Myron Bolitar parecia destinado a uma carreira de sucesso na NBA quando uma lesão no joelho o afastou das quadras para sempre. Porém, 10 anos depois, o agente esportivo e detetive particular com passagem pelo FBI está de volta ao jogo - não para cumprir seu destino como astro do basquete, mas para desvendar mais um mistério.
O ídolo dos Dragons de Nova Jersey, Greg Downing, maior adversário de Myron na época da faculdade, desapareceu sem deixar rastros pouco antes das finais do campeonato nacional. À frente do caso, com a ajuda de seus dois fiéis escudeiros, Win e Esperanza, Myron trabalhará infiltrado entre os jogadores para tentar obter informações capazes de levar ao paradeiro do antigo rival, com quem também competiu pelo amor de uma mulher.
capítulo1
–PORFAVOR,PROCUREsecomportar.–Eu?–disseMyron.–Souumamordepessoa.Myron Bolitar estava sendo conduzido ao longo de um dos corredores
escuros do estádio de Meadowlands por Calvin Johnson, o novo diretor-geraldosDragonsdeNova Jersey.Os sapatos sociaisdosdois ressoavamruidosamente sobre o piso de cerâmica, ecoando através dos estandesvaziosdesanduíches,pretzels,sorveteelembrancinhas.Dasparedessaíaocheirinho do cachorro-quente – meio emborrachado e arti icial, porémnostalgicamentedelicioso–vendidoduranteosjogos.Osilênciodolugarosperturbava:nadamaisocoesemvidadoqueumestádiovazio.CalvinJohnsonparoudiantedaportadeumadastribunasdeluxo.–Vocêvaiestranharumpoucoestaconversa–disse.–Procuredançar
conformeamúsica.–Tudobem.Calvinalcançouamaçanetaerespiroufundo.–ClipArnstein,oproprietáriodosDragons,estáesperandopornós.–Emesmoassimnãoestoutremendo–disseMyron.CalvinJohnsonbalançouacabeça.–Comporte-se.Myronapontouparaoprópriopeito.–Vimdegravataetudo.Calvinen imabriuaporta.Atribunadavaparaapartecentraldaarena,
onde vários funcionários colocavam o piso de basquete sobre o gelo dohóquei. Os Devils haviam jogado na véspera. Logo mais seria a vez dosDragons.Olugareraaconchegante.Vinteequatrocadeirasestofadas.Doismonitoresde televisão.Àdireita se via o balcãodemadeira sobreo qualeramservidasascomidas:emgeral frangofrito,cachorro-quente,bolinhode batata, coisas assim.À esquerda, um frigobar e um carrinho demetalrepletodebebidas.Olugartambémcontavacomumbanheiroprivativo,demodoqueoscartolasnãotivessemqueurinarjuntoàralé.Clip Arnstein estava de pé e olhava para eles. Vestia um terno azul-
marinho com gravata vermelha. Era calvo, com tufos grisalhos sobre asorelhas.Umhomemforte,aindarobusto,apesardeseusmaisde70anos.As mãos grandes, salpicadas de manchas senis, exibiam veias azuladas
que, de tão gordas, lembravammangueiras de jardinagem. Por um bomtempoeleficouondeestava,examinandoMyrondacabeçaaospés.–Gostoudagravata?–perguntouMyron.CalvinJohnsonofulminoucomumolhardeadvertência.Ovelhonãoseadiantouparacumprimentá-los;apenasdisse:–Comquantosanosestáagora,Myron?Ummodointeressantedeiniciarumaconversa.–Trintaedois.–Temjogadoultimamente?–Pouco–respondeuMyron.–Estáemforma?–Querqueeufaçaumasflexões?–Nãoseránecessário.Ninguém se sentou nem ofereceu uma cadeira aos recém-chegados.
Naturalmenteosúnicosassentosdisponíveisalieramos ixos,quedavamparaaarena,masaindaassimeraestranho icardepénumencontrodenaturezapro issional.Myronaospoucosfoi icandoinquieto,semsaberaocerto o que fazer com as mãos. Pescou uma caneta do paletó, mas nãoadiantou. Então en iou as mãos nos bolsos e icou naquela posturacanhestra,afetandoadisplicênciadeummodelodepropagandademoda.– Myron, temos uma proposta interessante para lhe fazer – disse
Arnstein.–Proposta?–devolveuMyron,oincorrigívelinterrogador.–Sim.Fuieuquemorecrutou,vocêsabedisso.–Sei.–Dez,11anosatrás.QuandoeuaindaestavacomosCeltics.–Eusei.–Primeirabateria.–Eumelembromuitobem,Sr.Arnstein.–Vocêeraumabelapromessa,Myron.Umjogadorinteligente.Umtoque
inacreditável.Umpoçodetalento.–“Eupoderiatersidoalguém”–disseMyron.Arnsteinfranziuatestanumacaretaquesetornarafamosaaolongodos
seus mais de 50 anos dedicados ao basquete. A tal careta surgira nadécada de 1940, quando o jovem Clip ainda jogava com os RochesterRoyals,hojeextintos.Tornara-seaindamaisconhecidadepoisque,jácomotécnico,ele conduziuosBostonCelticsàvitóriaemvários campeonatos.Efoi alçada à condição de lenda após as famosas contratações feitas comopresidente do time. Três anos antes, Clip havia se tornado o sócio
majoritário dosDragonsdeNova Jersey, e a careta agora residia naEastRutherford,naalturadasaída16daNewJerseyTurnpike.–Oqueéisto,MarlonBrando?–elecuspiu,áspero.–Estranho,não?ÉcomoseopróprioMarlonestivessecomagente.Subitamente, as feiçõesdeClip relaxaram.Eleagorameneavaa cabeça
lentamente,fitandoMyroncomumaexpressãopaternal.–Vocêbrincaparaesconderador–falou,sério.–Euentendo.–Possolheserútilemalgumacoisa,Sr.Arnstein?–Vocênãochegouaparticipardenenhumjogoprofissional,chegou?–Osenhorsabemuitobemquenão.Clipmaisumavezmeneouacabeça.–Seuprimeirojogonapré-temporada–relembrou.–Terceiroquarto.Já
havia marcado 18 pontos. Nada mal para um novato em seu primeiroamistoso.Foientãoqueodestinolhepregouumapeça.A peça do destino havia sido Burt Wesson, um grandalhão dos
Washington Bullets. Uma trombada violenta, uma dor lancinante, umapagão.–Umagrandetragédia–arrematouClip.–Ahã.–Nuncaconseguiaceitaroqueaconteceucomvocê.Quedesperdício.MyronolhouderelanceparaCalvinJonhson,queolhavaparaonadade
braçoscruzados,umlagoplácidonasfeiçõesdorostonegro.–Ahã–disseMyronnovamente.–Porissoeugostariadelhedarumanovachance.Myrontevecertezadequetinhaouvidomal.–Comoéqueé?–Temosumavaganotime.Gostariadecontratá-lo.Myron esperou um instante. Olhou para Clip, depois para Calvin.
Nenhumdosdoisestavarindo.–Cadê?–perguntouele.–Cadêoquê?–Acâmera.ÉumdaquelesprogramasdepegadinhadaTV,nãoé?–Nãoépegadinhanenhuma,Myron.–Sópodeser,Sr.Arnstein.Faz10anosquenãoparticipodeumtorneio
debasquete.Fratureiojoelho,lembra?–Tudobem.Mas, comovocêmesmodisse, isso foi há10 anos. Sei que
conseguiurecuperarseujoelhodepoisdacirurgiaedemuitafisioterapia.– Então deve saber também que tentei voltar a jogar. Sete anos atrás.
Masojoelhonãoaguentou.
–Aindaeramuitocedo–argumentouClip.–Evocêacaboudedizerquevoltouajogar.–Partidasdefimdesemana.UmpouquinhodiferentedaNBA...Clipdesqualificouoargumentocomumgestodemãoedisse:–Vocêestáemplenaforma.Atéseofereceuparafazerflexões.Myron apertou as pálpebras, correndo os olhos de Clip para Calvin
Johnson,enovamenteparaClip.Ambosexibiamumaexpressãoneutra.– Por que tenho a sensação de que vocês estão escondendo alguma
coisa?Clip inalmentesorriueolhouparaCalvin,queseviuobrigadoafabricar
umsorrisotambém.–Talvezeudevessesermenos...–Clipbuscouapalavracerta–vago.–Seriaótimo.–Querovocênomeutime.Nãoimportasevaijogarounão.Myronnovamente icouesperandoporalgumaluz.Vendoquenenhuma
viria,disse:–Aindaumtantovago.Clip exalou um longo suspiro. Caminhou até o frigobar e de lá retirou
uma caixinha de achocolatado. Havia um estoque na geladeira. Hum. Elehaviasepreparado.–Vocêaindagostadestaporcaria?–Gosto–disseMyron.Clip arremessoua caixinhapara ele e encheudois copos comalgoque
derramou de umdecantador. Depois de entregar umdos copos a Calvin,apontouparaascadeirasdiantedavidraça.Perfeitas.Exatamentenalinhacentraldaarena.Ecomumrazoávelespaçoparaaspernas.MesmoCalvin,que tinha mais de dois metros, podia se espichar um pouco. Os três sesentaram lado a lado, todos virados para a arena, o que ainda eraestranho.Numareuniãodenegóciosaspessoasgeralmentesesentamdefrenteumaspara as outras, ao redordeumamesa.Mas ali eles estavamombroaombro,olhandoparaaequipequeafixavaotablado.–Saúde–brindouClip,ebebeuumgoledeuísque.Calvin Johnson apenas ergueu seu copo. Myron, obedecendo às
instruçõesdofabricante,agitouacaixinha.–Senãoestouenganado–prosseguiuClip–,vocêagoraéadvogado.– Sou membro da Ordem – falou Myron –, mas raramente preciso
advogar.–Agenciaatletas,nãoé?–É.
–Nãoconfioemagentes–disseClip.–Nemeu.–Demodogeralsãounssanguessugas.– Preferimos o termo “entidades parasitas” – disse Myron. – É mais
politicamentecorreto.ClipArnsteinseinclinouparaafrenteecravouosolhosemMyron.–Comovousabersepossoconfiaremvocê?Myronapontouparasimesmo.–Minhatesta.Estáescritonelaquesouumapessoaconfiável.–Tudobem.–Vocêmedásuapalavradequenossaconversanãosairádestasala?–Dou.Cliphesitouum instante.OlhouparaCalvin Jonhson, reacomodou-sena
cadeiraeporfimdisse:–VocêconheceGregDowning,claro.ClaroqueMyron conheciaGregDowning.A rivalidadeentreosdois se
instalara logonoprimeiro jogodeumcampeonatomunicipalemqueeleshaviam se confrontado, ainda no ensino fundamental, a menos de 20quilômetros de onde Myron estava agora. No ensino médio, Greg semudaracoma famíliaparaacidadevizinhadeEssexFalls,poisopainãoqueria ver o ilho dividindo a ribalta do basquete comMyron. Foi entãoque a rivalidade entre os garotos tomou novas proporções. Ao longo doensinomédio,ambosseenfrentaramoitovezes,cadaumvencendoquatrojogos.MyroneGreghaviamsetornadoosatletasmaiscobiçadosdeNovaJersey, e depois ingressaram em universidades com times fortes debasquete e um longo histórico de rivalidade: Myron na Duke e Greg naUniversidadedaCarolinadoNorte.Nosanosde faculdade,dividiramduascapasdaSportsIllustrated . Suas
equipes haviam vencido duas vezes o campeonato da Costa Leste, masMyron vencera um campeonato nacional. Tanto ele quanto Greg foramincluídos pela crítica especializada na lista de melhores armadores dobasquete universitário. Até a formatura, a Duke e a Universidade daCarolinadoNorteseenfrentaram12vezes,comoitovitóriasparaaequipedeMyron.ÀépocadosrecrutamentosparaaNBA,ambosforamescolhidoslogonaprimeirabateria.Arivalidadeatingiuseuápice.Noentanto,acarreiradeMyronchegouao imquandoeletromboucom
ogiganteBurtWesson.GregDowning,porsuavez,escapoudasgarrasdodestino para se tornar um dos principais armadores da NBA. Durante a
carreira de 10 anos com os Dragons de Nova Jersey, foi convocado oitovezesparaaequipe“All-Star”americana.Porduasvezesfoiojogadorcomo maior número de cestas de três pontos; por quatro, o jogador com omaioraproveitamentode lances livres;eporuma,o jogadorcomomaiornúmero de assistências. Estampou a capa de três edições da SportsIllustratedevenceuumcampeonatodaNBA.–Sim,conheçoGreg–respondeuMyron.–Vocêssefalamcomfrequência?–perguntouClipArnstein.–Não.–Quandofoiaúltimavezquesefalaram?–Nãolembro.–Nosúltimosdias?–Achoquefaz10anosquenãofalocomGreg.–Ah–disseClip,edeumaisumgolenouísque.Calvinaindanãohavia
tocadonoseu.–Bem,vocêdeveterouvidosobreacontusãodele.–Algumacoisanotornozelo,nãoé?–falouMyron.–Coisaderotina.Pelo
quesei,eleestáafastado,emrecuperação.Clipfezquesimcomacabeça.–Essaéahistóriaquepassamosparaamídia.Masnãoéexatamentea
verdade.–Ah,não?–Gregnãosecontundiu–revelouClip.–Eledesapareceu.–Desapareceu?–Denovooincorrigívelinterrogador.– Sim. – Clip deu mais um gole. Myron também bebeu um pouco do
achocolatado,emborasuavontadefossesorvê-loatéofim.–Desdequando?–perguntou.–Fazcincodias.Myron olhou para Calvin, que permanecia impassível.Mas assim era o
rosto dele. Nos tempos em que jogava, tinha o apelido de Geleira, poisraramentedemonstravaalgumaemoção.Aindafaziajusaonome.Myronfeznovatentativa:–QuandovocêdizqueGreg“desapareceu”...–Sumiudomapasemdeixarrastros–disseClip.–Escafedeu-se.Chame
comoquiser...–Vocêsavisaramàpolícia?–Não.–Porquenão?Clipnovamentefezumsinalcomamão.–VocêconheceoGreg.Elenãoénadaconvencional.
Aobviedadedomilênio.–Nuncafazoqueseesperadele–prosseguiuClip.–Detestaafamaque
conquistou. Gosta de icar sozinho. Inclusive já sumiu outras vezes nopassado,masnuncaduranteafasefinaldocampeonato.–Edaí?– E daí que há uma grande probabilidade de que ele esteja apenas
sendo o esquisitão de sempre – disse Clip. – Greg arremessa comoninguém,mas verdade seja dita: está a dois passos da demência. Sabe oqueelefazdepoisdosjogos?Myronnegoucomumacenodecabeça.–Dirigeumtáxinacidade.Issomesmoquevocêouviu:aporcariadeum
táxi amarelo em Manhattan. Diz que é para se aproximar das pessoascomuns. Greg não comparece a nenhum evento público. Não fazpublicidadenemdá entrevistas.Nemsequer contribui comalguma causailantrópica. E o jeito que ele se veste? Parece um personagem de umdaquelesseriadosdadécadade1970.Ocaraéumloucodepedra.–Oqueotornaaindamaispopularentreos fãs–observouMyron.–E
portantovendemaisingressos.–Concordo–disseClip–,masissosócorroboraaminhatese.Chamara
polícia traria enormes prejuízos não só para o próprio Greg,mas para aequipe inteira. Você pode muito bem imaginar o circo que a mídia fariacomumahistóriadessas,não?–Seriaumhorror–admitiuMyron.–Exatamente.MaseseeleestiverapenasdandoumtempoemFrench
Lick, ou em qualquer outro buraco onde costuma se en iar durante asférias, pescando ou fazendo sei lá o quê? Meu Deus, a novela não teriamaisfim.Poroutrolado,suponhamosqueeletenhaaprontadoalguma.–Aprontadoalguma?–repetiuMyron.– Sei lá. É apenas uma suposição. Mas não preciso de um maldito
escândalonessaalturadocampeonato.Nãocomas inaisseaproximando,entende?Myronnãoentendia,masdeixoupassar.–Quemmaissabedessahistória?–perguntou.–Sónóstrês.Osfuncionáriosdoestádiojáarmavamascestas.Haviaumparadicional
para o caso de alguém quebrar a tabela. Como amaioria dos estádios, oMeadowlandsdeNovaJerseydispunhademaisassentosparaobasquetequeparaohóquei–nocaso,milassentosamais.Myrondeuoutrogolenoachocolatado e deixou que o líquido escorresse lentamente garganta
abaixo.Sóentãofezaperguntaóbvia:–Eeu,ondeentronisso?Cliphesitouantesderesponder.Respiravacomcertadi iculdade,quase
ofegando.–SeialgumacoisasobreoseupassadonoFBI–dissea inal.–Nenhum
detalhe, claro. Apenas coisas vagas,mas o bastante para saber que vocêtemalgumaexperiência.QueremosquevocêencontreoGreg.Nasurdina.Myronnãodissenada.Aoqueparecia,seupassadode“agentesecreto”
nãotinhaabsolutamentenadadesecreto.Clipdeuumgoleemsuabebida,olhou para o copo cheio de Calvin e depois para o próprio Calvin, quefinalmenteprovououísque.VoltandoaatençãoparaMyron,continuou:–Greg agora é divorciado. A bemda verdade, é um solitário. Todos os
amigos dele... ou melhor, todos os conhecidos, são os companheiros deequipe, que funcionam como uma espécie de grupo de apoio, por assimdizer. São a família dele. Se alguém souber onde ele está... e se alguémestiverajudandoGregaseesconder,sópodeserumdosDragons.Vouserhonesto com você: esses caras são um pé no saco. Um bando demimadinhosqueachamquenossoúnicoobjetivonavida é servi-los.Mastodos têm uma coisa em comum: veem os cartolas como inimigos. “Nóscontraomundo”,essetipodebobagem.Nuncanosdizemaverdade.Nemaos jornalistas. E se você tentar se aproximar deles como, digamos, uma“entidade parasita”, também não vai ouvir a verdade. O único jeito é setornarumdeles.Umjogador.Sóumjogadorteráalgumachancedesoltaralínguadeles.–EntãovocêquerqueeuentrenaequipeparaencontraroGreg?Myron ouviu na própria voz os ecos de sua dor, que vieram à tona
contra a sua vontade. Percebendo que os outros dois tinham reparadonisso,coroudevergonha.Cliptocou-onoombro.–Myron,fuisinceroquandodissequevocêpoderiatersidoumgrande
jogador.Umdosmelhores.Myrondeuumgrandegolenoachocolatado;estavafartodosgolinhos.–Desculpe-me,Sr.Arnstein.Nãovoupoderajudá-lo.OcenhofranzidonovamentedeuoardesuagraçanorostodeClip.–Não?– Tenho uma vida. Agencio atletas. Tenho clientes que precisam dos
meuscuidados.Nãopossoabandonartudodeumahoraparaoutra.–Vocêvaiganhararemuneraçãomínimadosjogadores,proporcionalà
sua participação na temporada. Ou seja, cerca de 200 mil dólares. E só
faltam algumas semanas para as inais. Até lá vamos mantê-lo no time,aconteçaoqueacontecer.–Não.Meusdiasde jogadoracabaram.Alémdomais,nãosounenhum
detetiveparticular.–MasprecisamosencontraroGreg.Épossívelqueeleesteja correndo
algumperigo.–Sintomuito.Minharespostaénão.Clipsorriu.–Esecolocarmosmaisalgumdocinhonasuaboca?–Não.–Umbônusde50mil.–Desculpe.– Mesmo que Greg dê as caras amanhã, você receberá seu bônus.
Cinquentamilpratas.Maisumaporcentagemdarendadasfinais.–Não.Clip se recostouna cadeira.Olhando ixamente para o uísque, afundou
neleoindicadoreremexeuolíquido.Displicentemente,falou:–Vocêfalouqueagenciaatletas,certo?–Certo.– Soumuito amigo dos pais de três garotos que vão ser recrutados na
primeirabateria.Sabiadisso?–Não.– Suponhamos – disse Clip lentamente – que eu prometa a você um
contratocomumdessesgarotos.Myron icou subitamente interessado. Um contrato com um atleta
recrutado logo na primeira bateria de convocações. Tentou manter acalma,darumadeGeleira,masseucoraçãoretumbavanopeito.–Comopodemeprometerumacoisadessas?–Confieemmim.–Nãomeparecemuitoético.Clipdeuumrisinhodeescárnio.–Myron, não vá querer bancar o santo comigo agora. Vocême presta
esse pequeno serviço, e a MB Representações Esportivas ganha seuprimeiro contrato comumatletadeprimeirabateria.Douminhapalavra.SejaláqualforodesfechodessahistóriacomoGreg.MBRepresentaçõesEsportivas.AagênciadeMyron.MyronBolitar.Daío
MB. Uma agência de representação de atletas. Daí o RepresentaçõesEsportivas.Somandoumacoisaaoutra:MBRepresentaçõesEsportivas.OpróprioMyronhaviacunhadoonome,masatéentãonenhumaagênciade
publicidadehaviarequisitadoseustalentoscriativos.–Cemmildólaresdebônuslogonacontratação–contrapôsele.Clipsorriu.–Vocêaprendeudireitinho,Myron.Myrondeudeombros.– Setenta e cincomil – ofereceu Clip. – E você vai aceitar. Soumacaco
velho,nãopercaseutempotentandomepassaraperna.Oacordofoiseladocomumapertodemãos.– Tenho mais algumas perguntas quanto ao sumiço de Greg – disse
Myron.Apoiando-senosdoisbraçosdacadeira,Clip icoudepéesepôsdiante
dele.– Calvin lhe dará todas as respostas – falou, apontando o queixo na
direçãododiretor-geral.–Agoraprecisoir.–Então,quandovocêquerqueeucomeceatreinar?Clippareceusurpresocomapergunta.–Treinar?–É.Quandovocêquerqueeucomece?–Temosumjogohojeànoite.–Hojeànoite?–Sim.–Querqueeujogueaindahoje?– Contra um dos nossos velhos adversários, os Celtics. Calvin
providenciará seu uniforme a tempo. Coletiva com a imprensa às seishorasparaanunciaracontratação.Nãoseatrase.–Clipfoisaindorumoàporta.–Euseessagravata.Gosteidela.–Hojeànoite?–repetiuMyron,masClipjáhaviasaído.
capítulo2
ASSIM QUE CLIP DEIXOU a tribuna, Calvin Johnson se permitiu um discretosorriso.–Faleiqueseriaestranho,nãofalei?–Estranhoépouco–concordouMyron.–Játerminouseuachocolatado?Myronjogouacaixinhafora.–Já.–Entãovenha.Precisamosnosprepararparaagrandeestreia.Calvin Johnson andava com desenvoltura, o tronco ereto. Era negro,
magérrimoemuitoalto(2,07m),masnãotinhaumcorpodesproporcionalnemeradesengonçado.EstavausandoumternocinzadaBrooksBrothers,de corte perfeito. O nó da gravata também era perfeito, assim como olustro dos sapatos. Os cabelos muito crespos começavam a retroceder,deixando a testa um tanto grande e brilhante demais. QuandoMyron sematriculou na Duke, Calvin já cursava o último ano na Universidade daCarolina do Norte. Portanto tinha uns 35 anos, embora parecesse maisvelho.Tiveraumabela trajetórianobasquetepro issional ao longode11temporadas.Aoseaposentar,trêsanosantes,todossabiamqueseguiriaocaminho da administração esportiva. Começara como técnico-assistente,passara a gerente de elenco e recentemente fora promovido a vice-presidente e diretor-geral dos Dragons de Nova Jersey. Apenas títulos,porém. Era Clip quem comandava o circo. Diretores-gerais, vice-presidentes, gerentes de elenco, preparadores ísicos e até mesmotécnicos,todossedobravamàsvontadesdele.–Esperoquevocêlevenumaboaessasuanovamissão–disseCalvin.–Eporquenãolevaria?Calvindeudeombros:–Jájogueicontravocê.–Edaí?–Edaí que você éumdos ilhosdaputamais competitivosque já tive
que enfrentar em campo – respondeu Calvin. – Pisaria na cabeça dealguém se isso fosse necessário para vencer. E agora vai esquentar abundanumbancodereservas.Então,comoéquevaiser?–Nãovaiserproblemaalgum.
–Ahã.–Amoleciaolongodosanos.Calvinbalançouacabeça.–Duvido.–Duvida?– Pode achar que amoleceu. Talvez até achar que tirou o basquete da
cabeça.–Etireimesmo.Calvinparou,sorriu,espalmouasmãos.–Claroquesim.Bastaolharparavocê,Myron.Vocêpoderiamuitobem
estampar o pôster do que deveria ser a pós-vida de um atleta. Um beloexemploparaqualqueresportista.Suacarreirainteiradesaboudiantedosseusolhos,masvocêenfrentouodesa io.Voltouparaafaculdade...Paraafaculdade de Direito de Harvard, ainda por cima. Abriu seu próprionegócio,umaagênciaderepresentaçãodeatletasemfrancocrescimento...Aindaestánamorandoaquelaescritora?EleestavafalandodeJessica.Emboraorelacionamentocomelaandasse
semprenacordabamba,Myronrespondeu:–Estou.– Então. Você conseguiu seu diploma, sua empresa e uma namorada
bonita. No aspecto exterior parece um homem plenamente feliz eequilibrado.–Noaspectointeriortambém.Calvinbalançouacabeça.–Achoquenão.–Nãofuieuquepediparaentrarnotime–argumentouMyron.–Mastambémnãoresistiumuito.Apenasbarganhouagrana.–Souagente.Éissoqueeufaço.Barganhograna.CalvinparounovamenteeolhouparaMyron.–Vocêrealmenteachaqueprecisafazerpartedaequipeparaencontrar
oGreg?–NaopiniãodoClip,sim.– Clip é um sujeito formidável – disse Calvin –,mas cheio de segundas
intenções.–Tipooquê?Calvinnãorespondeu.Retomouacaminhada.Eles alcançaram o elevador. Calvin apertou o botão e as portas
imediatamenteseabriram.Elesentrarameforamdescendo.–Olhebemnosmeusolhos–prosseguiuCalvin–emediz, com todaa
sinceridade,quenuncapensouemvoltarajogar.–Quemnuncapensaemvoltar?–rebateuMyron.–Sim,masdizaí sevocênãovaiumpassoalém, sedevezemquando
não dá asas à imaginação e sonha em voltar correndo para as quadras.Mesmo agora, quando está vendo algum jogo na TV, diz que não senteaquela isgada no peito. Diz que, vendo o Greg jogar, você não icapensandoemtodaaglóriaeadulaçãodeumacarreiradesucesso.Dizquenuncapensa:“Eueramelhordoqueele.”Porqueéverdade,Myron.Gregéumótimo jogador,umdos10melhoresda liga.Masvocêeramelhor.Nósdoissabemosdisso.–Issofoihámuitotempo–disseMyron.Calvinsorriuedisse:–Tudobem,vai.–Aondevocêquerchegarafinal?– Você está aqui para encontrar o Greg. Mas depois que encontrá-lo,
vocêvaiembora.E todaanovelachegaráao im.Clipvaipoderdizerquelhe deu uma chance, mas que você não estava à altura do desa io. Vaiposardebonzinhoerecebertodaabajulaçãodamídia.– Bajulação da mídia – repetiu Myron, lembrando-se da coletiva que
tinhapelafrente.–Seriaessaumadesuassegundasintenções?Calvindeudeombros.–Nãoimporta.Oquerealmenteimportaéquevocênãoalimentemuito
as suas esperanças. Vai jogar apenas se estivermos ganhando por umadiferençamuitogrande,oqueraramenteacontecenasfinais.Emesmoqueaconteça,mesmoquevocêjoguemaravilhosamente,nósdoissabemosquetudonãoterápassadodeumagrandecolherdechá.Evocênãovai jogarmaravilhosamenteporqueéum ilhodaputacompetitivoparacarambaesó joga bemquando sabe que os pontos são de initivos para a vitória dotime.–Entendo–disseMyron.– Espero que sim, meu amigo. – Calvin ergueu os olhos para a
numeração dos andares. As luzes re letiram no castanho das íris. – Ossonhosnuncamorrem.Àsvezesachamosqueelesestãomortos,masestãoapenas hibernando comoumurso velho. E quando a hibernação émuitolonga,oursoacordabravoefaminto.–Vocêdeviaescrevermúsicacountry–sugeriuMyron.Calvinbalançouacabeça.–Estouapenastentandoabrirosolhosdeumamigo.–Muitoagradecido.Masagora,quetalmecontartudooquesabesobre
osumiçodeGreg?O elevador parou e as portas se abriram. Calvin saiu primeiro para
mostrarocaminho.– Não há muito a contar – a irmou. – Jogamos contra os Sixers na
Filadél ia. Depois do jogo, Greg entrou no ônibus com todo mundo e,quandochegamosaqui,saiucomtodomundotambém.Foivistopelaúltimavezquandoestavaentrandonocarrodele.Eissoétudo.–Comoeleestavanaquelanoite?–Bem.TinhafeitoumbomjogonaFiladélfia.Marcou27pontos.–Maseoestadodeespírito?Calvinrefletiuuminstante.–Nãonoteinadadediferente–falou.–Algumanovidadenavidapessoal?–Novidade?–Mudanças,essetipodecoisa.–Bem, teve o divórcio – observouCalvin. –Umdivórcio feio. Sei que a
Emily pode ser bastante di ícil. – Mais uma vez ele parou e abriu umsorrisoparaMyron.UmsorrisodegatodeAlice.Myronnãooretribuiu.–Eaí,Geleira,lembroudealgumacoisa?Osorrisoseescancarouaindamais.–VocêeEmilyjánãotiveramumrolotambém?–Séculosatrás.–Namoradinhosdefaculdade,semelembrobem.–Comoeudisse,séculosatrás.–Então–disseCalvin,voltandoacaminhar–,atécomasmulheresvocê
eramelhorqueoGreg.Myronignorouocomentário.–Clipsabedemeusuposto“passado”comEmily?–Eleémuitometiculosonaspesquisasquefaz.–Entãofoiporissoquevocêsmeescolheram–disseMyron.–Ofatofoilevadoemconsideração,masnãocreioquetenhasidomuito
importante.–Porquê?– Greg detesta Emily. Jamais con iaria um segredo a ela. Mas, desde o
início dessa guerra pela guarda dos ilhos, algo de initivamente mudounele.–Comoassim?–Parainíciodeconversa,eleassinouumcontratodepublicidadecoma
Forte,amarcadetênis.
Myronficousurpreso.–Greg?Umcontratodepublicidade?–Tudo foi feitoassim,meionamoita–explicouCalvin. –Anotícia será
divulgadanofimdomês,poucoantesdasfinais.Myronassobiouefalou:–Eledeveterrecebidoumafortuna.–Fortunaemeia,segundoouvidizer.Maisde10milhõesporano.– Faz sentido. Um jogador popular que por mais de uma década se
recusou a endossar qualquer produto. O apelo não poderia sermaior. AForte tem uma grande presença no atletismo e no tênis, mas épraticamente desconhecida no mundo do basquete. O endosso de Gregdaráaelesumacredibilidadeinstantânea.–Éverdade–concordouCalvin.–VocêconsegueimaginaroquelevouGregamudardeideiadepoisde
tantosanos?Calvindeudeombros.– Talvez ele tenha se dado conta de que já não é nenhum garotão em
iníciode carreirae resolvidoencheraburra.Talvez tenha sido todaessahistóriadodivórcio.Ou talvez ele tenha levadoumaporradana cabeça edespertadocomummínimodejuízo.–Ondeelefoimorardepoisdodivórcio?–NacasadeRidgewood.NocondadodeBergen.Myron sabia muito bem onde icava Ridgewood. Pediu o endereço, e
Calvinlhepassou.–EaEmily?–perguntouMyron.–Ondeelaestámorando?– Foi com as crianças para a casa da mãe dela. Acho que estão em
FranklinLakes,oualgumlugarnaqueleslados.– Vocês já izeram alguma averiguação? A casa de Greg, os cartões de
crédito,ascontasbancárias...Calvinfezquenãocomacabeça.– Clip achou que o assunto era grave demais para ser con iado a uma
agênciadedetetives.Porissochamamosvocê.PasseidecarropelacasadeGregalgumasvezesenumadelaschegueiabaternaporta.Nenhumcarronaentradaounagaragem.Nenhumaluzacesa.–Masninguémentrounacasa?–Não.–Então,atéondevocêssabem,épossívelqueeletenhaescorregadono
chuveiroebatidoacabeça.Calvinolhouparaele.
–Faleiquenãotinhanenhumaluzacesa.Achaqueeleestariatomandobanhonoescuro?–Bempensado–disseMyron.–Quebeloinvestigadorvocêé.–Costumodemorarparaengrenar.Eleschegaramàsaladotime.–Espereaqui–pediuCalvin.Myronpescouseucelular.–Vocêseimportaseeufizerumaligação?–Fiqueàvontade.AssimqueCalvinatravessouaporta,Myronligouocelularediscouum
número.Jessicaatendeunosegundotoque.–Émelhorquevocêtenhaumaboadesculpa–disseela.– Uma excelente desculpa: fui contratado para jogar basquete
profissionalnaequipedosDragonsdeNovaJersey.–Ótimo.Bomjogoparavocê,meuamor.– É sério. Vou jogar com osDragons. Na verdade, “jogar” não é bem a
palavra. O mais correto seria dizer que vou ralar a bunda no banco dereservas.–Vocêestámesmofalandosério?–Éuma longahistória,masestousim.Apartirdehojesouum jogador
debasqueteprofissional.Silêncio.– Nunca saí com um jogador de basquete na minha vida – comentou
Jessica.–AgoravouficarigualaMadonna.–Likeavirgin–disseMyron.–Uau.Areferêncianãopoderiasermaisantiga.–Éverdade,mas...Oqueeupossodizer?Souumcaradosanos80.–Então,Sr.Anos80,vaimedizeroqueestáacontecendoounão?–Agoranãovaidar.Maistarde.Depoisdojogo.Voudeixarumingresso
paravocênabilheteria.Calvinespichouacabeçapelaporta.–Quenúmerovocêveste?Quarentaedois?–Quarentaequatro.Talvez46.Calvinmeneouacabeçaevoltouàsala.Myrondiscouonúmeroprivado
de Windsor Horne Lockwood III, presidente da prestigiosa corretora devaloresLock-HorneSecurities,nocentrodeManhattan.Winrespondeunaterceirachamada.–Articule.
–Articule?–Eudisse“articular”,não“repetir”.–Temosumcaso–informouMyron.– Misericórdia... – resmungou Win com sua costumeira in lexão
quatrocentona. – Fico feliz com as boas-novas. Feliz, exultante, extasiado.Mas antes que eu molhe as calças de tanto júbilo, preciso fazer umapergunta.–Mandabala.– Este novo caso... seria mais um daqueles seus rompantes de
filantropia?–Podeirmolhandoascalças,porquearespostaénão.– Não? Nosso heroicoMyron não pensa em empreendermais uma de
suascruzadasmorais?–Dessavez,não.–GlóriaaoPainasalturas!Entãooqueé,afinal?–GregDowningestádesaparecido.Nossamissãoéencontrá-lo.–Eoquevamosreceberpelosserviçosprestados?– Pelo menos 75 mil, mais um contrato com um atleta de primeira
bateria. –Myron julgou que aquele não era omomento de contar aWinsobresuatemporáriamudançadecarreira.–Alvíssaras!–exclamouWin.–Porondecomeçamos?MyronpassouaeleoendereçodacasadeGregemRidgewood.–Nosencontramosláemduashoras–falou.–VoupegaroBatmóvel–disseWin,edesligou.CalvinvoltouàportaeestendeuaMyronouniformecomascores(roxo
eturquesa)dosDragonsdeNovaJersey.–Experimenteisto.Myron icouimóvelporuminstante.Ficouali,olhandoparaouniforme,
oestômagoameaçandocâimbras.Porfim,quaseameia-voz,disse:–Número34?– É – disse Calvin. – Seu número na equipe da Duke. Eu ainda me
lembro.Silêncio.QuefoiquebradoporCalvin:–Anda,experimenta.Myronsentiuosolhosmarejarem.Balançouacabeçaedisse:–Nãoserápreciso.Tenhocertezadequeéotamanhocerto.
capítulo3
RIDGEWOOD FAZIA PARTE dos abastados subúrbios de Nova Jersey, umadaquelascidadezinhasqueaindaeramchamadasde“vilarejos”,onde95%dos alunos iam para a universidade e ninguém deixava que os ilhos seassociassem aos 5% restantes. Aqui e ali se viam alguns conjuntoshabitacionais,exemplosrarosdaexplosãosuburbanaocorridaemmeadosdosanos1960,masdemodogeralasbelascasasdeRidgewooddatavamdeumtempomaisremotoe,emtese,maisinocente.Myron encontrou a casa de Downing sem nenhuma di iculdade. Estilo
vitoriano. Grande,mas sem exagero: três pavimentos comum telhado decedro perfeitamente desbotado. À esquerda havia uma daquelas torresarredondadas de cume pontudo. A varanda era ampla, com todos osapetrechosdeumquadrodeNormanRockwell:umsofádebalanço;umabicicletadecriançarecostadaàparede;umtrenó,emboranãonevasseháseissemanas.Acestadebasquete,quenãopoderiafaltar,jáseencontravaligeiramente enferrujada, perto da via de acesso à garagem. Os adesivosvermelho e prata do Corpo de Bombeiros reluziam em duas janelas dosegundo pavimento. Carvalhos centenários margeavam o caminho comosentinelasveteranos.Win ainda não havia chegado. Myron estacionou e baixou a janela do
carro. Um dia perfeito de março. O céu, azul como ovos de rouxinol.Passarinhos cantavam para completar o clichê. Myron tentou imaginarEmilyali,masaimagemnãosesustentava.Eramuitomaisfácilvê-lanumarranha-céu em Nova York ou numa daquelas mansões de novos-ricos,toda branca com esculturas de Erté, adornos de prata e um excesso deespelhos commolduras espalhafatosas. Por outro lado, fazia 10 anos queeles não se falavam. Talvez ela tivesse mudado. Ou talvez ele estivesseequivocadonojuízoquevinhafazendodeladurantetodoessetempo.Nãoseriaaprimeiravez.EraengraçadoestardevoltaaRidgewood.Jessicahaviacrescidoali.Não
gostavadevoltaraolugar,masagoraosdoisamoresdavidadele(Jessicae Emily) tinham mais uma coisa em comum: o vilarejo de Ridgewood. Omais novo itemde uma lista que já incluía coisas como: conhecerMyron,ser cortejada porMyron, apaixonar-se porMyron, esmagar o coração deMyroncomosaltoagulhadeumsapato.Coisasderotina.
Emilyforasuaprimeiramulher.Perderavirgindadenoprimeiroanodefaculdadeera tardeparaosparâmetrosda época, pelomenos segundooque a rapaziada alardeava. Mas se de fato houve uma revolução sexualentreosadolescentesamericanosnaviradadosanos1970paraos1980,Myron ou icara de fora dela ou nem sequer a percebera. Sempre izerasucesso com as mulheres, o problema não era esse. Mas enquanto osamigos discursavam detalhadamente sobre suas diversas aventurasorgíacas, Myron parecia atrair o tipo errado de mulher, as certinhas,aquelas que ainda diziam não – ou teriam dito caso ele tivesse tido acoragem(ouaantevisão)detentaralgumacoisa.Issomudounafaculdade,quandoeleenfimconheceuEmily.Paixão.Umapalavra relativamente gasta,masqueMyron julgava ser a
maisapropriadaparaseucaso.Nomínimo,umaatraçãoirresistível.Emilyera o tipo demulher que os homens costumam chamar de “gostosa” emvezde “bonita”.Umhomemvêumamulherbonita e faz oquê?Pintaumquadro, escreve um poema. Mas quem visse Emily logo pensaria emarrancarsuasroupas.Emilyexalavasensualidade;talveztivesseunscincoquilinhos a mais que o desejável, mas esses quilinhos eram distribuídoscom perfeição. A dupla formava uma poderosa mistura. Ambos tinhammenosde20anos,ambosestavamlongedecasapelaprimeiravez,amboserampessoascriativas.Nitroglicerinapura.OtelefonedocarrotocoueMyronatendeu.– Suponho que o plano seja invadir a residência dos Downing – disse
Win.–Correto.–Então,estacionarocarrodiantedaditaresidêncianãomepareceuma
decisãomuitosábia,concorda?Myronolhouaoredor.–Ondevocêestá?– Vá até o im do quarteirão. Dobre à esquerda, depois a segunda à
direita.Estoudiantedeumcentrocomercial.Myron desligou e deu partida no carro. Seguindo as instruções
recebidas,chegouaoestacionamentodopequenoshopping.Winestavaalidebraçoscruzados,recostadoemseuJaguar.Parecia,comosempre,estarposandoparaacapadeumarevistavoltadaaamericanosbrancosericos.Os cabelos louros estavam meticulosamente penteados. As facesligeiramente rosadas, o rosto de traços marcantes e porcelânicos, talvezperfeitosdemais.Usavaumpardecalçascáqui,blazerazul-marinhoeuma
gravataLillyPulitzerdecoresberrantes.Win tinhaexatamenteoaspectoque se espera de alguém chamadoWindsor Horne Lockwood III: elitista,autocentradoebunda-mole.Bem,bunda-moleelenãoera.O centro comercial abrigava um grupo eclético de estabelecimentos.
Consultório ginecológico. Eletrólise. Serviço de entrega de intimações.Nutricionista. Academia só para mulheres. Como era de se esperar, Winhaviaestacionadojuntoàentradadaacademia.Myronfoiaoencontrodele.– Como você sabia que eu estava na frente da casa do Greg? –
perguntou.Sem tirarosolhosdaportadaacademia,Winapontouoqueixoparaa
esquerda.–Aquelacolina.Doaltodáparavertudocomumpardebinóculos.Uma moça com seus 20 e poucos anos, usando uma malha preta de
aeróbica, saiu da academia com um bebê no colo. Não demorara muitopararecuperaraforma.Winsorriuparaela.Eelasorriudevolta.–Adoroasjovensmamães–disseWin.–Vocêadoramalhasdeginástica.Winconfirmoucomumacenodecabeça.–Temrazão.–Botouosóculosescuroseprosseguiu:–Então,vamoslá?–Achaqueéarriscadoentrarnacasa?Win estampou no rosto sua expressão de “Vou ingir que não ouvi”.
Outramulhersaiudaacademia;infelizmente,nãofezjusanenhumsorrisodeWin.–Coloque-meapardetudo–ordenouele.–Esaiadafrente.Queroque
elasvejamoJaguar.Myroncontou tudooque sabia.Oitomulheres saíramduranteos cinco
minutosgastoscomorelato.ApenasduasmereceramoSorriso.Umadelasusava uma malha com estampa de tigre; portanto fez jus ao Sorriso deVoltagemMáxima,oqueiadeorelhaaorelha.Windavaa impressãodenão ter registradonadadoqueMyrondisse.
Mesmo ao saber que o amigo ocuparia temporariamente a vaga deixadapor Greg nos Dragons, continuara a olhar com volúpia para a porta daacademiadeginástica.TípicoemsetratandodeWin.Myronterminouseurelatodizendo:–Algumapergunta?Winlevouoindicadoraoslábios.– Você acha que a tigresa estava usando alguma coisa por baixo da
malha?
–Seilá.Masseguramenteestavausandoumaaliança.Win deu de ombros. Alianças não signi icavam nada para ele. Ele não
acreditava no amor nem nos relacionamentos com o sexo oposto. Algunspoderiam acusá-lo demachista.Mas estariam enganados.Win não via asmulherescomoobjetos;certosobjetosmereciamseurespeito.–Venhacomigo–pediu.Win e Myron se encontravam amenos de um quilômetro da casa dos
Downing.Win já havia feito suas pesquisas, sabia qual era o trajeto quenão levantaria suspeitas. Eles caminharamno silêncio confortáveldedoishomensqueseconheciambemedesdemuitotempo.–Háumdetalheinteressantenestahistóriatoda–disseMyron.Winesperou.–VocêselembradeEmilyShaeffer?–perguntouMyron.–Onomenãomeéestranho.–FomosnamoradospordoisanosnaDuke.OsdoisamigoshaviamseconhecidonaDuke.Tambémhaviamdividido
a mesma suíte no dormitório durante quatro anos. Fora Win quemapresentaraMyronàsartesmarciais,quemolevaraatrabalharcomoFBI.Ele agora era um homem das altas inanças com sua empresa na ParkAvenue, uma corretora de valores que pertencia à família dele desde osprimórdiosdomercadoacionário.Myronalugavasalasnoprédiodoamigoe também con iava a ele toda a gestão do patrimônio inanceiro de seusclientesnaMBRepresentaçõesEsportivas.Winrefletiuuminstante.–Nãoéaquelaquecostumavaguincharfeitoummacaco?–Não–respondeuMyron.Winpareceusurpreso.–Quemeraaquelaqueguinchavafeitomacaco?–Nãofaçoamenorideia.–Talvezfosseumadasminhas.–Podeser.Winpensoumaisumpouco,sacudiuosombros.–Oquetemela,afinal?–EracasadacomGregDowning.–Elessedivorciaram?–Sim.–Agoramelembro–disseWin.–EmilySchaeffer,arechonchuda.Myronfezquesimcomacabeça.– Nunca gostei dela – prosseguiuWin. – A não ser pelos guinchos de
macaco.Tinhamláasuagraça.–Nãoeraelaqueguinchavafeitomacaco.Winsorriudiscretamente.–Asparedeseramfinas–falou.–Evocêficavabisbilhotandoagente?–Sóquandovocêbaixavaacortinademodoqueeunãopudessever.Myronbalançouacabeça.–Vocêéumamula.–Antesmulaquemacaco.Elesalcançaramogramadoemfrenteàcasaecaminharamatéaporta.
O truque era agir com amaior naturalidade possível. Esgueirar-se pelosfundos decerto chamaria a atenção de alguém. Di icilmente dois homensengravatadosentrandopelaportaprincipalseriamtomadosporladrões.Haviaumtecladodemetalcomumaluzinhavermelhaacesa.–Alarme–disseMyron.Winfezquenãocomacabeça.– É falso. Apenas uma luzinha. Provavelmente comprado numa loja
vagabunda. – Win olhou para a fechadura e deu um risinho. – Umaporcariadessasnacasadeumjogadordebasquetemilionário–comentou,claramenteenojado.–Umafechaduradebrinquedoseriamaissegura.–Maseatrancaembutida?–perguntouMyron.–Nãoestátrancada.Win já havia tirado da carteira uma tira de celuloide. Os cartões de
crédito eram rígidos demais. O celuloide funcionava bem melhor. Empoucos segundos, nãomais do que teria sido necessário caso tivessem achave, a porta se abriu e eles passaram ao hall de entrada. Acorrespondência, jogada através de uma fenda na porta, encontrava-seesparramada pelo chão. Myron rapidamente conferiu as datas depostagemnos envelopes. Ninguém estivera naquela casa por pelomenoscincodias.Adecoraçãoerabonita,deumfalsorústicoàlaMarthaStewart.Oestilo
dos móveis era o que as pessoas chamavam de “country simples”, deaspectorealmentesimplesmasdepreçosastronômicos.Muitopinho,vime,antiguidades e lores secas.Operfumedopot-pourri era forte, chegava aenjoar.Win e Myron se separaram. Win subiu para o escritório; ligou o
computadorecopioutudooquepôdeparaumdisquete.Myronencontrouasecretáriaeletrônicanumcômodoquecostumavaserchamadode“estaríntimo”,masqueosricosagorachamavamde“salaCalifórnia”ou“salade
lazer”.Asecretária informavaohorárioeadatadecadamensagem.Maisconveniente impossível. Myron apertou o botão. Logo na primeiramensagem,queavozdigitalinformavatersidorecebidaàs21h18danoiteemqueGregsumira,Myronencontroualgointeressante.Comavozmeiotrêmula,umamulherdizia:“AquiéaCarla.Teesperona
cabinedosfundosatémeia-noite.”Clic.Myronouviunovamente.Aofundoseouviaumacacofoniadeconversas,
música e taças tilintando.A ligaçãodecertohavia sido feitadeumbarourestaurante, sobretudo em razão da referência à tal cabine. Pois bem:quemseriaatalCarla?Umanamorada?Provavelmente.Quemmaisligariatão tardeparamarcarumencontroaindamais tardenaquelanoite?Mas,claro,aquelanãohaviasidoumanoitecomooutraqualquer.GregDowninghavia desaparecido em algum momento entre aquela ligação e a manhãseguinte.Estranhacoincidência.Ondeteriamelesseencontradoa inal?SeéqueGregdefatochegaraao
tal restauranteoubar.EporqueCarla,quemquerqueela fosse,pareciatãoabalada?Estariaele,Myron,imaginandocoisas?Myronouviuo restodasmensagens.NenhumaoutradeCarla. SeGreg
não tivesse ido ao seu encontro, ela não teria ligado outra vez?Provavelmente.Portanto,MyronpodiapresumircomcertasegurançaqueGreg Downing havia se encontrado com a tal Carla em algum momentoantesdeseusumiço.Umapista.TambémhaviaquatroligaçõesdeMartinFelder,oagentedeGreg,quea
cada mensagem parecia mais agastado. A última dizia: “Porra, Greg, porquevocênão ligadevolta?Essasuacontusãonotornozelo foimaisgravedoqueeupensava?Masnempenseemdarperdidonessemomento,justoagoraquevamosfecharnegóciocomaForte.Meliga,ok?”Haviaaindatrêsligações de um certo Chris Darby, que aparentemente trabalhava para aForte Sports Incorporated. ComoMartin, pareciapreocupado: “Martynãoquerme dizer onde você está. Acho que está fazendo algum tipo de jogocom a gente, Greg, tentando subir o preço, sei lá. Mas temos um acordo,não temos? Olha, vou lhe dar meu número de casa, está bem? E essacontusão?Oqueaconteceuexatamente?”Myron sorriu. Martin Felder tinha nas mãos um cliente desaparecido,
masestava fazendoopossívelpara tiraralgumavantagemdo fato.Ah,osagentes.Eleapertouumbotãodasecretáriaeletrônicadiversasvezes,eacerta alturaodisplaydeLEDmostrouo códigonuméricoqueGreghavia
criado para ligar e ouvir suasmensagens: 173. Um truque relativamentenovo no ramo. AgoraMyron poderia ligar a qualquer hora, digitar 173 eouvir todo o conteúdo da máquina. Em seguida ele apertou o botão derediscagem.Outro truque relativamentenovo.DescobrirparaquemGreghavialigadopelaúltimavez.Otelefonetocouduasvezesefoiatendidoporumamulher, que disse: “Kimmel Brothers”. Quem quer que eles fossem.MyrondesligouefoiaoencontrodeWinnoandardecima.Win continuava a copiar arquivos do computador enquanto Myron
vasculhavaasgavetas.Nadaespecialmenteútil.Eles foram juntos para a suíte do casal. A cama king-size estava
arrumada.Ambasasmesinhasdecabeceiraestavamatulhadasdecanetas,chavesepapéis.Ambas.Curiosoparaumhomemquemoravasozinho.Correndoosolhospeloquarto,Myronsedeparoucomumapoltronade
leituraquefaziaasvezesdecabideiro.AsroupasdeGregseencontravamjogadas sobre umdos braços e o espaldar. Normal, ele pensou. Eramaisorganizado que seu próprio quarto – o que não queria dizer muito. Noentanto, observando melhor, percebeu algo estranho no outro braço dacadeira.Duaspeçasderoupa:umablusabrancaeumasaiacinza.EleolhouparaWin.–TalvezsejamdaMacaca–disseWin.Myronfezquenãocomacabeça.– Faz meses que Emily não mora mais aqui. Por que as roupas dela
estariamjogadasnessacadeira?O banheiro se revelou igualmente desinteressante. Uma grande
banheira de hidromassagem à direita, um amplo chuveiro com sauna edois nécessaires sobre a bancada. Antes de qualquer coisa elesexaminaram os nécessaires. Um deles continha um tubo de creme debarbear, uma lâmina Gillette Atra, um frasco de pós-barba Polo, umdesodoranteroll-on.Ooutrocontinhaumestojodemaquiagemaberto,umvidrodeperfumeCalvinKlein,talcoinfantileumdesodoranteSecret.Juntodabancada,ochãoestavapolvilhadodetalco.Tambémhaviaduaslâminasdebarbeardescartáveissobreasaboneteiradahidro.–Eletemumanamorada–observouMyron.–Nãodiga–devolveuWin.–Um jogadordebasquetepro issionalcom
uma princesa núbia. Uma revelação e tanto. Talvez um de nós devessegritar:“Eureca!”–Sim,mas isso levantaumaquestão interessante–continuouMyron.–
Caso se trate mesmo de uma namorada, ela não teria acionado a políciadepoisdosumiçodeGreg?–Nãoseelesestiveremjuntos.MyronassentiuecontouaWinsobreaenigmáticamensagemdeCarla.Winbalançouacabeça.– Se estivessemplanejando uma fuga – argumentou –, por que ela lhe
diriaondeencontrá-la?– Ela não disse onde. Apenas que estaria na cabine dos fundos até a
meia-noite.–Aindaassim–ponderouWin.–Nãoéotipodecoisaqueumapessoa
faça antes de desaparecer. Digamos que por algummotivo Carla e Gregtenham decidido sumir por uns tempos. Não seria mais lógico que Gregsoubessedeantemãoondeencontrá-la?Myrondeudeombros.–Talvezelativessemudadoolugardoencontro.–Deondeparaonde?Dacabinedafrenteparaacabinedosfundos?–Comoéqueeuvousaber?Elesvasculharamorestodosegundoandar.Nadademuitointeressante.
O quarto do ilho de Greg tinha papel de parede com motivosautomobilísticoseumpôsterdopaidriblandoPennyHardawayparafazerum arremesso de bandeja. O da ilha era decorado em tons de roxo comdinossauros e motivos do seriadoBarney e seus amigos. Nenhuma pista.Aliás,nenhumaoutrapistaseriaencontradaantesqueelesdescessemaoporão.Tãologoacendeuasluzes,Myronaavistou.Tratava-sedeumporãoorganizado,decoresmuitovivas,queserviade
quarto de brinquedos para as crianças. Lá se viam diversos carrinhos,blocosdeLegoeumacasinhadeplásticocomescorregador.Nasparedes,cenasdefilmesdaDisney,comoAladdineOReiLeão.Haviaumatelevisãoeumaparelhodevídeo,alémdecoisasparaquandoascriançascrescessem:umamáquinade liperama,uma jukebox.Espalhadospelopiso,pequenascadeirasdebalanço,colchonetesesofazinhossurrados.Também havia sangue. Muito sangue, respingado pelo chão. Além de
manchasgrandesnasparedes.Myron teve náuseas. Vira sanguemuitas vezes na vida,mas ainda não
tinha se acostumado. O que não era o caso deWin, que parecia estar sedivertindoaoseaproximardeumadasmanchasvermelhas.Eleseinclinouparavermelhor.Depoissereergueuedisse:–Vejamosascoisaspeloladobom:épossívelquesuavaganosDragons
capítulo4
NÃOHAVIACORPOS.Apenassangue.Usando os saquinhos Ziploc que encontrara na cozinha, Win colheu
algumasamostras.Dalia10minutoseleeMyronjáestavamdevoltaàrua.A porta da casa fora devidamente trancada. Um Oldsmobile Delta 88passouporeles.MyronolhouparaWin,quemalsemexeu.–Éasegundavez–disseMyron.–Terceira–corrigiuWin.–Jáestavamnaáreaquandocheguei.–Nãosãolámuitoprofissionais.–Não,nãosão.Masdecertonãosabiamqueteriamqueser.–Vocêpodechecaraplaca?Winfezquesimcomacabeça.–Tambémvoupesquisaras transaçõesdedébitoe créditonoscartões
de Greg – falou. – Entro em contato com você quando descobrir algumacoisa.Nãodevelevarmuitotempo.–Vaivoltarparaoescritório?–AntesvoudarumapassadanoMestreKwon–informouWin.Mestre Kwon era o instrutor de tae kwon do de ambos. Tanto Win
quantoMyron eram faixa preta:Myron, de segundo grau;Win, de sexto,um dos ocidentais de maior graduação no mundo. Win era o melhorlutador que Myron já conhecera. Tinha experiência em diversas artesmarciais, incluindo o jiu-jítsu brasileiro, o kung fu animal e o jeet kun do.Win,acontradiçãoambulante.Quemovisseimaginariaumsujeitomimado,umalmofadinhabundão;naverdade,eleeraumaguerridolutador.Quemovisseimaginariaumserhumanonormalebem-ajustado;naverdade,eleeratudomenosisso.–Oquevocêvaifazerhojeànoite?–perguntouMyron.–Aindanãosei.–Possodescolarumingressoparaojogo.Winpareceucalado.–Querir?–Não.Semmaisdizer,Winseacomodouaovolantedo Jaguar,deupartidano
motorearrancou,impassível.Myron icouali,observandoocarrovoarruaafora,remoendoasúbitamudançadecomportamentodoamigo.Poroutro
lado,parafraseandoumadasquatroperguntasdaPáscoajudaica,porqueodiadehojedeveriaserdiferentedequalqueroutro?Ele conferiu o relógio. Ainda dispunha de algumas horas até a grande
coletivade imprensa.Tempo su icienteparavoltar aoescritório e colocarEsperanza a par de sua guinada pro issional. A convocação dos Dragonsafetariaavidadelamaisdoqueadequalqueroutrapessoa.MyronseguiupelaRoute4atéaGeorgeWashingtonBridge.Nãohavia
ilasnascabinesdepedágio.ProvadequeDeusexistia.AHenryHudson,no entanto, estava congestionada. Myron fez um retorno próximo aoColumbia PresbyterianMedical Center para tomar a Riverside Drive. Nosinal não se via nenhum dos sem-teto que geralmente surgiam para“limpar”opara-brisacomalgoquepoderiamuitobemserumamisturadeurina,gorduraemolhodepimenta.ObradoprefeitoGiuliani,supôsMyron.Mas eles haviam sido substituídos pelos hispânicos, que agora vendiamlores e algo que parecia papel artesanal. Certa vezMyron perguntara oqueeraaquiloereceberaumarespostaemespanhol;emboranãotivesseentendido muita coisa, gostara do cheiro do tal papel, achara-o bom osu iciente para perfumar uma casa. Talvez fosse isso que Greg usava nolugardeumpot-pourri.ARiversideDriveestavarelativamentetranquila.Myronlogochegouao
estacionamento da rua 46 e jogou as chaves do carro paraMario. Comosempre,Mario não estacionou o Ford Taurus junto do Jaguar deWin oudosMercedes e Rolls-Royces que povoavamo lugar,mas numa vaga sobaquilo que no passado decerto havia sido uma colônia de pombos comincontinência intestinal. Discriminação automotiva. Uma vergonha, masondeestavamosgruposdeapoio?OprédiodaLock-HorneSecurities icavanaParkAvenue,esquinacoma
rua46,próximoaoHelmsleyHotel.Biscoito ino,aluguéiscaríssimos.Aruafervilhava com o ir e vir dos medalhões do mundo inanceiro. Diversaslimusinesseencontravamparadasem iladuplanoasfalto.Continuava lá,defrontando o prédio, a escultura moderna e horrorosa que lembravavíscerashumanas.Nosdegrausdaescada,homensemulheresvestidosacaráterdevoravamseus sanduíches,perdidosnosprópriospensamentos;muitos falavam sozinhos, ensaiando para alguma reunião importante ouremoendo alguma mancada cometida pela manhã. Os moradores deManhattan cedo ou tarde se habituavam a se ver sozinhos apesar damultidãoqueoscercava.Myron entrou no lobby, chamou o elevador e acenou para as três
recepcionistas da Lock-Horne, que também eram conhecidas como as
gueixas da Lock-Horne. Todas aspiravam a uma carreira de atriz e/oumodelo e tinham como missão transbordar simpatia e beleza aoacompanharospoderososclientesatéosdomíniosdacorretora.Winhaviaimportado a ideia após uma viagem ao ExtremoOriente.Myron supunhahavernomundoalgomaissexistaqueaquilo,masnãosabiaexatamenteoquê.EsperanzaDiaz,suainestimávelcolaboradora,cumprimentou-oàporta.–Ondediabovocêsemeteu?–Precisamosconversar–disseele.–Depois.Tenhoummilhãoderecadosparavocê.Esperanzavestiaumablusabranca,umespetáculoemcontrastecomos
cabelos negros, os olhos escuros e aquela pele morena que rebrilhavacomooluarsobreaságuasdoMediterrâneo.Aos17anos,foradescobertapeloolheirodeumaagênciademodelos,masdepoisdealgumasestranhasguinadasnacarreira terminaracomoumaconhecida iguranomundodaluta livre. Isso mesmo, luta livre. Era conhecida como a PequenaPocahontas, a valente princesa indígena, a pérola da FLOW (FabulousLadiesofWrestling,aassociaçãodoesporte).Seu igurinoseresumiaaumbiquíni de camurça e seu papel era sempre o da boa moça nas fábulasmoraisinvariavelmenteencenadasnaslutas.Erajovem,miúda,rijaelinda;apesardaorigem latina, eramorenaobastantepara se fazerpassarporumanativaamericana.AsetniaseramirrelevantesparaaFLOW.Onomereal da Sra. Saddam Hussein, a malé ica garota do harém que cobria orostocomumvéunegro,eraShariWeinberg.Otelefonetocou,eEsperanzaatendeu:–MBRepresentações Esportivas. Só um instante, ele está bem aqui do
meulado.–FulminandoMyroncomoolhar,disse:–ÉoPerryMcKinley.Jáligouduasvezes.–Oqueelequer?Esperanzadeudeombros.–Algumaspessoasnãogostamdetratarcomsubalternos.–Vocênãoéumasubalterna.Elaoencaroucomumolharvazio.–Vaiatenderounão?Oagenciamentodeatletasera,parausara terminologiada informática,
um ambiente multitarefas capaz de prestar um ampla gama de serviçoscomomeroclicardeumbotão.Iamuitoalémdasnegociações.Osclientesesperavamqueseusagentescuidassemdesuacontabilidade,planejassemsuas inanças, comprassem ou vendessem seus imóveis, segurassem sua
mãonosmomentosdi íceis,arbitrassemcon litoscomospais, izessemasvezesdeconsultoresdeestilo,agentesdeviagem,conselheiros familiares,conselheiros sentimentais, motoristas, of ice boys, lacaios, puxa-sacos, oescambau... O agente que não se dispusesse a fazer tudo isso (o que erachamadode“pacotecompleto”pelomercado)veriasuaclientelacorrerdebraçosabertosparaaconcorrência.Oúnicomododesobrevivernoramoeradispordeumaequipe,eMyron
acreditava ter reunidoumaequipepequenaporémextremamente e icaz.Win, por exemplo, cuidava das inanças de todos os atletas da agência.Criava um portfólio de investimentos para cada um, encontrava-se comelespelomenoscincovezesaoano,explicavacomdetalhestodososcomose porquês de cada aplicação. Tê-lo na equipe dava aMyron uma grandevantagem sobre os concorrentes. Win tinha uma reputação imaculada(pelomenosnomercado inanceiro)eseuhistóricoderesultadoserasemigual; dava a Myron credibilidade instantânea num ramo em que acredibilidadeeraumativocadavezmaisraroevalorizado.Myron era o bacharel. Win era o MBA. Esperanza era a incansável
camaleoaquemantinhaacasaempé.Afórmulafuncionava.–Precisamosconversar–repetiuMyron.–Entãovamosconversar–disseEsperanzanumtomde impaciência.–
Masdepoisquevocêatenderestaligação.Myronfoiparasuasala,quedavaparaotrechocentraldaParkAvenue.
Uma bela vista. Uma das paredes ostentava pôsteres de musicais daBroadway;outra,cenasdos ilmesdealgunsdeseusdiretoresprediletos:irmãosMarx,WoodyAllen,AlfredHitchcockeoutrostantosclássicos.Umaterceira, bem mais vazia que as demais, abrigava fotos dos clientes daagência.Myronagora imaginavacomoela icariacoma foto,aocentro,deseumaisnovocliente:ojogadorprometidoporClip.Ficaria ótima, ele decidiu. Pôs os fones de ouvido e en im atendeu a
ligação.–Eaí,Perry?–Porra,Myron,tenteifalarcomvocêodiainteiro.–Voumuitobem,obrigado.Evocê,Perry?– Olha, não é impaciência da minha parte, mas o assunto é urgente.
Algumanotíciasobremeubarco?PerryMcKinley era um jogador de golfe relativamente obscuro. Jogava
na liga pro issional, ganhava algum dinheiro, mas não era um nome quealguém, a menos que fosse um grande fã do esporte, reconheceria deimediato.Adoravavelejareestavaprecisandodeumbarconovo.
–Sim,achoqueencontreioquevocêquer–informouMyron.–Dequemarca?–DaPrince.Perrynãopareceulámuitofeliz.–OsveleirosdaPrinceatéquesãobons–resmungouele.–Masnãosão
ótimos.–Vocêpoderádarseubarcoatualcomopartedopagamento,mas terá
defazercincopresenças.–Cinco?–É,cinco.–PorumPrincede18pés?Émuito.–Deinícioelesqueriam10.Masévocêquemdecide.Perryrefletiuuminstante.–Merda.Tudobem,podefecharonegócio.Masantesquerotercerteza
dequevougostardobarco.Émesmoumveleirode18pés,nãoé?–Foioquedisseram.–Tudobem,tudobem.Valeu,Myron.Vocêéocara.Eles desligaram. Permutas: um grande facilitador no ambiente
multitarefas de um agente. Ninguém jamais pagava por nada naqueleramo. Favores eram trocados. Produtos por algum tipo de publicidade.Quer uma camiseta? Use-a em público. Um carro grátis? Dê o ar de suagraça em algumas feiras especializadas. Os grandes astros tinham cacifepara pedir um bom dinheiro em troca da publicidade. Os menosconhecidossedavamporsatisfeitoscomaspermutas.Myronolhouparaapilhaderecadosebalançouacabeça.Jogarparaos
DragonsemanteraMBRepresentaçõesEsportivasnostrilhos...comoseriapossívelfazerasduascoisasaomesmotempo?–Dêumpulinhoaqui,porfavor–disseeleaEsperanzapelointerfone.–Estounomeiodeuma...–Agora.Silêncio.–Uau–disseela.–Vocêétãomacho...–Nãoamola.–Sério,estoutremendonasbases.Melhorparartudoqueestoufazendo
esatisfazersuavontadeimediatamente.Ela largouo telefonee irrompeunasaladeMyron,ofegandoe ingindo
pavor.–Eaí,demorei?–Não.
–Então,oquevocêquer?Myron contou toda a história. Ao dizer que jogaria para os Dragons,
notouqueafuncionárianãoesboçavaqualquerreaçãoenovamente icousurpreso.Estranho.Primeiro,Win,eagora,Esperanza.Seusdoismelhoresamigos.Ambosviviamàesperadeumaoportunidadepara tirar sarrodacaradele.Apesardisso,nemumnemoutrohaviaseaproveitadodaqueladeixaperfeita.Osilênciodosdoisdiantedesua“voltaaobasquete”eraumtantodesconcertante.–Seusclientesnãovãogostarnadadisso.–Foisóoqueelafalou.–Nossosclientes–corrigiuMyron.Esperanzacrispouorostonumacareta.–Acondescendênciafazvocêsesentirmelhor?Myronignorouocomentário.–Precisamostransformarofatonumacoisaboa–disse.–Como?–Seilá...–Eleserecostounacadeira.–Podemosdizerqueapublicidade
emtornodaminhacontrataçãoseráboaparaelestambém.–Como?– Vou poder fazer novos contatos – aventou Myron, com as ideias
brotando à medida que falava. – Vou poder me aproximar dospatrocinadores, sabermais a respeitodeles.Maispessoas vãoouvir falardemimeindiretamentedosmeusclientes.Esperanzabufoucomironia.–Evocêachaquevaicolar?–Porquenão?– Porque tudo isso é conversa para boi dormir. “E indiretamente dos
meusclientes...”PareceoReaganfalandodo“efeitocascata”naeconomia.Elatinharazão.–Masqualoproblema?–disseele,asmãosespalmadasparaoteto.–O
basquete vai tomar apenas algumas horas do meu dia. Vou estar com ocelularotempotodo.Agentesóprecisaenfatizarquenãovou icar longepormuitotempo.Esperanzaoencaroucomceticismo.–Oquefoi?–perguntouele.Elasimplesmentebalançouacabeça.–Não,euquerosaber.Oqueestápegando?–Nada– respondeuela.Aindao encarava, asmãospousadas sobreas
pernas.–Oqueavacapensadessahistóriatoda?–perguntoucomdoçura.VacaeraonomecarinhosoqueelacostumavadaraJessica.
–Jápediparavocênãochamá-laassim.“Tudo bem”, ela disse apenas com o rosto, inalmente acenando para
uma trégua.Houveum tempo, séculos antes, emque Jessica eEsperanzase toleravam.Mas então Jessica foi embora, e Esperanza viu o efeito queisso teve sobre Myron. Certas pessoas guardam mágoas. Esperanza asinternalizava.DenadaimportavaqueJessicativessevoltado.–Maseaí,oquefoiqueeladisse?–insistiuEsperanza.–Sobreoquê?– Sobre a paz iminente do Oriente Médio – cuspiu ela. – Sobre o que
poderiaser?Suavoltaaobasquete,ora.–Nãosei.Aindanãotivemostempodeconversardireito.Porquê?Esperanzanovamentebalançouacabeça.– Vamos precisar de ajuda por aqui – disse, mudando de assunto. –
Alguém para atender o telefone, digitar o que for preciso, esse tipo decoisa.–Vocêtemalguémemmente?Elafezquesimcomacabeça.–Cindy.Myronficoulívido.–BigCindy?–Elapoderiaatenderotelefone,ajudaraquieali.Émuitotrabalhadora.–Eunemsabiaqueamulherfalava–disseMyron.Big Cindy havia sido a outra metade da dupla de Esperanza nos
campeonatosdelutalivre,lutandosobopseudônimodeBigChiefMama.–Elanãovaiseimportardereceberordens,defazerotrabalhopesado.
Nãoémuitoambiciosa.Myron precisou se conter para não fazer uma careta só de pensar na
possibilidade.–Cindynãotrabalhamaiscomoleoadechácaranaquelaboatedestrip-
tease?–Nãoéumaboatedestrip.Édebondage.–Falhaminha–disseMyron.–Eagoraelaébartender.–Foipromovida?–Foi.–Nesse caso, eu detestaria interromper a carreirameteórica dela com
umconviteparavirtrabalharaqui.–Deixade serbabaca–disseEsperanza. –Alémdisso, ela só trabalha
naboateànoite.
–Nãodiga.Agaleradocouroedochicotinhonãosaiàluzdodia?–ConheçoaCindy.Vaiserperfeita.– Vaimetermedo nas pessoas – argumentouMyron. –Metemedo em
mim.–Vaificarnasaladereuniões.Ninguémvaivê-la.–Nãosei.Esperanzalentamenteficoudepé.– Tudo bem, vou encontrar alguém. A inal, você é o chefe. Sabe o que
está fazendo. Sou uma reles secretária. Não ousaria dar palpites sobre amelhormaneiradetratarnossosclientes.Myronbalançouacabeça.–Golpebaixo.Inclinando-separaafrente,apoiouoscotovelosnamesae
a cabeçaentre asmãos. –Tudobem– cedeu, edeixouescaparum longosuspiro.–VamosdarumachanceaCindy.Esperanza não fez mais que olhar para ele. Muitos segundos se
passaramatéqueeladisse:–Essaéaparteemquecomeçoapulardealegria,agradecendoavocê?–Não–respondeuMyron.–Essaéaparteemquevoucuidardavida.–
Ele conferiu as horas no relógio. – Preciso contar ao Clip sobre aquelasmanchasdesangueantesdacoletiva.–Divirta-se.–Elafoisaindorumoàporta.–Esperaumminuto–pediuMyron,eelasevirou.–Vocêtemaulahoje
à noite? – Esperanza fazia um curso noturno na Universidade de NovaYork.Direito.–Não.–Queriraojogo?–Myronpigarreou.–Podelevar...Lucy.Sequiser.Lucyeraapaixãomais recentedeEsperanza,queantesnamoravaum
sujeito chamado Max. Suas preferências sexuais não eram lá muitoconstantes.–Nósterminamos–disseela.– Ah, sinto muito – balbuciou Myron, sem saber o que mais poderia
dizer.–Quando?–Semanapassada.–Vocênãofalounada.–Talvezporquenãofossedasuaconta.Eleassentiucomacabeça.– Bem, se quiser, você pode levar... qualquer um. Ou pode ir sozinha.
VamosjogarcontraosCeltics.–Ficaparaapróxima–disseela.
–Temcerteza?Esperanzafezquesimesaiudasala.Myronenfimpegouseupaletó,voltouaoestacionamentoeagarrounoar
as chaves arremessadas por Mario, que nem sequer levantara o rosto.AtravessandooLincolnTunnel, seguiupelaRoute3.Passouporuma lojade eletroeletrônicos enorme e relativamente conhecida, chamada Tops,cujo outdoor se resumia a um gigantesco nariz que se projetava sobre arodoviacomosdizeres:“ATopsestábemdebaixodoseunariz.”Faltavamapenasosgigantescospelinhossaindodasnarinas.Myron jáestavaaunsdoisquilômetrosdoestádioquandootelefonedocarrotocou.–Tenhoalgumaspreliminares–disseWin.–Diga.–Nosúltimoscincodiasnãohouvenenhumamovimentaçãonascontas
bancáriasounoscartõesdeGregDowning.–Nada?–Nada.–Nenhumsaqueemdinheironobanco?–Nãonosúltimoscincodias.– E antes disso?Talvez ele tenha sacadouma grandequantia antes de
sumir.–Estamospesquisando.Aindanãodáparasaber.MyrondeixouaautoestradanasimediaçõesdoestádiodeMeadowlands.
Perguntava-se o que aquilo poderia signi icar. Naquela altura, nãomuito,mas o quadro geral não era nada promissor. Sangue no porão. NenhumsinaldeGreg.Nenhumaatividadefinanceira.–Maisalgumanovidade?–perguntou.Winhesitouumpoucoantesderesponder:–Épossívelqueembreveeu tenhauma ideiadeondenossoestimado
GregseencontroucomabelaCarla.–Onde?–Depoisdojogo–falouWin.–Atélájádevosaber.
capítulo5
–ESPORTEÉFOLCLORE–disseClipArnsteinàplateiarepletadejornalistas.–Oquepovoanosso imaginárionãosãoapenasasvitóriaseasderrotas.São as histórias. Histórias de perseverança. De garra. De dedicação. Dedecepções. De milagres. Histórias de triunfos e tragédias. Histórias devoltasporcima.Clip olhou para Myron do alto do pódio, os olhos devidamente
marejados,umavôemocionadosorrindoparaonetoquerido.Myron,porsuavez,precisouseconterparanãobuscarrefúgiosobamesa.Após uma pausa de efeito, Clip reergueu os olhos para a plateia de
jornalistasmudos, para os lashes que espocavam aqui e ali. Engoliu emsecodiversasvezes,ogogósubindoedescendonopescoço.Pareciabuscaras forças internas de que precisava para prosseguir. As lágrimas aindaameaçavamjorrar.Um pé na canastrice, pensou Myron, mas, de modo geral, uma bela
performance.Oauditórioestavabemmaischeiodoqueelesupusera.Nenhumassento
vago, diversos jornalistas de pé. Decerto um dia sem grandes furos napraça. Clip não parecia ter pressa, e aos poucos foi recobrando acompostura.– Mais ou menos uma década atrás – continuou ele –, recrutei
pessoalmenteumjovematleta,excepcional,queeuacreditavadestinadoàglória. Saltava como ninguém, tinha um raciocínio espacial bem acima damédia,grandeforçamental,masacimadetudoeraumapessoadamelhorqualidade. Infelizmente,noentanto,osdeusespareciamteroutrosplanospara o rapaz. Todos sabemos o que aconteceu a Myron Bolitar naquelafatídica noite em Landover, Maryland. Não precisamos desenterrar opassado. Mas, como eu disse agora há pouco, esporte é folclore. Hoje osDragons estão dando àquele jovem atleta uma nova chance para somarsuaprópriahistóriaaojáricofabuláriodoesporte.HojeosDragonsestãodandoaeleachancederecuperaroqueanosatráslhefoitãobrutalmentetomado.Myroncomeçouasecontorcernacadeira,sentindoasfacesqueimarem.
