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Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura
Jurídica
Rio de Janeiro: vol. 7, no.1, janeiro-abril, 2015, p. 75-93.
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DOI: 10.5533/1984-2503-20157104
Ser cidadão no Oitocentos:
A atuação dos fabricantes de cal na freguesia da Ilha do
Governador
Judite Paiva Souto1
Resumo Neste artigo, buscaremos tecer algumas considerações
acerca do exercício da cidadania na freguesia da Ilha do
Governador, tomando como objeto de estudo a atuação do caieiro João
Rodrigues Carrilho. Integrante do Município Neutro da Corte, a
freguesia de Nossa Senhora da Ajuda da Ilha do Governador, durante
o século XIX, se destacava por sua produção de cal a partir de
conchas. Os fabricantes deste material utilizado na construção
civil se faziam presentes em diversas esferas da vida pública: os
caieiros integravam associações beneficentes, irmandades, eram
nomeados para cargos públicos e disputavam eleições a exemplo de
João Rodrigues Carrilho, que foi juiz de paz, capitão da Guarda
Nacional e agraciado com a Imperial Ordem da Rosa no grau de
cavaleiro. Palavras-chave: Ilha do Governador; século XIX;
fabricantes de cal.
Ser ciudadano en el siglo XIX: el papel de los fabricantes de
cal en el barrio Isla del Gobernador Resumen En este artículo
tratamos ciertos aspectos del ejercicio de la ciudadanía en el
barrio Isla del Gobernador, tomando como objeto de investigación la
actuación del calero João Rodrigues Carrilho. Integrante del
Municipio Neutro de la Corte, el barrio de Nossa Senhora da Ajuda
de la Isla del Gobernador se destacaba, durante el siglo XIX, por
su producción de cal a partir de conchas. Los fabricantes de este
material utilizado en la construcción civil contaban con
representantes en diversas esferas de la vida pública: los caleros
integraban asociaciones caritativas y hermandades, eran nombrados
en cargos públicos y participaban de elecciones, como João
Rodrigues Carrilho, que fue juez de paz, capitán de la Guardia
Nacional y condecorado con grado de caballero en la Orden Imperial
de la Rosa. Palabras clave: Isla del Gobernador; siglo XIX;
fabricantes de cal. Citizenship in the 1800s: the role played by
lime manufacturers in the parish of Ilha do Governador
Abstract
This article analyzes aspects of the exercise of citizenship in
the parish of Ilha do Governador, focusing on
the role played by lime manufacturer João Rodrigues Carrilho.
Part of the Neutro da Corte municipality, the
parish of Nossa Senhora da Ajuda da Ilha do Governador became
renowned in the nineteenth century for
the production of lime from shells. The manufacturers of this
material used in civil construction were
introduced into various spheres of public life: lime
manufacturers were members of charitable associations
and fraternities and were appointed to public posts, running for
elections. Rodrigues Carrilho was an
example of such, serving as justice of the peace and captain of
the National Guard, as well as being made
knight of the Imperial Order of the Rose.
Keywords: Ilha do Governador; nineteenth century; lime
manufacturers.
1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Federal Fluminense.
E-mail: [email protected]. Artigo recebido em 10 de
dezembro de 2013 e aprovado para publicação em 14 de março de
2014.
mailto:[email protected]
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Être citoyen au XIXème
siècle : l’influence des fabricants de chaux de la
circonscription d’Ilha do Governador Résumé
Dans cet article, nous analyserons certains aspects de
l’exercice de la citoyenneté dans la circonscription
d’Ilha do Governador, en prenant comme objet d’étude les actions
du chaulier João Rodrigues Carrilho.
Intégrée à la Municipalité neutre de la Cour, la circonscription
de Nossa Senhora da Ajuda da Ilha do
Governador s’était rendue célèbre au XIXème
siècle pour sa production de chaux à partir de coquillages.
Les
fabricants de ce produit utilisé dans la construction civile
étaient présents dans diverses sphères de la vie
publique. Ils faisaient partie d’associations caritatives et de
confréries, ils occupaient des postes publics et
disputaient des élections, à l’instar de João Rodrigues
Carrilho, qui fut juge de paix et capitaine de la Garde
nationale, sans oublier son titre de Chevalier de l’Ordre
impérial de la Rose.
Mots-clés : Ilha do Governador ; XIXème
siècle ; fabricants de chaux.
十九世纪的公民:州长岛教区的石灰生产者
摘要:
本论文研究十九世纪巴西帝国里约热内卢地区的州长岛 (Ilha do Governador)
教区公民参与政治的情况,以石灰生产商加利里奥为例(João Rodrigues Carrilho).
州长岛是国王直属管辖区,教区名是AJUDA圣母教区,在十九世纪主要商业活动是利用海里的贝壳生产建材
石灰。石灰生产商积极参与公共生活,加入了慈善机构,和教友互助会。有些人获得了官位,参加了竞选活动
,比如说João Rodrigues Carrilho,
他担任了治安官,国民卫队的中队长,被授予巴西帝国玫瑰骑士团的骑士称号。
关键词:州长岛, 十九世纪,石灰生产商。
*****
Uma economia caieira
Na segunda metade do século XIX, a principal atividade econômica
da freguesia de
Nossa Senhora da Ajuda da Ilha do Governador, no Município
Neutro da Corte, era a
produção de cal de conchas. Seus fabricantes ocuparam
importantes funções públicas:
foram juízes de paz, fiscais municipais, subdelegados e
inspetores de quarteirão. Alguns
deles foram condecorados. O presente trabalho tem por finalidade
tecer algumas
considerações acerca do exercício da cidadania na freguesia da
Ilha do Governador,
tomando como objeto de estudo a atuação do caieiro João
Rodrigues Carrilho.
