JOELMA MONTEIRO DE CARVALHO
SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS SOB O
OLHAR DO TURISMO ÉTNICO
BALNEÁRIO CAMBORIÚ (SC)
2020
UNIVALI
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ Vice-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Turismo e Hotelaria - PPGTH
Curso de Doutorado em Turismo e Hotelaria
JOELMA MONTEIRO DE CARVALHO
SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS SOB
O OLHAR DO TURISMO ÉTNICO
Tese apresentada ao colegiado do PPGTH
como requisito parcial à obtenção do grau de
Doutor em Turismo e Hotelaria – área de
concentração: Planejamento e Gestão do
Turismo e da Hotelaria – (Linha de Pesquisa:
Planejamento do Destino Turístico).
Orientador: Prof. Dr. Luciano Torres
Tricárico.
Coorientadora: Profa. Dra. Solange Pereira do
Nascimento.
BALNEÁRIO CAMBORIÚ (SC)
2020
UNIVALI
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ Vice-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Turismo e Hotelaria - PPGTH
Curso de Doutorado em Turismo e Hotelaria
CERTIFICADO DE APROVAÇÃO
JOELMA MONTEIRO DE CARVALHO
SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS SOB O OLHAR
DO TURISMO ÉTNICO
Tese avaliada e aprovada pela Comissão
Examinadora e referendada pelo Colegiado do
PPGTH como requisito parcial à obtenção do
grau de Doutor em Turismo e Hotelaria.
Balneário de Camboriú, 30 de novembro de 2020.
Membros da Comissão:
Presidente:
Dr. Luciano Torres Tricárico (UNIVALI)
Membro Externo
Dra. Solange Pereira do Nascimento (UEA)
Membro Externo
Dra. Cláudia Marinho Wanderley (UNICAMP/SP)
Membro Interno
Dr. Francisco Antonio dos Anjos (UNIVALI)
Membro Interno
Dr. Luiz Carlos da Silva Flores (UNIVALI)
AGRADECIMENTOS
O poeta João Cabral de Melo Neto, ao escrever o poema “Tecendo Amanhã”, já
preconizou que “o galo sozinho não tece o amanhã”, nessa direção, da mesma forma, o homem
precisa de outro homem para tecer o amanhã. O percurso desse estudo de doutorado não pode
ser resumido apenas a uma trajetória do campo de pesquisa. Ele se constrói por percurso
individual, social e espiritual.
Assim, pelos encantamentos da floresta Amazônica e pelos segredos dos fiordes da
Noruega, agradeço arduamente, a gratidão por todas as pessoas e instituições que contribuíram
para que o resultado que aqui se apresenta fosse plausível. Mesmo correndo o risco de ser
injusta, ao não elencar todos os nomes dos que de alguma maneira contribuíram para que eu
seguisse nessa empreitada.
A seguir, destacaremos aqueles que diretamente nos deram apoio nesses anos de
aprendizagens.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo
fomento por consolidar iniciativas de fortalecimento ao DINTER.
Reitor da Universidade do Estado do Amazonas/ UEA, professor Dr. Cleinaldo de
Almeida Costa pela coragem e determinação em promover o DINTER, com a Universidade do
Vale do Itajaí-UNIVALI, em prol do desenvolvimento profissional, acadêmico e científico para
o Estado do Amazonas.
À Universidade do Vale do Itajaí-UNIVALI representada pelos professores de
excelência e de inovação, os quais foram responsáveis pelo compartilhamento dos
conhecimentos.
À Universidade de Tromsø pelo acolhimento e encaminhamentos acadêmicos (UIT).
À Embaixada da Noruega em Brasília, na pessoa do senhor Kristian Bengtson,
coordenador do Programa de Apoio aos Povos Indígenas, pela habilidade de ouvir, trocar as
experiências e os devidos encaminhamentos.
Ao Centro de Estudos Sámisk, em Tromsø/Noruega, na pessoa do Dr. Torjer Andreas
Olsen (UIT) e toda a sua equipe do Centro Sámi.
À secretaria de Estado da Educação e Qualidade do Ensino do Amazonas pela
sensibilidade em compreender que é necessário fazer ciência para o desenvolvimento da
Amazônia.
A Coordenadora dos Cursos de Gastronomia e Turismo e Hotelaria Prof.ª Célia Denise
Uller pelo apoio e incentivo, durante o Estágio Doutoral.
Aos coordenadores do DINTER/ Professor Dr. Francisco Antônio dos Anjos
(UNIVALI), Professora Dra. Selma Batista e Dra. Edilza Laray de Jesus (UEA) por acreditar
na inovação científica para o Estado do Amazonas, num diálogo do Norte com o Sul do Brasil.
Ao professor Dr. Luciano Torres Tricárico, meu grande tuxaua, pelos momentos de
orientações, na condução dessa tese.
A minha coorientadora professora Dra. Solange Pereira do Nascimento, a mestra xamã,
que nos empoderou para os achados científicos, além de líder do grupo de Pesquisa Mythos
(UEA). Obrigada por todos os aconselhamentos.
A professora Dra. Dra. Cláudia Marinho Wanderley e aos professores Dr. Luiz Carlos
da Silva Flores e Dr. Francisco Antônio dos Anjos que além de aceitarem o convite para
participar da banca, apresentaram valiosas contribuições no exame de qualificação.
A diretora da Escola Superior de Tecnologia/UEA, professora Mestre Ingrid Gadelha,
pelo apoio, incentivo e compreensão.
À senhora Wilqui Dias e esposo Egil Lundstedt, pela atenção, explicação e entrevistas
cedidas durante a estadia em Tromsø.
A Senhora Unni Lundstedt e família por ceder tão valiosas entrevistas, narrando
histórias sagradas do povo Sámi com as vestes Kolt e Gákti. Momentos de muitas emoções.
