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Capitulo 31 "SEJAMOS REALISTAS. TENTEMOS 0 IMPOSS~VEL!"
Desencaminhando a psicologia atraves da Analise Ins titucional
Heliana de Barros Conde Rodrigues
E possivel que o leitor ja tenha encontrado profcssores ou
psicologos conhecidos como analistas institucionais,
institucionalistas, .rocioanalistn.s ou esquizoanalisttns Embora
esses termos n2o sqjam cquivalcntes, associam-se a um cstilo comum:
preocupaq2o em problematizar o quc parecc natural aos olhos da
maioria; interesse por transformaqijes nos campos da saitdc, saudc
mental, educaq5o etc.; recusa a reduzir a abordagem dc qualquer
questk ao que sobre ela afirma a Psicologia, considerando o que
esta diz eiou faz como parte do tema em anhlise; livre incurs50 por
varies espaqos do saber - ciencias sociais, histbria, filosofia
etc.; referencia constante as relaqGes de poder quc permciam a
produqiio de conhecimento; repetida a h 5 0 a movimentos de carater
libertario - n~aio de 68, em especial, dai o titulo deste capitulo,
quc reproduz um dos famosos grafites que cobriram os muros de Paris
nessa kpoca.
Cumpre ressaltar, porCm, que uma aproximaqgo maior evidcnciara
diferenqas: alguns institucionalistas recorrem a conceitos
psicanaliticos, enquanto outros s2o criticos ferozes da pcrspectiva
fi-cudiana; muitos privilcgiam as praticas grupais, mas ha tambkm
os quc insistem em distinguir grupalismo e institucionalismo; o
termo subjetiaidade, apcsar de jamais ausentc de seus discursos,
n5o tem o mesmo sentido para todos; uns citam Lourau e Lapassade,
outros rcmetem a Deleuzc r Guattari, outros ainda prckrcrn os
grupalistas argcntinos, afi~ra os entusiastas dc Basaglia c da
Psiquiatria l>cniocratjca italiana c os clue tcntanl condinar
tudo isso corn crmlril~uic;Gus hrasilciras, em husca dc uma
polifbnia nlinimamcntc ;~fiiiada.
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Essas scmelhanps e disparidadcs apontam a uma rede de sabercs e
priticas - chamemo-la, a partir de agora, Analise Institucional
(AI) , cuja reconstruqiio constitui um desafio para o historiador
da psicologia, pois tal cxpress5o de modo algurn designa tcorias e
tkcnicas psico-lbgicas, isto 6, submetidas A16gicapsi. Sc algo se
podc predicar sem rcccios da AT, por sinal, C que cla toma a
P~icolo~gia como nada mais do que uma dcntrc as in.stitui@eLs que
se prop% a analisar, a desnaturalizar, a rcinvcntar a
d~smcntninhnr, em suma, dai o subtitulo destc capitulo.
Como era gostoso o meu francis
Iniciarcmos a aprcscntaqiio corn a histhria da Andisc
Institucional na Franqa, visto provircm deste pais as principais
transmissfics clue formaram os institucionalistas hrasilciros. Para
tanto, estabclccemos uma pcriodizaqiio cu-jos limitcs assinalam
momentos de transt'ormaqiio nos modos de pcnsar, atuar e scr da
intelcctualidadc francesa, dcfinindo comcqos, recomeqos ou
'viradas' na trajctoria da AI: (1) do "Efeito Stalingrado" ii
'ruina das plantaqfirs do cscritor'; (2) de 'quando Bandung
substituiu Rillancourt' A "Grande Kccusa"; (3) do 'Maio feito Mao'
ao 'triunfo da rosa'; (4) 'os anos de inverno'.
Do "Efeito Stalingrado" (1945) a 'ruina das plantagties do
escritor' (1956) Terminada a Segunda Guerra Mundial, na P'ranqa -
ocupada pelos
nazistas durante o conflito , o Partido Comunista Francts (PC13
se vi. dotado dc imenso prcstigio, decorrente da participaqk,
considerdda hcrbica, de scus membros na resistZncia ao invasor.
l'or E~~1. l .o STAI,IT\'GRAI)O designamos as convquincias, no seio
da intelectualidade, dcssa
ExprcssXo msplrada no cerco de participaqiio: o PCF ce torna o
partido dos intelectuais SrALINGRADO a ba Armada *IernP e, em
articulaqiio com a disputa pela hegemonia (1942-1943) -vltbria do9
exbrcltosver-
melhos que abnu caminho ao desem- econamica c politicd mundial,
instaura-sc, em termoc barque dos aliados na Normandla de posturac
teoricas, urn 'cixo horizontal' de opq5o, (1944), mostrando-se
decisiva para o
desfecho da Segunda Guerra Mun- uma "L6gica de Guerra Fria" - ou
Leste ou Oeste, dial ou Moscou ou Washington, ou Comunismo ou
Chpitalismo.
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Em tal panorama, subtraia-se do estudo das instituiqiics
qualqucr autonomia, dado serem vistas como mero produto da
filiayiio a regimes econ6mico-politicos - comunismo ou capitalismo,
uma vcz mais. Essa 'cscolha forqada' estava a tal ponto
rigidificada, quc a mou\ IWS IILAS C I ~ C L \ S chegou a gozar de
significative prestigio. Duas configuraqiics, contudo, escapam ao
binarismo dominantc: as aq6es libcralizantes, durante a ScLgunda
Cherra c no phs-guerra, cm alguns estabelccimentos psiquiatricos e
a ida de miss6es de intelectuais franceses aos EUA, como parte das
iniciativas do Plano Marshall (programa de cooperaqiio
norte-americana para a recuperaqiio econ6mica da Europa no
pbs-guerra), a fim de se familiarizarem com tkcnicas modcrnas dc
gest2o emprcsarial.
A partir de 1946, Andrei Jdanov, secretario de ideologia do
Partido Comunista da UniHo SoviCtica (PCUS), reatualiza a TEORIA
DAS I ~ \ S CIENC:IAS, criada no inicio do s6culo XX, segundo a
qua1 a ciencia C burguesa OIL proletaria. Uma das realizaqdes mais
polemicas dessa perspectiva liga-se & Hiologia. Em 1948, um
relatorio do agr8nomo russo Trofime Lyssenko identifica duas
correntes na biologia moderna: a proletciria, que concebe o homem
como capaz de transformar os reinos animal e vegetal, e a
reanonciria, praticada pelos pesquisadores do mundo capitalista,
inspirados na genktica mendeliana, que v& os gens coma
invariantes, a nHo ser no caso de mutaqdes
acidentais.
Sobrevivendo ao inferno - a Psicoterapia lnstitucional
Apos a Scgunda Guerra Mundial, os asilos psiquiatricos fbram
muitas vezes comparados aos campos de concentrac;iio. Na Franqa,
onde ainda predominax~a a teoria da
hereditariedade-degencrcsci.ncia, ccrca dc 40.000 internos morreram
durante o conflito, em total abandono material
As guerras, no entanto, podcm apreserltar TOSQLELLES fora
mCdico-residente no hos-
conseqiihcias inesperadas. Em 1939, fugindo pitd Pere Mats e de
Emilio
haviam derrotado os dcfensores da Republics Espanhola, o
psiquiatra catal2io FRANCOIS TOSQL:EI.I.BS (1 9 12- 1994) atravessa
os Piri- neus e entra em territorio franc&.
Apos passar por um campo dc refugiados, Tosquelles i: enviado
(1940) ao Hospital de Saint Alban, em Lozere, dirigido
da perseguiqh das tropas franquistas que
MrayL+ez.Interessadoempsican%se e militante de esquerda, voltara-se
ao estudo
das obras de ~ r e u d , Mam, Reich, Politzer e dos primeiros
trabalhos de Lacan. Durante a
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personagens tornam Saint Alhan urn espaqo de alguma liberdade em
meio a opressiio: as portas do asilo siio abertas e os pacientcs
convivem com as comunidades camponesas locais, intercambiando
alimcntos e modos de vida; participantes da resistincia fi-ancesa,
dentre eles intcgrantes do movimcnto surrealists, fazem do hospital
lugar de refugio c,fiont de luta, mas, igualmente, espaqo de
criaq2o estktica, produzindo, junto com os intcrnos, akhen de
pintura, literatura, teatro etc.
Essa experihcia ganhara o norm "Psicoterapia lnstitucional" em
1952, num artigo de G. Daumezon e P Koechlin, c sera posteriormente
apontada como um dos comeqos da A1 francesa. Dir-se-A entiio que
para exercer sua fun520 a cura --, a institui~zo psiquiatrica
ncccssita ser curada, mediante uma democratizaq2o das rclaqiies
entrc tkcnicos c cnfermos. Ncssc momento, as praticas grupais
apareceriio como uni dos principais recursos para a terap5utica da
instituiq2o e dos institucionalizados.
Esses psicossociologos maravilhosos e suas maquinas grupais
Embora existissem experiincias isoladas, somente a partir do
p6~-~pcr ra a psicossociologa se difunde na Franqa com intensidade,
pois as missiies de intclectuais que viajam aos EUA nessa Cpoca
trazem na algiheira as idkias e modos de a@o de ELTON MAYO (1 880-
1949), JACOB LEXT MORKNO (1 889- 1974), Kurt Lewin (6 capitulo 18)
e Carl Rogers (cJf capitulo 20).
Em 1924, MAYO t chamado pela Western Electric Company,
preocupada cam quedas no rendimento. Retira algumas operarias da
oficina e as destina a um local especialmente escolhido, onde,
atravts de procedientos experimentais,
obttm resultados n2o muito origin& fatores como melhoria da
ilurnina$;io, aumento salarial e introduslo de uma pmsa para o
ca& &o avaiiados como bentiicos. No entanto, quando do
retorno b condiqaes habituais, o rendimento se man@= superior ao
vigente antes do inicio da pesquisa, revelando a presensa de um
fator att en60 nlo identificado: oprdpriognrpo, ou melhor, as boas
relaqdes znformas que pemstem quando retirados as
heneficiosformazr. Este fator i erigido em ohjeto de uma nova
disciplina, a Psecossociolog2a Industrial ou Escola dar re&@es
humanas. Romeno de naczonalidade, MORENO emigrou para os EUA em
1925. Em Viena, onde passou a juventude, obsenara que a adaptaslo
de exilados era mais facil quando podiam agrupar-se seLpndo suaq
pr6prias escolhas Nos EUA, chamado a realizar uma investigac;20 no
Instituto Hudson, destinado a jovens delinquentes, sistematiza
essas escolhas atravks do hfe sonomdtncq que permite construir o
sonograma - "foto sociolbgica" de um grupo num momenta determinado.
Apoiado no sociograma, Moreno reorganizou as pavilhBes do
Instituto, visando a facilitar a inserqlo do5 internos. Homem de
teatro, psicologo e gestor de relaqdes sociais, ma tanto o
psicodrama - forma de terapihtica - quanta a sociametria e o
sociodrama - respechvamente medida e modo de as20 qohre o grupo -
como voltddo.; a evitar a hurocratizap2o, liberando a
apontanadade cnadora.
Enquanto nos EUA as prhticas grupais possuiam carktcr prcdomina-
ntementc adaptati1.0, na Franqa serlZo reinventadas corn vistas a
tr-anslbrmaqiks dc carater lihertario, sohretudo cni decorrimcia
das novas rnis:uras dc clue
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s2o objeto - vale evocar a ligaqgo com a Psicoterapia
Institutional, antes mencionada, mas iLgualmente com os meios
educativos, a politica estudantil ctc. Essas mesclas predominar50
no prhximo periodo da histhria da A1 Srancesa, fazendo da
Psicossociologia (ou "psicologa dos pcquenos grupos") outro dos
componentes de sua genese histhrica.
Um eixo perde a hegemonia
No que tange aos saberes 'psi', o cixo horizontal dc escolha
exprrimmtou seu apice na condenaqgo (1949), sob a ilgide da Teoria
das Duas Cihcias, da Psicanalise como "ideologia reacion8rian
(RonnafC et a h , 1987 [1949]), pclos psiquiatras membros do PCF -
muitos dos quais, profissionalmente, utilizavam conceitos e
tkcnicas freudianos. Situa@ks como esta, porkm, \Go se tornando
cada vez mais raras, sobretudo a partir do momcnto (1954) em que
tem inicio a luta anti-colonial na Argklia. A kpoca, socialistas e
comunistas s2o maioria na AssemblCia Nacional e, para surpresa dos
que julgavam que um govern0 de esquerda apoiaria a independhcia da
colbnia, ordenam violenta repressgo ao nro\,I- MENTO. Inumeros
intelectuais com simpatias pelo comunismo criticam a posiq5o do
PCF, sendo acompanhados pelas organizaq6es que congregam os
estudantes universitarios.
Talvez o acontecimento mais importante a abalar a Logica da
Guerra Fria, no entanto, seja oXX Congresso do PCUS (Partido
Comunista da Uni2o SoviCtica), realizado em 1956. Mi, Nikita
Kruschev (1 894- 197 I), novo secretario geral, denuncia os crimes
do pcriodo stalinista, repudiando o "culto da personalidaden que
predominara no Partido atk a
As lutas anti-coloniais na Arg6lia se prolongaram de 1954
a 1962, quando foi finalmente obtida a independencia. Conduzidas
pela Frente de LibertaGo Nacional (FLN), tais lutas tinham bases
nacionalistas, nZo estando, portanto, sob a egide do comunismo
international - ra&o pela qua1 nPo foram apoiadas pelo PCF.