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Integrante das denominadas freguesias rurais da cidade do Rio de
Janeiro, a Ilha
do Governador apresentou importante produção de cal no
oitocentos. Acerca desta
atividade, foi realizado registro por Jean Baptiste Debret, que
dedicou uma de suas
pranchas à representação do fabrico de cal de concha em uma das
ilhas da Baía de
Guanabara.
Representação de uma caieira por Jean Baptiste Debret. Debret,
Jean Baptiste (1835). Prancha 35.
A gravura de Debret apresenta uma edificação envolta por
vegetação em uma praia
aparentemente pouco habitada, dois barcos de um mastro e sete
trabalhadores ocupados
em diferentes afazeres. À esquerda três homens se encarregam do
transporte da lenha;
ao lado, ainda à esquerda, um operário dispõe a madeira
amontoada em círculo em um
terreiro. No centro, outros três homens, com água na altura da
cintura, munidos de uma
grande barra, aparentando cerca de 3 metros de comprimento,
raspam o fundo da baía e
à direita em uma ponta oposta da praia, em terreno ligeiramente
elevado, um grande
volume de vapor ocupa a imagem.
Ao comentar a gravura, Debret afirma que de longe era possível
avistar os vapores
levantados por aquela produção nas ilhas da baía da Guanabara.2
As fases
representadas nas primeiras décadas do século XIX não diferem
muito do processo
descrito nas décadas de 1870 e 1880 tanto pelo professor Antônio
Estevão da Costa e
2 Debret, Jean Baptiste (s.d). Viagem pitoresca e histórica ao
Brasil, São Paulo: Círculo do Livro. 2 v. p. 27-
28.
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Cunha,3 quanto pelo engenheiro José Américo dos Santos.4 Havia
primeiramente a coleta
das conchas; depois a calcinação em fornos – que passaram a ser
cobertos –, e em
seguida a mistura com água. O pessoal necessário incluía um
feitor ou administrador e de
8 a 30 operários que normalmente eram escravos do
fabricante.
Por volta das 5 ou 6 horas da manhã as “barcas da casca” saíam
rumo à coroa,
local no mar próximo a rochedos. Utilizando uma cangola, cujo
cabo media de 4 a 5
metros, semelhante a uma enxada, três ou quatro escravos
raspavam a superfície da
área no leito do mar “conservando o cabo em uma direção
perpendicular à superfície das
águas”, deixando “correr a água pelos orifícios que se acham na
folha da cangola” e
tornavam a mergulhar o instrumento. O procedimento era repetido
exaustivamente até
cerca de 2 horas da tarde, quando as cascas eram trazidas e
depositadas em “montículos
em frente à fábrica” a fim de serem secas5.
O material era descarregado dos barcos e amontoado em um
terreiro em grandes
montes, a fim de que os escravos pudessem misturá-los com
carvão, formando montes
menores. Em seguida, a mistura era conduzida em cestos, na
cabeça dos cativos, para os
fornos, os quais já deveriam conter a lenha para acender o fogo.
Para auxiliar a operação,
utilizava-se um ventilador, movido por uma pequena máquina a
vapor, estabelecendo
uma corrente contínua de ar para não faltar o oxigênio
necessário à combustão do
carvão. Realizada a calcinação, retirava-se o produto dos
fornos, deixava-se que
esfriasse e depois se misturava água proporcionalmente a seu
volume para hidratação.
Sua comercialização era realizada na Corte, nos subúrbios e na
capital da província, a
imperial cidade de Niterói.6.
Segundo o Almanak Laemmert – periódico anual que circulou de
1844 até meados
do século XX com informações variadas sobre autoridades
políticas e organização
administrativa, jurídica, política, social, religiosa e cultural
da Corte e Província do Rio de
3 Cunha, Antônio Estevão da Costa e (1870). Notícia descritiva
da Ilha do Governador. Arquivo Nacional. NP – Diversos Códices da
Antiga SDH, Cód. 807, v. 3. p. 265-302. Antônio Estevão da Costa e
Cunha, natural da Bahia, foi farmacêutico, professor primário e
secundário, residente no Rio de Janeiro, colaborador da Revista
Instrução Pública (1872-1874), autor de obras didáticas, tendo
atuado na Instrução Pública da Ilha do Governador. Schueler,
Alessandra (2008). “Professores primários como intelectuais da
cidade: um estudo sobre produção escrita e sociabilidade
intelectual (Corte imperial, 1860-1889)”. In: Revista de Educação
Pública, Universidade Federal do Mato Grosso, n. 17; Almanak
Laemmert, 1882-1889. 4Santos, José Américo (1880). “Cal de
marisco”. In Revista de Engenharia, Rio de Janeiro, ano II, n. 1,
p. 4-
7, jan. Acervo Fundação Biblioteca Nacional. 5 Cunha, Antônio
Estevão da Costa e (1870). Op. Cit.
6 Santos, José Américo (1880). Op. Cit., p. 4-7.
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Janeiro7 – a freguesia da Ilha do Governador superava, quanto ao
número de fábricas,
importantes localidades fluminenses, fossem elas freguesias ou
municípios.
Em 1879, no Município Neutro da Corte, 14 caieiras estavam
estabelecidas na Ilha
do Governador, 1 na freguesia de Nossa Senhora da Apresentação
de Irajá e 13 na
freguesia de Senhor Bom Jesus do Monte da Ilha de Paquetá.
Ampliando-se para áreas
geograficamente maiores e mais populosas, temos a cidade de
Niterói com 7 caieiras e a
cidade de Cabo Frio com 3.8 As quatorze caieiras da Ilha do
Governador certamente
tinham um maior impacto econômico na vida de seus cerca de 2.856
habitantes em
relação às 3 caieiras de Cabo Frio e seus cerca de 20.000
residentes.9
Tratava-se, portanto, de uma atividade econômica cujo produto
era aplicado
principalmente na construção civil, voltado para o abastecimento
do mercado interno e
que teve como um de seus principais polos de produção a
freguesia da Ilha do
Governador. Seus proprietários se faziam presentes em diversas
esferas da vida pública:
integravam associações beneficentes, irmandades, eram nomeados
para cargos públicos
e disputavam eleições.
