que
clamam pela mudana e melhoria contextualizadas.
O objeto de estudo deste trabalho versa a problemtica da formao
de professores, em particular
no campo da avaliao do desempenho docente, especificamente no
desempenho da funo de
professor avaliador, com foco nas aprendizagens dos professores
avaliadores e nos seus saberes
experienciais.
Partindo do princpio que os objetivos da avaliao se triangulam
para orientar, regular e certificar,
o modelo de avaliao portugus do ensino pblico, no ensino bsico e
secundrio, de 2007-2011,
tomado como referente de estudo. O maior desafio foi ter-se
caracterizado por uma enorme
contestao inicial, no primeiro binio, e ter evoludo para a
pacificao, no segundo, pela
familiaridade com o processo e as rotinas que se foram
instalando. A caracterstica que marcou a
sua distino foi ter sido uma avaliao entre pares, indita em
Portugal, votada ao sigilo e
confidencialidade, sendo uma funo de carter obrigatrio.
Nesta investigao, destacam-se conceitos tericos chave como a
identidade e o desenvolvimento
profissionais, que resultam e se retroalimentam da
profissionalidade (Estrela, 2003, 2010;
Monteiro, 2005, 2008; Faucher, 2010) e do profissionalismo
docentes (Whitty, 2008; Evetts, 2009;
Estrela, 2010). Fundamentais tambm so os conceitos de cultura de
avaliao (Almelsvoot, Manzi,
Matthews, Roseveare & Santiago, 2009; Tardif & Faucher,
2010; Graa, Duarte, Lagartixa,
Tching, Toms, Almeida, Diogo, Vieira & Moreira, 2011; Dubois
& Tardif, 2011; Machado, 2013;
Costa & Alves, 2013) e da formao contnua (Thurler, 2008;
Oliveira - Formosinho, 2009;
Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2010) na medida em que se
influem mutuamente,
interligando-se aos primeiros. Todos postulando a relao entre a
avaliao ou a cultura de
avaliao com o desenvolvimento profissional e/ou com a
formao.
O interesse principal desta investigao conhecer se a experincia
do desempenho da funo de
professor avaliador dos seus pares pode ser formativa,
compreender em que que pode ser
-
2
formativa, perceber como pode o desempenho dessa funo contribuir
para o desenvolvimento
profissional do professor avaliador, e propor um esboo de um
modelo de formao a partir do
modo como se forma um professor avaliador. Pretende-se
evidenciar as perspetivas dos professores
avaliadores, face hiptese de a avaliao do desempenho docente ser
uma oportunidade de
desenvolvimento profissional.
Neste sentido, foram selecionadas trs escolas secundrias
pertencentes ao mesmo centro de
formao, em Lisboa, em territrios contguos, com caractersticas
diferentes, mas prximas,
concentrando-nos na auscultao dos professores avaliadores e
respetivos diretores sobre as suas
perspetivas acerca da avaliao do desempenho docente, em termos
de contextos laborais, formas e
prticas de trabalho, relaes interpessoais e profissionais,
experincias formativas, modos de
aprendizagem, gesto de sentimentos, valores, competncias e
capacidades essenciais ao
desempenho do avaliador e ncleos formativos organizadores da
mudana.
Metodologicamente, optou-se pelo quadro das metodologias
qualitativas (Bogdan & Biklen, 1994;
Denzin & Lincoln, 1998; Tuckman, 2000), no paradigma
interpretativo fenomenolgico
(Heidegger, 1989, 1991, 2001; Sartre, 1948, 2005) numa abordagem
descritiva (Ashworth, 2003;
Denzin & Lincoln, 2003) e interpretativa (Finlay &
Evans, 2009; Guerra, 2006).
O desenho de investigao foi concebido como processo em espiral,
centrado na epistemologia da
prtica (Tardif, 2002), focado no problema (Flick, 2002),
estudado pelo processo indutivo
(Tuckman, 2000), numa abordagem biogrfico-narrativa (Bolvar,
1996; Munby, Russel & Martin,
2001; Pineau, 2006).
O desenho de investigao contempla o recurso a quatro fases de
investigao: entrevistas
semiestruturadas de carter exploratrio a diretores de escola, ao
inqurito por questionrio com
recolha de memrias escritas narrativas a professores, a um focus
group com professoras
avaliadoras e um estudo de caso de uma professora avaliadora,
com recolha de dados atravs de
uma entrevista semiestruturada individual em profundidade.
A estrutura desta tese apresenta na Parte I, o Enquadramento
Terico e, na Parte II, o Estudo
Emprico, das quais releva a Concluso.
A Parte I organiza-se em quatro captulos. No captulo I, dedicado
profisso docente, clarificam-
se conceitos de profisso, profissionalismo e profissionalidade
docentes, tendo em conta as
dimenses tico-deontolgica, afetiva e emocional e de integrao da
teoria e da prtica.
No captulo II, sobre o desenvolvimento profissional do
professor, faz-se uma sntese das suas
concees, princpios e dimenses. Equaciona-se a relevncia e o
papel do conhecimento
profissional dos professores, refletindo sobre o conceito de
competncia e o relevo das suas
competncias profissionais. O enfoque primordial incide nas
aprendizagens docentes e na
importncia dos modelos e paradigmas do desenvolvimento
profissional dos professores.
No captulo III, dedicado formao profissional contnua dos
professores, destacam-se os
modelos de formao de professores, reconhecendo a formao
experiencial, centrada no contexto
-
3
laboral, e a escola, como comunidade de aprendizagem, sustentada
no trabalho cooperativo, com
lideranas partilhadas. Apontam-se riscos e virtualidades, assim
como as suas dimenses
essenciais, ao longo da vida, que acarretam dimenses do foro da
prtica experiencial, integradora
da teoria e da prtica.
No captulo IV, dedicado avaliao de desempenho docente,
consideram-se conceitos e
perspetivas, modelos, procedimentos e instrumentos de avaliao. A
avaliao de desempenho
docente em Portugal, especificamente o modelo aplicado nos
estabelecimentos do ensino pblico
nos ensinos bsico e secundrio entre 2007 e 2011. A partir da
reviso da literatura e da anlise dos
documentos reguladores, feita uma reflexo crtica sobre o
modelo.
A Parte II apresenta dois captulos.
No Captulo V so apresentados a problemtica e os objetivos de
investigao e seguidamente so
clarificadas a natureza epistemolgica do estudo e as opes
metodolgicas. Apresenta-se tambm
o desenho de investigao e o desenvolvimento do processo
investigativo em quatro etapas de
investigao, os contextos de estudo, a conceo, testagem e aplicao
dos instrumentos em cada
etapa de recolha, os procedimentos de recolha e de anlise de
dados, bem como a sua organizao,
codificao e categorizao, apontando constrangimentos na
investigao e suas implicaes.
No captulo VI so apresentados os resultados da anlise de dados
relativos s percees dos
diversos participantes no estudo sobre o processo de avaliao de
desempenho entre pares,
enquanto processo formativo. Inicialmente fez-se a abordagem
inicial, junto dos diretores das
escolas, que constituiu um estudo exploratrio e preparatrio das
etapas seguintes. Seguiu-se a
aplicao de um inqurito por questionrio com solicitao de memrias
escritas narrativas, ao
conjunto dos 90 professores das trs escolas do mesmo centro de
formao, com um retorno de
20%. Este questionrio visou essencialmente a recolha de
narrativas dos professores avaliadores
sobre o processo vivenciado de avaliao entre pares. Seguiu-se o
estudo em profundidade atravs
de uma entrevista focus group preparada a partir da anlise dos
dados das memrias escritas
narrativas, recolhida atravs na etapa anterior. Esta etapa
conduziu realizao da etapa final do
estudo, com a realizao de um estudo de caso de uma professora
avaliadora considerada como a
participante que evidenciou maior conscincia do papel formativo
dos processos de avaliao de
desempenho entre pares.
A Concluso advem do cruzamento dos resultados dos pontos de
vista de trs diretores de escola,
de dezoito professores avaliadores, de cinco professoras
avaliadoras em conjunto e de uma
professora avaliadora caso, aps se ter discutido e interpretado
os dados, propondo-se, luz das
perspetivas tericas de referncia, um esboo de um referencial
formativo, elucidando ainda sobre
as limitaes deste estudo e fazendo algumas recomendaes.
Os anexos (trinta e oito no total) apresentam documentos
complementares ao estudo e procuram
esclarecer sobre procedimentos especficos, para alm de
comprovarem a factualidade e veracidade
das fases de recolha e dos dados obtidos, bem como o processo de
tratamento e anlise e
-
4
informao.
