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Sem Deixar Rastros - Livros Gratuitos

Feb 02, 2023

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Khang Minh
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Myron Bolitar parecia destinado a uma carreira de sucesso na NBA quando uma lesão no joelho o afastou das quadras para sempre. Porém, 10 anos depois, o agente esportivo e detetive particular com passagem pelo FBI está de volta ao jogo - não para cumprir seu destino como astro do basquete, mas para desvendar mais um mistério.

O ídolo dos Dragons de Nova Jersey, Greg Downing, maior adversário de Myron na época da faculdade, desapareceu sem deixar rastros pouco antes das finais do campeonato nacional. À frente do caso, com a ajuda de seus dois fiéis escudeiros, Win e Esperanza, Myron trabalhará infiltrado entre os jogadores para tentar obter informações capazes de levar ao paradeiro do antigo rival, com quem também competiu pelo amor de uma mulher.

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capítulo1

–PORFAVOR,PROCUREsecomportar.–Eu?–disseMyron.–Souumamordepessoa.Myron Bolitar estava sendo conduzido ao longo de um dos corredores

escuros do estádio de Meadowlands por Calvin Johnson, o novo diretor-geraldosDragonsdeNova Jersey.Os sapatos sociaisdosdois ressoavamruidosamente sobre o piso de cerâmica, ecoando através dos estandesvaziosdesanduíches,pretzels,sorveteelembrancinhas.Dasparedessaíaocheirinho do cachorro-quente – meio emborrachado e arti icial, porémnostalgicamentedelicioso–vendidoduranteosjogos.Osilênciodolugarosperturbava:nadamaisocoesemvidadoqueumestádiovazio.CalvinJohnsonparoudiantedaportadeumadastribunasdeluxo.–Vocêvaiestranharumpoucoestaconversa–disse.–Procuredançar

conformeamúsica.–Tudobem.Calvinalcançouamaçanetaerespiroufundo.–ClipArnstein,oproprietáriodosDragons,estáesperandopornós.–Emesmoassimnãoestoutremendo–disseMyron.CalvinJohnsonbalançouacabeça.–Comporte-se.Myronapontouparaoprópriopeito.–Vimdegravataetudo.Calvinen imabriuaporta.Atribunadavaparaapartecentraldaarena,

onde vários funcionários colocavam o piso de basquete sobre o gelo dohóquei. Os Devils haviam jogado na véspera. Logo mais seria a vez dosDragons.Olugareraaconchegante.Vinteequatrocadeirasestofadas.Doismonitoresde televisão.Àdireita se via o balcãodemadeira sobreo qualeramservidasascomidas:emgeral frangofrito,cachorro-quente,bolinhode batata, coisas assim.À esquerda, um frigobar e um carrinho demetalrepletodebebidas.Olugartambémcontavacomumbanheiroprivativo,demodoqueoscartolasnãotivessemqueurinarjuntoàralé.Clip Arnstein estava de pé e olhava para eles. Vestia um terno azul-

marinho com gravata vermelha. Era calvo, com tufos grisalhos sobre asorelhas.Umhomemforte,aindarobusto,apesardeseusmaisde70anos.As mãos grandes, salpicadas de manchas senis, exibiam veias azuladas

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que, de tão gordas, lembravammangueiras de jardinagem. Por um bomtempoeleficouondeestava,examinandoMyrondacabeçaaospés.–Gostoudagravata?–perguntouMyron.CalvinJohnsonofulminoucomumolhardeadvertência.Ovelhonãoseadiantouparacumprimentá-los;apenasdisse:–Comquantosanosestáagora,Myron?Ummodointeressantedeiniciarumaconversa.–Trintaedois.–Temjogadoultimamente?–Pouco–respondeuMyron.–Estáemforma?–Querqueeufaçaumasflexões?–Nãoseránecessário.Ninguém se sentou nem ofereceu uma cadeira aos recém-chegados.

Naturalmenteosúnicosassentosdisponíveisalieramos ixos,quedavamparaaarena,masaindaassimeraestranho icardepénumencontrodenaturezapro issional.Myronaospoucosfoi icandoinquieto,semsaberaocerto o que fazer com as mãos. Pescou uma caneta do paletó, mas nãoadiantou. Então en iou as mãos nos bolsos e icou naquela posturacanhestra,afetandoadisplicênciadeummodelodepropagandademoda.– Myron, temos uma proposta interessante para lhe fazer – disse

Arnstein.–Proposta?–devolveuMyron,oincorrigívelinterrogador.–Sim.Fuieuquemorecrutou,vocêsabedisso.–Sei.–Dez,11anosatrás.QuandoeuaindaestavacomosCeltics.–Eusei.–Primeirabateria.–Eumelembromuitobem,Sr.Arnstein.–Vocêeraumabelapromessa,Myron.Umjogadorinteligente.Umtoque

inacreditável.Umpoçodetalento.–“Eupoderiatersidoalguém”–disseMyron.Arnsteinfranziuatestanumacaretaquesetornarafamosaaolongodos

seus mais de 50 anos dedicados ao basquete. A tal careta surgira nadécada de 1940, quando o jovem Clip ainda jogava com os RochesterRoyals,hojeextintos.Tornara-seaindamaisconhecidadepoisque,jácomotécnico,ele conduziuosBostonCelticsàvitóriaemvários campeonatos.Efoi alçada à condição de lenda após as famosas contratações feitas comopresidente do time. Três anos antes, Clip havia se tornado o sócio

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majoritário dosDragonsdeNova Jersey, e a careta agora residia naEastRutherford,naalturadasaída16daNewJerseyTurnpike.–Oqueéisto,MarlonBrando?–elecuspiu,áspero.–Estranho,não?ÉcomoseopróprioMarlonestivessecomagente.Subitamente, as feiçõesdeClip relaxaram.Eleagorameneavaa cabeça

lentamente,fitandoMyroncomumaexpressãopaternal.–Vocêbrincaparaesconderador–falou,sério.–Euentendo.–Possolheserútilemalgumacoisa,Sr.Arnstein?–Vocênãochegouaparticipardenenhumjogoprofissional,chegou?–Osenhorsabemuitobemquenão.Clipmaisumavezmeneouacabeça.–Seuprimeirojogonapré-temporada–relembrou.–Terceiroquarto.Já

havia marcado 18 pontos. Nada mal para um novato em seu primeiroamistoso.Foientãoqueodestinolhepregouumapeça.A peça do destino havia sido Burt Wesson, um grandalhão dos

Washington Bullets. Uma trombada violenta, uma dor lancinante, umapagão.–Umagrandetragédia–arrematouClip.–Ahã.–Nuncaconseguiaceitaroqueaconteceucomvocê.Quedesperdício.MyronolhouderelanceparaCalvinJonhson,queolhavaparaonadade

braçoscruzados,umlagoplácidonasfeiçõesdorostonegro.–Ahã–disseMyronnovamente.–Porissoeugostariadelhedarumanovachance.Myrontevecertezadequetinhaouvidomal.–Comoéqueé?–Temosumavaganotime.Gostariadecontratá-lo.Myron esperou um instante. Olhou para Clip, depois para Calvin.

Nenhumdosdoisestavarindo.–Cadê?–perguntouele.–Cadêoquê?–Acâmera.ÉumdaquelesprogramasdepegadinhadaTV,nãoé?–Nãoépegadinhanenhuma,Myron.–Sópodeser,Sr.Arnstein.Faz10anosquenãoparticipodeumtorneio

debasquete.Fratureiojoelho,lembra?–Tudobem.Mas, comovocêmesmodisse, isso foi há10 anos. Sei que

conseguiurecuperarseujoelhodepoisdacirurgiaedemuitafisioterapia.– Então deve saber também que tentei voltar a jogar. Sete anos atrás.

Masojoelhonãoaguentou.

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–Aindaeramuitocedo–argumentouClip.–Evocêacaboudedizerquevoltouajogar.–Partidasdefimdesemana.UmpouquinhodiferentedaNBA...Clipdesqualificouoargumentocomumgestodemãoedisse:–Vocêestáemplenaforma.Atéseofereceuparafazerflexões.Myron apertou as pálpebras, correndo os olhos de Clip para Calvin

Johnson,enovamenteparaClip.Ambosexibiamumaexpressãoneutra.– Por que tenho a sensação de que vocês estão escondendo alguma

coisa?Clip inalmentesorriueolhouparaCalvin,queseviuobrigadoafabricar

umsorrisotambém.–Talvezeudevessesermenos...–Clipbuscouapalavracerta–vago.–Seriaótimo.–Querovocênomeutime.Nãoimportasevaijogarounão.Myronnovamente icouesperandoporalgumaluz.Vendoquenenhuma

viria,disse:–Aindaumtantovago.Clip exalou um longo suspiro. Caminhou até o frigobar e de lá retirou

uma caixinha de achocolatado. Havia um estoque na geladeira. Hum. Elehaviasepreparado.–Vocêaindagostadestaporcaria?–Gosto–disseMyron.Clip arremessoua caixinhapara ele e encheudois copos comalgoque

derramou de umdecantador. Depois de entregar umdos copos a Calvin,apontouparaascadeirasdiantedavidraça.Perfeitas.Exatamentenalinhacentraldaarena.Ecomumrazoávelespaçoparaaspernas.MesmoCalvin,que tinha mais de dois metros, podia se espichar um pouco. Os três sesentaram lado a lado, todos virados para a arena, o que ainda eraestranho.Numareuniãodenegóciosaspessoasgeralmentesesentamdefrenteumaspara as outras, ao redordeumamesa.Mas ali eles estavamombroaombro,olhandoparaaequipequeafixavaotablado.–Saúde–brindouClip,ebebeuumgoledeuísque.Calvin Johnson apenas ergueu seu copo. Myron, obedecendo às

instruçõesdofabricante,agitouacaixinha.–Senãoestouenganado–prosseguiuClip–,vocêagoraéadvogado.– Sou membro da Ordem – falou Myron –, mas raramente preciso

advogar.–Agenciaatletas,nãoé?–É.

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–Nãoconfioemagentes–disseClip.–Nemeu.–Demodogeralsãounssanguessugas.– Preferimos o termo “entidades parasitas” – disse Myron. – É mais

politicamentecorreto.ClipArnsteinseinclinouparaafrenteecravouosolhosemMyron.–Comovousabersepossoconfiaremvocê?Myronapontouparasimesmo.–Minhatesta.Estáescritonelaquesouumapessoaconfiável.–Tudobem.–Vocêmedásuapalavradequenossaconversanãosairádestasala?–Dou.Cliphesitouum instante.OlhouparaCalvin Jonhson, reacomodou-sena

cadeiraeporfimdisse:–VocêconheceGregDowning,claro.ClaroqueMyron conheciaGregDowning.A rivalidadeentreosdois se

instalara logonoprimeiro jogodeumcampeonatomunicipalemqueeleshaviam se confrontado, ainda no ensino fundamental, a menos de 20quilômetros de onde Myron estava agora. No ensino médio, Greg semudaracoma famíliaparaacidadevizinhadeEssexFalls,poisopainãoqueria ver o ilho dividindo a ribalta do basquete comMyron. Foi entãoque a rivalidade entre os garotos tomou novas proporções. Ao longo doensinomédio,ambosseenfrentaramoitovezes,cadaumvencendoquatrojogos.MyroneGreghaviamsetornadoosatletasmaiscobiçadosdeNovaJersey, e depois ingressaram em universidades com times fortes debasquete e um longo histórico de rivalidade: Myron na Duke e Greg naUniversidadedaCarolinadoNorte.Nosanosde faculdade,dividiramduascapasdaSportsIllustrated . Suas

equipes haviam vencido duas vezes o campeonato da Costa Leste, masMyron vencera um campeonato nacional. Tanto ele quanto Greg foramincluídos pela crítica especializada na lista de melhores armadores dobasquete universitário. Até a formatura, a Duke e a Universidade daCarolinadoNorteseenfrentaram12vezes,comoitovitóriasparaaequipedeMyron.ÀépocadosrecrutamentosparaaNBA,ambosforamescolhidoslogonaprimeirabateria.Arivalidadeatingiuseuápice.Noentanto,acarreiradeMyronchegouao imquandoeletromboucom

ogiganteBurtWesson.GregDowning,porsuavez,escapoudasgarrasdodestino para se tornar um dos principais armadores da NBA. Durante a

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carreira de 10 anos com os Dragons de Nova Jersey, foi convocado oitovezesparaaequipe“All-Star”americana.Porduasvezesfoiojogadorcomo maior número de cestas de três pontos; por quatro, o jogador com omaioraproveitamentode lances livres;eporuma,o jogadorcomomaiornúmero de assistências. Estampou a capa de três edições da SportsIllustratedevenceuumcampeonatodaNBA.–Sim,conheçoGreg–respondeuMyron.–Vocêssefalamcomfrequência?–perguntouClipArnstein.–Não.–Quandofoiaúltimavezquesefalaram?–Nãolembro.–Nosúltimosdias?–Achoquefaz10anosquenãofalocomGreg.–Ah–disseClip,edeumaisumgolenouísque.Calvinaindanãohavia

tocadonoseu.–Bem,vocêdeveterouvidosobreacontusãodele.–Algumacoisanotornozelo,nãoé?–falouMyron.–Coisaderotina.Pelo

quesei,eleestáafastado,emrecuperação.Clipfezquesimcomacabeça.–Essaéahistóriaquepassamosparaamídia.Masnãoéexatamentea

verdade.–Ah,não?–Gregnãosecontundiu–revelouClip.–Eledesapareceu.–Desapareceu?–Denovooincorrigívelinterrogador.– Sim. – Clip deu mais um gole. Myron também bebeu um pouco do

achocolatado,emborasuavontadefossesorvê-loatéofim.–Desdequando?–perguntou.–Fazcincodias.Myron olhou para Calvin, que permanecia impassível.Mas assim era o

rosto dele. Nos tempos em que jogava, tinha o apelido de Geleira, poisraramentedemonstravaalgumaemoção.Aindafaziajusaonome.Myronfeznovatentativa:–QuandovocêdizqueGreg“desapareceu”...–Sumiudomapasemdeixarrastros–disseClip.–Escafedeu-se.Chame

comoquiser...–Vocêsavisaramàpolícia?–Não.–Porquenão?Clipnovamentefezumsinalcomamão.–VocêconheceoGreg.Elenãoénadaconvencional.

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Aobviedadedomilênio.–Nuncafazoqueseesperadele–prosseguiuClip.–Detestaafamaque

conquistou. Gosta de icar sozinho. Inclusive já sumiu outras vezes nopassado,masnuncaduranteafasefinaldocampeonato.–Edaí?– E daí que há uma grande probabilidade de que ele esteja apenas

sendo o esquisitão de sempre – disse Clip. – Greg arremessa comoninguém,mas verdade seja dita: está a dois passos da demência. Sabe oqueelefazdepoisdosjogos?Myronnegoucomumacenodecabeça.–Dirigeumtáxinacidade.Issomesmoquevocêouviu:aporcariadeum

táxi amarelo em Manhattan. Diz que é para se aproximar das pessoascomuns. Greg não comparece a nenhum evento público. Não fazpublicidadenemdá entrevistas.Nemsequer contribui comalguma causailantrópica. E o jeito que ele se veste? Parece um personagem de umdaquelesseriadosdadécadade1970.Ocaraéumloucodepedra.–Oqueotornaaindamaispopularentreos fãs–observouMyron.–E

portantovendemaisingressos.–Concordo–disseClip–,masissosócorroboraaminhatese.Chamara

polícia traria enormes prejuízos não só para o próprio Greg,mas para aequipe inteira. Você pode muito bem imaginar o circo que a mídia fariacomumahistóriadessas,não?–Seriaumhorror–admitiuMyron.–Exatamente.MaseseeleestiverapenasdandoumtempoemFrench

Lick, ou em qualquer outro buraco onde costuma se en iar durante asférias, pescando ou fazendo sei lá o quê? Meu Deus, a novela não teriamaisfim.Poroutrolado,suponhamosqueeletenhaaprontadoalguma.–Aprontadoalguma?–repetiuMyron.– Sei lá. É apenas uma suposição. Mas não preciso de um maldito

escândalonessaalturadocampeonato.Nãocomas inaisseaproximando,entende?Myronnãoentendia,masdeixoupassar.–Quemmaissabedessahistória?–perguntou.–Sónóstrês.Osfuncionáriosdoestádiojáarmavamascestas.Haviaumparadicional

para o caso de alguém quebrar a tabela. Como amaioria dos estádios, oMeadowlandsdeNovaJerseydispunhademaisassentosparaobasquetequeparaohóquei–nocaso,milassentosamais.Myrondeuoutrogolenoachocolatado e deixou que o líquido escorresse lentamente garganta

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abaixo.Sóentãofezaperguntaóbvia:–Eeu,ondeentronisso?Cliphesitouantesderesponder.Respiravacomcertadi iculdade,quase

ofegando.–SeialgumacoisasobreoseupassadonoFBI–dissea inal.–Nenhum

detalhe, claro. Apenas coisas vagas,mas o bastante para saber que vocêtemalgumaexperiência.QueremosquevocêencontreoGreg.Nasurdina.Myronnãodissenada.Aoqueparecia,seupassadode“agentesecreto”

nãotinhaabsolutamentenadadesecreto.Clipdeuumgoleemsuabebida,olhou para o copo cheio de Calvin e depois para o próprio Calvin, quefinalmenteprovououísque.VoltandoaatençãoparaMyron,continuou:–Greg agora é divorciado. A bemda verdade, é um solitário. Todos os

amigos dele... ou melhor, todos os conhecidos, são os companheiros deequipe, que funcionam como uma espécie de grupo de apoio, por assimdizer. São a família dele. Se alguém souber onde ele está... e se alguémestiverajudandoGregaseesconder,sópodeserumdosDragons.Vouserhonesto com você: esses caras são um pé no saco. Um bando demimadinhosqueachamquenossoúnicoobjetivonavida é servi-los.Mastodos têm uma coisa em comum: veem os cartolas como inimigos. “Nóscontraomundo”,essetipodebobagem.Nuncanosdizemaverdade.Nemaos jornalistas. E se você tentar se aproximar deles como, digamos, uma“entidade parasita”, também não vai ouvir a verdade. O único jeito é setornarumdeles.Umjogador.Sóumjogadorteráalgumachancedesoltaralínguadeles.–EntãovocêquerqueeuentrenaequipeparaencontraroGreg?Myron ouviu na própria voz os ecos de sua dor, que vieram à tona

contra a sua vontade. Percebendo que os outros dois tinham reparadonisso,coroudevergonha.Cliptocou-onoombro.–Myron,fuisinceroquandodissequevocêpoderiatersidoumgrande

jogador.Umdosmelhores.Myrondeuumgrandegolenoachocolatado;estavafartodosgolinhos.–Desculpe-me,Sr.Arnstein.Nãovoupoderajudá-lo.OcenhofranzidonovamentedeuoardesuagraçanorostodeClip.–Não?– Tenho uma vida. Agencio atletas. Tenho clientes que precisam dos

meuscuidados.Nãopossoabandonartudodeumahoraparaoutra.–Vocêvaiganhararemuneraçãomínimadosjogadores,proporcionalà

sua participação na temporada. Ou seja, cerca de 200 mil dólares. E só

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faltam algumas semanas para as inais. Até lá vamos mantê-lo no time,aconteçaoqueacontecer.–Não.Meusdiasde jogadoracabaram.Alémdomais,nãosounenhum

detetiveparticular.–MasprecisamosencontraroGreg.Épossívelqueeleesteja correndo

algumperigo.–Sintomuito.Minharespostaénão.Clipsorriu.–Esecolocarmosmaisalgumdocinhonasuaboca?–Não.–Umbônusde50mil.–Desculpe.– Mesmo que Greg dê as caras amanhã, você receberá seu bônus.

Cinquentamilpratas.Maisumaporcentagemdarendadasfinais.–Não.Clip se recostouna cadeira.Olhando ixamente para o uísque, afundou

neleoindicadoreremexeuolíquido.Displicentemente,falou:–Vocêfalouqueagenciaatletas,certo?–Certo.– Soumuito amigo dos pais de três garotos que vão ser recrutados na

primeirabateria.Sabiadisso?–Não.– Suponhamos – disse Clip lentamente – que eu prometa a você um

contratocomumdessesgarotos.Myron icou subitamente interessado. Um contrato com um atleta

recrutado logo na primeira bateria de convocações. Tentou manter acalma,darumadeGeleira,masseucoraçãoretumbavanopeito.–Comopodemeprometerumacoisadessas?–Confieemmim.–Nãomeparecemuitoético.Clipdeuumrisinhodeescárnio.–Myron, não vá querer bancar o santo comigo agora. Vocême presta

esse pequeno serviço, e a MB Representações Esportivas ganha seuprimeiro contrato comumatletadeprimeirabateria.Douminhapalavra.SejaláqualforodesfechodessahistóriacomoGreg.MBRepresentaçõesEsportivas.AagênciadeMyron.MyronBolitar.Daío

MB. Uma agência de representação de atletas. Daí o RepresentaçõesEsportivas.Somandoumacoisaaoutra:MBRepresentaçõesEsportivas.OpróprioMyronhaviacunhadoonome,masatéentãonenhumaagênciade

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publicidadehaviarequisitadoseustalentoscriativos.–Cemmildólaresdebônuslogonacontratação–contrapôsele.Clipsorriu.–Vocêaprendeudireitinho,Myron.Myrondeudeombros.– Setenta e cincomil – ofereceu Clip. – E você vai aceitar. Soumacaco

velho,nãopercaseutempotentandomepassaraperna.Oacordofoiseladocomumapertodemãos.– Tenho mais algumas perguntas quanto ao sumiço de Greg – disse

Myron.Apoiando-senosdoisbraçosdacadeira,Clip icoudepéesepôsdiante

dele.– Calvin lhe dará todas as respostas – falou, apontando o queixo na

direçãododiretor-geral.–Agoraprecisoir.–Então,quandovocêquerqueeucomeceatreinar?Clippareceusurpresocomapergunta.–Treinar?–É.Quandovocêquerqueeucomece?–Temosumjogohojeànoite.–Hojeànoite?–Sim.–Querqueeujogueaindahoje?– Contra um dos nossos velhos adversários, os Celtics. Calvin

providenciará seu uniforme a tempo. Coletiva com a imprensa às seishorasparaanunciaracontratação.Nãoseatrase.–Clipfoisaindorumoàporta.–Euseessagravata.Gosteidela.–Hojeànoite?–repetiuMyron,masClipjáhaviasaído.

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capítulo2

ASSIM QUE CLIP DEIXOU a tribuna, Calvin Johnson se permitiu um discretosorriso.–Faleiqueseriaestranho,nãofalei?–Estranhoépouco–concordouMyron.–Játerminouseuachocolatado?Myronjogouacaixinhafora.–Já.–Entãovenha.Precisamosnosprepararparaagrandeestreia.Calvin Johnson andava com desenvoltura, o tronco ereto. Era negro,

magérrimoemuitoalto(2,07m),masnãotinhaumcorpodesproporcionalnemeradesengonçado.EstavausandoumternocinzadaBrooksBrothers,de corte perfeito. O nó da gravata também era perfeito, assim como olustro dos sapatos. Os cabelos muito crespos começavam a retroceder,deixando a testa um tanto grande e brilhante demais. QuandoMyron sematriculou na Duke, Calvin já cursava o último ano na Universidade daCarolina do Norte. Portanto tinha uns 35 anos, embora parecesse maisvelho.Tiveraumabela trajetórianobasquetepro issional ao longode11temporadas.Aoseaposentar,trêsanosantes,todossabiamqueseguiriaocaminho da administração esportiva. Começara como técnico-assistente,passara a gerente de elenco e recentemente fora promovido a vice-presidente e diretor-geral dos Dragons de Nova Jersey. Apenas títulos,porém. Era Clip quem comandava o circo. Diretores-gerais, vice-presidentes, gerentes de elenco, preparadores ísicos e até mesmotécnicos,todossedobravamàsvontadesdele.–Esperoquevocêlevenumaboaessasuanovamissão–disseCalvin.–Eporquenãolevaria?Calvindeudeombros:–Jájogueicontravocê.–Edaí?–Edaí que você éumdos ilhosdaputamais competitivosque já tive

que enfrentar em campo – respondeu Calvin. – Pisaria na cabeça dealguém se isso fosse necessário para vencer. E agora vai esquentar abundanumbancodereservas.Então,comoéquevaiser?–Nãovaiserproblemaalgum.

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–Ahã.–Amoleciaolongodosanos.Calvinbalançouacabeça.–Duvido.–Duvida?– Pode achar que amoleceu. Talvez até achar que tirou o basquete da

cabeça.–Etireimesmo.Calvinparou,sorriu,espalmouasmãos.–Claroquesim.Bastaolharparavocê,Myron.Vocêpoderiamuitobem

estampar o pôster do que deveria ser a pós-vida de um atleta. Um beloexemploparaqualqueresportista.Suacarreirainteiradesaboudiantedosseusolhos,masvocêenfrentouodesa io.Voltouparaafaculdade...Paraafaculdade de Direito de Harvard, ainda por cima. Abriu seu próprionegócio,umaagênciaderepresentaçãodeatletasemfrancocrescimento...Aindaestánamorandoaquelaescritora?EleestavafalandodeJessica.Emboraorelacionamentocomelaandasse

semprenacordabamba,Myronrespondeu:–Estou.– Então. Você conseguiu seu diploma, sua empresa e uma namorada

bonita. No aspecto exterior parece um homem plenamente feliz eequilibrado.–Noaspectointeriortambém.Calvinbalançouacabeça.–Achoquenão.–Nãofuieuquepediparaentrarnotime–argumentouMyron.–Mastambémnãoresistiumuito.Apenasbarganhouagrana.–Souagente.Éissoqueeufaço.Barganhograna.CalvinparounovamenteeolhouparaMyron.–Vocêrealmenteachaqueprecisafazerpartedaequipeparaencontrar

oGreg?–NaopiniãodoClip,sim.– Clip é um sujeito formidável – disse Calvin –,mas cheio de segundas

intenções.–Tipooquê?Calvinnãorespondeu.Retomouacaminhada.Eles alcançaram o elevador. Calvin apertou o botão e as portas

imediatamenteseabriram.Elesentrarameforamdescendo.–Olhebemnosmeusolhos–prosseguiuCalvin–emediz, com todaa

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sinceridade,quenuncapensouemvoltarajogar.–Quemnuncapensaemvoltar?–rebateuMyron.–Sim,masdizaí sevocênãovaiumpassoalém, sedevezemquando

não dá asas à imaginação e sonha em voltar correndo para as quadras.Mesmo agora, quando está vendo algum jogo na TV, diz que não senteaquela isgada no peito. Diz que, vendo o Greg jogar, você não icapensandoemtodaaglóriaeadulaçãodeumacarreiradesucesso.Dizquenuncapensa:“Eueramelhordoqueele.”Porqueéverdade,Myron.Gregéumótimo jogador,umdos10melhoresda liga.Masvocêeramelhor.Nósdoissabemosdisso.–Issofoihámuitotempo–disseMyron.Calvinsorriuedisse:–Tudobem,vai.–Aondevocêquerchegarafinal?– Você está aqui para encontrar o Greg. Mas depois que encontrá-lo,

vocêvaiembora.E todaanovelachegaráao im.Clipvaipoderdizerquelhe deu uma chance, mas que você não estava à altura do desa io. Vaiposardebonzinhoerecebertodaabajulaçãodamídia.– Bajulação da mídia – repetiu Myron, lembrando-se da coletiva que

tinhapelafrente.–Seriaessaumadesuassegundasintenções?Calvindeudeombros.–Nãoimporta.Oquerealmenteimportaéquevocênãoalimentemuito

as suas esperanças. Vai jogar apenas se estivermos ganhando por umadiferençamuitogrande,oqueraramenteacontecenasfinais.Emesmoqueaconteça,mesmoquevocêjoguemaravilhosamente,nósdoissabemosquetudonãoterápassadodeumagrandecolherdechá.Evocênãovai jogarmaravilhosamenteporqueéum ilhodaputacompetitivoparacarambaesó joga bemquando sabe que os pontos são de initivos para a vitória dotime.–Entendo–disseMyron.– Espero que sim, meu amigo. – Calvin ergueu os olhos para a

numeração dos andares. As luzes re letiram no castanho das íris. – Ossonhosnuncamorrem.Àsvezesachamosqueelesestãomortos,masestãoapenas hibernando comoumurso velho. E quando a hibernação émuitolonga,oursoacordabravoefaminto.–Vocêdeviaescrevermúsicacountry–sugeriuMyron.Calvinbalançouacabeça.–Estouapenastentandoabrirosolhosdeumamigo.–Muitoagradecido.Masagora,quetalmecontartudooquesabesobre

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osumiçodeGreg?O elevador parou e as portas se abriram. Calvin saiu primeiro para

mostrarocaminho.– Não há muito a contar – a irmou. – Jogamos contra os Sixers na

Filadél ia. Depois do jogo, Greg entrou no ônibus com todo mundo e,quandochegamosaqui,saiucomtodomundotambém.Foivistopelaúltimavezquandoestavaentrandonocarrodele.Eissoétudo.–Comoeleestavanaquelanoite?–Bem.TinhafeitoumbomjogonaFiladélfia.Marcou27pontos.–Maseoestadodeespírito?Calvinrefletiuuminstante.–Nãonoteinadadediferente–falou.–Algumanovidadenavidapessoal?–Novidade?–Mudanças,essetipodecoisa.–Bem, teve o divórcio – observouCalvin. –Umdivórcio feio. Sei que a

Emily pode ser bastante di ícil. – Mais uma vez ele parou e abriu umsorrisoparaMyron.UmsorrisodegatodeAlice.Myronnãooretribuiu.–Eaí,Geleira,lembroudealgumacoisa?Osorrisoseescancarouaindamais.–VocêeEmilyjánãotiveramumrolotambém?–Séculosatrás.–Namoradinhosdefaculdade,semelembrobem.–Comoeudisse,séculosatrás.–Então–disseCalvin,voltandoacaminhar–,atécomasmulheresvocê

eramelhorqueoGreg.Myronignorouocomentário.–Clipsabedemeusuposto“passado”comEmily?–Eleémuitometiculosonaspesquisasquefaz.–Entãofoiporissoquevocêsmeescolheram–disseMyron.–Ofatofoilevadoemconsideração,masnãocreioquetenhasidomuito

importante.–Porquê?– Greg detesta Emily. Jamais con iaria um segredo a ela. Mas, desde o

início dessa guerra pela guarda dos ilhos, algo de initivamente mudounele.–Comoassim?–Parainíciodeconversa,eleassinouumcontratodepublicidadecoma

Forte,amarcadetênis.

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Myronficousurpreso.–Greg?Umcontratodepublicidade?–Tudo foi feitoassim,meionamoita–explicouCalvin. –Anotícia será

divulgadanofimdomês,poucoantesdasfinais.Myronassobiouefalou:–Eledeveterrecebidoumafortuna.–Fortunaemeia,segundoouvidizer.Maisde10milhõesporano.– Faz sentido. Um jogador popular que por mais de uma década se

recusou a endossar qualquer produto. O apelo não poderia sermaior. AForte tem uma grande presença no atletismo e no tênis, mas épraticamente desconhecida no mundo do basquete. O endosso de Gregdaráaelesumacredibilidadeinstantânea.–Éverdade–concordouCalvin.–VocêconsegueimaginaroquelevouGregamudardeideiadepoisde

tantosanos?Calvindeudeombros.– Talvez ele tenha se dado conta de que já não é nenhum garotão em

iníciode carreirae resolvidoencheraburra.Talvez tenha sido todaessahistóriadodivórcio.Ou talvez ele tenha levadoumaporradana cabeça edespertadocomummínimodejuízo.–Ondeelefoimorardepoisdodivórcio?–NacasadeRidgewood.NocondadodeBergen.Myron sabia muito bem onde icava Ridgewood. Pediu o endereço, e

Calvinlhepassou.–EaEmily?–perguntouMyron.–Ondeelaestámorando?– Foi com as crianças para a casa da mãe dela. Acho que estão em

FranklinLakes,oualgumlugarnaqueleslados.– Vocês já izeram alguma averiguação? A casa de Greg, os cartões de

crédito,ascontasbancárias...Calvinfezquenãocomacabeça.– Clip achou que o assunto era grave demais para ser con iado a uma

agênciadedetetives.Porissochamamosvocê.PasseidecarropelacasadeGregalgumasvezesenumadelaschegueiabaternaporta.Nenhumcarronaentradaounagaragem.Nenhumaluzacesa.–Masninguémentrounacasa?–Não.–Então,atéondevocêssabem,épossívelqueeletenhaescorregadono

chuveiroebatidoacabeça.Calvinolhouparaele.

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–Faleiquenãotinhanenhumaluzacesa.Achaqueeleestariatomandobanhonoescuro?–Bempensado–disseMyron.–Quebeloinvestigadorvocêé.–Costumodemorarparaengrenar.Eleschegaramàsaladotime.–Espereaqui–pediuCalvin.Myronpescouseucelular.–Vocêseimportaseeufizerumaligação?–Fiqueàvontade.AssimqueCalvinatravessouaporta,Myronligouocelularediscouum

número.Jessicaatendeunosegundotoque.–Émelhorquevocêtenhaumaboadesculpa–disseela.– Uma excelente desculpa: fui contratado para jogar basquete

profissionalnaequipedosDragonsdeNovaJersey.–Ótimo.Bomjogoparavocê,meuamor.– É sério. Vou jogar com osDragons. Na verdade, “jogar” não é bem a

palavra. O mais correto seria dizer que vou ralar a bunda no banco dereservas.–Vocêestámesmofalandosério?–Éuma longahistória,masestousim.Apartirdehojesouum jogador

debasqueteprofissional.Silêncio.– Nunca saí com um jogador de basquete na minha vida – comentou

Jessica.–AgoravouficarigualaMadonna.–Likeavirgin–disseMyron.–Uau.Areferêncianãopoderiasermaisantiga.–Éverdade,mas...Oqueeupossodizer?Souumcaradosanos80.–Então,Sr.Anos80,vaimedizeroqueestáacontecendoounão?–Agoranãovaidar.Maistarde.Depoisdojogo.Voudeixarumingresso

paravocênabilheteria.Calvinespichouacabeçapelaporta.–Quenúmerovocêveste?Quarentaedois?–Quarentaequatro.Talvez46.Calvinmeneouacabeçaevoltouàsala.Myrondiscouonúmeroprivado

de Windsor Horne Lockwood III, presidente da prestigiosa corretora devaloresLock-HorneSecurities,nocentrodeManhattan.Winrespondeunaterceirachamada.–Articule.

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–Articule?–Eudisse“articular”,não“repetir”.–Temosumcaso–informouMyron.– Misericórdia... – resmungou Win com sua costumeira in lexão

quatrocentona. – Fico feliz com as boas-novas. Feliz, exultante, extasiado.Mas antes que eu molhe as calças de tanto júbilo, preciso fazer umapergunta.–Mandabala.– Este novo caso... seria mais um daqueles seus rompantes de

filantropia?–Podeirmolhandoascalças,porquearespostaénão.– Não? Nosso heroicoMyron não pensa em empreendermais uma de

suascruzadasmorais?–Dessavez,não.–GlóriaaoPainasalturas!Entãooqueé,afinal?–GregDowningestádesaparecido.Nossamissãoéencontrá-lo.–Eoquevamosreceberpelosserviçosprestados?– Pelo menos 75 mil, mais um contrato com um atleta de primeira

bateria. –Myron julgou que aquele não era omomento de contar aWinsobresuatemporáriamudançadecarreira.–Alvíssaras!–exclamouWin.–Porondecomeçamos?MyronpassouaeleoendereçodacasadeGregemRidgewood.–Nosencontramosláemduashoras–falou.–VoupegaroBatmóvel–disseWin,edesligou.CalvinvoltouàportaeestendeuaMyronouniformecomascores(roxo

eturquesa)dosDragonsdeNovaJersey.–Experimenteisto.Myron icouimóvelporuminstante.Ficouali,olhandoparaouniforme,

oestômagoameaçandocâimbras.Porfim,quaseameia-voz,disse:–Número34?– É – disse Calvin. – Seu número na equipe da Duke. Eu ainda me

lembro.Silêncio.QuefoiquebradoporCalvin:–Anda,experimenta.Myronsentiuosolhosmarejarem.Balançouacabeçaedisse:–Nãoserápreciso.Tenhocertezadequeéotamanhocerto.

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capítulo3

RIDGEWOOD FAZIA PARTE dos abastados subúrbios de Nova Jersey, umadaquelascidadezinhasqueaindaeramchamadasde“vilarejos”,onde95%dos alunos iam para a universidade e ninguém deixava que os ilhos seassociassem aos 5% restantes. Aqui e ali se viam alguns conjuntoshabitacionais,exemplosrarosdaexplosãosuburbanaocorridaemmeadosdosanos1960,masdemodogeralasbelascasasdeRidgewooddatavamdeumtempomaisremotoe,emtese,maisinocente.Myron encontrou a casa de Downing sem nenhuma di iculdade. Estilo

vitoriano. Grande,mas sem exagero: três pavimentos comum telhado decedro perfeitamente desbotado. À esquerda havia uma daquelas torresarredondadas de cume pontudo. A varanda era ampla, com todos osapetrechosdeumquadrodeNormanRockwell:umsofádebalanço;umabicicletadecriançarecostadaàparede;umtrenó,emboranãonevasseháseissemanas.Acestadebasquete,quenãopoderiafaltar,jáseencontravaligeiramente enferrujada, perto da via de acesso à garagem. Os adesivosvermelho e prata do Corpo de Bombeiros reluziam em duas janelas dosegundo pavimento. Carvalhos centenários margeavam o caminho comosentinelasveteranos.Win ainda não havia chegado. Myron estacionou e baixou a janela do

carro. Um dia perfeito de março. O céu, azul como ovos de rouxinol.Passarinhos cantavam para completar o clichê. Myron tentou imaginarEmilyali,masaimagemnãosesustentava.Eramuitomaisfácilvê-lanumarranha-céu em Nova York ou numa daquelas mansões de novos-ricos,toda branca com esculturas de Erté, adornos de prata e um excesso deespelhos commolduras espalhafatosas. Por outro lado, fazia 10 anos queeles não se falavam. Talvez ela tivesse mudado. Ou talvez ele estivesseequivocadonojuízoquevinhafazendodeladurantetodoessetempo.Nãoseriaaprimeiravez.EraengraçadoestardevoltaaRidgewood.Jessicahaviacrescidoali.Não

gostavadevoltaraolugar,masagoraosdoisamoresdavidadele(Jessicae Emily) tinham mais uma coisa em comum: o vilarejo de Ridgewood. Omais novo itemde uma lista que já incluía coisas como: conhecerMyron,ser cortejada porMyron, apaixonar-se porMyron, esmagar o coração deMyroncomosaltoagulhadeumsapato.Coisasderotina.

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Emilyforasuaprimeiramulher.Perderavirgindadenoprimeiroanodefaculdadeera tardeparaosparâmetrosda época, pelomenos segundooque a rapaziada alardeava. Mas se de fato houve uma revolução sexualentreosadolescentesamericanosnaviradadosanos1970paraos1980,Myron ou icara de fora dela ou nem sequer a percebera. Sempre izerasucesso com as mulheres, o problema não era esse. Mas enquanto osamigos discursavam detalhadamente sobre suas diversas aventurasorgíacas, Myron parecia atrair o tipo errado de mulher, as certinhas,aquelas que ainda diziam não – ou teriam dito caso ele tivesse tido acoragem(ouaantevisão)detentaralgumacoisa.Issomudounafaculdade,quandoeleenfimconheceuEmily.Paixão.Umapalavra relativamente gasta,masqueMyron julgava ser a

maisapropriadaparaseucaso.Nomínimo,umaatraçãoirresistível.Emilyera o tipo demulher que os homens costumam chamar de “gostosa” emvezde “bonita”.Umhomemvêumamulherbonita e faz oquê?Pintaumquadro, escreve um poema. Mas quem visse Emily logo pensaria emarrancarsuasroupas.Emilyexalavasensualidade;talveztivesseunscincoquilinhos a mais que o desejável, mas esses quilinhos eram distribuídoscom perfeição. A dupla formava uma poderosa mistura. Ambos tinhammenosde20anos,ambosestavamlongedecasapelaprimeiravez,amboserampessoascriativas.Nitroglicerinapura.OtelefonedocarrotocoueMyronatendeu.– Suponho que o plano seja invadir a residência dos Downing – disse

Win.–Correto.–Então,estacionarocarrodiantedaditaresidêncianãomepareceuma

decisãomuitosábia,concorda?Myronolhouaoredor.–Ondevocêestá?– Vá até o im do quarteirão. Dobre à esquerda, depois a segunda à

direita.Estoudiantedeumcentrocomercial.Myron desligou e deu partida no carro. Seguindo as instruções

recebidas,chegouaoestacionamentodopequenoshopping.Winestavaalidebraçoscruzados,recostadoemseuJaguar.Parecia,comosempre,estarposandoparaacapadeumarevistavoltadaaamericanosbrancosericos.Os cabelos louros estavam meticulosamente penteados. As facesligeiramente rosadas, o rosto de traços marcantes e porcelânicos, talvezperfeitosdemais.Usavaumpardecalçascáqui,blazerazul-marinhoeuma

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gravataLillyPulitzerdecoresberrantes.Win tinhaexatamenteoaspectoque se espera de alguém chamadoWindsor Horne Lockwood III: elitista,autocentradoebunda-mole.Bem,bunda-moleelenãoera.O centro comercial abrigava um grupo eclético de estabelecimentos.

Consultório ginecológico. Eletrólise. Serviço de entrega de intimações.Nutricionista. Academia só para mulheres. Como era de se esperar, Winhaviaestacionadojuntoàentradadaacademia.Myronfoiaoencontrodele.– Como você sabia que eu estava na frente da casa do Greg? –

perguntou.Sem tirarosolhosdaportadaacademia,Winapontouoqueixoparaa

esquerda.–Aquelacolina.Doaltodáparavertudocomumpardebinóculos.Uma moça com seus 20 e poucos anos, usando uma malha preta de

aeróbica, saiu da academia com um bebê no colo. Não demorara muitopararecuperaraforma.Winsorriuparaela.Eelasorriudevolta.–Adoroasjovensmamães–disseWin.–Vocêadoramalhasdeginástica.Winconfirmoucomumacenodecabeça.–Temrazão.–Botouosóculosescuroseprosseguiu:–Então,vamoslá?–Achaqueéarriscadoentrarnacasa?Win estampou no rosto sua expressão de “Vou ingir que não ouvi”.

Outramulhersaiudaacademia;infelizmente,nãofezjusanenhumsorrisodeWin.–Coloque-meapardetudo–ordenouele.–Esaiadafrente.Queroque

elasvejamoJaguar.Myroncontou tudooque sabia.Oitomulheres saíramduranteos cinco

minutosgastoscomorelato.ApenasduasmereceramoSorriso.Umadelasusava uma malha com estampa de tigre; portanto fez jus ao Sorriso deVoltagemMáxima,oqueiadeorelhaaorelha.Windavaa impressãodenão ter registradonadadoqueMyrondisse.

Mesmo ao saber que o amigo ocuparia temporariamente a vaga deixadapor Greg nos Dragons, continuara a olhar com volúpia para a porta daacademiadeginástica.TípicoemsetratandodeWin.Myronterminouseurelatodizendo:–Algumapergunta?Winlevouoindicadoraoslábios.– Você acha que a tigresa estava usando alguma coisa por baixo da

malha?

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–Seilá.Masseguramenteestavausandoumaaliança.Win deu de ombros. Alianças não signi icavam nada para ele. Ele não

acreditava no amor nem nos relacionamentos com o sexo oposto. Algunspoderiam acusá-lo demachista.Mas estariam enganados.Win não via asmulherescomoobjetos;certosobjetosmereciamseurespeito.–Venhacomigo–pediu.Win e Myron se encontravam amenos de um quilômetro da casa dos

Downing.Win já havia feito suas pesquisas, sabia qual era o trajeto quenão levantaria suspeitas. Eles caminharamno silêncio confortáveldedoishomensqueseconheciambemedesdemuitotempo.–Háumdetalheinteressantenestahistóriatoda–disseMyron.Winesperou.–VocêselembradeEmilyShaeffer?–perguntouMyron.–Onomenãomeéestranho.–FomosnamoradospordoisanosnaDuke.OsdoisamigoshaviamseconhecidonaDuke.Tambémhaviamdividido

a mesma suíte no dormitório durante quatro anos. Fora Win quemapresentaraMyronàsartesmarciais,quemolevaraatrabalharcomoFBI.Ele agora era um homem das altas inanças com sua empresa na ParkAvenue, uma corretora de valores que pertencia à família dele desde osprimórdiosdomercadoacionário.Myronalugavasalasnoprédiodoamigoe também con iava a ele toda a gestão do patrimônio inanceiro de seusclientesnaMBRepresentaçõesEsportivas.Winrefletiuuminstante.–Nãoéaquelaquecostumavaguincharfeitoummacaco?–Não–respondeuMyron.Winpareceusurpreso.–Quemeraaquelaqueguinchavafeitomacaco?–Nãofaçoamenorideia.–Talvezfosseumadasminhas.–Podeser.Winpensoumaisumpouco,sacudiuosombros.–Oquetemela,afinal?–EracasadacomGregDowning.–Elessedivorciaram?–Sim.–Agoramelembro–disseWin.–EmilySchaeffer,arechonchuda.Myronfezquesimcomacabeça.– Nunca gostei dela – prosseguiuWin. – A não ser pelos guinchos de

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macaco.Tinhamláasuagraça.–Nãoeraelaqueguinchavafeitomacaco.Winsorriudiscretamente.–Asparedeseramfinas–falou.–Evocêficavabisbilhotandoagente?–Sóquandovocêbaixavaacortinademodoqueeunãopudessever.Myronbalançouacabeça.–Vocêéumamula.–Antesmulaquemacaco.Elesalcançaramogramadoemfrenteàcasaecaminharamatéaporta.

O truque era agir com amaior naturalidade possível. Esgueirar-se pelosfundos decerto chamaria a atenção de alguém. Di icilmente dois homensengravatadosentrandopelaportaprincipalseriamtomadosporladrões.Haviaumtecladodemetalcomumaluzinhavermelhaacesa.–Alarme–disseMyron.Winfezquenãocomacabeça.– É falso. Apenas uma luzinha. Provavelmente comprado numa loja

vagabunda. – Win olhou para a fechadura e deu um risinho. – Umaporcariadessasnacasadeumjogadordebasquetemilionário–comentou,claramenteenojado.–Umafechaduradebrinquedoseriamaissegura.–Maseatrancaembutida?–perguntouMyron.–Nãoestátrancada.Win já havia tirado da carteira uma tira de celuloide. Os cartões de

crédito eram rígidos demais. O celuloide funcionava bem melhor. Empoucos segundos, nãomais do que teria sido necessário caso tivessem achave, a porta se abriu e eles passaram ao hall de entrada. Acorrespondência, jogada através de uma fenda na porta, encontrava-seesparramada pelo chão. Myron rapidamente conferiu as datas depostagemnos envelopes. Ninguém estivera naquela casa por pelomenoscincodias.Adecoraçãoerabonita,deumfalsorústicoàlaMarthaStewart.Oestilo

dos móveis era o que as pessoas chamavam de “country simples”, deaspectorealmentesimplesmasdepreçosastronômicos.Muitopinho,vime,antiguidades e lores secas.Operfumedopot-pourri era forte, chegava aenjoar.Win e Myron se separaram. Win subiu para o escritório; ligou o

computadorecopioutudooquepôdeparaumdisquete.Myronencontrouasecretáriaeletrônicanumcômodoquecostumavaserchamadode“estaríntimo”,masqueosricosagorachamavamde“salaCalifórnia”ou“salade

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lazer”.Asecretária informavaohorárioeadatadecadamensagem.Maisconveniente impossível. Myron apertou o botão. Logo na primeiramensagem,queavozdigitalinformavatersidorecebidaàs21h18danoiteemqueGregsumira,Myronencontroualgointeressante.Comavozmeiotrêmula,umamulherdizia:“AquiéaCarla.Teesperona

cabinedosfundosatémeia-noite.”Clic.Myronouviunovamente.Aofundoseouviaumacacofoniadeconversas,

música e taças tilintando.A ligaçãodecertohavia sido feitadeumbarourestaurante, sobretudo em razão da referência à tal cabine. Pois bem:quemseriaatalCarla?Umanamorada?Provavelmente.Quemmaisligariatão tardeparamarcarumencontroaindamais tardenaquelanoite?Mas,claro,aquelanãohaviasidoumanoitecomooutraqualquer.GregDowninghavia desaparecido em algum momento entre aquela ligação e a manhãseguinte.Estranhacoincidência.Ondeteriamelesseencontradoa inal?SeéqueGregdefatochegaraao

tal restauranteoubar.EporqueCarla,quemquerqueela fosse,pareciatãoabalada?Estariaele,Myron,imaginandocoisas?Myronouviuo restodasmensagens.NenhumaoutradeCarla. SeGreg

não tivesse ido ao seu encontro, ela não teria ligado outra vez?Provavelmente.Portanto,MyronpodiapresumircomcertasegurançaqueGreg Downing havia se encontrado com a tal Carla em algum momentoantesdeseusumiço.Umapista.TambémhaviaquatroligaçõesdeMartinFelder,oagentedeGreg,quea

cada mensagem parecia mais agastado. A última dizia: “Porra, Greg, porquevocênão ligadevolta?Essasuacontusãonotornozelo foimaisgravedoqueeupensava?Masnempenseemdarperdidonessemomento,justoagoraquevamosfecharnegóciocomaForte.Meliga,ok?”Haviaaindatrêsligações de um certo Chris Darby, que aparentemente trabalhava para aForte Sports Incorporated. ComoMartin, pareciapreocupado: “Martynãoquerme dizer onde você está. Acho que está fazendo algum tipo de jogocom a gente, Greg, tentando subir o preço, sei lá. Mas temos um acordo,não temos? Olha, vou lhe dar meu número de casa, está bem? E essacontusão?Oqueaconteceuexatamente?”Myron sorriu. Martin Felder tinha nas mãos um cliente desaparecido,

masestava fazendoopossívelpara tiraralgumavantagemdo fato.Ah,osagentes.Eleapertouumbotãodasecretáriaeletrônicadiversasvezes,eacerta alturaodisplaydeLEDmostrouo códigonuméricoqueGreghavia

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criado para ligar e ouvir suasmensagens: 173. Um truque relativamentenovo no ramo. AgoraMyron poderia ligar a qualquer hora, digitar 173 eouvir todo o conteúdo da máquina. Em seguida ele apertou o botão derediscagem.Outro truque relativamentenovo.DescobrirparaquemGreghavialigadopelaúltimavez.Otelefonetocouduasvezesefoiatendidoporumamulher, que disse: “Kimmel Brothers”. Quem quer que eles fossem.MyrondesligouefoiaoencontrodeWinnoandardecima.Win continuava a copiar arquivos do computador enquanto Myron

vasculhavaasgavetas.Nadaespecialmenteútil.Eles foram juntos para a suíte do casal. A cama king-size estava

arrumada.Ambasasmesinhasdecabeceiraestavamatulhadasdecanetas,chavesepapéis.Ambas.Curiosoparaumhomemquemoravasozinho.Correndoosolhospeloquarto,Myronsedeparoucomumapoltronade

leituraquefaziaasvezesdecabideiro.AsroupasdeGregseencontravamjogadas sobre umdos braços e o espaldar. Normal, ele pensou. Eramaisorganizado que seu próprio quarto – o que não queria dizer muito. Noentanto, observando melhor, percebeu algo estranho no outro braço dacadeira.Duaspeçasderoupa:umablusabrancaeumasaiacinza.EleolhouparaWin.–TalvezsejamdaMacaca–disseWin.Myronfezquenãocomacabeça.– Faz meses que Emily não mora mais aqui. Por que as roupas dela

estariamjogadasnessacadeira?O banheiro se revelou igualmente desinteressante. Uma grande

banheira de hidromassagem à direita, um amplo chuveiro com sauna edois nécessaires sobre a bancada. Antes de qualquer coisa elesexaminaram os nécessaires. Um deles continha um tubo de creme debarbear, uma lâmina Gillette Atra, um frasco de pós-barba Polo, umdesodoranteroll-on.Ooutrocontinhaumestojodemaquiagemaberto,umvidrodeperfumeCalvinKlein,talcoinfantileumdesodoranteSecret.Juntodabancada,ochãoestavapolvilhadodetalco.Tambémhaviaduaslâminasdebarbeardescartáveissobreasaboneteiradahidro.–Eletemumanamorada–observouMyron.–Nãodiga–devolveuWin.–Um jogadordebasquetepro issionalcom

uma princesa núbia. Uma revelação e tanto. Talvez um de nós devessegritar:“Eureca!”–Sim,mas isso levantaumaquestão interessante–continuouMyron.–

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Caso se trate mesmo de uma namorada, ela não teria acionado a políciadepoisdosumiçodeGreg?–Nãoseelesestiveremjuntos.MyronassentiuecontouaWinsobreaenigmáticamensagemdeCarla.Winbalançouacabeça.– Se estivessemplanejando uma fuga – argumentou –, por que ela lhe

diriaondeencontrá-la?– Ela não disse onde. Apenas que estaria na cabine dos fundos até a

meia-noite.–Aindaassim–ponderouWin.–Nãoéotipodecoisaqueumapessoa

faça antes de desaparecer. Digamos que por algummotivo Carla e Gregtenham decidido sumir por uns tempos. Não seria mais lógico que Gregsoubessedeantemãoondeencontrá-la?Myrondeudeombros.–Talvezelativessemudadoolugardoencontro.–Deondeparaonde?Dacabinedafrenteparaacabinedosfundos?–Comoéqueeuvousaber?Elesvasculharamorestodosegundoandar.Nadademuitointeressante.

O quarto do ilho de Greg tinha papel de parede com motivosautomobilísticoseumpôsterdopaidriblandoPennyHardawayparafazerum arremesso de bandeja. O da ilha era decorado em tons de roxo comdinossauros e motivos do seriadoBarney e seus amigos. Nenhuma pista.Aliás,nenhumaoutrapistaseriaencontradaantesqueelesdescessemaoporão.Tãologoacendeuasluzes,Myronaavistou.Tratava-sedeumporãoorganizado,decoresmuitovivas,queserviade

quarto de brinquedos para as crianças. Lá se viam diversos carrinhos,blocosdeLegoeumacasinhadeplásticocomescorregador.Nasparedes,cenasdefilmesdaDisney,comoAladdineOReiLeão.Haviaumatelevisãoeumaparelhodevídeo,alémdecoisasparaquandoascriançascrescessem:umamáquinade liperama,uma jukebox.Espalhadospelopiso,pequenascadeirasdebalanço,colchonetesesofazinhossurrados.Também havia sangue. Muito sangue, respingado pelo chão. Além de

manchasgrandesnasparedes.Myron teve náuseas. Vira sanguemuitas vezes na vida,mas ainda não

tinha se acostumado. O que não era o caso deWin, que parecia estar sedivertindoaoseaproximardeumadasmanchasvermelhas.Eleseinclinouparavermelhor.Depoissereergueuedisse:–Vejamosascoisaspeloladobom:épossívelquesuavaganosDragons

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setornepermanente.

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capítulo4

NÃOHAVIACORPOS.Apenassangue.Usando os saquinhos Ziploc que encontrara na cozinha, Win colheu

algumasamostras.Dalia10minutoseleeMyronjáestavamdevoltaàrua.A porta da casa fora devidamente trancada. Um Oldsmobile Delta 88passouporeles.MyronolhouparaWin,quemalsemexeu.–Éasegundavez–disseMyron.–Terceira–corrigiuWin.–Jáestavamnaáreaquandocheguei.–Nãosãolámuitoprofissionais.–Não,nãosão.Masdecertonãosabiamqueteriamqueser.–Vocêpodechecaraplaca?Winfezquesimcomacabeça.–Tambémvoupesquisaras transaçõesdedébitoe créditonoscartões

de Greg – falou. – Entro em contato com você quando descobrir algumacoisa.Nãodevelevarmuitotempo.–Vaivoltarparaoescritório?–AntesvoudarumapassadanoMestreKwon–informouWin.Mestre Kwon era o instrutor de tae kwon do de ambos. Tanto Win

quantoMyron eram faixa preta:Myron, de segundo grau;Win, de sexto,um dos ocidentais de maior graduação no mundo. Win era o melhorlutador que Myron já conhecera. Tinha experiência em diversas artesmarciais, incluindo o jiu-jítsu brasileiro, o kung fu animal e o jeet kun do.Win,acontradiçãoambulante.Quemovisseimaginariaumsujeitomimado,umalmofadinhabundão;naverdade,eleeraumaguerridolutador.Quemovisseimaginariaumserhumanonormalebem-ajustado;naverdade,eleeratudomenosisso.–Oquevocêvaifazerhojeànoite?–perguntouMyron.–Aindanãosei.–Possodescolarumingressoparaojogo.Winpareceucalado.–Querir?–Não.Semmaisdizer,Winseacomodouaovolantedo Jaguar,deupartidano

motorearrancou,impassível.Myron icouali,observandoocarrovoarruaafora,remoendoasúbitamudançadecomportamentodoamigo.Poroutro

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lado,parafraseandoumadasquatroperguntasdaPáscoajudaica,porqueodiadehojedeveriaserdiferentedequalqueroutro?Ele conferiu o relógio. Ainda dispunha de algumas horas até a grande

coletivade imprensa.Tempo su icienteparavoltar aoescritório e colocarEsperanza a par de sua guinada pro issional. A convocação dos Dragonsafetariaavidadelamaisdoqueadequalqueroutrapessoa.MyronseguiupelaRoute4atéaGeorgeWashingtonBridge.Nãohavia

ilasnascabinesdepedágio.ProvadequeDeusexistia.AHenryHudson,no entanto, estava congestionada. Myron fez um retorno próximo aoColumbia PresbyterianMedical Center para tomar a Riverside Drive. Nosinal não se via nenhum dos sem-teto que geralmente surgiam para“limpar”opara-brisacomalgoquepoderiamuitobemserumamisturadeurina,gorduraemolhodepimenta.ObradoprefeitoGiuliani,supôsMyron.Mas eles haviam sido substituídos pelos hispânicos, que agora vendiamlores e algo que parecia papel artesanal. Certa vezMyron perguntara oqueeraaquiloereceberaumarespostaemespanhol;emboranãotivesseentendido muita coisa, gostara do cheiro do tal papel, achara-o bom osu iciente para perfumar uma casa. Talvez fosse isso que Greg usava nolugardeumpot-pourri.ARiversideDriveestavarelativamentetranquila.Myronlogochegouao

estacionamento da rua 46 e jogou as chaves do carro paraMario. Comosempre,Mario não estacionou o Ford Taurus junto do Jaguar deWin oudosMercedes e Rolls-Royces que povoavamo lugar,mas numa vaga sobaquilo que no passado decerto havia sido uma colônia de pombos comincontinência intestinal. Discriminação automotiva. Uma vergonha, masondeestavamosgruposdeapoio?OprédiodaLock-HorneSecurities icavanaParkAvenue,esquinacoma

rua46,próximoaoHelmsleyHotel.Biscoito ino,aluguéiscaríssimos.Aruafervilhava com o ir e vir dos medalhões do mundo inanceiro. Diversaslimusinesseencontravamparadasem iladuplanoasfalto.Continuava lá,defrontando o prédio, a escultura moderna e horrorosa que lembravavíscerashumanas.Nosdegrausdaescada,homensemulheresvestidosacaráterdevoravamseus sanduíches,perdidosnosprópriospensamentos;muitos falavam sozinhos, ensaiando para alguma reunião importante ouremoendo alguma mancada cometida pela manhã. Os moradores deManhattan cedo ou tarde se habituavam a se ver sozinhos apesar damultidãoqueoscercava.Myron entrou no lobby, chamou o elevador e acenou para as três

recepcionistas da Lock-Horne, que também eram conhecidas como as

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gueixas da Lock-Horne. Todas aspiravam a uma carreira de atriz e/oumodelo e tinham como missão transbordar simpatia e beleza aoacompanharospoderososclientesatéosdomíniosdacorretora.Winhaviaimportado a ideia após uma viagem ao ExtremoOriente.Myron supunhahavernomundoalgomaissexistaqueaquilo,masnãosabiaexatamenteoquê.EsperanzaDiaz,suainestimávelcolaboradora,cumprimentou-oàporta.–Ondediabovocêsemeteu?–Precisamosconversar–disseele.–Depois.Tenhoummilhãoderecadosparavocê.Esperanzavestiaumablusabranca,umespetáculoemcontrastecomos

cabelos negros, os olhos escuros e aquela pele morena que rebrilhavacomooluarsobreaságuasdoMediterrâneo.Aos17anos,foradescobertapeloolheirodeumaagênciademodelos,masdepoisdealgumasestranhasguinadasnacarreira terminaracomoumaconhecida iguranomundodaluta livre. Isso mesmo, luta livre. Era conhecida como a PequenaPocahontas, a valente princesa indígena, a pérola da FLOW (FabulousLadiesofWrestling,aassociaçãodoesporte).Seu igurinoseresumiaaumbiquíni de camurça e seu papel era sempre o da boa moça nas fábulasmoraisinvariavelmenteencenadasnaslutas.Erajovem,miúda,rijaelinda;apesardaorigem latina, eramorenaobastantepara se fazerpassarporumanativaamericana.AsetniaseramirrelevantesparaaFLOW.Onomereal da Sra. Saddam Hussein, a malé ica garota do harém que cobria orostocomumvéunegro,eraShariWeinberg.Otelefonetocou,eEsperanzaatendeu:–MBRepresentações Esportivas. Só um instante, ele está bem aqui do

meulado.–FulminandoMyroncomoolhar,disse:–ÉoPerryMcKinley.Jáligouduasvezes.–Oqueelequer?Esperanzadeudeombros.–Algumaspessoasnãogostamdetratarcomsubalternos.–Vocênãoéumasubalterna.Elaoencaroucomumolharvazio.–Vaiatenderounão?Oagenciamentodeatletasera,parausara terminologiada informática,

um ambiente multitarefas capaz de prestar um ampla gama de serviçoscomomeroclicardeumbotão.Iamuitoalémdasnegociações.Osclientesesperavamqueseusagentescuidassemdesuacontabilidade,planejassemsuas inanças, comprassem ou vendessem seus imóveis, segurassem sua

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mãonosmomentosdi íceis,arbitrassemcon litoscomospais, izessemasvezesdeconsultoresdeestilo,agentesdeviagem,conselheiros familiares,conselheiros sentimentais, motoristas, of ice boys, lacaios, puxa-sacos, oescambau... O agente que não se dispusesse a fazer tudo isso (o que erachamadode“pacotecompleto”pelomercado)veriasuaclientelacorrerdebraçosabertosparaaconcorrência.Oúnicomododesobrevivernoramoeradispordeumaequipe,eMyron

acreditava ter reunidoumaequipepequenaporémextremamente e icaz.Win, por exemplo, cuidava das inanças de todos os atletas da agência.Criava um portfólio de investimentos para cada um, encontrava-se comelespelomenoscincovezesaoano,explicavacomdetalhestodososcomose porquês de cada aplicação. Tê-lo na equipe dava aMyron uma grandevantagem sobre os concorrentes. Win tinha uma reputação imaculada(pelomenosnomercado inanceiro)eseuhistóricoderesultadoserasemigual; dava a Myron credibilidade instantânea num ramo em que acredibilidadeeraumativocadavezmaisraroevalorizado.Myron era o bacharel. Win era o MBA. Esperanza era a incansável

camaleoaquemantinhaacasaempé.Afórmulafuncionava.–Precisamosconversar–repetiuMyron.–Entãovamosconversar–disseEsperanzanumtomde impaciência.–

Masdepoisquevocêatenderestaligação.Myronfoiparasuasala,quedavaparaotrechocentraldaParkAvenue.

Uma bela vista. Uma das paredes ostentava pôsteres de musicais daBroadway;outra,cenasdos ilmesdealgunsdeseusdiretoresprediletos:irmãosMarx,WoodyAllen,AlfredHitchcockeoutrostantosclássicos.Umaterceira, bem mais vazia que as demais, abrigava fotos dos clientes daagência.Myronagora imaginavacomoela icariacoma foto,aocentro,deseumaisnovocliente:ojogadorprometidoporClip.Ficaria ótima, ele decidiu. Pôs os fones de ouvido e en im atendeu a

ligação.–Eaí,Perry?–Porra,Myron,tenteifalarcomvocêodiainteiro.–Voumuitobem,obrigado.Evocê,Perry?– Olha, não é impaciência da minha parte, mas o assunto é urgente.

Algumanotíciasobremeubarco?PerryMcKinley era um jogador de golfe relativamente obscuro. Jogava

na liga pro issional, ganhava algum dinheiro, mas não era um nome quealguém, a menos que fosse um grande fã do esporte, reconheceria deimediato.Adoravavelejareestavaprecisandodeumbarconovo.

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–Sim,achoqueencontreioquevocêquer–informouMyron.–Dequemarca?–DaPrince.Perrynãopareceulámuitofeliz.–OsveleirosdaPrinceatéquesãobons–resmungouele.–Masnãosão

ótimos.–Vocêpoderádarseubarcoatualcomopartedopagamento,mas terá

defazercincopresenças.–Cinco?–É,cinco.–PorumPrincede18pés?Émuito.–Deinícioelesqueriam10.Masévocêquemdecide.Perryrefletiuuminstante.–Merda.Tudobem,podefecharonegócio.Masantesquerotercerteza

dequevougostardobarco.Émesmoumveleirode18pés,nãoé?–Foioquedisseram.–Tudobem,tudobem.Valeu,Myron.Vocêéocara.Eles desligaram. Permutas: um grande facilitador no ambiente

multitarefas de um agente. Ninguém jamais pagava por nada naqueleramo. Favores eram trocados. Produtos por algum tipo de publicidade.Quer uma camiseta? Use-a em público. Um carro grátis? Dê o ar de suagraça em algumas feiras especializadas. Os grandes astros tinham cacifepara pedir um bom dinheiro em troca da publicidade. Os menosconhecidossedavamporsatisfeitoscomaspermutas.Myronolhouparaapilhaderecadosebalançouacabeça.Jogarparaos

DragonsemanteraMBRepresentaçõesEsportivasnostrilhos...comoseriapossívelfazerasduascoisasaomesmotempo?–Dêumpulinhoaqui,porfavor–disseeleaEsperanzapelointerfone.–Estounomeiodeuma...–Agora.Silêncio.–Uau–disseela.–Vocêétãomacho...–Nãoamola.–Sério,estoutremendonasbases.Melhorparartudoqueestoufazendo

esatisfazersuavontadeimediatamente.Ela largouo telefonee irrompeunasaladeMyron,ofegandoe ingindo

pavor.–Eaí,demorei?–Não.

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–Então,oquevocêquer?Myron contou toda a história. Ao dizer que jogaria para os Dragons,

notouqueafuncionárianãoesboçavaqualquerreaçãoenovamente icousurpreso.Estranho.Primeiro,Win,eagora,Esperanza.Seusdoismelhoresamigos.Ambosviviamàesperadeumaoportunidadepara tirar sarrodacaradele.Apesardisso,nemumnemoutrohaviaseaproveitadodaqueladeixaperfeita.Osilênciodosdoisdiantedesua“voltaaobasquete”eraumtantodesconcertante.–Seusclientesnãovãogostarnadadisso.–Foisóoqueelafalou.–Nossosclientes–corrigiuMyron.Esperanzacrispouorostonumacareta.–Acondescendênciafazvocêsesentirmelhor?Myronignorouocomentário.–Precisamostransformarofatonumacoisaboa–disse.–Como?–Seilá...–Eleserecostounacadeira.–Podemosdizerqueapublicidade

emtornodaminhacontrataçãoseráboaparaelestambém.–Como?– Vou poder fazer novos contatos – aventou Myron, com as ideias

brotando à medida que falava. – Vou poder me aproximar dospatrocinadores, sabermais a respeitodeles.Maispessoas vãoouvir falardemimeindiretamentedosmeusclientes.Esperanzabufoucomironia.–Evocêachaquevaicolar?–Porquenão?– Porque tudo isso é conversa para boi dormir. “E indiretamente dos

meusclientes...”PareceoReaganfalandodo“efeitocascata”naeconomia.Elatinharazão.–Masqualoproblema?–disseele,asmãosespalmadasparaoteto.–O

basquete vai tomar apenas algumas horas do meu dia. Vou estar com ocelularotempotodo.Agentesóprecisaenfatizarquenãovou icar longepormuitotempo.Esperanzaoencaroucomceticismo.–Oquefoi?–perguntouele.Elasimplesmentebalançouacabeça.–Não,euquerosaber.Oqueestápegando?–Nada– respondeuela.Aindao encarava, asmãospousadas sobreas

pernas.–Oqueavacapensadessahistóriatoda?–perguntoucomdoçura.VacaeraonomecarinhosoqueelacostumavadaraJessica.

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–Jápediparavocênãochamá-laassim.“Tudo bem”, ela disse apenas com o rosto, inalmente acenando para

uma trégua.Houveum tempo, séculos antes, emque Jessica eEsperanzase toleravam.Mas então Jessica foi embora, e Esperanza viu o efeito queisso teve sobre Myron. Certas pessoas guardam mágoas. Esperanza asinternalizava.DenadaimportavaqueJessicativessevoltado.–Maseaí,oquefoiqueeladisse?–insistiuEsperanza.–Sobreoquê?– Sobre a paz iminente do Oriente Médio – cuspiu ela. – Sobre o que

poderiaser?Suavoltaaobasquete,ora.–Nãosei.Aindanãotivemostempodeconversardireito.Porquê?Esperanzanovamentebalançouacabeça.– Vamos precisar de ajuda por aqui – disse, mudando de assunto. –

Alguém para atender o telefone, digitar o que for preciso, esse tipo decoisa.–Vocêtemalguémemmente?Elafezquesimcomacabeça.–Cindy.Myronficoulívido.–BigCindy?–Elapoderiaatenderotelefone,ajudaraquieali.Émuitotrabalhadora.–Eunemsabiaqueamulherfalava–disseMyron.Big Cindy havia sido a outra metade da dupla de Esperanza nos

campeonatosdelutalivre,lutandosobopseudônimodeBigChiefMama.–Elanãovaiseimportardereceberordens,defazerotrabalhopesado.

Nãoémuitoambiciosa.Myron precisou se conter para não fazer uma careta só de pensar na

possibilidade.–Cindynãotrabalhamaiscomoleoadechácaranaquelaboatedestrip-

tease?–Nãoéumaboatedestrip.Édebondage.–Falhaminha–disseMyron.–Eagoraelaébartender.–Foipromovida?–Foi.–Nesse caso, eu detestaria interromper a carreirameteórica dela com

umconviteparavirtrabalharaqui.–Deixade serbabaca–disseEsperanza. –Alémdisso, ela só trabalha

naboateànoite.

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–Nãodiga.Agaleradocouroedochicotinhonãosaiàluzdodia?–ConheçoaCindy.Vaiserperfeita.– Vaimetermedo nas pessoas – argumentouMyron. –Metemedo em

mim.–Vaificarnasaladereuniões.Ninguémvaivê-la.–Nãosei.Esperanzalentamenteficoudepé.– Tudo bem, vou encontrar alguém. A inal, você é o chefe. Sabe o que

está fazendo. Sou uma reles secretária. Não ousaria dar palpites sobre amelhormaneiradetratarnossosclientes.Myronbalançouacabeça.–Golpebaixo.Inclinando-separaafrente,apoiouoscotovelosnamesae

a cabeçaentre asmãos. –Tudobem– cedeu, edeixouescaparum longosuspiro.–VamosdarumachanceaCindy.Esperanza não fez mais que olhar para ele. Muitos segundos se

passaramatéqueeladisse:–Essaéaparteemquecomeçoapulardealegria,agradecendoavocê?–Não–respondeuMyron.–Essaéaparteemquevoucuidardavida.–

Ele conferiu as horas no relógio. – Preciso contar ao Clip sobre aquelasmanchasdesangueantesdacoletiva.–Divirta-se.–Elafoisaindorumoàporta.–Esperaumminuto–pediuMyron,eelasevirou.–Vocêtemaulahoje

à noite? – Esperanza fazia um curso noturno na Universidade de NovaYork.Direito.–Não.–Queriraojogo?–Myronpigarreou.–Podelevar...Lucy.Sequiser.Lucyeraapaixãomais recentedeEsperanza,queantesnamoravaum

sujeito chamado Max. Suas preferências sexuais não eram lá muitoconstantes.–Nósterminamos–disseela.– Ah, sinto muito – balbuciou Myron, sem saber o que mais poderia

dizer.–Quando?–Semanapassada.–Vocênãofalounada.–Talvezporquenãofossedasuaconta.Eleassentiucomacabeça.– Bem, se quiser, você pode levar... qualquer um. Ou pode ir sozinha.

VamosjogarcontraosCeltics.–Ficaparaapróxima–disseela.

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–Temcerteza?Esperanzafezquesimesaiudasala.Myronenfimpegouseupaletó,voltouaoestacionamentoeagarrounoar

as chaves arremessadas por Mario, que nem sequer levantara o rosto.AtravessandooLincolnTunnel, seguiupelaRoute3.Passouporuma lojade eletroeletrônicos enorme e relativamente conhecida, chamada Tops,cujo outdoor se resumia a um gigantesco nariz que se projetava sobre arodoviacomosdizeres:“ATopsestábemdebaixodoseunariz.”Faltavamapenasosgigantescospelinhossaindodasnarinas.Myron jáestavaaunsdoisquilômetrosdoestádioquandootelefonedocarrotocou.–Tenhoalgumaspreliminares–disseWin.–Diga.–Nosúltimoscincodiasnãohouvenenhumamovimentaçãonascontas

bancáriasounoscartõesdeGregDowning.–Nada?–Nada.–Nenhumsaqueemdinheironobanco?–Nãonosúltimoscincodias.– E antes disso?Talvez ele tenha sacadouma grandequantia antes de

sumir.–Estamospesquisando.Aindanãodáparasaber.MyrondeixouaautoestradanasimediaçõesdoestádiodeMeadowlands.

Perguntava-se o que aquilo poderia signi icar. Naquela altura, nãomuito,mas o quadro geral não era nada promissor. Sangue no porão. NenhumsinaldeGreg.Nenhumaatividadefinanceira.–Maisalgumanovidade?–perguntou.Winhesitouumpoucoantesderesponder:–Épossívelqueembreveeu tenhauma ideiadeondenossoestimado

GregseencontroucomabelaCarla.–Onde?–Depoisdojogo–falouWin.–Atélájádevosaber.

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capítulo5

–ESPORTEÉFOLCLORE–disseClipArnsteinàplateiarepletadejornalistas.–Oquepovoanosso imaginárionãosãoapenasasvitóriaseasderrotas.São as histórias. Histórias de perseverança. De garra. De dedicação. Dedecepções. De milagres. Histórias de triunfos e tragédias. Histórias devoltasporcima.Clip olhou para Myron do alto do pódio, os olhos devidamente

marejados,umavôemocionadosorrindoparaonetoquerido.Myron,porsuavez,precisouseconterparanãobuscarrefúgiosobamesa.Após uma pausa de efeito, Clip reergueu os olhos para a plateia de

jornalistasmudos, para os lashes que espocavam aqui e ali. Engoliu emsecodiversasvezes,ogogósubindoedescendonopescoço.Pareciabuscaras forças internas de que precisava para prosseguir. As lágrimas aindaameaçavamjorrar.Um pé na canastrice, pensou Myron, mas, de modo geral, uma bela

performance.Oauditórioestavabemmaischeiodoqueelesupusera.Nenhumassento

vago, diversos jornalistas de pé. Decerto um dia sem grandes furos napraça. Clip não parecia ter pressa, e aos poucos foi recobrando acompostura.– Mais ou menos uma década atrás – continuou ele –, recrutei

pessoalmenteumjovematleta,excepcional,queeuacreditavadestinadoàglória. Saltava como ninguém, tinha um raciocínio espacial bem acima damédia,grandeforçamental,masacimadetudoeraumapessoadamelhorqualidade. Infelizmente,noentanto,osdeusespareciamteroutrosplanospara o rapaz. Todos sabemos o que aconteceu a Myron Bolitar naquelafatídica noite em Landover, Maryland. Não precisamos desenterrar opassado. Mas, como eu disse agora há pouco, esporte é folclore. Hoje osDragons estão dando àquele jovem atleta uma nova chance para somarsuaprópriahistóriaaojáricofabuláriodoesporte.HojeosDragonsestãodandoaeleachancederecuperaroqueanosatráslhefoitãobrutalmentetomado.Myroncomeçouasecontorcernacadeira,sentindoasfacesqueimarem.