A senhora Trine Marit e esposo por abrir sua comunidade Sámi e acreditar em nossos
estudos participando dos rituais de acolhida regado ao prato típico, bidos de carne de rena,
sonorizado pelo yoik.
Ao senhor André Bonotto, fotógrafo e agente de turismo pelas lives em plena pandemia,
direto do campo Sámi. À Sra. Vanessa Jensen e a Sra. Susanne Normann em proporcionar
momentos dialógicos em Tromsø e Oslo-Noruega. Ao casal Sámi por me receber, uma
estrangeira da Amazônia.
Ao meu xamã esposo Waldemir Lima de Carvalho e aos meus pontos cardeais da base
matrimonial: Diego Monteiro de Carvalho, Bruno Monteiro de Carvalho e Agnes Monteiro de
Carvalho pelo total apoio, ensinamentos e caminhadas com as respectivas famílias.
Ao casal Diego (filho) e Lilian (nora) pelo presente da minha primeira neta. Ela vai
chegar e fazer parte do empoderamento feminino. À Bebel, minha preciosa neta canina, que
ama, sente e expressa seus sentimentos, pelos momentos de guarda.
A minha raiz ancestral, inesquecível e eterna professora, minha mãe Maria da Conceição
do Carmo Monteiro e pai Jorge Monteiro, in – memoriam. Obrigada pelo dom da vida e pelos
ensinamentos tão preciosos.
A minha constelação de irmão Joelson, Joseane, Nagib Jorge, Josué, Júlio, Jadson,
Carlos Fabrício, Zenilson e respectivas famílias pelos mimos que supriram meus desejos.
À estimada sogra Benedita Lima de Carvalho, minha Aurora Boreal, aquela que ilumina,
pelas infinitas orações intencionadas ao meu trajeto.
Aos sete cunhados, em especial Waldemar Lima de Carvalho e Shirley Lima de
Carvalho e família, pelo acolhimento e apoio em Balneário de Camboriú e em Gaspar - Santa
Catarina/SC.
Ao casal de amigos, em Balneário, Corina Ramos e família pelo almoço literário,
encorajamento e sessão de harmonia plena com Jin Shin Jyutsu.
À minha parceira e amiga das incursões nos territórios étnicos, dona de um coração
melancólico e apaziguador, Daniele Marian Araújo, amiga sonhadora com os mesmos ideais.
Obrigada por compartilhar momentos tão especiais.
Ao colega Francisco Irapuã, heroico e persistente, gratidão pelos trocadilhos e
momentos filosóficos do café nos corredores da Univali, foram muitas aprendizagens.
À querida aguerrida, Cláudia Menezes Martins pelas degustações gastronômicas desde
o peixe tainha até ao sanduiche x-caboquinho, enfim, recheadas de um bom papo e fé.
Aos demais colegas do DINTER, pelos momentos de aprendizagens, divertimentos,
apoio, incentivo e solidariedade durante o período do doutoramento.
À estimada professora Dra. Francisca Moraes pelo apoio e compreensão desde o início
dessa fase, promulgando sábias palavras guiadoras.
Ao amigo querido William Sandes, nosso Thor, por se dispor em viajar, do Rio de
Janeiro até Balneário de Camboriú para momentos memoráveis e aventureiros.
À imensa generosidade do casal amigo Francisco Máximo Gomes e Eliana de Almeida
Monteiro pelo olhar acadêmico nos dias do café literário.
Aos colegas de trabalho da UEA/ EST, na pessoa da professora Mestra Rejane Gomes
Ferreira, coordenadora do curso de Engenharia de Produção, pelos livros e parcerias nos
projetos.
À querida amiga professora Mestra Nadja Polyana Cabete pelos momentos de diálogos
sobre ciência na Amazônia.
A minha amiga professora Mestra Margarida Liliane de Sá Brito pelas vibrações e trocas
de saberes na trajetória profissional.
Aos professores Mestre Rodrigo Teixeira e Francisco Gomes pela confiança no
compartilhamento dos acervos bibliográficos.
Ao povo Sateré representados pelo tuxaua Pedro Ramãw, esposa Yrá Ticuna e família
da comunidade Inhãa-bé, pelos saberes compartilhados nas rodadas do sakpo.
À tuxaua Midian Silva, ao pajé Sahu, ao professor João e toda sua esquipe da
Comunidade Sahu-Apé, pelos momentos de conhecimentos e de cura espiritual na kunã.
Ao Trovão (Huru-huru’é) Rucian da Silva Vilácio, e Regina Vilácio da Associação de
Mulheres Indígenas Sateré-Mawé – AMISM, pelos projetos idealizados em prol da nação.
À queridíssima Vanessa Damasceno minha designe gráfica e companheira de projetos
em prol dos Sateré-Mawé e Sámi.
Aos artistas e ex-aluno do curso de Licenciatura Plena em Computação Hector Lucas
Cavalcante de Souza Rocha (EST/UEA), Eliandro Tavares, Josinaldo Matos (Artistas
parintinenses) e ao professor Bruno Eduardo Rosas Marcílio pelas generosas traduções.
Aos espíritos da floresta pela calmaria, saúde e perseverança na condução dessa
ritualística, plainando sob as profundas bençãos de tupana. Obrigada por permitir acesso ao
xamanismo urbano.
Aos profissionais de saúde que foram incansáveis no combate à pandemia,
representados pelos médicos Dr. Diego Monteiro de Carvalho, Dr. Bruno Monteiro de Carvalho
e Dra. Paula de Carvalho. Que Deus possa dar-lhes muita saúde e sabedoria na profissão.
A Deus, por tudo isso, nessa fase limiar da minha vida acadêmica, tão árdua e sonhada.
Obrigada por manter acessa a minha fé. Por nos livrar da COVID-19, que assolou o mundo,
dando-nos esperança a não desistir. E assim, com a permissão dos deuses, continuo tecendo o
Amanhã...