Apesar disso, no periodo que apresentaremos a seguir, vhrios
comunistas e simpatizantes da esquerda em geral uniram-se a
clandestina Reda de Ajzldra d F H , que auxiliava os membros da
organizac$o a atravessar fronteiras, obtinha documentos
falsos, coletava contribuic;Bes em dinheiro etc.
Joseph (1879- morte do EX-SECKETARIO. As revclaq6es 1953) foi
secret&rio-geral do contidas no "Relat6rio Kruschev" obrigaram
comunistas e pCUsde a i953' simpatizantes a radicais mudanqas de
memhria: processor
contra dissidentes, campos de trabalhos Sorqados e outros pontos
poltmicos, at6 entiio minimizados sob a alegaq2o de constituirem
"propaganda anti-soviktica", tiveram de ser vistos sob novas luzes.
Ainda mais porque, em novembro de 1956, as tropas do Pacto dc
Varsovia invadem Budapeste,
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mostrando o quanto a "influhcia" da URSS consistia efetivamente
em uma coloniza@o politica e cultural do Leste Europeu.
Esta strie de eventos foi por nos sintetizada, ao delimitar o
ocaso do periodo que ora apresentamos, como 'ruina das plantaq6es
do escritor'. A express20 refere-sc a um episodio apto a condensar
o conjunto dc forqas que levam a uma mudanqa de eixo valorativo.
AILguns dias ap6s o XX Congrcsso do PCUS, Henri Lefebvre (1 90 1 -
199 1 ) viaja a Rerlim. Enquanto na 1;ranc;a nada se sabe sobre o
Relatorio Kruschev, rnembros do PC alem2o Ilie emprcstam uma copia
do documento. De volta a Paris, os 'camaradas' a quem transmite o
quc leu o acusam de sc ter deixado iludir pelas contra-infhrmaq6es
dos scniqos sccretos norte-americanos. Lefebvre procura Roger
Vaillant (1 907- l965), que ao menos o escuta, mas, a pretexto dc
receher direitos autorais dc uma obra, partc para a UKSS. Ao
regressar, Vaillant retira aprcssadamcnte o rctrato de Stalin da
paredc c joga fhra as gamclas nas cjuais culti\.ava semcntcs a fim
dc provar, em seu cscritcirio, as teorias de Lysscnko (Hcss, 19118:
155).
De 'quando Bandung substituiu Billancourt' (195511956) a "Grande
Recusa" (1968) Randung 6 a cidadc da Indonesia ondc sc rcalizou a
conkrFlicia clue
reuniu, ern 1955, os lidcrcs dr 29 cstados asiaticos c
all.icanos clue sc drfiniam como n5o-alinhados (nein Roscou ncm
\\'asliingto~l). J r i a cidatlr-sedc das fibricas Rcnault
charna-sc Killancourt tcrrno usi~do, na 12raliqa, como simholo da
re\.oluqiio prolctriria ria perspecti\ra colnunista. A20 nornear o
inicio destc pcriodo como inornen~o rm cpc Bandung sul)stituiu
Hillaricourt, apontamos ao declinio da "1,hgica (la Gucrra Fria"
(cixo horizontal, c a um novo predominio, o cla pro!)lendica do
co/oninli.wro, q u u ciitrc mqi'cs qucr cntre grupos (etnicos,
geraciouais, intclcctuais, profissiolrais ctc..). l'ropomos pelisar
Randung, portanto? ~ 1 1 1 0 deriomina+io-sintcsc da
~)rc\xli'nc,ia. para a intclcctualidade, dr urn rixo \,el-tical dc
\~aloray;lo clos ~noclos dc pcmsar, agir c scr: colonizadorcs
versus colonizados, supcr contra sill)-clcsc~~i\~olvidos, Prirneiro
c Scgundo 3Iundos Xrcrsus 'Ikrcciro Alundo.
1)cscncadeando urn nuvo olhar rtnolGgiro, livros coino ' f i- i
.\te 1rhpico.s (1 955) e O p ~ n s n n r ~ n t o .sch~n~qen~ ( 1
962) dc Iivi-Straws colidcmam o 'colonialismo cxtcrno' (cxcrcido
pclos "ci\dizadosl' solxe o s "scl\-ngrns"); unia norlcr e,quudn
francesa alia-se aos naciorialistas argchos cm suas lutas por
intl(.pclic-li.ncia; o tilhsofo Michel Foucault, ern tfi,st6ric1 do
loucurn (196 l ) , cxpi,c as cx)ndiqi'cs de existtncia do
'colonialismo intcrno' exercido pcla razRo sol)rc. a loucum ($
- capitulo 1); revistas c o m o A ~ c r : l ~ ~ z ~ s e
SOC:I/IIJ.S.MO O I : B A I & R I E ~ ~ ~ ~ em cluestiio o
titulo "pitria do socialismo" atribuido ii Uniao Soviktica; jovcns
militantes buscam na festa revolucioniria cubana (1 959), na Grande
MARCHA (:HINI
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e, desde os anos 1920, procura criar "uma escola para o povo" -
titulo, por sinal, de um de seus livros.
Amante da natureza, Freinet conduz seus alunos de Bar-sur-Loup a
passeios pelos campos - "aulas-descoberta, aulas-explora~iio,
aulas-inves- tigaqHo" (Fonvieille, 1988: 35). Lanqando mHo de uma
iddia de Paul Robin (1 837- 19 12), quc utilizara a imprensa com
crianqas deficicntcs, generali~a esta imprensa escolar,
combinando-a a texto c desenho livres, jornal escolar,
correspondincia inter-escolar e Conselllo de Cooperativa (em que
alunos e professores elaboram semanalmente as normas da vida da
classe).
Tais procedimentos chegaram a ser incorporados a reformas educa-
cionais implantadas por diversos governos, o que nHo impediu que
Freinet tambdm fosse alvo de criticas, sendo excluido do Ensino
Publico. For~ado, a partir de 1934, a fundar sua pr6pria escola,
prosseguiu exercendo influencia sobre muitos professores,
congregados, apos a Segunda Guerra Mundial, no ICEM (Instituto
Cooperativo da Escola Moderna).
No inicio dos anos 1960, surgem poltmicas entre Freinet e
membros parisienses dessc Instituto, que n5o acatam, intactas,
idtias forjadas em meio rural e querem modifich-las, incorporando
perspectivas oriundas das ciincias humanas - Psicanhlise,
Psicossociologia e Sociologia. 0 conflito se acirra e, em 196 1,
Fernand Oury (1 920- 1998) e Raymond Fonvieille (1 923-2000) fundam
o GTE (Grupo de Tkcnicas Educativas), que aspira a superar os
limites teoricos da Pedagogia Freinet. 0 s tempos Go de RIGOR e
NOVIDADES, porCm Os diversas conforme qua1 rigor e qua1 novo se
defenda, as cisijes proliferam. estruturaiismos
em Ciencias Humanas Assim, jh em 1963, Oury e Fonvieille pedem a
Lapassade reivindicam RIGOR te6rico;
que efetue uma anilise das tens6es emergentes no GTE. ao mesmo
tempo, o a d j e h A presenp de Lapassade nHo traz o consenso e, em
1964, n o u ~ r ~ ~ o ~ ~ ~ ~ , " t ' ~ , na ocorre a cisgo:
constituem-sc o GET (Grupo de Educaq2io nocinema. Teraptutica),
lidcrado por Oury, e o GPI (Grupo de Pedagogia Institucional), por
Fonvieille - grupos que passam a reivindicar, cada um a seu modo, o
titulo de Pedagogia Institucional.
Fernand Oury trabalha com turmas destinadas a c r i an~as com
supostos "problemas psiquicos". Muito ligado ao irmHo, o psiquiatra
Jean Oury (1934- ), estabelece paralelo? entre a
Napdmeiraversfo(perio-
do da guerra e imediato segunda versHo da PSICOTERAPIA IMTI
TUCIONAL e os efeitos pbs-guerra) convivem fenomex (terapkuticos)
dos dispositivos freinetianos. Neste sentido, o n b l o g o s ~ ~ s
i ~ ~ l ~ s t ~ s ~ g e ~ ~ ~ ~ @
e psicossociblogos, sempre corn GET define o campo educativo
como sistema de relaqijes fa ,,,, mar , i , ta , ,~~ na
inconscientes a analisar. AlCm disso, suas publica56es
~eeufldavemHo(1956emh*
te), a PsicanPlise Lacaniana C sublinham a oposiq2io entre
Psicandise e Psicossociologia, hegembnica.
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criticando a niio-diretividade da ultima, acusada dc "caminhar
no sentido da doenqa de seu cliente" (Oury e Vasquez, 1967/1982:
221).
Nos trahalhos do GET, conceitua-se institui@o de forma analoga
ii Psicoterapia Institucional, para a qua1 o termo designa, a
principio, uma forma social particular, seja concreta (o
estabelecimento), sejajuridica (a organizaqgo); em um segundo
momento, formas de organiza@o das praticas, como grupos, oficinas
ctc. Em 1967, membros do GET formulam concepqiio scmell~antc
atravks da idkia de mediagcto:
[A pedagogia Institucional] tende a substituir a a@o permancnte
e a inten~enqgo do professor por um sistema (.. .) de mediaq6es
diversas, de instituiqbes, que assqgura de maneira continua a
obrigaqjo r a reciprocidade das trocas, dentro e fora do grupo
(Oury c Vasquez: 249).
Em que pese a aparente confianqa nos efeitos das mcdiaqties
(institui+cs), para o GET um problema permanece scm soluqiio: o
modo como os alunos terapeuticamentc educados via l'edagogia
Institucional podergo sc inserir na sociedade adulta. Decerto
Lapassade, recorrendo a scu livro sobre o inacabamento do homem, ja
era capaz de diagnosticar, em tal questgo, a presenqa de urn
pressuposto adultista.
Estaria o GPI mais apto a promover um Bandung educative? Scu
modo de funcionamento e a pesquisa-aqgo: reune-sc semanalmentc para
debater os fcnamenos grupais observados por psicossociblogos
(1,apassade em destaque) nas turmas dos professores. Alguns
adolescentes, alunos do secundario, freqiientam esses encontros,
permeabilizando as fronteiras cntre 'os quc sabem' e 'os quc
aprendem'. Responsive1 por uma turma experimental corn alunos dc
14- 15 anos marcados por fracassos escolares, Fonvieille exaccrba
os principios do Consclho de Cooperativa: enquanto no modelo
freinetiano este serve para planejar as atividadcs respeitando urn
enquadre preestabclecido (hodrios, conteudos), no modelo do GPI
gestiona todas as qucstdes do grupo-classe - o que o transforma em
autogestZupedag6gica. A Cpoca, Reni: Lourau (1 933-2000) 6
professor do liceu de Aire-sur-1'Adour. Conhece Lapassade, une-se
ao CPI e tamh6m implanta a autogestgo em suas turmas.
0 que preocupa os pcdagogos institucionais autogcstionirios C a
inc6moda diferenqa entre instituiqties internas e externas. Estaria
a possibilidade de mudanqa confinada As instituiqih internas -
mktodos, objetivos, horirios, programas , pcrmanecendo as externas
- a Educaqiio Nacional com seus regulamentos e hierarquias - como
limites intransponiveis? Se estc fosse o caso, as vantagens
analiticas pcrmaneceriam em descompasso com as possibilidades de
transformaqiio social, fazendo da AI, emgo emergente,
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uma pirueta conceitual. No que tange ao surgimento da Analise
Institucional, entretanto, Lourau niio nos fala de piruetas, mas de
um "salto mortal executado por Lapassade ao compreender que era
nccessario superar a seduqiio da psicologia dos pequenos grupos,
desmascarando a dimens& institutional, quer dizer, toda a
politica reprimida pela ideologia das boas relaqiies sociais"
(Lourau, 1977: 1).
0 salto do acrobata
Entre 1955 e 1960, Lapassade foi assessor da Rcsidtncia
Universitaria de Antony, circunstgncia que o aproximou da direq2o
nacional da UNEF (Uniiio Nacional dos Estudantes Franceses). Em
1962, a cntidade lhe encomendou um seminario de formaqso em
Psicossociologia, alegando que as praticas grupais poderiam
comhater a burocratizaq20 das relaqGes entre a lideranqa e as
'bases'.
Antes mesmo do seminario, Lapassade ja ensaia1.a seu 'salto
mortal'. Criticam a atribuiqiio FAcil do rhtulo de
"n5o-dirctivismo" aos Grupos T (modelo lewiniano), desvelando a
presenqa dc um fator nunca idcntificado, a instituigiio do saber,
nos grupos de formaqiio: ". . . a situaqgo i. tal quc um 'grupo' de
participantes encontra um monitor quc sahe que i: monitor, sendo
assim percebido pelos outros. A situaqso (. . .) i: definida como
uma relaqiio entre 'saber' e 'n2o saber"' (Lapassade, 1959/ 1979:
77).