Cidadania e participação política
A cidadania pode ser entendida a partir do exercício dos
direitos civis, políticos e
sociais. Os direitos civis referem-se à vida, à liberdade, à
propriedade e à igualdade
perante a lei; os direitos políticos dizem respeito à
participação do cidadão no governo da
sociedade e os direitos sociais abrangem educação, trabalho,
salário digno, saúde e
aposentadoria.10
No que tange aos direitos políticos cumpre lembrar que durante a
maior parte do
século XIX (1824 a 1881), vigoraram as eleições indiretas em
dois graus.11 Primeiro os
“cidadãos ativos”, reunidos em “assembleias paroquiais”, elegiam
os “eleitores de
7 Limeira, Aline de Morais (2007). Educação Particular e
Publicidade no Almanak Laemmert (1844/1859),
Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, p. 18. Disponível
em: . Acesso em: 11 out. 2013. 8 Almanak Laemmert, 1879. 454, 457.
Almanak Laemmert, 1879. Província. p. 28-56, 89.
9 Almanak Laemmert, 1879. Província. p. 89.
10 Carvalho, José Murilo (2013). Cidadania no Brasil: o longo
caminho. 16. ed., Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira. p. 9-10. 11
Tapajós, Vicente (Coord) (1984). Organização Política e
Administrativa do Império, Brasília: FUNCEF. v. 9. p. 196-204.
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província”; estes, em seguida, elegiam os deputados, senadores e
membros dos
Conselhos Gerais das Províncias.12 Juízes de paz e vereadores,
por outro lado, eram
eleitos diretamente.
A quantidade de eleitores por paróquia guardava relação com o
número de fogos.
A cada cem destes criava-se uma vaga de eleitor.13 Até 1850, a
Ilha do Governador
escolheu três eleitores. A partir de 1861, cinco e em 1876,
sete.14 Para termos uma ideia
do que isso representava vejamos o quantitativo geral da Corte e
de outras freguesias em
1880. Comparada ao Colégio da Corte que possuía 507 eleitores e
especificamente à
freguesia de Santa Rita com seus 61 eleitores, os 7 votantes da
Ilha parecem pouco
significativos. No entanto, se considerarmos freguesias
semelhantes, isto é, mais
afastadas da área urbana, a exemplo de Irajá, Inhaúma e Paquetá,
com 13, 15 e 4
eleitores respectivamente vemos que a Ilha não estava tão
distante de outras localidades.
Se o número de eleitores da freguesia de Governador parece
pequeno frente ao
total do Município Neutro da Corte, isso não quer dizer que a
votação fosse pacífica.
Exemplo disso foram as eleições municipais de julho de 1880,
marcada pela interferência
de João Rodrigues Carrilho, cavaleiro da Ordem da Rosa, oficial
da Guarda Nacional,
proprietário de fábrica de cal, ex-eleitor e ex-juiz de paz não
pareceu estar nem um pouco
satisfeito com o andamento dos trabalhos eleitorais, invadindo a
igreja onde se realizavam
as votações e levando à suspensão da votação: 15
[...] um numeroso grupo de indivíduos capitaneados pelo major
João Rodrigues Carrilho, os quais, em grandes vozerias, opuseram-se
a que os cidadãos continuassem a votar, agrediram em seguida os
mesários, e aproveitando-se da confusão que reinou, subtraíram o
alistamento dos votantes.
16
A notícia é inquietante. Que circunstâncias, que disputas teriam
levado Carrilho a
tal intervenção no processo eletivo? Vejamos acerca deste
personagem que foi um dos
chefes políticos da Ilha do Governador.
12
Brasil. Constituição Política do Império do Brasil (25 de março
de 1824). Disponível em: . Acesso em: 27 nov. 2013. 13
Art. 107. Brasil. Lei nº 387 de 19 de Agosto de 1846. Disponível
em: . Acesso em: 27 nov. 2013. 14
Almanak Laemmert, 1844-1889. 15
Almanak Laemmert, 1844-1889. 16
Gazeta de Notícias, 02/07/1880.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htmhttp://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=81146&tipoDocumento=LEI&tipoTexto=PUBhttp://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=81146&tipoDocumento=LEI&tipoTexto=PUB
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O caso de João Rodrigues Carrilho
Tratava-se de uma sociedade hierarquizada. No topo estava aquele
grupo distinto
não só pela liberdade, pela cor branca, pelo grau de instrução e
pela propriedade de
escravos, mas principalmente pelos vínculos pessoais que
estabelecia. A busca por
inserção na chamada “boa sociedade” era também uma busca por
cidadania, por
participação e por status.17
s estratégias de João Rodrigues Carrilho para alcançar esta “boa
sociedade”
foram diversas. Considerada a importância dos vínculos pessoais
como marca de
diferenciação, certamente suas relações familiares e sociais
contribuíram para a
participação em diversas associações e para o fechamento de
negócios. Foi casado com
Felizarda Maria da Silva Rosa,18 filha de Manoel José Rosa, juiz
de paz (1849-1852,
1857-1861), caieiro, capitão da Guarda Nacional19 e cavaleiro da
Imperial Ordem da
Rosa.20 Ao lado do sogro, falecido em 1861, Carrilho participou
da subscrição popular
aberta em 1854 para a confecção da estátua equestre de D. Pedro
I21 e se candidatou ao
juizado de paz em 1860, tendo inclusive feito campanha para o
cargo na imprensa.22
Segundo Ilmar Mattos, através do casamento se estabeleciam
frutuosas relações
entre as famílias, “preocupadas em preservar os monopólios que
as distinguiam”. 23 Sogro
e genro foram caieiros e seguramente Carrilho soube se
beneficiar disto, uma vez que
sua esposa parece ter herdado a fábrica de cal do pai. Felizarda
Maria da Silva Rosa e o
marido João Rodrigues Carrilho estiveram entre os 27 signatários
do “Convênio da Cal”,
sendo 3 fabricantes de Niterói, 9 de Paquetá e da 15 da Ilha do
Governador. A presença
de Felizarda Rosa na convenção, assinada poucos meses após a
morte de seu pai,
parece ter sido uma estratégia de Carrilho para assegurar
sucesso nos negócios.24
Diversas foram as notas na imprensa acerca do contrato firmado
por caieiros a fim
de assegurar a venda de sua produção. Pudemos acessar uma série
de edições em que
17
Mattos, Ilmar Rohloff de (1994). O tempo saquarema: a formação
do Estado Imperial, Rio de Janeiro: Acces. p. 118. 18
Correio Mercantil, 21/07/1861. 19
A Actualidade, 18/01/1864. 20
Almanak Laemmert, 1844-1889. 21
Correio Mercantil, 09/10/1861. 22
Correio Mercantil, 23/08/1860. 23
Mattos, Ilmar Rohloff de (1994). Op. cit., p. 177. 24
Correio Mercantil, 18/08/1862.