EPÍGRAFE
Artigo I. “Fica decretado que agora vale a verdade. Agora
vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida
verdadeira”.
(Thiago de Mello)
RESUMO
Este estudo tem como objetivo analisar os signos identitários da cultura dos povos indígenas
Sateré-Mawé (Amazonas – Brasil) e do povo Sámi (Tromsø – Noruega), a partir da complexa
relação simbólica que os une, nas práticas ritualísticas, como possíveis contribuições para o
turismo étnico. Esses elementos da ritualização são manifestados no mito, nas formas e modos
de organização dentro do contexto histórico e cultural desses povos. A pesquisa levantou os
traços simbólicos empregados nessas duas culturas, como forma de comunicação com seus
espíritos e seus antepassados. Saber quais os meios que mantém viva a cultura, como tradição
cultural para ambos os povos. Como são realizadas as cerimônias, a organização política, social
e cultural, dentro das comunidades indígenas e não indígenas. O estudo atende a uma
perspectiva metodológica e teórica de cunho descritivo, exploratório tendo por base a dialógica,
sugerida por Edgar Morin, que nos permitiu tecer uma rede de conversa com outros saberes, de
abordagem etnográfica, a partir de estudos de caso. Pretendemos analisar os signos que são
atrativos para o turismo étnico, bem como o convívio social em contextos contemporâneos. A
coleta dos dados se deu em duas fases. Na primeira fase foi realizada uma pesquisa
bibliográfica, nas plataformas de Bases de dados Ebsco host, Scielo, dentre outras, para
respaldo do embasamento teórico. A segunda fase, o lócus da pesquisa se deu nas comunidades
I’nhãa-bé e Sahu-Apé, com 15 participantes, na faixa etária de 18 a 80 anos e com 15 pessoas
do povo Sámi, localizados em área metropolitana da cidade de Manaus e de Tromsø/ Noruega,
respectivamente. Buscamos saber sobre os signos identitários entre os dois povos, as
características históricas-culturais e suas representações simbólicas à luz da etnografia, da
semiótica, como indutores para o turismo étnico, enquanto forma de fortalecimentos da cultura
e da sobrevivência, em contextos contemporâneos. O material coletado foi interpretado a partir
do marco teórico adotado, em que utilizamos a análise de conteúdo. Utilizamos também,
narrativas do mito de origem, fotos, cantos, danças, rituais e comemorações para a compreensão
dos povos participantes. Assim, a comparação desvelou a diversidade das práticas culturais que
existe entre os povos Sateré-Mawé (Amazonas- Brasil) e o povo Sámi (Noruega - Europa), e as
possibilidades de atração para o desenvolvimento do turismo étnico. Logo, os principais
resultados poderão desvelar para a possibilidade do turismo étnico, que possibilitará a melhoria
de vida para os que vivem em áreas metropolitanas de Manaus e Tromsø. Desta forma,
destacamos que os signos indenitários descritos, são potencializadores para um turismo étnico,
com foco do desenvolvimento sustentável; acenam que a cosmologia indígena está ancorada no
ambiente natural da floresta, como meios de sobrevivência. Nessa direção, sugerimos para a
necessidade para salvaguardar o patrimônio material e imaterial dos indígenas das regiões em
estudo.
Palavras- Chave: Turismo étnico; semiótica; ritualização; indígenas; metropolitana
ABSTRACT
This study aims to analyse the identity signs of the culture of the indigenous peoples Sateré-
Mawé (Amazonas - Brazil) and Sámi (Tromsø - Norway), based on the complex symbolic
relationship that unites them in ritualistic practices, as possible contributions to ethnic. These
elements of ritualization are manifested in myth, in the forms and modes of organization within
the historical and cultural context of these peoples. The research raised the symbolic traits used
in these two cultures, as a way of communication with their spirits and their ancestors. We seek
to identify which means keep the culture alive as a cultural tradition for both peoples and how
ceremonies, political, social and cultural organization are carried out within indigenous and
non-indigenous communities. The study serves a methodological and theoretical perspective of
a descriptive and exploratory nature, based on the dialogic, suggested by Edgar Morin, which
allowed us to weave a network of conversation with other knowledge of ethnographic approach,
through case studies. We analyse the signs that are attractive for ethnic tourism, as well as social
interaction in contemporary contexts. The data collection was performed in two phases. In the
first, we conducted a bibliographic search on Business Source Complete (EBSCOhost) and
Scielo platforms, among the others, in order to support the theoretical basis. The second phase
consisted of field research in two communities in the metropolitan area of the city of Manaus,
I'nhãa-bé, Sahu-Apé, with 15 participants, aged 18 to 80 years, and in the city of Tromsø,
Norway, where 15 natives of the Sámi people participated, respectively We seek to analyse the
identity signs between two peoples, the historical-cultural characteristics and their symbolic
representations in the light of ethnography, semiotics, as inducers for ethnic tourism, as a way
of strengthening culture and survival in contemporary contexts. The material collected was
interpreted from the theoretical framework adopted, for which we used Content Analysis. We
also used the narratives of the myth of origin, photos, songs, dances, rituals and celebrations to
understand the participating peoples. Thus, the comparison revealed the diversity of cultural
practices existing between the Sateré-Mawé peoples (Amazonas - Brazil) and the Sámi people
(Norway - Europe), as well as the possibilities of attraction for the development of ethnic
tourism. Therefore, the main results point to the ability of ethnic tourism to make life better for
those who live in the metropolitan areas of Manaus and Tromsø. Hence, we conclude that the
signs described are enhancers of ethnic tourism with a focus on sustainable development; they
point out that indigenous cosmology is anchored in the natural environment of the forest, as a
means of survival. In this sense, we highlight the need to safeguard the material and immaterial
heritage of the indigenous people in the regions under study.