No seminario junto A UNEF, Lapassade tem por meta que os
participantes percebam que a limitaqgo da andisc a questks
interrias ao grupo - afetos, lideranqas etc. - oculta as condiqdcs
de instauraqiio do grupo enquaanto tal. A apreensso dessas
condiqiies exigria responder a perguntas como: quem dccidiu sohre a
formaqgo?; onde, quando e como?; por quC? - passiveis dc exihir a
presenqa da instituiqiio no grupo.
De forma ainda mais contundente, dirA tempos depois quc a tnhse
exclusiva na analisc do grupo pelo proprio grupo, na melhor das
hipbteses, oculta qucst6es rclativas A ol;qaniza@o da formaqiio
(gcst2o da programaqiio; relaqso entre os grupos e as organizaqiies
promotoras); na pior, rccai em mera analise psicolhgica dos
individuos quc compdem o grupo e de suas rela@es interpessoais
(Lapassade, 1973/ 1977a). Para superar cste impasse 11Zo basta,
entrctanto, incorporar a analise da organizqrio A dos grupos. A
propria organizaqiio, para ser compreendida, demanda levar em conta
a institui@o da formaqiio, somente acessivel quando se percebc que
para haver grupo,
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soh certos modos de organizaqiio, i. imprescindivel pressupor:
uma divisgo e quantificaqiio do tempo social (in.stitui$o do
tempo); uma divisiio do saber, distinguindo o que pode ser
descoberto pela experihcia e o quc deve ser transmitido, o que t
pertinente e o que n2o 6 pertinentc (in~tituiydo do saber,
institui@ das disciplinas); uma divisgo social do trahalho c do
poder a ela associado (instituiy60 da scparaq5o entrc trabalho
manual e intclectual); uma refertncia generalizada i escola,
entendida como lugar cxclusivo da formaqiio (instituigzo
pedagogia); uma relaq2o de clientela entre formadores e formandos
(&[email protected] do mercado, dos serviqos, do dinheiro).
Em suma, com Lapassade, o institucional deixa de ser um nivel
adicionavel ao grupal (ou organizacional). 0 grupo n5o i: a
instgncia das instituiqiks internas, modificaveis L't vontade,
dentro dc urn enquadre de instituiqGes externas cristalizadas, pois
niio existc Furo dentro epurofora do grupal (ou organizacional). A
ordem institucional, que atravessa grupos c organizaqks, deve ser
trazida i luz por uma andise realizada em situq60. N, Brasil, .
term0 Dai seu necessario carater de rlTEIi im(,,.io, que cmbora
mRmCdOcostumaco-
notar medidas autorit8rias. niio elimine o trahalho
psicossociologico, p r o p 5 que para ., ;,,~uc;on~,, signi- este
seja permeavel a todas as (des)institucionaliza- fica ''~irentre",
ou melhor, um mod0
de a$o permeavel i s (e analitico das) @es. institui~aes em jogo
em um
contexto concreto.
Urn indisciplinado contrabandista
0 que at& agora apresentamos sobre a prcsenqa da Psicandise
nos movimentos de transformaq2o institucional sugere tcnd2ncias
mais conservadoras do quc libertarias. Esta impress50 comcp a se
dcsfazer quando se abrc cspaqo para as aq6es de Felix Guattari (qf
capitulo 26).
Junto com Jean Oury, ele fundara, em 1953, a Clinica dc La
Uordc, cm Cours-Chcvcrny. Qua1 Saint Alban dc outros tempos, La
Rordr 6 laboratbrio de experimentaq2o de uma 110x72 psiquiatria
e,front dr luta (cscondcrijo para militantes em luta pela
lihertaqso da Argtlia). Estas caractcristicas muito devem a
Guattari, apelidado passeur (contrahandista): incans8vcl derrubador
de fronteiras, ele em muito contribuiu para que La Rorde se
mantivessc receptiva a colahoradores e aliados, cvitando quc suas
portas se fechassem, concreta c doutrinariamente, i maneira de um
asilo tradicional.
Integrante da segunda gcraqgo (ou versgo) da Psicoterapia
Institutional, que sc reune no GTPsi (Grupo de Trabalho de
Psicologia e Sociologia Institu- cionais), Guattari introduz, em
meados dos anos 1960, a express50 "an8lise
-
institucional", no intuito de caracterizar essa segunda geraq2o
pela presenqa de uma dimensllo analitica. (1 que esta em jogo,
todavia, niio C a simplcs contraposiq2o entre Psicanalise e
Psicossociologia. Para Guattari, a aniliw nllo se confunde corn a
realizadapelo psiquiatra - dispositivo psicanalitico ortodoxo ,
tampouco corn a desenvolvida em um grupo de individuos -
psicossociologia
estrito senso. A kpoca, diri
-
perdida a critica no olimpo dos detentores do monop6lio do
inconsciente ou no mercado de tkcnicas de grupo.
Nenl por isso Guattari deixa de fundar grupos e de tcorizar
sobre eles. Em uma apresentaqgo datada de 1963, difcrencia 'grupos
sujeitados' c 'grupos sujeitos': ". . .grupos sujeitados: grupos
que rccebem sua lci do exterior, diferentemente de outros grupos
[os grupos sujeitos], que prctendcm fundar- se a partir da assun@o
de uma lei interna" (Guattari, 1976 11 9631: 60). Essas
consideraqdes se contrapdem a qualquer psicossociologia quc conccha
algo como "on grupo. Para Guattari, s6 existem grupo~ - eles n5o
siio entidades, mas modos s6cio-hist6ricos de funcionamcnto.
Em 1964, elucida a diferenqa entre csses modos, que entcnde como
vertentes entre as quais oscila qualquer grupo concreto. Na
vertcnte dc sujeipk do grupo cstariam fen6menos tendentes a
"curva-lo sohre si mesmo, (. . .) tudo o que tende a proteger o
grupo, a calafeta-lo contra as tcmpestades significantes"
(Guattari, 198 l a [1964]: 107). Ja na vertente do grupo sujeito
niio ha medidas de seguranp, o que rcdunda em problemas, tensks e
riscos de desagregagiio.
Essas proposiqdes nos encaminham ao conccito de
transversalidade, caro a Felix Guattari:
Enquanto o grupo permanece &jet() dos outros grupos, recche
o non- sense, a morte, de fora (...) Mas desdc que o grupo (.. .)
assume sua prbpria finitude, (. . .) os dados de acolhida do
superego G o modificados, o limiar do complexo de castraq8o
especifico a uma ordem social dada pode ser localmente modificado.
Esta-se no grupo n8o para se esconder do desejo e da morte (. . .),
mas por causa de um prohlema particular, n5o para a eternidade, mas
a titulo transitorio: C o que chamei de cstrutura de
transversalidadc (Guattari, 198 1 a 119641 : 108).
Estando a transversalidade afetada de limiares ou coeficientes -
definindo a margem de abertura de cada grupo em urn momcnto
particular , a distinqiio entre grupo sujcito e grupo sujcitado sc
vi: ainda mais matizada, libertando- se de eventuais ressonbcias
maniqueisticas ("on grupo politicamcnte correto versus "on grupo
alienado-equivocado).
Em meio a tantas teoriza@es originais, Guattari passa a concebcr
o inconsciente dc uma nova forma (6 capitulo 22):
(. . .) as represcnta@~es, os mitos, tudo o que alimenta a
'outra cena', todos esses personagens n5o siio forqosamente o pai,
a m k , a avo, ou os monstros sagrados da era secundiiria; s8o mais
hem personagens que constituem as questbes fundamentais da
sociedade, quer dizer, a luta de classes de nossa Cpoca (Guattari,
1976 [I9631 : 67-68).
527
-
Imanentizam-se assim hist6ria e desejo, politica e
subjetividadr. Ncste sentido, a fim de praticar a AI, t necessario
transuersali~ar tambCm o l u p r pretcnsa- mente imutivel do
analista. Para tanto, o conceit0 dc anahador sc mostra
fundamental:
Transferincia e interpretapzo (. . .) nrio podcriam wr da alqada
de uma pessoa ou de um grupo(. . .). A intrrpretaqrio, pode srr o
d6hil mental de um servipo quem vai dar, sc ele cstiver em
condipbes dc rciviiidicar (. . .), por exemplo, que se organize um
jogo dc amarelinha, justo quando tal signilicantc se tornar;~
operatbrio ao nivcl do conjunto da cstrutura (. . .). ConvCm, pois,
limar a escuta de todo c qualqucr prcconccito psicolhgico,
sociolhgico, pedaghgico ou mcsmo trraphtico (Guattari, 198 11) [I
964.1: 95).
Maio de 68: a Analise lnstitucional sai a s ruas
Em Nnnterrc, no\ o ramj~uc uni\cr-sitirio s i t u d o no5
arrcdore\ cle ulna cstaqzo premonitoriamente c hamadd "IA l'blic"
("Louc ur'i"), 1,cli.tn re diz dos alunos: " (~uando \.oci.,
torn'im o trcm na estqiio dc Saint-1,uarc IA Folie, (. . .) sc
fhrrm capazcs de obsrn.ar o cluc \&m da jiulela, scrao
vcrd;~tlriros socihlogos" (Hcss, 19138: 232). Da janela do trem,
avisca-sc um;t iiivc*la cm quc
Em 1965, os EGA comeqam os bomhardcios ao Vietng do Norte
comuniata, defkagrando urna %qerra
que sc prolongara at6 1973. Em 1967, Regis Debray, ex-aluno da
ENS (Escola Normal Superior), foi peso na selva boliliiana quando
participava do foco guerrilheiro de Che Guevara. SEXPOI. -
"AssociaqBo para uma politica sexual do proletariado", criada
(1931) por Reich em Berlim, em IigaCBo com o Partido Comunista
alemgo. A entidade visava a promover uma articula~Bo entre a a@o
revolucionPria no plano econ6mico e a a@) revolucioniria no plano
sexual. Lcvava informa@s e debates ao proletariado, e chegou a
contar com ccrca de 40000 membros; por6m a ruptura entre Reich e o
PC alemHo fez com que o primeiro fosse levado a criar uma editora
propria, as "Edi@es da Politica Sexual". Por extensgo, fala-se em
"Sexpol" sempre que os registros
da produs20 e do desejo G o postos em rela~80.
L L r A ~ ~ 3 ~ ; ~ < ~ ) . ~ ~ ) ~ , . 1).\1
-
No Departamento de Sociologia, como professor assistcnte, esta
Rent Lourau. Ele prepara, soh a orientaqzo de Lefebvre, uma tese de
doutorado sobre Analise Institucional e desenvolve, com professores
e alunos, grupos de interven+o/analise. Tambkm esta bastante ligado
a Socialismo ou Barbhie, tomando de Castoriadis o tema da dialetica
instituinte/instituido o instituinte gera ou transforma a
instituiqiio, ao passo que o instituido rernctc ao jh fixado, jh
organizado; a sociedade C uni2o/tensiio entre instituinte c
instituido, processo
A greve estudantil fracassa: embora a AssemblCia Gcral tivesse
acolhido algumac rei\;indica@es, o MinistCrio da Educaq5o nada
prornctc. Consuma-se, corn isso, a ruptura entre "refbrmistas" e
"revolucionarios", c os ultimos tomam a dianteira: a Guerra do
Vietng, o assassinato de Gucvara na wlva boliviana (1967), a
reSorma do ensino superior (quc prevP uma sclcpiio B cntrada da
faculdadc), os petos sexuais e a situapiio de dominap5o em clue
vivcm os paiscs do Lestc Europeu, tudo converge, a seus olhos, para
uma vicla intolcrA\.cl, h qua1 s6 re podc responder com uma "Grande
Recusa" expressk) cunhnd'ipor Herhert hlarcusc (gf capitulo 28).
Assim, recum~do 'itc mrsnio o cnlcndlirio oficial, cm 22 dc marp de
1968 comcpa o .lL-~/o ~ l i . \ ~ t : l s : aphs a prisiio tlr sris
estudantcs, acusaclos, scm provas, de cx11los13cs em
llarltt.rrrnscs oc,,,I~lll, a sala do ~ ~ ~ ~ ~ ~ l l , ~ M u i
o ~ , portanto: nor- tr -amrrimo yecusa da gurrra do Vietnd, f l o
~ r r p o ~ w r , t~lack da torrc. dc administraqao. power); a b r
n ~ o ;critics do marxivno nrtodoxo;
nos acontccimentos a "rcssurrciqgo do hornem", considerado morto
pelo estruturalismo. Niio C Shcil, cntretanto, sustentar vinculo
claro cntre maio e sujeito, A vista de slogan^ conlo "Somos
todosjudeus alcm5cs" (desafiando o gmrerno, clue considera
indesejavel o "cstrangeiro" D WNJ. COHN-BCNIII) e "Somos urn
grupusculo" (em rcsposta As invcctidas dos partidos da esquerda
oficial, que acusam o movimento de "minoritlirio").