O presente trabalho de investigao est redigido ao abrigo e em
conformidade com o Acordo
Ortogrfico em vigor na ordem jurdica interna portuguesa,
aplicvel no sistema educativo
portugus, desde o ano letivo de 2011-2012, por fora da Resoluo
do Conselho de Ministros n
8/2011, publicada no DR, II Srie, n 17, de 25 de janeiro de
2011, exceto no que concerne s
citaes e dados recolhidos, nas quais se respeita a redao
escolhida pelos respetivos autores e o
texto produzido antes de janeiro 2011. Optou-se ainda por
traduzir todas as citaes de originais em
lngua estrangeira, assumindo-se a responsabilidade da
traduo.
-
5
PARTE I
ENQUADRAMENTO
TERICO E CONCEPTUAL
-
6
-
7
CAPTULO I A PROFISSO DOCENTE
1. Conceito(s) em debate
A diversidade de perspetivas quanto ao conceito de Profisso
Docente merece ser discutida. O
estatuto da profisso docente (para uns, profisso, para outros,
semi profisso e, para outros ainda,
em vias de o ser) eleva o debate com argumentos pertinentes,
merecedores de reflexo. No caso do
Ensino, a polmica e controvrsia (Etzioni, 1969; Day, 2001;
Gewirtz, Mahony, Hextall & Cribb,
2009; Evetts, 2009; Goodwin, 2012) geram riqueza reflexiva.
Na perspetiva clssica ou sociolgica, uma profisso exige
conhecimentos-base especializados
(cultura tcnica), formao especfica duradoura, compromisso com as
necessidades dos clientes
(tica de servio), controlo colegial (no burocrtico nem externo)
da formao e do recrutamento
dos seus membros (autorregulao) (Goodson, 1996), alm do controlo
colegial sobre prticas e
padres profissionais (autonomia profissional) e de uma forte
identidade coletiva (compromisso
profissional) (Larson, 1977; Talbert & McLaughlin, 1996). A
questo, na rea educacional, que a
investigao tem analisado o Ensino de acordo com uma viso
normativa do que significa ser um
profissional (Whitty, 2000, p. 282) face s profisses clssicas
ligadas Medicina e ao Direito.
Mas o Ensino foge aos critrios de profisso, nesse sentido
tradicional, pelas suas caractersticas
intrnsecas (e historicamente construdas), sendo, por isso,
designado de semi profisso (Etzioni,
1969; Gimeno, 1991). Na perspetiva de Goodson (1996), este
debate sobre se o Ensino uma
profisso ou no deve ser entendido luz das chamadas profisses do
cuidado, como o Servio
Social e a Enfermagem, com base na desconsiderao, pela viso mais
convencional ou clssica,
das caractersticas intrnsecas e peculiares do ser profissional
do Ensino, referindo-se s
dimenses pessoal, moral, emocional e social. Assim, a
versatilidade da profisso docente
permite consider-la uma semiprofisso (Domingo, 2003, p.34),
marcada pela proletarizao
nos anos 80 (Domingo, 2003, p.17), de que so exemplos a
progressiva perda de autonomia e o
aumento do controlo interno (Garca, 2001). Mas, segundo Crowe
(2008), ensinar ainda no uma
profisso (ibidem, p.989), pela ausncia interna de coeso, fraco
conhecimento de base cientfico e
grande diversidade de modelos de formao, reconhecidos e
legitimados pelas entidades
reguladoras (inclusive universidades). Tambm j Etzioni (1969)
apontava para ocupaes que, no
sendo verdadeiras profisses, se situam da ocupao semiprofisso at
profisso. Logo,
sendo uma ocupao social detentora de profissionalidade, o Ensino
estaria incompleto como
profisso. Por isso, no seu entender, seria uma semi profisso,
por implicar uma formao curta,
baixo ndice de status, especializao branda no campo de
conhecimentos e autonomia vulnervel,
luz dos critrios normativos das profisses liberais.
Segundo Nvoa (1992), a profisso docente de cariz funcionrio ou
burocrtico assenta em duas
dimenses: um corpo de saberes (conjunto de conhecimentos e
tcnicas especficas da profisso
-
8
docente), sujeito a um processo permanente de reelaborao; e um
conjunto de normas e valores,
orientadores da atividade profissional do professor. Deste ponto
de vista, tradicionalmente, os
professores reclamavam ser profissionais porque a formao lhes
facultaria o domnio do
conhecimento especializado da disciplina, da pedagogia, dos
alunos e de um certo grau de
autonomia (tomada de decises na sala de aula) (Day, 2001). O
modelo comportamentalista e a
conceo de conhecimento, construdos na exterioridade e na
extraterritorialidade (Matos, 2003),
apontam para uma conceo de ensino instrutivo, defendendo um s
conhecimento vlido. Os
professores eram veculos de conhecimentos, saberes e valores
socialmente aceites, que os alunos
recebiam. Esta prtica ritual, independente dos contextos e da
invarincia das referncias tericas
e epistemolgicas da ao e uma expresso comportamental comum
(Matos, 2003, p.7), teve
consequncias nefastas na identidade profissional dos
professores.
Imbernn (1994) contesta essa perspetiva clssica, cuja viso
determinista foi substituda por uma
tica mais dinmica e multidimensional, capaz de compreender
profundamente a cultura
profissional de uma dada ocupao. Na mesma senda, Power (2008) e
Whitty (2008) advogam que
as profisses se tm desenvolvido de diferentes modos, ao longo
dos tempos, com implicaes ao
nvel da (re) definio do seu profissionalismo. A evoluo dos
tempos foi, de facto, permitindo
compreender que as profisses so dinmicas. Evoluem com ritmos e
direes diferentes,
expressando-se diversamente, segundo os contextos locais e
nacionais (Rodrigues, 1997; Garca,
2001). Logo, o processo de construo de uma profisso revela-se
dialtico: os dilemas, a falta de
estabilidade e a divergncia se tornam aspetos integrantes da
profisso (Hayon cit. por Esteves,
2002, p.57). Este novo paradigma nega os ideais-tipos
anteriores, baseados num conjunto de
caractersticas bem definidas e estveis, em que o estatuto de
profisso era atribudo atividade
docente, desde que os professores possussem: uma base de
conhecimentos sistematizados;
autonomia no exerccio da sua atividade; a vocao (ensinar era uma
arte e podia-se prescindir de
conhecimentos especializados para a exercer); um grupo
profissional organizado, capaz de gerir o
acesso e o exerccio da profisso; o desempenho de um servio para
clientes (alunos, comunidade,
ministrio da educao); e um cdigo deontolgico, com valores,
normas e tica, espcie de guias
da prtica profissional (Day, 1999; Ldke & Boing, 2004).
Segundo Tardif e Lessard (2005), profisso implica um grupo de
indivduos que a desenvolve,
executa com algum grau de autonomia as suas atividades, com os
conhecimentos necessrios sua
concretizao e algum controlo no seu campo de trabalho, incluindo
o do acesso profisso,
atravs de um processo formativo. A profissionalizao refere-se
formao profissional e a
melhores condies objetivas de trabalho, que respeitem as prticas
pedaggicas, construdas ao
longo da experincia profissional docente (Veiga, Arajo &
Kapuziniak, 2005). O termo
profissionalizao integra assim dois sentidos (Hoyle, 1985): a
melhoria das competncias -
racionalizao dos saberes profissionais; e a elevao do estatuto
social da profisso, a partir de
estratgias coletivas. Mas Garca (2001) advoga que se relaciona
muito mais com a sua forma de
-
9
organizao, normas externas e decises polticas, que a determinam
ou constrangem. A atividade
docente, entendida como uma construo social num determinado
contexto social e histrico,
uma profisso (Hoyle, 1985; Popkewitz, 1992; Darling-Hammond
& McLaugghlin, 1999; Evans,
2007), abrindo-se assim a mltiplas perspetivas para definir o
que uma profisso, na tica da
sociologia das profisses (Rodrigues, 1997). A verdadeira
substncia do profissionalismo (o que
e como constitudo) est por esclarecer em Educao (Evans, 2007).
Neste estudo, entende-se que
a profisso docente uma construo a partir da sabedoria prtica,
decorrente de vrias fontes
de socializao, intersetando a biografia pessoal e a vida
profissional experienciada pelo professor
(Estrela & Caetano, 2010).
1.1. Entraves e Dinmicas de Construo
Muitos so ainda os entraves ao reconhecimento unnime do estatuto
de profisso. A mudana de
mentalidades demora e a tradio arrasta-se em hbitos e
perspetivas. A racionalizao e a
aplicao de mtodos cientficos, especialmente entre os anos 50-70
do sculo XX, subestimaram o
professor, confinando-o sala de aula e a materiais concebidos
exteriormente, reduzindo-o
conceo de especialista na reproduo de conhecimento, desprovido
da produo de saberes
sobre/para a sua prtica profissional ou de decises sobre a sua
formao.