Osolhosdardejavamdeumladoaoutro,procurando,semsucesso,algumportoseguro.Por im,cedendoàsexpectativasdaplateia,aterrissaramno
rostodeClipe focaramnumapequenaverruga–comtamanha forçaquedaliapouco,porsorte,ficaramturvos.–Nãoseráfácil,meuamigo–disseClip,agoradiretamenteparaMyron,
queaindaencaravaaverruga,incapazdesustentaroolhardovelho.–Nãopodemos prometer nada. Não sei o que acontecerá daqui para a frente.Nãoseiseesteseráoepílogoouocomeçodemaisumgloriosocapítulodesua história. Mas nós que amamos o esporte só podemos esperar pelomelhor. Esta é a nossa natureza. Esta é a natureza dos verdadeirosguerreiros,anaturezadosfãs.Suavozcomeçouaembargar.–Estaéarealidade,Myron–ele logoprosseguiu.–Eémeudever,por
maisqueissomecuste, lembrá-laavocê.AgorafaloemnomedetodososDragons de Nova Jersey: seja bem-vindo, Myron, à nossa equipe. Você éum homem de valor e coragem. Sabemos que, qualquer que seja seufuturo nas quadras, você trará apenas honra para toda a nossaorganização.–Aquieleparou,crispouoslábiosedeixouvazarentreeles:–Muitoobrigado.EmseguidaestendeuamãoparaMyron,que, interpretandoseupapel,
icoudepéparaapertá-la.Clip,noentanto,surpreendeu-oaopuxá-loparaumabraço.Os lashesagora lembravamas luzes estroboscópicasdeumadiscoteca.Quandoen imrecuou,Clipsecouosolhoscomamão(AlPacinonão teria feito melhor) e apontou para o pódio de modo que Myrontomasseseulugar.–Comosesentevoltandoaobasquete?–berrouumdosjornalistas.–Apavorado–respondeuMyron.–Achaqueestárealmentepreparadoparajogarnessenível?–Naverdade,não.O arroubo de franqueza os assustou por um segundo.Mas apenas um
segundo. Clip riu, e todos na plateia o ecoaram.Acreditavam tratar-se deumabrincadeira.Myronnãosedeuotrabalhodecorrigi-los.– Acha que ainda é capaz de fazer arremessos de três pontos? –
perguntououtro.–Osarremessos,sim;ospontos,aíéoutrahistória.–Umarespostaboba,
masfazeroquê?Maisrisadas.–Porquedemoroutantoavoltar,Myron?Oqueofezmudardeideia?–ARededosAmigosParanormais.Clipselevantoueergueuamãoparainterromperasperguntas.– Sintomuito, amigos, já chega.Myronprecisa se preparar para o jogo
dehoje.Ele e Myron saíram juntos do auditório, apertando o passo pelos
corredores até a sala deClip, ondeCalvin já se encontrava. Clip fechou aporta;antesdesesentarfoilogoperguntando:–Então,qualéoproblema?Myron contou-lhe sobre o sangue no porão. Clip icou visivelmente
pálido,eCalvin,oGeleira,apertouosdedosnosbraçosdacadeira.–Oquevocêestátentandodizera inal?–perguntouClip,irritado,ao im
dorelato.–Querendodizer?Clipdeudeombroscomafetação.–Nãoestouentendendo–falou.– Não há nada para entender – disseMyron. – Greg está sumido. Faz
cincodiasqueninguémovê.Nãosacoudinheirodocaixaeletrôniconemusouoscartõesdecrédito.Eagoratemessesanguenoporão.–Esseporãoéumaespéciedequartodebrinquedosdascrianças,não?
Foiissoquevocêdisse,nãofoi?–Foi.Clip lançou um olhar de interrogação para Calvin, depois espalmou as
mãos:–Quediaboissosignifica?–Nãoseiaocerto.– Não deve ter sido nenhuma merda mais grave – prosseguiu Clip. –
Raciocina comigo, Myron. Se Greg tiver sido assassinado, por exemplo,ondeestáocorpo?Foi levadopeloassassino,ouassassinos?Eoquevocêacha que pode ter acontecido ali? Os assassinos izeram o quê?Emboscaram o Greg no quarto de brinquedos dos ilhos? Onde Gregestava, fazendo o quê? Brincando de carrinho, suponho. E depois?Mataramo cara lá embaixo para depois arrastá-lo casa afora semdeixarnenhum rastro de sangue a não ser no porão? – Mais uma vez eleespalmouasmãos.–Issofazsentidoparavocê?Myron já havia levantado todas essas questões. Olhou de relance para
Calvin,quepareciaperdidonosprópriospensamentos.Clipselevantou.–Atéondepodemosa irmar–disse–, épossívelqueumdos ilhosde
Gregtenhasecortadoenquantobrincavaali.–Umcorteetanto–retrucouMyron.– O sangue também pode ser do nariz de um dos pirralhos. Nariz de
criança às vezes jorra feito cachoeira. Pode ser isso. Uma bobagemqualquerdessas.
Myronfezquesimcomacabeça,eemendou:–Outalvezelesestivessemmatandoumagalinha,quemsabe?–Nãogostodesarcasmo,Myron.Myronesperouuminstante.NovamenteolhouparaCalvin.Nada.Olhou
paraClip.Nada.–Estáficandoesquisitodenovo–comentou.–Como?–FuicontratadoparaencontraroGreg.Descobriumapistaimportante.
Masvocênemquerouvirdireito.–Sevocêestádizendoquenãoqueroouvirque talvezGreg tenhasido
vítimadeuma...– Não, não é isso que estou dizendo. Você está com medo de alguma
coisa, e não é sódequeGreg tenha sido vítimadeumamerdaqualquer.Gostariadesaberoqueé.ClipolhouparaCalvin,quemeneouacabeçaquaseimperceptivelmente.
Clip voltou à cadeira e começou a tamborilar sobre amesa, no compassodostiques-taquesdeumrelógiodepêndulonocantodasala.–Éprecisoquevocêentenda–disse.–Estamosrealmentepreocupados
comoGreg.–Hmm.–Vocêentendealgumacoisasobreaquisiçõeshostis?–Euestavavivonosidosde80–observouMyron.–Aliás,recentemente
alguémobservouqueaindatenhoumpénosanos80.–Bem,estoupassandoporissoagora.Umatentativadeaquisiçãohostil.–AcheiquevocêfosseosóciomajoritáriodosDragons.Clipnegoucomumacenodecabeça.–Quarentaporcento.Ninguémpossuimaisque15%.Algunsdossócios
minoritários se juntaram a im de me botar para fora. – Clip fechou asmãos e as depôs sobre amesa como dois pesos de papel. – Alegam queentendomuitodebasquete,masquesouumabestanosnegócios.Achamqueeudeviacuidarapenasdos jogadoresedetudooquedizrespeitoàsquadras.Avotaçãoserádaquiadoisdias.–Edaí?–Edaíque,comessavotaçãotãoperto,umescândaloqualquerpoderá
significaromeufim.Myronolhouparaaduplaeesperouuminstante.Depoisdisse:–Vocêsqueremqueeufiquequietosobreisso.–Não,não,dejeitonenhum–Clipretrucoudepronto.–Nãofoiissoque
euquisdizer.Sónãoqueroqueamídiafaçaumescarcéuemtornodealgo
que pode não ser nada. Não posso correr esse risco, de que algodesagradávelvenhaapúbliconessemomento.–Algodesagradável?–É.–Tipooquê?–Seilá,caramba.–MasépossívelqueGregestejamorto.– Nesse caso, um dia amais ou amenos não fará nenhuma diferença.
Pormaisinsensívelqueissopossaparecer.EsealgodefatoaconteceuaoGreg,comcertezaháummotivo.–Ummotivo?Clipergueuosbraços:– É, qualquer coisa, sei lá! Se vem à tona um cadáver, ou mesmo um
simples desaparecimento, a merda logo se espalha pelo ventilador.Entendeoqueestoudizendo?–Não–respondeuMyron.MasClipprosseguiu:– Não preciso disso agora, Myron. Não agora. Com a espada dessa
votaçãosobreaminhacabeça.–Entãovocêestápedindoparaeuficarquieto–insistiuMyron.– De modo algum. Só não queremos uma situação de pânico
desnecessária. Se Greg estámorto, não há nada que possamos fazer porele.Seestádesaparecido,bem,nessecasovocêéaúnicapessoacapazdeevitarumescândalonamídiaoudesalvá-lo.Eles ainda escondiam alguma coisa, mas Myron achou melhor não
pressioná-losporora.–VocêsabequemotivosalguémpoderiaterparavigiaracasadoGreg?–Alguémestávigiandoacasadele?–perguntouClip.–Achoquesim–disseMyron.–Calvin?–insistiuClip.–Nenhumaideia–respondeuCalvin.–Eutambémnão,Myron.Evocê?Oqueachaquepodeser?–Aindanãosei.Maisumapergunta:Gregtemalgumanamorada?NovamenteClipolhouparaCalvin,quedeudeombros:–Eleciscavamuitoporaí.Masnãoachoquetivessealguémemespecial.–Vocêconhecealgumadessasmulherescomquemeleandava?–Denome,não.Geralmenteeramgroupies,coisasassim.–Porquê?–interveioClip.–Vocêachaqueelepodeterfugidocomuma
dessasbiscates?
Myrondeudeombroseficoudepé.–Melhoreuirparaovestiário.Jáestáquasenahoradojogo.–Espera–pediuClip.Myronparou.–Porfavor,Myron.Vocêdeveestarachandoquesouumapessoafriae
calculista,masrealmentemepreocupocomoGreg.Muito.Queroquevocêo encontre vivo, e bem. – Clip engoliu em seco. As pelancas do rostopareciammais pronunciadas, como se alguém as tivesse puxado. Ele nãoparecia nada bem. – Se você me convencer de que o melhor é levar apúblico o que descobrimos, então tudo bem, vamos em frente. Pormaiorque seja o custo para mim. Pense bem. Só quero o melhor para o Greg.Gosto muito dele. E de você também, Myron. Vocês dois são muitoespeciais.Falosério.Devomuitoaambos.Clip dava a impressão de estar prestes a chorar. Myron não sabia ao
certooquefazer.Decidiunãodizernada;apenasmeneouacabeçaesaiudasala.Já estava próximo do elevador quando ouviu uma voz roufenha e
familiardizer:–Ora,ora,senãoéoFilhoPródigo.Virandoorosto,MyronsedeparoucomAudreyWilson,vestidaemseu
habitual uniforme de repórter esportiva: blazer azul-marinho, blusa degola rulê preta e jeans desbotados. A maquiagem era muito leve ouinexistente; as unhas, curtas e pintadas. O único toque de cor vinha dostênisAllStar,azul-turquesa.Nãoeraexatamenteumamulherbonita,mastampouco era feia. Simplesmente não tinha nada de especial. Os cabeloseramcurtos,lisosenegros,eafranjalhedavaoaspectodeumpajem.– Será que detectei uma pontinha de cinismo na pergunta? – disse
Myron.Audreydeudeombros.–Vocênãoachaqueengoliessahistória,acha?–Quehistória?–Esseseusúbitodesejode...–elaconferiuasanotaçõesquetinhafeito–
“somarsuaprópriahistóriaaojáricofabuláriodoesporte”.–Erguendoosolhos, balançou a cabeça e falou: – Esse Clip falamuitamerda, você nãoacha?–Precisometrocar,Audrey.–Quetalsoltaroverbocomigoantes?–Soltaroverbo?Poxa,Audrey,porquevocênãopedeum“furo”logode
umavez?Adoroquandovocêsdizemisso.
Elaabriuumsorriso.Umsorrisosimpático.Quaseescancarado.–Jogandonaretranca,Myron?–Eu?Nunca.–Entãoquetal...“umadeclaraçãoparaaimprensa”?Parausarmaisum
clichê.Myron assentiu com a cabeça e, levando a mão ao peito de modo
dramático,disse:–Quemquervencernuncadesiste,equemdesistenuncavence.–Lombardi?–FelixUnger.Em Umestranhocasal.NoepisódioemqueHowardCosell
faz uma participação especial. –Myron se virou e saiu andando rumo aovestiário.Audrey seguiu no encalço dele. Talvez fosse a principal representante
das mulheres no jornalismo esportivo: cobria os Dragons para o maiorjornal da Costa Leste; tinha o próprio programa de rádio naWFAN, emhorárionobreecomenormeaudiência;participavadoConversaesportiva ,umamesa-redondanagradematinaldaESPN.Aindaassim,comoacontececomquase todasasmulheresque trabalhamnummundoessencialmentedominado pelos homens, parecia haver algo de instável em sua posição,como se sua carreira estivesse a um passo de desabar, por mais bem-sucedidaquefosse.–ComovaiaJessica?–elaperguntou.–Bem.–Fazummêsquenãonosfalamos–disseAudrey,quasecantarolando.
– Acho que vou dar uma ligadinha pra ela. Sei lá. Marcar um encontro,baterumpapo...–Asutilezanãoéoseuforte,Audrey.–Sóestoutentandofacilitarascoisasparavocê,Myron.Temalgomuito
estranhoacontecendoporaqui.Você sabequevouacabardescobrindooqueé.Porquenãomecontadeumavez?–Nãoseidoquevocêestáfalando.– Para começar, Greg Downing abandona o time sob circunstâncias
misteriosas...–Oquehádemisteriosonumacontusãodetornozelo?–Emseguidavocê,ovelho inimigodocara,assumeo lugardeledepois
dequase11anosnoestaleiro.Issonãolhepareceestranho?Erasóoquefaltava,pensouMyron.Cincominutosnonovoempregoejá
havia alguém levantando suspeitas. Myron Bolitar, o mestre da altaespionagem.Elesalcançaramaportadovestiário.
–Precisoir,Audrey.Depoisagentesefala.– Pode crer que sim – disse ela. E sorrindo com uma falsa doçura,
emendou:–Boasorte,Myron.Metebronca.Myronnãodissenada.Apenasrespiroufundoeabriuaporta.Horadoshow.
capítulo6
NINGUÉM CUMPRIMENTOU MYRON quando ele entrou no vestiário. Ninguémparouoqueestavafazendo.Ninguémolhou.Nãosefezaquelesilêncioque,comonosvelhos ilmesdefaroeste,sobrevémquandooxerifeempurraasportas rangentes e segue gingando pelo saloon. Talvez fosse esse oproblema. Talvez a porta precisasse ranger. Ou talvez Myron precisassemelhorarsuaginga.Osnovoscompanheirosdetimeseespalhavampelolugarfeitomeiasno
quartodeumdormitórioestudantil.Três seespichavamsobreosbancos,seminus e semidespertos. Dois estavam deitados no chão enquantoassistentes alongavam panturrilhas e quadríceps. Outros dois rebatiamumaboladebasquete.Quatro voltavamaos escaninhos comos joelhos jádevidamente enfaixados. Quase todos mascavam chiclete. Quase todosouviammúsica,comosfonesminúsculosenterradosnoouvidoeosomtãoalto que parecia vir de so isticados equipamentos numa loja deeletrodomésticos.Myron teve di iculdade para encontrar o próprio escaninho. Todos os
demaistinhamplacascomonomedecadajogadorgravadonometal.OdeMyron,não.Tinhaapenasuma tiradeesparadrapo,omesmousadoparaenfaixarotornozelodos jogadores,comonomeM.BOLITARescritoacaneta.Nadaqueinspirassemuitaconfiançaourespeito.Eleolhouao redoràprocuradealguémcomquempudesseconversar,
mas os fones faziam as vezes de paredes. Todos estavam no próprioquadrado. Myron avistou Terry “TC” Collins, o célebre choramingão dotime,sentadosozinhonumcanto.Paraamídia,TCeraomaisnovoexemplodeatletamimadoque“maculava”ore inadomundodosesportes“talcomoo conhecemos”, o que quer que isso signi icasse. Fisicamente, TC era umcolosso.Ummetroenoventadealtura,musculoso,esguio.Ocrânioraspadobrilhava sob as luzes luorescentes. Rumores diziam que era negro, masera di ícil ver em sua pele qualquer coisa que não fossem tatuagens. Osdesenhoscobriamquasetodososcentímetrosquadradosdaquiloqueerapossível tatuar num corpo humano. Para ele, os piercings tambémpareciamsermaisumestilodevidadoqueumasimplesmoda.OhomempareciaumaversãohardcoredeDennisRodman.MyronbuscouoolhardeTC,sorriueocumprimentoucomumacenoda
cabeça. TC, por sua vez, fuzilou-o com os olhos e virou o rosto. Myroncomeçavaaseenturmar.Seu uniforme já estava pendurado no devido lugar. Seu nome já havia
sidocosturadocomletrasdeformanascostasdacamiseta. BOLITAR.Myrondemorou alguns segundos itando o próprio nome. Em seguida,rapidamente,puxouacamisetadocabideeavestiu.Tudoaquilolhetrazialembrançasdopassado.Atexturasuavedoalgodão.Oscadarçosdocalção,que se amarravam feito cadarços de sapato. A leve pressão do elásticosobre a cintura depois de vestir o calção.O ligeiro aperto da camiseta aopassar pelos ombros. As mãos experientes ajeitando-a nas costas. Oamarrar dos tênis de cano alto. Tudo lhe doía na alma. Myron já estavatendodi iculdadepara respirar. Precisoupiscarpara afastar as lágrimas.Entãosesentoueesperouatéaangústiapassar.Myron notou que quase ninguém usava mais os suportes atléticos do
passado, dando preferência às sungas de lycra. Ele, no entanto, aindacon iava no bom e velho suporte. Myron, o Sr. Antiquado. Em seguidaamarrounaspernasumaengenhocavagamentedenominada“protetordejoelhos”, que no entantomais parecia um compressor demetal. A últimacoisa que vestiu foi o agasalho; as calças eram equipadas com diversosbotõesdepressãoaolongodaspernasdemodoqueousuárioaspudessearrancarsemdemoraaoserconvocadoparaojogo.–Eaí,garoto,comovãoascoisas?MyronselevantouparaapertaramãodeKipCorovan,umdostécnicos
assistentes da equipe. Kip vestia um paletó xadrez uns três númerosmenordoqueo recomendado: asmangas eram curtas demais, os botõesfaziamopossívelparaconterapança.Umcaipiraprontoparaaquadrilha.–Tudoemcima,Kip.–Ótimo,ótimo.MaspodemechamardeKipper.Éassimquetodomundo
mechama.Sentaaí,vai.Relaxa.–Ok...Kipper.– Estou muito feliz que esteja conosco. – Kipper puxou uma cadeira,
virou o encosto na direção deMyron e se sentou. As costuras das calçasnão pareceram muito felizes com a manobra. – Olha, Myron, vou serhonestocomvocê,tudobem?Donnynãoficounemumpoucocontentecomasuacontratação.Nadapessoal,vocêentende,nãoé?ÉqueDonnygostade escolher os próprios jogadores. Não gosta que o pessoal lá de cimainterfira,entendeoqueestoudizendo?Myronfezquesimcomacabeça.DonnyWalsheraotécnicoprincipal.– Ótimo, excelente. Donny é um cara bacana, ique tranquilo. Lembra
vocênosvelhostempos,gostavapacasdoseujogo.Mastemosumaequipeem inal de campeonato, e com sorte vamos conquistar a vantagem dejogara inalemcasa.Demorouparaconseguirmosumgrupoequilibrado,sabe?Tudoéumaquestãodeequilíbrio.Comonumbarco.Agentetemquemanteraquilhanoprumo,entende?PerderoGregchegouatiraroventodasnossasvelas,mas inalmenteconseguimostocarobarcoparaafrenteoutra vez. E agora apareceu você. Clip não quis dar nenhuma explicação,mas insistiu que você fosse incluído no elenco. Tudo bem, ele é o chefe,ninguém está questionando isso. Mas icamos preocupados com a nossaquilha.Seráquevaitombaroutravez?Vocêentendeoqueestoudizendo,nãoentende?AsmetáforasnáuticasjáestavamdeixandoMyronmareado.–Claro.Nãoquerocausarnenhumproblema.–Eu sei. –Kipper icoudepéeendireitoua cadeira. –Vocêéumbom
garoto, Myron. Sempre foi. Um cara correto. É disso que estávamosprecisando: de um cara que soubesse colocar o time acima dos própriosinteresses.Vocêéessetipodecara,nãoé?–Nãosoueuquemvaivirarobarco–respondeuMyron.–Ótimo,ótimo.Agentesevênaquadra.Enãosepreocupe:vocênãovai
entrar,amenosqueagenteestejaganhandodecapote.–Ditoisso,Kipperalçou o cinto sobre a pança e saiu andando, quase gingando, vestiárioafora.Daliatrêsminutosberrou:–Alô,rapaziada,todomundoreunidoaqui!Ninguém lhe deu a menor bola. Kip precisou repetir a convocação
diversasvezes,batendonoombrodosjogadoresparatirá-losdotranseemqueestavam,cadaumouvindosuamúsica.Foramnecessáriosunsbons10minutosparafazercomque12atletaspro issionaissedeslocassemmenosde três metros. O técnico Donny Walsh entrou com ares de grandeimportância, tomou a ribalta e começou a des iar seu rosário de clichês.Mas nem por isso era ummau técnico. Depois das centenas de jogos deumatemporada,ficavadifícilencontraralgodenovoparadizer.Apreleçãoduroudoisminutos.Algunsdosjogadoressequersederamo
trabalhodedesligarosom.TCestavaocupadotirandotodasassuasjoias,tarefaquedemandavagrandeconcentraçãoetodaumaequipedetécnicosbem treinados. Umou doisminutos depois, a porta do vestiário se abriu.Todos pararam de ouvir música e saíram. Myron se deu conta de queestavamindoparaaquadra.Horadojogo.
Myronsecolocouno inalda ila.Sentiuumgrandenónagarganta,umcalafriopercorreu todoo seu corpo. Já ia subindo a rampaquandoouviualguémberrarpelosalto-falantes:–Senhorasesenhores,comvocês...otimedacasa!OsDragonsdeNova
Jersey!Amúsicaagoraretumbavanoestádio,eosjogadoresapertaramopasso
atécomeçarematrotar.Os aplausos eram estrondosos. Automaticamente, os jogadores
improvisaramduas ilasnaquadraparaoaquecimento.Myronhaviafeitoaquilo ummilhão de vezes no passado,mas pela primeira vez realmentepensou no que estava fazendo. Os verdadeiros astros do basquete, ou osiniciantes, se aqueciam de modo tranquilo e informal, sem nenhumapressa. Não viammotivo para grandes pirotecnias; tinham o jogo inteiroparamostrarseutalentoàmultidão.Jáosperebas,algoqueMyronnuncahavia sido, se aqueciamdeduasmaneiras.Alguns iam logo tirando todosos coelhosda cartola, fazendoenterradasde costasoucomduplogirodobraço, isto é, exibindo-se. Outros icavam em torno dos grandes astros,jogando a bola para eles ou simulando defesas, como sparrings de umpugilista.Myron chegou ao primeiro lugar da ila de aquecimento. Alguém lhe
passouabola.Quandoseaquecem,osjogadoresinconscientementeachamquetodososolhosdoestádioestãovoltadosparaeles,quandonaverdadeamaioria das pessoas está se acomodando nas cadeiras ou correndo osolhospelasarquibancadas, eosquede fatoestãoolhandoparaaquadrapouco se importam com o que estão vendo. Myron deu dois dribles earremessou a bola, que bateu na tabela e entrou. Caramba, o jogo nemhaviacomeçadoeelejánãosabiaoquefazer.Dali a cinco minutos as ilas de aquecimento se des izeram, e os
jogadores deram início aos arremessos livres. Myron esquadrinhou asarquibancadas à procura de Jessica, que não foi di ícil de localizar. Amulherpareciailuminadaporumfarol,comoseestivessealgunspassosàfrente e o resto da multidão, ao fundo; como se fosse um Da Vinci e osoutros, a moldura. Ela sorriu para Myron, e ele sentiu o coração seaquecer.Quasesurpreso,MyronsedeucontadequepelaprimeiravezJessicao
verianumjogodaligapro issional.Eleshaviamseconhecidotrêssemanasantes da fatídica contusão. Por um breve instante, as lembranças otomaram de assalto, recheadas de culpa e dor. Foi então que uma bolabateunatabelaeoacertouemcheionacabeça.Massemconseguirafastar
desuamenteoseguintepensamento:TenhoumadívidacomoGreg.Acampainhasooueosjogadoressedirigiramaobanco.DonnyWalsh,o
técnico,berroumaisalgunsclichês,assimcomoonomedoadversárioquecada integrante da equipe deveria marcar. Enquanto ele falava, osjogadoresbalançavamacabeça,semouvir.TCaindapareciafaiscar.Marrapré-jogo, supôsMyron,mas semgrande convicção. Ele tambémmantinhasob suamira LeonWhite, companheiro de quarto de Greg nas viagens eseumelhoramigo.Os jogadoresse juntaramnumarodaparaosgritosdeguerraepoucodepois sedirigiramaocírculo centralpara cumprimentarosadversárioscomtapinhasouapertosdemão.Ali,começaramaapontarparaesteouaquelejogador,tentandode inirquemmarcariaquem,jáqueninguém havia prestado atenção ao que fora dito 30 segundos antes. Ostécnicos de ambas as equipes andavam de lado a lado, berrando asmarcaçõesatéque,porfim,abolafoilançadanoar.Demodogeralobasqueteseresumeaumaalternânciadeataques,eo
placarsegueapertadoatéosminutos inaisdapartida.Nãonaquelanoite.Os Dragons nadavam de braçada. Haviam terminado o primeiro quartocom12pontosdediferença,osegundocom20,eoterceirocom26.Myronjácomeçavaa icarnervoso: sabiaqueadiferençaeragrandeobastanteparaqueelepudesse jogar.Nãohaviacontadocomisso.Chegaraatorcerpara os Celtics na esperança de uma virada que mantivesse sua bundaseguramente plantada na cadeira de alumínio. Em vão. A quatrominutosdo imdo jogo,osDragons lideravampor28pontos.DonnyWalshcorreuos olhos pelo banco. Nove dos 12 jogadores já haviam passado pelaquadra.Walsh sussurrou algo para Kip, que assentiu com a cabeça e sedirigiuaobancodereservas,parandodiantedeMyron.Myronpôdeouviroprópriocoraçãoretumbarnopeito.– Walsh vai limpar o banco – disse Kip. – Mandou perguntar se você
querjogar.– É ele quemmanda – retrucou Myron, enquanto enviava mensagens
telepáticas deNão,não,não!. Jamais conseguiriadizê-lo.Não era essa suanatureza. Myron precisava bancar o bom soldado, o atleta que punha otime emprimeiro lugar, quepularia em cimadeuma granada caso fosseessaavontadedotécnico.Nãosaberiaagirdeoutraforma.Otécnicopediutempo.Novamenteolhouparaobancoeberrou:–Gordon!Reiley!NolugardeCollinseJohnson!Myron respiroualiviado.E imediatamente se censuroupeloque estava
sentindo.Queespéciedeatletaé você? , perguntou a simesmo.Que espéciedeatletaquer icarnobanco? Entãoaverdadesaiudatocaparasacudi-lo
comforça:Elenãoestavaaliparajogarbasquete.Que diabo estava pensando? Estava ali para encontrar Greg Downing.
Um trabalho de detetive, nadamais que isso. Como na polícia. Só porqueum investigador se fazia passar por tra icante, isso não fazia dele umtra icante.Sóporqueele,Myron,estavasefazendopassarporumjogadordebasquete,issonãofaziadeleumjogador.Masnemporissoelesesentiureconfortado.Dalia30segundosacoisacomeçou.EMyronficouapavorado.Umaúnicavozfoipuxandoasdemais.Umavozcheiadecerveja,gravee
singularobastanteparasedestacardahabitualcacofoniadastorcidas.–Ei,Walsh!–berraraavoz.–PorquevocênãobotaoBolitar?Myron sentia o estômago se retorcer na barriga. Sabia o que ia
acontecer.Virasituaçõessemelhantesaconteceremnopassado,masnuncacomele.Suavontadeerasubmergirnopisodaquadra.–Éissoaí–berrouumasegundavoz.–Queremosveronovato!Maisurrosdeapoio.Estava acontecendo. A multidão incensada clamava pelo pobre coitado
donovato.Nãodeummodo carinhosoou incentivador.Masdeummodoclaramente condescendente e sarcástico. Hora de dar uma colher de cháaopereba.Ojogojáestáganho.Vamosnosdivertirumpouco.Agritariacontinuoupormaisumtempoatéquedeu lugaraum... coro.
Quecomeçoufracomasaospoucosfoiganhandoadesão.–QueremosoMyron!QueremosoMyron!Myron fazia o possível para não murchar. Fingia não estar ouvindo,
comoseestivesse intensamenteconcentradonoqueacontecianaquadra,rezando para que suas bochechas não estivessem vermelhas. O coro foicrescendo em volume e andamento até que se reduziu a uma únicapalavra,repetidaumacentenadevezesemmeioàsgargalhadas.–Myron!Myron!Myron!Era preciso apagar aquele pavio. E só havia uma maneira. Myron
conferiu o relógio. Ainda faltavam três minutos para o apito inal. Eleprecisava entrar. O que não daria im ao seu pesadelo, mas pelo menosaplacaria temporariamente a sanha dasmassas. Ele olhou para Kip, queolhoudevolta,meneouacabeçaebaixouotroncoparacochicharalgonoouvidodeWalsh.Otécniconemsequerficoudepé.Simplesmenteberrou:–Bolitar!NolugardeCameron!Myronengoliuemsecoese levantou,atiçandoosarcasmodamultidão.
Foiarrancandoaroupaenquantocaminhavaparaamesadojuiz.Sentiaas
pernas duras, receava uma câimbra. Sinalizou para o juiz, quemeneou acabeça e soou a campainha. Já na quadra, apontou para Cameron, eCameronsaiutrotandodevoltaaobanco.–Kraven–disseele.OnomedojogadorqueMyrondeveriamarcar.–Entrandono lugardeBobCameron... – anunciouo locutor. –Número
34.MyronBolitar!O alvoroço foi súbito e geral. Cornetas, assobios, gritos, gargalhadas.
Alguémpoderiaacharquesetratavadevotosdeboasorte,masocasonãoerabemesse.Eracomoseaspessoasestivessemaplaudindoaentradadeumpalhaçonopicadeiro:queriamvertrapalhadase,claro,contavamcomMyronparaisso.ElederepentesedeucontadequeaquelaerasuaestreianaNBA.Tocounabolacincovezesatéo imdojogo,todaselasseguidasdemais
aplausoseberros,earremessouaocestoapenasumavez,jádooutroladoda linha de três pontos. Chegara a pensar em desistir do arremesso,sabendoqueaspessoasreagiriamdeumaformaoudeoutra,oquequerque acontecesse.Mas certas coisas são quase automáticas. Ele nãoparoupara pensar. E a bola atravessou o aro, ruidosa e feliz. A essa alturafaltavamapenas30segundosparaotérminodojogoe,porsorte,amaioriadas pessoas se dera por satisfeita e já voltava para o estacionamento.Osaplausos sarcásticos foram bem mais discretos. Durante aqueles brevessegundos em que esteve com a bola, quando sentiu os sulcos do courocontra a ponta dos dedos, quando lexionou o cotovelo e ergueu a bola apoucoscentímetrosdatesta,quandoobraçoseestendeunumalinhareta,quandoopulsosedobrouparaafrente,quandoosdedosdançaramsobreocouroparacriarumperfeitobackspin,Myronseviusozinho.Seusolhosse ixavam no aro, apenas no aro, jamais itando a bola enquanto eladesenhava um arco rumo à tabela. Durante aqueles poucos segundos omundoseresumiaaele,aoaroeàbola,eparaMyronestavatudocerto.Oclimanovestiáriosereveloubemmaisanimadodepoisdojogo.Myron
conseguiuconversarcomtodososjogadores,excetoTCeoamigodeGreg,LeonWhite, de quem elemais queria se aproximar. Normal. Não seria ocasodeforçarabarra,poisotiropoderiasairpelaculatra.Tudobem.Nodiaseguinteelefariaumanovatentativa.Myron sedespiu. Sentia o joelhooperado começando a enrijecer, como
sealguémtivessetensionadoseustendões.Buscouumacompressadegeloe prendeu-a com uma tira de ilme plástico. Mancando, foi para oschuveiros,tomouseubanhoejáterminavadesevestirquandonotouqueTCestavaàsuafrente,olhando-odoalto.
Myron ergueu o rosto. TC já estava com os diversos piercings de ouroem seus devidos lugares.Nas orelhas, claro. Três numa, quatro na outra,alémdeumaargolanonariz.Usavacalçasdecouropretoeumaregatadetela também preta, proporcionando uma vista privilegiada da argolaincada no mamilo esquerdo e de uma outra no umbigo. Myron nãoconseguia decifrar o que eram aquelas tatuagens, que a seus olhos nãopassavam de um amontoado de espirais. TC também estava de óculosescuros,dessesdelenteinteira,àlaYokoOno.–SeujoalheirodevemandarparavocêumabelacestadeNataltodosos
anos–disseMyron.A título de resposta, TC espichou a língua para revelar outra argola.
Myronquaseengasgou,eTCaparentemente icousatisfeito coma reaçãodele.–Tuéocalouro,nãoé?–Sou.–Myronestendeuamãoparaumcumprimento.–MyronBolitar.TCignorouamãoestendida.Apenasdeclarousolenemente:–Entãovaiterquelevarchumbo.–Como?–Chumbo.Tuéonovato.Vaiterquelevarchumbo.Váriosjogadorescomeçaramarir.–Chumbo?–repetiuMyron.–É.Tuéonovato,nãoé?–Sou.–Entãovaiterquelevarchumbo.Maisrisos.–Tudobem–consentiuMyron.–Chumbo.–Éissoaí.–TCmeneouacabeça,estalouosdedos,apontouparaMyron
esaiu.Myronterminoudesevestir.Jessicaesperavaporeleàportadovestiário.Sorriuaovê-lo,eelesorriu
de volta, sentindo-se um tanto sem jeito. Ela o recebeu comum abraço eum rápido beijo. Myron cheirou os cabelos dela: uma verdadeira delíciaparasuasnarinas.–Ah–brincoualguém.–Quefofo!AudreyWilson.–Nãofalecomela–avisouMyron.–Essamulheréoanticristo.–Tardedemais–disseAudrey,abraçandoJessicapelacintura.– Jesse
euvamosdarumavoltinhaporaí.Tomaralgumacoisa,pôraconversaemdia,essetipodecoisa.
–MeuDeus,vocênãotemlimites.–ElesevirouparaJessica.–Nãocontenadaaela.–Contaroquê?Nãoseidenada.–Éverdade–concordouMyron.–Então,paraondevamos?–Nósnãovamosalugarnenhum–disparouJessica,eapontouparatrás
comopolegar.Winestavarecostadonaparede,completamenteimóveleàvontade.–Elefalouquevocêvaiestarocupado.–Ah.–MyronolhouparaWin,queacenoucomacabeça.Pediulicençae
foifalarcomele.Semnenhumpreâmbulo,Winfoilogodizendo:– A última transação inanceira de Greg foi num caixa automático às
23h03danoiteemquesumiu.–Onde?–Manhattan.NumaagênciadoChemicalBank,pertoda rua8noWest
Side.– Faz sentido – disse Myron. – Ele recebeu uma ligação de Carla às
21h18. Carla pediu que ele fosse encontrá-la na tal cabine dos fundos.Então ele foi para a cidade e tirou dinheiro no caixa antes de ir para oencontro.Winfitou-ocomolhosmortos.–Obrigadopelavaliosaanálisedoóbvio.–Éumdomquetenho,sóisso.–Eusei–con irmouWin.–Poisbem.Háoitobaresnumraiodequatro
quadrasdessecaixaautomáticoemparticular.Limiteiminhabuscaaeles.Dosoito,apenasdoisdispõemdealgoquepoderiaserchamadode“cabinedos fundos”. Os demais têm mesas e salões de jantar, mas não cabines.Aquiestãoosnomes.HámuitoMyron deixara de se dar o trabalho de perguntar comoWin
descobriaessetipodecoisa.–Querirnomeucarro?–Nãopossoacompanhá-lo–disseWin.–Porquenão?–Voumeausentarporunsdias.–Apartirdequando?–DecolodoaeroportodeNewarkdaquiaumahora.–Umaviagem?Assim,deumahoraparaoutra?Winnão se viuna obrigaçãode responder.Os dois saírampelo portão
dos jogadores. Cinco garotos correram até Myron em busca de umautógrafo.Myronatendeua todos.Aoreceberdevolta seupapel,umdos
garotos,quenãodeviatermaisque10anos,perguntou:–Queméesseaí,afinal?–Éopereba–respondeuoutro.– Epa! – exclamou Win. – Mais respeito, rapaz! Para você, é senhor
Pereba.Myronolhouparaele.–Obrigado.Wingesticulouum“nãohádequê”.–Evocê,éalguémimportante?–perguntouoprimeirogaroto,dirigindo-
seaWin.–SouDwightD.Eisenhower–respondeuWin.–Quem?Winespalmouasmãos.– Ah, nossa excelsa juventude... – Ele suspirou, e se afastou sem dizer
maisnada.Nãoeralámuitoafeitoàsdespedidas.Myron foi para seu carro. Já estava com a chave na fechadura quando
alguémlhedeuumtapinhanascostas.EraTC.Apontandooindicadorparaeleeexibindomaisanéisdoqueumagrã-fina,disse:–Nãoesquece.–Chumbo–disseMyron.–Exato–devolveuTC.Esefoi,eletambém.
capítulo7
MYRONCHEGOUAOPUBMACDOUGAL’S,oprimeirobarnalistadeWin.Acabinedos fundos se encontrava livre, e ele a ocupou. Ficouali porum instante,esperando que alguma força do além lhe dissesse se aquele era o lugarondeGreg havia se encontrado comCarla. Não sentiu nada – positivo ounegativo.Talvezdevesseapelarparaumasessãomediúnica.A garçonete se aproximou sem amenor pressa, como se o esforço de
atravessarosalãoequivalesseaodeatravessarumcampodenevedensaeissolhedessedireitoaumapolpudarecompensa.Myrontentouseduzi-lacom um de seus sorrisos característicos. O modelo Christian Slater:simpáticoporémdiabólico.QuenãodeveriaserconfundidocomomodeloJackNicholson,queeradiabólicoporémsimpático.–Olá–disseele.Elalargousobreamesaumabolacha,dessasdepapelão.–Vaibeberoquê?–perguntou,tentandosoarafável,masnemdelonge
conseguindo.Raramente se via uma garçonete simpática em Manhattan, a não ser
aquelas,e icientíssimas,deredescomooTGIFriday’souoBennigan’s,quevão logo informando seu nome aos clientes e dizendo que serão as“atendentesdehoje”,talvezreceandoahipótesedequealguémastomassepor outra coisa, como por exemplo “a consultora jurídica de hoje” ou “aenfermeiradanoite”.–Temalgumachocolatado?–perguntouMyron.–Temoquê?–Deixapralá.Quetalumacerveja?Elaoencaroucomolhosmortiços.–Dequetipo?Asutilezanãofuncionariaali,pensouMyron.–Vocêgostadebasquete?–perguntou.Eladeudeombros.–SabequeméGregDowning?Elanegoucomacabeça.– Foi ele quem me falou deste lugar – explicou Myron. – Contou que
esteveaquioutrodia.Elapiscou.
–Vocêestavaaquisábadoànoite?Elafezquenão.–Nestemesmolugar,servindoascabines?Elafezquenãonovamente,dessavezmaisrápido.Sinaldeimpaciência.–VocêviuoGreg?–Não.Estavanasmesas.PodeserumaMichelob?Myronolhouparaorelógio,fingindosurpresa.– Caramba, esqueci dahora. Preciso ir. –Deu à garçonete uma gorjeta
dedoisdólaresedisse:–Peloseutempo.O segundo bar da lista se chamava Chalé Suíço. Embora não chegasse
nempertodeum chalé suíço.O lugar eraumburaco.Opapel deparedetentavasefazerpassarporlambrisdemadeira,etalvezatéconseguissemo efeito desejado se ele não estivesse descascando em tantos pontos. Alareira abrigava uma tora de plástico com luzinhas de Natal piscando nointerior,di icilmentedandoaolugaroclimaaconchegantedeumchalédeesqui. Por algum motivo, do centro do teto pendia um daqueles globosespelhados de discoteca. Nenhuma pista de dança. Nenhuma luzestroboscópica. Apenas o globo de discoteca –mais um adorno típico deum autêntico chalé suíço, deduziuMyron. O ambiente exalava um cheiroazedo de cerveja derramadamisturado a uma discreta nota de vômito, otipo de cheiro que apenas certos bares ou grêmios estudantis costumamter,dandoaimpressãodequeháratosmortosejápodresnointeriordasparedes.A jukebox tocava “Little Red Corvette”, do Prince. Ou seria do Artista
AnteriormenteConhecidoComoPrince?Nãoeraassimqueelesechamavaagora?Era,masnaépocadolançamentode“LittleRedCorvette”eleaindase chamava Prince. Então, de quem seria a música a inal? Myron tentouresolver esse importantíssimo dilema, tão di ícil de entender quanto osparadoxoscronológicosdasérie Devoltaaofuturo ...Acabousedandoporvencido.Olugarestavaquasedeserto.Umsujeitocomumfartobigodeeumboné
de beisebol dosAstros deHouston era o único cliente sentado ao balcão.Umcasal se atracavanumadasmesas centrais, umadasmais visíveisdosalão,mas ninguém parecia se importar. Outro sujeito se esgueirava nosfundoscomoseestivessenasessãodevídeospornôsdeumalocadora.NovamenteMyron se dirigiu à cabine dos fundos. E novamente puxou
conversa com a garçonete, esta bemmais animada que a outra. Ao ouvirquehaviasidoGregDowningquemrecomendaraaquelechalé,eladisse:–Nãobrinca!Maseleesteveaquisóumavez!
Bingo.–Teriasidonanoitedesábado?Ela revirou os olhos enquanto pensava. E dali a pouco gritou para o
bartender:–Ei,Joe!GregDowningesteveaquisábadoànoite,nãoesteve?– Quem está perguntando? – retrucou Joe, berrando do outro lado do
balcão. Parecia uma fuinha com cabelos de camundongo. Fuinha comcamundongo.Umabelamistura.–Essecaraaquieeu,agenteestásóconversando.Joe Fuinha apertou as pálpebras sobre os olhos de roedor para ver
melhor.Depoisosarregaloueindagou:– Ei, tu é o recém-contratado, não é? Dos Dragons? Vi na televisão.
Aquelecomnomedenerd.–MyronBolitar–completouMyron.–Éissoaí.Myron.Vocêsvãocomeçaradarascarasporaqui?–Podeser.–A gente temumagrande clientelade celebridades, pode crer –disse
Joe, limpandoobalcãocomumtrapoquepoderiamuitobemsera lanelade um frentista. – Sabe quem esteve aqui uma vez? Cousin Brucie. O DJ.Umcarabacana,semmarranenhuma,sabe?–Penaqueeunãoestavaaquiparaver–disseMyron.–É.Mastambémjávieramoutrosfamosos,nãoé,Bone?Obigodudodebonéseempertigoueconfirmoucomumgestodecabeça.–ComoaquelecaraquepareciacomoSoupySales.Lembradele?–Lembro.Comoeudisse,celebridades.–SóquenãoeraoSoupySales.Sóalguémquepareciamuitocomele.–Dánomesmo.Myronperguntou:–VocêconheceaCarla?–Carla?–AmoçaqueestavacomoGreg.–Éesseonomedela?Não,nãochegueiaconversarcomela.Nemcomo
Greg. Ele entrou assimmeio namoita, tipo incógnito. A gente não queriaincomodar o cara. – Joe estufou o peito como se fosse bater umacontinência.–AquinoChaléSuíçoagenteprotegeasnossascelebridades.–EapontandootrapoparaMyron,emendou:–Podedizer isso láparaosteusamigos,falou?–Voufalar–prometeuMyron.–Naverdade,agentenemsabiadireitoseeramesmooGregDowning.
–ComonocasodoSoupySales–interveioBone.–Exatamente.Sóquedessavezeraocaradeverdade.–Maso sujeitopareciamuito como Soupy Sales.Umputa ator, aquele
Soupy.–Talentodamelhorqualidade–concordouBone.Myrondisse:–Elejáesteveaquioutrasvezes?–OclonedeSoupySales?–Suabesta–disseJoe,abanandootraponadireçãodeBone.–Porque
diabo ele ia querer saber de uma coisa dessas? O cara está falando doGregDowning,bocó!–Ecomoéqueeuiasaber,seumané?Estávendoalgumaboladecristal
poraqui?–Rapazes,rapazes...–contemporizouMyron.Joeergueuamão:–Foimal.Desculpaaí.Maspode icar tranquilo: esse tipode coisanão
costumarolarnoChaléSuíço.Agentesedámuitobemporaqui.Éounãoé,Bone?Dizaí.Boneestendeuosbraços.–Equeméquenãoestásedandobemporaqui?–disse.–Exatamente.Masrespondendoatuapergunta,Myron.Não,oGregnão
éumdosnossosfregueses.Aquelanoitefoiaprimeiravezdeleaqui.–QuenemoCousinBrucie–disseBone.–Tambémsóveioumavez.–Foi.Masgostoudolugar.Deuparasacar.–Pediuumasegundabebida.Senãotivessegostado,nãotinhapedido.–Certo.Doisdrinques.Podiatertomadoumeidoembora.Masforamsó
duasCocas.Diet.–EaCarla?–retrucouMyron.–Quem?–AmoçaqueestavacomoGreg.–Oquetemela?–Jáesteveaquioutrasvezes?–Nuncavi.Evocê,Bone?Bonebalançouacabeça.–Não.Senãoeulembraria.–Lembrariaporquê?Semhesitar,Joedisse:–Ospara-choques.Deprimeira.Bonecurvouosdedosefabricoudoisseioscontraoprópriopeito.
–Doismelõesassim.–Nãoquefosseumagata,nadadisso.–Nãoeramesmo–concordouBone.–Meiocoroaparaalguémcomoo
Greg.–Quantosanos?–perguntouMyron.–Bemmaisvelhaqueele,comcerteza.Cinquentaemuitos,eudiria.Tu
nãoacha,Bone?Boneconfirmoucomacabeça.–Masumacomissãodefrentedamelhorqualidade.–Unspeitõesenormes.–Gigantescos.– Ok, já deu para ter uma ideia – interrompeu Myron. – Mais alguma
coisa?Ambosficaramconfusoscomapergunta.–Cordosolhos?–sugeriuMyron.Joepiscoudiversasvezes,olhouparaBone.–Eelatinhaolhos?–Eeulásei?–Cordocabelo–insistiuMyron.–Castanho–disseJoe.–Castanhoclaro.–Preto–disseBone.–Podeser–concedeuJoe.–Não,talvezfossemaisclaromesmo.– Mas vou lhe dizer uma coisa, Myron. Aqueles peitos... Dois canhões,
meuirmão.–CanhõesdeNavarone–concordouBone.–ElaeGregsaíramjuntos?JoeolhouparaBone,quedeudeombros.–Achoquesim–disseoprimeiro.–Sabedizeraquehoras?Joefezquenãocomacabeça.–Vocêsabe,Bones?–arriscouMyron.A viseira do boné de Bone se aproximou do rosto de Myron
intempestivamente.– Não é Bones, porra! – rugiu ele. – ÉBone! Sem S no im! B-O-N-E!
NenhumS!Evocêestáachandooquê?QueeutenhocaradeBigBen?Joenovamenteabanouseutrapo.–Nãoinsultaacelebridade,suamula!– Que celebridade, Joe? Porra, o cara não passa de um pereba! Não é
comooSoupy.Éumzé-ninguém,umzeroàesquerda.–BonesevirouparaMyron e, semnenhumahostilidade na voz, falou: –Não foi para ofender,Myron.–Eporqueeumesentiriaofendido?–Escuta–disseJoe–,poracasovocêtemumafotosuaaí?Agentepodia
pendurarnaparede.Comautógrafoededicatória,claro.“ParaagaleradoChaléSuíço.”Aliás,agentebemquepodiacomeçarafazerumaparededefotosautografadas.–Desculpe–disseMyron–,masnãotenhonenhumacomigo.–Podemandarparaagente?Autografada?Ouderepentevocêtrazda
próximavezquevier.–Hmm...Dapróximavez.Myronprosseguiunointerrogatório,masnãodescobriumuito,anãoser
a data de aniversário de Soupy Sales. Saiu do bar e foi caminhando peloquarteirão, passando por um restaurante chinês com patos mortos navitrine. Carcaças de pato, nada melhor para aguçar o apetite. Talvez oBurger King devesse pendurar vacas sacri icadas em suas lojas também.Ascriançasiriamadorar.Poruminstanteele tentou juntaraspeçasdoquebra-cabeça.Carla liga
para Greg e marca um encontro no Chalé Suíço. Por que logo ali, comtantos lugaresmelhores?Seriapossívelqueelesnãoquisessemservistosjuntos? Por que não? E quem seria Carla a inal? Como tudo isso seencaixava no sumiço de Greg? E o sangue encontrado no porão? TeriamelesvoltadojuntosparaacasadeGreg,oueleteriavoltadosozinho?SeriaCarla a moça com quem ele vivia? E nesse caso, por que se encontrarnaquelelugar?Myron estava tão perdido nos próprios pensamentos que só viu o
homemapoucospassosdetrombarnele.Chamaraquilode“homem”seriana verdadeumerro: o sujeito estavamais para ummurode concreto sefazendo passar por humano. Ele se interpunha no caminho de Myron.UsavaumadaquelascamisetasjustasdegolaV,comumdecoteacentuadoobastanteparaexibiropeitoral,esobreelaumacamisadeestampa loralquemais lembrava uma blusa feminina. Um chifre de ouro pendia sobreaquilo que poderia ser chamado de decote. Umamontanha demúsculos,um rato de academia.Myron tentou ultrapassá-lo pela esquerda,mas foibloqueadopelomuro.Tentouultrapassá-lopeladireita,masnovamentefoibloqueado.Andoudeladoaladoumasegundavez;omurofezomesmo.–Eaí?–disseMyron.–Conheceochá-chá-chá?O muro de concreto esboçou exatamente a reação que poderíamos
esperardeummurodeconcreto.Poroutro lado,aquelenãohaviasidoomelhordos gracejosdeMyron.Ohomemera realmente enorme,maisoumenos do tamanho de um eclipse lunar. Myron ouviu passos. Outrohomem, tambémgrande,mas de proporçõesmais humanas, aproximava-se por trás. Usava calças militares com estampa de camu lagem; umagrandetendênciadamodaurbanarecente.–OndeestáoGreg?–perguntouoCamuflado.Myronsefezdesurpreso.–Oquê?Ah,desculpa,nãotinhavistovocê.–Hein?–Ascalças...–explicouMyron.–Estavamcamuflandovocê.OCamufladonãogostoudoqueouviu.–OndeestáoGreg?–Greg?–Respostinhairritante.–É.Cadêele?–Quem?–OGreg.–QueGreg?–Estázoandocomigo?O Camu lado olhou para o Muro, que permaneceu tão calado quanto
antes.Myronsabiaqueeragrandeapossibilidadedeumconfronto ísico.Sabia também que era bom nesse tipo de situação. Sabia ainda, ou pelomenossupunha,queaquelesdoisgorilastambémerambonsdebriga.Pormais que os ilmes de Bruce Lee sugerissem o contrário, era quaseimpossível alguém derrotar sozinho dois oponentes de valor. Lutadoresexperientes não eram burros. Lutavam como uma equipe. Nuncaarremetiamisoladamente.–Então–disseMyron.–Quetalumacervejinha?Resolveressahistória
comumbompapo?OCamufladobufoucomescárnio.–Eporacasoagentetemcaradequemgostadepapo?–Eletem–disseMyron,apontandoparaoMuro.Havia trêsmaneirasdesair ilesodeumasituaçãodaquelas.Aprimeira
erafugircorrendo,oqueerasempreumaboaopção.Oproblemaeraqueosdoisadversáriosestavampróximososu iciente,edistantesosu iciente,para saltar sobre ele ou puxá-lo pela camisa. Arriscado demais. Segundamaneira:osadversáriossubestimamvocê.Você ingequeestácommedoedepois,bum!, os pega de surpresa. Acontece que gorilas raramentesubestimamalguémcomquasedoismetrosdealturaemaisde100quilos.
Terceira maneira: você ataca primeiro, e com força. Ao fazer isso vocêaumenta a probabilidade de colocar umdeles fora de órbita antes que ooutro possa reagir. Esse caminho, no entanto, implica um delicadoequilíbrio.Atéalguématacar, você realmentenãopodedizer comcertezaqueumconfronto ísiconãopoderiatersidoevitadoporcompleto.Masseesperar que alguém ataque, a opção perde o sentido. Win gostava delamaisquedasoutras.Mesmoquandohaviaapenasumadversário.No entanto, Myron não teve a oportunidade de fazer esta ou aquela
opção, pois o Muro lhe acertou um soco forte bem na região da lombar.Pressentindo o golpe, Myron havia girado o tronco o bastante paraprotegerosrinseprevenirqualquerestragomaior,eassimestavaquandodesferiuumacotoveladanonarizdosujeito.Ouviucomprazeroesfacelardosossos,algoparecidocomocrepitardeumninhodepássaroesmagadoporummurro.Avantagemtevecurtaduração.TalcomoMyronhaviareceado,oscaras
sabiam o que estavam fazendo. O Camu lado atacou quasesimultaneamente, terminando o serviço do companheiro. Myron sentiuumadoragudanosrins.Os joelhosameaçaram falhar,masele segurouaonda.ComotroncocurvadonadireçãodoMuro,jogouapernaparatrásedesferiuumcoice,comopéseprojetandonoarcomoumêmbolo.Emborasua intenção fosse cravá-lo no estômago do Camu lado, perdera oequilíbrioeacabaraacertandoacoxadele.Oestragonão foigrande,masfoi su iciente para que o Camu lado recuasse. O Muro já começava arecuperar as forças: tateando cegamente, ele encontrou os cabelos deMyroneosagarrouparasereerguer.Myronrapidamenteprendeuamãodele, aproveitando a oportunidade para incar as unhas nos pontosmaissensíveis entre as juntas. OMuro berrou de dor. E o Camu lado voltou àbaila:esmurrouMyrondiretamentenoestômago.Adornãofoipouca.Foilancinante.Myronlogoviuqueestavaemapuros.Flexionouumdosjoelhospara ganhar impulso e arremeteu com a mão espalmada, pronta para ogolpe que tinha em mente. O tapão acertou o Muro na virilha, e eledesabou com os olhos esbugalhados, como se alguém tivesse roubado ochão de seus pés. O Camu lado reagiu sem hesitar. Cravou um sococerteiro numa das bochechas de Myron, deixando-o zonzo. Rapidamentedesferiuumsegundosoco.Myron foiperdendoo focodavisão; tentouselevantar,masaspernasnãoobedeceram.Ebastouumchutenascostelasparaqueelecomeçasseaveromundogirandoaoseuredor.–Ei,ei,ei!Queporraéessaaí?–Vocêsdois!Circulando,circulando!
Apesardazonzeira,Myronreconheceuasvozes:JoeeBone,dobar.Eleaproveitou a ocasião para fugir dali. Mas sem necessidade, pois a essaalturaoCamu ladojáhaviaajudadooMuroaselevantareamboscorriamparalonge.JoeeBonerapidamenteforamaoencontrodeMyron.–Vocêestábem?Estatelado,Myronfezquesimcomacabeça.– Não vai esquecer de mandar aquela foto autografada, falou? Cousin
Bruciefalouqueiamandar,enada.–Mando,sim.Duas.
capítulo8
ELE CONVENCEU JOE E BONE a não chamarem a polícia. Não precisou gastarmuita saliva.Quase sempre as pessoaspreferemdeixar a polícia de fora.Coma ajudadadupla, ele entrounum táxi.Omotoristausava turbante eouvia música country. Multiculturalismo. Myron informou o endereço deJessica com di iculdade e desabou no estofamento puído do banco. Omotoristanãoestavaparaconversa.Ótimo.Myronfoimentalmenteexaminandooprópriocorpo.Nadaquebrado.As
costelas estavam, quando muito, doloridas. Nada que atrapalhasse suanovavidadejogador.Masacabeçaeraoutrahistória.Tylenolecodeínaoajudariam a passar a noite, e namanhã seguinte ele poderia tomar algomaisleve,comoumAdvil.Noscasosdetraumanacabeçanãohaviamuitoafazeralémdedartempoaotempoecontrolarador.Jessicaorecebeuàporta,embrulhadanumroupãodebanho,eMyron,
como de costume, perdeu um pouquinho o fôlego ao vê-la. Deixando deladoasadmoestações,elapreparouumbanho,ajudouMyronasedespirese alojou atrás dele na banheira. Já um tanto aliviado com o contato daágua,Myronserecostoucontraanamoradaenquantoelacobriaacabeçadele com compressas de toalha. Em seguida exalou um longo suspiro defelicidade.–Desdequandovocêémédica?–perguntou.Portrás,Jessicaobeijounorosto.–Estásesentindomelhor?–Sim,doutora.Muitomelhor.–Quermecontaroquehouve?Myron relatou toda a história, e ela ouviu em silêncio, suavemente
massageando as têmporas dele. Myron imaginava haver no mundo algomelhor do que estar naquela banheira recostado à mulher que amava,sentindo o bálsamo daquele toque, mas nem com muito esforço poderiadizeroquê.Asdorescomeçavamaceder.–Então,quemvocêachaqueeramostaiscaras?–perguntouela.–Seilá–disseMyron.–Achoquesãodoiscapangasdealguém.–EelesqueriamsaberoparadeirodeGreg?–Parecequesim.– Se dois capangas estivessem atrás de mim – observou ela –, eu
tambémsumiriadomapa.AideiajáhaviaocorridoaMyron.–Éverdade.–Eagora?Qualseráseupróximopasso?Myronsorriuefechouosolhos.–Não acredito.Nenhumabronca?Nenhumaaula sobreosperigosque
estoucorrendo?–Nãogostodelugares-comuns–disseJessica.–Alémdisso,temalguma
coisaaí.–Comoassim?–Algoquevocênãoestáquerendomecontar.–Eu...Elapousouoindicadorsobreoslábiosdele,calando-o.–Sómedizoquepretendefazer.Myronnovamenterelaxouocorpo.Chegavaadarmedoafacilidadecom
queelaliaospensamentosdele.–Precisofalarcomalgumaspessoas.–Comquem,porexemplo?–OagentedeGreg.O colegadequartodele,umsujeito chamadoLeon
White.Emily.–Emily.Suanamoradinhadefaculdade,certo?– É – disse Myron. E antes que ela começasse a lê-lo de novo,
rapidamentemudoudeassunto.–ComofoisuanoitecomAudrey?–Ótima.Falamosdevocê,basicamente.–Falaramoquê?Jessicacomeçouaacarinhá-lonopeitocomdedosquepareciamplumas.
Ou um Itzhak Perlman tangendo as cordas de seu violino. Lenta esuavemente. Talvez um tanto demais. Para Myron, o efeito já não eraapenasodeummerobálsamo.–Ei,Jess...Maisumavezelaocalou.Efalouameia-voz:–Suabunda.–Minhabunda?– É. Foi disso que a gente icou falando. – Para ilustrar o ponto, ela
fechou os dedos sobre uma das nádegas dele. – Até a Audrey teve deadmitirqueasuabundadavavontadedemorder,correndodaquele jeitonaquadra.–Não souapenasumcorpinho– argumentouMyron. –Também tenho
umcérebro.Sentimentos.
Jessicabaixouabocarenteàorelhadele.Eprovocouarrepiosquandooslábiostocaramolóbulo:–Quemseimportacomisso?–Hmm,Jess...–Shhh–fezela,descendoaoutramãopelopeitodele.–Amédicaaqui
soueu,lembra?
capítulo9
NOS RINCÕES DA CABEÇA DE MYRON, os nervos foram subitamente atacadospela campainha do telefone. Ele foi piscando até abrir os olhoscompletamente.Viuquealuzdamanhãjávazavapelasfrestasdacortina.Examinouoespaçoaseuladonacama,primeirocomasmãos,depoiscomos olhos. Jessica não estava lá. O telefone continuava a urrar.Myron porfimoatendeu.–Alô.–Entãoéaíquevocêestá.Elefechouosolhos.Suacabeçaagoradoía10vezesmais.–Oi,mãe.–Vocênãodormemaisemcasa?A casa de Myron era o porão da casa dos pais, o mesmo de sua
juventude. Mas nos últimos tempos ele vinha passando cada vez maisnoites no apartamento de Jessica. O que decerto era uma boa coisa. Eleestava com 32 anos; era uma pessoa razoavelmente normal, rico obastante. Não tinha nenhum motivo para ainda morar com o papai e amamãe.–Comovaiaviagem?–perguntouele.Seuspais estavamemalgumaexcursãodeônibuspelaEuropa.Dessas
quevisitam12cidadesemquatrodias.–VocêachaqueligueidoHiltondeVienasóparaconversar iadosobre
nossoitinerário?–Suponhoquenão.–SabequantocustaumaligaçãointernacionalnumhotelemViena?Com
todasastaxasesobretaxas?–Umafortuna,imagino.– Tenho os preços bem aqui. Vou lhe dizer exatamente. Espera aí. Al,
ondefoiqueeumetiaquelepapelcomastaxasdetelefone?–Mãe,issonãoéimportante.–Estavaaquinesseminuto...Al?– Por que você não me diz quando volta? – sugeriu Myron. – Assim
aumentaasaudade...–Podeguardara ironiaparasua turma.Vocêsabemuitobemporque
estouligando.
–Nãosei,mãe.–Entãovou lhedizer.Unscolegasdeexcursão...osSmeltman,umcasal
muito simpático...Omarido trabalha com joias.Marvin, achoque é esseonome dele. Eles têm uma loja em Montclair. A gente passava muito nafrentedelaquandovocêeracriança.FicanaBloom ieldAvenue,pertodocinema,lembra?–Ahã. –Myronnão faziaamenor ideiadoqueelaestava falando,mas
concordareramaisfácil.–Poisbem.OsSmeltmanfalaramcomo ilhodelesportelefoneontemà
noite. Foiele que ligou, Myron. Tinha todo o itinerário dos pais, todas asinformações,tudo.Ligousóparasaberseelesestavamsedivertindo,essetipodecoisa.–Ahã.Myron sabia que a mãe estava no modo “descompensado”. Não havia
como pará-la. De um segundo a outro ela deixava para trás a mulhermodernae inteligentequede fatoera,eMyron tambémsabiadisso,paradar lugaraalgumpersonagemdeUmviolinistanotelhado .Naquele exatomomento,eraGoldaconvergindoparaYenta.– Pois então – prosseguiu ela. – Os Smeltman icam se gabando com o
filhosóporqueestãonamesmaviagemqueospaisdeMyronBolitar.Edaí,nãoé?Queméqueaindase lembradevocê?Fazanosquevocênãojoga.Acontece que os Smeltman são grandes fãs do basquete. Vai entender.Parece que o ilho costumava ver você jogando, sei lá. Pois então. O talilho...achoqueonomedeleéHerb...ouHerbie...ouRalph....algumacoisaassim... o tal ilho conta aos pais que agora você está jogando basquetepro issional. Que os Dragons contrataram você. Que de uma hora para aoutra você resolveu voltar para as quadras, sei lá. Seu pai está tãoenvergonhado...Pensabem.Pessoasqueagentenuncaviunavidasabemda história toda enquanto seus próprios pais estão completamente porfora.Deinícioagenteachouqueeles,osSmeltman,tinhamficadomalucos.–Nãoéoqueasenhoraestápensando–disseMyron.–Eoqueéqueestoupensando?–devolveuela.–Vezououtravejovocê
brincando na cesta lá da garagem. Tudo bem, nenhum problema. Masagoranãoestouentendendonada.Vocênemsequermencionouquetinhavoltadoajogar.–Nãovoltei.–Nãomenteparamim.Vocêmarcoudoispontosontemànoite.Seupai
ligouparaoDisque-Esporte.PoracasovocêfazideiadequantocustaligarparaoDisque-Esportedaqui?
–Mãe,nãoénadaassimtãoimportantequantoasenhorapensa.– Escuta sua mãe, Myron. Você conhece seu pai, não conhece? Está
agindocomosenada tivesseacontecido.Eleoadora,vocêsabedisso,nãosabe?Oadoradequalquerjeito.Masnãoparoudesorrirdesdequesoubedanovidade.Pensouatéemvoltarparacasaamanhãmesmo.–Porfavor,nãofaçamisso.–Nãofaçamisso!–repetiuela,exasperada.–Vá vocêdizeraele,Myron.
Ohomemécompletamentelelé,vocêsabe.Doidodacabeça.Então,porquevocênãocontalogooqueestáacontecendo?–Éumahistóriacomprida,mãe.–Maséverdade?Vocêvoltouajogar?–Sóporumtempo.–Comoassim,“sóporumtempo”?OtoquedeumachamadaemesperasoounotelefonedeJessica.–Mãe,precisodesligar.Desculpapornãoterfaladonadaantes.–Oquê?Vaificarporisso?–Outrahoraagenteconversa.Myronficousurpresoquandoamãeenfimcedeu:–Cuidadocomojoelho,filho.–Podedeixar,mãe.Eumecuido.Ele atendeu a outra ligação. Era Esperanza. Que tambémnão se deu o
trabalhodedizer“bomdia”.–OsanguenãoédeGreg–disparouela.–Oquê?–Osangueencontradonoporão.ÉABpositivo.OdeGregéOnegativo.Myronnãohaviaesperadoouvirnadadisso.Precisoudeumtempopara
concatenarasideias.–TalvezCliptenharazão.TalvezosanguesejadeumdosfilhosdeGreg.–Impossível–disseEsperanza.–Porquê?–Vocênãoestudoubiologianocolégio?–Na oitava série.Mas estava ocupado demais olhando paraMaryAnn
Palmiero.Maseaí?–O sangueAB é um tipo raro. Para queum ilho sejaAB é necessário
que os pais sejam A e B, caso contrário não rola. Greg é O; portanto, osfilhosdelenãopodemserAB.– Então talvez o sangue seja de outra criança – insistiu Myron. – Um
amiguinhoqueestivessecomosfilhosdeGreg,seilá.– Claro – concordou Esperanza. – É bastante provável. Os garotos
convidam alguns amigos para brincar. Um deles sangra até morrer, eninguémapareceparalimpar.Ah,edepois,porumaestranhacoincidência,Gregsomedomapa.Myron enroscava o io do telefone entre os dedos como se eles fossem
umtear.–OsanguenãoeradeGreg...–falou.–Eagora?Esperanzanãosedeuotrabalhoderesponder.– Como vou investigar uma coisa dessas sem levantar suspeita? –
prosseguiu ele. – Preciso interrogar as pessoas, não preciso? Elas vãoquerersaberporquê.–Poisé...sintomuitoporvocê–disseEsperanza,masnumtomquedizia
justamente o contrário. – Agora preciso ir para a agência. Você vaiaparecerporlá?–Talvezàtarde.AgorademanhãvoufalarcomaEmily.–Aex-namoradadequemoWinfalou?–Elamesma–confirmouMyron.– Não vá fazer nenhuma besteira. Coloque a camisinha já – disse
Esperanza.Edesligou.OsanguenãoeradeGreg.Myronsesentiacompletamenteperdido.Na
véspera,enquantoesperavaosono,elehaviaelaboradoumateselimpinhaeconcisaquepropunhamaisoumenososeguinte:oscapangasestavamàprocura de Greg. Talvez tivessem dado uma dura nele, tirado algumsangue. Sóparadeixar claroquenão estavamdebrincadeira.Assustado,Greghaviafugido.Tudopareciaseencaixar.Osanguenoporão.Osúbitodesaparecimento
de Greg. A equação não poderia ser mais simples: uma surra mais umaameaçademorteeraigualaumhomememfuga.Oproblemaagoraeraqueosangueencontradonoporãonãopertencia
aGreg.Adeus, tese limpinhaeconcisa.SeGreg tivessesidoespancadonoporão, o sangue encontrado ali seria dele. Greg teria sangrado o própriosangue, não o de outra pessoa. Aliás, era muito di ícil alguém sangrar osanguedeoutrapessoa.Myronbalançoua cabeça.Precisavadeumaboachuveirada. Mais algumas deduções daquele calibre e a tese da galinhadegoladacomeçariaafazeralgumsentido.Ele ensaboou o corpo, depois deixou que a ducha o massageasse nos
ombrosenopeitoral.Saiudobanho,secou-seesevestiu.Jessicaestavanocômodoao lado,digitandoalgonocomputador.Myron jáhaviaaprendidoquenãodeviaperturbá-laquandootecladoestalavaaplenovapor.Entãodeixouumbilheteesaiusemsedespedir.Tomoualinha6dometrôatéo
centro de Manhattan, seguiu a pé até o estacionamento da rua 46 erecebeu as chaves que Mario arremessou sem levantar os olhos do queestavalendo.Naalturadarua62,seguiupelaFDRDrivenosentidonortee entrou na Harlem River Drive, que estava congestionada em razão deobras na pista da direita. Mesmo assim chegou razoavelmente cedo àGeorgeWashington Bridge e em seguida tomou a Route 4 até um lugarchamado Paramus, que na verdade não passava de um gigantescoshopping center com pretensões a distritomunicipal. Dobrando à direitanaRoute208,passoupelafábricadaNabiscoefarejouoar;dessavez,noentanto,nãosentiuoperfumedosbiscoitosdequetantogostava.Ao se aproximar da casa de Emily, uma sensação de déjà-vu o atacou
como um puxão de orelha paterno. Já havia estado ali antes, claro, nasférias de faculdade na época do namoro deles. A casa era de tijolosaparentes,dearquiteturamodernaerazoavelmentegrande.Ficavaao imdeuma rua semsaída,muitobem-cuidada.Uma cerca limitavao terreno.Myron se lembrava de que havia uma piscina nos fundos. E tambémumpequeno coreto, onde ele e Emily certa vez haviam feito amor, as roupasemboladasaospés,aumidadeembalandoocorpodosdoiscomouma inacamadadesuor.Odocepássarodajuventude.Eleestacionouocarro,tirouachavedaigniçãoe icouali.Faziamaisde
10anosquenãoviaEmily.Muitaáguajáhaviaroladodesdeentão,maseleainda temia a reação dela ao vê-lo. A imagemmental de Emily abrindo aporta,gritando“Canalha!”,depoisbatendoaportanacaradeleeraumdosmotivospelosquaislhehaviafaltadocoragemparaligarantes.Eleolhoupela janeladocarro.Nãoviunenhummovimentonarua.Mas
logopercebeuquenãohaviamaisque10casasporali.Porumtempoficoupensando na melhor maneira de abordar Emily, mas não encontrounenhuma. Conferiu o relógio, mas não registrou as horas. Suspirou. Umacoisa era certa: ele não poderia icar ali o dia inteiro. A vizinhança eraabastada,do tipoquechamaapolíciaemcasodesuspeita.Horade iremfrente.Por imeledesceudocarro.Ascasasaseuredortinhamnomínimouns 15 anos,mas todas pareciam novas. Os quintais talvez ainda fossemum tanto áridos. Poucas árvores e arbustos; os gramados lembravamumgrandeimplantecapilarmalfeito.Myron seguiupelopequeno caminhode tijolos.Olhoupara aspróprias
mãoseviuqueestavamúmidas.Tocoua campainha.Nãopôdedeixarderelembrarasvisitasdopassado,embaladopelocarrilhãoqueaindalheerafamiliar.Aportaseabriu.EraEmily.– Ora, ora, ora – disse ela. Myron não soube dizer se o tom era de
surpresaousarcasmo.Emilyhaviamudado.Pareciaumpoucomaismagra,mais musculosa. O rosto também havia a ilado, acentuando as maçãs. Oscabelos estavam mais curtos e com corte mais de inido. – Se não é opartidãoquedeixeiescapar.–Olá,Emily.–Quantaoriginalidade.–Veiopediraminhamão?–ironizouela.–Jápediumavez.–Masnãocomsinceridade,Myron.Sinceridadeeratudoqueeuqueria
naquelaépoca.–Eagora?–Agoraachoqueasinceridadeésuperestimada.–Elaabriuumsorriso.–Você está ótima,Emily. –QuandoMyron embarcavanaoriginalidade,
nãohaviaquemosegurasse.–Vocêtambém.Masnãovouajudá-lo.–Meajudarcomoquê?Emilycontorceuorostonumacareta.–Entre.–Foisóoquedisse.Myronentrouatrásdela.Acasa,bastantearejada,dispunhadediversas
claraboias, pé-direitomuito alto e paredes pintadas de branco. O piso dohalleradeumacerâmicavisivelmenteso isticada.Myronfoilevadoparaasaladevisitas,ondeopisoerademadeiradefaia.Depoisdeseacomodarnumsofábranco,elepercebeuqueasalapareciaexatamenteigualaoqueera 10 anos antes, e tão bem-conservada quanto. Ou eles haviamsubstituído os sofás por outros idênticos, ou os convidados da casa eramextremamentebem-educados.Nosestofadosnãoseviaumaúnicamancha.Fora do lugar, apenas uma pilha de jornais abandonada por perto.Tabloidesdiários,aoqueparecia.Naprimeirapáginado NewYorkPost ,amanchete diziaESCÂNDALO!, em letras garrafais, fonte 72. Para não deixardúvidas.Umcachorrovelhoseaproximou,arrastando-secompatasrígidas.Dava
aimpressãodequetentavaabanarorabo,masoresultadonãopassavadeuma triste oscilação. Conseguiu lamber a mão de Myron com sua línguaseca.–Quemdiria–observouEmily.–Bennyaindaselembradevocê.Myronempertigouotronco.–EsteaquiéoBenny?Elaconfirmoucomacabeça.A famíliadeEmilyhavia compradoo ilhotinhohiperativoparaTodd, o
irmão caçula, logono início donamorodela comMyron, que estava lá no
diaemqueoanimalzinhochegoudocanilemquenascera.Atordoadocomamudançadeambiente,opequenoBennyhaviafeitopipinaquelemesmochão, mas ninguém havia se importado. Rapidamente se habituara àspessoas. Costumava pular sobre os recém-chegados, acreditando, de ummodoque só os cachorros são capazes de acreditar, que ninguém jamaislhe fariamal algum.Bennynãoestavapulandoagora.Pareciaumancião.Myronfoitomadodeumasúbitatristeza.–Vocêmandoubemontemànoite–disseEmily.–Foibomvê-looutra
veznasquadras.–Obrigado.–Denovoaoriginalidade.–Querbeberalgumacoisa?–ofereceuela.–Possofazerumalimonada.