Osolhosdardejavamdeumladoaoutro,procurando,semsucesso,algumportoseguro.Por im,cedendoàsexpectativasdaplateia,aterrissaramno

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rostodeClipe focaramnumapequenaverruga–comtamanha forçaquedaliapouco,porsorte,ficaramturvos.–Nãoseráfácil,meuamigo–disseClip,agoradiretamenteparaMyron,

queaindaencaravaaverruga,incapazdesustentaroolhardovelho.–Nãopodemos prometer nada. Não sei o que acontecerá daqui para a frente.Nãoseiseesteseráoepílogoouocomeçodemaisumgloriosocapítulodesua história. Mas nós que amamos o esporte só podemos esperar pelomelhor. Esta é a nossa natureza. Esta é a natureza dos verdadeirosguerreiros,anaturezadosfãs.Suavozcomeçouaembargar.–Estaéarealidade,Myron–ele logoprosseguiu.–Eémeudever,por

maisqueissomecuste, lembrá-laavocê.AgorafaloemnomedetodososDragons de Nova Jersey: seja bem-vindo, Myron, à nossa equipe. Você éum homem de valor e coragem. Sabemos que, qualquer que seja seufuturo nas quadras, você trará apenas honra para toda a nossaorganização.–Aquieleparou,crispouoslábiosedeixouvazarentreeles:–Muitoobrigado.EmseguidaestendeuamãoparaMyron,que, interpretandoseupapel,

icoudepéparaapertá-la.Clip,noentanto,surpreendeu-oaopuxá-loparaumabraço.Os lashesagora lembravamas luzes estroboscópicasdeumadiscoteca.Quandoen imrecuou,Clipsecouosolhoscomamão(AlPacinonão teria feito melhor) e apontou para o pódio de modo que Myrontomasseseulugar.–Comosesentevoltandoaobasquete?–berrouumdosjornalistas.–Apavorado–respondeuMyron.–Achaqueestárealmentepreparadoparajogarnessenível?–Naverdade,não.O arroubo de franqueza os assustou por um segundo.Mas apenas um

segundo. Clip riu, e todos na plateia o ecoaram.Acreditavam tratar-se deumabrincadeira.Myronnãosedeuotrabalhodecorrigi-los.– Acha que ainda é capaz de fazer arremessos de três pontos? –

perguntououtro.–Osarremessos,sim;ospontos,aíéoutrahistória.–Umarespostaboba,

masfazeroquê?Maisrisadas.–Porquedemoroutantoavoltar,Myron?Oqueofezmudardeideia?–ARededosAmigosParanormais.Clipselevantoueergueuamãoparainterromperasperguntas.– Sintomuito, amigos, já chega.Myronprecisa se preparar para o jogo

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dehoje.Ele e Myron saíram juntos do auditório, apertando o passo pelos

corredores até a sala deClip, ondeCalvin já se encontrava. Clip fechou aporta;antesdesesentarfoilogoperguntando:–Então,qualéoproblema?Myron contou-lhe sobre o sangue no porão. Clip icou visivelmente

pálido,eCalvin,oGeleira,apertouosdedosnosbraçosdacadeira.–Oquevocêestátentandodizera inal?–perguntouClip,irritado,ao im

dorelato.–Querendodizer?Clipdeudeombroscomafetação.–Nãoestouentendendo–falou.– Não há nada para entender – disseMyron. – Greg está sumido. Faz

cincodiasqueninguémovê.Nãosacoudinheirodocaixaeletrôniconemusouoscartõesdecrédito.Eagoratemessesanguenoporão.–Esseporãoéumaespéciedequartodebrinquedosdascrianças,não?

Foiissoquevocêdisse,nãofoi?–Foi.Clip lançou um olhar de interrogação para Calvin, depois espalmou as

mãos:–Quediaboissosignifica?–Nãoseiaocerto.– Não deve ter sido nenhuma merda mais grave – prosseguiu Clip. –

Raciocina comigo, Myron. Se Greg tiver sido assassinado, por exemplo,ondeestáocorpo?Foi levadopeloassassino,ouassassinos?Eoquevocêacha que pode ter acontecido ali? Os assassinos izeram o quê?Emboscaram o Greg no quarto de brinquedos dos ilhos? Onde Gregestava, fazendo o quê? Brincando de carrinho, suponho. E depois?Mataramo cara lá embaixo para depois arrastá-lo casa afora semdeixarnenhum rastro de sangue a não ser no porão? – Mais uma vez eleespalmouasmãos.–Issofazsentidoparavocê?Myron já havia levantado todas essas questões. Olhou de relance para

Calvin,quepareciaperdidonosprópriospensamentos.Clipselevantou.–Atéondepodemosa irmar–disse–, épossívelqueumdos ilhosde

Gregtenhasecortadoenquantobrincavaali.–Umcorteetanto–retrucouMyron.– O sangue também pode ser do nariz de um dos pirralhos. Nariz de

criança às vezes jorra feito cachoeira. Pode ser isso. Uma bobagemqualquerdessas.

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Myronfezquesimcomacabeça,eemendou:–Outalvezelesestivessemmatandoumagalinha,quemsabe?–Nãogostodesarcasmo,Myron.Myronesperouuminstante.NovamenteolhouparaCalvin.Nada.Olhou

paraClip.Nada.–Estáficandoesquisitodenovo–comentou.–Como?–FuicontratadoparaencontraroGreg.Descobriumapistaimportante.

Masvocênemquerouvirdireito.–Sevocêestádizendoquenãoqueroouvirque talvezGreg tenhasido

vítimadeuma...– Não, não é isso que estou dizendo. Você está com medo de alguma

coisa, e não é sódequeGreg tenha sido vítimadeumamerdaqualquer.Gostariadesaberoqueé.ClipolhouparaCalvin,quemeneouacabeçaquaseimperceptivelmente.

Clip voltou à cadeira e começou a tamborilar sobre amesa, no compassodostiques-taquesdeumrelógiodepêndulonocantodasala.–Éprecisoquevocêentenda–disse.–Estamosrealmentepreocupados

comoGreg.–Hmm.–Vocêentendealgumacoisasobreaquisiçõeshostis?–Euestavavivonosidosde80–observouMyron.–Aliás,recentemente

alguémobservouqueaindatenhoumpénosanos80.–Bem,estoupassandoporissoagora.Umatentativadeaquisiçãohostil.–AcheiquevocêfosseosóciomajoritáriodosDragons.Clipnegoucomumacenodecabeça.–Quarentaporcento.Ninguémpossuimaisque15%.Algunsdossócios

minoritários se juntaram a im de me botar para fora. – Clip fechou asmãos e as depôs sobre amesa como dois pesos de papel. – Alegam queentendomuitodebasquete,masquesouumabestanosnegócios.Achamqueeudeviacuidarapenasdos jogadoresedetudooquedizrespeitoàsquadras.Avotaçãoserádaquiadoisdias.–Edaí?–Edaíque,comessavotaçãotãoperto,umescândaloqualquerpoderá

significaromeufim.Myronolhouparaaduplaeesperouuminstante.Depoisdisse:–Vocêsqueremqueeufiquequietosobreisso.–Não,não,dejeitonenhum–Clipretrucoudepronto.–Nãofoiissoque

euquisdizer.Sónãoqueroqueamídiafaçaumescarcéuemtornodealgo

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que pode não ser nada. Não posso correr esse risco, de que algodesagradávelvenhaapúbliconessemomento.–Algodesagradável?–É.–Tipooquê?–Seilá,caramba.–MasépossívelqueGregestejamorto.– Nesse caso, um dia amais ou amenos não fará nenhuma diferença.

Pormaisinsensívelqueissopossaparecer.EsealgodefatoaconteceuaoGreg,comcertezaháummotivo.–Ummotivo?Clipergueuosbraços:– É, qualquer coisa, sei lá! Se vem à tona um cadáver, ou mesmo um

simples desaparecimento, a merda logo se espalha pelo ventilador.Entendeoqueestoudizendo?–Não–respondeuMyron.MasClipprosseguiu:– Não preciso disso agora, Myron. Não agora. Com a espada dessa

votaçãosobreaminhacabeça.–Entãovocêestápedindoparaeuficarquieto–insistiuMyron.– De modo algum. Só não queremos uma situação de pânico

desnecessária. Se Greg estámorto, não há nada que possamos fazer porele.Seestádesaparecido,bem,nessecasovocêéaúnicapessoacapazdeevitarumescândalonamídiaoudesalvá-lo.Eles ainda escondiam alguma coisa, mas Myron achou melhor não

pressioná-losporora.–VocêsabequemotivosalguémpoderiaterparavigiaracasadoGreg?–Alguémestávigiandoacasadele?–perguntouClip.–Achoquesim–disseMyron.–Calvin?–insistiuClip.–Nenhumaideia–respondeuCalvin.–Eutambémnão,Myron.Evocê?Oqueachaquepodeser?–Aindanãosei.Maisumapergunta:Gregtemalgumanamorada?NovamenteClipolhouparaCalvin,quedeudeombros:–Eleciscavamuitoporaí.Masnãoachoquetivessealguémemespecial.–Vocêconhecealgumadessasmulherescomquemeleandava?–Denome,não.Geralmenteeramgroupies,coisasassim.–Porquê?–interveioClip.–Vocêachaqueelepodeterfugidocomuma

dessasbiscates?

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Myrondeudeombroseficoudepé.–Melhoreuirparaovestiário.Jáestáquasenahoradojogo.–Espera–pediuClip.Myronparou.–Porfavor,Myron.Vocêdeveestarachandoquesouumapessoafriae

calculista,masrealmentemepreocupocomoGreg.Muito.Queroquevocêo encontre vivo, e bem. – Clip engoliu em seco. As pelancas do rostopareciammais pronunciadas, como se alguém as tivesse puxado. Ele nãoparecia nada bem. – Se você me convencer de que o melhor é levar apúblico o que descobrimos, então tudo bem, vamos em frente. Pormaiorque seja o custo para mim. Pense bem. Só quero o melhor para o Greg.Gosto muito dele. E de você também, Myron. Vocês dois são muitoespeciais.Falosério.Devomuitoaambos.Clip dava a impressão de estar prestes a chorar. Myron não sabia ao

certooquefazer.Decidiunãodizernada;apenasmeneouacabeçaesaiudasala.Já estava próximo do elevador quando ouviu uma voz roufenha e

familiardizer:–Ora,ora,senãoéoFilhoPródigo.Virandoorosto,MyronsedeparoucomAudreyWilson,vestidaemseu

habitual uniforme de repórter esportiva: blazer azul-marinho, blusa degola rulê preta e jeans desbotados. A maquiagem era muito leve ouinexistente; as unhas, curtas e pintadas. O único toque de cor vinha dostênisAllStar,azul-turquesa.Nãoeraexatamenteumamulherbonita,mastampouco era feia. Simplesmente não tinha nada de especial. Os cabeloseramcurtos,lisosenegros,eafranjalhedavaoaspectodeumpajem.– Será que detectei uma pontinha de cinismo na pergunta? – disse

Myron.Audreydeudeombros.–Vocênãoachaqueengoliessahistória,acha?–Quehistória?–Esseseusúbitodesejode...–elaconferiuasanotaçõesquetinhafeito–

“somarsuaprópriahistóriaaojáricofabuláriodoesporte”.–Erguendoosolhos, balançou a cabeça e falou: – Esse Clip falamuitamerda, você nãoacha?–Precisometrocar,Audrey.–Quetalsoltaroverbocomigoantes?–Soltaroverbo?Poxa,Audrey,porquevocênãopedeum“furo”logode

umavez?Adoroquandovocêsdizemisso.

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Elaabriuumsorriso.Umsorrisosimpático.Quaseescancarado.–Jogandonaretranca,Myron?–Eu?Nunca.–Entãoquetal...“umadeclaraçãoparaaimprensa”?Parausarmaisum

clichê.Myron assentiu com a cabeça e, levando a mão ao peito de modo

dramático,disse:–Quemquervencernuncadesiste,equemdesistenuncavence.–Lombardi?–FelixUnger.Em Umestranhocasal.NoepisódioemqueHowardCosell

faz uma participação especial. –Myron se virou e saiu andando rumo aovestiário.Audrey seguiu no encalço dele. Talvez fosse a principal representante

das mulheres no jornalismo esportivo: cobria os Dragons para o maiorjornal da Costa Leste; tinha o próprio programa de rádio naWFAN, emhorárionobreecomenormeaudiência;participavadoConversaesportiva ,umamesa-redondanagradematinaldaESPN.Aindaassim,comoacontececomquase todasasmulheresque trabalhamnummundoessencialmentedominado pelos homens, parecia haver algo de instável em sua posição,como se sua carreira estivesse a um passo de desabar, por mais bem-sucedidaquefosse.–ComovaiaJessica?–elaperguntou.–Bem.–Fazummêsquenãonosfalamos–disseAudrey,quasecantarolando.

– Acho que vou dar uma ligadinha pra ela. Sei lá. Marcar um encontro,baterumpapo...–Asutilezanãoéoseuforte,Audrey.–Sóestoutentandofacilitarascoisasparavocê,Myron.Temalgomuito

estranhoacontecendoporaqui.Você sabequevouacabardescobrindooqueé.Porquenãomecontadeumavez?–Nãoseidoquevocêestáfalando.– Para começar, Greg Downing abandona o time sob circunstâncias

misteriosas...–Oquehádemisteriosonumacontusãodetornozelo?–Emseguidavocê,ovelho inimigodocara,assumeo lugardeledepois

dequase11anosnoestaleiro.Issonãolhepareceestranho?Erasóoquefaltava,pensouMyron.Cincominutosnonovoempregoejá

havia alguém levantando suspeitas. Myron Bolitar, o mestre da altaespionagem.Elesalcançaramaportadovestiário.

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–Precisoir,Audrey.Depoisagentesefala.– Pode crer que sim – disse ela. E sorrindo com uma falsa doçura,

emendou:–Boasorte,Myron.Metebronca.Myronnãodissenada.Apenasrespiroufundoeabriuaporta.Horadoshow.

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capítulo6

NINGUÉM CUMPRIMENTOU MYRON quando ele entrou no vestiário. Ninguémparouoqueestavafazendo.Ninguémolhou.Nãosefezaquelesilêncioque,comonosvelhos ilmesdefaroeste,sobrevémquandooxerifeempurraasportas rangentes e segue gingando pelo saloon. Talvez fosse esse oproblema. Talvez a porta precisasse ranger. Ou talvez Myron precisassemelhorarsuaginga.Osnovoscompanheirosdetimeseespalhavampelolugarfeitomeiasno

quartodeumdormitórioestudantil.Três seespichavamsobreosbancos,seminus e semidespertos. Dois estavam deitados no chão enquantoassistentes alongavam panturrilhas e quadríceps. Outros dois rebatiamumaboladebasquete.Quatro voltavamaos escaninhos comos joelhos jádevidamente enfaixados. Quase todos mascavam chiclete. Quase todosouviammúsica,comosfonesminúsculosenterradosnoouvidoeosomtãoalto que parecia vir de so isticados equipamentos numa loja deeletrodomésticos.Myron teve di iculdade para encontrar o próprio escaninho. Todos os

demaistinhamplacascomonomedecadajogadorgravadonometal.OdeMyron,não.Tinhaapenasuma tiradeesparadrapo,omesmousadoparaenfaixarotornozelodos jogadores,comonomeM.BOLITARescritoacaneta.Nadaqueinspirassemuitaconfiançaourespeito.Eleolhouao redoràprocuradealguémcomquempudesseconversar,

mas os fones faziam as vezes de paredes. Todos estavam no próprioquadrado. Myron avistou Terry “TC” Collins, o célebre choramingão dotime,sentadosozinhonumcanto.Paraamídia,TCeraomaisnovoexemplodeatletamimadoque“maculava”ore inadomundodosesportes“talcomoo conhecemos”, o que quer que isso signi icasse. Fisicamente, TC era umcolosso.Ummetroenoventadealtura,musculoso,esguio.Ocrânioraspadobrilhava sob as luzes luorescentes. Rumores diziam que era negro, masera di ícil ver em sua pele qualquer coisa que não fossem tatuagens. Osdesenhoscobriamquasetodososcentímetrosquadradosdaquiloqueerapossível tatuar num corpo humano. Para ele, os piercings tambémpareciamsermaisumestilodevidadoqueumasimplesmoda.OhomempareciaumaversãohardcoredeDennisRodman.MyronbuscouoolhardeTC,sorriueocumprimentoucomumacenoda

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cabeça. TC, por sua vez, fuzilou-o com os olhos e virou o rosto. Myroncomeçavaaseenturmar.Seu uniforme já estava pendurado no devido lugar. Seu nome já havia

sidocosturadocomletrasdeformanascostasdacamiseta. BOLITAR.Myrondemorou alguns segundos itando o próprio nome. Em seguida,rapidamente,puxouacamisetadocabideeavestiu.Tudoaquilolhetrazialembrançasdopassado.Atexturasuavedoalgodão.Oscadarçosdocalção,que se amarravam feito cadarços de sapato. A leve pressão do elásticosobre a cintura depois de vestir o calção.O ligeiro aperto da camiseta aopassar pelos ombros. As mãos experientes ajeitando-a nas costas. Oamarrar dos tênis de cano alto. Tudo lhe doía na alma. Myron já estavatendodi iculdadepara respirar. Precisoupiscarpara afastar as lágrimas.Entãosesentoueesperouatéaangústiapassar.Myron notou que quase ninguém usava mais os suportes atléticos do

passado, dando preferência às sungas de lycra. Ele, no entanto, aindacon iava no bom e velho suporte. Myron, o Sr. Antiquado. Em seguidaamarrounaspernasumaengenhocavagamentedenominada“protetordejoelhos”, que no entantomais parecia um compressor demetal. A últimacoisa que vestiu foi o agasalho; as calças eram equipadas com diversosbotõesdepressãoaolongodaspernasdemodoqueousuárioaspudessearrancarsemdemoraaoserconvocadoparaojogo.–Eaí,garoto,comovãoascoisas?MyronselevantouparaapertaramãodeKipCorovan,umdostécnicos

assistentes da equipe. Kip vestia um paletó xadrez uns três númerosmenordoqueo recomendado: asmangas eram curtas demais, os botõesfaziamopossívelparaconterapança.Umcaipiraprontoparaaquadrilha.–Tudoemcima,Kip.–Ótimo,ótimo.MaspodemechamardeKipper.Éassimquetodomundo

mechama.Sentaaí,vai.Relaxa.–Ok...Kipper.– Estou muito feliz que esteja conosco. – Kipper puxou uma cadeira,

virou o encosto na direção deMyron e se sentou. As costuras das calçasnão pareceram muito felizes com a manobra. – Olha, Myron, vou serhonestocomvocê,tudobem?Donnynãoficounemumpoucocontentecomasuacontratação.Nadapessoal,vocêentende,nãoé?ÉqueDonnygostade escolher os próprios jogadores. Não gosta que o pessoal lá de cimainterfira,entendeoqueestoudizendo?Myronfezquesimcomacabeça.DonnyWalsheraotécnicoprincipal.– Ótimo, excelente. Donny é um cara bacana, ique tranquilo. Lembra

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vocênosvelhostempos,gostavapacasdoseujogo.Mastemosumaequipeem inal de campeonato, e com sorte vamos conquistar a vantagem dejogara inalemcasa.Demorouparaconseguirmosumgrupoequilibrado,sabe?Tudoéumaquestãodeequilíbrio.Comonumbarco.Agentetemquemanteraquilhanoprumo,entende?PerderoGregchegouatiraroventodasnossasvelas,mas inalmenteconseguimostocarobarcoparaafrenteoutra vez. E agora apareceu você. Clip não quis dar nenhuma explicação,mas insistiu que você fosse incluído no elenco. Tudo bem, ele é o chefe,ninguém está questionando isso. Mas icamos preocupados com a nossaquilha.Seráquevaitombaroutravez?Vocêentendeoqueestoudizendo,nãoentende?AsmetáforasnáuticasjáestavamdeixandoMyronmareado.–Claro.Nãoquerocausarnenhumproblema.–Eu sei. –Kipper icoudepéeendireitoua cadeira. –Vocêéumbom

garoto, Myron. Sempre foi. Um cara correto. É disso que estávamosprecisando: de um cara que soubesse colocar o time acima dos própriosinteresses.Vocêéessetipodecara,nãoé?–Nãosoueuquemvaivirarobarco–respondeuMyron.–Ótimo,ótimo.Agentesevênaquadra.Enãosepreocupe:vocênãovai

entrar,amenosqueagenteestejaganhandodecapote.–Ditoisso,Kipperalçou o cinto sobre a pança e saiu andando, quase gingando, vestiárioafora.Daliatrêsminutosberrou:–Alô,rapaziada,todomundoreunidoaqui!Ninguém lhe deu a menor bola. Kip precisou repetir a convocação

diversasvezes,batendonoombrodosjogadoresparatirá-losdotranseemqueestavam,cadaumouvindosuamúsica.Foramnecessáriosunsbons10minutosparafazercomque12atletaspro issionaissedeslocassemmenosde três metros. O técnico Donny Walsh entrou com ares de grandeimportância, tomou a ribalta e começou a des iar seu rosário de clichês.Mas nem por isso era ummau técnico. Depois das centenas de jogos deumatemporada,ficavadifícilencontraralgodenovoparadizer.Apreleçãoduroudoisminutos.Algunsdosjogadoressequersederamo

trabalhodedesligarosom.TCestavaocupadotirandotodasassuasjoias,tarefaquedemandavagrandeconcentraçãoetodaumaequipedetécnicosbem treinados. Umou doisminutos depois, a porta do vestiário se abriu.Todos pararam de ouvir música e saíram. Myron se deu conta de queestavamindoparaaquadra.Horadojogo.

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Myronsecolocouno inalda ila.Sentiuumgrandenónagarganta,umcalafriopercorreu todoo seu corpo. Já ia subindo a rampaquandoouviualguémberrarpelosalto-falantes:–Senhorasesenhores,comvocês...otimedacasa!OsDragonsdeNova

Jersey!Amúsicaagoraretumbavanoestádio,eosjogadoresapertaramopasso

atécomeçarematrotar.Os aplausos eram estrondosos. Automaticamente, os jogadores

improvisaramduas ilasnaquadraparaoaquecimento.Myronhaviafeitoaquilo ummilhão de vezes no passado,mas pela primeira vez realmentepensou no que estava fazendo. Os verdadeiros astros do basquete, ou osiniciantes, se aqueciam de modo tranquilo e informal, sem nenhumapressa. Não viammotivo para grandes pirotecnias; tinham o jogo inteiroparamostrarseutalentoàmultidão.Jáosperebas,algoqueMyronnuncahavia sido, se aqueciamdeduasmaneiras.Alguns iam logo tirando todosos coelhosda cartola, fazendoenterradasde costasoucomduplogirodobraço, isto é, exibindo-se. Outros icavam em torno dos grandes astros,jogando a bola para eles ou simulando defesas, como sparrings de umpugilista.Myron chegou ao primeiro lugar da ila de aquecimento. Alguém lhe

passouabola.Quandoseaquecem,osjogadoresinconscientementeachamquetodososolhosdoestádioestãovoltadosparaeles,quandonaverdadeamaioria das pessoas está se acomodando nas cadeiras ou correndo osolhospelasarquibancadas, eosquede fatoestãoolhandoparaaquadrapouco se importam com o que estão vendo. Myron deu dois dribles earremessou a bola, que bateu na tabela e entrou. Caramba, o jogo nemhaviacomeçadoeelejánãosabiaoquefazer.Dali a cinco minutos as ilas de aquecimento se des izeram, e os

jogadores deram início aos arremessos livres. Myron esquadrinhou asarquibancadas à procura de Jessica, que não foi di ícil de localizar. Amulherpareciailuminadaporumfarol,comoseestivessealgunspassosàfrente e o resto da multidão, ao fundo; como se fosse um Da Vinci e osoutros, a moldura. Ela sorriu para Myron, e ele sentiu o coração seaquecer.Quasesurpreso,MyronsedeucontadequepelaprimeiravezJessicao

verianumjogodaligapro issional.Eleshaviamseconhecidotrêssemanasantes da fatídica contusão. Por um breve instante, as lembranças otomaram de assalto, recheadas de culpa e dor. Foi então que uma bolabateunatabelaeoacertouemcheionacabeça.Massemconseguirafastar

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desuamenteoseguintepensamento:TenhoumadívidacomoGreg.Acampainhasooueosjogadoressedirigiramaobanco.DonnyWalsh,o

técnico,berroumaisalgunsclichês,assimcomoonomedoadversárioquecada integrante da equipe deveria marcar. Enquanto ele falava, osjogadoresbalançavamacabeça,semouvir.TCaindapareciafaiscar.Marrapré-jogo, supôsMyron,mas semgrande convicção. Ele tambémmantinhasob suamira LeonWhite, companheiro de quarto de Greg nas viagens eseumelhoramigo.Os jogadoresse juntaramnumarodaparaosgritosdeguerraepoucodepois sedirigiramaocírculo centralpara cumprimentarosadversárioscomtapinhasouapertosdemão.Ali,começaramaapontarparaesteouaquelejogador,tentandode inirquemmarcariaquem,jáqueninguém havia prestado atenção ao que fora dito 30 segundos antes. Ostécnicos de ambas as equipes andavam de lado a lado, berrando asmarcaçõesatéque,porfim,abolafoilançadanoar.Demodogeralobasqueteseresumeaumaalternânciadeataques,eo

placarsegueapertadoatéosminutos inaisdapartida.Nãonaquelanoite.Os Dragons nadavam de braçada. Haviam terminado o primeiro quartocom12pontosdediferença,osegundocom20,eoterceirocom26.Myronjácomeçavaa icarnervoso: sabiaqueadiferençaeragrandeobastanteparaqueelepudesse jogar.Nãohaviacontadocomisso.Chegaraatorcerpara os Celtics na esperança de uma virada que mantivesse sua bundaseguramente plantada na cadeira de alumínio. Em vão. A quatrominutosdo imdo jogo,osDragons lideravampor28pontos.DonnyWalshcorreuos olhos pelo banco. Nove dos 12 jogadores já haviam passado pelaquadra.Walsh sussurrou algo para Kip, que assentiu com a cabeça e sedirigiuaobancodereservas,parandodiantedeMyron.Myronpôdeouviroprópriocoraçãoretumbarnopeito.– Walsh vai limpar o banco – disse Kip. – Mandou perguntar se você

querjogar.– É ele quemmanda – retrucou Myron, enquanto enviava mensagens

telepáticas deNão,não,não!. Jamais conseguiriadizê-lo.Não era essa suanatureza. Myron precisava bancar o bom soldado, o atleta que punha otime emprimeiro lugar, quepularia em cimadeuma granada caso fosseessaavontadedotécnico.Nãosaberiaagirdeoutraforma.Otécnicopediutempo.Novamenteolhouparaobancoeberrou:–Gordon!Reiley!NolugardeCollinseJohnson!Myron respiroualiviado.E imediatamente se censuroupeloque estava

sentindo.Queespéciedeatletaé você? , perguntou a simesmo.Que espéciedeatletaquer icarnobanco? Entãoaverdadesaiudatocaparasacudi-lo

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comforça:Elenãoestavaaliparajogarbasquete.Que diabo estava pensando? Estava ali para encontrar Greg Downing.

Um trabalho de detetive, nadamais que isso. Como na polícia. Só porqueum investigador se fazia passar por tra icante, isso não fazia dele umtra icante.Sóporqueele,Myron,estavasefazendopassarporumjogadordebasquete,issonãofaziadeleumjogador.Masnemporissoelesesentiureconfortado.Dalia30segundosacoisacomeçou.EMyronficouapavorado.Umaúnicavozfoipuxandoasdemais.Umavozcheiadecerveja,gravee

singularobastanteparasedestacardahabitualcacofoniadastorcidas.–Ei,Walsh!–berraraavoz.–PorquevocênãobotaoBolitar?Myron sentia o estômago se retorcer na barriga. Sabia o que ia

acontecer.Virasituaçõessemelhantesaconteceremnopassado,masnuncacomele.Suavontadeerasubmergirnopisodaquadra.–Éissoaí–berrouumasegundavoz.–Queremosveronovato!Maisurrosdeapoio.Estava acontecendo. A multidão incensada clamava pelo pobre coitado

donovato.Nãodeummodo carinhosoou incentivador.Masdeummodoclaramente condescendente e sarcástico. Hora de dar uma colher de cháaopereba.Ojogojáestáganho.Vamosnosdivertirumpouco.Agritariacontinuoupormaisumtempoatéquedeu lugaraum... coro.

Quecomeçoufracomasaospoucosfoiganhandoadesão.–QueremosoMyron!QueremosoMyron!Myron fazia o possível para não murchar. Fingia não estar ouvindo,

comoseestivesse intensamenteconcentradonoqueacontecianaquadra,rezando para que suas bochechas não estivessem vermelhas. O coro foicrescendo em volume e andamento até que se reduziu a uma únicapalavra,repetidaumacentenadevezesemmeioàsgargalhadas.–Myron!Myron!Myron!Era preciso apagar aquele pavio. E só havia uma maneira. Myron

conferiu o relógio. Ainda faltavam três minutos para o apito inal. Eleprecisava entrar. O que não daria im ao seu pesadelo, mas pelo menosaplacaria temporariamente a sanha dasmassas. Ele olhou para Kip, queolhoudevolta,meneouacabeçaebaixouotroncoparacochicharalgonoouvidodeWalsh.Otécniconemsequerficoudepé.Simplesmenteberrou:–Bolitar!NolugardeCameron!Myronengoliuemsecoese levantou,atiçandoosarcasmodamultidão.

Foiarrancandoaroupaenquantocaminhavaparaamesadojuiz.Sentiaas

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pernas duras, receava uma câimbra. Sinalizou para o juiz, quemeneou acabeça e soou a campainha. Já na quadra, apontou para Cameron, eCameronsaiutrotandodevoltaaobanco.–Kraven–disseele.OnomedojogadorqueMyrondeveriamarcar.–Entrandono lugardeBobCameron... – anunciouo locutor. –Número

34.MyronBolitar!O alvoroço foi súbito e geral. Cornetas, assobios, gritos, gargalhadas.

Alguémpoderiaacharquesetratavadevotosdeboasorte,masocasonãoerabemesse.Eracomoseaspessoasestivessemaplaudindoaentradadeumpalhaçonopicadeiro:queriamvertrapalhadase,claro,contavamcomMyronparaisso.ElederepentesedeucontadequeaquelaerasuaestreianaNBA.Tocounabolacincovezesatéo imdojogo,todaselasseguidasdemais

aplausoseberros,earremessouaocestoapenasumavez,jádooutroladoda linha de três pontos. Chegara a pensar em desistir do arremesso,sabendoqueaspessoasreagiriamdeumaformaoudeoutra,oquequerque acontecesse.Mas certas coisas são quase automáticas. Ele nãoparoupara pensar. E a bola atravessou o aro, ruidosa e feliz. A essa alturafaltavamapenas30segundosparaotérminodojogoe,porsorte,amaioriadas pessoas se dera por satisfeita e já voltava para o estacionamento.Osaplausos sarcásticos foram bem mais discretos. Durante aqueles brevessegundos em que esteve com a bola, quando sentiu os sulcos do courocontra a ponta dos dedos, quando lexionou o cotovelo e ergueu a bola apoucoscentímetrosdatesta,quandoobraçoseestendeunumalinhareta,quandoopulsosedobrouparaafrente,quandoosdedosdançaramsobreocouroparacriarumperfeitobackspin,Myronseviusozinho.Seusolhosse ixavam no aro, apenas no aro, jamais itando a bola enquanto eladesenhava um arco rumo à tabela. Durante aqueles poucos segundos omundoseresumiaaele,aoaroeàbola,eparaMyronestavatudocerto.Oclimanovestiáriosereveloubemmaisanimadodepoisdojogo.Myron

conseguiuconversarcomtodososjogadores,excetoTCeoamigodeGreg,LeonWhite, de quem elemais queria se aproximar. Normal. Não seria ocasodeforçarabarra,poisotiropoderiasairpelaculatra.Tudobem.Nodiaseguinteelefariaumanovatentativa.Myron sedespiu. Sentia o joelhooperado começando a enrijecer, como

sealguémtivessetensionadoseustendões.Buscouumacompressadegeloe prendeu-a com uma tira de ilme plástico. Mancando, foi para oschuveiros,tomouseubanhoejáterminavadesevestirquandonotouqueTCestavaàsuafrente,olhando-odoalto.

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Myron ergueu o rosto. TC já estava com os diversos piercings de ouroem seus devidos lugares.Nas orelhas, claro. Três numa, quatro na outra,alémdeumaargolanonariz.Usavacalçasdecouropretoeumaregatadetela também preta, proporcionando uma vista privilegiada da argolaincada no mamilo esquerdo e de uma outra no umbigo. Myron nãoconseguia decifrar o que eram aquelas tatuagens, que a seus olhos nãopassavam de um amontoado de espirais. TC também estava de óculosescuros,dessesdelenteinteira,àlaYokoOno.–SeujoalheirodevemandarparavocêumabelacestadeNataltodosos

anos–disseMyron.A título de resposta, TC espichou a língua para revelar outra argola.

Myronquaseengasgou,eTCaparentemente icousatisfeito coma reaçãodele.–Tuéocalouro,nãoé?–Sou.–Myronestendeuamãoparaumcumprimento.–MyronBolitar.TCignorouamãoestendida.Apenasdeclarousolenemente:–Entãovaiterquelevarchumbo.–Como?–Chumbo.Tuéonovato.Vaiterquelevarchumbo.Váriosjogadorescomeçaramarir.–Chumbo?–repetiuMyron.–É.Tuéonovato,nãoé?–Sou.–Entãovaiterquelevarchumbo.Maisrisos.–Tudobem–consentiuMyron.–Chumbo.–Éissoaí.–TCmeneouacabeça,estalouosdedos,apontouparaMyron

esaiu.Myronterminoudesevestir.Jessicaesperavaporeleàportadovestiário.Sorriuaovê-lo,eelesorriu

de volta, sentindo-se um tanto sem jeito. Ela o recebeu comum abraço eum rápido beijo. Myron cheirou os cabelos dela: uma verdadeira delíciaparasuasnarinas.–Ah–brincoualguém.–Quefofo!AudreyWilson.–Nãofalecomela–avisouMyron.–Essamulheréoanticristo.–Tardedemais–disseAudrey,abraçandoJessicapelacintura.– Jesse

euvamosdarumavoltinhaporaí.Tomaralgumacoisa,pôraconversaemdia,essetipodecoisa.

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–MeuDeus,vocênãotemlimites.–ElesevirouparaJessica.–Nãocontenadaaela.–Contaroquê?Nãoseidenada.–Éverdade–concordouMyron.–Então,paraondevamos?–Nósnãovamosalugarnenhum–disparouJessica,eapontouparatrás

comopolegar.Winestavarecostadonaparede,completamenteimóveleàvontade.–Elefalouquevocêvaiestarocupado.–Ah.–MyronolhouparaWin,queacenoucomacabeça.Pediulicençae

foifalarcomele.Semnenhumpreâmbulo,Winfoilogodizendo:– A última transação inanceira de Greg foi num caixa automático às

23h03danoiteemquesumiu.–Onde?–Manhattan.NumaagênciadoChemicalBank,pertoda rua8noWest

Side.– Faz sentido – disse Myron. – Ele recebeu uma ligação de Carla às

21h18. Carla pediu que ele fosse encontrá-la na tal cabine dos fundos.Então ele foi para a cidade e tirou dinheiro no caixa antes de ir para oencontro.Winfitou-ocomolhosmortos.–Obrigadopelavaliosaanálisedoóbvio.–Éumdomquetenho,sóisso.–Eusei–con irmouWin.–Poisbem.Háoitobaresnumraiodequatro

quadrasdessecaixaautomáticoemparticular.Limiteiminhabuscaaeles.Dosoito,apenasdoisdispõemdealgoquepoderiaserchamadode“cabinedos fundos”. Os demais têm mesas e salões de jantar, mas não cabines.Aquiestãoosnomes.HámuitoMyron deixara de se dar o trabalho de perguntar comoWin

descobriaessetipodecoisa.–Querirnomeucarro?–Nãopossoacompanhá-lo–disseWin.–Porquenão?–Voumeausentarporunsdias.–Apartirdequando?–DecolodoaeroportodeNewarkdaquiaumahora.–Umaviagem?Assim,deumahoraparaoutra?Winnão se viuna obrigaçãode responder.Os dois saírampelo portão

dos jogadores. Cinco garotos correram até Myron em busca de umautógrafo.Myronatendeua todos.Aoreceberdevolta seupapel,umdos

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garotos,quenãodeviatermaisque10anos,perguntou:–Queméesseaí,afinal?–Éopereba–respondeuoutro.– Epa! – exclamou Win. – Mais respeito, rapaz! Para você, é senhor

Pereba.Myronolhouparaele.–Obrigado.Wingesticulouum“nãohádequê”.–Evocê,éalguémimportante?–perguntouoprimeirogaroto,dirigindo-

seaWin.–SouDwightD.Eisenhower–respondeuWin.–Quem?Winespalmouasmãos.– Ah, nossa excelsa juventude... – Ele suspirou, e se afastou sem dizer

maisnada.Nãoeralámuitoafeitoàsdespedidas.Myron foi para seu carro. Já estava com a chave na fechadura quando

alguémlhedeuumtapinhanascostas.EraTC.Apontandooindicadorparaeleeexibindomaisanéisdoqueumagrã-fina,disse:–Nãoesquece.–Chumbo–disseMyron.–Exato–devolveuTC.Esefoi,eletambém.

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capítulo7

MYRONCHEGOUAOPUBMACDOUGAL’S,oprimeirobarnalistadeWin.Acabinedos fundos se encontrava livre, e ele a ocupou. Ficouali porum instante,esperando que alguma força do além lhe dissesse se aquele era o lugarondeGreg havia se encontrado comCarla. Não sentiu nada – positivo ounegativo.Talvezdevesseapelarparaumasessãomediúnica.A garçonete se aproximou sem amenor pressa, como se o esforço de

atravessarosalãoequivalesseaodeatravessarumcampodenevedensaeissolhedessedireitoaumapolpudarecompensa.Myrontentouseduzi-lacom um de seus sorrisos característicos. O modelo Christian Slater:simpáticoporémdiabólico.QuenãodeveriaserconfundidocomomodeloJackNicholson,queeradiabólicoporémsimpático.–Olá–disseele.Elalargousobreamesaumabolacha,dessasdepapelão.–Vaibeberoquê?–perguntou,tentandosoarafável,masnemdelonge

conseguindo.Raramente se via uma garçonete simpática em Manhattan, a não ser

aquelas,e icientíssimas,deredescomooTGIFriday’souoBennigan’s,quevão logo informando seu nome aos clientes e dizendo que serão as“atendentesdehoje”,talvezreceandoahipótesedequealguémastomassepor outra coisa, como por exemplo “a consultora jurídica de hoje” ou “aenfermeiradanoite”.–Temalgumachocolatado?–perguntouMyron.–Temoquê?–Deixapralá.Quetalumacerveja?Elaoencaroucomolhosmortiços.–Dequetipo?Asutilezanãofuncionariaali,pensouMyron.–Vocêgostadebasquete?–perguntou.Eladeudeombros.–SabequeméGregDowning?Elanegoucomacabeça.– Foi ele quem me falou deste lugar – explicou Myron. – Contou que

esteveaquioutrodia.Elapiscou.

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–Vocêestavaaquisábadoànoite?Elafezquenão.–Nestemesmolugar,servindoascabines?Elafezquenãonovamente,dessavezmaisrápido.Sinaldeimpaciência.–VocêviuoGreg?–Não.Estavanasmesas.PodeserumaMichelob?Myronolhouparaorelógio,fingindosurpresa.– Caramba, esqueci dahora. Preciso ir. –Deu à garçonete uma gorjeta

dedoisdólaresedisse:–Peloseutempo.O segundo bar da lista se chamava Chalé Suíço. Embora não chegasse

nempertodeum chalé suíço.O lugar eraumburaco.Opapel deparedetentavasefazerpassarporlambrisdemadeira,etalvezatéconseguissemo efeito desejado se ele não estivesse descascando em tantos pontos. Alareira abrigava uma tora de plástico com luzinhas de Natal piscando nointerior,di icilmentedandoaolugaroclimaaconchegantedeumchalédeesqui. Por algum motivo, do centro do teto pendia um daqueles globosespelhados de discoteca. Nenhuma pista de dança. Nenhuma luzestroboscópica. Apenas o globo de discoteca –mais um adorno típico deum autêntico chalé suíço, deduziuMyron. O ambiente exalava um cheiroazedo de cerveja derramadamisturado a uma discreta nota de vômito, otipo de cheiro que apenas certos bares ou grêmios estudantis costumamter,dandoaimpressãodequeháratosmortosejápodresnointeriordasparedes.A jukebox tocava “Little Red Corvette”, do Prince. Ou seria do Artista

AnteriormenteConhecidoComoPrince?Nãoeraassimqueelesechamavaagora?Era,masnaépocadolançamentode“LittleRedCorvette”eleaindase chamava Prince. Então, de quem seria a música a inal? Myron tentouresolver esse importantíssimo dilema, tão di ícil de entender quanto osparadoxoscronológicosdasérie Devoltaaofuturo ...Acabousedandoporvencido.Olugarestavaquasedeserto.Umsujeitocomumfartobigodeeumboné

de beisebol dosAstros deHouston era o único cliente sentado ao balcão.Umcasal se atracavanumadasmesas centrais, umadasmais visíveisdosalão,mas ninguém parecia se importar. Outro sujeito se esgueirava nosfundoscomoseestivessenasessãodevídeospornôsdeumalocadora.NovamenteMyron se dirigiu à cabine dos fundos. E novamente puxou

conversa com a garçonete, esta bemmais animada que a outra. Ao ouvirquehaviasidoGregDowningquemrecomendaraaquelechalé,eladisse:–Nãobrinca!Maseleesteveaquisóumavez!

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Bingo.–Teriasidonanoitedesábado?Ela revirou os olhos enquanto pensava. E dali a pouco gritou para o

bartender:–Ei,Joe!GregDowningesteveaquisábadoànoite,nãoesteve?– Quem está perguntando? – retrucou Joe, berrando do outro lado do

balcão. Parecia uma fuinha com cabelos de camundongo. Fuinha comcamundongo.Umabelamistura.–Essecaraaquieeu,agenteestásóconversando.Joe Fuinha apertou as pálpebras sobre os olhos de roedor para ver

melhor.Depoisosarregaloueindagou:– Ei, tu é o recém-contratado, não é? Dos Dragons? Vi na televisão.

Aquelecomnomedenerd.–MyronBolitar–completouMyron.–Éissoaí.Myron.Vocêsvãocomeçaradarascarasporaqui?–Podeser.–A gente temumagrande clientelade celebridades, pode crer –disse

Joe, limpandoobalcãocomumtrapoquepoderiamuitobemsera lanelade um frentista. – Sabe quem esteve aqui uma vez? Cousin Brucie. O DJ.Umcarabacana,semmarranenhuma,sabe?–Penaqueeunãoestavaaquiparaver–disseMyron.–É.Mastambémjávieramoutrosfamosos,nãoé,Bone?Obigodudodebonéseempertigoueconfirmoucomumgestodecabeça.–ComoaquelecaraquepareciacomoSoupySales.Lembradele?–Lembro.Comoeudisse,celebridades.–SóquenãoeraoSoupySales.Sóalguémquepareciamuitocomele.–Dánomesmo.Myronperguntou:–VocêconheceaCarla?–Carla?–AmoçaqueestavacomoGreg.–Éesseonomedela?Não,nãochegueiaconversarcomela.Nemcomo

Greg. Ele entrou assimmeio namoita, tipo incógnito. A gente não queriaincomodar o cara. – Joe estufou o peito como se fosse bater umacontinência.–AquinoChaléSuíçoagenteprotegeasnossascelebridades.–EapontandootrapoparaMyron,emendou:–Podedizer isso láparaosteusamigos,falou?–Voufalar–prometeuMyron.–Naverdade,agentenemsabiadireitoseeramesmooGregDowning.

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–ComonocasodoSoupySales–interveioBone.–Exatamente.Sóquedessavezeraocaradeverdade.–Maso sujeitopareciamuito como Soupy Sales.Umputa ator, aquele

Soupy.–Talentodamelhorqualidade–concordouBone.Myrondisse:–Elejáesteveaquioutrasvezes?–OclonedeSoupySales?–Suabesta–disseJoe,abanandootraponadireçãodeBone.–Porque

diabo ele ia querer saber de uma coisa dessas? O cara está falando doGregDowning,bocó!–Ecomoéqueeuiasaber,seumané?Estávendoalgumaboladecristal

poraqui?–Rapazes,rapazes...–contemporizouMyron.Joeergueuamão:–Foimal.Desculpaaí.Maspode icar tranquilo: esse tipode coisanão

costumarolarnoChaléSuíço.Agentesedámuitobemporaqui.Éounãoé,Bone?Dizaí.Boneestendeuosbraços.–Equeméquenãoestásedandobemporaqui?–disse.–Exatamente.Masrespondendoatuapergunta,Myron.Não,oGregnão

éumdosnossosfregueses.Aquelanoitefoiaprimeiravezdeleaqui.–QuenemoCousinBrucie–disseBone.–Tambémsóveioumavez.–Foi.Masgostoudolugar.Deuparasacar.–Pediuumasegundabebida.Senãotivessegostado,nãotinhapedido.–Certo.Doisdrinques.Podiatertomadoumeidoembora.Masforamsó

duasCocas.Diet.–EaCarla?–retrucouMyron.–Quem?–AmoçaqueestavacomoGreg.–Oquetemela?–Jáesteveaquioutrasvezes?–Nuncavi.Evocê,Bone?Bonebalançouacabeça.–Não.Senãoeulembraria.–Lembrariaporquê?Semhesitar,Joedisse:–Ospara-choques.Deprimeira.Bonecurvouosdedosefabricoudoisseioscontraoprópriopeito.

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–Doismelõesassim.–Nãoquefosseumagata,nadadisso.–Nãoeramesmo–concordouBone.–Meiocoroaparaalguémcomoo

Greg.–Quantosanos?–perguntouMyron.–Bemmaisvelhaqueele,comcerteza.Cinquentaemuitos,eudiria.Tu

nãoacha,Bone?Boneconfirmoucomacabeça.–Masumacomissãodefrentedamelhorqualidade.–Unspeitõesenormes.–Gigantescos.– Ok, já deu para ter uma ideia – interrompeu Myron. – Mais alguma

coisa?Ambosficaramconfusoscomapergunta.–Cordosolhos?–sugeriuMyron.Joepiscoudiversasvezes,olhouparaBone.–Eelatinhaolhos?–Eeulásei?–Cordocabelo–insistiuMyron.–Castanho–disseJoe.–Castanhoclaro.–Preto–disseBone.–Podeser–concedeuJoe.–Não,talvezfossemaisclaromesmo.– Mas vou lhe dizer uma coisa, Myron. Aqueles peitos... Dois canhões,

meuirmão.–CanhõesdeNavarone–concordouBone.–ElaeGregsaíramjuntos?JoeolhouparaBone,quedeudeombros.–Achoquesim–disseoprimeiro.–Sabedizeraquehoras?Joefezquenãocomacabeça.–Vocêsabe,Bones?–arriscouMyron.A viseira do boné de Bone se aproximou do rosto de Myron

intempestivamente.– Não é Bones, porra! – rugiu ele. – ÉBone! Sem S no im! B-O-N-E!

NenhumS!Evocêestáachandooquê?QueeutenhocaradeBigBen?Joenovamenteabanouseutrapo.–Nãoinsultaacelebridade,suamula!– Que celebridade, Joe? Porra, o cara não passa de um pereba! Não é

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comooSoupy.Éumzé-ninguém,umzeroàesquerda.–BonesevirouparaMyron e, semnenhumahostilidade na voz, falou: –Não foi para ofender,Myron.–Eporqueeumesentiriaofendido?–Escuta–disseJoe–,poracasovocêtemumafotosuaaí?Agentepodia

pendurarnaparede.Comautógrafoededicatória,claro.“ParaagaleradoChaléSuíço.”Aliás,agentebemquepodiacomeçarafazerumaparededefotosautografadas.–Desculpe–disseMyron–,masnãotenhonenhumacomigo.–Podemandarparaagente?Autografada?Ouderepentevocêtrazda

próximavezquevier.–Hmm...Dapróximavez.Myronprosseguiunointerrogatório,masnãodescobriumuito,anãoser

a data de aniversário de Soupy Sales. Saiu do bar e foi caminhando peloquarteirão, passando por um restaurante chinês com patos mortos navitrine. Carcaças de pato, nada melhor para aguçar o apetite. Talvez oBurger King devesse pendurar vacas sacri icadas em suas lojas também.Ascriançasiriamadorar.Poruminstanteele tentou juntaraspeçasdoquebra-cabeça.Carla liga

para Greg e marca um encontro no Chalé Suíço. Por que logo ali, comtantos lugaresmelhores?Seriapossívelqueelesnãoquisessemservistosjuntos? Por que não? E quem seria Carla a inal? Como tudo isso seencaixava no sumiço de Greg? E o sangue encontrado no porão? TeriamelesvoltadojuntosparaacasadeGreg,oueleteriavoltadosozinho?SeriaCarla a moça com quem ele vivia? E nesse caso, por que se encontrarnaquelelugar?Myron estava tão perdido nos próprios pensamentos que só viu o

homemapoucospassosdetrombarnele.Chamaraquilode“homem”seriana verdadeumerro: o sujeito estavamais para ummurode concreto sefazendo passar por humano. Ele se interpunha no caminho de Myron.UsavaumadaquelascamisetasjustasdegolaV,comumdecoteacentuadoobastanteparaexibiropeitoral,esobreelaumacamisadeestampa loralquemais lembrava uma blusa feminina. Um chifre de ouro pendia sobreaquilo que poderia ser chamado de decote. Umamontanha demúsculos,um rato de academia.Myron tentou ultrapassá-lo pela esquerda,mas foibloqueadopelomuro.Tentouultrapassá-lopeladireita,masnovamentefoibloqueado.Andoudeladoaladoumasegundavez;omurofezomesmo.–Eaí?–disseMyron.–Conheceochá-chá-chá?O muro de concreto esboçou exatamente a reação que poderíamos

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esperardeummurodeconcreto.Poroutro lado,aquelenãohaviasidoomelhordos gracejosdeMyron.Ohomemera realmente enorme,maisoumenos do tamanho de um eclipse lunar. Myron ouviu passos. Outrohomem, tambémgrande,mas de proporçõesmais humanas, aproximava-se por trás. Usava calças militares com estampa de camu lagem; umagrandetendênciadamodaurbanarecente.–OndeestáoGreg?–perguntouoCamuflado.Myronsefezdesurpreso.–Oquê?Ah,desculpa,nãotinhavistovocê.–Hein?–Ascalças...–explicouMyron.–Estavamcamuflandovocê.OCamufladonãogostoudoqueouviu.–OndeestáoGreg?–Greg?–Respostinhairritante.–É.Cadêele?–Quem?–OGreg.–QueGreg?–Estázoandocomigo?O Camu lado olhou para o Muro, que permaneceu tão calado quanto

antes.Myronsabiaqueeragrandeapossibilidadedeumconfronto ísico.Sabia também que era bom nesse tipo de situação. Sabia ainda, ou pelomenossupunha,queaquelesdoisgorilastambémerambonsdebriga.Pormais que os ilmes de Bruce Lee sugerissem o contrário, era quaseimpossível alguém derrotar sozinho dois oponentes de valor. Lutadoresexperientes não eram burros. Lutavam como uma equipe. Nuncaarremetiamisoladamente.–Então–disseMyron.–Quetalumacervejinha?Resolveressahistória

comumbompapo?OCamufladobufoucomescárnio.–Eporacasoagentetemcaradequemgostadepapo?–Eletem–disseMyron,apontandoparaoMuro.Havia trêsmaneirasdesair ilesodeumasituaçãodaquelas.Aprimeira

erafugircorrendo,oqueerasempreumaboaopção.Oproblemaeraqueosdoisadversáriosestavampróximososu iciente,edistantesosu iciente,para saltar sobre ele ou puxá-lo pela camisa. Arriscado demais. Segundamaneira:osadversáriossubestimamvocê.Você ingequeestácommedoedepois,bum!, os pega de surpresa. Acontece que gorilas raramentesubestimamalguémcomquasedoismetrosdealturaemaisde100quilos.

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Terceira maneira: você ataca primeiro, e com força. Ao fazer isso vocêaumenta a probabilidade de colocar umdeles fora de órbita antes que ooutro possa reagir. Esse caminho, no entanto, implica um delicadoequilíbrio.Atéalguématacar, você realmentenãopodedizer comcertezaqueumconfronto ísiconãopoderiatersidoevitadoporcompleto.Masseesperar que alguém ataque, a opção perde o sentido. Win gostava delamaisquedasoutras.Mesmoquandohaviaapenasumadversário.No entanto, Myron não teve a oportunidade de fazer esta ou aquela

opção, pois o Muro lhe acertou um soco forte bem na região da lombar.Pressentindo o golpe, Myron havia girado o tronco o bastante paraprotegerosrinseprevenirqualquerestragomaior,eassimestavaquandodesferiuumacotoveladanonarizdosujeito.Ouviucomprazeroesfacelardosossos,algoparecidocomocrepitardeumninhodepássaroesmagadoporummurro.Avantagemtevecurtaduração.TalcomoMyronhaviareceado,oscaras

sabiam o que estavam fazendo. O Camu lado atacou quasesimultaneamente, terminando o serviço do companheiro. Myron sentiuumadoragudanosrins.Os joelhosameaçaram falhar,masele segurouaonda.ComotroncocurvadonadireçãodoMuro,jogouapernaparatrásedesferiuumcoice,comopéseprojetandonoarcomoumêmbolo.Emborasua intenção fosse cravá-lo no estômago do Camu lado, perdera oequilíbrioeacabaraacertandoacoxadele.Oestragonão foigrande,masfoi su iciente para que o Camu lado recuasse. O Muro já começava arecuperar as forças: tateando cegamente, ele encontrou os cabelos deMyroneosagarrouparasereerguer.Myronrapidamenteprendeuamãodele, aproveitando a oportunidade para incar as unhas nos pontosmaissensíveis entre as juntas. OMuro berrou de dor. E o Camu lado voltou àbaila:esmurrouMyrondiretamentenoestômago.Adornãofoipouca.Foilancinante.Myronlogoviuqueestavaemapuros.Flexionouumdosjoelhospara ganhar impulso e arremeteu com a mão espalmada, pronta para ogolpe que tinha em mente. O tapão acertou o Muro na virilha, e eledesabou com os olhos esbugalhados, como se alguém tivesse roubado ochão de seus pés. O Camu lado reagiu sem hesitar. Cravou um sococerteiro numa das bochechas de Myron, deixando-o zonzo. Rapidamentedesferiuumsegundosoco.Myron foiperdendoo focodavisão; tentouselevantar,masaspernasnãoobedeceram.Ebastouumchutenascostelasparaqueelecomeçasseaveromundogirandoaoseuredor.–Ei,ei,ei!Queporraéessaaí?–Vocêsdois!Circulando,circulando!

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Apesardazonzeira,Myronreconheceuasvozes:JoeeBone,dobar.Eleaproveitou a ocasião para fugir dali. Mas sem necessidade, pois a essaalturaoCamu ladojáhaviaajudadooMuroaselevantareamboscorriamparalonge.JoeeBonerapidamenteforamaoencontrodeMyron.–Vocêestábem?Estatelado,Myronfezquesimcomacabeça.– Não vai esquecer de mandar aquela foto autografada, falou? Cousin

Bruciefalouqueiamandar,enada.–Mando,sim.Duas.

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capítulo8

ELE CONVENCEU JOE E BONE a não chamarem a polícia. Não precisou gastarmuita saliva.Quase sempre as pessoaspreferemdeixar a polícia de fora.Coma ajudadadupla, ele entrounum táxi.Omotoristausava turbante eouvia música country. Multiculturalismo. Myron informou o endereço deJessica com di iculdade e desabou no estofamento puído do banco. Omotoristanãoestavaparaconversa.Ótimo.Myronfoimentalmenteexaminandooprópriocorpo.Nadaquebrado.As

costelas estavam, quando muito, doloridas. Nada que atrapalhasse suanovavidadejogador.Masacabeçaeraoutrahistória.Tylenolecodeínaoajudariam a passar a noite, e namanhã seguinte ele poderia tomar algomaisleve,comoumAdvil.Noscasosdetraumanacabeçanãohaviamuitoafazeralémdedartempoaotempoecontrolarador.Jessicaorecebeuàporta,embrulhadanumroupãodebanho,eMyron,

como de costume, perdeu um pouquinho o fôlego ao vê-la. Deixando deladoasadmoestações,elapreparouumbanho,ajudouMyronasedespirese alojou atrás dele na banheira. Já um tanto aliviado com o contato daágua,Myronserecostoucontraanamoradaenquantoelacobriaacabeçadele com compressas de toalha. Em seguida exalou um longo suspiro defelicidade.–Desdequandovocêémédica?–perguntou.Portrás,Jessicaobeijounorosto.–Estásesentindomelhor?–Sim,doutora.Muitomelhor.–Quermecontaroquehouve?Myron relatou toda a história, e ela ouviu em silêncio, suavemente

massageando as têmporas dele. Myron imaginava haver no mundo algomelhor do que estar naquela banheira recostado à mulher que amava,sentindo o bálsamo daquele toque, mas nem com muito esforço poderiadizeroquê.Asdorescomeçavamaceder.–Então,quemvocêachaqueeramostaiscaras?–perguntouela.–Seilá–disseMyron.–Achoquesãodoiscapangasdealguém.–EelesqueriamsaberoparadeirodeGreg?–Parecequesim.– Se dois capangas estivessem atrás de mim – observou ela –, eu

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tambémsumiriadomapa.AideiajáhaviaocorridoaMyron.–Éverdade.–Eagora?Qualseráseupróximopasso?Myronsorriuefechouosolhos.–Não acredito.Nenhumabronca?Nenhumaaula sobreosperigosque

estoucorrendo?–Nãogostodelugares-comuns–disseJessica.–Alémdisso,temalguma

coisaaí.–Comoassim?–Algoquevocênãoestáquerendomecontar.–Eu...Elapousouoindicadorsobreoslábiosdele,calando-o.–Sómedizoquepretendefazer.Myronnovamenterelaxouocorpo.Chegavaadarmedoafacilidadecom

queelaliaospensamentosdele.–Precisofalarcomalgumaspessoas.–Comquem,porexemplo?–OagentedeGreg.O colegadequartodele,umsujeito chamadoLeon

White.Emily.–Emily.Suanamoradinhadefaculdade,certo?– É – disse Myron. E antes que ela começasse a lê-lo de novo,

rapidamentemudoudeassunto.–ComofoisuanoitecomAudrey?–Ótima.Falamosdevocê,basicamente.–Falaramoquê?Jessicacomeçouaacarinhá-lonopeitocomdedosquepareciamplumas.

Ou um Itzhak Perlman tangendo as cordas de seu violino. Lenta esuavemente. Talvez um tanto demais. Para Myron, o efeito já não eraapenasodeummerobálsamo.–Ei,Jess...Maisumavezelaocalou.Efalouameia-voz:–Suabunda.–Minhabunda?– É. Foi disso que a gente icou falando. – Para ilustrar o ponto, ela

fechou os dedos sobre uma das nádegas dele. – Até a Audrey teve deadmitirqueasuabundadavavontadedemorder,correndodaquele jeitonaquadra.–Não souapenasumcorpinho– argumentouMyron. –Também tenho

umcérebro.Sentimentos.

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Jessicabaixouabocarenteàorelhadele.Eprovocouarrepiosquandooslábiostocaramolóbulo:–Quemseimportacomisso?–Hmm,Jess...–Shhh–fezela,descendoaoutramãopelopeitodele.–Amédicaaqui

soueu,lembra?

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capítulo9

NOS RINCÕES DA CABEÇA DE MYRON, os nervos foram subitamente atacadospela campainha do telefone. Ele foi piscando até abrir os olhoscompletamente.Viuquealuzdamanhãjávazavapelasfrestasdacortina.Examinouoespaçoaseuladonacama,primeirocomasmãos,depoiscomos olhos. Jessica não estava lá. O telefone continuava a urrar.Myron porfimoatendeu.–Alô.–Entãoéaíquevocêestá.Elefechouosolhos.Suacabeçaagoradoía10vezesmais.–Oi,mãe.–Vocênãodormemaisemcasa?A casa de Myron era o porão da casa dos pais, o mesmo de sua

juventude. Mas nos últimos tempos ele vinha passando cada vez maisnoites no apartamento de Jessica. O que decerto era uma boa coisa. Eleestava com 32 anos; era uma pessoa razoavelmente normal, rico obastante. Não tinha nenhum motivo para ainda morar com o papai e amamãe.–Comovaiaviagem?–perguntouele.Seuspais estavamemalgumaexcursãodeônibuspelaEuropa.Dessas

quevisitam12cidadesemquatrodias.–VocêachaqueligueidoHiltondeVienasóparaconversar iadosobre

nossoitinerário?–Suponhoquenão.–SabequantocustaumaligaçãointernacionalnumhotelemViena?Com

todasastaxasesobretaxas?–Umafortuna,imagino.– Tenho os preços bem aqui. Vou lhe dizer exatamente. Espera aí. Al,

ondefoiqueeumetiaquelepapelcomastaxasdetelefone?–Mãe,issonãoéimportante.–Estavaaquinesseminuto...Al?– Por que você não me diz quando volta? – sugeriu Myron. – Assim

aumentaasaudade...–Podeguardara ironiaparasua turma.Vocêsabemuitobemporque

estouligando.

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–Nãosei,mãe.–Entãovou lhedizer.Unscolegasdeexcursão...osSmeltman,umcasal

muito simpático...Omarido trabalha com joias.Marvin, achoque é esseonome dele. Eles têm uma loja em Montclair. A gente passava muito nafrentedelaquandovocêeracriança.FicanaBloom ieldAvenue,pertodocinema,lembra?–Ahã. –Myronnão faziaamenor ideiadoqueelaestava falando,mas

concordareramaisfácil.–Poisbem.OsSmeltmanfalaramcomo ilhodelesportelefoneontemà

noite. Foiele que ligou, Myron. Tinha todo o itinerário dos pais, todas asinformações,tudo.Ligousóparasaberseelesestavamsedivertindo,essetipodecoisa.–Ahã.Myron sabia que a mãe estava no modo “descompensado”. Não havia

como pará-la. De um segundo a outro ela deixava para trás a mulhermodernae inteligentequede fatoera,eMyron tambémsabiadisso,paradar lugaraalgumpersonagemdeUmviolinistanotelhado .Naquele exatomomento,eraGoldaconvergindoparaYenta.– Pois então – prosseguiu ela. – Os Smeltman icam se gabando com o

filhosóporqueestãonamesmaviagemqueospaisdeMyronBolitar.Edaí,nãoé?Queméqueaindase lembradevocê?Fazanosquevocênãojoga.Acontece que os Smeltman são grandes fãs do basquete. Vai entender.Parece que o ilho costumava ver você jogando, sei lá. Pois então. O talilho...achoqueonomedeleéHerb...ouHerbie...ouRalph....algumacoisaassim... o tal ilho conta aos pais que agora você está jogando basquetepro issional. Que os Dragons contrataram você. Que de uma hora para aoutra você resolveu voltar para as quadras, sei lá. Seu pai está tãoenvergonhado...Pensabem.Pessoasqueagentenuncaviunavidasabemda história toda enquanto seus próprios pais estão completamente porfora.Deinícioagenteachouqueeles,osSmeltman,tinhamficadomalucos.–Nãoéoqueasenhoraestápensando–disseMyron.–Eoqueéqueestoupensando?–devolveuela.–Vezououtravejovocê

brincando na cesta lá da garagem. Tudo bem, nenhum problema. Masagoranãoestouentendendonada.Vocênemsequermencionouquetinhavoltadoajogar.–Nãovoltei.–Nãomenteparamim.Vocêmarcoudoispontosontemànoite.Seupai

ligouparaoDisque-Esporte.PoracasovocêfazideiadequantocustaligarparaoDisque-Esportedaqui?

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–Mãe,nãoénadaassimtãoimportantequantoasenhorapensa.– Escuta sua mãe, Myron. Você conhece seu pai, não conhece? Está

agindocomosenada tivesseacontecido.Eleoadora,vocêsabedisso,nãosabe?Oadoradequalquerjeito.Masnãoparoudesorrirdesdequesoubedanovidade.Pensouatéemvoltarparacasaamanhãmesmo.–Porfavor,nãofaçamisso.–Nãofaçamisso!–repetiuela,exasperada.–Vá vocêdizeraele,Myron.

Ohomemécompletamentelelé,vocêsabe.Doidodacabeça.Então,porquevocênãocontalogooqueestáacontecendo?–Éumahistóriacomprida,mãe.–Maséverdade?Vocêvoltouajogar?–Sóporumtempo.–Comoassim,“sóporumtempo”?OtoquedeumachamadaemesperasoounotelefonedeJessica.–Mãe,precisodesligar.Desculpapornãoterfaladonadaantes.–Oquê?Vaificarporisso?–Outrahoraagenteconversa.Myronficousurpresoquandoamãeenfimcedeu:–Cuidadocomojoelho,filho.–Podedeixar,mãe.Eumecuido.Ele atendeu a outra ligação. Era Esperanza. Que tambémnão se deu o

trabalhodedizer“bomdia”.–OsanguenãoédeGreg–disparouela.–Oquê?–Osangueencontradonoporão.ÉABpositivo.OdeGregéOnegativo.Myronnãohaviaesperadoouvirnadadisso.Precisoudeumtempopara

concatenarasideias.–TalvezCliptenharazão.TalvezosanguesejadeumdosfilhosdeGreg.–Impossível–disseEsperanza.–Porquê?–Vocênãoestudoubiologianocolégio?–Na oitava série.Mas estava ocupado demais olhando paraMaryAnn

Palmiero.Maseaí?–O sangueAB é um tipo raro. Para queum ilho sejaAB é necessário

que os pais sejam A e B, caso contrário não rola. Greg é O; portanto, osfilhosdelenãopodemserAB.– Então talvez o sangue seja de outra criança – insistiu Myron. – Um

amiguinhoqueestivessecomosfilhosdeGreg,seilá.– Claro – concordou Esperanza. – É bastante provável. Os garotos

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convidam alguns amigos para brincar. Um deles sangra até morrer, eninguémapareceparalimpar.Ah,edepois,porumaestranhacoincidência,Gregsomedomapa.Myron enroscava o io do telefone entre os dedos como se eles fossem

umtear.–OsanguenãoeradeGreg...–falou.–Eagora?Esperanzanãosedeuotrabalhoderesponder.– Como vou investigar uma coisa dessas sem levantar suspeita? –

prosseguiu ele. – Preciso interrogar as pessoas, não preciso? Elas vãoquerersaberporquê.–Poisé...sintomuitoporvocê–disseEsperanza,masnumtomquedizia

justamente o contrário. – Agora preciso ir para a agência. Você vaiaparecerporlá?–Talvezàtarde.AgorademanhãvoufalarcomaEmily.–Aex-namoradadequemoWinfalou?–Elamesma–confirmouMyron.– Não vá fazer nenhuma besteira. Coloque a camisinha já – disse

Esperanza.Edesligou.OsanguenãoeradeGreg.Myronsesentiacompletamenteperdido.Na

véspera,enquantoesperavaosono,elehaviaelaboradoumateselimpinhaeconcisaquepropunhamaisoumenososeguinte:oscapangasestavamàprocura de Greg. Talvez tivessem dado uma dura nele, tirado algumsangue. Sóparadeixar claroquenão estavamdebrincadeira.Assustado,Greghaviafugido.Tudopareciaseencaixar.Osanguenoporão.Osúbitodesaparecimento

de Greg. A equação não poderia ser mais simples: uma surra mais umaameaçademorteeraigualaumhomememfuga.Oproblemaagoraeraqueosangueencontradonoporãonãopertencia

aGreg.Adeus, tese limpinhaeconcisa.SeGreg tivessesidoespancadonoporão, o sangue encontrado ali seria dele. Greg teria sangrado o própriosangue, não o de outra pessoa. Aliás, era muito di ícil alguém sangrar osanguedeoutrapessoa.Myronbalançoua cabeça.Precisavadeumaboachuveirada. Mais algumas deduções daquele calibre e a tese da galinhadegoladacomeçariaafazeralgumsentido.Ele ensaboou o corpo, depois deixou que a ducha o massageasse nos

ombrosenopeitoral.Saiudobanho,secou-seesevestiu.Jessicaestavanocômodoao lado,digitandoalgonocomputador.Myron jáhaviaaprendidoquenãodeviaperturbá-laquandootecladoestalavaaplenovapor.Entãodeixouumbilheteesaiusemsedespedir.Tomoualinha6dometrôatéo

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centro de Manhattan, seguiu a pé até o estacionamento da rua 46 erecebeu as chaves que Mario arremessou sem levantar os olhos do queestavalendo.Naalturadarua62,seguiupelaFDRDrivenosentidonortee entrou na Harlem River Drive, que estava congestionada em razão deobras na pista da direita. Mesmo assim chegou razoavelmente cedo àGeorgeWashington Bridge e em seguida tomou a Route 4 até um lugarchamado Paramus, que na verdade não passava de um gigantescoshopping center com pretensões a distritomunicipal. Dobrando à direitanaRoute208,passoupelafábricadaNabiscoefarejouoar;dessavez,noentanto,nãosentiuoperfumedosbiscoitosdequetantogostava.Ao se aproximar da casa de Emily, uma sensação de déjà-vu o atacou

como um puxão de orelha paterno. Já havia estado ali antes, claro, nasférias de faculdade na época do namoro deles. A casa era de tijolosaparentes,dearquiteturamodernaerazoavelmentegrande.Ficavaao imdeuma rua semsaída,muitobem-cuidada.Uma cerca limitavao terreno.Myron se lembrava de que havia uma piscina nos fundos. E tambémumpequeno coreto, onde ele e Emily certa vez haviam feito amor, as roupasemboladasaospés,aumidadeembalandoocorpodosdoiscomouma inacamadadesuor.Odocepássarodajuventude.Eleestacionouocarro,tirouachavedaigniçãoe icouali.Faziamaisde

10anosquenãoviaEmily.Muitaáguajáhaviaroladodesdeentão,maseleainda temia a reação dela ao vê-lo. A imagemmental de Emily abrindo aporta,gritando“Canalha!”,depoisbatendoaportanacaradeleeraumdosmotivospelosquaislhehaviafaltadocoragemparaligarantes.Eleolhoupela janeladocarro.Nãoviunenhummovimentonarua.Mas

logopercebeuquenãohaviamaisque10casasporali.Porumtempoficoupensando na melhor maneira de abordar Emily, mas não encontrounenhuma. Conferiu o relógio, mas não registrou as horas. Suspirou. Umacoisa era certa: ele não poderia icar ali o dia inteiro. A vizinhança eraabastada,do tipoquechamaapolíciaemcasodesuspeita.Horade iremfrente.Por imeledesceudocarro.Ascasasaseuredortinhamnomínimouns 15 anos,mas todas pareciam novas. Os quintais talvez ainda fossemum tanto áridos. Poucas árvores e arbustos; os gramados lembravamumgrandeimplantecapilarmalfeito.Myron seguiupelopequeno caminhode tijolos.Olhoupara aspróprias

mãoseviuqueestavamúmidas.Tocoua campainha.Nãopôdedeixarderelembrarasvisitasdopassado,embaladopelocarrilhãoqueaindalheerafamiliar.Aportaseabriu.EraEmily.– Ora, ora, ora – disse ela. Myron não soube dizer se o tom era de

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surpresaousarcasmo.Emilyhaviamudado.Pareciaumpoucomaismagra,mais musculosa. O rosto também havia a ilado, acentuando as maçãs. Oscabelos estavam mais curtos e com corte mais de inido. – Se não é opartidãoquedeixeiescapar.–Olá,Emily.–Quantaoriginalidade.–Veiopediraminhamão?–ironizouela.–Jápediumavez.–Masnãocomsinceridade,Myron.Sinceridadeeratudoqueeuqueria

naquelaépoca.–Eagora?–Agoraachoqueasinceridadeésuperestimada.–Elaabriuumsorriso.–Você está ótima,Emily. –QuandoMyron embarcavanaoriginalidade,

nãohaviaquemosegurasse.–Vocêtambém.Masnãovouajudá-lo.–Meajudarcomoquê?Emilycontorceuorostonumacareta.–Entre.–Foisóoquedisse.Myronentrouatrásdela.Acasa,bastantearejada,dispunhadediversas

claraboias, pé-direitomuito alto e paredes pintadas de branco. O piso dohalleradeumacerâmicavisivelmenteso isticada.Myronfoilevadoparaasaladevisitas,ondeopisoerademadeiradefaia.Depoisdeseacomodarnumsofábranco,elepercebeuqueasalapareciaexatamenteigualaoqueera 10 anos antes, e tão bem-conservada quanto. Ou eles haviamsubstituído os sofás por outros idênticos, ou os convidados da casa eramextremamentebem-educados.Nosestofadosnãoseviaumaúnicamancha.Fora do lugar, apenas uma pilha de jornais abandonada por perto.Tabloidesdiários,aoqueparecia.Naprimeirapáginado NewYorkPost ,amanchete diziaESCÂNDALO!, em letras garrafais, fonte 72. Para não deixardúvidas.Umcachorrovelhoseaproximou,arrastando-secompatasrígidas.Dava

aimpressãodequetentavaabanarorabo,masoresultadonãopassavadeuma triste oscilação. Conseguiu lamber a mão de Myron com sua línguaseca.–Quemdiria–observouEmily.–Bennyaindaselembradevocê.Myronempertigouotronco.–EsteaquiéoBenny?Elaconfirmoucomacabeça.A famíliadeEmilyhavia compradoo ilhotinhohiperativoparaTodd, o

irmão caçula, logono início donamorodela comMyron, que estava lá no

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diaemqueoanimalzinhochegoudocanilemquenascera.Atordoadocomamudançadeambiente,opequenoBennyhaviafeitopipinaquelemesmochão, mas ninguém havia se importado. Rapidamente se habituara àspessoas. Costumava pular sobre os recém-chegados, acreditando, de ummodoque só os cachorros são capazes de acreditar, que ninguém jamaislhe fariamal algum.Bennynãoestavapulandoagora.Pareciaumancião.Myronfoitomadodeumasúbitatristeza.–Vocêmandoubemontemànoite–disseEmily.–Foibomvê-looutra

veznasquadras.–Obrigado.–Denovoaoriginalidade.–Querbeberalgumacoisa?–ofereceuela.–Possofazerumalimonada.