A crise econmica da dcada de 80 trouxe desconfianas e crticas ao
saber tradicional docente
(contestado, desvalorizado e desautorizado). Os agentes
econmicos e polticos duvidaram dos
saberes da escola, em geral, e dos professores, em particular,
pouco teis no mercado de trabalho
(Matos, 2003; Tardif, 2002), na endmica dcalage entre a inrcia
da escola e a dinmica da vida
(Matos, 2003, p.10). A escola aproximou-se ento de um espao de
consumo, em que o professor
fornecia conhecimentos adequados s exigncias do mercado de
trabalho competitivo. Os conflitos
e contradies na identidade profissional dos professores sofreram
transformaes face histria
das sociedades, que marcam e so marcadas nas estruturas formais
do sistema e das polticas
educativas ( o caso da massificao escolar e, mais recentemente,
da escolaridade obrigatria at
ao 12 ano). A crise da identidade profissional docente
associa-se transformao da funo da
escola, que incorporou saberes escolares nas competncias do
trabalho, em prol do
desenvolvimento econmico de pases e dos indivduos.
A evoluo social da profisso docente, desde os anos 50-70 at
atualidade, coincide com a
democratizao crescente nos pases desenvolvidos, nomeadamente os
Estados Unidos da Amrica,
em particular no que respeita emergncia do conhecimento
cientfico sobre a atividade docente e
a sua aplicao formao, supremacia do saber acadmico, etc. Nos
anos 80-90, destacam-se as
questes de autonomia do professor e da escola e o saber prtico
em articulao com o saber
terico, d-se nfase ao controlo-avaliao e intensificao do
trabalho docente. E, a partir dos
anos 90, a reconfigurao da profisso docente resulta de duas
convergncias sociopolticas: (a)
-
10
maior descentralizao, com alguma autonomia para a escola, e (2)
maior autonomia do professor.
Simultaneamente, ampliam-se as exigncias do trabalho docente que
ultrapassam a sala de aula
para integrar atividades profissionais colaborativas com pares
profissionais e parceiros exteriores
escola (pais, associaes, empresas, etc.), em rgos da escola ou
fora dela (Marcelo, 2009).
Entre os vrios constrangimentos profissionalizao da profisso
docente destacam-se dois
aspetos estruturais e profissionais. Raymond e Lenoir (1998)
evocam aspetos estruturais, quando o
professor olhado apenas como executante, dependente dos sistemas
educativos do Estado, na
organizao, com atribuio de recursos financeiros e definio de
polticas educativas (oferta
formativa, poltica formativa, certificao, recrutamento e definio
dos saberes a ensinar). A
profisso docente entendida como uma atividade sustentada na sua
especialidade, difcil de
dominar e de controlo externo, pelos clientes/alunos e pelo
Estado (Bourdoncle, 1994). A
burocracia, as hierarquias e a distncia entre deciso-ao limitam
o poder real docente, em
contextos laborais. Mas Raymond e Lenoir (1998) referem tambm
aspetos profissionais,
nomeadamente o paradoxo vivido pelo professor (Goodson, 2008),
entendido como um quase-
funcionrio ou pseudoprofissional (Raymond & Lenoir, 1998;
Goodson, 2008), quando se
debate entre o desejo de profissionalizao e a reivindicao de
melhores padres profissionais.
Acresce a fraca reivindicao pela profissionalizao, mais gritante
no meio acadmico (Tardif,
Lessard & Gauthier, 1998) do que na voz dos prprios
docentes, que no produzem discurso sobre
a profisso nem sobre o seu profissionalismo, apesar de existirem
excees, como os sindicatos,
associaes de professores e alguns docentes investigadores. o seu
silncio a mais eloquente das
reaes a toda esta agitao de outros grupos e instncias em torno
da sua profissionalizao
(Raymond & Lenoir, 1998, p.63).
Junta-se-lhe ainda a falta de muitas condies para que os
docentes, em Portugal, produzam teoria
(sobrecarga horria, excessivo nmero de alunos, falta de
concursos para bolsas e de concesso de
licenas sabticas so apenas algumas delas). Atualmente, a velha
ideia de que as relaes entre
universidades e escolas podem ser limitaes profissionalizao
docente enfraquece face ao
nmero crescente de investigaes acadmicas sobre os saberes dos
professores e o
desenvolvimento de projetos de investigao-ao em parceria, entre
professores e investigadores
acadmicos, que impelem a uma crescente conscincia de que o
professor pode ser, ele prprio,
teorizador de conhecimento, a partir da sua prtica
experienciada, e construir um saber
praxeolgico.
Hargreaves (1989) aponta quatro processos de profissionalizao
dos professores segundo as eras:
pr-profissional; de autonomia profissional; de profissionalidade
colegial; e ps-profissional ou
ps-moderna. Hargreaves (1998) sugere o incio da era
ps-profissional ou ps-moderna na
profissionalizao docente, marcada pela oposio de foras, de que
resulta a necessidade de uma
redefinio do profissionalismo docente e da aprendizagem
profissional, recetiva a grupos
exteriores, diretamente ligados ao ensino, assente em princpios
de uma via ps-moderna de
-
11
natureza mais flexvel, diversificada e inclusiva (Hargreaves,
1998, p.153).
Os professores experimentam uma intensificao crescente do
trabalho docente, em contextos de
grande complexidade (Correia & Matos, 2001; Sanches, 2004).
Facto que, segundo Hargreaves
(1998), pressupe um movimento social de pessoas, professores e
instituies que trabalhem
conjunta e empenhadamente, nesse sentido. O profissionalismo
exige a abertura da classe docente
ao exterior, tornando-se acessvel e vulnervel ao pblico
(Hargreaves, 1998, p.176).
O desafio para a reconstruo e redefinio do trabalho dos
professores o de desenvolver
estruturas e processos que sejam mais flexveis e que tenham
melhor poder de resposta, capazes de
lidar eficaz e refletidamente com as presses da sobrecarga, da
inovao mltipla e da mudana
acelerada. (Hargreaves, 1998, p.95)
Goodson (2008) toma-o como referncia e alude ao profissionalismo
ps-moderno, enquanto
profissionalismo de princpios, sustentado em princpios morais e
ticos do trabalho do professor.
Com abertura para a discusso dos propsitos sociais e morais e do
valor do que se ensina;
acrscimo de responsabilidades e oportunidades de exerccio de
juzos livres de condies, em
reas que afetam os alunos; num trabalho de cooperao entre
professores, em culturas de
colaborao; atravs de um trabalho com autoridade e de forma
colaborativa e aberta, com todos os
que desempenham um papel importante na aprendizagem dos alunos
(comunidade); com empenho
no cuidado ativo, valorizando as dimenses emocionais do ensino;
implicao numa aprendizagem
contnua; e criao e reconhecimento da elevada complexidade das
tarefas.
A profissionalizao docente pressupe uma atividade que define,
ela prpria, as suas condies de
exerccio, controla o recrutamento e a formao dos seus membros,
controla o seu trabalho, com a
ajuda de um cdigo e de um conselho de tica profissional. Por
isso, complexa e ambgua
(Perrenoud, 1993; Hargreaves, 2000; Day, Flores & Viana,
2007; Goodson, 2008; Nvoa, 2008).
Sachs (2003) identifica duas formas antitticas de identidade
profissional, a empresarial e a ativista.
A empresarial, associa-se a professores eficientes e
responsveis, responsabilizveis e obedientes
aos imperativos polticos impostos (exteriores), com um ensino de
qualidade, avaliado mediante
um conjunto de indicadores de competncia, definido externamente,
cuja identidade
individualista, competitiva, controladora e reguladora,
orientada por e para padres de desempenho.
A ativista, mais interventiva na melhoria das condies de
aprendizagem dos alunos, cria e
desenvolve padres e processos de ensino possibilitadores de
experincias democrticas. Orientada
para a investigao, salas de aula colaborativas e um ensino
ligado a amplos valores e ideais da
sociedade, sugere escolas cujos objetivos de ensino-aprendizagem
se elevam sobre quaisquer
reformas educativas.