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constam denúncias anônimas – predominantemente –, respostas dos
criticados e até
mesmo uma lista dos associados negando qualquer participação nas
acusações. 25
Afirmava-se que o gerente do convênio não respeitava acordo
estabelecido, deixando de
comprar a cal de alguns proprietários, em benefício de poucos;
acusava-se o agente de
querer ludibriar os associados, tomando-lhes valores em letras;
entre diversos protestos.
A polêmica se estendeu durante todo o ano de 1862 nas páginas do
Correio
Mercantil. Como era comum no período, o espaço denominado
“Publicações a pedido”,
destinado pelos jornais para publicações variadas mediante
pagamento, foi utilizado pelos
associados para ridicularizar e constranger seus desafetos
pessoais.26 Sob codinomes os
mais pitorescos – “ alma do demente”, “O caieiro do angue” e “O
babaquara” – até
versinhos difamatórios foram divulgados.
Alguns artigos da convenção foram transcritos e analisados na
imprensa com o fito
de denunciar os ditos “abusos” e a suposta “má fé na sua
execução”. “O Orelhudo”, autor
da crítica, explicava que determinadas regras podiam se voltar
contra os caieiros, a
exemplo do artigo 15, que previa preferência àqueles que não
tivessem sua cal
demandada em um trimestre. No caso de serem requeridas em datas
próximas
quantidades de cal referentes a trimestres subsequentes, o
fabricante certamente teria
grande dificuldade em cumprir o contrato. Dito isso e
considerando que o mais provável é
que João Rodrigues Carrilho fosse o responsável pela
administração da caieira da
esposa, o que lhes dava maior capacidade de produção, a
participação de ambos no
convênio pode ter sido uma tentativa de ampliar a demanda por
cal, uma vez que a
preferência de cada um seria computada individualmente.
João Carrilho certamente não estava entre os prejudicados com o
convênio visto
que em uma destas publicações, foi apontado como “entidade
perigosa” por sua tolice:
“[...] quanto a Coelho e Carrilho, são para nós duas entidades
perigosas: uma, por finura,
e a outra por toleima”.27 Este é mais um indício de que a
entrada deste fabricante com sua
esposa na associação foi uma escolha vantajosa para o casal.
Trata-se, portanto, de um
25
Correio Mercantil, 24/05/1862; 28/05/1862; 12/06/1862;
23/07/1862; 24/07/1862; 25/07/1862 , 29/07/1862; 31/07/1862;
09/08/1862; 08/08/1862; 16/08/1862; 17/08/1862; 18/08/1862;
22/8/1862; 28/08/1862; 29/08/1862; 31/08/1862; 21/12/1862;
30/12/1862; 31/12/1862. 26
Machado, Humberto Fernandes (2008). “Imprensa abolicionista e a
censura no Império do Brasil”. In Lessa, Mônica Leite; Fonseca,
Silvia Carla Pereira de Brito. (Org.) (2008). Entre a monarquia e a
república: imprensa, pensamento político e historiografia
(1822-1889), Rio de Janeiro: EdUERJ. p. 247. 27
Correio Mercantil, 18/08/1862.
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personagem controvertido em sua época, que era alvo de críticas
no interior da “classe
fabricante de cal”, como eles próprios se denominavam.
João Rodrigues Carrilho teve aliados importantes, um deles foi
seu cunhado28
Bernardo José Serrão, proprietário de uma das seis
fazendas/seções da Ilha do
Governador, residente na Ribeira, juiz de paz, subdelegado,
inspetor de quarteirão,
fabricante de sabão, proprietário de serraria no Zumbi,
responsável por reforma na Capela
do Carmo na Ribeira e proprietário de um teatro no Jequiá.29
Coincidência ou não, quando
do fracasso eleitoral de Carrilho em 1878, Bernardo José Serrão
teve a mesma sorte.
Carrilho esteve entre as testemunhas no casamento de Maria
Augusta de Oliveira
Serrão, filha de Serrão,30 sinal do bom relacionamento entre os
dois. Além disso, os dois
participaram da já referida subscrição popular para a confecção
da estátua equestre de D.
Pedro I.31 Cabe dizer que dos quinze signatários, treze eram
caieiros, numa
demonstração da atuação deste grupo no local. Se a participação
nesta lista aponta para
uma tendência conservadora, esse não parece ter sido o caminho
seguido por Carrilho.
Em 1864 o caieiro compunha a chapa liberal ao lado de outros 4
integrantes, como
Bernardo Serrão.32 Isso significava integrar um partido político
que era a “aliança de
profissionais liberais urbanos com a agricultura de mercado
interno e de áreas mais
recentes de colonização” e se opor ao Partido Conservador,
“aliança da burocracia com o
grande comércio e a grande lavoura de exportação.33 Havia
caieiros em ambos os
partidos.