Como numa peça de Tennessee Williams. Limonada para o cavalheirovisitante...AntesqueMyronpudessedizerqualquercoisa,Emilysumiunadireção

da cozinha. Benny encarava seu velho amigo, penando para enxergaralguma coisa através da leitosa catarata. Myron o afagou nas orelhas eabriuumsorrisotristeaovê-loabanaracauda,agoracomumpoucomaisde ímpeto. Benny deu um passo adiante, dando a impressão de quepercebia, e apreciava, os sentimentos de Myron. Emily voltou com doiscoposdelimonada.–Aquiestá–disseela.Entregouocopoesesentou.–Obrigado.–Myrondeuumpequenogole.–Então,Myron,qualseráasuapróximacartada?–Cartada?–Maisum“valeapenaverdenovo”?–Nãoentendi.Emilynovamenteobrindoucomumsorriso.– Primeiro você substitui o Greg nas quadras. Talvez agora esteja

pensandoemsubstituí-lonacamatambém.Myronporpouconãoengasgoucomalimonada.Estratégiadechoque.A

caradeEmily.–Nãoacheigraça–falou.–Sóestavabrincandoumpouquinho–contemporizouela.–Eusei.Emily incouocotovelonoencostodosofá,apoiouacabeçanamãoe,do

nada,disse:–SeiquevocêestácomaJessicaCulver.–Estou.–Gostodoslivrosdela.

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–Jessicavaificarcontenteemsaber.–Masnósdoissabemosqualéaverdade.–Qualéaverdade?Emilyseinclinouparabeberalimonada,depoisfalou:–Osexocomelanãoétãobomquantoeracomigo.MaisumatípicatiradadeEmily.–Temcerteza?–perguntouMyron.–Absoluta – respondeu ela. –Não vou ser imodesta. Tenho certeza de

queaJessicaéótimanacama.Mascomigotudoeranovidade.Umagrandedescoberta. Não há nadamelhor do que isso. Nenhum de nós jamais vaiconseguirreproduziraqueletipodeêxtasecomoutrapessoa.Éimpossível.Tantoquantovoltarnotempo.–Nãofaçoessetipodecomparação–disseMyron.Comumsorrisoeumaleveinclinaçãodacabeça,elaprovocou:–Duvido.–Aliás,vocênemgostariaqueeufizesse.Osorrisopermaneceuondeestava.–Ah,Myron,mepoupa,né?Nãomevenhacomessaconversamolede

“sexo espiritual”. Não vá dizer que o sexo com Jessica é melhor porquevocêstêmumrelacionamentolindoeprofundo,eporissoosexovaimuitoalémdofísico.Nadadissocombinacomvocê.Myron não respondeu. Não sabia o que dizer, tampouco se sentia à

vontadecomaconversa.– O que você quis dizer agora há pouco – perguntou ele,mudando de

marcha–quandofalouquenãoiriameajudar?–Exatamenteoquevocêouviu.–Nãovaimeajudarcomoquê?Denovoosorriso.–Algumdiajáfuiburra,Myron?–Nunca.–Achamesmoqueacrediteinessasua“voltaàsquadras”?–perguntou

ela, abrindoe fechandoas aspas comosdedos. –OuqueGregesteja “demolho” por causa de uma contusão no tornozelo? Sua vinda aqui só fazconfirmarasminhassuspeitas.–Suspeitasdequê?–Gregestádesaparecido.Evocêestátentandoencontrá-lo.–OquefazvocêpensarqueGregestádesaparecido?– Por favor,Myron, não venha com joguinhos para cima demim. Você

medeveisso.Pelomenosisso.

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Myronlentamenteassentiucomumacenodecabeça.–Vocêsabeondeeleestá?–Não.Masesperoqueo ilhodaputaestejamortoeapodrecendonum

buracoqualquer.–Nãoprecisamediraspalavras,Emily.Bastadizeroquerealmenteestá

sentindo.Osorrisoagorapareciamais triste.Myron icoucondoído.GregeEmily

haviamseapaixonado.Haviamcasadoegeradodois ilhos.Oquepoderiaterposto imatudoisso?Algorecente?Oualgonopassadodeambos,umasementepodreplantadadesdeoinício?Myronsentiuagargantasecar.–Quandovocêoviupelaúltimavez?–perguntou.–Ummêsatrás–respondeuela.–Onde?–Numavaradefamília.–Aindasefalam?–Nãoestavabrincandoquandodissequepormimelepodeestarmorto

eapodrecendo.–Entendi.Nãoestãosefalando.Emilybalançouacabeçacomosedissesse:“Penseoquequiser.”–Casoeleestejaseescondendo,vocêfazalgumaideiadeonde?–Não.–Umacasadecampo?Algumlugarparaondeelegostavadeir?–Não.–Sabedizerseeleestánamorandoalguém?–Não.Mas,seestiver,coitadadagarota.–JáouviufalardeumatalCarla?Emilyhesitouum instante.Tamborilavao indicadorno joelho,umgesto

tãoantigoeconhecidoque,paraMyron,eraquasedolorosoobservar.–NãotinhaumaCarla,lánodormitóriodaDuke,quemoravanomesmo

andarqueeu?–perguntouela.–Tinha,claro.CarlaAnderson.Nosegundoano,lembra?Umameninalinda.–Alguémmaisrecente?–Não.–Emilyseendireitounosofáecruzouaspernas.–EoWin,como

vai?–Omesmodesempre.– Uma das poucas constantes da vida – falou. –Win é doido por você,

Myron.Vocêsabe,né?Ébempossívelquesejaumgayenrustido.–Doishomenspodemsegostarenãoseremgays–argumentouMyron.Emilyarqueouumadassobrancelhas.

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–Achamesmo?Myronestavadeixandoqueelaoirritasse.Errograve.– Você sabia que o Greg estava prestes a assinar um contrato de

publicidade?–perguntouele.Ecomissoconquistouaatençãodela.–Verdade?–Sim.–Umcontratogrande?–Bempolpudo,eusuponho–disseMyron.–ComaForte.Emily enrijeceu as mãos. Teria cerrado punhos caso as unhas não

fossemtãograndes.–Filhodaputa.–Porquê?–Esperouodivórciosairparadepoisassinaressecontrato.Emedeixar

comumamãonafrenteeoutraatrás.Filhodaputa.–Comoassim,“umamãonafrenteeoutraatrás”?Gregjáeramuitorico.Elafezquenãocomacabeça.–Oagentedeleperdeutudo.Pelomenosfoioqueeledissenaaudiência.–MartinFelder?–Elemesmo.Gregnãotinhaumcentavofurado.Filhodaputa.–Mas ele ainda trabalha com Felder. Por que continuaria com alguém

queperdeutodoodinheirodele?–Seilá,Myron–retrucouela,umtantoagastada.–Ébempossívelqueo

filhodaputaestivessementindo.Nãoteriasidoaprimeiravez.Myron esperou. Emily ergueu os olhos na direção dele, mordendo os

lábios para represar as lágrimas. Subitamente icou de pé e foi para ooutroladodasala,dandoascostasparaMyron,olhandoatravésdasportasdevidroquedavamparaoquintal.Apiscinaestavacobertaporumalona,sobreaqualseviamalgunsgravetose folhas.Duascriançassurgiramdonada.Ummeninodeuns10anosperseguiaumameninaqueaparentavauns 8. Ambos riam sem parar, os rostinhos escancarados e um tantorosadospelofriooupelacorreria.Omeninoparouaoveramãe.Abriuumamplo sorriso e acenou. Ela acenou de volta, modestamente. As criançasretomaram a brincadeira, e Emily cruzou os braços como se estivessecerrandooprópriotronco.–Elequertirá-losdemim–disse,numtomsurpreendentementecalmo.

–Vaifazerqualquercoisaparaficarcomeles.–Tipooquê?–Ascoisasmaisbaixasquevocêpuderimaginar.–Baixasatéqueponto?

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–Nãoédasuaconta–retrucouela,aindadecostas.Myronpodiaverotremordosombrosdela.–Vaiembora.–Emily...–Vocêquerajudá-lo,Myron.–Queroapenasencontrá-lo.Édiferente.Elabalançouacabeça:– Você não deve nada a ele. Acha que deve, eu sei. É seu jeito de ser.

Naquela época eu já via a culpa estampada no seu rosto, amesma culpaqueviassimqueabriaportahoje.Meucasamentoacabou,Myron.E issonão tem nada a ver com o que houve entre a gente. Greg nunca icousabendo.–Eporissoeudevomesentirmelhor?–perguntouMyron.Emilyviroudesúbitoparaencará-lo.– Não falei isso para que você se sintamelhor – disparou. – Você não

tem nada a ver com essa história. Fui eu que me casei com ele. Fui euquem o traiu. Mal posso acreditar que você ainda se remoa por causadisso.Myronengoliuemseco.–Greg foimevisitarnohospital.Logodepoisquememachuquei.Ficou

horasconversandocomigo.–Eissofazdeleoquê?Umcarasuperlegal?–Agentenãodeviaterfeitooquefez.–Vê se cresce,Myron.Tudo isso aconteceuhámaisde10anos.Águas

passadas.Silêncio.Depoisdeumtempo,Myronergueuosolhosparaela.–Vocêpodemesmoperderaguardadascrianças?–perguntou.–Sim.–Atéondevocêiriaparaficarcomelas?–Atéondefossepreciso.–Matariaparanãoperderosfilhos?–provocouMyron.–Mataria–respondeuEmily,semhesitar.–Matou?–Não.– Dois capangas andam à procura do Greg. Você faz alguma ideia do

motivoqueelespoderiamter?–Não.–Nãofoivocêquemoscontratou?– Se fosse – disse ela –, eu não lhe contaria. Mas se esses “capangas”

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querem dar umas porradas nele, vou fazer de tudo para ajudá-los alocalizaroinfeliz.Myronpôsocopodelimonadasobreamesa.–Achomelhoreuir.Emily o acompanhou até a porta. Antes de abri-la, pousou a mão no

braçodeMyron.Otoquedelacarbonizouopanodacamisa.– Está tudo bem – falou baixinho. – Desencana. Greg nunca soube de

nada.Myronnãofezmaisquemenearacabeça.Emilyrespiroufundoesorriu.Voltandoaotomdevoznormal,disse:–Foibomvervocêdenovo,Myron.–Paramimtambém–retrucouele.–Vêsenãosomeoutravez,ok?–Ela faziaopossívelparasoarcasual.

Myronsabiatratar-seapenasdeumaencenação,igualatantasoutrasqueele jáhaviapresenciado.–Talvezagentepossaterumcasorapidinho,sóemnomedosvelhostempos.Quemalpoderiahaver?Umaúltimainvestidanaestratégiadechoque.Myronseafastou.–Foi issoqueagentedissedaúltimavez– falou. –Eomal estáaí até

hoje.

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capítulo10

–FOINANOITEANTERIORaocasamentodeles–começouMyron, jádevoltaà agência. Esperanza estava na sua frente. Olhos cravados no chefe,masMyronnãosabiadisso.Olhava ixamenteparaotetocomasmãoscruzadassobreopeito,acadeiraquasetombandodetãoinclinada.–Devocontarosdetalhes?–Apenassequiser–disseEsperanza.Ele relatou toda a história. Contou que Emily havia telefonado,

convidando-o para ir ao quarto dela. Contou também que ambos haviambebidomuito.Falouissoapenasparatestarareaçãodela,masEsperanzarapidamenteointerrompeucomumapergunta:–Tudoissoaconteceuquantotempodepoisdasuaconvocação?Myronsorriuparao teto.Amulhernãodeixavaescaparnada.Elenem

sequerprecisouresponder.–Suponho–prosseguiuEsperanza–queessapequenaestripuliatenha

acontecido em algum momento entre a sua convocação pela NBA e oacidentecomojoelho.–Supõecorretamente.– Ah – disse ela, fazendo um pequeno gesto com a cabeça. – Então

vejamos se entendi direito. Você está no último ano da faculdade. Suaequipe vence o campeonato da NCAA: ponto para você. Você acabaperdendo a Emily, e ela acaba icando noiva do Greg: ponto para ele.Depois vêm as convocações da NBA. Greg é o sétimo da lista, e você ooitavo:pontoparaoGreg.Deolhosfechados,Myrondeclarou:–Jáseioquevocêestápensando:queeutenteiempataroplacar.–Nãoestoupensandonada.Estánacara.–Esperanza,vocênãoestáajudandomuito.–Seéajudaquevocêquer,procureumpsicanalista. Seéaverdade, é

comigomesmo.Elatinharazão.Semdescruzarosdedos,Myronpassouasmãosparaa

nucaecolocouospéssobreamesa.–Elatraiuvocêcomele?–perguntouEsperanza.–Não.–Temcerteza?

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–Tenho.Emilyeeujátínhamosterminadoquandoelesseconheceram.–Pena.Issoteriadadoavocêumbelopretexto.–É.Pena.– Então é por isso que você se sente em dívida com o Greg? Porque

dormiucomanoivadele?–Emgrandeparte,sim.Masnãoésóisso.–Oqueéentão?– Sei que o que vou dizer vai soar piegas,mas sempre houve um laço

especialentrenós.–Umlaço?Myronvirouosolhosparasuaparedededicadaaocinema.WoodyAllen

e Diane Keaton estavam lá, em seu momentoNoivo neurótico, noivanervosa. Humphrey Bogart e Ingrid Bergman cercavam o piano de SamquandoaindaeramosdonosdeParis.– Greg e eu éramos velhos adversários. E sempre há um laço especial

entre os adversários. Como no caso de Magic Johnson e Larry Bird, porexemplo. Um de ine o outro, sabe? Era assim comigo e o Greg. Nada eradito,masnósdoistínhamosconsciênciadesselaço.Elesecalouderepente,eEsperanzaaguardouemsilêncio.–Quandomachuqueiojoelho–prosseguiuMyron–,Gregfoimevisitar

no hospital. Um dia depois da internação. Eu tinha tomado um sedativoqualquer, e, quando acordei, lá estava ele. ComoWin. Eu logo entendi. EWindeveterentendidotambém,senãoteriacorridocomoGregdelá.Esperanzaassentiu.–Alémdeteridomevisitar,Gregsempre icouporperto,meajudando

na reabilitação. É isso que estou chamando de “laço”. Ele icou arrasadoquando soube, pois, com a minha contusão, foi como se uma parte deletambém tivesse se contundido. Ele tentava me explicar por que sepreocupava também, mas não conseguia encontrar as palavras. Nemprecisava.Porqueeusabia.Elesimplesmentetinhaqueficardomeulado.–Evocêmachucouo joelhoquantotempodepoisdeterdormidocoma

noivadele?–Cercadeummês.–EquandovocêencontravaGregsesentiabemoumal?–Bememal.Esperanzanãodissenada.–Vocêentendeagora?–perguntouMyron.–Entendeporqueeutinha

que me envolver nessa história? Você provavelmente está certa,Esperanza.AchoquedormicomEmilysóporqueGregfoirecrutadoantes

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demim.Mais uma rivalidadezinha besta. Por outro lado... que espécie decasamento começa desse jeito? Tenho uma dívida com Greg Downing.Simplesassim.–Não–respondeuela.–Nãoétãosimplesassim.–Porquenão?–Porqueumaboapartedoseupassadoestávoltandoàtona.Primeiro,

Jessica...–Nãocomeça,Esperanza.–Nãoestoucomeçandonada–disseelacalmamente.Rarasvezesfalava

com calma quando o assunto era Jessica. – Só estou enunciando os fatos.Jessicadeixouvocêarrasadoquandofoiembora.Vocênuncaserecuperou.–Masagoraelaestádevolta.–Está.–Então,aondevocêquerchegar?–Obasquetetambémdeixouvocêarrasadoquandovocêtevequesair.

Evocêtambémnuncaserecuperou.–Claroquesim.Elafezquenãocomacabeça.–Primeiro,passoutrêsanostentandodetudoquantoéjeitoconsertaro

joelho.–Sóestavacuidandodaminhasaúde–interveioele.–Quemalhánisso?–Nenhum.Masvocêeraumchatodemarcamaior.Apontodeafastara

Jessica.Nãoestoudizendoqueperdoooqueelafez.Vocênãopediunadadaquilo.Masteveumagrandeparceladeresponsabilidade.–Porquevocêestádesenterrandotudoisso?– Não sou eu quem está desenterrando. Évocê. Seu passado inteiro.

Primeiro, Jessica, e agoraobasquete.Vocêquerque a gente ique vendovocêpassarportudodenovo,maseunãovoufazerisso.–Passarpeloquê?Esperanzanãorespondeu.Emvezdisso,perguntou:–Quersaberporquenãofuivervocêjogarontemànoite?Ele con irmou com a cabeça, ainda sem olhar para ela, sentindo as

bochechasqueimandonorosto.– Porque no caso da Jessica ainda há umachance de que você não se

estrepe de novo. Talvez a perua tenha se emendado. Mas no caso dobasquetesuachanceénula.Édesastrenacerta.–Eusegurootranco–disseele,maisumavezouvindoaquelasmesmas

palavras.Esperanzapermaneceumuda.

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Myronolhavaparaonada.Malouviuquandootelefonetocou.Nenhumdosdoisfezmençãodeatendê-lo.–Vocêachaquedevocairforadessahistória?–disseMyronafinal.–Acho.ConcordocomaEmily.FoielaquemtraiuoGreg.Vocêfoiapenas

abuchadocanhão.Esedealgummodoissoenvenenouocasamentodeles,Emilyéaúnica culpada.Adecisão foidela.VocênãodeveabsolutamentenadaaoGreg.–Mesmo que isso seja verdade – argumentouMyron –,meu laço com

Gregcontinuaomesmo.– Essa história de “laço” é uma grande bobagem. Coisa de macho

pedante. Você está apenas corroborando o que eu disse. Esse laço jámorreuhámuitotempo,seéqueumdiaexistiu.Fazmaisde10anosqueobasquetesaiudasuavida.VocêachaqueseuvínculocomGregcontinuaomesmosóporquevoltouajogar.Alguém bateu forte à porta. Os quadros na parede tremeram quase a

pontodecair.Assustado,Myronseempertigounacadeira.–Quemestápilotandoostelefones?–perguntou.Esperanzaapenassorriu.–Nãovádizerque...–Podeentrar–disseEsperanza.Aportaseabriu,eMyronrapidamentecolocouospésnochão.Embora

jáa tivessevisto inúmerasvezes,maisumavez icoudequeixocaído.BigCindy precisou baixar a cabeça para atravessar a porta, uma gigante dequasedoismetrosdealturae150quilos.Usavaumacamisetabrancacomasmangasrasgadasnaalturadascosturas.OsbícepseramdedarinvejaaHulkHoganeamaquiagem,maisespalhafatosadoquecostumavasernosringues. Os cabelos se erguiam em espetos de gel na cor roxa; a sombranaspálpebrastambémeraroxa,masdeumtommaisescuro,eobatomseresumiaaumagrandemanchavermelha.Cindypareciasaídadiretamentedeum ilmedeterror.AcoisamaisassustadoraqueMyronjáviraemtodaavida.–Olá,Cindy–cumprimentouele,hesitante.Cindydeuumgrunhido.Ergueuodedodomeio,deumeia-volta,saiuda

salaefechouaporta.–Quediabofoi...–Elamandouvocêatenderalinha1.–ÉaCindyqueestáatendendoostelefones?–É.–Maselanãofala.

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–Sópessoalmente.Éótimanotelefone.–MeuDeus...–Atendeessetelefonelogoeparadereclamar.Myron atendeu. Era Lisa, o contato deles na New York Bell. Amaioria

daspessoasachaquesóapolíciapodeconseguirregistrostelefônicos.Nãoéverdade.Quasetodososdetetivesparticularesnopaístêmalgumcontatonasuaoperadoralocal.Bastaterdinheiroparamolharasmãosdealguém.A cópia de uma conta telefônica, por exemplo, pode custar até 5 mildólares. Myron e Win haviam conhecido Lisa no tempo em quetrabalhavampara o FBI.Não a pagavam, pois Lisa não aceitava dinheiro,massemprequebravamalgumgalhoparaelaquandopodiam.–ConseguioqueWinpediu–disseela.–Diga.– A chamada recebida às 21h18 veio de um telefone público de um

restaurante próximo à esquina daDyckman comaBroadway – informouLisa.–Issonãoficalápelarua200?–Achoquesim.Queronúmero?Carla havia ligado para Greg de um restaurante na rua 200? A cada

minutoascoisasiamficandomaisestranhas.–Senãoforincômodo.Lisapassou-lheonúmeroedisse:–Esperoqueissoajudeemalgumacoisa.–Ajuda,sim,Lisa.Muitoobrigado.–Myronentregouonúmeroanotado

aEsperanza.–Olhasóoqueacaboudecairnasminhamãos–falou.–Umapistaconcreta.

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capítulo11

CONTRARIANDO TODAS AS EXPECTATIVAS , o Parkview Diner fazia jus ao nomeque tinha.Realmente tinhavistaparaumparque,aindaqueoLieutenantWilliamTighePark,dooutroladodarua,nãofosselámuitomaiorqueumquintal. Os arbustos eram tão altos que por pouco não encobriam porinteiro o paisagismo do jardim interno. Uma cerca de arame con inava olugar.Penduradasnela,emdiversospontos,viam-seplacassobreasquaisse lia em letras garrafais: NÃO DÊ COMIDA AOS RATOS. Sério. Mais abaixo, emletras menores, a advertência se repetia em espanhol. As placas haviamsido colocadas ali por um grupo que atendia pelo nome de Zona deQualidadedeVida.Myronmalacreditounosprópriosolhos.SómesmoemNovaYorkpoderiahaverumproblemasemelhante:pessoas incapazesdeconterolouvávelimpulsodealimentaraspragas.Ele atravessou a rua. Acima do restaurante, no portão da escada de

incêndio, um cachorro latia para os pedestres com a cabeça entre asgrades. Sobre o toldo verde da fachada, furado em diversos lugares,maldava para ler o nome do estabelecimento, quase inteiramente apagadopelo tempo. Além disso, as hastes de sustentação estavam de tal modoinclinadasqueMyronprecisousecurvarparachegaràporta.Najanelasevia o pôster de um sanduíche de carne de cordeiro e pão grego. Osespeciais do dia, informados por um quadro-negro pendurado à mesmajanela, incluíamberinjelaàparmegianae frangoà laking; a sopaeraumconsomê de carne. Diversas licenças municipais se espalhavam sobre ovidrodaporta.Ao entrar, Myron imediatamente se deparou com o cheirinho típico,

embora genérico, de um restaurante nova-iorquino. A gordura tambémcheirava forte: bastava uma respiração mais profunda para que umaartéria qualquer se entupisse. Uma garçonete com os cabelos quasebrancos de tão descoloridos veio oferecer uma mesa. Myron perguntouquemerao gerente. Comum lápis, amoça apontoupor sobreosombrosparaohomemquetrabalhavadooutroladodobalcão.–AqueleéoHector–disse.–Odono.Myronagradeceueseafastouparaocuparumdosbancosgiratóriosdo

balcão;cogitoudarumaboarodopiada,masachouporbemnãopassarumatestado público de imaturidade. Dois bancos à sua direita, um sujeito

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maltrapilho e de barba por fazer, talvez um morador de rua, ocumprimentou comum sorriso e um aceno da cabeça.Myron retribuiu osorriso,eohomemvoltouaoseucafé,debruçando-sesobreaxícaracomosetemesseserroubadoentreumgoleeoutro.Embora não estivesse nem um pouco interessado no conteúdo, Myron

abriu o cardápio de capa dura e ressecada. Diversos pratos eramanunciados nos cartões já puídos e amarelados que se amontoavam nointerior das folhas de plástico. Não estaria errado quem descrevesse oParkview como um lugar decadente,mas a impressão que o restaurantepassavanãoerabemessa.Haviaaliumclimaacolhedoreatémesmocertoar de limpeza. O balcão estava um brinco, assim como os talheres, obatedordemilk-shakeeamáquinaderefrigerantes.Amaioriadosclienteslia seu jornal ou papeava como se estivesse na cozinha de casa. Todoschamavam a garçonete pelo nome, embora Myron pudesse apostar quenenhuma delas havia se aproximado da mesa para recebê-los e seapresentarcomoa“atendentedodia”.Hector, o proprietário, trabalhava com a inco na grelha. Embora já

fossemquaseduasdatardeeopicodoalmoçojátivesseficadoparatrás,omovimentoaindaerarazoavelmentegrande.Semtirarosolhosdacomida,eleberroualgumasordensemespanhol, limpouasmãos comumpanoesóentãosevirouparaMyron.Sorrindodeummodocortês,perguntouemquepoderiaserútil,eMyronquissabersealihaviaumtelefonepúblico.– Não, senhor. Sinto muito – respondeu Hector. O sotaque hispânico

aindaestavalá,apesardesutil.–Masnaesquinatem.Àesquerda.MyronretiroudobolsoonúmeroqueLisahaviapassadoeoleuemvoz

alta.Hector faziaváriascoisasaomesmotempo:viravaoshambúrgueres,dobrava uma omelete, conferia as batatas fritas. Os olhos dançavam portoda parte: a caixa registradora, os clientes do balcão e das mesas, acozinhaàsuaesquerda.Aoouvironúmero,eledisse:–Ah,sim,esseaí.Ficaládentro.Nacozinha.–Nacozinha?–Sim,senhor.–Aindaeducado.–Umtelefonepúbliconacozinha?–Sim,senhor–Hectorerarelativamentebaixoeaparentavasermagro

soboaventalbrancoeas calçaspretasdepoliéster.Onariz jáhavia sidoquebradomaisdeumavez;osantebraçospareciamdoiscabosdeaço.–Éparaosmeusfuncionários.–Vocêsnãotêmumalinhacomercial?–Claroquetemos!–Arespostaagorafoiumpoucomaisexaltada,como

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se a pergunta o tivesse ofendido. – Nosso serviço de entrega é bemmovimentado.Muita gente pede almoço. Também temosum fax.Mas nãoqueroverfuncionáriomeupenduradonotelefone.Osenhorentende,nãoé? Se o cliente ligar e der ocupado, não vai pensar duas vezes antes deligarparaaconcorrência,certo?Porissocoloqueiumtelefonepúbliconosfundos.– Entendo. – Uma ideia ocorreu a Myron. – Quer dizer então que os

clientesnuncausamessetelefonedacozinha?– Bem, se alguém realmente precisar, eu não vou negar, certo? – A

polidez correta de um bom homem de negócios. – Aqui no Parkview oclientevemsempreemprimeirolugar.Sempre.–Ealguémjáprecisou?–Não,senhor.Achoqueosclientesnemsabemqueessetelefoneestálá.–Podemedizerentãoqueméqueestavausandoeleàs21h18doúltimo

sábado?Aperguntaopegoudesurpresa.–Perdão?Myronjáiarepetindooqueacabaradedizerquandofoiinterrompido:–Porqueosenhorquersaberumacoisadessas?– Meu nome é Bernie Worley – arriscou Myron. – Sou agente de

supervisão de produtos da AT&T. – Agente de supervisão de produtos? –Alguém está tentando nos passar a perna, e não estamos nemumpoucocontentes.–PassarapernanaAT&T?–ComumY511.–Umoquê?– Um Y511 – repetiu Myron. Perdido por um, perdido por mil, ele

pensou. – Trata-se de um dispositivo eletrônico de monitoramento,fabricadoemHongKong.Énovonomercado,mas já estamos fechandoonosso cerco. É vendido nas ruas. Alguém usou um dispositivo desses noseu estabelecimento. Às 21h18 desse último sábado. Ligou para KualaLumpurefalouporquase12minutos.Ocustototaldeumaligaçãodessasé de 23,82 dólares, mas a multa por usar o Y511 é de pelo menos 700dólares, com a possibilidade de um ano de prisão. Além disso, vamos terqueconfiscarotelefone.OrostodeHectorsedesmanchounumaexpressãodepuropânico.–Oquê?Myron não se sentia lá muito orgulhoso do que estava fazendo,

assustando um imigrante honesto e trabalhador como Hector, mas sabia

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que o medo do governo e das grandes corporações funcionaria bemnaquela situação. Hector se virou e berrou algo em espanhol para umadolescenteparecidocomele.Ogarotoassumiuagrelha.–Nãoestouentendendonada,Sr.Worley.–Seutelefoneépúblico,eosenhoracaboudeconfessaraumagentede

supervisão de produtos que possui um telefone público para usoparticular, isto é, para uso exclusivo dos seus funcionários, e não dopúblico em geral. Isto é uma violação das nossas normas. Artigo 124B.Noutrascircunstânciaseudeixariapassar,masdepoisqueosenhorusouumY511...–MaseunãouseiumY511!–Dissoaindanãosabemos,senhor.–Myronseesmeravaaomáximono

papel de burocrata. Nadamelhor para fazer alguém se sentir impotente.Não há buraco mais negro que o olhar parado de um burocrata. – Otelefone está no seu estabelecimento – prosseguiu ele, cantarolando aspalavrasnumtomdeenfado.–Osenhoracaboudedizerqueeleéusadoapenasporseusfuncionários...– Exatamente! – protestouHector. – Pelosmeus funcionários! Não por

mim!–Mas o senhor é o dono do estabelecimento. É responsável por ele. –

Myron olhou ao redor com sua melhor expressão de tédio, algo queaprenderaobservandoas ilasnoDepartamentodeTrânsitoda cidade. –Creio que também será preciso examinar os documentos de cadafuncionário.Talvezassimpossamosencontraroinfrator.Hectorarregalouosolhos,eMyron logopercebeuquehaviacolocadoo

dedonumaferida.NãohaviaumúnicorestauranteemManhattanquenãoempregassepelomenosumimigranteilegal.Aindapasmo,Hectordisse:–Tudoissosóporquealguémusouumtelefonepúblico?– O que alguém fez foi usar um dispositivo eletrônico ilegal conhecido

comoY511.Eoqueosenhorestáfazendoéobstruiruma investigaçãodesumaimportânciadeumagentedesupervisãodeprodutosdaAT&T.– Eu? Obstruindo sua investigação? – Hector não havia deixado de

perceber a tábua de salvação que Myron acabara de oferecer. – Não,senhor,eunão.Querocolaborar.Queromuitocolaborar.–Nãocreio.AessaalturaaeducaçãodeHectorjábeiravaabajulação.–Não,senhor–reiterou.–Quantoa issoosenhorpode icar tranquilo.

Quero muito cooperar com a companhia telefônica. É só o senhor dizercomo.Porfavor.

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Myron suspiroue esperoualguns segundos.O salão fervilhava.A caixaregistradoratilintouenquantoosujeitoquepareciaumsem-tetoseparavasuasmoedas imundas namão encardida. A grelha crepitava; os diversosaromasbrigavamentresisemquenenhumdeleslevasseamelhor.Hectorpareciacadavezmaisaflito.Bastadesofrimento,pensouMyron.–Paracomeçar,osenhorpodemedizerquemestavausandootelefone

públicoàs21h18doúltimosábado.Hector ergueu amão numa súplica de paciência. Em espanhol, berrou

algo para a mulher (a patroa?) que operava a caixa registradora. Elaberroualgodevolta, fechouagavetada caixaeveioandandonadireçãodeles. Nesse meio-tempo, Myron notou que Hector agora o itava de umjeito estranho, talvez já começando a suspeitar de todo o engodo. Por viadasdúvidas, encarou-o com irmeza, eHector rapidamente capitulou.Pormais descon iado que estivesse, jamais correria o risco de ofender oburocratatodo-poderosoaoquestionarsuaautoridade.Hector sussurrou algo para a mulher, e ela, a lita, sussurrou algo de

volta.–Aaaah,claro!–disse-lheHector,edepoisparaMyron:–Sópodiaser.–Oquê?–FoiaSally.–Quem?–Achoquetenhasido.Minhamulherviuelausandootelefonemaisou

menosnessehorário.Masfalouquefoisóporumoudoisminutos.–EssaSallytemumsobrenome?–Guerro.–Elaestáaquiagora?Hectorbalançouacabeça.–Nãovoltoudesdeanoitedesábado.Porissoachoquesópodetersido

ela.Fezsuatrapalhadaedepoissumiu.–Nãoligouavisandoqueestavadoenteoualgoassim?–Não,senhor.Simplesmentesumiu.–Osenhortemoendereçodela?–perguntouMyron.– Acho que sim, vou dar uma olhada. – Hector buscou uma caixa de

papelãoemcujaslateraisselia“Snapple,CháGeladoSaborPêssego”.Atrásdele, a grelha crepitou quando a massa fresca de uma panqueca foidespejadasobreometalquente.Aspastasdentrodacaixaseencontravambem-organizadas e marcadas com diferentes cores. Hector puxou umadelas e abriu. Vasculhou os papéis, encontrou o que queria e franziu atesta.

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–Quefoi?–perguntouMyron.–Sallynãochegouadeixarumendereço.–Nemumnúmerodetelefone?–Não.–Hectorergueuosolhos, lembrando-sedealgo.–Falouquenão

tinhatelefone.Porissousavatantoodacozinha.–ComoéessaSally isicamente,o senhorpoderiamedizer?–arriscou

Myron.Hector subitamente icou sem jeito. Olhou de relance para a mulher,

pigarreouedisse:–Bem,ela tinha... cabeloscastanhos...1,65m...ou talvez1,70m.Estatura

mediana,euacho.–Maisalgumacoisa?–Olhoscastanhos,senãomeengano.Eésó.–Quantosanososenhordiriaqueelatem?Hectornovamenteconsultouapasta.–Peloqueestáaqui,45.Achoqueéissomesmo.–Porquantotempoelatrabalhouparaosenhor?–Doismeses.Myronmeneouacabeça,esfregandooqueixocomvigor.– Ao que tudo indica, só pode ser uma contraventora que atende pelo

nomedeCarla.–Carla?–Famosapelosgolpesquejádeunatelefônica.Faztempoqueestamos

tentandobotarasmãosnela.–Myronolhouparaaesquerda,depoisparaadireita, fazendode tudopara conquistara cumplicidadedohispânico. –Poracasoosenhorchegouaouvi-lausandoonomedeCarla?Oualguémachamandoporessenome?Hectorolhouparaamulher,quebalançouacabeçanegativamente.–Não,nunca.–Elacostumavarecebervisitasaqui?Algumamigo,porexemplo?Novamente Hector consultou a mulher, que mais uma vez balançou a

cabeça.–Ninguémqueagentetenhavisto.Sallyerameioarredia.Myrondecidiudarumpassoadianteecon irmaroquejásabia.Naquela

alturadosacontecimentos,quemalhaveriaseHectorresolvesseempacar?Quem não arrisca não petisca. Ele se inclinou para a frente; Hector e amulherfizeramomesmo.– Isso pode soar um tanto grosseiro – sussurrou Myron –, mas essa

mulherporacasotemosseiosfartos?

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Ambosassentiramimediatamente.Suspeitaconfirmada.Myron ainda fez algumasperguntas,mas todas as informações úteis já

haviam sido pescadas ali. Antes de sair, disse ao casal que eles estavamlivres para continuar violando sem medo o artigo 124B do códigonormativo daAT&T.Hector só faltou beijar-lhe amão, eMyron se sentiuum rato.O que foi que você fez hoje, Batman? Bem, Robin, comeceiaterrorizando um imigrante honesto e trabalhador com um monte dementiras.SantaEsperteza,Batman,vocêéocara!Myronbalançouacabeça.O que ele poderia fazer a título de bis? Jogar latinhas de cerveja nocachorroquelatianaescadadeincêndio?Saindoà rua,Myroncogitouvisitaroparqueem frenteao restaurante,

mas...eseele fosseacometidodeumaincontrolávelvontadedealimentarosratos?Não,arriscadodemais.Melhorseriapassar longedaquele lugar.Ele já ia caminhando para a estação de metrô mais próxima quandoalguémointerpelou:–VocêestáprocurandopelaSally?Ao virar o rosto, Myron se deparou com o homem maltrapilho e mal

barbeadodobalcão,sentadonacalçadacomascostasapoiadasnaparededeumprédio.Ele seguravaumcopinhodeplásticovazio.Eramesmoumpedinte.–Vocêaconhece?–perguntouMyron.–Ela e eu... – ele piscou e cruzouosdedos. –A gente se conheceupor

causadomalditotelefone,sabe?–Sei.Apoiando-se na parede, o homem icou de pé. Os pelos no rosto, já

grisalhos, não eram fartos o su iciente para serem chamados de barba,masdesdemuito jáhaviamultrapassadooponto“MiamiVice”.Oscabeloslongoserampretosfeitocarvão.–Sallyficavausandomeutelefoneotempotodo.Euficavaputo.–Seutelefone?–Otelefonepúblicodacozinha–disseele,umedecendooslábios.–Bem

ao lado da porta dos fundos. Passomuito tempo naquele beco, sabe? Demodo que posso ouvir quando ele toca. É como se fosse meu telefonecomercial.Myronnão sabia calcular a idadedohomem.Ele tinhaum rosto jovem

porémenrugadopelopassardosanosoupeladurezadavida,di ícildizer.O sorriso carecia de alguns dentes, lembrando Myron aquele adorávelclássicodamúsicanatalina:“AllIwantforchristmasismytwofrontteeth”,

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sóoquequeronesteNatal sãoosmeusdentesda frente.Umacançonetarealmentesimpática.Nadadebrinquedos,nadadegames.Ogarotoqueriaapenasseusdentes.Umaliçãodedesapego.–Eutinhameuprópriocelular–prosseguiuohomem.–Aliás,tinhadois.

Mas foram roubados. De qualquer modo, essas porcarias sempre nosdeixamnamão,sobretudoquandoháprédiosmuitoaltosporperto.Alémdisso, qualquer umpodebisbilhotar as ligações, basta ter o equipamentocerto. Con idencialidade é essencial nomeu ramo, sabe?Os espiões estãopor toda parte. E como se não bastasse, telefones celulares causamtumores no cérebro. Por conta dos elétrons ou qualquer coisa assim.Tumoresdotamanhodebolasdefutebol.Myronouviaatudocomcaradepaisagem.– Ahã. – Foi só o que ele balbuciou. Perto daquilo, sua fábula no

restaurantenemeratãoesdrúxulaassim.–Poisbem.Sallypassouausarotelefonedacozinhatambém,eissome

tiravadosério.A inaldecontas,tenhomeusnegóciosparatocar.Ligaçõesimportantes para atender. A linha não pode icar ocupada o tempo todo,estoucertoouerrado?–Certíssimo–disseMyron.– O senhor não sabe, mas sou roteirista de cinema. Trabalho pra

Hollywood.–EleestendeuamãoparaMyron.–NormanLowenstein.PorsorteMyronselembroudonomeinventadoparaHector.–BernieWorley.–Muitoprazer,Bernie.–VocêsabeondeSallyGuerromora?–Claro.Nóséramos...–Normancruzouosdedos.–Foioqueouvi.Podemedizerondeelamora?NormanLowensteincrispouoslábioseusouoindicadorparacoçarum

pontopróximoaopescoço.–Nãosoumuitobomcomendereços,maspossolevá-loatélá.Myron icou se perguntando se aquilo não seria uma grande perda de

tempo.Masenfimdisse:–Osenhormefariaessefavor?–Claro,nenhumproblema.Vamoslá.–Paraqueladofica?–LinhaAdometrô–indicouNorman.–Naalturadarua125.Elesforamandandorumoàestação.–Costumairaocinema,Bernie?–perguntouNorman.–Comotodomundo,euacho.

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–Poisvoulhedizerumacoisasobreomundodocinema–começouele,cadavezmaisanimado.–Nãoésó festaeglamour.Éumabrigade foice,essahistóriadefabricarsonhosparaaspessoas.Maisdoqueemqualqueroutronegócio.Muitagenteapunhalandoosoutrospelascostas,odinheirocorrendo solto, a famae a atençãoque sóo cinemapropicia...Aspessoascomeçam a perder a cabeça, sabe?Atualmente estou comum roteiro emproduçãonaParamount.EstãoconversandocomoWillisarespeito.BruceWillis.Parecequeestámuitointeressado.–Boasorte,então–desejouMyron.Normanficouradiante.–Puxa,obrigado,Bernie.Émuitagentilezasua.Sério.Euatégostariade

lhe contar o enredo desse meu ilme, mas... Bem, minhas mãos estãoatadas. Você sabe como são as coisas em Hollywood, não sabe? Volta emeiaalguémroubaaideiadooutro.Oestúdiofazquestãodomaisabsolutosigilo.–Euentendo–disseMyron.– Con io em você, Bernie. O problema não é esse. Mas o pessoal do

estúdioinsiste.Elestêmqueprotegerointeressedeles,certo?–Certo.– É um ilme de ação e aventura, pelomenos isso eu posso dizer.Mas

comumpoucoderomance também,sabe?Nãoésópancadaria.HarrisonFordqueriafazer,masestávelhodemais.AchoqueoWillisestánopontocerto.Nãoéminhaprimeiraescolha,masfazeroquê?–Ahã.A rua 125 não era lá o melhor destino da cidade. Embora fosse

relativamente segura durante o dia, ou assim supusesse Myron, era umalívioqueeleagoraestivessecarregandoumaarma.Myronnãogostavadeandararmado,eraramenteofazia.Nãoporcontadealgummelindre,massobretudo por uma questão de conforto. O coldre de ombro pinicava naaxila, e ele sentia uma terrível coceira, como se estivesse usando umacamisa de tweed. Mas depois de seu encontro na véspera com a duplaCamu lado e Muro, seria uma grande imprudência andar por aídesprotegido.–Paraquelado?–perguntoueleaosairdometrô.–Paralá.Rumoaocentro.ElesforamdescendoaBroadway.Normanaindades iavasuashistórias

sobre Hollywood, os bastidores e os meandros, enquanto Myroncaminhava mudo, apenas balançando a cabeça. Quanto mais desciam aavenida, melhor ia icando a região. A certa altura eles passaram pelos

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conhecidos portões de ferro da Columbia University e dobraram àesquerda.– Fica logo ali – informou Norman. – Mais ou menos no meio do

quarteirão.Prédios baixos en ileirados ladeavam a rua, quase todos ocupados por

professoresealunosdepós-graduação.Estranho,pensouMyron,queumagarçonete de restaurante morasse naquela área. Mas, pensando melhor,nadaquediziarespeitoàmoçafaziasentidoalgum.Quediferençafariaseelamorassealiou,digamos,comBruceWillisemHollywood?NormaninterrompeuospensamentosdeMyron.–Vocêestátentandoajudá-la,nãoestá?–Oquê?Normanparounacalçada.Agorapareciabemmenoseufórico.–Aquelahistóriatoda,devocêtrabalharparaacompanhiadetelefone.

Aquiloeraumagrandecascata,nãoera?Myronnãodissenada.– Olha – prosseguiu Norman, pousando a mão sobre o antebraço de

Myron –, Hector é um homem bom. Chegou neste país com umamão nafrente e outra atrás. Dá um duro danado naquele restaurante. Ele, amulher,o ilho...todosantodiaelestrabalhamalifeitoescravos.Semfolga.EnãohádiaemqueHectornãotemaquealguémapareçaderepenteparatirartudodele.Tantapreocupação,vocêsabe...acabacegandoumpoucoapessoa.Quantoamim,nãotenhonadaaperder,portantonãotenhomedode nada. Fica mais fácil enxergar certas coisas. Entende o que estoudizendo?Myronconfirmoucomacabeça.OsolhosdeNormanpareciamperderobrilho semprequea realidade

se impunha sobre a fantasia. Myron olhou para ele, de verdade, pelaprimeira vez. Não viu idade, não viu altura, nem sequer notou que aliestavaumservivo.Percebeuapenasque,dooutroladodasmentirasedoautoenganoestavamossonhosdeumhomem,asesperanças,osdesejoseasnecessidadesquesãoodenominadorcomumdetodaahumanidade.– Estou preocupado com a Sally – prosseguiu Norman. – Talvez isso

esteja atrapalhando meu juízo. Mas ela não sumiria desse jeito, de umahoraparaoutra,semaomenossedespedirdemim.Sallynãofaria isso.–Ele se calou um instante e ergueu os olhos paraMyron. – Você não é dacompanhiadetelefone,é?–Não,nãosou.–QuerajudaraSally,nãoquer?

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–Sim–respondeuMyron.–QueroajudaraSally.Normanporfimapontouparaumdosprédiosedisse:–Éali.Apartamento2E.Myron subiuosdegrausque conduziamà entradadoprédio enquanto

Norman esperava na calçada. Apertou a campainha do apartamento 2E,mas ninguém respondeu. Não se surpreendeu. Tentou abrir a porta dohall, mas estava trancada. Apenas os moradores podiam abri-la com ointerfone.– É melhor você icar aí – disse ele a Norman, que assentiu sem

protestar.As taisportasoperadaspor interfone tinhamporobjetivonãosóevitar

os assaltos, mas sobretudo impedir que os mendigos entrassem emontassemacampamentonohall.OplanodeMyroneraesperar.Cedooutarde algummorador passaria por aquela porta. E, quando o izesse, eletentaria entrar como se tambémmorasse ali.Ninguémsuspeitariadeumhomemdecalçascáquiecamisademarca.Noentanto,seNormanficasseaseulado,areaçãoseriabemoutra.Myron desceu dois degraus. Ao ver duas moças se aproximando da

porta pelo lado de dentro, começou a vasculhar os bolsos como seprocurasseporchaves.Depoissubiuosdegrauscompassos irmes,sorriue esperou que elas abrissem a porta. As moças, decerto universitárias,saíram à rua sem ao menos olhar para ele ou interromper a conversa.Ambas falavamsemparar,nenhumaouvia.Nemsequerperceberamquehavia alguém ali além delas. Um espantoso exercício de autocontrole,pensou Myron. Por outro lado, daquele ângulo elas não podiam ver otraseirodele,eoexercíciodeautocontrole,alémdeespantoso,nãodeixavadesertambémumtantocompreensível.EleolhoudevoltaparaNorman,que,porsorte,abanouamãoedisse:–Vávocê.Nãoquerocausarnenhumproblema.Myrondeixouqueaportasefechasse.O corredor era mais ou menos aquilo que ele já esperava. Paredes

brancas.Nenhumfriso,nenhumaestampa.Nadapendurado,anãoserumenorme quadro de aviso que mais parecia um manifesto políticoesquizofrênico.Dezenasdepanfletosanunciavamdetudoumpouco,desdeuma festa promovida pela Sociedade Indígeno-Americana de Gays eLésbicas até o sarau de poesia de um grupo chamado Rush LimbaughReview.Ah,avidauniversitária.Ele subiu as escadas, iluminadas apenas por duas lâmpadas nuas. Já

começavaa sentir o joelhodepoisde tanto andar, subir edescer.A junta

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parecia emperrar como uma dobradiça enferrujada. Percebendo quearrastavaaperna,Myrondecidiu se apoiarno corrimão, já imaginandooqueseriadeseujoelhoquandoviessemaidadeeaartrite.Aarquiteturadoprédionãoeranada simétrica.Asportaspareciamse

distribuir demodo aleatório nos corredores. Na ponta de um deles, bemdistantedasdemais,Myronen imencontrouadoapartamento2E.Teveaimpressão de que se tratava de uma espécie de “puxadinho”, como sealguém tivesse aproveitado a disponibilidade de espaço para acrescentarmais um ou dois quartos. Ele bateu à porta. Como previsto, nenhumaresposta. Ninguém à vista no corredor. Por sorte Norman também nãoestavaali:Myronnãoqueriaqueninguémovisseinvadindooimóvel.Ele não era lámuito bomno arrombamentode fechaduras. Aprendera

alguma coisa ao longo dos anos, mas arrombar fechaduras era mais oumenos como os videogames. Adquirimos um pouco de prática e dali apouco já estamos mudando de nível. Myron, no entanto, não haviapraticado.Nãogostavadacoisa.Naverdade,nãotinhamuitotalento.Quasesempre delegava para Win tudo que envolvesse algum raciocíniomecânico,assimcomoBarneycostumavafazeremMissãoimpossível.Ele examinou a porta e perdeu o ânimo ao ver três fechaduras dead-

bolt, emquea trancamóveléembutida,distribuídasem intervalos iguaisno espaço entre a maçaneta e a padieira. Um exagero, mesmo para ospadrões deNova York. Eram coisa ina, topo de linha – e aparentementenovas,ajulgarpelobrilhoepelaausênciadearranhões.Estranho.Seriaatal Sally, ou Carla, do tipo obcecado por segurança? Ou haveria outromotivomaisbizarroparaoexcessodezelo?Boapergunta.MyronavaliounovamenteasfechaduraseselembroudeWin,queadorariaodesa io.Elemesmo, no entanto, sabia que qualquer tentativa de sua parte seria emvão.Myron já cogitava chutar a porta quando notou algo. Aproximou-se e

espiou através da fresta.Novamente notou algo estranho.As trancas nãoestavamacionadas.Porque comprar fechaduras tão caras enãousá-las?Ele tentou a maçaneta. Estava trancada, mas a fechadura principal seriafácildeabrircomatiradeceluloide.Ele a tirou da carteira. Não se lembrava da última vez que a usara.

Talvez nunca, pois a tira parecia intacta. Embora se tratasse de umafechaduravelha,Myronlevouquasecincominutosparadestravá-la.Girouamaçanetaelentamentefoiempurrandoaporta.Bastouumapequenafrestaparaqueocheirootomassedeassalto.A pestilência irrompeu corredor afora como um jato de gás

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pressurizado. Myron sentiu o estômago dar cambalhotas no abdômen;engasgou um pouco, sentiu um peso no peito. Conhecia aquele cheiro.A lito, vasculhou os bolsos em busca de um lenço, mas não encontrounenhum.EntãodobrouobraçosobreonariznumaimitaçãodeBelaLugosiemDrácula.Nãoqueriaentrar.Nãoerabomnessetipodecoisa.Sabiaque,o que quer que estivesse do outro lado daquela porta, a imagem icariagravadaemsuacabeçapormuitotempo,assombrando-oduranteanoite,etalvez durante o dia também.Uma imagemque permaneceria a seu ladocomo um bom amigo, cutucando-o no ombro sempre que ele acreditasseestarsozinhoeempaz.Myronen imescancarouaporta,eaproteçãodobraço logoserevelou

inútil. Cogitou respirarpelaboca,mas, aopensarnaqualidadedo arqueestariasorvendo,mudoudeideia.Porsortenãoprecisouirlongeparaencontraraorigemdetantofedor.

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capítulo12

–OPA!PERFUMENOVO,Bolitar?–Muitoengraçado,Dimonte.Roland Dimonte, investigador de homicídios da polícia de Nova York,

balançouacabeça,dizendo:–Puxa,quefutum...Não estavauniformizado,masnempor issopassaria despercebidonas

ruas.Usavaumacamisadesedaverdeecalçasjeansescuraseapertadasdemais. As bainhas se escondiam sob o cano alto das botas de pele decobra roxas,mas de um roxo que iamudando de tonalidade conforme opontodevista,algocomoumpôsterpsicodélicode JimiHendrixdosanos1960.Dimontemascavaumpalitode fósforo,hábitoquehavia adquirido,supunhaMyron,aoseveremalgumespelhoeacharqueaquilo lhedavaumardedurão.–Vocêtocouemalgumacoisa?–perguntouele.–Apenasnamaçaneta–disseMyron,quetambémjáhaviavasculhadoo

restodoapartamentoàprocurademaisalgumabizarrice.Nãoencontraranada.–Comofoiqueentrou?–Aportaestavadestrancada.–Émesmo?–Dimonteergueuumadassobrancelhasevirouorostona

direçãodaporta.–Estaaísetrancaautomaticamentequandofecha.–Eufalei“destrancada”?Queriadizer“entreaberta”.– Claro que sim. – Dimonte demorou alguns segundos mascando seu

palito, sacudindo a cabeça. A certa altura correu os dedos pelos cabelosensebados, mas os cachos mais renitentes permaneceram grudados àtesta.–Afinal,queméela?–Nãosei–disseMyron.Dimontecrispouorostonumahiperbólicacaretadeceticismo.Asutileza

daexpressãocorporalnãoerabemoseuforte.–Aindaécedodemaisparameirritar,vocênãoacha?–Não sei onomedela.Talvez seja SallyGuerro.Mas tambémpode ser

Carla.– Sei. – Palitomascado. – Acho que vi você na televisão ontem à noite.

Algosobrevoltarajogarbasquete.

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–Éverdade.O legista chegou. Um sujeito alto e magro, com óculos de armação de

metalqueficavamgrandesdemaisnafacealongada.– Já faz algum tempo que elamorreu – anunciou. – Nomínimo quatro

dias.–Morreudoquê?–Di ícildizercomcerteza.Foigolpeadacomalgumobjetopesado.Mais

que isso, só quando for examinada namesa. – Ele olhou para o cadávercom um desinteresse pro issional, depois virou o rosto para Dimonte. –Masnãosãoverdadeiros,issoeupossoafirmar.–Oquê?Eleapontouvagamenteparaotroncodamorta.–Ospeitos.Sãoimplantes.–SantoDeus–exclamouDimonte.–Vocêagoradeupara isso?Bolinar

cadáveres?Afacealongadamurchoueoqueixodesabouatémaisoumenosaaltura

doumbigo.–Nembrinquecomumacoisadessas–disseolegista,sussurrandocom

dramaticidade. –Você tem ideia das consequências que umboato dessespodetrazeraalguémnaminhaprofissão?–Umapromoção?–disseDimonte.O legista não riu. Lançou um olhar de mágoa para Myron, depois se

voltouparaoinvestigador.–Ficafrio,Peretti,foisóumabrincadeira.– Brincadeira? E por acasominha carreira é alguma piada? Que diabo

deuemvocê,Dimonte?Dimonteespremeuosolhosedisse:–Quemnãodevenãoteme,Peretti.– É só você se colocar no meu lugar – disse ele, imediatamente

recobrandoacompostura.–Tudobem.Sevocêestádizendo...–Comoassim,“seeuestoudizendo”?–Adamaprotestamuito.–Oquê?–Shakespeare,meucaro–explicouDimonte.–EstánoMacbeth.EleolhouparaMyron,quesorriuedisse:–NoHamlet.–Tanto fazondeessaporraestá!–protestouPeretti. –Areputaçãode

umhomemnãodeveseralvodebrincadeira.Nãoachoquetenhaamenor

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graça.– Estou cagando para o que você acha ou deixa de achar – disse

Dimonte.–Eentão,encontroumaisalgumacoisa?–Elaestádeperuca.– De peruca? Poxa, Peretti, valeu. Porque o caso agora está quase

resolvido. É só a gente achar um assassino que detesta perucas e peitosfalsos.Grandeajuda!Equetipodecalcinhaelaestáusando?Jácheirou?–Eusóestava...–Mefaçaumgrandefavor,Peretti.–Dimonteespichouotroncoepuxou

ascalçasparacima,sinalizandoaprópria importância.Denovoasutileza.– Primeiro diz quando ela morreu e depois falamos dos acessórios demoda,podeser?Peretti ergueu os braços num gesto de rendição e retornou ao corpo.

DimontesevirouparaMyron,quedisse:– As próteses e a peruca podem ser importantes. Ele fez bem em

informar.–É,eusei.Masgostodepisarnoscalosdele.–Eacitaçãocorretaé:Adamafazprotestosdemasiados.–Ahã.–Dimontetrocoudepalito;oprimeiro jásedesmanchavadetão

mastigado.–Então,vaidizerlogooqueestáacontecendoouseráquevouterquearrastarvocêparaadelegacia?–Mearrastarparaadelegacia?–disseMyroncomumacareta.–Paciênciatemlimite,Bolitar.A custa de certo esforço, Myron virou o rosto para o cadáver e

novamente sentiu as cambalhotas do estômago. Já começava a seacostumarcomocheiroodioso,tãorepugnanteempensamentoquantonarealidade. Peretti já havia retomado seu trabalho e agora fazia umapequena incisão para alcançar o ígado.Myrondesviou o olhar. A equipeforensedo John JayCollege tambémrealizava seu trabalho, tirando fotos,coisas assim.O parceiro deDimonte, um rapaz chamadoKrinsky, andavamudodeladoaoutroenquantofaziasuasanotações.–Porquetãograndes?–perguntou-seMyronemvozalta.–Oquê?– Os peitos. Até entendo que uma mulher queira aumentar os peitos.

Pressõesdasociedade,coisaetal.Masporquetãograndes?–Vocêestázoandocomigo,nãoestá?Krinskyseaproximou.–Todasascoisasdelaestãoali–disseele,eapontouparaduasmalasno

chão.Myronjáotinhavistoumadezenadevezes.Falarnãoeraofortedo

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rapaz, que parecia abrir a boca tão frequentemente quanto ele, Myron,arrombavafechaduras.–Suponhoqueestivessedemudança.–Algumdocumentodeidentidade?–perguntouDimonte.– Na carteira está escrito Sally Guerro – respondeu Krinsky, quase

sussurrando.–Enumdospassaportestambém.Tanto Myron quanto o investigador icaram esperando que ele

elaborasse de alguma forma, mas, vendo que a elaboração não viria,Dimonterugiu:–Comoassim,“numdospassaportes”?Quantoselatêm?–Três.–SantoDeus,Krinsky,soltaessalíngua!–UmdelesemnomedeSallyGuerro.OutroemnomedeRobertaSmith.

EumterceiroemnomedeCarlaWhitney.–Vábuscá-los.DimonteexaminavaospassaportesenquantoMyronosespiavaporcima

do ombro do investigador. Amesmamulher igurava nas três fotos,mascom diferentes penteados (daí a peruca) e diferentes números deidentidade. A julgar pela quantidade de carimbos, era uma viajantecontumaz.Dimonteassobiouedisse:– Passaportes falsos. De ótima qualidade. – Ele virou mais páginas. –

Veja só isto aqui. Viagens para a América do Sul. Colômbia. Bolívia. – E,fechandoosdocumentos comestrépito, concluiu: –Trá icodedrogas.Éoquetudoindica.Myronre letiuporalguns segundos.Trá icodedrogas. Seria issoparte

da resposta? A hipótese de que Sally/Carla/Roberta fosse mesmo umatra icantetalvezexplicassealigaçãodelacomGregDowning.Fornecedoraeusuário.Nessecaso,erabempossívelqueoencontronanoitedesábadonão passasse disso, de uma entrega, e que o emprego de garçonete seresumisse a um disfarce. Também estariam explicados o excesso detrancasnaportaeas ligações feitaspelotelefonepúblico: ferramentasdoramo. Fazia sentido. Greg Downing não parecia usar drogas, claro, mastambémnãoseriaoprimeiroaenganartodomundo.–Maisalgumacoisa,Krinsky?–perguntouDimonte.Orapazconfirmoucomacabeça.–Encontreiummaçodedinheironagavetadamesinhadecabeceira–

disse,emaisumavezempacou.–Quanto?–perguntouDimonte,exasperado.–Vocênãocontou?–Dezmildólareseunsquebrados.

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–Dezmilemdinheirovivo...–Oinvestigadorpareciasatisfeito.–Vamosdarumaolhadanisso.Krinsky buscou o dinheiro. Cédulas novas, presas por elásticos.Myron

icouobservandoenquantoDimonteasexaminava.Notasde100dólares,todas elas. Vendo que os números de série eram sequenciais, Myrontentoumemorizar um deles. Terminado o exame, Dimonte arremessou omaçodevoltaparaKrinsky,aindacomumsorrisoentreoslábios.– É... Parece mesmo que as coisas estão se encaixando. Mais uma

traficantequefoiapique.–Elerefletiuuminstante.–Sótemumproblema.–Oquê?–Você, Bolitar. Só você não se encaixa nessa história toda. Que diabo

você veio fazer... – Dimonte se calou de repente e estalou os dedos. –Caralho...–exclamou,meioqueparasimesmo.Emseguidadeuumtapinhanoprópriorosto,fazendocomqueosolhosfaiscassem.–MeuDeus...Maisumaauladesutileza.–Apostoquevocêtevealgumailuminação–disseMyron.Dimonteoignorou.–Peretti!–chamou.Olegista,aindajuntodamorta,levantouosolhosparaele.–Quefoi?–Essespeitosdeplástico.Myronnotouqueelessãograndesdemais.–Sim,edaí?–Grandequanto?–Comoassim?Vocêqueronúmerodosutiã?–Quero.–Eporacaso tenhocarade fabricantede lingerie?Comoéqueeuvou

saberumacoisadessas?–Maselessãomesmograndes,nãosão?–São.–Muitograndes.–Vocêtemolhosparaenxergar,nãotem?Myronacompanhavaaconversaemsilêncio,tentandoentenderalógica

doinvestigador.Oquenãoeralámuitofácil.– Você diria que eles sãomaiores que um balão de gás? – prosseguiu

Dimonte.Perettideudeombros.–Dependedobalão.–Vocênuncabrincoudeencherbalõescomáguaquandoeracriança?– Claro que sim – respondeu o legista. – Mas não lembro o tamanho

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deles. Era criança. Tudo parece maior quando a gente é criança. Algunsanosatrásfuiatéaescolaonde izoprimário.Visitarminhaprofessoradoterceiroano.Elaainda trabalha lá,vocêacredita?ASra.Tansmore.Poisoprédio da escola parecia uma casinha de boneca, juro por Deus. Eraenormequandoeuestudavalá.Tãograndequanto...–Tudobem,imbecil.Voutraduzirparavocê.–Dimonterespiroufundo.

–Essespeitossãograndesobastantepraesconderdrogasdentro?Silêncio. Todos ao redor icaram imóveis. Myron não sabia ao certo se

ouviraacoisamaisidiotadomundoouamaisbrilhante.ElesevirouparaPeretti,queergueuacabeça,boquiaberto.–Eentão,Peretti,épossível?–Épossíveloquê?–Queelaescamoteassedrogasdentrodospeitos?Quepassassebatida

porumaalfândega,porexemplo?Peretti olhou para Myron, que deu de ombros, e então se virou para

Dimonte.–Eunãosei–faloulentamente.–Comopodemosdescobrir?–Euteriaqueexaminá-los.–Eoquevocêestáfazendoaíparado,olhandopramim?Anda,examina

logoessespeitos.Peretti obedeceu, e fazendo dançar as sobrancelhas, orgulhoso de sua

brilhantededução,DimonteolhouparaMyron,quepermaneceumudo.–Impossível–sentenciouPeretti.Dimontenãogostoudoqueouviu.–Impossívelporquê,diabos?– Quase não há cicatrizes – disse o legista. – Se ela estivesse

contrabandeando drogas nas próteses, a pele teria sido cortada ecosturadadenovo.Tantodeumladoquantodooutro.Masnãohánenhumindíciodequeissotenhasidofeito.–Temcerteza?–Absoluta.– Merda – disse Dimonte. E, com um olhar fulminante, puxou Myron

paraumcantodasala.–Queroahistóriatoda,Bolitar.Já.Myron já vinha pensando no que dizer quando as coisas chegassem a

esseponto,masnãoviaoutra escolha senão contar a verdade.NãohaviacomoesconderpormaistempoosumiçodeGregDowning.Namelhordashipóteses ele poderia evitar um escândalo. Subitamente, lembrou-se dequeNormanLowensteinoesperavanacalçada.

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–Sóumsegundo–disseele.–Oquê?Aondevocêpensaquevai?–Voltojá.Espereaqui.–Porranenhuma.Dimonte o seguiu até a calçada. Norman não estava mais lá. Myron

correu os olhos pelos arredores. Nenhum sinal do homem. O que nãochegava a ser surpresa. Com ou sem culpa no cartório, osmoradores deruarapidamenteaprendemaseescafederquandoasautoridadesdãooardesuagraça.–Oquefoi?–perguntouDimonte.–Nada.–Entãopodeirabrindoobico.Ahistóriatoda.Myroncontoupartedela,eDimonteporpouconãoengoliuopalitoque

trazia na boca. Não se deu o trabalho de fazer perguntas, emborainterviesseaquiealicomalgumaexclamaçãodotipo“caramba”ou“diabo”.Terminadaahistória,elemeioquecambaleouparatrásesesentousobreumdos degraus da escada, desnorteado. Recobrou o foco,mas só depoisdeumtempo.–I-na-cre-di-tá-vel.–Foioqueconseguiudizer.Myronsófezsacudiracabeçaemsinaldeconcordância.–VocêestádizendoqueninguémsabeondeDowningestá?–Sealguémsouber,nãoestádizendo.–Elesimplesmentesumiu?–Éoqueparece.–Etemsanguenoporãodacasadele?–Tem.Dimonte novamente balançou a cabeça, depois pousou a mão sobre a

bota direita. Myron já o vira fazendo o mesmo outras vezes. Ao queparecia, o investigador gostava de acariciar as próprias botas. Só Deussaberiadizerporquê.Talvezeleencontrassealgumconsoloaotocarapeledecobra.Talvezselembrassedoúteromaterno.–SuponhamosqueDowningtenhamatadoamoçaefugido–falou.–Umagrandesuposição.–Sim,masfazsentido–argumentouDimonte.–Como?–Deacordocomoquevocêmecontou,Downing foivistocomavítima

na noite de sábado. Quanto você quer apostar que, tão logo o corpo sejaexaminado no necrotério, Peretti vai dizer que a morte ocorreumais oumenosnessamesmaocasião?

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–IssonãosignificaqueDowningatenhamatado.Dimonte agora acariciava a bota commais vigor. Umhomemde patins

passou por eles puxando seu cachorro, que parecia ofegar enquantotentavaacompanharodono.Umaboa ideiaparaumnovoproduto:patinsparacachorros.– Sábado à noite Greg Downing e a vítima se encontram num buraco

qualquernocentrodacidade.Saememtornodas23horas.Edaliapouco,o quê?Amoça estámorta eDowning, desaparecido. –Dimonte ergueu orostoparaMyron.–Assassinatoefuga,éoquetudoindica.–Podeindicarummilhãodecoisas.–Tipooquê?–Tipo:Gregtestemunhouoassassinato, icoucommedoe fugiu.Talvez

tenhapresenciadoocrimee,depois,sidosequestrado.Tambémépossívelqueasmesmaspessoasotenhamassassinado.–Nessecaso,cadêocorpo?–perguntouDimonte.–Poderiaestaremqualquerlugar.–Porqueelesnãodeixariamocorpoaqui,juntocomodela?–Talveztenhaacontecidoemoutrolugar.ComooGregéfamoso,talvez

tenhamlevadoocorpoparaevitaressetipodeescândalo.Dimonteriudessaúltimahipótese.–Vocêestáviajando,Bolitar.–Vocêtambém.–Podeser.Sóháummeiodedescobrir.–Dimonteselevantou.–Temos

queemitirumboletimdeocorrênciasobreDowning.–Epa,esperaaí.Nãocreioquesejaumaboaideia.Dimonte olhouparaMyron como se estivesse diante do cocô do cavalo

dobandido.– Desculpa – disse ele com falsa educação –, mas você deve estar me

confundindocomalguémqueprecisadasuaopiniãoparaalgumacoisa.– Você está sugerindo emitir um B.O. para um herói do esporte,

idolatradonopaísinteiro.–Evocêestásugerindoqueeudêtratamentodiferenciadoaalguémsó

porqueessealguéméumheróidoesporte,idolatradonopaísinteiro.–Demodoalgum–rebateuMyron,atordoado.–Masimagineoquevai

acontecerdepoisquevocêemitiresseB.O.Aimprensavai icarsabendo,evocêvaiterquelidarcomomesmocircoqueosrepórteresarmaramcomocasoO.J.Simpson.Mascomumadiferença:vocênãotemnenhumaprovacontraDowning.Nenhummotivo.Nenhumaevidênciafísica.Nada.–Aindanão–assentiuDimonte.–Masaindaécedopara...

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–Exatamente.Aindaécedo.Espereumpouco,ésóoqueestoudizendo.Eémelhornãopisarnabolanessecaso,porqueomundointeirovaiestarde olho em todos os seus passos. Diga àqueles patetas lá em cima paragravar em vídeo tudo o que estão fazendo. Não deixe nenhuma brechapara o acaso. Não deixe que alguém volte mais tarde e diga que vocêadulterououcontaminoualgumaprovasequer.Providencieummandadode busca antes de entrar na casa de Downing. Não dê um passo sequerforadacartilha.–PossofazertudoissoeaindaassimemitirumB.O.– Rolly, suponhamos que Greg Downing realmente tenhamatado essa

mulher. Você emite umB.O. Sabe o que vai acontecer? Primeiro, você vaiser apontado por todo mundo como um sujeito obtuso que meteu nacabeça que Downing é o assassino e im de papo. Segundo, vai botar amídia inteira no seu pé, vigiando cada passo seu, tentando encontrarprovasantesdapolícia,essascoisas.Terceiro,vocêarrastaDowningparaalama.Sabeoquevemjuntocomele?Dimonte fez que sim com a cabeça, mas com a expressão de quem

acaboudechuparumlimãoazedo.–Osmalditosadvogados.–Umdreamteamdeles.Antesqueencontreoquequerqueseja,vocêjá

vai ter na sua mesa um milhão de pedidos de recursos, de ações paraimpediristoeaquilo...Vocêsabecomoé.–Merda.–Estoucertoouestouerrado?–Certo–concordouDimonte.–Masvocêsóestáesquecendoumacoisa,

Bolitar.–EncarandoMyron,eledeuumaacintosamascadaemseupalito.–Por exemplo, se eu emitir o B.O., sua investigação de araque vaidiretamenteparaobrejo.Vocêeseusamiguinhosdobasquetevãoterquepularfora.–Podeser–disseMyron.Dimonteoavalioucomumdiscretosorriso.–Oquenão invalida tudo issoque vocêdisse antes. Sónãoqueroque

vocêfiquepensandoquenãoseiquaissãoassuasreaisintenções.–NemVascodaGamaleriaummapacomovocêlêmeuspensamentos–

disseMyron.Dimonte apertou os olhos na direçãodele por alguns segundos.Myron

precisoufazerumesforçoparanãorevirarosseus.–Então é assimque a coisa vai rolar –declarouo investigador. –Você

vai continuar naquele time, fazendo sua pequena investigação. Quanto a

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mim,vou fazeropossívelparamanteremsegredooquevocêacaboudecontar.Massóaté...–eleergueuoindicadoratítulodeênfase–sóatéqueissome convenha.Assimqueeu encontrarprovas fortesobastanteparaincriminarDowning, emitomeuB.O. E você vaime colocar a par de tudoquedescobrir.Nãovaiescondernada.Algumapergunta?–Sóuma:ondefoiquevocêcomprouessasbotas?

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capítulo13

ACAMINHODOTREINO,Myronfezumaligaçãodocarro.–Higgins–atendeuseuinterlocutor.–Fred?MyronBolitar.–Opa,quantotempo.Comovai,Myron?–Nãopossoreclamar.Evocê?–GrandesemoçõesnaSecretariadoTesouro.–Apostoquesim.–EoWin,comovai?–Omesmodesempre.–Meborrodemedodaquelecara,sabia?–Eutambém–disseMyron.–VocêstêmsaudadedotempoquetrabalhavamparaosFederais?–Eunão.AchoqueWintambémnão.Depoisdeumtempo,aquilo icou

meiolimitadoparaele.–Entendo.Masolha,linosjornaisquevocêvoltouajogar.–Éverdade.–Nasuaidade,comseujoelho?Eaí?–Éumalongahistória,Fred.–Nãoprecisadizermaisnada.Então,oquevocêmanda?–Precisosaberdetudo,osondeseporquês,deumaboladademaisou

menos10milpratas.Notasde100dólares.Sequenciais.NúmerodesérieB028856011A.–Eparaquandovocêprecisadisso?–Omaiscedopossível.–Vouveroquepossofazer.Secuida,Myron.–Vocêtambém,Fred.

www

Myron não tentou se poupar no treino. Deu tudo de si. Uma sensaçãoincrível, avassaladora. Ali ele estava em seu hábitat natural. Quandoarremessava, era como seumamão invisível carregasse abola até o aro.Quando driblava, a bola se tornava uma extensão de seus dedos. Ossentidos se revelavam tãoapuradosquantoosdeum lobonasestepes.Aimpressãoeraadequeelehaviacaídonumburaconegroeemergido10

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anosantes,nasfinaisdaNCAA.Nemojoelhooincomodava.Boa parte do treino se resumiu a uma partida informal entre os cinco

principaisjogadoreseoscincoquepassavammaistemponobanco.Myrontiroudacartolaoque tinhademelhor.Pareciaumcapetanossaltos.Saíados bloqueios pronto para arremessar. Por duas vezes chegou a traçarumaretanaquadraparainvadiroterrenoinimigoesairdelevitorioso.Haviamomentos em que ele se esquecia inteiramente de Downing, do

corpo des igurado de Carla/Sally/Roberta, do sangue no porão, doscapangasqueohaviamatacadoe–sim!–atémesmodeJessica.Umaondaextasiante, sem igual, invadia suas veias: a onda de um atleta em suamelhor forma. As pessoas costumam falar da euforia dos corredores, daendor ina que o corpo produz quando submetido a algum esforço maisextremo. Myron não conhecia essa experiência em particular, masconhecia os altos e baixos vertiginosos e profundos da vida de atleta.Quando um atleta se sai bem, pode sentir o corpo inteiro formigar deprazer até arrancar lágrimas dos olhos. E a sensação vai muito além dojogo ou da competição, impedindo o sono quando, já na cama, o atletarepassamentalmente seusmelhoresmomentos,muitas vezes em câmeralenta, como nos programas de TV. Mas, quando se sai mal, esse mesmoatleta ica amargo, deprimido, e assim pode permanecer durante horas,dias até. Ambos os extremos são bem desproporcionais à importânciarelativadeseenterrarumabolanumarodemetal,deserebaterumabolacomumtacooudearremessarumaesferademetalomaislongepossível.Nosmomentos de derrota, o atleta tenta lembrar a simesmo de como éestúpidosedeixarlevarporalgoassim,tãosemsentido.Nosmomentosdeêxtase,contudo,tentataparcomsuamelhorpeneiraosoldaconsciência.EnquantoMyroncorriadeumladoaoutronaempolgaçãodotreino,um

pensamento se esgueirava pela porta dos fundos de sua mente;permanecia ali, escondendo-se e vez ou outra dando as caras para serecolheremseguida.Vocêpode,eledizia.Vocêpodejogarcomessescaras.A onda de sorte de Myron continuou quando veio o momento de

escolher as duplas para o treino de bloqueio e ataque: Leon White, ocolegadequartoemelhoramigodeGregDowning,foidesignadocomoseupar. Myron e Leon foram desenvolvendo certa intimidade com odesenrolar do treino, como é frequente acontecer com companheiros deequipe e atémesmo adversários. Sussurravam piadinhas sempre que seviamfrenteafrentenosdribles,trocavamtapinhasnoombrosemprequeumdeles faziaumabela jogada. Leoneraumsujeito elegantenaquadra.Nada de palavrões ou invectivas. Mesmo quandoMyron caiu sentado no

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chãoapósumajogada,elesótevepalavrasdeincentivoaoferecer.DonnyWalsh,otécnico,apitou.–Porhojechega,pessoal.Sómais20cobrançaserua!LeoneMyrontocaramasmãosnoarcomadesenvolturadequeapenas

as crianças e os atletas pro issionais são capazes.Myron sempre gostaradessapartedojogo,dacamaradagemquasemilitarentreoscompanheirosde equipe. Fazia anos que não desfrutava dessa sensação e por isso arecebeu com gosto, saboreando-a. Os jogadores se dividiram em duplas(um para arremessar, outro para pegar o rebote) e foram para osgarrafões. Myron novamente teve sorte ao ser emparelhado com LeonWhite.Ambospegaramumatoalha,umagarrafadeáguamineralesaíramcaminhando ao largo das arquibancadas, de onde vários repórteresacompanhavamotreino.Audreyestavalá,claro.ElaolhouparaMyroncomuma expressãomarota, e ele precisou se refrear para não lhemostrar alíngua.Ouabunda.CalvinJohnsontambémestavalá.Deterno,recostadoaumaparedecomoseposasseparaumafoto.Myronhaviatentadoavaliarareação dele durante a parte inicial do treino, mas Calvin permaneceraenigmáticocomosempre.Myron foi o primeiro a arremessar. Dirigiu-se à linha de cobrança,

alinhouaspernascomosombrosefixouosolhosnoaro.Abolaatravessouocestoembackspin.–Achoquevamossercolegasdequarto–disseMyron.–Foioqueouvidizer–devolveuLeon.– Provavelmente não por muito tempo. – Myron fez outro arremesso.