Como numa peça de Tennessee Williams. Limonada para o cavalheirovisitante...AntesqueMyronpudessedizerqualquercoisa,Emilysumiunadireção
da cozinha. Benny encarava seu velho amigo, penando para enxergaralguma coisa através da leitosa catarata. Myron o afagou nas orelhas eabriuumsorrisotristeaovê-loabanaracauda,agoracomumpoucomaisde ímpeto. Benny deu um passo adiante, dando a impressão de quepercebia, e apreciava, os sentimentos de Myron. Emily voltou com doiscoposdelimonada.–Aquiestá–disseela.Entregouocopoesesentou.–Obrigado.–Myrondeuumpequenogole.–Então,Myron,qualseráasuapróximacartada?–Cartada?–Maisum“valeapenaverdenovo”?–Nãoentendi.Emilynovamenteobrindoucomumsorriso.– Primeiro você substitui o Greg nas quadras. Talvez agora esteja
pensandoemsubstituí-lonacamatambém.Myronporpouconãoengasgoucomalimonada.Estratégiadechoque.A
caradeEmily.–Nãoacheigraça–falou.–Sóestavabrincandoumpouquinho–contemporizouela.–Eusei.Emily incouocotovelonoencostodosofá,apoiouacabeçanamãoe,do
nada,disse:–SeiquevocêestácomaJessicaCulver.–Estou.–Gostodoslivrosdela.
–Jessicavaificarcontenteemsaber.–Masnósdoissabemosqualéaverdade.–Qualéaverdade?Emilyseinclinouparabeberalimonada,depoisfalou:–Osexocomelanãoétãobomquantoeracomigo.MaisumatípicatiradadeEmily.–Temcerteza?–perguntouMyron.–Absoluta – respondeu ela. –Não vou ser imodesta. Tenho certeza de
queaJessicaéótimanacama.Mascomigotudoeranovidade.Umagrandedescoberta. Não há nadamelhor do que isso. Nenhum de nós jamais vaiconseguirreproduziraqueletipodeêxtasecomoutrapessoa.Éimpossível.Tantoquantovoltarnotempo.–Nãofaçoessetipodecomparação–disseMyron.Comumsorrisoeumaleveinclinaçãodacabeça,elaprovocou:–Duvido.–Aliás,vocênemgostariaqueeufizesse.Osorrisopermaneceuondeestava.–Ah,Myron,mepoupa,né?Nãomevenhacomessaconversamolede
“sexo espiritual”. Não vá dizer que o sexo com Jessica é melhor porquevocêstêmumrelacionamentolindoeprofundo,eporissoosexovaimuitoalémdofísico.Nadadissocombinacomvocê.Myron não respondeu. Não sabia o que dizer, tampouco se sentia à
vontadecomaconversa.– O que você quis dizer agora há pouco – perguntou ele,mudando de
marcha–quandofalouquenãoiriameajudar?–Exatamenteoquevocêouviu.–Nãovaimeajudarcomoquê?Denovoosorriso.–Algumdiajáfuiburra,Myron?–Nunca.–Achamesmoqueacrediteinessasua“voltaàsquadras”?–perguntou
ela, abrindoe fechandoas aspas comosdedos. –OuqueGregesteja “demolho” por causa de uma contusão no tornozelo? Sua vinda aqui só fazconfirmarasminhassuspeitas.–Suspeitasdequê?–Gregestádesaparecido.Evocêestátentandoencontrá-lo.–OquefazvocêpensarqueGregestádesaparecido?– Por favor,Myron, não venha com joguinhos para cima demim. Você
medeveisso.Pelomenosisso.
Myronlentamenteassentiucomumacenodecabeça.–Vocêsabeondeeleestá?–Não.Masesperoqueo ilhodaputaestejamortoeapodrecendonum
buracoqualquer.–Nãoprecisamediraspalavras,Emily.Bastadizeroquerealmenteestá
sentindo.Osorrisoagorapareciamais triste.Myron icoucondoído.GregeEmily
haviamseapaixonado.Haviamcasadoegeradodois ilhos.Oquepoderiaterposto imatudoisso?Algorecente?Oualgonopassadodeambos,umasementepodreplantadadesdeoinício?Myronsentiuagargantasecar.–Quandovocêoviupelaúltimavez?–perguntou.–Ummêsatrás–respondeuela.–Onde?–Numavaradefamília.–Aindasefalam?–Nãoestavabrincandoquandodissequepormimelepodeestarmorto
eapodrecendo.–Entendi.Nãoestãosefalando.Emilybalançouacabeçacomosedissesse:“Penseoquequiser.”–Casoeleestejaseescondendo,vocêfazalgumaideiadeonde?–Não.–Umacasadecampo?Algumlugarparaondeelegostavadeir?–Não.–Sabedizerseeleestánamorandoalguém?–Não.Mas,seestiver,coitadadagarota.–JáouviufalardeumatalCarla?Emilyhesitouum instante.Tamborilavao indicadorno joelho,umgesto
tãoantigoeconhecidoque,paraMyron,eraquasedolorosoobservar.–NãotinhaumaCarla,lánodormitóriodaDuke,quemoravanomesmo
andarqueeu?–perguntouela.–Tinha,claro.CarlaAnderson.Nosegundoano,lembra?Umameninalinda.–Alguémmaisrecente?–Não.–Emilyseendireitounosofáecruzouaspernas.–EoWin,como
vai?–Omesmodesempre.– Uma das poucas constantes da vida – falou. –Win é doido por você,
Myron.Vocêsabe,né?Ébempossívelquesejaumgayenrustido.–Doishomenspodemsegostarenãoseremgays–argumentouMyron.Emilyarqueouumadassobrancelhas.
–Achamesmo?Myronestavadeixandoqueelaoirritasse.Errograve.– Você sabia que o Greg estava prestes a assinar um contrato de
publicidade?–perguntouele.Ecomissoconquistouaatençãodela.–Verdade?–Sim.–Umcontratogrande?–Bempolpudo,eusuponho–disseMyron.–ComaForte.Emily enrijeceu as mãos. Teria cerrado punhos caso as unhas não
fossemtãograndes.–Filhodaputa.–Porquê?–Esperouodivórciosairparadepoisassinaressecontrato.Emedeixar
comumamãonafrenteeoutraatrás.Filhodaputa.–Comoassim,“umamãonafrenteeoutraatrás”?Gregjáeramuitorico.Elafezquenãocomacabeça.–Oagentedeleperdeutudo.Pelomenosfoioqueeledissenaaudiência.–MartinFelder?–Elemesmo.Gregnãotinhaumcentavofurado.Filhodaputa.–Mas ele ainda trabalha com Felder. Por que continuaria com alguém
queperdeutodoodinheirodele?–Seilá,Myron–retrucouela,umtantoagastada.–Ébempossívelqueo
filhodaputaestivessementindo.Nãoteriasidoaprimeiravez.Myron esperou. Emily ergueu os olhos na direção dele, mordendo os
lábios para represar as lágrimas. Subitamente icou de pé e foi para ooutroladodasala,dandoascostasparaMyron,olhandoatravésdasportasdevidroquedavamparaoquintal.Apiscinaestavacobertaporumalona,sobreaqualseviamalgunsgravetose folhas.Duascriançassurgiramdonada.Ummeninodeuns10anosperseguiaumameninaqueaparentavauns 8. Ambos riam sem parar, os rostinhos escancarados e um tantorosadospelofriooupelacorreria.Omeninoparouaoveramãe.Abriuumamplo sorriso e acenou. Ela acenou de volta, modestamente. As criançasretomaram a brincadeira, e Emily cruzou os braços como se estivessecerrandooprópriotronco.–Elequertirá-losdemim–disse,numtomsurpreendentementecalmo.
–Vaifazerqualquercoisaparaficarcomeles.–Tipooquê?–Ascoisasmaisbaixasquevocêpuderimaginar.–Baixasatéqueponto?
–Nãoédasuaconta–retrucouela,aindadecostas.Myronpodiaverotremordosombrosdela.–Vaiembora.–Emily...–Vocêquerajudá-lo,Myron.–Queroapenasencontrá-lo.Édiferente.Elabalançouacabeça:– Você não deve nada a ele. Acha que deve, eu sei. É seu jeito de ser.
Naquela época eu já via a culpa estampada no seu rosto, amesma culpaqueviassimqueabriaportahoje.Meucasamentoacabou,Myron.E issonão tem nada a ver com o que houve entre a gente. Greg nunca icousabendo.–Eporissoeudevomesentirmelhor?–perguntouMyron.Emilyviroudesúbitoparaencará-lo.– Não falei isso para que você se sintamelhor – disparou. – Você não
tem nada a ver com essa história. Fui eu que me casei com ele. Fui euquem o traiu. Mal posso acreditar que você ainda se remoa por causadisso.Myronengoliuemseco.–Greg foimevisitarnohospital.Logodepoisquememachuquei.Ficou
horasconversandocomigo.–Eissofazdeleoquê?Umcarasuperlegal?–Agentenãodeviaterfeitooquefez.–Vê se cresce,Myron.Tudo isso aconteceuhámaisde10anos.Águas
passadas.Silêncio.Depoisdeumtempo,Myronergueuosolhosparaela.–Vocêpodemesmoperderaguardadascrianças?–perguntou.–Sim.–Atéondevocêiriaparaficarcomelas?–Atéondefossepreciso.–Matariaparanãoperderosfilhos?–provocouMyron.–Mataria–respondeuEmily,semhesitar.–Matou?–Não.– Dois capangas andam à procura do Greg. Você faz alguma ideia do
motivoqueelespoderiamter?–Não.–Nãofoivocêquemoscontratou?– Se fosse – disse ela –, eu não lhe contaria. Mas se esses “capangas”
querem dar umas porradas nele, vou fazer de tudo para ajudá-los alocalizaroinfeliz.Myronpôsocopodelimonadasobreamesa.–Achomelhoreuir.Emily o acompanhou até a porta. Antes de abri-la, pousou a mão no
braçodeMyron.Otoquedelacarbonizouopanodacamisa.– Está tudo bem – falou baixinho. – Desencana. Greg nunca soube de
nada.Myronnãofezmaisquemenearacabeça.Emilyrespiroufundoesorriu.Voltandoaotomdevoznormal,disse:–Foibomvervocêdenovo,Myron.–Paramimtambém–retrucouele.–Vêsenãosomeoutravez,ok?–Ela faziaopossívelparasoarcasual.
Myronsabiatratar-seapenasdeumaencenação,igualatantasoutrasqueele jáhaviapresenciado.–Talvezagentepossaterumcasorapidinho,sóemnomedosvelhostempos.Quemalpoderiahaver?Umaúltimainvestidanaestratégiadechoque.Myronseafastou.–Foi issoqueagentedissedaúltimavez– falou. –Eomal estáaí até
hoje.
capítulo10
–FOINANOITEANTERIORaocasamentodeles–começouMyron, jádevoltaà agência. Esperanza estava na sua frente. Olhos cravados no chefe,masMyronnãosabiadisso.Olhava ixamenteparaotetocomasmãoscruzadassobreopeito,acadeiraquasetombandodetãoinclinada.–Devocontarosdetalhes?–Apenassequiser–disseEsperanza.Ele relatou toda a história. Contou que Emily havia telefonado,
convidando-o para ir ao quarto dela. Contou também que ambos haviambebidomuito.Falouissoapenasparatestarareaçãodela,masEsperanzarapidamenteointerrompeucomumapergunta:–Tudoissoaconteceuquantotempodepoisdasuaconvocação?Myronsorriuparao teto.Amulhernãodeixavaescaparnada.Elenem
sequerprecisouresponder.–Suponho–prosseguiuEsperanza–queessapequenaestripuliatenha
acontecido em algum momento entre a sua convocação pela NBA e oacidentecomojoelho.–Supõecorretamente.– Ah – disse ela, fazendo um pequeno gesto com a cabeça. – Então
vejamos se entendi direito. Você está no último ano da faculdade. Suaequipe vence o campeonato da NCAA: ponto para você. Você acabaperdendo a Emily, e ela acaba icando noiva do Greg: ponto para ele.Depois vêm as convocações da NBA. Greg é o sétimo da lista, e você ooitavo:pontoparaoGreg.Deolhosfechados,Myrondeclarou:–Jáseioquevocêestápensando:queeutenteiempataroplacar.–Nãoestoupensandonada.Estánacara.–Esperanza,vocênãoestáajudandomuito.–Seéajudaquevocêquer,procureumpsicanalista. Seéaverdade, é
comigomesmo.Elatinharazão.Semdescruzarosdedos,Myronpassouasmãosparaa
nucaecolocouospéssobreamesa.–Elatraiuvocêcomele?–perguntouEsperanza.–Não.–Temcerteza?
–Tenho.Emilyeeujátínhamosterminadoquandoelesseconheceram.–Pena.Issoteriadadoavocêumbelopretexto.–É.Pena.– Então é por isso que você se sente em dívida com o Greg? Porque
dormiucomanoivadele?–Emgrandeparte,sim.Masnãoésóisso.–Oqueéentão?– Sei que o que vou dizer vai soar piegas,mas sempre houve um laço
especialentrenós.–Umlaço?Myronvirouosolhosparasuaparedededicadaaocinema.WoodyAllen
e Diane Keaton estavam lá, em seu momentoNoivo neurótico, noivanervosa. Humphrey Bogart e Ingrid Bergman cercavam o piano de SamquandoaindaeramosdonosdeParis.– Greg e eu éramos velhos adversários. E sempre há um laço especial
entre os adversários. Como no caso de Magic Johnson e Larry Bird, porexemplo. Um de ine o outro, sabe? Era assim comigo e o Greg. Nada eradito,masnósdoistínhamosconsciênciadesselaço.Elesecalouderepente,eEsperanzaaguardouemsilêncio.–Quandomachuqueiojoelho–prosseguiuMyron–,Gregfoimevisitar
no hospital. Um dia depois da internação. Eu tinha tomado um sedativoqualquer, e, quando acordei, lá estava ele. ComoWin. Eu logo entendi. EWindeveterentendidotambém,senãoteriacorridocomoGregdelá.Esperanzaassentiu.–Alémdeteridomevisitar,Gregsempre icouporperto,meajudando
na reabilitação. É isso que estou chamando de “laço”. Ele icou arrasadoquando soube, pois, com a minha contusão, foi como se uma parte deletambém tivesse se contundido. Ele tentava me explicar por que sepreocupava também, mas não conseguia encontrar as palavras. Nemprecisava.Porqueeusabia.Elesimplesmentetinhaqueficardomeulado.–Evocêmachucouo joelhoquantotempodepoisdeterdormidocoma
noivadele?–Cercadeummês.–EquandovocêencontravaGregsesentiabemoumal?–Bememal.Esperanzanãodissenada.–Vocêentendeagora?–perguntouMyron.–Entendeporqueeutinha
que me envolver nessa história? Você provavelmente está certa,Esperanza.AchoquedormicomEmilysóporqueGregfoirecrutadoantes
demim.Mais uma rivalidadezinha besta. Por outro lado... que espécie decasamento começa desse jeito? Tenho uma dívida com Greg Downing.Simplesassim.–Não–respondeuela.–Nãoétãosimplesassim.–Porquenão?–Porqueumaboapartedoseupassadoestávoltandoàtona.Primeiro,
Jessica...–Nãocomeça,Esperanza.–Nãoestoucomeçandonada–disseelacalmamente.Rarasvezesfalava
com calma quando o assunto era Jessica. – Só estou enunciando os fatos.Jessicadeixouvocêarrasadoquandofoiembora.Vocênuncaserecuperou.–Masagoraelaestádevolta.–Está.–Então,aondevocêquerchegar?–Obasquetetambémdeixouvocêarrasadoquandovocêtevequesair.
Evocêtambémnuncaserecuperou.–Claroquesim.Elafezquenãocomacabeça.–Primeiro,passoutrêsanostentandodetudoquantoéjeitoconsertaro
joelho.–Sóestavacuidandodaminhasaúde–interveioele.–Quemalhánisso?–Nenhum.Masvocêeraumchatodemarcamaior.Apontodeafastara
Jessica.Nãoestoudizendoqueperdoooqueelafez.Vocênãopediunadadaquilo.Masteveumagrandeparceladeresponsabilidade.–Porquevocêestádesenterrandotudoisso?– Não sou eu quem está desenterrando. Évocê. Seu passado inteiro.
Primeiro, Jessica, e agoraobasquete.Vocêquerque a gente ique vendovocêpassarportudodenovo,maseunãovoufazerisso.–Passarpeloquê?Esperanzanãorespondeu.Emvezdisso,perguntou:–Quersaberporquenãofuivervocêjogarontemànoite?Ele con irmou com a cabeça, ainda sem olhar para ela, sentindo as
bochechasqueimandonorosto.– Porque no caso da Jessica ainda há umachance de que você não se
estrepe de novo. Talvez a perua tenha se emendado. Mas no caso dobasquetesuachanceénula.Édesastrenacerta.–Eusegurootranco–disseele,maisumavezouvindoaquelasmesmas
palavras.Esperanzapermaneceumuda.
Myronolhavaparaonada.Malouviuquandootelefonetocou.Nenhumdosdoisfezmençãodeatendê-lo.–Vocêachaquedevocairforadessahistória?–disseMyronafinal.–Acho.ConcordocomaEmily.FoielaquemtraiuoGreg.Vocêfoiapenas
abuchadocanhão.Esedealgummodoissoenvenenouocasamentodeles,Emilyéaúnica culpada.Adecisão foidela.VocênãodeveabsolutamentenadaaoGreg.–Mesmo que isso seja verdade – argumentouMyron –,meu laço com
Gregcontinuaomesmo.– Essa história de “laço” é uma grande bobagem. Coisa de macho
pedante. Você está apenas corroborando o que eu disse. Esse laço jámorreuhámuitotempo,seéqueumdiaexistiu.Fazmaisde10anosqueobasquetesaiudasuavida.VocêachaqueseuvínculocomGregcontinuaomesmosóporquevoltouajogar.Alguém bateu forte à porta. Os quadros na parede tremeram quase a
pontodecair.Assustado,Myronseempertigounacadeira.–Quemestápilotandoostelefones?–perguntou.Esperanzaapenassorriu.–Nãovádizerque...–Podeentrar–disseEsperanza.Aportaseabriu,eMyronrapidamentecolocouospésnochão.Embora
jáa tivessevisto inúmerasvezes,maisumavez icoudequeixocaído.BigCindy precisou baixar a cabeça para atravessar a porta, uma gigante dequasedoismetrosdealturae150quilos.Usavaumacamisetabrancacomasmangasrasgadasnaalturadascosturas.OsbícepseramdedarinvejaaHulkHoganeamaquiagem,maisespalhafatosadoquecostumavasernosringues. Os cabelos se erguiam em espetos de gel na cor roxa; a sombranaspálpebrastambémeraroxa,masdeumtommaisescuro,eobatomseresumiaaumagrandemanchavermelha.Cindypareciasaídadiretamentedeum ilmedeterror.AcoisamaisassustadoraqueMyronjáviraemtodaavida.–Olá,Cindy–cumprimentouele,hesitante.Cindydeuumgrunhido.Ergueuodedodomeio,deumeia-volta,saiuda
salaefechouaporta.–Quediabofoi...–Elamandouvocêatenderalinha1.–ÉaCindyqueestáatendendoostelefones?–É.–Maselanãofala.
–Sópessoalmente.Éótimanotelefone.–MeuDeus...–Atendeessetelefonelogoeparadereclamar.Myron atendeu. Era Lisa, o contato deles na New York Bell. Amaioria
daspessoasachaquesóapolíciapodeconseguirregistrostelefônicos.Nãoéverdade.Quasetodososdetetivesparticularesnopaístêmalgumcontatonasuaoperadoralocal.Bastaterdinheiroparamolharasmãosdealguém.A cópia de uma conta telefônica, por exemplo, pode custar até 5 mildólares. Myron e Win haviam conhecido Lisa no tempo em quetrabalhavampara o FBI.Não a pagavam, pois Lisa não aceitava dinheiro,massemprequebravamalgumgalhoparaelaquandopodiam.–ConseguioqueWinpediu–disseela.–Diga.– A chamada recebida às 21h18 veio de um telefone público de um
restaurante próximo à esquina daDyckman comaBroadway – informouLisa.–Issonãoficalápelarua200?–Achoquesim.Queronúmero?Carla havia ligado para Greg de um restaurante na rua 200? A cada
minutoascoisasiamficandomaisestranhas.–Senãoforincômodo.Lisapassou-lheonúmeroedisse:–Esperoqueissoajudeemalgumacoisa.–Ajuda,sim,Lisa.Muitoobrigado.–Myronentregouonúmeroanotado
aEsperanza.–Olhasóoqueacaboudecairnasminhamãos–falou.–Umapistaconcreta.
capítulo11
CONTRARIANDO TODAS AS EXPECTATIVAS , o Parkview Diner fazia jus ao nomeque tinha.Realmente tinhavistaparaumparque,aindaqueoLieutenantWilliamTighePark,dooutroladodarua,nãofosselámuitomaiorqueumquintal. Os arbustos eram tão altos que por pouco não encobriam porinteiro o paisagismo do jardim interno. Uma cerca de arame con inava olugar.Penduradasnela,emdiversospontos,viam-seplacassobreasquaisse lia em letras garrafais: NÃO DÊ COMIDA AOS RATOS. Sério. Mais abaixo, emletras menores, a advertência se repetia em espanhol. As placas haviamsido colocadas ali por um grupo que atendia pelo nome de Zona deQualidadedeVida.Myronmalacreditounosprópriosolhos.SómesmoemNovaYorkpoderiahaverumproblemasemelhante:pessoas incapazesdeconterolouvávelimpulsodealimentaraspragas.Ele atravessou a rua. Acima do restaurante, no portão da escada de
incêndio, um cachorro latia para os pedestres com a cabeça entre asgrades. Sobre o toldo verde da fachada, furado em diversos lugares,maldava para ler o nome do estabelecimento, quase inteiramente apagadopelo tempo. Além disso, as hastes de sustentação estavam de tal modoinclinadasqueMyronprecisousecurvarparachegaràporta.Najanelasevia o pôster de um sanduíche de carne de cordeiro e pão grego. Osespeciais do dia, informados por um quadro-negro pendurado à mesmajanela, incluíamberinjelaàparmegianae frangoà laking; a sopaeraumconsomê de carne. Diversas licenças municipais se espalhavam sobre ovidrodaporta.Ao entrar, Myron imediatamente se deparou com o cheirinho típico,
embora genérico, de um restaurante nova-iorquino. A gordura tambémcheirava forte: bastava uma respiração mais profunda para que umaartéria qualquer se entupisse. Uma garçonete com os cabelos quasebrancos de tão descoloridos veio oferecer uma mesa. Myron perguntouquemerao gerente. Comum lápis, amoça apontoupor sobreosombrosparaohomemquetrabalhavadooutroladodobalcão.–AqueleéoHector–disse.–Odono.Myronagradeceueseafastouparaocuparumdosbancosgiratóriosdo
balcão;cogitoudarumaboarodopiada,masachouporbemnãopassarumatestado público de imaturidade. Dois bancos à sua direita, um sujeito
maltrapilho e de barba por fazer, talvez um morador de rua, ocumprimentou comum sorriso e um aceno da cabeça.Myron retribuiu osorriso,eohomemvoltouaoseucafé,debruçando-sesobreaxícaracomosetemesseserroubadoentreumgoleeoutro.Embora não estivesse nem um pouco interessado no conteúdo, Myron
abriu o cardápio de capa dura e ressecada. Diversos pratos eramanunciados nos cartões já puídos e amarelados que se amontoavam nointerior das folhas de plástico. Não estaria errado quem descrevesse oParkview como um lugar decadente,mas a impressão que o restaurantepassavanãoerabemessa.Haviaaliumclimaacolhedoreatémesmocertoar de limpeza. O balcão estava um brinco, assim como os talheres, obatedordemilk-shakeeamáquinaderefrigerantes.Amaioriadosclienteslia seu jornal ou papeava como se estivesse na cozinha de casa. Todoschamavam a garçonete pelo nome, embora Myron pudesse apostar quenenhuma delas havia se aproximado da mesa para recebê-los e seapresentarcomoa“atendentedodia”.Hector, o proprietário, trabalhava com a inco na grelha. Embora já
fossemquaseduasdatardeeopicodoalmoçojátivesseficadoparatrás,omovimentoaindaerarazoavelmentegrande.Semtirarosolhosdacomida,eleberroualgumasordensemespanhol, limpouasmãos comumpanoesóentãosevirouparaMyron.Sorrindodeummodocortês,perguntouemquepoderiaserútil,eMyronquissabersealihaviaumtelefonepúblico.– Não, senhor. Sinto muito – respondeu Hector. O sotaque hispânico
aindaestavalá,apesardesutil.–Masnaesquinatem.Àesquerda.MyronretiroudobolsoonúmeroqueLisahaviapassadoeoleuemvoz
alta.Hector faziaváriascoisasaomesmotempo:viravaoshambúrgueres,dobrava uma omelete, conferia as batatas fritas. Os olhos dançavam portoda parte: a caixa registradora, os clientes do balcão e das mesas, acozinhaàsuaesquerda.Aoouvironúmero,eledisse:–Ah,sim,esseaí.Ficaládentro.Nacozinha.–Nacozinha?–Sim,senhor.–Aindaeducado.–Umtelefonepúbliconacozinha?–Sim,senhor–Hectorerarelativamentebaixoeaparentavasermagro
soboaventalbrancoeas calçaspretasdepoliéster.Onariz jáhavia sidoquebradomaisdeumavez;osantebraçospareciamdoiscabosdeaço.–Éparaosmeusfuncionários.–Vocêsnãotêmumalinhacomercial?–Claroquetemos!–Arespostaagorafoiumpoucomaisexaltada,como
se a pergunta o tivesse ofendido. – Nosso serviço de entrega é bemmovimentado.Muita gente pede almoço. Também temosum fax.Mas nãoqueroverfuncionáriomeupenduradonotelefone.Osenhorentende,nãoé? Se o cliente ligar e der ocupado, não vai pensar duas vezes antes deligarparaaconcorrência,certo?Porissocoloqueiumtelefonepúbliconosfundos.– Entendo. – Uma ideia ocorreu a Myron. – Quer dizer então que os
clientesnuncausamessetelefonedacozinha?– Bem, se alguém realmente precisar, eu não vou negar, certo? – A
polidez correta de um bom homem de negócios. – Aqui no Parkview oclientevemsempreemprimeirolugar.Sempre.–Ealguémjáprecisou?–Não,senhor.Achoqueosclientesnemsabemqueessetelefoneestálá.–Podemedizerentãoqueméqueestavausandoeleàs21h18doúltimo
sábado?Aperguntaopegoudesurpresa.–Perdão?Myronjáiarepetindooqueacabaradedizerquandofoiinterrompido:–Porqueosenhorquersaberumacoisadessas?– Meu nome é Bernie Worley – arriscou Myron. – Sou agente de
supervisão de produtos da AT&T. – Agente de supervisão de produtos? –Alguém está tentando nos passar a perna, e não estamos nemumpoucocontentes.–PassarapernanaAT&T?–ComumY511.–Umoquê?– Um Y511 – repetiu Myron. Perdido por um, perdido por mil, ele
pensou. – Trata-se de um dispositivo eletrônico de monitoramento,fabricadoemHongKong.Énovonomercado,mas já estamos fechandoonosso cerco. É vendido nas ruas. Alguém usou um dispositivo desses noseu estabelecimento. Às 21h18 desse último sábado. Ligou para KualaLumpurefalouporquase12minutos.Ocustototaldeumaligaçãodessasé de 23,82 dólares, mas a multa por usar o Y511 é de pelo menos 700dólares, com a possibilidade de um ano de prisão. Além disso, vamos terqueconfiscarotelefone.OrostodeHectorsedesmanchounumaexpressãodepuropânico.–Oquê?Myron não se sentia lá muito orgulhoso do que estava fazendo,
assustando um imigrante honesto e trabalhador como Hector, mas sabia
que o medo do governo e das grandes corporações funcionaria bemnaquela situação. Hector se virou e berrou algo em espanhol para umadolescenteparecidocomele.Ogarotoassumiuagrelha.–Nãoestouentendendonada,Sr.Worley.–Seutelefoneépúblico,eosenhoracaboudeconfessaraumagentede
supervisão de produtos que possui um telefone público para usoparticular, isto é, para uso exclusivo dos seus funcionários, e não dopúblico em geral. Isto é uma violação das nossas normas. Artigo 124B.Noutrascircunstânciaseudeixariapassar,masdepoisqueosenhorusouumY511...–MaseunãouseiumY511!–Dissoaindanãosabemos,senhor.–Myronseesmeravaaomáximono
papel de burocrata. Nadamelhor para fazer alguém se sentir impotente.Não há buraco mais negro que o olhar parado de um burocrata. – Otelefone está no seu estabelecimento – prosseguiu ele, cantarolando aspalavrasnumtomdeenfado.–Osenhoracaboudedizerqueeleéusadoapenasporseusfuncionários...– Exatamente! – protestouHector. – Pelosmeus funcionários! Não por
mim!–Mas o senhor é o dono do estabelecimento. É responsável por ele. –
Myron olhou ao redor com sua melhor expressão de tédio, algo queaprenderaobservandoas ilasnoDepartamentodeTrânsitoda cidade. –Creio que também será preciso examinar os documentos de cadafuncionário.Talvezassimpossamosencontraroinfrator.Hectorarregalouosolhos,eMyron logopercebeuquehaviacolocadoo
dedonumaferida.NãohaviaumúnicorestauranteemManhattanquenãoempregassepelomenosumimigranteilegal.Aindapasmo,Hectordisse:–Tudoissosóporquealguémusouumtelefonepúblico?– O que alguém fez foi usar um dispositivo eletrônico ilegal conhecido
comoY511.Eoqueosenhorestáfazendoéobstruiruma investigaçãodesumaimportânciadeumagentedesupervisãodeprodutosdaAT&T.– Eu? Obstruindo sua investigação? – Hector não havia deixado de
perceber a tábua de salvação que Myron acabara de oferecer. – Não,senhor,eunão.Querocolaborar.Queromuitocolaborar.–Nãocreio.AessaalturaaeducaçãodeHectorjábeiravaabajulação.–Não,senhor–reiterou.–Quantoa issoosenhorpode icar tranquilo.
Quero muito cooperar com a companhia telefônica. É só o senhor dizercomo.Porfavor.
Myron suspiroue esperoualguns segundos.O salão fervilhava.A caixaregistradoratilintouenquantoosujeitoquepareciaumsem-tetoseparavasuasmoedas imundas namão encardida. A grelha crepitava; os diversosaromasbrigavamentresisemquenenhumdeleslevasseamelhor.Hectorpareciacadavezmaisaflito.Bastadesofrimento,pensouMyron.–Paracomeçar,osenhorpodemedizerquemestavausandootelefone
públicoàs21h18doúltimosábado.Hector ergueu amão numa súplica de paciência. Em espanhol, berrou
algo para a mulher (a patroa?) que operava a caixa registradora. Elaberroualgodevolta, fechouagavetada caixaeveioandandonadireçãodeles. Nesse meio-tempo, Myron notou que Hector agora o itava de umjeito estranho, talvez já começando a suspeitar de todo o engodo. Por viadasdúvidas, encarou-o com irmeza, eHector rapidamente capitulou.Pormais descon iado que estivesse, jamais correria o risco de ofender oburocratatodo-poderosoaoquestionarsuaautoridade.Hector sussurrou algo para a mulher, e ela, a lita, sussurrou algo de
volta.–Aaaah,claro!–disse-lheHector,edepoisparaMyron:–Sópodiaser.–Oquê?–FoiaSally.–Quem?–Achoquetenhasido.Minhamulherviuelausandootelefonemaisou
menosnessehorário.Masfalouquefoisóporumoudoisminutos.–EssaSallytemumsobrenome?–Guerro.–Elaestáaquiagora?Hectorbalançouacabeça.–Nãovoltoudesdeanoitedesábado.Porissoachoquesópodetersido
ela.Fezsuatrapalhadaedepoissumiu.–Nãoligouavisandoqueestavadoenteoualgoassim?–Não,senhor.Simplesmentesumiu.–Osenhortemoendereçodela?–perguntouMyron.– Acho que sim, vou dar uma olhada. – Hector buscou uma caixa de
papelãoemcujaslateraisselia“Snapple,CháGeladoSaborPêssego”.Atrásdele, a grelha crepitou quando a massa fresca de uma panqueca foidespejadasobreometalquente.Aspastasdentrodacaixaseencontravambem-organizadas e marcadas com diferentes cores. Hector puxou umadelas e abriu. Vasculhou os papéis, encontrou o que queria e franziu atesta.
–Quefoi?–perguntouMyron.–Sallynãochegouadeixarumendereço.–Nemumnúmerodetelefone?–Não.–Hectorergueuosolhos, lembrando-sedealgo.–Falouquenão
tinhatelefone.Porissousavatantoodacozinha.–ComoéessaSally isicamente,o senhorpoderiamedizer?–arriscou
Myron.Hector subitamente icou sem jeito. Olhou de relance para a mulher,
pigarreouedisse:–Bem,ela tinha... cabeloscastanhos...1,65m...ou talvez1,70m.Estatura
mediana,euacho.–Maisalgumacoisa?–Olhoscastanhos,senãomeengano.Eésó.–Quantosanososenhordiriaqueelatem?Hectornovamenteconsultouapasta.–Peloqueestáaqui,45.Achoqueéissomesmo.–Porquantotempoelatrabalhouparaosenhor?–Doismeses.Myronmeneouacabeça,esfregandooqueixocomvigor.– Ao que tudo indica, só pode ser uma contraventora que atende pelo
nomedeCarla.–Carla?–Famosapelosgolpesquejádeunatelefônica.Faztempoqueestamos
tentandobotarasmãosnela.–Myronolhouparaaesquerda,depoisparaadireita, fazendode tudopara conquistara cumplicidadedohispânico. –Poracasoosenhorchegouaouvi-lausandoonomedeCarla?Oualguémachamandoporessenome?Hectorolhouparaamulher,quebalançouacabeçanegativamente.–Não,nunca.–Elacostumavarecebervisitasaqui?Algumamigo,porexemplo?Novamente Hector consultou a mulher, que mais uma vez balançou a
cabeça.–Ninguémqueagentetenhavisto.Sallyerameioarredia.Myrondecidiudarumpassoadianteecon irmaroquejásabia.Naquela
alturadosacontecimentos,quemalhaveriaseHectorresolvesseempacar?Quem não arrisca não petisca. Ele se inclinou para a frente; Hector e amulherfizeramomesmo.– Isso pode soar um tanto grosseiro – sussurrou Myron –, mas essa
mulherporacasotemosseiosfartos?
Ambosassentiramimediatamente.Suspeitaconfirmada.Myron ainda fez algumasperguntas,mas todas as informações úteis já
haviam sido pescadas ali. Antes de sair, disse ao casal que eles estavamlivres para continuar violando sem medo o artigo 124B do códigonormativo daAT&T.Hector só faltou beijar-lhe amão, eMyron se sentiuum rato.O que foi que você fez hoje, Batman? Bem, Robin, comeceiaterrorizando um imigrante honesto e trabalhador com um monte dementiras.SantaEsperteza,Batman,vocêéocara!Myronbalançouacabeça.O que ele poderia fazer a título de bis? Jogar latinhas de cerveja nocachorroquelatianaescadadeincêndio?Saindoà rua,Myroncogitouvisitaroparqueem frenteao restaurante,
mas...eseele fosseacometidodeumaincontrolávelvontadedealimentarosratos?Não,arriscadodemais.Melhorseriapassar longedaquele lugar.Ele já ia caminhando para a estação de metrô mais próxima quandoalguémointerpelou:–VocêestáprocurandopelaSally?Ao virar o rosto, Myron se deparou com o homem maltrapilho e mal
barbeadodobalcão,sentadonacalçadacomascostasapoiadasnaparededeumprédio.Ele seguravaumcopinhodeplásticovazio.Eramesmoumpedinte.–Vocêaconhece?–perguntouMyron.–Ela e eu... – ele piscou e cruzouosdedos. –A gente se conheceupor
causadomalditotelefone,sabe?–Sei.Apoiando-se na parede, o homem icou de pé. Os pelos no rosto, já
grisalhos, não eram fartos o su iciente para serem chamados de barba,masdesdemuito jáhaviamultrapassadooponto“MiamiVice”.Oscabeloslongoserampretosfeitocarvão.–Sallyficavausandomeutelefoneotempotodo.Euficavaputo.–Seutelefone?–Otelefonepúblicodacozinha–disseele,umedecendooslábios.–Bem
ao lado da porta dos fundos. Passomuito tempo naquele beco, sabe? Demodo que posso ouvir quando ele toca. É como se fosse meu telefonecomercial.Myronnão sabia calcular a idadedohomem.Ele tinhaum rosto jovem
porémenrugadopelopassardosanosoupeladurezadavida,di ícildizer.O sorriso carecia de alguns dentes, lembrando Myron aquele adorávelclássicodamúsicanatalina:“AllIwantforchristmasismytwofrontteeth”,
sóoquequeronesteNatal sãoosmeusdentesda frente.Umacançonetarealmentesimpática.Nadadebrinquedos,nadadegames.Ogarotoqueriaapenasseusdentes.Umaliçãodedesapego.–Eutinhameuprópriocelular–prosseguiuohomem.–Aliás,tinhadois.
Mas foram roubados. De qualquer modo, essas porcarias sempre nosdeixamnamão,sobretudoquandoháprédiosmuitoaltosporperto.Alémdisso, qualquer umpodebisbilhotar as ligações, basta ter o equipamentocerto. Con idencialidade é essencial nomeu ramo, sabe?Os espiões estãopor toda parte. E como se não bastasse, telefones celulares causamtumores no cérebro. Por conta dos elétrons ou qualquer coisa assim.Tumoresdotamanhodebolasdefutebol.Myronouviaatudocomcaradepaisagem.– Ahã. – Foi só o que ele balbuciou. Perto daquilo, sua fábula no
restaurantenemeratãoesdrúxulaassim.–Poisbem.Sallypassouausarotelefonedacozinhatambém,eissome
tiravadosério.A inaldecontas,tenhomeusnegóciosparatocar.Ligaçõesimportantes para atender. A linha não pode icar ocupada o tempo todo,estoucertoouerrado?–Certíssimo–disseMyron.– O senhor não sabe, mas sou roteirista de cinema. Trabalho pra
Hollywood.–EleestendeuamãoparaMyron.–NormanLowenstein.PorsorteMyronselembroudonomeinventadoparaHector.–BernieWorley.–Muitoprazer,Bernie.–VocêsabeondeSallyGuerromora?–Claro.Nóséramos...–Normancruzouosdedos.–Foioqueouvi.Podemedizerondeelamora?NormanLowensteincrispouoslábioseusouoindicadorparacoçarum
pontopróximoaopescoço.–Nãosoumuitobomcomendereços,maspossolevá-loatélá.Myron icou se perguntando se aquilo não seria uma grande perda de
tempo.Masenfimdisse:–Osenhormefariaessefavor?–Claro,nenhumproblema.Vamoslá.–Paraqueladofica?–LinhaAdometrô–indicouNorman.–Naalturadarua125.Elesforamandandorumoàestação.–Costumairaocinema,Bernie?–perguntouNorman.–Comotodomundo,euacho.
–Poisvoulhedizerumacoisasobreomundodocinema–começouele,cadavezmaisanimado.–Nãoésó festaeglamour.Éumabrigade foice,essahistóriadefabricarsonhosparaaspessoas.Maisdoqueemqualqueroutronegócio.Muitagenteapunhalandoosoutrospelascostas,odinheirocorrendo solto, a famae a atençãoque sóo cinemapropicia...Aspessoascomeçam a perder a cabeça, sabe?Atualmente estou comum roteiro emproduçãonaParamount.EstãoconversandocomoWillisarespeito.BruceWillis.Parecequeestámuitointeressado.–Boasorte,então–desejouMyron.Normanficouradiante.–Puxa,obrigado,Bernie.Émuitagentilezasua.Sério.Euatégostariade
lhe contar o enredo desse meu ilme, mas... Bem, minhas mãos estãoatadas. Você sabe como são as coisas em Hollywood, não sabe? Volta emeiaalguémroubaaideiadooutro.Oestúdiofazquestãodomaisabsolutosigilo.–Euentendo–disseMyron.– Con io em você, Bernie. O problema não é esse. Mas o pessoal do
estúdioinsiste.Elestêmqueprotegerointeressedeles,certo?–Certo.– É um ilme de ação e aventura, pelomenos isso eu posso dizer.Mas
comumpoucoderomance também,sabe?Nãoésópancadaria.HarrisonFordqueriafazer,masestávelhodemais.AchoqueoWillisestánopontocerto.Nãoéminhaprimeiraescolha,masfazeroquê?–Ahã.A rua 125 não era lá o melhor destino da cidade. Embora fosse
relativamente segura durante o dia, ou assim supusesse Myron, era umalívioqueeleagoraestivessecarregandoumaarma.Myronnãogostavadeandararmado,eraramenteofazia.Nãoporcontadealgummelindre,massobretudo por uma questão de conforto. O coldre de ombro pinicava naaxila, e ele sentia uma terrível coceira, como se estivesse usando umacamisa de tweed. Mas depois de seu encontro na véspera com a duplaCamu lado e Muro, seria uma grande imprudência andar por aídesprotegido.–Paraquelado?–perguntoueleaosairdometrô.–Paralá.Rumoaocentro.ElesforamdescendoaBroadway.Normanaindades iavasuashistórias
sobre Hollywood, os bastidores e os meandros, enquanto Myroncaminhava mudo, apenas balançando a cabeça. Quanto mais desciam aavenida, melhor ia icando a região. A certa altura eles passaram pelos
conhecidos portões de ferro da Columbia University e dobraram àesquerda.– Fica logo ali – informou Norman. – Mais ou menos no meio do
quarteirão.Prédios baixos en ileirados ladeavam a rua, quase todos ocupados por
professoresealunosdepós-graduação.Estranho,pensouMyron,queumagarçonete de restaurante morasse naquela área. Mas, pensando melhor,nadaquediziarespeitoàmoçafaziasentidoalgum.Quediferençafariaseelamorassealiou,digamos,comBruceWillisemHollywood?NormaninterrompeuospensamentosdeMyron.–Vocêestátentandoajudá-la,nãoestá?–Oquê?Normanparounacalçada.Agorapareciabemmenoseufórico.–Aquelahistóriatoda,devocêtrabalharparaacompanhiadetelefone.
Aquiloeraumagrandecascata,nãoera?Myronnãodissenada.– Olha – prosseguiu Norman, pousando a mão sobre o antebraço de
Myron –, Hector é um homem bom. Chegou neste país com umamão nafrente e outra atrás. Dá um duro danado naquele restaurante. Ele, amulher,o ilho...todosantodiaelestrabalhamalifeitoescravos.Semfolga.EnãohádiaemqueHectornãotemaquealguémapareçaderepenteparatirartudodele.Tantapreocupação,vocêsabe...acabacegandoumpoucoapessoa.Quantoamim,nãotenhonadaaperder,portantonãotenhomedode nada. Fica mais fácil enxergar certas coisas. Entende o que estoudizendo?Myronconfirmoucomacabeça.OsolhosdeNormanpareciamperderobrilho semprequea realidade
se impunha sobre a fantasia. Myron olhou para ele, de verdade, pelaprimeira vez. Não viu idade, não viu altura, nem sequer notou que aliestavaumservivo.Percebeuapenasque,dooutroladodasmentirasedoautoenganoestavamossonhosdeumhomem,asesperanças,osdesejoseasnecessidadesquesãoodenominadorcomumdetodaahumanidade.– Estou preocupado com a Sally – prosseguiu Norman. – Talvez isso
esteja atrapalhando meu juízo. Mas ela não sumiria desse jeito, de umahoraparaoutra,semaomenossedespedirdemim.Sallynãofaria isso.–Ele se calou um instante e ergueu os olhos paraMyron. – Você não é dacompanhiadetelefone,é?–Não,nãosou.–QuerajudaraSally,nãoquer?
–Sim–respondeuMyron.–QueroajudaraSally.Normanporfimapontouparaumdosprédiosedisse:–Éali.Apartamento2E.Myron subiuosdegrausque conduziamà entradadoprédio enquanto
Norman esperava na calçada. Apertou a campainha do apartamento 2E,mas ninguém respondeu. Não se surpreendeu. Tentou abrir a porta dohall, mas estava trancada. Apenas os moradores podiam abri-la com ointerfone.– É melhor você icar aí – disse ele a Norman, que assentiu sem
protestar.As taisportasoperadaspor interfone tinhamporobjetivonãosóevitar
os assaltos, mas sobretudo impedir que os mendigos entrassem emontassemacampamentonohall.OplanodeMyroneraesperar.Cedooutarde algummorador passaria por aquela porta. E, quando o izesse, eletentaria entrar como se tambémmorasse ali.Ninguémsuspeitariadeumhomemdecalçascáquiecamisademarca.Noentanto,seNormanficasseaseulado,areaçãoseriabemoutra.Myron desceu dois degraus. Ao ver duas moças se aproximando da
porta pelo lado de dentro, começou a vasculhar os bolsos como seprocurasseporchaves.Depoissubiuosdegrauscompassos irmes,sorriue esperou que elas abrissem a porta. As moças, decerto universitárias,saíram à rua sem ao menos olhar para ele ou interromper a conversa.Ambas falavamsemparar,nenhumaouvia.Nemsequerperceberamquehavia alguém ali além delas. Um espantoso exercício de autocontrole,pensou Myron. Por outro lado, daquele ângulo elas não podiam ver otraseirodele,eoexercíciodeautocontrole,alémdeespantoso,nãodeixavadesertambémumtantocompreensível.EleolhoudevoltaparaNorman,que,porsorte,abanouamãoedisse:–Vávocê.Nãoquerocausarnenhumproblema.Myrondeixouqueaportasefechasse.O corredor era mais ou menos aquilo que ele já esperava. Paredes
brancas.Nenhumfriso,nenhumaestampa.Nadapendurado,anãoserumenorme quadro de aviso que mais parecia um manifesto políticoesquizofrênico.Dezenasdepanfletosanunciavamdetudoumpouco,desdeuma festa promovida pela Sociedade Indígeno-Americana de Gays eLésbicas até o sarau de poesia de um grupo chamado Rush LimbaughReview.Ah,avidauniversitária.Ele subiu as escadas, iluminadas apenas por duas lâmpadas nuas. Já
começavaa sentir o joelhodepoisde tanto andar, subir edescer.A junta
parecia emperrar como uma dobradiça enferrujada. Percebendo quearrastavaaperna,Myrondecidiu se apoiarno corrimão, já imaginandooqueseriadeseujoelhoquandoviessemaidadeeaartrite.Aarquiteturadoprédionãoeranada simétrica.Asportaspareciamse
distribuir demodo aleatório nos corredores. Na ponta de um deles, bemdistantedasdemais,Myronen imencontrouadoapartamento2E.Teveaimpressão de que se tratava de uma espécie de “puxadinho”, como sealguém tivesse aproveitado a disponibilidade de espaço para acrescentarmais um ou dois quartos. Ele bateu à porta. Como previsto, nenhumaresposta. Ninguém à vista no corredor. Por sorte Norman também nãoestavaali:Myronnãoqueriaqueninguémovisseinvadindooimóvel.Ele não era lámuito bomno arrombamentode fechaduras. Aprendera
alguma coisa ao longo dos anos, mas arrombar fechaduras era mais oumenos como os videogames. Adquirimos um pouco de prática e dali apouco já estamos mudando de nível. Myron, no entanto, não haviapraticado.Nãogostavadacoisa.Naverdade,nãotinhamuitotalento.Quasesempre delegava para Win tudo que envolvesse algum raciocíniomecânico,assimcomoBarneycostumavafazeremMissãoimpossível.Ele examinou a porta e perdeu o ânimo ao ver três fechaduras dead-
bolt, emquea trancamóveléembutida,distribuídasem intervalos iguaisno espaço entre a maçaneta e a padieira. Um exagero, mesmo para ospadrões deNova York. Eram coisa ina, topo de linha – e aparentementenovas,ajulgarpelobrilhoepelaausênciadearranhões.Estranho.Seriaatal Sally, ou Carla, do tipo obcecado por segurança? Ou haveria outromotivomaisbizarroparaoexcessodezelo?Boapergunta.MyronavaliounovamenteasfechaduraseselembroudeWin,queadorariaodesa io.Elemesmo, no entanto, sabia que qualquer tentativa de sua parte seria emvão.Myron já cogitava chutar a porta quando notou algo. Aproximou-se e
espiou através da fresta.Novamente notou algo estranho.As trancas nãoestavamacionadas.Porque comprar fechaduras tão caras enãousá-las?Ele tentou a maçaneta. Estava trancada, mas a fechadura principal seriafácildeabrircomatiradeceluloide.Ele a tirou da carteira. Não se lembrava da última vez que a usara.
Talvez nunca, pois a tira parecia intacta. Embora se tratasse de umafechaduravelha,Myronlevouquasecincominutosparadestravá-la.Girouamaçanetaelentamentefoiempurrandoaporta.Bastouumapequenafrestaparaqueocheirootomassedeassalto.A pestilência irrompeu corredor afora como um jato de gás
pressurizado. Myron sentiu o estômago dar cambalhotas no abdômen;engasgou um pouco, sentiu um peso no peito. Conhecia aquele cheiro.A lito, vasculhou os bolsos em busca de um lenço, mas não encontrounenhum.EntãodobrouobraçosobreonariznumaimitaçãodeBelaLugosiemDrácula.Nãoqueriaentrar.Nãoerabomnessetipodecoisa.Sabiaque,o que quer que estivesse do outro lado daquela porta, a imagem icariagravadaemsuacabeçapormuitotempo,assombrando-oduranteanoite,etalvez durante o dia também.Uma imagemque permaneceria a seu ladocomo um bom amigo, cutucando-o no ombro sempre que ele acreditasseestarsozinhoeempaz.Myronen imescancarouaporta,eaproteçãodobraço logoserevelou
inútil. Cogitou respirarpelaboca,mas, aopensarnaqualidadedo arqueestariasorvendo,mudoudeideia.Porsortenãoprecisouirlongeparaencontraraorigemdetantofedor.
capítulo12
–OPA!PERFUMENOVO,Bolitar?–Muitoengraçado,Dimonte.Roland Dimonte, investigador de homicídios da polícia de Nova York,
balançouacabeça,dizendo:–Puxa,quefutum...Não estavauniformizado,masnempor issopassaria despercebidonas
ruas.Usavaumacamisadesedaverdeecalçasjeansescuraseapertadasdemais. As bainhas se escondiam sob o cano alto das botas de pele decobra roxas,mas de um roxo que iamudando de tonalidade conforme opontodevista,algocomoumpôsterpsicodélicode JimiHendrixdosanos1960.Dimontemascavaumpalitode fósforo,hábitoquehavia adquirido,supunhaMyron,aoseveremalgumespelhoeacharqueaquilo lhedavaumardedurão.–Vocêtocouemalgumacoisa?–perguntouele.–Apenasnamaçaneta–disseMyron,quetambémjáhaviavasculhadoo
restodoapartamentoàprocurademaisalgumabizarrice.Nãoencontraranada.–Comofoiqueentrou?–Aportaestavadestrancada.–Émesmo?–Dimonteergueuumadassobrancelhasevirouorostona
direçãodaporta.–Estaaísetrancaautomaticamentequandofecha.–Eufalei“destrancada”?Queriadizer“entreaberta”.– Claro que sim. – Dimonte demorou alguns segundos mascando seu
palito, sacudindo a cabeça. A certa altura correu os dedos pelos cabelosensebados, mas os cachos mais renitentes permaneceram grudados àtesta.–Afinal,queméela?–Nãosei–disseMyron.Dimontecrispouorostonumahiperbólicacaretadeceticismo.Asutileza
daexpressãocorporalnãoerabemoseuforte.–Aindaécedodemaisparameirritar,vocênãoacha?–Não sei onomedela.Talvez seja SallyGuerro.Mas tambémpode ser
Carla.– Sei. – Palitomascado. – Acho que vi você na televisão ontem à noite.
Algosobrevoltarajogarbasquete.
–Éverdade.O legista chegou. Um sujeito alto e magro, com óculos de armação de
metalqueficavamgrandesdemaisnafacealongada.– Já faz algum tempo que elamorreu – anunciou. – Nomínimo quatro
dias.–Morreudoquê?–Di ícildizercomcerteza.Foigolpeadacomalgumobjetopesado.Mais
que isso, só quando for examinada namesa. – Ele olhou para o cadávercom um desinteresse pro issional, depois virou o rosto para Dimonte. –Masnãosãoverdadeiros,issoeupossoafirmar.–Oquê?Eleapontouvagamenteparaotroncodamorta.–Ospeitos.Sãoimplantes.–SantoDeus–exclamouDimonte.–Vocêagoradeupara isso?Bolinar
cadáveres?Afacealongadamurchoueoqueixodesabouatémaisoumenosaaltura
doumbigo.–Nembrinquecomumacoisadessas–disseolegista,sussurrandocom
dramaticidade. –Você tem ideia das consequências que umboato dessespodetrazeraalguémnaminhaprofissão?–Umapromoção?–disseDimonte.O legista não riu. Lançou um olhar de mágoa para Myron, depois se
voltouparaoinvestigador.–Ficafrio,Peretti,foisóumabrincadeira.– Brincadeira? E por acasominha carreira é alguma piada? Que diabo
deuemvocê,Dimonte?Dimonteespremeuosolhosedisse:–Quemnãodevenãoteme,Peretti.– É só você se colocar no meu lugar – disse ele, imediatamente
recobrandoacompostura.–Tudobem.Sevocêestádizendo...–Comoassim,“seeuestoudizendo”?–Adamaprotestamuito.–Oquê?–Shakespeare,meucaro–explicouDimonte.–EstánoMacbeth.EleolhouparaMyron,quesorriuedisse:–NoHamlet.–Tanto fazondeessaporraestá!–protestouPeretti. –Areputaçãode
umhomemnãodeveseralvodebrincadeira.Nãoachoquetenhaamenor
graça.– Estou cagando para o que você acha ou deixa de achar – disse
Dimonte.–Eentão,encontroumaisalgumacoisa?–Elaestádeperuca.– De peruca? Poxa, Peretti, valeu. Porque o caso agora está quase
resolvido. É só a gente achar um assassino que detesta perucas e peitosfalsos.Grandeajuda!Equetipodecalcinhaelaestáusando?Jácheirou?–Eusóestava...–Mefaçaumgrandefavor,Peretti.–Dimonteespichouotroncoepuxou
ascalçasparacima,sinalizandoaprópria importância.Denovoasutileza.– Primeiro diz quando ela morreu e depois falamos dos acessórios demoda,podeser?Peretti ergueu os braços num gesto de rendição e retornou ao corpo.
DimontesevirouparaMyron,quedisse:– As próteses e a peruca podem ser importantes. Ele fez bem em
informar.–É,eusei.Masgostodepisarnoscalosdele.–Eacitaçãocorretaé:Adamafazprotestosdemasiados.–Ahã.–Dimontetrocoudepalito;oprimeiro jásedesmanchavadetão
mastigado.–Então,vaidizerlogooqueestáacontecendoouseráquevouterquearrastarvocêparaadelegacia?–Mearrastarparaadelegacia?–disseMyroncomumacareta.–Paciênciatemlimite,Bolitar.A custa de certo esforço, Myron virou o rosto para o cadáver e
novamente sentiu as cambalhotas do estômago. Já começava a seacostumarcomocheiroodioso,tãorepugnanteempensamentoquantonarealidade. Peretti já havia retomado seu trabalho e agora fazia umapequena incisão para alcançar o ígado.Myrondesviou o olhar. A equipeforensedo John JayCollege tambémrealizava seu trabalho, tirando fotos,coisas assim.O parceiro deDimonte, um rapaz chamadoKrinsky, andavamudodeladoaoutroenquantofaziasuasanotações.–Porquetãograndes?–perguntou-seMyronemvozalta.–Oquê?– Os peitos. Até entendo que uma mulher queira aumentar os peitos.
Pressõesdasociedade,coisaetal.Masporquetãograndes?–Vocêestázoandocomigo,nãoestá?Krinskyseaproximou.–Todasascoisasdelaestãoali–disseele,eapontouparaduasmalasno
chão.Myronjáotinhavistoumadezenadevezes.Falarnãoeraofortedo
rapaz, que parecia abrir a boca tão frequentemente quanto ele, Myron,arrombavafechaduras.–Suponhoqueestivessedemudança.–Algumdocumentodeidentidade?–perguntouDimonte.– Na carteira está escrito Sally Guerro – respondeu Krinsky, quase
sussurrando.–Enumdospassaportestambém.Tanto Myron quanto o investigador icaram esperando que ele
elaborasse de alguma forma, mas, vendo que a elaboração não viria,Dimonterugiu:–Comoassim,“numdospassaportes”?Quantoselatêm?–Três.–SantoDeus,Krinsky,soltaessalíngua!–UmdelesemnomedeSallyGuerro.OutroemnomedeRobertaSmith.
EumterceiroemnomedeCarlaWhitney.–Vábuscá-los.DimonteexaminavaospassaportesenquantoMyronosespiavaporcima
do ombro do investigador. Amesmamulher igurava nas três fotos,mascom diferentes penteados (daí a peruca) e diferentes números deidentidade. A julgar pela quantidade de carimbos, era uma viajantecontumaz.Dimonteassobiouedisse:– Passaportes falsos. De ótima qualidade. – Ele virou mais páginas. –
Veja só isto aqui. Viagens para a América do Sul. Colômbia. Bolívia. – E,fechandoosdocumentos comestrépito, concluiu: –Trá icodedrogas.Éoquetudoindica.Myronre letiuporalguns segundos.Trá icodedrogas. Seria issoparte
da resposta? A hipótese de que Sally/Carla/Roberta fosse mesmo umatra icantetalvezexplicassealigaçãodelacomGregDowning.Fornecedoraeusuário.Nessecaso,erabempossívelqueoencontronanoitedesábadonão passasse disso, de uma entrega, e que o emprego de garçonete seresumisse a um disfarce. Também estariam explicados o excesso detrancasnaportaeas ligações feitaspelotelefonepúblico: ferramentasdoramo. Fazia sentido. Greg Downing não parecia usar drogas, claro, mastambémnãoseriaoprimeiroaenganartodomundo.–Maisalgumacoisa,Krinsky?–perguntouDimonte.Orapazconfirmoucomacabeça.–Encontreiummaçodedinheironagavetadamesinhadecabeceira–
disse,emaisumavezempacou.–Quanto?–perguntouDimonte,exasperado.–Vocênãocontou?–Dezmildólareseunsquebrados.
–Dezmilemdinheirovivo...–Oinvestigadorpareciasatisfeito.–Vamosdarumaolhadanisso.Krinsky buscou o dinheiro. Cédulas novas, presas por elásticos.Myron
icouobservandoenquantoDimonteasexaminava.Notasde100dólares,todas elas. Vendo que os números de série eram sequenciais, Myrontentoumemorizar um deles. Terminado o exame, Dimonte arremessou omaçodevoltaparaKrinsky,aindacomumsorrisoentreoslábios.– É... Parece mesmo que as coisas estão se encaixando. Mais uma
traficantequefoiapique.–Elerefletiuuminstante.–Sótemumproblema.–Oquê?–Você, Bolitar. Só você não se encaixa nessa história toda. Que diabo
você veio fazer... – Dimonte se calou de repente e estalou os dedos. –Caralho...–exclamou,meioqueparasimesmo.Emseguidadeuumtapinhanoprópriorosto,fazendocomqueosolhosfaiscassem.–MeuDeus...Maisumaauladesutileza.–Apostoquevocêtevealgumailuminação–disseMyron.Dimonteoignorou.–Peretti!–chamou.Olegista,aindajuntodamorta,levantouosolhosparaele.–Quefoi?–Essespeitosdeplástico.Myronnotouqueelessãograndesdemais.–Sim,edaí?–Grandequanto?–Comoassim?Vocêqueronúmerodosutiã?–Quero.–Eporacaso tenhocarade fabricantede lingerie?Comoéqueeuvou
saberumacoisadessas?–Maselessãomesmograndes,nãosão?–São.–Muitograndes.–Vocêtemolhosparaenxergar,nãotem?Myronacompanhavaaconversaemsilêncio,tentandoentenderalógica
doinvestigador.Oquenãoeralámuitofácil.– Você diria que eles sãomaiores que um balão de gás? – prosseguiu
Dimonte.Perettideudeombros.–Dependedobalão.–Vocênuncabrincoudeencherbalõescomáguaquandoeracriança?– Claro que sim – respondeu o legista. – Mas não lembro o tamanho
deles. Era criança. Tudo parece maior quando a gente é criança. Algunsanosatrásfuiatéaescolaonde izoprimário.Visitarminhaprofessoradoterceiroano.Elaainda trabalha lá,vocêacredita?ASra.Tansmore.Poisoprédio da escola parecia uma casinha de boneca, juro por Deus. Eraenormequandoeuestudavalá.Tãograndequanto...–Tudobem,imbecil.Voutraduzirparavocê.–Dimonterespiroufundo.
–Essespeitossãograndesobastantepraesconderdrogasdentro?Silêncio. Todos ao redor icaram imóveis. Myron não sabia ao certo se
ouviraacoisamaisidiotadomundoouamaisbrilhante.ElesevirouparaPeretti,queergueuacabeça,boquiaberto.–Eentão,Peretti,épossível?–Épossíveloquê?–Queelaescamoteassedrogasdentrodospeitos?Quepassassebatida
porumaalfândega,porexemplo?Peretti olhou para Myron, que deu de ombros, e então se virou para
Dimonte.–Eunãosei–faloulentamente.–Comopodemosdescobrir?–Euteriaqueexaminá-los.–Eoquevocêestáfazendoaíparado,olhandopramim?Anda,examina
logoessespeitos.Peretti obedeceu, e fazendo dançar as sobrancelhas, orgulhoso de sua
brilhantededução,DimonteolhouparaMyron,quepermaneceumudo.–Impossível–sentenciouPeretti.Dimontenãogostoudoqueouviu.–Impossívelporquê,diabos?– Quase não há cicatrizes – disse o legista. – Se ela estivesse
contrabandeando drogas nas próteses, a pele teria sido cortada ecosturadadenovo.Tantodeumladoquantodooutro.Masnãohánenhumindíciodequeissotenhasidofeito.–Temcerteza?–Absoluta.– Merda – disse Dimonte. E, com um olhar fulminante, puxou Myron
paraumcantodasala.–Queroahistóriatoda,Bolitar.Já.Myron já vinha pensando no que dizer quando as coisas chegassem a
esseponto,masnãoviaoutra escolha senão contar a verdade.NãohaviacomoesconderpormaistempoosumiçodeGregDowning.Namelhordashipóteses ele poderia evitar um escândalo. Subitamente, lembrou-se dequeNormanLowensteinoesperavanacalçada.
–Sóumsegundo–disseele.–Oquê?Aondevocêpensaquevai?–Voltojá.Espereaqui.–Porranenhuma.Dimonte o seguiu até a calçada. Norman não estava mais lá. Myron
correu os olhos pelos arredores. Nenhum sinal do homem. O que nãochegava a ser surpresa. Com ou sem culpa no cartório, osmoradores deruarapidamenteaprendemaseescafederquandoasautoridadesdãooardesuagraça.–Oquefoi?–perguntouDimonte.–Nada.–Entãopodeirabrindoobico.Ahistóriatoda.Myroncontoupartedela,eDimonteporpouconãoengoliuopalitoque
trazia na boca. Não se deu o trabalho de fazer perguntas, emborainterviesseaquiealicomalgumaexclamaçãodotipo“caramba”ou“diabo”.Terminadaahistória,elemeioquecambaleouparatrásesesentousobreumdos degraus da escada, desnorteado. Recobrou o foco,mas só depoisdeumtempo.–I-na-cre-di-tá-vel.–Foioqueconseguiudizer.Myronsófezsacudiracabeçaemsinaldeconcordância.–VocêestádizendoqueninguémsabeondeDowningestá?–Sealguémsouber,nãoestádizendo.–Elesimplesmentesumiu?–Éoqueparece.–Etemsanguenoporãodacasadele?–Tem.Dimonte novamente balançou a cabeça, depois pousou a mão sobre a
bota direita. Myron já o vira fazendo o mesmo outras vezes. Ao queparecia, o investigador gostava de acariciar as próprias botas. Só Deussaberiadizerporquê.Talvezeleencontrassealgumconsoloaotocarapeledecobra.Talvezselembrassedoúteromaterno.–SuponhamosqueDowningtenhamatadoamoçaefugido–falou.–Umagrandesuposição.–Sim,masfazsentido–argumentouDimonte.–Como?–Deacordocomoquevocêmecontou,Downing foivistocomavítima
na noite de sábado. Quanto você quer apostar que, tão logo o corpo sejaexaminado no necrotério, Peretti vai dizer que a morte ocorreumais oumenosnessamesmaocasião?
–IssonãosignificaqueDowningatenhamatado.Dimonte agora acariciava a bota commais vigor. Umhomemde patins
passou por eles puxando seu cachorro, que parecia ofegar enquantotentavaacompanharodono.Umaboa ideiaparaumnovoproduto:patinsparacachorros.– Sábado à noite Greg Downing e a vítima se encontram num buraco
qualquernocentrodacidade.Saememtornodas23horas.Edaliapouco,o quê?Amoça estámorta eDowning, desaparecido. –Dimonte ergueu orostoparaMyron.–Assassinatoefuga,éoquetudoindica.–Podeindicarummilhãodecoisas.–Tipooquê?–Tipo:Gregtestemunhouoassassinato, icoucommedoe fugiu.Talvez
tenhapresenciadoocrimee,depois,sidosequestrado.Tambémépossívelqueasmesmaspessoasotenhamassassinado.–Nessecaso,cadêocorpo?–perguntouDimonte.–Poderiaestaremqualquerlugar.–Porqueelesnãodeixariamocorpoaqui,juntocomodela?–Talveztenhaacontecidoemoutrolugar.ComooGregéfamoso,talvez
tenhamlevadoocorpoparaevitaressetipodeescândalo.Dimonteriudessaúltimahipótese.–Vocêestáviajando,Bolitar.–Vocêtambém.–Podeser.Sóháummeiodedescobrir.–Dimonteselevantou.–Temos
queemitirumboletimdeocorrênciasobreDowning.–Epa,esperaaí.Nãocreioquesejaumaboaideia.Dimonte olhouparaMyron como se estivesse diante do cocô do cavalo
dobandido.– Desculpa – disse ele com falsa educação –, mas você deve estar me
confundindocomalguémqueprecisadasuaopiniãoparaalgumacoisa.– Você está sugerindo emitir um B.O. para um herói do esporte,
idolatradonopaísinteiro.–Evocêestásugerindoqueeudêtratamentodiferenciadoaalguémsó
porqueessealguéméumheróidoesporte,idolatradonopaísinteiro.–Demodoalgum–rebateuMyron,atordoado.–Masimagineoquevai
acontecerdepoisquevocêemitiresseB.O.Aimprensavai icarsabendo,evocêvaiterquelidarcomomesmocircoqueosrepórteresarmaramcomocasoO.J.Simpson.Mascomumadiferença:vocênãotemnenhumaprovacontraDowning.Nenhummotivo.Nenhumaevidênciafísica.Nada.–Aindanão–assentiuDimonte.–Masaindaécedopara...
–Exatamente.Aindaécedo.Espereumpouco,ésóoqueestoudizendo.Eémelhornãopisarnabolanessecaso,porqueomundointeirovaiestarde olho em todos os seus passos. Diga àqueles patetas lá em cima paragravar em vídeo tudo o que estão fazendo. Não deixe nenhuma brechapara o acaso. Não deixe que alguém volte mais tarde e diga que vocêadulterououcontaminoualgumaprovasequer.Providencieummandadode busca antes de entrar na casa de Downing. Não dê um passo sequerforadacartilha.–PossofazertudoissoeaindaassimemitirumB.O.– Rolly, suponhamos que Greg Downing realmente tenhamatado essa
mulher. Você emite umB.O. Sabe o que vai acontecer? Primeiro, você vaiser apontado por todo mundo como um sujeito obtuso que meteu nacabeça que Downing é o assassino e im de papo. Segundo, vai botar amídia inteira no seu pé, vigiando cada passo seu, tentando encontrarprovasantesdapolícia,essascoisas.Terceiro,vocêarrastaDowningparaalama.Sabeoquevemjuntocomele?Dimonte fez que sim com a cabeça, mas com a expressão de quem
acaboudechuparumlimãoazedo.–Osmalditosadvogados.–Umdreamteamdeles.Antesqueencontreoquequerqueseja,vocêjá
vai ter na sua mesa um milhão de pedidos de recursos, de ações paraimpediristoeaquilo...Vocêsabecomoé.–Merda.–Estoucertoouestouerrado?–Certo–concordouDimonte.–Masvocêsóestáesquecendoumacoisa,
Bolitar.–EncarandoMyron,eledeuumaacintosamascadaemseupalito.–Por exemplo, se eu emitir o B.O., sua investigação de araque vaidiretamenteparaobrejo.Vocêeseusamiguinhosdobasquetevãoterquepularfora.–Podeser–disseMyron.Dimonteoavalioucomumdiscretosorriso.–Oquenão invalida tudo issoque vocêdisse antes. Sónãoqueroque
vocêfiquepensandoquenãoseiquaissãoassuasreaisintenções.–NemVascodaGamaleriaummapacomovocêlêmeuspensamentos–
disseMyron.Dimonte apertou os olhos na direçãodele por alguns segundos.Myron
precisoufazerumesforçoparanãorevirarosseus.–Então é assimque a coisa vai rolar –declarouo investigador. –Você
vai continuar naquele time, fazendo sua pequena investigação. Quanto a
mim,vou fazeropossívelparamanteremsegredooquevocêacaboudecontar.Massóaté...–eleergueuoindicadoratítulodeênfase–sóatéqueissome convenha.Assimqueeu encontrarprovas fortesobastanteparaincriminarDowning, emitomeuB.O. E você vaime colocar a par de tudoquedescobrir.Nãovaiescondernada.Algumapergunta?–Sóuma:ondefoiquevocêcomprouessasbotas?
capítulo13
ACAMINHODOTREINO,Myronfezumaligaçãodocarro.–Higgins–atendeuseuinterlocutor.–Fred?MyronBolitar.–Opa,quantotempo.Comovai,Myron?–Nãopossoreclamar.Evocê?–GrandesemoçõesnaSecretariadoTesouro.–Apostoquesim.–EoWin,comovai?–Omesmodesempre.–Meborrodemedodaquelecara,sabia?–Eutambém–disseMyron.–VocêstêmsaudadedotempoquetrabalhavamparaosFederais?–Eunão.AchoqueWintambémnão.Depoisdeumtempo,aquilo icou
meiolimitadoparaele.–Entendo.Masolha,linosjornaisquevocêvoltouajogar.–Éverdade.–Nasuaidade,comseujoelho?Eaí?–Éumalongahistória,Fred.–Nãoprecisadizermaisnada.Então,oquevocêmanda?–Precisosaberdetudo,osondeseporquês,deumaboladademaisou
menos10milpratas.Notasde100dólares.Sequenciais.NúmerodesérieB028856011A.–Eparaquandovocêprecisadisso?–Omaiscedopossível.–Vouveroquepossofazer.Secuida,Myron.–Vocêtambém,Fred.
www
Myron não tentou se poupar no treino. Deu tudo de si. Uma sensaçãoincrível, avassaladora. Ali ele estava em seu hábitat natural. Quandoarremessava, era como seumamão invisível carregasse abola até o aro.Quando driblava, a bola se tornava uma extensão de seus dedos. Ossentidos se revelavam tãoapuradosquantoosdeum lobonasestepes.Aimpressãoeraadequeelehaviacaídonumburaconegroeemergido10
anosantes,nasfinaisdaNCAA.Nemojoelhooincomodava.Boa parte do treino se resumiu a uma partida informal entre os cinco
principaisjogadoreseoscincoquepassavammaistemponobanco.Myrontiroudacartolaoque tinhademelhor.Pareciaumcapetanossaltos.Saíados bloqueios pronto para arremessar. Por duas vezes chegou a traçarumaretanaquadraparainvadiroterrenoinimigoesairdelevitorioso.Haviamomentos em que ele se esquecia inteiramente de Downing, do
corpo des igurado de Carla/Sally/Roberta, do sangue no porão, doscapangasqueohaviamatacadoe–sim!–atémesmodeJessica.Umaondaextasiante, sem igual, invadia suas veias: a onda de um atleta em suamelhor forma. As pessoas costumam falar da euforia dos corredores, daendor ina que o corpo produz quando submetido a algum esforço maisextremo. Myron não conhecia essa experiência em particular, masconhecia os altos e baixos vertiginosos e profundos da vida de atleta.Quando um atleta se sai bem, pode sentir o corpo inteiro formigar deprazer até arrancar lágrimas dos olhos. E a sensação vai muito além dojogo ou da competição, impedindo o sono quando, já na cama, o atletarepassamentalmente seusmelhoresmomentos,muitas vezes em câmeralenta, como nos programas de TV. Mas, quando se sai mal, esse mesmoatleta ica amargo, deprimido, e assim pode permanecer durante horas,dias até. Ambos os extremos são bem desproporcionais à importânciarelativadeseenterrarumabolanumarodemetal,deserebaterumabolacomumtacooudearremessarumaesferademetalomaislongepossível.Nosmomentos de derrota, o atleta tenta lembrar a simesmo de como éestúpidosedeixarlevarporalgoassim,tãosemsentido.Nosmomentosdeêxtase,contudo,tentataparcomsuamelhorpeneiraosoldaconsciência.EnquantoMyroncorriadeumladoaoutronaempolgaçãodotreino,um
pensamento se esgueirava pela porta dos fundos de sua mente;permanecia ali, escondendo-se e vez ou outra dando as caras para serecolheremseguida.Vocêpode,eledizia.Vocêpodejogarcomessescaras.A onda de sorte de Myron continuou quando veio o momento de
escolher as duplas para o treino de bloqueio e ataque: Leon White, ocolegadequartoemelhoramigodeGregDowning,foidesignadocomoseupar. Myron e Leon foram desenvolvendo certa intimidade com odesenrolar do treino, como é frequente acontecer com companheiros deequipe e atémesmo adversários. Sussurravam piadinhas sempre que seviamfrenteafrentenosdribles,trocavamtapinhasnoombrosemprequeumdeles faziaumabela jogada. Leoneraumsujeito elegantenaquadra.Nada de palavrões ou invectivas. Mesmo quandoMyron caiu sentado no
chãoapósumajogada,elesótevepalavrasdeincentivoaoferecer.DonnyWalsh,otécnico,apitou.–Porhojechega,pessoal.Sómais20cobrançaserua!LeoneMyrontocaramasmãosnoarcomadesenvolturadequeapenas
as crianças e os atletas pro issionais são capazes.Myron sempre gostaradessapartedojogo,dacamaradagemquasemilitarentreoscompanheirosde equipe. Fazia anos que não desfrutava dessa sensação e por isso arecebeu com gosto, saboreando-a. Os jogadores se dividiram em duplas(um para arremessar, outro para pegar o rebote) e foram para osgarrafões. Myron novamente teve sorte ao ser emparelhado com LeonWhite.Ambospegaramumatoalha,umagarrafadeáguamineralesaíramcaminhando ao largo das arquibancadas, de onde vários repórteresacompanhavamotreino.Audreyestavalá,claro.ElaolhouparaMyroncomuma expressãomarota, e ele precisou se refrear para não lhemostrar alíngua.Ouabunda.CalvinJohnsontambémestavalá.Deterno,recostadoaumaparedecomoseposasseparaumafoto.Myronhaviatentadoavaliarareação dele durante a parte inicial do treino, mas Calvin permaneceraenigmáticocomosempre.Myron foi o primeiro a arremessar. Dirigiu-se à linha de cobrança,
alinhouaspernascomosombrosefixouosolhosnoaro.Abolaatravessouocestoembackspin.–Achoquevamossercolegasdequarto–disseMyron.–Foioqueouvidizer–devolveuLeon.– Provavelmente não por muito tempo. – Myron fez outro arremesso.