D~NIEI. COHN-BENDIT (1 945- ) nascldo em Montauban, fdho de
judeus alemies refugados na Fran~a, aluno de Sociolog~ em Nanterre
Por seus cabelos rulvos e postura esquerd~sta, foi apelldado "Danny
Le Rouge" (Danny, o verrnelho) Em fun@o de sua participa@o no m a o
de 68, o govern0 franc& pretendla, sob argumentos xen6fobos e
raclstas, expulsh-lo do pals, o que s6 c o n s e p u ap6s o fim do
mowmento Atualmente, e hder dos Verdes (ecologstas\ no Parlamento
Europeu
-
Como analista institucional, ao se voltar para maio de 68,
Lapassade prefere focalizar um acontecimento-analisador. Em 22 de m
a r p de 1968, como de hkbito, Lourau comparece a sesszo de seu
Grupo de Anilise Institucional (GAI), acompanhado por um professor
e alguns alums do primciro ano. 0 s outros participantes, entre os
quais Cohn-Bcndit, n2o aparecem, pois est2o ocupando a Sala do
Conselho. Lapassade assim aprecia o ocorrido:
Na semana que sc se,gue, Lourau decide intcrromper
definitivamentr (. . .) 'scu' grupo de andise institucional. Mas em
22 dc marqo (. . .) n%o rstava longe d r interpretar a austncia de
Danny c seus amigos rm trrmos de ' res is thki a anklise'. . .
(Lapassade, 1969: 9).
No prblogo da segunda ediqiio (1 974) de Grupo~, ol;yaniza~de,r
e instituipkr, Lapassade avaliara as evcntuais ligaq6es entre as
praticas de A1 (nos campos da pedagogia c da formaqiio sindical) e
a atuaqiio do "GRLIPO 22 111: n r ~ l i q o " :
. . . alguns entre nos pensavam que era possivcl trarlsfhrmar
radicalmerite a educa+io, a '622 DE caracteriziveI classe, a
universidade, c talvez mesmo o como grupo de a@: sPo seus membros
Estado ucla introducgo 'suh\~crsiva' de novas to do^ aqueles Clue
desejem realizar
aqries em comum, o que o conduz dos institui~fies no
grupo-classe (. . .). A crise dc nanterrenses iniciais a nhmero
maio dissipou as iluGes (. . .). Essa critica (. . .)
incalculPve1 de pessoas, entre estudantes, por meio de a@es diretas
(. . .) i: infinitamente profe~~ores, operirios, artistas,
religiosos,
profissionais liberais, jornalistas etc. mais profunda, mais
significativa do que a que se faz, hahitualmente, da burocratiza@o
dos r~tabelecimentos e dos aparclhos ( Izpssadr , 1977 [1974]:
23-25).
Lourau hesita, mas logo dissolve "seu" GAI; Lapassade carrega um
piano para o patio da Sorbonne e promove agitaq5o nas escadas;
Guattari reune-se, na sede da FGERI, corn Danny, Julian Beck e
Jean-1,uc Godard, dando partida a ocupa~iio do Teatro Odton. 0 s
especialzsmos se rompern, pois, como dira futuramente Guattari (1
98 1 [I9791 : 1 W), "o inconsciente molha os que dele se
aproximam".
Para outros, porCm, maio de 68 fracassou (ou precisava fracxmr).
0 PCFjamais deixou de declarar "n2o revolucioniria" a situaqiio,
acompanhado por seu b r a p sindical, a CGT (Confedera@ Geral dos
Trahalhadorcs). I? claro que a surpresa em face da explosiio dc
greves e ocupaqdes dc fibricas chegou e\,cntualmente a perturbar
fidelidadcs precstahelecidas. Em 13 dc maio, por exemplo, UNEF e
CGT e 22 de marqo desfilam lado a lado por Paris em uma
manifestaqiio que reune mais de um milhiio dr pessoas. Uma semana
depois jh s5o cerca de dez milhdes dc grcvistas na Franp. Uma
semana a mais, no entanto, e a C G T esquece a alianqa passageira.
Em troca
-
das presumidas vantagens financeiras para os trabalhadores
presentcs nos "Acordos de Grcnelle", passa a enviar, as FAbricas dc
todo o pais, apelos para quc as greves sejam suspensas. Alkm disso,
aparentemente 6 apenas a boa imagenz a prcservar no espctaculo da
politica parlamentar quc impede a csquerda partidaria (socialistas
c comunistas) de se unir A multidso que desfila pelos
Champs-Elyskes a 30 de maio, em apoio ao govcrno.
E rapido o restabelecimento da ordem, desejada por dircita e
esqucrda oficiais - lateralidades cada vcz mais intcrcamhiavcis. Em
junho, o govcrno ordena a dissoluq2o dos "grupusculos", a Sorhonne
c as fahricas ocupadas capitulam e, no ultimo dia, as eleiq6es d2o
ao gaullismo maioria absoluta na Assemhl6ia Legislativa.
Menos de dois mescs depois, do outro lado da Europa, as forqas
do Pacto de VarsGvia esmagam as florcs da Primavcra de Praga,
aduhadas com socialismo e liherdade. Tanto o PCF quanto Charles De
Gaullc manifestam sua reprovaq2o: a liherdade dos outros k sempre
mais bela clue a nossa. Adcpta de um estranho humor, a ordcm
(soviktica) restaurada ofcrece a Alexander Duhcek, deposto da
conduq2o do Comiti: Central do Partido C:omunista Tcheco, o cargo
de.. . jardineiro puhlico!
Do 'Maio feito Mao' (1968169) ao 'triunfo da rosa' (1981)
Encerrado o maio de 68 franc&, emergcm tentativas de
cnclausuri-lo
em alguma versiio totalizante da historia - circunst2ncia que
sintetizamos como 'Maio feito Mao', aprovcitando o jogo de
palavras. Niio 11A s6 rnaoistas, k claro: proliferam gauchisme.7 (
E S Q ~ J E R ~ ~ I S ~ ~ ~ S ) , cada um deles certo de
possuir
" ,> o caminho para a revoluq2io. Esses intentos,
entretanto,
Pode-se citar, na constela@o foram sempre acompanhados dc lutas
para prescrvar trotskista, Liga Comunista a singularidade do maio -
Iinha cm que sc inscrevc Revolucioniria (LCR), AssociaqBo
da Juventude Socialists (AJS) a Anilise Institutional, a partir
dc agora passive1 dc Luta Operiria; na diferenciar em A1
Soczoanalitica e A1 Erquzsoana1itzu.z.
Gauche Prolttarienne (GP), Vive la Rkvolution (VLR) e Partido
Comu- Antes disso, cumpre dcstacar ac~nt~cimentos que nista
Marxists Leninista Frances ainda evocam uma anilise institucional
gcneralizada. (PCMW.
Apesar de Gande Recu~a, maio de 68 ncm tudo rccusnra, c
anti-colonialismos at6 cnt2o pouco ruidosos passam a
trazer As ruas novas palavras de desordem: 1970, primcira
manifestaq20 publica do MLF (Movimento de LiberaqZo Feminina); 197
1, criaq2o do GIP (Grupo de Informaqiio sobrc as Pris6es),
manifesto de 343 mullieres em favor do
-
aborto livre e primeira fala publica da FHAR (Frente Homossexual
dc Aqiio Revolucionaria); 1972, cria~iio da associaqiio Mkdicos sem
Fronteiras; 1974, nascimento do Movimento Ecologico Frances.
Para potencializar movimentos como esses, que chama de
"revoluqdes moleculares", Guattari cria, em 1969, o CERFI (Centro
dc Estudos, Pesquisas e Forma~iio Institucionais). Nesse contexto,
aproxima-se de Gillrs Delcuze (1925-1995) e, niio muito depois,
ambos promoverb o batismo oficial da Esquizoancilise.
Urn livr o-coisa: 0 anti-idipo e a Ejqukoanahe Enquanto a
oficializaqiio da vertente socioanalitica da A1 remete a
sisudez de uma tese de doutorado - A Ancilise Institurional, de
Rent: Lourau, defendida em 1 9 6 9 , a da vertente esquizoanalitica
conduz ao que se apelidou um "livro-coisa": 0 anti-~d@o, publicado
em 1972. Nele, "isso" - o inconsciente ou desejo - "funciona (. .
.) respira (. . .) aquece (. . .) come (. . .) caga (. . .) fode"
(Deleuze e Guattari, 1972: 7).
No "periodo de latincia" que se segue a 1968, Delcuze e Guattari
veem um tempo propicio para intensificar a conjugaqgo de revoluqdes
moleculares, em lugar de transforma-las em "Mao". . . ou "Mor":
-
Em novo Pareceu-nos que niio nos podiamos contentar jog0 de
palavras, apro- em prender urn vagiio frcudiano ao cornboio
veitarnos urn dos termos que, em do marxismo-leninismo, Era precise
frands, designam L'eu" (mozI, Para
indicar as tentativas, tambCm presen- (. . .) desfazermo-nos de
uma hicrarquia tes noperiodo que descrevernos, estereotipada entre
uma infra-estrutura opaca de explicar psicanaliticamente e
superestruturas sociais e ideolbgicas concchidas maio de 68. de tal
modo que recalcam as questdes do sexo e da enunciaq2o para o lado
da representagho (. . .). Trata-se de Sazer passar o desejo para o
lado da infra-estrutura, para o lado da produqho, enq~~anto se far6
passar a familia, o eu e a pessoa para o lado da anti-produgfo
(Deleuze e Guattari, 1976 [ I 9731: 58-59).
Em 0 anti-~d@o, o desejo ganha um lugar entrc as forqas
produtivas. Nem imaginirio nem simbolico, mas real e material, ele
se historiciza: todo desejo 6 produtivo e toda produqgo 6
desejante. Este produtivismo e.rqui~oanalitico contrasta com
apreensiies parandicas de todos os tipos:
0 polo esquizofri.nico (molecular) corresponde ao desejo
produtivo, o polo paranoico a disposiqiio da falta. De um lado, o
dcscjo tomado na
-
ordem real de sua produqgo,(. . .) despro\:ido de fins e
intrnqcies; de outro, o desejo prisioneiro de grandes objetividades
totalizantes, significantcs, que fixam as organiza@es, as faltas e
os fins (. . .) a fjlta niio -4 original, mas constituida pelo
dispositivo que capta e registra as produqfies (Donzclot, 1976:
175-176).
Concebe-se, assim, um fidipo-dispositivo-de-captura em lugar de
um hdipo-estrutura, um desejo-usina (de produqiio) ao in\& de
um desejo- tcatro (de representa~iio-consumo de imagens - - -
libido universal, fantasmas originhrios, edipianiza@o, castra~iio,
falta etc.). A despeito do r6tulo anti- psicanalitico, contudo, 0
anti-~d$o n2o tem a Psicanhlise por alvo privilegiado: esta ultima
@ apenas urn dentre os dispositivos capitalisticos de anti-produq2o
quc, segundo a perspectiva esquizoanalitica, nos restringem a vida
ao ponto do sufocamento.
Deleuze e Guattari avaliam que em maio de 68 algo da ol-dem do
desejo se fez visivel a escala do conjunto da sociedade, sendo
invisibilizado a seLpir tanto pel0 Poder de Estado quanto pelos
partidos e sindicatos (ditos "operhrios"), esquerdismos e
imperialismos significantes da intelectualidade. Se estes siio os
dirigentes (politicos e/ou teoricos) e os dirigentes traem, nada
hii de espantoso; surpreendente it que os dirigidos continuem a
cscuta-10s. H i que procurar, pois, na produ@o de subjetiuidade
capitalistica o engendramento dessa cumplicidade inconsciente que
se propaga "do Poder aos hurocratas, dos burocratas aos militantes
e dos militantes i s proprias massas" (Deleuze e Guattari, 1976
119731: 57).
A Al Socioanalitica - o tempo (e contratempo) das interven~aes
Em meados dos anos 1970, Lapassade, Lourau e alguns
companheiros
dos tempos de Nanterre estiio instalados na Universidadc de
Paris VIII Vinccnnes. No posficio A segunda ediqiio de A anlilise
in~titucional, cnt2o
publicada, Lourau lastima: Sob o pretexto de tcorizaqiio,
generalizaqiio e ordcnaqiio conceitual, escrevi um livro frio sobre
urn assunto candentc. Teorizar niio seria criar, pouco ou muito,
este dispositivo J A N ~ P T I ( : O do qua1 Foucault mostrou a
importdncia? Ver sern scr pmo,,,:,, - Dispo~itivo d, +jlgncia
\isto, (. . .) vigkr, punir, tais siio implicitamcnte idealizado
porJeremy Bentham (sPculo os objetivos da teoria (. . .) (apud
Lourau, 1988: XV111)2 vista por Eoucault 'Orno diagrama do
exercicio do poder nas 250). sociedades disciplinares.
-
Esta aprecia~iio retrospectiva, embora perspicaz - a tese de
Lourau contribuira para a institucionalizaq2o (universitaria) da A1
, n2o faz inteira justiqa i agitada trajetciria dos socioanalistas.
A partir de 1969/70
se multiplicam, na Franqa e fora dcla, A inseryiio universitiria
dos analistas cncomendas de intrrver2Cco institucionnl.
institucionais n2o foi trancluila. Embora
uncennesfosseumcentmexperimental,Lapassade Pode-se destacar,
entrc clas, as rcali- foi recusado pelo Departamento de Sociologia,
sendo zadas na Universidadc de Quebec, incorporado ao de
Ci&nc~as da EducayHo. Ja Lourau encontrou sua primeira
acolhida, apcis uma estada Montreal (1970); na Unilwsidade de
conflituosa na Univers~dade de Poit~ers, no Louvain, Bklgica,
com ectudantcs dc Departamento de Ci&ncias Politicas.
sociologia (1 Y 72); no Brad, cm diversay organizaqGes
estudantis c estabelecimentos
universithrios (1 972); na cidade francesa de Poiticrs, tanto no
Ccsltro Protcstante do Oeste (1973) como no Centro Regional de
Formaqiio em Carreiras Sociais (1974).