Swishh...–QuandovocêachaqueoGregvaivoltar?Num único movimento, Leon pegou o rebote e arremessou a bola de

voltaparaMyron.–Nãosei.–Eele,comoestá?Jámelhoroudacontusão?–Nãosei–repetiuLeon.Myron fez uma nova cobrança. Mais uma cesta de três pontos.

Confortávelnacamisaempapadadesuor,elebuscousuatoalhaeenxugouorosto.–Vocêchegouafalarcomele,afinal?–Não.–Estranho.LeonpassouabolaparaMyron.–Estranhooquê?Myrondeudeombroseseguiudriblando.

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–Ouvidizerquevocêseramamigos–falou.Leonabriuummeiosorriso.–Ouviudizer?Onde?Myronnovamentearremessoucomsucesso.–Poraí.Nosjornais,euacho.–Nãoacrediteemtudooquevocêlê–disseLeon.–Porquenão?LeonquicouabolaparaMyron.– A imprensa adora inventar amizades entre jogadores brancos e

negros.–Vocêsnãosãoamigos?–Bem,agenteseconhecehámuitotempo...Issoeupossoafirmar.–Masnãosãoamigos?Leonolhouparaeledeummodocurioso.–Porquetantointeresse?–Sóestoupuxandoconversa.Naverdade,Gregémeuúnicovínculocom

estetime.–Vínculo?Myronvoltouadriblar.–Éramosrivais,eueele.–Sim,masedaí?–Edaí que agora vamos ser companheirosde equipe. Sei lá, achoque

vaisermeioestranho.Leonolhouparaele,eMyronparoudedriblar.– E você acha que Greg ainda se importa com uma coisa dessas? –

perguntou Leon com um tom de descrença. – Uma rixa dos tempos defaculdade?SóentãoMyronpercebeucomoeraesfarrapadaaconversaquetentava

entabular.–Eraumarixaintensa–disse.–Otempotodo,semtrégua.–Myronnão

olhouparaLeon,apenassepreparouparaarremessar.–Esperoquevocênão iqueboladocomoquevoufalar–arriscouLeon

–,mas fazoitoanosqueeueoGregdividimosquartonasviagens.Nuncaouvi ele mencionar seu nome. Nem mesmo quando a gente falava dafaculdade,coisaetal.Poucoantesdelançarabola,Myronparoueolhouparaocompanheiro,

esforçando-se para manter uma expressão neutra no rosto. O maisestranhoera isto:pormaisque lhe custasseadmitir, ele realmente icara“bolado”comoqueacabaradeouvir.

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–Andalogocomessearremesso–disseLeon.–Querodaroforalogo.TCveiocaminhandonadireçãodeles.Apertavaumabolaemcadamão

comamesmafacilidadecomqueumadultoapertariaumalaranja.Deixoucairumadelas e cumprimentouLeon comumelaborado ritualde gestos.SóentãoolhouparaMyron.Eabriuumsorrisorasgado.–Jásei,jásei–disseMyron.–Ochumbo,certo?TCconfirmoucomacabeça.–Queporraéessa?–perguntouLeon.– Hoje à noite – retrucou TC. – Festinha na minha casa. E tudo será

esclarecido.

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capítulo14

DIMONTEESPERAVAPORELE noestacionamentodoestádiodeMeadowlands,recostadoaseuCorvettevermelho.–Entra.–UmCorvettevermelho–disseMyron.–Porqueseráqueissonãome

surpreende?–Entraenãoamola.Myronabriuaportaeseacomodounobancodecouropreto.Emborao

motorestivessedesligado,Dimonteseguravaovolantecomambasasmãose olhava ixamente para a frente. Parecia uma folha em branco de tãopálido. Mordendo seu palito sem mastigá-lo, não dizia nada, apenasbalançavaacabeçacomveemência.Denovoasutileza.–Algumproblema,Rolly?–EsseGregDowning,comoéqueeleé?–Oquê?–Ficousurdo,porra?–cuspiuDimonte.–Comoeleé?–Nãosei.Fazanosquenãofalocomele.–Masvocêconheciaocara,certo?Nostemposdeescola?Comoeleera

naquelaépoca?Costumavaandarcomtiposperversivos?–Tiposperversivos?–repetiuMyron,virando-se.–Anda,responde.–Quediaboissoquerdizer?Tiposperversivos...Dimonte deu partida no carro e pisou algumas vezes no acelerador,

fazendoomotorrugir.OCorvettehaviasidoturbinadocomoumcarrodecorrida, e o barulho que ele fazia, meu chapa... Por sorte não haviamulheresnavizinhançaimediataparaouviraquelecantodeacasalamento,caso contrário já estariam tirando a roupa. Dimonte en im engatou amarcha.–Aondeestamosindo?–perguntouMyron.Dimonte não respondeu. Tomou a rampa que conduzia ao estádio dos

Giantseaohipódromo.– Esse é um daqueles encontros misteriosos que eu adoro tanto? –

perguntouMyron.–Vaiàmerda.Erespondeàminhapergunta.–Quepergunta?

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–ComoéesseDowning?Precisosabertudosobreele.– Está falando com a pessoa errada, Rolly. Não conheço Greg tão bem

assim.–Entãocontaoquesabe.Otomdevozdeixavapoucoespaçoparadiscussão.Umtomdiferentedo

“machão”tradicional,imperativo,mascomumapontadepreocupaçãoquedesconcertaraMyron.– Greg cresceu em Nova Jersey – disse. – Era um ótimo jogador de

basquete.Édivorciadoetemdoisfilhos.–Vocênamorouamulherdele,nãofoi?–Muitotempoatrás.–Diriaqueelaédeesquerda?–Rolly,essepapoestáficandocadavezmaisbizarro.– Responde, porra. – Apesar da clara manifestação de irritação e

impaciência, Dimonte não conseguia disfarçar certomedo da voz. – Vocêdiriaqueelaépoliticamenteradical?–Não.–Elacostumavaandarcomperversivos?–Nemseiseessapalavraexiste,Rolly!Perversivos?Dimontebalançouacabeça.–Estoucomcaradequemestádebrincadeira,Bolitar?–Tudobem,tudobem.–Myronfezumgestoderendiçãocomasmãos.

OCorvetteseguiuatravessandooestacionamentodoestádio.–Não.Emilynãocostumavaandarcomperversivos,sejaláoqueissofor.Eles passaram pelo hipódromo e desceram pela rampa seguinte, que

levava de volta aMeadowlands.Myron se deu conta de que eles apenascontornaramavastaáreadeestacionamentodoestádio.–Então,vamosvoltaraDowning.–Jádissequefazanosquenãovejoocara.– Mas sabe coisas a respeito dele, não sabe? Andou fazendo sua

investigação. Provavelmente leu algo. – Dimonte trocou de marcha, e omotornovamenterugiu.–Diriaqueeleéumrevolucionário?Myronmalacreditavanoqueestavaouvindo.–Não,Sr.Presidente.–Sabedizercomquemeleanda?– Mais ou menos. Pelo que sei, os amigos mais próximos são os

companheiros de equipe,mas LeonWhite, o cara comquem ele divide oquarto nas viagens, não é exatamente um grande fã dele. Ah, tem umacoisaquetalvezlheinteresse:depoisdosjogosaqui,Gregdirigeumtáxina

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cidade.Dimontepensounãoterouvidobem.–Umtáxi?Pegandopassageirosnarua?–Sim.–Masparaquê?–Gregémeio...–Myronprocuroupelapalavracerta–excêntrico.–Sei.–Dimonteesfregouorostocomovigordequemenceraa lataria

deumcarroe,porumbom tempo, icou semverparaonde ia.Por sorteelesestavamnomeiodeumestacionamentovazio.–Seráqueele faz issoparasesentirigualaosoutros?Paraseaproximardasmassas?Seráqueéisso?–Suponhoquesim–disseMyron.–Continua.Eosinteressesdele?Algumhobby?– Greg é mais chegado à natureza. Gosta de pescaria, caçada, remo,

caminhada,essetipodedivertimento...–Umnatureba.–Poraí.–Gostadoarlivre,deserelacionarcomaspessoas...–Doarlivre,sim,masprefereficarsozinho.–Vocêfazalgumaideiadeondeelepodeestar?–Não...Nenhuma.Dimonte pisou fundo no acelerador e contornou o estádio até parar

diantedoFordTaurusdeMyron.–Ok.Obrigadopelaajuda.Agentesefaladepois.– Peralá – protestou Myron. – Achei que estivéssemos juntos nessa

história.–Achouerrado.–Nãovaidizeroqueestáacontecendo?–Não–disseele,avozsubitamentemoderada.Silêncio. Àquela altura todos os outros jogadores já haviam partido. O

Taurusestavasozinhonoestacionamentovazioesilencioso.–Étãograveassim?–perguntouMyron.Dimontepermaneceumudo,oqueeraaindamaispreocupante.–Vocêjásabequeméamorta,nãosabe?–insistiuMyron.–Conseguiu

algumaidentificação?–Nadaconfirmadoainda–resmungouDimonte.–Vocêtemquemecontar,Rolly.–Nãoposso.–Nãovoudizernadaaninguém.Vocêsabeque...

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–Caiforadomeucarro,Myron.–DimontesedebruçousobreaspernasdeMyroneabriuaportadoCorvette.–Agora.

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capítulo15

TCMORAVANUMAANTIGAMANSÃO com fachada emurode tijolos vermelhos,situada numa das melhores ruas de Englewood, Nova Jersey. EddieMurphymorava namesma área, assim como três executivosmagnatas eváriosbanqueirosjaponeses.Naentradahaviaumaguaritadesegurança.Myroninformouseunome,eovigiaconferiusuaprancheta.– Por favor, estacione ali – disse o homem. – A festa é nos fundos da

casa.–Depoisdeabriroportãodelistraspretaseamarelas,acenouparaqueMyronseguisseadiante.MyronestacionouaoladodeumBMWpreto.Alémdelehaviamaisuma

dezenadecarros,todosreluzindoemrazãodealgumpolimentorecenteoutalvez porque fossem novinhos em folha. Mercedes, quase todos. AlgunsBMWs.UmBentley.UmJaguar.UmRolls.O gramado dianteiro era um primor em termos de manutenção.

Arbustosperfeitamenteaparadoscircundavamoutangenciavamafachadade tijolos aparentes. Contrastando com a maravilha do cenário, um rapensurdecedor escapava das caixas de som. Um horror. Os arbustospareciam sofrer com aquilo. Myron não chegava a detestar o rap. Sabiaque havia coisas piores: John Tesh e Yanni davam provas dissodiariamente. A seus ouvidos, certas canções eram até simpáticas eprofundas.Eeletambémtinhaconsciênciadequeorapnãoforafeitoparapessoascomoele;nãoentendiaoespíritodacoisa,esuspeitavaquetalveznemtivessequeentender.Afestasedesenrolavaaoredordeumapiscinamuitobemiluminada.Os

convidados, quase todos na faixa dos 30, circulavam com roupasrelativamente informais. Myron vestia um blazer azul-marinho, camisarisca de giz, gravata de estampa loral e mocassins J. Murphy. Bolitar, oeternouniversitárioalmofadinha.Winmorreriadeorgulho.Noentanto,aover os companheiros de equipe, ele se sentiu tremendamentemalvestidoparaaocasião.Passandoao largodopoliticamentecorreto,constatouqueos negros do time (além dele havia apenas dois brancos na equipe dosDragons) sabiam se vestir com estilo. Não com oseu estilo (ou falta de),mas, sem dúvida alguma, com estilo. O grupo parecia prestes a entrarnuma passarela qualquer de Milão. Ternos perfeitamente cortados.Camisas de seda abotoadas até o pescoço, sem gravata. Sapatos que

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brilhavamdetãolimpos.TCocupavaumaespreguiçadeira juntoàparterasadapiscina,cercado

deumgrupoderapazesbrancos,todoscomaspectodeuniversitários,quepareciam gargalhar a cada palavra do an itrião. Myron também avistouAudreyemseustrajestípicosdejornalista,acrescidosapenasdeumcolarde pérolas. Ele nem sequer tivera a chance de se juntar aos demaisquando uma mulher com seus 30 e muitos anos (ou 40 e poucos) seaproximouedisse:–Olá.–Boanoite.–DenovoobardodeNovaJersey.–VocêdeveserMyronBolitar.SouMaggieMason.–Comovai,Maggie?–Eles trocaramumapertodemãos.Dedos irmes,

belosorriso.Maggie se vestia de modo conservador: camisa branca, blazer cinza-

escuro, saia vermelha e sapatos pretos. Os cabelos estavam soltos eligeiramente ondulados, como se recém-libertos de um coque. Magra eatraente, a mulher parecia a escolha perfeita para interpretar umadaquelasadvogadasdeseriadodeTV.Elasorriu.–Vocênãosabequemsou,nãoé?–Desculpa,masnãoseimesmo...–ElesmechamamdeMetralhadora.Myron esperou que ela dissesse algo mais. Vendo que nada viria,

balbuciou:–Ahã.–TCnãolhedissenada?– Ele realmente falou alguma coisa sobre chumb... – Myron deixou a

palavra morrer nos lábios enquanto Maggie sorria com as mãosespalmadas.Depoisdealgunssegundos,falou:–Nãoentendi.–Nãohánadaparaentender–disseelacasualmente.–Façosexocom

todososcarasdotime.Vocêacaboudesercontratado.Agoraéasuavez.Myronabriuaboca,fechou-anovamente,earriscou:–Vocênãopareceumagroupie.–Groupie.–Elabalançouacabeça.–Detestoessapalavra.Myronfechouosolhosebeliscouapontedonariz.–Vamosverseentendidireito...–Diga.–VocêjádormiucomtodososnovatosdosDragons?–Sim.

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–Atémesmocomoscasados?– Sim – respondeu ela. – Com todos que já passaram pelo time desde

1993. Foi nessa época que comecei com os Dragons. Com os Giants,comeceidoisanosantes.–Esperaaí.VocêégroupiedosGiantstambém?–Jádissequenãogostodessapalavra.–Equepalavraeudeveriausarnolugardela?Maggie, a Metralhadora, inclinou a cabeça ligeiramente para o lado,

aindasorrindo.– Olha, Myron. Trabalho num banco de investimentos emWall Street.

Dou um duro danado. Faço aulas de culinária e sou louca por ginásticaaeróbica.Demodogeralsouumapessoabemnormalparaospadrõesdehoje. Não ofendo ninguém. Não pretendome casar nemme envolver emnenhumtipoderelacionamento.Mastenhoessepequenofetiche.–Fazersexocomatletasprofissionais.Elaergueuoindicador.–SócomosGiantseosDragons.–Fidelidadepartidária–disseMyron.–Coisararahojeemdia.Maggieriu.–Essafoiboa.–Querdizerentãoquevocê já foiparaa camacomtodosos jogadores

dosGiants?–Quasetodos.Sempreganhoingressosdeprimeira ila.Depoisdecada

jogofaçosexocomdoisjogadores:umdoataqueeoutrodadefesa.–Umarecompensapelobomdesempenho.–Exato.Myrondeudeombros.–Melhorqueumamedalha,suponho.–É–disseelasempressa.–Muitomelhor.Myronesfregouosolhos.TorrechamandooMajorTom .Eleaavalioupor

algunssegundos.Maggiepareciafazeromesmocomele.–Eesteapelido,Metralhadora,deondesaiu?–Nãoéoquevocêestápensando.–Eoqueéqueeuestoupensando?–Não temnada a ver commeu apetite sexual. É isso que todomundo

pensa.–Temavercomoque,então?Elaergueuosolhos,pensativa.–Comovouexplicarissodemaneiraelegante?

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–Vocêaindaestápreocupadacomelegância?Maggieocensuroucomoolhar,massemexagero.–Nãosejaassim–disse.–Assimcomo?– Careta, primitivo, reacionário... Meio homem das cavernas. Tenho

sentimentos,sabia?–Nãofaleiquevocênãotinha.– Não falou, mas está agindo como se eu não tivesse. Não prejudico

ninguém. Sou uma mulher direta. Franca. Honesta. Decido por contaprópriaoquefazerecomquem.Soufelizassim.–Elivrededoençasvenéreas,suponho.–Quandodeuporsi,Myronnão

podia mais retirar as palavras. Elas haviam escapulido. O que pareciaacontecercomcertafrequência.–Como?–indagouMaggie.–Desculpa.Faleimaisdoquedevia.Mastudoindicavaqueelehaviacolocadoodedonumaferida.– Jamais faço sexo sem camisinha – retrucou ela. – Faço exames

regularmente.Estoulimpa.–Maisumavez,desculpa.Eunãodeviaterditoisso.Maggienãosedeuporsatisfeita.–Alémdomais,nuncavouparaacamacomalguémquesuspeitoestar

infectadocomalgumacoisa.Tomotodasasprecauções.Myronachouporbemnãoredarguir.Disseapenas:–Foimal.Minhaintençãonãoeraofender.Desculpa.Elasuspirou,aparentementemaiscalma.–Tudobem.Estádesculpado.Elesnovamenteseentreolharamesorriramumparaooutro,talvezpor

tempodemais.Myronsesentianapeledeumparticipantedeprogramadeperguntas e respostas na TV. Por sorte, uma ideia interrompeu osemitranse.–VocêjádormiucomGregDowning?–Em1993–disseela.–FoiumdosmeusprimeirosDragons.Comoseaquilofossemotivodegrandeorgulho.–Vocêsaindaseveem?–Claro.Somosótimosamigos.Ficoamigadetodosdepois.Bem,dequase

todos.–Vocêssefalamcomfrequência?–Àsvezes.–Sefalaramrecentemente?

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–Fazummêsoudoisquenãonosfalamos.–Sabedizerseeleestánamorandoalguém?Maggieofitoucomcuriosidade.–Eporquevocêquersaber?–Pornada,sóestoupuxandoconversa.–Denovopapofurado.–Umaconversaestranha–disseela.– É que tenho pensado muito no Greg nesses últimos dias. Toda essa

história da nossa rivalidade, e agora estamos jogando no mesmo time.Entãofiqueipensando...–NavidasentimentaldoGreg?–Elanãoestavamordendoaisca.Myronmeioquedeude ombros e disse alguma coisa quenemmesmo

eleentendeu.Umarisadairrompeudooutroladodapiscina.Umgrupodejogadores compartilhava uma piada. Leon White estava entre eles; aocruzar olhares com Myron, cumprimentou-o com um aceno da cabeça.Myronacenoudevolta.Percebeuque,emboranenhumdoscompanheirosestivesse olhando para ele eMaggie, todos decerto sabiampor que ela ohaviaabordado.Maisumavezsesentiunapeledeumuniversitário,masagorasemnenhumapontadenostalgia.Maggie o avaliava novamente, as pálpebras semicerradas, o olhar

focado.Myron,porsuavez,faziaopossívelparanãotrairseudesconforto.Sentia-se um pateta diante de inspeção tão acintosa. Tentou sustentar oolhardela.Subitamente,Maggieabriuumsorrisoecruzouosbraços.–Agoraentendi–falou.–Oquê?–Éóbvio.–Oqueéóbvio?–Vocêquersevingar.–Mevingardoquê?Osorrisosealargouumpouco,depoismurchou.–GregroubouEmilydevocê.Eagoravocêquerroubaralguémdele.– Greg não roubou Emily de mim – disse Myron com tranquilidade. –

Emilyeeujátínhamosterminadoquandoelescomeçaramanamorar.–Sevocêdiz...–Eudigo.–MyronBolitar,oincisivo.Maggieriucomgosto,umarisadagutural,eotocounobraço:– Relaxa,Myron. Foi só uma provocação. – E o itou novamente. Tanto

contato visual já estava deixando Myron com dor de cabeça; ele decidiuolharparaonarizdela.–Então,nossabrincadeiravairolar?

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–Não–disseMyron.–Seforpormedodealgumadoença...–Nãoéisso.Estouenvolvidocomumapessoa.–Edaí?–Edaíquenãopretendotraí-la.–Nãoqueroquevocêtraianinguém.Queroapenasfazersexocomvocê.–Evocêachaqueasduascoisasseexcluemmutuamente?–Claroquesim–disseMaggie.–Se izermossexo, issonãoprecisa ter

nenhum efeito sobre seu relacionamento. Não quero que você deixe degostardasuanamorada.Nãoquerofazerpartedasuavida.Muitomenosficaríntimadevocê.–Puxa,assimficabemmaisromântico–retrucouMyron.–Masaíéqueestá.Nãosetrataderomantismo.Apenasdeumatofísico.

Umatomuitoprazeroso,claro,mas,nofimdascontas,apenasumatofísico.Comoumapertodemãos.–Umapertodemãos–repetiuMyron.–Sóestoudizendooquepenso.Ascivilizaçõesantigas,intelectualmente

bemmaisavançadasqueanossa,compreendiamqueosprazeresdacarnenão eramnenhumpecado.A associaçãodo sexo coma culpa é um rançoabsurdodamodernidade.Todoessevínculoentresexoeposseéalgoqueherdamosdospuritanosreprimidosquequeriammanterocontrolesobreseubemmaisvalioso:aesposa.Uau,pensouMyron,umaautoridadeacadêmica.– Onde está escrito – prosseguiu ela – que duas pessoas não podem

atingir os píncaros do êxtase ísico sem que haja uma relação de amorentre elas?Pensabem.Tudo isso émuito ridículo.Umagrandebobagem,vocênãoacha?–Podeser–disseMyron.–Mesmoassim,vamosdeixarparaapróxima.“Tudobem”,eladisseapenascomumdardeombros.Masfalou:–TCvaificarmuitodecepcionado.–Nãovaimorrerporcausadisso.Silêncio.– Bem – disseMaggie, cruzando asmãos sobre o colo –, acho que vou

darumavoltaporaí.Foibomconversarcomvocê,Myron.–Umaexperiênciaetanto–concordouele.

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Myron também foi dar suas voltas. Por um tempo icou comLeon, que

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lhe apresentou a patroa, uma louraça escultural chamada Fiona. Oestereótipo de uma coelhinha da Playboy. Sempre falando com uma vozsexy,Fionaeradessasmulheresquesabemtransformaramaiscasualdasconversasnumlongoduplosentido,dessasdetalmodohabituadasausarocharmeparaseduzirquenãosabemahoradeparar.Myronpapeouumpoucoeacertaalturapediulicença.Foi informado pelo bartender de que infelizmente não havia leite

achocolatado na casa. Então se contentou com uma Orangina – não umaporcariaqualquercomgostodelaranja,masorefrescofrancês,importado.Coisafina.Eledeuumgole.Nadamau.Alguémseaproximouportráselhedeuumtapinhanascostas.EraTC,

que havia preterido o look Milão em favor de calças e colete de courobranco,semcamisa,eumpardeóculosescuros.–Estásedivertindo?–perguntou.–Bastante–respondeuMyron.–Vemcomigo.Querolhemostrarumacoisa.Elesseguiramemsilêncioporumgramadoquesubianadireçãooposta

àdafesta.Aospoucosoaclivefoiseacentuando,eamúsica, icandoparatrás.O rapdeu lugar ao rock alternativodosCranberries.Myron gostavadeles. “Zombie”eraoqueestava tocandonomomento.DoloresO’Riordanrepetiaummilhãodevezes “Inyourhead, inyourhead”, até se cansarecomeçar a repetir “Zombie, zombie” outras tantas vezes. Tudo bem, osCranberriespodiamterencontradorefrãomelhor,masaindaassimacoisafuncionava.Umsommaneiro.Ali já não havia luz, mas a que vinha da piscina bastava para que se

enxergasse alguma coisa. No platô da colina, TC apontou para a frente efalou:–Sacasó.Correndoosolhospelapaisagem,Myronporpouconãoperdeuofôlego.

Dali se tinha uma vista ampla e desobstruída de toda a silhueta deManhattan. As luzes da cidade rutilavam como um sem- im de gotasd’água.AGeorgeWashingtonBridgepareciapróximaobastanteparasertocada.Elesficaramaliporumbomtempo,semdizerpalavra.–Bonito,nãoé?–TCdisseafinal.–Muito.Eleretirouosóculos.– Volta emeia venho para cá. Sozinho. Um bom lugar para pensar na

vida.–Suponhoquesim.

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Maisumavezelesadmiraramapaisagem.–Maggiejáfaloucomvocê?–perguntouMyron.TCfezquesimcomacabeça.–Estádecepcionadocomigo?–Não–respondeuTC.–Eujásabiaquenãoiarolar.–Sabiacomo?Eledeudeombros.–Sóumpressentimento.Masnãosedeixeenganar.Maggieégenteboa.

Talvezsejaomaispróximoquetenhodeumaamizadeverdadeira.– Mas... e aqueles caras com quem você estava conversando agora há

pouco?TCmeioquesorriu.–Osbranquelos?–Elesmesmos.– Não são meus amigos – disse. – Se amanhã eu parasse de jogar,

olhariamparamimcomoseeuestivessederramandovinhonosofádeles.–Umjeitopoéticodecolocarascoisas,TC.– É a verdade, meu camarada. Se você estivesse na minha posição,

também não teria amigos. Coisas da vida. Branco ou preto, tanto faz. Aspessoas se aproximam de mim porque sou rico e famoso. Acham quepodemlevaralgumavantagem.Sóisso.–Evocênãoseimporta?–Quediferençafaz?–indagouTC.–Avidaéassim,fazeroquê?–Nãosesentesozinho?–perguntouMyron.–Temmuitagenteàminhavoltaparaqueeumesintasozinho.–Vocêsabeoqueeuquisdizer.–É,eusei.–TCestirouopescoçoparaambososlados,comoseestivesse

se alongando antes de um jogo. – As pessoas sempre falam do preço dafama,masquersaberqualéopreçoreal?Nadaavercomessapalhaçadade privacidade. Tudo bem, não vou ao cinema tanto quanto eu gostaria.Masedaí?Deondeeuvenho,aspessoasnemtêmgranaparairaocinema.Opreçorealéoseguinte,meucamarada:agentedeixadeserumapessoapara se tornar uma coisa, tá ligado? Um objeto reluzente, como umdaqueles Mercedes lá atrás. Os manos mais duros acham que sou umaescada de ouro com um presentinho qualquer em cada degrau. Osbranquelos ricosme veem comoumextravagante bichinhode estimação.Comono casodoO. J. Lembra-sedaqueles carasque estavamsemprenasaladetroféusdoO.J.?Myronfezquesimcomacabeça.

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–Olha,nãoentendamal.Nãoestoureclamando.Tudoissoébemmelhordoqueralarnumpostodegasolina,numaminaounumamerdaqualquerdessas.Mas sempre tentome lembrar da verdade: a única coisa quemeseparadeumcrioulodas ruaséum jogodebasquete.Aúnica.Bastaumjoelhopifar,comoaconteceucomvocê,elávoueu,devoltaparaomesmolugardeondesaí.Sempreprocuromelembrardisso.Sempre.–EleolhouduroparaMyron,deixandoqueaspalavraspairassemnoarfriodanoite.–Portanto,quandoalgumacachorragostosavemparaomeuladodizendoquesouistoouaquilo,umapessoaespecial,essetipodecoisa,seiquenãosoueuqueelaquer.Entendeaparada?Elaquerafama,odinheiro.Sóissoque está enxergando na frente. E é assim com todo mundo, homem oumulher.– Quer dizer então que eu e você jamais poderíamos ser amigos? –

perguntouMyron.– Você me faria essa pergunta se eu fosse um pé-rapado analfabeto

abastecendoseucarro?–Talvez.– Porra nenhuma – disse TC, rindo. – As pessoas estão sempre

reclamando das minhas atitudes, você sabe. Falam que eu me comportocomoummimadinho,comoseomundomedevessealgumacoisa.Maselessó icamputos assimporqueeu sei qual é adeles. Porque sei a verdade.Todomundo acha que sou um crioulo ignorante: os cartolas, os técnicos,todomundo.Então,quemotivoeutenhopararespeitaressagente?Elessómedirigemapalavraporqueconsigoenterrarumabolanumarodemetal.Souummacacoqueencheaburradoscaras,sóisso.Assimqueeuparar,babau...Voltoaserapenasummerdasaídodosguetos,indignodesentarotraseiropretonaprivadadeles. –Nessaalturaeleparou comose tivesseperdido o fôlego. Correu os olhos pela paisagem, e isso aparentemente orevigorou.–VocêconheceIsiahThomas?–perguntou.–DosDetroitPistons?Seiquemé.Jánosfalamosumavez.– O cara deu essa entrevista, acho que na época em que os Pistons

estavam papando todos os campeonatos. Alguém perguntou o que eleestaria fazendo se não fosse jogador de basquete. Sabe o que elerespondeu?Myronnegoucomacabeça.–FalouqueseriasenadordosEstadosUnidos.–TCdeuumagargalhada

ruidosa e aguda, que ecoou no silêncio da noite. – Porra, o cara icoumalucoouoquê?Sópode.SenadordosEstadosUnidos?–Novamenteriu,mas agora com certa afetação. – Quanto amim, sei muito bem o que eu

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seria.Ummetalúrgicoralandodameia-noiteatéassetedamanhã.Senãoestivesse morto, claro. – Ele balançou a cabeça. – Senador dos EstadosUnidos...Essaéboa.–Maseojogo?–perguntouMyron.–Oquetemojogo?–Vocênãoadorajogar?TColhouparaelecomumardesurpresa.–Vocêacredita,nãoé?Nessabobajadatodade“peloamoraoesporte”.–Vocênão?TCnovamentebalançouacabeça.A luare letiasobreocrânioraspado,

conferindo-lheumaspectoquasesobrenatural.–Pramim, “amoraoesporte”nunca foi aparada– falou. –Obasquete

semprefoiummeioparaum im.Ummeiodemearranjarnavida.Grana,meuirmão,esó.–Vocênuncagostoudejogar?–Claroquesim.Sempremesentibemnasquadras.Masnãoeraojogo

emsi, essaparadade icar correndoepulandodeum ladoparaoutro.Obasqueteeraoquemede inia,entende?Emqualqueroutrolugarquenãofosseumaquadra,eueraapenasmaisumpretinhoburro.Masnaquadra,meuirmão...eueraocara.Oherói.Easensaçãoqueissomedava...nossa!Eramuitobom.Vocêentendeoqueestoudizendo?Myronentendia.–Possofazerumapergunta?–Manda.–Essastatuagens,essespiercings...–Oquê?Elasincomodamvocê?–perguntouTC,sorrindo.–Nãoéisso.Sóumacuriosidade.–Digamosqueeugostodelas.Issobasta?–Basta–respondeuMyron.–Masvocênãoacredita,nãoé?Myrondeudeombros.–Achoquenão.–Naverdade,gostodelasumpouco.Masaverdadeverdadeiraéoutra:

negócios.–Negócios?–Onegóciodobasquete.Grananobolso.Muitagrana.Vocêfazideiade

quantoeuganhocomcadacontratodepublicidade?Umagranapreta,meuirmão. Por quê? Porque a irreverência vende. Olha o caso do Deon. DoRodman.Quantomaisagentepira,maiselesnospagam.

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–Querdizerquetudonãopassadeumaencenação?–Emgrandeparte,sim.Gostodechocar,nãovoumentir.Émeujeitode

ser.Mastudooquefaçoéprincipalmenteparaaimprensa.–Masaimprensaestásemprefalandomaldevocê!–exclamouMyron.– Não importa. Falam de mim, e isso me traz mais dinheiro. Simples

assim. – Ele sorriu. – Vou lhe contar uma coisa, Myron. A imprensa é oanimalmais burro que Deus pôs na Terra. Sabe o que eu vou fazer umdia?–Não.Oquê?– Um dia, vou tirar todos esses piercings e me embrulhar num terno

careta.Depoisvoucomeçarafalarcomtodososefeseerres,afazertodosossalamalequeserapapés...Vai ser “sim,senhor”paracá, “sim,senhora”para lá... “O que conta é o esforço do grupo”... essamerda toda que elesadoramouvir. Aí então,meu camarada, essesmesmos ilhos da puta quehojemeacusamde avacalhar coma integridadedo esporte vãopassar abeijar meu rabo preto como se ele fosse a mão do papa. Vão dizer quepassei por uma transformação miraculosa, que agora sou um santo, umherói...Mas só o quemudou foi isso: o texto. –TC abriu um sorriso largoparaMyron,quedisse:–Vocêéumafigura,TC.TC voltou os olhos para as águas do Hudson enquanto Myron o

observava em silêncio. Não dera muito crédito a toda aquelaargumentação.Suspeitavaqueoburacofossemaisembaixo.TCnãohaviamentido,mastambémnãotinhaditoaverdade.Talveznemfossecapazdeadmitir para si mesmo essa verdade. Era um homem ferido. Realmenteacreditava que ninguém podia amá-lo, e isso é di ícil para qualquer um.Traz insegurança. Faz com que a pessoa se esconda numa espécie detrincheira.Omaistristedetudo,noentanto,eraqueTCestavapelomenosparcialmente correto. Quem lhe daria bola se não fosse um jogador debasquete pro issional? Se ele não tivesse talento para esse jogo infantil,ondeestariaagora?TCeracomoessasgarotasmuitobonitasqueexigemseradmiradaspelabelezainterior.Umaexigêncialegítima,tudobem,masquemsedaráotrabalhodeprocurarporbelezainteriorquandoaexteriornãoestá lá?Poisessaéadurarealidadedasfeias.Eessatambémseriaarealidade de TC caso ele não tivesse sido agraciado com um raro talentoparaoesporte.No imdascontas,TCnãoeranemtãoexcêntricoquantopareciaseraos

olhos do público nem tão centrado quanto queria aparentar paraMyron,que não era nenhum psicólogo,mas tinha certeza de que as tatuagens e

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piercings iamalémdeummero interessecomercial.Aagressão ísicaeragrande demais para uma explicação tão simples. No caso de TC, haviamuitosfatoresemjogo.Myron,quetambémjáforaumastrodobasquete,conhecia alguns deles. Outros, no entanto, permaneciam obscuros, já queeleeTCvinhamdemundosdiametralmenteopostos.FoiTCquemquebrouosilêncio:–Agorasoueuquemquerfazerumapergunta.–Diga.–Deboa:porquevocêestáaqui?–Aqui...nasuacasa?–Naequipe.Olha,Myron,euestavanopenúltimoanodeginásioquando

vivocêjogandonocampeonatodaNCAA.Vocêmandavabemparacacete,não vou negar, mas isso foi muito tempo atrás. Você sabe que para vocênãodámais.Notreinodehoje...ficoumaisdoqueevidente,nãoficou?Myronfezoquepôdeparadisfarçarosusto.SeriapossívelqueeleeTC

tivessemparticipadode treinosdiferentes?Claroquenão.EclaroqueTCestavacobertoderazão.A inal,ele,Myron,aindaselembravadosprópriostemposdeglória,dostreinosemqueoscincomelhoresjogavamcontraoscinco piores, estes suando a camisa para mostrar serviço enquanto osdemais bocejavam de tédio ou faziam palhaçadas. Lembrava-se dadecepção dos perebas ao constatar que não eram tão bons quantoacreditavam ser, que o sucesso obtido nos treinos decorria apenas docansaçoedapoucamotivaçãodostitulares, jáexauridospelosjogosreais.E naquele tempo Myron ainda estava na faculdade, jogava no máximoumas 25 partidas por temporada. Bemmenos que as quase 100 que ospro issionais costumavam jogar, sem falar na superioridade dosadversários.Vocêpodejogarcomessescaras.Acorda,Myron,acorda.–Sóestoufazendoumatentativa–dissebaixinho.–Nãoconseguelargaroosso,nãoé?Myronnãorespondeu,eosilênciovoltouporumbrevemomento.–Ah,jáiaesquecendo–disseTC.–Ouviporaíquevocêéamigodeum

chefãoládaLock-HorneSecurities.Éverdade?–Sim.– Era aquele desbotado comquemvocê estava conversando depois do

jogo?–Era.OnomedeleéWin.–VocêsabequeaMaggietrabalhaemWallStreet,nãosabe?–Elamecontou–disseMyron.

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–Masestápensandoemmudardeemprego.Achaqueseuamigopodedarumaforça?– Posso perguntar – respondeu Myron. Win seguramente gostaria de

ouvirasteoriasdelasobreopapeldosexonascivilizaçõesantigas.–OndeMaggieestátrabalhandoagora?–Numa empresa pequena chamadaKimmel Brothers.Mas elamerece

umaparadamelhor,sabe?Oscarasnãooferecemsociedade,pormaisqueelaralemuito.TCdissemaisalgumacoisa,masMyronjánãolhedavaouvidos.Kimmel

Brothers.Ele imediatamentese lembraradonome.Ao ligarparaoúltimonúmerodiscadonotelefone ixodeGreg,ouviraumamulheratendercomum “Kimmel Brothers”. No entanto, Maggie acabara de a irmar que nãofalavacomGregháumoudoismeses.Coincidência?Myronachavaquenão.

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capítulo16

MAGGIEJÁTINHAidoembora.– Ela veio só para ver você – disse TC. – Depois do toco que recebeu,

puxouocarro.Temdeacordarcedoamanhãparatrabalhar.Myronconferiuashorasnorelógio.Onzeemeia.Deumlongodia.Hora

de bater na cama. Ele fez suas despedidas e foi para o carro. Audreyestava recostada no capô, braços cruzados contra o peito, tornozelossobrepostos.Displicênciapura.–VocêestáindoparaacasadaJessica?–perguntou.–Estou.–Seimportademedarumacarona?–Entraaí.Audrey abriu omesmo sorriso que ele vira durante o treino. Naquele

momento,Myronacharaquearepórterhavia icadoimpressionadacomodesempenhodele,masagoraestavamaisdoqueevidentequeotalsorrisose deviamais ao escárnio que à admiração. Ele destravou as portas semdizernada,retirouopaletóeojogousobreobancotraseiro.Audreyfezomesmocomseublazerazul;emseguida,baixouagolarulêdablusaverde-lorestaqueestavausandoeretirouocolardepérolasparaguardá-lonobolsodascalças.EsperouqueMyrondessepartidanocarro,depoisfalou:–Estoucomeçandoajuntaraspontasdessahistória.Myron não gostou do que ouviu. Segurança demais no tom de voz.

Audreynãoestavaprecisandodecaronanenhuma,dissoeletinhacerteza.Queria apenas uma oportunidade para conversar sozinha com ele.Sorrindodeummodosimpático,Myrondisse:–Issonãotemnadaavercomaminhabunda,tem?–Como?–Jessicacontouquevocêsandaramfalandosobreaminhabunda.Audreyriu.–Bem,detestoadmitir–confessou–,masnãoéumabundaqualquer.Myrontentoudisfarçaroorgulho.–Então,vaifazerumamatériasobreela?–Sobreasuabunda?–É.–Claro.Páginadupla.

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Myronriu.–Vocêestátentandomudardeassunto–disseAudrey.–Nóstínhamosumassunto?–Faleiqueestoucomeçandoajuntaraspontasdessahistória.–Eissoláéassunto?Myron olhou de relance para ela. Audrey se empoleirava no banco de

modoquepudessefitá-lodefrente.Tinhaumrostolargoealgumassardas,quedecertohaviamsidomuitomaisnumerosasna infância.Todosnós játivemosumacoleguinhadeprimáriofofinhaemeiomoleca,nãoéverdade?Pois quem estava ali agora era a versão adulta de uma delas. Nenhumabeldade,issoeracerto.Aomenosnãonospadrõesclássicosdabeleza.MasAudrey tinha um charme natural que incitava nas pessoas uma súbitavontade de abraçá-la e rolar com ela pelas folhas secas num dia frio deoutono.– Eu não devia ter demorado tanto para descobrir – prosseguiu ela. –

Emretrospecto,ébastanteóbvio.–Eporacasodevosaberdoquevocêestáfalando?–Não–respondeuela.–Porenquantovocêpodecontinuarse fazendo

debobo.–Minhaespecialidade.–Ótimo. Então continue dirigindo aí e escute. – Asmãos dançavamem

gestosconstantes,subindoedescendoconformeela falava.–Sabe,eumedeixei levar pela ironia poética da coisa toda. Foi nela queme concentreide início. Mas o passado de rivalidade entre vocês é apenas um fatorsecundário.Bemmenosimportanteque,digamos,seupassadocomEmily.–Continuosemsaberdoquevocêestáfalando.– Nesses anos todos você não jogou nenhuma vez pela liga amadora,

nemparticipoudenenhumcampeonatodeverão.Vezououtrabateumabolanoclube,esuamalhaçãoseresumeàsaulasdetaekwondoquevocêfazcomoWin,numlugarquenemquadradebasquetetem.–Sim,edaí?Comosbraçosestendidosnumgestodeincredulidade,eladisse:–Fazanosquevocênãopratica.NuncajogouemalgumlugarondeClip

ou Calvin ou Donny pudessem ter visto você. Então por que diabo osDragons iriam contratá-lo? Não faz sentido. Um golpe de publicidade?Poucoprovável.A repercussãonemseria tão grandeassim, comode fatonãofoi.Esevocêsesairmal,oque,convenhamos,nãoélámuitodi ícildeacontecer,arepercussãoseráaindapior.Osingressostêmvendidobem.Otime está numa boa fase. Não vejo nenhum motivo para um golpe de

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publicidade nesse momento. Portanto, só pode ser outra coisa. – Ela secalou um instante para reacomodar o corpo no banco. – Sem falar notiming.–Otiming.–É–disseela.–Porqueagora?Porquecontratarvocênessaalturada

temporada?Arespostarealmenteéóbvia.Sóháumacoisano timingquechamaaatenção.–Queé?–OsúbitodesaparecimentodeDowning.–Gregnãodesapareceu–corrigiuMyron.–Elesemachucou.Nãovejo

nadadeestranhonesse“timing”.Gregsemachucou,umavagaseabriu,eeuapreenchi.Audreysorriuebalançouacabeça.–Aindainsisteemsefazerdebobo,nãoé?Tudobem,váemfrente.Mas

digamosquevocêestejacerto.Downingsecontundiueestádemolho.Porque será, então, que não consigo descobrir onde ele está? Já recorri aosmeusmelhorescontatos,eatéagoranada.Vocênãoachaissoestranho?Myronapenasdeudeombros.– Se Downing quisesse mesmo se isolar para se recuperar de uma

contusão no tornozelo – prosseguiu ela –, contusão que não aparece emnenhum vídeo, diga-se de passagem, é bem possível que ele encontrasseummododefazerisso.Masseeleestáapenastratandoumacontusão,nãomaisqueisso,porquetantanecessidadedeisolamento?– Talvez ele não queira ser perturbado por pentelhos como você –

sugeriuMyron.Audreyquaseriu.–Vocêfaloucomtantaconvicção...–observou.–Atéparecequeacredita

nisso.Myronpermaneceucalado.–Mas vai parar de se fazer de bobo depois que ouvir algumas coisas

que tenho a dizer. – Audrey abriu os dedos ligeiramente calejados edesprovidosdeanéis,parafazersuaenumeração.–Primeiro,seiquevocêjá passou pelo FBI e que, portanto, tem alguma experiência comoinvestigador.Segundo,seiqueDowningtemocostumedesumir,porquejáfez isso antes. Terceiro, sei da situação do Clip junto aos outrosproprietários dos Dragons e da importante votação que está por vir.Quarto, sei que você foi falar com Emily ontem, e duvido que tenha sidoparareacenderavelhachama.–Comoficousabendodisso?–perguntouMyron.

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Audreyapenassorriuebaixouamão.Depoisfalou:– Basta somar esses quatro pontos para chegar à seguinte conclusão:

você está procurandopeloDowning. Ele sumiudenovo,masdessa vez otiming não poderia ter sido pior, com a votação do Clip e as inais seaproximando.Suamissãoéencontrá-lo.–Vocêtemumaimaginaçãoetanto,Audrey.– Tenhomesmo – concordou ela –,mas você sabemuito bem que não

estou inventandonada.Portanto,voudiretoaoponto:queroentrarnessebarco.–Entrarnobarco?–indagouMyron.–Osrepórtereseseujargão...– Não vou largar esse osso – prosseguiu ela, ainda virada no banco,

ansiosacomoumacolegialemvésperadeférias.–Achoqueagentedeviaunir nossas forças. Posso ajudar. Tenho ótimas fontes. Posso fazerperguntas sem me preocupar em dar alguma bandeira. Conheço essaequipedosDragonspeloavesso.–Eoquevocêqueremtrocadessaajuda?– A história completa. Quero ser a primeira repórter a saber onde

Downing está, por que sumiu, tudo. Você não vai contar nada a ninguémalémdemim,vaimeprometerumfuroexclusivo.Eles passaram por diversos postos de gasolina emotéis vagabundos à

beiradaRoute4.EmNovaJersey,osmotéisquasesemprerecebemnomesairosos que nada têm a ver com sua verdadeira razão de ser. Naquelemomento, por exemplo, eles passavam diante de certo “Recanto daCortesia”.OrespeitávelestabelecimentodispensavaaoshóspedesnãosóacortesiaprevistanonomecomotambémairrisóriataxadeUS$19,82porhora, segundo informava a placa. Não 20 dólares, prestem bem atenção,masUS$19,82.Myron supôsqueonúmero tambémdissesse respeito aoano de 1982, provavelmente o último em que eles haviam lavado oslençóis. Logo depois do motel vinha um bar igualmente xexelento, oARMAZÉMDACERVEJABARATA . Pelomenos ali a propagandanão era enganosa.Umaboaliçãoparaosvizinhos.– Você sabe que eu poderia divulgar todas asminhas suspeitas agora

mesmo–pontuouAudrey.–ObarulhojáseriagrandeseeudissessequeDowning não está machucado coisa nenhuma e que você foi contratadoparaencontrá-lo.Masprefiroobarulhomaiordahistóriacompleta.Myron re letiu um instante enquanto pagava o pedágio. Rapidamente

olhou para o rosto ansioso de Audrey, que, por causa dos olhosarregalados e dos cabelos desgrenhados, mais lembrava uma refugiadapalestinaprontaparaentraremguerraereconquistarsuaterranatal.

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–Vocêvaiterdemeprometerumacoisa–pediu.–Oquê?–Vocênãovai seprecipitaremhipótesealguma,pormais incrívelque

seja a história. Não vai publicar uma linha sequer antes que Greg sejaencontrado.Audreyporpouconãocaiudobanco.–Comoassim?Deque“históriaincrível”vocêestáfalando?–Esquece,Audrey.Podepublicaroquequiser.–Tudobem, tudobem,negócio fechado– apressou-se emdizer. –Mas

ninguémmencionaumahistória incrívelaumarepórtersemesperarqueelafiquecuriosa.–Vocêpromete?–Claro,claro,prometo.Então,oqueestárolando?Myronfezquenãocomacabeça.–Vocêprimeiro–disse.–PorqueachaqueGregsumiriadomapa?– Como é que eu vou saber? – retrucou ela. – O homem é ummaluco

profissional.–Oquevocêsabesobreodivórciodele?–Apenasquetemsidoumabatalhasangrenta.–Ouviufalardealgumacoisa?–Elesestãobrigandopelaguardados ilhos.Umtentandoprovarqueo

outronãotemcondiçõesdecuidardascrianças.–Eemquepéestáacoisa?Sabedealgumdetalhe?–Não.Tudovemsendorigorosamenteabafado.– Emily contou que Greg apelou para uns golpes bem baixos – disse

Myron.–Vocênãoouviunadasobreisso?Audreypuxoupelamemória.Daliapoucofalou:– Ouvi o boato, sem nenhum fundamento, de que Greg contratou um

detetiveparaseguiramulher.–Paraquê?–Seilá.–Parafilmá-la,talvez?Comoutrohomem?Eladeudeombros.–Ésóumboato.Nãoseidizer.–Sabeonomedodetetive,ouparaquemeletrabalha?– Como eu disse, Myron, é só um boato. Não me dei o trabalho de

investigar.A inal,odivórciodeumjogadordebasquetenãoéalgoqueváabalaromundodosesportes.Myron fezumaanotaçãomental: checarosarquivosdeGregembusca

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dealgumpagamentofeitoaumaagênciadedetetives.–ComoeraarelaçãodeGregcomMartyFelder?–Oagentedele?Boa,euacho.–EmilycontouqueFelderfezGregperderumagranapreta.–Nuncaouvinadaaesserespeito–retrucouAudrey.AWashingtonBridge jádespontavanohorizonte.Myronpassouparaa

faixa da esquerda e tomou a Henry Hudson Parkway na direção sul. Àdireita,orioHudsoncintilavacomoumtapetedelantejoulaspretas.–EavidapessoaldeGreg?–continuouMyron.–Namoradas,esse tipo

decoisa...–Namoradasfirmes?–Sim.Audreycorreuosdedospelacabeleiraencaracolada,depoismassageou

apróprianuca.–Seiquehouveumagarota–disseela.–Downingmanteveacoisatoda

emsegredo,masachoqueelesmoraramjuntosporumtempo.–Comoelasechama?–Ele nuncamedisse. Vi os dois juntos num restaurante certa vez.Um

lugarchamadoSaddleRiverInn.Elenãoficoumuitofelizemmever.–Ecomoelaerafisicamente?– Nada especial, se não me falha a memória. Uma morena. Estava

sentada,entãonãoseidizerquepesooualturaelatinha.–Eaidade?–Nãosei.Trintaepoucos,suponho.–Eporquevocêachaqueelesmoravamjuntos?Pareciatratar-sedeumaperguntasimples,masAudreynãorespondeu

depronto.Ergueuosolhosporuminstante,esódepoisdisse:–Leondeixouescaparumacoisa.–Oquê?–Não lembro direito. Algo sobre a tal namorada. Depois se fechou em

copas.–Quantotempofazisso?–Três,quatromeses.Talvezmais.–LeondeuaentenderqueeleeGregnemsãotãoamigosassim,quea

mídiafazacoisaparecermuitomaiordoquerealmenteé.–É–disseAudrey.–Parecequerolaumacerta tensãoentreeles,mas

achoqueécoisapassageira.–Equalseriaomotivodessatensão?–Nãosei.

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–Quandovocênotouapresençadela?–Fazpoucotempo.Duassemanas,talvez.– Sabe de algum problema que possa ter acontecido entre eles

recentemente?–Não.Oscarassãoamigosdelongadata.Eamigossempretêmosseus

desentendimentos.Nãodeimuitaimportânciaaofato.Myron exalou um longo suspiro. De fato, amigos tinham seus

desentendimentos,masotimingnãodeixavadeserpeculiar.–VocêconheceMaggieMason?–AMetralhadora?Claroquesim.–ElaeGregerampróximos?–Sevocêquersaberseelestrepavam...–Nãoédissoqueestoufalando.– Bem, que eles trepavam, disso eu tenho certeza. Apesar do que a

Maggiediz,nemtodosdotimecaíramnasgarrasdela.Algunsrecusaramoconvite. Não muitos, devo admitir. Mas alguns. Ela já se ofereceu paravocê?–Agorahápouco,nafesta.Audreysorriuedisse:–Suponhoquevocêestejaentreospoucos,bonsefortesquesouberam

resistiraosencantosdafogosaSrta.Mason.– Supõe corretamente. Mas e a relação dela com o Greg? Eles são

próximos?– Bastante, eu diria.MasMaggie é aindamais próxima de TC. Aqueles

doissãounhaecarne.Nãoéapenassexoquerolaentreeles.Éclaroqueelesjásepegaram,etalvezcontinuemsepegandodevezemquando.Masaquelesdoisparecemirmãos.Éestranho.–TCtambémsedábemcomoGreg?–perguntouMyron.–Bemobastanteparadoisgrandesastrosdomesmotime.Mastambém

nãomorremdeamoresumpelooutro.–Dáparaelaborar?Audreyparouuminstanteeorganizouospensamentos.–FazmaisoumenoscincoanosqueTCeDowningdividemosholofotes.

Achoque se respeitam,masnão se falam foradaquadra.Aomenos, nãomuito. Não estou dizendo que haja uma animosidade entre eles, mas obasqueteéumempregocomooutroqualquer.Vocêtoleraumapessoanotrabalho,masnãoquerconviversocialmentecomela.–Erguendoosolhosparaotrânsito,eladisse:–Tomeasaídadarua79.–Vocêaindamorana81?

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–Sim.MyronsaiudarodoviaeparounosinaldaRiversideDrive.–Agoraéasuavez,Myron.Porqueelescontrataramvocê?–Foicomovocêdisse.QueremqueeuencontreoGreg.–Eoquevocêjádescobriu?–Nãomuito.– Então por que icou tão preocupado que eu desse com a língua nos

dentes?Myronhesitou.–Prometiquenãovoupublicarnada– lembrouela. –Você temminha

palavra.Promessaépromessa.MyroncontousobreosanguenoporãodeGrege

viuoqueixodeAudreycair.AocontarsobreoassassinatodeSally/Carla,receouqueelativesseumaparadacardíaca.–MeuDeus... – exclamouAudrey ao imdo relato. –Você achaque foi

Downingqueamatou?–Nãofoiissoqueeudisse.Eladeixouascostasdesabaremcontraobancoecurvouacabeçacomo

seopescoçojánãosuportassetantopeso.–MeuDeus,quehistória...–Umahistóriaquevocênãopodecontar.– Não precisame lembrar. – Audrey se endireitou novamente. – Acha

queelavaivazarembreve?–Épossível.–Entãoporquenãopossovazá-laeumesma?Myronbalançouacabeça.– Ainda não. Até agora conseguimos manter isso em segredo. Não

queremosquevocênemninguémestraguetudo.Audreyassentiu,aindaqueacontragosto.–VocêachaqueDowningmatouamulherefugiu?–perguntou.–Nãohánenhumaprovanesse sentido. –Myronparouo carrodiante

do prédio dela. – Uma última pergunta – falou. – Você acha que Gregestavaenvolvidoemalgumaparadasinistra?–Tipooquê?–Tipo...algoquedessemotivoparaquecapangasestivessematrásdele?Novamenteas antenasda repórter se eriçaram.Amulherpareciauma

correnteelétrica.–Comoassim?Quecapangas?–UnscarasaíqueestavamvigiandoacasadoGreg.

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Osolhosdelafaiscavam.–Matadoresprofissionais,éisso?–Provavelmente.Masaindanãotemoscertezadenada.Vocêsaberiade

alguma coisa que pudesse vincular Greg a esse tipo de gente ou, quemsabe,atéaoassassinatodessamulher?Drogas,seilá?Audreybalançouacabeçacomveemência.–Drogasnãosãoumapossibilidade–observou.–Porquenão?– Se Downing for viciado em alguma coisa, só pode ser em granola. O

caraédessesquesópensamnasaúde.–RiverPhoenixtambémeraassim.Elabalançouacabeçaumasegundavez.–Drogas,não.Soucapazdejurar.– Mexa os seus pauzinhos – pediu Myron. – Veja se descobre alguma

coisa.–Claro.Voudarumaolhadaemtudoissoquevocêfalou.–Discretamente.– Tudo bem – disse ela, e saiu do carro. – Boa noite,Myron. Obrigada

pelaconfiança.–Comoseeutivesseescolha...Audrey sorriu e fechou a porta do carro. Myron esperou que ela

entrasse no prédio, arrancou e voltou para a autoestrada, rumo aoapartamento de Jessica. Estava prestes a ligar para ela quando o celulartocou.Nopaineldocarroorelógiomarcava0h07.SópodiaserJessica.–Alô?Nãoeraela.–Pistadadireita,trêscarrosatrás.Estãoseguindovocê.EraWin.

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capítulo17

–QUANDOFOIQUEVOCÊVOLTOU?

Winignorouapergunta.–Oautomóvelqueestáseguindovocêéomesmoquevimosnacasade

Greg. Está registrado emnomedeumdepósito emAtlantic City.NenhumvínculoconhecidocomaMáfia,masessaseriaahipótesemaisprovável.–Háquantotempovocêestámeseguindo?NovamenteWinoignorou.–Osdoishomensqueoatacaramoutrodia...comoeleseram?–Grandes–disseMyron.–Umdeles,enorme.–Cabelobemcurto?–Sim.–Eleestánocarroatrásdevocê.Bancodopassageiro.Myron não se deu o trabalho de perguntar como Win sabia sobre o

ataquedoscapangas.Jáfaziaalgumaideia.–Eles têm faladoao telefonecomcerta frequência–prosseguiuWin.–

Suponho que estejam sendo pilotados por alguém. Os telefonemasaumentaramdepoisquevocêparounarua81.Espereumsegundo.Voltoaligardaquiapouco.Win desligou, e Myron olhou pelo espelho retrovisor. O carro ainda

estava lá, exatamente na posição informadaporWin.Dali a umminuto ocelulartocououtravez.–Diga–atendeuMyron.–AcabeidefalarcomJessicanovamente.–Comoassim,novamente?Winsuspiroucomimpaciência.Detestavaseexplicar.– Se eles estãoplanejandopegar vocêhoje ànoite, omais lógico éque

tentemfazê-lonoapartamentodela.–Certo.–Ergo,ligueiparaelauns10minutosatrás.Pediquetentasseidentificar

qualquercoisaforadocomum.–E?–Umavanbranca, semnenhum logotipo, estacionadadooutro ladoda

rua–explicouWin.–Ninguémsaiu.–Entãotudoindicaqueelesvãoatacar–disseMyron.

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–Sim–confirmouWin.–Querqueeuaborteoplanodeles?–Como?–Inutilizandoessecarroqueestánasuacola,porexemplo.–Não–respondeuMyron.–Deixequeelestomemainiciativa,aíagente

vêaondeissonosleva.–Perdão?–Sóprecisoquevocêmedêcobertura.Semepegarem,talvezeupossa

chegaratéochefedeles.Wintentavadizeralgumacoisa.–Oquefoi?–perguntouMyron.–Vocêestá complicandoo simples–disseWin.–Nãoseriamuitomais

fácil pegar esses dois que estão no carro e depois fazer com que elesentreguemochefão?–Esteseu“fazercomque”...Éissoquemepreocupa.–Ah,sim,claro–retrucouWin.–Mildesculpaspelaminhafaltadeética.

Naturalmente é muito mais lógico arriscar sua vida do que impor a ummelianteinútilumbrevedesconforto.Win tinha um modo inusitado e temerário de dar sentido às coisas.

Myronprecisoulembrarasimesmodequemuitasvezesológicoerabemmaisperigosoqueoilógico,sobretudoemsetratandodalógicadeWin.–Elessãoapenaspaus-mandados–falou.–Temrazão–concedeuWindepoisdeuminstante.–Massuponhaque

elesatiremàqueima-roupa?–Issonão fariasentido.Seestãoatrásdemiméporqueachamquesei

ondeGregestá.–Emortosnãofalam–acrescentouWin.– Exatamente. Querem abrir o meu bico. Então icamos assim: você

continuameseguindo;casomelevemparaalgumburaco...–Tirovocêdelá–disseWin.Myron con iavaplenamentena capacidadedoamigode cumprir coma

palavra dada. Mesmo assim, irmando os dedos no volante, sentiu ocoração bater mais forte. Uma coisa era usar a razão para afastar ahipótesedeumaemboscada fatal; outrabemdiferente eradescerdeumcarrosabendoqueapoucosmetroshaviaduascobrasprontasparadarobote. Win icaria de olhos bem abertos. Ele também. Caso uma armadespontassedavanantesdequalqueroutracoisa,a situaçãopoderiasercontornada.Myron saiu da autoestrada. De modo geral, as ruas de Manhattan

formam uma grade organizada e lógica de vias numeradas que seguem

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para norte ou sul, leste ou oeste. No entanto, na região de GreenwichVillage edo Soho, essa grade lembraumaobrade SalvadorDalí: as ruasserpenteiam de um lado a outro com nomes próprios no lugar dosnúmeros,semomenorrespeitopelaorganizaçãooupelalógica.Por sorte, a Spring Street era uma grande reta. Um ciclista passou em

alta velocidade por Myron, mas além dele não havia ninguém. A vanbranca estava estacionada exatamente onde deveria. Nenhum logotipo,comohaviainformadoJessica.Osvidroseramescuros,entãonãosepodiaver o interior do veículo. Myron não localizou o carro de Win, mas, poroutrolado,esseeraoplano.Lentamente,elefoiseguindopelarua.Passoupelavan,eomotorista,fossequemfosse,logodeupartidanomotor.Myronsedirigiuparaumavagamaisadiante,eavanarrancou.Horadoshow.Myronentrounavaga,endireitouovolante,desligouomotoreguardou

as chaves no bolso. Vendo que a van se aproximava, tirou o revólver docoldre e o alojou sobobancodo carro.Nãoprecisariadeleporora. Casofosse pego, certamente seria revistado. E, se começassem a atirar, seriadesnecessárioatirardevolta.Wincuidariadissoatempo.Ounão.Eleentreabriuaportadocarro. Sentiuagarganta seapertardemedo,

mas foi em frente e saiu à calçada. Estava escuro. No Soho, as luzes dasruas eram praticamente inúteis, lumes de uma pequena lanterna numburaco negro. A claridade que vazava das janelas dos prédios não faziamais do que realçar o clima sinistro do ambiente. Sacos de lixo seespalhavam por toda parte, quase todos rasgados, fazendo com que ocheiro de comida podre infestasse o ar. A van foi se aproximando aospoucos. Subitamente um homem irrompeu de um dos prédios e avançousem hesitar com uma arma apontada para Myron. Vestia uma blusa degolarulêeumsobretudopretos.Avanparou,eaportalateralseabriu.–Vaientrando,seupanaca–ordenouoarmado.Myronapontouparasimesmo.–Estáfalandocomigo?–Paradentro,panaca!–Istoaíéumagolarulêouumadaquelasgolasfalsas?Ohomemdeuumpassoàfrente.–Agora!–Nãoprecisaficarnervosinho–disseMyron,edeuumpassonadireção

da van. – É que... se for uma gola falsa, nem dá para dizer. É um visualbastante esportivo. –QuandoMyron se via emapuros, suaboca adquiriavidaprópria.Elesabiatratar-sedeumgrandeperigo,epordiversasvezes

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já havia sido alertado por Win. Mas não conseguia se conter. Diarreiaverbaloualgumapatologiaparecida.–Paradentro!Myron en im entrou na van, seguido do homem armado. Deparou-se

commaisdoishomensnapartedetráseoutroaovolante.Todosestavamdepreto,menosoquepareciaserochefedogrupo.Esteusavaumternoazul-marinho risca de giz; a gravata amarela, atada com um nó tipoWindsor, se irmava à gola pormeio de um grampo de ouro. Eurochique.Ele tinha cabelos compridos e muito louros, quase descoloridos, além deum bronzeado perfeito demais para que aquilo fosse obra do sol.Lembravamuitomaisumvelhosurfistaqueumgângsterprofissional.Ointeriordavanforainteiramentepersonalizado,masnãoparaobem.

Todososbancoshaviamsidoretirados,excetoodomotorista.Umsofádecouro,ondeoRiscadeGizsesentavasozinho,corriaaolongodeumadaslateraisdapartede trás.Umcarpete felpudo,deumverde-limãoqueatéElvisachariaberrantedemais,cobriacompletamenteochãoesubiaatéotetofeitoumatrepadeiraartificial.RiscadeGizsorriacomasmãoscruzadassobreocolo,bemàvontade.A

vanseguiuadiante.Myronseacomodounocarpeteecorreuamãosobreasfelpas.–Verde-limão–disse.–Muitobonito.– E barato – comentou o Risca. – De modo que não precisamos nos

preocuparcomasmanchasdesangue.– Contenção de custos. – Myron meneou a cabeça com displicência,

apesardabocaseca.–Umaboapráticagerencial.O Risca não se deu o trabalho de responder. Apenas lançou um olhar

significativoparaohomemarmado,queseempertigouepigarreou:– Este é o Sr. Baron. – Ele apontou para o Risca. – Mas também é

conhecido como “BMan”. – Novamente pigarreou, dando a impressão deque repetia um texto previamente ensaiado. O que para Myron erabastante provável. – É chamado dessamaneira porque gosta de quebrarossos.Breakbones,sacou?–Uau,asmulheresdevemadorar–disseMyron.B Man sorriu, deixando à mostra dentes brancos como os de um

comercialdeTV.–Estiqueaspernasdele–falou.O capanga incou o cano do revólver contra a têmpora deMyron com

tanta força que por pouco não deixou ali uma marca permanente. Emseguidaenlaçouseupescoçocomobraçolivre,apertandoopomodeadão

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comointeriordocotovelo.AoouvidodeMyron,sussurrou:–Nemtentesemexer,seupanaca.–EforçouMyronasedeitar.Isso feito, o segundo homem se escanchou sobre o peito de Myron e

prendeu as pernas dele contra o chão. Myron mal conseguia respirar.Apesar do pânico, permaneceu imóvel. Qualquer reação àquela alturaseria, quase inevitavelmente, a reação errada. Ele teria que continuarcedendopelomenosatésaberquerumotomariamascoisas.B Man se levantou do sofá calmamente, sem jamais tirar os olhos do

joelhoruimdeMyron.Exibindoumsorrisodefelicidade,disse:–Voucolocarumadasmãossobreofêmurdistal,eaoutrasobreatíbia

proximal. – O tom de voz era o mesmo de um cirurgião falando a seuresidente. –Ospolegaresvão se apoiarna facemedialdapatela.Bastaráempurrá-loscomumpouquinhodeforçaparaqueapatelasejadeslocadalateralmenteeparaquediversosligamentos,inclusiveoretináculomedial,sejam rompidos. Os tendões também vão se partir. – Ele cravou os olhosnosdeMyron.–Eadorseráinsuportável,imagino.Myronnemsequerarriscouumapiadinha.–Esperaaí–pediu.–Nãohámotivoparaviolência.–Edesdequandoaviolênciaprecisademotivos?–retrucouBMan.De olhos arregalados, o estômago enlaçado pelo medo, Myron foi logo

dizendo:–Espera.Voucontartudo.– Claro que vai – disse BMan. –Mas antes vai tentar nos enrolar um

pouco...–Não,nãovou.–Porfavor,nãointerrompa.Émuitodeselegante.–Osorrisojáhaviase

apagado.–Ondemesmoeuestava?–Primeiroelevaitentarnosenrolar–adiantou-seomotorista.– Isso. Obrigado. – BMan novamente ofereceu seu sorriso ofuscante a

Myron.–Primeirovocêvaienrolar.Vaitentarganhartemponaesperançadeserlevadoparaalgumlugarondeseuparceiropossavirsocorrê-lo.–Meuparceiro?–VocêaindaéamigodoWin,nãoé?OsujeitoconheciaWin.Mausinal.–Win?QueWin?– Exatamente – disse B Man. – Era a esse tipo de enrolação que eu

estavamereferindo.Agorabasta.Eleseaproximou.Myroncomeçouasedebater,masohomementerrou

orevólvernabocadele,atropelandodentes,engasgando-o.Ogostoerafrio

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emetálico.–Antesdetudovoudestruirojoelho.Depoisconversamos.Um dos capangas endireitou a perna de Myron enquanto o outro

retirava o revólver da boca de Bolitar para incá-lo outra vez contra suatêmpora. Os gestos de ambos agora erammais bruscos. BMan baixou amãonadireçãodojoelhodeMyron,osdedosestiradoscomoasgarrasdeumaáguia.–Espera!–berrouMyron.–Não–disseBMan,calmamente.Myron começou a se retorcer. Aproveitou a oportunidade para se

agarrar a umabarrametálicano chãoda van, dessas geralmenteusadaspara amarrar a carga transportada. Sentiu-se irme o bastante. E nãoprecisouesperarmuito.Obaquefoisúbitoeforte.Myronjáhaviaseantecipadoaele.Osoutros,

noentanto, forampegosdesurpresaearremessadosaochãoenquantoovidrodas janelas se estilhaçava.Oestrondoaindaecoavanoar.Os freioscantavam. Myron permanecia agarrado à barra enquanto a van iaperdendo velocidade. Assim que pôde, encolheu-se e foi rolando até umcantoqueotirassedocaminhodoqueestavaporvir.Emmeioaosberros,umaporta seabriueumaarma foidisparada.Ovozerio se intensi icouesegundos depois o motorista fugiu para a rua. B Man seguiu no encalçodele, saltando feito um gafanhoto. A porta lateral se abriu. Erguendo orosto,MyronviuWinentrarcomaarmaapontada.UmdoscapangasdeBMan,járecuperadodosusto,buscouseurevólver.–Largueisto–ordenouWin.Mas o homem não obedeceu e levou um tiro no rosto. Win

imediatamentemirou contra o outro capanga, que também se preparavaparaatirar.–Largueestaarma–repetiuWin.Ohomemserendeusemhesitar,eWinabriuumsorriso:– Este aprende rápido. – Depois correu os olhos a seu redor, mas

suavemente. Seusmovimentos eram sempre assim. Breves e econômicos.Mesmo quando andava, Win parecia deslizar. Por im ele encarou seurefém.Oqueaindarespirava.–Váfalando–mandou.–Nãoseidenada.– Resposta errada – disse Win, calma mas imperativamente; seu jeito

displicentedefalareramaisintimidadordoquequalquerrugido.–Senãosabedenada, vocêé inútilparamim;e seé inútil, teráomesmo imqueseuamigoaqui.Eleapontouvagamenteparaocorpoinerteaseuspés.

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Ohomemergueuosbraçoscomolhosarregaladosemuitobrancos.–Calmalá,calmalá...Nãoénenhumsegredo.Seuamigoouviuonomedo

sujeito. Baron. O cara se chama Baron,mas todomundo chama ele de BMan.–BManoperanoCentro-Oeste–relatouWin.–Quemfoiqueochamou?–Nãosei,eujuro.Winavançoucomaarma.–Vocêestásendoinútiloutravez–disse.–Maséverdade!Eudiriasesoubesse.Sóseiqueocarachegouontemà

noite.–Paraquê?–perguntouWin.–AlgumacoisaavercomGregDowning.Ésóoquesei,juro.–DequantoéadívidadeDowning?–Nãosei.Windeumaisumpassoadiantee incouocanodaarmaentreosolhos

dohomem.–Raramenteerroaestadistância–falou.Ohomemcaiudejoelhos,aindasobamiradeWin.–Porfavor–suplicouele,apavorado.–Nãoseidemaisnada.–Osolhos

jámarejavam.–JuroporDeusquenãosei.–Acreditoemvocê–disseWin.–Win...–disseMyron.Semtirarosolhosdorefém,Windisse:–Fiquetranquilo.Eusóqueriaquenossoamigoaquiconfessasse tudo.

Aconfissãofazbemàalma,nãofaz?Ohomemrapidamentefezquesimcomacabeça.–Jáconfessoutudo?Sim,sim,disseacabeçadohomem.–Temcerteza?Sim,sim,sim.Winporfimbaixouaarma.–Entãová–falou.–Agora.Nãoprecisourepetir.

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capítulo18

WINOLHOUPARAOCADÁVERcomosealiestivesseumtorrãodeturfaseca.–Melhorirmosembora.Myronconcordou.Levouamãoaobolsodacalçaepescouocelular.Um

truque relativamente novo no ramo. Nem ele nemWin haviam desligadodepoisdesuaúltimaconversaao telefone,ea ligaçãopermaneceraativa.Winpuderaouvirtudooquesepassaranointeriordavan.Quasetãobemquantoseestivesseusandoumaescutaouumwalkie-talkie.Eles saíram ao frio da noite. EstavamnaWashington Street. Durante o

diao lugar fervilhavacomamovimentaçãoeobarulhodoscaminhõesdeentrega, mas à noite era um silencioso deserto. Alguém teria uma belasurpresapelamanhã.Win quase sempre saía em seu Jaguar, mas por sorte conduzia um

ChevroletNova1983quando se jogou contra a van. Perda total.Nãoqueissofizessealgumadiferença.WinpossuíadiversoscarrossemelhantesemNova Jersey, os quais usava para fazer suas rondas ou qualquer outraatividade com um pé na ilegalidade. Impossível rastrear o tal Nova. Asplacaseosdocumentoseramfalsos.Jamaislevariamaoverdadeirodono.Myronolhouparaele.–UmhomemdasuacepanumChevyNova?–falou,edeuumrisinho.–Eusei–disseWin.–Senticoceirassódeentrarnaquilo.–Sealguémdoclubeviuvocê...Winestremeceuocorpo,dizendo:–Nempenseumacoisadessas.Myronaindasentiaaspernasbambase trêmulas.Mesmosabendoque

Win encontraria um meio de resgatá-lo, era bem possível que ocompanheirochegassetardedemais, istoé,depoisqueBMan jáotivessemutilado para sempre, e só de pensar no quanto ele havia chegadopróximodessapossibilidade,Myronsentiaamolecerosmúsculosdascoxase panturrilhas. As lágrimas vieram à tona quando ele olhou para Win.Percebendo-as,Winvirouorosto.Myronseguiuandandonoencalçodele.–Então,comovocêconheceessetaldeBMan?–perguntou.–EleoperanoCentro-Oeste–disseWin.–Éumexímiolutadordeartes

marciais.Fomosapresentadoscertavez,emTóquio.

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–Equaléotipodeoperaçãodele?– O pacote variado de sempre: jogo, drogas, agiotagem, extorsão. Um

pouquinhodeprostituiçãotambém.–Eoqueeleveiofazeraqui?– Tudo indica que Greg Downing lhe deve dinheiro – disse Win. –

Dívidasdejogo,provavelmente.EssaéaespecialidadedeBMan.–Quebomqueeletemumaespecialidade.–Nãoé?EudiriaqueoSr.Downingestádevendoascuecas.–Winolhou

derelanceparaoamigo.–Oqueébomparavocê.–Porquê?– Porque isso signi ica que Downing não está morto, está fugindo –

explicouWin. – B Man não é homem de queimar dinheiro. Não matariaalguémquelhedevesseumaboaquantia.–Mortosnãopagamdívidas.– Exatamente – concordouWin. – Além disso, sabemos que ele está à

procuradeDowning.Seotivessematado,nãoprecisariaencontrá-lo.Myronrefletiuuminstante.– Isso bate como queEmily contou.QueGreg estava duro. Talvez seja

porcausadojogo.Winassentiuefalou:–Mas agora vocême faça a gentileza de contar tudo o que aconteceu

durante a minha ausência. Jessica mencionou algo sobre uma mulhermortaquevocêteriaencontrado.Myron o colocou a par de tudo. Enquanto falava, novas teses iam

brotandoemsuacabeça,eeletentavaorganizá-lasnamedidadopossível.Aoterminarseurelato,atacouaprimeiradelas.–Suponhamos–disse–queDowningrealmentedevamuitodinheiroa

esse B Man. Isso explicaria a concessão que ele fez recentemente, a deassinar um contrato de publicidade, coisa que até então ele nunca haviafeito.Masagoraestavaprecisandodegrana.Winconcordou.–Continue.–EsuponhamosqueBManrealmentenãosejaumperdulário.Eleháde

querer seu dinheiro de volta, certo? Portanto, não faria a burrice demachucar Greg. Greg depende de sua integridade ísica para jogar eganhardinheiroparapagarsuasdívidas.Ossosquebradosnãoseriamdointeressedeninguém.–Éverdade–disseWin.–EntãodigamosqueBManquisesseintimidá-lodeoutraforma.