Keywords: ethnic tourism, semiotics, ritualization, indigenous, metropolitan.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa de localização dos Sateré-Mawé migrantes para Manaus – Amazonas ........ 57
Figura 2: Imagem do mapa de localização da Comunidade I’nhãa-Bé................................... 60
Figura 3: Croqui da Comunidade I’nhãa-Bé ........................................................................... 61
Figura 4: Formação política e social da comunidade I'nhãa-Bé ............................................. 63
Figura 5: Mapa da localização da comunidade Sahu-Apé ...................................................... 64
Figura 6: Croqui dos espaços da Comunidade Sahu-Apé ....................................................... 65
Figura 7: Família Sahu-Apé .................................................................................................... 68
Figura 8: Mapa da localização da Capital da Noruega e a cidade de Tromsø ........................ 76
Figura 9: Calendário anual: estações do ano ........................................................................... 77
Figura 10: Embarcação Sámi .................................................................................................. 78
Figura 11: Buzina - objeto musical ....................................................................................... 103
Figura 12: Mosaico toco da árvore envireira e luva com Tucandeiras ................................. 109
Figura 13: Signo Sateré-Mawé: patawi ................................................................................. 115
Figura 14: Waraná (guaraná)................................................................................................. 116
Figura 15: Modelo de tambor com elementos rúnicos .......................................................... 119
Figura 16: Tambor Sámi Norte ............................................................................................. 120
Figura 17: Signos em vestuários ........................................................................................... 126
Figura 18: Artesanatos identitários ....................................................................................... 127
Figura 19: Mosaico do preparo da formiga Tucandeira antes do Ritual ............................... 132
Figura 20: Artesanato preparados para o turismo ................................................................. 133
Figura 21: Objetos nativos: Sámi e Sateré ............................................................................ 134
Figura 22: Etnoespaço: organização política na grande maloca do Ritual ........................... 142
Figura 23: Fortalecimento da Tradição ................................................................................. 143
Figura 24: Mosaico de signos identitários Sateré-Mawé ...................................................... 158
Figura 25: Aurora boreal e Aplicativo forecast3d ................................................................. 160
Figura 26: Lavvu (externo e interno) .................................................................................... 162
Figura 27: Turista alimentando renas .................................................................................... 164
Figura 28: Marcador da cultura em banheiro de Shopping ................................................... 165
Figura 29: Desenho de uma criança Sámi ............................................................................. 166
Figura 30: Bandeira Sámi ...................................................................................................... 167
Figura 31: Elementos intersectivos entre os povos Sateré-Mawé e Sámi ............................. 176
Figura 32: Patawi elemento de união entre os povos ............................................................ 180
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Relação triádica ...................................................................................................... 83
Quadro 2: Literatura internacional: outros termos relacionados aos temas ritual indígena e
turismo étnico. .......................................................................................................................... 90
Quadro 3: Etnocircuito do ritual no turismo criativo na comunidade Sahu-Apé.................. 151
Quadro 4: Etnocircuito do ritual no turismo criativo na comunidade I’nhãa-Bé.................. 152
Quadro 5: Etnocircuito do ritual o turismo criativo do povo Sámi ....................................... 154
Quadro 6: Indutor turístico – Sateré-Mawé .......................................................................... 156
Quadro 7: Investimentos no turismo de experiência em Tromsø ......................................... 159
Quadro 8: Interpretação das narrativas ................................................................................. 169
Quadro 9: Análise dos signos em Sámi ................................................................................ 171
Quadro 10-Análise dos signos em Sateré-Mawé. ................................................................. 172
Quadro 11: Interconexão para os dois povos para o turismo étnico ..................................... 177
TABELAS
Tabela 1: Literatura internacional sobre ritual indígena, turismo étnico, do povo Sámi e povo
Sateré-Mawé ............................................................................................................................. 89
Tabela 2: Estações do ano e fenômenos atrativos ................................................................. 147
Tabela 3: Classificação dos equipamentos turísticos ............................................................ 173
Tabela 4: Classificação das Instalações ................................................................................. 174
LISTA DE ABREVIATURAS
AMISM- Associação de Mulheres Indígenas Sateré-Mawé
APIB-Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
CGTSM Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé
CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEP- Comitê de Ética em Pesquisa
CONEP- Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
CNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
DSEI- Distritos Sanitários Especiais Indígenas
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FEPI- Fundação Estadual dos Povos Indígenas
FAPEAM- Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas
FEI- Fundação Estadual do índio
FUNAI - Fundação Nacional do Índio
IFHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IG - Indicação Geográfica
INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial
ISA- Instituto Sócio Ambiental
Kr- Coroa Norueguesa
MEC- Ministério da Educação
ODS- Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
OMS- Organização Mundial da Saúde
OMT- Organização Mundial do Turismo
OIT- Organização Internacional do Trabalho é uma agência multilateral da Organização das
Nações Unidas
PPGTH- Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hotelaria
SEDUC- Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de Ensino do Amazonas
SEBRAE- Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SIASI-Sistema de Informação da Saúde Indígena
SESAI -Secretaria Especial de Saúde Indígena
SPC - Conselho Parlamento Sámi
SPI- Serviço de Proteção ao índio
TCLE- Termo de Consentimento Livre Esclarecido
TI- Terra Indígena
UEA- Universidade do Estado do Amazonas
UNICAMP- Universidade Estadual de Campinas
UNESCO- Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNIVALI- Universidade Vale do Itajaí
MINHAS ENTRÂNCIAS VIVIDAS NA AMAZÔNIA PROFUNDA
As reminiscências me encontram no ponto que marca a trajetória desta pesquisa.
Momentos que revelam minha história de vida como um caldeirão de narrativas em que
transbordam os tempos passados. Minha viagem de memórias começa numa embarcação que
segue entre os rios Amazonas e Tapajós, margeados por terras caídas. Em 1967, em frente à
cidade de Santarém, no Estado do Pará, nascia esta pesquisadora, pelas mãos de uma parteira e
sobre os verdes águas que banham minha terra natal.