A dire520 entzo privilegiada por 1,ourau e Lapassade i. a
deiiniqgo dc um modelo de intervenqgo socioanaliticn. Em Chaves da
s~ciolo~gia (197 I), propfiem caracterizh-la pelas scguintes
operaqijes: analise da encomenda (pcdido oficial feito pelos
dirigentes ou rcsponshvcis) e da demnnda (qucstks quc cmergem no
coletivo-cliente no momento em quc todos os interessados sc reunem
em AssemblCia Geral); autogcst20 pelo coletivo-cliente (dc todas as
instituiqGes que permeiam o trabalho: tempo, dinheiro, programaqiio
ctc.); regra da livre express20 (austncia de limitaqties quanto a
palavras e/ou aqties); elucidaq2o das transversalidades (andise das
insiituiqks que atravcssam intervcntores e coletivo-cliente, por
mais que aparentemente alheias ao foco das discussc?es); elahoraqgo
da contratransferkncia institucional (explicitaqiio das refcrPncias
libidinais, profissionais, existenciais e politicas dos
intcrventores); clucidaqiio e/ou constru@o dos analisadores
(pessoas, acontecimentos ou dispositivos que intcnsificam a anhlise
das instituiqks).
Durante os anos subseqiientes, os conccitos involucrados por
essas operaq6es ser2o objeto de intensas controvCrsias teciricas,
dado provilem de diferentes campos do saber: encornenda, dcmanda e
intervenqiio siio de origern sociolhgica; lime express20,
transferencia e contratransferhia institucional derivam da
psicanalise, da psicossociologia e da psicoterapia institucional;
csta ultima C tambkm responsive1 pela infase no conceito de
analisador (Lourau e Lapassade, 197 1 / 1972: 172). Surgida em meio
as agitaq6es intelectuais da dkcada de 1960, no come50 dos anos
1970 a A1 socioanalitica sc defronta, conseqiientemente, com uma
situaq2o paradoxal: tenta dignificar-se a olhares epistemol6gicos
por um sofisticado trabalho tehrico, inseparAw1 da realiza$io
-
de intervenqi3es a pedido; vt-se ameaqada, atravks do mesmo
processo, de uma indesejivel institucionaliga@o. Pois ernbora se
reconheqa que cla trabalha com opera@cs e conceitos diferentes dos
manejados em outros tipos de intcncnqiio - a psicossociolo~ca c a
organizational, por exemplo, pode scr encomcndada como qualquer
atividade mercantil.
A tpoca, todos os conceitos socioanaliticos viio-se dcslocando
dos campos de referincia originarios. Articulando-se ao dispositivo
de interuun@o, tornam-sc artjjzcios em uma sztuaglio
artijicialmente instalada: a analisc das implicaqfies, fazendo
publica e coletiva a explicita@o dos vinculos de analistas e
participantes corn o dinheiro, o tempo, o saber, a sexualidade, a
comunidade cientifica, o Estado etc., diferencia-se da anhlise da
contratransferhcia, geralmente rcalizada em segredo; em decorrhcia
disso, a transversalidade se distancia da transferincia de tipo
clinico (dual ou grupal); ao invts dc apontar a um idcirio
politico- ideologico, a autogestiio t tomada como mito provocador
analisam-se as instituiqi3es que a dificultam , dcsvinculando-se,
paralelarncnte, da "associa+o livre" psicanalitica c da "livre
expressiio" n5o-dirctivista; a as50 dos analisadores conduz todo o
processo, sendo a totalidade da situa~iio de intervenqiio entendida
como analisador construido.
A partir de 1973-74, Lourau c Lapassadc passam a priorizar
cstra- tkgias dispares. Lourau insiste no nexo entre a n a h e
instituciond e que~tdo politics, valorizando as lutas das minorias
e os analisadores histbricos - como a, ocupa@o da LIP, por exemplo.
Lapassade, por sua vez, tcrlta combater o falat6rio excessivo das
intcrvenq6es socioanaliticas, aproximando-sc da questiio do corpo.
Fascinado com as experitncias de posscssiio prrscnciadas em paises
africanos ou marcados por tal cultura Tunisia, Madagascar,
Marrocos, Rrasil , empenha-se produqiio de crises propiciadoras de
efcitos semelhantes aos do transe coletivo. Para tanto, mescla
grupos de encontro rogcrianos, espontaneidade moreniana, provoca@es
gestaltistas e recursos bionergtticos, valorizando a dimens50
contracultural do movimento do P~TCNCIAL HURLZNO.
n a LIP - Fhbrica de relbgios francesa onde os operarios
resistiram, via ocupaqHo e autogestzo da produ+o, a venda
do estabelecimento a uma rnultinacional. Sobre os
acontecimentos, Lourau pnblicou L'analyseu~ Lzp (0 analisador Lip,
1974). POTENCIAI. HUMANO - Movimento originario da Califbrnia, onde
sgo fortes a contestaqiio a Guerra do VietnH, o mod0 de vida hzfiie
e as lutas pelos dlreitos civls. Prop6e o "drop out" (caw fora) do
slstema atraves
de prhticas cotidianas, limes das repressces impostas pelo
capitalkmo.
-
As aventuras da liberdade
A secgunda metade dos anos 1970 trara muitas decep~des para oc
esquer- di~tds: livros e reportagens denunciam a Revolu$io Cultural
chincsa como uma luta pelo poder nos altos escal6es; a conquista de
Saigon pelo vietconLpe (1 975) i: seguida da transforma@o de um scm
nurnero dc vietnamitns em boat-people em busca de refugio; em 1977,
dois anos apbs tomar o podrr no Camhoja, o Khmer Vermelho tem por
saldo o massacre dc dois milh6es dc pcsioas, em urna populaq2o
total de nove milh6es.
Se as re\,oluqcies traem seuc principios, que dizer do5
rc\ducionarioc? Em 1974- 1975 tem inicio a dissolu+io da maioria
dos aqrupamento\ csqucr- distas. Muitos de seus ex-integrantes
repudiam o passado mnrxista r se p6em a defender, soh idearios que
se estendem do penramento lit~cr~il cl,issico ao lacanismo,
judaismo ou cristianismo, a democrdcin pnrlnrncntar quc wmprc
l&am comhatido como "meramentc burguesa". Tornnm-sc, asiim, or
"nows filrisofos", cntre oi qunis cstiio Andre Glucksrnm, Rcrn,trd
Hcnrv-Thy Pierre ,Jambet c Gu\ LLtrdrcau todos com forte prcwnqd nn
rnidin ,itr,t\&s clo proqramd tcle\ii;i\ o Apostrophe\".
i\rrcpmdimcntos corno ciscr n50 fa7en1 parte dn I)ag,iycrn tlos
dllri- 11stn~ initituciomis: a dcspclto de scrern intrlec tuais cle
ciqucrd,~, Ilunc~l sc tlnli,~m nr\or,ltlo .I falar rm nomc dc
classcs ou p \ o s (. plosscyucnl em bust n dc dll,rn(
-
entre os primeiros a participar das radios livres francesas -
inicialmente a Radio Rleue; depois, a Radio %mate - e, ao final da
dtcada, seri um dos criadores do CINEL (Centro de Iniciativa por
Novos Espa~os de Liberdade), organismo informal que aglutina
intelectuais, militantes, trabalhadores e artistas numa intensa
atividade tebrico-politica: anilise dos micro-fascismos presentes
no pensamento e na aq2o; favorccimcnto das radios livres; defesa
dos imigrantes, das minorias nacionais ctc.
A colaboraq20 com Deleuze prosseLgue. Apcis a publicaq5o (1975)
de um livro sobre Kafka, em que, desta feita, d a litcratura quc
dcvkm "mcnor" ou minoritaria -- "escrever corno um c2o que faz seu
buraco, um rato clue faz sua toea" (Deleuze e Cuattari, 1975/1977:
2 8 - 2 9 ) , aguarda-sr um segundo volume de 0 anti-Edipo. Mas
Deleuze e Guattari cscapaim aos continuismos: Mille Plateaux (Mil
plates, 1980) n2o constroi uma montanha, abrc mil caminhos
filosoficos. N2o ha capitulos em cronologia linear, mas quinzc
acontccimcntos datados, reais ou ficcionais: 1227 (morte dc Gcngis
Khan), 19 14 (a gucrra c a psicanalise do homcm dos lobos), 7.000
a.C. (aparelho dc citptura cstatal) ctc. Para os quc aprcciam
conceitos, o livro os cria (ou rccria) aos horl)oti,es
rizoma, buraco negro, mAcjuina dc gucrra, rcgirnc dc signos,
plmo dc consisttncia, diagrams, linha de Suga, cartografia,
captura, rostidadc, c'orpo sem 6rg2os, mAquina atxtrata ctc. ,
corno n o \ x fi'rranicntas para fi)rjar cspaps dc libcrdadc.
0 sonho acabou!
Em \'incemics. as transforrn;ic;i5cs cconi)niicas
(new-liI)c~raliamc, rlri c'xp;~rGoj C' politicas (dcrrocada dos
esqucrdismos) ;rt~-;n~css;~rn tcoriz;rc;i,cs c p~.iiti(.i~s. Tudo
se ~)i,e c'm qucstllo na A1 socioanalitica: apr-ouirni~r-sc ou
nllo, OII o quant(~). do rnarxisrno c da psicandisc; identihxr-sc
;i ~)sic~ossoc~iolo~i:~ 011 ;i sociologia; rcalizar intcnmqi,cs a
pcdido o u ~nilitar politicamcwtc; tralisli)rmar a socioanAlise em
hahilitaqiio prolissiorial ou mantcr o prc?jc(o tlc urn;L ; i r~i l
i s t> institutional gcncralizada.
1,apassadc vi. scmclhanqa cntrc o momento c n t h \.i\ido c o
das primciras ~~~~~~~~~~ias da AI: 1150 hii c.nconit.ndas
("cxtcwlas") tic. inttm.c.nc;;io. mas P possi\d pGr em andisc as
contradiqfics do cstalxlccirncnto do qua1 sc fkz part". Na
qualidade de centro experimental, Paris VIII tcm don. a i m dr.
pram, a rncerrar-se em 1980, para se adequar ao estatuto das
denlais uni\.crsitladcs. Quando i. proposta, nos Consclhos
Supcriorcs, a criaqiio clr. urna carrcira dc
-
Administraqgo EconGmica e Social (AES) ja submetida aos canones
oficiais, Lapassade assume a direqso do projeto, vendo-o como
oportunidadc para uma analise institucional "interna".
Em um numero especial da revista Pour sobrc a "Escola de
Vincennes", Lourau critica o procedimento em curso:
0 contexto politico geral de refluxo c oportunismo (.. .) 6 o
que explica esta repentina virada de casaca teorica, politica e
pedagbgica. 0 instituido 6 bizarramente promovido ao estatuto de
instituinte e a adcsao cada vez mais reaciorlkria 2 legalidade
institucional C proposta, dc fbrma cbmica, como 'analisador'
(Lourau, 1 978: 109).
No mesmo numero, outros autores ressaltam o ostracismo ao qua1 a
ordcm estabelecida das ciencias sociais (centros dc pesquisa,
revistas e associaq6es cientificas) condenara a AI, aprisionando-a
na op@o entre dois unicos caminhos: a sustentaqgo da
ultra-esquerda, insistindo cm reacender a chama das lutas via uma
sociologia militantc ("familia Lourau"), e o apoio a dire520 aberta
pelos novos filbsofos, aceitando o consenso democratic0 c
profissionalizando a intervenqiio institucional ("familia
Lapassade"). Tcriamos, neste sentido, "anilises sociais criticas,
mas condenadas marginalidade, ou orqamentos a gerir com
possibilidades de experimentaqiio. Vista por um lado, t a
alternativa entre o her& e o canalha; por outro, entrc o
irrealismo e o bom senso" (Ardoino, Barbier e Copct, 1978: 1
18).
0 artigo de Lapassade responde as criticas: em sua pcrspectiva,
o gauchisme 68 esta morto; os partidos de esqucrda estiio cm crise;
o analisador AES pode lanqar luz sobre a dcgradaqgo burocratica de
Vinccnncs; o institu- cionalismo se resume a uma psicossocioloyia
critica e a um embriiio (abortado) de filosofia social libertaria;
a burocracia prossegue a instituiqgo primeira do capitalismo e a
"nova filosofia" tcm o mkrito dc desmistificar sua prcscnqa na
idcologia esqucrdista (Lapassade, 1978: 128).
0 s acordos entre os socioanalistas parecem, pois,
definitivamente rompidos.
"Mudemos a vida aqui e agora"
Em I98 1, Franqois Mitterrand (1 9 16- 1 996), candidato
socialista, t eleito presidente da Republics Francesa. 0 "povo de
esquerda" se entusiasma: anunciado o resultado, uma multidzo aflui
a simbolica Praqa da Bastilha e festeja at6 a madrugada.