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–Como?–AtacandoalguémpróximodeGreg.Atítulodeadvertência.Winnovamenteconcordou.–Fazsentido.–Entãodigamosqueeles tenhamseguidoGreg.Viramocaracoma tal

mulher, Carla, e decerto deduziram que eles eram próximos. – Myronergueuacabeça.–Matá-lanãoseriaumabelaadvertência?Winfranziuocenho.–AchaqueBManamatouparaintimidarDowning?–Estoudizendoqueépossível.–Porquematá-la,enãoapenasquebraralgunsossos?–perguntouWin.– Porque B Man ainda não estava na cena, lembra? Chegou ontem à

noite.OassassinatodeCarlacertamentefoiobradecapangas.Winaindanãosedavaporconvencido.– Sua tese é pouco provável, quando muito. Se o assassinato foi uma

advertência,ondeestáDowningagora?–Fugindo–disseMyron.–Porquê?Porquetemiapelaprópriavida?–Sim.– E fugiu assim que soube damorte de Carla? – perguntouWin. – Na

noitedesábado?–Issoseriaomaislógico.–Estavacommedodeles?Porcausadoassassinato?–Sim–disseMyron.–Entãomediga–devolveuWin,agoraquasecantarolando.–Seocorpo

de Carla só foi encontrado hoje, como Downing poderia ter tomadoconhecimentodoassassinatonosábado?Myronsentiuumfrionaespinha.– Para que sua tese se sustente – prosseguiu Win –, Greg Downing

precisaterfeitoumadestastrêscoisas:oueletestemunhouoassassinato,ou entrou no apartamento logo depois, ou ele mesmo matou a mulher.Alémdisso,haviaumaboaquantiaemdinheironoapartamento.Porquê?Oqueessedinheiroestavafazendolá?SeriapartedopagamentodevidoaB Man? Nesse caso, por que os capangas não o levaram consigo? Ou,melhorainda,porqueDowningnãoolevouconsigo?Myronbalançouacabeça.–São tantas lacunas... – falou.–Eaindanãoconseguimosestabelecera

relaçãoentreDowningeessataldeCarla,Sally,ousejaláqualforonomedela.

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Winassentiu.Elescontinuaramandando.–Maisumacoisa–disseMyron.–Vocêachamesmoqueamá iadojogo

matariaumamulhersóporqueelafoivistacomGregnumbar?–Duvidomuito.–Portanto,essatesebasicamentenãopresta.–Basicamente,não–corrigiuWin.–Inteiramente.Elescontinuaramandando.EdaliapoucoWindisse:–TambémépossívelqueessaCarlatrabalhasseparaBMan.Myron novamente sentiu calafrios. Mesmo percebendo aonde Win

queriachegar.–Comoassim?–TalvezelafosseocontatodeBMan.Ouacobradora.Foiseencontrar

com Downing porque ele estava devendo dinheiro. Downing prometepagar, mas não está em condições. Sabe que o cerco está se fechandosobre ele. Já fez o que pôde para ludibriar os credores. Então volta aoapartamento,mataamulheresomedomapa.Silêncio. Myron tentou engolir um pouco de saliva, mas sua garganta

pareciacongelada.Erabomfazeraquilo,ventilartodasashipótesesemvozalta. Acalmava-o. As pernas ainda bambeavam em razão do episódio navan,masoquerealmenteoincomodavaagoraeraafacilidadecomqueseesquecera do cadáver abandonado para trás. Tudo bem, o homemprovavelmente não passava de um matador pro issional. Tudo bem, elehavialheenterradoumrevólvernaboca,enãoatenderaaordemdeWinpara baixá-lo. E tudo bem, omundo provavelmente tinha se tornado umlugarmelhor sema presença do sujeito.No passado, porém,Myron teriasentido ainda assimalguma compaixãopelo infeliz, um serhumano comoqualquer outro. Pois ele agora não sentia compaixão nenhuma. Tentavaencontraralgumvestígioderemorso,masoúnicoqueencontravaeraodenãosentirremorsoalgum.Chega de autoanálise. Afastando esses pensamentos da cabeça, Myron

disse:–Masessatesetambémtemosseusfuros.–Quais?– Que motivos Greg teria para matar Carla? Seria muito mais simples

fugirantesdeencontrá-lanorestaurante.Windigeriuoargumento.–Éverdade.Amenosquealgotenhaacontecidoduranteesseencontro.

Algoqueotenhaafugentado.–Tipooquê?

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Winapenasdeudeombros.–TudogiraemtornodessaCarla–disseMyron.–Nadaarespeitodela

faz sentido.Querdizer,nemmesmouma tra icantededrogas fariaoqueela fez: trabalhar de garçonete num restaurante, esconder notas de 100dólares sequencialmente numeradas, usar perucas, falsi icar tantospassaportes.E,paracompletar,vocêdeviatervistooDimontehojeàtarde.Elesabiaquemelaeraepareciaapavorado.–VocêentrouemcontatocomHiggins,doTesouro?–perguntouWin.–Sim.Elejáestápesquisandoosnúmerossequenciais.–Issodeveajudar.–Tambémprecisamosdarumainvestigadanosregistrostelefônicosdo

ParkviewDiner.TentardescobrirparaquemessaCarlaandavaligando.Nesse ponto eles se calaram e seguiram caminhando. Não queriam

pegarumtáxiaindatãopertodolocaldoincidente.–Win?–chamouMyronacertaaltura.–Fala.–Porquevocênãoquisiraojogonooutrodia?Winprosseguiuandando,mudo.Depoisdeumtempo,disse:–Vocênuncareviuovídeo,nãoé?Porquê?Myronsabiaqueoamigosereferiaaojogoemqueelehavialesionadoo

joelho.–Seilá.Reverparaquê?–Porumbommotivo–disseWin,masseminterromperacaminhada.–Podemedizerquemotivoéesse?–indagouMyron.–Setivessevistoessagravação,vocêteria lidadocomseuproblemade

frente.Aferidateriacicatrizado.–Nãoestouentendendo–disseMyron.–Eusei.–Sebemmelembro,vocêoreviu.Maisdeumavez.–Tivemeusmotivos–retrucouWin.–Vingança,nãoé?–ParaverseBurtWessonomachucoudepropósito–corrigiuWin.–Edarumtroconele.– Se não tivesseme impedido, você já teria superado essa história há

muitotempo.Myronbalançouacabeça:–Paravocêaviolênciaésempreamelhorsolução,nãoé,Win?–Deixademelodrama–rebateuele,sério.–Umhomemcometeuumato

vilcontraasuapessoa.Umbomtrocoteriaajudadovocêacolocarumapá

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de cal nessa história. Não é apenas uma questão de vingança. Mas deequilíbrio. Da necessidade que todo homem tem demanter os pratos dabalançaequilibrados.– Essa necessidade é sua – disseMyron –, nãominha. Machucar Burt

Wessonnãoteriaconsertadomeujoelho.–Masteriacicatrizadoaferida.–Masdequeferidavocêestáfalando?Aquilofoiumacidente!Sóisso!Winfezquenãocomacabeça.–Vocênuncaassistiuaovídeo.–Que diferença isso teria feito?Meu joelho continuaria em frangalhos.

Assistiraumagravaçãonãomudarianada.Winpermaneceucalado.–Nãoestouentendendovocê–disseMyron.–Toqueiminhavidadepois

dacontusão.Nuncareclameidenada,reclamei?–Nunca.–Nuncachoreinemxingueiosdeusesporcontadoqueaconteceu.–Nunca–repetiuWin.–Jamaissefezdevítimanemestorvouavidade

ninguém.–Entãoporquevocêinsisteemdizerqueeudeveriaterrevividoaquele

jogo?Winparoueolhouparaele.– Você respondeu à própria pergunta, mas prefere fazer ouvidos

moucos.–Porra,Win.Mepoupadessababoseira ilosó icadegafanhotokung-fu,

vai?–retrucouMyron.–Nãoenrola.Porquevocênãofoiaojogo?–Revejaovídeo–disseWin,eretomouacaminhada.

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capítulo19

MYRONNÃOREVIUOVÍDEO.Masteveumsonho.NessesonhoeleviaBurtWessonarremetendoemsuadireção,cadavez

mais perto. Via no rosto dele o olhar transido de uma fúria quaseprazerosa. Myron tinha tempo su iciente para se furtar ao choque. Naverdade,tempodemais.Masnessesonho,assimcomoemtantosoutros,elenãoconseguia semexer.Aspernasnão respondiam,ospés chapinhavamnuma espessa e onírica areia movediça enquanto o inevitável seaproximava.Na realidade, contudo, Myron nem sequer havia percebido a

aproximação de Burt. Não tivera nenhuma advertência. Pivotava sobre aperna direita quando se deu a colisão cega. Ouvira,mais do que sentira,algo estalar. De início não houve nenhuma dor, apenas susto eperplexidade. Esse susto provavelmente não havia durado mais que umsegundo,masumsegundoparalisadonotempo,dessesquesóacontecemnossonhos.Sóentãoveioador.No sonho,BurtWessonagoraestavaquaseemcimadele.Burt eraum

homemenorme,umjogadoragressivo,comoumdessesgorilasdohóquei.Nãotinhamuitotalento,mastinhaocorpanzil,esabiacomousá-lo.Comeleconseguira ir longeno basquete universitário,mas na liga pro issional ascoisas eram bem diferentes. Burt seria dispensado antes do início datemporada – uma ironia poética que nenhum dos dois, nem ele nemMyron, chegasse a participar de um jogo de basquete pro issional. Pelomenosatéduasnoitesantes.Nosonho,MyronviaBurtseaproximareesperava.Emalgumlugarde

seu inconsciente, sabia que despertaria antes da colisão. Sempredespertava.Eleagoraseachavanaquelatênuefronteiraentreopesadeloe o despertar, aquelaminúscula janela em que ainda estamos dormindomas sabemos que se trata de um sonho e, apesar de todo o terror,queremos continuar e ver como tudo terminará, uma vez que estamosapenas sonhando e não corremos nenhum tipo de risco.Mas a realidadenunca mantém essa janela aberta por muito tempo. Portanto, assim quevoltouà tona,Myronsedeucontadeque, fossequal fossearesposta,elajamaisseriaencontradanumaviagemnoturnaaopassado.–Telefoneparavocê–disseJessica.

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Myronpiscouesedeitoudecostas.Jessicajáestavavestida.–Quehorassão?–perguntouele.–Nove.–Nove?Porquevocênãomeacordou?– Você estava precisando descansar. – Ela lhe passou o telefone. – É

Esperanza.–Alô.–Caramba,vocênuncadormenasuacama?–disseEsperanza.Myronnãoestavaparabrincadeiras.–Oquefoi?–disseapenas.–FredHiggins,doTesouro,estánalinha.Acheiquefosseimportante.–Podepassar.–Umclique.–Fred?–Eumesmo.Comovai,Myron?– Tranquilo. Então, conseguiu alguma coisa sobre aqueles números

sequenciais?Depoisdecertahesitação,Higginsdisse:–Vocêtropeçounumbelomontedemerda,meuamigo.Dosgrandes.–Estououvindo.– Ninguém quer que a coisa vaze, entendeu? Precisei dobrar muita

gente,gastarmuitasaliva,paraconseguiroquevocêpediu.–Bocadesiri.–Tudobem,então.–Higginsrespiroufundo.–AscédulassãodeTucson,

Arizona – revelou. –Mais especi icamente, doFirst CityNationalBankdeTucson.Foramroubadasduranteumassaltoaobanco.Myronseempertigounacama.–Quando?–Doismesesatrás.Myron se lembrou de uma manchete de jornal e sentiu um frio na

espinha.–Myron?–ABrigadaRaven – disse. – Este assalto foimais uma investida deles,

nãofoi?–Foi.VocêchegouatrabalharnessecasoquandoestavanoFBI?–Não,nunca.Maseleselembrava.MyroneWinhaviamtrabalhadoemcasosdeuma

natureza especial e quase contraditória: casos de grande evidência, masque exigiam total sigilo. A dupla era perfeita para tais ocasiões. A inal,quemsuspeitariadeumex-jogadordebasqueteeumricaçoalmofadinhacomo agentes secretos? Eles podiam se in iltrar emqualquer círculo sem

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levantar nenhuma suspeita. Não precisavam inventar qualquer tipo deidentidade falsa; a identidade real de ambos eraomelhordisfarceque aagênciajátivera.Noentanto,Myronjamaissededicaraemtempointegralao trabalho comos federais.Win, sim, erao garotodeourodeles;Myronnão passava do ajudante de campo que Win convocava sempre quenecessário.MesmoassimeleconheciaatalBrigadaRaven.Qualquerumquetivesse

um mínimo de informação sobre os movimentos extremistas dos anos1960 saberia da existência dela. Fundada por um carismático líderchamadoColeWhiteman,abrigadaeramaisumadasfacçõesegressasdoWeather Underground, muito parecida com o Exército Simbionês deLibertação,ogruporesponsávelpelosequestrodePattyHearst.OsRavenstambém haviam tentado realizar um sequestro de grande notoriedade,masavítimaacaboumorta,edesdeentãoeleshaviampassadoaoperarnamaistotalclandestinidade.Quatrodeles.AdespeitodetodososesforçosdoFBI, os quatro fugitivos (incluindo Cole Whiteman, que, como Win, comseus cabelos lourose formação conservadora, jamais levantaria suspeitascomoumextremista)haviampermanecidoforagidosporquase25anos.AsperguntasestranhasqueDimontehaviafeitosobreradicaispolíticos

e“tiposperversivos”agoranãopareciamtãoestranhasassim.–AtaldefuntaeradosRavens,nãoera?–perguntouMyron.–Nãopossodizer–respondeuHiggins.–Nemprecisa.SeiqueeraLizGorman.Seguiu-semaisummomentodehesitação.–Ecomovocêpodesaberdeumacoisadessas?–Asprótesesdesilicone–disseMyron.–Oquê?LizGorman,umaruiva feroz,haviasidoumadasprimeiras integrantes

daBrigadaRaven.Duranteaprimeira“missão”dogrupo(umamalogradatentativa de incendiar o laboratório químico de certa universidade), apolícia havia encontrado um codinome no scanner: CD. Mais tardedescobriu-se que os integrantes masculinos da Brigada haviam dado aGormano apelido de CD, abreviação de Carpenter’sDream, ou SonhodeCarpinteiro,poisamoçaera“retacomoumatábuae fácildeaparafusar”.Por mais progressistas que se dissessem, os radicais dos anos 1960tambémeramosmaioresmachistas domundo.Agora as próteses faziamsentido.TodasaspessoasinterrogadasporMyronhaviamressaltadoesseaspecto de Carla: o tamanho dos peitos. Liz Gorman era conhecida pelasilhueta reta. Que disfarce seria melhor que as gigantescas próteses de

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silicone?–Os federaiseapolíciaestão trabalhandoemcooperaçãonestecaso–

disseHiggins.–Estãotentandomantê-loemsigiloporenquanto.–Porquê?–Estãodebotucanoapartamentodela.Naesperançadebotarasmãos

emoutroRaven.Myronestavaperplexo.Vinha tentandodescobriralgumacoisasobrea

misteriosamulher e agora sabia de tudo: tratava-se de Liz Gorman, umaconhecida guerrilheira que desde 1975 vinha sendo procurada pelapolícia. Os disfarces, os diversos passaportes, as próteses... agora tudo seencaixava.Nãosetratavadeumatraficante,masdeumafugitiva.Noentanto, seacreditavaquea identi icaçãodamulher jogariaalguma

luzsobreaprópriainvestigação,Myronhaviaseenganadoredondamente.Que vínculo poderia haver entre GregDowning e Liz Gorman? Como umjogador de basquete pro issional poderia ter se envolvido com umaextremista procurada pela polícia desde que ele, Downing, ainda eragaroto?Umacoisanãobatiacomaoutra.–Quantoeleslevaramnoassaltoaobanco?–perguntouMyron.– Di ícil dizer – respondeu Higgins. – Cerca de 15 mil dólares em

dinheiro, mas eles também explodiram os cofres dos correntistas. Ospedidos de indenização às seguradoras passam de meio milhão, mas hámuito exagero nesses casos. O cara é roubado e de repente ele tinha 10relógiosRolexnocofreemvezdeumsó.Vocêsabecomoé.– Por outro lado – disse Myron –, o cara que tivesse dólares ilegais

guardadosnessescofresnãodeclararianada.Teriaqueengoliroprejuízo.–Devoltaàsdrogaseaodinheirodonarcotrá ico.Osextremistasfugitivosprecisavam de recursos. Era notório que assaltavam bancos, tra icavamdrogas, chantageavam os ex-integrantes que haviam regressado à vidanormal...en im,oquefossenecessário.–Portanto,aquantiaroubadapodetersidobemmaior.–Certo.Masédifícildizer.–Vocêdescobriumaisalgumacoisa?–Não–disseHiggins.–Osigilotemsidogrande,eestouforadocircuito.

Vocênemimaginacomofoidi ícildescobrir tudo issoquecontei.Vocêmedeveumgrandefavor,Myron.–Jáprometiosingressos,nãoprometi?–Debeiradequadra?–Possotentar–disseMyron.Jessicavoltouaoquarto.Aoverorostodonamorado,parouondeestava

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eoencaroucomuma interrogaçãonoolhar.Myrondesligoue lhe contoutodaahistória.Elaouviu.Lembrando-seda indiretadeEsperanza,Myronen imsedeucontadequejáhaviapassadoaliquatronoitesseguidas:umrecorde pós-término de relação. O que era preocupante. Não que eletivesse medo de se comprometer. Pelo contrário, ele queria secomprometer.Masnosescaninhosdaconsciênciaaindatinhacertoreceio,feridasqueaindanãohaviamcicatrizadoporcompleto,coisasassim.Myron tinha o hábito de se expor demais. Sabia disso. Com Win ou

Esperanza, tudo bem. Eram pessoas de sua inteira con iança. Ele amavaJessica,emuito,masJessicajáohaviamachucadonopassado.Melhorseriaprosseguir com certa cautela, puxar o freio demão e tentar não se abrirtanto,mas o coração por vezes tinha vontade própria. Pelomenos o seu.Duas forças internas estavam em con lito naquelas circunstâncias: oinstinto natural de se entregar por inteiro no amor versus o instinto desobrevivênciaeafastamentodador.–Essahistóriatoda...–disseJessicaao imdorelato.–Seilá,éestranha

demais.–Émesmo–concordouMyron.Elesmaltinhamconversadonavéspera.

Myron simplesmente a apaziguara, dizendo que estava tudo bem, e emseguidaeleshaviamdormido.–Achoquetenhoquelheagradecer.–Porquê?–PorvocêterligadoproWin.–É,liguei.Depoisqueaquelescapangasoatacaram...–Acheiquevocêtivesseditoquenãoiainterferir.– Não foi isso que eu disse. Falei que não tentaria impedir você. É

diferente.–Temrazão.Jessica mordia o lábio inferior como se remoesse alguma coisa. Vestia

jeanseumacamisetafolgadadaDuke.Oscabelosaindaestavammolhadosdobanhorecente.–Achoquevocêdeviasemudarparacá–disseelaafinal.AspalavrasaterrissaramemMyroncomoumsoconoqueixo.–Oquê?–Desculpa,minha intençãonãoeraassustá-loassim–disse.–Masnão

soumulherdemolharbiscoitoemcaféquente.–Quemmolhaobiscoitoaquisoueu–brincouMyron.Jessicabalançouacabeça:–Vocêescolheospioresmomentosparafazerpiada.–Eusei.Desculpa.

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–Olha,nãosoumuitoboanessascoisas,Myron.Vocêsabedisso.Defatoelesabia.Jessica inclinou a cabeça para o lado, sacudiu os ombros, abriu um

sorrisonervoso.Porfimfalou:–Éque...gostodevervocêaqui.Éoquemeparececerto.OcoraçãodeMyronalçouvoo,cantandoaomesmotempoquetremiade

medo.–Éumpassoimportante.–Nemtanto–disseela.–Você jápassaboapartedotempoaqui.Além

disso,amovocê.–Eutambémamovocê.Osilêncioseestendeuumpoucomaisdoquedevia,eJessicaachoupor

bem tomar alguma providência antes que os danos se tornassemirreparáveis.–Nãoprecisaresponderagora–apressou-seemdizer.–Sóqueroque

vocêpensenoassunto.Escolhiumpéssimomomentoparafalardisso,comtodos esses problemas que você tem nas mãos... Ou talvez tenha faladojustamenteporcausadeles.Seilá.Masnãodiganadaagora.Apenaspense.Não me ligue durante o dia. Nem à noite. Vou assistir ao seu jogo, masdepois vou sair comAudreyparabeber alguma coisa.É aniversáriodela.Durma na sua casa hoje. Vamos deixar essa conversa para amanhã.Amanhã,tudobem?–Tudobem–disseMyron.–Amanhã.

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capítulo20

BIG CINDY SENTAVA-SEÀMESADARECEPÇÃO. “Sentava” talveznãosejaoverbocorreto, pois amulhermais parecia o proverbial camelo tentando passarpelo buraco da agulha. As quatro pernas damesa estavam suspensas noar, o topo se equilibrando como uma gangorra sobre os joelhos darecepcionista. A caneca de café sumia no interior das mãos gordas,praticamente duas almofadas de sofá. Naquela manhã os espetos doscabelospuxavammaisparaorosa.AmaquiagemlembravaMyrondeumincidentedesuainfânciaemquelápisdeceracoloridoshaviamderretido.Elausavaumbatombranco,algosaídodealgumdocumentáriosobreElvis.Sobre a camiseta extra-extra-grande se lia: NÃO ESPANQUE AS FOCAS . Myronlevoualguns segundosparaprocessar amensagem.Bonitinha, apesardepoliticamentecorretademais.Demodogeral,BigCindyrosnavaassimqueviaMyron.Hoje,noentanto,

ela sorriu gentilmente e piscou na direção dele. Uma visão ainda maisassustadora.Emseguida,estirouodedomédioecomeçouasacudi-loparacimaeparabaixo.–Linha1?–arriscouMyron.Big Cindy negou comum aceno de cabeça. E sacudiu o dedo commais

vigor,agoraolhandoparaoteto.Myronergueuorosto,masnãoviunada.Cindy revirou os olhos; o sorriso congelado dava-lhe o aspecto de umpalhaço.–Nãoestouentendendo.–Winquerfalarcomvocê–disseelaafinal.Myron, que até então nunca tinha ouvido a voz da mulher, icou

assustado.Elasoavacomoaapresentadorahiperativadeumprogramadetelevendas, desses em que alguém liga para dizer, com profusão dedetalhes, quanto sua vida mudou depois de comprar um vaso verde noformatodoHimalaia.–OndeestáEsperanza?–perguntouele.–Winéumgato.–Elaestáaqui?–Elepareciaaflito.Deveseralgumacoisaimportante.–Sóestouperg...– Vocêvai falar com o Win – interrompeu Cindy. – Você anda muito

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relapsocomseuparceiromaisimportante.–Denovoosorrisogentil.–Nãoandorelapso.Eusóqueriasaber...– Onde ica o escritório doWin. Dois andares para cima. – Ela fez um

ruídocomocaféquepoderia,vagamente,serdescritocomouma“golada”.–DigaaEsperanzaquevoltojá–avisouMyron.– Pode deixar – disse Cindy, e de novo piscou.Os cílios pareciamduas

tarântulassedebatendoantesdemorrer.OescritóriodeWindavaparaaesquinaentrearua52eaParkAvenue.

Umavistasoberanaparaotodo-poderosodaLock-HorneSecurities.Myronse acomodou numa das luxuosas poltronas de couro vinho. Sobre oslambris das paredes viam-se diversos quadros com cenas de caçada.Dezenasdecavaleirosmásculos(dechapéupreto,paletóvermelho,calçasbrancas e botas pretas) usavam não mais que ri les e cachorros paraperseguirumapeludacriaturinhaatécercá-laematá-la.Ah,aaristocraciae seus esportes. Exagero? Bobagem. Quem não usa um maçarico paraacenderocigarrodevezemquando?Windigitoualgoemseu laptop,quepareciasofrerdeprofundasolidão

naquelelatifúndioquesefaziapassarpormesa.– Encontrei algo interessante nos arquivos que copiamos na casa de

Greg.–Oquê?–Nossoamigo,oSr.Downing,tinhaumacontadee-mailnaAOL–disse

Win.–Ebaixouestamensagemnosábado.Veja.–ElevirouocomputadordemodoqueMyronpudesseler:

Assunto:Sexo!Data:11/314:51:36ESTDe:GatSetPara:Downing22Encontrovocêàsdez.Nolugarcombinado.Nãodeixedecomparecer.Prometoamelhornoitedeêxtaseimaginável.–F

Myronergueuosolhosdatela.–“Amelhornoitedeêxtaseimaginável?”–Umaindiscutívelquedaparaasletras,nãoacha?–observouWin.Myronfezumacareta,eWinlevouamãoaopeito:–Mesmoqueelanãotivessemeiosdecumprirapromessafeita,háque

se admirar a disposição da moça para correr riscos, a dedicação a seuofício.–Ahã–disseMyron.–Então,queméessaF?

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–Não há nenhumper il para o apelido “GatSet” na internet – explicouWin. – O que não signi ica nada, claro. Ninguém quer que as pessoasdescubram seu nome verdadeiro. Eu diria, no entanto, que F émais umheterônimodanossaqueridaefinadaamigaCarla.–Jásabemosqualéonomeverdadeirodela.–Já?–LizGorman.Winarqueouassobrancelhas.–Perdão?– Liz Gorman. Da Brigada Raven – disse Myron, e contou sobre a

conversaquetiveranavésperacomFredHiggins.Winserecostounacadeiraeuniuosdedosdasmãos.Comosempre,sua

expressãofacialnãoentregavanada.Aofimdorelatoelecomentou:–Curioso,cadavezmaiscurioso...– Tudo agora se resume a isto – disse Myron. – Que vínculo poderia

haverentreGregDowningeLizGorman?–Umvínculoforte–respondeuWin,apontandocomoqueixoparaatela

docomputador.–Apossibilidadeda“melhornoitedeêxtaseimaginável”,aseacreditarnahipérbole.–MascomLizGorman?–Porquenão?–retrucouWin,quaseultrajado.–Umapessoanãopode

ser discriminada em razão de uma simples prótese de silicone. Não écorreto.Sr.DireitosIguais.–Nãoéisso–disseMyron.–DigamosqueGregtivessealgumtesãoem

Liz Gorman, ainda que ninguém a tenha descrito como uma mulherespecialmentebonita...–Vocêétãosuper icial,Myron–disseWin,acintosamentebalançandoa

cabeça em sinal de censura. – Por acaso não lhe ocorre que Greg talveznão ligasse para uma bobagem dessas? A inal, a mulher tinha peitosgrandes.– Você, meu amigo, sempre passa batido no ponto principal quando o

assuntoésexo.–Enestecasoemparticular,opontoprincipalseria...–Comooscaminhosdelessecruzaram?Éissoqueeugostariadesaber.Win novamente uniu os dedos das mãos, agora batendo as pontas

levemente.–Ah...– É isso aí. Ah. De um lado temos uma mulher que vive na

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clandestinidade por mais de 20 anos, que viajou pelo mundo todo,provavelmente sem jamais icarpormuito temponummesmo lugar.Doismeses atrás estava noArizona assaltandoumbanco, depois foi trabalharde garçonete num restauranteminúsculo na Dyckman Street. E do outrolado temos Greg. Como é possível que um tenha cruzado o caminho dooutro?– Di ícil – concedeu Win –, mas não impossível. Várias evidências

apontamparaumarelaçãoentreeles.–Comooquê?–Estee-mail,porexemplo, foienviadonoúltimosábado.Nomesmodia

emqueGregeLizGormanseencontraramnumrestaurante.–Numburaco,vocêquerdizer.Dessesqueosamantesfrequentampara

nãoseremvistos.Masporquê?Porquenãonumhotelounoapartamentodela?– Talvez porque ela morasse longe. Ou talvez, como você mesmo

ressaltou, porque Liz Gorman não pudesse ser vista em público. Umrestaurantedessesseriaumaboaalternativa.–Winagoratamborilavanamesa.–Masvocê,meucaro,estáseesquecendodemaisumacoisa.–Oquê?–AsroupasfemininasencontradasnacasadeGreg–disseWin.–Você

mesmo,na sua investigação, levantouapossibilidadedequeGreg tivesseuma amante secreta. A pergunta, claro, é: por quê? Por que se dar otrabalhodemanterum casinho em sigilo?Umaexplicaçãopossível é queestecasinhofossecomanossainfameSrta.Gorman.Myron não sabia ao certo o que pensar. Audrey vira Greg num

restaurante na companhia de uma mulher que não se encaixava nadescrição de Liz Gorman. Mas o que isso poderia signi icar? Talvez setratasse de mais um casinho. Ou, quem sabe, de um encontro inocente.Aindaassimelenãoconseguiaengolirapossibilidadedeumenvolvimentoromântico entre Greg Downing e Liz Gorman. Alguma coisa não seencaixava.–Devehaveralgummeiodedescobrirmosareal identidadedapessoa

quemandoueste e-mail –disseMyron. –Precisamos saber se foimesmoLizGormanouqualquerumdosseusdiversoscodinomes.– Vou ver o que posso fazer. Não tenho nenhum contato na AOL,mas

algumconhecidonossohádeter.Winsevirouparaabriraportado frigobar,que, comoasparedes, era

revestido de madeira. De lá tirou uma caixinha de achocolatado e aarremessou paraMyron. Em seguida pegou uma lager.Win jamais bebia

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cervejacomum,apenaslager.–NãofoifácillocalizarodinheirodeGreg–disseele.–Suponhoquenão

hajamuito.–IssobatecomoqueEmilydisse.–Noentanto–prosseguiuWin–,identifiqueiumsaquegrande.–Dequanto?– Cinquenta mil dólares em dinheiro. Demorou um pouco porque o

saquefoifeitodeumacontaqueMartinFelderadministraparaele.–Equalfoiadata?–Quatrodiasantesdodesaparecimento.–Achaquefoiparapagaralgumadívidadejogo?–Podeser.OtelefonedeWintocou.Eleatendeu:– Articule. Tudo bem, pode passar. – E dali a dois segundos passou o

telefoneparaMyron.–Paramim?–disseMyron.–Não,não,éparamimmesmo.Sóestoulhepassandootelefoneporque

eleestápesadodemais.Nãoháquemresistaaumaboaresposta.Myronatendeualigação.–Alô?– Um carro da polícia está esperando por você na rua. – Era Dimonte,

comvozdepouquíssimosamigos.–Desçaaquiagoramesmo.–Quehouve?– Estou na casa deDowning, foi isso que houve. Praticamente tive que

chuparopaudeumjuizparaconseguiromandadodebusca.–Belametáfora,Rolly.–Vásefoder,Bolitar.Vocêdissequetinhasanguenacasa.–Noporão–corrigiuMyron.– Pois é exatamente na porra do porão que estou agora – devolveu

Dimonte.–Eolugarestámaislimpoqueabundadeumbebê.

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capítulo21

OPORÃODEFATOESTAVALIMPO.Nenhumsinaldesangue.–Deveterficadoalgumvestígio–disseMyron.Comosdentes cerrados, ameaçandopartiropalito entre eles,Dimonte

falou:–Vestígio?–Sim.Comummicroscópioagentecertamenteencontraalgumacoisa.– Com um mic... – Dimonte estirou os braços, fumegando. – Mas que

porravaiadiantarseeuencontraralgumvestígiodesangue?Oqueéqueissovaiprovar?Nãodáparatestarumvestígio!–Vaiprovarquehaviasangue.– Mas e daí? – berrou ele. – Em qualquer casa deste país você vai

encontraralgumvestígiodesangueseprocurardireito!–Nãoseioquedizer,Rolly.Osangueestavaaqui.Havia pelo menos uns cinco técnicos da polícia (nenhum uniforme,

nenhum carro o icial) examinando a casa. Krinsky também estava lá,empunhando uma câmera de vídeo desligada e segurando algunsenvelopespardos.Myronapontouparaelesedisse:–Sãooslaudosdolegista?RolandDimonteseadiantouparabloquearocaminhodele.–Nãoédasuaconta,Bolitar.–JáseisobreLizGorman,Rolly.Dessavezopalitonãoresistiuefoiaochão.–Mascomofoique...–Nãoimporta.–Claroqueimporta.Oquemaisvocêsabe?Seestiverescondendoalgo...–Nãoestouescondendonada,masachoquepossoajudar.Dimonteapertouaspálpebras.Sr.Desconfiado.–Ajudarcomo?–BastavocêmedizerqualeraotipodesanguedeGorman.Étudoque

precisosaber.Otipodesangue.–Eporquevocêachaqueeulhediriaalgumacoisa?–Porquevocênãobatemuitobemdacabeça,Rolly.–Váàmerda.Porquevocêprecisasaberotipodesangue?–Lembraquandoeudissequetinhaencontradosanguenoporão?

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–Sim.–Omitiumdetalhe.Dimonteofulminoucomoolhar.–Umdetalhe.–Testamosumaamostradosangue.–Testamos?Quemmaisestá...–Elenemprecisouterminar.–Droga!Não

vámedizerqueaquelepsicopataengomadinhotambémestámetidonisso.NãohaviaquemconhecesseWinenãooamasse.–Gostariadeproporumapequenabarganha–disseMyron.–Quetipodebarganha?–Vocêmedizotipodesanguequeestános laudoseeulhedigootipo

desanguedaamostraquecolhemos.– Porra nenhuma, Bolitar. Posso enquadrá-lo a qualquermomento por

manipulaçãodeprovasnumainvestigaçãopolicial.– Manipulação de provas? Mas nem sequer havia uma investigação

naquelemomento!–Mesmoassimeupoderiaenquadrá-loporinvasãodedomicílio.– Se pudesse provar. E se Greg estivesse presente para registrar uma

queixa.Olha,Rolly...–ABpositivo–disseKrinsky.E, ignorandoas farpasnoolhardochefe,

emendou:–Éumtiporarodesangue:apenas4%dapopulação.AmbosseviraramparaMyron,quedisse:–ABpositivo.Éomesmosangue.Dimonte ergueu as mãos e retorceu o rosto numa careta de

perplexidade.–Esperalá.Quediabovocêestáquerendodizer?Queelafoimortaaqui

elevadaparalá?–Nãoestoudizendonada–devolveuMyron.– Porque não encontramos nenhum indício de que o corpo tenha sido

removido – prosseguiu Dimonte. – Nenhum. Não que estivéssemosprocurando. Mas o volume de sangramento... quer dizer, caso ela tenhasidomortaaqui,nãohaveriatantosanguenaqueleapartamento.Vocêviuasangueira,nãoviu?Myroncon irmoucoma cabeça, eo investigador começouapassearos

olhosaleatoriamente.Myronquasepodiaverasengrenagensemperrandonointeriordacabeçadele.–Vocêsabeoqueissosignifica,nãosabe,Bolitar?–Não,Rolly.Porquevocênãomedáumaluz?– Signi ica que o assassino voltou aqui depois do crime. É a única

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explicação. E sabe quem começa a despontar como o principal suspeito?SeuamigoDowning.Primeiroencontramosas impressõesdigitaisdelenoapartamento...–Oquê?–Issomesmo.Estavamnomarcodaporta.–Masnãopeloladodedentro.–Sim,peloladodedentro.–Masemnenhumoutrolugar?–Quediferençaissofaz?As impressõesprovamqueeleestevenolocal

docrime.Oquemaisvocêquer?Sejacomofor,minhateseéaseguinte.–Ele mordeu um palito novo. Nova tese, novo palito. – Downing mata amulherevoltaemcasaparabuscaralgumacoisa.Estácompressa,entãoacabadeixandoumabagunçanoporão.Aí foge.Edali aalgunsdiasvoltaparafazeralimpeza.Myronachouaquiloimprovável.–Masmedigaumacoisa:quediaboeleveiofazernesteporão?–Lavarroupas–respondeuDimonte.–Eledesceuparalavarasroupas.–Alavanderiadacasaficaláemcima,juntodacozinha.Dimontedeudeombros:–Seilá,então.Derepenteveiopegarumamala.–Asmalas icamnoclosetdasuíte.Esteporãoéapenasumaespéciede

playgrounddascrianças,Rolly.Oqueeleteriaparafazeraqui?Isso fez com que Dimonte se calasse um instante. Myron também se

calou. Nada daquilo fazia muito sentido. Seria possível que Liz Gormantivesse sido morta naquele porão e levada para o apartamento deManhattan? Uma hipótese pouco plausível diante das evidências ísicas.Seriapossívelqueelativessesidoapenasferidanoporão?Epa,paremasprensas.Talvez a confusão tivesse apenas começado ali. Com uma briga ou

discussão. E o sangue havia sido derramado nummomento de confrontoentreosdois.Masdepois...oquê?Numaruarelativamentemovimentada,oassassino estacionou o carro, arrastou a mulher ferida até a porta doprédioparadepoismatá-lanoapartamento?Issofariaalgumsentido?Doprimeiroandar,alguémgritou:–Detetive!Encontramosalgo!Depressa!Dimonteumedeceuoslábios.–Ligueacâmera–disseaKrinsky.Gravarosmomentosrelevantes.Tal

comoMyronhaviasugerido.–Você icaaqui,Bolitar.Depoisnãoqueroter

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queexplicarapresençadessasuacarafeianagravação.A certa distância, Myron foi seguindo o investigador e seu parceiro

escada acima.Na cozinha eles viraramà esquerda. Para a lavanderia.Alias paredes eram revestidas com um papel amarelo com estampa degalinhasbrancas.UmaescolhadeEmily?Provavelmentenão.Conhecendo-acomoconhecia,Myronsuspeitavaqueelanemsequerhaviacolocadoospésnaquelelugar.–Poraqui–alguémfalou.Myron permaneceu alguns passos atrás.Mesmo assim pôde ver que a

máquinadesecarhaviasidoafastadadaparede.Dimonteseabaixouparaolhar atrás dela, e Krinsky se debruçou sobre o chefe para garantir quetudofosse ilmado.Segundosdepoiso investigadorsereergueu.Faziaumvisívelesforçopararefrearosorriso;a inal,umsorrisogravadoemvídeonãopegarianadabemnaquelascircunstâncias.Emseguidavestiuumpardeluvasdeborrachaepescouoobjetoencontradoatrásdamáquina.Umtacodebeisebolcobertodesangue.

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capítulo22

VOLTANDO AO ESCRITÓRIO, MYRON se deparou com Esperanza à mesa darecepção.–OndeestáBigCindy?–perguntou.–Almoçando.AimagemdocarrodeFredFlintstonetombandocomopesodascostelas

deBrontossauroespocoudiantedosolhosdeMyron.–Winmecolocouapardoqueestárolando–disseEsperanza.Elausavaumablusaazul-turquesadegolabaixa.Umpingenteemforma

de coração pendia orgulhoso de uma correntinha de ouro, contrastandocom a pele morena do colo. Os cabelos, modelados com mousse, comosempre,embaraçavam-seligeiramentenosbrincosgrandes,deargola.–Então,oqueaconteceunacasa?Myroncontousobrea limpezanoporãoeo tacodebeisebol.Emgeral,

Esperanzaseocupavadeoutrascoisasenquantoouvia.Agora,noentanto,ela itavadiretamenteosolhosdeMyron.Quandoagiaassim,aintensidadeeratantaqueàsvezesficavaatédifícilsustentarseuolhar.–Nãoseiseentendidireto–falou.–VocêeWinencontraramsangueno

porãodoisdiasatrás.–Certo.–Desdeentão,alguémfoiláelimpouabagunça...masdeixouparatrása

armadocrime?–Éoqueparece.Esperanzaremoeuosfatosporuminstante.–Seráquenãofoiaempregadaquemlimpou?– A polícia já investigou essa possibilidade. Faz três semanas que a

empregadanãoapareceporlá.–Vocêtemalgumateoria?– Acho que sim. Alguém está tentando incriminar o Greg. É a única

explicaçãológica.Esperanzaarqueouumadassobrancelhas,cética.–Plantandosangueedepoislimpando?–disse.–Não.Vamoscomeçardocomeço.Myronpuxouuma cadeira e se sentoudiante da funcionária. Ventilara

sua tese durante todo o trajeto de volta ao escritório e agora queria

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reavaliá-laemvozalta.Atrásdele,numcantoàesquerda,umamáquinadefax cuspia algo com seu arcaico zumbido.Myron esperou o ruído passar,depoisfalou:–Bem,emprimeirolugar,vamossuporqueoassassinosabiaqueGreg

estava com Liz Gorman naquela noite... Talvez os tenha seguido, talveztenhaesperadopertodoapartamento.Deumjeitooudeoutro,sabiaqueelesestavamjuntos.Esperanza meneou a cabeça e icou de pé. Em seguida foi ao fax e

recolheuamensagemtransmitida.– Depois que Greg sai do apartamento, o assassino sobe e mata Liz.

Sabendo que Greg daria um bom bode expiatório, ele recolhe certaquantidade de sangue no apartamento e planta na casa do Greg. Paralevantarassuspeitas.Eparacompletaroserviço, levatambémaarmadocrimeeplantaatrásdamáquinadelavar.– Mas você acabou de dizer que limparam o sangue – rebateu

Esperanza.– Certo. É aí que a coisa complica. Suponhamos, por exemplo, que eu

queira proteger Greg Downing. Entro na casa dele e encontro o sangue.Mas presta atenção: quero protegerGreg de uma cilada. Então, o que eufaço?Aindaexaminandoamensagemdefax,Esperanzadisse:–Vocêlimpaosangue.–Exatamente.–Uau, valeu. Eu ganhoo quepor ter adivinhado?Umdoce?Anda logo

comessasuahistória,vai.–Sóumpouquinhodepaciência,ok?Euencontrariaosangueelimparia.

Mas... e essa é a parte mais importante... da primeira vez que estive nacasa,não havia nenhum taco na lavanderia. E isso não é só a título deexemplo. Foi isso mesmo que aconteceu: Win e eu encontramos apenassanguenoporão.Nãotinhataconenhumlá.– Espera lá. Você está dizendo que alguém limpou o sangue para

protegeroGregdeumaarmação,masnãosabiadaexistênciadessetaco?–É.–Quem?–Nãosei.Esperanzabalançouacabeça.Voltouàmesaedigitoualgonotecladodo

computador.–Algumacoisanãoseencaixa.–Porquenão?

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–DigamosqueeuestejaperdidamenteapaixonadaporGregDowning–disse ela, e voltou para o fax. – Estou na casa dele. Por algum motivomisterioso, estou no playground dos ilhos dele. Não importa onde estou.Suponhaqueeuestejanomeuapartamento.Ouvisitandovocêemcasa.Eupoderiaestaremqualquerlugar.–Tudobem.– Vejo sangue no chão ou nas paredes, tanto faz. – Ela parou e olhou

paraMyron.–Aqueconclusãovocêesperariaqueeuchegasse?–Nãoestouentendendo.Esperanzarefletiuuminstante,depoisdisse:–Digamosque você acaboude sair daqui e foi para o apartamentoda

biscate.–Nãochameelaassim.–Sejacomofor.Digamosque,aoentrar,vocêtenhaencontradosangue

nasparedes.Qualseriaasuaprimeirareação?Myron lentamente meneou a cabeça, já percebendo aonde ela queria

chegar.–EuficariapreocupadocomJessica.–Esuasegundareação?Depoisdesaberqueelaestavabem.– Curiosidade, eu acho. De quem é aquele sangue? Como ele foi parar

ali?Essetipodecoisa.–Certo–concordouela.–Masvocêtambémnãopensariaalgumacoisa

como:“Caramba,melhorlimparissologo,antesqueabiscatesejaacusadadetermatadoalguém”?–Paredechamá-laassim.Esperanzaoignorou.–Pensariaounão?– Nessas circunstâncias, não – disse Myron. – Portanto, para que a

minhatesesesustente...–Seuprotetorhipotéticoteriaquesabersobreoassassinato–terminou

a frase por ele, novamente consultando o computador. – Ele, ou ela,tambémteriaquesaberqueGregestavaenvolvidodealgummodo.AcabeçadeMyronfervilhavacomaspossibilidades.–VocêachaqueGregmatouLiz?–Perguntouele.–Achaqueelevoltou

paracasadepoisdoassassinatoedeixouporláalgunsvestígiosdocrime...como o sangue no porão, e depois mandou o tal protetor para limpar asujeiraelivraracaradele?Esperanzafezumacareta:–Deondefoiquevocêtirouumamaluquicedessas?

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–Eusó...–Nãoénadadissoqueeuacho–disse ela, e grampeouaspáginasdo

fax. – SeGreg tivessemandadoalguémpara apagaros rastrosdele, essealguémtambémterialevadootaco.–Verdade.Então,comoéqueagentefica?Esperanza deu de ombros, circulou algo no fax com uma caneta

vermelha.–Vocêéograndedetetiveaqui.Évocêquemvaimedizer.Myronpensouuminstante.Outrapossibilidadelheocorreudeimediato,

umapossibilidadequeelerezavaparanãoseconfirmar.–Podeseroutracoisatambém–disse.–Oquê?–ClipArnstein.–Oquetemele?–ConteiaClipsobreosanguenoporão–disseMyron.–Quando?–Doisdiasatrás.–Comoelereagiu?– Pirou, basicamente. Ele também tem ummotivo: qualquer escândalo

nessa altura destruiria suas chances de manter o controle sobre osDragons.Aliás, foiporissoqueelemecontratou.Paraevitarqueamerdaseespalhasse.Ninguémmais sabiadosangueencontradonoporão.–Elese calou por alguns segundos,mentalmente repassando os fatos. – Claro,aindanão tiveaoportunidadedecontaraClipsobreoassassinatodeLizGorman. Ele nem sabia que o sanguenão era deGreg. Sabia apenas quehaviasanguenoporão.Seráqueiriatãolongemesmosabendotãopouco?SeráquearriscariafazeralimpezasenãosoubessedealgumacoisasobreLizGorman?Esperanzaabriuumpequenosorriso:–Talvezelesaibamaisdoquevocêimagina.–Porquevocêdizisso?Elaenfimlhepassouofax.–Éumalistadasligaçõesinterurbanasrealizadasnotelefonepúblicodo

Parkview Diner. Já cruzei com a minha agenda. Veja este número quecirculei.Uma ligação de 12minutos havia sido feita do Parkview Diner quatro

diasantesdodesaparecimentodeGreg.OnúmeroeradeClip.

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capítulo23

–LIZGORMANLIGOUPARAOCLIP?–MyronergueuosolhosparaEsperanza.–Quediaboestáacontecendo?–Perguntaaele–respondeuEsperanza,dandodeombros.– Eusabia que ele estava escondendo alguma coisa, mas agora iquei

maisperdidodoqueantes.ComoéqueClipseencaixanestaequação?– Pois é. – Esperanza examinava alguns papéis sobre a mesa. – Olha,

temosummontãodecoisaspara fazer.Coisasde trabalho.Você tem jogohoje,não?Eleconfirmou.– Então você fala com o Clip lá no estádio. Senão vamos icar apenas

andandoemcírculos.Myronnovamentecorreuosolhospelofax.–Maisalgumnúmeronestalistachamousuaatenção?– Ainda não – respondeu. – Agora quero falar com você sobre outro

assunto.–Oquê?–Temosumproblemacomumcliente.–Quem?–JasonBlair.–Qualoproblema?–Eleestáputodavida.Nãoquerqueeunegocieoscontratosdele.Falou

quecontratouvocê,nãouma... – ela abriuaspas comosdedos– lutadorapopozudaeembaladaavácuo.–Elefalouisso?–Falou.Popozuda.Nemmencionouasminhaspernas...Myronsorriuedisse:–Edepois,oquehouve?Atrásdeles, a campainhado elevador soou.Apenasumdos elevadores

do prédio parava naquela parte do andar, dando diretamente para arecepçãodaMBRepresentaçõesEsportivas.Muitochique,ouassimdiziamas pessoas. As portas se abriram, e dois homens irromperam na sala.Myronosreconheceuimediatamente.Camu ladoeMuro.Ambosarmados,apontandoparaeleeEsperanza.BMansaiuemseguida.Sorriaeacenavacomoseestivesseentrandonopalcodeumprogramadeauditório.

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–Comovaiojoelho,Myron?–Melhorquesuavan.BManriudaresposta.– Aquele Win... O homem é sempre uma surpresa. Como ele soube o

momentocertodeatacar?Nãohaviamotivoparanãoresponder.–Mantivemosnossostelefonesligados.BManbalançouacabeça:–Muitoengenhoso.Estouimpressionado.Ele usava um desses ternos um tanto brilhantes demais, com uma

gravata cor-de-rosa. A camisa tinha punhos franceses bordados com omonogramaBMAN.Osujeitorealmentelevavaasériooapelido.Nopulsodireito,traziaumapulseiradeouronaformadeumaespessacorrente.–Comovocêchegouatéaqui?–perguntouMyron.– Você não achou que nos deixaríamos intimidar por meia dúzia de

policiaisdealuguel,achou?–Mesmoassimgostariadesaber–insistiuMyron.BMandeudeombrosedisse:–LigueiparaaLock-HorneSecuritiesdizendoqueestavaàprocurade

um novo consultor inanceiro para gerenciarmeusmilhões.Mais do quedepressa,o ilisteucomquemfaleipediuqueeusubisse.Então,emvezdeapertarobotãodo15oandar,aperteiodo12o.–Eleespalmouasmãos.–Eaquiestou.Em seguida, BMan abriu um sorriso na direção de Esperanza. Comos

dentes clareados demais, e o bronzeado também excessivo, dava aimpressãodequehavialigadoumholofote.–Eestaadorávelcriatura–disse–,quemé?–MeuDeus–interveioEsperanza–,quemulhernãoadoraserchamada

de“criatura”?BManriudenovo.–Asenhoritatembrio.Gostodisso.Gostomesmo.–Comoseeumeimportasse.Maisumarisada.– Por acaso eu poderia roubar um segundinho do seu tempo,

senhorita...?–JaneMoneypenny–respondeuela,caprichandonaimitaçãodoJames

BonddeSeanConnery.BManirrompeunumaterceirarisada.Ohomemeraumahiena.–PodeligarparaoWinepediraelequedêumpulinhoaqui?–falou.–

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Pelointerfone,senãoforincômodo.Equeelevenhadesarmado.Esperanza olhou para Myron, e ele assentiu com a cabeça. Ela discou.

Pelointerfone,Winproferiuseutradicional“Articule”.– Um louro de farmácia com um bronzeado de farmácia está aqui,

querendofalarcomvocê.–Ah,jáestavaesperandoporele–disseWin.–Olá,BMan.–Olá,Win.–Suponhoqueestejanaboacompanhiadeseuscapangas.–De fato estou,Win. Se você tentar alguma gracinha, seus amigos não

sairãovivosdaqui.–“Nãosairãovivosdaqui”?–repetiuWin.–Euesperavamaisdevocê,B

Man,francamente.Desçoemumsegundo.–Venhadesarmado,Win.– Sem chance. Mas não haverá violência, prometo – disse Win, e

desligou.Poruminstantetodosseentreolharam,cogitandoquemfariaoquê.–Nãocon ionele–disseBMan,evirou-separaoMuro.–Leveamoça

paraaoutrasala.Proteja-sedooutroladodeumamesaoualgoassim.Seouvirtiros,estoureosmiolosdela.O Muro fez que sim com a cabeça. Dirigindo-se ao Camu lado, B Man

acrescentou:–MantenhaBolitarsobsuamira.–Certo.BMansacouaprópriaarma.Assimqueouviuacampainhadoelevador,

agachou-seemirou.Asportasseabriram,masnãofoiWinquemsaiuporelas.FoiBigCindy,umcorpulentodinossauroemergindodeseuovo.–Caralho!–exclamouoCamuflado.–Queporraéessa?BigCindygrunhiualgumacoisa.–Bolitar,queméessaaí?–perguntouBMan.–Minhanovarecepcionista.–Digaaelaparaesperarnaoutrasala.MyronapaziguouCindy:–Nãosepreocupe.Esperanzaestáládentro.Cindy grunhiu de novo, mas obedeceu. A caminho da sala de Myron,

passouporBMan,fazendocomqueaarmadele,diantedasproporções,seresumisseaumrelesisqueirodescartável.Depoisdeumúltimogrunhido,elaenfimpassouàsalaefechouaportaatrásdesi.Silêncio.–Caralho–repetiuoCamuflado.

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Dali a uns30 segundos a campainhado elevador soounovamente, eBMan retomou sua posição de ataque. Ao sair do elevador e se ver sob amiradeumaarma,Wincrispouorostonumacaretadeenfado.Comcertairritação,falou:–Faleiquenãohaveriaviolência.–Vocêtemumainformaçãodaqualprecisamos–disseBMan.–Estoucarecadesaber– retrucouWin.–Agorabaixeessaarmapara

quepossamosconversarcomcivilidade.BManmanteveobraçoerguido.–Vocêestáarmado?–Claroquesim.–Entãoentreguesuaarma.–Não–disseWin.–Enãoéumaarma.Sãoarmas.Noplural.–Faleiparavocê...–Eouvimuitobem,Orville.–Nãomechameporessenome.Winsuspirou.– Como quiser,BMan – disse ele, e balançou a cabeça de um lado a

outroparaemendar:–Vocêestátornandoascoisasmuitomaisdi íceisdoqueonecessário.–Comoassim?– Para um sujeito tão inteligente, você por vezes se esquece de que a

força bruta nem sempre é o melhor caminho. Há situações em que ocomedimentoémaiseficaz.Winadvogandoocomedimento,pensouMyron.Depoisdisso,oquê?Ex-

prostitutasadvogandoamonogamia?– Pense no que você já fez até agora – prosseguiu Win. – Primeiro,

mandouumadupladeamadoresparaemboscarMyron...–Amadores!–OCamu ladonãogostoudoqueouviu.–Quemvocêestá

chamandode...–Calado,Tony–ordenouBMan.–Vocênãoouviudoqueeleacaboudemechamar?Deamador!–Calado,eujádisse.MasTony,oCamuflado,aindanãosedavaporsatisfeito.–Poxa,BMan,tambémtenhosentimentos.–Seufêmuresquerdo,sevocênãofecharessamatracaagoramesmo.Tonyfechouamatraca.Voltando-separaWin,BManfalou:–Desculpeainterrupção.

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–Desculpaaceita.–Continue.–Comoeuiadizendo–prosseguiuWin–,primeirovocêtentaemboscar

oMyron.Emseguidatentasequestrá-loemutilá-lo.Paraqueessaviolênciagratuita?–Gratuita,não–rebateuBMan.–PrecisosaberondeDowningestá.–EoquefazvocêpensarqueMyrontemessainformaçãoparalhedar?–Vocêsdois estavamrondandoa casadele.Edeumahoraparaoutra

BolitarestájogandonotimedeDowning.Enamesmaposição!–Sim,masedaí?–Nãosounenhumidiota.Vocêdoissabemdealgumacoisa.– E se soubermos? – Win espalmou as mãos. – Por que você não

perguntou? Por acaso chegou a cogitar essa possibilidade? A de que omelhorcaminhoseriaapenasperguntar?–Mas eu perguntei! – interveio o Camu lado, agora na defensiva. –Na

rua!PergunteiondeoGregestava,eocaraengoliualíngua!Winolhouparaele.–JáestevenoExército?–perguntou.–Não–respondeuoCamuflado,visivelmenteconfuso.– Você não passa de um traste inútil – disseWin, nomesmo tom que

usaria para discutir os resultados de uma carteira de ações. – Umectoplasma lamentável como você, usando farda militar, é uma afrontaparaqualquerhomemoumulherque já tenhaestadonumasituaçãorealde combate. Se porventura eu voltar a vê-lo em semelhantes trajes,prometocuidar,eumesmo,doseufêmuresquerdo.Fuiclaro?–Opa...– Você não conhece a fera, Tony – interrompeu BMan. –Melhor você

enfiaroraboentreaspernaseficarcaladinho.Apesarda expressãodemágoa, oCamu ladoobedeceu semdizermais

nada.WinvoltousuaatençãoparaBMan.–Podemosnosajudarmutuamentenestasituação–disparou.–Como?– Ocorre que, assim como você, nós também estamos à procura do

escorregadioSr.Downing.Porissoeugostariadelhefazerumaproposta.–Soutodoouvidos.–Primeiro–disseWin–,baixeessaarma.BManapertouaspálpebras:–Comovousabersepossoconfiaremvocê?

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– Se eu quisesse vê-lo morto – respondeu Win –, teria cuidado dissoontemànoite.Depoisdealgumare lexão,BManassentiuebaixouaarma.Emseguida

acenouparaqueoCamufladofizesseomesmo.– Por que você não me matou? – perguntou. – Em semelhantes

circunstâncias,eunãooteriapoupado.–É issoquequerodizersobrea forçabruta–disseWin.–Trata-sede

umdesperdício. Precisamosumdooutroneste caso. Seo tivessematado,nãopoderialhefazerestapropostahoje.–Muitojusto.Opalcoétodoseu.–SuponhoqueoSr.Downinglhedevaumabelaquantia.–Umabelíssimaquantia.– Pois bem – disseWin. – Você nos diz o que sabe. Nós encontramos

Downing, sem nenhum ônus para você. E quando isso acontecer, vocêprometeráquenãofaránadacontraelecasoadívidasejapaga.–Esenãofor?Winsorriueestendeuosbraços.–Quemsomosnósparainterferirnoseumododegerirosnegócios?BManrefletiunovamente,masnãopormuitotempo.– Tudo bem, sua proposta é razoável.Mas não quero a criadagem por

perto.–ElesevirouparaoCamuflado.–Váparaaoutrasala.–Porquê?–Porquesealguémdecidirtorturá-lo,vocênãoteránadaparadizer.A resposta pareceu perfeitamente aceitável para o Camu lado, que,

resignado,saiuparaasaladeMyron.–Porquenãonossentamos?–sugeriuWin.Elesseacomodaramnascadeiras.Depoisdecruzaraspernas,BManfoi

logodizendo:–Downing,comotantosoutros,éviciadonajogatina.Porumtempoteve

muitasorte,oqueépéssimoparaalguémnacondiçãodele.Cedooutardea maré muda para qualquer jogador e, quando isso en im aconteceu,Downing continuou insistindo, convicto de que podia recuperar o que jáhaviaperdido.Todoseles insistem.QuandosãotãoricosquantoDowning,deixo passar. Deixo que eles cavem a própria cova. É bom para osnegócios.Mas,aomesmotempo,éprecisoficardeolho.Afronteiraétênue.Tambémnão queremos ver ninguém cavando até a China. – Ele se virouparaMyron.–Entendeoqueestoudizendo?Myronfezquesimcomacabeça.–AtéaChina.

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– Certo. Pois bem, Downing começou a perder muito dinheiro. Umaverdadeirafortuna.Nuncafoiumpagadorpontual,masacabavapagando.Porvezesdeixoacontachegaraos250,oumesmo300.–Trezentosmil?–perguntouMyron.–Sim.–BMansorriu.–Vocênãoconhecenenhumjogador,conhece?Myron permaneceu calado. Não contaria uma vírgula de sua vida

pessoalaumcrápulacomoaquele.– O vício do jogo é tão grave quanto o do álcool ou o da heroína –

prosseguiuBMan.–Decertamaneira,éatépior.Aspessoasbebemousedrogam para escapar do desespero. O jogo também tem esse aspecto,claro,masvaialém,porqueofereceamãoamigadaesperança.Quemjogatemesperança.Acreditaqueestáaumpassodeviraro jogo.Sevocêtemesperança, continua jogando. Se continua jogando, há sempre umaesperança.–Muitoprofundo–disseWin.–MasvoltemosaGregDowning.–Emsuma:Greginterrompeopagamentodesuadívida,quejábeirao

meio milhão. Começo a botar pressão, e ele diz que está completamentequebrado, mas que não preciso me preocupar, pois ele está prestes aassinarumgrandecontratodepublicidadequelherenderázilhões.O contrato com a Forte, pensou Myron. Agora fazia sentido a súbita

mudançadeopiniãodeGregquantoaoendossodeprodutoscomerciais.– Então pergunto a ele: quando vai entrar esse dinheiro? Daqui a uns

seismeses,elediz.Seismeses?Paraumadívidademeiomilhãodedólarescomjuroscorrentes?Impossível.Exigiopagamentoimediato,maseledissequenãotinhaodinheiro.Entãopediumademonstraçãodeboa-fé.Myronlogoviuparaonderumavaaquelaconversa.– Ele começou a cavar os resultados dos jogos. Para favorecer as

apostas...– Errado. Era isso que eledeveria ter feito. Os Dragons estavam

vencendo os Bobcats por uma margem de oito pontos. A missão deDowning era garantir que essa margem fosse menor do que oito. Nadademais.–Eleconcordou?– Claro que sim – disse B Man. – O jogo foi no domingo. Apostei uma

babanestamargem.Umababa.–MasGregnãochegouajogar–Myronterminouporele.– Exatamente. Os Dragons acabaram vencendo por 12 pontos. Tudo

bem, pensei. Downing se contundiu. Como noticiaram os jornais. Apenasum acidente, não foi culpa dele. Mas não me entendammal: ele ainda é

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responsável pelo meu prejuízo. Por que eu deveria pagar pelo acidentedele? – B Man esperou um instante para ver se alguém contestaria sualógica.Ninguémsedeuotrabalho.–Então iqueiesperandoqueDowningmeligasse,maselenuncaligou.Aessaalturaelemedevealgoemtornodedoismilhões.Win,vocêsabequenãoposso icardebraçoscruzadosnumasituaçãodessas,nãosabe?Winfezquesimcomacabeça.–QuandofoiaúltimavezqueGreglhepagoualgumacoisa?–perguntou

Myron.–Jáfazumtempo.Nãoseiaocerto.Unscinco,seismeses.–Nadamaisrecentequeisso?–Nada.Elesainda conversaramporum tempo, atéqueEsperanza,BigCindye

os dois capangas voltaram à sala.Win e BMan agora falavamde amigosquetinhamemcomumnasartesmarciais.Daliapouco,BManpartiucomseuentourage.Tãologoasportasdoelevadorsefecharam,BigCindyabriuumsorrisolargoparaEsperanzaecomeçouasaltitaremcírculospelasala,fazendotremerochão.MyronsevoltouparaEsperanzacomumainterrogaçãonoolhar.–Ograndalhão–falou–,oqueestavacomagentenasuasala.–Oquetemele?–PediuotelefonedaCindy.Big Cindy ainda saltitava com o entusiasmo de uma garotinha. Os

ocupantes do andar inferior certamente procuravam abrigo como seaquelefosseoúltimodiadePompeia.MyronsevirouparaWin.–VocêatentouparaofatodequeGregnãofeznenhumpagamentonos

últimosmeses?Winfezumgestoafirmativoeemendou:–Claro estáqueos50mil sacados antesdo sumiçonada tinhama ver

comdívidasdejogo.–Porqueseráqueelesacouessedinheiro?–Parafugir,eusuponho.–PortantoGregsabia,compelomenosquatrodiasdeantecedência,que

iriadesaparecer–disseMyron.–Éoquetudoindica.Myronrefletiuuminstante.– Então... o timing do assassinato não pode ter sido uma simples

coincidência. Se Greg já planejava fugir, não pode ser obra do acaso queLizGormantenhasidoassassinadanomesmodiaemqueelesemandou.

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–Dificilmente–concordouWin.–AchaqueGregéoassassino?–Todasasevidênciasapontamnessadireção–disseWin.–Comoeulhe

falei, esses 50 mil foram sacados de uma conta administrada por MartyFelder.TalvezoSr.Feldertenhaalgumaresposta.Myron ainda digeria os fatos quando, de repente, Big Cindy parou de

saltitar para abraçar Esperanza e dar mais um de seus ruidososgrunhidos.Ah,ajuventudeeoamor.–SeFelderjásoubessequeGregiriasumir–aventouMyron–,porque

eledeixariaaquelasmensagensnasecretáriadele?–Talvezparanosludibriar.Outalveznãosoubessedenada.– Vou ligar para ele – disse Myron – e marcar um encontro para

amanhã.–Vocêtemumjogohojeànoite,nãotem?–Tenho.–Aquehoras?– Às sete e meia. – Myron conferiu o relógio. – Mas preciso sair logo.

QuerofalarcomoClipantesdojogo.–Eulevovocê–disseWin.–QueromuitoconheceresteSr.Arnstein.

www

Assimquetodossaíram,Esperanzaconferiuasmensagensdevozeemseguidaorganizousuamesa:asduasfotos(naprimeira,suacadela,Chloe,recebia o prêmio de Melhor da Raça na exposição de Westchester; nasegunda,elacomoPocahontaseBigCindycomoBigChiefMamaerguiamocinturão de dupla campeã do torneio da FLOW) haviam sido derrubadaspelosjoelhosdeCindy.Ao mesmo tempo que admirava as fotos, ela remoía algo que Myron

dissera sobre o timing dos acontecimentos: o timing do assassinato, otimingdodesaparecimentodeDowning.Maseo timingdospassosdeLizGorman?DachegadadelaaNovaYork?ObancodeTucsonforaassaltadodoismesesantes;ora,LizGormantambémhaviacomeçadoatrabalhardegarçonete doismeses antes. Que uma criminosa procurasse fugir para olugarmais distante possível da cena do crime, tudo bem,mas para umacidadepopulosacomoNovaYork?Porquê?Quanto mais Esperanza re letia sobre tudo isso, mais confusa icava.

Havia ali uma sequênciade causas e efeitos.Decerto existia algonaqueleassaltoqueobrigaraLizGormanafugirparaNovaYork.Esperanzaainda

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consumiumais algunsminutos ruminando essas questões.A certa altura,noentanto,pegouotelefoneeligouparaumdoscontatosmaisfortesqueMyroneWintinhamnoFBI.– Eles precisam de todas as informações que vocês tiverem sobre o

assalto realizado pela Brigada Raven em Tucson – falou. – Podem memandarumacópiadoarquivo?–Amanhãmesmo,pelamanhã.

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capítulo24

WIN E MYRON TINHAM EM COMUM uma paixãomais oumenos bizarra pelosmusicais da Broadway. Naquele exato momento, no Jaguar de Win, ascaixasdesomtrepidavamcomatrilhasonorade1776.Umrepresentantedo Congresso Continental berrava: “Alguém, por favor, abra uma janela!”Isso levou a uma acirrada discussão sobre os méritos de se abrir a ditajanela (“é quente para caramba na Filadél ia”) versus deixá-las todasfechadas(“moscasdemais”).Entremeandoadiscussão,aspessoasdiziamaJohnAdamsparasesentar.História.–QuemfoioprimeiroatorainterpretarThomasJefferson?–perguntou

Win. Ele sabia a resposta. Com os amigos de Myron, a vida era umincessanteprogramadeperguntaserespostas.–Nocinemaounoteatro?Winfranziuocenho.–Nãomeinteressopormusicaisnocinema.–KenHoward–respondeuMyron.–Correto.QualfoiograndepapeldacarreiradoSr.Howard?–OtécnicodebasqueteemTheWhiteShadow.–Denovocorreto.OprimeirointérpretedeJohnAdams?–WilliamDaniels.–Maisconhecidocomo?–Ocirurgiãocabeça-duradeSt.Elsewhere.–AatrizqueinterpretouMarthaJefferson?–BettyBuckley.MaisconhecidapelopapeldeAbbyemOitoédemais.Winsorriu:–Vocêébom.Terminada a sabatina, Myron se virou para a janela e, olhando

vagamente para o borrão pulsante de prédios e carros, lembrou-se deJessica.Maisespeci icamente,doconviteparaqueelespassassemamorarjuntos.Porquenãoaceitá-lo?Eleaamava.Elaoamava.Maisqueisso,derao primeiro passo – a primeira vez que isso acontecia na vida dele. Namaioriadosrelacionamentos,umdosparceirostinhamaiscontrolesobreooutro. Essa era a ordemnatural das coisas. O equilíbrio perfeito era algomuito di ícil de se encontrar. Myron sabia disso; caso contrário, asconstantes farpas de Esperanza, dizendo que ele era tratado “à base do

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chicote”, já teriam feito a icha cair. Isso não signi icava que ele amasseJessicamaisdoqueelaoamava.Outalvezsim.Myronjánãosabiadireito.O que sabia com certeza era que osmomentos em que Jessica tomava ainiciativa, em que se expunha, eram bastante raros. Sua vontade eraacalentaressesmomentos, encorajá-los.Esperaramuito tempoparaouvi-la dizer essas palavras. Mas algo o refreava. Como no caso de TC, haviadiversosfatoresqueoraoimpulsionavam,oraopuxavamparatrás.Suacabeçafervilhavaaoavaliarospróseoscontras,masnãochegavaa

nenhuma conclusão. O que ele realmente queria era debater suas ideiascom alguém. Funcionava melhor assim: pensando em voz alta nacompanhiadeumamigo con iável.Mas quem?Esperanza, sua con identemais iel, detestava Jessica. Win... bem, nos assuntos amorosos, Winsimplesmentenãoeraocara;algumacoisahámuitotempode inharanasprofundezasdeseucoração.Apesardisso,Myronouviu-sedizendo:–Jessicaquerqueagentemorejunto.Winpermaneceucaladoporumtempo,depoisdisse:–Vocêvaireceberparticipaçãointegralnasfinais?–Oquê?–Vocêentroudeúltimahora.Jásabequantovaireceberpelasfinais?–Nãosepreocupe.Jáfoitudoacertado.Winmeneouacabeça,osolhos ixosno trânsito.Ovelocímetrooscilava

emtornodos130,umavelocidadeparaaqualaRoute3 certamentenãoestavapreparada.AolongodosanosMyronjáseacostumara,pelomenosatécertoponto,aoshábitosdeWinaovolante;mesmoassimpreferianãoolharparaafrente.–Vocêvaificarparaverojogo?–perguntouele.–Depende.–Doquê?–Senossaamiga, aMetralhadora, estiver lá... –disseWin.–Você falou

que ela estava procurando emprego. Talvez eu consiga interrogá-laduranteojogo.–Vaidizeroquê?– Este é um dilema que se impõe a nós dois. Se indagar sobre o

telefonemadeDowning,vocêvaientregaroouroquantoaorealmotivodesuacontratação.Eseeuo izer,elavaimecrivardeperguntas,querendosabertodososporquês.Dequalquermodo,amenosquenãodisponhadeum cérebro, nossa Metralhadora icará descon iada. Além do mais, sesouberdealgoimportante,certamentevaimentir.

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–Então,oquevocêsugere?Wininclinouacabeçacomoserefletisseprofundamente.–Talvezeualeveparaacama–concluiu.–Quemsabenãoconsigofazê-

lasoltaralínguaemmeioaosarroubosdapaixão?–ElasódormecomjogadoresdosGiantsedosDragons–disseMyron.

Depois,erguendoassobrancelhas,emendou:–Arroubosdapaixão?Windeudeombros.– Também posso fustigar o traseiro dela com uma mangueira de

borracha,seassimlheaprouver.–Maisalgumasugestão?–Precisopensar.–Semmaisdizer,eles tomaramasaídadoestádiode

Meadowlands.NoCDdo carro,Abigail Adamsdizia a JohnAdamsque asmulheresdeMassachusettsprecisavamdegrampos.Winassobioualgunscompassosdamelodia,depoisdisse: –Quantoa Jessica– ele retirouumadas mãos do volante e fez algo semelhante a um aceno –, não sou eu amelhorpessoaparadarconselhos.–Eusei.–Você icouumcacoquandoelaoabandonoudaprimeiravez.Nãovejo

motivoparacorreromesmoriscodenovo.Myronolhouparaele.–Vocênãovêmotivo.Winnãodissenada.–Issoémuitotriste,Win.–Defato–ironizou.–Umatragédia.–Estoufalandosério–disseMyron.Numgestodramático,Winlevouoantebraçoatéatesta:–Ah,talvezeujamaisconheçaasprofundezasdoburacoemquevocêse

meteuquandoJessicafoiembora...Pobredemim...–Vocêsabequeascoisasnãosãotãosimplesassim.Winbaixouobraçoebalançouacabeça.– Não, meu caro, as coisassão simples assim. O único sentimento real

quevocê conheceu foi ador.Quantoao resto, sãoos cruéisdevaneiosdoautoengano.–Vocêrealmenteacreditanisso?–Sim.–Éissoquevocêpensadetodososrelacionamentos?–Nãofoiissooqueeudisse.–Eanossaamizade?Tambéméumcrueldevaneiodoautoengano?–Nãoestamosfalandodenósdois–disseWin.