Neta de indígena paterna pertencente ao povo Tapuia, cresci vivenciando as narrativas
e hábitos ancestrais de meus avós e de meus pais, Jorge Monteiro e Maria da Conceição do
Carmo Monteiro, in memoriam, aos quais devo todas as conquistas e aprendizados adquiridos
ao longo da minha trajetória de vida.
Primogênita de nove irmãos, filha de pai pescador, juticultor, semianalfabeto, fui
alfabetizada e letrada por minha mãe, professora primária de uma escola da área rural. Morei e
estudei até aos 8 anos de idade na área rural, em uma pequena vila de moradores chamada
Cacoal Grande, Monte Alegre (PA), área de pesquisa da EMBRAPA, onde meus pais
trabalhavam.
Morávamos em área de várzea cuja moradia era uma cabana de assoalho em madeira,
preparada para as enchentes amazônicas. Foram tempos de felicidade, de paz e de harmonia,
porém superação, uma vez que meus tinham que enfrentar inúmeros obstáculos para alimentar
e educar a mim e aos meus irmãos.
A cabana aconchegante, bem organizada, abrigava os nove filhos e possuía duas
divisórias: uma para nossos pais e outra para nós. Os alimentos, como o açaí, o muruci, o
tucumã, o jenipapo e o tarubá eram sempre retirados da natureza, dos lagos, dos rios e da terra.
Os cuidados e a atenção básica com a saúde chegavam por via fluvial, às margens dos barrancos
de terras caídas do rio Amazonas, pela corveta da Marinha do Brasil.
Na comunidade de Cacoal Grande, a vida religiosa era forte, movida pelo catolicismo.
Aos domingos, íamos à pequena capela onde fui batizada, tendo como padrinhos o amável casal
Bianor Romildo de Souza Pessoa e Maria do Perpétuo Socorro Araújo Pessoa, in memoriam.
As famílias se reuniam e, entre as orações em latim ensinadas pelos missionários, louvava-se a
Deus. Todos os ritos do catolicismo eram seguidos e levados às famílias em procissões e em
orações pela única ruela do vilarejo.
Aos nove anos de idade, mudei-me para o município de Santarém, a fim de cursar a
segunda série do ensino primário. Lá, iniciei a nova etapa de estudos na Escola Estadual Madre
Imaculada e permaneci nessa instituição até concluir o ensino fundamental. Já na área urbana,
morei na casa de parentes e de meu padrinho. Nesse meio tempo, realizei trabalhos domésticos
até os 11 anos de idade, para garantir os estudos.
Aos 15 anos, nas asas dos meus pais, cursei o magistério no Colégio Estadual Professor
Álvaro Adolfo da Silveira. Em 1993, ingressei no curso de Licenciatura Plena em Letras –
Língua Portuguesa –, da Universidade Federal do Pará (UFPA), tendo como Trabalho de
Conclusão de Curso a monografia: “A mulher indígena na obra Iracema de José de Alencar e a
mulher indígena da atualidade”, pesquisa realizada em Parintins com as mulheres indígenas
Sateré-Mawé.
Como a indígena guerreira de José de Alencar, fui em busca de novos desafios. Mudei
para o município de Parintins (Amazonas) em 1994, já casada e com dois filhos: Diego
Monteiro de Carvalho e Bruno Monteiro de Carvalho, atualmente formados em medicina.
Naquele período, procurei emprego e qualificação profissional, conseguindo com esforço
iniciar minha carreira como professora na Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de
Ensino do Amazonas (SEDUC – AM) e na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), como
servidora pública estatutária. Em 2001, nasceu a minha filha, Agnes Monteiro de Carvalho, a
pequena dos lábios de mel. No ano de 2009, retornei para Manaus, onde estabeleci residência
e vivo até hoje.
Em 2012, fui selecionada em edital específico da Universidade Federal São Joao Del
Rei, para cursar a segunda Pós-graduação em extensão universitária, junto a outros 32
professores de universidades comunitárias, municipais, estaduais e federais. Os resultados
foram apresentados no dia 23 de agosto, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), em Belo
Horizonte (MG). O projeto foi um dos contemplados pelo Programa de Apoio à Participação
em Eventos Científicos e Tecnológicos (Pape), iniciativa do Governo do Estado, via Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).
Em 2013, ingressei no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Letras e Artes da
Universidade do Estado do Amazonas, na Escola Superior de Artes e Turismo (ESAT), com o
intuito de conhecer outras culturas e aprofundar conhecimentos para futuras pesquisas. Nesse
mesmo ano, participei do Congreso Extensión y Sociedad, realizado na Universidade de La
República de Montevidéu (Uruguai), no qual tive a oportunidade de apresentar um estudo
intitulado “Extensão Universitária da Universidade do Estado do Amazonas: um panorama no
período de 2011 a 2013, desafios e conquistas dos municípios de Parintins e Tabatinga”. Na
ocasião, pude conhecer o Museu de Arte Pré-colombiana e Indígena (MAPI), e tive contato
com a cultura, as crenças, a tecnologia e os costumes dos povos que já habitaram o Uruguai e
outras regiões ao redor, inclusive brasileiras.
Em 2013 e 2017 participei, do Congresso Internacional sobre Culturas: Interfaces
da Lusofonia, realizado na Universidade do Minho, Portugal, cidade de Braga. Levantamo-
nos breve estudo sobre a diversidade cultural da humanidade no museu da cidade e na
biblioteca da Universidade de Coimbra. Nesses espaços, foi possível compreender a
intencionalidade dos navegantes cronistas no Brasil e na Amazônia.
No mestrado, atuei na linha de pesquisa Linguística e etnolinguística, abordando a
temática Ritual Indígena da etnia Sateré-Mawé: língua, memória e tradição cultural. Nesse
curso, publiquei artigos em eventos nacionais e internacionais, e em revistas, como: a
“Amazonas Faz Ciência” (dezembro de 2014/2015) e na revista Thule (na Itália, em
2015/2016), dentre outras publicações.