Em 1864, Carrilho recebeu a mercê de Cavaleiro da Ordem da
Rosa.34 Criada em
1829 para comemorar o casamento de D. Pedro I e a princesa
Amélia, esta Ordem
possuía seis gradações diferentes: cavaleiro, oficial,
comendador, dignatário, grande
dignatário e grão-cruz. Pertenciam a ela aqueles que se
distinguissem por sua fidelidade
28
Correio Mercantil, 26/08/1862. 29
Almanak Laemmert, 1844-1889. Em 1890 o nome Serrão foi dado à
rua situada no bairro do Zumbi. DOU 08/07/1890, Seção 1, p. 26.
30
A celebração foi realizada em 14 de maio de 1874. Livro de
Registros de casamento da freguesia de Nossa Senhora da Ajuda da
Ilha do Governador, 03/1872-04/1892. Disponível em: . Acesso em: 7
abr. 2013. 31
Correio Mercantil, 9/10/1861. 32
Correio Mercantil, 28/06/1864. 33
Carvalho, José Murilo (2010). A construção da ordem: elite
política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. 5. ed.,
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. p. 408. 34
Diário do Rio de Janeiro, 18/01/1864; Constitucional, 19 de
janeiro de 1864.
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ao imperador e por seus serviços ao império. 35 Segundo a
historiadora Camila Borges da
Silva:
[...] as ordens constituíram-se em um instrumento tanto de
construção de elites, quanto de apoio e suporte ao regime e aos
monarcas, tornando-se um importante mecanismo de funcionamento do
poder régio. Sua lógica atendia não somente à promoção da imagem
real como benevolente, mas também aos desejos de distinção de
todos, pois significava um “presente” real e uma demonstração de
“estima” por parte do monarca, de maneira que o regime se
sustentava no imaginário social que concebia a sociedade como uma
pirâmide.
36
Carrilho buscava, portanto, integrar os estratos mais elevados
da sociedade e, para
tal, como todo candidato, precisou apresentar uma lista dos
serviços prestados ao Estado.
Recebeu como contrapartida o reconhecimento de Dom Pedro II, em
cujo Reinado foram
distribuídas mais de 30.000 comendas.37
Major da Guarda Nacional em 1873,38 Carrilho buscou sua
diferenciação através de
“mecanismos privilegiados” para a consolidação de vínculos
sociais, como a Guarda
Nacional que “unia por meio de uma cadeia de hierarquias o
oficial de mais baixa patente
e localizado no mais distante ponto do Império ao presidente da
Província e ao Ministro
da Justiça”.39
Além disso, Carrilho foi nomeado para o influente cargo de
presidente do conselho
de qualificação da Guarda Nacional em 1857,40 o que lhe permitia
decidir quem seria ou
não classificado na reserva. Isso é significativo se
considerarmos que, ao contrário do
oficial, tido como figura de prestígio social, proveniente das
“classes abastadas”; os
soldados rasos além de não possuírem o mesmo status, se viam
muitas vezes
prejudicados com a convocação e buscavam protetores que lhes
evitasse o afastamento
dos cuidados de seus ofícios ou pequenos lotes de terra.41
35
Tapajós, Vicente (Coord.) (1984). Op. Cit., p. 314. 36
Silva, Camilla Borges da (2011). “As comendas honoríficas e a
construção do Estado Imperial (1822-1831)”. In Anais do XXVI
Simpósio Nacional de História – ANPUH, São Paulo, jul. p. 4. 37
Ibidem. p. 5. 38
Almanak Laemmert, 1844-1889. 39
Mattos, Ilmar Rohloff de (1994). Op. Cit., p. 177. 40
Correio da Tarde, 24/04/1857. 41
GRAHAM, Richard (1997). Clientelismo e política no Brasil do
século XIX, Rio de Janeiro: Ed. UFRJ. p. 48-54.
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Jurídica
Rio de Janeiro: vol. 7, no.1, janeiro-abril, 2015, p. 75-93.
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O caieiro também integrou a comissão paroquial da Sociedade
Popular União e
Perseverança da Ilha do Governador em 186342 e foi presidente da
sociedade Junta
Paroquial de União Beneficência, na mesma freguesia, inaugurada
em 188143, durante
um período em que “predominou a opção pela auto-organização,
através do
fortalecimento de associações de ajuda mútua”, indicando um
esforço de participação na
sociedade insulana.44 Vale ressaltar que, como filantropia e
mutualismo constituíssem
categorias fluidas, as sociedades “de socorros mútuos”,
“filantrópicas” ou de
“beneficência” chegavam a ter sua identidade questionada pelo
Conselho de Estado.45
Dito isso, embora não tenhamos muitas informações acerca destas
associações na Ilha
do Governador, pelo menos uma delas já demonstrava em sua
nomenclatura destinar-se
à beneficência, o que nos leva a indagar acerca das intenções de
Carrilho ao integrá-las.
Entendemos a atuação do caieiro na sociedade sob a perspectiva
da reciprocidade,
isto é, suas relações estavam marcadas por práticas
clientelísticas que se inseriam na
“economia do dom”, em que o ato de beneficiar alguém, gerava, em
quem o fazia, a
expectativa do contradom, isto é, deveria haver uma retribuição,
além da atitude de
gratidão e fidelidade do beneficiado46. Como neste caso
tratava-se de uma ajuda a
pobres, que não poderiam retribuir economicamente, lembra o
antropólogo Marcel Mauss,
o contradom é recebido sob a forma de reconhecimento social de
sua bondade, de poder
político ou da satisfação em manter alguém em sua dependência.47
Um exemplo de
reconhecimento público recebido por Carrilho pode ser
identificado no Correio Mercantil
de 1867, quando foi divulgado pelo vigário da freguesia
agradecimento expresso a este e
outros caieiros por ocasião do falecimento de sua mãe. 48
No dia 9 de agosto de 1871 a igreja matriz da freguesia da Ilha
do Governador
sofreu incêndio que a deixou em ruínas. Cumpre lembrar que o
templo era local não só de
celebrações religiosas como também de reunião para trabalhos
eleitorais. Poucos dias
depois os moradores já estavam reunidos em prol da reconstrução
da igreja, elegendo
42
Diário do Rio de Janeiro, 12/02/1863. 43
Gazeta de Notícias, 29/01/1881. 44
Viscardi, Cláudia Maria Ribeiro (2008). Experiências da prática
associativa no Brasil (1860-1880). In Topoi – revista de história,
Rio de Janeiro, v. 9, n. 16, p. 117-136, jan.-jun., p.118. 45
Ibidem. p. 120. 46
Xavier, Ângela Barreto; Hespanha, António Manoel (s.d.). “As
redes clientelares”. In Mattos, José (Dir.). (s.d.). História de
Portugal: o Antigo Regime, Lisboa: editorial Estampa, p. 381-393.