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–Sóestoutentandoentender...– Não há nada para entender – interrompeuWin. – Faça o que julgar

melhor.Comoeudisse,nãosouapessoamaisindicadaparadarconselhos.Silêncio. O estádio já se avultava diante deles. Durante anos tivera o

nomedeBrendanByrneArena,homenagemaoimpopulargovernadorqueocupava o cargo à época da construção do complexo. Recentemente, noentanto, diante da necessidade de arrecadar fundos, as autoridades doesporte haviam trocado o nome para Continental Airlines Arena – nadamuitomusical,aindaqueonomeantigotampoucoinduzissealguémasaircantarolando por aí. Brendan Byrne e seus asseclas haviam icadoinjuriados com a troca. Quanto desaforo, diziam eles, indignados. Aqueleestádio deveria entrar para a história como o grande legado dogovernador.Quetraição!Myron,porsuavez,achavaatrocaperfeitamentesensata. O que era preferível? Aumentar impostos para angariar 27milhõesdedólaresou feriro egodeumpolítico?Aescolhaeramaisqueóbvia.MyronolhouderelanceparaWin,queencaravaotrânsitocomasmãos

irmes sobre o volante. Na sequência, lembrou-se da manhã seguinte àpartida de Jessica, cinco anos antes. Ele perambulava triste pela casaquandoWinbateuàporta:–Venha comigo.Vamos contratarumagarota.Vocêestáprecisandode

umatrepada.Myronfezquenãocomacabeça.–Temcerteza?–Tenho–disseMyron.–Entãomefaçaumfavor.–Oquê?– Não vá sair enchendo a cara por aí – disse Win. – Isso seria um

imperdoávelclichê.–Ah.Etreparcomumagarotadeprogramaseriaoquê?Wincrispouoslábiosefalou:–Pelomenosseriaumbomclichê.–Issoposto,deuascostasesefoi.Desde então eles jamais haviam tocado no assunto de Jessica, e

ressuscitá-loagorahaviasidoumerro.Myrondeveriaterpercebidoisso.Win tinha láos seusmotivospara serdo jeitoqueera.Olhandoparao

amigo,Myronchegouasentirpenadele.Winviaaprópriavidacomoumalongaliçãosobreautopreservação.Osresultadosnemsemprehaviamsidobons, mas, de modo geral, eram e icazes. Ele não havia ceifado seussentimentos, nada tão dramático assim. Tampouco era o robôquemuitos

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acreditavam. Mas havia aprendido a não con iar muito nas pessoas oudependerdelas.Tinhaafetoporpoucos,masumafeto intenso,rarodeseencontrar.Eorestodomundopoucolheimportava.–VouconseguirumassentodoladodaMetralhadoraparavocê–disse

Myronbaixinho.Win meneou a cabeça e parou o carro numa das vagas do

estacionamento.MyronseapresentouàsecretáriadeClipefoilevadocomWin para a sala dele. Clip se encontrava à sua mesa. Por algum motivoparecia mais velho. As bochechas estavam mais pálidas e o papo, maislácido. Aparentemente, precisou de um esforço maior para se levantar.PoruminstanteavaliouWin,depoisdisse:–EstedeveseroSr.Lockwood.–Ele jásabiasobreWin.Comosempre,

umhomempreparado.–Sim–confirmouMyron.–Eleestáajudandocomnossoproblema?–Está.As apresentações foram feitas. Apertaram-se as mãos. Traseiros

procuraram assentos. Como de praxe nesse tipo de situação, Winpermaneceu calado. Os olhos corriam de um lado a outro pela sala,digerindooqueviam.Wingostavadeestudarumpoucoaspessoasantesdeabordá-las,sobretudoquandoestavamemseuhábitatnatural.– Então – disse Clip, forçando um sorriso cortês –, quais são as

novidades?–Quandonosfalamospelaprimeiravez–disseMyron–,vocêtemiaque

eu descobrisse algo desagradável. Gostaria de saber exatamente do queestavafalando.Cliptentoualargarosorriso:– Não me leve a mal, Myron, mas, se eu soubesse, não precisaria ter

contratadovocê.Myronbalançouacabeça.–Essanãovaidarparaengolir–disse.–Comoassim?–Gregjásumiuoutrasvezes.–Edaí?–Vocênuncasuspeitoudealgodesagradável.Oquemudouagora?–Jálhecontei.Avotaçãoqueestáporvir.–Estaéasuaúnicapreocupação?–Claroquenão–disseClip.–TambémestoupreocupadocomoGreg.–Masnuncacontratouninguémparaencontrá-loantes.Doqueestácom

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medo?Clipdeudeombros.– Provavelmente de nada. Foi apenas uma medida de precaução. Por

quê?Oquevocêdescobriu?MaisumavezMyronbalançouacabeça.– Você não é homemde icar se precavendo. Gosta dos riscos. Sempre

gostou.Quantasvezesjásubstituiujogadoresveteranosemuitopopularespornovatosdequeagentenuncaouviu falar?Quantasvezespartiuparacima da bola em vez de icar esperando pelo socorro da defesa? Vocênuncatevemedodosriscos,Clip.Pelocontrário.Clipsorriudiscretamente.– O problema com essa estratégia é que a gente também perde. E às

vezesperdefeio.–Oquevocêperdeudessavez?–perguntouMyron.– Por enquanto, nada – disse ele. –Mas se Greg não voltar, isso talvez

custeumataçaameutime.–Nãoédissoqueestoufalando.Temmaisalgumacoisaacontecendo,e

eugostariadesaberoqueé.–Sintomuito–disseClip,espalmandoasmãos.–Masrealmentenãosei

do que você está falando. Contratei você porque isso era omais lógico afazer. Greg sumiu. Tudo bem, já sumiu outras vezes, mas nunca nessaalturada temporada, enuncaquandoestávamos tãopertodevencerumcampeonato.Issonãobatecomanaturezadele.MyronolhoudeesguelhaparaWin,quepareciaaborrecido.–VocêconheceumamulherchamadaLizGorman?–arriscou.Derabodeolho,viuCalvinseempertigarnacadeira.–Não–respondeuClip.–Deveria?–EumamulherchamadaCarlaouSally?–Como?Vocêquersabersejáconheciumamulherchamada...– Recentemente. Ou qualquer outra mulher envolvida de alguma

maneiracomGregDowning.Clipfezquenãocomacabeça.–Calvin?Calvintambémnegou,mascomumgestobemmaisdemorado.–Porquevocêquersaber?–perguntouClip.– Porque era com ela que Greg estava na noite em que sumiu – disse

Myron.Aprumando-senacadeiraemetralhandoaspalavras,Clipdisparou:– Vocês encontraram essa mulher? Onde ela está agora? Talvez eles

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estejamjuntos!Myron novamente olhou paraWin. Dessa vez, Win balançou a cabeça

quaseimperceptivelmente.Eletambémhaviapercebido.–Elaestámorta–disseMyron.Nesse instante se esvaiuopoucode corque ainda restavano rostode

Clip.Calvinnãodissenada,mascruzouaspernas:umaextravagânciaparaalguémapelidadodeGeleira.–Morta?–Assassinada,parasermaisespecífico.– Santo Deus... – Clip agora dardejava os olhos como se procurasse

algumarespostanosrostosàsuafrente.Nãoencontrounenhuma...–TemcertezadequenuncaouviufalardeLizGorman,CarlaouSally?–

perguntouMyron.Clip abriu a boca e fechou-a logo em seguida, incapaz de dizer o que

querquefosse.Tentounovamente:–Assassinada?–Sim.–EelaestavacomoGreg?–Greg foi a últimapessoa a vê-la comvida.Deixou impressõesdigitais

nacenadocrime.–Cenadocrime?–repetiuClip,avoztrêmula,osolhosperdidos.–Meu

Deus...Osanguequevocêsencontraramnoporão...OcorpoestavanacasadeGreg?–Não.ElafoimortanumapartamentoemManhattan.Clipficouconfuso.–MasvocênãodissequehaviasanguenoporãodeGreg?Noquartode

brinquedosdascrianças?–Disse.Masagoranãohámais.– Não há mais? – repetiu Clip, ao mesmo tempo irritado e confuso. –

Comoassim,nãohámais?–Alguémlimpou.–Myronencarou-o.–Querdizer,emalgummomento

dos últimos dois dias, alguém entrou na casa do Greg e tentou abafar apossibilidadedeumescândalobastantedesagradável.Assustado,agoracomosolhoscheiosdevida,Clipfoilogodizendo:–Vocêachaquefuieu?– Só você sabia daquele sangue. E queria manter em sigilo a nossa

descoberta.– Deixei isso nas suas mãos, você não lembra? – redarguiu Clip. – E

aindadissequerespeitariaasuadecisão,qualquerquefosse.Claroqueeu

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não queria nenhum escândalo. Quem haveria de querer? Mas eu jamaisfariaumacoisadessas.Vocêmeconhecebem,Myron,sabedisso.– Clip – emendouMyron –, consegui os registros telefônicos da vítima.

Elaligouparavocêquatrodiasantesdoassassinato.–Comoassim,ligouparamim?–Seunúmerocomercialconstadosregistros.Clipameaçoudizeralgo,calou-se,eenfimarriscou:– Bem, talvez ela tenha ligado para cá, mas isso não quer dizer que

tenha falado comigo. – Não parecia nem um pouco convincente. – Talveztenhafaladocomminhasecretária.Win pigarreou e, pela primeira vez desde que chegara, abriu a boca

paradizeralgo:–Sr.Arnstein?–Sim?– Com todo o respeito, senhor, mas as suas mentiras já estão icando

maçantes.Clip deixou o queixo cair. Estava habituado à subserviência dos

subordinados,nãoaserchamadodementiroso.–Oquê?– Myron tem um grande respeito pelo senhor – disseWin. – O que é

admirável. Não sãomuitos os que conseguem conquistar o respeito dele.Masosenhorconheceamorta.Faloucomelapelotelefone.Temosprovasdisso.Clipapertouaspálpebras:–Quetipodeprovas?–Osregistrostelefônicos,parainíciodeconv...–Masacabeidedizerque...–Etambémassuasprópriaspalavras–completouWin.Clipseacalmouumpoucoe,cauteloso,perguntou:–Dequediabovocêestáfalando?Winuniuosdedosdasmãos.– Agora há pouco, Myron perguntou se você conhecia Liz Gorman ou

umamulherchamadaCarlaouSally.Osenhorselembra?–Claro.Faleiquenãoconhecia.–Correto.EmseguidaMyrondisseque...ecitotextualmenteaspalavras

dele,porquesãorelevantes,“eracomelaqueGregestavananoiteemquesumiu”. Um jeito canhestro de enunciar os fatos, admito, mas com umpropósito.Osenhorselembradasperguntasquefezlogoemseguida?Clippareciaperdido.

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–Não.–Poisvourepetir,enovamentecomaspalavrasexatas.Osenhordisse:

“Vocêsencontraramessamulher?Ondeelaestáagora?”–Sim,masedaí?– O senhor disse “essamulher”. Depois disse “ela”. No entanto,Myron

perguntouseosenhorconheciaLizGorman,ouCarla,ouSally.Postodessaforma, não seria natural presumir que ele se referia a três mulheresdiferentes? Claro que sim. Mas o senhor imediatamente concluiu que ostrêsnomespertenciamaumaúnicapessoa.Nãoachaissoestranho?–Oquê?–rugiuClip.–Evocêchamaissodeprova?Winseinclinouparaafrente.–Myron está sendomuito bem recompensado por seus esforços neste

caso.Poressemotivo,eunaturalmenterecomendariaqueelecontinuassetrabalhando para o senhor. Diria a meu amigo para icar na dele eembolsarodinheirodosDragons.Seosenhorquersabotarasuaprópriainvestigação, quem somos nós para interferir? Não que Myron fosse medarouvidos.Éumabelhudo.Piorque isso, temesseequivocadosensodedever,defazeracoisacertamesmoquandonãoénecessário.Winparou,respiroufundoevoltouaserecostarnacadeira.Emvezde

unirosdedosdasmãos,começouatamborilaraspontasgentilmente,umascontraasoutras.Todososolhosestavamsobreele.–Oproblemaéoseguinte–prosseguiu.–Umamulher foiassassinada.

E, como se isso não bastasse, alguém adulterou a cena do crime. Alguémque também desapareceu e pode muito bem ser um assassino. Ou maisuma vítima, quem sabe? Em outras palavras, no momento é perigosodemaispersistirnumasituaçãodessascomumpardeantolhosnacabeça.Os custospotenciais sãobemmaioresqueosbene ícios.Naqualidadedehomemdenegócios,Sr.Arnstein,osenhorhádecompreender.Clippermaneceucalado.– Portanto, que tal irmos direto ao ponto? –Win espalmou as mãos e

depoisvoltouaunirosdedos.–Sabemosqueavítimafaloucomosenhor.Pois bem. Ou o senhor nos conta sobre o que conversaram ou damos anossaconversaporencerradaecadaumvaiparaseulado.–Elafaloucomigoprimeiro–interveioCalvin,remexendo-senacadeira.

Evitava o olhar de Clip,mas semnecessidade. O velho não dava nenhumindício de que se agastara com a súbita intervenção. Afundava-se aindamaisemsuacadeira,umbalãoquenãoparavademurchar.–ElausavaonomedeCarla–prosseguiuCalvin.Win não fez mais que menear a cabeça e se recostar; já dera sua

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contribuição.AsrédeasagoraestavamdevoltaàsmãosdeMyron.–Oqueeladisse?–perguntouMyron.– Falou que sabia de alguns podres sobre o Greg. Algo que poderia

destruirafranquia.–Equepodreseramesses?Clipvotouàbaila.– Não icamos sabendo – falou. E hesitou por alguns instantes, para

ganhar tempo ou para se recompor, Myron não soube dizer. – Minhaintençãonãoeramentirparavocê,Myron,sintomuito.SóestavaquerendoprotegeroGreg.–Vocêtambémfaloucomela?–perguntouMyron.Clipfezquesimcomacabeça,depoisdisse:–Calvinmeprocuroudepoisdoprimeirotelefonema.E,nosegundo,nós

doisfalamoscomela.Lizqueriadinheiroemtrocadeseusilêncio.–Quanto?–Vintemildólares.Eraparanosencontrarmosnanoitedesegunda.–Onde?– Não sei – disse Clip. – Ela informaria o local pela manhã, mas não

chegoualigar.Provavelmenteporqueestavamorta, pensouMyron.Mortos raramente

ligam.–Eelanãodeunenhumapistadoquepoderiamserostaispodres?Clip e Calvin se entreolharam, consultando-se. Calvin assentiu com a

cabeça,eClipnovamentesevirouparaMyron.– Nem precisava ter dado – disse, resignado. – Nós já sabíamos o que

era.–Sabiamoquê?–Gregjogava.Deviamuitodinheiroaumaturmadapesada.–Vocêsjásabiamdovíciodele?–Já–disseClip.–Como?–OpróprioGregmecontou.–Quando?–Hácercadeummês– falou.–Queriaajuda.Eu...Eueraumaespécie

depai para ele. Gosto doGreg. Gostomesmo. – Ele ergueu os olhos paraMyron, visivelmente emocionado. – Tambémgosto de você,Myron. É issoquetornaacoisatãodifícil.–Tornamaisdifíciloquê?Clipnãorespondeu.Disseapenas:

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–Euqueriaajudá-lo.Sugeriqueeleprocurassealguém.Umterapeuta.–Elelhedeuouvidos?–Semanapassadafoifalarcomumpsiquiatraespecializadoemvíciosde

jogo. Também sugerimos que ele assinasse um contrato de publicidade –acrescentouClip.–Parapagarsuasdívidas.–MartyFeldertambémsabiadojogo?–perguntouMyron.– Não sei ao certo – disse Clip. – O psiquiatrame contou das loucuras

que um viciado é capaz de fazer só paramanter seu vício em sigilo. Poroutrolado,MartyFeldercuidavadequasetodoodinheirodeGreg.Senãosoubessedenada,euficariasurpreso.AtrásdeCliphaviaumpôstercomafotodaequipedaqueleano.Myron

oadmirouporumtempo.Ajoelhadosnaprimeira ilaestavamoscapitães,TC e Greg. Greg sorria de orelha a orelha; TC, como era de se esperar,exibiaseurisinhoirônico.–Querdizerentãoque,nonossoprimeiroencontro,você já suspeitava

queosumiçodeGregpudesseteralgoavercomojogo?–disseMyron.–Não.–Depoisdecertare lexão,Clipfalou:–Aomenosnãodojeitoque

você está pensando. Nunca achei que o agente de apostas dele pudessefazer algo para prejudicá-lo. Achava que o contrato com a Forte daria aoGregotempodequeeleprecisava.–Como?–Eumepreocupavacomasaúdementaldele.–Clipapontouparaafoto

do jogador no pôster. – Greg nunca foi a pessoa mais equilibrada domundo, mas iquei me perguntando se a pressão da dívida não vinhapesando sobre sua sanidade, já um tanto frágil. Greg adorava a imagemqueopúblicofaziadele,pormaisincrívelqueissopossaparecer.Adoravaaatençãodosfãs,maisqueodinheiroemsi.Masseosfãsdescobrissemaverdade, quem sabe qual seria a reação deles? Portanto,meu receio eraqueapressãojácomeçassea icar insuportávelequeporcausadissoeletivessepirado.– E agora que umamulher morreu – perguntou Myron –, o que você

acha?Clipbalançouacabeçacomveemência.– Ninguém conhece o Greg melhor do que eu. Quando ele se sente

acuado, foge. Jamaisseriacapazdemataralguém.Tenhocertezaabsolutadisso.Gregnãoéumhomemviolento.Faztempoquejáconheceosperigosdaviolência.A isso se seguiu um demorado silêncio. Myron e Win icaram ali,

esperandoqueClipelaborassesobreoqueacabaradedizer.Aoperceber

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quenenhumaelaboraçãoestavaporvir,Windisse:–Sr.Arnstein,osenhortemalgomaisanosdizer?–Não.Issoétudo.Semdizerpalavraoudarqualqueroutrosinal,Win icoudepéesaiuda

sala.Myronmeioquedeudeombrosefoisaindonaesteiradele.–Myron?Ele se virou. Clip também havia se levantado. Os olhos pareciam

marejados.– Um bom jogo para você esta noite – disse ele baixinho. – A inal, é

apenasumjogo.Lembre-sedisso.Myronbalançouacabeça,maisumavezdesconcertadopelasatitudesdo

velho.ApertouopassoealcançouWin.–Vocêestácommeuingresso?–perguntouWin.Myronpassou-lheaentrada.–ComoéessataldeMetralhadora?Myron fez seu relato. Eles já haviam chegado ao elevador quandoWin

falou:–Esteseuamigo,oSr.Arnstein,aindanãoestádizendoaverdade.–Algumacoisaconcretaousóumadesconfiança?–Nãotrabalhocomdesconfianças–disseWin.–Vocêacreditanele?–Nãosei.–Masgostadele,nãogosta?–Gosto.– Então avalie comigo estas interessantes conjecturas – pediu Win. –

Quem,alémdopróprioGreg,teriamaisaperdercasoessahistóriadevícioem jogo viesse à tona? Quem, além de Greg, teria mais motivos parasilenciarLizGorman?E,por im,seGregDowningestivesseaumpassodese tornar um terrível vexame para a franquia dos Dragons, a ponto deafetar, se não destruir por inteiro, as chances de Clip Arnstein de sereeleger, quem teria o melhor motivo para promover o sumiço deDowning?Myronnãosedeuotrabalhoderesponder.

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capítulo25

O ASSENTO JUNTO DE MAGGIE MASON estava vago.Win o ocupou e abriu seusorrisodevoltagemmáxima.–Boanoite–cumprimentou.Elasorriudevolta.–Boanoite.–Srta.Mason,eusuponho.– Sim, e você é Windsor Horne Lockwood III. Reconheci pela foto da

Forbes.Eles se cumprimentaram com um aperto de mãos, entreolhando-se. O

apertosedesfez,masoentreolhar-senão.–Muitoprazeremconhecê-la,Srta.Mason.–Porfavor,mechamedeMaggie.–Ótimo–devolveuWin,eintensificouosorriso.Acampainhasoouanunciandoo imdoprimeirotempo.WinviuMyron

se levantar para dar lugar no banco aos titulares da equipe. Achouestranho, quase desagradável, ver o amigo de uniforme numa quadrapro issional.Preferindodesviaroolhar,voltou-separaMaggie,queo itavacomcertaansiedade.– Soube que você está interessada em trabalhar na minha empresa –

disseele.–Estou.–Vocêseimportaseeufizeralgumasperguntas?–Claroquenão.–AtualmentevocêestánaKimmelBrothers,correto?–Correto.–Dequantosoperadoresvocêsdispõemnomomento?–perguntouWin.–Menosde10–respondeuela.–Éumacorretorapequena.–Entendo. –Win começou amexer comos dedos, ingindo ruminar as

palavrasdela.–Vocêcostumatrabalharnosfinsdesemana?–Àsvezes.–Nasnoitesdesábadotambém?Maggieachouaperguntaligeiramenteestranha,masdeixoupassar.–Àsvezes–repetiu.–Trabalhounoúltimosábadoànoite?

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–Como?–VocêconheceGregDowning,nãoconhece?–Sim,mas...– Como decerto você sabe – prosseguiu Win –, Downing está

desaparecidodesdesábadoànoite.Omais curiosode tudo,noentanto, éque a última ligação que ele fez de casa foi para o escritório da KimmelBrothers.Vocêselembradessaligação?–Sr.Lockwood...–Porfavor,mechamedeWin.–Nãoseibemoquevocêestá...–Émuitosimples– interrompeuWin.–Ontemànoitevocêestevecom

meuamigo,oSr.Bolitar, e contouaelequehámuito temponão fala comGreg Downing. Todavia, como acabei de dizer, tenho informações queapontam para o contrário. Trata-se, portanto, de uma contradição. Umacontradiçãoqueaosolhosdemuitagente colocaráemdúvida,digamos, asuahonestidade,Srta.Mason.Oqueseriainaceitávelnaminhaempresa.Aprobidadedosmeusfuncionáriosdeveserinquestionável.Poressemotivo,gostariadeexplicarmelhoranaturezadasuacontradição.Win retirou do bolso do paletó um saquinho de amendoins. Com

impressionante destreza, abriu alguns e varreu as cascas para umsegundosaquinho.Sóentãooslevouàboca.Umaum.– Como você sabe que Greg Downing ligou para o escritório? –

perguntouMaggie.– Por favor – disseWin, olhando-a de relance. – Não percamos nosso

tempo com trivialidades. Essa ligação é um fato comprovado. Você sabedisso.Eutambém.Portanto,pulemosestaparte.–Não trabalhei sábadopassado – disse ela. –Downingdeve ter ligado

paraoutrapessoa.Winfranziuocenho:–Suatáticajácomeçaacansar,Srta.Mason.Comovocêmesmafalouhá

pouco,aKimmelBrotherséumaempresapequena.Sevocêpreferir,possoligar para seu chefe. Tenho certeza de que ele não se importará deinformaraWindsorLockwoodIIIseasenhoritatrabalhouounãonanoitedesábado.Maggie se recostou na cadeira, cruzou os braços e voltou sua atenção

parao jogo.OsDragonsvenciampor24a22. Sem tirarosolhosdabola,elafalou:–Nãotenhomaisnadaalhedizer,Sr.Lockwood.–Ah.Nãoestámaisinteressadanoemprego?

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–Exatamente.–Achoquevocênãoentendeu–disseWin.–Nãoestoufalandoapenas

de um emprego na Lockhorne Securities, mas de um emprego emqualqueroutrolugar,incluindoaKimmelBrothers.Elasevirouparaele.–Como?– Você tem duas opções – disse Win. – Deixe-me explicitá-las com

bastanteclarezaa imdefacilitarsuaescolha.Aprimeira:vocêdizporqueGregDowningligounanoitedesábadoeporquevocêmentiuparaMyrona esse respeito. Em seguida conta tudo o que sabe sobre odesaparecimentodeDowning.– De que desaparecimento você está falando? – ela o interrompeu. –

Acheiqueeleestivessecontundido.– Segunda opção – prosseguiu Win. – Você insiste no silêncio e nas

mentiras, e, neste caso, cuido para que comecem a circular no mercadorumoresquantoàsuaintegridadeprofissional.Maisespecificamente,tornopúblicoofatodequeasautoridadesfederaisestãoinvestigandoasgravessuspeitasdeumdesfalque.–Mas...–foidizendo,depoisparou.–Vocênãopodefazerisso!– Não? – devolveu Win, com ares de escárnio. – Sou Windsor Horne

Lockwood III. Minha palavra nesses assuntos di icilmente seráquestionada. Você, por outro lado, terá di iculdade para encontrarempregoaté comoatendentenuma lanchonetedebeiradeestrada. –Elesorriueergueuosaquinhonadireçãodela.–Amendoim?–Vocêficoulouco.–Evocêéumapessoaabsolutamentenormal.–Winvirouosolhospara

a quadra. – Vejamos. Aquele garoto que está enxugando o suor do chão.Devevaleroquê?–Dandodeombrosdemoradamente,disse:–Seilá.Umafelaçãopelomenos?–EsorriuparaMaggie.–Estouindoembora–informou,efoiselevantando.–Vocêdormiriacomigo?–perguntouWin.Maggieoencarou,horrorizada.–Oquê?– Você dormiria comigo? Se eu icar satisfeito, é bemprovável que lhe

arrumealgumacoisanaLock-Horne.–Nãosouprostituta–rugiuelaentredentes.– Não, você não é prostituta – disse Win, alto o bastante para que

algumascabeçassevirassemaoredor.–Maséumahipócrita.–Doquevocêestáfalando?

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Wingesticulouparaqueelavoltasseasesentar.–Porfavor–pediu.–Achoquenão.–Detestaria ter que gritar. – Ele novamente apontou para a cadeira. –

Porgentileza.Comolhoscautelosos,Maggieenfimcedeu.–Oquevocêquer?–Vocêmeachaumhomematraente,nãoacha?Depoisdeumacareta,elarespondeu:–Vocêéohomemmaisrepulsivoqueeu...– Estou falando apenas da aparência ísica – disseWin. – A inal, como

vocêmesmadisseaMyronontemànoite,sexonãopassadeumato ísico.Lembra? Algo como um aperto de mãos. Mas, com uma analogia dessas,seusparceirosnãodevemserlágrandecoisa.Poisbem.Modéstiaàsfavas,seiquenãosoudesejogarfora.SevocêforselembrardetodososGiantseDragons que já levou para a cama, decerto encontrará pelomenos umqueerafisicamentemenosatraentequemoi.Maggieapertouaspálpebras,aomesmotempointrigadaehorrorizada.–Podeser–concedeuela.–Apesardissovocêserecusaadormircomigo.Isso,minhacara,éuma

hipocrisia.–Comoassim?–rebateuMaggie.–Souumamulherindependente.Faço

minhasescolhas.– Se você diz... Mas por que escolhe apenas Giants e Dragons? –

Enquanto ela se debatia para encontrar uma resposta, Win sorriu eemendou:–Vocêdeveriaserhonestapelomenosquantoaosmotivosquealevamafazersemelhanteescolha.–Aoqueparece,vocêmeconhecepeloavesso–disseMaggie.–Porque

nãodizvocêmesmoquaissãoosmeusmotivos?– Como quiser. Logo de início você deixa bem clara esta sua regra

bizarra sobre Dragons, Giants e sei lá mais o quê. Estabelece limites. Eunão.Quandoencontroumamulheratraente,paramiméoquebasta.Masvocêprecisadessa idelidadepartidáriacompletamentealeatória.Fazdelaumaespéciedemuroparaseseparar.–Meseparardoquê?– Não do quê, mas de quem. Das putas inconsequentes. Como fez

questãodedizeragorahápouco,vocênãoéumaprostituta.Vocêfazsuasescolhas,orabolas.Portantonãoéumaputa.–Issomesmo.Nãosou.

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Winsorriuefalou:–Masoqueéumaputa?Umamulherquepuladecamaemcama?Não.

Isso é o quevocê faz. Você jamais desquali icaria assim umacorreligionária. Então, o que será exatamente uma puta? Bem, no seudicionário,putasnãoexistem.Entãoporquediaboreagiutãomalquandouseiessenomeparadefini-la?Porquê?– Você está exagerando – disse ela. – A palavra “puta” possui uma

conotaçãonegativa.Porissoreagi.Winespalmouasmãos:–Mas por que haveria uma conotação negativa para a palavra “puta”?

Seporde iniçãoumaputaéapenasumamulherindependentequedormeporaí,porquenãoabraçarotermocomambasaspernas?Porqueergueressesmuros?Porquecriar limitesarti iciais?Vocêusasua idelidadeaosGiants e aos Dragons para corroborar sua independência. Mas issocorrobora justamente o contrário. Corrobora o fato de que você é umamulherinsegura.–Eporissosouumahipócrita?–Claro.Veja,porexemplo,suarecusaemdormircomigo.Ouosexoéum

ato puramente ísico, e nesse casominha abordagem súbita não deveriatertidonenhumpesonasuaescolha,ouelevaialémdo ísico.Então,oqueéosexo?Maggiesorriue,balançandoacabeça,disparou:– Você é umhomem interessante, Sr. Lockwood. Talvez eu durma com

você.–Assimnão.–Assimcomo?– Você dormirá comigo apenas para provar que estou errado. Isto,

minha cara, é apenas mais uma prova, bastante patética, da suainsegurança.Masestamostergiversando.Porculpaminha,desculpe.Então,oquevai ser?Vaimecontaroque faloucomGregpelo telefoneousereiobrigadoadestruirsuareputação?Maggieficouconfusa.ErajustamenteissoqueWinqueria.– Claro, também há uma terceira opção – prosseguiu ele. – Que talvez

seja apenas uma extensão da segunda. Isto é, além de ter sua reputaçãodestruída,vocêteráqueenfrentarumaacusaçãodehomicídio.Diantedisso,elaarregalouosolhosemaisumavezexclamou:–Oquê?– Greg Downing é o principal suspeito num caso de homicídio. Caso

venhaà tonaquevocêo ajudoudealgummodo, você será levadaa juízo

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como cúmplice. – Win parou um instante, franziu a testa e emendou: –Pensandobem,nãocreioqueopromotorconsigaumacondenação.Tantofaz.Começareicomasuareputação.Depoisresolvooquefazer.Maggieoencaroucomfirmeza.–Sr.Lockwood?–Diga.–Vásefoder!–cuspiu.Winficoudepé.– Sem dúvida alguma, uma opção bem melhor do que a presente

companhia–disse.Emseguidaabriuumsorrisoedobrouo tronconumamesura; teria tirado o chapéu se estivesse usando um. – Passar bem –arrematou,esaiudecabeçaerguidarumoaoportão.Tiveraseusmotivos,claro,paraempreenderumaconversatãoabsurda.

SabiaqueMaggienãoabririaobico.Constataraissoquaseimediatamente.Além de muito sagaz, Maggie era uma mulher iel. Uma combinaçãoperigosa, ainda que admirável. Mas a sucessão de disparates decerto aabalaria.Mesmoamaisvalentedas criaturasentrariaempânicoou,pelomenos,emação.Winaesperarianoestacionamentoparadepoissegui-la.Ele conferiu o placar do jogo, que já passava da metade do segundo

quarto.Nãotinhaomenor interessenapartida.Mas,chegandoaoportão,ouviuolocutoranunciarpelosalto-falantes:–SubstituindoTroyErickson,MyronBolitar.Elehesitouuminstante,depoisdeumaisumpassonadireçãodasaída.

Não queria ver. Mas parou novamente e, ainda de pé, virou-se para aquadra.

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capítulo26

MYRONSENTAVA-SENUMADASPONTAS dobanco.Mesmosabendoquenãoiriajogar,sentianoestômagooscalafriosdaansiedadepré-jogo.Najuventude,apreciavaapressãodostorneiosimportantes,mesmoquandoaansiedadebeirava as raias da paralisia.No entanto, tão logo ele se via num embateísico com um adversário qualquer, perseguia uma bola perdida ou faziaumbeloarremesso,oscalafriosbatiamasasparabemlongeeaalgazarrado público se dissolvia em algo semelhante à música ambiente de umconsultóriomédico.FaziamaisdeumadécadaqueMyronnãosofria tantaansiedade,eele

agorapodiacon irmaralgodequesempresuspeitara:aqueladescargadeadrenalina estava diretamente vinculada ao basquete, e só ao basquete.Ele jamais experimentara nada parecido no trabalho ou na vida pessoal.Nemmesmonosconfrontosmaisviolentos,queabemdaverdadetambémproduziam seu barato. Myron achava que essa sensação exclusivamenterelacionada ao esporte acabaria desaparecendo com o passar dos anos;imaginava que, na maturidade, as pessoas perdiam o hábito detransformaralgotãorelesquantoumjogodebasquetenumacontecimentode proporções quase bíblicas, de deixar que o prisma da juventudeampliasse coisas relativamente sem importância no longo prazo emtragédias de dimensões épicas. Um adulto, claro, podia enxergar o queseria inútil explicar a uma criança: no futuro, o desprezo de umanamoradinha ou uma falta mal cobrada seriam reduzidos a inofensivosarranhões. No entanto, lá estava Myron, confortável nos seus 30 anos eainda se debatendo com as mesmas a lições que conhecera como jovematleta. Elas não haviam sido varridas pelo tempo. Simplesmente tinhamhibernado(talcomoadvertiraCalvin),esperandoapenasumachanceparamostrar as garras de novo, chance que raramente se apresentava duasvezesnavidadeumhomem.Seusamigosteriamrazão?Teriasidoumerrosesubmeteratudoaquilo

novamente? Seria possível que as feridas do passado ainda estivessemabertas? Myron localizou Jessica nas arquibancadas. Ela acompanhava ojogocomaqueledivertidoesgardeconcentraçãonorosto.Eraaúnicaquenãopareciapreocupadacomavoltadeleaobasquete,mas,poroutrolado,não tivera aoportunidadedevê-lonoaugeda formaeda carreira. Seria

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possívelqueamulherqueeleamavanãocompreendesseos...Myronparou.Quando um jogador está no banco, um estádio pode ser um lugar

razoavelmentepequeno.Elepodiaver,porexemplo,WinconversandocomMaggie.ViaJessica.Viaasmulhereseasnamoradasdosoutrosjogadores.Eagoravia,entrandopeloportãodiretamenteàsuafrente,seuspais.Maisquedepressaelevoltouosolhosparaaquadraecomeçouabaterpalmas,a gritar palavras de incentivo para os companheiros de equipe, ingindoestarinteressadonoresultadodojogo.Seupaiesuamãe.Decertohaviamabreviadoaviagem.Ele arriscou uma espiada. Os velhos agora se acomodavam perto de

Jessica,naseçãoreservadaaparenteseamigos.Suamãeo itavadevolta;apesardadistância,notava-seaexpressãovítreaeperdidanoolhardela.Seu pai, ao contrário, corria os olhos pelo estádio com o maxilar irme,talvez reunindoumpoucodecoragemantesdeencararaquadra.Myronlogo percebeu que já vira aquele ilme muitas vezes na juventude.Incomodado,novamentedesviouoolhar.Leon White saiu do jogo e se sentou no banco ao lado de Myron.

Encharcado de suor, secou-se numa toalha e bebeu imediatamente oGatoradeprovidenciadoporumdosgandulasdaequipe.Depoisdisse:–VivocêconversandocomaMetralhadoraontemànoite.–Poisé.–Eaí,sedeubem?Myronnegoucomacabeça.–Aindanãoleveichumbo.Leondeuumrisinho.–Jácontaramcomofoiqueelarecebeuesseapelido?–Não.–Quandoelaentranaonda... querdizer,quando realmente ica ligada,

temohábitodesacudiraperna.Aesquerda.Sempreapernaesquerda.Amulher está lá, de costas, e vocêmandando ver em cima dela, e de umahora para outra ela começa a sacudir a perna esquerda. Aí você ouveaquelepá-pá-pá-pá-pá.Quenemumametralhadora,sacou?Myronsacou.– E se ela não sacode a perna... – prosseguiu Leon –, se o cara não

consegue fazer a Metralhadora metralhar... é porque não fez o serviçodireito. Aí, meu irmão, fodeu. Todo mundo vai icar sabendo e você vaiquerersumirdomapa.–Segundosdepois,acrescentou:–Éumatradiçãomuitoséria.

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–ComoacenderumamenoráduranteoHanucá–disseMyron.Leonriuedisse:–Tambémnãoprecisaexagerar.–Evocê,Leon,jáfoimetralhado?–Claro,umavez.–Elogoeletratoudeemendar.–Antesdemecasar.–Fazquantotempoquevocêestácasado?–EueaFionaestamosjuntosháumanoepouco.OcoraçãodeMyrondespencounumfossodeelevador.Fiona.Amulher

de Leon se chamava Fiona. Correndo os olhos pela arquibancada, elelocalizoualouraçaescultural.FionacomeçavacomaletraF.–Bolitar!Myronergueuacabeça.EraDonnyWalsh,otécnico.– Entra no lugar do Erickson – disse ele, como se as palavras fossem

lascasdeunhaqueprecisassemsercuspidas.–VaiparaalaebotaoKileydepivô.Myron olhou para Walsh como se ele, o técnico, tivesse falado em

japonês.Ojogoestavaempatadonoiníciodosegundoquarto.–Estáesperandooquê,porra?Paraaquadra.Agora.Myron icou de pé. As pernas pareciam ocas. Na cabeça já não havia

lugar para nada que dissesse respeito a Greg Downing ou Liz Gorman,sumiço e morte afugentados como morcegos pela luz do dia. Ele correuparaamesadosárbitros,oestádiogirandoàsuavoltacomootetodeumbêbado. Quase automaticamente, feito uma cobra trocando de pele, eledespiu omacacão e o largou no chão. Informou a substituição a um dosárbitros,edaliapoucoosalto-falantesanunciaram:–EntrandonolugardeTroyErickson,MyronBolitar.Ele correu para a quadra e apontou para Erickson. Os companheiros

pareciamsurpresosaovê-lo.Ericksondisse:–Wallaceétodoseu.ReggieWallace.Umdosmelhoresalasdapartida.Myronseemparelhou

com ele, preparando-se para a batalha que estava por vir. Wallace oavalioucomumsorrisinhoirônico.–BLnaárea!–disse,agoraàsgargalhadas.–BLnaárea!MyronolhouparaTC.–BL?–BranqueloLerdo–explicouele.–Ah.Todososdemais jogadoresofegavame jorravamsuor.Myron se sentia

duro e despreparado. Novamente olhou para Wallace. Sabia que a bola

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estavaprestesaentrarnaquadra.Noentanto,percebendoalgopelocantodosolhos,ergueuacabeçaeavistouWindebraçoscruzadosjuntodeumadas saídas. Eles se entreolharam por um breve instante. Win meneou acabeçadiscretamente.Porfimacampainhatocou,eojogorecomeçou.ReggieWallaceimediatamentedeuinícioaoterrorismo.–Sópodeserpiada–falou.–Otitiohojevaiseraminhavagabunda.–Quetalumcineminhaprimeiro?–retrucouMyron.Wallaceoencarou:–Respostinhamaisbesta.Difícildeargumentar.Wallacecurvouotronco,preparando-separaentraremação.–Minhaavófariaumamarcaçãomelhor–disse.–Seéumavagabundaquevocêestavaprocurando...Wallaceoencarounovamente:–Agora,sim,mandoubem.AbolafoiarremessadapelosPacers.WallaceeMyronirromperampara

o garrafão, atropelando-se mutuamente. Para Myron aquilo era bom. Ocontato ísico:nadamelhorparaespantaraansiedade.Ambosgrunhiamacada topada. Com seu 1,95m de altura e 110 quilos, Myron semantinhairmenadefesa.Wallace tentoucavarespaçocomo traseiro,mas, semsedeixarintimidar,Myronoafastoucomumajoelhada.–Uau–exclamouWallace–,otitioéforte.Issoposto,encetouumajogadatãorápidaqueMyronjamaispoderiatê-

la antecipado. Girou o tronco na direção dele e, usando-o como alavanca,saltou alto no ar. De onde estava, Myron teve a impressão de que umfogueteApolo acabara de ser lançado rumo ao espaço sideral. Sem ter oque fazer, viuWallace espalmar amanzorra para receber o passe ponteaéreanaalturadoaro,pairarnoarporuma fraçãodesegundoedepoiscontinuar subindo como se não devesse nenhuma obediência às leis dagravidade. Quando por im começou a descer, o gigante puxou a bola danucaeaenterrounoarocomumaforçadedarmedo.Umslamdunkexemplar.Wallaceaterrissoucomambososbraçosestirados,prontosparareceber

osaplausosquelheeramdevidos.Eoterrorismoprosseguiuquadraafora:–Bem-vindo àNBA, campeão.Oque foi semnunca ter sido.Ou seja lá

queporravocêfor.Então,titio,gostoudaponteaérea?Deuparacontarosriscosnasoladomeutênis?Mandobemparacacete,podefalar.Mandoounão mando? Diz aí, como é que é levar uma enterrada bem diante donariz?Podefalar,titio.Doeu,nãodoeu?

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Myron tentavanão lhedar ouvidos.OsDragonshaviampartidopara oataque,masmorreramnorebote, eagoraosPacers recuavamnocontra-ataque. Com uma inta, Wallace ameaçou ir para a direita mas acaboupassandobemao largodo círculode trêspontospara receberopasse e,ato contínuo, arremessar. A bola levantou vento ao cruzar a rede. TrêspontosparaosPacers.–Uau,titio,ouviuisso?–prosseguiuWallace.–Ouviuo swiiiish?Nãotem

barulho mais bonito no mundo. Pode acreditar. Nenhum. Nem mesmo oorgasmodeumamulher.Myronolhouparaele.–Emulhertemorgasmo?–disse.Wallaceriu.–Touché,titio.Touché.Myronespiouorelógio.Faziapoucomaisde30segundosqueelehavia

entradoemquadra, eohomemque lhe cabiabloquear jáhaviamarcadocincopontos.Amatemática era simples.Naquele ritmo,Wallacemarcariamais300pontosatéofimdojogo.Asvaiasnãotardaramacomeçar.Eagora,aocontráriodoqueacontecia

no passado, a algazarra do público não se dissolvia em ruídos de fundo,nãoseresumiaàquelacacofonia indistinta,comumtantoaosaplausosdostorcedores de casa (que tinham o efeito de uma onda sobre a qual elesurfava) quanto aos apupos dos torcedores rivais (que até certo pontoeramesperados e até o incentivavam).O que acontecia ali,Myron jamaishavia enfrentado: eram os torcedores do próprio time que vaiavam seudesempenho. Como nunca, ele agora ouvia a multidão ao mesmo tempocomoumaentidadecoletivazombeteiraevozes individuaisqueberravamterríveis insultos. “Você é um pereba, Bolitar!” “Tirem esse pereba daí!”“Quebra logo esse joelho e volta para o banco!” Por mais que tentasseignorá-los,cadainsultoperfuravaMyroncomoumaadaga.Recorrendo aos brios, ele decidiu naquele momento que não deixaria

Wallacemarcaroutroponto.Eraissoqueamenteordenava.Eraissoqueocoraçãoqueria.Mas,comoelelogoconstatou,ojoelhonãopareciadispostoa colaborar: simplesmente não lhe dava a agilidade necessária. ReggieWallacemarcariamaisseispontosatéo inaldotempo,alémdoscincoquejáhaviamarcado.Myronmarcariadoisnumaoportunidadedearremessosem maiores obstruções. Passara a jogar aquilo que chamava de“basquete-apêndice”.Istoé,emquadra,certosjogadoresoperavamcomooapêndice humano: ou eram supér luos ou podiam atrapalhar. Já que nãopodiaajudar,Myronvinhatentandonãoatrapalharninguém,mantendo-se

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fora do caminho, ora passando a bola adiante, ora fugindo dela. A certaaltura,jápertodofimdoquarto,percebeuumcorredorlivrejuntodalinhalateral e arriscou um arremesso, mas um titã dos Pacers interceptou abola, espalmando-a para a multidão. As vaias foram estrondosas. Myronergueuacabeçaeavistouospais,queassistiamatudoimóveis,feitoduasestátuas. A poucos metros deles, um grupo de homens bem-vestidosafunilava as mãos em torno da boca para dar início a um coro: “ForaBolitar!”MyronviuquandoWinpartiunadireçãodeleseestendeuamãoparaolíderdogrupo,queaapertou.Efoiaochão.No entanto, omais estranho de tudo era que,mesmo depois de tantas

marcações malsucedidas e arremessos malogrados, a autocon iança deMyron, amesmados velhos tempos, nãodava sinais de trégua. Ele aindaqueria permanecer na quadra. Ainda procurava oportunidades de jogo,relativamenteimpassível,umhomememnegação,umhomemqueinsistiaem ignorar as evidências que uma plateia de 18.812 pessoas (segundohaviainformadoolocutor)viacomtodaclareza.Tinhacertezadequesuasortemudaria.Estavaapenasumpoucoforadeforma,sóisso.Daliapoucotudomudaria.Myron en im percebeu quanto aquilo tudo se encaixava na descrição

queBManfizeradoraciocíniocompulsivodosjogadores.Terminado o segundo quarto, ele foi saindo da quadra e novamente

olhouparaospais,queestavamdepé,sorrindoemsuadireção.Elesorriude volta. Em seguida procurou os homens bem-vestidos que pouco anteshaviamensaiadoumcoro.Nãoestavammaislá.Wintambémnão.Ninguémlhedirigiuapalavraduranteointervalo,tampoucooconvocou

para jogar nos quartos inais. Myron suspeitava que sua inesperadaparticipação foraobradeClip.Masporqueele fariaumacoisadessas?Oque estava tentando provar? A partida terminou com a vitória dosDragons,comumamargemdedoispontos.Quandoen imaequipevoltouparaovestiário, o vexamedeMyron jáhavia sidoesquecido.A imprensaespecializada cercavaTC, que izera umabelíssimapartida,marcando38pontoscomumaproveitamentode18rebotes.AopassarporMyron,TCocumprimentoucomumtapinhanascostas,masnãofalounada.Enquanto retirava os tênis, Myron cogitou se os pais estariam à sua

espera. Provavelmente não. Decerto sabiam que ele queria icar sozinho.Osvelhos,apesardasinúmerasinterferências,tinhamograndeméritodesaberomomento certode tirar o timede campo.Esperariampor ele emcasa, passando a noite em claro, se preciso fosse. Seu pai ainda tinha ohábitodeesperaracordadopelo ilho,vendoTVnosofá.Tão logoouviao

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barulho de chave na fechadura, ingia dormir, os óculos de leitura aindaempoleirados na ponta do nariz, o jornal largado sobre o peito.Myron jáhaviapassadodos30.Caramba, jáeramaisdoquehoradedarumbastanaquilo.Audrey espiava discretamente pela porta do vestiário, à espera de

Myron.Entrouapenasquandoeleacenou.Guardouoblocoea canetanobolso,sacudiuosombrosedisse:–Vejamosoladobomdascoisas.–Oladobom.–Vocêaindatemumabelabunda.– Omérito não émeu – disseMyron. – É desses calções pro issionais.

Elesmodelamefirmam.–Modelamefirmam?–É.Ei,felizaniversário!–Obrigada–agradeceuAudrey.–“Acautela-tecontraosidosdemarço”–proferiuMyron,dramático.–Osidossãoodia15–informouAudrey.–Hojeédia17.–Sim,eusei.MasnuncapercoumaoportunidadedecitarShakespeare.

Aspessoasficamachandoquesouerudito.–Erudiçãoeumabelabunda.Quemseimportasevocêéumanulidade

nalateral?–Engraçado–retrucouMyron.–Jessicanuncareclamoudisso.– Não na sua frente – brincou Audrey, e sorriu. – Que bom ver você

assim,maisanimadinho.Myrondevolveuosorrisoedeudeombros.Depois de olhar ao redor para ver se não havia ninguém por perto,

Audreydisse:–Tenhoumainformaçãoparavocê.–Sobre?–Sobreodetetivenocasododivórcio.–Gregcontratouumdetetive?–EleouFelder.Tenhoumafontequeprestaserviçosdeeletrônicapara

aProTecInvestigations,aagênciaquesempreatendeFelder.Elenãosabedosdetalhes,mas ajudouaplantaruma câmeranoGlenpointeHoteldoismesesatrás.ConheceoGlenpointe?–ÉaquelehotelnaRoute80,nãoé?– indagouMyron.–Ficaauns10

quilômetrosdaqui.–Essemesmo.Minha fontenãosabequaleraoobjetivoda tal câmera,

nemcomo terminouahistória. Sabeapenasqueo serviço foi feitoparao

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caso do divórcio de Downing. Também con irmou o óbvio: esse tipo decoisa geralmente é feito para pegar o marido ou a mulher em lagrantedelito.–Vocêfalouqueoserviçofoifeitodoismesesatrás?–Sim.–MasGregeEmilyjáestavamseparadosaessaaltura–disseMyron.–

Odivórciopraticamente jáerao icial.Paraque instalarumacâmeranumquartodehotel?–Odivórcio, sim– concordouAudrey–,mas a guerrapela guardados

filhosestavaapenascomeçando.– Sim,mas e daí? Emily já era praticamente solteira, estava apenas se

encontrandocomalguém.Nosdiasdehoje,queestragoissopoderiafazernumprocessodecustódia?Audreybalançouacabeça:–Santaingenuidade...–Comoassim?–Umamãede família, ilmada comumgaranhãonumquartodehotel,

fazendo sei lá o quê? Infelizmente ainda vivemos numa sociedademachista,Myron.Ojuizcertamenteseriainfluenciado.Myronanalisouosfatos,masaindanãosedeuporconvencido.– Em primeiro lugar você está partindo do pressuposto de que o juiz,

alémde homem, é umNeandertal. Em segundo... poxa, estamos nos anos90!Umamulher separada fazendo sexo comoutro homem?Não chega asernenhumescândalocabeludo.–Então...nãoseioquemaispossolhedizer,Myron.–Descobriumaisalgumacoisa?–Não–respondeuAudrey.–Mascontinuoinvestigando.–PoracasovocêconheceFionaWhite?–AmulherdeLeon?Socialmente.Porquê?–Sabeseelajátrabalhoucomomodelo?– Modelo? – Ela deixou escapar um risinho. – Acho que você pode

chamarassim.–PosouparaaPlayboyouqualqueroutrarevistadessas?–Sim.–Sabedizeremquemês?–Não,porquê?Myron contou sobre amensagem de e-mail. Estava praticamente certo

de que a Srta. F era Fiona White e que o apelido GatSet era umaabreviaçãodeGatadeSetembro, omês– elepodia apostar – emqueela

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haviaposadonua.Audreyouviucomatenção.– Posso dar uma olhada – disse. – Veri icar se ela posou mesmo em

setembro.–Seriaótimo.–Eissoexplicariamuitacoisa–acrescentou.–AtensãoentreDowninge

Leonnosúltimostempos.–Éverdade–disseMyron.–Olha,agoraprecisomeapressar.Jessestá

meesperandoláfora.Sedescobriralgumacoisa,metelefone.–Tudobem.Divirta-se.Enquanto terminava de se vestir, Myron se lembrou das roupas

femininasquehaviaencontradonacasadeGreg.SeriamdeFionaWhite?Se fossem, issoexplicariaanecessidadedemanterocasoemsigilo.Seriapossível que Leon tivesse descoberto a traição da mulher? Dada apredisposiçãodelecontraGreg,essaeraahipótesemaislógica.Mas,nessecaso,como icavamascoisas?ComotudoissoserelacionavacomovíciodeGregeachantagemdeLizGorman?Opa,muitacalmanessahora.Esqueçamos por ora o vício de Greg. Suponhamos que Liz Gorman

soubessedealgumaoutracoisaarespeitodele,algotãooumaisexplosivoque perder uma fortuna nas mesas de jogo. Suponhamos que de algummodo ela tivesse descoberto que Greg vinha dormindo com amulher domelhor amigo; que tivesse decidido chantagear Greg e Clip com ainformação.QuantoGreg estariadisposto apagarpara impedirque fãs ecompanheiros de equipe icassem sabendo de suas estripulias? QuantoClip pagaria para evitar que aquela bomba emparticular fosse detonadanaretafinaldeumcampeonato?Tudoissoprecisavasermuitobeminvestigado.

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capítulo27

MYRON PAROU DIANTE DO SINAL no cruzamento entre a South LivingstonAvenueeaJFKParkway.Naquelaáreaemparticular,poucoounadahaviamudado nos últimos 30 anos. À direita estava a conhecida fachada detijolosdoNero’sRestaurant; originalmentepertencera à Jimmy Johnson’sSteakHouse,mas isso forapelomenos25 anos antes.OmesmopostodaGulf ocupava a esquina seguinte; uma pequena estação do Corpo deBombeiros,aterceira;eumterrenobaldio,aúltima.MyrondobrouparaaHobertGapRoad.AfamíliaBolitarforamorarem

Livingston quando ele tinha apenas seis semanas de vida. Desde entãopoucohaviamudadoemrelaçãoaorestantedomundo.Noentanto,depoisdetantosanos,auniformidadedapaisagemjádeixaradeserumconfortoparasetornarumaespéciedeentorpecente.Myronpassavaporalienadanotava.Olhavamasnãovia.Chegandoàruaemqueaprenderacomopaiapilotarsuabicicletacom

lanternadeBatman,eletentourealmenteenxergarascasasqueotinhamcercadoavidainteira.Houveramudanças,claro,masemsuacabeçaoanoainda era o de 1970. Tanto ele quanto os pais ainda chamavam as casasvizinhaspelonomedosproprietáriosoriginais,comoseestivessemfalandode latifúndios sulistas.OsRackin,porexemplo, jáhaviampartidohámaisdeumadécada.Myronnãosabiaquemeramosocupantesatuaisdacasados Kirschner, dos Roth ou dos Parker. Assim como os Bolitar, todoshaviamidoparaláquandoasconstruçõesaindaeramnovas,quandoaindaerapossívelverresquíciosdafazendaSchnectman,quandoLivingstoneraconsideradaum imdemundo(tãolongedeManhattanquantooestadodaPensilvânia, apesar dosmeros 40 quilômetros separando uma da outra).Os Rackin, os Kirschner e os Roth haviam enterrado boa parte da vidanaquelelugar.Tinhamsemudadocomos ilhosaindapequenosparacriá-los ali, ensiná-los a andar de bicicleta na mesma rua em que o pai deMyron o havia ensinado,matriculá-los naBurnettHill Elementary School,depois na Heritage Junior High e por im na Livingston High School. Aospoucos os garotos foram saindo da cidade para fazer a universidade,voltando apenas nas férias para visitar a família. Convites de casamentonãotardariamachegar.Certospaisjátinhamfotosdenetosparamostrare, quando o faziam, invariavelmente se espantavam com a fugacidade do

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tempo.A certaaltura, tantoosKirschnerquantoosRothcomeçarama sesentir deslocados. Concebida para a criação de ilhos, Livingston já nãotinhanadaalhesoferecer.Suasrespectivascasasagorapareciamgrandesdemais, vazias demais, e portanto foramvendidas para novas famílias dejovenspais,cujosfilhosmuitoembreveseriammatriculadosnaBurnetHillElementarySchool,depoisnaHeritageJuniorHighe,por im,naLivingstonHighSchool.A vida, concluiu Myron, não era lá muito diferente do que se via nos

comerciaisdeseguro.Alguns veteranos da cidade haviam conseguido permanecer. De modo

geral era possível identi icar a casa destes, pois, embora já não tivessemilhos para criar, eles acrescentaram cômodos e varandas ao projetooriginal; além disso, seus jardins eram invariavelmente os mais bem-cuidados. Os Braun e os Goldstein pertenciam a esta safra. Al e EllenBolitar,também.Myron entrou com o Ford Taurus no quintal dianteiro dos pais, e os

faróis varreram o espaço como as lanternas de uma ronda policial.Estacionou nas imediações da cesta de basquete e desligou omotor. Poruminstante icouadmirandoacestaefoiassaltadoporumaimagemdeAlcarregando-odemodoqueelepudessealcançaroaro.Seaimagemhaviasaído da memória ou da fantasia, isso era di ícil dizer. Tampoucoimportava.Quandoen imeledesceuefoiandandorumoàporta,asluzesexternas

se acenderamautomaticamenteporobradeumdetectordemovimentos.Embora instalado trêsanosantes,oaparelhoaindaeramotivodegrandeespantoparaAl eEllen,que tinhamaquelegrandeavanço tecnológiconamesmacontadadescobertadofogo.Nosprimeirosdiasapósa instalação,elessedivertiamhorasa iotentandoludibriaroaparelho,esgueirando-sesob ele ou andando o mais devagar possível para ver se passavamdespercebidos.Porvezesnavida,oquerealmentecontasãoospequenosprazeres.A dupla se encontrava na cozinha. Vendo o ilho entrar, ambos

rapidamentefingiramseocupardealgumacoisa.–Olá–cumprimentouMyron.Elesergueramorosto,visivelmentepreocupados.–Oi,filho–devolveuEllen.–Olá,Myron–disseAl.–VocêsvoltarammaiscedodaEuropa.Ambosmenearamacabeçacomoseculpadosdeumcrime.Ellendisse:

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– Queríamos ver você jogando. – Falou com extremo cuidado, como sepisasseemovoscomcoturnosmilitares.–Então,comofoiaviagem?–perguntouMyron.–Ótima–respondeuAl.– Maravilhosa – emendou Ellen. – A comida, então, era uma atração à

parte.–Masasporçõeserammeiomirradas.–Comoassim,mirradas?–protestouEllen.– Só estou comentando. A comida era ótima, mas as porções eram

pequenas.–Comoassim,pequenas?Poracasovocêmediu?–Ninguémprecisamedirparasaberseumaporçãoépequena,Ellen.E

aquelaserampequenas,sim.– Pequenas... Como se ele precisasse de porções grandes. O homem

comefeitoumcavalo.Vocêbemquepodiaperderuns10quilinhos,Al.–Eu?Nãoestougordo.–Ah,não?Vocêtemandadocomascalçastãoapertadasqueatéparece

umdaquelesdançarinosdocinema.Alpiscouparaamulherefalou:– Mas você não teve nenhuma di iculdade para tirá-las durante a

viagem,teve?–Al! – Ela exclamou,mas tambémhavia ali um sorriso. –Na frentedo

seufilhoúnico?Perdeuojuízo?Alolhouparaofilhoe,comosbraçosabertos,disse:–AgenteestavaemVeneza,orabolas!ERoma!–Porfavor,pai.Nãoqueroouvirmaisnada.Todosriram.Daliapouco,quasesussurrando,Ellenperguntou:–Tudobemcomvocê,meuquerido?–Tudo–disseMyron.–Deverdade?–Deverdade.– Achei que você fez umas belas jogadas ali – disse Al. – Uns passes

bonitos pro TC no garrafão. Muito bonitos. Mostraram que você é umjogadorinteligente.Alesuaindefectívelpeneiraparataparosol.–Jogueimalparacaramba–lamentouMyron.Depoisdebalançaracabeçacomveemência,Alretrucou:–Estáachandoquefaleiissosóparaquevocêsesintamelhor?–Seiqueosenhorfalouissosóparaqueeumesentissemelhor.

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– Foi só um jogo de basquete – disse Al. – Uma bobagem. Você sabedisso.Myron fez que sim com a cabeça. De fato sabia. Durante toda a vida

conhecera pais obcecados, homens que tentavam realizar os própriossonhosporintermédiodos ilhos,impondo-lhesumfardoqueelesmesmosnuncahaviamsidocapazesdecarregar.MasessenãoeraocasodeAl.AlBolitarjamaisprecisaraencheracabeçado ilhocomhistóriasgrandiosassobre suasproezas atléticas. Jamais o obrigara a nada, valendo-sedeumincrível talento para dar a impressão de que era indiferente ao mesmotempoquedeixavabemclaroqueseimportava,emuito,comodestinodoilho. Sim, tratava-se de uma gritante contradição (uma espécie depreocupação despreocupada), mas de algum modo ele se saía bem.Infelizmente,erararonageraçãodeMyronquealguémvisseosprópriospais com tamanha compreensão. Uma geração inde inida, presa entre oshippies de Woodstock e a Geração X da MTV, jovens demais para aprogramação balzaquiana das televisões nos anos 1970 e agora velhosdemais paraBarradosnobaile ouMelrosePlace.Myron tinha a impressãode que pertencia a uma “Geração Transferência”, na qual a vida sedesenrolavanumasucessãodereaçõesecontrarreações.Domesmomodoqueaquelespaisobcecadoscolocavamtudosobreosombrosdos ilhos,osilhos não pensavam duas vezes antes de culpar os pais pelos própriosfracassos.AgeraçãodeMyronforadoutrinadaparaexaminaropassadoelocalizarcomomáximodeprecisãoomomentoemquesuasvidashaviamsidoarruinadaspelospais.Elejamais izeraisso.Seporvezesexaminavaopassado, sobretudo o comportamento dos pais, tinha por único objetivodesvendar os segredos dos velhos para colocá-los em prática quandoenfimfossepaitambém.– Tenho consciência do que aconteceu naquele jogo – disse ele –,mas

podemacreditar.Nãoestoutristenemnada.Ellen,quejáestavadeolhosvermelhos,fungouefalou:–Nóssabemos,querido.–Efungounovamente.–Asenhoranãoestáchorandoporque...Elanegoucomacabeça.–Você jáéumhomemfeito, eusei.Masquandovivocêcorrendopara

dentrodaquelaquadra,pelaprimeiravezdepoisdetantotempo...As palavras foram se desmanchando no ar enquanto Al olhava para o

nada. Todos na família tinham algo em comum: eram atraídos pelanostalgia do mesmo modo que as celebridades são atraídas pelospaparazzi.

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Myronesperouatétercertezadequeavoznãofalharia.–Jessicaquerqueeuvámorarcomela–informou.E icouesperandopelaenxurradadeprotestos,pelomenosporparteda

mãe. Ellen ainda não havia perdoado Jessica por ter abandonadoMyronanosantes,eelesuspeitavaqueesseperdão jamaisviria.Al,comoeradeseu feitio, assumiu de pronto a expressão de um bom repórter nomomento de fazer suas perguntas: uma expressão neutra que tentavaempanaraopiniãonadaneutraqueseformavanointeriordesuacabeça.Ellenolhouparaele,eeleolhoudevolta,pousandoamãonoombroda

mulher.EmseguidaEllendisse:–Nossasportasestarãoabertasquandovocêvoltar.Myron cogitou redarguir,mas se conteve a tempo. Os três passaram à

cozinhaecomeçaramapapear.Myronpreparouparasimesmoumqueijoquente.Ellenserecusavaaprestaressetipodeserviçoaquemquerquefosse: cachorros eram domesticados, ela acreditava; pessoas, não. Faziatempoquenãocozinhavamais,eMyronviaissocombonsolhos.Osmimosdamãeeramapenasverbaise,paraele,assimestavabem.Elescontaramoscasosdaviagem,eMyron,apenasvagamente,explicou

osmotivosqueotinhamlevadodevoltaaobasquete.Daliaumahoraeledesceupara seu quarto noporão.Dormia ali desde os 16 anos de idade,anoemquesuairmãforaemboraparaauniversidade.Oporãosedividiaem dois cômodos: uma saleta que ele usava apenas para receber suasrarasvisitaseportantomantinhasemprelimpa,eumquartoqueemtodososaspectospareciapertenceraumadolescente.Myronsemeteunacamae icou olhando para os pôsteres nas paredes. Quase todos estavam alidesdeasuajuventude,jádesbotadosecomaspontaspuídasemtornodastachinhas.ElesempretorcerapelosCeltics(seupaihaviacrescidonas imediações

deBoston),eporessemotivoosdoispôsteresdequemaisgostavaeramodeJohnHavlicek,ograndeastrodosanos1960e1970,eodeLarryBird,dosanos1980.Seusolhosdardejavamentreumeoutro.Oterceiropôsterdeveria ser o do próprio Myron; esse havia sido seu sonho desde ainfância.AoserrecrutadopelosCeltics,elemal icarasurpreso.Umaforçamaiorestavaemação.EstavaescritonasestrelasqueeleseriaamaisnovalendadaequipedeBoston.EfoientãoqueBurtWessonoatropelou.Myron cruzou as mãos sob a cabeça e esperou que os olhos se

ajustassem à luz. Quando ouviu o telefone tocar, atendeu-o quaseautomaticamente.

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– Temos o que você está procurando – disse uma voz eletronicamentedistorcida.–Como?– A mesma coisa que Downing queria comprar. Vai lhe custar 50 mil

dólares. Providencie o dinheiro. As instruções serão passadas amanhã ànoite.Apessoadesligou.Myrontentouusarosserviçosdesuaoperadorapara

descobrir o número da ligação recebida, mas tratava-se de uminterurbano. Sem mais o que fazer, deitou a cabeça no travesseiro e,olhandoparaosdoispôsteres,esperouosonochegar.

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capítulo28

OESCRITÓRIODEMARTINFELDER icavanaMadisonAvenue,napartecentraldeManhattan, nãomuito longeda agência dopróprioMyron. Felder Inc.,era assim que o lugar se chamava, o nome engraçadinho deixando bemclaro que Marty não estava na Madison Avenue como um igurão domundo da publicidade. Uma recepcionista alegre e saltitante conduziuMyronatéasaladeMarty.Aportajáestavaaberta.–Marty,Myronestáaquiparavê-lo.Marty.Myron.Eraumdaquelesescritóriosemqueaspessoassetratam

pelo primeiro nome. Todos se vestiam com aquela informalidadeengomadinhados novos tempos.Marty aparentava uns 50 e tantos anos;os cabelos grisalhos e ralos se espichavam comgel, talvez para esconderuma incipiente calvície. Ele usava uma camisa jeans com gravata laranja;via-se que as calças verdes, da Banana Republic, haviam sidometiculosamentepassadas.Asmeiaslaranjacombinavamcomagravata,eossapatospareciamserdaHushPuppies.–Myron! – exclamouele, sacudindoamãodovisitante. –Quebomver

vocêporaqui!–Obrigadopormereceberassim,Marty,semhoramarcada.–Poxa,Myron.Vocêsabequenãoprecisamarcarhoracomigo.Eles já haviam se encontrado algumas vezes em diferentes eventos de

agenciamentode atletas.Myron conhecia a sólida reputaçãoqueo colegatinha comoumsujeito, comoperdãodo clichê, durãoporém justo.Martytambémtinhaumespecialtalentoparaconquistaraatençãodamídiatantopara si quanto para seus atletas. Já escrevera dois livros do tipo “comovencernavida”,quemuitohaviamcontribuídopara irmarseunomeesuareputação no mercado. Para completar tinha aquele jeitão de um tiosimpático,sempre“nadele”,queimediatamenteseduziaaspessoas.–Querbeberalgumacoisa?–perguntouele.–Umlatte,talvez?–Não,obrigado.Martysorriuebalançouacabeça.–Faztempoquevenhopensandoemligarparavocê,Myron.Porfavor,

sente-se.Nas paredes da sala não se via nada além de algumas esculturas

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bizarrasdeneon.Amesatinhaestruturadevidroegavetasdefibra;sobreela, nenhum papel. Tudo ali reluzia como o interior de uma espaçonave.FelderapontouparaMyronumadascadeirasdiantedamesaedepoisseacomodou na outra, logo ao lado. Dois amigos se encontrando para umpapinho informal. Nenhuma mesa para servir de divisória ou fator deintimidação.Felderfoilogodizendo:– Você sabe, Myron, que seu nome vem crescendo vertiginosamente

nestenossoramo.Osclientestêmplenacon iançaemvocê.Proprietáriosegerentesdostimesrespeitamvocê,tememvocê.Eissoéraro,Myron.Muitoraro. – Ele bateu as mãos contra as coxas e inclinou o tronco paraperguntar:–Vocêgostadetrabalharcomoagenciamentodeatletas?–Gosto.–Ótimo–disseele.–É importanteagentegostardoquefaz.Aescolha

dapro issãoéadecisãomaisimportantequeumhomemtemquefazernavida.Atémaisque a escolhadamulher. –Erguendoosolhosparao teto,emendou: – Quem foi mesmo que disse... “você pode até se cansar daspessoasàsuavolta,masnuncadeumtrabalhodoqualrealmentegosta”?–AlgumapresentadordeTV?–sugeriuMyron.Felderriue,comcertoconstrangimento,falou:– Acho que você não veio até aqui para icar ouvindo essa minha

ladainhasobreafelicidade,nãoé?Portanto,cartasnamesa.Voudizersemrodeios:oquevocêachadevirtrabalharnaFelderInc.?– Trabalhar aqui? – perguntou Myron. Regra número um para quem

quer emplacar um emprego: deixe seu entrevistador boquiaberto com ainteligênciadassuasrespostas.– O que tenho emmente é o seguinte – explicou Felder. – Você icará

com a vice-presidência da empresa. Com um salário bastante generoso,claro. Ainda assim terá tempo livre para continuar dando a seus clientesaquelaatençãoespecialquesóvocêsabedarequeelesesperamdevocê.TeráàsuadisposiçãotodososrecursosdaFelderInc.Pensebem,Myron.Empregamosmais de 100pessoas aqui. Temosnossa própria agência deviagens para cuidar de tudo o que você precisar. Temos uma grandeequipede...porquenãodizer,gandulas,queseocuparãodetodosaquelesdetalhesmuitochatosmastãovitaisaonossonegócioenquantovocêcuidaexclusivamente das coisasmais importantes. – Ele ergueu uma dasmãoscomoseparainterromperMyron,emboraMyronnãotivessemexidonemum músculo sequer. – Sei que você tem uma colaboradora, a Srta.EsperanzaDiaz.Quetambémserábem-vinda,claro.Comumsaláriomaior.

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Sei ainda que ela está terminando a faculdade de direito este ano. Hámuitas oportunidades de promoção na Felder Inc. – Com um gesto dasmãos,elearrematou:–Então,oquevocêacha?–Ficomuitolisonjeadoque...– Bobagem – interrompeu Felder. – Trata-se apenas de uma decisão

empresarial.Domeuinteresse.Reconheçoumaboaoportunidadequandovejo uma. – Ele se inclinou para a frente e abriu um sorriso sincero. –Deixequeoutrapessoasirvadebabáparaosseusclientes,Myron.Querover você livre para fazer o que sabe fazer melhor: recrutar clientes enegociaracordos.Myron não tinha nenhum interesse em abrirmão de sua agência,mas

admitiaqueficaratentadocomaproposta.–Possopensarnoassunto?–disse.– Claro que sim – respondeu Felder, erguendo asmãos num gesto de

resignação. – Não quero pressioná-lo, Myron. Pense o quanto quiser. Dequalquermodo,eunãoestavaesperandonenhumarespostaimediata.–Obrigado–disseMyron.–Mas...naverdade,vimaquiparaconversar

sobreoutracoisa.Feldernovamenteserecostou,cruzouasmãossobreocoloe,sorrindo,

falou:–Soutodoouvidos.–GostariadefalarsobreGregDowning.NorostodeFelder,osorrisopermaneceuondeestava,masobrilhodos

olhosjánãoeraomesmo.–GregDowning?–Sim.Gostariadelhefazeralgumasperguntas.Aindasorrindo:– Você entende, claro, que não posso revelar nada que possa ser

consideradoinformaçãoconfidencial.– Naturalmente – assentiu Myron. – Mas talvez você possa me dizer

ondeeleestá.MartinFelder esperouum instante.Não se tratavamaisdeumaoferta

de emprego, mas de uma negociação. Um bom negociador éassustadoramentepaciente.Comoumbominterrogador,precisaserantesde tudo um bom ouvinte e dar a palavra a seu interlocutor. Depois dealgunssegundos,Felderperguntou:–Porquevocêprecisasaberdisso?–Gostariadefalarcomele–respondeuMyron.–Possosabersobreoquê?

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–Receioquesejaparticular.Eles se entreolharam com amesma afabilidade de antes,mas também

comocomedimentodedoispro issionaisnumarodadepôquer,cuidandoparanãoentregarojogoquetinhamnasmãos.–Myron... – foidizendoFelder.–Vocêprecisaentenderminhaposição.

Nãomesintoàvontadeparadivulgaressetipodeinformaçãosemterpelomenosalgumapistasobreosseusmotivos.Horadeentregarumpoucodoouro.–NãofuiparaosDragonspararecomeçaracarreiradeatleta–revelou

Myron.–ClipArnsteinmecontratouparaencontraroGreg.AssobrancelhasdeFelderseergueramligeiramente.–EncontraroGreg?Acheique ele estivesse reclusopara se recuperar

deumacontusão.–IssofoioqueClipdisseàimprensa.– Entendo. – Felder levou a mão ao queixo e balançou a cabeça

lentamente.–Evocêestátentandolocalizá-lo?–Estou.–Clipcontratouvocê?Escolheuvocê?Aideiafoidele?Myron explicou que sim. Felder agora estampava um discreto sorriso,

comosesaboreasseinternamenteagraçadealgumapiada.–ComcertezaClip lhe contouqueGreg já fezesse tipode coisaoutras

vezes.–Sim,contou.–Entãonãovejomotivopara tantapreocupação– arrematouFelder. –

Aprecioqueestejatentandoajudar,Myron,mas,realmente,nãocreioquesejanecessário.–Vocêsabeondeeleestá?Felderhesitouumpouco,depoisdisse:–Maisumavez,Myron,procurecolocar-senomeulugar.Seumdeseus

clientes quisesse icar fora de circuito por uns tempos, você faria o quê?Atenderiaopedidodeleounão?Myronfarejouumblefe.– Depende – falou. – Se soubesse que meu cliente estava em apuros,

provavelmentefariaoqueestivesseemmeualcanceparaajudá-lo.–Quetipodeapuros?–perguntouFelder.–Dívidas de jogo, para começar. Greg está devendouma fortuna a um

pessoal aí, bem casca-grossa. – Myron notou a ausência de qualquerexpressãonorostodeFeldereinterpretouissocomoumbomsinal.Omaisnatural seria que, ao saber que um de seus clientes está nas mãos de

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gângsteres, um agente esboçasse pelo menos alguma expressão desurpresa.–Vocêjásabiadetudoisso,não?Felder respondeu com cautela, como se pesasse cada palavra numa

balança.–Vocêaindaénovonoramo,Myron.Eosnovatostêmesseentusiasmo

que muitas vezes é canalizado para o lugar errado. Represento osinteressesdeGregDowning, e isso implica certas responsabilidades.Masnão me dá carta branca para administrar a vida dele. O que Greg ouqualqueroutrodosmeusclientesfazcomseutempolivrenãoédaminhaconta. E nem deveria ser. Ainda bem. Tanto paramim quanto para você.Gostamosdosnossosclientesenospreocupamoscomeles,masnãosomossubstitutos paternos nem tutores pessoais. É importante que você tenhaconsciênciadissodesdejá.Resumodaópera:elesabiasobreasdívidasdeDowning.– Por que Greg fez um saque de 50 mil dólares 10 dias atrás? –

perguntouMyron.Como antes, Felder permaneceu impassível. De duas, uma: ou de fato

não tinha nenhummotivo para se surpreender com o que Myron vinhadizendo,oudealgummodoeracapazdebloquearqualquerconexãoentreocérebroeosmúsculosfaciais.– Você sabe que não posso revelar uma informação dessas – falou. –

Nemmesmocon irmarseessesaquerealmentefoifeito.–Novamentedeuumtapanasprópriaspernase fabricouumsorriso.–Faça-nosum favor,Myron, amime a vocêmesmo.Pensenaminhaoferta edeixe este outroassuntodelado.CedooutardeGregvaiaparecer.Elesempreaparece.–Eunãoteriatantacerteza–rebateuMyron.–Dessavezelerealmente

estáemmauslençóis.–Sevocêestásereferindoaessassupostasdívidas...–Nãoédissoqueestoufalando.–Doqueé,então?Atéali,Feldernãohaviafeitonenhumaincon idênciaqueinteressassea

Myron. Dera a entender que sabia dos problemas de Greg, mas apenaspara se safar. Percebera desde cedo que Myron vinha lendo seuspensamentos. Se tivesse negado, dizendo que não sabia de nada, teriapassado recibo de incompetente ou desonesto. Marty Felder era umhomem esperto. Jamais daria um passo em falso. Portanto,Myron tentououtrocaminho:–PorquevocêmandoufilmaramulherdeGreg?–Oquê?–disseFelder,piscandoosolhos.

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–ProTec.Esseéonomedaagênciaquevocêcontratou.ElesinstalaramumacâmeranoGlenpointeHotel.Gostariadesaberporquê.Quaserindo,Felderdisse:– Espera aí. Me ajude a entender, Myron. Primeiro você diz que meu

clienteestáemapuros.Depoisdizquequerajudá-lo.Edepoisfazalusãoaumacâmera.Nãoestouconseguindoacompanhar.–Sóestoutentandoajudarseucliente.– Omelhor que você pode fazer por Greg é abrir o jogo e contar logo

tudo o que sabe. Sou o agente dele, Myron. Cabe amim defender seusinteresses. Não os interesses dos Dragons, muito menos os de Clip. Poisbem.VocêfalouqueGregestáemapuros.Queespéciedeapuros?Myronbalançouacabeça:–Primeirovocêcontasobreacâmera.–Não.Finalmente caíra o pano: a contradança da negociação começava a

esquentar.Daliapoucoelesestariammostrandoalínguaumparaooutro,mas por ora a cordialidade ainda prevalecia. Tratava-se de um cabo deguerra. Quem seria o primeiro a capitular? Myron avaliou a situaçãomentalmente.Estaeraaprimeiraregradeumanegociação:jamaisperderdevistaaquiloquevocêquereaquiloqueseuoponentequer.Muitobem.OqueFeldertinhaqueMyronpoderiaquerer?Informaçõessobreosaquede50mil,sobreacâmeraetalvezalgomais.OqueMyrontinhaqueFelderpoderiaquerer?Nãomuito.MyronespevitaraacuriosidadedeleaodizerqueGregestavaemmauslençóis.Feldertalvezjásoubessedosproblemasde seu cliente,mas ainda assim tentaria descobrir exatamente o que ele,Myron, sabia. Em suma: Myron estava em desvantagem. Teria que semexer.Horadeaumentarasapostas.Esemmaioresdelicadezas.–Ébempossívelqueeutenhavindoaquiàtoa–disseele.–Comoassim?– Poderia ter mandado um delegado da polícia para fazer as mesmas

perguntas.Felderpermaneceu imóvel,massuaspupilassedilataramdeummodo

estranho.–Como?Aproximandooindicadordopolegar,Myronexplicou:– Falta isto para que certo delegado do departamento de homicídios

emitaumanotificaçãodealertacomosdadosdeGreg.–Vocêfalou“homicídios”?–Sim.

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–Masquemfoimorto?–Primeiroacâmera.Feldernãoerahomemdeseprecipitar.Recruzouosdedos,olhouparao

tetoecomeçouabatercomopé.Semnenhumapressa,pôs-seaavaliarospróseoscontras,oscustoseosbene ícios,eoquemaisprecisasseparasedecidir.Myronchegouarecearqueelecomeçasseadesenhargráficos.–Myron,vocênuncachegouatrabalharcomoadvogado,nãoé?– falou

porfim.–PasseinoexamedaOrdem,esó.–Éumhomemdesorte–disseFelder,eexalouumsuspirodecansaço.