Ainda na Itália, em 2015, ao participar do Congresso Internacional de Americanística,
a convite do professor Dr. Paride Bollettin, participei de mesa redonda sobre povos da
Amazônia. Durante minha estada, conheci o Museu Arqueológico Nacional da Úmbria, na
cidade de Perúgia, destinado a preservar um rico acervo de arte e arqueologia da região, datado
desde a pré-história até a era romana. O local abriga artefatos das civilizações umbros e dos
etruscos, de acordo com o perfil topográfico-cronológico, evidenciando o fecundo intercâmbio
entre as duas civilizações.
Outro ano marcante foi 2019, pois publiquei um livro, em formato e-book, intitulado
“Ritual de Passagem, das Terras Indígenas às áreas urbanas dos Sateré-Mawé”, pela editora
universitária da UEA. Na práxis docente, enquanto servidora da Seduc e da UEA, priorizei a
voz do estudante a partir de um olhar etnográfico e etnolinguístico, pois sempre trabalhei com
discentes advindos das áreas rurais: pescadores ribeirinhos, indígenas, dentre outros. Nesse
período, atuei nos municípios de Parintins, Barreirinha, Maués, Itacoatiara, Maraã, Nova Olinda
do Norte, Uarini, Japurá, Presidente Figueiredo, Manacapuru, Iranduba, Manicoré, Novo
Aripuanã, Itacoatiara, Autazes e Careiro, todos no estado do Amazonas.
No ambiente familiar, encontrei meu suporte para navegar pelos afluentes da pesquisa.
Sou vista pelo meu esposo e filhos como uma pessoa que veio de uma família humilde e que,
pelos estudos, busca incessantemente o crescimento profissional e, sobretudo, humano.
Nas linhas escritas pelo meu filho Bruno Monteiro de Carvalho (31), encontro minha
descrição: “Joia dos ourives Jorge Monteiro e Maria da Conceição. Do vermelho sangue
amazônico, sobre a madeira de Itaúba do pequeno Vera Cruz, nasceste acalentada pelos braços
azuis do Tapajós, em um pequeno barco, na imensidão do verde. Já chegaste desbravando o
mundo, calmamente avançando correntes, banzeiros e rebojos. Cercada por essa força de Gaia,
nunca te vi esmorecer, nem perder a fé. Tua fé é uma tocha inextinguível que ergues à tua frente,
espanta o escuro e aquece o coração. Abaixo dessa luz, nossa vida se enche de graça. E é por
toda essa graça que hoje agradecemos, por tua vida, teu amor e força”.
E assim, como a pororoca, fenômeno inquietador do rio Amazonas, continuo navegando
pelos braços dos rios e da floresta, levando comigo ervas de proteção e impulso aventureiro
singular, à procura das vivências do mundo, seja nos barrancos das terras caídas do rio
Amazonas, seja pelas encantadas terras geladas, cercadas pelos misteriosos fiordes do Polo
Ártico. Viajo, então, pelo temeroso calor Amazônico até as misteriosas placas de gelos do outro
lado do mundo. Nesse cenário, desemboco na mágica pesquisa em um universo multifacetado.
Após diversas experiências acadêmicas e pessoais com os povos indígenas, senti o
desejo de ingressar no doutorado e ampliar ainda mais esse horizonte que sempre me cercou.
Assim, em novembro de 2017, meu desejo se realizou por meio Programa de Doutorado
Institucional (DINTER), destacando a integração entre a Universidade do Vale do Itajaí
(Univali) e a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), atendendo a Lei n.º 3.656 de 01
de setembro de 2011, nos termos do artigo 34, item I, aliado às diretrizes do plano de
formação docente da UEA. No certame de seleção, apresentei o projeto de pesquisa e, após
um curto intervalo de tempo, veio a tão esperada aprovação para participar do Programa de
Pós-Graduação em Turismo e Hotelaria (PPGTH) da Univali. Era a oportunidade de
sistematizar toda a praxeologia acumulada ao longo dos anos de vivências, na vida pessoal e
acadêmica; era o momento de alçar novos voos até a tese.
Destaco que, na Amazônia, a falta de incentivo ao desenvolvimento de pesquisas
acadêmicas ainda é uma realidade, a escassez de oferta de cursos de Pós-Graduação strito
sensu persiste e se evidencia em muitas áreas. Por essa razão, muitos pesquisadores aguardam
novas ofertas por longo período ou até buscam seus estudos em outros estados do Brasil ou
no exterior. Atualmente, algumas parcerias vêm sendo feitas para diminuir essa lacuna, como
as realizadas entre as Instituições de Ensino Superior e o DINTER.
No tocante ao meu ingresso no curso de doutorado e no processo de desenvolvimento
de minha pesquisa, destaco primeiramente a disciplina Abordagens Epistemológicas para
Estudos no Turismo. Essa, por sua vez, me permitiu pensar além das ditas “caixinhas”, pois
a cada aula era possível refletir não somente sobre o espaço geográfico de atuação, mas
também sobre a forma global, universal.
Outras duas disciplinas possibilitaram o aprimoramento do objeto de estudo da
pesquisa. Foram elas: Marketing turístico, ministrada pelo professor Dr. Luiz Carlos Flores,
e Patrimônio cultural e turismo, conduzida pelo professor Dr. Luciano Torres Tricárico. Essas
fortaleceram a ideia de investigar os signos em rituais indígenas como atrativos para os
turistas entre os dois povos indígenas.