Crowe (2008) sugere que s a criao de formas de agir conjuntas,
criando e consolidando um
consenso sobre prticas de trabalho e de formao, poder resolver
esta questo, porque o
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12
profissionalismo docente um conceito socialmente construdo (Day,
Flores & Viana, 2007;
Evans, 2007) e os professores so a chave para a sua definio,
aceitao ou resistncia, solicitando
ou rejeitando autonomias. At porque a docncia constri-se
diacronicamente, como em todas as
profisses, assumindo diferentes caractersticas, no tempo e no
espao. Portanto, a universalidade e
a intemporalidade no a definem (Esteves, 2002, p.72). Mas,
segundo Flores (2014), a
profissionalizao um estatuto. Associa-se ao projeto poltico,
social ou individual, atravs do
qual uma dada ocupao procura reconhecimento como profisso ou um
indivduo como
profissional. O profissionalismo relaciona-se com a natureza e
qualidade do trabalho dos
professores (Sockett, 1993; Imbernn, 1994; Goodson, 1996;
Carlgren, 1999; Hargreaves, 2001).
Ser um profissional e comportar-se profissionalmente pressupem
estatuto e reconhecimento
pblicos, alm de aspetos associados tica de servio e dedicao
(Helsby, 1995).
Ao discutir a dcalage entre os discursos sobre professores,
tenses e dilemas da profisso docente,
Nvoa (2013) sublinha a necessidade de construir a profisso
docente a partir de dentro e destaca
o conhecimento profissional pelo exerccio da reflexo sobre a
atividade, a experincia pedaggica
e o enfoque nas prticas colaborativas, como modos de organizao
da profisso. Assim, parece
fundamental alargar o mbito de anlise do profissionalismo
docente, questionando e a
desmistificando tenses, contradies e paradoxos da profisso
docente (Flores, 2011),
consequentes nas identidades profissionais dos professores.
Nesta perspetiva, Sachs (2012)
convoca ao, considerando o desenvolvimento da profisso docente
em torno de quatro aspetos
fundamentais: a confiana; a autonomia e definio de padres; a
liberdade no juzo e tomada de
decises; e o investimento no desenvolvimento profissional
contnuo. Caracteriza o trabalho
docente como exigente, intelectual, emocional e politicamente.
Por isso, aposta numa tica de
profisso docente autorrepresentativa, sustentada num conjunto de
valores e num conhecimento de
base, num quadro de confiana, valorizao e respeito.
a participao e a agncia dos professores e os seus propsitos
morais assumem uma importncia
vital, pois o modo como entendem os seus papis e as suas tarefas
e a natureza do prprio ensino
nos contextos em que trabalham o seu profissionalismo vital para
o sucesso da mudana e para
a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem nas escolas.
(Flores, 2011, p.182)
A formao, o desenvolvimento de competncias, os saberes e os
conhecimentos so essenciais
quando representam a profissionalizao. Mas essas necessidades
podem converter-se num
elemento desprofissionalizante, quando esse aumento de saberes
no acompanhado pela
melhoria das condies de trabalho, criao de espaos e tempos
orientados para a construo da
identidade profissional, inerente natureza democrtica do
trabalho docente.
Em suma, o conceito de Profisso Docente tem permanecido
sistematicamente em debate e
reflexo, num processo de construo e reconstruo, face
contextualizao histrica, cultural e
-
13
poltica, de acordo com diferentes interpretaes e anlises,
condicionado por vises polticas,
profissionais e institucionais diversas (Day, Flores &
Viana, 2007).
A viso burocrtica do currculo (Zabalza, 1991, p.62-64),
concebido como um projecto
formulado, de forma abstracta para alunos, professores e
contextos mdios (Pacheco, 1996,
p.249), luta por manter a igualdade de tratamentos uniformes
para pblicos diversos mais no
tem feito que acentuar perigosa e injustamente as mais graves
assimetrias sociais. (Roldo, 1999,
p.50). Mas o exerccio da docncia, sujeito resignao, inrcia,
complacncia relativamente a
todas as normas, ao consenso forado, submisso, abrindo caminho
ao queixume, ao
ressentimento, inveja. (Roldo, 1999, p.74), est ciente da
urgncia em olhar a escola para alm
da burocracia.
Face s diferentes concees de docncia (a missionria, a militante,
a laboral, a funcionria e a
profissional), o discurso normativo do superdocente sai de moda,
impondo-se uma emergente
necessidade de especializao, para que a escola de massas cumpra
as suas diferentes funes, sem
responsabilizar insolitamente cada professor pelos encargos
institucionais que chamado a
desempenhar.
2. Profissionalismo e profissionalidade
Para Ramalho, Nez e Gauthier (2003), a profissionalizao tem dois
aspetos, que constituem
uma unidade: um interno, a profissionalidade, e um externo, o
profissionalismo. Assim, a
profissionalizao estrutura-se em torno dessas duas dimenses
nucleares, na construo das
identidades profissionais, num processo dialtico de construo da
identidade e do
desenvolvimento profissionais, em articulao. Segundo Ramalho,
Nez e Gauthier (2003), o
profissionalismo expresso da dimenso tica dos valores e normas,
das relaes, no grupo
profissional, com outros grupos. Exige qualificao, competncia e
poder, nomeadamente,
autonomia face sociedade, poder poltico, comunidade e
empregadores; jurisdio face a outros
grupos profissionais; poder e autoridade perante o pblico e
outras profisses ou grupos
ocupacionais. uma construo social, na qual se situa a moral
coletiva, o dever ser e o
compromisso com os fins da Educao como servio pblico e para o
pblico (sem discriminao)
e com o pblico (com participao).
A evoluo histrica do conceito de profissionalismo docente
(Robertson, 1996; Hargreaves &
Goodson, 1996) aponta para diferentes concees, nem fixas nem
exclusivas. Certo que o
profissionalismo concorda inevitavelmente com um contexto social
e histrico, porque o seu
reconhecimento mediado pela ideologia dominante, num tempo e num
espao, implicando
negociaes para o reconhecimento de qualidades especficas,
complexas e difceis da profisso
docente, pela sociedade (monoplio do exerccio de atividades e
grau de prestgio). Um dos seus
traos principais que a profisso docente precisa ser aprendida e
uma constante aprendizagem,
-
14
ao longo do percurso formativo. O professor aprende e
desenvolve-se durante a carreira, em
constante vir a ser, de modos distintos. E h mecanismos ou
caminhos para a consecuo desse
processo (Isaia, 2005), o que requer uma constante busca da
aprendizagem das funes que o
professor chamado a desempenhar, uma produo particular e
individual, mas tambm
interpessoal, implicando a partilha de conhecimentos, saberes e
fazeres, para a melhoria das suas
prticas.
Ramalho, Nez e Gauthier (2003) defendem que o profissionalismo
se associa ao modo de se
viver a profisso, s relaes no grupo profissional e formas de se
desenvolver a atividade
profissional. E manifesta-se na autonomia que o profissional
possui (salientam-se categorias como
a remunerao, estatuto social, autonomia intelectual, servios,
compromisso/obrigao, vocao,
tica, crtica social, democracia e coletividade, entre outras).
Contudo, se por um lado a autonomia
dos professores e da escola se torna incompatvel com o conceito
de docente como funcionrio
pblico, por outro, os consensos escasseiam. As contestaes so
multidirecionais (de pais, alunos,
professores, media, governo e sociedade, em geral). A docncia
faz-se e vive-se num processo de
contradies e/ou complementaridades: exige-se ao professor
ensinar todos, mas diferenciar cada
um; promover o desenvolvimento pessoal e social (formativo), mas
ser avaliador (sumativo);
proporcionar o desenvolvimento pessoal e a autonomia, mas
cumprir totalmente os programas
ministeriais; ser simptico, mas disciplinador, tudo sem
gratificao compatvel, nem social nem
financeira.
A docncia exercida face a inmeras exigncias, pelo menos a seis
nveis: (1) na participao na
organizao (direo, coordenao e grupos disciplinares); (2) na
avaliao dos pares (avaliao do
desempenho docente); (3) em atividades no letivas, desenvolvidas
entre pares ou em grupo
(programao, gesto de programas, seleo de atividades e organizao
de tarefas
extracurriculares como visitas de estudo, organizao de exposies
ou encenao de peas de
teatro, etc.., alm de aulas de substituio); (4) tarefas
individuais (correo e avaliao de
trabalhos, receo de encarregados de educao, funes de direo de
turma ou de coordenao de
projetos e/ou liderana de grupos de trabalho); (5) na relao com
as famlias; (6) na interao com
todos os elementos da comunidade educativa (que trabalham dentro
da escola ou fora dela). Face a
este enquadramento, Rodrigues e Malheiro (2004) questionam a
imagem do professor como mero
executor das orientaes da poltica educativa e instrumento de
transmisso de conhecimentos ou
saberes, desprovido da tarefa de produzir conhecimento acerca da
realidade sobre a qual trabalha.
A prtica pedaggica dos professores realiza-se face a
compromissos com determinados valores
pedaggicos.