Swishh...–QuandovocêachaqueoGregvaivoltar?Num único movimento, Leon pegou o rebote e arremessou a bola de
voltaparaMyron.–Nãosei.–Eele,comoestá?Jámelhoroudacontusão?–Nãosei–repetiuLeon.Myron fez uma nova cobrança. Mais uma cesta de três pontos.
Confortávelnacamisaempapadadesuor,elebuscousuatoalhaeenxugouorosto.–Vocêchegouafalarcomele,afinal?–Não.–Estranho.LeonpassouabolaparaMyron.–Estranhooquê?Myrondeudeombroseseguiudriblando.
–Ouvidizerquevocêseramamigos–falou.Leonabriuummeiosorriso.–Ouviudizer?Onde?Myronnovamentearremessoucomsucesso.–Poraí.Nosjornais,euacho.–Nãoacrediteemtudooquevocêlê–disseLeon.–Porquenão?LeonquicouabolaparaMyron.– A imprensa adora inventar amizades entre jogadores brancos e
negros.–Vocêsnãosãoamigos?–Bem,agenteseconhecehámuitotempo...Issoeupossoafirmar.–Masnãosãoamigos?Leonolhouparaeledeummodocurioso.–Porquetantointeresse?–Sóestoupuxandoconversa.Naverdade,Gregémeuúnicovínculocom
estetime.–Vínculo?Myronvoltouadriblar.–Éramosrivais,eueele.–Sim,masedaí?–Edaí que agora vamos ser companheirosde equipe. Sei lá, achoque
vaisermeioestranho.Leonolhouparaele,eMyronparoudedriblar.– E você acha que Greg ainda se importa com uma coisa dessas? –
perguntou Leon com um tom de descrença. – Uma rixa dos tempos defaculdade?SóentãoMyronpercebeucomoeraesfarrapadaaconversaquetentava
entabular.–Eraumarixaintensa–disse.–Otempotodo,semtrégua.–Myronnão
olhouparaLeon,apenassepreparouparaarremessar.–Esperoquevocênão iqueboladocomoquevoufalar–arriscouLeon
–,mas fazoitoanosqueeueoGregdividimosquartonasviagens.Nuncaouvi ele mencionar seu nome. Nem mesmo quando a gente falava dafaculdade,coisaetal.Poucoantesdelançarabola,Myronparoueolhouparaocompanheiro,
esforçando-se para manter uma expressão neutra no rosto. O maisestranhoera isto:pormaisque lhe custasseadmitir, ele realmente icara“bolado”comoqueacabaradeouvir.
–Andalogocomessearremesso–disseLeon.–Querodaroforalogo.TCveiocaminhandonadireçãodeles.Apertavaumabolaemcadamão
comamesmafacilidadecomqueumadultoapertariaumalaranja.Deixoucairumadelas e cumprimentouLeon comumelaborado ritualde gestos.SóentãoolhouparaMyron.Eabriuumsorrisorasgado.–Jásei,jásei–disseMyron.–Ochumbo,certo?TCconfirmoucomacabeça.–Queporraéessa?–perguntouLeon.– Hoje à noite – retrucou TC. – Festinha na minha casa. E tudo será
esclarecido.
capítulo14
DIMONTEESPERAVAPORELE noestacionamentodoestádiodeMeadowlands,recostadoaseuCorvettevermelho.–Entra.–UmCorvettevermelho–disseMyron.–Porqueseráqueissonãome
surpreende?–Entraenãoamola.Myronabriuaportaeseacomodounobancodecouropreto.Emborao
motorestivessedesligado,Dimonteseguravaovolantecomambasasmãose olhava ixamente para a frente. Parecia uma folha em branco de tãopálido. Mordendo seu palito sem mastigá-lo, não dizia nada, apenasbalançavaacabeçacomveemência.Denovoasutileza.–Algumproblema,Rolly?–EsseGregDowning,comoéqueeleé?–Oquê?–Ficousurdo,porra?–cuspiuDimonte.–Comoeleé?–Nãosei.Fazanosquenãofalocomele.–Masvocêconheciaocara,certo?Nostemposdeescola?Comoeleera
naquelaépoca?Costumavaandarcomtiposperversivos?–Tiposperversivos?–repetiuMyron,virando-se.–Anda,responde.–Quediaboissoquerdizer?Tiposperversivos...Dimonte deu partida no carro e pisou algumas vezes no acelerador,
fazendoomotorrugir.OCorvettehaviasidoturbinadocomoumcarrodecorrida, e o barulho que ele fazia, meu chapa... Por sorte não haviamulheresnavizinhançaimediataparaouviraquelecantodeacasalamento,caso contrário já estariam tirando a roupa. Dimonte en im engatou amarcha.–Aondeestamosindo?–perguntouMyron.Dimonte não respondeu. Tomou a rampa que conduzia ao estádio dos
Giantseaohipódromo.– Esse é um daqueles encontros misteriosos que eu adoro tanto? –
perguntouMyron.–Vaiàmerda.Erespondeàminhapergunta.–Quepergunta?
–ComoéesseDowning?Precisosabertudosobreele.– Está falando com a pessoa errada, Rolly. Não conheço Greg tão bem
assim.–Entãocontaoquesabe.Otomdevozdeixavapoucoespaçoparadiscussão.Umtomdiferentedo
“machão”tradicional,imperativo,mascomumapontadepreocupaçãoquedesconcertaraMyron.– Greg cresceu em Nova Jersey – disse. – Era um ótimo jogador de
basquete.Édivorciadoetemdoisfilhos.–Vocênamorouamulherdele,nãofoi?–Muitotempoatrás.–Diriaqueelaédeesquerda?–Rolly,essepapoestáficandocadavezmaisbizarro.– Responde, porra. – Apesar da clara manifestação de irritação e
impaciência, Dimonte não conseguia disfarçar certomedo da voz. – Vocêdiriaqueelaépoliticamenteradical?–Não.–Elacostumavaandarcomperversivos?–Nemseiseessapalavraexiste,Rolly!Perversivos?Dimontebalançouacabeça.–Estoucomcaradequemestádebrincadeira,Bolitar?–Tudobem,tudobem.–Myronfezumgestoderendiçãocomasmãos.
OCorvetteseguiuatravessandooestacionamentodoestádio.–Não.Emilynãocostumavaandarcomperversivos,sejaláoqueissofor.Eles passaram pelo hipódromo e desceram pela rampa seguinte, que
levava de volta aMeadowlands.Myron se deu conta de que eles apenascontornaramavastaáreadeestacionamentodoestádio.–Então,vamosvoltaraDowning.–Jádissequefazanosquenãovejoocara.– Mas sabe coisas a respeito dele, não sabe? Andou fazendo sua
investigação. Provavelmente leu algo. – Dimonte trocou de marcha, e omotornovamenterugiu.–Diriaqueeleéumrevolucionário?Myronmalacreditavanoqueestavaouvindo.–Não,Sr.Presidente.–Sabedizercomquemeleanda?– Mais ou menos. Pelo que sei, os amigos mais próximos são os
companheiros de equipe,mas LeonWhite, o cara comquem ele divide oquarto nas viagens, não é exatamente um grande fã dele. Ah, tem umacoisaquetalvezlheinteresse:depoisdosjogosaqui,Gregdirigeumtáxina
cidade.Dimontepensounãoterouvidobem.–Umtáxi?Pegandopassageirosnarua?–Sim.–Masparaquê?–Gregémeio...–Myronprocuroupelapalavracerta–excêntrico.–Sei.–Dimonteesfregouorostocomovigordequemenceraa lataria
deumcarroe,porumbom tempo, icou semverparaonde ia.Por sorteelesestavamnomeiodeumestacionamentovazio.–Seráqueele faz issoparasesentirigualaosoutros?Paraseaproximardasmassas?Seráqueéisso?–Suponhoquesim–disseMyron.–Continua.Eosinteressesdele?Algumhobby?– Greg é mais chegado à natureza. Gosta de pescaria, caçada, remo,
caminhada,essetipodedivertimento...–Umnatureba.–Poraí.–Gostadoarlivre,deserelacionarcomaspessoas...–Doarlivre,sim,masprefereficarsozinho.–Vocêfazalgumaideiadeondeelepodeestar?–Não...Nenhuma.Dimonte pisou fundo no acelerador e contornou o estádio até parar
diantedoFordTaurusdeMyron.–Ok.Obrigadopelaajuda.Agentesefaladepois.– Peralá – protestou Myron. – Achei que estivéssemos juntos nessa
história.–Achouerrado.–Nãovaidizeroqueestáacontecendo?–Não–disseele,avozsubitamentemoderada.Silêncio. Àquela altura todos os outros jogadores já haviam partido. O
Taurusestavasozinhonoestacionamentovazioesilencioso.–Étãograveassim?–perguntouMyron.Dimontepermaneceumudo,oqueeraaindamaispreocupante.–Vocêjásabequeméamorta,nãosabe?–insistiuMyron.–Conseguiu
algumaidentificação?–Nadaconfirmadoainda–resmungouDimonte.–Vocêtemquemecontar,Rolly.–Nãoposso.–Nãovoudizernadaaninguém.Vocêsabeque...
capítulo15
TCMORAVANUMAANTIGAMANSÃO com fachada emurode tijolos vermelhos,situada numa das melhores ruas de Englewood, Nova Jersey. EddieMurphymorava namesma área, assim como três executivosmagnatas eváriosbanqueirosjaponeses.Naentradahaviaumaguaritadesegurança.Myroninformouseunome,eovigiaconferiusuaprancheta.– Por favor, estacione ali – disse o homem. – A festa é nos fundos da
casa.–Depoisdeabriroportãodelistraspretaseamarelas,acenouparaqueMyronseguisseadiante.MyronestacionouaoladodeumBMWpreto.Alémdelehaviamaisuma
dezenadecarros,todosreluzindoemrazãodealgumpolimentorecenteoutalvez porque fossem novinhos em folha. Mercedes, quase todos. AlgunsBMWs.UmBentley.UmJaguar.UmRolls.O gramado dianteiro era um primor em termos de manutenção.
Arbustosperfeitamenteaparadoscircundavamoutangenciavamafachadade tijolos aparentes. Contrastando com a maravilha do cenário, um rapensurdecedor escapava das caixas de som. Um horror. Os arbustospareciam sofrer com aquilo. Myron não chegava a detestar o rap. Sabiaque havia coisas piores: John Tesh e Yanni davam provas dissodiariamente. A seus ouvidos, certas canções eram até simpáticas eprofundas.Eeletambémtinhaconsciênciadequeorapnãoforafeitoparapessoascomoele;nãoentendiaoespíritodacoisa,esuspeitavaquetalveznemtivessequeentender.Afestasedesenrolavaaoredordeumapiscinamuitobemiluminada.Os
convidados, quase todos na faixa dos 30, circulavam com roupasrelativamente informais. Myron vestia um blazer azul-marinho, camisarisca de giz, gravata de estampa loral e mocassins J. Murphy. Bolitar, oeternouniversitárioalmofadinha.Winmorreriadeorgulho.Noentanto,aover os companheiros de equipe, ele se sentiu tremendamentemalvestidoparaaocasião.Passandoao largodopoliticamentecorreto,constatouqueos negros do time (além dele havia apenas dois brancos na equipe dosDragons) sabiam se vestir com estilo. Não com oseu estilo (ou falta de),mas, sem dúvida alguma, com estilo. O grupo parecia prestes a entrarnuma passarela qualquer de Milão. Ternos perfeitamente cortados.Camisas de seda abotoadas até o pescoço, sem gravata. Sapatos que
brilhavamdetãolimpos.TCocupavaumaespreguiçadeira juntoàparterasadapiscina,cercado
deumgrupoderapazesbrancos,todoscomaspectodeuniversitários,quepareciam gargalhar a cada palavra do an itrião. Myron também avistouAudreyemseustrajestípicosdejornalista,acrescidosapenasdeumcolarde pérolas. Ele nem sequer tivera a chance de se juntar aos demaisquando uma mulher com seus 30 e muitos anos (ou 40 e poucos) seaproximouedisse:–Olá.–Boanoite.–DenovoobardodeNovaJersey.–VocêdeveserMyronBolitar.SouMaggieMason.–Comovai,Maggie?–Eles trocaramumapertodemãos.Dedos irmes,
belosorriso.Maggie se vestia de modo conservador: camisa branca, blazer cinza-
escuro, saia vermelha e sapatos pretos. Os cabelos estavam soltos eligeiramente ondulados, como se recém-libertos de um coque. Magra eatraente, a mulher parecia a escolha perfeita para interpretar umadaquelasadvogadasdeseriadodeTV.Elasorriu.–Vocênãosabequemsou,nãoé?–Desculpa,masnãoseimesmo...–ElesmechamamdeMetralhadora.Myron esperou que ela dissesse algo mais. Vendo que nada viria,
balbuciou:–Ahã.–TCnãolhedissenada?– Ele realmente falou alguma coisa sobre chumb... – Myron deixou a
palavra morrer nos lábios enquanto Maggie sorria com as mãosespalmadas.Depoisdealgunssegundos,falou:–Nãoentendi.–Nãohánadaparaentender–disseelacasualmente.–Façosexocom
todososcarasdotime.Vocêacaboudesercontratado.Agoraéasuavez.Myronabriuaboca,fechou-anovamente,earriscou:–Vocênãopareceumagroupie.–Groupie.–Elabalançouacabeça.–Detestoessapalavra.Myronfechouosolhosebeliscouapontedonariz.–Vamosverseentendidireito...–Diga.–VocêjádormiucomtodososnovatosdosDragons?–Sim.
–Atémesmocomoscasados?– Sim – respondeu ela. – Com todos que já passaram pelo time desde
1993. Foi nessa época que comecei com os Dragons. Com os Giants,comeceidoisanosantes.–Esperaaí.VocêégroupiedosGiantstambém?–Jádissequenãogostodessapalavra.–Equepalavraeudeveriausarnolugardela?Maggie, a Metralhadora, inclinou a cabeça ligeiramente para o lado,
aindasorrindo.– Olha, Myron. Trabalho num banco de investimentos emWall Street.
Dou um duro danado. Faço aulas de culinária e sou louca por ginásticaaeróbica.Demodogeralsouumapessoabemnormalparaospadrõesdehoje. Não ofendo ninguém. Não pretendome casar nemme envolver emnenhumtipoderelacionamento.Mastenhoessepequenofetiche.–Fazersexocomatletasprofissionais.Elaergueuoindicador.–SócomosGiantseosDragons.–Fidelidadepartidária–disseMyron.–Coisararahojeemdia.Maggieriu.–Essafoiboa.–Querdizerentãoquevocê já foiparaa camacomtodosos jogadores
dosGiants?–Quasetodos.Sempreganhoingressosdeprimeira ila.Depoisdecada
jogofaçosexocomdoisjogadores:umdoataqueeoutrodadefesa.–Umarecompensapelobomdesempenho.–Exato.Myrondeudeombros.–Melhorqueumamedalha,suponho.–É–disseelasempressa.–Muitomelhor.Myronesfregouosolhos.TorrechamandooMajorTom .Eleaavalioupor
algunssegundos.Maggiepareciafazeromesmocomele.–Eesteapelido,Metralhadora,deondesaiu?–Nãoéoquevocêestápensando.–Eoqueéqueeuestoupensando?–Não temnada a ver commeu apetite sexual. É isso que todomundo
pensa.–Temavercomoque,então?Elaergueuosolhos,pensativa.–Comovouexplicarissodemaneiraelegante?
–Vocêaindaestápreocupadacomelegância?Maggieocensuroucomoolhar,massemexagero.–Nãosejaassim–disse.–Assimcomo?– Careta, primitivo, reacionário... Meio homem das cavernas. Tenho
sentimentos,sabia?–Nãofaleiquevocênãotinha.– Não falou, mas está agindo como se eu não tivesse. Não prejudico
ninguém. Sou uma mulher direta. Franca. Honesta. Decido por contaprópriaoquefazerecomquem.Soufelizassim.–Elivrededoençasvenéreas,suponho.–Quandodeuporsi,Myronnão
podia mais retirar as palavras. Elas haviam escapulido. O que pareciaacontecercomcertafrequência.–Como?–indagouMaggie.–Desculpa.Faleimaisdoquedevia.Mastudoindicavaqueelehaviacolocadoodedonumaferida.– Jamais faço sexo sem camisinha – retrucou ela. – Faço exames
regularmente.Estoulimpa.–Maisumavez,desculpa.Eunãodeviaterditoisso.Maggienãosedeuporsatisfeita.–Alémdomais,nuncavouparaacamacomalguémquesuspeitoestar
infectadocomalgumacoisa.Tomotodasasprecauções.Myronachouporbemnãoredarguir.Disseapenas:–Foimal.Minhaintençãonãoeraofender.Desculpa.Elasuspirou,aparentementemaiscalma.–Tudobem.Estádesculpado.Elesnovamenteseentreolharamesorriramumparaooutro,talvezpor
tempodemais.Myronsesentianapeledeumparticipantedeprogramadeperguntas e respostas na TV. Por sorte, uma ideia interrompeu osemitranse.–VocêjádormiucomGregDowning?–Em1993–disseela.–FoiumdosmeusprimeirosDragons.Comoseaquilofossemotivodegrandeorgulho.–Vocêsaindaseveem?–Claro.Somosótimosamigos.Ficoamigadetodosdepois.Bem,dequase
todos.–Vocêssefalamcomfrequência?–Àsvezes.–Sefalaramrecentemente?
–Fazummêsoudoisquenãonosfalamos.–Sabedizerseeleestánamorandoalguém?Maggieofitoucomcuriosidade.–Eporquevocêquersaber?–Pornada,sóestoupuxandoconversa.–Denovopapofurado.–Umaconversaestranha–disseela.– É que tenho pensado muito no Greg nesses últimos dias. Toda essa
história da nossa rivalidade, e agora estamos jogando no mesmo time.Entãofiqueipensando...–NavidasentimentaldoGreg?–Elanãoestavamordendoaisca.Myronmeioquedeude ombros e disse alguma coisa quenemmesmo
eleentendeu.Umarisadairrompeudooutroladodapiscina.Umgrupodejogadores compartilhava uma piada. Leon White estava entre eles; aocruzar olhares com Myron, cumprimentou-o com um aceno da cabeça.Myronacenoudevolta.Percebeuque,emboranenhumdoscompanheirosestivesse olhando para ele eMaggie, todos decerto sabiampor que ela ohaviaabordado.Maisumavezsesentiunapeledeumuniversitário,masagorasemnenhumapontadenostalgia.Maggie o avaliava novamente, as pálpebras semicerradas, o olhar
focado.Myron,porsuavez,faziaopossívelparanãotrairseudesconforto.Sentia-se um pateta diante de inspeção tão acintosa. Tentou sustentar oolhardela.Subitamente,Maggieabriuumsorrisoecruzouosbraços.–Agoraentendi–falou.–Oquê?–Éóbvio.–Oqueéóbvio?–Vocêquersevingar.–Mevingardoquê?Osorrisosealargouumpouco,depoismurchou.–GregroubouEmilydevocê.Eagoravocêquerroubaralguémdele.– Greg não roubou Emily de mim – disse Myron com tranquilidade. –
Emilyeeujátínhamosterminadoquandoelescomeçaramanamorar.–Sevocêdiz...–Eudigo.–MyronBolitar,oincisivo.Maggieriucomgosto,umarisadagutural,eotocounobraço:– Relaxa,Myron. Foi só uma provocação. – E o itou novamente. Tanto
contato visual já estava deixando Myron com dor de cabeça; ele decidiuolharparaonarizdela.–Então,nossabrincadeiravairolar?
–Não–disseMyron.–Seforpormedodealgumadoença...–Nãoéisso.Estouenvolvidocomumapessoa.–Edaí?–Edaíquenãopretendotraí-la.–Nãoqueroquevocêtraianinguém.Queroapenasfazersexocomvocê.–Evocêachaqueasduascoisasseexcluemmutuamente?–Claroquesim–disseMaggie.–Se izermossexo, issonãoprecisa ter
nenhum efeito sobre seu relacionamento. Não quero que você deixe degostardasuanamorada.Nãoquerofazerpartedasuavida.Muitomenosficaríntimadevocê.–Puxa,assimficabemmaisromântico–retrucouMyron.–Masaíéqueestá.Nãosetrataderomantismo.Apenasdeumatofísico.
Umatomuitoprazeroso,claro,mas,nofimdascontas,apenasumatofísico.Comoumapertodemãos.–Umapertodemãos–repetiuMyron.–Sóestoudizendooquepenso.Ascivilizaçõesantigas,intelectualmente
bemmaisavançadasqueanossa,compreendiamqueosprazeresdacarnenão eramnenhumpecado.A associaçãodo sexo coma culpa é um rançoabsurdodamodernidade.Todoessevínculoentresexoeposseéalgoqueherdamosdospuritanosreprimidosquequeriammanterocontrolesobreseubemmaisvalioso:aesposa.Uau,pensouMyron,umaautoridadeacadêmica.– Onde está escrito – prosseguiu ela – que duas pessoas não podem
atingir os píncaros do êxtase ísico sem que haja uma relação de amorentre elas?Pensabem.Tudo isso émuito ridículo.Umagrandebobagem,vocênãoacha?–Podeser–disseMyron.–Mesmoassim,vamosdeixarparaapróxima.“Tudobem”,eladisseapenascomumdardeombros.Masfalou:–TCvaificarmuitodecepcionado.–Nãovaimorrerporcausadisso.Silêncio.– Bem – disseMaggie, cruzando asmãos sobre o colo –, acho que vou
darumavoltaporaí.Foibomconversarcomvocê,Myron.–Umaexperiênciaetanto–concordouele.
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Myron também foi dar suas voltas. Por um tempo icou comLeon, que
lhe apresentou a patroa, uma louraça escultural chamada Fiona. Oestereótipo de uma coelhinha da Playboy. Sempre falando com uma vozsexy,Fionaeradessasmulheresquesabemtransformaramaiscasualdasconversasnumlongoduplosentido,dessasdetalmodohabituadasausarocharmeparaseduzirquenãosabemahoradeparar.Myronpapeouumpoucoeacertaalturapediulicença.Foi informado pelo bartender de que infelizmente não havia leite
achocolatado na casa. Então se contentou com uma Orangina – não umaporcariaqualquercomgostodelaranja,masorefrescofrancês,importado.Coisafina.Eledeuumgole.Nadamau.Alguémseaproximouportráselhedeuumtapinhanascostas.EraTC,
que havia preterido o look Milão em favor de calças e colete de courobranco,semcamisa,eumpardeóculosescuros.–Estásedivertindo?–perguntou.–Bastante–respondeuMyron.–Vemcomigo.Querolhemostrarumacoisa.Elesseguiramemsilêncioporumgramadoquesubianadireçãooposta
àdafesta.Aospoucosoaclivefoiseacentuando,eamúsica, icandoparatrás.O rapdeu lugar ao rock alternativodosCranberries.Myron gostavadeles. “Zombie”eraoqueestava tocandonomomento.DoloresO’Riordanrepetiaummilhãodevezes “Inyourhead, inyourhead”, até se cansarecomeçar a repetir “Zombie, zombie” outras tantas vezes. Tudo bem, osCranberriespodiamterencontradorefrãomelhor,masaindaassimacoisafuncionava.Umsommaneiro.Ali já não havia luz, mas a que vinha da piscina bastava para que se
enxergasse alguma coisa. No platô da colina, TC apontou para a frente efalou:–Sacasó.Correndoosolhospelapaisagem,Myronporpouconãoperdeuofôlego.
Dali se tinha uma vista ampla e desobstruída de toda a silhueta deManhattan. As luzes da cidade rutilavam como um sem- im de gotasd’água.AGeorgeWashingtonBridgepareciapróximaobastanteparasertocada.Elesficaramaliporumbomtempo,semdizerpalavra.–Bonito,nãoé?–TCdisseafinal.–Muito.Eleretirouosóculos.– Volta emeia venho para cá. Sozinho. Um bom lugar para pensar na
vida.–Suponhoquesim.
Maisumavezelesadmiraramapaisagem.–Maggiejáfaloucomvocê?–perguntouMyron.TCfezquesimcomacabeça.–Estádecepcionadocomigo?–Não–respondeuTC.–Eujásabiaquenãoiarolar.–Sabiacomo?Eledeudeombros.–Sóumpressentimento.Masnãosedeixeenganar.Maggieégenteboa.
Talvezsejaomaispróximoquetenhodeumaamizadeverdadeira.– Mas... e aqueles caras com quem você estava conversando agora há
pouco?TCmeioquesorriu.–Osbranquelos?–Elesmesmos.– Não são meus amigos – disse. – Se amanhã eu parasse de jogar,
olhariamparamimcomoseeuestivessederramandovinhonosofádeles.–Umjeitopoéticodecolocarascoisas,TC.– É a verdade, meu camarada. Se você estivesse na minha posição,
também não teria amigos. Coisas da vida. Branco ou preto, tanto faz. Aspessoas se aproximam de mim porque sou rico e famoso. Acham quepodemlevaralgumavantagem.Sóisso.–Evocênãoseimporta?–Quediferençafaz?–indagouTC.–Avidaéassim,fazeroquê?–Nãosesentesozinho?–perguntouMyron.–Temmuitagenteàminhavoltaparaqueeumesintasozinho.–Vocêsabeoqueeuquisdizer.–É,eusei.–TCestirouopescoçoparaambososlados,comoseestivesse
se alongando antes de um jogo. – As pessoas sempre falam do preço dafama,masquersaberqualéopreçoreal?Nadaavercomessapalhaçadade privacidade. Tudo bem, não vou ao cinema tanto quanto eu gostaria.Masedaí?Deondeeuvenho,aspessoasnemtêmgranaparairaocinema.Opreçorealéoseguinte,meucamarada:agentedeixadeserumapessoapara se tornar uma coisa, tá ligado? Um objeto reluzente, como umdaqueles Mercedes lá atrás. Os manos mais duros acham que sou umaescada de ouro com um presentinho qualquer em cada degrau. Osbranquelos ricosme veem comoumextravagante bichinhode estimação.Comono casodoO. J. Lembra-sedaqueles carasque estavamsemprenasaladetroféusdoO.J.?Myronfezquesimcomacabeça.
–Olha,nãoentendamal.Nãoestoureclamando.Tudoissoébemmelhordoqueralarnumpostodegasolina,numaminaounumamerdaqualquerdessas.Mas sempre tentome lembrar da verdade: a única coisa quemeseparadeumcrioulodas ruaséum jogodebasquete.Aúnica.Bastaumjoelhopifar,comoaconteceucomvocê,elávoueu,devoltaparaomesmolugardeondesaí.Sempreprocuromelembrardisso.Sempre.–EleolhouduroparaMyron,deixandoqueaspalavraspairassemnoarfriodanoite.–Portanto,quandoalgumacachorragostosavemparaomeuladodizendoquesouistoouaquilo,umapessoaespecial,essetipodecoisa,seiquenãosoueuqueelaquer.Entendeaparada?Elaquerafama,odinheiro.Sóissoque está enxergando na frente. E é assim com todo mundo, homem oumulher.– Quer dizer então que eu e você jamais poderíamos ser amigos? –
perguntouMyron.– Você me faria essa pergunta se eu fosse um pé-rapado analfabeto
abastecendoseucarro?–Talvez.– Porra nenhuma – disse TC, rindo. – As pessoas estão sempre
reclamando das minhas atitudes, você sabe. Falam que eu me comportocomoummimadinho,comoseomundomedevessealgumacoisa.Maselessó icamputos assimporqueeu sei qual é adeles. Porque sei a verdade.Todomundo acha que sou um crioulo ignorante: os cartolas, os técnicos,todomundo.Então,quemotivoeutenhopararespeitaressagente?Elessómedirigemapalavraporqueconsigoenterrarumabolanumarodemetal.Souummacacoqueencheaburradoscaras,sóisso.Assimqueeuparar,babau...Voltoaserapenasummerdasaídodosguetos,indignodesentarotraseiropretonaprivadadeles. –Nessaalturaeleparou comose tivesseperdido o fôlego. Correu os olhos pela paisagem, e isso aparentemente orevigorou.–VocêconheceIsiahThomas?–perguntou.–DosDetroitPistons?Seiquemé.Jánosfalamosumavez.– O cara deu essa entrevista, acho que na época em que os Pistons
estavam papando todos os campeonatos. Alguém perguntou o que eleestaria fazendo se não fosse jogador de basquete. Sabe o que elerespondeu?Myronnegoucomacabeça.–FalouqueseriasenadordosEstadosUnidos.–TCdeuumagargalhada
ruidosa e aguda, que ecoou no silêncio da noite. – Porra, o cara icoumalucoouoquê?Sópode.SenadordosEstadosUnidos?–Novamenteriu,mas agora com certa afetação. – Quanto amim, sei muito bem o que eu
seria.Ummetalúrgicoralandodameia-noiteatéassetedamanhã.Senãoestivesse morto, claro. – Ele balançou a cabeça. – Senador dos EstadosUnidos...Essaéboa.–Maseojogo?–perguntouMyron.–Oquetemojogo?–Vocênãoadorajogar?TColhouparaelecomumardesurpresa.–Vocêacredita,nãoé?Nessabobajadatodade“peloamoraoesporte”.–Vocênão?TCnovamentebalançouacabeça.A luare letiasobreocrânioraspado,
conferindo-lheumaspectoquasesobrenatural.–Pramim, “amoraoesporte”nunca foi aparada– falou. –Obasquete
semprefoiummeioparaum im.Ummeiodemearranjarnavida.Grana,meuirmão,esó.–Vocênuncagostoudejogar?–Claroquesim.Sempremesentibemnasquadras.Masnãoeraojogo
emsi, essaparadade icar correndoepulandodeum ladoparaoutro.Obasqueteeraoquemede inia,entende?Emqualqueroutrolugarquenãofosseumaquadra,eueraapenasmaisumpretinhoburro.Masnaquadra,meuirmão...eueraocara.Oherói.Easensaçãoqueissomedava...nossa!Eramuitobom.Vocêentendeoqueestoudizendo?Myronentendia.–Possofazerumapergunta?–Manda.–Essastatuagens,essespiercings...–Oquê?Elasincomodamvocê?–perguntouTC,sorrindo.–Nãoéisso.Sóumacuriosidade.–Digamosqueeugostodelas.Issobasta?–Basta–respondeuMyron.–Masvocênãoacredita,nãoé?Myrondeudeombros.–Achoquenão.–Naverdade,gostodelasumpouco.Masaverdadeverdadeiraéoutra:
negócios.–Negócios?–Onegóciodobasquete.Grananobolso.Muitagrana.Vocêfazideiade
quantoeuganhocomcadacontratodepublicidade?Umagranapreta,meuirmão. Por quê? Porque a irreverência vende. Olha o caso do Deon. DoRodman.Quantomaisagentepira,maiselesnospagam.
–Querdizerquetudonãopassadeumaencenação?–Emgrandeparte,sim.Gostodechocar,nãovoumentir.Émeujeitode
ser.Mastudooquefaçoéprincipalmenteparaaimprensa.–Masaimprensaestásemprefalandomaldevocê!–exclamouMyron.– Não importa. Falam de mim, e isso me traz mais dinheiro. Simples
assim. – Ele sorriu. – Vou lhe contar uma coisa, Myron. A imprensa é oanimalmais burro que Deus pôs na Terra. Sabe o que eu vou fazer umdia?–Não.Oquê?– Um dia, vou tirar todos esses piercings e me embrulhar num terno
careta.Depoisvoucomeçarafalarcomtodososefeseerres,afazertodosossalamalequeserapapés...Vai ser “sim,senhor”paracá, “sim,senhora”para lá... “O que conta é o esforço do grupo”... essamerda toda que elesadoramouvir. Aí então,meu camarada, essesmesmos ilhos da puta quehojemeacusamde avacalhar coma integridadedo esporte vãopassar abeijar meu rabo preto como se ele fosse a mão do papa. Vão dizer quepassei por uma transformação miraculosa, que agora sou um santo, umherói...Mas só o quemudou foi isso: o texto. –TC abriu um sorriso largoparaMyron,quedisse:–Vocêéumafigura,TC.TC voltou os olhos para as águas do Hudson enquanto Myron o
observava em silêncio. Não dera muito crédito a toda aquelaargumentação.Suspeitavaqueoburacofossemaisembaixo.TCnãohaviamentido,mastambémnãotinhaditoaverdade.Talveznemfossecapazdeadmitir para si mesmo essa verdade. Era um homem ferido. Realmenteacreditava que ninguém podia amá-lo, e isso é di ícil para qualquer um.Traz insegurança. Faz com que a pessoa se esconda numa espécie detrincheira.Omaistristedetudo,noentanto,eraqueTCestavapelomenosparcialmente correto. Quem lhe daria bola se não fosse um jogador debasquete pro issional? Se ele não tivesse talento para esse jogo infantil,ondeestariaagora?TCeracomoessasgarotasmuitobonitasqueexigemseradmiradaspelabelezainterior.Umaexigêncialegítima,tudobem,masquemsedaráotrabalhodeprocurarporbelezainteriorquandoaexteriornãoestá lá?Poisessaéadurarealidadedasfeias.Eessatambémseriaarealidade de TC caso ele não tivesse sido agraciado com um raro talentoparaoesporte.No imdascontas,TCnãoeranemtãoexcêntricoquantopareciaseraos
olhos do público nem tão centrado quanto queria aparentar paraMyron,que não era nenhum psicólogo,mas tinha certeza de que as tatuagens e
piercings iamalémdeummero interessecomercial.Aagressão ísicaeragrande demais para uma explicação tão simples. No caso de TC, haviamuitosfatoresemjogo.Myron,quetambémjáforaumastrodobasquete,conhecia alguns deles. Outros, no entanto, permaneciam obscuros, já queeleeTCvinhamdemundosdiametralmenteopostos.FoiTCquemquebrouosilêncio:–Agorasoueuquemquerfazerumapergunta.–Diga.–Deboa:porquevocêestáaqui?–Aqui...nasuacasa?–Naequipe.Olha,Myron,euestavanopenúltimoanodeginásioquando
vivocêjogandonocampeonatodaNCAA.Vocêmandavabemparacacete,não vou negar, mas isso foi muito tempo atrás. Você sabe que para vocênãodámais.Notreinodehoje...ficoumaisdoqueevidente,nãoficou?Myronfezoquepôdeparadisfarçarosusto.SeriapossívelqueeleeTC
tivessemparticipadode treinosdiferentes?Claroquenão.EclaroqueTCestavacobertoderazão.A inal,ele,Myron,aindaselembravadosprópriostemposdeglória,dostreinosemqueoscincomelhoresjogavamcontraoscinco piores, estes suando a camisa para mostrar serviço enquanto osdemais bocejavam de tédio ou faziam palhaçadas. Lembrava-se dadecepção dos perebas ao constatar que não eram tão bons quantoacreditavam ser, que o sucesso obtido nos treinos decorria apenas docansaçoedapoucamotivaçãodostitulares, jáexauridospelosjogosreais.E naquele tempo Myron ainda estava na faculdade, jogava no máximoumas 25 partidas por temporada. Bemmenos que as quase 100 que ospro issionais costumavam jogar, sem falar na superioridade dosadversários.Vocêpodejogarcomessescaras.Acorda,Myron,acorda.–Sóestoufazendoumatentativa–dissebaixinho.–Nãoconseguelargaroosso,nãoé?Myronnãorespondeu,eosilênciovoltouporumbrevemomento.–Ah,jáiaesquecendo–disseTC.–Ouviporaíquevocêéamigodeum
chefãoládaLock-HorneSecurities.Éverdade?–Sim.– Era aquele desbotado comquemvocê estava conversando depois do
jogo?–Era.OnomedeleéWin.–VocêsabequeaMaggietrabalhaemWallStreet,nãosabe?–Elamecontou–disseMyron.
–Masestápensandoemmudardeemprego.Achaqueseuamigopodedarumaforça?– Posso perguntar – respondeu Myron. Win seguramente gostaria de
ouvirasteoriasdelasobreopapeldosexonascivilizaçõesantigas.–OndeMaggieestátrabalhandoagora?–Numa empresa pequena chamadaKimmel Brothers.Mas elamerece
umaparadamelhor,sabe?Oscarasnãooferecemsociedade,pormaisqueelaralemuito.TCdissemaisalgumacoisa,masMyronjánãolhedavaouvidos.Kimmel
Brothers.Ele imediatamentese lembraradonome.Ao ligarparaoúltimonúmerodiscadonotelefone ixodeGreg,ouviraumamulheratendercomum “Kimmel Brothers”. No entanto, Maggie acabara de a irmar que nãofalavacomGregháumoudoismeses.Coincidência?Myronachavaquenão.
capítulo16
MAGGIEJÁTINHAidoembora.– Ela veio só para ver você – disse TC. – Depois do toco que recebeu,
puxouocarro.Temdeacordarcedoamanhãparatrabalhar.Myronconferiuashorasnorelógio.Onzeemeia.Deumlongodia.Hora
de bater na cama. Ele fez suas despedidas e foi para o carro. Audreyestava recostada no capô, braços cruzados contra o peito, tornozelossobrepostos.Displicênciapura.–VocêestáindoparaacasadaJessica?–perguntou.–Estou.–Seimportademedarumacarona?–Entraaí.Audrey abriu omesmo sorriso que ele vira durante o treino. Naquele
momento,Myronacharaquearepórterhavia icadoimpressionadacomodesempenhodele,masagoraestavamaisdoqueevidentequeotalsorrisose deviamais ao escárnio que à admiração. Ele destravou as portas semdizernada,retirouopaletóeojogousobreobancotraseiro.Audreyfezomesmocomseublazerazul;emseguida,baixouagolarulêdablusaverde-lorestaqueestavausandoeretirouocolardepérolasparaguardá-lonobolsodascalças.EsperouqueMyrondessepartidanocarro,depoisfalou:–Estoucomeçandoajuntaraspontasdessahistória.Myron não gostou do que ouviu. Segurança demais no tom de voz.
Audreynãoestavaprecisandodecaronanenhuma,dissoeletinhacerteza.Queria apenas uma oportunidade para conversar sozinha com ele.Sorrindodeummodosimpático,Myrondisse:–Issonãotemnadaavercomaminhabunda,tem?–Como?–Jessicacontouquevocêsandaramfalandosobreaminhabunda.Audreyriu.–Bem,detestoadmitir–confessou–,masnãoéumabundaqualquer.Myrontentoudisfarçaroorgulho.–Então,vaifazerumamatériasobreela?–Sobreasuabunda?–É.–Claro.Páginadupla.
Myronriu.–Vocêestátentandomudardeassunto–disseAudrey.–Nóstínhamosumassunto?–Faleiqueestoucomeçandoajuntaraspontasdessahistória.–Eissoláéassunto?Myron olhou de relance para ela. Audrey se empoleirava no banco de
modoquepudessefitá-lodefrente.Tinhaumrostolargoealgumassardas,quedecertohaviamsidomuitomaisnumerosasna infância.Todosnós játivemosumacoleguinhadeprimáriofofinhaemeiomoleca,nãoéverdade?Pois quem estava ali agora era a versão adulta de uma delas. Nenhumabeldade,issoeracerto.Aomenosnãonospadrõesclássicosdabeleza.MasAudrey tinha um charme natural que incitava nas pessoas uma súbitavontade de abraçá-la e rolar com ela pelas folhas secas num dia frio deoutono.– Eu não devia ter demorado tanto para descobrir – prosseguiu ela. –
Emretrospecto,ébastanteóbvio.–Eporacasodevosaberdoquevocêestáfalando?–Não–respondeuela.–Porenquantovocêpodecontinuarse fazendo
debobo.–Minhaespecialidade.–Ótimo. Então continue dirigindo aí e escute. – Asmãos dançavamem
gestosconstantes,subindoedescendoconformeela falava.–Sabe,eumedeixei levar pela ironia poética da coisa toda. Foi nela queme concentreide início. Mas o passado de rivalidade entre vocês é apenas um fatorsecundário.Bemmenosimportanteque,digamos,seupassadocomEmily.–Continuosemsaberdoquevocêestáfalando.– Nesses anos todos você não jogou nenhuma vez pela liga amadora,
nemparticipoudenenhumcampeonatodeverão.Vezououtrabateumabolanoclube,esuamalhaçãoseresumeàsaulasdetaekwondoquevocêfazcomoWin,numlugarquenemquadradebasquetetem.–Sim,edaí?Comosbraçosestendidosnumgestodeincredulidade,eladisse:–Fazanosquevocênãopratica.NuncajogouemalgumlugarondeClip
ou Calvin ou Donny pudessem ter visto você. Então por que diabo osDragons iriam contratá-lo? Não faz sentido. Um golpe de publicidade?Poucoprovável.A repercussãonemseria tão grandeassim, comode fatonãofoi.Esevocêsesairmal,oque,convenhamos,nãoélámuitodi ícildeacontecer,arepercussãoseráaindapior.Osingressostêmvendidobem.Otime está numa boa fase. Não vejo nenhum motivo para um golpe de
publicidade nesse momento. Portanto, só pode ser outra coisa. – Ela secalou um instante para reacomodar o corpo no banco. – Sem falar notiming.–Otiming.–É–disseela.–Porqueagora?Porquecontratarvocênessaalturada
temporada?Arespostarealmenteéóbvia.Sóháumacoisano timingquechamaaatenção.–Queé?–OsúbitodesaparecimentodeDowning.–Gregnãodesapareceu–corrigiuMyron.–Elesemachucou.Nãovejo
nadadeestranhonesse“timing”.Gregsemachucou,umavagaseabriu,eeuapreenchi.Audreysorriuebalançouacabeça.–Aindainsisteemsefazerdebobo,nãoé?Tudobem,váemfrente.Mas
digamosquevocêestejacerto.Downingsecontundiueestádemolho.Porque será, então, que não consigo descobrir onde ele está? Já recorri aosmeusmelhorescontatos,eatéagoranada.Vocênãoachaissoestranho?Myronapenasdeudeombros.– Se Downing quisesse mesmo se isolar para se recuperar de uma
contusão no tornozelo – prosseguiu ela –, contusão que não aparece emnenhum vídeo, diga-se de passagem, é bem possível que ele encontrasseummododefazerisso.Masseeleestáapenastratandoumacontusão,nãomaisqueisso,porquetantanecessidadedeisolamento?– Talvez ele não queira ser perturbado por pentelhos como você –
sugeriuMyron.Audreyquaseriu.–Vocêfaloucomtantaconvicção...–observou.–Atéparecequeacredita
nisso.Myronpermaneceucalado.–Mas vai parar de se fazer de bobo depois que ouvir algumas coisas
que tenho a dizer. – Audrey abriu os dedos ligeiramente calejados edesprovidosdeanéis,parafazersuaenumeração.–Primeiro,seiquevocêjá passou pelo FBI e que, portanto, tem alguma experiência comoinvestigador.Segundo,seiqueDowningtemocostumedesumir,porquejáfez isso antes. Terceiro, sei da situação do Clip junto aos outrosproprietários dos Dragons e da importante votação que está por vir.Quarto, sei que você foi falar com Emily ontem, e duvido que tenha sidoparareacenderavelhachama.–Comoficousabendodisso?–perguntouMyron.
Audreyapenassorriuebaixouamão.Depoisfalou:– Basta somar esses quatro pontos para chegar à seguinte conclusão:
você está procurandopeloDowning. Ele sumiudenovo,masdessa vez otiming não poderia ter sido pior, com a votação do Clip e as inais seaproximando.Suamissãoéencontrá-lo.–Vocêtemumaimaginaçãoetanto,Audrey.– Tenhomesmo – concordou ela –,mas você sabemuito bem que não
estou inventandonada.Portanto,voudiretoaoponto:queroentrarnessebarco.–Entrarnobarco?–indagouMyron.–Osrepórtereseseujargão...– Não vou largar esse osso – prosseguiu ela, ainda virada no banco,
ansiosacomoumacolegialemvésperadeférias.–Achoqueagentedeviaunir nossas forças. Posso ajudar. Tenho ótimas fontes. Posso fazerperguntas sem me preocupar em dar alguma bandeira. Conheço essaequipedosDragonspeloavesso.–Eoquevocêqueremtrocadessaajuda?– A história completa. Quero ser a primeira repórter a saber onde
Downing está, por que sumiu, tudo. Você não vai contar nada a ninguémalémdemim,vaimeprometerumfuroexclusivo.Eles passaram por diversos postos de gasolina emotéis vagabundos à
beiradaRoute4.EmNovaJersey,osmotéisquasesemprerecebemnomesairosos que nada têm a ver com sua verdadeira razão de ser. Naquelemomento, por exemplo, eles passavam diante de certo “Recanto daCortesia”.OrespeitávelestabelecimentodispensavaaoshóspedesnãosóacortesiaprevistanonomecomotambémairrisóriataxadeUS$19,82porhora, segundo informava a placa. Não 20 dólares, prestem bem atenção,masUS$19,82.Myron supôsqueonúmero tambémdissesse respeito aoano de 1982, provavelmente o último em que eles haviam lavado oslençóis. Logo depois do motel vinha um bar igualmente xexelento, oARMAZÉMDACERVEJABARATA . Pelomenos ali a propagandanão era enganosa.Umaboaliçãoparaosvizinhos.– Você sabe que eu poderia divulgar todas asminhas suspeitas agora
mesmo–pontuouAudrey.–ObarulhojáseriagrandeseeudissessequeDowning não está machucado coisa nenhuma e que você foi contratadoparaencontrá-lo.Masprefiroobarulhomaiordahistóriacompleta.Myron re letiu um instante enquanto pagava o pedágio. Rapidamente
olhou para o rosto ansioso de Audrey, que, por causa dos olhosarregalados e dos cabelos desgrenhados, mais lembrava uma refugiadapalestinaprontaparaentraremguerraereconquistarsuaterranatal.
–Vocêvaiterdemeprometerumacoisa–pediu.–Oquê?–Vocênãovai seprecipitaremhipótesealguma,pormais incrívelque
seja a história. Não vai publicar uma linha sequer antes que Greg sejaencontrado.Audreyporpouconãocaiudobanco.–Comoassim?Deque“históriaincrível”vocêestáfalando?–Esquece,Audrey.Podepublicaroquequiser.–Tudobem, tudobem,negócio fechado– apressou-se emdizer. –Mas
ninguémmencionaumahistória incrívelaumarepórtersemesperarqueelafiquecuriosa.–Vocêpromete?–Claro,claro,prometo.Então,oqueestárolando?Myronfezquenãocomacabeça.–Vocêprimeiro–disse.–PorqueachaqueGregsumiriadomapa?– Como é que eu vou saber? – retrucou ela. – O homem é ummaluco
profissional.–Oquevocêsabesobreodivórciodele?–Apenasquetemsidoumabatalhasangrenta.–Ouviufalardealgumacoisa?–Elesestãobrigandopelaguardados ilhos.Umtentandoprovarqueo
outronãotemcondiçõesdecuidardascrianças.–Eemquepéestáacoisa?Sabedealgumdetalhe?–Não.Tudovemsendorigorosamenteabafado.– Emily contou que Greg apelou para uns golpes bem baixos – disse
Myron.–Vocênãoouviunadasobreisso?Audreypuxoupelamemória.Daliapoucofalou:– Ouvi o boato, sem nenhum fundamento, de que Greg contratou um
detetiveparaseguiramulher.–Paraquê?–Seilá.–Parafilmá-la,talvez?Comoutrohomem?Eladeudeombros.–Ésóumboato.Nãoseidizer.–Sabeonomedodetetive,ouparaquemeletrabalha?– Como eu disse, Myron, é só um boato. Não me dei o trabalho de
investigar.A inal,odivórciodeumjogadordebasquetenãoéalgoqueváabalaromundodosesportes.Myron fezumaanotaçãomental: checarosarquivosdeGregembusca
dealgumpagamentofeitoaumaagênciadedetetives.–ComoeraarelaçãodeGregcomMartyFelder?–Oagentedele?Boa,euacho.–EmilycontouqueFelderfezGregperderumagranapreta.–Nuncaouvinadaaesserespeito–retrucouAudrey.AWashingtonBridge jádespontavanohorizonte.Myronpassouparaa
faixa da esquerda e tomou a Henry Hudson Parkway na direção sul. Àdireita,orioHudsoncintilavacomoumtapetedelantejoulaspretas.–EavidapessoaldeGreg?–continuouMyron.–Namoradas,esse tipo
decoisa...–Namoradasfirmes?–Sim.Audreycorreuosdedospelacabeleiraencaracolada,depoismassageou
apróprianuca.–Seiquehouveumagarota–disseela.–Downingmanteveacoisatoda
emsegredo,masachoqueelesmoraramjuntosporumtempo.–Comoelasechama?–Ele nuncamedisse. Vi os dois juntos num restaurante certa vez.Um
lugarchamadoSaddleRiverInn.Elenãoficoumuitofelizemmever.–Ecomoelaerafisicamente?– Nada especial, se não me falha a memória. Uma morena. Estava
sentada,entãonãoseidizerquepesooualturaelatinha.–Eaidade?–Nãosei.Trintaepoucos,suponho.–Eporquevocêachaqueelesmoravamjuntos?Pareciatratar-sedeumaperguntasimples,masAudreynãorespondeu
depronto.Ergueuosolhosporuminstante,esódepoisdisse:–Leondeixouescaparumacoisa.–Oquê?–Não lembro direito. Algo sobre a tal namorada. Depois se fechou em
copas.–Quantotempofazisso?–Três,quatromeses.Talvezmais.–LeondeuaentenderqueeleeGregnemsãotãoamigosassim,quea
mídiafazacoisaparecermuitomaiordoquerealmenteé.–É–disseAudrey.–Parecequerolaumacerta tensãoentreeles,mas
achoqueécoisapassageira.–Equalseriaomotivodessatensão?–Nãosei.
–Quandovocênotouapresençadela?–Fazpoucotempo.Duassemanas,talvez.– Sabe de algum problema que possa ter acontecido entre eles
recentemente?–Não.Oscarassãoamigosdelongadata.Eamigossempretêmosseus
desentendimentos.Nãodeimuitaimportânciaaofato.Myron exalou um longo suspiro. De fato, amigos tinham seus
desentendimentos,masotimingnãodeixavadeserpeculiar.–VocêconheceMaggieMason?–AMetralhadora?Claroquesim.–ElaeGregerampróximos?–Sevocêquersaberseelestrepavam...–Nãoédissoqueestoufalando.– Bem, que eles trepavam, disso eu tenho certeza. Apesar do que a
Maggiediz,nemtodosdotimecaíramnasgarrasdela.Algunsrecusaramoconvite. Não muitos, devo admitir. Mas alguns. Ela já se ofereceu paravocê?–Agorahápouco,nafesta.Audreysorriuedisse:–Suponhoquevocêestejaentreospoucos,bonsefortesquesouberam
resistiraosencantosdafogosaSrta.Mason.– Supõe corretamente. Mas e a relação dela com o Greg? Eles são
próximos?– Bastante, eu diria.MasMaggie é aindamais próxima de TC. Aqueles
doissãounhaecarne.Nãoéapenassexoquerolaentreeles.Éclaroqueelesjásepegaram,etalvezcontinuemsepegandodevezemquando.Masaquelesdoisparecemirmãos.Éestranho.–TCtambémsedábemcomoGreg?–perguntouMyron.–Bemobastanteparadoisgrandesastrosdomesmotime.Mastambém
nãomorremdeamoresumpelooutro.–Dáparaelaborar?Audreyparouuminstanteeorganizouospensamentos.–FazmaisoumenoscincoanosqueTCeDowningdividemosholofotes.
Achoque se respeitam,masnão se falam foradaquadra.Aomenos, nãomuito. Não estou dizendo que haja uma animosidade entre eles, mas obasqueteéumempregocomooutroqualquer.Vocêtoleraumapessoanotrabalho,masnãoquerconviversocialmentecomela.–Erguendoosolhosparaotrânsito,eladisse:–Tomeasaídadarua79.–Vocêaindamorana81?
–Sim.MyronsaiudarodoviaeparounosinaldaRiversideDrive.–Agoraéasuavez,Myron.Porqueelescontrataramvocê?–Foicomovocêdisse.QueremqueeuencontreoGreg.–Eoquevocêjádescobriu?–Nãomuito.– Então por que icou tão preocupado que eu desse com a língua nos
dentes?Myronhesitou.–Prometiquenãovoupublicarnada– lembrouela. –Você temminha
palavra.Promessaépromessa.MyroncontousobreosanguenoporãodeGrege
viuoqueixodeAudreycair.AocontarsobreoassassinatodeSally/Carla,receouqueelativesseumaparadacardíaca.–MeuDeus... – exclamouAudrey ao imdo relato. –Você achaque foi
Downingqueamatou?–Nãofoiissoqueeudisse.Eladeixouascostasdesabaremcontraobancoecurvouacabeçacomo
seopescoçojánãosuportassetantopeso.–MeuDeus,quehistória...–Umahistóriaquevocênãopodecontar.– Não precisame lembrar. – Audrey se endireitou novamente. – Acha
queelavaivazarembreve?–Épossível.–Entãoporquenãopossovazá-laeumesma?Myronbalançouacabeça.– Ainda não. Até agora conseguimos manter isso em segredo. Não
queremosquevocênemninguémestraguetudo.Audreyassentiu,aindaqueacontragosto.–VocêachaqueDowningmatouamulherefugiu?–perguntou.–Nãohánenhumaprovanesse sentido. –Myronparouo carrodiante
do prédio dela. – Uma última pergunta – falou. – Você acha que Gregestavaenvolvidoemalgumaparadasinistra?–Tipooquê?–Tipo...algoquedessemotivoparaquecapangasestivessematrásdele?Novamenteas antenasda repórter se eriçaram.Amulherpareciauma
correnteelétrica.–Comoassim?Quecapangas?–UnscarasaíqueestavamvigiandoacasadoGreg.
Osolhosdelafaiscavam.–Matadoresprofissionais,éisso?–Provavelmente.Masaindanãotemoscertezadenada.Vocêsaberiade
alguma coisa que pudesse vincular Greg a esse tipo de gente ou, quemsabe,atéaoassassinatodessamulher?Drogas,seilá?Audreybalançouacabeçacomveemência.–Drogasnãosãoumapossibilidade–observou.–Porquenão?– Se Downing for viciado em alguma coisa, só pode ser em granola. O
caraédessesquesópensamnasaúde.–RiverPhoenixtambémeraassim.Elabalançouacabeçaumasegundavez.–Drogas,não.Soucapazdejurar.– Mexa os seus pauzinhos – pediu Myron. – Veja se descobre alguma
coisa.–Claro.Voudarumaolhadaemtudoissoquevocêfalou.–Discretamente.– Tudo bem – disse ela, e saiu do carro. – Boa noite,Myron. Obrigada
pelaconfiança.–Comoseeutivesseescolha...Audrey sorriu e fechou a porta do carro. Myron esperou que ela
entrasse no prédio, arrancou e voltou para a autoestrada, rumo aoapartamento de Jessica. Estava prestes a ligar para ela quando o celulartocou.Nopaineldocarroorelógiomarcava0h07.SópodiaserJessica.–Alô?Nãoeraela.–Pistadadireita,trêscarrosatrás.Estãoseguindovocê.EraWin.
capítulo17
–QUANDOFOIQUEVOCÊVOLTOU?
Winignorouapergunta.–Oautomóvelqueestáseguindovocêéomesmoquevimosnacasade
Greg. Está registrado emnomedeumdepósito emAtlantic City.NenhumvínculoconhecidocomaMáfia,masessaseriaahipótesemaisprovável.–Háquantotempovocêestámeseguindo?NovamenteWinoignorou.–Osdoishomensqueoatacaramoutrodia...comoeleseram?–Grandes–disseMyron.–Umdeles,enorme.–Cabelobemcurto?–Sim.–Eleestánocarroatrásdevocê.Bancodopassageiro.Myron não se deu o trabalho de perguntar como Win sabia sobre o
ataquedoscapangas.Jáfaziaalgumaideia.–Eles têm faladoao telefonecomcerta frequência–prosseguiuWin.–
Suponho que estejam sendo pilotados por alguém. Os telefonemasaumentaramdepoisquevocêparounarua81.Espereumsegundo.Voltoaligardaquiapouco.Win desligou, e Myron olhou pelo espelho retrovisor. O carro ainda
estava lá, exatamente na posição informadaporWin.Dali a umminuto ocelulartocououtravez.–Diga–atendeuMyron.–AcabeidefalarcomJessicanovamente.–Comoassim,novamente?Winsuspiroucomimpaciência.Detestavaseexplicar.– Se eles estãoplanejandopegar vocêhoje ànoite, omais lógico éque
tentemfazê-lonoapartamentodela.–Certo.–Ergo,ligueiparaelauns10minutosatrás.Pediquetentasseidentificar
qualquercoisaforadocomum.–E?–Umavanbranca, semnenhum logotipo, estacionadadooutro ladoda
rua–explicouWin.–Ninguémsaiu.–Entãotudoindicaqueelesvãoatacar–disseMyron.
–Sim–confirmouWin.–Querqueeuaborteoplanodeles?–Como?–Inutilizandoessecarroqueestánasuacola,porexemplo.–Não–respondeuMyron.–Deixequeelestomemainiciativa,aíagente
vêaondeissonosleva.–Perdão?–Sóprecisoquevocêmedêcobertura.Semepegarem,talvezeupossa
chegaratéochefedeles.Wintentavadizeralgumacoisa.–Oquefoi?–perguntouMyron.–Vocêestá complicandoo simples–disseWin.–Nãoseriamuitomais
fácil pegar esses dois que estão no carro e depois fazer com que elesentreguemochefão?–Esteseu“fazercomque”...Éissoquemepreocupa.–Ah,sim,claro–retrucouWin.–Mildesculpaspelaminhafaltadeética.
Naturalmente é muito mais lógico arriscar sua vida do que impor a ummelianteinútilumbrevedesconforto.Win tinha um modo inusitado e temerário de dar sentido às coisas.
Myronprecisoulembrarasimesmodequemuitasvezesológicoerabemmaisperigosoqueoilógico,sobretudoemsetratandodalógicadeWin.–Elessãoapenaspaus-mandados–falou.–Temrazão–concedeuWindepoisdeuminstante.–Massuponhaque
elesatiremàqueima-roupa?–Issonão fariasentido.Seestãoatrásdemiméporqueachamquesei
ondeGregestá.–Emortosnãofalam–acrescentouWin.– Exatamente. Querem abrir o meu bico. Então icamos assim: você
continuameseguindo;casomelevemparaalgumburaco...–Tirovocêdelá–disseWin.Myron con iavaplenamentena capacidadedoamigode cumprir coma
palavra dada. Mesmo assim, irmando os dedos no volante, sentiu ocoração bater mais forte. Uma coisa era usar a razão para afastar ahipótesedeumaemboscada fatal; outrabemdiferente eradescerdeumcarrosabendoqueapoucosmetroshaviaduascobrasprontasparadarobote. Win icaria de olhos bem abertos. Ele também. Caso uma armadespontassedavanantesdequalqueroutracoisa,a situaçãopoderiasercontornada.Myron saiu da autoestrada. De modo geral, as ruas de Manhattan
formam uma grade organizada e lógica de vias numeradas que seguem
para norte ou sul, leste ou oeste. No entanto, na região de GreenwichVillage edo Soho, essa grade lembraumaobrade SalvadorDalí: as ruasserpenteiam de um lado a outro com nomes próprios no lugar dosnúmeros,semomenorrespeitopelaorganizaçãooupelalógica.Por sorte, a Spring Street era uma grande reta. Um ciclista passou em
alta velocidade por Myron, mas além dele não havia ninguém. A vanbranca estava estacionada exatamente onde deveria. Nenhum logotipo,comohaviainformadoJessica.Osvidroseramescuros,entãonãosepodiaver o interior do veículo. Myron não localizou o carro de Win, mas, poroutrolado,esseeraoplano.Lentamente,elefoiseguindopelarua.Passoupelavan,eomotorista,fossequemfosse,logodeupartidanomotor.Myronsedirigiuparaumavagamaisadiante,eavanarrancou.Horadoshow.Myronentrounavaga,endireitouovolante,desligouomotoreguardou
as chaves no bolso. Vendo que a van se aproximava, tirou o revólver docoldre e o alojou sobobancodo carro.Nãoprecisariadeleporora. Casofosse pego, certamente seria revistado. E, se começassem a atirar, seriadesnecessárioatirardevolta.Wincuidariadissoatempo.Ounão.Eleentreabriuaportadocarro. Sentiuagarganta seapertardemedo,
mas foi em frente e saiu à calçada. Estava escuro. No Soho, as luzes dasruas eram praticamente inúteis, lumes de uma pequena lanterna numburaco negro. A claridade que vazava das janelas dos prédios não faziamais do que realçar o clima sinistro do ambiente. Sacos de lixo seespalhavam por toda parte, quase todos rasgados, fazendo com que ocheiro de comida podre infestasse o ar. A van foi se aproximando aospoucos. Subitamente um homem irrompeu de um dos prédios e avançousem hesitar com uma arma apontada para Myron. Vestia uma blusa degolarulêeumsobretudopretos.Avanparou,eaportalateralseabriu.–Vaientrando,seupanaca–ordenouoarmado.Myronapontouparasimesmo.–Estáfalandocomigo?–Paradentro,panaca!–Istoaíéumagolarulêouumadaquelasgolasfalsas?Ohomemdeuumpassoàfrente.–Agora!–Nãoprecisaficarnervosinho–disseMyron,edeuumpassonadireção
da van. – É que... se for uma gola falsa, nem dá para dizer. É um visualbastante esportivo. –QuandoMyron se via emapuros, suaboca adquiriavidaprópria.Elesabiatratar-sedeumgrandeperigo,epordiversasvezes
já havia sido alertado por Win. Mas não conseguia se conter. Diarreiaverbaloualgumapatologiaparecida.–Paradentro!Myron en im entrou na van, seguido do homem armado. Deparou-se
commaisdoishomensnapartedetráseoutroaovolante.Todosestavamdepreto,menosoquepareciaserochefedogrupo.Esteusavaumternoazul-marinho risca de giz; a gravata amarela, atada com um nó tipoWindsor, se irmava à gola pormeio de um grampo de ouro. Eurochique.Ele tinha cabelos compridos e muito louros, quase descoloridos, além deum bronzeado perfeito demais para que aquilo fosse obra do sol.Lembravamuitomaisumvelhosurfistaqueumgângsterprofissional.Ointeriordavanforainteiramentepersonalizado,masnãoparaobem.
Todososbancoshaviamsidoretirados,excetoodomotorista.Umsofádecouro,ondeoRiscadeGizsesentavasozinho,corriaaolongodeumadaslateraisdapartede trás.Umcarpete felpudo,deumverde-limãoqueatéElvisachariaberrantedemais,cobriacompletamenteochãoesubiaatéotetofeitoumatrepadeiraartificial.RiscadeGizsorriacomasmãoscruzadassobreocolo,bemàvontade.A
vanseguiuadiante.Myronseacomodounocarpeteecorreuamãosobreasfelpas.–Verde-limão–disse.–Muitobonito.– E barato – comentou o Risca. – De modo que não precisamos nos
preocuparcomasmanchasdesangue.– Contenção de custos. – Myron meneou a cabeça com displicência,
apesardabocaseca.–Umaboapráticagerencial.O Risca não se deu o trabalho de responder. Apenas lançou um olhar
significativoparaohomemarmado,queseempertigouepigarreou:– Este é o Sr. Baron. – Ele apontou para o Risca. – Mas também é
conhecido como “BMan”. – Novamente pigarreou, dando a impressão deque repetia um texto previamente ensaiado. O que para Myron erabastante provável. – É chamado dessamaneira porque gosta de quebrarossos.Breakbones,sacou?–Uau,asmulheresdevemadorar–disseMyron.B Man sorriu, deixando à mostra dentes brancos como os de um
comercialdeTV.–Estiqueaspernasdele–falou.O capanga incou o cano do revólver contra a têmpora deMyron com
tanta força que por pouco não deixou ali uma marca permanente. Emseguidaenlaçouseupescoçocomobraçolivre,apertandoopomodeadão
comointeriordocotovelo.AoouvidodeMyron,sussurrou:–Nemtentesemexer,seupanaca.–EforçouMyronasedeitar.Isso feito, o segundo homem se escanchou sobre o peito de Myron e
prendeu as pernas dele contra o chão. Myron mal conseguia respirar.Apesar do pânico, permaneceu imóvel. Qualquer reação àquela alturaseria, quase inevitavelmente, a reação errada. Ele teria que continuarcedendopelomenosatésaberquerumotomariamascoisas.B Man se levantou do sofá calmamente, sem jamais tirar os olhos do
joelhoruimdeMyron.Exibindoumsorrisodefelicidade,disse:–Voucolocarumadasmãossobreofêmurdistal,eaoutrasobreatíbia
proximal. – O tom de voz era o mesmo de um cirurgião falando a seuresidente. –Ospolegaresvão se apoiarna facemedialdapatela.Bastaráempurrá-loscomumpouquinhodeforçaparaqueapatelasejadeslocadalateralmenteeparaquediversosligamentos,inclusiveoretináculomedial,sejam rompidos. Os tendões também vão se partir. – Ele cravou os olhosnosdeMyron.–Eadorseráinsuportável,imagino.Myronnemsequerarriscouumapiadinha.–Esperaaí–pediu.–Nãohámotivoparaviolência.–Edesdequandoaviolênciaprecisademotivos?–retrucouBMan.De olhos arregalados, o estômago enlaçado pelo medo, Myron foi logo
dizendo:–Espera.Voucontartudo.– Claro que vai – disse BMan. –Mas antes vai tentar nos enrolar um
pouco...–Não,nãovou.–Porfavor,nãointerrompa.Émuitodeselegante.–Osorrisojáhaviase
apagado.–Ondemesmoeuestava?–Primeiroelevaitentarnosenrolar–adiantou-seomotorista.– Isso. Obrigado. – BMan novamente ofereceu seu sorriso ofuscante a
Myron.–Primeirovocêvaienrolar.Vaitentarganhartemponaesperançadeserlevadoparaalgumlugarondeseuparceiropossavirsocorrê-lo.–Meuparceiro?–VocêaindaéamigodoWin,nãoé?OsujeitoconheciaWin.Mausinal.–Win?QueWin?– Exatamente – disse B Man. – Era a esse tipo de enrolação que eu
estavamereferindo.Agorabasta.Eleseaproximou.Myroncomeçouasedebater,masohomementerrou
orevólvernabocadele,atropelandodentes,engasgando-o.Ogostoerafrio
emetálico.–Antesdetudovoudestruirojoelho.Depoisconversamos.Um dos capangas endireitou a perna de Myron enquanto o outro
retirava o revólver da boca de Bolitar para incá-lo outra vez contra suatêmpora. Os gestos de ambos agora erammais bruscos. BMan baixou amãonadireçãodojoelhodeMyron,osdedosestiradoscomoasgarrasdeumaáguia.–Espera!–berrouMyron.–Não–disseBMan,calmamente.Myron começou a se retorcer. Aproveitou a oportunidade para se
agarrar a umabarrametálicano chãoda van, dessas geralmenteusadaspara amarrar a carga transportada. Sentiu-se irme o bastante. E nãoprecisouesperarmuito.Obaquefoisúbitoeforte.Myronjáhaviaseantecipadoaele.Osoutros,
noentanto, forampegosdesurpresaearremessadosaochãoenquantoovidrodas janelas se estilhaçava.Oestrondoaindaecoavanoar.Os freioscantavam. Myron permanecia agarrado à barra enquanto a van iaperdendo velocidade. Assim que pôde, encolheu-se e foi rolando até umcantoqueotirassedocaminhodoqueestavaporvir.Emmeioaosberros,umaporta seabriueumaarma foidisparada.Ovozerio se intensi icouesegundos depois o motorista fugiu para a rua. B Man seguiu no encalçodele, saltando feito um gafanhoto. A porta lateral se abriu. Erguendo orosto,MyronviuWinentrarcomaarmaapontada.UmdoscapangasdeBMan,járecuperadodosusto,buscouseurevólver.–Largueisto–ordenouWin.Mas o homem não obedeceu e levou um tiro no rosto. Win
imediatamentemirou contra o outro capanga, que também se preparavaparaatirar.–Largueestaarma–repetiuWin.Ohomemserendeusemhesitar,eWinabriuumsorriso:– Este aprende rápido. – Depois correu os olhos a seu redor, mas
suavemente. Seusmovimentos eram sempre assim. Breves e econômicos.Mesmo quando andava, Win parecia deslizar. Por im ele encarou seurefém.Oqueaindarespirava.–Váfalando–mandou.–Nãoseidenada.– Resposta errada – disse Win, calma mas imperativamente; seu jeito
displicentedefalareramaisintimidadordoquequalquerrugido.–Senãosabedenada, vocêé inútilparamim;e seé inútil, teráomesmo imqueseuamigoaqui.Eleapontouvagamenteparaocorpoinerteaseuspés.
Ohomemergueuosbraçoscomolhosarregaladosemuitobrancos.–Calmalá,calmalá...Nãoénenhumsegredo.Seuamigoouviuonomedo
sujeito. Baron. O cara se chama Baron,mas todomundo chama ele de BMan.–BManoperanoCentro-Oeste–relatouWin.–Quemfoiqueochamou?–Nãosei,eujuro.Winavançoucomaarma.–Vocêestásendoinútiloutravez–disse.–Maséverdade!Eudiriasesoubesse.Sóseiqueocarachegouontemà
noite.–Paraquê?–perguntouWin.–AlgumacoisaavercomGregDowning.Ésóoquesei,juro.–DequantoéadívidadeDowning?–Nãosei.Windeumaisumpassoadiantee incouocanodaarmaentreosolhos
dohomem.–Raramenteerroaestadistância–falou.Ohomemcaiudejoelhos,aindasobamiradeWin.–Porfavor–suplicouele,apavorado.–Nãoseidemaisnada.–Osolhos
jámarejavam.–JuroporDeusquenãosei.–Acreditoemvocê–disseWin.–Win...–disseMyron.Semtirarosolhosdorefém,Windisse:–Fiquetranquilo.Eusóqueriaquenossoamigoaquiconfessasse tudo.
Aconfissãofazbemàalma,nãofaz?Ohomemrapidamentefezquesimcomacabeça.–Jáconfessoutudo?Sim,sim,disseacabeçadohomem.–Temcerteza?Sim,sim,sim.Winporfimbaixouaarma.–Entãová–falou.–Agora.Nãoprecisourepetir.
capítulo18
WINOLHOUPARAOCADÁVERcomosealiestivesseumtorrãodeturfaseca.–Melhorirmosembora.Myronconcordou.Levouamãoaobolsodacalçaepescouocelular.Um
truque relativamente novo no ramo. Nem ele nemWin haviam desligadodepoisdesuaúltimaconversaao telefone,ea ligaçãopermaneceraativa.Winpuderaouvirtudooquesepassaranointeriordavan.Quasetãobemquantoseestivesseusandoumaescutaouumwalkie-talkie.Eles saíram ao frio da noite. EstavamnaWashington Street. Durante o
diao lugar fervilhavacomamovimentaçãoeobarulhodoscaminhõesdeentrega, mas à noite era um silencioso deserto. Alguém teria uma belasurpresapelamanhã.Win quase sempre saía em seu Jaguar, mas por sorte conduzia um
ChevroletNova1983quando se jogou contra a van. Perda total.Nãoqueissofizessealgumadiferença.WinpossuíadiversoscarrossemelhantesemNova Jersey, os quais usava para fazer suas rondas ou qualquer outraatividade com um pé na ilegalidade. Impossível rastrear o tal Nova. Asplacaseosdocumentoseramfalsos.Jamaislevariamaoverdadeirodono.Myronolhouparaele.–UmhomemdasuacepanumChevyNova?–falou,edeuumrisinho.–Eusei–disseWin.–Senticoceirassódeentrarnaquilo.–Sealguémdoclubeviuvocê...Winestremeceuocorpo,dizendo:–Nempenseumacoisadessas.Myronaindasentiaaspernasbambase trêmulas.Mesmosabendoque
Win encontraria um meio de resgatá-lo, era bem possível que ocompanheirochegassetardedemais, istoé,depoisqueBMan jáotivessemutilado para sempre, e só de pensar no quanto ele havia chegadopróximodessapossibilidade,Myronsentiaamolecerosmúsculosdascoxase panturrilhas. As lágrimas vieram à tona quando ele olhou para Win.Percebendo-as,Winvirouorosto.Myronseguiuandandonoencalçodele.–Então,comovocêconheceessetaldeBMan?–perguntou.–EleoperanoCentro-Oeste–disseWin.–Éumexímiolutadordeartes
marciais.Fomosapresentadoscertavez,emTóquio.
–Equaléotipodeoperaçãodele?– O pacote variado de sempre: jogo, drogas, agiotagem, extorsão. Um
pouquinhodeprostituiçãotambém.–Eoqueeleveiofazeraqui?– Tudo indica que Greg Downing lhe deve dinheiro – disse Win. –
Dívidasdejogo,provavelmente.EssaéaespecialidadedeBMan.–Quebomqueeletemumaespecialidade.–Nãoé?EudiriaqueoSr.Downingestádevendoascuecas.–Winolhou
derelanceparaoamigo.–Oqueébomparavocê.–Porquê?– Porque isso signi ica que Downing não está morto, está fugindo –
explicouWin. – B Man não é homem de queimar dinheiro. Não matariaalguémquelhedevesseumaboaquantia.–Mortosnãopagamdívidas.– Exatamente – concordouWin. – Além disso, sabemos que ele está à
procuradeDowning.Seotivessematado,nãoprecisariaencontrá-lo.Myronrefletiuuminstante.– Isso bate como queEmily contou.QueGreg estava duro. Talvez seja
porcausadojogo.Winassentiuefalou:–Mas agora vocême faça a gentileza de contar tudo o que aconteceu
durante a minha ausência. Jessica mencionou algo sobre uma mulhermortaquevocêteriaencontrado.Myron o colocou a par de tudo. Enquanto falava, novas teses iam
brotandoemsuacabeça,eeletentavaorganizá-lasnamedidadopossível.Aoterminarseurelato,atacouaprimeiradelas.–Suponhamos–disse–queDowningrealmentedevamuitodinheiroa
esse B Man. Isso explicaria a concessão que ele fez recentemente, a deassinar um contrato de publicidade, coisa que até então ele nunca haviafeito.Masagoraestavaprecisandodegrana.Winconcordou.–Continue.–EsuponhamosqueBManrealmentenãosejaumperdulário.Eleháde
querer seu dinheiro de volta, certo? Portanto, não faria a burrice demachucar Greg. Greg depende de sua integridade ísica para jogar eganhardinheiroparapagarsuasdívidas.Ossosquebradosnãoseriamdointeressedeninguém.–Éverdade–disseWin.–EntãodigamosqueBManquisesseintimidá-lodeoutraforma.