– Sabeporqueexistem tantaspiadas sobreadvogados canalhas?Porqueelessão canalhas.Masa culpanãoédeles.Nãomesmo.Édo sistema.Éosistema que encoraja as trapaças, as mentiras e a canalhice em geral.Digamos, a título de ilustração, que você seja o técnico de uma equipemirimdebasquete.Umbelodiavocêchegaparaascriançasediz:hojenãotemárbitro.Vocêséquevãofazeraarbitragemsozinhos.Oquevocêachaque aconteceria depois?Muito provavelmente, a ética iria para o espaço.Sobretudo se você também disser aos pentelhos que o único objetivo dojogoévencer.Venceraqualquercusto.Esqueceessahistóriade fairplayeespírito esportivo. Pois é assim que funciona o nosso sistema judicial,Myron.Coadunamoscomatrapaçaemnomedeumsuposto“bemmaior”.–Aanalogianãoéboa–retrucouMyron.–Porquenão?–Aausênciadearbitragem.Osadvogadossãoregidosporumjuiz.–Nemsempre.Amaioriadoscasoséresolvidacomacordosantesdeser

levadaajuízo.Vocêsabedisso.Dequalquermodo,achoqueme izclaro.Osistema encoraja os advogados a mentir ou a distorcer a verdade sob opretexto de defender os interesses de seus clientes. Em nome dessesinteresses,valetudo.Eissovemdestruindonossosistemajudicial.–Muito fascinante essa sua tese – disseMyron. –Mas que relação ela

temcomacâmera?– Uma relação direta – respondeu Felder. – A advogada de Emily

Downingmentiuedistorceuaverdade.Ultrapassandoemmuitooslimitesdaéticaedanecessidade.–Vocêestáfalandodoprocessopelaguardadosfilhos?–Exatamente.–Quefoiqueelafez?Feldersorriuefalou:– Vou lhe dar uma pista. Atualmente, neste país, essa alegação em

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particular é feita em mais de 30% dos casos de custódia. É quase umprocedimento padrão, tão comum quanto o arroz jogado no dia docasamento,muitoemboradestruavidas.–Abusoinfantil?Feldernãosedeuotrabalhoderesponder.Disseapenas:–Chegamosàconclusãodequeeranecessáriodar imaessainverdade

tãocrueleperigosa.Equilibrarospratosdabalança,porassimdizer.Nãotenho orgulho disso. Nenhum de nós tem. Mas também não me sintoenvergonhado. Não dá para jogar limpo quando o adversário insiste emusarumsocoinglês.Vocêfazoqueprecisaparacontinuarvivo.–Eoquevocêfez?–GraveiEmilyDowningnumasituaçãobastantedelicada.–Umasituaçãodelicada...Doquevocêestáfalandoexatamente?Felder tirouuma chavedo bolso, foi até umarmário e de lá tirou uma

itadevídeo.Abriuumsegundoarmário,onde icavamaTVeoaparelhodevídeo,ealojouafitanabandeja.Empunhandoocontroleremoto,disse:–Agoraésuavez.VocêfalouqueGregestavaemapuros.Era chegada a hora de Myron ceder um pouquinho. Outra regra

importante das negociações: não seja um turrão inconsequente; o tirocostumasairpelaculatra.– Acreditamos que umamulher estava chantageando o Greg – disse. –

Usavadiversosnomes.Carlanamaioriadasvezes,mastambémépossívelquesefizessepassarporSallyouLiz.Foiassassinadanoúltimosábado.DestavezFelderseassustou.Ouaomenosfingiuseassustar.–CertamenteapolícianãoestásuspeitandoqueGreg...–Está–disseMyron.–Masporquê?Myronfoivago:– Greg foi a última pessoa vista com ela na noite do assassinato. As

impressõesdigitaisdeleforamencontradasnacenadocrime.Alémdisso,apolíciaencontrouaarmadocrimenacasadele.–RevistaramacasadoGreg?–Sim.–Maselesnãopodiamterfeitoumacoisadessas.Oadvogadoesuasinverdades:– Tinham um mandado – disse Myron. – Você conhece essa mulher?

EssaCarlaouSally?–Não.–TemalgumaideiadeondeGregpossaestar?

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–Nenhuma.Myronoexaminou,masnãosoubedizerseestavamentindoounão.Com

rarasexceções,nãobastaavaliarosolhosoualinguagemcorporaldeumapessoa para saber se ela está mentindo. Pessoas nervosas e irrequietastambémdizemaverdade,eumbommentirosoécapazdeaparentartantasinceridade quanto um ator. De modo geral, os “analistas de linguagemcorporal”eramapenasludibriadospelasprópriascertezas.– Por que Greg sacou 50 mil dólares em dinheiro vivo? – perguntou

Myron.–Nãoquestionei–respondeuFelder.–Comofaleiantes,essesassuntos

nãosãodaminhaconta.–Vocêachouqueeraparaojogo.Mais uma vez, Felder não se deu o trabalho de responder. Ergueu os

olhosedisse:–VocêfalouqueessamulherestavachantageandoGreg.–Estava–confirmouMyron.–Equecartaelatinhanamanga,vocêsabe?–Nãotenhocerteza.Essahistóriadejogo,euacho.Felderbalançouacabeçae,semolharparaatela, inalmenteacionouo

controleremoto.Natelevisão,ogranuladodaestáticalogodeulugaraumaimagem em preto e branco. Um quarto de hotel. A câmera parecia estargravandodebaixoparacima.Nãohavianinguémnoquarto.Umcontadordigitalmarcava o tempo. O cenário era quase em tudo igual ao daquelasgravaçõesemqueumpolíticodoPartidoDemocrataapareciafumandoumbongdecrack.Essa não, pensou Myron. Seria possível? Uma trepada di icilmente

provaria a incapacidade de alguém para cuidar dos ilhos, mas e asdrogas?Paraequilibrarospratosdabalança,talcomoFelderhaviaposto,oquepoderiasermelhordoquemostraramãefumando,cheirandoousepicandonumquartodehotel?Queimpactoissoteriasobreumjuiz?Noentanto,elelogoviuqueestavaenganado.Aportadoquartodehotelseabriu.Emilyentrousozinhaeespiouaseu

redor. Sentou-sena cama,mas logo se levantoudenovo.Perambulouumpouco, sentou-se novamente. Perambulou mais um pouco, passou aobanheiro,voltoudaliapouco.Asmãosprocuravamqualquerobjetoaseualcance:panfletos,cardápios,umguiadeTV.–Nãotemsom?–perguntouMyron.MartyFelderfezquenãocomacabeça.Aindanãoolhavaparaatela.Atônito,Myron continuouassistindoaonervoso ritualdeEmily.A certa

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altura, ela parou um instante e se dirigiu à porta.Decerto ouvira alguémbater. Não abriu de imediato, parecia insegura. Esperando o HomemPerfeito?Provavelmente,concluiuMyron.MasquandoEmilyen imabriuaporta,elenovamenteconstatouquesehaviaenganado.Tratava-sedeumaMulherPerfeita.As duas mulheres conversaram por alguns minutos. Beberam algo do

frigobar,depoiscomeçaramasedespir.Myronsentiuumfrionoestômago.Decidiuquejátinhavistoobastantequandoelassedeitaramnacama.–Porfavor,desligue.Felderdesligouoaparelho,aindasemolharparaele.–Fuisinceroquandofaleiquenãotenhoorgulhodoquefiz.–Parabéns–disseMyron.Só agora ele entendia a hostilidade de Emily. Ela realmente havia sido

vítimadeum lagrantedelito.Nãocomumhomem,mascomoutramulher.O que não constituía nenhum crime, claro. Mas a maioria dos juízes sedeixaria in luenciar. Assim era omundo. E falando nomundo e em seusmodos,MyronconheciaatalMulherPerfeitaporoutroapelido.Metralhadora.

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capítulo29

MYRON VOLTAVA A PÉ PARA O escritório perguntando-se o que aquilo tudopoderiasigni icar.Parainíciodeconversa,signi icavaqueMaggieMason,aMetralhadora,eramaisqueumobjetodediversãonaquelahistória.Masoqueexatamente elapoderia ser?Teria armadouma ciladaparaEmilyoutambém havia sido vítima de uma gravação clandestina? As duas eramamantes ou aquela noite não passara de uma aventura única? Felderalegava não saber de nada. Na gravação, as duas mulheres davam aimpressão de pouca intimidade, pelomenos na pequena parte a que eleconseguiraassistir;poroutrolado,elenãoeraexatamenteumespecialistanoassunto.Naesquinada rua50,Myrondobroupara aparte lesteda cidade.Um

albino, usando um boné dos Mets e um short amarelo sobre os jeansrasgados,tocavaumacítaraindiana,cantando“TheNightChicagoDied”,oclássico dos anos 1970; sua voz lembrava a Myron a de uma velhinhachinesa que trabalhava nos fundos de sua lavanderia. À frente dele seviam um copinho de gorjetas e uma pilha de itas cassete, além de umaplaca em que se lia: “Benny, o original, e sua cítara mágica. Apenas 10dólares.”Ah.Ooriginal.Aindabem.Quemhaveriadequererocoverdeumalbino tocando música de AM numa cítara indiana? Não, valeu, muitoobrigado.BennysorriuparaMyron.Chegandoàpartedamúsicaemqueogaroto

descobre que 100 policiais haviam sido mortos (talvez até o pai dele),Benny começou a chorar. Pura emoção. Myron deixou uma nota de umdólarnocopinhoecruzouarua,novamentepensandonovídeodeEmilyeMaggie.Eleagoraseperguntavaquerelevânciapoderiateressagravação.Sentira-seumvoyeurimundoaovê-lapelaprimeiravezeagorasesentiadamesma formaporrequentaras imagensemsuacabeça.A inal,omaisprovável era que o episódio não passasse de um encontro fortuito. QuevínculoaquilopoderiatercomoassassinatodeLizGorman?Nenhumqueele pudesse vislumbrar. A bem da verdade, ele nem sequer conseguiaentender como Liz Gorman se encaixava na jogatina de Greg ou no quequerquefosse.Aindaassimagravaçãosuscitavaalgumasquestõesbemimportantes.A

acusação de pedo ilia que pesava contra Greg, por exemplo. Teria algum

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fundo de verdade ou, como sugerira Felder, aquilo não passava de umacartadajudicial?Alémdisso,EmilynãodisseraaMyronquefariaqualquercoisaparamanteraguardados ilhos?Atémesmomatar?Comoela teriareagidoaosaberdagravação?Provocadaportamanhoabsurdo,atéondepoderiachegar?Myron en im chegou ao prédio de sua agência na Park Avenue. No

elevador,trocouumbrevesorrisocomumajovemexecutivadeterninho.Olugarrecendiaaumadessascolôniasvagabundasdefarmácianasquaissebanham certos homens para quem um banho real consome tempo eenergiademais.AexecutivafarejouoareolhouparaMyron.–Nãousoperfume–foilogodizendo.Masamoçanãopareciaconvencida.Ou talvezexecrasse todoogênero

masculino pelas colônias vagabundas que usavam. O que eracompreensívelnaquelascircunstâncias.–Experimentenãorespirar–sugeriuMyron.Elaolhouparaele,orostojáverdecomoumaalgamarinha.Ao entrar no escritório, Myron se deparou com uma sorridente

Esperanza,quedisse:–Bomdia!–Opa.–Quefoi?–Vocênuncamedesejou“bomdia”.Nunca.–Claroquesim.Myronbalançouacabeça.–Ettu,Esperanza?–disse.–Doquediabovocêestáfalando?–Você icousabendodojogodeontem.Eagoraestátentando,digamos...

sergentilcomigo.Ofogonosolhosdelacresceu.– Gentil com você? Estoucagando para esse jogo. Não estou nem aí se

enrabaramvocêdoinícioaofim.–Tardedemais,Esperanza.Vocêsepreocupacomigo.–Nosseussonhos.Vocêpagouummico,Myron.–Meenganaqueeugosto–insistiuele.– Eu? Enganando você? Se liga, garoto. Você pagou um mico. E dos

grandes. Um vexame. Fiquei com vergonha só de conhecê-lo. Tive quebaixaracabeçaquandoentreinesseprédiohoje.Myronseinclinoueabeijounorosto.–Erasóoquefaltava.Agoravouterquemevacinarcontrasapinho.

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–Nãoprecisasepreocupar,Esperanza–falou.–Estoubem.Juro.–Queromaiséquevocêmorra.Juro.OtelefonetocoueEsperanzaatendeu.–MBRepresentaçõesEsportivas. Claro, Jason, ele está aqui sim. Sóum

segundo.–Elatapouobocaldoaparelho.–ÉoJasonBlair.–Overmequeachamoudepopozuda?–Elemesmo.Lembreaeledasminhaspernas.–Vouatendernaminhasala.–Notopodeumapilhadepapéis,umafoto

chamouaatençãodeMyron.–Oqueéisto?–OdossiêsobreaBrigadaRaven–respondeuEsperanza.Myronpegouumafotogranuladadogrupotiradaem1973,aúnicaem

queossete integrantesapareciam juntos.Rapidamenteele identi icouLizGorman. Não chegara a vê-la direito, mas, pelo que se lembrava, achavadifícilalguémpensarqueCarlaeLizGormanfossemamesmapessoa.–Possodarumaolhadanisto?–disseele.–Étodoseu.Myronfoiparaasalaeatendeualigação.–Eaí,Jason?–Porra!Ondefoiquevocêsemeteu?–Comigotudobem,Jason,econtigo?–Nãoestouparabrincadeira,Myron.Vocêcolocouaquelazinhanomeu

contratoeelafodeucomtudo.EstoupensandoseriamenteemsairdaMB.–Calma,Jason.Oquehouve?–Comoéqueé?–rugiuJason.–Vocênemsabeoqueaconteceu?–Não.– Então eu vou lhe dizer. A gente estava lá, bem no meio da minha

negociaçãocomosRedSox,certo?–Certo.–Quero icaremBoston.Nósdois sabemosdisso.Masagente temque

fazer barulho, certo?Dar a entender que estoudisposto a ir embora. Foiisso que vocême orientou a fazer. Deixar os caras pensando que querotrocar de time. Para aumentar a grana. Tenho passe livre. É isso que agentetemquefazer,certo?–Certo.–Nãoqueroqueelespensemquequerovoltarparaotime,certo?–Certo.Atécertoponto.–Atécertoponto,porranenhuma!–cuspiuele.–Outrodiameuvizinho

recebeu uma correspondência dos Sox, pedindo que ele renovasse aassinatura de ingressos da temporada. Adivinha de quem era a foto no

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panfleto,dizendoqueeuiavoltar?Vai,adivinha.–Hmm...erasua?–Claroqueeraminha!Entãoligueiparaessapopozudaaí...–Aspernastambémnãosãomás.–Oquê?– As pernas. Não são compridas, porque ela não émuito alta.Mas são

bemtorneadas.–Vá zoar coma sua avó,Myron. Preste atençãono que estoudizendo.

Alguém dos Sox ligou para sua popozuda, perguntando se eles podiamusarminhafotonopan leto,mesmosemeuestarcontratado.Eeladisseoquê? Disse quesim, merda! E agora? O que aqueles manés vão icarpensando?Claro, vão icar pensando que estou doido para assinar comeles!Tantoesforçoparaescondero jogo,eessasuapopozudapõetudoaperder!Esperanzaentrounasalasembater.– Istoaquichegouhojecedo–disse,e jogouumcontratosobreamesa

de Myron. O contrato era de Jason. Myron correu os olhos sobre apapelada.Esperanzapediu:–Coloqueoestressadinhonoviva-voz.Issofeito,elafalou:–Jason?–Porra,Esperanza,caifora.EstoutentandofalarcomoMyron.Elaoignorou.–Mesmoquevocênãomereça saber, inalizeio seu contrato.Consegui

tudoquevocêpediuemaisalgumacoisa.IssofezcomqueJasonpisassenofreio.–Quatrocentosmilporano?–Seiscentos.Maisumbônusde250naassinaturadocontrato.–Seisc...Maisumb...– Elesmeteramos pés pelasmãos – explicouEsperanza. –Depois que

distribuíramaquelespanfletoscomsuafoto,ficaramsemsaída.–Nãoentendi.– É simples – disse ela. – Amala direta foi enviada com sua foto, e as

pessoas começaram a comprar ingressos por causa disso. Nesse meio-tempo,ligueiparaelesdizendoquevocêtinhafechadocomosRangersnoTexas, que o contrato já estava quase assinado. – Reacomodando-se nacadeira, emendou: –Vejabem, Jason.Bastavocê se colocardooutro ladodo balcão. O que você faria? O que diria a todas essas pessoas quecompraramingressosquandoelasdescobrissemqueJasonBlair,cujafotoestava na mala direta, não faria parte do time porque havia conseguido

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coisamelhorcomosTexasRangers?Silêncio.Edepois:– Bunda, pernas... – disse Jason. – Não quero nem saber! Você tem o

cérebromaislindoqueeujávinavida!–Maisalgumacoisa,Jason?–perguntouMyron.– Vá treinar, Myron. Do jeito que você jogou ontem à noite, está

precisando.AgoraquerodiscutirosdetalhescomaEsperanza.–Vouatendernaminhamesa–disseela.MyronnovamentecolocouJasonemespera.–Belajogada.Esperanzadeudeombros:– Um garoto lá do departamento de marketing dos Sox fez bobagem.

Acontece.–Evocêsoubeaproveitarmuitobem.Comumaexpressãodeenfado,eladisse:–Meupeitotrêmuloestáinfladodeorgulho.–Deixaparalá.Váatendersualigação.–Não,juro,meuobjetivonavidaéserigualzinhaavocê.–Esquece.Vocênuncavaiterumabundaigualàminha.–É,temisso–disseEsperanza,esaiu.Assim que se viu sozinho, Myron ergueu a foto da Brigada Raven e

identi icouostrêsmembrosqueaindaandavamàsolta:GloriaKatz,SusanMilano e, o mais conhecido de todos, o enigmático líder Cole Whiteman.Ninguém havia atraído a atenção e a fúria da imprensamais do que ele.Myron era menino quando os Ravens sumiram do mapa, mas ainda selembravadashistórias.ColepoderiamuitobemsepassarporumirmãodeWin:louro,feiçõesaristocráticas,famíliaquatrocentona.Enquantotodososdemaisnafotoeramcabeludosemaltrapilhos,olíderseapresentavabembarbeado e com um corte de cabelo conservador; a única concessão àestética dos anos 1960 eram as costeletas enormes. Di icilmente o tipoísicoqueHollywoodesperariadeumradicaldeesquerda.Todavia,comoMyron havia aprendido com Win, as aparências muitas vezes podiamenganar.ElelargouafotoeligouparaoinvestigadorDimonte,querosnouumalô

aoatender.–Então–disseMyron–,descobriumaisalgumacoisa?–Estáachandooquê,Bolitar?Queagorasomosparceiros?–EusouoStarskyevocêéoHutch.–Caramba, comoeu tenho saudadedaquelesdois... O carrobacana... A

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camaradagemcomFuzzyBear...–HuggyBear–corrigiuMyron.–Oquê?–OnomedocaraeraHuggyBear,nãoFuzzyBear.–Émesmo?–Otempourge,Rolly.Dizaí,descobriualgumacoisa?–Vocêprimeiro.Quaissãoasnovidades?Mais uma negociação. Myron contou a ele sobre as dívidas de Greg.

PressupondoqueRolly tambémtinhaosregistros telefônicosdele, contouaindasobrea suspeitade chantagem.Masnãocontousobreovídeo.Nãoseria correto, pelo menos não antes que ele conversasse com Emily.Dimontefezalgumasperguntas.Dando-seporsatisfeito,falou:–Muitobem.Oquevocêquersaber?–VocêsencontrarammaisalgumacoisanacasadoGreg?– Nada – respondeu o investigador. – Nadamesmo. Lembra as tais

roupas femininas ou os cremes, sei lá, que você disse ter encontrado noquartodele?–Lembro.–Poisé.Tambémforamlevadas.Nenhumsinalderoupafemininaporlá.Issosigni icava,pensouMyron,quea tesedaamantevoltavaamostrar

sua cara feia. Para proteger Greg, a amante volta à casa para limpar osangue no porão e depois apaga os próprios rastros também, garantindoassimosigilodarelaçãoentreeles.– E as testemunhas? – perguntou Myron. – Alguém no prédio de Liz

Gormanviualgumacoisa?–Não. Interrogamosavizinhança inteira.Ninguémviuporranenhuma.

Todo mundo estava ocupado com uma merda qualquer. Ah, mais umacoisa: a imprensa já sabe do assassinato. Deram uma nota na edição dehoje.–VocênãopassouaelesonomedeLiz,passou?–Ficoumaluco?Claroquenão.Estão achandoque foi apenasmaisum

caso de latrocínio. Mas escuta só: hoje cedo recebemos uma ligaçãoanônima. Alguém sugerindo que a gente izesse uma busca na casa doGreg.–Estábrincando.–Sério.Umavozfeminina.–Alguémestáarmandoparacimadele,Rolly.– Será, Sherlock? Umamulher, ainda por cima. Mas o assassinato não

chegou àsmanchetes dos jornais. Ficou num canto qualquer das últimas

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páginas,mais um homicidiozinho desse nosso esgoto urbano. Só recebeuum pouco mais de atenção porque aconteceu perto de um campusuniversitário.–Vocêjádeuumaolhadanessaconexão?–perguntouMyron.–Queconexão?– Essa proximidade com a Columbia. Metade dos movimentos radicais

dos anos 1960 começou ali. Com certeza ainda tem alguns simpatizantesporlá.TalvezalguémtenhaajudadoLizGorman.Dimonteexalouumdramáticosuspiro.–Bolitar,vocêachaquetodopolicialéumpanaca?–Não.–Achaquefoioúnicoalevantaressabola?–Bem–disseMyron–,aspessoasdizemquetenhocertotalento.–Nãofoioqueeulinaseçãodeesporteshoje.Touché.–Então,oquevocêdescobriu?– Ela alugou o apartamento de um certo Sidney Bowman, um

radicalzinhodemerda, comunistade carteirinha, fanático,maluco, que sedizprofessoruniversitário.–Poxa,Rolly,vocêétãotolerante...–Poisé.Éassimqueeu icoquandopassomuitotemposemfrequentar

a União de Liberdades Civis. Mas voltando ao que interessa: ocomunistazinho não quis abrir o bico. Falou apenas que ela alugou oapartamento dele e pagou em dinheiro vivo. Todos nós sabemos que eleestá mentindo. Os federais deram uma prensa no cara, mas ele estavacercado de umbando desses viadinhos liberais que se fazempassar poradvogados.Chamaramagentedeporcosnazistasetudoomais.–Eissonãofoiumelogio,Rolly.Sóparadeixarbemclaro.–Valeuo toque.MandeioKrinsky icarna colado cara,masaté agora

ele não descobriu nada. A inal de contas, esse Bowman não é nenhumretardado.Certamentesabequeestásendovigiado.–Quemaisvocêsabesobreele?– Divorciado. Sem ilhos. Dá aulas sobre uma dessas merdas

existencialistas que no mundo real não servem para nada. Segundo medisseKrinsky,passaamaiorpartedotempoajudandoossem-teto.Essaéarotinadocara:irparaumabrigoouparadebaixodeumapontequalquere icar lá comosvagabas.Comoeudisse, o caranãobatemuitobemdasbolas.Winentrounasalasembater.Foidiretoparaoarmárioeabriuaporta

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que sustentava um espelho de tamanho natural.Mirando-se nele, ajeitouoscabeloscomasmãos,meticulosamente,emboranãohouvesseumúnicoio fora do lugar. Em seguida afastou as pernas e estirou os braços parabaixocomoseestivessesegurandoumtacodegolfe.Semtirarosolhosdoespelho, ergueuo taco imagináriopara fazer seubackswing, certi icando-sedequeobraçodianteiropermaneciarígido,eopunho,relaxado.Faziaisso o tempo todo, às vezes até na calçada, diante da vitrine de uma lojaqualquer. Para Myron isso era o equivalente, no golfe, àquelesmarombeiros que começam a contrair osmúsculos sempre que se veemrefletidosemalgumlugar.Irritante,muitoirritante.–Nãodescobriumaisnada,Rolly?–Não.Evocê?–Nada.Agentesefalamaistarde.–Malpossoesperar,Hutch–disseDimonte.–Sabe,oKrinskyétãonovo

quemalselembradoprograma.Triste,nãoé?–Ah,osjovensdehoje...–disseMyron.–Nãotêmnenhumacultura.WinaindaestudavasuatacadaaoespelhoquandoMyrondesligou.– Conte-me tudo, não esconda nada – disse ele, e Myron lhe passou o

relatório.Issofeito,Winfalou:–EssaFiona,aex-coelhinha...MepareceumacandidataperfeitaparaointerrogatórioWindsorHorneLockwoodIII.–Ahã–concordouMyron.–Mas,antes,porquevocênãomedizcomo

foiseuinterrogatórioWindsorHorneLockwoodIIIcomaMetralhadora?Winfranziuatestaparaoespelhoeajustouaempunhadura.–Nossaamigaserevelouumtantohermética.Portanto,opteiporoutra

abordagem.–Equeabordagemfoiessa?Wincontousobreaconversaquetivera.Myronsimplesmentebalançou

acabeçaedisse:–Entãovocêseguiuela?–Segui.–E?–Nãohámuitoque relatar.Depois do jogo ela foi para a casadoTC e

passouanoiteporlá.Nenhumtelefonemadignodenotafoifeitopelalinhaixa da residência. Ou ela não icou abalada com nosso entrevero ourealmentenãosabedenada.–Ousabiaqueestavasendoseguida–acrescentouMyron.Win novamente franziu a testa. De duas, uma: ou havia refutado a

sugestão de Myron, ou identi icado algum problema em seu swing.Provavelmente a segunda.Desviandooolhardo espelho, elenotoua foto

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sobreamesadeMyron.–ÉaBrigadaRaven?–perguntou.–É.Umdosintegranteséasuacara–disseMyron,apontandoparaCole

Whiteman.Winavaliouafotoporuminstante.– Embora seja mesmo boa-pinta, não tem meu senso de estilo, muito

menosasfeiçõesimpactantesdomeurostinhoperfeito.–Semfalarnamodéstia.–Exato–arrematouWin.Examinandoafotooutravez,MyronselembroudoqueDimontedissera

sobre a rotina do professor Sidney Bowman. Só então pensou em algo, esentiu um calafrio descer pela espinha. Mentalmente, foi distorcendo asfeiçõesdeCole, imaginandoas interferênciasdeumacirurgiaplásticaeoenvelhecimento natural de 20 anos, até chegar à imagem que tinha nalembrança.Asemelhança,senãototal,eragrandeosuficiente.Para se disfarçar, Liz Gorman havia alterado sua característica ísica

maisnotável.Não seria razoável suporqueColeWhiteman tivesse feitoomesmo?–Myron?Eleergueuacabeça.–AchoqueseiondeencontrarColeWhiteman.

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capítulo30

HECTORNÃOGOSTOUDEVÊ-LOnovamentenoParkviewDiner.–JásabemosqueméocúmplicedeSally–disseMyron.–Onomedeleé

NormanLowenstein.Conhece?Hectorfezquenãocomacabeçaecontinuoulimpandoobalcão.–Éumsem-teto.Ficazanzandoaínaruadosfundoseàsvezesusaseu

telefonepúblico.Hectorinterrompeualimpezaporumsegundo.–Osenhorachaqueeudeixariaumsem-tetoentrarnaminhacozinha?

–disse.–Alémdisso,nãotemosumaruadosfundos.Podeolharsequiser.ArespostanãosurpreendeuMyron.– Quando estive aqui no outro dia, ele estava sentado neste mesmo

balcão.Barbaporfazer.Cabelospretosecompridos.Umcasacoclaro,todopuído.Voltandoaesfregarafórmica,Hectorfalou:–Achoqueseiquemé.OsujeitodeAllStarpreto?–Elemesmo.–Voltaemeiaapareceporaqui.Masnãoseionomedele.–JáoviuconversandocomSally?Hectordeudeombros.–Podeser.Quandoelaestavaservindoalgumacoisaparaele.Masnão

seidireito.–Quandoeleesteveaquipelaúltimavez?–Sumiudepoisdaquelediaqueosenhorveio–revelouHector.–Vocêsnuncaconversaram?–Não.–Vocênãosabenadasobreele?–Não.Myronanotouonúmerodeseutelefonenumpedaçodepapel.–Casoeledê as carasnovamente, por favorme ligue.A recompensa é

demildólares.Hectorleuopapel.–Éseunúmerocomercial?NaAT&T?–Não.Épessoal.–Ahã–disseHector.–LigueiparaaAT&Tdepoisquevocêsaiudaqui.

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Eles nunca ouviram falar daquela história de Y511 nem tiveram umfuncionário chamado Bernie Worley. – Ele não parecia irritado, mastambém não estava saltitando de alegria. Apenas encarava Myron comfirmeza.–Mentiparavocê–confessouMyron.–Foimal.–Comovocêsechamadeverdade?–perguntouHector.– Myron Bolitar. – Ele entregou um cartão, e Hector o examinou

rapidamente.–Osenhoréagentedeatletas?–Sou.–EquediaboumagentedeatletaspodeestarquerendocomaSally?–Éumahistóriacomprida.–Osenhornãodeveriatermentido.Issonãoécerto.–Eusei–disseMyron.–Nãoteriamentidosenãofosseimportante.Hectorguardouocartãonobolsodacamisa.–Tenhoclientesparaatender–grunhiu,eseafastou.Myron cogitou chamá-lo para se explicar melhor, mas por im achou

desnecessário.Winesperavaporelenacalçada.–Eentão?–ColeWhitemanéummoradorderuaqueseapresentacomoNorman

Lowerstein.Win parou um táxi conduzido por um oriental de turbante. Eles

entraramnocarro,eMyroninformouodestino.Omotoristasimplesmentemeneouacabeça,roçandootetocomsuatorredepano.Nosalto-falantes,uma cítara arranhava o ambiente com suas unhas a iadas. Um martírio.Poroutrolado,qualquercoisamenosYanni.–Elenão separeceemnada como caradaquela foto–disseMyron. –

Fezumacirurgiaplástica.Deixouocabelocrescereopintoudepreto.O táxi parou no sinal. Ao lado dele, um TransAm azul, dos mais

turbinados,balançava-seaosomdeumhip-hopensurdecedor.Osdecibéiseram tantos que, se não deslocavam o eixo da Terra, pelomenos faziamtremerotáxi.Osinalabriu,eoTransAmchispouadiante.–FiqueipensandonomodoqueLizGormanencontrouparasedisfarçar

– prosseguiuMyron. – Ela pegou seu atributomais evidente e virou peloavesso. Cole era um ricaço engomadinho, ilhinho de papai. Que avessoseriamelhordoquesetornarummendigomaltrapilho?–Umjudeumendigoemaltrapilho–corrigiuWin.–Certo.Então,quandoDimontecontouqueoprofessorBowmangostava

desemisturarcomossem-teto,fiqueipensando...

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–Rota!–rosnouomotorista.–Como?–Rota.PelaHenryHudsonoupelaBroadway?– Henry Hudson – respondeu Win, e virou os olhos para Myron. –

Continue.– Minha tese é a seguinte: Cole Whiteman vinha suspeitando que Liz

Gorman estava em algum tipo de apuro. Talvez ela tivesse deixado deretornarumtelefonemaoufaltadoaumencontro,seilá.Oproblemaéqueelenãopodia iraté láparaverpessoalmenteoquetinhaacontecido.Nãoteria sobrevivido a tantos anos de clandestinidade se não fosse um carainteligente. Whiteman sabia que, caso a polícia pusesse as mãos em Liz,comcertezaarmariaalgumaciladaparapegá-lotambém.–Portantomandouvocênolugardele–concluiuWin.Myronfezumgestoafirmativocomacabeça.– Ele icava ali, nas imediações do restaurante, na esperança de ter

alguma notícia da tal “Sally”. Quando entreouviu minha conversa comHector, achou que tinha ali uma boa oportunidade. Então contou essahistória comprida, de que tinha conhecido Sally no telefone público dorestaurante,dequeosdoiseramamantes.Acheiestranho,masnãomedeio trabalho de questioná-lo. Depois me levou até o apartamento e icouesperandonacalçada,paraveroque iriaacontecer.Viuquandoapolíciachegou.Provavelmenteviuatéocorposendoretiradodoprédio...Delonge,na moita. E então con irmou suas suspeitas. De que Liz Gorman estavamorta.Winrefletiuuminstante.–EagoravocêachaqueoprofessorBowmanvemsecomunicandocom

elequandofazsuasvisitasaossem-teto?–Sim.–EnossopróximopassoseráencontrarColeWhiteman?–Sim.–EntreosmiseráveispiolhentosdeumabrigoabandonadoporDeus?–Exatamente.Martirizado,Windisse:–Erasóoquemefaltava.–Talvezagentepossacriarumaarmadilha–sugeriuMyron.–Masisso

tomariatempodemais.–Quetipodearmadilha?– Acho que foi ele quemme ligou ontem à noite. Se Liz Gorman tinha

algum plano para extorquir Greg, é bem provável que ele, Whiteman,

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estivessenajogadatambém.–Masoquevocêtemavercomisso?–perguntouWin.–Mesmoqueele

saiba de algum podre sobre o Greg, por que faria de você o alvo daextorsão?EssaeraumaperguntaqueMyrontambémvinhasefazendo.– Não tenho certeza – disse ele lentamente –, mas só me ocorre uma

coisa:Whitemanmereconheceuquandonosvimosnorestaurante,e logodeduziuqueeuerapróximodeGreg.Então,comosumiçodeGreg,decidiupartirparacimademim.OcelulardeMyrontocou,eeleatendeu.EraDimonte:–Eaí,Starsky.–SouoHutch–corrigiuMyron.–Starskyévocê.– Tanto faz – disse Dimonte. – Aposto que em dois tempos vou ter o

desprazerdeverseutraseironestadelegacia.–Porquê?Descobriualgumacoisa?–Seagentepuderchamarde“algumacoisa”afotodequemmatouLiz

Gormansaindodoprédio...Myronquasedeixouotelefonecair.–Verdade?–Verdadeira.Evocênemimagina.–Oquê?–Quemestánafotoéumamulher.

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capítulo31

–A PARADA É A SEGUINTE – disse Dimonte, abrindo caminho por umformigueiro de policiais, testemunhas e sabe-se lá o que mais. Winesperavadoladodefora.Nãogostavadepoliciais,esabiaquedi icilmenteseriaconvidadoporumdelesparatomarumcafezinho.Melhorparatodosque ele icasse a certa distância dali. – Temos uma imagem parcial dameliante. Uma gravação. O problema é que... não dá para identi icá-ladireito.Acheiquevocêpudessereconhecê-la.–Quetipodegravação?–TemumdepósitonaBroadway,entreasruas110e111.Ladolestedo

quarteirão.–DimonteseapressavaumpassoàfrentedeMyron.Aquieali,virava o rosto para ver se ele ainda o acompanhava. – Um depósito deeletrodomésticos.Sabecomoé.Os funcionáriosroubamcomose fosseumdireitoconstitucionaldeles.Poressemotivo,aempresaespalhoucâmerasde segurança por toda parte. Gravam tudo. – Sem interromper acaminhada, e agora sem nenhum palito entre os dentes, ele balançou acabeça, abriu um sorriso para Myron e observou: – O bom e velho BigBrother.Devezemquandoalguémgravaumcrimeemvezdeumbandodepoliciaisespancandoumpobrecoitado...Eles entraram numa saleta de interrogatório com uma das paredes

espelhada. Myron sabia tratar-se de um espelho de face única – ele equalquer um com um mínimo de familiaridade com os seriados de TVsaberiam disso. Mesmo supondo não haver ninguém do outro lado, o Sr.Maturidade não se conteve e botou a língua para fora. Krinsky estava aoladodeumatelevisão.Pelasegundaveznomesmodia,Myronassistiriaaumvídeo.Esperavaqueodeagorafossemaisrecatado.–Comovai,Krinsky?–perguntou.Krinskymalsemexeu.Falantecomosempre.MyronsevoltouparaDimonte.–Aindanãoentendocomoacâmeradeumdepósitopodetergravadoa

assassina.–Umdascâmeras icanoportãodoscaminhões–explicouDimonte.–Só

paragarantirquenada caiada carroceriaquandoeles estão saindo, se éque vocême entende. Essa câmera pega umpedaço da calçada. Dá paraverospedestrespassando.–Recostando-senaparede,elegesticuloupara

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queMyronseacomodassenacadeira.–Vocêvaiver.Myron se sentou, e Krinsky apertou o play. De novo, uma imagem em

preto e branco. De novo, nenhum som. Mas dessa vez a gravação haviasido feita do alto. Mostrava a metade dianteira de um caminhão e umapequena parte da calçada. Os poucos pedestres que ali se viam nãopassavamdesilhuetasdistantes.–Comoistoveiopararnassuasmãos?–perguntouMyron.–Istooquê?–Estafita.–Sempreprocuroporessetipodecoisa–disseDimonte,e levantouas

calçaspelocinto.–Nosestacionamentos,nosdepósitos...Hojeemdiaesseslugaressempretêmumacâmeradesegurança.–Belotrabalho,Rolly.Estouimpressionado.–Uau–ironizouoinvestigador.–Agora,sim,possomorrerfeliz.Não há quem resista a uma resposta engraçadinha. Myron voltou os

olhosparaatela.–Quantotempoduracadafitadessas?–perguntou.–Dozehoras–respondeuDimonte.–Sãotrocadasàsnovedamanhãe

àsnovedanoite.Sãooitocâmerasaotodo,eas itas icamguardadasportrês semanas. Depois gravampor cima. – Ele apontou para a imagemnatela.–Aívemela.Krinsky.Krinskyapertouumbotão,eaimagemcongelou.– Amulher que acabou de aparecer. À direita. Indo na direção sul, ou

seja,nosentidocontrárioaodacenadocrime.Myron não viu mais que uma mancha. Não pôde distinguir o rosto,

tampoucoaalturaouopesoda talmulher.Viuapenasqueelausavaumcasaco comprido com gola de babados. Os cabelos, no entanto, lhepareceramfamiliares.Numtomdevozneutro,disse:–É,estouvendo.–Vejaamãodireita–apontouDimonte.Amulhercarregavaalgoescuroealongado.–Nãodáparasaberoqueé.–Mandeiampliar.Krinsky.Krinsky entregou a Myron duas fotos grandes em preto e branco. A

primeiramostravaumaampliaçãodorostodamulher,masnemassimerapossível distinguir as feições. A segunda mostrava o objeto que elacarregavaconsigo.–Achamosqueéumsacodelixocomalgodentro–disseDimonte.–Um

volumeestranho,vocênãoacha?

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Myronnovamenteexaminouafoto,depoisfalou:–Vocêestáachandoqueéumtacodebeisebol,nãoestá?–Vocênão?–Eutambém–assentiuMyron.–NacozinhadeLizGormanhaviasacosdelixoiguaizinhosaeste.– E provavelmente em quase todas as cozinhas de Nova York –

acrescentouMyron.–Éverdade.Masdêumaolhadanadataenahoradagravação.No canto superior esquerdo da tela, um relógio digital marcava:

02:12.32.Adataeraadoúltimodomingo.Poucoantes,LizGormanhaviaseencontradocomGregDowningnoChaléSuíço.– A câmera também pegou quando ela vinha no outro sentido? –

perguntouMyron.–Sim,masnãoestámuitonítido.Krinsky.Krinskyrebobinoua itaatéomarcadorpassarpara01:41.12.Cercade

meiahoraantes.–Lávemela–disseDimonte.A imagem se resumia a um vulto rápido.Myron viu que se tratava da

mesmamulhersomenteporquereconheceuocasacocombabadosnagola.Elaagoranãocarregavanada.–Deixaeuveraoutrapartedenovo–pediu.DimonteapontouoqueixoparaKrinsky,eoassistentevoltoua itapara

o mesmo ponto de antes. Para Myron, o rosto da mulher permaneciaobscuro, mas o jeito de andar... As pessoas geralmente tinham um jeitopessoaldecaminhar.Myronsentiuocoraçãosubiràgarganta.Dimonteoexaminavaatravésdaspálpebrassemicerradas.–Sabequeméela,Bolitar?–Não.

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capítulo32

ESPERANZAGOSTAVAdefazerlistas.Com o dossiê da Brigada Raven à sua frente, ela anotou os principais

fatoresemordemcronológica:1)ABrigadaassaltaumbancoemTucson.2)Daliaalgunsdias,pelomenosumdosRavens(LizGorman)vaipara

Manhattan.3)Poucodepois, LizGorman faz contato comumconhecido jogadorde

basquete.Nadadaquilofaziasentido.Ela abriu o dossiê e rapidamente examinou o histórico do grupo. Em

1975,osRavenshaviamsequestradoHuntFlootworth,o ilhode22anosde Cooper Flootworth, o gigante domundo editorial. Pormuitos anos, naSan Francisco State University, Hunt havia sido colega de diversosintegrantes da Brigada, entre eles Cole Whiteman e Liz Gorman. Orenomado Cooper Flootworth, que não era de cruzar os braços e deixarque terceiros cuidassem de seus assuntos, contratara mercenários pararesgataro ilho sequestradoe, durante aoperação, umdosRavenshaviaatirado à queima-roupa na cabeça do jovem Hunt. Ninguém sabia dizerqual deles. De todos os integrantes presentes, quatro haviam conseguidoescapar.Dali a pouco Big Cindy irrompeu na sala. As vibrações derrubaram as

canetasdeEsperanzanochão.–Desculpa–disseCindy.–Bobagem.– Timmy ligou paramim – falou ela em seguida. – A gente vai sair na

sexta.–OnomedeleéTimmy?–retrucouEsperanza,malacreditandonoque

acabaradeouvir.–É.Nãoéfofo?–Fofíssimo.–Seprecisardemim–disseCindy–,estounasaladereunião.Esperanza retomou o dossiê e foi passando as páginas até encontrar

algo sobre o assalto em Tucson, o primeiro do grupo apósmais de cincoanos. A operação se dera pouco antes do inal do expediente. A Polícia

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Federal suspeitavaqueumdossegurançasdobancoestivessedeconluiocomosassaltantes,masatéentãosabiamuitopoucoalémdas tendênciasesquerdistasdohomem.Cercade15mildólaresemdinheirohaviamsidolevados, mas os assaltantes tiveram tempo su iciente para explodir oscofres particulares dos correntistas. Uma cartada de risco. Para a polícia,osassaltantes sabiamqueumdos cofresguardavadinheirodo trá icodedrogas.Ascâmerasdobanco tinhamregistradoduaspessoasvestidasdepreto com o rosto coberto por um gorro de esqui. Nenhuma impressãodigital, nenhum io de cabelo, nenhuma lasca de ibra, nada foraencontrado.Nada.Esperanza releu as informações, mas não encontrou nada de especial.

Tentou imaginar como teriam sido os últimos 20 anos para os Ravenssobreviventes, sempre em fuga, nunca se demorando no mesmo lugar,saindo do país para voltar semanas depois, con iando em velhossimpatizantesdacausasem jamaissaberaocertoseessacon iança tinhafundamento.Emseguida,voltouàsanotações:LizGorman Assaltoaobanco ChantagemÓtimo, ela pensou, basta seguir as setas. Liz Gorman e os Ravens

precisavam de dinheiro, então assaltaram o banco. O que explicava aprimeira seta. Mas isso era mais ou menos óbvio. O problema seencontravanasegunda.Assaltoaobanco ChantagemAleituramaisdiretaseria:oassaltolevaraLizafugirparaaCostaLeste

e a chantagear Greg Downing. Esperanza decidiu então listar aspossibilidades.1)Downingestavaenvolvidonoassalto.Ela ergueu a cabeça e pensou: a hipótese até que não era de todo

descabida.Downingprecisavadodinheiroparapagarsuasdívidasdejogo;talvez izessealgoilegal.Masissoaindanãorespondiaapergunta,talvezamaiordetodasnaquelahistória:comoelestinhamseconhecido?ComooscaminhosdeLizGormaneGregDowninghaviamsecruzadoafinal?Aliestavaachavedetodoomistério,elapressentia.Escreveuumnúmero2eaguardou.Queligaçãopoderiahaverentreeles?Esperanza deu asas à imaginação e, como nada lhe ocorria, decidiu

experimentar o caminho inverso: começar pela chantagem e voltar notempo. Para fazer sua chantagem, Liz Gorman decerto havia descobertoalgo que pudesse incriminar Downing. Mas quando? Ela desenhou umanovaseta:

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Assaltoaobanco ChantagemFoientãoqueumaluzinhadébilseacendeunoscon insdesuamente.O

assalto.Algoque eleshaviamdescobertonaocasiãodera ensejo a todooesquema de chantagem. Rapidamente ela folheou o dossiê, mesmosabendo que a resposta não estava ali. Em seguida pegou o telefone ediscou.–Vocêstêmumalistadaspessoasquealugavamcofresdobanco?–Emalgumlugar,euacho–disseohomemdooutroladodalinha.–Por

quê?Vocêestáprecisando?–Estou.Suspiroruidoso.Depois:–Tudobem.Voudarumaolhada.MasdigaaoMyronqueelemedeve

uma.Dasgrandes.

www

QuandoEmilyabriuaporta,Myronfalou:–Estásozinha?–Ué,estou–respondeuela,mascomumsorrisoirônicoentreoslábios.

–Oquevocêtememmente?Myron por pouco não a atropelou. Sob o olhar estupefato de Emily, foi

diretoparaoarmáriodohalldeentradaeoabriu.–Quediabovocêestáfazendo?Myronnãosedeuotrabalhoderesponder.Empurrandofreneticamente

os cabidesdeum ladoaoutro,nãodemoroumuitopara encontraroqueprocurava:ocasacocompridocombabadosnagola.–Dapróximavezque formataralguém–disse–, jogue foraasroupas

queusou.Emilyrecuoudoispassos,levandoamãotrêmulanadireçãodaboca.–Vaiembora–rosnouelaentredentes.–Estoulhedandoumachancedefalaraverdade.–Nãointeressaoquevocêestámedando.Saiajádaminhacasa.Myronergueuocasaco.–Achaque souoúnicoque sabe?Apolícia temumagravação emque

vocêdeixaacenadocrime.Usandoestecasaco.Emilymurchou de repente, dando a impressão de que havia recebido

umsoconoplexosolar.Myronbaixouocasacoedisse:–Vocêplantouaarmadocrimenasuaantigacasa.Espalhousangueno

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porão. –Marchando a passos largos, passou à sala de visitas e viu que apilha de jornais ainda estava lá. Apontou para ela e prosseguiu: – Vocêcomproutudoistoaquisóparaversealgumacoisaforanoticiada.Tãologosoubequeocorpohaviasidoencontrado,fezumaligaçãoanônimaparaapolícia.AessaalturaosolhosdeEmilypareciamvidradosedesprovidosdefoco.–Durante todoesse tempo iqueimeperguntandoporquediaboGreg

teriadescidoàqueleporão,justoaolugarondeos ilhosbrincavam,depoisdetercometidoumassassinato.Masaíéqueestá.Elejamaisdesceriaatélá. Se necessário, semanas poderiam rolar sem que o sangue fossedescoberto.Emily fechava ambas as mãos. Balançando a cabeça, inalmente

encontrouforçasparadizer:–Vocênãoestáentendendo.–Entãoexplica.–Elequeriatirarmeusfilhosdemim.–Evocêachouporbemarmarumaciladaparaacusá-lodehomicídio.–Não.–Agoranãoéumbommomentoparamentir,Emily.–Nãoestoumentindo,Myron.Nãoarmeiciladanenhuma.–Vocêplantouaarmado...– Plantei – interrompeu ela. – Quanto a isso você está certo. Mas não

armei cilada para incriminar ninguém. – Seus olhos se fecharam ereabriram como se seguindo algum tipo de meditação. – Não dá paraincriminarumhomemporumcrimequeelerealmentecometeu.Myronenrijeceu.Emilyoencaravacomumaexpressãopétrea.Asmãos

aindaeramduasbolotasdeferro.–VocêestádizendoqueGregmatouaquelamulher?–Claro.–Emilyfoiseaproximandoaospoucos,sempressa,contandoos

segundos do mesmo modo que um pugilista conta até oito após sersurpreendido por um gancho de esquerda. Por im tomou o casaco dasmãos dele e disse: – Eu mesma devo destruir isto, ou será que possoconfiaremvocê?–Melhorvocêseexplicarprimeiro.–Quetalumcafé?–Não–recusouMyron.–Euprecisodeumcafé.Vem.Vamosconversarnacozinha.Decabeçaerguida,caminhandocomamesmacadênciaqueMyronvira

nagravação,elasaiunadireçãodaamplacozinhadecerâmicabranca,um

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exemplo de decoração moderna que faria inveja a muitos. Aos olhos deMyron,noentanto,olugarmaislembravaobanheirodealgumrestaurantemetidoabesta.Emilybuscouopóeumadaquelascafeteirasdeêmboloqueaspessoas

vinhamusandonosúltimostempos.–ÉdoStarbucks.SaborKonaHawaiian.Myronfezquenãocomacabeça.Emily jáhaviarecobradoacalma.Eo

controletambém.OqueparaMyronestavabom.Elesabiaque,nocontrole,aspessoasfalavammaisepensavammenos.– Ainda não sei direito como começar – disse Emily, vertendo a água

quentesobreopó.Oaromaimediatamenteseespalhoupelacozinha.CasosetratassedeumcomercialdeTV,aqueleseriaomomentoemquealguémexclamaria:“Ahhhh...”–Enãomedigaparacomeçardocomeço,senãoeugrito.Myronergueuasmãosparamostrarquenãodirianadaparecido.Emily pressionou o êmbolo, encontrou certa resistência, pressionou de

novo.–Elaveio falarcomigoumdia.Nosupermercado, imaginesó.Assim,do

nada. Lá estava eu, na seção de congelados, quando essa mulher seaproximaparadizerquetinhadescobertoalgocapazdedestruiravidadomeumarido.Falouque ligariaparaos jornais casoeunãopagasseoqueelaestavapedindo.–Evocêdisseoquê?–Pergunteiseelaprecisavademoedasparafazersuasligações.–Emily

riu, interrompeuoquevinha fazendo,endireitouo tronco.–Faleiqueelafosseadianteedestruísseavidado ilhodaputa.Amulhersimplesmentebalançouacabeçaedissequeentrariaemcontato.–Sóisso?–Só.–Quandoissoaconteceu?–Seilá.Duasoutrêssemanasatrás.–Equandoelaentrouemcontatocomvocê?Dos armários, Emily retirou uma caneca de café estampada com um

personagemdedesenhoanimadoealegenda:AMELHORMÃEDOMUNDO.–Estoufazendoobastanteparaduaspessoas–informou.–Não,obrigado.–Temcerteza?–Tenho–disseMyron.–Edepois?Oqueaconteceu?Emilycurvouotroncoeexaminouacafeteiracomosealiestivesseuma

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boladecristal.– Dias depois, Greg fez uma coisa comigo... – Ela se calou de repente.

Depois,numtomdevozmaissevero,medindoaspalavras,emendou:–Foicomoeu contei naqueledia emque você esteve aqui. Greg fez uma coisaterrível.Osdetalhesnãosãoimportantes.Myron icoucalado.Nãoviumotivoparamencionaragravaçãoetravar

aconversa.Naquelemomento,oimportanteeradeixá-lafalar.– Então, quando a talmulherme procurou de novo, dizendo que Greg

estavadisposto apagarumapolpudaquantiapelo silênciodela, falei queeu pagaria mais ainda para que ela desse com a língua nos dentes. Eladisseque issocustariacaro.Faleiquepagariaoque fossepreciso.Tenteiapelarparaasensibilidadedelacomomulher.Chegueiaopontodecontartudo sobreminha situação, sobre as coisas que Greg vinha fazendo parametiraraguardadascrianças.Elaaté icousensibilizada,masalegouquenãoestavaemcondiçõesdefazercaridade.Casoeuquisesseainformação,teriaquepagarporela.–Equantoelapediu?–Cemmildólares.Myron precisou refrear o assovio. Um caso óbvio de duplo assédio. A

estratégia de Liz Gorman certamente era chantagear ambas as partes econtinuar mamando nelas enquanto julgasse seguro. Ou talvez estivessecom pressa, sabendo que dali a pouco teria que sumir de novo. Dequalquer modo, de seu ponto de vista, o mais lógico seria realmenteassediar todas as pessoas interessadas: Greg, Clip e Emily. Cobrar paraicar calada. Cobrar para abrir o bico. Chantagistas são tão leais quantopolíticosemanodeeleição.– Você faz alguma ideia do que ela sabia sobre Greg? – perguntou

Myron.–Elanãoquisdizer–respondeuEmily.–Masvocêestavarealmentedispostaapagaros100mil?–Estava.–Mesmosemsaberparaquê?–Sim.– Mascomo você podia saber que essa maluca não estava apenas

blefando?–perguntouMyron,espalmandoasmãos.– Quer a verdade? Eu não sabia. Mas estava prestes a perder meus

filhos,caramba!Estavadesesperada.Ecomcerteza,pensouMyron,Emilyhaviademonstradoessedesespero

a Liz Gorman, que, por sua vez, decidira se aproveitar ao máximo da

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situação.–Querdizerqueatéagoravocênãosabequaleraotrunfodela?–Nãofaçoamenorideia.–AchaquetemavercomosproblemasdeGregcomojogo?Emilyapertouaspálpebras,confusa.–Problemascomojogo?–VocênãosabiaqueGregjogava?–Sim,masedaí?–Nãosabequantoelecostumavajogar?–perguntouMyron.–Maisoumenos–disseela.–UmaviagenzinhaparaAtlanticCitydevez

emquando.Talvezumas50pratasnumjogodefutebol.–Éissoquevocêacha?Emilyoencarou,tentandoleralgumacoisanosolhosdele.–Oquevocêestáquerendodizer?Myron olhou pela janela que dava para os fundos da casa. A piscina

ainda seencontrava coberta,masalgunsdos tordos jáhaviamvoltadodesua peregrinação anual rumo ao sul: agora se juntavam em torno de umalimentador, batendo as asinhas com a felicidade de um cão a abanar orabo.– Greg é um jogador compulsivo – revelou Myron. – Perdeu alguns

milhões ao longo dos anos. Felder nunca roubou dele. O dinheiro foiperdidonojogo.–Nãopodeser–rebateuEmily.–Vivemosjuntosporquase10anos.Eu

teriapercebidoalgumacoisa.– Os jogadores aprendem a esconder seu vício. Mentem, inventam,

roubam...Fazemdetudoparacontinuarjogando.Éumvício.AlgopareceureluzirnosolhosdeEmily.–Entãoeraesseotrunfodachantagista?–perguntouela.–Elasabiado

víciodeGreg?–Tudoindicaquesim–disseMyron.–Masnãodáparaafirmar.–Masquantoaovíciodeleacoisaécerta,nãoé?Eleperdeumesmoesse

dinheirotodo?–Perdeu.ArespostateveparaEmilyoefeitodeumsoprodeesperança.–Nessecaso...Nenhumjuizdomundodaráaeleaguardadascrianças.

Aminhavitóriaestágarantida.–Émaisfácilumjuizdaraguardaaumjogadorqueaumaassassina–

provocouMyron.–Ouaalguémqueplantaprovasfalsasporaí.–Eujálhedisse,Myron.Aprovanãoéfalsa.

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–Aomenoséoquevocêdiz – retrucouMyron. –Masvamosvoltar aoqueaconteceucoma chantagista.Vocêestavadizendoqueelapediu100mildólares.Emilyvoltouparaacafeteira.–Issomesmo.–Ecomovocêdeveriafazeropagamento?– Ela me mandou icar esperando perto de um telefone público no

estacionamento de um supermercado na noite de sábado. Eu deveriachegaràmeia-noitecomodinheiroemmãos.Meia-noiteempontoelaligouemepassouumendereçona rua111.Disseparaeu iraté láàsduasdamanhã.–Entãovocêfoiparaarua111àsduasdamanhãcom100mildólares

nobolso?–perguntouMyron,esforçando-separadisfarçaroceticismo.–Sóconseguilevantar60mil–corrigiuEmily.–Eachantagistasabiadisso?–Não.Olha,seiquetudoissopareceloucura,masvocênãofazideiado

meudesespero.Naquelaalturaeuteriafeitoqualquercoisa.Myroncompreendia.Sabiadoqueasmãeseramcapazesemnomedos

ilhos. “Oamorécego”,diziaasabedoriapopular.Poisoamormaternalémaiscegoainda.–Continue–disseele.– Quando dobrei a esquina, vi Greg sair do prédio – contou Emily. –

Fiquei perplexa. Ele estava como colarinho levantado,masmesmo assimpudeverorostodele.–ElaolhouparaMyron.–Fomoscasadospormuitosanos,masnuncavioGregdaquelejeito.–Dequejeito?–Aterrorizado– respondeuela. –EleatravessouaAmsterdamAvenue

praticamente correndo. Esperei até que ele virasse a esquina. Depois fuipara o prédio e toquei a campainha do apartamento. Ninguém atendeu.Entãofuitocandoacampainhadeoutrosapartamentosatéquealguémmedeixouentrar.Subiatéoandardamulhereporumtempo iqueibatendoà porta. Depois tentei a maçaneta. A porta estava destrancada. Entãoentrei.–Emilysecalounessemomento.Comamãotrêmula,levouacanecaà boca e bebeu do café. Só então prosseguiu: – Sei que você vai icarhorrorizadocomoquevoudizer,masoquevialinão foiocorpodeumapessoamorta.Viapenasaúltimachancedemantermeusfilhoscomigo.–FoientãoquevocêdecidiuplantaraprovanacasadoGreg?EmilylargouacanecaeolhouparaMyron.Osolhosestavamsecos.– Foi – disse. – E você também estava certo quanto ao resto. Escolhi o

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porãoporquesabiaqueelejamaisdesceriaali.Quandochegasseemcasa,Gregnãoveriaosangue.Euaindanãosabiaqueelehaviafugido.Olha,seiquefuilongedemais,masnãoinventeinada.Gregrealmentematouaquelamulher.–Vocênãotemcomosaber.–Saberoquê?–Épossívelqueeleatenhaencontradomorta,assimcomovocê.–Vocêsópodeestarbrincando–rosnouEmily.– ClaroqueGregmatou

amulher.Osanguenochãoaindaestavafresco.Eraelequemtinhamaisaperder.Eraelequemtinhaummotivoparamatar,alémdaoportunidade.–Vocêtambémtinhaummotivo.–Quemotivoeupoderiater?– Armar uma cilada para o seu ex-marido e icar com a guarda das

crianças.–Issoéridículo.–Vocêtemalgumaprovadequesuahistóriaéverdadeira?–perguntou

Myron.–Tenhooquê?–Eugostariadeveralgumtipodeprova.–Comoassim,prova?–rugiuela.–Quetipodeprova?Vocêachaoquê?

Queleveiumacâmeraetireifotos?–Qualquercoisaquecorroboresuahistória.– Por que diabo eumataria aquelamulher, Myron? Eu precisava dela

viva.Eraaúnicachancequeeutinhaparaficarcommeusfilhos.– Mas digamos que essa mulher realmente soubesse de alguma coisa

sobre oGreg – aventouMyron. –Algo concreto. Tipo... uma carta que eleescreveu,umagravaçãoemvídeo...–Eleesperoupelareaçãodela.–Sim,edaí?–Edigamostambémqueelatenhapassadoapernaemvocêevendido

paraoGregainformaçãoquetinha.VocêmesmadissequeGregchegouláprimeiro.Talvezeletenhapagadoàmulherobastanteparafazercomqueeladesistissedoacordoquetinhacomvocê.Aívocêchegaláedescobreoque aconteceu. Percebe que sua grande chance de recuperar os ilhosdesceu pelo ralo. Então mata a mulher e tenta incriminar a pessoa quemaisteriaaganharcomamortedela:Greg.Emilybalançouacabeça:–Issoéloucura.–VocêodiavaGregosuficiente–prosseguiuMyron.–Elejogousujocom

você,evocêresolveufazeromesmocomele.

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–Nãomateininguém.Myronnovamenteolhoupela janela.Ostordosnãoestavammais lá,eo

quintal parecia um lugar ermo, semvida.Depois de alguns segundos, elefalou:–SeidagravaçãoquefizeramdevocêeMaggieMason.Os olhos de Emily icaram cheios de fúria por um breve instante. Os

dedosseapertaramemtornodacaneca;Myronchegouarecearqueelasepreparasseparaarremessá-la.–Comofoique...–disseEmily,ederepenterelaxouosdedos,bemcomo

orestodocorpo.–Deixapralá.Nãotemimportância.–Vocêdeveterficadofuriosa–disseMyron.Elanegoucomacabeça,edos lábiosdeixouescaparalgoparecidocom

umrisinho.–Vocênãoestáentendendo,Myron.–Nãoestouentendendooquê?–Eunãoestavaembuscadevingança.Aúnicacoisaqueimportavaera

queessagravaçãopodiatirarmeusfilhosdemim.– Pois estou entendendo muito bem – rebateu Myron. – Você faria

qualquercoisaparaficarcomeles.–Nãomateiaquelamulher.Myrondecidiumudardeestratégia.–OqueestárolandoentrevocêeMaggie?–perguntou.–Querosaber.Emilybufouumrisinhodeironia.–Oshomensesuasfantasias...–Nãosetratadisso.Emilydeuumgoleprofundonocafé.–Você viu a ita do início ao im? – perguntou.O tomera ummisto de

lerte e fúria. – Apertou o botão de câmera lenta algumas vezes? Reviucertaspartesatésefartar?Baixouascalçasparaassistir?–Não,nãoenão.–Oquevocêviuexatamente?–Apenasobastanteparasaberdoquesetratava.–Depoisparou?–Parei.Encarando-odooutroladodacaneca,elafalou:– Quer saber? Acredito no que está dizendo. Você sempre fez o tipo

“certinho”.–Emily,estoutentandoajudar.–AmimouaoGreg?

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– Ajudar a descobrir a verdade. Suponho que você queira a mesmacoisa.Eladeudeombroscomdisplicência.–Então,quandovocêeMaggie...–Myronjuntouasmãosparagesticular

oquenãosabiaounãoconseguiadizer.Emilyriudodesconcertodele.–Aquelafoiaprimeiravez–disse.–Emtodososaspectos.–Nãocabeamimjulgar.–Suaopiniãonãointeressa.Vocêquersaberoqueaconteceu,nãoquer?

Poisbem.Foiaminhaprimeiravez.Aquelaputaarmouparacimademim.–Armoucomo?–Como?Vocêqueroquê?Ouvirosdetalhes?Quetomeinãoseiquantos

drinques,queestavamesentindosozinha,queelacomeçouapassaramãonaminhaperna,éisso?–Não,nãoéisso.–Entãovoulhedaroresumodaópera:Maggiemeseduziu.Játínhamos

lertado algumas vezes no passado. Ela me convidou para beber algumacoisanoGlenpointe,eencareiaquilocomoumaespéciededesa iopessoal.Sentia as duas coisas aomesmo tempo, atração e repulsa,mas sabia quenãochegariaàsviasdefato.Entãoaceiteioconvite.Masdepois...umacoisafoilevandoàoutra,eacabamossubindoparaoquarto.Fimdoresumo.–VocêestádizendoqueMaggiesabiadagravação?–Estou.–Comovocêsabe?Eladissealgumacoisa?–Não,nãodisse.Maseusei.–Como?–Myron, por favor.Não aguentomais esse seu interrogatório. Eu sei e

pronto,ok?Dequeoutromodoalguémpoderiasaberodiacertoeahoracertaparaesconderumacâmeranaquelequarto?Caínumaarmadilha, éevidente.Defato,pensouMyron.–Masporqueelafariaumacoisadessas?–perguntou.Exasperada,Emilyrespondeu:–Porra,Myron,aquelamulheréaputadotime.Poracasoelanãotentou

levar você para a cama também?Ah, já sei. Ela tentou e você pulou fora,certo?Emilysaiumarchandoparaasaladeestaresejogounumsofá.– Busca uma aspirina para mim, vai? – disse. – No armarinho do

banheiro.

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Myronbuscouoscomprimidoseaágua,depoisvoltouàsala.–Precisofazerumaúltimapergunta.Emilysuspirou.–Oquê?–SoubequevocêfezcertasacusaçõescontraoGreg.–Foiminhaadvogada.–Eelastêmalgumfundodeverdade?Emilybotouoscomprimidosnalínguaebebeuaágua.–Algumas,sim.–Gregrealmenteabusavasexualmentedascrianças?– Estou exausta, Myron. Será que a gente pode conversar sobre isso

outrahora?–Abusavaounãoabusava?Emily olhou fundonos olhos deMyron, e ele sentiu uma lufada fria no

coração.–Greg queria tirarmeus ilhos demim– ela foi dizendo aos poucos. –

Tinhadinheiro,poder,prestígio...Agenteprecisavadealgumacoisa.Myronquebrouocontatovisual.Saindorumoàporta,disse:–Nãodestruaaquelecasaco.–Vocênãotemodireitodemejulgar.–Nesteexatomomento–disseele–,querodistânciadevocê.

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capítulo33

AUDREYSERECOSTAVAnocarrodele.–Esperanzadissequevocêestariaaqui.Myronacenoucomacabeça.–Caramba,vocêestáumlixo–disseela.–Quehouve?–Umalongahistória.– Que daqui a pouco você vai me contar com suculentos detalhes –

acrescentou a repórter. – Mas primeiro eu: FionaWhite realmente foi aMissSetembrode1992.Ou,naspalavrasdaprópriabiscate, a “Gata-feradesetembro”.–Estábrincando.–Não.Quersaberoqueaexcita?Caminhadasaoluarnapraiaenoites

aconchegantesdiantedalareira.Myronsorriu,apesardetudo.–Quantaoriginalidade–disse.– E o que a faz brochar: homens rasos que só pensam na aparência

físicaehomenscompelosnascostas.–Citaramosfilmesprediletosdela?–AListadeSchindler–informouAudrey.–EUmrallymuitolouco2.Myronriu.–Vocêsópodeestarinventandotudoisso.–Tudo,menosofatodequeelafoiaGata-feradesetembrode1992.Myronbalançouacabeça.–GregDowningeamulherdomelhoramigo–suspirouele.Decertomodoanotíciaodeixoumaisaliviado.Agoralhepesavamenos

naconsciênciaoimbróglioque10anosanteselehaviaprotagonizadocomEmily.Myronsabiaquenãodeviaseconsolarcomumacoisadessas,masumhomemencontraconsolocomopode.Apontandoparaacasa,Audreydisse:–Então,oquerolouaícomaex?–Umalongahistória.–Vocêjádisseisso.Nãoestoucompressa.–Euestou.Elaergueuamãocomoumguardadetrânsito.– Não é justo, Myron. Tenho sido uma boa menina. Tenho feito meu

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deverdecasadireitinho,aindanãoabrimeubico.Semfalarquevocênãomedeunemumpresentinhodeaniversáriosequer.Porfavor,nãomefaçatirardacartolaasameaçasdebotarabocanotromboneoutravez.Ela tinha razão. Myron lhe fez um breve relatório de atualização,

deixandode foraduaspartes: a gravaçãodeEmily comMaggie (nenhummotivo para que aquilo viesse a público) e o fato de que Carla era naverdade a infame Liz Gorman (a história era cabeluda demais para queumarepórterresistisseaoimpulsodepublicá-la).Audrey ouviu com atenção. Os cabelos de pajem haviam crescido

razoavelmentena franja,easmechas jácomeçavamaroçarosolhos.Vezououtraelaprojetavaolábioinferiorparaafastá-lascomumsopro.Myronnão se lembravade ter visto semelhante gesto emninguém commais de11anosdeidade.Chegavaaserfofo.–Vocêacreditounela?–perguntouAudrey,novamenteapontandopara

acasadeEmily.–Sei lá–disseMyron.–Ahistóriadelaatéquefazcertosentido.Emily

não tinha nenhum motivo para matar a mulher, a menos que quisesseincriminaroGreg,eissomeparecepoucoprovável.Audreyinclinouacabeçacomosedissesse“podeserquesim,podeser

quenão”.–Quefoi?–perguntouele.– Bem, você não acha que talvez estejamos examinando essa história

pelaperspectivaerrada?–Comoassim?– Partimos do pressuposto de que a tal chantagista tinha algum podre

sobreDowning–cogitouAudrey.–MastambémépossívelqueessepodrefossesobreEmily.Myron não disse nada, apenas olhou novamente para a casa como se

pudesseencontraralialgumaresposta.–SegundoEmily–prosseguiuAudrey–, a chantagistaaprocurou.Mas

porquê?ElaeGregjánãoestavammaisjuntos.–Carlanãosabiadisso–argumentouMyron.–AchavaqueEmilyainda

eraamulherdeGregeporissotentariaprotegê-lo.– É uma possibilidade – concedeu Audrey. –Mas não creio que seja a

melhor.–VocêestásugerindoqueachantagemeraparaaprópriaEmily,enão

paraoGreg?Audreyespalmouasmãosparaocéu.– Só estou dizendo que essa possibilidade também existe. Talvez a

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chantagistasoubessedealgumacoisasobreEmily,algoqueGregpudesseusarcontraelanoprocessodecustódia.Myroncruzouosbraçoseserecostounocarro.–MaseoClip?–aventou.–Seachantagistasoubessedealgumacoisa

sobreEmily,porqueClipficariainteressado?–Não sei – respondeuAudrey. – Talvez ela soubesse de algo sobre os

dois.–Sobreosdois?– Claro. Algo que pudesse destruir a vida de ambos. Ou talvez Clip

quisesseevitarqueessachantagem,fosseelaqual fosse, tirasseofocodeGregdocampeonato.–Fazalgumaideiadoquepodeser?–Nenhuma–disseAudrey.Myron deu asas à imaginação por alguns segundos, mas nada lhe

ocorreu.–Talveztenhamosaoportunidadededescobrirhojeànoite–falou.–Hojeànoite?–É.–Como?–Ochantagistaligou.Quermevenderainformação.–Onde?–Aindanãosei.Vai ligardenovo.Aschamadasparaonúmerodecasa

serãoencaminhadasparaomeucelular.Como se por encomenda, o celular de Myron tocou, e ele o pescou do

bolso.EraWin.–Aagendadonossocaroprofessorestavapregadaàportadasaladele

– falou. – Ainda dará aulas por mais uma hora. Depois disso, icará àdisposição dos alunos para que os pobres coitados possam choramingarsobresuasnotas.–Ondevocêestá?–NocampusdaColumbia– respondeuWin.–Aliás, asmoçasporaqui

atéquenãosãomás.Paraumauniversidadedeelite,éclaro.–Folgoemsaberquevocênãoperdeuseuspoderesdeobservação.–Defato–disseWin.–Vocêjáterminoucomnossaamiga?Nossa amiga era Emily. Win não con iava nos celulares a ponto de

mencionarnomes.–Já–disseMyron.–Ótimo.Aquehorasvocêvementão?

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–Estouacaminho.

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capítulo34

WIN OCUPAVA UM BANCO PRÓXIMO ao portão da universidade na rua 116.VestiacalçascáquiEddieBauer, top-siderssemmeia,camisasocialazulegravatadegrife.–Estoutentandomemisturar–explicou.–ComoumjudeunaMissadoGalo–observouMyron.–Bowmanainda

estádandoaula?Winconfirmoucomacabeça:–Deveatravessaraquelaportadaquia10minutos.–Comoeleé?Vocêsabe?Winpassou-lheoanuáriodocorpodocente.–Página210–disse.–Então,comofoicomaEmily?Myron fez seu pequeno relato. Uma morena alta, embrulhada numa

malha preta justíssima, passoupor eles comos livros apertados ao peito.JulieNewmaremBatman.WineMyronaseguiramcomoolhar.Miau.Terminadoorelato,WinnãocrivouMyrondeperguntas.Apenasdisse:–Tenhoumareuniãonoescritório.Vocêseimporta?Myron disse que não, e Win se foi. Com os olhos grudados no chão,

Myronesperouuns10minutosatéqueosalunoscomeçaramadeixarosdiversos prédios do campus. Dali a pouco, o professor Sidney Bowmantambém saiu. Tinha o mesmo aspecto desleixado e a mesma barbaacadêmica que exibia na foto do anuário. Já era calvo no alto da cabeça,masos iosdafrenteeramridiculamentelongos.Usavacalçasjeans,botasTimberlandeumacamisadeflanelavermelha.Bowman ajeitou os óculos sobre o nariz e seguiu andando. Myron

esperou que ele se afastasse umpouco antes de começar a segui-lo.Nãotinhapressa.Obomprofessorde fatovoltavaparasuasala.Atravessouogramadocentralesumiunasentranhasdeoutroprédiode tijolos.Myronencontrouumbancoeseacomodou.Umahorasepassou.Observandoosalunos,Myronsesentiaumancião.

Deveria ter trazido um jornal. Sem nada para ler, só lhe restava pensar.Freneticamenteelelevantavanovaspossibilidadeseasrechaçavalogoemseguida.Sabiaqueestavadeixandoescaparalgumdetalhe,vislumbrava-oaolonge,mas,semprequetentavapescá-lo,via-onovamentesedissipar.Derepentesedeucontadequeaindanãohaviaconferidoasmensagens

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nasecretáriaeletrônicadeGreg.Pegouocelularediscouonúmero.Apósagravação inicial, digitou 173, o código que Greg tinha programado namáquina.Haviaapenasumrecado,masdifícildedecifrar.–Nãováfazernenhumamerda–diziaavozdistorcidaeletronicamente.