O saber uma construo que no pode prescindir da participao dos
aprendentes, sendo que essa
participao, supondo iniciativa prpria, supe, igualmente, a sua
construo por parte de quem
ensina (Matos, 2003, p.8)
-
15
Se a democratizao do ensino arrastou novos e mltiplos desafios
ao profissionalismo docente,
paralelamente, provocou a perda de prestgio, a redefinio de
conceitos (como o de autoridade),
novas competncias e papis, com uma excessiva quantidade e
diversidade de tarefas,
conhecimentos e competncias. A complexidade e a exigncia
obrigaram reconfigurao do
conceito, virado para o futuro, mais especializado e,
simultaneamente, mais polivalente,
reconstruindo o prprio conceito de Educao. O professor agora
produtor de saber(es)-fazer(es)
que, compartilhados inter e subjetivamente, no seu espao de
atuao, obrigam a um trabalho
coletivo e significativo, num processo de formao e de
autoformao. A participao docente em
processos nos quais o professor includo como sujeito aprendente,
produtor de saberes, culturas,
teorias e prticas, vivenciadas no espaos e tempos de atuao
docente, tornam-se fundamentais e
geradores de auto, htero e inter formao (Garca, 1999): partilhar
conhecimentos, saberes
docentes, discutir e estudar conjuntamente em diferentes espaos
de formao, estimulando a
aquisio e construo de novos saberes, na sua interao. Mas o
profissionalismo docente implica
uma formao profissional (inicial e contnua e, por vezes at,
especializada) e um
desenvolvimento profissional, num processo continuado,
sistemtico, organizado e autorreflexivo.
Esse desenvolvimento combina vrios formatos de aprendizagem, que
contribuem para o modo
como os professores gerem o conhecimento prtico e estratgico,
tornando-se capazes de aprender
com a sua experincia (Garca, 1999).
Diferentes concees de profissionalismo docente permanecem
ativas, persistentes e no estanques.
A reflexo sobre a perspetiva histrica do conceito de
profissionalismo permite um sistema de
quatro categorias coexistentes (Hargreaves & Goodson,
1996):
i. O Profissionalismo Clssico aponta para uma alta qualificao
profissional, com
reconhecimento e prestgio pblicos e um estatuto profissional.
Refora o conhecimento
especializado, baseado em certezas cientficas, na cultura
tcnica, com rgos reguladores na
rea tico-profissional, apoiando-se na autorregulao, controlando
formas de ingresso na
carreira e polticas de formao, sobre tica e padres, para o
exerccio prtico da profisso. A
relao com a comunidade formal, distante e submissa ao
conhecimento tcnico-profissional.
ii. O Profissionalismo de Trabalho Flexvel redefine aspetos
tcnicos como estratgia de
desenvolvimento de culturas de colaborao solidrias. Grupos
especficos de docentes
dialogam sobre o ensino e melhoria da qualidade do trabalho
pedaggico (mas impera a
burocracia e a departamentalizao, imposta pelas formas colegiais
de trabalho). A relao com
a comunidade secundarizada, mas h alguma criatividade no dilogo
entre comunidades
docentes. Os grupos docentes, com critrios mais flexveis, so
comunidades fragmentadas,
mas atentas s certezas situadas. Esta a base do profissionalismo
docente, segundo
Hardgreaves e Goodson (1996), que reala a importncia destes
grupos docentes como
comunidades locais.
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16
iii. O Profissionalismo do Trabalho Prtico entende que os
saberes prticos e experienciais do
conhecimento profissional so moldados por valores e objetivos
dos docentes, construtores das
suas prprias prticas educativas. A prtica reflexiva implica o
professor prtico-reflexivo, que
baseia as suas aes nas reflexes sobre a sua prtica profissional.
Zeichner (1993) acrescenta-
lhe a necessidade de uma viso reflexiva e crtica mais avanada
sobre as aes (perspetiva
considerada romntica e individualizada, por pr uma tnica
excessiva nas potencialidades da
reflexo no desenvolvimento profissional).
iv. O Profissionalismo Extensivo define-se pelas habilidades
mediadas entre a teoria e a prtica,
por oposio profissionalidade restrita, individual, intuitiva e
vocacional, experincia e
sala de aula entendidas isoladamente. Entende a Educao entre a
sala de aula, os contextos
sociais mais amplos da Educao e os acontecimentos da prpria
escola. Valoriza as trocas de
experincias dos professores com a restante comunidade e uma
multiplicidade de atividades,
designadamente atividades mais racionais que intuitivas.
Hargreaves e Goodson (1996) associam as caractersticas do
profissionalismo extensivo ao novo
profissionalismo docente, mas Robertson (1996) duvida, visto que
o professor ainda est longe de
ser o profissional com autoridade personalizada, autonomia e
determinao, dado o controlo do
poder poltico e dos diretores de escolas. Alm disso, ainda se
confunde, muitas vezes, uma
docncia de resultados com profissionalismo docente. O
profissionalismo docente assenta num
trabalho complexo, decorrente das mltiplas mudanas globais e
locais, econmicas, polticas e
sociais. comummente aceite que o trabalho docente se tornou mais
amplo, diverso, extensivo,
profundo, complexo e difcil. Mas Codo (1998) alerta para o facto
de essa maior complexidade do
trabalho docente poder significar um aparente maior grau de
profissionalismo, a curto prazo.
Porm, a longo prazo poder corresponder intensificao do trabalho
e desgaste da sade,
despoletando sentimentos de explorao e injustia (Hargreaves,
1998). O aumento das exigncias,
na prestao de contas pelos professores (declaraes escritas sobre
o cumprimento ou
incumprimento de programas disciplinares, a anlise estatstica
dos resultados dos seus alunos e da
curva de evoluo das aprendizagens e a comparao entre classificao
interna e externa dos
alunos so apenas alguns exemplos) despoleta neles uma
multiplicidade de emoes e sentimentos
de injustia, angstia e culpa (Hargreaves, 1998).
Hargreaves e Goodson (1996) defendem a necessidade de um
profissionalismo docente interativo,
com mais oportunidades e maior responsabilidade, para exercer o
poder decisivo, integrando o
compromisso tico, a colaborao e o cuidado. Referem-se a temas do
ensino, adaptao de
objetivos morais e sociais aos valores patentes no que se
ensina, em culturas colaborativas para
partilha de conhecimentos especializados e resoluo de problemas,
autonomia, marcada pelo
compromisso de cuidado ativo a cada aluno, na procura
autodirigida para uma aprendizagem
contnua face s prprias especialidades e padres de prtica e criao
e reconhecimento de
tarefas de alta complexidade, correspondentes a adequados nveis
de remunerao e status quo.
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17
Profissionalismo tem de significar melhoria do trabalho
profissional, mas tambm a melhoria da
qualidade social do ensino. Assim, as comunidades, grupos e
movimentos sociais tm de ser
auscultados quanto qualidade social da educao () Dessa maneira,
a profissionalizao tem de
incluir o senso poltico de lidar com a ideia de que as definies
de curriculum, contedos e mtodos
devem resultar () mais das interrelaes com as realidades
culturais nas quais se circunscreve o
acto quotidiano. (Hypolito, 1999, p. 98-99)
Sockett (1993) distingue quatro dimenses do profissionalismo
docente: a comunidade profissional
ou relaes nas instituies e departamentos onde os professores
trabalham; o conhecimento
especializado e perspetivas; a prestao de contas ou obrigaes
morais com alunos e pblico; e o
ideal de servio profissional inerente finalidade moral do ensino
e ao ideal de bem-estar (e
desenvolvimento) dos discentes. O profissionalismo docente um
conceito social e culturalmente
construdo (Helsby, 1995), em permanente transformao, que exige
contextualizao e ateno
diversidade de perspetivas, fundadas em interpretaes e contextos
distintos. Da as ambiguidades
na compreenso do profissionalismo docente (Flores, 2003, 2005),
naturalmente controverso,
dependente de mltiplos fatores, sob distintas ticas, que
enformam e legitimam modos de o
conceber e gerir (Sachs, 2012).
Sachs (2003) prope uma distino entre profissionalismo
gerencialista e democrtico. O
profissionalismo gerencialista, associado a mudanas
organizacionais, maior prestao de contas e
questes de eficincia e eficcia, pressupe que a gesto eficiente
resolve qualquer problema, e as
prticas do setor privado podem ser aplicadas ao setor pblico,
envolvendo medidas polticas de
descentralizao para resultados mensurveis (caso dos rankings).