538
-
A vit6ria fora pacientemente construida desdc 1969 - ano em que
a SF10 (Seq5o Francesa da Internacional Operhria), antiga morada
dos socia- listas, se transforma no PS (Partido Socialista). Pouco
depois, a agrcmiaq5o adota novo logotipo - um pun110 segurando uma
rosa e subscrew o lcma "Changer la vie" (Mudar a vida) como sintesc
de seu programa dc governo. 0 hino do PS conclama a transfbrmaqdes
imediatas: "Ne croyonns plus aux lendemains qui chantent, changeons
la vie ici et maintenant" (NBo acrcditemos mais nos amanhZs que
cantam, mudemos a vida aqui c agora).
Desde a elei~iio presidencial de 1974 quando Mittcrand h i
dcrrotado por infima margem de v o t o s , o jh enGo socialista
Rkgis Dcbray empcnhara- se em conduzir os esquerdistas
decepcionados ou arrependidos i s fileiras do PS, pregando a
reuolugAo via eleiyiio. Em 198 1, a cstratkgia sc mostra hem
sucedida, ajudada pela crise econcimica. Tambkm a intelectualidade
opta, cm sua maioria, por Mitterrand, auxiliado ainda pelo "voto
hil" dc muitos comunistas, que previam o fracasso (confirmado) dc
seu prbprio candidato.
0 triunfo da rosa k comcmorado em uma posse-espctaculo, com
direito A interpretaqiio da Marseillaise por Placido Domingo. Em
scguida, as primeira resoluqdes do novo governo surprccndem
agradavelmente: s5o suspensas as expulsdes de estrangeiros e
adotadas medidas sociais (aumento do salario minimo e do salario
aposentadoria, criaqgo de novos empregos na fun550 publics);
300.000 imigrados clandestinos siio autorizados a rcgularizar sua
situa+o; a pena de morte 6 suprimida; as radios locais saem cia
ilegalidadc; instaura-se o imposto sobre as grandes fortunas.
Mas.. . .sera um governo de partido capaz de modificar a rclaqBo
entre dirigentes e dirigidos? De fazer valer uma ktica
internacionalista da liberdade contra as obrigaqdes da politica
instituida? De incentivar a inventividadc coletiva? Apenas algur~s
rrleses se passariio antes que essas pcrguntas scjam respondidas
com um sonoro nAo.
0s anos de inverno (1981- ) Em setembro de 1981, o sindicato
polones Solidariedadc faz um
congress0 em Gdansk, cxigindo pluralisrno partidhrio e eleiq6cs
livres. O Kremlin 1150 tarda a contcr essa cxpailsBo
produtivo-descjante: em dczcmhro, 6 declarado 'Estado de
ErncrgPncia' e o Ccnrral Jaruxclski pxsa a presidir um Conselho
Militar de Salvaqllo Nacional.
-
Na Fran~a, o Ministro dos Assuntos Estrangeiros afirma que seu
pais n,io tomara qualquer medida, por se tratar de um problema
"estritamente interno". Em 15 de dezembro, a lpns intelectuais
reagem B postura do govcrno atravks dc um manifesto:
Em 1936 urn governo socialista sr viu confi-ontado corn
unip~ctrrh rnilitar na Espanha; em 1956 urn governo socialista sc
viu conl'rontado con1 ;I reprcssiio na Hungria. Em 198 1 urn
governo socialista sc confronts com o golpc d r Vars6via. Niio
qurrcmos que sua atitudr scja a dc srus predccrssores (npud'
Eribon, 1990: 277).
Situado a um canto de pAgina de Libkyation, o texto n5o parcce
dcstinado a repereusshes maiores; porCm o jornal, que prometcra
divulgar diarianlentc listas dc apoio, i: obrigado a desistir do
projeto ern funqiio do diluvio dc assinaturas rccebidas.
A cupula govcrnista ainda tenta manter apartncia socializantc:
nos primeiros dias de 1982, decreta a rcduqiio da c a r p semanal
de trabalho para 39 horas e institui a quinta semana anual de
ferias pagas, visando a rcduzir o desemprcgo. Em maio, no entanto,
ja se ouve hlar em "austcridade" c, a partir de 1983, no "rigor"
exigido pela gest2o (capitalists) do socialismo B fiancesa - logo
visivel na nova politica de imigraqiio, que persegue implacmclmcnte
os "clandestinos", acusados de rcsponsavcis pcla "crise".
. .
EstA perdido o apoio da intclectualidade ao governo, mas a
pnmclra, dcsta fcita, se maiitPm silcnciosa. Nesse contexto, o
porta-voz Max Gallo publi- ca em L,e Monde o oartigo 0s
intelectuai.6 apolitica e a ndernidude, no qua1 sc qucixa da
incompreensiio rcinante. 0 jornal decide promovcr ulna enquetc,
convi- dando os homens da pcna a se pronunciar acerca dc seu
pr6prio mutismo
Guattari n5o se furta a proposta dc Le Monde. Na ftdiga dos
gurus, pcrcebe um saudavcl silGncio, ao invks da afasia rcssentida
diagnosticada pclos gorernantcs: "Todos aqueles que hoje k e r n
profissiio de pensar, de pesquisar, de criar, dc produzir outros
possiveis niio mais se rcconhccrm em qualquer porta-voz" (Guattari,
1983/ 1986: 3 1). A seu ver, um cfetivo debate cntrc o poder c a
intelectualidadc precisaria prohlematizar: as perspectivas de
evoluq5o para sociedadcs multirraciais e transcnlturais; a politica
de transfbrmaqiio da habita@o, do urbanismo, da Educaqiio National,
das prisGrs, dos hospitais psiquiAtricos; as iniciativas concrctas
da Franqa em litvor da emancipaqiio ccon6niica t* social do
tcrceiro-rnundo etc.
540
-
Tal debate niio se ahre, mas Guattari continua a falar, ao
menos, com aqueles que niio ensurdeceram inteiramente B base de
doses diarias de cinismo pseudo-democratico. Se muitos compatriotas
ja niio o escutam, ha cspaqos outros a explorar, viajando tanto ao
B r a s i l ondc o PT (Partido dos traba- lhadores) o entusiasma -
quanto ao Japiio cujo paradigma cmpresarial, pretensa soluqiio para
a "crise", muito lhc dcsagrada. Em 1985, por6m, jii se sente
atingido pela glacia~iio geral, dando com isso um nome aos tempos
quc talvez ainda sejam os nossos: "Sou daqueles que vivcram os anos
scsscnta como uma primavera que promctia ser interminavel; assim,
tcnho alguma dificuldade em me acostumar a estc longo inverno dos
anos oitcnta!" (Guattari, 1986 [I 9851: 7).
Vendo murcha a rosa socialists, Guattari se alia aos verdcs. Seu
cnsaio A.s tris ecolocqia.s ( 1 989) falara da baixeza da
suhjetivaqiio capitalistica. Baixa subjetivaqiio porque voltada a
instaurar uma equivalhia generalizatla, na qua1 quaisqucr
'difrrenps' siio alocadas, sob a forma de 'cscorcs', em
distrihuiqGcs de variaveis prcviamente determinadas. Contra essa
contingtncia funesta, clc prop& uma articulaqiio ttico-politica
entre os rcgistros do meio ambicntc, das relaqties sociais e da
subjetividade - a ecosq'ia.
A despeito das divergtncias entre os socioanalistas, nenhurn
dcles ncga que o periodo seja dc rcpudio a intervenqiies
dcscstahilizadoras. Assim, enquanto Lapassadc privilegia escritos
de estilo autohiogriifico, como &eux tropiques (Alegres
trbpicos) e L'autobiogmphe (0 autohicigrafo), voltando-sc a scguir
para investiga@es de caratcr ctnol6gico soh a inspiraqb da Escola
dc Chicago (c[ capitulo 27), Lourau tende a fazer da analise das
irnplica@es do pescjuisador a base para a constituiqiio de uma nova
epistcmologia.
Em 198 1, publica 11s 1apsu.s des inlellec~uels ( 0 s lapsos dm
intelcctuais), ondc aponta o repetido 'ato fdho' da
intelectualidadc no s6culo XX: o ativo desconhecimento das
condiciics institucionais
0 s conccitos de 'encornenda' e de produ~iio dos discursos
eruditos. Na in- cMANDATO SOC horn610gos: troduqiio ao livro,
constrbi uma tipologia prirneiro esth ligado a situa~des
efemeras
de 'intervent;%o a pedido'; o segundo, a urn baseada na rela~iio
com o ' S I A U U A I . ~ SOC:IAL'. ininterrupto cpedido de
intcrvenGlo, aos Segundo I,ourau, a aceita~iio desse marldato
intelectuais, cuja especificidade instaura a
-
define cintclcctual org++,ico'. jj ~intelcctual divisio dos
sabere~ em 'especialidades' ou 'disciplinas'.
cngajado', critico do instituido, orienta-se para
-
posi@es seja progressistas seja consemadoras, mas n2o pee
cfcti\,amcnte em quest20 o mandato social. Somentc o 'intelcctual
implicado' sc caractcriza pela rccusa de tal mandato, podendo ser
ilustrado pela cxpcrihcia da Psiquiatria Dcmocrjtica de Franco
Basaglia (1924- 1980):
Enquanto na F r a n p , sob a influencia cresccrltc do /oh/y
psicanalitico lacaniano, a psicoterapia institutional tendeu a
reforyar o poder medico e a import2ncia do hospital, e na
Tnglaterra a antipsiquiatria scm corrrntes d r Laing e Coopcr visou
sohrctudo i edificayiio de um sctor paralelo, comunitario c
fortemcntr politizado, os filturos adeptos cla 'psiquialria
democratica' B italiana partirarn de um questionamento daquilo quc
produzia e reproduzia a dornya mental: a ciPncia rnCdica (. a
cstrutura hospitalar (Lourau, 198 1 : 27 1).
Urn salto a 1987 no5 dB acesso a urn rtrtigo em que a
prcocupaqdo pri- meira de Lourau t avaliar os motivos da
associaqiio cntrc o tcrmo zrr$lzcu@o e palavras como engajamento,
participaqgo, invcstimento, motivaq2o e esforp:
A origem dcste uso voluntarists (. . .) reside numa mislura dc
influ6ncias crist5s, existencialistas e psicologistas: 'Eu me
implico, ele se implica, ele 1150 se implica o hastante' etc. Tais
fbrmula@es (. . .) constituern,julgamelltos de valor (. . .),
destinados a medir o nivel dc ativismo, o grltu tic idcrltificayiio
a uma tar& ou a uma instituiqiio, a quantidadc d r
oryamcnto-tempo quc lhe C- comagrada (. . .), bem como a carga
afctiva investida na cooprra$io. Trata-se de uma espkcie de nova
virtude teologal (Lourau, 2001 [1987]: 246-247).
Malgrado tal conjuntura, Lourau ressalta que a andire de
im~lica~6es se 1.6 enriquecida pela ediq2o (ou rcediqgo) dos dihios
depesquisa dc virios estudiosos. Emerge, com isso, uma problematica
original: a da escritura da A1 como escrituru implicada. Sendo
assim, em Lejoumal de recherche (0 dikrio dc pesquisa, 1988),
Lourau analisarli, entre outros, os dihrios de Hronislaw
Malinowski, Sandor Ferenczi, Andri: Gide, Michel Leiris, Edgar
Morin, Margareth Mead e Ludwig \Vittgcnstein, cm busca dr elementos
hcuristicos para uma "Teoria da Implicaq2o'.
Em um trabalho dc 1990, elc renuncia a tentar fixar um sentido
estrito para o termo implicaqgo, optando por filzer do prhprio
dcvir do rncsnio um analisador de nosso presente. Chm essc intuito,
propfie um n o w coriccito, dc caratcr radicalmentc critico dessc
mcsmo prcscnte, o dc .sohrt.inl;~liin@o. Tal conccito cstA assot
iado a urn cpaw oniprt'writc ato dc lingu~+ym: "Irnplicl~le- se,
reimpliquc-w, p r i m nXo malisc suas implicaqGcs!" (l,ourau, 2001
[ 19901: 189). Sendo n implicaqk um nhdulo dc rclaqfics
inc\ita\~clrncntc prcwntc
-
estamos sempre implicados em institui@es, queiramos ou 1150 , a
injunqiio a 'implicar-se sem analise' (sobreimplicar-se) constitui
urn mandato social dcsti- nado a gerar o "sobretrabalho exipldo
para a produ~5o de uma mais-valia, de uma rentahilidade suplementar
(. . .), 'exploraqZo da subjetividade' que sucede B exploraq2o da
objetividade do homcm no trabalho alienadoX(ibid.). Exemplos da
presenp crescente desse discurso (sobre)implicacionista nas
empresas contempor2neas s5o encontrados por Lourau na adoqso, na
Franqa, do 'grau de implica$io' como critirio de avaliaq5o do
descmpcnllo de empregados e na instituiq50, no JapZo, do karoshi --
reconllecimento oficial do excesso de trabalho como causa morti,~.
Cada vez mais, os equipamentos dc poder incitam a praticar e
experienciar urn 'nos' empresarial que, da autogestiio sonhada
pelos analistas institucionais, nada preserva.
Nossa incurs50 B Analise Institucional francesa poderia
prolongar-sc. Nada dissemos sobre o acirramento dos conflitos entre
os socioanalistas a partir dos anos 1990; a ultima produqiio de
Deleuze e Guattari (0 que e' a Filosojn, 199 1) sequer foi
mencionada; limos puhlicados por Lourau na dkada de 1990, como
Actes manquis de la recherche (Atos falhos da pesquisa, 1994) e
Implication, transduction (Implicac;5o, transduq50, 1997) ficaram
fora do escopo da exposiq2o. N2o haveria espaqo para tudo isso em
urn simples capitulo, c cumpre passar A.hist6ria da A1 no
Brasil.