47
Mauss, Marcel (1988). Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições 70.
48
Correio Mercantil, 13/03/1867.
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uma comissão para tal fim. Entre seus membros estava Bernardo
José Serrão e João
Rodrigues Carrilho. 49
No campo político Carrilho não costumava se sair mal. Foi
escolhido eleitor de 1857
a 1860 e de 1864 a 1875 e exerceu o cargo de juiz de paz de 1861
a 1878.50 Ser eleitor
significava não só ter o direito de escolher deputados e
senadores, mas também a junta
de qualificação de votantes – responsável pelo processo de
formação da lista geral dos
cidadãos ativos e passivos –, bem como a mesa paroquial para
eleições. Já o cargo de
juiz de paz implicava a responsabilidade pelas causas de até 100
mil-réis, o julgamento
das infrações às posturas municipais e a competência de conceder
fianças provisórias.51
É bem provável que o episódio de 1880, em que consta ter
interrompido as eleições
primárias, tenha tido relação com o pleito de 1878. Neste ano,
foram escolhidos eleitores,
juízes de paz e vereadores. Embora indicado por votação para a
presidência da mesa
paroquial, Carrilho acabou pedindo dispensa do cargo alegando
doença.
O primeiro fato curioso de 1878 foi o desaparecimento da urna
eleitoral. Superado
o percalço com o uso de uma urna provisória foi dado
prosseguimento à votação. A
apuração das cédulas eleitorais traria mais uma particularidade:
se em eleições anteriores
Carrilho não recebia menos que 100 votos, apenas um foi recebido
na disputa para juiz de
paz e dois para eleitor. Seu cunhado, Bernardo José Serrão
experimentou o mesmo
fracasso, tendo obtido apenas três votos para juiz de paz. 52
João Rodrigues Carrilho, seu
irmão Joaquim Augusto Carrilho, Bernardo José Serrão e outros
figurões que
costumavam se eleger na freguesia não compareceram para as
votações.53
Certamente a derrota eleitoral não foi bem recebida por
Carrilho. Além de estar
impossibilitado de participar das eleições para deputados e
senadores e ter perdido o
cargo de juiz de paz, demonstrava desprestígio e perda de
controle dos cargos públicos:
[...] a medida de um homem dependia do tamanho de seu grupo
de
seguidores e uma eleição perdida reduziria visivelmente essa
comitiva. Ser demitido por um superior no governo era tolerável,
pois assim é que devia ser; mas ser rejeitado por seus próprios
seguidores indicava um fracasso de liderança, força, caráter,
enfim, da própria clientela.
54
49
Diário do Rio de Janeiro, 22/08/1871. 50
Almanak Laemmert, 1844-1889. 51
Tapajós, Vicente (Coord). (1984). Op. Cit., p. 217. 52
Almanak Laemmert, 1844-1889. 53
Ata da eleição de eleitores juízes de paz e vereadores da
freguesia de Nossa Senhora da Ajuda da Ilha do Governador. Arquivo
Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 64-4-4, 24/02/1878. 54
Graham, Richard (1997). Op. Cit., p. 112.
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Em um período em que as eleições eram marcadas pela violência e
pela fraude, a
brusca alteração no seu número de votos levanta a suspeita de
que em algum momento o
pleito tenha sido manipulado. O caieiro tinha motivos para estar
em disputa com os
eleitores e juízes eleitos e, talvez por isso, tenha levado
tamanha confusão para o pleito
de 1880. Se Carrilho já estava insatisfeito com o resultado de
1878, a qualificação dos
votantes de 1880 tampouco lhe agradou.
Fazia parte do processo um período para pedidos de inclusão de
cidadãos que não
constassem na lista dos qualificados. Em 02 de março de 1880 o
major João Rodrigues
Carrilho apresentou-se, “acompanhado de outros indivíduos”,
requerendo a inclusão de
28 votantes. Segundo o registrado na ata da junta paroquial:
Logo que foi lida a relação supra mencionada, um dos indivíduos
disse que a qualificação tinha sido injusta, declarando nessa
ocasião o mesário Joaquim Pereira Alves de Magalhães que se a Junta
fez uma qualificação sem apreciar a justiça de todos, isso não
devia importar ao suplicante, o Sr. Major Carrilho, porquanto era
questão que ele não podia apreciar; tanto bastou para o reclamante,
Major Carrilho, e outros começassem em altas, atrevidas e
descomunais vozes, dizendo-se prejudicados em seus direitos [...] o
Presidente suspendeu a sessão por meia hora. Acalmadas as questões
e mais sossegado o major Carrilho, porque falava como um possesso,
deliberou a Junta, depois de novamente instalada, que com exceção
do cidadão Pedro Ribeiro [...] e do cidadão José Luiz Ribeiro,
todos os outros constantes da mesma relação foram pela Junta
mandados incluir na lista suplementar.