Neste contexto, o professor
responde a metas pr-especificadas externas, gere bem um conjunto
de alunos e documenta os seus
resultados, para efeitos de prestao de contas. O bom
profissional responde a critrios de sucesso,
trabalhando eficazmente para cumprir os critrios padro,
definidos para alunos, professores e
escolas. O profissionalismo democrtico procura desmistificar o
trabalho profissional e construir
alianas (entre professores e outros agentes), enfatizando a ao
colaborativa e cooperativa. O
professor, com responsabilidades mais vastas que as da sala de
aula, contribui para a escola, o
sistema educativo, a comunidade e os alunos, assumindo
responsabilidades coletivas na profisso,
na construo de uma sociedade mais justa e democrtica (atravs da
inovao e investigao, por
exemplo).
Nesta senda, para a anlise da evoluo do conceito de
profissionalismo, Evetts (2009) identifica
trs interpretaes contrastantes de profissionalismo: o valor
ocupacional; a ideologia; o discurso
de mudana ocupacional e controlo gerencialista. A este propsito,
Sachs (2003) identifica cinco
valores ou fundamentos de uma abordagem pr-ativa e responsvel do
profissionalismo: 1.
aprendizagem: os professores so aprendentes, individualmente,
com os colegas e alunos; 2.
participao: os professores so agentes ativos no prprio mundo
profissional; 3. colaborao: a
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18
colegialidade exercida dentro e entre comunidades, internas e
externas; 4. cooperao: os
professores desenvolvem uma linguagem comum e tecnologia
adequada para documentar e discutir
as suas prticas, bem como os seus resultados; 5. ativismo: os
professores envolvem-se
publicamente nas questes da Educao e da escolaridade, como
partes integrantes dos seus
propsitos morais.
O profissionalismo docente (e sua evoluo) requer a compreenso do
trabalho docente e a anlise
da sua autoimagem (como os professores se veem como
profissionais) e htero imagem (como so
vistos pelos outros), segundo o contexto social, poltico e
cultural. Por exemplo, os profissionais
reflexivos demonstram mais capacidade para o desenvolvimento
profissional autnomo, pelo
estudo individual sistemtico e pela investigao sobre o trabalho
dos seus pares, questionando e
verificando teorias, sustentadas em procedimentos de investigao
na sala de aula, ajudando a
compreender, com rigor e pertinncia, o trabalho docente,
refletindo sobre condies e contextos
polticos influenciadores da qualidade do ensino-aprendizagem.
Hargreaves (1994) alerta para a
emergncia de um novo profissionalismo (aponta o caso da
Inglaterra e Pas de Gales), em
consequncia da sntese do desenvolvimento profissional e
institucional (Hargreaves, 1994,
p.423), que implica um movimento de novas formas de interao e de
relao entre pares
(professores, alunos e pais) mais prximas, profundas e
colaborativas, negociando explicitamente
papis e responsabilidades, ampliados a toda a escola, exigindo
maior coordenao e primazia do
planeamento e implementao do currculo e das questes de progresso
e continuidade dos alunos.
Na mesma senda, Goodson (1996) prope um profissionalismo docente
ps-moderno, que implica
grandes mudanas, do individualismo colaborao, das hierarquias s
equipas, do processo ao
produto, da autoridade ao contrato e da sobrevivncia emancipao
(perspetiva questionada por
Day, 2001), sustentado em sete princpios: 1. mais oportunidades
e responsabilidade no uso da
liberdade de deciso sobre as problemticas do ensino, do currculo
e de ateno aos alunos; 2.
oportunidades e expetativas de compromisso com as finalidades
morais e sociais, valorizando o que
os professores ensinam, os principais contedos curriculares e a
avaliao; 3. trabalho em equipa e
culturas colaborativas, de ajuda e apoio, para a resoluo de
problemas da prtica profissional (em
vez do trabalho conjunto para implementar diretrizes externas);
4. autonomia ocupacional (em vez
de auto protetora), em que os professores trabalham com
autoridade, mas abertamente, de forma
colaborativa com outros parceiros (especialmente pais e alunos),
cujo papel fundamental no
processo de ensino-aprendizagem; 5. cuidado ativo com os alunos,
uma vez que o profissionalismo
implica as dimenses emocional e cognitiva, reconhecendo
competncias e disposies essenciais
para essa ateno, dedicada e eficaz, aos aprendentes; 6.
aprendizagem contnua e investigao
direcionada para o Eu, relativamente aos conhecimentos de cada
um e s prticas padronizadas (em
vez de complacncias com obrigaes que afetam as mudanas exigidas
por outros, nomeadamente
melhorias a introduzir no ensino); 7. criao e reconhecimento de
tarefas mais complexas, com
nveis de estatuto e recompensa adequados.
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A construo do conhecimento pedaggico compartilhado (Bolzan,
2006), sempre dependente da
reflexo e transformao do meio onde se atua, implica um processo
de trocas, interaes e
mediaes. Esta perspetiva de profissionalismo docente induz
atitude de ateno e de cuidado
ao/com o outro, bem como de compreenso da sua histria. Porm, a
par de tarefas docentes mais
amplas, maior complexidade das suas funes, juzos mais complexos
e sofisticados e tomadas de
deciso coletiva, gerando novas formas de (re) profissionalizao,
surge tambm uma tendncia
para a formao mais prtica, reduo na tomada de deciso sobre
objetivos e propsitos de Ensino
e maior dependncia dos resultados de aprendizagem
pr-especificados, numa lgica de
desprofissionalizao (Goodson, 1996). Neste contexto, Fullan
(2012) adverte que o
profissionalismo interativo, associado aprendizagem, ao apoio e
interao em redes e
comunidades profissionais de aprendizagem, pode resultar num
profissionalismo hiperativo (por
exemplo, reunies docentes apressadas para solues rpidas e a
inflao dos resultados escolares
dos alunos).
Assim, se alguns autores associam as transformaes no Ensino e o
modo de encarar o trabalho dos
professores a formas de desqualificao (e de desprofissionalizao)
(Gimeno, 1991; Imbernn,
1994; Smyth, 1995), outros advogam alternativas de
profissionalismo docente, referindo-se a
tendncias que apontam para novas formas de (re)profissionalizao
docente (Hargreaves, 1994;
McCulloch, Helsby & Knight, 2000). Contudo, mais
recentemente, vrios autores tm procurado
ultrapassar essa perspetiva dualista (Cunningham, 2008; Gewirtz,
Mahony, Hextall & Cribb, 2009).
Gewirtz et al. (2009) argumentam que, para entender o
profissionalismo docente, necessrio
recorrer a concees plurais que compreendam globalmente todos os
elementos numa perspetiva
dialtica e integradora, incidindo na preocupao com os padres e
questes ticas (fazer bem o
trabalho), mas tambm nos discursos que legitimam e reproduzem
formas particulares de
identidade, poder e incluso e excluso, mantendo assim a interao
entre profisso e
profissionalismo. Gewirtz et al. (2009) advogam uma perspetiva
idealista e crtica no modo de
olhar para o profissionalismo docente, incluindo uma forma de
coordenao social e um conjunto
de virtudes ocupacionais.
Barnett (2008), por seu turno, defende um profissionalismo
crtico, numa era supercomplexa,
sublinhando a importncia de contemplar (e questionar) os
mltiplos discursos. E Whitty (2008)
sistematiza quatro modos de profissionalismo docente, com
destaque para dois ltimos, o
colaborativo e o democrtico, por oferecerem melhores
possibilidades de construo da profisso
docente, proporcionando aos professores novas oportunidades
profissionais para apoiar a
aprendizagem dos alunos e identificar o conhecimento
especializado dos docentes, transmitido e
disseminado de modos diferentes em contextos colaborativos.
Esses quatro modos so: o
tradicional: a autonomia docente associa-se ao como e ao que
ensinam, no perodo da idade de
ouro da autonomia docente, desde a dcada de 1950 at de 1970; o
gerencialista: gradual
especificao do que os professores devem fazer nas escolas e nas
salas de aula, numa lgica de
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20
prestao de contas; o colaborativo: perspetiva de trabalho
colaborativo entre mltiplos atores
educativos, pressupondo uma ideia de escola a tempo inteiro, com
apoio ao estudo,
oportunidades de aprendizagem para os pais, etc., em que os
professores trabalham em equipa com
outros profissionais (pedopsiquiatras, assistentes sociais,
psiclogos, terapeutas da fala, etc.); o
democrtico: tnica no vasto conjunto de agentes educativos,
desmistificando o trabalho do
professor e reforando alianas com alunos, pais e membros da
comunidade mais ampla, para um
sistema educativo mais democrtico.