Polifonias da Analise lnstitucional no Brasil
Falar em histGria da A1 no Brasil 6 um exagero dc linguagem: as
dimensGes do pais e a varicdade de seus percursos regionais tornam
tal prqjcto um empreendimento impossivel. Limitar-nos-emos a
abordar o Eixo Sudrstc c, neste, os processes caracteristicos das
cidades de Belo Horizonte, Kio dc Janciro e SZo Paulo.
Antes, uma ressalva: no Brasil, a fd C umpamd&a sem~~assndo.
A despeito de existirem inumeros trabalhos sobre as trajetorias das
priticas grupais, das organizaqGes formativas e das rcnovaqGes no c
a m p da saudr mental - Ambitos em que a A1 recebe alguma mcnq5o ou
destaque , 6 raro que o paradigma institucionalista seja nelcs
fbcalizado como pensamento-prjtica singular. Para produzir um
antidoto a essr panorama, serk preciso aumentar a abcrtura da
-
lente, indo altm do exclusivamente local, o que resultara no
rcaparecimento dos institucionalistas franceses, na entrada em cena
dos analistas argentinos e em uma inaior enfase na Psiquiatria
Democrktica italiana.
Tendo em mente, como base do roteiro, essa geopolitics dos
saheres, torna-sc valido dizer que a A1 no Brasil t. polifhica,
pois fala fiancts (Belo Hori- zonte), espanhol com sotaque portcnho
(Rio de Janeiro) c italiano (Sgo Paulo) - scmpre, 6 claro, com
nosso timbre e ritmo prhprios, ligados 2s vicissitudes econbmicas,
politicas e culturais do pais.
LES CHEVAUX DU DIABLE - o Setor de Psicologia Social
Em Belo Horizonte, a criaqiio (1963) do curso dc Psicologia da
Univcrsidadc Federal dc Minas Gerais (UFMG) quasc coincide corn a
instauraqiio da Ditadura Militar (1964). Entrr os primciros
prokssores dcstaca-se CClio Garcia (1930- ) que, fhrmado em Paris
(1955), cstB marcado pclas reflcxGes/ac;&s dos psicossocihlogos
criticos. Elc logo rcunc 2 sua volta
estudantes c jovcns prokssorcs, in\ntisScitos con1 a hcgemonia
clue a linha cxpcrimcntalista
" 0 s CAV.\I.OS DO D L ~ O ' ' 6 o titulo do diario publicado
(1974) dctcm na lbrrnaqiio dc psicblogos. Estc
par Lapassade, relativo a sua visita ao B r a d grupo, a
principio informal, p s s a a ern 1972. desenvol\w ati\.idadca tiio
origiriais
Sem fk tens io de exausd\idade, t. oossivel mencionar os . . .
.
sewiI;tes participantes do s ~ - ~ ~ ~ a. lonRo de sua
exist+ncia: ( c r c t c r s t c s pcscjuisas em C(.lio Garcia
icoordenxdor), Marilia Mata Machado, ,Julio sa,"dc I,(ll,]ica,
asi,cs tic. rc.li,rr,,a hfourio, Sonia F leuq Elizabeth Bomfim,
Esther Arantes,
Tose FralIcisco Silva, Ideila Illarini. da Cunha, hlaria
Jiospitais psiqui5tricos, atcndimr.nto Emilia Li~na, Roniualclo
Diimaso. Edna Rolland, a delll;l rlClilS dc i l l ~ ~ ~ v ( . l l s
~ ~ )
Cornclis van Stralen, Regina Helena de Frcitas Campos, .Jose
Newton Garcia de ~~"cossocioli)gi(~:l dc.1111~) c fi)ra da
traga para a formac;2o dc psichlogos tcmas como
psicossociologi;r ;i l'rai~ccsa, analise institutional, anlilise de
conteudo, anilisr dc discurso, pcrspcctivas
-
comunitarias, reflexGes sobre Psicologia e Poder. AlGm disso,
elc cria um programa de cooperaq2o cientifica e cultural
Franqa-Brasil, financiado pcla Embaixada da Franqa, sob a kgide do
qua1 vtm ao Brasil Max Pagks, Andri: Levy, Rogcr Lambert e,
intempestivamentc - os tempos siio dc Ditadura M i l i t a r ,
Gcorges Lapassadc.
Durante cerca dc um mts (julho-agosto dc 1972), Lapassade cstevc
em Belo Horizonte em miss50 oficial. Inicialmente, ofercceu um
serniniirio de A1 aos integrantcs do Setor, aos quais se somaram
participantcs externos. Mantinha contato pcrmancnte com os
primeiros e, ao scu estilo, passou a p6r cm aniilise cisks at6
cnt2o pouco visiveis: inspirado ern suas rcfkx6cs sohrc a macumha,
apontou a cxisttncia, no Setor, dc uma "liilha branca" - os
lidcrcs, dcknsorcs da heterogcst50, preocupados corn a carrcira
univcrsitiria c os c2rioilcs oficiais do saljcr c uma "linha ncgra"
- os minoritArios, contcwdores (em tcrmos de idhas e/ou de libido)
c autogcstiol18rios. 1,inlia hranca c linlia riegra corrcspondiam
ao que Lapassadc passou a nomcar corno "o Sctor" - onde cstwa,
c\identcrnente, Celio Garcia - e "o Contra-scxtor" do qua1 alguns
intcgrantcs passaram a acornpanhii-lo tarnhcrn na 1-ida
extra-uni\,crsitiiria, a ponto de os apclidar "clii da iloitc"
(Lapassadc, 1974).
Contbrmc ocorrcra na Franqa, Lapassack trvc, em Kclo Horizonte,
prescn~a inarcante junto aos estudantcs. X pcdido das lidcra11t;as
do I>ir*.tOrio Acadhico (DA) da FAFICH, clue, cmhora
tiistanciado dc qualqucr 'l~asc.', tcntava rcsistir As interdiyocs
da Ditadura Alilitar; descn\d\.cu trahalhos de A1 com a
entidade.
Em todas as intr.nuqi)cs clue Ic\.ou a ckito, a marca th. scu
c-stilo ~)oli.n~i- co, ou mesmo contraclitGrio, q)arcccu
Sortcnlcwtc. K o colncyo dos anos 1970, rncnd)ros clo Sctor
promo\-iarn, corn iiluitas Ilc.sitaqi,r.a, tr-al~allios ern ;11guns
ccntroa cla Lrl"l\l(;, como partc da irnplanta+o tla Kcibrma
U~li\v-sithria iautoritariamc.i~rc. clccwtatla pclo go\.crno
rnilitar). ;\ntccipa~itlo, ilc ccrto rnodo, o quc \ i r i ;~ a Smer
em I'iilccn~~cs alguns ;IIIOS clcpois, 1,apassade acaI)ou corn as
rcasal\.as do grupo: \.ia 110s cllcontroa corn profixor('\ c ~ S ~
I I ~ . I I I I C S a oport~~iiidatlc. 1~1ra u ~ n a ;ul;ilisc
insti~~~cional, a1i.m dc i c l ( x t i f i c w na Kc.ii)rrn;i
aspcctoa c1crnoc.r-atizaiitcb. coillo a cx~inqiio tla cdcdra, por
cxwiplo.
Xo ttrmino dc sua c\tntla el11 Hclo Horizonte, a s rrlaqi)c-:,
con1 CXlio C . .'. h c ~ a csta\.irin 1,astantc cstrc~inccidas
aspccto (jw podc scr conxt;itado tanto no tlikrio clue pu l~ l i
co~~ sohr-c. it \.iagcni ao Krasil 1 l passad( ad(,, 1 517.4 quanta
110 ni~rncro especial da rnista 1 i~:os dctlicxtio CL . \I [(;arcia
pi crlii. 1!17:3'1. Apcwr tlas divcrgimcias, c n c a n ~ i i l l ~
a r i ~ ~ j ~ ~ i i t o s hs instiinci~s supcriorcs ruii prc?jc%to
tic ,\ni'ilisc Institutional cla U1~'lIG. @mtlo c\tc, i. recusatlo
pcla Kritoria. 1,al);~ssaclc a(.
-
vi. livre de obriga~des oficiais e decide prolongar a tcrnporada
hrasileira no Rio de Janeiro, onde possui aliados: Marco AurClio
1,uz (com quem publica O segredo da macumba, 1973) e Chaim Samuel
Katz (um dos primeiros intelcctuais, em solo carioca, a se
interessar pela AI, vindo a publicar, em 1977, Psicanalise e
in.rtitui@o).
Nas interven~Ges que realiza na Escola de C'omunica+ da UFF
(Universidade Federal Fluminense), no Hospital Pinel e no CESAC
(Centro de Estudos em Antropologia Clinics), Lapassade i:
geralmente acompanhado por Chico e G e r v a l alunos da UFMG,
membros do "cl2 da noite" -- c, conforme ja ocorrcra em Belo
Horizonte, a macumba (vista corno contracultura), o sexismo (com
tnfase no silenciamento imposto a hornossexualidade), o racismo e a
colonizaq2o da loucura pela r a z h s2o seus pontos analiticos
ccntrais. Falar desses temas em 1972 parecia, a quase todos,
extremamente perigoso. I'orCm Lapassade denunciava a presenqa,
entre nos, de um "fantasma da repressiio" - uso politico da amea5a
cxterior para legitimar a resistkcia ii rnudan~a - e de uma
"policia cultural" - tornando dispensavel a as50 do aparato
reprcssivo, \isto serem as tentativas de liberaqiio interrompidas
na base, especialmente pelas instituiqdes de ensino: ". . .eis o
que me disseram durante trts meses, toda vcz que tentei
democratizar a vida universitiiria: 'por n6s, tudo bem. Mas voci
sabe que, hoje, isso 6 totalrnente impossivel.. ."' (Lapassade,
1974: 38).
Marilia Mata Machado, entgo professora da UFMG e integrante do
Setor, julga que Lapassade errou em suas anilises, por ter
misturado territ6rios distintos:
Naquele momento, jh atuava outra divisgo, niio dita e niio
analisada, entre milithncia e trabalho cientifico. 0 espaqo da rn i
l i t h i a era cxterno ao grupo e pessoal, mrsmo havendo membros
do setor militando juntos em partidos politicos instituidos c/ou
clandestinos. Essr cra o ierrit6rio da certeza, da crenqa e da
palavra dc ordern (. . .). 0 tcrritbrio da ciCncia cra publico,
mesmo com as praticas e pesquisas trariscorrendo rm c a m p minado,
o dos problemas e movimcntos sociais. Essr c spqo s r pautava pela
indaga~go e pela duvida, pcla husca sempre itlacabatla da wrdadc.
(. . .) E havia repress50 rcal; c halia hrancos e prctos na
milithncia; tanto uns quanto outros tiveram que recorrrr ii cautela
nos anos quc sc seguiram (Mata Machado, 2001: 38).
A presenqa da AI em Relo Horizonte n2o ficou lirnitada,
evidcntemcntc, B vinda dc Lapassade. AEm do manejo cotidiano de
ferramentas in&tucionalistas pelo Setor - aulas, pesquisas e
intenrengGes a p e d i d o , talvez o momento em que o projeto se
tenha mostrado mais atuante seja o da reforma curricular do curso
de Psicologia da UFMG (1 974). A refbrma foi realizada corn base em
um
-
movimento autogestionario, que redundou em participasiio
paritaria dc alunos e professores, repudiando qualqucr decis5o
vinda de cima, quc prescindissc de construqiio e analise coletivas.
Do curricula resultante, para o qual os integrantes do Setor
contribuiram intensarnente, constavam disciplinas como Inten~enqiio
Psicossociol6gica, Psicologia Comunitaria c Ecologia Humana,
Analise de Discurso, Psicologia da Mulher, Psicolinguistica,
Psicanalise c Linguagem, Economia Politica etc., ent5o totalmente
ausentcs da forma~5o de psicologos no rcstante do pais.
Cumpre ressaltar, finalmentc, o percurso futuro dos integrantcs
do Setor, freqiientemente voltado a temas c a@es ligados a critica
das tcndtncias privatistas-intimistas das praticas 'psi', A
desnaturalizaq50 de vcrdades opressivas nos campos da saude mental,
cducaqiio, direito e cultura, as a s k s comunitarias, 2i
articula+o da Psicologia com o campo da saude publica etc. Neste
processo, muitos deles tiveram participaqiio destacada na criaqgo
da ABRAPSO (Associa@o Brasileira de Psicologia Social), err1 1980
(6 capitulos 29 e 3 1).
USTED PREGUNTARA POR OUECANTAMOS- Psicanalise e Analise
lnstitucional N o c o m e C o d o s a n o s 1 9 7 0 , u m a W p r i
- Vers0do~0emaPoR~u'mr~4m~
de Mario Benedetti, inspirado nas meira geraqZon (Coimbra, 1995)
de psicanalis- aq6es de resistencia dos argentinos exila- tas
argentinos viaja repetidamente ao Rio de durante a ditadura
Janeiro, oferecendo cursos e supervisGes as organi- za~des
alternativas quc abrigam psicblogos sedentos de formaq50 analitica
($ capitulo 24). Predominantemente composta por agentes ligados 2i
APA (Associa@o Psicanalitica Argentina, filiada i IPA), essa
geraqiio, qual os psicanalistas cariocas ligados As sociedades
oficiais, n5o prctcnde abrir mZo do monopblio do inconsciente.