–JáfaleicomoBolitar.Eleestádispostoapagar.Éissooquevocêquer?Fimdorecado.Myronpermaneceuimóvelporalgunssegundos,encarandoumaparede

de tijolos nus, isto é, sem a indefectível hera dos prédios universitáriosamericanos.Quediaboaquilopoderia...“Eleestádispostoapagar.Éissooquevocêquer?”Myronapertouoasteriscoparaouvirorecadoumasegundavez.Euma

terceira também. Decerto teria ouvido uma quarta vez caso o professorBowmannãotivessesubitamentereaparecidoàporta.Oprofessoragoraconversavacomdoisalunos,etodosexibiamofervor

e a seriedade típica dos acadêmicos. Sem interromper o colóquio,certamentesobrealgodesumaimportância,otriofoisaindodocampusedescendo pela Amsterdam Avenue.Myron guardou o celular e partiu naesteira deles. Na altura da rua 112, o grupo se separou. BowmanatravessouaruaeseguiurumoàCatedraldeSãoJoão,oDivino.A catedral era uma edi icação de proporções enormes, curiosamente a

maior do mundo em termos de metragem cúbica (para efeitos deestatística, a de São Pedro, em Roma, era considerada uma basílica, nãouma catedral). Em muitos aspectos lembrava a cidade em que estavasediada:eradeslumbrante,porémcareciadereparos.ColunasgigantescasebelíssimosvitraisconviviamladoaladocomplacasdotipoOBRASNOLOCAL(embora datasse de 1892, a construção ainda estava por terminar) eVIGILÂNCIA ELETRÔNICA PARA SUA PROTEÇÃO . Tapumes escondiam buracos nafachadadegranito.Àesquerdadaquelapérolaarquitetônica icavamdoisdepósitosdealumínioquetraziamà lembrançaimagensdavinheta inicialdeGomer Pyle. À direita icava o Jardim de Esculturas Infantis com suaFonte da Paz, uma enorme escultura que inspirava diferentes estadosmentais, nenhum deles associado à paz. Imagens de cabeças emembrosdecepados, pinças de lagostas, mãos se projetando da terra como setentassem escapar do inferno, um homem retorcendo o pescoço de umcervo, tudo isso colaborava para criar uma atmosfera mais adequada aDanteouGoyadoqueàtranquilidadedoespírito.Bowman agora contornava a catedral pela direita. Myron sabia que

naquelas imediações também havia um abrigo para moradores de rua.Mantendo certa distância, ele continuou no encalço do professor. A certa

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altura, Bowman passou por um grupo de mendigos, todos vestindocamisetas de tecido sintético e calças que escorregavam traseiro abaixo;alguns acenaram para ele, outros o chamaram pelo nome. Bowman oscumprimentoudevoltaesumiudooutroladodeumaporta.Myroncogitouo que fazer. Na verdade, não tinha escolha. Ainda que fosse obrigado arevelarsuarealidentidade,teriaqueentrar.Passou pelos mendigos, cumprimentou-os com um sorriso, e eles

sorriram de volta. A entrada do abrigo era uma porta preta de folhasduplascomumacortinadechita.Nãomuitolongedaliseviamduasplacas;naprimeiraselia:DEVAGAR,CRIANÇASBRINCANDOe,naoutra,ESCOLADACATEDRAL.Ladoalado,umabrigodemendigoseumaescolainfantil.Umacombinaçãoinusitada,masinteressante.SóemNovaYork.Myron entrou. Homens e colchões puídos se espalhavam pelo lugar. O

cheirolembravaodeumbongdepoisdeumalonganoitelisérgica.Elefezoquepôdepara evitar uma careta denojo. Viu o professor conversandocom alguns homens num dos cantos. Nenhum deles era ColeWhiteman/Norman Lowenstein. Myron esquadrinhou os rostos hirsutos,osolhosvazios.Eles se reconheceram quase ao mesmo tempo. Encararam-se por um

segundoapenas,masfoioquebastou.Do outro lado do cômodo, Cole Whiteman se virou e partiu em

disparada. Desviando-se dos colchões, Myron irrompeu atrás dele. Oprofessor imediatamentepercebeuoalvoroçoesaltoucontraMyron,que,no entanto, sem interromper a corrida e com uma simples cotovelada,conseguiuderrubá-lo.Umafaçanha,aindaqueoprofessorcinquentãonãodevessepesarmaisdoque90quilos.Whitemanescapouporumaportanosfundosdoabrigo,batendo-aatrás

desi.Myroncruzou-apoucodepois.Elesagoraestavamnarua,masdaliapoucoWhitemanescalouumaescadademetal e sumiuno corpo traseiroda catedral. Myron fez o mesmo. O interior da nave não era lá muitodiferente da fachada: joias da arte e da arquitetura se misturavam àdecrepitude e ao mau gosto. No lugar dos bancos, por exemplo,en ileiravam-se diversas cadeiras dobráveis. Tapeçarias belíssimasdecoravam as paredes sem nenhuma organização aparente. Escadas seapoiavamnasespessascolunas.Myron viu Cole sair novamente por uma porta próxima. Partiu atrás

dele,aspassadasecoandoatravésdagigantescaabóbada.Elesestavamdevolta à rua. Coledesceuporumaescadaque levava aos subterrâneosdacatedraleatravessouumapesadaportacorta-fogo.Umaplaca informava:

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PROGRAMA A.C.T. O lugar parecia uma escola ou creche do subsolo. Os doishomensseguiramemdisparadaporumcorredormargeadodeescaninhosvelhoseenferrujados.Coledobrouàdireitaesumiudooutroladodeumaportademadeira.Aoabriressaporta,Myronsedeparoucomumaescadariaescura.Ouviu

passos lá embaixo e foi descendo rapidamente os degraus, afastando-secada vez mais da luz que vinha de cima. Ele agora se encontrava nasentranhas da catedral. As paredes de cimento eram úmidas ao toque.Myron tinha a impressão de que estava entrando numa catacumba oucripta ou qualquer outra coisa igualmente funesta. Não sabia dizer se ascatedraisamericanas,comoaseuropeias,tambémtinhamcriptas.Descendooúltimodegrau,viu-se imersonumaescuridãoquase total, a

luz de cima não era mais que um vestígio distante. Perfeito. Ele seguiucaminhando pelo buraco negro em que se metera, aguçando os ouvidosfeitoumcãodecaça.Nãoouvianada.Tateandoaoredor,tentouencontraralgum interruptor. De novo, nada. O lugar estava gélido apesar do arparado.Fediaamofo.Myronnãosesentiabemali.Nemumpouco.Elefoiseguindovagarosamenteadiante,comosbraçosestendidoscomo

osdomonstrodeFrankenstein.–Cole–chamou.–Queroapenasconversar.Aspalavrasecoaramdeumladoaoutroatésedissiparemporcompleto.Elefoiemfrente.Olugarestavasilenciosocomo...bem,comoumacripta.

Myron havia atravessado uns dois metros quando os braços estendidosencontraram algo. Um volume de super ície fria e lisa. Como omármore,elepensou.Percebeuquesetratavadeumaestátuaecorreuasmãosporela. Identi icou os braços, os ombros, as costas, uma asa. Decerto algumadecoraçãomortuária.Rapidamenteeleseafastou.Ficando o mais imóvel possível, novamente aguçou a audição. Mas o

único ruído que percebia era o zunido dos próprios ouvidos, como seconchas marinhas os cobrissem. Cogitou voltar para cima, mas isso nãoseria possível. Cole agora sabia que sua identidade estava em perigo;certamenteprovidenciariaoutraejamaisseriavistooutravez.AquelaeraaúnicachancedeMyron.Eleseguiuadiante,agoraabrindocaminhoapenascomospés,quedalia

poucoatingiramalgoduroeintransponível.Maisumaestátuademármore,ele deduziu, e a contornou. Pouco depois, deteve-se ao ouvir o ruído dealgo ou alguém se arrastando pelo chão. Ratos? Não. Seguramente algomaior. A lito, o coração retumbando no peito, ele icou onde estava eesperou. A essa altura os olhos já haviam se ajustado razoavelmente à

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escuridão, e ele pôde distinguir algumas iguras altas e sombrias. Maisestátuas. Todas com a cabeça curvada. Myron imaginou a expressão deserenidade religiosano rostodelas, oriundada certezadequeosmortostinhampartido para um lugar bemmais aprazível do que aquele buracoescuroebolorento.Ele já ia dando outro passo quando dedos frios o agarraram pelo

tornozelo.Myrondeuumgrito.Puxado pelas pernas, foi ao chão. Chutando, desvencilhou-se e foi se

arrastandoparatrásatébaterascostascontraomármoredaestátuamaispróxima.Umhomemriu grotescamente, eMyron sentiuospelosdanucase eriçarem.Outro homem riu. Depoismais outro. Como se um grupo dehienasocercasse.Ele tentou icar de pé, mas, a meio caminho, foi subitamente atacado

pelos homens. Não sabia dizer quantos pares demãos o derrubavam devolta ao cimento frio do chão. Desferindo um murro às cegas, atingiu orosto de alguém, que grunhiu de dor e caiu. O ataque se acirrou.Myronagora se achava estatelado no chão, debatendo-se cega e freneticamenteem meio aos grunhidos e rosnados. A fedentina de suor e álcool erasufocanteeinescapável.Asmãosagoraestavamportodaparte.Umadelaslhe surrupiou o relógio; outra, a carteira. Myron desferiu outro murro,atingindocostelas.Outrohomemgrunhiuefoiaochão.Alguém acendeu uma lanterna e apontou-a contra os olhos dele. A

impressãoeraadequeumalocomotivaseaproximavaparaatropelá-lo.–Chega–alguémdisse.–Deixemeleempaz.As mãos se afastaram como cobras escorregadias. Myron tentou se

sentar.–Antesquevocêfaçaalgumabesteira–avisouoportadordalanterna–,

dêumaolhadanistoaqui.–Eleiluminouorevólverqueempunhava.– Sessenta pratas? – disse outro. – Só isso? Merda! – E arremessou a

carteiracontraopeitodeMyron.–Mãosnacabeça.Myron obedeceu. Alguém o agarrou e o imobilizou pelos antebraços,

estirandoostendõesdosombros,eumoutrohomemoalgemou.–Agorasaiam–ordenouoquepareciaserochefedobando.Myronouviuotropeldosqueseretiravam.Oar icousubitamentemais

respirável.Umaportaseabriu,mas,ofuscadopelalanterna,Myronnãovianada.Seguiu-seumsilêncio.Daliapoucoohomemdalanternadisse:–Lamentoportudoisso,Myron.Daquiaalgumashoraselesvãodeixar

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vocêsair.–Atéquandovocêpretendecontinuarfugindo,Cole?ColeWhitemanriu.–Faztantotempoqueestounessavida...Achoquejámeacostumei.–Nãovimaquiprendervocê.–Imagineomeualívio–ironizou.–Então,comodescobriuquemeusou?–Nãofazdiferença–disseMyron.–Paramim,faz.– Não tenho nenhum interesse em entregar você para a polícia. Só

preciso de algumas informações. – Myron piscava contra o lume dalanterna.–Comovocêsemeteunessahistória?–perguntouCole.–GregDowningdesapareceu.Fuicontratadoparaencontrá-lo.–Você?–Sim.ColeWhiteman riu comgosto, e sua risada foi ecoandonumcrescendo

atéque,paraalíviodeMyron,sumiuaolonge.–Qualfoiagraça?–perguntouele.–Umapiadaparticular.–Cole icoudepé.–Desculpe,masagorapreciso

ir.–Edesligoualanterna.Abandonadoaomesmobreudeantes,Myronficouali,ouvindoospassos

deColerumoàporta.Antesqueelesaísse,berrou:–VocênãoquersaberquemmatouLizGorman?OspassosseguiramseminterrupçãoatéqueMyronouviuoruídodeum

interruptor. Uma lâmpada fraca se acendeu. Não mais que 40 watts.Embora não iluminasse muito, era bem melhor do que nada. Aindapiscando para afastar os pontinhos pretos deixados pela luz forte dalanterna, Myron avaliou seu entorno. Estátuas de mármore estavam portoda parte, en ileiradas ou empilhadas sem nenhuma lógica ou método,algumastombadas.Nãosetratavadeumacriptaa inal,masdeumbizarrodepósitodeartesacra.ColeWhitemanvoltou e se sentouno chão à frentedeMyron.Abarba

grisalha ainda estava lá, farta em alguns pontos, totalmente ausentenoutros. Os cabelos se projetavam em todas as direções possíveis.Baixandoaarma,eledisse,quaseameia-voz:–QuerosabercomoLizmorreu.–Foinocauteadacomumtacodebeisebol–disseMyron.Colefechouosolhos.–Quemamatou?

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– É isso que estou tentando descobrir. Nesta altura, GregDowning é oprincipalsuspeito.Colefezquenãocomacabeça.–Elenãotevetemposuficiente–falou.Myronsentiuumapertonoestômago.Tentouumedeceroslábioscoma

língua,masabocaestavasecademais.–Vocêestavalá?–perguntouele.–Dooutroladodarua,atrásdeumalatadelixo.–Coleabriuumsorriso

vazio. – Quer passar despercebido? Basta se fazer de mendigo. – Com aagilidadedeumiogue,elenovamente icoudepé.–Umtacodebeisebol–disse. Beliscou a ponte do nariz, deu as costas para Myron e baixou acabeçaparachorar.–Cole,meajudeaencontrarquemfezisso.–Equemotivoseuteriaparaconfiaremvocê?–Oueu,ouapolícia–argumentouMyron.–Vocêéquemsabe.Issofezcomqueelerefletisseumpouco.–Apolícianãovaimexerumdedo.AchamqueLizeraumaassassina.–Entãomeajude.Colevoltouasesentar,agoramaispróximo.–Nãosomosassassinos.Foiogovernoquenosrotulouassim,eéassim

que todomundo nos vê agora. Mas não é verdade. Entende o que estoudizendo?–Entendo–assentiuMyron.Coleoencaroudeummodoagressivo.–Vocêestásendocondescendentecomigo?–Não.– Não tolero condescendência. Se quiser que eu ique para

conversarmos,nempenseemsercondescendente.Sejahonestocomigo.Eeusereihonestocomvocê.–Ótimo–disseMyron.–Nessecaso,pre iroquevocêmepoupedessa

balela de que “não somos assassinos, somos apenas defensores daliberdade”.Hojenãoestoucompaciênciapara“Blowin’intheWind”.–Noseuentender,édissoqueestoufalando?– Cole, você não está sendo perseguido por um governo de fanáticos.

Você sequestrou e matou um homem. Pode dourar a pílula o quantoquiser,masfoiissoquevocêfez.Colequasesorriu.–Vocêrealmenteacreditanisto.–Calmaaí,deixaeuadivinharoquevocêvaifalar–disseMyron,eolhou

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paraoaltocomoseestivessere letindo.–Soumaisumavítimadalavagemcerebral do governo, certo? Tudo não passa de um complô da CIA paraliquidarmeiadúziadeuniversitáriossubversivos.–Não–disseele.–MasnãomatamosHunt.–Quemmatou,então?Colehesitouumpoucoantesderesponder;piscavapararebateroque

pareciamserlágrimas.– Hunt se suicidou – revelou a inal, e voltou os olhos marejados para

Myron,àesperadealgumareação.Myronnãodissenada.–Osequestro foiapenasumaencenação–prosseguiuele. –A ideia foi

dopróprioHunt.Elequeriaatingiropai, entãopensou:nadamelhorquetirarodinheirodovelhoedepoisfazê-lopassarporumgrandeidiota.Masdepoisos ilhosdaputanoscercaram,eHuntoptouporoutravingança.–Colenovamente ameaçava chorar. – Ele saiu correndo comumaarmanamão, gritando: “Vá se foder, Mr. Flootworth!”. E depois estourou osprópriosmiolos.Myronpermaneceumudo.–Podeexaminarnossahistóriasequiser–disseCole,quaseemtomde

súplica.–Éramosumbandodevagabundosinofensivos.Semprequehaviaalgumapasseatacontraaguerra, lá íamosnós.Muitamaconhanacabeça.Jamais cometemosqualquer tipode violência.Nem sequer tínhamosumaarma,anãoseroHunt.Eleerameucolegadequartoemeumelhoramigo.Jamaisfariaalgumacoisacontraele.Myron não sabia exatamente no que acreditar; além disso, naquelas

circunstâncias, não tinha tempo para se preocupar com a morte de umrapazotede20anos.Ficouali, esperandoqueColeprosseguisse comsuacatarse, mas o homem continuava calado. Então decidiu retomar seuassunto:–VocêviuGregDowningentrandonoapartamentodeLizGorman?Colelentamentefezquesimcomacabeça.–LizestavachantageandoGreg?–Nãoapenasela–corrigiuele.–Aideiafoiminha.–Oquevocêssabiamarespeitodele?–Nadademuitoimportante.–MasquetalveztenhaprovocadoamortedeLiz.–Podeser–concedeuCole.–Masvocênãoprecisasaberdosdetalhes.

Confieemmim.Myronnãoestavaemcondiçõesdepressionar.

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–Quemaisvocêviunaquelanoite?–perguntou.Cole coçou um tufo de barba com a ânsia de um gato que se coça na

árvore.– Como eu disse, estava do outro lado da rua. Quem vive na

clandestinidade costumaobservar certas regras. Foramessas regrasquenosmantiveramvivoseem liberdadenosúltimos20anos.Umadelaséaseguinte:nuncapermanecerjuntosdepoisdecometerumcrime.Apolíciasempreprocuraporgrupos,nuncaporindivíduos.Desdequeviemosparacá, eu e Liz sempre cuidamos para que nunca fôssemos vistos juntos.Falávamosapenasportelefone.–EquemsãoGloriaKatzeSusanMilano?–perguntouMyron.Cole abriu um sorriso triste. Percebendo os dentes que lhe faltavam,

Myroncogitouseaquilofaziapartedodisfarceoudealgomaissinistro.–Outrodiafalamossobreelas–contouCole.–Tudobem–disseMyron.–Entãocontinua.NorostodeCole,asrugaspareciammaisprofundasesombriassobaluz

fracaqueasiluminava.Semnenhumapressaelefoidizendo:–Liz jáestavademalasprontaspara irembora. Íamosbotaramãono

dinheiroe cair forada cidade, tal comohavíamosplanejado.Eu sóestavaesperandopelosinaldela.–Quesinal?–Depoisqueodinheirofossecoletado,elapiscariaaluzdoapartamento

três vezes, dizendo que dali a 10 minutos estaria na rua. Nosencontraríamosna rua 116 e tomaríamos a linha1 do trempara sair dacidade.Masnãohouvesinalnenhum.Naverdade,asluzesdoapartamentonemsequerseapagaram.Fiqueicommedodesubirparaveroquetinhaacontecido,claro.Tambémtemosregrassobreisto.–Quementregariaodinheironaquelanoite?– Três pessoas – disse Cole, erguendo os três dedos maiores. – Greg

Downing...–Lásefoioanular.–Amulherdele,cujonomenãomelembroagora...–Emily.– Certo, Emily. – Lá se foi o dedomédio. – E o velhote que é dono dos

Dragons.–Elásefoioindicador.Myronarregalouosolhos.–Esperaaí.ClipArnsteintambémeraesperadonaquelanoite?–Nãosóeraesperadocomodefatoapareceu.Sentindoofriopolarquelheatravessavaosossos,Myronfalou:–Clipestavalá?

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–Estava.–Eosoutrosdois?–Todosostrêsapareceram.Masessenãoeraoplano.Oplanoeraque

LizseencontrassecomDowningnumbarnocentrodacidade.Atransaçãoseriafeitalá.–UmtaldeChaléSuíço?–Exatamente.–MasGregtambémfoiaoapartamento?–Maistarde,sim.PorémClipArnsteinchegouprimeiro.Myron imediatamente se lembrou da advertência queWin havia feito,

dizendoqueaadmiraçãoqueele,Myron, tinhaporClipo impediadeverascoisascomobjetividade.–QuantoClipiriapagar?–Trintamildólares.–Apolíciaencontrouapenas10milnoapartamento–disseMyron.–E

todasascédulaseramdoassaltoaobanco.Coledeudeombros:– Ou o velho não pagou, ou o assassino levou o dinheiro. – Depois,

pensandomelhor,emendou:–TambémépossívelqueClipArnsteintenhamatadoLiz.Maselemeparecevelhodemaisparaumacoisadessas,vocênãoacha?Myronnãorespondeu;disseapenas:–Quantotempoeleficounoapartamento?–Dez,15minutos.–Quementroudepois?–GregDowning.Eulembroqueelecarregavaumamaleta.Deduziqueo

dinheiro estava dentro. Entrou e saiumuito rápido... não deve ter icadonem um minuto. E ainda carregava a maleta quando saiu. Foi aí quecomeceiamepreocupar.–Greg teve tempo su icienteparamatá-la – argumentouMyron. –Não

demoramuitoparamataralguémcomumtacodebeisebol.– Mas ele não estava carregando taco nenhum – retrucou Cole. – A

maleta não era grande o bastante. E Liz tinha um taco no apartamento.Detestavaarmas,entãotinhaessetacoparaseproteger.Myronsabiaquenenhumtacohaviasidoencontradonoapartamentode

LizGorman.Issosignificavaqueoassassino,ouassassina,haviausadoodeLiz. Seria possível queGreg tivesse subido ao apartamento, encontrado otaco,matadoLizefugidonumintervalotãocurto?Poucoprovável.

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–EEmily?–perguntouMyron.–Foiaquesubiuporúltimo–revelouCole.–Quantotempoelaficoulá?–Cincominutos,maisoumenos.Temposuficientepararecolherprovaseplantá-lasdepois.–Vocêviumaisalguémsubir?–Claro–disseCole.–Muitosalunosmoramnaqueleprédio.– Mas podemos a irmar que Liz já estavamorta quando Greg chegou,

nãopodemos?–Sim.–Então a pergunta é: quementrounoprédio domomento emque Liz

chegoudoChaléSuíçoatéachegadadeGreg?Colepensouumpouco,depoisfalou:–Estudantes,quasetodos.Tinhaumsujeitorealmentealto...–Altoquanto?–Seilá.Muitoalto.–Eutenho1,95m.Maisaltodoqueeu?–Achoquesim.–Eranegro?–Nãosei.Euestavadooutroladodarua,ealuzerafraca.Eunãoestava

vigiando com tanta atenção assim. Talvez ele fosse negro, sim. Mas nãoachoquesejaquemestamosprocurando.–Porquenão?– Fiquei diante do prédio até amanhã seguinte, e o sujeito não voltou

paraarua.Comcertezamoralá,ouentãopassouanoitecomalguém.Achodifícilqueoassassinosedemorassetanto.Realmente,pensouMyron.Ele tentouprocessar tudooqueacabarade

ouvir com a frieza de um computador, mas os circuitos já estavamsobrecarregados.– Quem mais você se lembra de ter visto? – perguntou. – Alguém

chamousuaatenção?Colerefletiumaisumpouco,osolhoscorreramsemrumopeloambiente.– Teve uma mulher – disse a inal. – Ela entrou pouco antes de Greg

subir.Pensandomelhor,tambémsaiuantesdachegadadele.–Comoeraessamulher?–Nãolembro.–Morena,loura?Colebalançouacabeça.– Sóme lembro dela por causa do casaco comprido. Demodo geral os

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universitários só vestem jaquetas de náilon ou algo assim.Me lembro deterpensadoquesetratavadeumaadulta.–Elacarregavaalgumacoisa?Ouentão...– Olha, Myron, sinto muito, mas preciso ir. – Cole icou de pé e olhou

Myroncomumaexpressãovaziaeperdida.–Tomaraquevocêencontreoilhodaputa–disse.–Lizeraumaboapessoa.Nuncafezmalaninguém.Nenhumdenósfez.Antesqueelevirasseascostas,Myronperguntou:–Porquevocêmeligouontemànoite?Oquetinhaparamevender?Coleabriuumsorrisotristeefoiseafastando.Antesdealcançaraporta,

virou-se:– Agora estou sozinho. Gloria Katz levou um tiro no primeiro ataque.

Morreu três meses depois. SusanMilanomorreu num acidente de carroem1982.Lizeeumantivemosamortedelasemsegredo.Queríamosqueapolícia continuasse procurando por quatro pessoas em vez de duas.Achávamos que isso facilitaria nossa fuga. Portanto é isso: dos quatro,agorasórestaeu.Ele exibia no rosto a expressão de um sobrevivente exausto que já

começavaaseperguntarseosmortosnonaufrágionãohaviamtidosortemelhor.Quasesearrastando,voltouparaMyroneabriuasalgemas.–Podeir–falou.Myronficoudepéeesfregouospulsos.–Obrigado.Coleapenasmeneouacabeça.–Nãovoucontaraninguémsobrevocê.–É,eusei.

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capítulo35

MYRONCORREUDEVOLTAPARAOCARRO ediscouonúmerodeClip.InformadopelasecretáriadequeoSr.Arnsteinnãoseencontravanoescritório,pediua ela que transferisse a ligação para Calvin Johnson e esperou na linha.Daliapoucoouviu:–Myron,eaí?–Calvin,ondeestáoClip?–Devevoltardaquiaalgumashoras.Certamenteantesdojogo.–Ondeeleestáagora?–Nãosei.–Tenteencontrá-lo–pediuMyron.–Depoismeligue.–Oqueestáacontecendo?–perguntouCalvin.–EncontreoClipemeligue–disseapenas,edesligou.Emseguidaabriuajaneladocarroerespiroufundo.Passavapoucodas

seishoras.Àquelaalturaamaioriados jogadores jáestariaseaquecendono estádio. Ele seguiu pela Riverside Drive e atravessou a GeorgeWashingtonBridge.SóentãodiscouonúmerodeLeonWhite.Umamulheratendeu:–Alô?Alterandoavoz,Myronfalou:–Sra.FionaWhite?–Sim,soueu.– Gostaria de fazer uma assinatura daPopularMechanics? Temos uma

ofertaespecial,maséporpoucotempo.–Não,obrigada.–Edesligou.Conclusão: Fiona White, a GatSet que costumava prometer noites de

êxtase,estavaemcasa.Horadefazerumavisitinha.MyrontomouaRoute4esaiunaKindermackRoad.Chegoudaliacinco

minutos.Acasatinhaoestilodeumacasadefazenda,comtijolospintadosde laranja e janelas em forma de losango. Um estilo arquitetônico queestiveraemvogapordoismesesem1977, tãoduradouroquantoo ternojeans. Myron estacionou diante da garagem. O caminho de cimento quelevava à porta era margeado por cerquinhas de ferro bambas,entremeadasportrepadeirasdeplástico.Umaauladesofisticação.Eletocouacampainha.FionaWhitesurgiuàportausandoumablusade

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estampa loral verde, desabotoada, e umamalha justabranca.Os cabelosdescoloridos se prendiam num coque alto que já ameaçava desabar;mechassoltascaíamsobreosolhoseasorelhas.Surpresa,eladisse:–Poisnão?–Olá, Fiona. SouMyronBolitar. Fomos apresentados outro dia na casa

doTC.Aexpressãodesurpresapermaneceuondeestava.–Leonnãoestá.–Euqueriafalarcomvocê.Fionasuspirouecruzouosbraçossobreospeitosfartos.–Sobreoquê?–Possoentrar?–Estouocupada.–Achoqueseriamelhorsepudéssemosconversaremparticular.–Jáestamos–disseelaimpassível.–Oquevocêquer?Myron deu de ombros e tirou da cartola seu sorriso mais charmoso,

entretantoviuquenãochegariaalugarnenhumcomele.Entãodisse:–QuerosabersobrevocêeGregDowning.Fionabaixouosbraços,agoramaisperplexadoqueantes.–Oquê?– Sei do e-mail que você mandou para ele. GatSet. Vocês iam se

encontrarnoúltimosábadopara...–Myronabriuaspascomosdedos–“amelhornoitedeêxtaseimaginável”.Fiona ameaçou fechar a porta, porém Myron a deteve com um pé na

fresta.–Nãotenhonadaalhedizer–disseela.–Minhaintençãonãoécausarproblemas.ElaempurrouaportacontraopédeMyron.–Vaiembora.–EstoutentandolocalizaroGreg.–Nãoseiondeeleestá.–Vocêsestavamtendoumcaso?–Não.Agoravá.–Lioe-mail,Fiona.–Penseoquequiser.Nãovoufalarcomvocê.– Tudo bem – disse Myron, recuando e espalmando as mãos. – Posso

perguntaraoLeon.–Façacomoacharmelhor–rugiuFiona.–Não tivecasocomninguém.

NãomeencontreicomGregnosábado.Nãoseiondeeleestá.–Ebateua

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porta.Aproveitamentozero,pensouMyron.Voltandoaocarro,aindaantesdeabriraporta,eleavistouoBMWpreto

comvidroescuroquevinhazunindopelarua.Ocarrofreoubruscamenteaseulado,eLeonsaltoufuriosodaportadianteira.–Quediabovocêestáfazendoaqui?–gritouele.–Calma,Leon.– Calma, nada! – Leon encarava Myron, quase o atropelando. – Está

fazendooqueaqui,hã?–Vimfalarcomvocê.–Porranenhuma–OsperdigotosmolharamorostodeMyron.–Agente

jádeviaestarnoestádiohámuitotempo–disseLeon,empurrando-ocomum safanão. Myron cambaleou para trás. – O que quer aqui? – Leon oempurrounovamente.–Perdeualgumacoisa?–Nãoéoquevocêestápensando.–Achouqueiaencontrarminhamulhersozinha,nãoachou?–Nãoénadadisso.Leon ameaçouum terceiro empurrão,masMyron já estavapreparado.

Antesde ser atingido, ele cravouamãono antebraçodeLeon e o torceupara trás, obrigando-o a se ajoelhar. Em seguida, utilizandoo braço livre,imobilizou-ocomumagravata.–Estácalmo?–perguntou.–Filhodaputa–xingouLeon,gemendo.–Estouvendoquenão.–Myronpressionouaindamaisoantebraçodele,

estirandoostendõesdocotoveloparaaumentarador,mascuidandoparaqueelesnãoserompessem.–Gregsumiudenovo–disse.–Porissoestounaequipe.Fuicontratadoparaencontrá-lo.Aindasubjugado,dejoelhos,Leonfalou:–Eoqueeutenhoavercomisso?–Vocêstiveramumdesentendimento–disseMyron.–Querosaberpor

quê.Leontentouvirarorostoparafalar:–Mesolta.–Sevocêpartirparaabrigaoutravez...–Nãovoufazernada.Mesolta,porra.Myron esperou alguns segundos antes de aquiescer. Por im, Leon se

levantoueesfregouobraçotorcido.Myronoencarou,eeledisse:–VocêveioaquiporqueachouqueGregeFionaestavamsepegando.–Eestavam?

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Leonbalançouacabeça:–Masnãofoiporfaltadetentativa.–Comoassim?–Eu achava queGreg erameumelhor amigo.Que nada. Ele é sómais

um desses marrentos do esporte, esses caras que se acham e se dão odireitodemeteramãonoqueveempelafrente.–IncluindoFiona.–Elebemquetentou.MasFionanãoédessas.Myronnãodissenada.Nãolhecabiadizernada.–TodahoraaparecealguémdandoemcimadaFiona–prosseguiuLeon.

–Por causado jeitãodela.E tambémpor causadessamerdade racismo.Daí,quandovivocêaqui...–Elesacudiuosombrosesecalou.–VocêchegouaconfrontaroGreg?–perguntouMyron.–Sim–respondeuele.–Algumassemanasatrás.–Oquevocêdisseaele?Leonsemicerrouaspálpebras,subitamentedesconfiado.– Que importância isso tem? – perguntou. – Está achando que tenho

algumaculpanocartório?–SóestoutentandoencontraroGreg.–Nãotenhonadaavercomosumiçodele.–Nãofaleiquevocêtinha.Sóqueriasaberoqueaconteceudepoisque

vocêfoifalarcomele.– O que você acha que aconteceu? – devolveu Leon. – O ilho da puta

negou tudo, claro. Jurou de pés juntos que jamais treparia com umamulhercasada,muitomenoscomamulherdomelhoramigo.Myronmalacreditounoqueouviu.–Masvocênãoacreditounele–disse.–Ocaraéumastrodobasquete,Myron.–Issonãofazdeleummentiroso.–Não,mas fazdele outra coisa. Esses caras feitoGreg,Michael Jordan,

ShaquilleO’Neal,TC...elesnãosãocomoagente.Os ilhosdaputatêmoreina barriga. Acham que são melhores que todo mundo, que o planetainteirotemaobrigaçãodefazerasvontadesdeles,sabecomoé?Myron fez que sim com a cabeça. Na faculdade, ele próprio tivera a

chance de respirar o ar rarefeito do megaestrelato. Conhecia o vínculotácito que os astros tinham entre si. Ele e Greg não haviam trocado nemmeia dúzia de palavras quando Greg apareceu no hospital para visitá-lo,mas o vínculo estava lá. Os dois sabiam disso. O ar rarefeito domegaestrelato era compartilhado por pouquíssimos. Como o próprio TC

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dissera,osucessomuitasvezesisolavaaspessoasdeummodoestranhoepoucosaudável.Era nisso que Myron pensava quando lhe sobreveio uma espécie de

revelação.Eledeuumpassoatrás.SempreacharaqueGreg recorreriaaomelhoramigonaeventualidade

de algum apuro.Mas, ao que tudo indicava, o caso não era bem esse. Setivessemesmo se deparado comum cadáver e entrado empânico, ou secomeçasseasesentirsufocadopelasucessãodeproblemas(asdívidasdejogo, a ameaça de exposição, o divórcio, o processo de custódia, achantagem, a possibilidade de uma acusação de homicídio), a quemGregrecorreria?Recorreriaàpessoamaiscapacitadaparacompreendê-lo.A alguém que conhecesse de perto os problemas singulares do

megaestrelato.Àquelecomquemhaviacompartilhadooarrarefeitodasalturas.

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capítulo36

MYRONFICOUSEMSABERoquefazerdepois.Na verdade, aquilo não passava de uma suspeita. Não havia prova

nenhuma. Nada de concreto. Por outro lado, a hipótese responderia amuitas perguntas. Por que, por exemplo,Maggie havia ajudado na ciladaarmada para Emily? Até onde se sabia, ela não era particularmentepróximadeGreg.MaserapróximadeTC.Denovo,ovínculoentreossuperastros.Gregreceavaperderaguarda

dos ilhos numa batalha judicial. Preocupaçãomaior que essa talvez nãoexista.Quemeleprocurariaembuscadeajuda?TC.Depois de ser interpelada por Win na véspera, de saber que Myron

estavaàprocuradeGreg,quemelahaviaadvertido?TC.Nenhumaprova,claro.Mastudoapontavanessadireção.ParaMyron,aspeçasdoquebra-cabeçacomeçavamaseencaixar.Greg

vinha enfrentando uma situação di ícil, tantomais para alguém com suasfraquezasmentais.OqueteriapassadoporsuacabeçaaoverLizGormanmorta no chão? Decerto teria intuído que seria o principal suspeito docrime.ComoaprópriaEmilyhaviaapontado,elenãosótinhamotivosparamatarLiz como tambémhavia estadona cenado crime. Sabendodisso, epercebendo a oportunidadeque se apresentava, Emily nãopensaraduasvezes antes de tentar incriminá-lo. Greg certamente havia antecipado ospassosdela.Entãofezoquê?Fugiu.Deparar-secomocadáverdeLizGormanhaviasidoagotad’água.Mas

Greg também sabia que não conseguiria sair sozinho daquele buraco.Dessa vez a polícia viria atrás dele. Ele precisava de ajuda. Precisava detempoeespaço.Aquemeleteriarecorridoentão?Àpessoaquemelhorocompreendia.Aalguémqueconhecessedeperto

osproblemassingularesdomegaestrelato.Quetivessecompartilhadocomeleoarrarefeitodasalturas.

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Myronparoudiantedosinalvermelho.Eleestavaquaselá,faltavamuitopouco para deslindar aquele mistério. TC estava ajudando Greg a seesconder; disso ele tinha certeza. Mas, claro, TC era apenas parte dasolução.Nadadaquilorespondiaàperguntaprincipal:QuemhaviamatadoLizGorman?Myrondeumarcha a réno tempoe repassoumentalmenteos fatosda

noitedocrime.Lembrou-sedequeCliphaviasidooprimeiroachegaraoapartamento.Atéentão,aomenosparaele,ClipArnstein iguravacomoogrande suspeito. Mesmo assim ainda restavam muitas lacunas naquelahipótese.Porexemplo,quemotivo teriaClipparaohomicídio?Tudobem,Liz Gorman sabia de algo que talvez prejudicasse a equipe. Mas seriapossívelqueClipArnstein,apenasporcausadisso,chegasseaoextremodematá-la com um taco de beisebol? As pessoas matavam por dinheiro epoderotempotodo.EClip?Matariatambém?Afora isso, outra questão ainda maior vinha fervilhando na cabeça de

Myron. Por mais que ele pensasse, não encontrava uma resposta. EmilyhaviaplantadoosangueeaarmadocrimenacasadeGreg.Issoerafato,efaziasentido.Tudobem,sabemosquemplantouasprovas......masquemteriaidoláparaapagá-las?Havia apenas três possibilidades lógicas: 1) Greg Downing; 2) alguém

tentandoprotegerDowning;e3)oassassino.No entanto, di icilmente poderia ter sido Greg. Mesmo partindo da

premissapoucoplausíveldequeelevoltaraemcasadepoisdeterfugido,comoelehaviaencontradoosangue?Quemotivoteriatidoparadesceraoporãodascrianças?Nenhum.Amenosquesoubessedosangueplantado.Myronsentiuumfrionaespinha.Era isso. A pessoa que havia limpado o sangue, fosse ela quem fosse,

sabiadeantemãooqueEmily izera.Nãodesceraaoporãoàtoa.Claroquenão. Emily, no entanto, teria sido a última pessoa a dizer qualquer coisa.Seriapossívelquealguémativesseflagradocomabocanabotija?Denovo,a resposta era um retumbante não. Se fosse esse o caso, o taco tambémteria sido removido.Emais: o sangue teria sido removido imediatamente,isto é,antesdeserencontradoporMyroneWin.O timingda limpezaeracrucial: ela havia sido feita após a visita deles. Isso signi icava que elesforamafontedovazamento.Poisbem.Aquemeleshaviamcontado?OsdedosnovamenteapontavamparaClip.Myron tomou a Route 3 e entrou no complexo esportivo de

Meadowlands.Oestádioosobrelevavacomoumaimensanaveespacialem

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seucampodepouso.ClipArnstein.TeriaelematadoLizGormanedepoislimpado o sangue na casa de Greg? Myron ainda considerava essapossibilidade,masnãogostavadela.ComoClipteriaentradonacasa?Nãohavianenhumsinaldearrombamento.Teriaelemanipuladoafechadura?Di icilmente. Dispunha de uma chave? Pouco provável. Teria contratadoum pro issional? Pouco provável também. Por medo de que a notícia seespalhasse, Clip nem sequer havia contratado um investigador particularpara fazer algo tão simples quanto examinar os extratos de cartão decrédito de Greg. A quem ele con iaria a tarefa de limpar o sangue dapessoaquematara?Havia tambémoutraquestãoqueaindamartelavaosmiolosdeMyron:

as roupas femininas encontradas no quarto. Elas também haviam sidoremovidas.Quemotivos teriaClip,ouqualqueroutrapessoa,paraapagarosvestígiosdeumanamoradasecreta?Asdiferenteshipóteses rodopiavamna cabeçadeMyron feitopatinhos

deborrachanumredemoinho.Novamenteeleseconcentrounanamoradasecreta. Seria ela Fiona White? A moça se fechara em copas, mas, paraMyron, di icilmente seria ela a tal namorada. Como Fiona conseguiria serelacionar com Greg sem que um marido tão obsessivamente ciumentoquanto Leon acabasse descobrindo? Talvez sua história com Greg nãotivesse passado de um casinho descartável, uma noitada num quarto demoteloualgoassim,mas, aosolhosdeMyron,nem issopareciaprovável.Quantomaiselepensavanoassunto,maisacreditavaqueoconvitepara“amelhornoitedeêxtase imaginável”nãopassavadeuma investidabarata,semlugarnumrelacionamentodemaiorintimidade.OmaislógicoeraqueGreg estivessemesmo sendo sincero ao dizer que jamais dormiria com amulher de outro homem.O que, paraMyron, só viria a reabrir as velhasferidasdopassado.Norádiodocarro,amúsicadeulugaraumcomercial:umhomemmuito

cool e uma mulher igualmente cool saboreavam uma cerveja canadensecomdemasiadaalegria;falavamemvozbaixaegargalhavamporqualquerbobagemditapelooutro.Myrondesligou-o.Eleaindatinhamaisperguntasdoquerespostas.Masaopegarocelular

para conferir a secretária eletrônica de Greg, seus dedos começaram atremer. Algo lhe apertava o peito, di icultando a respiração. Nada a vercomaansiedadepré-jogo.Longedisso.

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capítulo37

MYRONPASSOUDIRETOpelasecretáriadeClip.–Elenãoestáaí!–berrouela.Ignorando-a, ele abriu a porta da sala. As luzes estavam apagadas e o

lugar,vazio.– Onde ele está? – perguntou à secretária, uma bruxa que decerto

trabalhava para Clip desde a pré-história. Plantando asmãos na cintura,elabufou:–Nãofaçoamenorideia!Calvin Johnsonemergiuàportadasalavizinha.Myronseaproximou,e

eleodeixouentrar.SóentãoMyrondisse:–OndeestáoClip?– Tambémnão sei – respondeu Calvin. – Liguei para ele em casa,mas

ninguématendeu.–Eletemtelefonenocarro?–Não.Balançandoacabeça,Myroncomeçouaperambularpelasala.–Elementiuparamim–rosnou.–Ofilhodaputamentiu.–Mentiucomo?–Eleestevecomachantagista.Calvinergueuumadassobrancelhas.Foiparasuacadeiraesesentou.–Doquevocêestáfalando?– Na noite em que ela foi assassinada – disse Myron. – Clip foi até o

apartamentodela.– Mas a instrução era para que ele a procurasse na segunda – disse

Calvin.–Vocêouviueladizendoisso?Calvin coçouoqueixo. Sua testaampla re letia as luzesdo teto.O rosto

eraolagoplácidodesempre.–Não–respondeuelecomcalma.–FoioClipquemmecontou.–Elementiuparavocê.–Masporquê?–Porqueestáescondendoalgo.–Vocêsabeoquê?–Não–disseMyron.–Mashojeànoitevoudescobrir.

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–Como?–O chantagista ainda está disposto a fazer negócio – revelouMyron. –

Agoracomigo.–Acheiquefosseumachantagista.Equeestivessemorta.–Elatinhaumcomparsa.–Entendo–disseCalvin, lentamentemeneandoacabeça.–Evocêsvão

seencontrarhojeànoite?–Sim.Masaindanãoseiaquehoras,nemonde.Elevailigar.– Entendo – repetiu Calvin. Fechando o punho, tossiu e falou: – Se for

algumabomba...Querdizer, algoquepossa afetaro resultadodavotaçãodeamanhã...–Voufazeracoisacerta,Calvin.–Claro.Nãoquissugerirocontrário.Myronficoudepé.–Meavisequandoelechegaraqui.–Certo.

www

Myronentrounovestiário.TCcumpriaseuritualpré-jogo:esparramava-se numa cadeira com fones nos ouvidos, olhando ixamente para o nada.Fezquenãonotousuachegada.Leontambémestava lá,e tambémfezdetudoparaevitaroolhardeMyron.Oquejáeradeesperar.Audreyseaproximou.–Então,comofoiseu...Myronbalançouacabeçaparasilenciá-la,eelaaquiesceu.–Tudobemcomvocê?–perguntou.–Tudo.–Achaqueelespodemouviragente?–Prefironãoarriscar.Audreyolhouparaaesquerda,depoisparaadireita.–Descobriualgumfatonovo?–Muitos–disseMyron.–Hojeànoitevocêvaitersuahistória.Umabela

história.Osolhosdarepórterbrilharam.–Jásabeondeeleestá?Myronfezquesimcomacabeça.Nesse instanteaportadovestiáriose

entreabriu,eCalvinespioupelafresta.Entrandomaisumpouco,dissealgoaotécnicoassistenteesaiu.Myronnotouqueeledobrouparaadireitano

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corredor,rumoàsaída,enãoparaaesquerda,devoltaàsuasala.Pouco depois o celular de Myron tocou. Myron e Audrey se

entreolharam.Afastando-separaumcanto,eleatendeualigação.–Alô.Umavozdistorcidaeletronicamentedisse:–Conseguiuodinheiro?–Seutimingnãopoderiaserpior–retrucouMyron.–Respondaminhapergunta.Leonvestiaoshortdouniforme.TCpermanecianacadeira,sacudindoa

cabeçaaoritmodamúsica.–Consegui–respondeuMyron.–Acontecequedaquiapoucotenhoum

jogo.–Esqueçaojogo.SabeondeficaoOverpeckPark?–OdeLeonia?Sim,eusei.–QuandosairdaRoute95,vireàdireita;andeuns500metrosevireà

direitaoutravez.Vaiencontrarumaruasemsaída.Estacioneocarroalieprocurepelaluzdeumalanterna.Depoisseaproximecomasmãosparaoalto.–Não vai rolar uma senha também? – perguntouMyron. –Me amarro

numasenha.– Quinze minutos. Não se atrase. E, para seu governo, seu parceiro

super-heróiestánoescritóriodaParkAvenue.Umcompanheiromeuestádeolhonele.Seocamaradasairdelánapróximahora,nossonegócioestácancelado.Myron desligou o telefone. As coisas começavam a se precipitar. Dali a

15minutos,omistériochegariaaofim.Deummodooudeoutro.–Deuparavocêouvir?–perguntouele.–Quasetudo–disseAudrey.–Daquiapoucovai rolarumaparadamuito sinistra–avisouMyron.–

Precisodeumarepórterisentapararegistrartudo.Quervircomigo?Audreysorriuedisse:–Aperguntafoiretórica,nãofoi?–Masvai terde icardeitadanobancode trás–acrescentouMyron.–

Nãopossocorreroriscodequealguémvejavocê.–Tudobem.Vaimefazerlembrardostemposdeescola.Myron foi caminhando rumoàporta.Osnervosestavamà lordapele,

maselefaziaopossívelparaaparentarnaturalidadeaosair.Leonatavaoscadarços dos tênis. TC permanecia imóvel, mas agora os seguia com oolhar.

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capítulo38

A CHUVA ESCURECIA O ASFALTO enquanto os carros invadiam oestacionamentodo estádio.Myron saiupeloportãoquedavapara aNewJerseyTurnpike,seguiuporelanadireçãonortee,apósosúltimosguichêsdepedágio,dobrouàdireitaparaentrarnaRoute95.–Então,oqueestárolando?–perguntouAudrey,nobancodetrás.– Este cara que estou indo encontrar... – disse Myron. – Foi ele quem

matouLizGorman.–QueméLizGorman?–Achantagistaassassinada.–AcheiqueonomedelafosseCarla.–Carlaeraumcodinome.–Esperaaí...LizGormannãoeraumaativistadadécadade1960?Myronconfirmoucomacabeça.–Éumahistóriacomprida.Agoranãodáparaentraremdetalhes.Basta

dizerqueestecaraqueestamosindoencontrarfaziapartedoesquemadechantagem.Algodeuerrado,eLizacaboumorta.–Vocêtemprovasdissotudo?–perguntouAudrey.–Naverdade,não.Porissoprecisodevocê.Estácomoseugravadoraí?–Estou.–Podemeemprestar?–Claro.AudreypescouogravadordabolsaeoentregouaMyron,quedisse:–Voutentarfazerelesoltaralíngua.–Como?–Pisandonoscaloscertos.–Achaqueelevaicairnessa?–perguntouAudrey,cética.– Acho. Se eu acertar nos calos. – Myron pegou o telefone do carro. –

Tenhodoistelefones:esteaquieocelularqueestánomeubolso.Vouligarpara o telefone do carro e deixar o celular ligado para que você possaescutar a conversa. Quero que você registre tudo. Caso alguma coisaaconteça,ligueparaoWin.Elevaisaberoquefazer.–Certo–disseAudrey.O limpador de para-brisa desenhava sombras no rosto dela. A rodovia

rebrilhava com a chuva que agora caíamais forte. Myron tomou a saída

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seguinteedaliauns500metrosavistouaplacadoOverpeckPark.–Abaixe-se–disseele.Audreysumiudevista.Dobrandoàdireita,Myronsedeparoucomuma

segundaplaca, informandoque o parque estava fechado. Ele a ignorou eseguiu adiante. Embora não distinguisse muita coisa em razão do breu,sabia que à sua esquerda havia umamata e,mais à frente, cocheiras decavalos.Novamenteelevirouàdireita.Osfaróisdocarroagoradançavamsobre uma área de piquenique, iluminando mesas, bancos, lixeiras, umbalanço e um escorregador. Ele alcançou a rua sem saída e estacionou ocarro.Apagouos faróis,desligouomotore ligouparao telefonedocarrocom o celular, atendendo no viva-voz para que Audrey pudesse ouvir.Depoisesperou.Vários minutos se passaram sem que nada acontecesse. A chuva

açoitava a lataria do carro com pingos que pareciam pedras. Audreypermanecia imóvel no banco de trás. Com asmãos plantadas ao volante,Myronpodiaouviroprópriocoraçãoribombandonopeito.Semnenhumaadvertência,umlumerasgouaescuridãocomoumafoice.

Myron sombreou os olhos com a mão e semicerrou as pálpebras paraenxergarmelhor. Lentamente abriu a porta do carro. O vento forte faziacomqueachuvacastigasseseurosto.Enfimeledesceu.Emmeioaotemporal,umavozmasculinafalou:–Mãosparaoalto.Myronobedeceu.–Abrao casaco. Seique temumaarmanumcoldredeombro.Tireela

comdoisdedosejoguenobancodocarro.Mantendo uma dasmãos erguida, Myron desabotoou o casaco. Àquela

altura já estava encharcado, com os cabelos grudados à testa. Ele tirou aarmaelargou-anobanco.–Fecheaporta.Novamente,Myronobedeceu.–Trouxeodinheiro?–Primeiroquerosaberoquevocêtrouxe–disseMyron.–Não.–Poxa,sejarazoável.Nemseiaindaoqueestoucomprando.Umabrevehesitação.–Aproxime-se.Myronfoicaminhandoparaaluz,ignorandoosimbolismodoquefazia.–Sejaláoquevocêestivervendendo–disseele–,comovousaberque

nãoguardoucópias?

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–Vaiterqueconfiaremmim–respondeuohomem.–Quemmaisestáapardissotudo?–Ninguém.Souoúnicoqueaindaestávivo.Myron apressou o passo, enfrentando o vento com as mãos ainda

erguidas.Asroupasestavamensopadas.–Comopossosaberquevocênãovaiabrirobicodepois?–De novo, vai ter que con iar emmim. Seu dinheiro vai comprarmeu

silêncio.–Atéquealguémfaçaumaofertamelhor.– Não. Depois disso vou sumir do mapa. E você nunca mais vai ouvir

falardemim.–Aluzdalanternapiscou.–Pareondeestá.AunstrêsmetrosdeMyronestavaumhomemcomorostocobertopor

umgorrodeesqui;comumadasmãoseleempunhavaalanternaecomaoutracarregavaumacaixa.Erguendoacaixa,eledisse:–Aquiestá.–Oqueéisto?–Primeiroagrana.–Estacaixapodemuitobemestarvazia.– Ótimo. Então volte para o carro e vá embora – disse omascarado, e

deuascostasparaMyron.–Espere.Voupegarodinheiro.OhomemnovamentesevoltouparaMyron.–Nãotentenenhumagracinha–advertiu.Myron saiu andando rumo ao carro. Não tinha dado nem 20 passos

quando ouviu os disparos. Três vezes. Não se assustou com os ruídos.Lentamentesevirou.Omascaradoseesparramavanochão.Audreyvinhacorrendonadireçãodocorpoinerte,empunhandoaarmadeMyron.–Eleiamatarvocê–berrava.–Tivequeatirar.–Assimquealcançouo

corpo,elarecolheuacaixaqueomascaradohaviadeixadocair.Myroncorreuaoencontrodela.–Abra–ordenou.Audrey hesitou um pouco. Um trovão rebentou ao longe,mas nenhum

raiocaiu.–Vocêestavacerta–disseMyron.–Sobreoquê?–devolveuAudrey.–Euestavavendoacoisapeloânguloerrado.–Doquevocêestáfalando?Myrondeumaisumpassonadireçãodela.– Quandome perguntei quem sabia sobre o sangue no porão – ele foi

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dizendo–,sómelembreideClipeCalvin.Esqueciquetinhacontadoavocêtambém. Quando me perguntei por que a amante de Greg precisavamantersua identidadeemsegredo,penseiemFionaWhiteeLizGorman.De novo me esqueci de você. Sei o quanto é di ícil para uma mulher sefazer respeitar como repórternomundodos esportes. Sua carreira seriaarruinada caso alguém descobrisse que você tinha um caso com um dosjogadoresquecobria.Vocêprecisavamantertudoemsigilo.Audreyolhouparaele,empalidecidaeencharcada.–Vocêéaúnicaqueseencaixa,Audrey.Vocêsabiasobreosangueno

porão.NãopodiadeixarqueumarelaçãocomGregviesseapúblico.Tinhaumachavedacasadele,podiaentrarquandoquisesse.Eeraaúnicaquetinhaummotivoparalimparosangueeprotegê-lo.Afinal,vocêmatouparaprotegê-lo.Quemalfarialimparumpoucodesangue?Varrendo do rosto os cabelosmolhados e piscando contra a chuva, ela

disseafinal:–Vocênãopodeestarfalandosério...–Naquelanoite– interrompeuMyron–,depoisda festadoTC,quando

você disse que já tinha sacado omotivo daminha contratação... Eu deviaterpercebido logoali.Claro,minhacontratação foimesmo inusitada.Mas,para ligar uma coisa a outra, só alguém com um algum tipo de vínculopessoalcomGreg,alguémquerealmentesoubessequeelehavia fugidoeporquê.Vocêeraanamorada secreta,Audrey.E tambémnãosabeondeGreg está. Cooperou comigo não porque quisesse o furo, mas porquequeriaencontraroGreg.Éapaixonadaporele.–Issoéridículo–disseela.–Apolíciavaifazerumavarreduranacasa,Audrey.Elesvãoencontrar

fiosdecabelo.– Isso não prova nada – argumentou Audrey. – Entrevistei o Greg

algumasvezes...– No quarto dele? No banheiro? No chuveiro? – Myron balançou a

cabeça. –Equandosouberemdevocê, tambémvão fazerumavarreduranoapartamentodeLiz.Tambémvãoencontraralgumaprovaporlá.Um iodecabelo,qualquercoisaassim.–Eledeumaisumpassonadireçãodela.Audreyergueuaarmacomamãotrêmula.–“Acautela-tecontraosidosdemarço”–disseMyron.–Oquê?–Foivocêquemecorrigiu.Osidossãoodia15domês.Seuaniversário

foi no dia 17. Dezessete de março. Ou 17 do 3: 173. O código que Gregcolocounasecretáriaeletrônicadele.

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ElaapontouaarmaparaopeitodeMyron.–Desligueogravador–disse.–Eotelefonetambém.Myronlevouamãoaobolsoefezoqueelapediu.LágrimasechuvaescorriampelorostodeAudrey.–Porquediabovocênãoficounasua?–disseelaaosprantos,eapontou

paraocorpoestiradosobreagramamolhada.–Vocêouviuoqueeledisse.Todososchantagistasestãomortos.Eupoderiaterdestruídoestacaixa,eessa história terminaria aqui. Eu não teria que matar você. Ficaria livredessepesodeumavezportodas.–ELizGorman?–quissaberMyron.Audreybufoucomescárnio.– Aquela mulher não passava de uma chantagistazinha sem nenhum

escrúpulo – disse. –Nãodava para con iar nela. Falei isso comoGreg.Oque a impediria de fazer cópias de tudo e continuar sugando ele para orestodavida?Chegueiaopontode iraoapartamentodelanaquelanoite,fazendomepassarporumaex-namoradacomcontasaacertar.Dissequequeriacomprarumacópia,eelatopounahora.Vocêentende?Pagaroqueela estavapedindonão adiantariadenada. Sóhaviaum jeitode silenciaraquelacachorra.–Matando-a.– Liz Gorman era uma criminosa, Myron. Roubou um banco, caramba.

Gregeeu...nóséramosperfeitosjuntos.Aquiloquevocêdissesobreminhacarreira,vocêtemrazão.EuprecisavamanterminhahistóriacomGregemsegredo. Mas estava prestes a ser transferida para outra área. Para obeisebol. Cobrir osMets ou osYankees.Depois disso, tudopoderia vir àsclaras. As coisas iam tão bem, Myron, mas depois apareceu essavagabundae...–Elaengoliuemsecoebalançouacabeçacomveemência.–Eu tinha que pensar no nosso futuro – disse. – Não só nomeu ou no doGreg.Masnodonossofilhotambém.Myronfechouosolhos,compungido.–Vocêestágrávida–faloubaixinho.– Entende agora? – O entusiasmo parecia ter voltado à tona, mas não

sem uma pitada de amargura. – Ela queria destruir o Greg. Destruir agente.Queescolhaeutinha?Nãosounenhumaassassina,masali...eraeuou ela. Sei o que você está pensando,Myron. Sobre Greg ter fugido semfalarnadacomigo.Faziamaisdeseismesesqueestávamosjuntos.Seiqueelemeama.Eleestavaprecisandodeumtempo,sóisso.Myrontambémengoliuemsecoantesdedizer:–Acabou,Audrey.

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Elafezquenãocomacabeçaesegurouaarmacomambasasmãos.–Lamento,Myron.Eunãoqueriafazerisso.Quaseprefeririamorrerno

seulugar.– Não importa – disse Myron, e deumais um passo adiante. – São de

festim.Audrey semicerrou as pálpebras, confusa. O mascarado se reergueu

comoBelaLugosinum ilmeantigodeDrácula.Retirouogorroemostrouodistintivo.–Polícia–disseDimonte.WineKrinskysurgiramderepente,saídosdooutroladodeumacolina.

Audrey escancarava a boca sem acreditar no que via. Win havia feito aligação, fazendo-se passar pelo chantagista, e Myron havia aumentado ovolumedocelulardemodoqueAudreypudesseouviraconversa.Orestohaviasidofácil.Dimonte e Krinsky detiveram Audrey.Myron acompanhou a cena sem

dizerumapalavra,nemsequersentianapeleoaçoitedachuva.EsperouAudreyserlevadaparaocamburãoevoltoucomWinparaocarro.–Meu“parceirosuper-herói”?–espetou.Windeudeombros.

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capítulo39

ESPERANZA AINDA ESTAVA NA AGÊNCIA quando o fax apitou. Ela atravessou asala e esperou a máquina cuspir o papel. O fac-símile do FBI estavaendereçadoaela.

Ref.:FIRSTCITYNATIONALBANK–TUCSON,ARIZONAAssunto:Locatáriosdecofres.

Elapassaraodiainteiroàesperadaquelatransmissão.AteoriadeEsperanzaparaoesquemadechantagemeramaisoumenos

esta: os membros da Brigada Raven haviam assaltado o banco earrombado os cofres particulares. As pessoas guardavam todo tipo decoisanesses cofres:dinheiro, joias,documentos importantes.Era issoquedava sentido ao timing. Empoucas palavras, numdos cofres eles haviamencontradoalgoconstrangedorparaGregDowningedepoisarquitetadooplanodechantagem.Os nomes estavam listados em ordem alfabética. Esperanza os lia à

medida que saíam da máquina. A primeira página terminava na letra L.Nenhumnomeconhecido.Asegundaterminavana letraT.Nenhumnomeconhecido.Na terceira, ao alcançar a letraW,Esperanza sentiuoprópriocoraçãosubiràgarganta.Receandogritar,tapouaboca.

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Várias horas se passaramaté que a confusão fosse resolvida. A políciatomou depoimentos e cada um se explicou como pôde. Myron contou aDimonteahistóriaquasetoda,deixandode foraagravaçãodeEmilycomMaggie.Denovo,aquilonãoeradacontadeninguém.Tambémomitiuseuencontro comColeWhiteman. De certamaneira se sentia em dívida comele. Quanto a Audrey, ela se recusava a dizer o que quer que fosse naausênciadeumadvogado.–VocêsabeondeDowningestá?–DimonteperguntouaMyron.–Achoquesim.–Masnãovaimedizer.Myronnegoucomacabeça.–Gregnãoéassuntoseu–disse.–Éverdade–concordouoinvestigador.–Agoravai.Dáoforadaqui.Myron e Win deixaram a delegacia no centro de Manhattan. Grandes

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prédios da administração municipal se espalhavam pela vizinhança: aburocraciamodernanasua formamaisextremae intimidante.Apesardahora,aspessoasprecisavamfazerfilasparaatravessarasportas.–Foiumbomplano–disseWin.–Audreyestágrávida.–Eusoube.–Obebêvainascernaprisão.–Aculpanãoésua.–Elanãoviuoutrasaída–disseMyron.– Viu uma chantagista no caminho dos sonhos dela – emendouWin. –

Nãoseiseeuteriaagidodeoutraforma.– Uma pessoa não mata outra para contornar os reveses da vida –

argumentouMyron.Win não contestou, embora não concordasse inteiramente. Já no carro

elefalou:–Então,emquepéestamosagora?–ClipArnstein–disseMyron.–Eleprecisaexplicarumascoisinhas.–Querqueeuvájunto?–Não.Querofalarcomelesozinho.

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capítulo40

QUANDO MYRON ENFIM CHEGOU ao estádio, o jogo já havia acabado. Carroscongestionavam as saídas, di icultando a passagem de quem entrava.Costurando-os com cuidado, Myron foi para o estacionamento reservadoaosjogadores,mostrousuaidentidadeaoguardaeentrou.Corria para a sala de Clip quando alguém chamou seu nome. Sem se

virar,continuoucorrendoatéalcançaraporta.Queestavatrancada.–Yo,Myron.–Eraogandularesponsávelpelastoalhas.Myronnãolembravaonomedele.–Quefoi?– Deixaram isto aqui para você. – O garoto lhe entregou um envelope

pardo.–Quemdeixou?–Seutio.–Meutio?–Foiissoqueocaradisse.Myron avaliou o envelope. Seu nome estava rabiscado no papel com

gigantescas letras de forma. Abrindo-o, encontrou uma carta e uma itacassete.Guardouafitanobolsoeleuacarta:

Myron,Eudeveriaterdadoistoavocênacatedral.Sintomuitopornãotê-lo

feito, mas estava emocionado demais com a morte de Liz Gorman.Queriaquevocêconcentrassesuaatençãonaprocuradoassassino,nãonoconteúdodesta ita.Receavaqueelapudessedistraí-lo.Esperoapenasquevocêesteja focadoobastanteparaencontrarocanalhaquematouLiz.Elamerecequeajustiçasejafeita.Tambémqueriadizerqueestoupensandoemmeentregar.Agoraque

Lizsefoi,nãovejomotivoparacontinuarmeescondendo.Converseicomalguns advogados, velhos amigos meus. Eles já estão à procura dosmercenáriosqueopaideHuntcontratou.Achamqueumdelespoderácorroborarminhahistória.Vamosver.Nãoouçaestafitasozinho,Myron.Ouçacomalgumamigo.Cole.

Myron dobrou a carta. Não sabia ao certo o que pensar. Olhou de umladoaoutropelocorredor,masnãoviunenhumsinaldeClip.Emseguida

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correu para o portão de saída dos jogadores. Quase todos já haviamdeixado o estádio. TC entre eles, claro. Sempre o último a chegar e oprimeiroasair.Voltandoaocarro,Myrondeupartidanomotor,colocouafitanosomeesperou.

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Esperanza ligouparaotelefonedocarrodeMyron.Nenhumaresposta.Tentouocelular.Mesmacoisa.Myronsempreandavacomocelular.Senãoestava atendendo era porque não queria. Rapidamente ela ligou para ocelulardeWin,queatendeunosegundotoque.–SabeondeoMyronestá?–perguntouEsperanza.–Foiparaoestádio.–Váatrásdele,Win.–Porquê?Algumproblema?–OsRavensarrombaramoscofresparticularesdobanco.Foinumdeles

queencontraramainformaçãoparachantagearDowning.–Oquê,exatamente?–Nãosei–disseela.–Mastenhoumalistadaspessoasquealugavamos

cofres.–E?–UmdelesestavaalugadoparaoSr.eaSra.B.Wesson.Silêncio.– Tem certeza de que se trata do mesmo B.Wesson que machucou o

Myron?–Jáconferi–disseela.–OBémesmodeBurt.Nosdocumentoseleestá

listado como técnicodebasquetedeumaescola secundária.Trinta e trêsanos.Éele,Win.ÉomesmoBurtWesson.

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capítulo41

NADA.

Myron aumentou o volume, mas só ouviu estática. Baixou o volumenovamente e dali a pouco ouviu ruídos abafados, sem fazer ideia do quepodiamser.Depois,silêncio.Doisminutossepassaramatéque inalmenteeleouviuvozes.Aguçouos

ouvidos, mas não distinguiu muita coisa. Pouco depois as vozes foramicandomaisaltaseclaras.Encostandooouvidocontraumadascaixasdesom,subitamenteeleouviu,comabsolutaclareza,umavozríspidadizer:–Vocêestácomodinheiro?Umamão imaginária fechouosdedossobreocoraçãodeleeoapertou.

Fazia10anosqueelenãoouviaaquelavoz,mesmoassimareconheceudepronto.EraBurtWesson.Quediabo...?Emseguida,comoseatropeladoporumabetoneira,ouviuumasegunda

voz:–Sóametade.Mildólaresagora.Eoutrosmildepoisqueele estiver fora

docircuito...Myronestremeceu, subitamente assaltadoporuma fúriaque até então

nãoconhecia.Ospunhosse fecharam.Lágrimasabriramcaminhoatravésdos olhos. Até aquele momento ele ainda não compreendia por que ochantagista o havia procurado para vender algum podre sobre Greg.Lembrou-se então da risada de Cole Whiteman e do risinho irônico deMarty Felder ao saberem que ele havia sido contratado para encontrarGreg Downing. Lembrou-se também damensagem deixada na secretáriadeGreg:“Eleestádispostoapagar.Éissooquevocêquer?”.E,sobretudo,lembrou-se do rosto compungido de Greg tantos anos antes no hospital.Não fora nenhum tipo de vínculo que levara seu rival a visitá-lo naqueledia.Foraaculpa.–Nãoprecisaarrebentarcomele,Burt.SóqueroqueoBolitar iquefora

dealgunsjogos...Algonoscon insdocoraçãodeMyronsepartiucomoumgravetoseco.

Quaseinconscientemente,eleengatouaré.–Olha,realmenteprecisodessagrana.Nãodáparavocêarrumarmaisuns

500?Daqui a pouco eles vãome cortar. É a última bateria de testes, e não

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tenhonenhumempregoemvista...Myron tirou o carro da vaga e acelerou adiante. O ponteiro do

velocímetro foi subindo à medida que o rosto dele se crispava numirreconhecível esgar de fúria. Lágrimas silenciosas rolavam rumo aoqueixo.Osolhosapontavamparaafrente,mastalveznãovissemnada.Chegando à saída da Jones Road, ele secou os olhos com a manga da

camisaeseguiuparaacasadeTC,parandodiantedoportão.Osegurançaespiouparaforadesuaguarita.Myronacenouparaqueele

seaproximassedocarroe,tãologooviudecorpointeiro,sacouaarma.–Qualquerpassoemfalsoemandobala–disse.O segurança ergueu os braços. Myron saiu do carro, abriu o portão e

ordenouqueohomementrassenocarro.Emseguidaarrancouamilporhorarumoàcasa,freandoapoucosmetrosdaporta.Atocontínuo,saltouearrombouaportacomumasaraivadadechutes.Foidiretoparaasaladeestar.Atelevisãoestavaligada.TCvirouacabeça,assustado.–Queporraéessaagora?Myron arremeteu na direção dele, agarrou-o pelo punho e torceu seu

braçocontraascostas.–Ondeeleestá?–Foisóoquedisse.–Nãoseidoquevocê...Myronaumentouapressãonachavedebraço.–Vocênãoquerumafraturaagora,quer?Ondeeleestá,TC?–Masdequeporravocêestá...Myron silenciou-o commais um puxão. Berrando de dor, TC dobrou o

troncoparaaliviarapressão.–Éaúltimavezquevouperguntar–disseMyron.–OndeestáoGreg?–Estouaqui.Myron largou TC e se virou na direção da voz. Greg Downing se

encontrava à porta da sala. Sem hesitar, e liberando um grito dasprofundezasdagarganta,Myronpartiuparacimadele.Gregaindatevetempodeerguerasmãosnumgestodepaz(queteveo

efeitodeumbalded’águasobreumvulcãoemerupção),mas foi aochãocom um murro no rosto. Myron caiu de joelhos sobre as costelas dele,ouviualgosequebrar.Entãodesferiuumseguindomurro.–Para!–berrouTC.–Vocêvaimatarocara!Myronmalouviu.Já se preparava para um terceiro golpe quando TC saltou sobre ele.

Ambosrolaramnadireçãodaparede,eMyronreagiucomumacotovelada

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noplexosolardeTC,queagoraesbugalhavaosolhosenquantoprocuravapeloardospulmões.Myron icoudepé.VendoqueGregsearrastavaparaosofá,deuumsaltoeopuxouporumadaspernas.–Vocêtrepoucomaminhamulher!–berrouGreg.–Achaquenãosei?

Vocêtrepoucomaminhamulher!As palavras assustaram Myron, mas não o detiveram. Através das

lágrimas ele desferiu mais um murro, fazendo com que o sanguetransbordassedabocadeGreg.Ergueuopunhonovamente,masdedosdeferrooimpediramdeseguiradiante.–Chega!–disseWin.Myronergueuorosto,aomesmotempoconfusoeenfurecido.–Oquê?–Jáestádebomtamanho.– Mas foi como você mesmo disse – suplicou Myron. –Wesson fez de

propósito.AmandodoGreg.–Eusei–disseWin.–Masagorachega.–Comoassim,“chega”?Nomeulugar,você...–Provavelmenteeuomataria–Winterminouporele.Baixouorostoe,

comumacentelhanosolhos,emendou:–Masvocê,não.Myronengoliu em seco.Winpor imodeixou livre, e ele se afastoude

Downing.Gregsereergueu,tossindosangue.– Segui Emily naquela noite – foi dizendo com di iculdade. – Vi vocês

juntos...Sóqueriamevingar.Nãoqueriaquevocêsemachucassetanto.Myronprecisourespirarfundo.Aadrenalinalogoperderiaoefeito,mas

aindacorrianasveiasdele.–Vocêestavaaquidesdeoinício?–perguntou.Greglevouamãoaorostoeestremeceudedor.Sóentãorespondeu:– Estava. Fiquei com medo que pensassem que matei aquela mulher.

Além disso, estava até o pescoço com todo tipo de problemas: dívidas, oprocesso de custódia, uma namorada grávida... – Ele ergueu o rosto. –Estavaprecisandodeumtempo.–VocêamaaAudrey?–Vocêjásabe?–perguntouGreg.–Já.–Amo.Souloucoporaquelamulher.–Entãoligueparaela–disseMyron.–Nacadeia.–Oquê?Myron não elaborou. Cuspira aquela informação na esperança de tirar

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dissoalgumtipodeprazerperverso,masnãoencontraraprazernenhum.Pelocontrário,agora lhedoíaaindamaisaparceladeculpaqueelesabiateremtudoaquilo.Deuascostasparatodosefoiembora.

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ClipArnsteinestavasozinhoquandoMyronoencontrounaquelemesmocamarotecorporativonoqualtudohaviacomeçado.Olhavaparaaquadravazia,decostasparaMyron.Nãosemexeuquandoelepigarreou.–Vocêjásabiadesdeoinício–disseMyron.Clippermaneceucalado.– Você foi ao apartamento de Liz Gorman naquela noite – prosseguiu

Myron.–Elacolocouafitaparavocêouvir,nãofoi?Clipcruzouasmãosatrásdosquadrisefezquesimcomacabeça.– Foi por isso que vocême contratou. Nada disso foi por coincidência.

Vocêqueriaqueeudescobrisseaminhaverdade.– Eu não sabia o que dizer a você. – Clip en im se virou para encarar

Myron. Os olhos estavam vidrados, perdidos. No rosto, nenhuma cor. –Aquilo não foi uma encenação... a emoção que senti na coletiva deimprensa...–Elebaixouacabeça,recobrouacalma,ergueu-anovamente.–Vocêeeuperdemosocontatodepoisdoseuacidente.Penseiemtelefonarum milhão de vezes, mas eu sabia. Sabia que você queria sossego. Ascontusões nunca se apagam da alma dos grandes atletas, Myron. Ficamimpressasali.Parasempre.Eusabiaqueesseseriaoseucaso.Myronabriu abocaparadizer algo,masnão conseguiu articularnada.

Sentia-sevulnerável,exposto.Clipseaproximou.–Acheiqueessaseriaumaboamaneiradevocêdescobriraverdade.–

Tambémesperavaquetudoissotivesseoefeitodeumacatarse.Nãoumacatarsecompleta.Comoeudisse,osgrandesnuncaseesquecem.Por um tempo razoavelmente longo, ambos permaneceram mudos,

olhandoparaonada.AtéqueMyrondisse:–Nooutrodia,vocêmandouoWalshmebotarparajogar.–Mandei.–Sabiaqueeunãoestavaemcondições.Cliplentamentemeneouacabeça.Myronsentiuas lágrimasquebrotavamnosolhos;piscoupara fazê-las

rolar.

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Clipprojetouomaxilarparaafrente.Tremialigeiramentenorosto,masocorpoeraumarocha.–Minhaintençãoeraajudarvocê–falou–,mas,quandoocontratei,não

foisóporaltruísmo.Sabia,porexemplo,quevocênuncatinhaabandonadoo espírito de equipe. Você sempre admirou este aspecto do basquete,Myron.Fazerpartedeumtime.–Edaí?–Meuplanoincluíafazervocêexperimentardenovoogostinhodefazer

partedeumtime.Deverdade.Paranãosevoltarcontranósdepois.Myronentendeu.–Achouque,depoisqueeumeenvolvessecomosoutrosjogadores,não

botariaabocanotrombonequandodescobrisseaverdade.–Masessanãoéasuanatureza–disseClip.–Acontecequetudoviráapúblico.Nãohácomoevitar.–Eusei.–Épossívelquevocêpercaotime.Clipsorriuedeudeombros.–Hácoisaspioresnavida–disse.–Domesmomodo,comovocêagora

sabe,hácoisaspioresdoquenuncamaisvoltarajogar.–Sempresoubedisso–rebateuMyron.–Mastalvezprecisassemesmo

deumlembrete.

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capítulo42

NO APARTAMENTO DE JESSICA , ao lado dela no sofá, Myron contou toda ahistória. Jess abraçava os próprios joelhos, balançando o corpo com umaexpressãodetristezanoolhar.–Elaeraminhaamiga–disse.–Eusei.–Ficomeperguntando...–Oquê?–Oqueeuteriafeitonumasituaçãosemelhante.Paraprotegervocê.–Nãoteriamatadoninguém.–Não.Achoquenão.Myron olhou para a namorada. Notou que ela estava à beira das

lágrimas.–Achoqueaprendialgumacoisacomtudoisso–falou.Jessicaesperouqueeleelaborasse.–WineEsperanzanãoqueriamqueeuvoltasse a jogar.Masvocênão

fez nada parame impedir. De início achei que você nãome conhecia tãobemquantoeles.Masagoraseiqueessenãoébemocaso.Vocêviuoqueelesnãopuderamver.Jessica esquadrinhouo rostodele comumolharpenetrante. Largouos

joelhoserecolocouospésnochão.–Agentenuncaconversouabertamentesobreissoantes–disse.Myronconcordou,eelaprosseguiu:– A verdade é que você nunca viveu o luto pelo im da sua carreira.

Nuncademonstroufraqueza.Guardoutudonumagaveta internaeseguiuem frente, atropelando o que encontrava pelo caminho, sufocado pelodesespero.Nãodeuum tempo. Foi logo juntandoo que restou e abraçoucontra o peito, temendo que seumundo fosse tão frágil quanto esse seujoelho. Imediatamente foi estudar direito. Começou a ajudar o Win. Seagarrouatudooquepodia,freneticamente.–Vocêinclusive–disseMyron.– Eu inclusive. Não só porque me amava. Mas também porque tinha

medodeperdermaisdoquejátinhaperdido.–Eurealmenteamavavocê.Aindaamo.–Eusei.Nãoestoutentandoculparvocêdenada.Fuiumaidiota.Aculpa

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foi sobretudo minha, admito. Mas, naquela época, nosso amor beirava odesespero.Vocêcanalizavasuadorparaumanecessidadedeposse.Quaseme sufocava. Não quero dar uma de terapeuta de botequim, mas vocêprecisava vivenciar seu luto. Deixá-lo se extinguir por conta própria, nãosuprimi-lo.Masvocêserecusavaaolhá-lodefrente.– E você achou que essa minha volta ao basquete faria com que eu

olhasseparaascoisasdefrente.–Achei.–Nãoseisedeumuitocerto.–Podeser–disseela.–Maspelomenosajudouvocêasedesapegarum

pouco.–Porissovocêachouquejápodíamosmorarjuntos?Jessicaengoliuemseco.–Sevocêquiser...Seacharquejáestápronto...Myronergueuosolhos,depoisfalou:–Vouprecisardemaisespaçonoarmário.–Fechado–sussurrouela.–Tudooquevocêquiser.Jessicaseaninhounele.Myronpassouobraçosobreosombrosdelaea

puxoucontraopeito.Jásesentiainteiramenteemcasa.

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OcaloreraescaldantenaquelamanhãemTucson,Arizona.Umhomemmuitoaltoabriuaportadecasa.–VocêéBurtWesson?Ograndalhãofezquesimcomacabeça.–Possoajudaremalgumacoisa?–disse.Winabriuumsorriso.–Achoquesim.

FIM