Evetts (2009, p. 23) distingue dois tipos ideais de
profissionalismo, coexistentes na prtica, mas
cujo equilbrio dever ser analisado em funo dos contextos e
prticas distintas (Flores, 2014). O
profissionalismo organizacional (de cima) caracteriza-se por uma
crescente padronizao de
procedimentos e prticas profissionais e um controlo
gerencialista (formas externas de regulao e
medidas de prestao de contas - caso das metas e da avaliao do
desempenho). E o
profissionalismo ocupacional (de dentro) associado a uma
autoridade colegial, autonomia,
liberdade decisiva e avaliao pelos prticos, cujo controlo
operacionalizado pelos prprios
(orientao por cdigos de tica profissional, monitorizados por
entidades e associaes
profissionais). Paralelamente, Reeves (2009) identifica trs
concees ou modos discursivos de
profissionalismo docente: o burocrtico-profissional, em que os
professores funcionam como
especialistas na sala de aula e trabalham em estruturas
burocrticas; o gerencialista, em que os
professores so operacionais, supervisionados de perto e
seguidores de regras; e o novo
profissionalismo, em que os professores colaboram, partilham
conhecimento e centram a sua
prtica nos alunos.
Segundo Gewirtz et al. (2009), a mudana discursiva sobre o
profissionalismo docente deve-se
contradio das polticas de regulao e padronizao e diversidade.
Correspondem a mudanas
complexas e irregulares das identidades dos professores, dos
seus papis e das suas vidas
profissionais. Neste sentido, Evetts (2009) destaca o paradoxo
entre profisso e
profissionalismo, noes cada vez mais recorrentes nos contextos e
discursos das sociedades
modernas, onde as condies de confiana, juzo discricionrio e
competncia (associados a uma
prtica profissional) so objeto de investigao e mudana. Apesar de
tudo, as tenses e conflitos
entre esses discursos de profissionalismo, segundo Reeves
(2009), so uma oportunidade para os
professores forjarem um profissionalismo revitalizado e mais
amplo.
a profisso docente deve procurar renovar o seu profissionalismo
face adversidade atravs de uma
postura ativista, promovendo valores essenciais e transformando
identidades. (Lo, 2012, p. 16)
Em todo o caso, profissionalismo pressupe o domnio e o exerccio
correto e orientado da
profissionalidade" (Estrela, 2010, p.67) e define-se como ponto
de convergncia da
profissionalidade e das dimenses tica, axiolgica e deontolgica,
que permitem diferenciar
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comportamentos profissionais dos que no o so. E s pode ser
considerado na dupla aceo: o
comportamento do professor e o que pretende induzir nos seus
alunos. (ibidem, p.67). Estrela
(2010) caracteriza a adequao da conceo de profissionalismo aos
novos tempos:
pressupe o desenvolvimento mais acentuado do que at aqui de
valores como a tolerncia, o
respeito pela diversidade, o rigor, a solidariedade e a cooperao
(que h vrios anos fazem parte do
discurso pedaggico e da prtica pedaggica de algumas escolas e se
identificam com valores de
cidadania) e que transcendem a sala de aula para abrangerem toda
a escola e as relaes com o meio.
Pressupe uma tica relacional e um novo sentido de autonomia e
responsabilidade individual e do
coletivo dos professores que d resposta necessidade de a escola
funcionar como um todo, baseada
no trabalho colaborativo dos professores e na aprendizagem
igualmente colaborativa dos alunos, em
relao com as famlias e redes de escolas em que se insere, mas
tambm que contribua para uma
conscincia crtica social que leve a colaborar na procura de
solues para os males que afligem a
sociedade e a escola. (Estrela, 2010, p.68)
Em Portugal, o trabalho docente tem sido moldado por imperativos
urgentes, convenincias
financeiras e necessidades do Estado. Porm, enquanto documento
de referncia nacional, os
Padres de Desempenho Docente (Despacho n 16034, de 15 de outubro
2010) definem um perfil
do profissional docente, que se relaciona com uma perspetiva de
profissionalismo. A questo que,
obviamente, deveria ser lido em contexto, de acordo com o
projeto educativo de escola (PE), o
plano anual de atividades (PAA) e os projetos curriculares de
turma (PCT), documentos
referenciais para as caractersticas de cada estabelecimento de
ensino e com as especificidades da
comunidade, em que se insere. Defende-se, apesar de tudo, que
possvel discutir o que um bom
professor e como melhorar o ensino, na linha do que Friedson
(2001) denominou terceira lgica
de anlise do profissionalismo docente, na sua complexidade e
controvrsia. Entre outros aspetos,
Friedson (2001) destaca os nveis de controlo das condies e
condutas do trabalho dos
profissionais, sendo a confiana uma componente essencial nos
modos de coordenao
profissionais, pressupondo um contrato entre profissionais
docentes e a sociedade mais ampla.
Fitzgerald (2010) tambm lhe faz referncia, a propsito da avaliao
do desempenho docente, no
contexto neozelands. Nesse sentido, o profissionalismo ,
paralelamente, um regime de controlo e
uma ideologia (os profissionais exercem poder social e autonomia
coletiva), em que os docentes
podem demonstrar ser confiveis (Friedson, 2001).
Mas para Sachs e Mockler (2012), a tnica das polticas atuais na
medio de resultados associa-se
preponderncia das culturas de performatividade, que
sobrevalorizam a regulao e a medio, e
limitam o ensino-aprendizagem, num ambiente de desconfiana, sem
autonomia docente. Com
efeito, as mudanas nos contextos polticos e sociais do ensino tm
tido implicaes srias nas
concees de profissionalismo docente. Day (2001) e Day e Sachs
(2004) reconhecem que as
ltimas reformas conduziram ao desenvolvimento de paradoxos
dicotmicos sobre a natureza do
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Ensino enquanto profisso. Por um lado, a defesa da autonomia
docente, mas por outro, maior
vigilncia do seu trabalho por parte dos polticos e da comunidade
numa lgica de prestao de
contas atravs dos standards e de rituais de verificao (Sachs,
2004, p.5). Acresce que
reconhecida a complexidade e exigncia face mudana das prticas de
ensino, mas os recursos
disponibilizados para as aprendizagens e desenvolvimento
profissionais diminuem. A defesa de um
maior profissionalismo docente, reformulando a sua identidade
profissional, contrasta com a
desprofissionalizao dos docentes (trabalho intensivo, imposio
externa do currculo e da
monitorizao, avaliao e superviso).
Sachs (2012) e Mockler (2012) tambm encaram as culturas de
performatividade
paradoxalmente. Por um lado, geram ameaas e oportunidades, mas
por outro, sugerem
alternativas. A perspetiva de desenvolvimento procura conciliar
os interesses de comunidades,
professores, pais, alunos. Os padres do ensino decorrem da
profisso docente e da ao coletiva,
reestabelecendo algum equilbrio entre o que exigido externamente
e as necessidades de
desenvolvimento pessoal e profissional docente. Neste contexto,
os dilemas dos professores
ampliaram-se, enquanto educadores, profissionais e intrpretes
das polticas educativas. Ben-Peretz
(2012) advoga a necessidade de equilbrio entre prestar contas e
ser um profissional autnomo
(adaptando a prestao de contas ao seu prprio contexto). Segundo
Flores (2014), essencial
analisar a forma como as polticas e o modo como so
implementadas, os seus efeitos no trabalho
das escolas e dos professores, e o modo como o seu
profissionalismo tem sido redefinido.
Da anlise da literatura, identificam-se trs ideias-chave:
i. Problematizar e questionar o conceito de profissionalismo
docente, complexo e dinmico, luz
das condies do seu exerccio e contextos sociais, polticos e
culturais, em que se desenvolve,
sem a viso esttica e linear associada s concees normativas de
profisso.
ii. Refletir e analisar tenses e paradoxos da profisso docente,
que contemplem lgicas distintas
mas coexistentes nos discursos sobre profissionalismo docente
(questionar e descrever as
consequncias das medidas polticas e discursos associados, para
compreender o modo como
interferem no trabalho docente e nas suas identidades
profissionais: as suas crenas e prticas
curriculares e, especificamente, perceber o modo como as tarefas
performativas (que implicam
a realizao da ao que enunciada) e a prestao de contas tm marcado
decises polticas
no campo da educao, afetando o profissionalismo docente, no
discurso, na implementao de
polticas nas escolas (Flores, 2011, 2012), desde aspetos ligados
avaliao do desempenho
docente, governao das escolas, s alteraes no currculo escolar,
crescente importncia
da avaliao externa,).
iii. Revelar a voz dos professores e a valorizao da profisso
docente consequentes na redefinio
do profissionalismo docente (questionar as implicaes das decises
polticas no ensino para
construir um profissionalismo interativo e renovado).