No campo do estágio docente, exigência do Ministério da Educação (MEC) e da
Coordenação de aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para os cursos em
formato de DINTER, reafirmamos o objeto da pesquisa. Nesse caso, a disciplina História e
Patrimônio na Gastronomia, ministrada pelos professores Dr. Marcel Oliveira e Claudia
Poffo, contribuiu de maneira grandiosa para isso. Toda essa compreensão nos exigiu
paciência para entender o que precisaria ser feito com as abordagens epistemológicas que
deveríamos trilhar. Os papeis do orientador (Dr. Luciano Torres Tricário) e da coorientadora
(Dra. Solange Pereira do Nascimento) foram essenciais para visualizar o que ainda estava
obscuro e precisava ser fortalecido.
Durante a disciplina Seminário de Tese, consegui a definitiva e necessária
organização do projeto de pesquisa acompanhado do orientador da Univali e da coorientadora
da UEA, os quais oportunizaram as sugestões que precisavam ser desveladas. Já na disciplina
Seminário de Grupo de Pesquisa II conclui a metodologia, como cumprimento do projeto de
tese, um momento tenso para todos os doutorandos em foi possível, no fim, cumprir as
orientações dos professores e dos orientadores.
Minha pesquisa aborda um tema emergente e complexo, voltado às questões indígenas.
Isso envolve uma teia de saberes que perpassam a cultura, o turismo, a literatura, a história, a
antropologia e a sociologia. Inicialmente, tracei o projeto a partir das abordagens do método
fenomenológico, com estratégias etnográficas e semióticas pelas quais tive a oportunidade de
realizar muitas leituras sobre a percepção dos saberes indígenas, no fortalecimento e na proteção
dos signos identitários importantes para os povos da floresta e sua contribuição para o turismo
étnico.
Entre a etapa de cumprimento das disciplinas e a aplicação das técnicas de coleta de
dados (2019), fomos premiados com o segundo lugar na etapa estadual da 1ª Edição da
Educação Empreendedora, pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE). Em 2020, com participação no Fórum Internacional de Turismo e Hotelaria, outra
premiação, também em 2º lugar, na categoria melhor Relato de Experiência. Nessa ocasião, o
trabalho selecionado foi intitulado: “Saberes e enfrentamentos em tempos da covid-19: relato
de experiência extensionista na associação de mulheres indígenas (Amism – Manaus – Am)”,
fruto de uma pesquisa que contou com os acadêmicos indígenas Sateré-Mawé, Rucian da Silva
Vilácio e Vanessa Damasceno, bem como a professora Ma. Rejane Gomes Ferreira (UEA).
Com o amadurecimento nos estudos e no processo de pesquisa, entendi que o
pesquisador deve inicialmente trilhar o caminho a partir da cultura de um povo, para
compreender o gênero humano. Nesse viés, corroboramos as ideias de Morin (2007) ao
enfatizarmos que os temas emergentes passam pela identidade do homem, num diálogo
permanente, sem aniquilar a humanidade. Acenamos, assim, para a preocupação mundial
difundida nas ideias do Papa Francisco (2019), cujas estratégias futuristas apresentam
preocupação de caráter global (BOFF, 2016). Nesse sentido, tecemos um diálogo do Amazonas
com a Noruega, apresentando a tese “Sateré-Mawé e Sámi: culturas indígenas ancestrais sob o
olhar do turismo étnico”.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 24
METODOLOGIA ................................................................................................................... 39
CAPÍTULO 1 – UM ESTUDO PELO UNIVERSO INDÍGENA SATERÉ-MAWÉ E
SÁMI ........................................................................................................................................ 53
1.1. O Povo Sateré-Mawé no tempo e espaço da história amazônica ................................. 53
1.2. O povo Sámi e sua construção histórica como povo indígena do Ártico ..................... 71
1.3. Sateré-Mawé e Sámi: um universo comparativo em construção .................................. 79
CAPÍTULO 2 – RELIGANDO SABERES AO TURISMO ÉTNICO INDÍGENA
SATERÉ-MAWÉ E SÁMI .................................................................................................... 82
2.1. A interface da semiótica com o turismo: signos e símbolos .......................................... 82
2.2. Turismo étnico e suas interfaces .................................................................................... 88
2.3. Turismo de experiência: uma experiência para além do turismo ................................. 96
2.4. Ritualística indígena e xamanismo ............................................................................. 105
CAPÍTULO 3 – DA MITOLOGIA DE ORIGEM SATERÉ-MAWÉ À MITOLOGIA
SÁMI: SÍMBOLOS E SIGNOS DE UM POVO PARA O TURISMO ÉTNICO .......... 108
3.1. A cosmovisão do povo Sateré-Mawé .......................................................................... 108
3.2. O universo xamânico do povo Sámi ............................................................................ 117
3.3. Signos e símbolos: expressões de identidade dos Sámi e dos Sateré-Mawé ............... 123
CAPÍTULO 4 – O SAGRADO E O PROFANO: DIÁLOGOS PARA O TURISMO
ÉTNICO ................................................................................................................................ 135
4.1. Turimo étnico: ressignificado ou perda de identidade ................................................. 135
4.2. O turismo criativo entre os Sateré-Mawé e Sámi ........................................................ 144
4.2.1. Modelo empírico de desenvolvimento do turismo étnico Sateré-Mawé e Sámi
......................................................................................................................................... 150
4.3. Experiências memoráveis entre os povos indígenas Sateré-Mawé e Sámi ................. 155
4.3.1. Rena e o ato de pastorear: a essência Sámi ....................................................... 163
4.4. O impacto do turismo como atividade econômica para os dois povos em estudo ....... 175
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 182
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 191
ETNOGLOSSÁRIO ............................................................................................................. 206
APÊNDICES ......................................................................................................................... 214
ANEXOS ............................................................................................................................... 218
24
INTRODUÇÃO
Artigo II. “Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a
converter-se em manhãs de domingo”.
(Thiago de Mello, 2009).