–Como?–AtacandoalguémpróximodeGreg.Atítulodeadvertência.Winnovamenteconcordou.–Fazsentido.–Entãodigamosqueeles tenhamseguidoGreg.Viramocaracoma tal
mulher, Carla, e decerto deduziram que eles eram próximos. – Myronergueuacabeça.–Matá-lanãoseriaumabelaadvertência?Winfranziuocenho.–AchaqueBManamatouparaintimidarDowning?–Estoudizendoqueépossível.–Porquematá-la,enãoapenasquebraralgunsossos?–perguntouWin.– Porque B Man ainda não estava na cena, lembra? Chegou ontem à
noite.OassassinatodeCarlacertamentefoiobradecapangas.Winaindanãosedavaporconvencido.– Sua tese é pouco provável, quando muito. Se o assassinato foi uma
advertência,ondeestáDowningagora?–Fugindo–disseMyron.–Porquê?Porquetemiapelaprópriavida?–Sim.– E fugiu assim que soube damorte de Carla? – perguntouWin. – Na
noitedesábado?–Issoseriaomaislógico.–Estavacommedodeles?Porcausadoassassinato?–Sim–disseMyron.–Entãomediga–devolveuWin,agoraquasecantarolando.–Seocorpo
de Carla só foi encontrado hoje, como Downing poderia ter tomadoconhecimentodoassassinatonosábado?Myronsentiuumfrionaespinha.– Para que sua tese se sustente – prosseguiu Win –, Greg Downing
precisaterfeitoumadestastrêscoisas:oueletestemunhouoassassinato,ou entrou no apartamento logo depois, ou ele mesmo matou a mulher.Alémdisso,haviaumaboaquantiaemdinheironoapartamento.Porquê?Oqueessedinheiroestavafazendolá?SeriapartedopagamentodevidoaB Man? Nesse caso, por que os capangas não o levaram consigo? Ou,melhorainda,porqueDowningnãoolevouconsigo?Myronbalançouacabeça.–São tantas lacunas... – falou.–Eaindanãoconseguimosestabelecera
relaçãoentreDowningeessataldeCarla,Sally,ousejaláqualforonomedela.
Winassentiu.Elescontinuaramandando.–Maisumacoisa–disseMyron.–Vocêachamesmoqueamá iadojogo
matariaumamulhersóporqueelafoivistacomGregnumbar?–Duvidomuito.–Portanto,essatesebasicamentenãopresta.–Basicamente,não–corrigiuWin.–Inteiramente.Elescontinuaramandando.EdaliapoucoWindisse:–TambémépossívelqueessaCarlatrabalhasseparaBMan.Myron novamente sentiu calafrios. Mesmo percebendo aonde Win
queriachegar.–Comoassim?–TalvezelafosseocontatodeBMan.Ouacobradora.Foiseencontrar
com Downing porque ele estava devendo dinheiro. Downing prometepagar, mas não está em condições. Sabe que o cerco está se fechandosobre ele. Já fez o que pôde para ludibriar os credores. Então volta aoapartamento,mataamulheresomedomapa.Silêncio. Myron tentou engolir um pouco de saliva, mas sua garganta
pareciacongelada.Erabomfazeraquilo,ventilartodasashipótesesemvozalta. Acalmava-o. As pernas ainda bambeavam em razão do episódio navan,masoquerealmenteoincomodavaagoraeraafacilidadecomqueseesquecera do cadáver abandonado para trás. Tudo bem, o homemprovavelmente não passava de um matador pro issional. Tudo bem, elehavialheenterradoumrevólvernaboca,enãoatenderaaordemdeWinpara baixá-lo. E tudo bem, omundo provavelmente tinha se tornado umlugarmelhor sema presença do sujeito.No passado, porém,Myron teriasentido ainda assimalguma compaixãopelo infeliz, um serhumano comoqualquer outro. Pois ele agora não sentia compaixão nenhuma. Tentavaencontraralgumvestígioderemorso,masoúnicoqueencontravaeraodenãosentirremorsoalgum.Chega de autoanálise. Afastando esses pensamentos da cabeça, Myron
disse:–Masessatesetambémtemosseusfuros.–Quais?– Que motivos Greg teria para matar Carla? Seria muito mais simples
fugirantesdeencontrá-lanorestaurante.Windigeriuoargumento.–Éverdade.Amenosquealgotenhaacontecidoduranteesseencontro.
Algoqueotenhaafugentado.–Tipooquê?
Winapenasdeudeombros.–TudogiraemtornodessaCarla–disseMyron.–Nadaarespeitodela
faz sentido.Querdizer,nemmesmouma tra icantededrogas fariaoqueela fez: trabalhar de garçonete num restaurante, esconder notas de 100dólares sequencialmente numeradas, usar perucas, falsi icar tantospassaportes.E,paracompletar,vocêdeviatervistooDimontehojeàtarde.Elesabiaquemelaeraepareciaapavorado.–VocêentrouemcontatocomHiggins,doTesouro?–perguntouWin.–Sim.Elejáestápesquisandoosnúmerossequenciais.–Issodeveajudar.–Tambémprecisamosdarumainvestigadanosregistrostelefônicosdo
ParkviewDiner.TentardescobrirparaquemessaCarlaandavaligando.Nesse ponto eles se calaram e seguiram caminhando. Não queriam
pegarumtáxiaindatãopertodolocaldoincidente.–Win?–chamouMyronacertaaltura.–Fala.–Porquevocênãoquisiraojogonooutrodia?Winprosseguiuandando,mudo.Depoisdeumtempo,disse:–Vocênuncareviuovídeo,nãoé?Porquê?Myronsabiaqueoamigosereferiaaojogoemqueelehavialesionadoo
joelho.–Seilá.Reverparaquê?–Porumbommotivo–disseWin,masseminterromperacaminhada.–Podemedizerquemotivoéesse?–indagouMyron.–Setivessevistoessagravação,vocêteria lidadocomseuproblemade
frente.Aferidateriacicatrizado.–Nãoestouentendendo–disseMyron.–Eusei.–Sebemmelembro,vocêoreviu.Maisdeumavez.–Tivemeusmotivos–retrucouWin.–Vingança,nãoé?–ParaverseBurtWessonomachucoudepropósito–corrigiuWin.–Edarumtroconele.– Se não tivesseme impedido, você já teria superado essa história há
muitotempo.Myronbalançouacabeça:–Paravocêaviolênciaésempreamelhorsolução,nãoé,Win?–Deixademelodrama–rebateuele,sério.–Umhomemcometeuumato
vilcontraasuapessoa.Umbomtrocoteriaajudadovocêacolocarumapá
de cal nessa história. Não é apenas uma questão de vingança. Mas deequilíbrio. Da necessidade que todo homem tem demanter os pratos dabalançaequilibrados.– Essa necessidade é sua – disseMyron –, nãominha. Machucar Burt
Wessonnãoteriaconsertadomeujoelho.–Masteriacicatrizadoaferida.–Masdequeferidavocêestáfalando?Aquilofoiumacidente!Sóisso!Winfezquenãocomacabeça.–Vocênuncaassistiuaovídeo.–Que diferença isso teria feito?Meu joelho continuaria em frangalhos.
Assistiraumagravaçãonãomudarianada.Winpermaneceucalado.–Nãoestouentendendovocê–disseMyron.–Toqueiminhavidadepois
dacontusão.Nuncareclameidenada,reclamei?–Nunca.–Nuncachoreinemxingueiosdeusesporcontadoqueaconteceu.–Nunca–repetiuWin.–Jamaissefezdevítimanemestorvouavidade
ninguém.–Entãoporquevocêinsisteemdizerqueeudeveriaterrevividoaquele
jogo?Winparoueolhouparaele.– Você respondeu à própria pergunta, mas prefere fazer ouvidos
moucos.–Porra,Win.Mepoupadessababoseira ilosó icadegafanhotokung-fu,
vai?–retrucouMyron.–Nãoenrola.Porquevocênãofoiaojogo?–Revejaovídeo–disseWin,eretomouacaminhada.
capítulo19
MYRONNÃOREVIUOVÍDEO.Masteveumsonho.NessesonhoeleviaBurtWessonarremetendoemsuadireção,cadavez
mais perto. Via no rosto dele o olhar transido de uma fúria quaseprazerosa. Myron tinha tempo su iciente para se furtar ao choque. Naverdade,tempodemais.Masnessesonho,assimcomoemtantosoutros,elenãoconseguia semexer.Aspernasnão respondiam,ospés chapinhavamnuma espessa e onírica areia movediça enquanto o inevitável seaproximava.Na realidade, contudo, Myron nem sequer havia percebido a
aproximação de Burt. Não tivera nenhuma advertência. Pivotava sobre aperna direita quando se deu a colisão cega. Ouvira,mais do que sentira,algo estalar. De início não houve nenhuma dor, apenas susto eperplexidade. Esse susto provavelmente não havia durado mais que umsegundo,masumsegundoparalisadonotempo,dessesquesóacontecemnossonhos.Sóentãoveioador.No sonho,BurtWessonagoraestavaquaseemcimadele.Burt eraum
homemenorme,umjogadoragressivo,comoumdessesgorilasdohóquei.Nãotinhamuitotalento,mastinhaocorpanzil,esabiacomousá-lo.Comeleconseguira ir longeno basquete universitário,mas na liga pro issional ascoisas eram bem diferentes. Burt seria dispensado antes do início datemporada – uma ironia poética que nenhum dos dois, nem ele nemMyron, chegasse a participar de um jogo de basquete pro issional. Pelomenosatéduasnoitesantes.Nosonho,MyronviaBurtseaproximareesperava.Emalgumlugarde
seu inconsciente, sabia que despertaria antes da colisão. Sempredespertava.Eleagoraseachavanaquelatênuefronteiraentreopesadeloe o despertar, aquelaminúscula janela em que ainda estamos dormindomas sabemos que se trata de um sonho e, apesar de todo o terror,queremos continuar e ver como tudo terminará, uma vez que estamosapenas sonhando e não corremos nenhum tipo de risco.Mas a realidadenunca mantém essa janela aberta por muito tempo. Portanto, assim quevoltouà tona,Myronsedeucontadeque, fossequal fossearesposta,elajamaisseriaencontradanumaviagemnoturnaaopassado.–Telefoneparavocê–disseJessica.
Myronpiscouesedeitoudecostas.Jessicajáestavavestida.–Quehorassão?–perguntouele.–Nove.–Nove?Porquevocênãomeacordou?– Você estava precisando descansar. – Ela lhe passou o telefone. – É
Esperanza.–Alô.–Caramba,vocênuncadormenasuacama?–disseEsperanza.Myronnãoestavaparabrincadeiras.–Oquefoi?–disseapenas.–FredHiggins,doTesouro,estánalinha.Acheiquefosseimportante.–Podepassar.–Umclique.–Fred?–Eumesmo.Comovai,Myron?– Tranquilo. Então, conseguiu alguma coisa sobre aqueles números
sequenciais?Depoisdecertahesitação,Higginsdisse:–Vocêtropeçounumbelomontedemerda,meuamigo.Dosgrandes.–Estououvindo.– Ninguém quer que a coisa vaze, entendeu? Precisei dobrar muita
gente,gastarmuitasaliva,paraconseguiroquevocêpediu.–Bocadesiri.–Tudobem,então.–Higginsrespiroufundo.–AscédulassãodeTucson,
Arizona – revelou. –Mais especi icamente, doFirst CityNationalBankdeTucson.Foramroubadasduranteumassaltoaobanco.Myronseempertigounacama.–Quando?–Doismesesatrás.Myron se lembrou de uma manchete de jornal e sentiu um frio na
espinha.–Myron?–ABrigadaRaven – disse. – Este assalto foimais uma investida deles,
nãofoi?–Foi.VocêchegouatrabalharnessecasoquandoestavanoFBI?–Não,nunca.Maseleselembrava.MyroneWinhaviamtrabalhadoemcasosdeuma
natureza especial e quase contraditória: casos de grande evidência, masque exigiam total sigilo. A dupla era perfeita para tais ocasiões. A inal,quemsuspeitariadeumex-jogadordebasqueteeumricaçoalmofadinhacomo agentes secretos? Eles podiam se in iltrar emqualquer círculo sem
levantar nenhuma suspeita. Não precisavam inventar qualquer tipo deidentidade falsa; a identidade real de ambos eraomelhordisfarceque aagênciajátivera.Noentanto,Myronjamaissededicaraemtempointegralao trabalho comos federais.Win, sim, erao garotodeourodeles;Myronnão passava do ajudante de campo que Win convocava sempre quenecessário.MesmoassimeleconheciaatalBrigadaRaven.Qualquerumquetivesse
um mínimo de informação sobre os movimentos extremistas dos anos1960 saberia da existência dela. Fundada por um carismático líderchamadoColeWhiteman,abrigadaeramaisumadasfacçõesegressasdoWeather Underground, muito parecida com o Exército Simbionês deLibertação,ogruporesponsávelpelosequestrodePattyHearst.OsRavenstambém haviam tentado realizar um sequestro de grande notoriedade,masavítimaacaboumorta,edesdeentãoeleshaviampassadoaoperarnamaistotalclandestinidade.Quatrodeles.AdespeitodetodososesforçosdoFBI, os quatro fugitivos (incluindo Cole Whiteman, que, como Win, comseus cabelos lourose formação conservadora, jamais levantaria suspeitascomoumextremista)haviampermanecidoforagidosporquase25anos.AsperguntasestranhasqueDimontehaviafeitosobreradicaispolíticos
e“tiposperversivos”agoranãopareciamtãoestranhasassim.–AtaldefuntaeradosRavens,nãoera?–perguntouMyron.–Nãopossodizer–respondeuHiggins.–Nemprecisa.SeiqueeraLizGorman.Seguiu-semaisummomentodehesitação.–Ecomovocêpodesaberdeumacoisadessas?–Asprótesesdesilicone–disseMyron.–Oquê?LizGorman,umaruiva feroz,haviasidoumadasprimeiras integrantes
daBrigadaRaven.Duranteaprimeira“missão”dogrupo(umamalogradatentativa de incendiar o laboratório químico de certa universidade), apolícia havia encontrado um codinome no scanner: CD. Mais tardedescobriu-se que os integrantes masculinos da Brigada haviam dado aGormano apelido de CD, abreviação de Carpenter’sDream, ou SonhodeCarpinteiro,poisamoçaera“retacomoumatábuae fácildeaparafusar”.Por mais progressistas que se dissessem, os radicais dos anos 1960tambémeramosmaioresmachistas domundo.Agora as próteses faziamsentido.TodasaspessoasinterrogadasporMyronhaviamressaltadoesseaspecto de Carla: o tamanho dos peitos. Liz Gorman era conhecida pelasilhueta reta. Que disfarce seria melhor que as gigantescas próteses de
silicone?–Os federaiseapolíciaestão trabalhandoemcooperaçãonestecaso–
disseHiggins.–Estãotentandomantê-loemsigiloporenquanto.–Porquê?–Estãodebotucanoapartamentodela.Naesperançadebotarasmãos
emoutroRaven.Myronestavaperplexo.Vinha tentandodescobriralgumacoisasobrea
misteriosamulher e agora sabia de tudo: tratava-se de Liz Gorman, umaconhecida guerrilheira que desde 1975 vinha sendo procurada pelapolícia. Os disfarces, os diversos passaportes, as próteses... agora tudo seencaixava.Nãosetratavadeumatraficante,masdeumafugitiva.Noentanto, seacreditavaquea identi icaçãodamulher jogariaalguma
luzsobreaprópriainvestigação,Myronhaviaseenganadoredondamente.Que vínculo poderia haver entre GregDowning e Liz Gorman? Como umjogador de basquete pro issional poderia ter se envolvido com umaextremista procurada pela polícia desde que ele, Downing, ainda eragaroto?Umacoisanãobatiacomaoutra.–Quantoeleslevaramnoassaltoaobanco?–perguntouMyron.– Di ícil dizer – respondeu Higgins. – Cerca de 15 mil dólares em
dinheiro, mas eles também explodiram os cofres dos correntistas. Ospedidos de indenização às seguradoras passam de meio milhão, mas hámuito exagero nesses casos. O cara é roubado e de repente ele tinha 10relógiosRolexnocofreemvezdeumsó.Vocêsabecomoé.– Por outro lado – disse Myron –, o cara que tivesse dólares ilegais
guardadosnessescofresnãodeclararianada.Teriaqueengoliroprejuízo.–Devoltaàsdrogaseaodinheirodonarcotrá ico.Osextremistasfugitivosprecisavam de recursos. Era notório que assaltavam bancos, tra icavamdrogas, chantageavam os ex-integrantes que haviam regressado à vidanormal...en im,oquefossenecessário.–Portanto,aquantiaroubadapodetersidobemmaior.–Certo.Masédifícildizer.–Vocêdescobriumaisalgumacoisa?–Não–disseHiggins.–Osigilotemsidogrande,eestouforadocircuito.
Vocênemimaginacomofoidi ícildescobrir tudo issoquecontei.Vocêmedeveumgrandefavor,Myron.–Jáprometiosingressos,nãoprometi?–Debeiradequadra?–Possotentar–disseMyron.Jessicavoltouaoquarto.Aoverorostodonamorado,parouondeestava
eoencaroucomuma interrogaçãonoolhar.Myrondesligoue lhe contoutodaahistória.Elaouviu.Lembrando-seda indiretadeEsperanza,Myronen imsedeucontadequejáhaviapassadoaliquatronoitesseguidas:umrecorde pós-término de relação. O que era preocupante. Não que eletivesse medo de se comprometer. Pelo contrário, ele queria secomprometer.Masnosescaninhosdaconsciênciaaindatinhacertoreceio,feridasqueaindanãohaviamcicatrizadoporcompleto,coisasassim.Myron tinha o hábito de se expor demais. Sabia disso. Com Win ou
Esperanza, tudo bem. Eram pessoas de sua inteira con iança. Ele amavaJessica,emuito,masJessicajáohaviamachucadonopassado.Melhorseriaprosseguir com certa cautela, puxar o freio demão e tentar não se abrirtanto,mas o coração por vezes tinha vontade própria. Pelomenos o seu.Duas forças internas estavam em con lito naquelas circunstâncias: oinstinto natural de se entregar por inteiro no amor versus o instinto desobrevivênciaeafastamentodador.–Essahistóriatoda...–disseJessicaao imdorelato.–Seilá,éestranha
demais.–Émesmo–concordouMyron.Elesmaltinhamconversadonavéspera.
Myron simplesmente a apaziguara, dizendo que estava tudo bem, e emseguidaeleshaviamdormido.–Achoquetenhoquelheagradecer.–Porquê?–PorvocêterligadoproWin.–É,liguei.Depoisqueaquelescapangasoatacaram...–Acheiquevocêtivesseditoquenãoiainterferir.– Não foi isso que eu disse. Falei que não tentaria impedir você. É
diferente.–Temrazão.Jessica mordia o lábio inferior como se remoesse alguma coisa. Vestia
jeanseumacamisetafolgadadaDuke.Oscabelosaindaestavammolhadosdobanhorecente.–Achoquevocêdeviasemudarparacá–disseelaafinal.AspalavrasaterrissaramemMyroncomoumsoconoqueixo.–Oquê?–Desculpa,minha intençãonãoeraassustá-loassim–disse.–Masnão
soumulherdemolharbiscoitoemcaféquente.–Quemmolhaobiscoitoaquisoueu–brincouMyron.Jessicabalançouacabeça:–Vocêescolheospioresmomentosparafazerpiada.–Eusei.Desculpa.
–Olha,nãosoumuitoboanessascoisas,Myron.Vocêsabedisso.Defatoelesabia.Jessica inclinou a cabeça para o lado, sacudiu os ombros, abriu um
sorrisonervoso.Porfimfalou:–Éque...gostodevervocêaqui.Éoquemeparececerto.OcoraçãodeMyronalçouvoo,cantandoaomesmotempoquetremiade
medo.–Éumpassoimportante.–Nemtanto–disseela.–Você jápassaboapartedotempoaqui.Além
disso,amovocê.–Eutambémamovocê.Osilêncioseestendeuumpoucomaisdoquedevia,eJessicaachoupor
bem tomar alguma providência antes que os danos se tornassemirreparáveis.–Nãoprecisaresponderagora–apressou-seemdizer.–Sóqueroque
vocêpensenoassunto.Escolhiumpéssimomomentoparafalardisso,comtodos esses problemas que você tem nas mãos... Ou talvez tenha faladojustamenteporcausadeles.Seilá.Masnãodiganadaagora.Apenaspense.Não me ligue durante o dia. Nem à noite. Vou assistir ao seu jogo, masdepois vou sair comAudreyparabeber alguma coisa.É aniversáriodela.Durma na sua casa hoje. Vamos deixar essa conversa para amanhã.Amanhã,tudobem?–Tudobem–disseMyron.–Amanhã.
capítulo20
BIG CINDY SENTAVA-SEÀMESADARECEPÇÃO. “Sentava” talveznãosejaoverbocorreto, pois amulhermais parecia o proverbial camelo tentando passarpelo buraco da agulha. As quatro pernas damesa estavam suspensas noar, o topo se equilibrando como uma gangorra sobre os joelhos darecepcionista. A caneca de café sumia no interior das mãos gordas,praticamente duas almofadas de sofá. Naquela manhã os espetos doscabelospuxavammaisparaorosa.AmaquiagemlembravaMyrondeumincidentedesuainfânciaemquelápisdeceracoloridoshaviamderretido.Elausavaumbatombranco,algosaídodealgumdocumentáriosobreElvis.Sobre a camiseta extra-extra-grande se lia: NÃO ESPANQUE AS FOCAS . Myronlevoualguns segundosparaprocessar amensagem.Bonitinha, apesardepoliticamentecorretademais.Demodogeral,BigCindyrosnavaassimqueviaMyron.Hoje,noentanto,
ela sorriu gentilmente e piscou na direção dele. Uma visão ainda maisassustadora.Emseguida,estirouodedomédioecomeçouasacudi-loparacimaeparabaixo.–Linha1?–arriscouMyron.Big Cindy negou comum aceno de cabeça. E sacudiu o dedo commais
vigor,agoraolhandoparaoteto.Myronergueuorosto,masnãoviunada.Cindy revirou os olhos; o sorriso congelado dava-lhe o aspecto de umpalhaço.–Nãoestouentendendo.–Winquerfalarcomvocê–disseelaafinal.Myron, que até então nunca tinha ouvido a voz da mulher, icou
assustado.Elasoavacomoaapresentadorahiperativadeumprogramadetelevendas, desses em que alguém liga para dizer, com profusão dedetalhes, quanto sua vida mudou depois de comprar um vaso verde noformatodoHimalaia.–OndeestáEsperanza?–perguntouele.–Winéumgato.–Elaestáaqui?–Elepareciaaflito.Deveseralgumacoisaimportante.–Sóestouperg...– Vocêvai falar com o Win – interrompeu Cindy. – Você anda muito
relapsocomseuparceiromaisimportante.–Denovoosorrisogentil.–Nãoandorelapso.Eusóqueriasaber...– Onde ica o escritório doWin. Dois andares para cima. – Ela fez um
ruídocomocaféquepoderia,vagamente,serdescritocomouma“golada”.–DigaaEsperanzaquevoltojá–avisouMyron.– Pode deixar – disse Cindy, e de novo piscou.Os cílios pareciamduas
tarântulassedebatendoantesdemorrer.OescritóriodeWindavaparaaesquinaentrearua52eaParkAvenue.
Umavistasoberanaparaotodo-poderosodaLock-HorneSecurities.Myronse acomodou numa das luxuosas poltronas de couro vinho. Sobre oslambris das paredes viam-se diversos quadros com cenas de caçada.Dezenasdecavaleirosmásculos(dechapéupreto,paletóvermelho,calçasbrancas e botas pretas) usavam não mais que ri les e cachorros paraperseguirumapeludacriaturinhaatécercá-laematá-la.Ah,aaristocraciae seus esportes. Exagero? Bobagem. Quem não usa um maçarico paraacenderocigarrodevezemquando?Windigitoualgoemseu laptop,quepareciasofrerdeprofundasolidão
naquelelatifúndioquesefaziapassarpormesa.– Encontrei algo interessante nos arquivos que copiamos na casa de
Greg.–Oquê?–Nossoamigo,oSr.Downing,tinhaumacontadee-mailnaAOL–disse
Win.–Ebaixouestamensagemnosábado.Veja.–ElevirouocomputadordemodoqueMyronpudesseler:
Assunto:Sexo!Data:11/314:51:36ESTDe:GatSetPara:Downing22Encontrovocêàsdez.Nolugarcombinado.Nãodeixedecomparecer.Prometoamelhornoitedeêxtaseimaginável.–F
Myronergueuosolhosdatela.–“Amelhornoitedeêxtaseimaginável?”–Umaindiscutívelquedaparaasletras,nãoacha?–observouWin.Myronfezumacareta,eWinlevouamãoaopeito:–Mesmoqueelanãotivessemeiosdecumprirapromessafeita,háque
se admirar a disposição da moça para correr riscos, a dedicação a seuofício.–Ahã–disseMyron.–Então,queméessaF?
–Não há nenhumper il para o apelido “GatSet” na internet – explicouWin. – O que não signi ica nada, claro. Ninguém quer que as pessoasdescubram seu nome verdadeiro. Eu diria, no entanto, que F émais umheterônimodanossaqueridaefinadaamigaCarla.–Jásabemosqualéonomeverdadeirodela.–Já?–LizGorman.Winarqueouassobrancelhas.–Perdão?– Liz Gorman. Da Brigada Raven – disse Myron, e contou sobre a
conversaquetiveranavésperacomFredHiggins.Winserecostounacadeiraeuniuosdedosdasmãos.Comosempre,sua
expressãofacialnãoentregavanada.Aofimdorelatoelecomentou:–Curioso,cadavezmaiscurioso...– Tudo agora se resume a isto – disse Myron. – Que vínculo poderia
haverentreGregDowningeLizGorman?–Umvínculoforte–respondeuWin,apontandocomoqueixoparaatela
docomputador.–Apossibilidadeda“melhornoitedeêxtaseimaginável”,aseacreditarnahipérbole.–MascomLizGorman?–Porquenão?–retrucouWin,quaseultrajado.–Umapessoanãopode
ser discriminada em razão de uma simples prótese de silicone. Não écorreto.Sr.DireitosIguais.–Nãoéisso–disseMyron.–DigamosqueGregtivessealgumtesãoem
Liz Gorman, ainda que ninguém a tenha descrito como uma mulherespecialmentebonita...–Vocêétãosuper icial,Myron–disseWin,acintosamentebalançandoa
cabeça em sinal de censura. – Por acaso não lhe ocorre que Greg talveznão ligasse para uma bobagem dessas? A inal, a mulher tinha peitosgrandes.– Você, meu amigo, sempre passa batido no ponto principal quando o
assuntoésexo.–Enestecasoemparticular,opontoprincipalseria...–Comooscaminhosdelessecruzaram?Éissoqueeugostariadesaber.Win novamente uniu os dedos das mãos, agora batendo as pontas
levemente.–Ah...– É isso aí. Ah. De um lado temos uma mulher que vive na
clandestinidade por mais de 20 anos, que viajou pelo mundo todo,provavelmente sem jamais icarpormuito temponummesmo lugar.Doismeses atrás estava noArizona assaltandoumbanco, depois foi trabalharde garçonete num restauranteminúsculo na Dyckman Street. E do outrolado temos Greg. Como é possível que um tenha cruzado o caminho dooutro?– Di ícil – concedeu Win –, mas não impossível. Várias evidências
apontamparaumarelaçãoentreeles.–Comooquê?–Estee-mail,porexemplo, foienviadonoúltimosábado.Nomesmodia
emqueGregeLizGormanseencontraramnumrestaurante.–Numburaco,vocêquerdizer.Dessesqueosamantesfrequentampara
nãoseremvistos.Masporquê?Porquenãonumhotelounoapartamentodela?– Talvez porque ela morasse longe. Ou talvez, como você mesmo
ressaltou, porque Liz Gorman não pudesse ser vista em público. Umrestaurantedessesseriaumaboaalternativa.–Winagoratamborilavanamesa.–Masvocê,meucaro,estáseesquecendodemaisumacoisa.–Oquê?–AsroupasfemininasencontradasnacasadeGreg–disseWin.–Você
mesmo,na sua investigação, levantouapossibilidadedequeGreg tivesseuma amante secreta. A pergunta, claro, é: por quê? Por que se dar otrabalhodemanterum casinho em sigilo?Umaexplicaçãopossível é queestecasinhofossecomanossainfameSrta.Gorman.Myron não sabia ao certo o que pensar. Audrey vira Greg num
restaurante na companhia de uma mulher que não se encaixava nadescrição de Liz Gorman. Mas o que isso poderia signi icar? Talvez setratasse de mais um casinho. Ou, quem sabe, de um encontro inocente.Aindaassimelenãoconseguiaengolirapossibilidadedeumenvolvimentoromântico entre Greg Downing e Liz Gorman. Alguma coisa não seencaixava.–Devehaveralgummeiodedescobrirmosareal identidadedapessoa
quemandoueste e-mail –disseMyron. –Precisamos saber se foimesmoLizGormanouqualquerumdosseusdiversoscodinomes.– Vou ver o que posso fazer. Não tenho nenhum contato na AOL,mas
algumconhecidonossohádeter.Winsevirouparaabriraportado frigobar,que, comoasparedes, era
revestido de madeira. De lá tirou uma caixinha de achocolatado e aarremessou paraMyron. Em seguida pegou uma lager.Win jamais bebia
cervejacomum,apenaslager.–NãofoifácillocalizarodinheirodeGreg–disseele.–Suponhoquenão
hajamuito.–IssobatecomoqueEmilydisse.–Noentanto–prosseguiuWin–,identifiqueiumsaquegrande.–Dequanto?– Cinquenta mil dólares em dinheiro. Demorou um pouco porque o
saquefoifeitodeumacontaqueMartinFelderadministraparaele.–Equalfoiadata?–Quatrodiasantesdodesaparecimento.–Achaquefoiparapagaralgumadívidadejogo?–Podeser.OtelefonedeWintocou.Eleatendeu:– Articule. Tudo bem, pode passar. – E dali a dois segundos passou o
telefoneparaMyron.–Paramim?–disseMyron.–Não,não,éparamimmesmo.Sóestoulhepassandootelefoneporque
eleestápesadodemais.Nãoháquemresistaaumaboaresposta.Myronatendeualigação.–Alô?– Um carro da polícia está esperando por você na rua. – Era Dimonte,
comvozdepouquíssimosamigos.–Desçaaquiagoramesmo.–Quehouve?– Estou na casa deDowning, foi isso que houve. Praticamente tive que
chuparopaudeumjuizparaconseguiromandadodebusca.–Belametáfora,Rolly.–Vásefoder,Bolitar.Vocêdissequetinhasanguenacasa.–Noporão–corrigiuMyron.– Pois é exatamente na porra do porão que estou agora – devolveu
Dimonte.–Eolugarestámaislimpoqueabundadeumbebê.
capítulo21
OPORÃODEFATOESTAVALIMPO.Nenhumsinaldesangue.–Deveterficadoalgumvestígio–disseMyron.Comosdentes cerrados, ameaçandopartiropalito entre eles,Dimonte
falou:–Vestígio?–Sim.Comummicroscópioagentecertamenteencontraalgumacoisa.– Com um mic... – Dimonte estirou os braços, fumegando. – Mas que
porravaiadiantarseeuencontraralgumvestígiodesangue?Oqueéqueissovaiprovar?Nãodáparatestarumvestígio!–Vaiprovarquehaviasangue.– Mas e daí? – berrou ele. – Em qualquer casa deste país você vai
encontraralgumvestígiodesangueseprocurardireito!–Nãoseioquedizer,Rolly.Osangueestavaaqui.Havia pelo menos uns cinco técnicos da polícia (nenhum uniforme,
nenhum carro o icial) examinando a casa. Krinsky também estava lá,empunhando uma câmera de vídeo desligada e segurando algunsenvelopespardos.Myronapontouparaelesedisse:–Sãooslaudosdolegista?RolandDimonteseadiantouparabloquearocaminhodele.–Nãoédasuaconta,Bolitar.–JáseisobreLizGorman,Rolly.Dessavezopalitonãoresistiuefoiaochão.–Mascomofoique...–Nãoimporta.–Claroqueimporta.Oquemaisvocêsabe?Seestiverescondendoalgo...–Nãoestouescondendonada,masachoquepossoajudar.Dimonteapertouaspálpebras.Sr.Desconfiado.–Ajudarcomo?–BastavocêmedizerqualeraotipodesanguedeGorman.Étudoque
precisosaber.Otipodesangue.–Eporquevocêachaqueeulhediriaalgumacoisa?–Porquevocênãobatemuitobemdacabeça,Rolly.–Váàmerda.Porquevocêprecisasaberotipodesangue?–Lembraquandoeudissequetinhaencontradosanguenoporão?
–Sim.–Omitiumdetalhe.Dimonteofulminoucomoolhar.–Umdetalhe.–Testamosumaamostradosangue.–Testamos?Quemmaisestá...–Elenemprecisouterminar.–Droga!Não
vámedizerqueaquelepsicopataengomadinhotambémestámetidonisso.NãohaviaquemconhecesseWinenãooamasse.–Gostariadeproporumapequenabarganha–disseMyron.–Quetipodebarganha?–Vocêmedizotipodesanguequeestános laudoseeulhedigootipo
desanguedaamostraquecolhemos.– Porra nenhuma, Bolitar. Posso enquadrá-lo a qualquermomento por
manipulaçãodeprovasnumainvestigaçãopolicial.– Manipulação de provas? Mas nem sequer havia uma investigação
naquelemomento!–Mesmoassimeupoderiaenquadrá-loporinvasãodedomicílio.– Se pudesse provar. E se Greg estivesse presente para registrar uma
queixa.Olha,Rolly...–ABpositivo–disseKrinsky.E, ignorandoas farpasnoolhardochefe,
emendou:–Éumtiporarodesangue:apenas4%dapopulação.AmbosseviraramparaMyron,quedisse:–ABpositivo.Éomesmosangue.Dimonte ergueu as mãos e retorceu o rosto numa careta de
perplexidade.–Esperalá.Quediabovocêestáquerendodizer?Queelafoimortaaqui
elevadaparalá?–Nãoestoudizendonada–devolveuMyron.– Porque não encontramos nenhum indício de que o corpo tenha sido
removido – prosseguiu Dimonte. – Nenhum. Não que estivéssemosprocurando. Mas o volume de sangramento... quer dizer, caso ela tenhasidomortaaqui,nãohaveriatantosanguenaqueleapartamento.Vocêviuasangueira,nãoviu?Myroncon irmoucoma cabeça, eo investigador começouapassearos
olhosaleatoriamente.Myronquasepodiaverasengrenagensemperrandonointeriordacabeçadele.–Vocêsabeoqueissosignifica,nãosabe,Bolitar?–Não,Rolly.Porquevocênãomedáumaluz?– Signi ica que o assassino voltou aqui depois do crime. É a única
explicação. E sabe quem começa a despontar como o principal suspeito?SeuamigoDowning.Primeiroencontramosas impressõesdigitaisdelenoapartamento...–Oquê?–Issomesmo.Estavamnomarcodaporta.–Masnãopeloladodedentro.–Sim,peloladodedentro.–Masemnenhumoutrolugar?–Quediferençaissofaz?As impressõesprovamqueeleestevenolocal
docrime.Oquemaisvocêquer?Sejacomofor,minhateseéaseguinte.–Ele mordeu um palito novo. Nova tese, novo palito. – Downing mata amulherevoltaemcasaparabuscaralgumacoisa.Estácompressa,entãoacabadeixandoumabagunçanoporão.Aí foge.Edali aalgunsdiasvoltaparafazeralimpeza.Myronachouaquiloimprovável.–Masmedigaumacoisa:quediaboeleveiofazernesteporão?–Lavarroupas–respondeuDimonte.–Eledesceuparalavarasroupas.–Alavanderiadacasaficaláemcima,juntodacozinha.Dimontedeudeombros:–Seilá,então.Derepenteveiopegarumamala.–Asmalas icamnoclosetdasuíte.Esteporãoéapenasumaespéciede
playgrounddascrianças,Rolly.Oqueeleteriaparafazeraqui?Isso fez com que Dimonte se calasse um instante. Myron também se
calou. Nada daquilo fazia muito sentido. Seria possível que Liz Gormantivesse sido morta naquele porão e levada para o apartamento deManhattan? Uma hipótese pouco plausível diante das evidências ísicas.Seriapossívelqueelativessesidoapenasferidanoporão?Epa,paremasprensas.Talvez a confusão tivesse apenas começado ali. Com uma briga ou
discussão. E o sangue havia sido derramado nummomento de confrontoentreosdois.Masdepois...oquê?Numaruarelativamentemovimentada,oassassino estacionou o carro, arrastou a mulher ferida até a porta doprédioparadepoismatá-lanoapartamento?Issofariaalgumsentido?Doprimeiroandar,alguémgritou:–Detetive!Encontramosalgo!Depressa!Dimonteumedeceuoslábios.–Ligueacâmera–disseaKrinsky.Gravarosmomentosrelevantes.Tal
comoMyronhaviasugerido.–Você icaaqui,Bolitar.Depoisnãoqueroter
queexplicarapresençadessasuacarafeianagravação.A certa distância, Myron foi seguindo o investigador e seu parceiro
escada acima.Na cozinha eles viraramà esquerda. Para a lavanderia.Alias paredes eram revestidas com um papel amarelo com estampa degalinhasbrancas.UmaescolhadeEmily?Provavelmentenão.Conhecendo-acomoconhecia,Myronsuspeitavaqueelanemsequerhaviacolocadoospésnaquelelugar.–Poraqui–alguémfalou.Myron permaneceu alguns passos atrás.Mesmo assim pôde ver que a
máquinadesecarhaviasidoafastadadaparede.Dimonteseabaixouparaolhar atrás dela, e Krinsky se debruçou sobre o chefe para garantir quetudofosse ilmado.Segundosdepoiso investigadorsereergueu.Faziaumvisívelesforçopararefrearosorriso;a inal,umsorrisogravadoemvídeonãopegarianadabemnaquelascircunstâncias.Emseguidavestiuumpardeluvasdeborrachaepescouoobjetoencontradoatrásdamáquina.Umtacodebeisebolcobertodesangue.
capítulo22
VOLTANDO AO ESCRITÓRIO, MYRON se deparou com Esperanza à mesa darecepção.–OndeestáBigCindy?–perguntou.–Almoçando.AimagemdocarrodeFredFlintstonetombandocomopesodascostelas
deBrontossauroespocoudiantedosolhosdeMyron.–Winmecolocouapardoqueestárolando–disseEsperanza.Elausavaumablusaazul-turquesadegolabaixa.Umpingenteemforma
de coração pendia orgulhoso de uma correntinha de ouro, contrastandocom a pele morena do colo. Os cabelos, modelados com mousse, comosempre,embaraçavam-seligeiramentenosbrincosgrandes,deargola.–Então,oqueaconteceunacasa?Myroncontousobrea limpezanoporãoeo tacodebeisebol.Emgeral,
Esperanzaseocupavadeoutrascoisasenquantoouvia.Agora,noentanto,ela itavadiretamenteosolhosdeMyron.Quandoagiaassim,aintensidadeeratantaqueàsvezesficavaatédifícilsustentarseuolhar.–Nãoseiseentendidireto–falou.–VocêeWinencontraramsangueno
porãodoisdiasatrás.–Certo.–Desdeentão,alguémfoiláelimpouabagunça...masdeixouparatrása
armadocrime?–Éoqueparece.Esperanzaremoeuosfatosporuminstante.–Seráquenãofoiaempregadaquemlimpou?– A polícia já investigou essa possibilidade. Faz três semanas que a
empregadanãoapareceporlá.–Vocêtemalgumateoria?– Acho que sim. Alguém está tentando incriminar o Greg. É a única
explicaçãológica.Esperanzaarqueouumadassobrancelhas,cética.–Plantandosangueedepoislimpando?–disse.–Não.Vamoscomeçardocomeço.Myronpuxouuma cadeira e se sentoudiante da funcionária. Ventilara
sua tese durante todo o trajeto de volta ao escritório e agora queria
reavaliá-laemvozalta.Atrásdele,numcantoàesquerda,umamáquinadefax cuspia algo com seu arcaico zumbido.Myron esperou o ruído passar,depoisfalou:–Bem,emprimeirolugar,vamossuporqueoassassinosabiaqueGreg
estava com Liz Gorman naquela noite... Talvez os tenha seguido, talveztenhaesperadopertodoapartamento.Deumjeitooudeoutro,sabiaqueelesestavamjuntos.Esperanza meneou a cabeça e icou de pé. Em seguida foi ao fax e
recolheuamensagemtransmitida.– Depois que Greg sai do apartamento, o assassino sobe e mata Liz.
Sabendo que Greg daria um bom bode expiatório, ele recolhe certaquantidade de sangue no apartamento e planta na casa do Greg. Paralevantarassuspeitas.Eparacompletaroserviço, levatambémaarmadocrimeeplantaatrásdamáquinadelavar.– Mas você acabou de dizer que limparam o sangue – rebateu
Esperanza.– Certo. É aí que a coisa complica. Suponhamos, por exemplo, que eu
queira proteger Greg Downing. Entro na casa dele e encontro o sangue.Mas presta atenção: quero protegerGreg de uma cilada. Então, o que eufaço?Aindaexaminandoamensagemdefax,Esperanzadisse:–Vocêlimpaosangue.–Exatamente.–Uau, valeu. Eu ganhoo quepor ter adivinhado?Umdoce?Anda logo
comessasuahistória,vai.–Sóumpouquinhodepaciência,ok?Euencontrariaosangueelimparia.
Mas... e essa é a parte mais importante... da primeira vez que estive nacasa,não havia nenhum taco na lavanderia. E isso não é só a título deexemplo. Foi isso mesmo que aconteceu: Win e eu encontramos apenassanguenoporão.Nãotinhataconenhumlá.– Espera lá. Você está dizendo que alguém limpou o sangue para
protegeroGregdeumaarmação,masnãosabiadaexistênciadessetaco?–É.–Quem?–Nãosei.Esperanzabalançouacabeça.Voltouàmesaedigitoualgonotecladodo
computador.–Algumacoisanãoseencaixa.–Porquenão?
–DigamosqueeuestejaperdidamenteapaixonadaporGregDowning–disse ela, e voltou para o fax. – Estou na casa dele. Por algum motivomisterioso, estou no playground dos ilhos dele. Não importa onde estou.Suponhaqueeuestejanomeuapartamento.Ouvisitandovocêemcasa.Eupoderiaestaremqualquerlugar.–Tudobem.– Vejo sangue no chão ou nas paredes, tanto faz. – Ela parou e olhou
paraMyron.–Aqueconclusãovocêesperariaqueeuchegasse?–Nãoestouentendendo.Esperanzarefletiuuminstante,depoisdisse:–Digamosque você acaboude sair daqui e foi para o apartamentoda
biscate.–Nãochameelaassim.–Sejacomofor.Digamosque,aoentrar,vocêtenhaencontradosangue
nasparedes.Qualseriaasuaprimeirareação?Myron lentamente meneou a cabeça, já percebendo aonde ela queria
chegar.–EuficariapreocupadocomJessica.–Esuasegundareação?Depoisdesaberqueelaestavabem.– Curiosidade, eu acho. De quem é aquele sangue? Como ele foi parar
ali?Essetipodecoisa.–Certo–concordouela.–Masvocêtambémnãopensariaalgumacoisa
como:“Caramba,melhorlimparissologo,antesqueabiscatesejaacusadadetermatadoalguém”?–Paredechamá-laassim.Esperanzaoignorou.–Pensariaounão?– Nessas circunstâncias, não – disse Myron. – Portanto, para que a
minhatesesesustente...–Seuprotetorhipotéticoteriaquesabersobreoassassinato–terminou
a frase por ele, novamente consultando o computador. – Ele, ou ela,tambémteriaquesaberqueGregestavaenvolvidodealgummodo.AcabeçadeMyronfervilhavacomaspossibilidades.–VocêachaqueGregmatouLiz?–Perguntouele.–Achaqueelevoltou
paracasadepoisdoassassinatoedeixouporláalgunsvestígiosdocrime...como o sangue no porão, e depois mandou o tal protetor para limpar asujeiraelivraracaradele?Esperanzafezumacareta:–Deondefoiquevocêtirouumamaluquicedessas?
–Eusó...–Nãoénadadissoqueeuacho–disse ela, e grampeouaspáginasdo
fax. – SeGreg tivessemandadoalguémpara apagaros rastrosdele, essealguémtambémterialevadootaco.–Verdade.Então,comoéqueagentefica?Esperanza deu de ombros, circulou algo no fax com uma caneta
vermelha.–Vocêéograndedetetiveaqui.Évocêquemvaimedizer.Myronpensouuminstante.Outrapossibilidadelheocorreudeimediato,
umapossibilidadequeelerezavaparanãoseconfirmar.–Podeseroutracoisatambém–disse.–Oquê?–ClipArnstein.–Oquetemele?–ConteiaClipsobreosanguenoporão–disseMyron.–Quando?–Doisdiasatrás.–Comoelereagiu?– Pirou, basicamente. Ele também tem ummotivo: qualquer escândalo
nessa altura destruiria suas chances de manter o controle sobre osDragons.Aliás, foiporissoqueelemecontratou.Paraevitarqueamerdaseespalhasse.Ninguémmais sabiadosangueencontradonoporão.–Elese calou por alguns segundos,mentalmente repassando os fatos. – Claro,aindanão tiveaoportunidadedecontaraClipsobreoassassinatodeLizGorman. Ele nem sabia que o sanguenão era deGreg. Sabia apenas quehaviasanguenoporão.Seráqueiriatãolongemesmosabendotãopouco?SeráquearriscariafazeralimpezasenãosoubessedealgumacoisasobreLizGorman?Esperanzaabriuumpequenosorriso:–Talvezelesaibamaisdoquevocêimagina.–Porquevocêdizisso?Elaenfimlhepassouofax.–Éumalistadasligaçõesinterurbanasrealizadasnotelefonepúblicodo
Parkview Diner. Já cruzei com a minha agenda. Veja este número quecirculei.Uma ligação de 12minutos havia sido feita do Parkview Diner quatro
diasantesdodesaparecimentodeGreg.OnúmeroeradeClip.
capítulo23
–LIZGORMANLIGOUPARAOCLIP?–MyronergueuosolhosparaEsperanza.–Quediaboestáacontecendo?–Perguntaaele–respondeuEsperanza,dandodeombros.– Eusabia que ele estava escondendo alguma coisa, mas agora iquei
maisperdidodoqueantes.ComoéqueClipseencaixanestaequação?– Pois é. – Esperanza examinava alguns papéis sobre a mesa. – Olha,
temosummontãodecoisaspara fazer.Coisasde trabalho.Você tem jogohoje,não?Eleconfirmou.– Então você fala com o Clip lá no estádio. Senão vamos icar apenas
andandoemcírculos.Myronnovamentecorreuosolhospelofax.–Maisalgumnúmeronestalistachamousuaatenção?– Ainda não – respondeu. – Agora quero falar com você sobre outro
assunto.–Oquê?–Temosumproblemacomumcliente.–Quem?–JasonBlair.–Qualoproblema?–Eleestáputodavida.Nãoquerqueeunegocieoscontratosdele.Falou
quecontratouvocê,nãouma... – ela abriuaspas comosdedos– lutadorapopozudaeembaladaavácuo.–Elefalouisso?–Falou.Popozuda.Nemmencionouasminhaspernas...Myronsorriuedisse:–Edepois,oquehouve?Atrásdeles, a campainhado elevador soou.Apenasumdos elevadores
do prédio parava naquela parte do andar, dando diretamente para arecepçãodaMBRepresentaçõesEsportivas.Muitochique,ouassimdiziamas pessoas. As portas se abriram, e dois homens irromperam na sala.Myronosreconheceuimediatamente.Camu ladoeMuro.Ambosarmados,apontandoparaeleeEsperanza.BMansaiuemseguida.Sorriaeacenavacomoseestivesseentrandonopalcodeumprogramadeauditório.
–Comovaiojoelho,Myron?–Melhorquesuavan.BManriudaresposta.– Aquele Win... O homem é sempre uma surpresa. Como ele soube o
momentocertodeatacar?Nãohaviamotivoparanãoresponder.–Mantivemosnossostelefonesligados.BManbalançouacabeça:–Muitoengenhoso.Estouimpressionado.Ele usava um desses ternos um tanto brilhantes demais, com uma
gravata cor-de-rosa. A camisa tinha punhos franceses bordados com omonogramaBMAN.Osujeitorealmentelevavaasériooapelido.Nopulsodireito,traziaumapulseiradeouronaformadeumaespessacorrente.–Comovocêchegouatéaqui?–perguntouMyron.– Você não achou que nos deixaríamos intimidar por meia dúzia de
policiaisdealuguel,achou?–Mesmoassimgostariadesaber–insistiuMyron.BMandeudeombrosedisse:–LigueiparaaLock-HorneSecuritiesdizendoqueestavaàprocurade
um novo consultor inanceiro para gerenciarmeusmilhões.Mais do quedepressa,o ilisteucomquemfaleipediuqueeusubisse.Então,emvezdeapertarobotãodo15oandar,aperteiodo12o.–Eleespalmouasmãos.–Eaquiestou.Em seguida, BMan abriu um sorriso na direção de Esperanza. Comos
dentes clareados demais, e o bronzeado também excessivo, dava aimpressãodequehavialigadoumholofote.–Eestaadorávelcriatura–disse–,quemé?–MeuDeus–interveioEsperanza–,quemulhernãoadoraserchamada
de“criatura”?BManriudenovo.–Asenhoritatembrio.Gostodisso.Gostomesmo.–Comoseeumeimportasse.Maisumarisada.– Por acaso eu poderia roubar um segundinho do seu tempo,
senhorita...?–JaneMoneypenny–respondeuela,caprichandonaimitaçãodoJames
BonddeSeanConnery.BManirrompeunumaterceirarisada.Ohomemeraumahiena.–PodeligarparaoWinepediraelequedêumpulinhoaqui?–falou.–
Pelointerfone,senãoforincômodo.Equeelevenhadesarmado.Esperanza olhou para Myron, e ele assentiu com a cabeça. Ela discou.
Pelointerfone,Winproferiuseutradicional“Articule”.– Um louro de farmácia com um bronzeado de farmácia está aqui,
querendofalarcomvocê.–Ah,jáestavaesperandoporele–disseWin.–Olá,BMan.–Olá,Win.–Suponhoqueestejanaboacompanhiadeseuscapangas.–De fato estou,Win. Se você tentar alguma gracinha, seus amigos não
sairãovivosdaqui.–“Nãosairãovivosdaqui”?–repetiuWin.–Euesperavamaisdevocê,B
Man,francamente.Desçoemumsegundo.–Venhadesarmado,Win.– Sem chance. Mas não haverá violência, prometo – disse Win, e
desligou.Poruminstantetodosseentreolharam,cogitandoquemfariaoquê.–Nãocon ionele–disseBMan,evirou-separaoMuro.–Leveamoça
paraaoutrasala.Proteja-sedooutroladodeumamesaoualgoassim.Seouvirtiros,estoureosmiolosdela.O Muro fez que sim com a cabeça. Dirigindo-se ao Camu lado, B Man
acrescentou:–MantenhaBolitarsobsuamira.–Certo.BMansacouaprópriaarma.Assimqueouviuacampainhadoelevador,
agachou-seemirou.Asportasseabriram,masnãofoiWinquemsaiuporelas.FoiBigCindy,umcorpulentodinossauroemergindodeseuovo.–Caralho!–exclamouoCamuflado.–Queporraéessa?BigCindygrunhiualgumacoisa.–Bolitar,queméessaaí?–perguntouBMan.–Minhanovarecepcionista.–Digaaelaparaesperarnaoutrasala.MyronapaziguouCindy:–Nãosepreocupe.Esperanzaestáládentro.Cindy grunhiu de novo, mas obedeceu. A caminho da sala de Myron,
passouporBMan,fazendocomqueaarmadele,diantedasproporções,seresumisseaumrelesisqueirodescartável.Depoisdeumúltimogrunhido,elaenfimpassouàsalaefechouaportaatrásdesi.Silêncio.–Caralho–repetiuoCamuflado.
Dali a uns30 segundos a campainhado elevador soounovamente, eBMan retomou sua posição de ataque. Ao sair do elevador e se ver sob amiradeumaarma,Wincrispouorostonumacaretadeenfado.Comcertairritação,falou:–Faleiquenãohaveriaviolência.–Vocêtemumainformaçãodaqualprecisamos–disseBMan.–Estoucarecadesaber– retrucouWin.–Agorabaixeessaarmapara
quepossamosconversarcomcivilidade.BManmanteveobraçoerguido.–Vocêestáarmado?–Claroquesim.–Entãoentreguesuaarma.–Não–disseWin.–Enãoéumaarma.Sãoarmas.Noplural.–Faleiparavocê...–Eouvimuitobem,Orville.–Nãomechameporessenome.Winsuspirou.– Como quiser,BMan – disse ele, e balançou a cabeça de um lado a
outroparaemendar:–Vocêestátornandoascoisasmuitomaisdi íceisdoqueonecessário.–Comoassim?– Para um sujeito tão inteligente, você por vezes se esquece de que a
força bruta nem sempre é o melhor caminho. Há situações em que ocomedimentoémaiseficaz.Winadvogandoocomedimento,pensouMyron.Depoisdisso,oquê?Ex-
prostitutasadvogandoamonogamia?– Pense no que você já fez até agora – prosseguiu Win. – Primeiro,
mandouumadupladeamadoresparaemboscarMyron...–Amadores!–OCamu ladonãogostoudoqueouviu.–Quemvocêestá
chamandode...–Calado,Tony–ordenouBMan.–Vocênãoouviudoqueeleacaboudemechamar?Deamador!–Calado,eujádisse.MasTony,oCamuflado,aindanãosedavaporsatisfeito.–Poxa,BMan,tambémtenhosentimentos.–Seufêmuresquerdo,sevocênãofecharessamatracaagoramesmo.Tonyfechouamatraca.Voltando-separaWin,BManfalou:–Desculpeainterrupção.
–Desculpaaceita.–Continue.–Comoeuiadizendo–prosseguiuWin–,primeirovocêtentaemboscar
oMyron.Emseguidatentasequestrá-loemutilá-lo.Paraqueessaviolênciagratuita?–Gratuita,não–rebateuBMan.–PrecisosaberondeDowningestá.–EoquefazvocêpensarqueMyrontemessainformaçãoparalhedar?–Vocêsdois estavamrondandoa casadele.Edeumahoraparaoutra
BolitarestájogandonotimedeDowning.Enamesmaposição!–Sim,masedaí?–Nãosounenhumidiota.Vocêdoissabemdealgumacoisa.– E se soubermos? – Win espalmou as mãos. – Por que você não
perguntou? Por acaso chegou a cogitar essa possibilidade? A de que omelhorcaminhoseriaapenasperguntar?–Mas eu perguntei! – interveio o Camu lado, agora na defensiva. –Na
rua!PergunteiondeoGregestava,eocaraengoliualíngua!Winolhouparaele.–JáestevenoExército?–perguntou.–Não–respondeuoCamuflado,visivelmenteconfuso.– Você não passa de um traste inútil – disseWin, nomesmo tom que
usaria para discutir os resultados de uma carteira de ações. – Umectoplasma lamentável como você, usando farda militar, é uma afrontaparaqualquerhomemoumulherque já tenhaestadonumasituaçãorealde combate. Se porventura eu voltar a vê-lo em semelhantes trajes,prometocuidar,eumesmo,doseufêmuresquerdo.Fuiclaro?–Opa...– Você não conhece a fera, Tony – interrompeu BMan. –Melhor você
enfiaroraboentreaspernaseficarcaladinho.Apesarda expressãodemágoa, oCamu ladoobedeceu semdizermais
nada.WinvoltousuaatençãoparaBMan.–Podemosnosajudarmutuamentenestasituação–disparou.–Como?– Ocorre que, assim como você, nós também estamos à procura do
escorregadioSr.Downing.Porissoeugostariadelhefazerumaproposta.–Soutodoouvidos.–Primeiro–disseWin–,baixeessaarma.BManapertouaspálpebras:–Comovousabersepossoconfiaremvocê?
– Se eu quisesse vê-lo morto – respondeu Win –, teria cuidado dissoontemànoite.Depoisdealgumare lexão,BManassentiuebaixouaarma.Emseguida
acenouparaqueoCamufladofizesseomesmo.– Por que você não me matou? – perguntou. – Em semelhantes
circunstâncias,eunãooteriapoupado.–É issoquequerodizersobrea forçabruta–disseWin.–Trata-sede
umdesperdício. Precisamosumdooutroneste caso. Seo tivessematado,nãopoderialhefazerestapropostahoje.–Muitojusto.Opalcoétodoseu.–SuponhoqueoSr.Downinglhedevaumabelaquantia.–Umabelíssimaquantia.– Pois bem – disseWin. – Você nos diz o que sabe. Nós encontramos
Downing, sem nenhum ônus para você. E quando isso acontecer, vocêprometeráquenãofaránadacontraelecasoadívidasejapaga.–Esenãofor?Winsorriueestendeuosbraços.–Quemsomosnósparainterferirnoseumododegerirosnegócios?BManrefletiunovamente,masnãopormuitotempo.– Tudo bem, sua proposta é razoável.Mas não quero a criadagem por
perto.–ElesevirouparaoCamuflado.–Váparaaoutrasala.–Porquê?–Porquesealguémdecidirtorturá-lo,vocênãoteránadaparadizer.A resposta pareceu perfeitamente aceitável para o Camu lado, que,
resignado,saiuparaasaladeMyron.–Porquenãonossentamos?–sugeriuWin.Elesseacomodaramnascadeiras.Depoisdecruzaraspernas,BManfoi
logodizendo:–Downing,comotantosoutros,éviciadonajogatina.Porumtempoteve
muitasorte,oqueépéssimoparaalguémnacondiçãodele.Cedooutardea maré muda para qualquer jogador e, quando isso en im aconteceu,Downing continuou insistindo, convicto de que podia recuperar o que jáhaviaperdido.Todoseles insistem.QuandosãotãoricosquantoDowning,deixo passar. Deixo que eles cavem a própria cova. É bom para osnegócios.Mas,aomesmotempo,éprecisoficardeolho.Afronteiraétênue.Tambémnão queremos ver ninguém cavando até a China. – Ele se virouparaMyron.–Entendeoqueestoudizendo?Myronfezquesimcomacabeça.–AtéaChina.
– Certo. Pois bem, Downing começou a perder muito dinheiro. Umaverdadeirafortuna.Nuncafoiumpagadorpontual,masacabavapagando.Porvezesdeixoacontachegaraos250,oumesmo300.–Trezentosmil?–perguntouMyron.–Sim.–BMansorriu.–Vocênãoconhecenenhumjogador,conhece?Myron permaneceu calado. Não contaria uma vírgula de sua vida
pessoalaumcrápulacomoaquele.– O vício do jogo é tão grave quanto o do álcool ou o da heroína –
prosseguiuBMan.–Decertamaneira,éatépior.Aspessoasbebemousedrogam para escapar do desespero. O jogo também tem esse aspecto,claro,masvaialém,porqueofereceamãoamigadaesperança.Quemjogatemesperança.Acreditaqueestáaumpassodeviraro jogo.Sevocêtemesperança, continua jogando. Se continua jogando, há sempre umaesperança.–Muitoprofundo–disseWin.–MasvoltemosaGregDowning.–Emsuma:Greginterrompeopagamentodesuadívida,quejábeirao
meio milhão. Começo a botar pressão, e ele diz que está completamentequebrado, mas que não preciso me preocupar, pois ele está prestes aassinarumgrandecontratodepublicidadequelherenderázilhões.O contrato com a Forte, pensou Myron. Agora fazia sentido a súbita
mudançadeopiniãodeGregquantoaoendossodeprodutoscomerciais.– Então pergunto a ele: quando vai entrar esse dinheiro? Daqui a uns
seismeses,elediz.Seismeses?Paraumadívidademeiomilhãodedólarescomjuroscorrentes?Impossível.Exigiopagamentoimediato,maseledissequenãotinhaodinheiro.Entãopediumademonstraçãodeboa-fé.Myronlogoviuparaonderumavaaquelaconversa.– Ele começou a cavar os resultados dos jogos. Para favorecer as
apostas...– Errado. Era isso que eledeveria ter feito. Os Dragons estavam
vencendo os Bobcats por uma margem de oito pontos. A missão deDowning era garantir que essa margem fosse menor do que oito. Nadademais.–Eleconcordou?– Claro que sim – disse B Man. – O jogo foi no domingo. Apostei uma
babanestamargem.Umababa.–MasGregnãochegouajogar–Myronterminouporele.– Exatamente. Os Dragons acabaram vencendo por 12 pontos. Tudo
bem, pensei. Downing se contundiu. Como noticiaram os jornais. Apenasum acidente, não foi culpa dele. Mas não me entendammal: ele ainda é
responsável pelo meu prejuízo. Por que eu deveria pagar pelo acidentedele? – B Man esperou um instante para ver se alguém contestaria sualógica.Ninguémsedeuotrabalho.–Então iqueiesperandoqueDowningmeligasse,maselenuncaligou.Aessaalturaelemedevealgoemtornodedoismilhões.Win,vocêsabequenãoposso icardebraçoscruzadosnumasituaçãodessas,nãosabe?Winfezquesimcomacabeça.–QuandofoiaúltimavezqueGreglhepagoualgumacoisa?–perguntou
Myron.–Jáfazumtempo.Nãoseiaocerto.Unscinco,seismeses.–Nadamaisrecentequeisso?–Nada.Elesainda conversaramporum tempo, atéqueEsperanza,BigCindye
os dois capangas voltaram à sala.Win e BMan agora falavamde amigosquetinhamemcomumnasartesmarciais.Daliapouco,BManpartiucomseuentourage.Tãologoasportasdoelevadorsefecharam,BigCindyabriuumsorrisolargoparaEsperanzaecomeçouasaltitaremcírculospelasala,fazendotremerochão.MyronsevoltouparaEsperanzacomumainterrogaçãonoolhar.–Ograndalhão–falou–,oqueestavacomagentenasuasala.–Oquetemele?–PediuotelefonedaCindy.Big Cindy ainda saltitava com o entusiasmo de uma garotinha. Os
ocupantes do andar inferior certamente procuravam abrigo como seaquelefosseoúltimodiadePompeia.MyronsevirouparaWin.–VocêatentouparaofatodequeGregnãofeznenhumpagamentonos
últimosmeses?Winfezumgestoafirmativoeemendou:–Claro estáqueos50mil sacados antesdo sumiçonada tinhama ver
comdívidasdejogo.–Porqueseráqueelesacouessedinheiro?–Parafugir,eusuponho.–PortantoGregsabia,compelomenosquatrodiasdeantecedência,que
iriadesaparecer–disseMyron.–Éoquetudoindica.Myronrefletiuuminstante.– Então... o timing do assassinato não pode ter sido uma simples
coincidência. Se Greg já planejava fugir, não pode ser obra do acaso queLizGormantenhasidoassassinadanomesmodiaemqueelesemandou.
–Dificilmente–concordouWin.–AchaqueGregéoassassino?–Todasasevidênciasapontamnessadireção–disseWin.–Comoeulhe
falei, esses 50 mil foram sacados de uma conta administrada por MartyFelder.TalvezoSr.Feldertenhaalgumaresposta.Myron ainda digeria os fatos quando, de repente, Big Cindy parou de
saltitar para abraçar Esperanza e dar mais um de seus ruidososgrunhidos.Ah,ajuventudeeoamor.–SeFelderjásoubessequeGregiriasumir–aventouMyron–,porque
eledeixariaaquelasmensagensnasecretáriadele?–Talvezparanosludibriar.Outalveznãosoubessedenada.– Vou ligar para ele – disse Myron – e marcar um encontro para
amanhã.–Vocêtemumjogohojeànoite,nãotem?–Tenho.–Aquehoras?– Às sete e meia. – Myron conferiu o relógio. – Mas preciso sair logo.
QuerofalarcomoClipantesdojogo.–Eulevovocê–disseWin.–QueromuitoconheceresteSr.Arnstein.
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Assimquetodossaíram,Esperanzaconferiuasmensagensdevozeemseguidaorganizousuamesa:asduasfotos(naprimeira,suacadela,Chloe,recebia o prêmio de Melhor da Raça na exposição de Westchester; nasegunda,elacomoPocahontaseBigCindycomoBigChiefMamaerguiamocinturão de dupla campeã do torneio da FLOW) haviam sido derrubadaspelosjoelhosdeCindy.Ao mesmo tempo que admirava as fotos, ela remoía algo que Myron
dissera sobre o timing dos acontecimentos: o timing do assassinato, otimingdodesaparecimentodeDowning.Maseo timingdospassosdeLizGorman?DachegadadelaaNovaYork?ObancodeTucsonforaassaltadodoismesesantes;ora,LizGormantambémhaviacomeçadoatrabalhardegarçonete doismeses antes. Que uma criminosa procurasse fugir para olugarmais distante possível da cena do crime, tudo bem,mas para umacidadepopulosacomoNovaYork?Porquê?Quanto mais Esperanza re letia sobre tudo isso, mais confusa icava.
Havia ali uma sequênciade causas e efeitos.Decerto existia algonaqueleassaltoqueobrigaraLizGormanafugirparaNovaYork.Esperanzaainda
consumiumais algunsminutos ruminando essas questões.A certa altura,noentanto,pegouotelefoneeligouparaumdoscontatosmaisfortesqueMyroneWintinhamnoFBI.– Eles precisam de todas as informações que vocês tiverem sobre o
assalto realizado pela Brigada Raven em Tucson – falou. – Podem memandarumacópiadoarquivo?–Amanhãmesmo,pelamanhã.
capítulo24
WIN E MYRON TINHAM EM COMUM uma paixãomais oumenos bizarra pelosmusicais da Broadway. Naquele exato momento, no Jaguar de Win, ascaixasdesomtrepidavamcomatrilhasonorade1776.Umrepresentantedo Congresso Continental berrava: “Alguém, por favor, abra uma janela!”Isso levou a uma acirrada discussão sobre os méritos de se abrir a ditajanela (“é quente para caramba na Filadél ia”) versus deixá-las todasfechadas(“moscasdemais”).Entremeandoadiscussão,aspessoasdiziamaJohnAdamsparasesentar.História.–QuemfoioprimeiroatorainterpretarThomasJefferson?–perguntou
Win. Ele sabia a resposta. Com os amigos de Myron, a vida era umincessanteprogramadeperguntaserespostas.–Nocinemaounoteatro?Winfranziuocenho.–Nãomeinteressopormusicaisnocinema.–KenHoward–respondeuMyron.–Correto.QualfoiograndepapeldacarreiradoSr.Howard?–OtécnicodebasqueteemTheWhiteShadow.–Denovocorreto.OprimeirointérpretedeJohnAdams?–WilliamDaniels.–Maisconhecidocomo?–Ocirurgiãocabeça-duradeSt.Elsewhere.–AatrizqueinterpretouMarthaJefferson?–BettyBuckley.MaisconhecidapelopapeldeAbbyemOitoédemais.Winsorriu:–Vocêébom.Terminada a sabatina, Myron se virou para a janela e, olhando
vagamente para o borrão pulsante de prédios e carros, lembrou-se deJessica.Maisespeci icamente,doconviteparaqueelespassassemamorarjuntos.Porquenãoaceitá-lo?Eleaamava.Elaoamava.Maisqueisso,derao primeiro passo – a primeira vez que isso acontecia na vida dele. Namaioriadosrelacionamentos,umdosparceirostinhamaiscontrolesobreooutro. Essa era a ordemnatural das coisas. O equilíbrio perfeito era algomuito di ícil de se encontrar. Myron sabia disso; caso contrário, asconstantes farpas de Esperanza, dizendo que ele era tratado “à base do
chicote”, já teriam feito a icha cair. Isso não signi icava que ele amasseJessicamaisdoqueelaoamava.Outalvezsim.Myronjánãosabiadireito.O que sabia com certeza era que osmomentos em que Jessica tomava ainiciativa, em que se expunha, eram bastante raros. Sua vontade eraacalentaressesmomentos, encorajá-los.Esperaramuito tempoparaouvi-la dizer essas palavras. Mas algo o refreava. Como no caso de TC, haviadiversosfatoresqueoraoimpulsionavam,oraopuxavamparatrás.Suacabeçafervilhavaaoavaliarospróseoscontras,masnãochegavaa
nenhuma conclusão. O que ele realmente queria era debater suas ideiascom alguém. Funcionava melhor assim: pensando em voz alta nacompanhiadeumamigo con iável.Mas quem?Esperanza, sua con identemais iel, detestava Jessica. Win... bem, nos assuntos amorosos, Winsimplesmentenãoeraocara;algumacoisahámuitotempode inharanasprofundezasdeseucoração.Apesardisso,Myronouviu-sedizendo:–Jessicaquerqueagentemorejunto.Winpermaneceucaladoporumtempo,depoisdisse:–Vocêvaireceberparticipaçãointegralnasfinais?–Oquê?–Vocêentroudeúltimahora.Jásabequantovaireceberpelasfinais?–Nãosepreocupe.Jáfoitudoacertado.Winmeneouacabeça,osolhos ixosno trânsito.Ovelocímetrooscilava
emtornodos130,umavelocidadeparaaqualaRoute3 certamentenãoestavapreparada.AolongodosanosMyronjáseacostumara,pelomenosatécertoponto,aoshábitosdeWinaovolante;mesmoassimpreferianãoolharparaafrente.–Vocêvaificarparaverojogo?–perguntouele.–Depende.–Doquê?–Senossaamiga, aMetralhadora, estiver lá... –disseWin.–Você falou
que ela estava procurando emprego. Talvez eu consiga interrogá-laduranteojogo.–Vaidizeroquê?– Este é um dilema que se impõe a nós dois. Se indagar sobre o
telefonemadeDowning,vocêvaientregaroouroquantoaorealmotivodesuacontratação.Eseeuo izer,elavaimecrivardeperguntas,querendosabertodososporquês.Dequalquermodo,amenosquenãodisponhadeum cérebro, nossa Metralhadora icará descon iada. Além do mais, sesouberdealgoimportante,certamentevaimentir.
–Então,oquevocêsugere?Wininclinouacabeçacomoserefletisseprofundamente.–Talvezeualeveparaacama–concluiu.–Quemsabenãoconsigofazê-
lasoltaralínguaemmeioaosarroubosdapaixão?–ElasódormecomjogadoresdosGiantsedosDragons–disseMyron.
Depois,erguendoassobrancelhas,emendou:–Arroubosdapaixão?Windeudeombros.– Também posso fustigar o traseiro dela com uma mangueira de
borracha,seassimlheaprouver.–Maisalgumasugestão?–Precisopensar.–Semmaisdizer,eles tomaramasaídadoestádiode
Meadowlands.NoCDdo carro,Abigail Adamsdizia a JohnAdamsque asmulheresdeMassachusettsprecisavamdegrampos.Winassobioualgunscompassosdamelodia,depoisdisse: –Quantoa Jessica– ele retirouumadas mãos do volante e fez algo semelhante a um aceno –, não sou eu amelhorpessoaparadarconselhos.–Eusei.–Você icouumcacoquandoelaoabandonoudaprimeiravez.Nãovejo
motivoparacorreromesmoriscodenovo.Myronolhouparaele.–Vocênãovêmotivo.Winnãodissenada.–Issoémuitotriste,Win.–Defato–ironizou.–Umatragédia.–Estoufalandosério–disseMyron.Numgestodramático,Winlevouoantebraçoatéatesta:–Ah,talvezeujamaisconheçaasprofundezasdoburacoemquevocêse
meteuquandoJessicafoiembora...Pobredemim...–Vocêsabequeascoisasnãosãotãosimplesassim.Winbaixouobraçoebalançouacabeça.– Não, meu caro, as coisassão simples assim. O único sentimento real
quevocê conheceu foi ador.Quantoao resto, sãoos cruéisdevaneiosdoautoengano.–Vocêrealmenteacreditanisso?–Sim.–Éissoquevocêpensadetodososrelacionamentos?–Nãofoiissooqueeudisse.–Eanossaamizade?Tambéméumcrueldevaneiodoautoengano?–Nãoestamosfalandodenósdois–disseWin.