Flores (2014) aponta para a relevncia de alternativas que passam
por um maior ativismo dos
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professores (e de todos os interessados na Educao), com nfase na
defesa e no reconhecimento
do ensino, na sua multidimensionalidade e complexidade, para uma
(re)construo do
profissionalismo a partir de dentro, numa tica de valorizao da
profisso docente, em contextos
cada vez diversos e desafiantes. De acordo com Ramalho, Nez e
Gauthier (2003), a
profissionalidade est fortemente relacionada com o
profissionalismo, j que constituem uma
unidade dialtica. O termo profissionalidade expressa as dimenses
do conhecimento, saberes,
tcnicas e competncias prprias da profisso docente, necessrias ao
desempenho da sua atividade
profissional. Mas, de acordo com Estrela (2010), a
profissionalidade s pode ser delimitada em
funo de um ideal de servio que lhe aponta finalidades." (ibidem,
p.67). Segundo Flores (2014),
profissionalidade aponta para as caractersticas essenciais e
especficas de uma profisso: saberes,
competncias, pesquisa, reflexo, crtica epistemolgica,
aperfeioamento, capacitao, inovao,
criatividade, pesquisa, destrezas, atitudes e valores. O
conhecimento de base da docncia enquanto
profisso (Estrela, 2001; Hoyle, 1974; Gimeno, 1991; Imbernn,
1994). Aquilo que Whitty (2000,
p.284) designa por o contedo do profissionalismo docente.
Hoyle (1980) foi pioneiro no estudo da natureza do trabalho dos
professores, distinguindo
profissionalidade restrita (mais intuitiva, centrada na sala de
aula e baseada na experincia; o
professor sensvel ao desenvolvimento de cada aluno, criativo e
hbil gestor da aula; sem
preocupaes tericas, concentra-se antes nas atividades da aula,
sem noo de contextos mais
alargados ou do trabalho dos seus pares, valoriza a sua
autonomia) de profissionalidade ampla
(preocupada em inserir o ensino na sala de aula num contexto
educacional amplo, avaliando, de
forma sistemtica, o seu trabalho em comparao com os dos seus
pares e colaborando com outros
professores; o professor interessa-se pela teoria e
desenvolvimentos educacionais em processo; l,
investiga e reflete, envolvendo-se em vrios projetos e
atividades profissionais; promove o seu
prprio desenvolvimento profissional continuamente e encara o
ensino como uma atividade
racional a ser melhorada; investe na investigao e na
formao).
Day (2001) considera essa distino obsoleta, especialmente porque
desconsidera as dimenses
atuais da profisso docente e os desafios a que tem estado
exposta, face s mudanas e exigncias
sociais, polticas e culturais, com implicaes no trabalho docente
e das escolas. Uma nova
profissionalidade emerge face s mudanas da sociedade ps-moderna,
numa escola mais centrada
na vida das comunidades e nas relaes com os agentes sociais e
educativos. Naturalmente, suscita
fortes tentativas de adaptao e uma prtica docente mais exigente,
na implicao institucional, que
vai para alm da sala de aula. Refora a autonomia e a autoridade,
no desenvolvimento de novas
formas de relao com famlias, comunidade, alunos e pares
(Hargreaves, 1998a), implicando uma
viso construtivista e dinmica, construo social marcada por
interaes mltiplas: os
professores aprendem e inovam o seu trabalho e, simblica e
materialmente, ganham regalias e
estatutos (Tardif, Lessard & Gauthier, 1998). Das funes
antigas e especficas, de instruo e
controlo, os docentes tornaram-se atualmente profissionais
altamente educados, formados em
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teorias e prticas educacionais, sociologia, psicologia
infantojuvenil, teorias da aprendizagem,
metodologias, entre outras matrias. So especialistas nos seus
contedos disciplinares, cada vez
mais amplos, complexos e transitrios. Aprenderam a trabalhar com
tecnologias inovadoras, a
cruzar conhecimentos em interdisciplinaridade, especializaram-se
em avaliao e em formao,
entre outros assuntos.
O conceito de profissionalidade docente remete para um quadro
terico, apresentado por Monteiro
(2008), assente em cinco componentes: (1) o saber fazer bem:
saberes cientficos fornecidos e
atualizados pela formao (o corpo); valores proclamados num texto
deontolgico e controlados (a
alma); autonomia de juzos e decises, tambm no plano coletivo de
autorregulao (o lar);
caractersticas e qualidades para o exerccio da docncia (a
seletividade); (2) um conjunto de traos
distintivos: qualidades pessoais (o ser), uma tica de Educao e
respetivos comportamentos (os
valores), os conhecimentos, capacidades e atitudes (a
competncia); (3) a capacidade de seleo
dos seus membros: filtragem dos candidatos formao profissional
de acordo com traos da sua
personalidade e ressonncia educacional; (4) uma formao
profissional condigna: a legitimidade
do direito humano Educao, um fenmeno comunicacional, formal e
informal, entre geraes
e pessoas, com fins, contedos, estratgias e contextos; (5) a
definio de um saber comunicar
pedagogicamente: com direito Educao, com competncia nos saberes
a comunicar, na
comunicao e na excelncia pessoal conduzem considerao dos
profissionais em Educao
oficialmente habilitados e socialmente investidos para o
desempenho da funo.
3. Dimenses da profisso docente
3.1. tico-deontolgica
A dimenso deontolgica da profissionalidade (Monteiro, 2008) uma
tica e moral profissionais,
aplicadas ao exerccio da docncia, um conjunto de valores
fundamentais da profisso docente e
consequentes princpios de responsabilidade profissional, bem
como a sua operacionalizao
(deveres para com todas as partes envolvidas) e respetivos
direitos. A dimenso deontolgica
implica relaes humanas e responsabilidade contratual intensas,
pois a atividade profissional
indispensvel ao cumprimento dos direitos humanos (como na
Medicina e na Advocacia) e confere
prestgio ao grupo profissional. Porm, os professores no possuem
nem rgos de autorregulao
nem texto deontolgico, apesar de inmeras recomendaes da Unesco,
acerca dos seus benefcios,
desde 1966 (Monteiro, 2008, p.49-50). Em Portugal, no existe um
cdigo deontolgico docente.
Mas isso no significa que no existam cdigos tcitos relativamente
partilhados e que fazem
parte das culturas docentes, ao lado de outros meramente
pessoais (Estrela, 2003, p.12). No
entanto, um cdigo tico da profisso ser determinante para afirmar
a profissionalidade docente.
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Um meio de dignificao da profisso se, para alm de concitar a
adeso livre dos docentes, definir
um conjunto de princpios orientadores, que apesar da sua
formulao abstrata, possam ser
facilmente transponveis para a ao. (Estrela, 1986, p.308)
Segundo Isaia (2005), a docncia envolve, de forma integrada, as
trajetrias profissionais e
pessoais do professor. Os diversos espaos vivenciais do
professor (e experincias prvias) so
elementos que influem no seu profissionalismo docente. Alm do
mais, o professor , antes de
tudo, uma pessoa, que engloba o pessoal, com desejos e
necessidades, e o profissional, com
experincias, no exerccio da sua profisso. O trabalho docente uma
construo tica, que envolve
uma prtica social, pilar base da realizao humana. O professor
aprende e desenvolve o seu
profissionalismo, procurando ser sempre algo mais do que est a
ser (Oliveira, 2006). Esse trabalho
fundamental para a construo de um conceito de profissionalismo
docente diverso, mas
consciente das heranas histricas, de acordo com o contexto em
que se insere, que contempla as
dimenses ticas, inerentes prtica profissional (Veiga, Arajo
& Kapuziniak, 2005). Segundo
Monteiro (2005), a deontologia da profisso faz parte da formao
do professor, evitando o
empirismo e o subjetivismo.
aprender uma deontologia aprender a pensar, decidir, agir e
reagir luz dos valores fundamentais
da profisso. Professor mais do que um funcionrio do saber: ser
ou no ser profissional da
educao uma questo de cincia, conscincia e Excelncia. (Monteiro,
2005, p.123)
Monteiro (2008) sugere quatro princpios: (1) a opo livre pela
profisso obriga ao seu exerccio
segundo o seu ideal profissional; (2) a Educao um direito tico,
a que subjaz o sentido tico dos
direitos humanos e dos direitos da criana; (3) a prioridade o
interesse do aluno, um princpio de
responsabilidade de todos os professores; (4) os profissionais
de Educao tm o dever geral de
elevada competncia e o dever particular de exemplaridade. Na
mesma senda, Monteiro (2008)
evoca vrios deveres profissionais docentes, em seis reas:
Na relao com os educandos salienta dezanove itens
1. Respeito e promoo dos direitos humanos e valores da
democracia, atravs do respeito pela
dignidade e direitos individuais como pela promoo da cooperao e
camaradagem; 2. Respeitar o
direito diferena, pessoal, social e cultural de cada educando, a
sua intimidade e privacidade, sem
qualquer tipo de discriminao; 3. Exercer um ensino diferenciado,
respeitador das diferenas