Contudo, recorrendo As idkias de JosB B L C C ~ C K ( 1 9 2 2- 1 9
7?), cventualmente propde B,,F,rrn hicanalisla de grande uma
compensa@o: os psic610gos devem deixar prestigio na Argentina por
ter sido
Emhora as concepq6es blcgcrianas 1120 clcvam scr rncnosprezadas,
pois ampliam os horizorites dos psiccilogos para a1Cm dos murmurios
sobrc o div2, para clue a 111 ganhr rcssonrincia n o Rio
-
0 "Processo" ou "Guerra Suja", corno ficou conhecido o
periodo
da ditadura rnilitar argentina, estendeu-se de 1976 a 1983.
Contrariando, como sempre, o calendtirio oficial, o maio de 68
argentino ocorre em abril-maio de 1969. A partir de COKDOBA,
proliferam 03 atos estudantis e operarios de protesto contra o
governo do general Juan Carlos Ongania, que desde a subida ao
poder, atravk de um golpe militar (1966), exercera violenta
repressHo sobre a universidade e o sindicalismo combativo. A APA
foi fundada em 1942, por Arnaldo Rascovsky, Enrique
Pich6~-Rivi&-c, Angel Garma, Celes Ernesto Circamo, C~uillermo
Fcrrari Hardoy e Marie Langer.
a carreira analitica em Viena e parte para a Espanha, unindo-se
as Brigadap Internacionais. que lutam em favor dos rcpublicanos. A
\it&-ia do franquismo e o a v a n p nazista a levam a exilar-se
em Bueuos Aires (1942). ENRIQUE PICHON-RI\.I~:RC. Simpatizante do
anarquismo, apbia, nos anos 1930-1940, refugiados da Guerra Civil
espanhola. Como analista, remodela o kleinismo hegem6nico na APA:
incorporando novas referencias (rnarxismo, Lewin, Mead e
Bachelard), passa da Psican& i Psicologia Social. EDL \NO P A V
I , ~ \KI e, alem de pwana- hsta, ator e teatrologo sua peqa
Sen& Gahnder, do mcio dos anos 1970, explora a ps~colog~a dos
torturadores E tambem um do2 introdutores do Psicodrama na Argentma
Ehiruo RODRI(.IJI? se torna, em 1955, um dos fundadores da AAPPG
(Associa~Bo Argentina de Psicologia e Psicoterapla de Grupo). Vive
nos EUA entre 1958 e 1962, quando atua na Clinica Austen Riggs
(Stockbridge, Massachussetts) - experihcia acerca da qua1 publica
Bzogfaja de una Comulzldad Teraph6ca (1 965), de grande repercuss50
nos rnovlmentos renovadores em saide mental. 0 retorno a Buenos
Aires inaugura uma via de produ~Bo litedria, incluindo
Plenzpotencias - coletanea de ficqBo cientifica e Herolna - novela
posteriorrnente transformada em iilme. Vive
desde 1974 no Urasil (Salvador).
de Janeiro sera necessirio aguardar alguns anos, levando-se em
conta certas debsagens politicas: enquanto a Argentina vive um
periodo de lutas ~lacionais-f~opularcs c/ou rc\ducionarias (1 969-
1973), o Brasil esta mergulhado no "milagroso" periodo dos anos de
chumho; quando a Argentina ingrcssa no prenuncio (1 974) c
dcscncadcamcnto (1976) do (;OI,IT ~ I I I . I I . . \ I< , em
nosso pais sc inicia a distensiio "lcnta, gradual" c
principalrncntc "scgura" do Govcrno Gciscl ( 1 974- 1979). Scrldo
assini, a partir tlc mcxlos da dkada dc 1970 conicqa a chcgar ao
13rasil umn "s(xplda geraq20" de psicarlalistas argcntinos.
Trata-sc, nrste caso, dc csilio, por moti\m politicos, dc agcntes
ligados ?I 'revoluqllo' (ao rncnos no campo 'psi'), destacantlo-sc.
os mcmhros c aliados do Plat~/il.mcr .ill;qnlino.
A trajcthria dcstc grupo corncqa em 1969, ano do " ( : o ~ ~ ) o
~ ~ . \ z ~ o " . Em jullio, Armando Baulco c Hcrnan Kcssclnian,
cardi- datos ern formaqiio analitica ria Al'A, durantc o XXVI
Co~lgrcsso Intcrnacional da 1P.A (Roma), participam de urn
congrcsso paralclo clue cria Plat@ma Inrrt~~nncional corljunto de
agentes contcstadorcs do clitismo da rormaqiio analitica c dos
compromissos hurgucses da Psicandisc. I)c volta a l3uenos Aires,
incentivarn a criaqXo do l'latafomu Argentina, recebendo apoio niio
sb dc outros canclidatos, como de fundadorcs da A1'A ligados a
lutas liberthrias - MAKII:, L,\N(;I:R (1 9 10- 1987) e ENRIQCE P I
( : H ~ N - R I \ I I < K I : (1 907- 1977) - c de psicanalistas
sensiveis as novas aspirac;ks em funqiio de experiencias culturais
ou politicas, como E r ) u , ~ ~ u o l ' . \v~ .o \~s t i~ . ( 1
933- ) c Enlir.ro R ~ D I W L T (1923- ).
-
Nova reuniiio de Platay%rma Internaczonal tem lugar durante o
XXVII Congresso Internacional da IPA (Viena) e, cerca de quatro
mew7 mdis tarde, a 4 de novembro de 197 1, todos os membros do PIAI
\FORM \ AKLLU I INO rcnunciam B APA (e conseqiientemente a IPA)
atravts de uma declaraqiio publica que denun- cia a ideologia
hurguesa das institui@es psicana- liticas oficiais cm todos os
niveis - teorico, tkcnico, imwtigativo, didhtico e econ6mico. Uias
depois, renunciam os analistas ligados ao grupo Docu- mento, clue
rei\rindicavam a dcmocratizaqao intcrna da APA.
A partir da ruptura, os renuriciantes se vCrm cnvolvidos con1
amplos setorcs profissionais, rnobilizados pelas lutas politicas
quc sacodem o pais e suas articula@cs con1 as prriticas 'psi'.
A
S5o dezoito os integrantes do PIATA- FORMA ARGENTINO quando da
ruptura: Marie Langer, Gilberte Royer de Garcia Reinoso, Diego
Garcia Reinoso e Ernilio RodriguC (didatas); Eduardo Pavlovsky
(titular); Armando Bauleo, Hernin Kesselman e Jos6 Rafael Paz
(associados); Lea Nuss de Bigliani, Fany Barernblitt de Salzberg,
Gregorio Baremblitt, Guillerrno Bigliani, Manuel Braslavsk~ Luis
Maria Esmerado, AndrCs Gallegos, hli,~iguel Matrajt, Guido Xaniacz
e Juan Carlos Volnovirh (candidatos). Lmbora Pichon-Rivihre e
Bleger fbssem 04 lideres tchrico-politicos do grupo,
permarieceram na APA.
regional Capital Federal da FA1' (Fedcraqiio Argentina dr
l'siquiatras) rcune-sr as associa@x dc psicdogos, clc assistentcs
sociais c clc psicopedagogos, constituindo unia frentc. sindical
conjunta, a (hordcnadoria de 'Trahalliadorcs em Saudc hlcntal
(CTShI), no interior da qua1 6 criaclo o Centro cle Doctncia e
Invcstigaq~Zo (CDI) organismo cpr, corn ampla participaq%o de
Plataforma c Documcnto, passa a ofkrcccr fbrmaqiio aos agora
"trahalhadores dc saude mental", sem distinq6es corporativas.
As lutas estudantis e opcrhrias dos anos 1960 c 1970 obGm o
rrtorno B democracia. A vitbria (1973) do peronista Hector
Crirnpora 6 scguicla por sua rcnuncia e noL70 proccsso eleitoral,
trazcndo o general .JLI.IK D o a 1 1 u ; o P I x O ~ dc volta ii
prcsidtncia da Argentina. Pordrn logo crcscem os enfi-entamentos
entre tcndtncias c o general JUAN UOMINGO desencadcia violenta
pcrseguiq2o aos Montoneros c h P E R ~ N (1895-1974) presidiu a
Argentina de 1946 sJuventudc Peronistagrupos esqucrdistas em grandc
a 1955. Deposto por um g o ~ p ~ parte responsiveis par scu retorno
, hem coma is m i l k viu-se ohrigado a0 exilio. At6 1973, embora o
peronismo agrupaqGes de cscluerda nk-peronistas. constituisse
inegivel forqa politica - a
A ~ ( ) ~ [alccimento de peron, as "medidas
prindpioapenasnomundooperario e, a partir dos anos 1960, tambem
anti-subversivas" que este decretara G o aplicadas, e,tre
intelectuais ,=studantes -, inclusive, i s Universidades e outros
setores de esteve oficialmente banido
do cenario eleitoral. trabalhadores intelectuais, com explicita
participaqgo da Xple il (Alianqa Anticomunista Argentina). Assim,
ao final dc 1975, a policia invade a sede do CDI c aprisiona
\:ririos alums c professorcs. Tamhtm a EPFSO (Escola de Psicologia
Freudiana c Socioandise),
549
-
organiza~2o que ja incorporava as idkias da A1 francesa, recebe
ameaqas e i: forpda a fechar as portas. Diante deste pesadelo,
muitos $20 or participantes de Plataforma, do CDI e da EPFSO, hem
como dos movimentos dc renovaqso desenvolvidos via cAtedras
univcrsitarias, hospitais psiquiatricos e sen~iqos dc psiquiatria
em hospitais gerais a deixar as pressas o pais ante5 mesmo do golpe
militar, Rodripk se exila em Salvador (Bahia) c Langer nd cidade do
M', ' LXICO.
No Brad, i: intensa a mobilizaq5o pela redemocratizaq2o a partir
da segunda metade dos anos 1970: os "novos movimentos sociais"
trazem a cena n2o s6 atores politicos originais - sindicalismo
autbnomo, comunidades eclesiais dc base, movimentos de bairro,
comitk pela anistia (Sader, 1988)
como novos personagens profissionais, dispostos a destronar
fipras ditatoriais em multiplos Ambitos - o psicanalitico,
inclusike.
Em marqo de 1977 chega ao Rio de Janeiro Grcgorio Baremblitt,
criador da EPFSO, integrante de Plataforma e do CDI. Em funq2o
dessas experitncias institucionais i. convidado, juntamente com
Chaim Katz, a se unir ao "Grup50n - cerca de 50 pessoas, de
diversas catcgorias profissionais, que pretendem criar uma
instiincia formativa livre dojugo da IPA. As reuni6es Go permeadas
de conflitos e, emjaneiro de 1978, o "GrupZo" esta reduzido a 14
pessoas, que fundam o NEFF (Nucleo de Estudos e Formaq2o
Freudiana), onde Baremblitt e Katz ministram aulas durante algum
tempo. Pouco depois, ambos se retiram para fundar o IBRAPSI
(Instituto Brasileiro de PsicanAlise, Grupos e Institui@es).
O novo 6rgZo formativo nasce em maio de 1978, na forma de
propriedade privada, tendo Luiz Fernando de Mello Campos, cujo
percurso estava ligado A APPIA (Associa$io de Psiquiatria e
Psicologia da Infiincia
e da AdolescCncia), como tercciro s6cio. Vem pela primeira A s s
o c i a c ; l o vez a public0 atravks de um evento realizado no
Hotel
interdisciplinar fun- dada em 1972, ligada B Copacabana Palace,
de 19 a 22 de outubro de 1978: o I
ASAPPIA (Associar$o Ar- Simpdsio Internaczonal de Psicandise,
Grupo5 e In\tztuzgk r. "Com gentina de Psiquiatnae Psico-
logia da Inf'ancia e da certeza esta foi a vez em que se reuniu
o maior numero Adolescencia). de estrelas da psicologia,
psicanalisc e psiquiatria desta
parte do planeta" - d i ~ ent2o Carlos Ralph ( 1 978: 33), nn
rcvista Rddice. No cntanto, as "eslrela," internacionais
presentes
E ~ ~ ~ r n c Gokkn~.\r\ (1922-1 9W), HOU,\KI) BI,(:KI,R ( 1
928- ), ' ~ ' H o ~ I A \ S/ 251
ERVIN(; GOFF?LLW. Soci610go adcpto da perspectiva do
Interacionismo Simbblico, autor de A!ylunu. (lSlil), editado no
Brad
com o titulo Manirdrnior, pn&r e ecncentos (I$ capitulo
27).
-
(1 920- ), ROHERI. CASTEL (1933- ), SHEKE HITI: (1 943- ),
Basaglia, Guattari e Rodrig.uk , pelas caracteristicas de suas
produqGes, apontam para o aspecto "cadente" do $mbito
psicol6gco-psiquiAtrico-psicaIlatico, foco de scveros
questionamentos teoricos, tbcnicos e institucionais.
HOWARD B