–Sóestoutentandoentender...– Não há nada para entender – interrompeuWin. – Faça o que julgar
melhor.Comoeudisse,nãosouapessoamaisindicadaparadarconselhos.Silêncio. O estádio já se avultava diante deles. Durante anos tivera o
nomedeBrendanByrneArena,homenagemaoimpopulargovernadorqueocupava o cargo à época da construção do complexo. Recentemente, noentanto, diante da necessidade de arrecadar fundos, as autoridades doesporte haviam trocado o nome para Continental Airlines Arena – nadamuitomusical,aindaqueonomeantigotampoucoinduzissealguémasaircantarolando por aí. Brendan Byrne e seus asseclas haviam icadoinjuriados com a troca. Quanto desaforo, diziam eles, indignados. Aqueleestádio deveria entrar para a história como o grande legado dogovernador.Quetraição!Myron,porsuavez,achavaatrocaperfeitamentesensata. O que era preferível? Aumentar impostos para angariar 27milhõesdedólaresou feriro egodeumpolítico?Aescolhaeramaisqueóbvia.MyronolhouderelanceparaWin,queencaravaotrânsitocomasmãos
irmes sobre o volante. Na sequência, lembrou-se da manhã seguinte àpartida de Jessica, cinco anos antes. Ele perambulava triste pela casaquandoWinbateuàporta:–Venha comigo.Vamos contratarumagarota.Vocêestáprecisandode
umatrepada.Myronfezquenãocomacabeça.–Temcerteza?–Tenho–disseMyron.–Entãomefaçaumfavor.–Oquê?– Não vá sair enchendo a cara por aí – disse Win. – Isso seria um
imperdoávelclichê.–Ah.Etreparcomumagarotadeprogramaseriaoquê?Wincrispouoslábiosefalou:–Pelomenosseriaumbomclichê.–Issoposto,deuascostasesefoi.Desde então eles jamais haviam tocado no assunto de Jessica, e
ressuscitá-loagorahaviasidoumerro.Myrondeveriaterpercebidoisso.Win tinha láos seusmotivospara serdo jeitoqueera.Olhandoparao
amigo,Myronchegouasentirpenadele.Winviaaprópriavidacomoumalongaliçãosobreautopreservação.Osresultadosnemsemprehaviamsidobons, mas, de modo geral, eram e icazes. Ele não havia ceifado seussentimentos, nada tão dramático assim. Tampouco era o robôquemuitos
acreditavam. Mas havia aprendido a não con iar muito nas pessoas oudependerdelas.Tinhaafetoporpoucos,masumafeto intenso,rarodeseencontrar.Eorestodomundopoucolheimportava.–VouconseguirumassentodoladodaMetralhadoraparavocê–disse
Myronbaixinho.Win meneou a cabeça e parou o carro numa das vagas do
estacionamento.MyronseapresentouàsecretáriadeClipefoilevadocomWin para a sala dele. Clip se encontrava à sua mesa. Por algum motivoparecia mais velho. As bochechas estavam mais pálidas e o papo, maislácido. Aparentemente, precisou de um esforço maior para se levantar.PoruminstanteavaliouWin,depoisdisse:–EstedeveseroSr.Lockwood.–Ele jásabiasobreWin.Comosempre,
umhomempreparado.–Sim–confirmouMyron.–Eleestáajudandocomnossoproblema?–Está.As apresentações foram feitas. Apertaram-se as mãos. Traseiros
procuraram assentos. Como de praxe nesse tipo de situação, Winpermaneceu calado. Os olhos corriam de um lado a outro pela sala,digerindooqueviam.Wingostavadeestudarumpoucoaspessoasantesdeabordá-las,sobretudoquandoestavamemseuhábitatnatural.– Então – disse Clip, forçando um sorriso cortês –, quais são as
novidades?–Quandonosfalamospelaprimeiravez–disseMyron–,vocêtemiaque
eu descobrisse algo desagradável. Gostaria de saber exatamente do queestavafalando.Cliptentoualargarosorriso:– Não me leve a mal, Myron, mas, se eu soubesse, não precisaria ter
contratadovocê.Myronbalançouacabeça.–Essanãovaidarparaengolir–disse.–Comoassim?–Gregjásumiuoutrasvezes.–Edaí?–Vocênuncasuspeitoudealgodesagradável.Oquemudouagora?–Jálhecontei.Avotaçãoqueestáporvir.–Estaéasuaúnicapreocupação?–Claroquenão–disseClip.–TambémestoupreocupadocomoGreg.–Masnuncacontratouninguémparaencontrá-loantes.Doqueestácom
medo?Clipdeudeombros.– Provavelmente de nada. Foi apenas uma medida de precaução. Por
quê?Oquevocêdescobriu?MaisumavezMyronbalançouacabeça.– Você não é homemde icar se precavendo. Gosta dos riscos. Sempre
gostou.Quantasvezesjásubstituiujogadoresveteranosemuitopopularespornovatosdequeagentenuncaouviu falar?Quantasvezespartiuparacima da bola em vez de icar esperando pelo socorro da defesa? Vocênuncatevemedodosriscos,Clip.Pelocontrário.Clipsorriudiscretamente.– O problema com essa estratégia é que a gente também perde. E às
vezesperdefeio.–Oquevocêperdeudessavez?–perguntouMyron.– Por enquanto, nada – disse ele. –Mas se Greg não voltar, isso talvez
custeumataçaameutime.–Nãoédissoqueestoufalando.Temmaisalgumacoisaacontecendo,e
eugostariadesaberoqueé.–Sintomuito–disseClip,espalmandoasmãos.–Masrealmentenãosei
do que você está falando. Contratei você porque isso era omais lógico afazer. Greg sumiu. Tudo bem, já sumiu outras vezes, mas nunca nessaalturada temporada, enuncaquandoestávamos tãopertodevencerumcampeonato.Issonãobatecomanaturezadele.MyronolhoudeesguelhaparaWin,quepareciaaborrecido.–VocêconheceumamulherchamadaLizGorman?–arriscou.Derabodeolho,viuCalvinseempertigarnacadeira.–Não–respondeuClip.–Deveria?–EumamulherchamadaCarlaouSally?–Como?Vocêquersabersejáconheciumamulherchamada...– Recentemente. Ou qualquer outra mulher envolvida de alguma
maneiracomGregDowning.Clipfezquenãocomacabeça.–Calvin?Calvintambémnegou,mascomumgestobemmaisdemorado.–Porquevocêquersaber?–perguntouClip.– Porque era com ela que Greg estava na noite em que sumiu – disse
Myron.Aprumando-senacadeiraemetralhandoaspalavras,Clipdisparou:– Vocês encontraram essa mulher? Onde ela está agora? Talvez eles
estejamjuntos!Myron novamente olhou paraWin. Dessa vez, Win balançou a cabeça
quaseimperceptivelmente.Eletambémhaviapercebido.–Elaestámorta–disseMyron.Nesse instante se esvaiuopoucode corque ainda restavano rostode
Clip.Calvinnãodissenada,mascruzouaspernas:umaextravagânciaparaalguémapelidadodeGeleira.–Morta?–Assassinada,parasermaisespecífico.– Santo Deus... – Clip agora dardejava os olhos como se procurasse
algumarespostanosrostosàsuafrente.Nãoencontrounenhuma...–TemcertezadequenuncaouviufalardeLizGorman,CarlaouSally?–
perguntouMyron.Clip abriu a boca e fechou-a logo em seguida, incapaz de dizer o que
querquefosse.Tentounovamente:–Assassinada?–Sim.–EelaestavacomoGreg?–Greg foi a últimapessoa a vê-la comvida.Deixou impressõesdigitais
nacenadocrime.–Cenadocrime?–repetiuClip,avoztrêmula,osolhosperdidos.–Meu
Deus...Osanguequevocêsencontraramnoporão...OcorpoestavanacasadeGreg?–Não.ElafoimortanumapartamentoemManhattan.Clipficouconfuso.–MasvocênãodissequehaviasanguenoporãodeGreg?Noquartode
brinquedosdascrianças?–Disse.Masagoranãohámais.– Não há mais? – repetiu Clip, ao mesmo tempo irritado e confuso. –
Comoassim,nãohámais?–Alguémlimpou.–Myronencarou-o.–Querdizer,emalgummomento
dos últimos dois dias, alguém entrou na casa do Greg e tentou abafar apossibilidadedeumescândalobastantedesagradável.Assustado,agoracomosolhoscheiosdevida,Clipfoilogodizendo:–Vocêachaquefuieu?– Só você sabia daquele sangue. E queria manter em sigilo a nossa
descoberta.– Deixei isso nas suas mãos, você não lembra? – redarguiu Clip. – E
aindadissequerespeitariaasuadecisão,qualquerquefosse.Claroqueeu
não queria nenhum escândalo. Quem haveria de querer? Mas eu jamaisfariaumacoisadessas.Vocêmeconhecebem,Myron,sabedisso.– Clip – emendouMyron –, consegui os registros telefônicos da vítima.
Elaligouparavocêquatrodiasantesdoassassinato.–Comoassim,ligouparamim?–Seunúmerocomercialconstadosregistros.Clipameaçoudizeralgo,calou-se,eenfimarriscou:– Bem, talvez ela tenha ligado para cá, mas isso não quer dizer que
tenha falado comigo. – Não parecia nem um pouco convincente. – Talveztenhafaladocomminhasecretária.Win pigarreou e, pela primeira vez desde que chegara, abriu a boca
paradizeralgo:–Sr.Arnstein?–Sim?– Com todo o respeito, senhor, mas as suas mentiras já estão icando
maçantes.Clip deixou o queixo cair. Estava habituado à subserviência dos
subordinados,nãoaserchamadodementiroso.–Oquê?– Myron tem um grande respeito pelo senhor – disseWin. – O que é
admirável. Não sãomuitos os que conseguem conquistar o respeito dele.Masosenhorconheceamorta.Faloucomelapelotelefone.Temosprovasdisso.Clipapertouaspálpebras:–Quetipodeprovas?–Osregistrostelefônicos,parainíciodeconv...–Masacabeidedizerque...–Etambémassuasprópriaspalavras–completouWin.Clipseacalmouumpoucoe,cauteloso,perguntou:–Dequediabovocêestáfalando?Winuniuosdedosdasmãos.– Agora há pouco, Myron perguntou se você conhecia Liz Gorman ou
umamulherchamadaCarlaouSally.Osenhorselembra?–Claro.Faleiquenãoconhecia.–Correto.EmseguidaMyrondisseque...ecitotextualmenteaspalavras
dele,porquesãorelevantes,“eracomelaqueGregestavananoiteemquesumiu”. Um jeito canhestro de enunciar os fatos, admito, mas com umpropósito.Osenhorselembradasperguntasquefezlogoemseguida?Clippareciaperdido.
–Não.–Poisvourepetir,enovamentecomaspalavrasexatas.Osenhordisse:
“Vocêsencontraramessamulher?Ondeelaestáagora?”–Sim,masedaí?– O senhor disse “essamulher”. Depois disse “ela”. No entanto,Myron
perguntouseosenhorconheciaLizGorman,ouCarla,ouSally.Postodessaforma, não seria natural presumir que ele se referia a três mulheresdiferentes? Claro que sim. Mas o senhor imediatamente concluiu que ostrêsnomespertenciamaumaúnicapessoa.Nãoachaissoestranho?–Oquê?–rugiuClip.–Evocêchamaissodeprova?Winseinclinouparaafrente.–Myron está sendomuito bem recompensado por seus esforços neste
caso.Poressemotivo,eunaturalmenterecomendariaqueelecontinuassetrabalhando para o senhor. Diria a meu amigo para icar na dele eembolsarodinheirodosDragons.Seosenhorquersabotarasuaprópriainvestigação, quem somos nós para interferir? Não que Myron fosse medarouvidos.Éumabelhudo.Piorque isso, temesseequivocadosensodedever,defazeracoisacertamesmoquandonãoénecessário.Winparou,respiroufundoevoltouaserecostarnacadeira.Emvezde
unirosdedosdasmãos,começouatamborilaraspontasgentilmente,umascontraasoutras.Todososolhosestavamsobreele.–Oproblemaéoseguinte–prosseguiu.–Umamulher foiassassinada.
E, como se isso não bastasse, alguém adulterou a cena do crime. Alguémque também desapareceu e pode muito bem ser um assassino. Ou maisuma vítima, quem sabe? Em outras palavras, no momento é perigosodemaispersistirnumasituaçãodessascomumpardeantolhosnacabeça.Os custospotenciais sãobemmaioresqueosbene ícios.Naqualidadedehomemdenegócios,Sr.Arnstein,osenhorhádecompreender.Clippermaneceucalado.– Portanto, que tal irmos direto ao ponto? –Win espalmou as mãos e
depoisvoltouaunirosdedos.–Sabemosqueavítimafaloucomosenhor.Pois bem. Ou o senhor nos conta sobre o que conversaram ou damos anossaconversaporencerradaecadaumvaiparaseulado.–Elafaloucomigoprimeiro–interveioCalvin,remexendo-senacadeira.
Evitava o olhar de Clip,mas semnecessidade. O velho não dava nenhumindício de que se agastara com a súbita intervenção. Afundava-se aindamaisemsuacadeira,umbalãoquenãoparavademurchar.–ElausavaonomedeCarla–prosseguiuCalvin.Win não fez mais que menear a cabeça e se recostar; já dera sua
contribuição.AsrédeasagoraestavamdevoltaàsmãosdeMyron.–Oqueeladisse?–perguntouMyron.– Falou que sabia de alguns podres sobre o Greg. Algo que poderia
destruirafranquia.–Equepodreseramesses?Clipvotouàbaila.– Não icamos sabendo – falou. E hesitou por alguns instantes, para
ganhar tempo ou para se recompor, Myron não soube dizer. – Minhaintençãonãoeramentirparavocê,Myron,sintomuito.SóestavaquerendoprotegeroGreg.–Vocêtambémfaloucomela?–perguntouMyron.Clipfezquesimcomacabeça,depoisdisse:–Calvinmeprocuroudepoisdoprimeirotelefonema.E,nosegundo,nós
doisfalamoscomela.Lizqueriadinheiroemtrocadeseusilêncio.–Quanto?–Vintemildólares.Eraparanosencontrarmosnanoitedesegunda.–Onde?– Não sei – disse Clip. – Ela informaria o local pela manhã, mas não
chegoualigar.Provavelmenteporqueestavamorta, pensouMyron.Mortos raramente
ligam.–Eelanãodeunenhumapistadoquepoderiamserostaispodres?Clip e Calvin se entreolharam, consultando-se. Calvin assentiu com a
cabeça,eClipnovamentesevirouparaMyron.– Nem precisava ter dado – disse, resignado. – Nós já sabíamos o que
era.–Sabiamoquê?–Gregjogava.Deviamuitodinheiroaumaturmadapesada.–Vocêsjásabiamdovíciodele?–Já–disseClip.–Como?–OpróprioGregmecontou.–Quando?–Hácercadeummês– falou.–Queriaajuda.Eu...Eueraumaespécie
depai para ele. Gosto doGreg. Gostomesmo. – Ele ergueu os olhos paraMyron, visivelmente emocionado. – Tambémgosto de você,Myron. É issoquetornaacoisatãodifícil.–Tornamaisdifíciloquê?Clipnãorespondeu.Disseapenas:
–Euqueriaajudá-lo.Sugeriqueeleprocurassealguém.Umterapeuta.–Elelhedeuouvidos?–Semanapassadafoifalarcomumpsiquiatraespecializadoemvíciosde
jogo. Também sugerimos que ele assinasse um contrato de publicidade –acrescentouClip.–Parapagarsuasdívidas.–MartyFeldertambémsabiadojogo?–perguntouMyron.– Não sei ao certo – disse Clip. – O psiquiatrame contou das loucuras
que um viciado é capaz de fazer só paramanter seu vício em sigilo. Poroutrolado,MartyFeldercuidavadequasetodoodinheirodeGreg.Senãosoubessedenada,euficariasurpreso.AtrásdeCliphaviaumpôstercomafotodaequipedaqueleano.Myron
oadmirouporumtempo.Ajoelhadosnaprimeira ilaestavamoscapitães,TC e Greg. Greg sorria de orelha a orelha; TC, como era de se esperar,exibiaseurisinhoirônico.–Querdizerentãoque,nonossoprimeiroencontro,você já suspeitava
queosumiçodeGregpudesseteralgoavercomojogo?–disseMyron.–Não.–Depoisdecertare lexão,Clipfalou:–Aomenosnãodojeitoque
você está pensando. Nunca achei que o agente de apostas dele pudessefazer algo para prejudicá-lo. Achava que o contrato com a Forte daria aoGregotempodequeeleprecisava.–Como?–Eumepreocupavacomasaúdementaldele.–Clipapontouparaafoto
do jogador no pôster. – Greg nunca foi a pessoa mais equilibrada domundo, mas iquei me perguntando se a pressão da dívida não vinhapesando sobre sua sanidade, já um tanto frágil. Greg adorava a imagemqueopúblicofaziadele,pormaisincrívelqueissopossaparecer.Adoravaaatençãodosfãs,maisqueodinheiroemsi.Masseosfãsdescobrissemaverdade, quem sabe qual seria a reação deles? Portanto,meu receio eraqueapressãojácomeçassea icar insuportávelequeporcausadissoeletivessepirado.– E agora que umamulher morreu – perguntou Myron –, o que você
acha?Clipbalançouacabeçacomveemência.– Ninguém conhece o Greg melhor do que eu. Quando ele se sente
acuado, foge. Jamaisseriacapazdemataralguém.Tenhocertezaabsolutadisso.Gregnãoéumhomemviolento.Faztempoquejáconheceosperigosdaviolência.A isso se seguiu um demorado silêncio. Myron e Win icaram ali,
esperandoqueClipelaborassesobreoqueacabaradedizer.Aoperceber
quenenhumaelaboraçãoestavaporvir,Windisse:–Sr.Arnstein,osenhortemalgomaisanosdizer?–Não.Issoétudo.Semdizerpalavraoudarqualqueroutrosinal,Win icoudepéesaiuda
sala.Myronmeioquedeudeombrosefoisaindonaesteiradele.–Myron?Ele se virou. Clip também havia se levantado. Os olhos pareciam
marejados.– Um bom jogo para você esta noite – disse ele baixinho. – A inal, é
apenasumjogo.Lembre-sedisso.Myronbalançouacabeça,maisumavezdesconcertadopelasatitudesdo
velho.ApertouopassoealcançouWin.–Vocêestácommeuingresso?–perguntouWin.Myronpassou-lheaentrada.–ComoéessataldeMetralhadora?Myron fez seu relato. Eles já haviam chegado ao elevador quandoWin
falou:–Esteseuamigo,oSr.Arnstein,aindanãoestádizendoaverdade.–Algumacoisaconcretaousóumadesconfiança?–Nãotrabalhocomdesconfianças–disseWin.–Vocêacreditanele?–Nãosei.–Masgostadele,nãogosta?–Gosto.– Então avalie comigo estas interessantes conjecturas – pediu Win. –
Quem,alémdopróprioGreg,teriamaisaperdercasoessahistóriadevícioem jogo viesse à tona? Quem, além de Greg, teria mais motivos parasilenciarLizGorman?E,por im,seGregDowningestivesseaumpassodese tornar um terrível vexame para a franquia dos Dragons, a ponto deafetar, se não destruir por inteiro, as chances de Clip Arnstein de sereeleger, quem teria o melhor motivo para promover o sumiço deDowning?Myronnãosedeuotrabalhoderesponder.
capítulo25
O ASSENTO JUNTO DE MAGGIE MASON estava vago.Win o ocupou e abriu seusorrisodevoltagemmáxima.–Boanoite–cumprimentou.Elasorriudevolta.–Boanoite.–Srta.Mason,eusuponho.– Sim, e você é Windsor Horne Lockwood III. Reconheci pela foto da
Forbes.Eles se cumprimentaram com um aperto de mãos, entreolhando-se. O
apertosedesfez,masoentreolhar-senão.–Muitoprazeremconhecê-la,Srta.Mason.–Porfavor,mechamedeMaggie.–Ótimo–devolveuWin,eintensificouosorriso.Acampainhasoouanunciandoo imdoprimeirotempo.WinviuMyron
se levantar para dar lugar no banco aos titulares da equipe. Achouestranho, quase desagradável, ver o amigo de uniforme numa quadrapro issional.Preferindodesviaroolhar,voltou-separaMaggie,queo itavacomcertaansiedade.– Soube que você está interessada em trabalhar na minha empresa –
disseele.–Estou.–Vocêseimportaseeufizeralgumasperguntas?–Claroquenão.–AtualmentevocêestánaKimmelBrothers,correto?–Correto.–Dequantosoperadoresvocêsdispõemnomomento?–perguntouWin.–Menosde10–respondeuela.–Éumacorretorapequena.–Entendo. –Win começou amexer comos dedos, ingindo ruminar as
palavrasdela.–Vocêcostumatrabalharnosfinsdesemana?–Àsvezes.–Nasnoitesdesábadotambém?Maggieachouaperguntaligeiramenteestranha,masdeixoupassar.–Àsvezes–repetiu.–Trabalhounoúltimosábadoànoite?
–Como?–VocêconheceGregDowning,nãoconhece?–Sim,mas...– Como decerto você sabe – prosseguiu Win –, Downing está
desaparecidodesdesábadoànoite.Omais curiosode tudo,noentanto, éque a última ligação que ele fez de casa foi para o escritório da KimmelBrothers.Vocêselembradessaligação?–Sr.Lockwood...–Porfavor,mechamedeWin.–Nãoseibemoquevocêestá...–Émuitosimples– interrompeuWin.–Ontemànoitevocêestevecom
meuamigo,oSr.Bolitar, e contouaelequehámuito temponão fala comGreg Downing. Todavia, como acabei de dizer, tenho informações queapontam para o contrário. Trata-se, portanto, de uma contradição. Umacontradiçãoqueaosolhosdemuitagente colocaráemdúvida,digamos, asuahonestidade,Srta.Mason.Oqueseriainaceitávelnaminhaempresa.Aprobidadedosmeusfuncionáriosdeveserinquestionável.Poressemotivo,gostariadeexplicarmelhoranaturezadasuacontradição.Win retirou do bolso do paletó um saquinho de amendoins. Com
impressionante destreza, abriu alguns e varreu as cascas para umsegundosaquinho.Sóentãooslevouàboca.Umaum.– Como você sabe que Greg Downing ligou para o escritório? –
perguntouMaggie.– Por favor – disseWin, olhando-a de relance. – Não percamos nosso
tempo com trivialidades. Essa ligação é um fato comprovado. Você sabedisso.Eutambém.Portanto,pulemosestaparte.–Não trabalhei sábadopassado – disse ela. –Downingdeve ter ligado
paraoutrapessoa.Winfranziuocenho:–Suatáticajácomeçaacansar,Srta.Mason.Comovocêmesmafalouhá
pouco,aKimmelBrotherséumaempresapequena.Sevocêpreferir,possoligar para seu chefe. Tenho certeza de que ele não se importará deinformaraWindsorLockwoodIIIseasenhoritatrabalhouounãonanoitedesábado.Maggie se recostou na cadeira, cruzou os braços e voltou sua atenção
parao jogo.OsDragonsvenciampor24a22. Sem tirarosolhosdabola,elafalou:–Nãotenhomaisnadaalhedizer,Sr.Lockwood.–Ah.Nãoestámaisinteressadanoemprego?
–Exatamente.–Achoquevocênãoentendeu–disseWin.–Nãoestoufalandoapenas
de um emprego na Lockhorne Securities, mas de um emprego emqualqueroutrolugar,incluindoaKimmelBrothers.Elasevirouparaele.–Como?– Você tem duas opções – disse Win. – Deixe-me explicitá-las com
bastanteclarezaa imdefacilitarsuaescolha.Aprimeira:vocêdizporqueGregDowningligounanoitedesábadoeporquevocêmentiuparaMyrona esse respeito. Em seguida conta tudo o que sabe sobre odesaparecimentodeDowning.– De que desaparecimento você está falando? – ela o interrompeu. –
Acheiqueeleestivessecontundido.– Segunda opção – prosseguiu Win. – Você insiste no silêncio e nas
mentiras, e, neste caso, cuido para que comecem a circular no mercadorumoresquantoàsuaintegridadeprofissional.Maisespecificamente,tornopúblicoofatodequeasautoridadesfederaisestãoinvestigandoasgravessuspeitasdeumdesfalque.–Mas...–foidizendo,depoisparou.–Vocênãopodefazerisso!– Não? – devolveu Win, com ares de escárnio. – Sou Windsor Horne
Lockwood III. Minha palavra nesses assuntos di icilmente seráquestionada. Você, por outro lado, terá di iculdade para encontrarempregoaté comoatendentenuma lanchonetedebeiradeestrada. –Elesorriueergueuosaquinhonadireçãodela.–Amendoim?–Vocêficoulouco.–Evocêéumapessoaabsolutamentenormal.–Winvirouosolhospara
a quadra. – Vejamos. Aquele garoto que está enxugando o suor do chão.Devevaleroquê?–Dandodeombrosdemoradamente,disse:–Seilá.Umafelaçãopelomenos?–EsorriuparaMaggie.–Estouindoembora–informou,efoiselevantando.–Vocêdormiriacomigo?–perguntouWin.Maggieoencarou,horrorizada.–Oquê?– Você dormiria comigo? Se eu icar satisfeito, é bemprovável que lhe
arrumealgumacoisanaLock-Horne.–Nãosouprostituta–rugiuelaentredentes.– Não, você não é prostituta – disse Win, alto o bastante para que
algumascabeçassevirassemaoredor.–Maséumahipócrita.–Doquevocêestáfalando?
Wingesticulouparaqueelavoltasseasesentar.–Porfavor–pediu.–Achoquenão.–Detestaria ter que gritar. – Ele novamente apontou para a cadeira. –
Porgentileza.Comolhoscautelosos,Maggieenfimcedeu.–Oquevocêquer?–Vocêmeachaumhomematraente,nãoacha?Depoisdeumacareta,elarespondeu:–Vocêéohomemmaisrepulsivoqueeu...– Estou falando apenas da aparência ísica – disseWin. – A inal, como
vocêmesmadisseaMyronontemànoite,sexonãopassadeumato ísico.Lembra? Algo como um aperto de mãos. Mas, com uma analogia dessas,seusparceirosnãodevemserlágrandecoisa.Poisbem.Modéstiaàsfavas,seiquenãosoudesejogarfora.SevocêforselembrardetodososGiantseDragons que já levou para a cama, decerto encontrará pelomenos umqueerafisicamentemenosatraentequemoi.Maggieapertouaspálpebras,aomesmotempointrigadaehorrorizada.–Podeser–concedeuela.–Apesardissovocêserecusaadormircomigo.Isso,minhacara,éuma
hipocrisia.–Comoassim?–rebateuMaggie.–Souumamulherindependente.Faço
minhasescolhas.– Se você diz... Mas por que escolhe apenas Giants e Dragons? –
Enquanto ela se debatia para encontrar uma resposta, Win sorriu eemendou:–Vocêdeveriaserhonestapelomenosquantoaosmotivosquealevamafazersemelhanteescolha.–Aoqueparece,vocêmeconhecepeloavesso–disseMaggie.–Porque
nãodizvocêmesmoquaissãoosmeusmotivos?– Como quiser. Logo de início você deixa bem clara esta sua regra
bizarra sobre Dragons, Giants e sei lá mais o quê. Estabelece limites. Eunão.Quandoencontroumamulheratraente,paramiméoquebasta.Masvocêprecisadessa idelidadepartidáriacompletamentealeatória.Fazdelaumaespéciedemuroparaseseparar.–Meseparardoquê?– Não do quê, mas de quem. Das putas inconsequentes. Como fez
questãodedizeragorahápouco,vocênãoéumaprostituta.Vocêfazsuasescolhas,orabolas.Portantonãoéumaputa.–Issomesmo.Nãosou.
Winsorriuefalou:–Masoqueéumaputa?Umamulherquepuladecamaemcama?Não.
Isso é o quevocê faz. Você jamais desquali icaria assim umacorreligionária. Então, o que será exatamente uma puta? Bem, no seudicionário,putasnãoexistem.Entãoporquediaboreagiutãomalquandouseiessenomeparadefini-la?Porquê?– Você está exagerando – disse ela. – A palavra “puta” possui uma
conotaçãonegativa.Porissoreagi.Winespalmouasmãos:–Mas por que haveria uma conotação negativa para a palavra “puta”?
Seporde iniçãoumaputaéapenasumamulherindependentequedormeporaí,porquenãoabraçarotermocomambasaspernas?Porqueergueressesmuros?Porquecriar limitesarti iciais?Vocêusasua idelidadeaosGiants e aos Dragons para corroborar sua independência. Mas issocorrobora justamente o contrário. Corrobora o fato de que você é umamulherinsegura.–Eporissosouumahipócrita?–Claro.Veja,porexemplo,suarecusaemdormircomigo.Ouosexoéum
ato puramente ísico, e nesse casominha abordagem súbita não deveriatertidonenhumpesonasuaescolha,ouelevaialémdo ísico.Então,oqueéosexo?Maggiesorriue,balançandoacabeça,disparou:– Você é umhomem interessante, Sr. Lockwood. Talvez eu durma com
você.–Assimnão.–Assimcomo?– Você dormirá comigo apenas para provar que estou errado. Isto,
minha cara, é apenas mais uma prova, bastante patética, da suainsegurança.Masestamostergiversando.Porculpaminha,desculpe.Então,oquevai ser?Vaimecontaroque faloucomGregpelo telefoneousereiobrigadoadestruirsuareputação?Maggieficouconfusa.ErajustamenteissoqueWinqueria.– Claro, também há uma terceira opção – prosseguiu ele. – Que talvez
seja apenas uma extensão da segunda. Isto é, além de ter sua reputaçãodestruída,vocêteráqueenfrentarumaacusaçãodehomicídio.Diantedisso,elaarregalouosolhosemaisumavezexclamou:–Oquê?– Greg Downing é o principal suspeito num caso de homicídio. Caso
venhaà tonaquevocêo ajudoudealgummodo, você será levadaa juízo
como cúmplice. – Win parou um instante, franziu a testa e emendou: –Pensandobem,nãocreioqueopromotorconsigaumacondenação.Tantofaz.Começareicomasuareputação.Depoisresolvooquefazer.Maggieoencaroucomfirmeza.–Sr.Lockwood?–Diga.–Vásefoder!–cuspiu.Winficoudepé.– Sem dúvida alguma, uma opção bem melhor do que a presente
companhia–disse.Emseguidaabriuumsorrisoedobrouo tronconumamesura; teria tirado o chapéu se estivesse usando um. – Passar bem –arrematou,esaiudecabeçaerguidarumoaoportão.Tiveraseusmotivos,claro,paraempreenderumaconversatãoabsurda.
SabiaqueMaggienãoabririaobico.Constataraissoquaseimediatamente.Além de muito sagaz, Maggie era uma mulher iel. Uma combinaçãoperigosa, ainda que admirável. Mas a sucessão de disparates decerto aabalaria.Mesmoamaisvalentedas criaturasentrariaempânicoou,pelomenos,emação.Winaesperarianoestacionamentoparadepoissegui-la.Ele conferiu o placar do jogo, que já passava da metade do segundo
quarto.Nãotinhaomenor interessenapartida.Mas,chegandoaoportão,ouviuolocutoranunciarpelosalto-falantes:–SubstituindoTroyErickson,MyronBolitar.Elehesitouuminstante,depoisdeumaisumpassonadireçãodasaída.
Não queria ver. Mas parou novamente e, ainda de pé, virou-se para aquadra.
capítulo26
MYRONSENTAVA-SENUMADASPONTAS dobanco.Mesmosabendoquenãoiriajogar,sentianoestômagooscalafriosdaansiedadepré-jogo.Najuventude,apreciavaapressãodostorneiosimportantes,mesmoquandoaansiedadebeirava as raias da paralisia.No entanto, tão logo ele se via num embateísico com um adversário qualquer, perseguia uma bola perdida ou faziaumbeloarremesso,oscalafriosbatiamasasparabemlongeeaalgazarrado público se dissolvia em algo semelhante à música ambiente de umconsultóriomédico.FaziamaisdeumadécadaqueMyronnãosofria tantaansiedade,eele
agorapodiacon irmaralgodequesempresuspeitara:aqueladescargadeadrenalina estava diretamente vinculada ao basquete, e só ao basquete.Ele jamais experimentara nada parecido no trabalho ou na vida pessoal.Nemmesmonosconfrontosmaisviolentos,queabemdaverdadetambémproduziam seu barato. Myron achava que essa sensação exclusivamenterelacionada ao esporte acabaria desaparecendo com o passar dos anos;imaginava que, na maturidade, as pessoas perdiam o hábito detransformaralgotãorelesquantoumjogodebasquetenumacontecimentode proporções quase bíblicas, de deixar que o prisma da juventudeampliasse coisas relativamente sem importância no longo prazo emtragédias de dimensões épicas. Um adulto, claro, podia enxergar o queseria inútil explicar a uma criança: no futuro, o desprezo de umanamoradinha ou uma falta mal cobrada seriam reduzidos a inofensivosarranhões. No entanto, lá estava Myron, confortável nos seus 30 anos eainda se debatendo com as mesmas a lições que conhecera como jovematleta. Elas não haviam sido varridas pelo tempo. Simplesmente tinhamhibernado(talcomoadvertiraCalvin),esperandoapenasumachanceparamostrar as garras de novo, chance que raramente se apresentava duasvezesnavidadeumhomem.Seusamigosteriamrazão?Teriasidoumerrosesubmeteratudoaquilo
novamente? Seria possível que as feridas do passado ainda estivessemabertas? Myron localizou Jessica nas arquibancadas. Ela acompanhava ojogocomaqueledivertidoesgardeconcentraçãonorosto.Eraaúnicaquenãopareciapreocupadacomavoltadeleaobasquete,mas,poroutrolado,não tivera aoportunidadedevê-lonoaugeda formaeda carreira. Seria
possívelqueamulherqueeleamavanãocompreendesseos...Myronparou.Quando um jogador está no banco, um estádio pode ser um lugar
razoavelmentepequeno.Elepodiaver,porexemplo,WinconversandocomMaggie.ViaJessica.Viaasmulhereseasnamoradasdosoutrosjogadores.Eagoravia,entrandopeloportãodiretamenteàsuafrente,seuspais.Maisquedepressaelevoltouosolhosparaaquadraecomeçouabaterpalmas,a gritar palavras de incentivo para os companheiros de equipe, ingindoestarinteressadonoresultadodojogo.Seupaiesuamãe.Decertohaviamabreviadoaviagem.Ele arriscou uma espiada. Os velhos agora se acomodavam perto de
Jessica,naseçãoreservadaaparenteseamigos.Suamãeo itavadevolta;apesardadistância,notava-seaexpressãovítreaeperdidanoolhardela.Seu pai, ao contrário, corria os olhos pelo estádio com o maxilar irme,talvez reunindoumpoucodecoragemantesdeencararaquadra.Myronlogo percebeu que já vira aquele ilme muitas vezes na juventude.Incomodado,novamentedesviouoolhar.Leon White saiu do jogo e se sentou no banco ao lado de Myron.
Encharcado de suor, secou-se numa toalha e bebeu imediatamente oGatoradeprovidenciadoporumdosgandulasdaequipe.Depoisdisse:–VivocêconversandocomaMetralhadoraontemànoite.–Poisé.–Eaí,sedeubem?Myronnegoucomacabeça.–Aindanãoleveichumbo.Leondeuumrisinho.–Jácontaramcomofoiqueelarecebeuesseapelido?–Não.–Quandoelaentranaonda... querdizer,quando realmente ica ligada,
temohábitodesacudiraperna.Aesquerda.Sempreapernaesquerda.Amulher está lá, de costas, e vocêmandando ver em cima dela, e de umahora para outra ela começa a sacudir a perna esquerda. Aí você ouveaquelepá-pá-pá-pá-pá.Quenemumametralhadora,sacou?Myronsacou.– E se ela não sacode a perna... – prosseguiu Leon –, se o cara não
consegue fazer a Metralhadora metralhar... é porque não fez o serviçodireito. Aí, meu irmão, fodeu. Todo mundo vai icar sabendo e você vaiquerersumirdomapa.–Segundosdepois,acrescentou:–Éumatradiçãomuitoséria.
–ComoacenderumamenoráduranteoHanucá–disseMyron.Leonriuedisse:–Tambémnãoprecisaexagerar.–Evocê,Leon,jáfoimetralhado?–Claro,umavez.–Elogoeletratoudeemendar.–Antesdemecasar.–Fazquantotempoquevocêestácasado?–EueaFionaestamosjuntosháumanoepouco.OcoraçãodeMyrondespencounumfossodeelevador.Fiona.Amulher
de Leon se chamava Fiona. Correndo os olhos pela arquibancada, elelocalizoualouraçaescultural.FionacomeçavacomaletraF.–Bolitar!Myronergueuacabeça.EraDonnyWalsh,otécnico.– Entra no lugar do Erickson – disse ele, como se as palavras fossem
lascasdeunhaqueprecisassemsercuspidas.–VaiparaalaebotaoKileydepivô.Myron olhou para Walsh como se ele, o técnico, tivesse falado em
japonês.Ojogoestavaempatadonoiníciodosegundoquarto.–Estáesperandooquê,porra?Paraaquadra.Agora.Myron icou de pé. As pernas pareciam ocas. Na cabeça já não havia
lugar para nada que dissesse respeito a Greg Downing ou Liz Gorman,sumiço e morte afugentados como morcegos pela luz do dia. Ele correuparaamesadosárbitros,oestádiogirandoàsuavoltacomootetodeumbêbado. Quase automaticamente, feito uma cobra trocando de pele, eledespiu omacacão e o largou no chão. Informou a substituição a um dosárbitros,edaliapoucoosalto-falantesanunciaram:–EntrandonolugardeTroyErickson,MyronBolitar.Ele correu para a quadra e apontou para Erickson. Os companheiros
pareciamsurpresosaovê-lo.Ericksondisse:–Wallaceétodoseu.ReggieWallace.Umdosmelhoresalasdapartida.Myronseemparelhou
com ele, preparando-se para a batalha que estava por vir. Wallace oavalioucomumsorrisinhoirônico.–BLnaárea!–disse,agoraàsgargalhadas.–BLnaárea!MyronolhouparaTC.–BL?–BranqueloLerdo–explicouele.–Ah.Todososdemais jogadoresofegavame jorravamsuor.Myron se sentia
duro e despreparado. Novamente olhou para Wallace. Sabia que a bola
estavaprestesaentrarnaquadra.Noentanto,percebendoalgopelocantodosolhos,ergueuacabeçaeavistouWindebraçoscruzadosjuntodeumadas saídas. Eles se entreolharam por um breve instante. Win meneou acabeçadiscretamente.Porfimacampainhatocou,eojogorecomeçou.ReggieWallaceimediatamentedeuinícioaoterrorismo.–Sópodeserpiada–falou.–Otitiohojevaiseraminhavagabunda.–Quetalumcineminhaprimeiro?–retrucouMyron.Wallaceoencarou:–Respostinhamaisbesta.Difícildeargumentar.Wallacecurvouotronco,preparando-separaentraremação.–Minhaavófariaumamarcaçãomelhor–disse.–Seéumavagabundaquevocêestavaprocurando...Wallaceoencarounovamente:–Agora,sim,mandoubem.AbolafoiarremessadapelosPacers.WallaceeMyronirromperampara
o garrafão, atropelando-se mutuamente. Para Myron aquilo era bom. Ocontato ísico:nadamelhorparaespantaraansiedade.Ambosgrunhiamacada topada. Com seu 1,95m de altura e 110 quilos, Myron semantinhairmenadefesa.Wallace tentoucavarespaçocomo traseiro,mas, semsedeixarintimidar,Myronoafastoucomumajoelhada.–Uau–exclamouWallace–,otitioéforte.Issoposto,encetouumajogadatãorápidaqueMyronjamaispoderiatê-
la antecipado. Girou o tronco na direção dele e, usando-o como alavanca,saltou alto no ar. De onde estava, Myron teve a impressão de que umfogueteApolo acabara de ser lançado rumo ao espaço sideral. Sem ter oque fazer, viuWallace espalmar amanzorra para receber o passe ponteaéreanaalturadoaro,pairarnoarporuma fraçãodesegundoedepoiscontinuar subindo como se não devesse nenhuma obediência às leis dagravidade. Quando por im começou a descer, o gigante puxou a bola danucaeaenterrounoarocomumaforçadedarmedo.Umslamdunkexemplar.Wallaceaterrissoucomambososbraçosestirados,prontosparareceber
osaplausosquelheeramdevidos.Eoterrorismoprosseguiuquadraafora:–Bem-vindo àNBA, campeão.Oque foi semnunca ter sido.Ou seja lá
queporravocêfor.Então,titio,gostoudaponteaérea?Deuparacontarosriscosnasoladomeutênis?Mandobemparacacete,podefalar.Mandoounão mando? Diz aí, como é que é levar uma enterrada bem diante donariz?Podefalar,titio.Doeu,nãodoeu?
Myron tentavanão lhedar ouvidos.OsDragonshaviampartidopara oataque,masmorreramnorebote, eagoraosPacers recuavamnocontra-ataque. Com uma inta, Wallace ameaçou ir para a direita mas acaboupassandobemao largodo círculode trêspontospara receberopasse e,ato contínuo, arremessar. A bola levantou vento ao cruzar a rede. TrêspontosparaosPacers.–Uau,titio,ouviuisso?–prosseguiuWallace.–Ouviuo swiiiish?Nãotem
barulho mais bonito no mundo. Pode acreditar. Nenhum. Nem mesmo oorgasmodeumamulher.Myronolhouparaele.–Emulhertemorgasmo?–disse.Wallaceriu.–Touché,titio.Touché.Myronespiouorelógio.Faziapoucomaisde30segundosqueelehavia
entradoemquadra, eohomemque lhe cabiabloquear jáhaviamarcadocincopontos.Amatemática era simples.Naquele ritmo,Wallacemarcariamais300pontosatéofimdojogo.Asvaiasnãotardaramacomeçar.Eagora,aocontráriodoqueacontecia
no passado, a algazarra do público não se dissolvia em ruídos de fundo,nãoseresumiaàquelacacofonia indistinta,comumtantoaosaplausosdostorcedores de casa (que tinham o efeito de uma onda sobre a qual elesurfava) quanto aos apupos dos torcedores rivais (que até certo pontoeramesperados e até o incentivavam).O que acontecia ali,Myron jamaishavia enfrentado: eram os torcedores do próprio time que vaiavam seudesempenho. Como nunca, ele agora ouvia a multidão ao mesmo tempocomoumaentidadecoletivazombeteiraevozes individuaisqueberravamterríveis insultos. “Você é um pereba, Bolitar!” “Tirem esse pereba daí!”“Quebra logo esse joelho e volta para o banco!” Por mais que tentasseignorá-los,cadainsultoperfuravaMyroncomoumaadaga.Recorrendo aos brios, ele decidiu naquele momento que não deixaria
Wallacemarcaroutroponto.Eraissoqueamenteordenava.Eraissoqueocoraçãoqueria.Mas,comoelelogoconstatou,ojoelhonãopareciadispostoa colaborar: simplesmente não lhe dava a agilidade necessária. ReggieWallacemarcariamaisseispontosatéo inaldotempo,alémdoscincoquejáhaviamarcado.Myronmarcariadoisnumaoportunidadedearremessosem maiores obstruções. Passara a jogar aquilo que chamava de“basquete-apêndice”.Istoé,emquadra,certosjogadoresoperavamcomooapêndice humano: ou eram supér luos ou podiam atrapalhar. Já que nãopodiaajudar,Myronvinhatentandonãoatrapalharninguém,mantendo-se
fora do caminho, ora passando a bola adiante, ora fugindo dela. A certaaltura,jápertodofimdoquarto,percebeuumcorredorlivrejuntodalinhalateral e arriscou um arremesso, mas um titã dos Pacers interceptou abola, espalmando-a para a multidão. As vaias foram estrondosas. Myronergueuacabeçaeavistouospais,queassistiamatudoimóveis,feitoduasestátuas. A poucos metros deles, um grupo de homens bem-vestidosafunilava as mãos em torno da boca para dar início a um coro: “ForaBolitar!”MyronviuquandoWinpartiunadireçãodeleseestendeuamãoparaolíderdogrupo,queaapertou.Efoiaochão.No entanto, omais estranho de tudo era que,mesmo depois de tantas
marcações malsucedidas e arremessos malogrados, a autocon iança deMyron, amesmados velhos tempos, nãodava sinais de trégua. Ele aindaqueria permanecer na quadra. Ainda procurava oportunidades de jogo,relativamenteimpassível,umhomememnegação,umhomemqueinsistiaem ignorar as evidências que uma plateia de 18.812 pessoas (segundohaviainformadoolocutor)viacomtodaclareza.Tinhacertezadequesuasortemudaria.Estavaapenasumpoucoforadeforma,sóisso.Daliapoucotudomudaria.Myron en im percebeu quanto aquilo tudo se encaixava na descrição
queBManfizeradoraciocíniocompulsivodosjogadores.Terminado o segundo quarto, ele foi saindo da quadra e novamente
olhouparaospais,queestavamdepé,sorrindoemsuadireção.Elesorriude volta. Em seguida procurou os homens bem-vestidos que pouco anteshaviamensaiadoumcoro.Nãoestavammaislá.Wintambémnão.Ninguémlhedirigiuapalavraduranteointervalo,tampoucooconvocou
para jogar nos quartos inais. Myron suspeitava que sua inesperadaparticipação foraobradeClip.Masporqueele fariaumacoisadessas?Oque estava tentando provar? A partida terminou com a vitória dosDragons,comumamargemdedoispontos.Quandoen imaequipevoltouparaovestiário, o vexamedeMyron jáhavia sidoesquecido.A imprensaespecializada cercavaTC, que izera umabelíssimapartida,marcando38pontoscomumaproveitamentode18rebotes.AopassarporMyron,TCocumprimentoucomumtapinhanascostas,masnãofalounada.Enquanto retirava os tênis, Myron cogitou se os pais estariam à sua
espera. Provavelmente não. Decerto sabiam que ele queria icar sozinho.Osvelhos,apesardasinúmerasinterferências,tinhamograndeméritodesaberomomento certode tirar o timede campo.Esperariampor ele emcasa, passando a noite em claro, se preciso fosse. Seu pai ainda tinha ohábitodeesperaracordadopelo ilho,vendoTVnosofá.Tão logoouviao
barulho de chave na fechadura, ingia dormir, os óculos de leitura aindaempoleirados na ponta do nariz, o jornal largado sobre o peito.Myron jáhaviapassadodos30.Caramba, jáeramaisdoquehoradedarumbastanaquilo.Audrey espiava discretamente pela porta do vestiário, à espera de
Myron.Entrouapenasquandoeleacenou.Guardouoblocoea canetanobolso,sacudiuosombrosedisse:–Vejamosoladobomdascoisas.–Oladobom.–Vocêaindatemumabelabunda.– Omérito não émeu – disseMyron. – É desses calções pro issionais.
Elesmodelamefirmam.–Modelamefirmam?–É.Ei,felizaniversário!–Obrigada–agradeceuAudrey.–“Acautela-tecontraosidosdemarço”–proferiuMyron,dramático.–Osidossãoodia15–informouAudrey.–Hojeédia17.–Sim,eusei.MasnuncapercoumaoportunidadedecitarShakespeare.
Aspessoasficamachandoquesouerudito.–Erudiçãoeumabelabunda.Quemseimportasevocêéumanulidade
nalateral?–Engraçado–retrucouMyron.–Jessicanuncareclamoudisso.– Não na sua frente – brincou Audrey, e sorriu. – Que bom ver você
assim,maisanimadinho.Myrondevolveuosorrisoedeudeombros.Depois de olhar ao redor para ver se não havia ninguém por perto,
Audreydisse:–Tenhoumainformaçãoparavocê.–Sobre?–Sobreodetetivenocasododivórcio.–Gregcontratouumdetetive?–EleouFelder.Tenhoumafontequeprestaserviçosdeeletrônicapara
aProTecInvestigations,aagênciaquesempreatendeFelder.Elenãosabedosdetalhes,mas ajudouaplantaruma câmeranoGlenpointeHoteldoismesesatrás.ConheceoGlenpointe?–ÉaquelehotelnaRoute80,nãoé?– indagouMyron.–Ficaauns10
quilômetrosdaqui.–Essemesmo.Minha fontenãosabequaleraoobjetivoda tal câmera,
nemcomo terminouahistória. Sabeapenasqueo serviço foi feitoparao
caso do divórcio de Downing. Também con irmou o óbvio: esse tipo decoisa geralmente é feito para pegar o marido ou a mulher em lagrantedelito.–Vocêfalouqueoserviçofoifeitodoismesesatrás?–Sim.–MasGregeEmilyjáestavamseparadosaessaaltura–disseMyron.–
Odivórciopraticamente jáerao icial.Paraque instalarumacâmeranumquartodehotel?–Odivórcio, sim– concordouAudrey–,mas a guerrapela guardados
filhosestavaapenascomeçando.– Sim,mas e daí? Emily já era praticamente solteira, estava apenas se
encontrandocomalguém.Nosdiasdehoje,queestragoissopoderiafazernumprocessodecustódia?Audreybalançouacabeça:–Santaingenuidade...–Comoassim?–Umamãede família, ilmada comumgaranhãonumquartodehotel,
fazendo sei lá o quê? Infelizmente ainda vivemos numa sociedademachista,Myron.Ojuizcertamenteseriainfluenciado.Myronanalisouosfatos,masaindanãosedeuporconvencido.– Em primeiro lugar você está partindo do pressuposto de que o juiz,
alémde homem, é umNeandertal. Em segundo... poxa, estamos nos anos90!Umamulher separada fazendo sexo comoutro homem?Não chega asernenhumescândalocabeludo.–Então...nãoseioquemaispossolhedizer,Myron.–Descobriumaisalgumacoisa?–Não–respondeuAudrey.–Mascontinuoinvestigando.–PoracasovocêconheceFionaWhite?–AmulherdeLeon?Socialmente.Porquê?–Sabeseelajátrabalhoucomomodelo?– Modelo? – Ela deixou escapar um risinho. – Acho que você pode
chamarassim.–PosouparaaPlayboyouqualqueroutrarevistadessas?–Sim.–Sabedizeremquemês?–Não,porquê?Myron contou sobre amensagem de e-mail. Estava praticamente certo
de que a Srta. F era Fiona White e que o apelido GatSet era umaabreviaçãodeGatadeSetembro, omês– elepodia apostar – emqueela
haviaposadonua.Audreyouviucomatenção.– Posso dar uma olhada – disse. – Veri icar se ela posou mesmo em
setembro.–Seriaótimo.–Eissoexplicariamuitacoisa–acrescentou.–AtensãoentreDowninge
Leonnosúltimostempos.–Éverdade–disseMyron.–Olha,agoraprecisomeapressar.Jessestá
meesperandoláfora.Sedescobriralgumacoisa,metelefone.–Tudobem.Divirta-se.Enquanto terminava de se vestir, Myron se lembrou das roupas
femininasquehaviaencontradonacasadeGreg.SeriamdeFionaWhite?Se fossem, issoexplicariaanecessidadedemanterocasoemsigilo.Seriapossível que Leon tivesse descoberto a traição da mulher? Dada apredisposiçãodelecontraGreg,essaeraahipótesemaislógica.Mas,nessecaso,como icavamascoisas?ComotudoissoserelacionavacomovíciodeGregeachantagemdeLizGorman?Opa,muitacalmanessahora.Esqueçamos por ora o vício de Greg. Suponhamos que Liz Gorman
soubessedealgumaoutracoisaarespeitodele,algotãooumaisexplosivoque perder uma fortuna nas mesas de jogo. Suponhamos que de algummodo ela tivesse descoberto que Greg vinha dormindo com amulher domelhor amigo; que tivesse decidido chantagear Greg e Clip com ainformação.QuantoGreg estariadisposto apagarpara impedirque fãs ecompanheiros de equipe icassem sabendo de suas estripulias? QuantoClip pagaria para evitar que aquela bomba emparticular fosse detonadanaretafinaldeumcampeonato?Tudoissoprecisavasermuitobeminvestigado.
capítulo27
MYRON PAROU DIANTE DO SINAL no cruzamento entre a South LivingstonAvenueeaJFKParkway.Naquelaáreaemparticular,poucoounadahaviamudado nos últimos 30 anos. À direita estava a conhecida fachada detijolosdoNero’sRestaurant; originalmentepertencera à Jimmy Johnson’sSteakHouse,mas isso forapelomenos25 anos antes.OmesmopostodaGulf ocupava a esquina seguinte; uma pequena estação do Corpo deBombeiros,aterceira;eumterrenobaldio,aúltima.MyrondobrouparaaHobertGapRoad.AfamíliaBolitarforamorarem
Livingston quando ele tinha apenas seis semanas de vida. Desde entãopoucohaviamudadoemrelaçãoaorestantedomundo.Noentanto,depoisdetantosanos,auniformidadedapaisagemjádeixaradeserumconfortoparasetornarumaespéciedeentorpecente.Myronpassavaporalienadanotava.Olhavamasnãovia.Chegandoàruaemqueaprenderacomopaiapilotarsuabicicletacom
lanternadeBatman,eletentourealmenteenxergarascasasqueotinhamcercadoavidainteira.Houveramudanças,claro,masemsuacabeçaoanoainda era o de 1970. Tanto ele quanto os pais ainda chamavam as casasvizinhaspelonomedosproprietáriosoriginais,comoseestivessemfalandode latifúndios sulistas.OsRackin,porexemplo, jáhaviampartidohámaisdeumadécada.Myronnãosabiaquemeramosocupantesatuaisdacasados Kirschner, dos Roth ou dos Parker. Assim como os Bolitar, todoshaviamidoparaláquandoasconstruçõesaindaeramnovas,quandoaindaerapossívelverresquíciosdafazendaSchnectman,quandoLivingstoneraconsideradaum imdemundo(tãolongedeManhattanquantooestadodaPensilvânia, apesar dosmeros 40 quilômetros separando uma da outra).Os Rackin, os Kirschner e os Roth haviam enterrado boa parte da vidanaquelelugar.Tinhamsemudadocomos ilhosaindapequenosparacriá-los ali, ensiná-los a andar de bicicleta na mesma rua em que o pai deMyron o havia ensinado,matriculá-los naBurnettHill Elementary School,depois na Heritage Junior High e por im na Livingston High School. Aospoucos os garotos foram saindo da cidade para fazer a universidade,voltando apenas nas férias para visitar a família. Convites de casamentonãotardariamachegar.Certospaisjátinhamfotosdenetosparamostrare, quando o faziam, invariavelmente se espantavam com a fugacidade do
tempo.A certaaltura, tantoosKirschnerquantoosRothcomeçarama sesentir deslocados. Concebida para a criação de ilhos, Livingston já nãotinhanadaalhesoferecer.Suasrespectivascasasagorapareciamgrandesdemais, vazias demais, e portanto foramvendidas para novas famílias dejovenspais,cujosfilhosmuitoembreveseriammatriculadosnaBurnetHillElementarySchool,depoisnaHeritageJuniorHighe,por im,naLivingstonHighSchool.A vida, concluiu Myron, não era lá muito diferente do que se via nos
comerciaisdeseguro.Alguns veteranos da cidade haviam conseguido permanecer. De modo
geral era possível identi icar a casa destes, pois, embora já não tivessemilhos para criar, eles acrescentaram cômodos e varandas ao projetooriginal; além disso, seus jardins eram invariavelmente os mais bem-cuidados. Os Braun e os Goldstein pertenciam a esta safra. Al e EllenBolitar,também.Myron entrou com o Ford Taurus no quintal dianteiro dos pais, e os
faróis varreram o espaço como as lanternas de uma ronda policial.Estacionou nas imediações da cesta de basquete e desligou omotor. Poruminstante icouadmirandoacestaefoiassaltadoporumaimagemdeAlcarregando-odemodoqueelepudessealcançaroaro.Seaimagemhaviasaído da memória ou da fantasia, isso era di ícil dizer. Tampoucoimportava.Quandoen imeledesceuefoiandandorumoàporta,asluzesexternas
se acenderamautomaticamenteporobradeumdetectordemovimentos.Embora instalado trêsanosantes,oaparelhoaindaeramotivodegrandeespantoparaAl eEllen,que tinhamaquelegrandeavanço tecnológiconamesmacontadadescobertadofogo.Nosprimeirosdiasapósa instalação,elessedivertiamhorasa iotentandoludibriaroaparelho,esgueirando-sesob ele ou andando o mais devagar possível para ver se passavamdespercebidos.Porvezesnavida,oquerealmentecontasãoospequenosprazeres.A dupla se encontrava na cozinha. Vendo o ilho entrar, ambos
rapidamentefingiramseocupardealgumacoisa.–Olá–cumprimentouMyron.Elesergueramorosto,visivelmentepreocupados.–Oi,filho–devolveuEllen.–Olá,Myron–disseAl.–VocêsvoltarammaiscedodaEuropa.Ambosmenearamacabeçacomoseculpadosdeumcrime.Ellendisse:
– Queríamos ver você jogando. – Falou com extremo cuidado, como sepisasseemovoscomcoturnosmilitares.–Então,comofoiaviagem?–perguntouMyron.–Ótima–respondeuAl.– Maravilhosa – emendou Ellen. – A comida, então, era uma atração à
parte.–Masasporçõeserammeiomirradas.–Comoassim,mirradas?–protestouEllen.– Só estou comentando. A comida era ótima, mas as porções eram
pequenas.–Comoassim,pequenas?Poracasovocêmediu?–Ninguémprecisamedirparasaberseumaporçãoépequena,Ellen.E
aquelaserampequenas,sim.– Pequenas... Como se ele precisasse de porções grandes. O homem
comefeitoumcavalo.Vocêbemquepodiaperderuns10quilinhos,Al.–Eu?Nãoestougordo.–Ah,não?Vocêtemandadocomascalçastãoapertadasqueatéparece
umdaquelesdançarinosdocinema.Alpiscouparaamulherefalou:– Mas você não teve nenhuma di iculdade para tirá-las durante a
viagem,teve?–Al! – Ela exclamou,mas tambémhavia ali um sorriso. –Na frentedo
seufilhoúnico?Perdeuojuízo?Alolhouparaofilhoe,comosbraçosabertos,disse:–AgenteestavaemVeneza,orabolas!ERoma!–Porfavor,pai.Nãoqueroouvirmaisnada.Todosriram.Daliapouco,quasesussurrando,Ellenperguntou:–Tudobemcomvocê,meuquerido?–Tudo–disseMyron.–Deverdade?–Deverdade.– Achei que você fez umas belas jogadas ali – disse Al. – Uns passes
bonitos pro TC no garrafão. Muito bonitos. Mostraram que você é umjogadorinteligente.Alesuaindefectívelpeneiraparataparosol.–Jogueimalparacaramba–lamentouMyron.Depoisdebalançaracabeçacomveemência,Alretrucou:–Estáachandoquefaleiissosóparaquevocêsesintamelhor?–Seiqueosenhorfalouissosóparaqueeumesentissemelhor.
– Foi só um jogo de basquete – disse Al. – Uma bobagem. Você sabedisso.Myron fez que sim com a cabeça. De fato sabia. Durante toda a vida
conhecera pais obcecados, homens que tentavam realizar os própriossonhosporintermédiodos ilhos,impondo-lhesumfardoqueelesmesmosnuncahaviamsidocapazesdecarregar.MasessenãoeraocasodeAl.AlBolitarjamaisprecisaraencheracabeçado ilhocomhistóriasgrandiosassobre suasproezas atléticas. Jamais o obrigara a nada, valendo-sedeumincrível talento para dar a impressão de que era indiferente ao mesmotempoquedeixavabemclaroqueseimportava,emuito,comodestinodoilho. Sim, tratava-se de uma gritante contradição (uma espécie depreocupação despreocupada), mas de algum modo ele se saía bem.Infelizmente,erararonageraçãodeMyronquealguémvisseosprópriospais com tamanha compreensão. Uma geração inde inida, presa entre oshippies de Woodstock e a Geração X da MTV, jovens demais para aprogramação balzaquiana das televisões nos anos 1970 e agora velhosdemais paraBarradosnobaile ouMelrosePlace.Myron tinha a impressãode que pertencia a uma “Geração Transferência”, na qual a vida sedesenrolavanumasucessãodereaçõesecontrarreações.Domesmomodoqueaquelespaisobcecadoscolocavamtudosobreosombrosdos ilhos,osilhos não pensavam duas vezes antes de culpar os pais pelos própriosfracassos.AgeraçãodeMyronforadoutrinadaparaexaminaropassadoelocalizarcomomáximodeprecisãoomomentoemquesuasvidashaviamsidoarruinadaspelospais.Elejamais izeraisso.Seporvezesexaminavaopassado, sobretudo o comportamento dos pais, tinha por único objetivodesvendar os segredos dos velhos para colocá-los em prática quandoenfimfossepaitambém.– Tenho consciência do que aconteceu naquele jogo – disse ele –,mas
podemacreditar.Nãoestoutristenemnada.Ellen,quejáestavadeolhosvermelhos,fungouefalou:–Nóssabemos,querido.–Efungounovamente.–Asenhoranãoestáchorandoporque...Elanegoucomacabeça.–Você jáéumhomemfeito, eusei.Masquandovivocêcorrendopara
dentrodaquelaquadra,pelaprimeiravezdepoisdetantotempo...As palavras foram se desmanchando no ar enquanto Al olhava para o
nada. Todos na família tinham algo em comum: eram atraídos pelanostalgia do mesmo modo que as celebridades são atraídas pelospaparazzi.
Myronesperouatétercertezadequeavoznãofalharia.–Jessicaquerqueeuvámorarcomela–informou.E icouesperandopelaenxurradadeprotestos,pelomenosporparteda
mãe. Ellen ainda não havia perdoado Jessica por ter abandonadoMyronanosantes,eelesuspeitavaqueesseperdão jamaisviria.Al,comoeradeseu feitio, assumiu de pronto a expressão de um bom repórter nomomento de fazer suas perguntas: uma expressão neutra que tentavaempanaraopiniãonadaneutraqueseformavanointeriordesuacabeça.Ellenolhouparaele,eeleolhoudevolta,pousandoamãonoombroda
mulher.EmseguidaEllendisse:–Nossasportasestarãoabertasquandovocêvoltar.Myron cogitou redarguir,mas se conteve a tempo. Os três passaram à
cozinhaecomeçaramapapear.Myronpreparouparasimesmoumqueijoquente.Ellenserecusavaaprestaressetipodeserviçoaquemquerquefosse: cachorros eram domesticados, ela acreditava; pessoas, não. Faziatempoquenãocozinhavamais,eMyronviaissocombonsolhos.Osmimosdamãeeramapenasverbaise,paraele,assimestavabem.Elescontaramoscasosdaviagem,eMyron,apenasvagamente,explicou
osmotivosqueotinhamlevadodevoltaaobasquete.Daliaumahoraeledesceupara seu quarto noporão.Dormia ali desde os 16 anos de idade,anoemquesuairmãforaemboraparaauniversidade.Oporãosedividiaem dois cômodos: uma saleta que ele usava apenas para receber suasrarasvisitaseportantomantinhasemprelimpa,eumquartoqueemtodososaspectospareciapertenceraumadolescente.Myronsemeteunacamae icou olhando para os pôsteres nas paredes. Quase todos estavam alidesdeasuajuventude,jádesbotadosecomaspontaspuídasemtornodastachinhas.ElesempretorcerapelosCeltics(seupaihaviacrescidonas imediações
deBoston),eporessemotivoosdoispôsteresdequemaisgostavaeramodeJohnHavlicek,ograndeastrodosanos1960e1970,eodeLarryBird,dosanos1980.Seusolhosdardejavamentreumeoutro.Oterceiropôsterdeveria ser o do próprio Myron; esse havia sido seu sonho desde ainfância.AoserrecrutadopelosCeltics,elemal icarasurpreso.Umaforçamaiorestavaemação.EstavaescritonasestrelasqueeleseriaamaisnovalendadaequipedeBoston.EfoientãoqueBurtWessonoatropelou.Myron cruzou as mãos sob a cabeça e esperou que os olhos se
ajustassem à luz. Quando ouviu o telefone tocar, atendeu-o quaseautomaticamente.
– Temos o que você está procurando – disse uma voz eletronicamentedistorcida.–Como?– A mesma coisa que Downing queria comprar. Vai lhe custar 50 mil
dólares. Providencie o dinheiro. As instruções serão passadas amanhã ànoite.Apessoadesligou.Myrontentouusarosserviçosdesuaoperadorapara
descobrir o número da ligação recebida, mas tratava-se de uminterurbano. Sem mais o que fazer, deitou a cabeça no travesseiro e,olhandoparaosdoispôsteres,esperouosonochegar.
capítulo28
OESCRITÓRIODEMARTINFELDER icavanaMadisonAvenue,napartecentraldeManhattan, nãomuito longeda agência dopróprioMyron. Felder Inc.,era assim que o lugar se chamava, o nome engraçadinho deixando bemclaro que Marty não estava na Madison Avenue como um igurão domundo da publicidade. Uma recepcionista alegre e saltitante conduziuMyronatéasaladeMarty.Aportajáestavaaberta.–Marty,Myronestáaquiparavê-lo.Marty.Myron.Eraumdaquelesescritóriosemqueaspessoassetratam
pelo primeiro nome. Todos se vestiam com aquela informalidadeengomadinhados novos tempos.Marty aparentava uns 50 e tantos anos;os cabelos grisalhos e ralos se espichavam comgel, talvez para esconderuma incipiente calvície. Ele usava uma camisa jeans com gravata laranja;via-se que as calças verdes, da Banana Republic, haviam sidometiculosamentepassadas.Asmeiaslaranjacombinavamcomagravata,eossapatospareciamserdaHushPuppies.–Myron! – exclamouele, sacudindoamãodovisitante. –Quebomver
vocêporaqui!–Obrigadopormereceberassim,Marty,semhoramarcada.–Poxa,Myron.Vocêsabequenãoprecisamarcarhoracomigo.Eles já haviam se encontrado algumas vezes em diferentes eventos de
agenciamentode atletas.Myron conhecia a sólida reputaçãoqueo colegatinha comoumsujeito, comoperdãodo clichê, durãoporém justo.Martytambémtinhaumespecialtalentoparaconquistaraatençãodamídiatantopara si quanto para seus atletas. Já escrevera dois livros do tipo “comovencernavida”,quemuitohaviamcontribuídopara irmarseunomeesuareputação no mercado. Para completar tinha aquele jeitão de um tiosimpático,sempre“nadele”,queimediatamenteseduziaaspessoas.–Querbeberalgumacoisa?–perguntouele.–Umlatte,talvez?–Não,obrigado.Martysorriuebalançouacabeça.–Faztempoquevenhopensandoemligarparavocê,Myron.Porfavor,
sente-se.Nas paredes da sala não se via nada além de algumas esculturas
bizarrasdeneon.Amesatinhaestruturadevidroegavetasdefibra;sobreela, nenhum papel. Tudo ali reluzia como o interior de uma espaçonave.FelderapontouparaMyronumadascadeirasdiantedamesaedepoisseacomodou na outra, logo ao lado. Dois amigos se encontrando para umpapinho informal. Nenhuma mesa para servir de divisória ou fator deintimidação.Felderfoilogodizendo:– Você sabe, Myron, que seu nome vem crescendo vertiginosamente
nestenossoramo.Osclientestêmplenacon iançaemvocê.Proprietáriosegerentesdostimesrespeitamvocê,tememvocê.Eissoéraro,Myron.Muitoraro. – Ele bateu as mãos contra as coxas e inclinou o tronco paraperguntar:–Vocêgostadetrabalharcomoagenciamentodeatletas?–Gosto.–Ótimo–disseele.–É importanteagentegostardoquefaz.Aescolha
dapro issãoéadecisãomaisimportantequeumhomemtemquefazernavida.Atémaisque a escolhadamulher. –Erguendoosolhosparao teto,emendou: – Quem foi mesmo que disse... “você pode até se cansar daspessoasàsuavolta,masnuncadeumtrabalhodoqualrealmentegosta”?–AlgumapresentadordeTV?–sugeriuMyron.Felderriue,comcertoconstrangimento,falou:– Acho que você não veio até aqui para icar ouvindo essa minha
ladainhasobreafelicidade,nãoé?Portanto,cartasnamesa.Voudizersemrodeios:oquevocêachadevirtrabalharnaFelderInc.?– Trabalhar aqui? – perguntou Myron. Regra número um para quem
quer emplacar um emprego: deixe seu entrevistador boquiaberto com ainteligênciadassuasrespostas.– O que tenho emmente é o seguinte – explicou Felder. – Você icará
com a vice-presidência da empresa. Com um salário bastante generoso,claro. Ainda assim terá tempo livre para continuar dando a seus clientesaquelaatençãoespecialquesóvocêsabedarequeelesesperamdevocê.TeráàsuadisposiçãotodososrecursosdaFelderInc.Pensebem,Myron.Empregamosmais de 100pessoas aqui. Temosnossa própria agência deviagens para cuidar de tudo o que você precisar. Temos uma grandeequipede...porquenãodizer,gandulas,queseocuparãodetodosaquelesdetalhesmuitochatosmastãovitaisaonossonegócioenquantovocêcuidaexclusivamente das coisasmais importantes. – Ele ergueu uma dasmãoscomoseparainterromperMyron,emboraMyronnãotivessemexidonemum músculo sequer. – Sei que você tem uma colaboradora, a Srta.EsperanzaDiaz.Quetambémserábem-vinda,claro.Comumsaláriomaior.
Sei ainda que ela está terminando a faculdade de direito este ano. Hámuitas oportunidades de promoção na Felder Inc. – Com um gesto dasmãos,elearrematou:–Então,oquevocêacha?–Ficomuitolisonjeadoque...– Bobagem – interrompeu Felder. – Trata-se apenas de uma decisão
empresarial.Domeuinteresse.Reconheçoumaboaoportunidadequandovejo uma. – Ele se inclinou para a frente e abriu um sorriso sincero. –Deixequeoutrapessoasirvadebabáparaosseusclientes,Myron.Querover você livre para fazer o que sabe fazer melhor: recrutar clientes enegociaracordos.Myron não tinha nenhum interesse em abrirmão de sua agência,mas
admitiaqueficaratentadocomaproposta.–Possopensarnoassunto?–disse.– Claro que sim – respondeu Felder, erguendo asmãos num gesto de
resignação. – Não quero pressioná-lo, Myron. Pense o quanto quiser. Dequalquermodo,eunãoestavaesperandonenhumarespostaimediata.–Obrigado–disseMyron.–Mas...naverdade,vimaquiparaconversar
sobreoutracoisa.Feldernovamenteserecostou,cruzouasmãossobreocoloe,sorrindo,
falou:–Soutodoouvidos.–GostariadefalarsobreGregDowning.NorostodeFelder,osorrisopermaneceuondeestava,masobrilhodos
olhosjánãoeraomesmo.–GregDowning?–Sim.Gostariadelhefazeralgumasperguntas.Aindasorrindo:– Você entende, claro, que não posso revelar nada que possa ser
consideradoinformaçãoconfidencial.– Naturalmente – assentiu Myron. – Mas talvez você possa me dizer
ondeeleestá.MartinFelder esperouum instante.Não se tratavamaisdeumaoferta
de emprego, mas de uma negociação. Um bom negociador éassustadoramentepaciente.Comoumbominterrogador,precisaserantesde tudo um bom ouvinte e dar a palavra a seu interlocutor. Depois dealgunssegundos,Felderperguntou:–Porquevocêprecisasaberdisso?–Gostariadefalarcomele–respondeuMyron.–Possosabersobreoquê?
–Receioquesejaparticular.Eles se entreolharam com amesma afabilidade de antes,mas também
comocomedimentodedoispro issionaisnumarodadepôquer,cuidandoparanãoentregarojogoquetinhamnasmãos.–Myron... – foidizendoFelder.–Vocêprecisaentenderminhaposição.
Nãomesintoàvontadeparadivulgaressetipodeinformaçãosemterpelomenosalgumapistasobreosseusmotivos.Horadeentregarumpoucodoouro.–NãofuiparaosDragonspararecomeçaracarreiradeatleta–revelou
Myron.–ClipArnsteinmecontratouparaencontraroGreg.AssobrancelhasdeFelderseergueramligeiramente.–EncontraroGreg?Acheique ele estivesse reclusopara se recuperar
deumacontusão.–IssofoioqueClipdisseàimprensa.– Entendo. – Felder levou a mão ao queixo e balançou a cabeça
lentamente.–Evocêestátentandolocalizá-lo?–Estou.–Clipcontratouvocê?Escolheuvocê?Aideiafoidele?Myron explicou que sim. Felder agora estampava um discreto sorriso,
comosesaboreasseinternamenteagraçadealgumapiada.–ComcertezaClip lhe contouqueGreg já fezesse tipode coisaoutras
vezes.–Sim,contou.–Entãonãovejomotivopara tantapreocupação– arrematouFelder. –
Aprecioqueestejatentandoajudar,Myron,mas,realmente,nãocreioquesejanecessário.–Vocêsabeondeeleestá?Felderhesitouumpouco,depoisdisse:–Maisumavez,Myron,procurecolocar-senomeulugar.Seumdeseus
clientes quisesse icar fora de circuito por uns tempos, você faria o quê?Atenderiaopedidodeleounão?Myronfarejouumblefe.– Depende – falou. – Se soubesse que meu cliente estava em apuros,
provavelmentefariaoqueestivesseemmeualcanceparaajudá-lo.–Quetipodeapuros?–perguntouFelder.–Dívidas de jogo, para começar. Greg está devendouma fortuna a um
pessoal aí, bem casca-grossa. – Myron notou a ausência de qualquerexpressãonorostodeFeldereinterpretouissocomoumbomsinal.Omaisnatural seria que, ao saber que um de seus clientes está nas mãos de
gângsteres, um agente esboçasse pelo menos alguma expressão desurpresa.–Vocêjásabiadetudoisso,não?Felder respondeu com cautela, como se pesasse cada palavra numa
balança.–Vocêaindaénovonoramo,Myron.Eosnovatostêmesseentusiasmo
que muitas vezes é canalizado para o lugar errado. Represento osinteressesdeGregDowning, e isso implica certas responsabilidades.Masnão me dá carta branca para administrar a vida dele. O que Greg ouqualqueroutrodosmeusclientesfazcomseutempolivrenãoédaminhaconta. E nem deveria ser. Ainda bem. Tanto paramim quanto para você.Gostamosdosnossosclientesenospreocupamoscomeles,masnãosomossubstitutos paternos nem tutores pessoais. É importante que você tenhaconsciênciadissodesdejá.Resumodaópera:elesabiasobreasdívidasdeDowning.– Por que Greg fez um saque de 50 mil dólares 10 dias atrás? –
perguntouMyron.Como antes, Felder permaneceu impassível. De duas, uma: ou de fato
não tinha nenhummotivo para se surpreender com o que Myron vinhadizendo,oudealgummodoeracapazdebloquearqualquerconexãoentreocérebroeosmúsculosfaciais.– Você sabe que não posso revelar uma informação dessas – falou. –
Nemmesmocon irmarseessesaquerealmentefoifeito.–Novamentedeuumtapanasprópriaspernase fabricouumsorriso.–Faça-nosum favor,Myron, amime a vocêmesmo.Pensenaminhaoferta edeixe este outroassuntodelado.CedooutardeGregvaiaparecer.Elesempreaparece.–Eunãoteriatantacerteza–rebateuMyron.–Dessavezelerealmente
estáemmauslençóis.–Sevocêestásereferindoaessassupostasdívidas...–Nãoédissoqueestoufalando.–Doqueé,então?Atéali,Feldernãohaviafeitonenhumaincon idênciaqueinteressassea
Myron. Dera a entender que sabia dos problemas de Greg, mas apenaspara se safar. Percebera desde cedo que Myron vinha lendo seuspensamentos. Se tivesse negado, dizendo que não sabia de nada, teriapassado recibo de incompetente ou desonesto. Marty Felder era umhomem esperto. Jamais daria um passo em falso. Portanto,Myron tentououtrocaminho:–PorquevocêmandoufilmaramulherdeGreg?–Oquê?–disseFelder,piscandoosolhos.
–ProTec.Esseéonomedaagênciaquevocêcontratou.ElesinstalaramumacâmeranoGlenpointeHotel.Gostariadesaberporquê.Quaserindo,Felderdisse:– Espera aí. Me ajude a entender, Myron. Primeiro você diz que meu
clienteestáemapuros.Depoisdizquequerajudá-lo.Edepoisfazalusãoaumacâmera.Nãoestouconseguindoacompanhar.–Sóestoutentandoajudarseucliente.– Omelhor que você pode fazer por Greg é abrir o jogo e contar logo
tudo o que sabe. Sou o agente dele, Myron. Cabe amim defender seusinteresses. Não os interesses dos Dragons, muito menos os de Clip. Poisbem.VocêfalouqueGregestáemapuros.Queespéciedeapuros?Myronbalançouacabeça:–Primeirovocêcontasobreacâmera.–Não.Finalmente caíra o pano: a contradança da negociação começava a
esquentar.Daliapoucoelesestariammostrandoalínguaumparaooutro,mas por ora a cordialidade ainda prevalecia. Tratava-se de um cabo deguerra. Quem seria o primeiro a capitular? Myron avaliou a situaçãomentalmente.Estaeraaprimeiraregradeumanegociação:jamaisperderdevistaaquiloquevocêquereaquiloqueseuoponentequer.Muitobem.OqueFeldertinhaqueMyronpoderiaquerer?Informaçõessobreosaquede50mil,sobreacâmeraetalvezalgomais.OqueMyrontinhaqueFelderpoderiaquerer?Nãomuito.MyronespevitaraacuriosidadedeleaodizerqueGregestavaemmauslençóis.Feldertalvezjásoubessedosproblemasde seu cliente,mas ainda assim tentaria descobrir exatamente o que ele,Myron, sabia. Em suma: Myron estava em desvantagem. Teria que semexer.Horadeaumentarasapostas.Esemmaioresdelicadezas.–Ébempossívelqueeutenhavindoaquiàtoa–disseele.–Comoassim?– Poderia ter mandado um delegado da polícia para fazer as mesmas
perguntas.Felderpermaneceu imóvel,massuaspupilassedilataramdeummodo
estranho.–Como?Aproximandooindicadordopolegar,Myronexplicou:– Falta isto para que certo delegado do departamento de homicídios
emitaumanotificaçãodealertacomosdadosdeGreg.–Vocêfalou“homicídios”?–Sim.
–Masquemfoimorto?–Primeiroacâmera.Feldernãoerahomemdeseprecipitar.Recruzouosdedos,olhouparao
tetoecomeçouabatercomopé.Semnenhumapressa,pôs-seaavaliarospróseoscontras,oscustoseosbene ícios,eoquemaisprecisasseparasedecidir.Myronchegouarecearqueelecomeçasseadesenhargráficos.–Myron,vocênuncachegouatrabalharcomoadvogado,nãoé?– falou
porfim.–PasseinoexamedaOrdem,esó.–Éumhomemdesorte–disseFelder,eexalouumsuspirodecansaço.