55
Os “indivíduos” que acompanhavam o major eram provavelmente seus
capangas,
homens pagos para fazer valer suas ordens usando-se de
violência. Se fosse preciso
ameaçavam votantes de candidatos concorrentes e impediam que
estes chegassem às
urnas. As ocorrências de disputas entre capangas adversários,
muitos deles capoeiras,
não eram raras no Rio de Janeiro. 56 Neste caso, perto de seus
53 anos, o major buscou
estar acompanhado destes partidários que tinham grande poder de
persuasão diante da
junta.
A ata era lida e assinada pelos membros da junta de modo que o
trabalho do
escrivão era limitado não só pela formalidade que a ocasião
requeria quanto pelas
possíveis exigências de mesários e presidente. Ainda assim,
percebemos que a vozeria
55
Ata da eleição da Junta Paroquial da freguesia de Nossa Senhora
da Ajuda da Ilha do Governador. Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro, 64-2-9, 02/03/1880. 56
Carvalho, José Murilo (2013). Op. Cit., p. 34.
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Rio de Janeiro: vol. 7, no.1, janeiro-abril, 2015, p. 75-93.
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de Carrilho e seus acompanhantes teve relação com a provocação
de Joaquim Pereira
Alves de Magalhães que de forma polida ou não deixou claro ao
ex-juiz de paz sua
impotência para influenciar nas futuras eleições. Mas quem era
este que provocara
Carrilho?
Joaquim Pereira Alves de Magalhães manteve caieira na praia da
Freguesia de
1869 a 1891,57 foi proprietário de terras no mesmo local, fiscal
da freguesia (1870-1871),58
juiz de paz (1869-1872)59, 3º suplente de subdelegado60, eleitor
(1878-1881)61, tesoureiro
da Comissão para reforma da Matriz da paróquia da Ilha do
Governador,62 membro da
comissão nomeada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro
destinada a arrecadar
donativos na Ilha para a festa da independência.63 Nascido por
volta de 1832, era filho de
Cypriano Pereira Alves de Magalhães e Emília Rosa Correa Guedes,
ela também
proprietária de fábrica de cal na freguesia.64
Magalhães residia e mantinha fábrica na mesma localidade que
Carrilho, a praia da
Freguesia. A proximidade pode indicar uma disputa por apoio
eleitoral entre os dois. De
fato, pela biografia de Magalhães, ele também buscou votos para
alcançar o juizado de
paz e fazer-se eleitor. Contudo, Carrilho se opôs mais
diretamente a outros 2 membros da
mesa: Braz Francisco de Oliveira e Antônio Oliveira Bittencourt.
Isso porque na mesma
ocasião em que o major pediu a inclusão de votantes, apresentou
requerimentos pedindo
confirmação da qualificação do primeiro na paróquia da Ilha do
Governador e ratificação
acerca da elegibilidade do segundo. Carrilho juntou, ainda, 10
assinaturas as quais
segundo consta na ata, não se referiam a nenhuma autoridade da
freguesia além do
pároco.
Aparentemente, Carrilho, no grito, teria alcançado seu intento
de incluir votantes que
certamente lhe apoiariam na eleição. Contudo, não demorou muito
para que a junta
demonstrasse sua intenção de não atender as exigências do major.
No dia seguinte ao
seu requerimento, aberta a sessão, o presidente da junta
paroquial declarou que havia
57
Almanak Laemmert, 1844-1889. 58
Almanak Laemmert, 1870 e 1871. 59
Almanak Laemmert, 1869-1972; A Reforma, 8 de fevereiro de 1872.
60
Diário do Rio de Janeiro, 15/03/1874; A Reforma, 17/03/1874;
Almanak Laemmert, 1875-1879 e 1881. p. 440. 61
Diário do Rio de Janeiro, 08/08/1878; Almanak Laemmert,
1878-1881. 62
Gazeta de Notícias, 22/02/1877, 23/02/1877, 24/02/1877,
27/02/1877. 63
Diário de Notícias, 10/07/1885. 64
Diário do Rio de Janeiro, 02/03/1867.
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Rio de Janeiro: vol. 7, no.1, janeiro-abril, 2015, p. 75-93.
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sido omitida na ata anterior a recusa de Carrilho em assinar o
termo que trouxera,
conforme lhe fora requerido. Decidiu-se, então, que o major
seria convidado, por ofício, a
comparecer para satisfazer a formalidade da lei.
Não sabemos ao certo em que horário Carrilho recebeu o ofício e
se de fato o
mesmo chegou às suas mãos. Certo é que não tendo o mesmo
comparecido até as
quatro horas do dia 3 de março de 1880, resolveu a junta
reconsiderar a decisão que
incluiu os votantes solicitados “por não ser o nós – abaixo –
assinado documento
comprobatório para a inclusão dos referidos indivíduos”. Curioso
é que no dia seguinte
Pedro José Soares apresentou-se à junta requerendo inclusão de
cidadãos e foi
prontamente atendido.65
De fato, o Decreto 6097 de 12/01/1876 66, que versava sobre a
qualificação de
votantes, previa em seu artigo 37 que “queixas, reclamações ou
denúncias, serão
reduzidas a termo, que será assinado pelo cidadão que as
apresentar”. Entretanto, este
Decreto não estipulou prazo para assinatura o que nos faz crer
que não havia
impedimento legal para que se desse um tempo maior a fim de que
o reclamante se
apresentasse e suprisse a exigência da mesa.
Como era de se imaginar, o major Carrilho não se elegeu juiz de
paz em 1880.
Dentre os quatro vencedores estava Joaquim Pereira Alves de
Magalhães com 170 votos.
Contudo, ao lado de seu nome, no livro com o resultado das
eleições, constava a seguinte
anotação: “declarou pela imprensa ter renunciado ao cargo”. 67 O
caieiro que enfrentara
João Rodrigues Carrilho, mesmo habilitando-se para o juizado de
paz renuncia ao cargo.
Depois de conquistar tantos votos, isso não parece ser apenas
uma coincidência.