– Sabeporqueexistem tantaspiadas sobreadvogados canalhas?Porqueelessão canalhas.Masa culpanãoédeles.Nãomesmo.Édo sistema.Éosistema que encoraja as trapaças, as mentiras e a canalhice em geral.Digamos, a título de ilustração, que você seja o técnico de uma equipemirimdebasquete.Umbelodiavocêchegaparaascriançasediz:hojenãotemárbitro.Vocêséquevãofazeraarbitragemsozinhos.Oquevocêachaque aconteceria depois?Muito provavelmente, a ética iria para o espaço.Sobretudo se você também disser aos pentelhos que o único objetivo dojogoévencer.Venceraqualquercusto.Esqueceessahistóriade fairplayeespírito esportivo. Pois é assim que funciona o nosso sistema judicial,Myron.Coadunamoscomatrapaçaemnomedeumsuposto“bemmaior”.–Aanalogianãoéboa–retrucouMyron.–Porquenão?–Aausênciadearbitragem.Osadvogadossãoregidosporumjuiz.–Nemsempre.Amaioriadoscasoséresolvidacomacordosantesdeser
levadaajuízo.Vocêsabedisso.Dequalquermodo,achoqueme izclaro.Osistema encoraja os advogados a mentir ou a distorcer a verdade sob opretexto de defender os interesses de seus clientes. Em nome dessesinteresses,valetudo.Eissovemdestruindonossosistemajudicial.–Muito fascinante essa sua tese – disseMyron. –Mas que relação ela
temcomacâmera?– Uma relação direta – respondeu Felder. – A advogada de Emily
Downingmentiuedistorceuaverdade.Ultrapassandoemmuitooslimitesdaéticaedanecessidade.–Vocêestáfalandodoprocessopelaguardadosfilhos?–Exatamente.–Quefoiqueelafez?Feldersorriuefalou:– Vou lhe dar uma pista. Atualmente, neste país, essa alegação em
particular é feita em mais de 30% dos casos de custódia. É quase umprocedimento padrão, tão comum quanto o arroz jogado no dia docasamento,muitoemboradestruavidas.–Abusoinfantil?Feldernãosedeuotrabalhoderesponder.Disseapenas:–Chegamosàconclusãodequeeranecessáriodar imaessainverdade
tãocrueleperigosa.Equilibrarospratosdabalança,porassimdizer.Nãotenho orgulho disso. Nenhum de nós tem. Mas também não me sintoenvergonhado. Não dá para jogar limpo quando o adversário insiste emusarumsocoinglês.Vocêfazoqueprecisaparacontinuarvivo.–Eoquevocêfez?–GraveiEmilyDowningnumasituaçãobastantedelicada.–Umasituaçãodelicada...Doquevocêestáfalandoexatamente?Felder tirouuma chavedo bolso, foi até umarmário e de lá tirou uma
itadevídeo.Abriuumsegundoarmário,onde icavamaTVeoaparelhodevídeo,ealojouafitanabandeja.Empunhandoocontroleremoto,disse:–Agoraésuavez.VocêfalouqueGregestavaemapuros.Era chegada a hora de Myron ceder um pouquinho. Outra regra
importante das negociações: não seja um turrão inconsequente; o tirocostumasairpelaculatra.– Acreditamos que umamulher estava chantageando o Greg – disse. –
Usavadiversosnomes.Carlanamaioriadasvezes,mastambémépossívelquesefizessepassarporSallyouLiz.Foiassassinadanoúltimosábado.DestavezFelderseassustou.Ouaomenosfingiuseassustar.–CertamenteapolícianãoestásuspeitandoqueGreg...–Está–disseMyron.–Masporquê?Myronfoivago:– Greg foi a última pessoa vista com ela na noite do assassinato. As
impressõesdigitaisdeleforamencontradasnacenadocrime.Alémdisso,apolíciaencontrouaarmadocrimenacasadele.–RevistaramacasadoGreg?–Sim.–Maselesnãopodiamterfeitoumacoisadessas.Oadvogadoesuasinverdades:– Tinham um mandado – disse Myron. – Você conhece essa mulher?
EssaCarlaouSally?–Não.–TemalgumaideiadeondeGregpossaestar?
–Nenhuma.Myronoexaminou,masnãosoubedizerseestavamentindoounão.Com
rarasexceções,nãobastaavaliarosolhosoualinguagemcorporaldeumapessoa para saber se ela está mentindo. Pessoas nervosas e irrequietastambémdizemaverdade,eumbommentirosoécapazdeaparentartantasinceridade quanto um ator. De modo geral, os “analistas de linguagemcorporal”eramapenasludibriadospelasprópriascertezas.– Por que Greg sacou 50 mil dólares em dinheiro vivo? – perguntou
Myron.–Nãoquestionei–respondeuFelder.–Comofaleiantes,essesassuntos
nãosãodaminhaconta.–Vocêachouqueeraparaojogo.Mais uma vez, Felder não se deu o trabalho de responder. Ergueu os
olhosedisse:–VocêfalouqueessamulherestavachantageandoGreg.–Estava–confirmouMyron.–Equecartaelatinhanamanga,vocêsabe?–Nãotenhocerteza.Essahistóriadejogo,euacho.Felderbalançouacabeçae,semolharparaatela, inalmenteacionouo
controleremoto.Natelevisão,ogranuladodaestáticalogodeulugaraumaimagem em preto e branco. Um quarto de hotel. A câmera parecia estargravandodebaixoparacima.Nãohavianinguémnoquarto.Umcontadordigitalmarcava o tempo. O cenário era quase em tudo igual ao daquelasgravaçõesemqueumpolíticodoPartidoDemocrataapareciafumandoumbongdecrack.Essa não, pensou Myron. Seria possível? Uma trepada di icilmente
provaria a incapacidade de alguém para cuidar dos ilhos, mas e asdrogas?Paraequilibrarospratosdabalança,talcomoFelderhaviaposto,oquepoderiasermelhordoquemostraramãefumando,cheirandoousepicandonumquartodehotel?Queimpactoissoteriasobreumjuiz?Noentanto,elelogoviuqueestavaenganado.Aportadoquartodehotelseabriu.Emilyentrousozinhaeespiouaseu
redor. Sentou-sena cama,mas logo se levantoudenovo.Perambulouumpouco, sentou-se novamente. Perambulou mais um pouco, passou aobanheiro,voltoudaliapouco.Asmãosprocuravamqualquerobjetoaseualcance:panfletos,cardápios,umguiadeTV.–Nãotemsom?–perguntouMyron.MartyFelderfezquenãocomacabeça.Aindanãoolhavaparaatela.Atônito,Myron continuouassistindoaonervoso ritualdeEmily.A certa
altura, ela parou um instante e se dirigiu à porta.Decerto ouvira alguémbater. Não abriu de imediato, parecia insegura. Esperando o HomemPerfeito?Provavelmente,concluiuMyron.MasquandoEmilyen imabriuaporta,elenovamenteconstatouquesehaviaenganado.Tratava-sedeumaMulherPerfeita.As duas mulheres conversaram por alguns minutos. Beberam algo do
frigobar,depoiscomeçaramasedespir.Myronsentiuumfrionoestômago.Decidiuquejátinhavistoobastantequandoelassedeitaramnacama.–Porfavor,desligue.Felderdesligouoaparelho,aindasemolharparaele.–Fuisinceroquandofaleiquenãotenhoorgulhodoquefiz.–Parabéns–disseMyron.Só agora ele entendia a hostilidade de Emily. Ela realmente havia sido
vítimadeum lagrantedelito.Nãocomumhomem,mascomoutramulher.O que não constituía nenhum crime, claro. Mas a maioria dos juízes sedeixaria in luenciar. Assim era omundo. E falando nomundo e em seusmodos,MyronconheciaatalMulherPerfeitaporoutroapelido.Metralhadora.
capítulo29
MYRON VOLTAVA A PÉ PARA O escritório perguntando-se o que aquilo tudopoderiasigni icar.Parainíciodeconversa,signi icavaqueMaggieMason,aMetralhadora,eramaisqueumobjetodediversãonaquelahistória.Masoqueexatamente elapoderia ser?Teria armadouma ciladaparaEmilyoutambém havia sido vítima de uma gravação clandestina? As duas eramamantes ou aquela noite não passara de uma aventura única? Felderalegava não saber de nada. Na gravação, as duas mulheres davam aimpressão de pouca intimidade, pelomenos na pequena parte a que eleconseguiraassistir;poroutrolado,elenãoeraexatamenteumespecialistanoassunto.Naesquinada rua50,Myrondobroupara aparte lesteda cidade.Um
albino, usando um boné dos Mets e um short amarelo sobre os jeansrasgados,tocavaumacítaraindiana,cantando“TheNightChicagoDied”,oclássico dos anos 1970; sua voz lembrava a Myron a de uma velhinhachinesa que trabalhava nos fundos de sua lavanderia. À frente dele seviam um copinho de gorjetas e uma pilha de itas cassete, além de umaplaca em que se lia: “Benny, o original, e sua cítara mágica. Apenas 10dólares.”Ah.Ooriginal.Aindabem.Quemhaveriadequererocoverdeumalbino tocando música de AM numa cítara indiana? Não, valeu, muitoobrigado.BennysorriuparaMyron.Chegandoàpartedamúsicaemqueogaroto
descobre que 100 policiais haviam sido mortos (talvez até o pai dele),Benny começou a chorar. Pura emoção. Myron deixou uma nota de umdólarnocopinhoecruzouarua,novamentepensandonovídeodeEmilyeMaggie.Eleagoraseperguntavaquerelevânciapoderiateressagravação.Sentira-seumvoyeurimundoaovê-lapelaprimeiravezeagorasesentiadamesma formaporrequentaras imagensemsuacabeça.A inal,omaisprovável era que o episódio não passasse de um encontro fortuito. QuevínculoaquilopoderiatercomoassassinatodeLizGorman?Nenhumqueele pudesse vislumbrar. A bem da verdade, ele nem sequer conseguiaentender como Liz Gorman se encaixava na jogatina de Greg ou no quequerquefosse.Aindaassimagravaçãosuscitavaalgumasquestõesbemimportantes.A
acusação de pedo ilia que pesava contra Greg, por exemplo. Teria algum
fundo de verdade ou, como sugerira Felder, aquilo não passava de umacartadajudicial?Alémdisso,EmilynãodisseraaMyronquefariaqualquercoisaparamanteraguardados ilhos?Atémesmomatar?Comoela teriareagidoaosaberdagravação?Provocadaportamanhoabsurdo,atéondepoderiachegar?Myron en im chegou ao prédio de sua agência na Park Avenue. No
elevador,trocouumbrevesorrisocomumajovemexecutivadeterninho.Olugarrecendiaaumadessascolôniasvagabundasdefarmácianasquaissebanham certos homens para quem um banho real consome tempo eenergiademais.AexecutivafarejouoareolhouparaMyron.–Nãousoperfume–foilogodizendo.Masamoçanãopareciaconvencida.Ou talvezexecrasse todoogênero
masculino pelas colônias vagabundas que usavam. O que eracompreensívelnaquelascircunstâncias.–Experimentenãorespirar–sugeriuMyron.Elaolhouparaele,orostojáverdecomoumaalgamarinha.Ao entrar no escritório, Myron se deparou com uma sorridente
Esperanza,quedisse:–Bomdia!–Opa.–Quefoi?–Vocênuncamedesejou“bomdia”.Nunca.–Claroquesim.Myronbalançouacabeça.–Ettu,Esperanza?–disse.–Doquediabovocêestáfalando?–Você icousabendodojogodeontem.Eagoraestátentando,digamos...
sergentilcomigo.Ofogonosolhosdelacresceu.– Gentil com você? Estoucagando para esse jogo. Não estou nem aí se
enrabaramvocêdoinícioaofim.–Tardedemais,Esperanza.Vocêsepreocupacomigo.–Nosseussonhos.Vocêpagouummico,Myron.–Meenganaqueeugosto–insistiuele.– Eu? Enganando você? Se liga, garoto. Você pagou um mico. E dos
grandes. Um vexame. Fiquei com vergonha só de conhecê-lo. Tive quebaixaracabeçaquandoentreinesseprédiohoje.Myronseinclinoueabeijounorosto.–Erasóoquefaltava.Agoravouterquemevacinarcontrasapinho.
–Nãoprecisasepreocupar,Esperanza–falou.–Estoubem.Juro.–Queromaiséquevocêmorra.Juro.OtelefonetocoueEsperanzaatendeu.–MBRepresentaçõesEsportivas. Claro, Jason, ele está aqui sim. Sóum
segundo.–Elatapouobocaldoaparelho.–ÉoJasonBlair.–Overmequeachamoudepopozuda?–Elemesmo.Lembreaeledasminhaspernas.–Vouatendernaminhasala.–Notopodeumapilhadepapéis,umafoto
chamouaatençãodeMyron.–Oqueéisto?–OdossiêsobreaBrigadaRaven–respondeuEsperanza.Myronpegouumafotogranuladadogrupotiradaem1973,aúnicaem
queossete integrantesapareciam juntos.Rapidamenteele identi icouLizGorman. Não chegara a vê-la direito, mas, pelo que se lembrava, achavadifícilalguémpensarqueCarlaeLizGormanfossemamesmapessoa.–Possodarumaolhadanisto?–disseele.–Étodoseu.Myronfoiparaasalaeatendeualigação.–Eaí,Jason?–Porra!Ondefoiquevocêsemeteu?–Comigotudobem,Jason,econtigo?–Nãoestouparabrincadeira,Myron.Vocêcolocouaquelazinhanomeu
contratoeelafodeucomtudo.EstoupensandoseriamenteemsairdaMB.–Calma,Jason.Oquehouve?–Comoéqueé?–rugiuJason.–Vocênemsabeoqueaconteceu?–Não.– Então eu vou lhe dizer. A gente estava lá, bem no meio da minha
negociaçãocomosRedSox,certo?–Certo.–Quero icaremBoston.Nósdois sabemosdisso.Masagente temque
fazer barulho, certo?Dar a entender que estoudisposto a ir embora. Foiisso que vocême orientou a fazer. Deixar os caras pensando que querotrocar de time. Para aumentar a grana. Tenho passe livre. É isso que agentetemquefazer,certo?–Certo.–Nãoqueroqueelespensemquequerovoltarparaotime,certo?–Certo.Atécertoponto.–Atécertoponto,porranenhuma!–cuspiuele.–Outrodiameuvizinho
recebeu uma correspondência dos Sox, pedindo que ele renovasse aassinatura de ingressos da temporada. Adivinha de quem era a foto no
panfleto,dizendoqueeuiavoltar?Vai,adivinha.–Hmm...erasua?–Claroqueeraminha!Entãoligueiparaessapopozudaaí...–Aspernastambémnãosãomás.–Oquê?– As pernas. Não são compridas, porque ela não émuito alta.Mas são
bemtorneadas.–Vá zoar coma sua avó,Myron. Preste atençãono que estoudizendo.
Alguém dos Sox ligou para sua popozuda, perguntando se eles podiamusarminhafotonopan leto,mesmosemeuestarcontratado.Eeladisseoquê? Disse quesim, merda! E agora? O que aqueles manés vão icarpensando?Claro, vão icar pensando que estou doido para assinar comeles!Tantoesforçoparaescondero jogo,eessasuapopozudapõetudoaperder!Esperanzaentrounasalasembater.– Istoaquichegouhojecedo–disse,e jogouumcontratosobreamesa
de Myron. O contrato era de Jason. Myron correu os olhos sobre apapelada.Esperanzapediu:–Coloqueoestressadinhonoviva-voz.Issofeito,elafalou:–Jason?–Porra,Esperanza,caifora.EstoutentandofalarcomoMyron.Elaoignorou.–Mesmoquevocênãomereça saber, inalizeio seu contrato.Consegui
tudoquevocêpediuemaisalgumacoisa.IssofezcomqueJasonpisassenofreio.–Quatrocentosmilporano?–Seiscentos.Maisumbônusde250naassinaturadocontrato.–Seisc...Maisumb...– Elesmeteramos pés pelasmãos – explicouEsperanza. –Depois que
distribuíramaquelespanfletoscomsuafoto,ficaramsemsaída.–Nãoentendi.– É simples – disse ela. – Amala direta foi enviada com sua foto, e as
pessoas começaram a comprar ingressos por causa disso. Nesse meio-tempo,ligueiparaelesdizendoquevocêtinhafechadocomosRangersnoTexas, que o contrato já estava quase assinado. – Reacomodando-se nacadeira, emendou: –Vejabem, Jason.Bastavocê se colocardooutro ladodo balcão. O que você faria? O que diria a todas essas pessoas quecompraramingressosquandoelasdescobrissemqueJasonBlair,cujafotoestava na mala direta, não faria parte do time porque havia conseguido
coisamelhorcomosTexasRangers?Silêncio.Edepois:– Bunda, pernas... – disse Jason. – Não quero nem saber! Você tem o
cérebromaislindoqueeujávinavida!–Maisalgumacoisa,Jason?–perguntouMyron.– Vá treinar, Myron. Do jeito que você jogou ontem à noite, está
precisando.AgoraquerodiscutirosdetalhescomaEsperanza.–Vouatendernaminhamesa–disseela.MyronnovamentecolocouJasonemespera.–Belajogada.Esperanzadeudeombros:– Um garoto lá do departamento de marketing dos Sox fez bobagem.
Acontece.–Evocêsoubeaproveitarmuitobem.Comumaexpressãodeenfado,eladisse:–Meupeitotrêmuloestáinfladodeorgulho.–Deixaparalá.Váatendersualigação.–Não,juro,meuobjetivonavidaéserigualzinhaavocê.–Esquece.Vocênuncavaiterumabundaigualàminha.–É,temisso–disseEsperanza,esaiu.Assim que se viu sozinho, Myron ergueu a foto da Brigada Raven e
identi icouostrêsmembrosqueaindaandavamàsolta:GloriaKatz,SusanMilano e, o mais conhecido de todos, o enigmático líder Cole Whiteman.Ninguém havia atraído a atenção e a fúria da imprensamais do que ele.Myron era menino quando os Ravens sumiram do mapa, mas ainda selembravadashistórias.ColepoderiamuitobemsepassarporumirmãodeWin:louro,feiçõesaristocráticas,famíliaquatrocentona.Enquantotodososdemaisnafotoeramcabeludosemaltrapilhos,olíderseapresentavabembarbeado e com um corte de cabelo conservador; a única concessão àestética dos anos 1960 eram as costeletas enormes. Di icilmente o tipoísicoqueHollywoodesperariadeumradicaldeesquerda.Todavia,comoMyron havia aprendido com Win, as aparências muitas vezes podiamenganar.ElelargouafotoeligouparaoinvestigadorDimonte,querosnouumalô
aoatender.–Então–disseMyron–,descobriumaisalgumacoisa?–Estáachandooquê,Bolitar?Queagorasomosparceiros?–EusouoStarskyevocêéoHutch.–Caramba, comoeu tenho saudadedaquelesdois... O carrobacana... A
camaradagemcomFuzzyBear...–HuggyBear–corrigiuMyron.–Oquê?–OnomedocaraeraHuggyBear,nãoFuzzyBear.–Émesmo?–Otempourge,Rolly.Dizaí,descobriualgumacoisa?–Vocêprimeiro.Quaissãoasnovidades?Mais uma negociação. Myron contou a ele sobre as dívidas de Greg.
PressupondoqueRolly tambémtinhaosregistros telefônicosdele, contouaindasobrea suspeitade chantagem.Masnãocontousobreovídeo.Nãoseria correto, pelo menos não antes que ele conversasse com Emily.Dimontefezalgumasperguntas.Dando-seporsatisfeito,falou:–Muitobem.Oquevocêquersaber?–VocêsencontrarammaisalgumacoisanacasadoGreg?– Nada – respondeu o investigador. – Nadamesmo. Lembra as tais
roupas femininas ou os cremes, sei lá, que você disse ter encontrado noquartodele?–Lembro.–Poisé.Tambémforamlevadas.Nenhumsinalderoupafemininaporlá.Issosigni icava,pensouMyron,quea tesedaamantevoltavaamostrar
sua cara feia. Para proteger Greg, a amante volta à casa para limpar osangue no porão e depois apaga os próprios rastros também, garantindoassimosigilodarelaçãoentreeles.– E as testemunhas? – perguntou Myron. – Alguém no prédio de Liz
Gormanviualgumacoisa?–Não. Interrogamosavizinhança inteira.Ninguémviuporranenhuma.
Todo mundo estava ocupado com uma merda qualquer. Ah, mais umacoisa: a imprensa já sabe do assassinato. Deram uma nota na edição dehoje.–VocênãopassouaelesonomedeLiz,passou?–Ficoumaluco?Claroquenão.Estão achandoque foi apenasmaisum
caso de latrocínio. Mas escuta só: hoje cedo recebemos uma ligaçãoanônima. Alguém sugerindo que a gente izesse uma busca na casa doGreg.–Estábrincando.–Sério.Umavozfeminina.–Alguémestáarmandoparacimadele,Rolly.– Será, Sherlock? Umamulher, ainda por cima. Mas o assassinato não
chegou àsmanchetes dos jornais. Ficou num canto qualquer das últimas
páginas,mais um homicidiozinho desse nosso esgoto urbano. Só recebeuum pouco mais de atenção porque aconteceu perto de um campusuniversitário.–Vocêjádeuumaolhadanessaconexão?–perguntouMyron.–Queconexão?– Essa proximidade com a Columbia. Metade dos movimentos radicais
dos anos 1960 começou ali. Com certeza ainda tem alguns simpatizantesporlá.TalvezalguémtenhaajudadoLizGorman.Dimonteexalouumdramáticosuspiro.–Bolitar,vocêachaquetodopolicialéumpanaca?–Não.–Achaquefoioúnicoalevantaressabola?–Bem–disseMyron–,aspessoasdizemquetenhocertotalento.–Nãofoioqueeulinaseçãodeesporteshoje.Touché.–Então,oquevocêdescobriu?– Ela alugou o apartamento de um certo Sidney Bowman, um
radicalzinhodemerda, comunistade carteirinha, fanático,maluco, que sedizprofessoruniversitário.–Poxa,Rolly,vocêétãotolerante...–Poisé.Éassimqueeu icoquandopassomuitotemposemfrequentar
a União de Liberdades Civis. Mas voltando ao que interessa: ocomunistazinho não quis abrir o bico. Falou apenas que ela alugou oapartamento dele e pagou em dinheiro vivo. Todos nós sabemos que eleestá mentindo. Os federais deram uma prensa no cara, mas ele estavacercado de umbando desses viadinhos liberais que se fazempassar poradvogados.Chamaramagentedeporcosnazistasetudoomais.–Eissonãofoiumelogio,Rolly.Sóparadeixarbemclaro.–Valeuo toque.MandeioKrinsky icarna colado cara,masaté agora
ele não descobriu nada. A inal de contas, esse Bowman não é nenhumretardado.Certamentesabequeestásendovigiado.–Quemaisvocêsabesobreele?– Divorciado. Sem ilhos. Dá aulas sobre uma dessas merdas
existencialistas que no mundo real não servem para nada. Segundo medisseKrinsky,passaamaiorpartedotempoajudandoossem-teto.Essaéarotinadocara:irparaumabrigoouparadebaixodeumapontequalquere icar lá comosvagabas.Comoeudisse, o caranãobatemuitobemdasbolas.Winentrounasalasembater.Foidiretoparaoarmárioeabriuaporta
que sustentava um espelho de tamanho natural.Mirando-se nele, ajeitouoscabeloscomasmãos,meticulosamente,emboranãohouvesseumúnicoio fora do lugar. Em seguida afastou as pernas e estirou os braços parabaixocomoseestivessesegurandoumtacodegolfe.Semtirarosolhosdoespelho, ergueuo taco imagináriopara fazer seubackswing, certi icando-sedequeobraçodianteiropermaneciarígido,eopunho,relaxado.Faziaisso o tempo todo, às vezes até na calçada, diante da vitrine de uma lojaqualquer. Para Myron isso era o equivalente, no golfe, àquelesmarombeiros que começam a contrair osmúsculos sempre que se veemrefletidosemalgumlugar.Irritante,muitoirritante.–Nãodescobriumaisnada,Rolly?–Não.Evocê?–Nada.Agentesefalamaistarde.–Malpossoesperar,Hutch–disseDimonte.–Sabe,oKrinskyétãonovo
quemalselembradoprograma.Triste,nãoé?–Ah,osjovensdehoje...–disseMyron.–Nãotêmnenhumacultura.WinaindaestudavasuatacadaaoespelhoquandoMyrondesligou.– Conte-me tudo, não esconda nada – disse ele, e Myron lhe passou o
relatório.Issofeito,Winfalou:–EssaFiona,aex-coelhinha...MepareceumacandidataperfeitaparaointerrogatórioWindsorHorneLockwoodIII.–Ahã–concordouMyron.–Mas,antes,porquevocênãomedizcomo
foiseuinterrogatórioWindsorHorneLockwoodIIIcomaMetralhadora?Winfranziuatestaparaoespelhoeajustouaempunhadura.–Nossaamigaserevelouumtantohermética.Portanto,opteiporoutra
abordagem.–Equeabordagemfoiessa?Wincontousobreaconversaquetivera.Myronsimplesmentebalançou
acabeçaedisse:–Entãovocêseguiuela?–Segui.–E?–Nãohámuitoque relatar.Depois do jogo ela foi para a casadoTC e
passouanoiteporlá.Nenhumtelefonemadignodenotafoifeitopelalinhaixa da residência. Ou ela não icou abalada com nosso entrevero ourealmentenãosabedenada.–Ousabiaqueestavasendoseguida–acrescentouMyron.Win novamente franziu a testa. De duas, uma: ou havia refutado a
sugestão de Myron, ou identi icado algum problema em seu swing.Provavelmente a segunda.Desviandooolhardo espelho, elenotoua foto
sobreamesadeMyron.–ÉaBrigadaRaven?–perguntou.–É.Umdosintegranteséasuacara–disseMyron,apontandoparaCole
Whiteman.Winavaliouafotoporuminstante.– Embora seja mesmo boa-pinta, não tem meu senso de estilo, muito
menosasfeiçõesimpactantesdomeurostinhoperfeito.–Semfalarnamodéstia.–Exato–arrematouWin.Examinandoafotooutravez,MyronselembroudoqueDimontedissera
sobre a rotina do professor Sidney Bowman. Só então pensou em algo, esentiu um calafrio descer pela espinha. Mentalmente, foi distorcendo asfeiçõesdeCole, imaginandoas interferênciasdeumacirurgiaplásticaeoenvelhecimento natural de 20 anos, até chegar à imagem que tinha nalembrança.Asemelhança,senãototal,eragrandeosuficiente.Para se disfarçar, Liz Gorman havia alterado sua característica ísica
maisnotável.Não seria razoável suporqueColeWhiteman tivesse feitoomesmo?–Myron?Eleergueuacabeça.–AchoqueseiondeencontrarColeWhiteman.
capítulo30
HECTORNÃOGOSTOUDEVÊ-LOnovamentenoParkviewDiner.–JásabemosqueméocúmplicedeSally–disseMyron.–Onomedeleé
NormanLowenstein.Conhece?Hectorfezquenãocomacabeçaecontinuoulimpandoobalcão.–Éumsem-teto.Ficazanzandoaínaruadosfundoseàsvezesusaseu
telefonepúblico.Hectorinterrompeualimpezaporumsegundo.–Osenhorachaqueeudeixariaumsem-tetoentrarnaminhacozinha?
–disse.–Alémdisso,nãotemosumaruadosfundos.Podeolharsequiser.ArespostanãosurpreendeuMyron.– Quando estive aqui no outro dia, ele estava sentado neste mesmo
balcão.Barbaporfazer.Cabelospretosecompridos.Umcasacoclaro,todopuído.Voltandoaesfregarafórmica,Hectorfalou:–Achoqueseiquemé.OsujeitodeAllStarpreto?–Elemesmo.–Voltaemeiaapareceporaqui.Masnãoseionomedele.–JáoviuconversandocomSally?Hectordeudeombros.–Podeser.Quandoelaestavaservindoalgumacoisaparaele.Masnão
seidireito.–Quandoeleesteveaquipelaúltimavez?–Sumiudepoisdaquelediaqueosenhorveio–revelouHector.–Vocêsnuncaconversaram?–Não.–Vocênãosabenadasobreele?–Não.Myronanotouonúmerodeseutelefonenumpedaçodepapel.–Casoeledê as carasnovamente, por favorme ligue.A recompensa é
demildólares.Hectorleuopapel.–Éseunúmerocomercial?NaAT&T?–Não.Épessoal.–Ahã–disseHector.–LigueiparaaAT&Tdepoisquevocêsaiudaqui.
Eles nunca ouviram falar daquela história de Y511 nem tiveram umfuncionário chamado Bernie Worley. – Ele não parecia irritado, mastambém não estava saltitando de alegria. Apenas encarava Myron comfirmeza.–Mentiparavocê–confessouMyron.–Foimal.–Comovocêsechamadeverdade?–perguntouHector.– Myron Bolitar. – Ele entregou um cartão, e Hector o examinou
rapidamente.–Osenhoréagentedeatletas?–Sou.–EquediaboumagentedeatletaspodeestarquerendocomaSally?–Éumahistóriacomprida.–Osenhornãodeveriatermentido.Issonãoécerto.–Eusei–disseMyron.–Nãoteriamentidosenãofosseimportante.Hectorguardouocartãonobolsodacamisa.–Tenhoclientesparaatender–grunhiu,eseafastou.Myron cogitou chamá-lo para se explicar melhor, mas por im achou
desnecessário.Winesperavaporelenacalçada.–Eentão?–ColeWhitemanéummoradorderuaqueseapresentacomoNorman
Lowerstein.Win parou um táxi conduzido por um oriental de turbante. Eles
entraramnocarro,eMyroninformouodestino.Omotoristasimplesmentemeneouacabeça,roçandootetocomsuatorredepano.Nosalto-falantes,uma cítara arranhava o ambiente com suas unhas a iadas. Um martírio.Poroutrolado,qualquercoisamenosYanni.–Elenão separeceemnada como caradaquela foto–disseMyron. –
Fezumacirurgiaplástica.Deixouocabelocrescereopintoudepreto.O táxi parou no sinal. Ao lado dele, um TransAm azul, dos mais
turbinados,balançava-seaosomdeumhip-hopensurdecedor.Osdecibéiseram tantos que, se não deslocavam o eixo da Terra, pelomenos faziamtremerotáxi.Osinalabriu,eoTransAmchispouadiante.–FiqueipensandonomodoqueLizGormanencontrouparasedisfarçar
– prosseguiuMyron. – Ela pegou seu atributomais evidente e virou peloavesso. Cole era um ricaço engomadinho, ilhinho de papai. Que avessoseriamelhordoquesetornarummendigomaltrapilho?–Umjudeumendigoemaltrapilho–corrigiuWin.–Certo.Então,quandoDimontecontouqueoprofessorBowmangostava
desemisturarcomossem-teto,fiqueipensando...
–Rota!–rosnouomotorista.–Como?–Rota.PelaHenryHudsonoupelaBroadway?– Henry Hudson – respondeu Win, e virou os olhos para Myron. –
Continue.– Minha tese é a seguinte: Cole Whiteman vinha suspeitando que Liz
Gorman estava em algum tipo de apuro. Talvez ela tivesse deixado deretornarumtelefonemaoufaltadoaumencontro,seilá.Oproblemaéqueelenãopodia iraté láparaverpessoalmenteoquetinhaacontecido.Nãoteria sobrevivido a tantos anos de clandestinidade se não fosse um carainteligente. Whiteman sabia que, caso a polícia pusesse as mãos em Liz,comcertezaarmariaalgumaciladaparapegá-lotambém.–Portantomandouvocênolugardele–concluiuWin.Myronfezumgestoafirmativocomacabeça.– Ele icava ali, nas imediações do restaurante, na esperança de ter
alguma notícia da tal “Sally”. Quando entreouviu minha conversa comHector, achou que tinha ali uma boa oportunidade. Então contou essahistória comprida, de que tinha conhecido Sally no telefone público dorestaurante,dequeosdoiseramamantes.Acheiestranho,masnãomedeio trabalho de questioná-lo. Depois me levou até o apartamento e icouesperandonacalçada,paraveroque iriaacontecer.Viuquandoapolíciachegou.Provavelmenteviuatéocorposendoretiradodoprédio...Delonge,na moita. E então con irmou suas suspeitas. De que Liz Gorman estavamorta.Winrefletiuuminstante.–EagoravocêachaqueoprofessorBowmanvemsecomunicandocom
elequandofazsuasvisitasaossem-teto?–Sim.–EnossopróximopassoseráencontrarColeWhiteman?–Sim.–EntreosmiseráveispiolhentosdeumabrigoabandonadoporDeus?–Exatamente.Martirizado,Windisse:–Erasóoquemefaltava.–Talvezagentepossacriarumaarmadilha–sugeriuMyron.–Masisso
tomariatempodemais.–Quetipodearmadilha?– Acho que foi ele quemme ligou ontem à noite. Se Liz Gorman tinha
algum plano para extorquir Greg, é bem provável que ele, Whiteman,
estivessenajogadatambém.–Masoquevocêtemavercomisso?–perguntouWin.–Mesmoqueele
saiba de algum podre sobre o Greg, por que faria de você o alvo daextorsão?EssaeraumaperguntaqueMyrontambémvinhasefazendo.– Não tenho certeza – disse ele lentamente –, mas só me ocorre uma
coisa:Whitemanmereconheceuquandonosvimosnorestaurante,e logodeduziuqueeuerapróximodeGreg.Então,comosumiçodeGreg,decidiupartirparacimademim.OcelulardeMyrontocou,eeleatendeu.EraDimonte:–Eaí,Starsky.–SouoHutch–corrigiuMyron.–Starskyévocê.– Tanto faz – disse Dimonte. – Aposto que em dois tempos vou ter o
desprazerdeverseutraseironestadelegacia.–Porquê?Descobriualgumacoisa?–Seagentepuderchamarde“algumacoisa”afotodequemmatouLiz
Gormansaindodoprédio...Myronquasedeixouotelefonecair.–Verdade?–Verdadeira.Evocênemimagina.–Oquê?–Quemestánafotoéumamulher.
capítulo31
–A PARADA É A SEGUINTE – disse Dimonte, abrindo caminho por umformigueiro de policiais, testemunhas e sabe-se lá o que mais. Winesperavadoladodefora.Nãogostavadepoliciais,esabiaquedi icilmenteseriaconvidadoporumdelesparatomarumcafezinho.Melhorparatodosque ele icasse a certa distância dali. – Temos uma imagem parcial dameliante. Uma gravação. O problema é que... não dá para identi icá-ladireito.Acheiquevocêpudessereconhecê-la.–Quetipodegravação?–TemumdepósitonaBroadway,entreasruas110e111.Ladolestedo
quarteirão.–DimonteseapressavaumpassoàfrentedeMyron.Aquieali,virava o rosto para ver se ele ainda o acompanhava. – Um depósito deeletrodomésticos.Sabecomoé.Os funcionáriosroubamcomose fosseumdireitoconstitucionaldeles.Poressemotivo,aempresaespalhoucâmerasde segurança por toda parte. Gravam tudo. – Sem interromper acaminhada, e agora sem nenhum palito entre os dentes, ele balançou acabeça, abriu um sorriso para Myron e observou: – O bom e velho BigBrother.Devezemquandoalguémgravaumcrimeemvezdeumbandodepoliciaisespancandoumpobrecoitado...Eles entraram numa saleta de interrogatório com uma das paredes
espelhada. Myron sabia tratar-se de um espelho de face única – ele equalquer um com um mínimo de familiaridade com os seriados de TVsaberiam disso. Mesmo supondo não haver ninguém do outro lado, o Sr.Maturidade não se conteve e botou a língua para fora. Krinsky estava aoladodeumatelevisão.Pelasegundaveznomesmodia,Myronassistiriaaumvídeo.Esperavaqueodeagorafossemaisrecatado.–Comovai,Krinsky?–perguntou.Krinskymalsemexeu.Falantecomosempre.MyronsevoltouparaDimonte.–Aindanãoentendocomoacâmeradeumdepósitopodetergravadoa
assassina.–Umdascâmeras icanoportãodoscaminhões–explicouDimonte.–Só
paragarantirquenada caiada carroceriaquandoeles estão saindo, se éque vocême entende. Essa câmera pega umpedaço da calçada. Dá paraverospedestrespassando.–Recostando-senaparede,elegesticuloupara
queMyronseacomodassenacadeira.–Vocêvaiver.Myron se sentou, e Krinsky apertou o play. De novo, uma imagem em
preto e branco. De novo, nenhum som. Mas dessa vez a gravação haviasido feita do alto. Mostrava a metade dianteira de um caminhão e umapequena parte da calçada. Os poucos pedestres que ali se viam nãopassavamdesilhuetasdistantes.–Comoistoveiopararnassuasmãos?–perguntouMyron.–Istooquê?–Estafita.–Sempreprocuroporessetipodecoisa–disseDimonte,e levantouas
calçaspelocinto.–Nosestacionamentos,nosdepósitos...Hojeemdiaesseslugaressempretêmumacâmeradesegurança.–Belotrabalho,Rolly.Estouimpressionado.–Uau–ironizouoinvestigador.–Agora,sim,possomorrerfeliz.Não há quem resista a uma resposta engraçadinha. Myron voltou os
olhosparaatela.–Quantotempoduracadafitadessas?–perguntou.–Dozehoras–respondeuDimonte.–Sãotrocadasàsnovedamanhãe
àsnovedanoite.Sãooitocâmerasaotodo,eas itas icamguardadasportrês semanas. Depois gravampor cima. – Ele apontou para a imagemnatela.–Aívemela.Krinsky.Krinskyapertouumbotão,eaimagemcongelou.– Amulher que acabou de aparecer. À direita. Indo na direção sul, ou
seja,nosentidocontrárioaodacenadocrime.Myron não viu mais que uma mancha. Não pôde distinguir o rosto,
tampoucoaalturaouopesoda talmulher.Viuapenasqueelausavaumcasaco comprido com gola de babados. Os cabelos, no entanto, lhepareceramfamiliares.Numtomdevozneutro,disse:–É,estouvendo.–Vejaamãodireita–apontouDimonte.Amulhercarregavaalgoescuroealongado.–Nãodáparasaberoqueé.–Mandeiampliar.Krinsky.Krinsky entregou a Myron duas fotos grandes em preto e branco. A
primeiramostravaumaampliaçãodorostodamulher,masnemassimerapossível distinguir as feições. A segunda mostrava o objeto que elacarregavaconsigo.–Achamosqueéumsacodelixocomalgodentro–disseDimonte.–Um
volumeestranho,vocênãoacha?
Myronnovamenteexaminouafoto,depoisfalou:–Vocêestáachandoqueéumtacodebeisebol,nãoestá?–Vocênão?–Eutambém–assentiuMyron.–NacozinhadeLizGormanhaviasacosdelixoiguaizinhosaeste.– E provavelmente em quase todas as cozinhas de Nova York –
acrescentouMyron.–Éverdade.Masdêumaolhadanadataenahoradagravação.No canto superior esquerdo da tela, um relógio digital marcava:
02:12.32.Adataeraadoúltimodomingo.Poucoantes,LizGormanhaviaseencontradocomGregDowningnoChaléSuíço.– A câmera também pegou quando ela vinha no outro sentido? –
perguntouMyron.–Sim,masnãoestámuitonítido.Krinsky.Krinskyrebobinoua itaatéomarcadorpassarpara01:41.12.Cercade
meiahoraantes.–Lávemela–disseDimonte.A imagem se resumia a um vulto rápido.Myron viu que se tratava da
mesmamulhersomenteporquereconheceuocasacocombabadosnagola.Elaagoranãocarregavanada.–Deixaeuveraoutrapartedenovo–pediu.DimonteapontouoqueixoparaKrinsky,eoassistentevoltoua itapara
o mesmo ponto de antes. Para Myron, o rosto da mulher permaneciaobscuro, mas o jeito de andar... As pessoas geralmente tinham um jeitopessoaldecaminhar.Myronsentiuocoraçãosubiràgarganta.Dimonteoexaminavaatravésdaspálpebrassemicerradas.–Sabequeméela,Bolitar?–Não.
capítulo32
ESPERANZAGOSTAVAdefazerlistas.Com o dossiê da Brigada Raven à sua frente, ela anotou os principais
fatoresemordemcronológica:1)ABrigadaassaltaumbancoemTucson.2)Daliaalgunsdias,pelomenosumdosRavens(LizGorman)vaipara
Manhattan.3)Poucodepois, LizGorman faz contato comumconhecido jogadorde
basquete.Nadadaquilofaziasentido.Ela abriu o dossiê e rapidamente examinou o histórico do grupo. Em
1975,osRavenshaviamsequestradoHuntFlootworth,o ilhode22anosde Cooper Flootworth, o gigante domundo editorial. Pormuitos anos, naSan Francisco State University, Hunt havia sido colega de diversosintegrantes da Brigada, entre eles Cole Whiteman e Liz Gorman. Orenomado Cooper Flootworth, que não era de cruzar os braços e deixarque terceiros cuidassem de seus assuntos, contratara mercenários pararesgataro ilho sequestradoe, durante aoperação, umdosRavenshaviaatirado à queima-roupa na cabeça do jovem Hunt. Ninguém sabia dizerqual deles. De todos os integrantes presentes, quatro haviam conseguidoescapar.Dali a pouco Big Cindy irrompeu na sala. As vibrações derrubaram as
canetasdeEsperanzanochão.–Desculpa–disseCindy.–Bobagem.– Timmy ligou paramim – falou ela em seguida. – A gente vai sair na
sexta.–OnomedeleéTimmy?–retrucouEsperanza,malacreditandonoque
acabaradeouvir.–É.Nãoéfofo?–Fofíssimo.–Seprecisardemim–disseCindy–,estounasaladereunião.Esperanza retomou o dossiê e foi passando as páginas até encontrar
algo sobre o assalto em Tucson, o primeiro do grupo apósmais de cincoanos. A operação se dera pouco antes do inal do expediente. A Polícia
Federal suspeitavaqueumdossegurançasdobancoestivessedeconluiocomosassaltantes,masatéentãosabiamuitopoucoalémdas tendênciasesquerdistasdohomem.Cercade15mildólaresemdinheirohaviamsidolevados, mas os assaltantes tiveram tempo su iciente para explodir oscofres particulares dos correntistas. Uma cartada de risco. Para a polícia,osassaltantes sabiamqueumdos cofresguardavadinheirodo trá icodedrogas.Ascâmerasdobanco tinhamregistradoduaspessoasvestidasdepreto com o rosto coberto por um gorro de esqui. Nenhuma impressãodigital, nenhum io de cabelo, nenhuma lasca de ibra, nada foraencontrado.Nada.Esperanza releu as informações, mas não encontrou nada de especial.
Tentou imaginar como teriam sido os últimos 20 anos para os Ravenssobreviventes, sempre em fuga, nunca se demorando no mesmo lugar,saindo do país para voltar semanas depois, con iando em velhossimpatizantesdacausasem jamaissaberaocertoseessacon iança tinhafundamento.Emseguida,voltouàsanotações:LizGorman Assaltoaobanco ChantagemÓtimo, ela pensou, basta seguir as setas. Liz Gorman e os Ravens
precisavam de dinheiro, então assaltaram o banco. O que explicava aprimeira seta. Mas isso era mais ou menos óbvio. O problema seencontravanasegunda.Assaltoaobanco ChantagemAleituramaisdiretaseria:oassaltolevaraLizafugirparaaCostaLeste
e a chantagear Greg Downing. Esperanza decidiu então listar aspossibilidades.1)Downingestavaenvolvidonoassalto.Ela ergueu a cabeça e pensou: a hipótese até que não era de todo
descabida.Downingprecisavadodinheiroparapagarsuasdívidasdejogo;talvez izessealgoilegal.Masissoaindanãorespondiaapergunta,talvezamaiordetodasnaquelahistória:comoelestinhamseconhecido?ComooscaminhosdeLizGormaneGregDowninghaviamsecruzadoafinal?Aliestavaachavedetodoomistério,elapressentia.Escreveuumnúmero2eaguardou.Queligaçãopoderiahaverentreeles?Esperanza deu asas à imaginação e, como nada lhe ocorria, decidiu
experimentar o caminho inverso: começar pela chantagem e voltar notempo. Para fazer sua chantagem, Liz Gorman decerto havia descobertoalgo que pudesse incriminar Downing. Mas quando? Ela desenhou umanovaseta:
Assaltoaobanco ChantagemFoientãoqueumaluzinhadébilseacendeunoscon insdesuamente.O
assalto.Algoque eleshaviamdescobertonaocasiãodera ensejo a todooesquema de chantagem. Rapidamente ela folheou o dossiê, mesmosabendo que a resposta não estava ali. Em seguida pegou o telefone ediscou.–Vocêstêmumalistadaspessoasquealugavamcofresdobanco?–Emalgumlugar,euacho–disseohomemdooutroladodalinha.–Por
quê?Vocêestáprecisando?–Estou.Suspiroruidoso.Depois:–Tudobem.Voudarumaolhada.MasdigaaoMyronqueelemedeve
uma.Dasgrandes.
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QuandoEmilyabriuaporta,Myronfalou:–Estásozinha?–Ué,estou–respondeuela,mascomumsorrisoirônicoentreoslábios.
–Oquevocêtememmente?Myron por pouco não a atropelou. Sob o olhar estupefato de Emily, foi
diretoparaoarmáriodohalldeentradaeoabriu.–Quediabovocêestáfazendo?Myronnãosedeuotrabalhoderesponder.Empurrandofreneticamente
os cabidesdeum ladoaoutro,nãodemoroumuitopara encontraroqueprocurava:ocasacocompridocombabadosnagola.–Dapróximavezque formataralguém–disse–, jogue foraasroupas
queusou.Emilyrecuoudoispassos,levandoamãotrêmulanadireçãodaboca.–Vaiembora–rosnouelaentredentes.–Estoulhedandoumachancedefalaraverdade.–Nãointeressaoquevocêestámedando.Saiajádaminhacasa.Myronergueuocasaco.–Achaque souoúnicoque sabe?Apolícia temumagravação emque
vocêdeixaacenadocrime.Usandoestecasaco.Emilymurchou de repente, dando a impressão de que havia recebido
umsoconoplexosolar.Myronbaixouocasacoedisse:–Vocêplantouaarmadocrimenasuaantigacasa.Espalhousangueno
porão. –Marchando a passos largos, passou à sala de visitas e viu que apilha de jornais ainda estava lá. Apontou para ela e prosseguiu: – Vocêcomproutudoistoaquisóparaversealgumacoisaforanoticiada.Tãologosoubequeocorpohaviasidoencontrado,fezumaligaçãoanônimaparaapolícia.AessaalturaosolhosdeEmilypareciamvidradosedesprovidosdefoco.–Durante todoesse tempo iqueimeperguntandoporquediaboGreg
teriadescidoàqueleporão,justoaolugarondeos ilhosbrincavam,depoisdetercometidoumassassinato.Masaíéqueestá.Elejamaisdesceriaatélá. Se necessário, semanas poderiam rolar sem que o sangue fossedescoberto.Emily fechava ambas as mãos. Balançando a cabeça, inalmente
encontrouforçasparadizer:–Vocênãoestáentendendo.–Entãoexplica.–Elequeriatirarmeusfilhosdemim.–Evocêachouporbemarmarumaciladaparaacusá-lodehomicídio.–Não.–Agoranãoéumbommomentoparamentir,Emily.–Nãoestoumentindo,Myron.Nãoarmeiciladanenhuma.–Vocêplantouaarmado...– Plantei – interrompeu ela. – Quanto a isso você está certo. Mas não
armei cilada para incriminar ninguém. – Seus olhos se fecharam ereabriram como se seguindo algum tipo de meditação. – Não dá paraincriminarumhomemporumcrimequeelerealmentecometeu.Myronenrijeceu.Emilyoencaravacomumaexpressãopétrea.Asmãos
aindaeramduasbolotasdeferro.–VocêestádizendoqueGregmatouaquelamulher?–Claro.–Emilyfoiseaproximandoaospoucos,sempressa,contandoos
segundos do mesmo modo que um pugilista conta até oito após sersurpreendido por um gancho de esquerda. Por im tomou o casaco dasmãos dele e disse: – Eu mesma devo destruir isto, ou será que possoconfiaremvocê?–Melhorvocêseexplicarprimeiro.–Quetalumcafé?–Não–recusouMyron.–Euprecisodeumcafé.Vem.Vamosconversarnacozinha.Decabeçaerguida,caminhandocomamesmacadênciaqueMyronvira
nagravação,elasaiunadireçãodaamplacozinhadecerâmicabranca,um
exemplo de decoração moderna que faria inveja a muitos. Aos olhos deMyron,noentanto,olugarmaislembravaobanheirodealgumrestaurantemetidoabesta.Emilybuscouopóeumadaquelascafeteirasdeêmboloqueaspessoas
vinhamusandonosúltimostempos.–ÉdoStarbucks.SaborKonaHawaiian.Myronfezquenãocomacabeça.Emily jáhaviarecobradoacalma.Eo
controletambém.OqueparaMyronestavabom.Elesabiaque,nocontrole,aspessoasfalavammaisepensavammenos.– Ainda não sei direito como começar – disse Emily, vertendo a água
quentesobreopó.Oaromaimediatamenteseespalhoupelacozinha.CasosetratassedeumcomercialdeTV,aqueleseriaomomentoemquealguémexclamaria:“Ahhhh...”–Enãomedigaparacomeçardocomeço,senãoeugrito.Myronergueuasmãosparamostrarquenãodirianadaparecido.Emily pressionou o êmbolo, encontrou certa resistência, pressionou de
novo.–Elaveio falarcomigoumdia.Nosupermercado, imaginesó.Assim,do
nada. Lá estava eu, na seção de congelados, quando essa mulher seaproximaparadizerquetinhadescobertoalgocapazdedestruiravidadomeumarido.Falouque ligariaparaos jornais casoeunãopagasseoqueelaestavapedindo.–Evocêdisseoquê?–Pergunteiseelaprecisavademoedasparafazersuasligações.–Emily
riu, interrompeuoquevinha fazendo,endireitouo tronco.–Faleiqueelafosseadianteedestruísseavidado ilhodaputa.Amulhersimplesmentebalançouacabeçaedissequeentrariaemcontato.–Sóisso?–Só.–Quandoissoaconteceu?–Seilá.Duasoutrêssemanasatrás.–Equandoelaentrouemcontatocomvocê?Dos armários, Emily retirou uma caneca de café estampada com um
personagemdedesenhoanimadoealegenda:AMELHORMÃEDOMUNDO.–Estoufazendoobastanteparaduaspessoas–informou.–Não,obrigado.–Temcerteza?–Tenho–disseMyron.–Edepois?Oqueaconteceu?Emilycurvouotroncoeexaminouacafeteiracomosealiestivesseuma
boladecristal.– Dias depois, Greg fez uma coisa comigo... – Ela se calou de repente.
Depois,numtomdevozmaissevero,medindoaspalavras,emendou:–Foicomoeu contei naqueledia emque você esteve aqui. Greg fez uma coisaterrível.Osdetalhesnãosãoimportantes.Myron icoucalado.Nãoviumotivoparamencionaragravaçãoetravar
aconversa.Naquelemomento,oimportanteeradeixá-lafalar.– Então, quando a talmulherme procurou de novo, dizendo que Greg
estavadisposto apagarumapolpudaquantiapelo silênciodela, falei queeu pagaria mais ainda para que ela desse com a língua nos dentes. Eladisseque issocustariacaro.Faleiquepagariaoque fossepreciso.Tenteiapelarparaasensibilidadedelacomomulher.Chegueiaopontodecontartudo sobreminha situação, sobre as coisas que Greg vinha fazendo parametiraraguardadascrianças.Elaaté icousensibilizada,masalegouquenãoestavaemcondiçõesdefazercaridade.Casoeuquisesseainformação,teriaquepagarporela.–Equantoelapediu?–Cemmildólares.Myron precisou refrear o assovio. Um caso óbvio de duplo assédio. A
estratégia de Liz Gorman certamente era chantagear ambas as partes econtinuar mamando nelas enquanto julgasse seguro. Ou talvez estivessecom pressa, sabendo que dali a pouco teria que sumir de novo. Dequalquer modo, de seu ponto de vista, o mais lógico seria realmenteassediar todas as pessoas interessadas: Greg, Clip e Emily. Cobrar paraicar calada. Cobrar para abrir o bico. Chantagistas são tão leais quantopolíticosemanodeeleição.– Você faz alguma ideia do que ela sabia sobre Greg? – perguntou
Myron.–Elanãoquisdizer–respondeuEmily.–Masvocêestavarealmentedispostaapagaros100mil?–Estava.–Mesmosemsaberparaquê?–Sim.– Mascomo você podia saber que essa maluca não estava apenas
blefando?–perguntouMyron,espalmandoasmãos.– Quer a verdade? Eu não sabia. Mas estava prestes a perder meus
filhos,caramba!Estavadesesperada.Ecomcerteza,pensouMyron,Emilyhaviademonstradoessedesespero
a Liz Gorman, que, por sua vez, decidira se aproveitar ao máximo da
situação.–Querdizerqueatéagoravocênãosabequaleraotrunfodela?–Nãofaçoamenorideia.–AchaquetemavercomosproblemasdeGregcomojogo?Emilyapertouaspálpebras,confusa.–Problemascomojogo?–VocênãosabiaqueGregjogava?–Sim,masedaí?–Nãosabequantoelecostumavajogar?–perguntouMyron.–Maisoumenos–disseela.–UmaviagenzinhaparaAtlanticCitydevez
emquando.Talvezumas50pratasnumjogodefutebol.–Éissoquevocêacha?Emilyoencarou,tentandoleralgumacoisanosolhosdele.–Oquevocêestáquerendodizer?Myron olhou pela janela que dava para os fundos da casa. A piscina
ainda seencontrava coberta,masalgunsdos tordos jáhaviamvoltadodesua peregrinação anual rumo ao sul: agora se juntavam em torno de umalimentador, batendo as asinhas com a felicidade de um cão a abanar orabo.– Greg é um jogador compulsivo – revelou Myron. – Perdeu alguns
milhões ao longo dos anos. Felder nunca roubou dele. O dinheiro foiperdidonojogo.–Nãopodeser–rebateuEmily.–Vivemosjuntosporquase10anos.Eu
teriapercebidoalgumacoisa.– Os jogadores aprendem a esconder seu vício. Mentem, inventam,
roubam...Fazemdetudoparacontinuarjogando.Éumvício.AlgopareceureluzirnosolhosdeEmily.–Entãoeraesseotrunfodachantagista?–perguntouela.–Elasabiado
víciodeGreg?–Tudoindicaquesim–disseMyron.–Masnãodáparaafirmar.–Masquantoaovíciodeleacoisaécerta,nãoé?Eleperdeumesmoesse
dinheirotodo?–Perdeu.ArespostateveparaEmilyoefeitodeumsoprodeesperança.–Nessecaso...Nenhumjuizdomundodaráaeleaguardadascrianças.
Aminhavitóriaestágarantida.–Émaisfácilumjuizdaraguardaaumjogadorqueaumaassassina–
provocouMyron.–Ouaalguémqueplantaprovasfalsasporaí.–Eujálhedisse,Myron.Aprovanãoéfalsa.
–Aomenoséoquevocêdiz – retrucouMyron. –Masvamosvoltar aoqueaconteceucoma chantagista.Vocêestavadizendoqueelapediu100mildólares.Emilyvoltouparaacafeteira.–Issomesmo.–Ecomovocêdeveriafazeropagamento?– Ela me mandou icar esperando perto de um telefone público no
estacionamento de um supermercado na noite de sábado. Eu deveriachegaràmeia-noitecomodinheiroemmãos.Meia-noiteempontoelaligouemepassouumendereçona rua111.Disseparaeu iraté láàsduasdamanhã.–Entãovocêfoiparaarua111àsduasdamanhãcom100mildólares
nobolso?–perguntouMyron,esforçando-separadisfarçaroceticismo.–Sóconseguilevantar60mil–corrigiuEmily.–Eachantagistasabiadisso?–Não.Olha,seiquetudoissopareceloucura,masvocênãofazideiado
meudesespero.Naquelaalturaeuteriafeitoqualquercoisa.Myroncompreendia.Sabiadoqueasmãeseramcapazesemnomedos
ilhos. “Oamorécego”,diziaasabedoriapopular.Poisoamormaternalémaiscegoainda.–Continue–disseele.– Quando dobrei a esquina, vi Greg sair do prédio – contou Emily. –
Fiquei perplexa. Ele estava como colarinho levantado,masmesmo assimpudeverorostodele.–ElaolhouparaMyron.–Fomoscasadospormuitosanos,masnuncavioGregdaquelejeito.–Dequejeito?–Aterrorizado– respondeuela. –EleatravessouaAmsterdamAvenue
praticamente correndo. Esperei até que ele virasse a esquina. Depois fuipara o prédio e toquei a campainha do apartamento. Ninguém atendeu.Entãofuitocandoacampainhadeoutrosapartamentosatéquealguémmedeixouentrar.Subiatéoandardamulhereporumtempo iqueibatendoà porta. Depois tentei a maçaneta. A porta estava destrancada. Entãoentrei.–Emilysecalounessemomento.Comamãotrêmula,levouacanecaà boca e bebeu do café. Só então prosseguiu: – Sei que você vai icarhorrorizadocomoquevoudizer,masoquevialinão foiocorpodeumapessoamorta.Viapenasaúltimachancedemantermeusfilhoscomigo.–FoientãoquevocêdecidiuplantaraprovanacasadoGreg?EmilylargouacanecaeolhouparaMyron.Osolhosestavamsecos.– Foi – disse. – E você também estava certo quanto ao resto. Escolhi o
porãoporquesabiaqueelejamaisdesceriaali.Quandochegasseemcasa,Gregnãoveriaosangue.Euaindanãosabiaqueelehaviafugido.Olha,seiquefuilongedemais,masnãoinventeinada.Gregrealmentematouaquelamulher.–Vocênãotemcomosaber.–Saberoquê?–Épossívelqueeleatenhaencontradomorta,assimcomovocê.–Vocêsópodeestarbrincando–rosnouEmily.– ClaroqueGregmatou
amulher.Osanguenochãoaindaestavafresco.Eraelequemtinhamaisaperder.Eraelequemtinhaummotivoparamatar,alémdaoportunidade.–Vocêtambémtinhaummotivo.–Quemotivoeupoderiater?– Armar uma cilada para o seu ex-marido e icar com a guarda das
crianças.–Issoéridículo.–Vocêtemalgumaprovadequesuahistóriaéverdadeira?–perguntou
Myron.–Tenhooquê?–Eugostariadeveralgumtipodeprova.–Comoassim,prova?–rugiuela.–Quetipodeprova?Vocêachaoquê?
Queleveiumacâmeraetireifotos?–Qualquercoisaquecorroboresuahistória.– Por que diabo eumataria aquelamulher, Myron? Eu precisava dela
viva.Eraaúnicachancequeeutinhaparaficarcommeusfilhos.– Mas digamos que essa mulher realmente soubesse de alguma coisa
sobre oGreg – aventouMyron. –Algo concreto. Tipo... uma carta que eleescreveu,umagravaçãoemvídeo...–Eleesperoupelareaçãodela.–Sim,edaí?–Edigamostambémqueelatenhapassadoapernaemvocêevendido
paraoGregainformaçãoquetinha.VocêmesmadissequeGregchegouláprimeiro.Talvezeletenhapagadoàmulherobastanteparafazercomqueeladesistissedoacordoquetinhacomvocê.Aívocêchegaláedescobreoque aconteceu. Percebe que sua grande chance de recuperar os ilhosdesceu pelo ralo. Então mata a mulher e tenta incriminar a pessoa quemaisteriaaganharcomamortedela:Greg.Emilybalançouacabeça:–Issoéloucura.–VocêodiavaGregosuficiente–prosseguiuMyron.–Elejogousujocom
você,evocêresolveufazeromesmocomele.
–Nãomateininguém.Myronnovamenteolhoupela janela.Ostordosnãoestavammais lá,eo
quintal parecia um lugar ermo, semvida.Depois de alguns segundos, elefalou:–SeidagravaçãoquefizeramdevocêeMaggieMason.Os olhos de Emily icaram cheios de fúria por um breve instante. Os
dedosseapertaramemtornodacaneca;Myronchegouarecearqueelasepreparasseparaarremessá-la.–Comofoique...–disseEmily,ederepenterelaxouosdedos,bemcomo
orestodocorpo.–Deixapralá.Nãotemimportância.–Vocêdeveterficadofuriosa–disseMyron.Elanegoucomacabeça,edos lábiosdeixouescaparalgoparecidocom
umrisinho.–Vocênãoestáentendendo,Myron.–Nãoestouentendendooquê?–Eunãoestavaembuscadevingança.Aúnicacoisaqueimportavaera
queessagravaçãopodiatirarmeusfilhosdemim.– Pois estou entendendo muito bem – rebateu Myron. – Você faria
qualquercoisaparaficarcomeles.–Nãomateiaquelamulher.Myrondecidiumudardeestratégia.–OqueestárolandoentrevocêeMaggie?–perguntou.–Querosaber.Emilybufouumrisinhodeironia.–Oshomensesuasfantasias...–Nãosetratadisso.Emilydeuumgoleprofundonocafé.–Você viu a ita do início ao im? – perguntou.O tomera ummisto de
lerte e fúria. – Apertou o botão de câmera lenta algumas vezes? Reviucertaspartesatésefartar?Baixouascalçasparaassistir?–Não,nãoenão.–Oquevocêviuexatamente?–Apenasobastanteparasaberdoquesetratava.–Depoisparou?–Parei.Encarando-odooutroladodacaneca,elafalou:– Quer saber? Acredito no que está dizendo. Você sempre fez o tipo
“certinho”.–Emily,estoutentandoajudar.–AmimouaoGreg?
– Ajudar a descobrir a verdade. Suponho que você queira a mesmacoisa.Eladeudeombroscomdisplicência.–Então,quandovocêeMaggie...–Myronjuntouasmãosparagesticular
oquenãosabiaounãoconseguiadizer.Emilyriudodesconcertodele.–Aquelafoiaprimeiravez–disse.–Emtodososaspectos.–Nãocabeamimjulgar.–Suaopiniãonãointeressa.Vocêquersaberoqueaconteceu,nãoquer?
Poisbem.Foiaminhaprimeiravez.Aquelaputaarmouparacimademim.–Armoucomo?–Como?Vocêqueroquê?Ouvirosdetalhes?Quetomeinãoseiquantos
drinques,queestavamesentindosozinha,queelacomeçouapassaramãonaminhaperna,éisso?–Não,nãoéisso.–Entãovoulhedaroresumodaópera:Maggiemeseduziu.Játínhamos
lertado algumas vezes no passado. Ela me convidou para beber algumacoisanoGlenpointe,eencareiaquilocomoumaespéciededesa iopessoal.Sentia as duas coisas aomesmo tempo, atração e repulsa,mas sabia quenãochegariaàsviasdefato.Entãoaceiteioconvite.Masdepois...umacoisafoilevandoàoutra,eacabamossubindoparaoquarto.Fimdoresumo.–VocêestádizendoqueMaggiesabiadagravação?–Estou.–Comovocêsabe?Eladissealgumacoisa?–Não,nãodisse.Maseusei.–Como?–Myron, por favor.Não aguentomais esse seu interrogatório. Eu sei e
pronto,ok?Dequeoutromodoalguémpoderiasaberodiacertoeahoracertaparaesconderumacâmeranaquelequarto?Caínumaarmadilha, éevidente.Defato,pensouMyron.–Masporqueelafariaumacoisadessas?–perguntou.Exasperada,Emilyrespondeu:–Porra,Myron,aquelamulheréaputadotime.Poracasoelanãotentou
levar você para a cama também?Ah, já sei. Ela tentou e você pulou fora,certo?Emilysaiumarchandoparaasaladeestaresejogounumsofá.– Busca uma aspirina para mim, vai? – disse. – No armarinho do
banheiro.
Myronbuscouoscomprimidoseaágua,depoisvoltouàsala.–Precisofazerumaúltimapergunta.Emilysuspirou.–Oquê?–SoubequevocêfezcertasacusaçõescontraoGreg.–Foiminhaadvogada.–Eelastêmalgumfundodeverdade?Emilybotouoscomprimidosnalínguaebebeuaágua.–Algumas,sim.–Gregrealmenteabusavasexualmentedascrianças?– Estou exausta, Myron. Será que a gente pode conversar sobre isso
outrahora?–Abusavaounãoabusava?Emily olhou fundonos olhos deMyron, e ele sentiu uma lufada fria no
coração.–Greg queria tirarmeus ilhos demim– ela foi dizendo aos poucos. –
Tinhadinheiro,poder,prestígio...Agenteprecisavadealgumacoisa.Myronquebrouocontatovisual.Saindorumoàporta,disse:–Nãodestruaaquelecasaco.–Vocênãotemodireitodemejulgar.–Nesteexatomomento–disseele–,querodistânciadevocê.
capítulo33
AUDREYSERECOSTAVAnocarrodele.–Esperanzadissequevocêestariaaqui.Myronacenoucomacabeça.–Caramba,vocêestáumlixo–disseela.–Quehouve?–Umalongahistória.– Que daqui a pouco você vai me contar com suculentos detalhes –
acrescentou a repórter. – Mas primeiro eu: FionaWhite realmente foi aMissSetembrode1992.Ou,naspalavrasdaprópriabiscate, a “Gata-feradesetembro”.–Estábrincando.–Não.Quersaberoqueaexcita?Caminhadasaoluarnapraiaenoites
aconchegantesdiantedalareira.Myronsorriu,apesardetudo.–Quantaoriginalidade–disse.– E o que a faz brochar: homens rasos que só pensam na aparência
físicaehomenscompelosnascostas.–Citaramosfilmesprediletosdela?–AListadeSchindler–informouAudrey.–EUmrallymuitolouco2.Myronriu.–Vocêsópodeestarinventandotudoisso.–Tudo,menosofatodequeelafoiaGata-feradesetembrode1992.Myronbalançouacabeça.–GregDowningeamulherdomelhoramigo–suspirouele.Decertomodoanotíciaodeixoumaisaliviado.Agoralhepesavamenos
naconsciênciaoimbróglioque10anosanteselehaviaprotagonizadocomEmily.Myronsabiaquenãodeviaseconsolarcomumacoisadessas,masumhomemencontraconsolocomopode.Apontandoparaacasa,Audreydisse:–Então,oquerolouaícomaex?–Umalongahistória.–Vocêjádisseisso.Nãoestoucompressa.–Euestou.Elaergueuamãocomoumguardadetrânsito.– Não é justo, Myron. Tenho sido uma boa menina. Tenho feito meu
deverdecasadireitinho,aindanãoabrimeubico.Semfalarquevocênãomedeunemumpresentinhodeaniversáriosequer.Porfavor,nãomefaçatirardacartolaasameaçasdebotarabocanotromboneoutravez.Ela tinha razão. Myron lhe fez um breve relatório de atualização,
deixandode foraduaspartes: a gravaçãodeEmily comMaggie (nenhummotivo para que aquilo viesse a público) e o fato de que Carla era naverdade a infame Liz Gorman (a história era cabeluda demais para queumarepórterresistisseaoimpulsodepublicá-la).Audrey ouviu com atenção. Os cabelos de pajem haviam crescido
razoavelmentena franja,easmechas jácomeçavamaroçarosolhos.Vezououtraelaprojetavaolábioinferiorparaafastá-lascomumsopro.Myronnão se lembravade ter visto semelhante gesto emninguém commais de11anosdeidade.Chegavaaserfofo.–Vocêacreditounela?–perguntouAudrey,novamenteapontandopara
acasadeEmily.–Sei lá–disseMyron.–Ahistóriadelaatéquefazcertosentido.Emily
não tinha nenhum motivo para matar a mulher, a menos que quisesseincriminaroGreg,eissomeparecepoucoprovável.Audreyinclinouacabeçacomosedissesse“podeserquesim,podeser
quenão”.–Quefoi?–perguntouele.– Bem, você não acha que talvez estejamos examinando essa história
pelaperspectivaerrada?–Comoassim?– Partimos do pressuposto de que a tal chantagista tinha algum podre
sobreDowning–cogitouAudrey.–MastambémépossívelqueessepodrefossesobreEmily.Myron não disse nada, apenas olhou novamente para a casa como se
pudesseencontraralialgumaresposta.–SegundoEmily–prosseguiuAudrey–, a chantagistaaprocurou.Mas
porquê?ElaeGregjánãoestavammaisjuntos.–Carlanãosabiadisso–argumentouMyron.–AchavaqueEmilyainda
eraamulherdeGregeporissotentariaprotegê-lo.– É uma possibilidade – concedeu Audrey. –Mas não creio que seja a
melhor.–VocêestásugerindoqueachantagemeraparaaprópriaEmily,enão
paraoGreg?Audreyespalmouasmãosparaocéu.– Só estou dizendo que essa possibilidade também existe. Talvez a
chantagistasoubessedealgumacoisasobreEmily,algoqueGregpudesseusarcontraelanoprocessodecustódia.Myroncruzouosbraçoseserecostounocarro.–MaseoClip?–aventou.–Seachantagistasoubessedealgumacoisa
sobreEmily,porqueClipficariainteressado?–Não sei – respondeuAudrey. – Talvez ela soubesse de algo sobre os
dois.–Sobreosdois?– Claro. Algo que pudesse destruir a vida de ambos. Ou talvez Clip
quisesseevitarqueessachantagem,fosseelaqual fosse, tirasseofocodeGregdocampeonato.–Fazalgumaideiadoquepodeser?–Nenhuma–disseAudrey.Myron deu asas à imaginação por alguns segundos, mas nada lhe
ocorreu.–Talveztenhamosaoportunidadededescobrirhojeànoite–falou.–Hojeànoite?–É.–Como?–Ochantagistaligou.Quermevenderainformação.–Onde?–Aindanãosei.Vai ligardenovo.Aschamadasparaonúmerodecasa
serãoencaminhadasparaomeucelular.Como se por encomenda, o celular de Myron tocou, e ele o pescou do
bolso.EraWin.–Aagendadonossocaroprofessorestavapregadaàportadasaladele
– falou. – Ainda dará aulas por mais uma hora. Depois disso, icará àdisposição dos alunos para que os pobres coitados possam choramingarsobresuasnotas.–Ondevocêestá?–NocampusdaColumbia– respondeuWin.–Aliás, asmoçasporaqui
atéquenãosãomás.Paraumauniversidadedeelite,éclaro.–Folgoemsaberquevocênãoperdeuseuspoderesdeobservação.–Defato–disseWin.–Vocêjáterminoucomnossaamiga?Nossa amiga era Emily. Win não con iava nos celulares a ponto de
mencionarnomes.–Já–disseMyron.–Ótimo.Aquehorasvocêvementão?
capítulo34
WIN OCUPAVA UM BANCO PRÓXIMO ao portão da universidade na rua 116.VestiacalçascáquiEddieBauer, top-siderssemmeia,camisasocialazulegravatadegrife.–Estoutentandomemisturar–explicou.–ComoumjudeunaMissadoGalo–observouMyron.–Bowmanainda
estádandoaula?Winconfirmoucomacabeça:–Deveatravessaraquelaportadaquia10minutos.–Comoeleé?Vocêsabe?Winpassou-lheoanuáriodocorpodocente.–Página210–disse.–Então,comofoicomaEmily?Myron fez seu pequeno relato. Uma morena alta, embrulhada numa
malha preta justíssima, passoupor eles comos livros apertados ao peito.JulieNewmaremBatman.WineMyronaseguiramcomoolhar.Miau.Terminadoorelato,WinnãocrivouMyrondeperguntas.Apenasdisse:–Tenhoumareuniãonoescritório.Vocêseimporta?Myron disse que não, e Win se foi. Com os olhos grudados no chão,
Myronesperouuns10minutosatéqueosalunoscomeçaramadeixarosdiversos prédios do campus. Dali a pouco, o professor Sidney Bowmantambém saiu. Tinha o mesmo aspecto desleixado e a mesma barbaacadêmica que exibia na foto do anuário. Já era calvo no alto da cabeça,masos iosdafrenteeramridiculamentelongos.Usavacalçasjeans,botasTimberlandeumacamisadeflanelavermelha.Bowman ajeitou os óculos sobre o nariz e seguiu andando. Myron
esperou que ele se afastasse umpouco antes de começar a segui-lo.Nãotinhapressa.Obomprofessorde fatovoltavaparasuasala.Atravessouogramadocentralesumiunasentranhasdeoutroprédiode tijolos.Myronencontrouumbancoeseacomodou.Umahorasepassou.Observandoosalunos,Myronsesentiaumancião.
Deveria ter trazido um jornal. Sem nada para ler, só lhe restava pensar.Freneticamenteelelevantavanovaspossibilidadeseasrechaçavalogoemseguida.Sabiaqueestavadeixandoescaparalgumdetalhe,vislumbrava-oaolonge,mas,semprequetentavapescá-lo,via-onovamentesedissipar.Derepentesedeucontadequeaindanãohaviaconferidoasmensagens
nasecretáriaeletrônicadeGreg.Pegouocelularediscouonúmero.Apósagravação inicial, digitou 173, o código que Greg tinha programado namáquina.Haviaapenasumrecado,masdifícildedecifrar.–Nãováfazernenhumamerda–diziaavozdistorcidaeletronicamente.