Houve recurso a fim de que a eleição de 1880 fosse anulada. Por
pelo menos duas
vezes os juízes se declararam suspeitos para julgar o
petitório.68 Se por um lado não
pudemos acessar a decisão do processo, por outro percebemos que
o episódio parece ter
sido perfeitamente contornado pelo major, tendo em vista sua
participação na eleição da
junta paroquial de qualificação realizada em dezembro do mesmo
ano. Joaquim Pereira
65
Ata da eleição da Junta Paroquial da freguesia de Nossa Senhora
da Ajuda da Ilha do Governador. Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro, 64-2-9, 04/03/1880. 66
O Decreto 6.097 de 12/01/1876 trouxe instruções regulamentares
para a execução do Decreto 2.675 de 20/01/1875. 67
Lista de vereadores e juízes de paz (1881-1884). Eleição de
01/07/1880. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 65-1-24.
68
Gazeta de Notícias, 19/09/1880; 24/09/1880.
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Alves de Magalhães; Vicente Lúcio de Carvalho, presidente da
mesa em 1880 e Germano
Mendes Limoeiro, eleito juiz de paz no mesmo pleito, não
compareceram sob alegação de
moléstia. João Rodrigues Carrilho foi eleito mesário e 1º
substituto do presidente da
mesa, o Vigário Francisco Alves da Costa e Silva. A qualificação
ocorreu sem quaisquer
incidentes.69
Em 1882, Carrilho foi nomeado para o posto de subdelegado, cargo
estreitamente
vinculado ao governo central e que desde a reforma do Código
Penal de 1841 recebera
diversas atribuições antes pertencentes aos juízes de paz. Em
1883 acumulava as
atribuições da polícia e o anteriormente perdido juízo de paz.
Chefes de polícia,
delegados e subdelegados eram os principais agentes dos
presidentes provinciais para o
fornecimento de informações políticas. Subdelegados não recebiam
salários sendo que a
maior parte buscava esses cargos públicos “para exercer
autoridade extra e estender
favores, isenções e proteção aos apadrinhados”, nas palavras de
Richard Graham.
Parece-nos que Carrilho buscava com seu cargo o já conhecido
poder da polícia de “fazer
as eleições”, empregando subdelegados e inspetores de
quarteirão, seus subordinados,
para intimidar a população no período eleitoral. 70
Além disso, Carrilho também buscou participar do Tribunal do
Júri, forma de
participação direta e intensa no Poder Judiciário, visto que
havia duas sessões por ano,
cada uma de 15 dias.71 Neste espaço, todavia, não pode
intensificar sua atuação, tendo
pedido dispensa em 1882 por motivo de doença e falecido em 12 de
junho de 1883, aos
sessenta anos.72
João Rodrigues Carrilho casou-se com a filha de um proeminente
morador da Ilha
do Governador, associou-se a outros fabricantes de cal em
convênio, foi eleitor, ocupou o
cargo de juiz de paz e quando se viu ameaçado não hesitou em
fazer uso da violência. A
abordagem de alguns aspectos de sua vida ilustra não só a
variedade de estratégia de
inserção de um fabricante de cal na chamada “boa sociedade” como
também a acirrada
disputa pelo poder político em uma das freguesias do Município
Neutro da Corte.
69
Atas da qualificação de votantes da freguesia de Nossa Senhora
da Ajuda da Ilha do Governador. Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro, 64-4-7, 1/12/1880-30/12/1880. 70
Graham, Richard (1997). Op. Cit., p. 87, 124. 71
Carvalho, José Murilo (2013). Op. Cit., p. 37. 72
Gazeta de Notícias, 14/09/1882; Livro de Registro de óbitos da
Freguesia de Nossa Senhora da Ajudada Ilha do Governador, 03/1883-
09/ 1891.
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Fontes documentais
Fontes Manuscritas
Ata da eleição de eleitores juízes de paz e vereadores da
freguesia de Nossa
Senhora da Ajuda da Ilha do Governador. Arquivo Geral da Cidade
do Rio de Janeiro, 64-4-4, 24/02/1878.
Ata da eleição da Junta Paroquial da freguesia de Nossa Senhora
da Ajuda da Ilha
do Governador. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro,
64-2-9, 02/03/1880, 04/03/1880.
Atas da qualificação de votantes da freguesia de Nossa Senhora
da Ajuda da Ilha do
Governador. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 64-4-7,
1/12/1880-30/12/1880. Cunha, Antônio Estevão da Costa e (1870).
Notícia descritiva da Ilha do Governador.
Arquivo Nacional. NP – Diversos Códices da Antiga SDH, Cód. 807,
v. 3. p. 265-302. Lista de vereadores e juízes de paz (1881-1884).
Eleição de 01/07/1880. Arquivo
Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 65-1-24. Livro de registros
de casamento da freguesia de Nossa Senhora da Ajuda da Ilha do
Governador, 03/1872-04/1892. Disponível em: . Acesso em: 7 abr.
2013.
Livro de registros de óbitos da Freguesia de Nossa Senhora da
Ajuda da Ilha do
Governador, 03/1883 - 09/ 1891. Disponível em: . Acesso em: 7
abr. 2013.
Fontes Impressas
A Actualidade, 18/01/1864. Acervo Fundação Biblioteca Nacional.
Almanak Laemmert. 1844-1889. Disponível em: .
Acesso em: 13 maio 2013. Brasil. Decreto 6.097 de 12/01/1876.
Disponível em:
. Acesso em: 10 out. 2013.
Brasil. Lei nº 387 de 19 de Agosto de 1846. Disponível em:
. Acesso em: 27 nov. 2013.
http://www.crl.edu/brazil/almanakhttp://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-6097-12-janeiro-1876-588003-norma-pe.htmlhttp://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-6097-12-janeiro-1876-588003-norma-pe.htmlhttp://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=81146&tipoDocumento=LEI&tipoTexto=PUBhttp://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=81146&tipoDocumento=LEI&tipoTexto=PUB
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