–JáfaleicomoBolitar.Eleestádispostoapagar.Éissooquevocêquer?Fimdorecado.Myronpermaneceuimóvelporalgunssegundos,encarandoumaparede
de tijolos nus, isto é, sem a indefectível hera dos prédios universitáriosamericanos.Quediaboaquilopoderia...“Eleestádispostoapagar.Éissooquevocêquer?”Myronapertouoasteriscoparaouvirorecadoumasegundavez.Euma
terceira também. Decerto teria ouvido uma quarta vez caso o professorBowmannãotivessesubitamentereaparecidoàporta.Oprofessoragoraconversavacomdoisalunos,etodosexibiamofervor
e a seriedade típica dos acadêmicos. Sem interromper o colóquio,certamentesobrealgodesumaimportância,otriofoisaindodocampusedescendo pela Amsterdam Avenue.Myron guardou o celular e partiu naesteira deles. Na altura da rua 112, o grupo se separou. BowmanatravessouaruaeseguiurumoàCatedraldeSãoJoão,oDivino.A catedral era uma edi icação de proporções enormes, curiosamente a
maior do mundo em termos de metragem cúbica (para efeitos deestatística, a de São Pedro, em Roma, era considerada uma basílica, nãouma catedral). Em muitos aspectos lembrava a cidade em que estavasediada:eradeslumbrante,porémcareciadereparos.ColunasgigantescasebelíssimosvitraisconviviamladoaladocomplacasdotipoOBRASNOLOCAL(embora datasse de 1892, a construção ainda estava por terminar) eVIGILÂNCIA ELETRÔNICA PARA SUA PROTEÇÃO . Tapumes escondiam buracos nafachadadegranito.Àesquerdadaquelapérolaarquitetônica icavamdoisdepósitosdealumínioquetraziamà lembrançaimagensdavinheta inicialdeGomer Pyle. À direita icava o Jardim de Esculturas Infantis com suaFonte da Paz, uma enorme escultura que inspirava diferentes estadosmentais, nenhum deles associado à paz. Imagens de cabeças emembrosdecepados, pinças de lagostas, mãos se projetando da terra como setentassem escapar do inferno, um homem retorcendo o pescoço de umcervo, tudo isso colaborava para criar uma atmosfera mais adequada aDanteouGoyadoqueàtranquilidadedoespírito.Bowman agora contornava a catedral pela direita. Myron sabia que
naquelas imediações também havia um abrigo para moradores de rua.Mantendo certa distância, ele continuou no encalço do professor. A certa
altura, Bowman passou por um grupo de mendigos, todos vestindocamisetas de tecido sintético e calças que escorregavam traseiro abaixo;alguns acenaram para ele, outros o chamaram pelo nome. Bowman oscumprimentoudevoltaesumiudooutroladodeumaporta.Myroncogitouo que fazer. Na verdade, não tinha escolha. Ainda que fosse obrigado arevelarsuarealidentidade,teriaqueentrar.Passou pelos mendigos, cumprimentou-os com um sorriso, e eles
sorriram de volta. A entrada do abrigo era uma porta preta de folhasduplascomumacortinadechita.Nãomuitolongedaliseviamduasplacas;naprimeiraselia:DEVAGAR,CRIANÇASBRINCANDOe,naoutra,ESCOLADACATEDRAL.Ladoalado,umabrigodemendigoseumaescolainfantil.Umacombinaçãoinusitada,masinteressante.SóemNovaYork.Myron entrou. Homens e colchões puídos se espalhavam pelo lugar. O
cheirolembravaodeumbongdepoisdeumalonganoitelisérgica.Elefezoquepôdepara evitar uma careta denojo. Viu o professor conversandocom alguns homens num dos cantos. Nenhum deles era ColeWhiteman/Norman Lowenstein. Myron esquadrinhou os rostos hirsutos,osolhosvazios.Eles se reconheceram quase ao mesmo tempo. Encararam-se por um
segundoapenas,masfoioquebastou.Do outro lado do cômodo, Cole Whiteman se virou e partiu em
disparada. Desviando-se dos colchões, Myron irrompeu atrás dele. Oprofessor imediatamentepercebeuoalvoroçoesaltoucontraMyron,que,no entanto, sem interromper a corrida e com uma simples cotovelada,conseguiuderrubá-lo.Umafaçanha,aindaqueoprofessorcinquentãonãodevessepesarmaisdoque90quilos.Whitemanescapouporumaportanosfundosdoabrigo,batendo-aatrás
desi.Myroncruzou-apoucodepois.Elesagoraestavamnarua,masdaliapoucoWhitemanescalouumaescadademetal e sumiuno corpo traseiroda catedral. Myron fez o mesmo. O interior da nave não era lá muitodiferente da fachada: joias da arte e da arquitetura se misturavam àdecrepitude e ao mau gosto. No lugar dos bancos, por exemplo,en ileiravam-se diversas cadeiras dobráveis. Tapeçarias belíssimasdecoravam as paredes sem nenhuma organização aparente. Escadas seapoiavamnasespessascolunas.Myron viu Cole sair novamente por uma porta próxima. Partiu atrás
dele,aspassadasecoandoatravésdagigantescaabóbada.Elesestavamdevolta à rua. Coledesceuporumaescadaque levava aos subterrâneosdacatedraleatravessouumapesadaportacorta-fogo.Umaplaca informava:
PROGRAMA A.C.T. O lugar parecia uma escola ou creche do subsolo. Os doishomensseguiramemdisparadaporumcorredormargeadodeescaninhosvelhoseenferrujados.Coledobrouàdireitaesumiudooutroladodeumaportademadeira.Aoabriressaporta,Myronsedeparoucomumaescadariaescura.Ouviu
passos lá embaixo e foi descendo rapidamente os degraus, afastando-secada vez mais da luz que vinha de cima. Ele agora se encontrava nasentranhas da catedral. As paredes de cimento eram úmidas ao toque.Myron tinha a impressão de que estava entrando numa catacumba oucripta ou qualquer outra coisa igualmente funesta. Não sabia dizer se ascatedraisamericanas,comoaseuropeias,tambémtinhamcriptas.Descendooúltimodegrau,viu-se imersonumaescuridãoquase total, a
luz de cima não era mais que um vestígio distante. Perfeito. Ele seguiucaminhando pelo buraco negro em que se metera, aguçando os ouvidosfeitoumcãodecaça.Nãoouvianada.Tateandoaoredor,tentouencontraralgum interruptor. De novo, nada. O lugar estava gélido apesar do arparado.Fediaamofo.Myronnãosesentiabemali.Nemumpouco.Elefoiseguindovagarosamenteadiante,comosbraçosestendidoscomo
osdomonstrodeFrankenstein.–Cole–chamou.–Queroapenasconversar.Aspalavrasecoaramdeumladoaoutroatésedissiparemporcompleto.Elefoiemfrente.Olugarestavasilenciosocomo...bem,comoumacripta.
Myron havia atravessado uns dois metros quando os braços estendidosencontraram algo. Um volume de super ície fria e lisa. Como omármore,elepensou.Percebeuquesetratavadeumaestátuaecorreuasmãosporela. Identi icou os braços, os ombros, as costas, uma asa. Decerto algumadecoraçãomortuária.Rapidamenteeleseafastou.Ficando o mais imóvel possível, novamente aguçou a audição. Mas o
único ruído que percebia era o zunido dos próprios ouvidos, como seconchas marinhas os cobrissem. Cogitou voltar para cima, mas isso nãoseria possível. Cole agora sabia que sua identidade estava em perigo;certamenteprovidenciariaoutraejamaisseriavistooutravez.AquelaeraaúnicachancedeMyron.Eleseguiuadiante,agoraabrindocaminhoapenascomospés,quedalia
poucoatingiramalgoduroeintransponível.Maisumaestátuademármore,ele deduziu, e a contornou. Pouco depois, deteve-se ao ouvir o ruído dealgo ou alguém se arrastando pelo chão. Ratos? Não. Seguramente algomaior. A lito, o coração retumbando no peito, ele icou onde estava eesperou. A essa altura os olhos já haviam se ajustado razoavelmente à
escuridão, e ele pôde distinguir algumas iguras altas e sombrias. Maisestátuas. Todas com a cabeça curvada. Myron imaginou a expressão deserenidade religiosano rostodelas, oriundada certezadequeosmortostinhampartido para um lugar bemmais aprazível do que aquele buracoescuroebolorento.Ele já ia dando outro passo quando dedos frios o agarraram pelo
tornozelo.Myrondeuumgrito.Puxado pelas pernas, foi ao chão. Chutando, desvencilhou-se e foi se
arrastandoparatrásatébaterascostascontraomármoredaestátuamaispróxima.Umhomemriu grotescamente, eMyron sentiuospelosdanucase eriçarem.Outro homem riu. Depoismais outro. Como se um grupo dehienasocercasse.Ele tentou icar de pé, mas, a meio caminho, foi subitamente atacado
pelos homens. Não sabia dizer quantos pares demãos o derrubavam devolta ao cimento frio do chão. Desferindo um murro às cegas, atingiu orosto de alguém, que grunhiu de dor e caiu. O ataque se acirrou.Myronagora se achava estatelado no chão, debatendo-se cega e freneticamenteem meio aos grunhidos e rosnados. A fedentina de suor e álcool erasufocanteeinescapável.Asmãosagoraestavamportodaparte.Umadelaslhe surrupiou o relógio; outra, a carteira. Myron desferiu outro murro,atingindocostelas.Outrohomemgrunhiuefoiaochão.Alguém acendeu uma lanterna e apontou-a contra os olhos dele. A
impressãoeraadequeumalocomotivaseaproximavaparaatropelá-lo.–Chega–alguémdisse.–Deixemeleempaz.As mãos se afastaram como cobras escorregadias. Myron tentou se
sentar.–Antesquevocêfaçaalgumabesteira–avisouoportadordalanterna–,
dêumaolhadanistoaqui.–Eleiluminouorevólverqueempunhava.– Sessenta pratas? – disse outro. – Só isso? Merda! – E arremessou a
carteiracontraopeitodeMyron.–Mãosnacabeça.Myron obedeceu. Alguém o agarrou e o imobilizou pelos antebraços,
estirandoostendõesdosombros,eumoutrohomemoalgemou.–Agorasaiam–ordenouoquepareciaserochefedobando.Myronouviuotropeldosqueseretiravam.Oar icousubitamentemais
respirável.Umaportaseabriu,mas,ofuscadopelalanterna,Myronnãovianada.Seguiu-seumsilêncio.Daliapoucoohomemdalanternadisse:–Lamentoportudoisso,Myron.Daquiaalgumashoraselesvãodeixar
vocêsair.–Atéquandovocêpretendecontinuarfugindo,Cole?ColeWhitemanriu.–Faztantotempoqueestounessavida...Achoquejámeacostumei.–Nãovimaquiprendervocê.–Imagineomeualívio–ironizou.–Então,comodescobriuquemeusou?–Nãofazdiferença–disseMyron.–Paramim,faz.– Não tenho nenhum interesse em entregar você para a polícia. Só
preciso de algumas informações. – Myron piscava contra o lume dalanterna.–Comovocêsemeteunessahistória?–perguntouCole.–GregDowningdesapareceu.Fuicontratadoparaencontrá-lo.–Você?–Sim.ColeWhiteman riu comgosto, e sua risada foi ecoandonumcrescendo
atéque,paraalíviodeMyron,sumiuaolonge.–Qualfoiagraça?–perguntouele.–Umapiadaparticular.–Cole icoudepé.–Desculpe,masagorapreciso
ir.–Edesligoualanterna.Abandonadoaomesmobreudeantes,Myronficouali,ouvindoospassos
deColerumoàporta.Antesqueelesaísse,berrou:–VocênãoquersaberquemmatouLizGorman?OspassosseguiramseminterrupçãoatéqueMyronouviuoruídodeum
interruptor. Uma lâmpada fraca se acendeu. Não mais que 40 watts.Embora não iluminasse muito, era bem melhor do que nada. Aindapiscando para afastar os pontinhos pretos deixados pela luz forte dalanterna, Myron avaliou seu entorno. Estátuas de mármore estavam portoda parte, en ileiradas ou empilhadas sem nenhuma lógica ou método,algumastombadas.Nãosetratavadeumacriptaa inal,masdeumbizarrodepósitodeartesacra.ColeWhitemanvoltou e se sentouno chão à frentedeMyron.Abarba
grisalha ainda estava lá, farta em alguns pontos, totalmente ausentenoutros. Os cabelos se projetavam em todas as direções possíveis.Baixandoaarma,eledisse,quaseameia-voz:–QuerosabercomoLizmorreu.–Foinocauteadacomumtacodebeisebol–disseMyron.Colefechouosolhos.–Quemamatou?
– É isso que estou tentando descobrir. Nesta altura, GregDowning é oprincipalsuspeito.Colefezquenãocomacabeça.–Elenãotevetemposuficiente–falou.Myronsentiuumapertonoestômago.Tentouumedeceroslábioscoma
língua,masabocaestavasecademais.–Vocêestavalá?–perguntouele.–Dooutroladodarua,atrásdeumalatadelixo.–Coleabriuumsorriso
vazio. – Quer passar despercebido? Basta se fazer de mendigo. – Com aagilidadedeumiogue,elenovamente icoudepé.–Umtacodebeisebol–disse. Beliscou a ponte do nariz, deu as costas para Myron e baixou acabeçaparachorar.–Cole,meajudeaencontrarquemfezisso.–Equemotivoseuteriaparaconfiaremvocê?–Oueu,ouapolícia–argumentouMyron.–Vocêéquemsabe.Issofezcomqueelerefletisseumpouco.–Apolícianãovaimexerumdedo.AchamqueLizeraumaassassina.–Entãomeajude.Colevoltouasesentar,agoramaispróximo.–Nãosomosassassinos.Foiogovernoquenosrotulouassim,eéassim
que todomundo nos vê agora. Mas não é verdade. Entende o que estoudizendo?–Entendo–assentiuMyron.Coleoencaroudeummodoagressivo.–Vocêestásendocondescendentecomigo?–Não.– Não tolero condescendência. Se quiser que eu ique para
conversarmos,nempenseemsercondescendente.Sejahonestocomigo.Eeusereihonestocomvocê.–Ótimo–disseMyron.–Nessecaso,pre iroquevocêmepoupedessa
balela de que “não somos assassinos, somos apenas defensores daliberdade”.Hojenãoestoucompaciênciapara“Blowin’intheWind”.–Noseuentender,édissoqueestoufalando?– Cole, você não está sendo perseguido por um governo de fanáticos.
Você sequestrou e matou um homem. Pode dourar a pílula o quantoquiser,masfoiissoquevocêfez.Colequasesorriu.–Vocêrealmenteacreditanisto.–Calmaaí,deixaeuadivinharoquevocêvaifalar–disseMyron,eolhou
paraoaltocomoseestivessere letindo.–Soumaisumavítimadalavagemcerebral do governo, certo? Tudo não passa de um complô da CIA paraliquidarmeiadúziadeuniversitáriossubversivos.–Não–disseele.–MasnãomatamosHunt.–Quemmatou,então?Colehesitouumpoucoantesderesponder;piscavapararebateroque
pareciamserlágrimas.– Hunt se suicidou – revelou a inal, e voltou os olhos marejados para
Myron,àesperadealgumareação.Myronnãodissenada.–Osequestro foiapenasumaencenação–prosseguiuele. –A ideia foi
dopróprioHunt.Elequeriaatingiropai, entãopensou:nadamelhorquetirarodinheirodovelhoedepoisfazê-lopassarporumgrandeidiota.Masdepoisos ilhosdaputanoscercaram,eHuntoptouporoutravingança.–Colenovamente ameaçava chorar. – Ele saiu correndo comumaarmanamão, gritando: “Vá se foder, Mr. Flootworth!”. E depois estourou osprópriosmiolos.Myronpermaneceumudo.–Podeexaminarnossahistóriasequiser–disseCole,quaseemtomde
súplica.–Éramosumbandodevagabundosinofensivos.Semprequehaviaalgumapasseatacontraaguerra, lá íamosnós.Muitamaconhanacabeça.Jamais cometemosqualquer tipode violência.Nem sequer tínhamosumaarma,anãoseroHunt.Eleerameucolegadequartoemeumelhoramigo.Jamaisfariaalgumacoisacontraele.Myron não sabia exatamente no que acreditar; além disso, naquelas
circunstâncias, não tinha tempo para se preocupar com a morte de umrapazotede20anos.Ficouali, esperandoqueColeprosseguisse comsuacatarse, mas o homem continuava calado. Então decidiu retomar seuassunto:–VocêviuGregDowningentrandonoapartamentodeLizGorman?Colelentamentefezquesimcomacabeça.–LizestavachantageandoGreg?–Nãoapenasela–corrigiuele.–Aideiafoiminha.–Oquevocêssabiamarespeitodele?–Nadademuitoimportante.–MasquetalveztenhaprovocadoamortedeLiz.–Podeser–concedeuCole.–Masvocênãoprecisasaberdosdetalhes.
Confieemmim.Myronnãoestavaemcondiçõesdepressionar.
–Quemaisvocêviunaquelanoite?–perguntou.Cole coçou um tufo de barba com a ânsia de um gato que se coça na
árvore.– Como eu disse, estava do outro lado da rua. Quem vive na
clandestinidade costumaobservar certas regras. Foramessas regrasquenosmantiveramvivoseem liberdadenosúltimos20anos.Umadelaséaseguinte:nuncapermanecerjuntosdepoisdecometerumcrime.Apolíciasempreprocuraporgrupos,nuncaporindivíduos.Desdequeviemosparacá, eu e Liz sempre cuidamos para que nunca fôssemos vistos juntos.Falávamosapenasportelefone.–EquemsãoGloriaKatzeSusanMilano?–perguntouMyron.Cole abriu um sorriso triste. Percebendo os dentes que lhe faltavam,
Myroncogitouseaquilofaziapartedodisfarceoudealgomaissinistro.–Outrodiafalamossobreelas–contouCole.–Tudobem–disseMyron.–Entãocontinua.NorostodeCole,asrugaspareciammaisprofundasesombriassobaluz
fracaqueasiluminava.Semnenhumapressaelefoidizendo:–Liz jáestavademalasprontaspara irembora. Íamosbotaramãono
dinheiroe cair forada cidade, tal comohavíamosplanejado.Eu sóestavaesperandopelosinaldela.–Quesinal?–Depoisqueodinheirofossecoletado,elapiscariaaluzdoapartamento
três vezes, dizendo que dali a 10 minutos estaria na rua. Nosencontraríamosna rua 116 e tomaríamos a linha1 do trempara sair dacidade.Masnãohouvesinalnenhum.Naverdade,asluzesdoapartamentonemsequerseapagaram.Fiqueicommedodesubirparaveroquetinhaacontecido,claro.Tambémtemosregrassobreisto.–Quementregariaodinheironaquelanoite?– Três pessoas – disse Cole, erguendo os três dedos maiores. – Greg
Downing...–Lásefoioanular.–Amulherdele,cujonomenãomelembroagora...–Emily.– Certo, Emily. – Lá se foi o dedomédio. – E o velhote que é dono dos
Dragons.–Elásefoioindicador.Myronarregalouosolhos.–Esperaaí.ClipArnsteintambémeraesperadonaquelanoite?–Nãosóeraesperadocomodefatoapareceu.Sentindoofriopolarquelheatravessavaosossos,Myronfalou:–Clipestavalá?
–Estava.–Eosoutrosdois?–Todosostrêsapareceram.Masessenãoeraoplano.Oplanoeraque
LizseencontrassecomDowningnumbarnocentrodacidade.Atransaçãoseriafeitalá.–UmtaldeChaléSuíço?–Exatamente.–MasGregtambémfoiaoapartamento?–Maistarde,sim.PorémClipArnsteinchegouprimeiro.Myron imediatamente se lembrou da advertência queWin havia feito,
dizendoqueaadmiraçãoqueele,Myron, tinhaporClipo impediadeverascoisascomobjetividade.–QuantoClipiriapagar?–Trintamildólares.–Apolíciaencontrouapenas10milnoapartamento–disseMyron.–E
todasascédulaseramdoassaltoaobanco.Coledeudeombros:– Ou o velho não pagou, ou o assassino levou o dinheiro. – Depois,
pensandomelhor,emendou:–TambémépossívelqueClipArnsteintenhamatadoLiz.Maselemeparecevelhodemaisparaumacoisadessas,vocênãoacha?Myronnãorespondeu;disseapenas:–Quantotempoeleficounoapartamento?–Dez,15minutos.–Quementroudepois?–GregDowning.Eulembroqueelecarregavaumamaleta.Deduziqueo
dinheiro estava dentro. Entrou e saiumuito rápido... não deve ter icadonem um minuto. E ainda carregava a maleta quando saiu. Foi aí quecomeceiamepreocupar.–Greg teve tempo su icienteparamatá-la – argumentouMyron. –Não
demoramuitoparamataralguémcomumtacodebeisebol.– Mas ele não estava carregando taco nenhum – retrucou Cole. – A
maleta não era grande o bastante. E Liz tinha um taco no apartamento.Detestavaarmas,entãotinhaessetacoparaseproteger.Myronsabiaquenenhumtacohaviasidoencontradonoapartamentode
LizGorman.Issosignificavaqueoassassino,ouassassina,haviausadoodeLiz. Seria possível queGreg tivesse subido ao apartamento, encontrado otaco,matadoLizefugidonumintervalotãocurto?Poucoprovável.
–EEmily?–perguntouMyron.–Foiaquesubiuporúltimo–revelouCole.–Quantotempoelaficoulá?–Cincominutos,maisoumenos.Temposuficientepararecolherprovaseplantá-lasdepois.–Vocêviumaisalguémsubir?–Claro–disseCole.–Muitosalunosmoramnaqueleprédio.– Mas podemos a irmar que Liz já estavamorta quando Greg chegou,
nãopodemos?–Sim.–Então a pergunta é: quementrounoprédio domomento emque Liz
chegoudoChaléSuíçoatéachegadadeGreg?Colepensouumpouco,depoisfalou:–Estudantes,quasetodos.Tinhaumsujeitorealmentealto...–Altoquanto?–Seilá.Muitoalto.–Eutenho1,95m.Maisaltodoqueeu?–Achoquesim.–Eranegro?–Nãosei.Euestavadooutroladodarua,ealuzerafraca.Eunãoestava
vigiando com tanta atenção assim. Talvez ele fosse negro, sim. Mas nãoachoquesejaquemestamosprocurando.–Porquenão?– Fiquei diante do prédio até amanhã seguinte, e o sujeito não voltou
paraarua.Comcertezamoralá,ouentãopassouanoitecomalguém.Achodifícilqueoassassinosedemorassetanto.Realmente,pensouMyron.Ele tentouprocessar tudooqueacabarade
ouvir com a frieza de um computador, mas os circuitos já estavamsobrecarregados.– Quem mais você se lembra de ter visto? – perguntou. – Alguém
chamousuaatenção?Colerefletiumaisumpouco,osolhoscorreramsemrumopeloambiente.– Teve uma mulher – disse a inal. – Ela entrou pouco antes de Greg
subir.Pensandomelhor,tambémsaiuantesdachegadadele.–Comoeraessamulher?–Nãolembro.–Morena,loura?Colebalançouacabeça.– Sóme lembro dela por causa do casaco comprido. Demodo geral os
universitários só vestem jaquetas de náilon ou algo assim.Me lembro deterpensadoquesetratavadeumaadulta.–Elacarregavaalgumacoisa?Ouentão...– Olha, Myron, sinto muito, mas preciso ir. – Cole icou de pé e olhou
Myroncomumaexpressãovaziaeperdida.–Tomaraquevocêencontreoilhodaputa–disse.–Lizeraumaboapessoa.Nuncafezmalaninguém.Nenhumdenósfez.Antesqueelevirasseascostas,Myronperguntou:–Porquevocêmeligouontemànoite?Oquetinhaparamevender?Coleabriuumsorrisotristeefoiseafastando.Antesdealcançaraporta,
virou-se:– Agora estou sozinho. Gloria Katz levou um tiro no primeiro ataque.
Morreu três meses depois. SusanMilanomorreu num acidente de carroem1982.Lizeeumantivemosamortedelasemsegredo.Queríamosqueapolícia continuasse procurando por quatro pessoas em vez de duas.Achávamos que isso facilitaria nossa fuga. Portanto é isso: dos quatro,agorasórestaeu.Ele exibia no rosto a expressão de um sobrevivente exausto que já
começavaaseperguntarseosmortosnonaufrágionãohaviamtidosortemelhor.Quasesearrastando,voltouparaMyroneabriuasalgemas.–Podeir–falou.Myronficoudepéeesfregouospulsos.–Obrigado.Coleapenasmeneouacabeça.–Nãovoucontaraninguémsobrevocê.–É,eusei.
capítulo35
MYRONCORREUDEVOLTAPARAOCARRO ediscouonúmerodeClip.InformadopelasecretáriadequeoSr.Arnsteinnãoseencontravanoescritório,pediua ela que transferisse a ligação para Calvin Johnson e esperou na linha.Daliapoucoouviu:–Myron,eaí?–Calvin,ondeestáoClip?–Devevoltardaquiaalgumashoras.Certamenteantesdojogo.–Ondeeleestáagora?–Nãosei.–Tenteencontrá-lo–pediuMyron.–Depoismeligue.–Oqueestáacontecendo?–perguntouCalvin.–EncontreoClipemeligue–disseapenas,edesligou.Emseguidaabriuajaneladocarroerespiroufundo.Passavapoucodas
seishoras.Àquelaalturaamaioriados jogadores jáestariaseaquecendono estádio. Ele seguiu pela Riverside Drive e atravessou a GeorgeWashingtonBridge.SóentãodiscouonúmerodeLeonWhite.Umamulheratendeu:–Alô?Alterandoavoz,Myronfalou:–Sra.FionaWhite?–Sim,soueu.– Gostaria de fazer uma assinatura daPopularMechanics? Temos uma
ofertaespecial,maséporpoucotempo.–Não,obrigada.–Edesligou.Conclusão: Fiona White, a GatSet que costumava prometer noites de
êxtase,estavaemcasa.Horadefazerumavisitinha.MyrontomouaRoute4esaiunaKindermackRoad.Chegoudaliacinco
minutos.Acasatinhaoestilodeumacasadefazenda,comtijolospintadosde laranja e janelas em forma de losango. Um estilo arquitetônico queestiveraemvogapordoismesesem1977, tãoduradouroquantoo ternojeans. Myron estacionou diante da garagem. O caminho de cimento quelevava à porta era margeado por cerquinhas de ferro bambas,entremeadasportrepadeirasdeplástico.Umaauladesofisticação.Eletocouacampainha.FionaWhitesurgiuàportausandoumablusade
estampa loral verde, desabotoada, e umamalha justabranca.Os cabelosdescoloridos se prendiam num coque alto que já ameaçava desabar;mechassoltascaíamsobreosolhoseasorelhas.Surpresa,eladisse:–Poisnão?–Olá, Fiona. SouMyronBolitar. Fomos apresentados outro dia na casa
doTC.Aexpressãodesurpresapermaneceuondeestava.–Leonnãoestá.–Euqueriafalarcomvocê.Fionasuspirouecruzouosbraçossobreospeitosfartos.–Sobreoquê?–Possoentrar?–Estouocupada.–Achoqueseriamelhorsepudéssemosconversaremparticular.–Jáestamos–disseelaimpassível.–Oquevocêquer?Myron deu de ombros e tirou da cartola seu sorriso mais charmoso,
entretantoviuquenãochegariaalugarnenhumcomele.Entãodisse:–QuerosabersobrevocêeGregDowning.Fionabaixouosbraços,agoramaisperplexadoqueantes.–Oquê?– Sei do e-mail que você mandou para ele. GatSet. Vocês iam se
encontrarnoúltimosábadopara...–Myronabriuaspascomosdedos–“amelhornoitedeêxtaseimaginável”.Fiona ameaçou fechar a porta, porém Myron a deteve com um pé na
fresta.–Nãotenhonadaalhedizer–disseela.–Minhaintençãonãoécausarproblemas.ElaempurrouaportacontraopédeMyron.–Vaiembora.–EstoutentandolocalizaroGreg.–Nãoseiondeeleestá.–Vocêsestavamtendoumcaso?–Não.Agoravá.–Lioe-mail,Fiona.–Penseoquequiser.Nãovoufalarcomvocê.– Tudo bem – disse Myron, recuando e espalmando as mãos. – Posso
perguntaraoLeon.–Façacomoacharmelhor–rugiuFiona.–Não tivecasocomninguém.
NãomeencontreicomGregnosábado.Nãoseiondeeleestá.–Ebateua
porta.Aproveitamentozero,pensouMyron.Voltandoaocarro,aindaantesdeabriraporta,eleavistouoBMWpreto
comvidroescuroquevinhazunindopelarua.Ocarrofreoubruscamenteaseulado,eLeonsaltoufuriosodaportadianteira.–Quediabovocêestáfazendoaqui?–gritouele.–Calma,Leon.– Calma, nada! – Leon encarava Myron, quase o atropelando. – Está
fazendooqueaqui,hã?–Vimfalarcomvocê.–Porranenhuma–OsperdigotosmolharamorostodeMyron.–Agente
jádeviaestarnoestádiohámuitotempo–disseLeon,empurrando-ocomum safanão. Myron cambaleou para trás. – O que quer aqui? – Leon oempurrounovamente.–Perdeualgumacoisa?–Nãoéoquevocêestápensando.–Achouqueiaencontrarminhamulhersozinha,nãoachou?–Nãoénadadisso.Leon ameaçouum terceiro empurrão,masMyron já estavapreparado.
Antesde ser atingido, ele cravouamãono antebraçodeLeon e o torceupara trás, obrigando-o a se ajoelhar. Em seguida, utilizandoo braço livre,imobilizou-ocomumagravata.–Estácalmo?–perguntou.–Filhodaputa–xingouLeon,gemendo.–Estouvendoquenão.–Myronpressionouaindamaisoantebraçodele,
estirandoostendõesdocotoveloparaaumentarador,mascuidandoparaqueelesnãoserompessem.–Gregsumiudenovo–disse.–Porissoestounaequipe.Fuicontratadoparaencontrá-lo.Aindasubjugado,dejoelhos,Leonfalou:–Eoqueeutenhoavercomisso?–Vocêstiveramumdesentendimento–disseMyron.–Querosaberpor
quê.Leontentouvirarorostoparafalar:–Mesolta.–Sevocêpartirparaabrigaoutravez...–Nãovoufazernada.Mesolta,porra.Myron esperou alguns segundos antes de aquiescer. Por im, Leon se
levantoueesfregouobraçotorcido.Myronoencarou,eeledisse:–VocêveioaquiporqueachouqueGregeFionaestavamsepegando.–Eestavam?
Leonbalançouacabeça:–Masnãofoiporfaltadetentativa.–Comoassim?–Eu achava queGreg erameumelhor amigo.Que nada. Ele é sómais
um desses marrentos do esporte, esses caras que se acham e se dão odireitodemeteramãonoqueveempelafrente.–IncluindoFiona.–Elebemquetentou.MasFionanãoédessas.Myronnãodissenada.Nãolhecabiadizernada.–TodahoraaparecealguémdandoemcimadaFiona–prosseguiuLeon.
–Por causado jeitãodela.E tambémpor causadessamerdade racismo.Daí,quandovivocêaqui...–Elesacudiuosombrosesecalou.–VocêchegouaconfrontaroGreg?–perguntouMyron.–Sim–respondeuele.–Algumassemanasatrás.–Oquevocêdisseaele?Leonsemicerrouaspálpebras,subitamentedesconfiado.– Que importância isso tem? – perguntou. – Está achando que tenho
algumaculpanocartório?–SóestoutentandoencontraroGreg.–Nãotenhonadaavercomosumiçodele.–Nãofaleiquevocêtinha.Sóqueriasaberoqueaconteceudepoisque
vocêfoifalarcomele.– O que você acha que aconteceu? – devolveu Leon. – O ilho da puta
negou tudo, claro. Jurou de pés juntos que jamais treparia com umamulhercasada,muitomenoscomamulherdomelhoramigo.Myronmalacreditounoqueouviu.–Masvocênãoacreditounele–disse.–Ocaraéumastrodobasquete,Myron.–Issonãofazdeleummentiroso.–Não,mas fazdele outra coisa. Esses caras feitoGreg,Michael Jordan,
ShaquilleO’Neal,TC...elesnãosãocomoagente.Os ilhosdaputatêmoreina barriga. Acham que são melhores que todo mundo, que o planetainteirotemaobrigaçãodefazerasvontadesdeles,sabecomoé?Myron fez que sim com a cabeça. Na faculdade, ele próprio tivera a
chance de respirar o ar rarefeito do megaestrelato. Conhecia o vínculotácito que os astros tinham entre si. Ele e Greg não haviam trocado nemmeia dúzia de palavras quando Greg apareceu no hospital para visitá-lo,mas o vínculo estava lá. Os dois sabiam disso. O ar rarefeito domegaestrelato era compartilhado por pouquíssimos. Como o próprio TC
dissera,osucessomuitasvezesisolavaaspessoasdeummodoestranhoepoucosaudável.Era nisso que Myron pensava quando lhe sobreveio uma espécie de
revelação.Eledeuumpassoatrás.SempreacharaqueGreg recorreriaaomelhoramigonaeventualidade
de algum apuro.Mas, ao que tudo indicava, o caso não era bem esse. Setivessemesmo se deparado comum cadáver e entrado empânico, ou secomeçasseasesentirsufocadopelasucessãodeproblemas(asdívidasdejogo, a ameaça de exposição, o divórcio, o processo de custódia, achantagem, a possibilidade de uma acusação de homicídio), a quemGregrecorreria?Recorreriaàpessoamaiscapacitadaparacompreendê-lo.A alguém que conhecesse de perto os problemas singulares do
megaestrelato.Àquelecomquemhaviacompartilhadooarrarefeitodasalturas.
capítulo36
MYRONFICOUSEMSABERoquefazerdepois.Na verdade, aquilo não passava de uma suspeita. Não havia prova
nenhuma. Nada de concreto. Por outro lado, a hipótese responderia amuitas perguntas. Por que, por exemplo,Maggie havia ajudado na ciladaarmada para Emily? Até onde se sabia, ela não era particularmentepróximadeGreg.MaserapróximadeTC.Denovo,ovínculoentreossuperastros.Gregreceavaperderaguarda
dos ilhos numa batalha judicial. Preocupaçãomaior que essa talvez nãoexista.Quemeleprocurariaembuscadeajuda?TC.Depois de ser interpelada por Win na véspera, de saber que Myron
estavaàprocuradeGreg,quemelahaviaadvertido?TC.Nenhumaprova,claro.Mastudoapontavanessadireção.ParaMyron,aspeçasdoquebra-cabeçacomeçavamaseencaixar.Greg
vinha enfrentando uma situação di ícil, tantomais para alguém com suasfraquezasmentais.OqueteriapassadoporsuacabeçaaoverLizGormanmorta no chão? Decerto teria intuído que seria o principal suspeito docrime.ComoaprópriaEmilyhaviaapontado,elenãosótinhamotivosparamatarLiz como tambémhavia estadona cenado crime. Sabendodisso, epercebendo a oportunidadeque se apresentava, Emily nãopensaraduasvezes antes de tentar incriminá-lo. Greg certamente havia antecipado ospassosdela.Entãofezoquê?Fugiu.Deparar-secomocadáverdeLizGormanhaviasidoagotad’água.Mas
Greg também sabia que não conseguiria sair sozinho daquele buraco.Dessa vez a polícia viria atrás dele. Ele precisava de ajuda. Precisava detempoeespaço.Aquemeleteriarecorridoentão?Àpessoaquemelhorocompreendia.Aalguémqueconhecessedeperto
osproblemassingularesdomegaestrelato.Quetivessecompartilhadocomeleoarrarefeitodasalturas.
Myronparoudiantedosinalvermelho.Eleestavaquaselá,faltavamuitopouco para deslindar aquele mistério. TC estava ajudando Greg a seesconder; disso ele tinha certeza. Mas, claro, TC era apenas parte dasolução.Nadadaquilorespondiaàperguntaprincipal:QuemhaviamatadoLizGorman?Myrondeumarcha a réno tempoe repassoumentalmenteos fatosda
noitedocrime.Lembrou-sedequeCliphaviasidooprimeiroachegaraoapartamento.Atéentão,aomenosparaele,ClipArnstein iguravacomoogrande suspeito. Mesmo assim ainda restavam muitas lacunas naquelahipótese.Porexemplo,quemotivo teriaClipparaohomicídio?Tudobem,Liz Gorman sabia de algo que talvez prejudicasse a equipe. Mas seriapossívelqueClipArnstein,apenasporcausadisso,chegasseaoextremodematá-la com um taco de beisebol? As pessoas matavam por dinheiro epoderotempotodo.EClip?Matariatambém?Afora isso, outra questão ainda maior vinha fervilhando na cabeça de
Myron. Por mais que ele pensasse, não encontrava uma resposta. EmilyhaviaplantadoosangueeaarmadocrimenacasadeGreg.Issoerafato,efaziasentido.Tudobem,sabemosquemplantouasprovas......masquemteriaidoláparaapagá-las?Havia apenas três possibilidades lógicas: 1) Greg Downing; 2) alguém
tentandoprotegerDowning;e3)oassassino.No entanto, di icilmente poderia ter sido Greg. Mesmo partindo da
premissapoucoplausíveldequeelevoltaraemcasadepoisdeterfugido,comoelehaviaencontradoosangue?Quemotivoteriatidoparadesceraoporãodascrianças?Nenhum.Amenosquesoubessedosangueplantado.Myronsentiuumfrionaespinha.Era isso. A pessoa que havia limpado o sangue, fosse ela quem fosse,
sabiadeantemãooqueEmily izera.Nãodesceraaoporãoàtoa.Claroquenão. Emily, no entanto, teria sido a última pessoa a dizer qualquer coisa.Seriapossívelquealguémativesseflagradocomabocanabotija?Denovo,a resposta era um retumbante não. Se fosse esse o caso, o taco tambémteria sido removido.Emais: o sangue teria sido removido imediatamente,isto é,antesdeserencontradoporMyroneWin.O timingda limpezaeracrucial: ela havia sido feita após a visita deles. Isso signi icava que elesforamafontedovazamento.Poisbem.Aquemeleshaviamcontado?OsdedosnovamenteapontavamparaClip.Myron tomou a Route 3 e entrou no complexo esportivo de
Meadowlands.Oestádioosobrelevavacomoumaimensanaveespacialem
seucampodepouso.ClipArnstein.TeriaelematadoLizGormanedepoislimpado o sangue na casa de Greg? Myron ainda considerava essapossibilidade,masnãogostavadela.ComoClipteriaentradonacasa?Nãohavianenhumsinaldearrombamento.Teriaelemanipuladoafechadura?Di icilmente. Dispunha de uma chave? Pouco provável. Teria contratadoum pro issional? Pouco provável também. Por medo de que a notícia seespalhasse, Clip nem sequer havia contratado um investigador particularpara fazer algo tão simples quanto examinar os extratos de cartão decrédito de Greg. A quem ele con iaria a tarefa de limpar o sangue dapessoaquematara?Havia tambémoutraquestãoqueaindamartelavaosmiolosdeMyron:
as roupas femininas encontradas no quarto. Elas também haviam sidoremovidas.Quemotivos teriaClip,ouqualqueroutrapessoa,paraapagarosvestígiosdeumanamoradasecreta?Asdiferenteshipóteses rodopiavamna cabeçadeMyron feitopatinhos
deborrachanumredemoinho.Novamenteeleseconcentrounanamoradasecreta. Seria ela Fiona White? A moça se fechara em copas, mas, paraMyron, di icilmente seria ela a tal namorada. Como Fiona conseguiria serelacionar com Greg sem que um marido tão obsessivamente ciumentoquanto Leon acabasse descobrindo? Talvez sua história com Greg nãotivesse passado de um casinho descartável, uma noitada num quarto demoteloualgoassim,mas, aosolhosdeMyron,nem issopareciaprovável.Quantomaiselepensavanoassunto,maisacreditavaqueoconvitepara“amelhornoitedeêxtase imaginável”nãopassavadeuma investidabarata,semlugarnumrelacionamentodemaiorintimidade.OmaislógicoeraqueGreg estivessemesmo sendo sincero ao dizer que jamais dormiria com amulher de outro homem.O que, paraMyron, só viria a reabrir as velhasferidasdopassado.Norádiodocarro,amúsicadeulugaraumcomercial:umhomemmuito
cool e uma mulher igualmente cool saboreavam uma cerveja canadensecomdemasiadaalegria;falavamemvozbaixaegargalhavamporqualquerbobagemditapelooutro.Myrondesligou-o.Eleaindatinhamaisperguntasdoquerespostas.Masaopegarocelular
para conferir a secretária eletrônica de Greg, seus dedos começaram atremer. Algo lhe apertava o peito, di icultando a respiração. Nada a vercomaansiedadepré-jogo.Longedisso.
capítulo37
MYRONPASSOUDIRETOpelasecretáriadeClip.–Elenãoestáaí!–berrouela.Ignorando-a, ele abriu a porta da sala. As luzes estavam apagadas e o
lugar,vazio.– Onde ele está? – perguntou à secretária, uma bruxa que decerto
trabalhava para Clip desde a pré-história. Plantando asmãos na cintura,elabufou:–Nãofaçoamenorideia!Calvin Johnsonemergiuàportadasalavizinha.Myronseaproximou,e
eleodeixouentrar.SóentãoMyrondisse:–OndeestáoClip?– Tambémnão sei – respondeu Calvin. – Liguei para ele em casa,mas
ninguématendeu.–Eletemtelefonenocarro?–Não.Balançandoacabeça,Myroncomeçouaperambularpelasala.–Elementiuparamim–rosnou.–Ofilhodaputamentiu.–Mentiucomo?–Eleestevecomachantagista.Calvinergueuumadassobrancelhas.Foiparasuacadeiraesesentou.–Doquevocêestáfalando?– Na noite em que ela foi assassinada – disse Myron. – Clip foi até o
apartamentodela.– Mas a instrução era para que ele a procurasse na segunda – disse
Calvin.–Vocêouviueladizendoisso?Calvin coçouoqueixo. Sua testaampla re letia as luzesdo teto.O rosto
eraolagoplácidodesempre.–Não–respondeuelecomcalma.–FoioClipquemmecontou.–Elementiuparavocê.–Masporquê?–Porqueestáescondendoalgo.–Vocêsabeoquê?–Não–disseMyron.–Mashojeànoitevoudescobrir.
–Como?–O chantagista ainda está disposto a fazer negócio – revelouMyron. –
Agoracomigo.–Acheiquefosseumachantagista.Equeestivessemorta.–Elatinhaumcomparsa.–Entendo–disseCalvin, lentamentemeneandoacabeça.–Evocêsvão
seencontrarhojeànoite?–Sim.Masaindanãoseiaquehoras,nemonde.Elevailigar.– Entendo – repetiu Calvin. Fechando o punho, tossiu e falou: – Se for
algumabomba...Querdizer, algoquepossa afetaro resultadodavotaçãodeamanhã...–Voufazeracoisacerta,Calvin.–Claro.Nãoquissugerirocontrário.Myronficoudepé.–Meavisequandoelechegaraqui.–Certo.
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Myronentrounovestiário.TCcumpriaseuritualpré-jogo:esparramava-se numa cadeira com fones nos ouvidos, olhando ixamente para o nada.Fezquenãonotousuachegada.Leontambémestava lá,e tambémfezdetudoparaevitaroolhardeMyron.Oquejáeradeesperar.Audreyseaproximou.–Então,comofoiseu...Myronbalançouacabeçaparasilenciá-la,eelaaquiesceu.–Tudobemcomvocê?–perguntou.–Tudo.–Achaqueelespodemouviragente?–Prefironãoarriscar.Audreyolhouparaaesquerda,depoisparaadireita.–Descobriualgumfatonovo?–Muitos–disseMyron.–Hojeànoitevocêvaitersuahistória.Umabela
história.Osolhosdarepórterbrilharam.–Jásabeondeeleestá?Myronfezquesimcomacabeça.Nesse instanteaportadovestiáriose
entreabriu,eCalvinespioupelafresta.Entrandomaisumpouco,dissealgoaotécnicoassistenteesaiu.Myronnotouqueeledobrouparaadireitano
corredor,rumoàsaída,enãoparaaesquerda,devoltaàsuasala.Pouco depois o celular de Myron tocou. Myron e Audrey se
entreolharam.Afastando-separaumcanto,eleatendeualigação.–Alô.Umavozdistorcidaeletronicamentedisse:–Conseguiuodinheiro?–Seutimingnãopoderiaserpior–retrucouMyron.–Respondaminhapergunta.Leonvestiaoshortdouniforme.TCpermanecianacadeira,sacudindoa
cabeçaaoritmodamúsica.–Consegui–respondeuMyron.–Acontecequedaquiapoucotenhoum
jogo.–Esqueçaojogo.SabeondeficaoOverpeckPark?–OdeLeonia?Sim,eusei.–QuandosairdaRoute95,vireàdireita;andeuns500metrosevireà
direitaoutravez.Vaiencontrarumaruasemsaída.Estacioneocarroalieprocurepelaluzdeumalanterna.Depoisseaproximecomasmãosparaoalto.–Não vai rolar uma senha também? – perguntouMyron. –Me amarro
numasenha.– Quinze minutos. Não se atrase. E, para seu governo, seu parceiro
super-heróiestánoescritóriodaParkAvenue.Umcompanheiromeuestádeolhonele.Seocamaradasairdelánapróximahora,nossonegócioestácancelado.Myron desligou o telefone. As coisas começavam a se precipitar. Dali a
15minutos,omistériochegariaaofim.Deummodooudeoutro.–Deuparavocêouvir?–perguntouele.–Quasetudo–disseAudrey.–Daquiapoucovai rolarumaparadamuito sinistra–avisouMyron.–
Precisodeumarepórterisentapararegistrartudo.Quervircomigo?Audreysorriuedisse:–Aperguntafoiretórica,nãofoi?–Masvai terde icardeitadanobancode trás–acrescentouMyron.–
Nãopossocorreroriscodequealguémvejavocê.–Tudobem.Vaimefazerlembrardostemposdeescola.Myron foi caminhando rumoàporta.Osnervosestavamà lordapele,
maselefaziaopossívelparaaparentarnaturalidadeaosair.Leonatavaoscadarços dos tênis. TC permanecia imóvel, mas agora os seguia com oolhar.
capítulo38
A CHUVA ESCURECIA O ASFALTO enquanto os carros invadiam oestacionamentodo estádio.Myron saiupeloportãoquedavapara aNewJerseyTurnpike,seguiuporelanadireçãonortee,apósosúltimosguichêsdepedágio,dobrouàdireitaparaentrarnaRoute95.–Então,oqueestárolando?–perguntouAudrey,nobancodetrás.– Este cara que estou indo encontrar... – disse Myron. – Foi ele quem
matouLizGorman.–QueméLizGorman?–Achantagistaassassinada.–AcheiqueonomedelafosseCarla.–Carlaeraumcodinome.–Esperaaí...LizGormannãoeraumaativistadadécadade1960?Myronconfirmoucomacabeça.–Éumahistóriacomprida.Agoranãodáparaentraremdetalhes.Basta
dizerqueestecaraqueestamosindoencontrarfaziapartedoesquemadechantagem.Algodeuerrado,eLizacaboumorta.–Vocêtemprovasdissotudo?–perguntouAudrey.–Naverdade,não.Porissoprecisodevocê.Estácomoseugravadoraí?–Estou.–Podemeemprestar?–Claro.AudreypescouogravadordabolsaeoentregouaMyron,quedisse:–Voutentarfazerelesoltaralíngua.–Como?–Pisandonoscaloscertos.–Achaqueelevaicairnessa?–perguntouAudrey,cética.– Acho. Se eu acertar nos calos. – Myron pegou o telefone do carro. –
Tenhodoistelefones:esteaquieocelularqueestánomeubolso.Vouligarpara o telefone do carro e deixar o celular ligado para que você possaescutar a conversa. Quero que você registre tudo. Caso alguma coisaaconteça,ligueparaoWin.Elevaisaberoquefazer.–Certo–disseAudrey.O limpador de para-brisa desenhava sombras no rosto dela. A rodovia
rebrilhava com a chuva que agora caíamais forte. Myron tomou a saída
seguinteedaliauns500metrosavistouaplacadoOverpeckPark.–Abaixe-se–disseele.Audreysumiudevista.Dobrandoàdireita,Myronsedeparoucomuma
segundaplaca, informandoque o parque estava fechado. Ele a ignorou eseguiu adiante. Embora não distinguisse muita coisa em razão do breu,sabia que à sua esquerda havia umamata e,mais à frente, cocheiras decavalos.Novamenteelevirouàdireita.Osfaróisdocarroagoradançavamsobre uma área de piquenique, iluminando mesas, bancos, lixeiras, umbalanço e um escorregador. Ele alcançou a rua sem saída e estacionou ocarro.Apagouos faróis,desligouomotore ligouparao telefonedocarrocom o celular, atendendo no viva-voz para que Audrey pudesse ouvir.Depoisesperou.Vários minutos se passaram sem que nada acontecesse. A chuva
açoitava a lataria do carro com pingos que pareciam pedras. Audreypermanecia imóvel no banco de trás. Com asmãos plantadas ao volante,Myronpodiaouviroprópriocoraçãoribombandonopeito.Semnenhumaadvertência,umlumerasgouaescuridãocomoumafoice.
Myron sombreou os olhos com a mão e semicerrou as pálpebras paraenxergarmelhor. Lentamente abriu a porta do carro. O vento forte faziacomqueachuvacastigasseseurosto.Enfimeledesceu.Emmeioaotemporal,umavozmasculinafalou:–Mãosparaoalto.Myronobedeceu.–Abrao casaco. Seique temumaarmanumcoldredeombro.Tireela
comdoisdedosejoguenobancodocarro.Mantendo uma dasmãos erguida, Myron desabotoou o casaco. Àquela
altura já estava encharcado, com os cabelos grudados à testa. Ele tirou aarmaelargou-anobanco.–Fecheaporta.Novamente,Myronobedeceu.–Trouxeodinheiro?–Primeiroquerosaberoquevocêtrouxe–disseMyron.–Não.–Poxa,sejarazoável.Nemseiaindaoqueestoucomprando.Umabrevehesitação.–Aproxime-se.Myronfoicaminhandoparaaluz,ignorandoosimbolismodoquefazia.–Sejaláoquevocêestivervendendo–disseele–,comovousaberque
nãoguardoucópias?
–Vaiterqueconfiaremmim–respondeuohomem.–Quemmaisestáapardissotudo?–Ninguém.Souoúnicoqueaindaestávivo.Myron apressou o passo, enfrentando o vento com as mãos ainda
erguidas.Asroupasestavamensopadas.–Comopossosaberquevocênãovaiabrirobicodepois?–De novo, vai ter que con iar emmim. Seu dinheiro vai comprarmeu
silêncio.–Atéquealguémfaçaumaofertamelhor.– Não. Depois disso vou sumir do mapa. E você nunca mais vai ouvir
falardemim.–Aluzdalanternapiscou.–Pareondeestá.AunstrêsmetrosdeMyronestavaumhomemcomorostocobertopor
umgorrodeesqui;comumadasmãoseleempunhavaalanternaecomaoutracarregavaumacaixa.Erguendoacaixa,eledisse:–Aquiestá.–Oqueéisto?–Primeiroagrana.–Estacaixapodemuitobemestarvazia.– Ótimo. Então volte para o carro e vá embora – disse omascarado, e
deuascostasparaMyron.–Espere.Voupegarodinheiro.OhomemnovamentesevoltouparaMyron.–Nãotentenenhumagracinha–advertiu.Myron saiu andando rumo ao carro. Não tinha dado nem 20 passos
quando ouviu os disparos. Três vezes. Não se assustou com os ruídos.Lentamentesevirou.Omascaradoseesparramavanochão.Audreyvinhacorrendonadireçãodocorpoinerte,empunhandoaarmadeMyron.–Eleiamatarvocê–berrava.–Tivequeatirar.–Assimquealcançouo
corpo,elarecolheuacaixaqueomascaradohaviadeixadocair.Myroncorreuaoencontrodela.–Abra–ordenou.Audrey hesitou um pouco. Um trovão rebentou ao longe,mas nenhum
raiocaiu.–Vocêestavacerta–disseMyron.–Sobreoquê?–devolveuAudrey.–Euestavavendoacoisapeloânguloerrado.–Doquevocêestáfalando?Myrondeumaisumpassonadireçãodela.– Quandome perguntei quem sabia sobre o sangue no porão – ele foi
dizendo–,sómelembreideClipeCalvin.Esqueciquetinhacontadoavocêtambém. Quando me perguntei por que a amante de Greg precisavamantersua identidadeemsegredo,penseiemFionaWhiteeLizGorman.De novo me esqueci de você. Sei o quanto é di ícil para uma mulher sefazer respeitar como repórternomundodos esportes. Sua carreira seriaarruinada caso alguém descobrisse que você tinha um caso com um dosjogadoresquecobria.Vocêprecisavamantertudoemsigilo.Audreyolhouparaele,empalidecidaeencharcada.–Vocêéaúnicaqueseencaixa,Audrey.Vocêsabiasobreosangueno
porão.NãopodiadeixarqueumarelaçãocomGregviesseapúblico.Tinhaumachavedacasadele,podiaentrarquandoquisesse.Eeraaúnicaquetinhaummotivoparalimparosangueeprotegê-lo.Afinal,vocêmatouparaprotegê-lo.Quemalfarialimparumpoucodesangue?Varrendo do rosto os cabelosmolhados e piscando contra a chuva, ela
disseafinal:–Vocênãopodeestarfalandosério...–Naquelanoite– interrompeuMyron–,depoisda festadoTC,quando
você disse que já tinha sacado omotivo daminha contratação... Eu deviaterpercebido logoali.Claro,minhacontratação foimesmo inusitada.Mas,para ligar uma coisa a outra, só alguém com um algum tipo de vínculopessoalcomGreg,alguémquerealmentesoubessequeelehavia fugidoeporquê.Vocêeraanamorada secreta,Audrey.E tambémnãosabeondeGreg está. Cooperou comigo não porque quisesse o furo, mas porquequeriaencontraroGreg.Éapaixonadaporele.–Issoéridículo–disseela.–Apolíciavaifazerumavarreduranacasa,Audrey.Elesvãoencontrar
fiosdecabelo.– Isso não prova nada – argumentou Audrey. – Entrevistei o Greg
algumasvezes...– No quarto dele? No banheiro? No chuveiro? – Myron balançou a
cabeça. –Equandosouberemdevocê, tambémvão fazerumavarreduranoapartamentodeLiz.Tambémvãoencontraralgumaprovaporlá.Um iodecabelo,qualquercoisaassim.–Eledeumaisumpassonadireçãodela.Audreyergueuaarmacomamãotrêmula.–“Acautela-tecontraosidosdemarço”–disseMyron.–Oquê?–Foivocêquemecorrigiu.Osidossãoodia15domês.Seuaniversário
foi no dia 17. Dezessete de março. Ou 17 do 3: 173. O código que Gregcolocounasecretáriaeletrônicadele.
ElaapontouaarmaparaopeitodeMyron.–Desligueogravador–disse.–Eotelefonetambém.Myronlevouamãoaobolsoefezoqueelapediu.LágrimasechuvaescorriampelorostodeAudrey.–Porquediabovocênãoficounasua?–disseelaaosprantos,eapontou
paraocorpoestiradosobreagramamolhada.–Vocêouviuoqueeledisse.Todososchantagistasestãomortos.Eupoderiaterdestruídoestacaixa,eessa história terminaria aqui. Eu não teria que matar você. Ficaria livredessepesodeumavezportodas.–ELizGorman?–quissaberMyron.Audreybufoucomescárnio.– Aquela mulher não passava de uma chantagistazinha sem nenhum
escrúpulo – disse. –Nãodava para con iar nela. Falei isso comoGreg.Oque a impediria de fazer cópias de tudo e continuar sugando ele para orestodavida?Chegueiaopontode iraoapartamentodelanaquelanoite,fazendomepassarporumaex-namoradacomcontasaacertar.Dissequequeriacomprarumacópia,eelatopounahora.Vocêentende?Pagaroqueela estavapedindonão adiantariadenada. Sóhaviaum jeitode silenciaraquelacachorra.–Matando-a.– Liz Gorman era uma criminosa, Myron. Roubou um banco, caramba.
Gregeeu...nóséramosperfeitosjuntos.Aquiloquevocêdissesobreminhacarreira,vocêtemrazão.EuprecisavamanterminhahistóriacomGregemsegredo. Mas estava prestes a ser transferida para outra área. Para obeisebol. Cobrir osMets ou osYankees.Depois disso, tudopoderia vir àsclaras. As coisas iam tão bem, Myron, mas depois apareceu essavagabundae...–Elaengoliuemsecoebalançouacabeçacomveemência.–Eu tinha que pensar no nosso futuro – disse. – Não só nomeu ou no doGreg.Masnodonossofilhotambém.Myronfechouosolhos,compungido.–Vocêestágrávida–faloubaixinho.– Entende agora? – O entusiasmo parecia ter voltado à tona, mas não
sem uma pitada de amargura. – Ela queria destruir o Greg. Destruir agente.Queescolhaeutinha?Nãosounenhumaassassina,masali...eraeuou ela. Sei o que você está pensando,Myron. Sobre Greg ter fugido semfalarnadacomigo.Faziamaisdeseismesesqueestávamosjuntos.Seiqueelemeama.Eleestavaprecisandodeumtempo,sóisso.Myrontambémengoliuemsecoantesdedizer:–Acabou,Audrey.
Elafezquenãocomacabeçaesegurouaarmacomambasasmãos.–Lamento,Myron.Eunãoqueriafazerisso.Quaseprefeririamorrerno
seulugar.– Não importa – disse Myron, e deumais um passo adiante. – São de
festim.Audrey semicerrou as pálpebras, confusa. O mascarado se reergueu
comoBelaLugosinum ilmeantigodeDrácula.Retirouogorroemostrouodistintivo.–Polícia–disseDimonte.WineKrinskysurgiramderepente,saídosdooutroladodeumacolina.
Audrey escancarava a boca sem acreditar no que via. Win havia feito aligação, fazendo-se passar pelo chantagista, e Myron havia aumentado ovolumedocelulardemodoqueAudreypudesseouviraconversa.Orestohaviasidofácil.Dimonte e Krinsky detiveram Audrey.Myron acompanhou a cena sem
dizerumapalavra,nemsequersentianapeleoaçoitedachuva.EsperouAudreyserlevadaparaocamburãoevoltoucomWinparaocarro.–Meu“parceirosuper-herói”?–espetou.Windeudeombros.
capítulo39
ESPERANZA AINDA ESTAVA NA AGÊNCIA quando o fax apitou. Ela atravessou asala e esperou a máquina cuspir o papel. O fac-símile do FBI estavaendereçadoaela.
Ref.:FIRSTCITYNATIONALBANK–TUCSON,ARIZONAAssunto:Locatáriosdecofres.
Elapassaraodiainteiroàesperadaquelatransmissão.AteoriadeEsperanzaparaoesquemadechantagemeramaisoumenos
esta: os membros da Brigada Raven haviam assaltado o banco earrombado os cofres particulares. As pessoas guardavam todo tipo decoisanesses cofres:dinheiro, joias,documentos importantes.Era issoquedava sentido ao timing. Empoucas palavras, numdos cofres eles haviamencontradoalgoconstrangedorparaGregDowningedepoisarquitetadooplanodechantagem.Os nomes estavam listados em ordem alfabética. Esperanza os lia à
medida que saíam da máquina. A primeira página terminava na letra L.Nenhumnomeconhecido.Asegundaterminavana letraT.Nenhumnomeconhecido.Na terceira, ao alcançar a letraW,Esperanza sentiuoprópriocoraçãosubiràgarganta.Receandogritar,tapouaboca.
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Várias horas se passaramaté que a confusão fosse resolvida. A políciatomou depoimentos e cada um se explicou como pôde. Myron contou aDimonteahistóriaquasetoda,deixandode foraagravaçãodeEmilycomMaggie.Denovo,aquilonãoeradacontadeninguém.Tambémomitiuseuencontro comColeWhiteman. De certamaneira se sentia em dívida comele. Quanto a Audrey, ela se recusava a dizer o que quer que fosse naausênciadeumadvogado.–VocêsabeondeDowningestá?–DimonteperguntouaMyron.–Achoquesim.–Masnãovaimedizer.Myronnegoucomacabeça.–Gregnãoéassuntoseu–disse.–Éverdade–concordouoinvestigador.–Agoravai.Dáoforadaqui.Myron e Win deixaram a delegacia no centro de Manhattan. Grandes
prédios da administração municipal se espalhavam pela vizinhança: aburocraciamodernanasua formamaisextremae intimidante.Apesardahora,aspessoasprecisavamfazerfilasparaatravessarasportas.–Foiumbomplano–disseWin.–Audreyestágrávida.–Eusoube.–Obebêvainascernaprisão.–Aculpanãoésua.–Elanãoviuoutrasaída–disseMyron.– Viu uma chantagista no caminho dos sonhos dela – emendouWin. –
Nãoseiseeuteriaagidodeoutraforma.– Uma pessoa não mata outra para contornar os reveses da vida –
argumentouMyron.Win não contestou, embora não concordasse inteiramente. Já no carro
elefalou:–Então,emquepéestamosagora?–ClipArnstein–disseMyron.–Eleprecisaexplicarumascoisinhas.–Querqueeuvájunto?–Não.Querofalarcomelesozinho.
capítulo40
QUANDO MYRON ENFIM CHEGOU ao estádio, o jogo já havia acabado. Carroscongestionavam as saídas, di icultando a passagem de quem entrava.Costurando-os com cuidado, Myron foi para o estacionamento reservadoaosjogadores,mostrousuaidentidadeaoguardaeentrou.Corria para a sala de Clip quando alguém chamou seu nome. Sem se
virar,continuoucorrendoatéalcançaraporta.Queestavatrancada.–Yo,Myron.–Eraogandularesponsávelpelastoalhas.Myronnãolembravaonomedele.–Quefoi?– Deixaram isto aqui para você. – O garoto lhe entregou um envelope
pardo.–Quemdeixou?–Seutio.–Meutio?–Foiissoqueocaradisse.Myron avaliou o envelope. Seu nome estava rabiscado no papel com
gigantescas letras de forma. Abrindo-o, encontrou uma carta e uma itacassete.Guardouafitanobolsoeleuacarta:
Myron,Eudeveriaterdadoistoavocênacatedral.Sintomuitopornãotê-lo
feito, mas estava emocionado demais com a morte de Liz Gorman.Queriaquevocêconcentrassesuaatençãonaprocuradoassassino,nãonoconteúdodesta ita.Receavaqueelapudessedistraí-lo.Esperoapenasquevocêesteja focadoobastanteparaencontrarocanalhaquematouLiz.Elamerecequeajustiçasejafeita.Tambémqueriadizerqueestoupensandoemmeentregar.Agoraque
Lizsefoi,nãovejomotivoparacontinuarmeescondendo.Converseicomalguns advogados, velhos amigos meus. Eles já estão à procura dosmercenáriosqueopaideHuntcontratou.Achamqueumdelespoderácorroborarminhahistória.Vamosver.Nãoouçaestafitasozinho,Myron.Ouçacomalgumamigo.Cole.
Myron dobrou a carta. Não sabia ao certo o que pensar. Olhou de umladoaoutropelocorredor,masnãoviunenhumsinaldeClip.Emseguida
correu para o portão de saída dos jogadores. Quase todos já haviamdeixado o estádio. TC entre eles, claro. Sempre o último a chegar e oprimeiroasair.Voltandoaocarro,Myrondeupartidanomotor,colocouafitanosomeesperou.
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Esperanza ligouparaotelefonedocarrodeMyron.Nenhumaresposta.Tentouocelular.Mesmacoisa.Myronsempreandavacomocelular.Senãoestava atendendo era porque não queria. Rapidamente ela ligou para ocelulardeWin,queatendeunosegundotoque.–SabeondeoMyronestá?–perguntouEsperanza.–Foiparaoestádio.–Váatrásdele,Win.–Porquê?Algumproblema?–OsRavensarrombaramoscofresparticularesdobanco.Foinumdeles
queencontraramainformaçãoparachantagearDowning.–Oquê,exatamente?–Nãosei–disseela.–Mastenhoumalistadaspessoasquealugavamos
cofres.–E?–UmdelesestavaalugadoparaoSr.eaSra.B.Wesson.Silêncio.– Tem certeza de que se trata do mesmo B.Wesson que machucou o
Myron?–Jáconferi–disseela.–OBémesmodeBurt.Nosdocumentoseleestá
listado como técnicodebasquetedeumaescola secundária.Trinta e trêsanos.Éele,Win.ÉomesmoBurtWesson.
capítulo41
NADA.
Myron aumentou o volume, mas só ouviu estática. Baixou o volumenovamente e dali a pouco ouviu ruídos abafados, sem fazer ideia do quepodiamser.Depois,silêncio.Doisminutossepassaramatéque inalmenteeleouviuvozes.Aguçouos
ouvidos, mas não distinguiu muita coisa. Pouco depois as vozes foramicandomaisaltaseclaras.Encostandooouvidocontraumadascaixasdesom,subitamenteeleouviu,comabsolutaclareza,umavozríspidadizer:–Vocêestácomodinheiro?Umamão imaginária fechouosdedossobreocoraçãodeleeoapertou.
Fazia10anosqueelenãoouviaaquelavoz,mesmoassimareconheceudepronto.EraBurtWesson.Quediabo...?Emseguida,comoseatropeladoporumabetoneira,ouviuumasegunda
voz:–Sóametade.Mildólaresagora.Eoutrosmildepoisqueele estiver fora
docircuito...Myronestremeceu, subitamente assaltadoporuma fúriaque até então
nãoconhecia.Ospunhosse fecharam.Lágrimasabriramcaminhoatravésdos olhos. Até aquele momento ele ainda não compreendia por que ochantagista o havia procurado para vender algum podre sobre Greg.Lembrou-se então da risada de Cole Whiteman e do risinho irônico deMarty Felder ao saberem que ele havia sido contratado para encontrarGreg Downing. Lembrou-se também damensagem deixada na secretáriadeGreg:“Eleestádispostoapagar.Éissooquevocêquer?”.E,sobretudo,lembrou-se do rosto compungido de Greg tantos anos antes no hospital.Não fora nenhum tipo de vínculo que levara seu rival a visitá-lo naqueledia.Foraaculpa.–Nãoprecisaarrebentarcomele,Burt.SóqueroqueoBolitar iquefora
dealgunsjogos...Algonoscon insdocoraçãodeMyronsepartiucomoumgravetoseco.
Quaseinconscientemente,eleengatouaré.–Olha,realmenteprecisodessagrana.Nãodáparavocêarrumarmaisuns
500?Daqui a pouco eles vãome cortar. É a última bateria de testes, e não
tenhonenhumempregoemvista...Myron tirou o carro da vaga e acelerou adiante. O ponteiro do
velocímetro foi subindo à medida que o rosto dele se crispava numirreconhecível esgar de fúria. Lágrimas silenciosas rolavam rumo aoqueixo.Osolhosapontavamparaafrente,mastalveznãovissemnada.Chegando à saída da Jones Road, ele secou os olhos com a manga da
camisaeseguiuparaacasadeTC,parandodiantedoportão.Osegurançaespiouparaforadesuaguarita.Myronacenouparaqueele
seaproximassedocarroe,tãologooviudecorpointeiro,sacouaarma.–Qualquerpassoemfalsoemandobala–disse.O segurança ergueu os braços. Myron saiu do carro, abriu o portão e
ordenouqueohomementrassenocarro.Emseguidaarrancouamilporhorarumoàcasa,freandoapoucosmetrosdaporta.Atocontínuo,saltouearrombouaportacomumasaraivadadechutes.Foidiretoparaasaladeestar.Atelevisãoestavaligada.TCvirouacabeça,assustado.–Queporraéessaagora?Myron arremeteu na direção dele, agarrou-o pelo punho e torceu seu
braçocontraascostas.–Ondeeleestá?–Foisóoquedisse.–Nãoseidoquevocê...Myronaumentouapressãonachavedebraço.–Vocênãoquerumafraturaagora,quer?Ondeeleestá,TC?–Masdequeporravocêestá...Myron silenciou-o commais um puxão. Berrando de dor, TC dobrou o
troncoparaaliviarapressão.–Éaúltimavezquevouperguntar–disseMyron.–OndeestáoGreg?–Estouaqui.Myron largou TC e se virou na direção da voz. Greg Downing se
encontrava à porta da sala. Sem hesitar, e liberando um grito dasprofundezasdagarganta,Myronpartiuparacimadele.Gregaindatevetempodeerguerasmãosnumgestodepaz(queteveo
efeitodeumbalded’águasobreumvulcãoemerupção),mas foi aochãocom um murro no rosto. Myron caiu de joelhos sobre as costelas dele,ouviualgosequebrar.Entãodesferiuumseguindomurro.–Para!–berrouTC.–Vocêvaimatarocara!Myronmalouviu.Já se preparava para um terceiro golpe quando TC saltou sobre ele.
Ambosrolaramnadireçãodaparede,eMyronreagiucomumacotovelada
noplexosolardeTC,queagoraesbugalhavaosolhosenquantoprocuravapeloardospulmões.Myron icoudepé.VendoqueGregsearrastavaparaosofá,deuumsaltoeopuxouporumadaspernas.–Vocêtrepoucomaminhamulher!–berrouGreg.–Achaquenãosei?
Vocêtrepoucomaminhamulher!As palavras assustaram Myron, mas não o detiveram. Através das
lágrimas ele desferiu mais um murro, fazendo com que o sanguetransbordassedabocadeGreg.Ergueuopunhonovamente,masdedosdeferrooimpediramdeseguiradiante.–Chega!–disseWin.Myronergueuorosto,aomesmotempoconfusoeenfurecido.–Oquê?–Jáestádebomtamanho.– Mas foi como você mesmo disse – suplicou Myron. –Wesson fez de
propósito.AmandodoGreg.–Eusei–disseWin.–Masagorachega.–Comoassim,“chega”?Nomeulugar,você...–Provavelmenteeuomataria–Winterminouporele.Baixouorostoe,
comumacentelhanosolhos,emendou:–Masvocê,não.Myronengoliu em seco.Winpor imodeixou livre, e ele se afastoude
Downing.Gregsereergueu,tossindosangue.– Segui Emily naquela noite – foi dizendo com di iculdade. – Vi vocês
juntos...Sóqueriamevingar.Nãoqueriaquevocêsemachucassetanto.Myronprecisourespirarfundo.Aadrenalinalogoperderiaoefeito,mas
aindacorrianasveiasdele.–Vocêestavaaquidesdeoinício?–perguntou.Greglevouamãoaorostoeestremeceudedor.Sóentãorespondeu:– Estava. Fiquei com medo que pensassem que matei aquela mulher.
Além disso, estava até o pescoço com todo tipo de problemas: dívidas, oprocesso de custódia, uma namorada grávida... – Ele ergueu o rosto. –Estavaprecisandodeumtempo.–VocêamaaAudrey?–Vocêjásabe?–perguntouGreg.–Já.–Amo.Souloucoporaquelamulher.–Entãoligueparaela–disseMyron.–Nacadeia.–Oquê?Myron não elaborou. Cuspira aquela informação na esperança de tirar
dissoalgumtipodeprazerperverso,masnãoencontraraprazernenhum.Pelocontrário,agora lhedoíaaindamaisaparceladeculpaqueelesabiateremtudoaquilo.Deuascostasparatodosefoiembora.
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ClipArnsteinestavasozinhoquandoMyronoencontrounaquelemesmocamarotecorporativonoqualtudohaviacomeçado.Olhavaparaaquadravazia,decostasparaMyron.Nãosemexeuquandoelepigarreou.–Vocêjásabiadesdeoinício–disseMyron.Clippermaneceucalado.– Você foi ao apartamento de Liz Gorman naquela noite – prosseguiu
Myron.–Elacolocouafitaparavocêouvir,nãofoi?Clipcruzouasmãosatrásdosquadrisefezquesimcomacabeça.– Foi por isso que vocême contratou. Nada disso foi por coincidência.
Vocêqueriaqueeudescobrisseaminhaverdade.– Eu não sabia o que dizer a você. – Clip en im se virou para encarar
Myron. Os olhos estavam vidrados, perdidos. No rosto, nenhuma cor. –Aquilo não foi uma encenação... a emoção que senti na coletiva deimprensa...–Elebaixouacabeça,recobrouacalma,ergueu-anovamente.–Vocêeeuperdemosocontatodepoisdoseuacidente.Penseiemtelefonarum milhão de vezes, mas eu sabia. Sabia que você queria sossego. Ascontusões nunca se apagam da alma dos grandes atletas, Myron. Ficamimpressasali.Parasempre.Eusabiaqueesseseriaoseucaso.Myronabriu abocaparadizer algo,masnão conseguiu articularnada.
Sentia-sevulnerável,exposto.Clipseaproximou.–Acheiqueessaseriaumaboamaneiradevocêdescobriraverdade.–
Tambémesperavaquetudoissotivesseoefeitodeumacatarse.Nãoumacatarsecompleta.Comoeudisse,osgrandesnuncaseesquecem.Por um tempo razoavelmente longo, ambos permaneceram mudos,
olhandoparaonada.AtéqueMyrondisse:–Nooutrodia,vocêmandouoWalshmebotarparajogar.–Mandei.–Sabiaqueeunãoestavaemcondições.Cliplentamentemeneouacabeça.Myronsentiuas lágrimasquebrotavamnosolhos;piscoupara fazê-las
rolar.
Clipprojetouomaxilarparaafrente.Tremialigeiramentenorosto,masocorpoeraumarocha.–Minhaintençãoeraajudarvocê–falou–,mas,quandoocontratei,não
foisóporaltruísmo.Sabia,porexemplo,quevocênuncatinhaabandonadoo espírito de equipe. Você sempre admirou este aspecto do basquete,Myron.Fazerpartedeumtime.–Edaí?–Meuplanoincluíafazervocêexperimentardenovoogostinhodefazer
partedeumtime.Deverdade.Paranãosevoltarcontranósdepois.Myronentendeu.–Achouque,depoisqueeumeenvolvessecomosoutrosjogadores,não
botariaabocanotrombonequandodescobrisseaverdade.–Masessanãoéasuanatureza–disseClip.–Acontecequetudoviráapúblico.Nãohácomoevitar.–Eusei.–Épossívelquevocêpercaotime.Clipsorriuedeudeombros.–Hácoisaspioresnavida–disse.–Domesmomodo,comovocêagora
sabe,hácoisaspioresdoquenuncamaisvoltarajogar.–Sempresoubedisso–rebateuMyron.–Mastalvezprecisassemesmo
deumlembrete.
capítulo42
NO APARTAMENTO DE JESSICA , ao lado dela no sofá, Myron contou toda ahistória. Jess abraçava os próprios joelhos, balançando o corpo com umaexpressãodetristezanoolhar.–Elaeraminhaamiga–disse.–Eusei.–Ficomeperguntando...–Oquê?–Oqueeuteriafeitonumasituaçãosemelhante.Paraprotegervocê.–Nãoteriamatadoninguém.–Não.Achoquenão.Myron olhou para a namorada. Notou que ela estava à beira das
lágrimas.–Achoqueaprendialgumacoisacomtudoisso–falou.Jessicaesperouqueeleelaborasse.–WineEsperanzanãoqueriamqueeuvoltasse a jogar.Masvocênão
fez nada parame impedir. De início achei que você nãome conhecia tãobemquantoeles.Masagoraseiqueessenãoébemocaso.Vocêviuoqueelesnãopuderamver.Jessica esquadrinhouo rostodele comumolharpenetrante. Largouos
joelhoserecolocouospésnochão.–Agentenuncaconversouabertamentesobreissoantes–disse.Myronconcordou,eelaprosseguiu:– A verdade é que você nunca viveu o luto pelo im da sua carreira.
Nuncademonstroufraqueza.Guardoutudonumagaveta internaeseguiuem frente, atropelando o que encontrava pelo caminho, sufocado pelodesespero.Nãodeuum tempo. Foi logo juntandoo que restou e abraçoucontra o peito, temendo que seumundo fosse tão frágil quanto esse seujoelho. Imediatamente foi estudar direito. Começou a ajudar o Win. Seagarrouatudooquepodia,freneticamente.–Vocêinclusive–disseMyron.– Eu inclusive. Não só porque me amava. Mas também porque tinha
medodeperdermaisdoquejátinhaperdido.–Eurealmenteamavavocê.Aindaamo.–Eusei.Nãoestoutentandoculparvocêdenada.Fuiumaidiota.Aculpa
foi sobretudo minha, admito. Mas, naquela época, nosso amor beirava odesespero.Vocêcanalizavasuadorparaumanecessidadedeposse.Quaseme sufocava. Não quero dar uma de terapeuta de botequim, mas vocêprecisava vivenciar seu luto. Deixá-lo se extinguir por conta própria, nãosuprimi-lo.Masvocêserecusavaaolhá-lodefrente.– E você achou que essa minha volta ao basquete faria com que eu
olhasseparaascoisasdefrente.–Achei.–Nãoseisedeumuitocerto.–Podeser–disseela.–Maspelomenosajudouvocêasedesapegarum
pouco.–Porissovocêachouquejápodíamosmorarjuntos?Jessicaengoliuemseco.–Sevocêquiser...Seacharquejáestápronto...Myronergueuosolhos,depoisfalou:–Vouprecisardemaisespaçonoarmário.–Fechado–sussurrouela.–Tudooquevocêquiser.Jessicaseaninhounele.Myronpassouobraçosobreosombrosdelaea
puxoucontraopeito.Jásesentiainteiramenteemcasa.
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OcaloreraescaldantenaquelamanhãemTucson,Arizona.Umhomemmuitoaltoabriuaportadecasa.–VocêéBurtWesson?Ograndalhãofezquesimcomacabeça.–Possoajudaremalgumacoisa?–disse.Winabriuumsorriso.–Achoquesim.
FIM