Os versos da epígrafe acima são um recorte da obra “Os Estatutos do Homem”, do
escritor amazonense Thiago de Mello (2009). O poeta da floresta canta os desejos mais simples
da vida diária, dando valor simbólico a cada elemento da natureza. Em cada verso do poema,
está presente o sentimento de preservação aos povos e à natureza, numa visão global e
emergente para a humanidade, conforme preconiza Morin (2002). É essa, pois, a perspectiva
que destacamos ao longo deste trabalho, com a propositura do título Sateré-Mawé e Sámi:
culturas indígenas ancestrais sob o olhar do Turismo Étnico, bem como a definição de nosso
caminho metodológico.
Como um barco de velas erguidas em alto mar, passamos a desbravar o enigmático
campo do eldorado Amazônico, da trajetória histórica e atual dos Sateré-Mawé (Amazonas –
Brasil). Tecemos ainda um diálogo com a altivez do povo Sámi (Tromsø – Noruega),
desvelando os signos identitários narrados desde o período mitológico até os dias atuais para o
turismo étnico. Assim, como garras do altaneiro gavião real e do falcão, descortinamos a
temática central, perpassando pela etnocultura de cada povo, com os elementos simbólicos
marcados pela memória, num jogo de identidade que passa pela trajetória da ancestralidade
indígena.
No Brasil, os Sateré-Mawé constituem uma população de, aproximadamente, 17.200
indígenas, segundo dados de 2019 do Sistema de Informação da Saúde Indígena
(SIASI/SESAI), Ministério da Saúde. Estão espalhados em um território de 790 hectares,
situados nas bacias dos rios Uaicurapá, Andirá e Marau, distribuídos em 91 comunidades,
conhecidas como comunidades (SENA; TEIXEIRA, 2006). Atualmente, residem tanto em
áreas urbanas como também em áreas demarcadas ou denominadas Terras Indígenas (TI). É um
povo que, mesmo em espaços urbanos e metropolitanos, carrega a garra e a determinação para
manter os rituais e seus elementos sígnicos como meio de renda familiar, vivendo de artesanatos
e da prospecção da tradição cultural.
25
No processo histórico dos Mawé, observamos que no fim da década de 1970 houve
migração de famílias para áreas urbana e metropolitana de Manaus1 , sinalizado por Sousa
(2013) e para outras cidades do Estado do Amazonas. Ao migrarem para o município de
Manaus, organizaram-se em espaços constituindo uma população de aproximadamente 600
pessoas, conforme dados de 2018 do Instituto Socioambiental (ISA).
No que se refere ao Sámi, povo nórdico da Noruega, esses vivem nos quatro países
denominados de Sa'pmi: Rússia, Finlândia, Suécia e Noruega. Nesse último, vivem cerca de 35
mil, os quais desenvolvem um turismo que é exemplo para muitos. Em Tromsø, cidade
norueguesa onde realizamos parte da pesquisa, existem 842 pessoas dessa etnia, segundo dados
do Parlamento Sámi (TODAL, 2018).
Quanto aos dados étnicos no país norueguês, conforme base de dados da Central de
Intelligence Agency (2018, s/p), correspondem um percentual de 83,2%, o que inclui cerca de
60.000 (sessenta mil) Sámi. Dentre os outros europeus, o percentual chega a 8,3%, e outros,
além de 8,5% (2017 est.), Os Sámi são considerados habitantes nômades que vivem nos cinco
condados mais ao norte do país, acima do Círculo Polar Ártico. Sua trajetória histórica é
marcada pela tradição cultural que se mantém por meio de variados signos identitários, dentre
eles o pastorear das renas, os artesanatos e as canções entoadas em rituais. Os Sámi, enquanto
povo com direitos, deveres e princípios, obtiveram marcas identitárias por meio de símbolos
necessários ao reconhecimento da cultura num contexto contemporâneo.
Dorsch (2017, p. 47) reafirma que “os Sámi são representados na Assembleia
Parlamentar na Noruega, na Finlândia e na Suécia e embora percebidos como órgãos que
governam a autonomia Sámi”, no que tange às políticas sobre educação, cultura, língua e ao
estatuto indígena. O envolvimento nas causas políticas em prol do povo, tem superado conflitos
e o rompimento com o estigma social imperado ao longo da história.
A partir da década de 1980 a retomada das tradições cresceu apoiada pelo governo
norueguês, conforme preconiza a Organização Internacional do Trabalho – OIT, na Convenção
169, em seu Art. 2.º: “Os governos terão a responsabilidade de desenvolver, com a participação
dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática para proteger seus direitos e garantir
respeito à sua integridade”. Nesse contexto, o povo Sámi constantemente dialoga com as
autoridades em prol da melhoria da etnia.
1 Criada em 30 de maio de 2007 pela Lei Nº. 52/2007 a Região/área Metropolitana de Manaus constituiu-se por
uma vontade política, organizado pelo Estado.
26
O desassossego durante o percurso ritualístico, no processo de construção dessa
pesquisa e da escrita, foi desafiador. Buscamos estabelecer conexão entre os dois povos: de um
lado, os Sámi, denominados povo do Ártico; do outro, o povo Sateré-Mawé. Nessa viagem,
buscamos analisar as semelhanças e diferenças, bem como a integração entre as tradições dos
dois povos por meio da etnicidade.
Adotamos uma metodologia que nos levou a considerar os aspectos qualitativo, apoiado
no pensamento complexo e multidimensional (MORIN, 2006), com estratégias etnográficas e
semióticas do tipo descritiva e exploratória, a partir de estudos de caso comparativos (YIN,
2015). Quanto a narrativa dos participantes foi imprescindível para a remorização da trajetória
histórica até o espaço vivido e desenvolvido no turismo em áreas metropolitanas da cidade de
Manaus, Amazonas-Brasil e Tromsø -Noruega. Foram realizadas entrevistas abertas com
quinze participante Sateré-Mawé e quinze Sámi, além da observação direta nas comunidades
dos respectivos povos em estudo.
Com a propositura do tema: “Sateré-Mawé e Sámi: Culturas ancestrais sob o olhar do
turismo étnico”, fomos instigados a mergulhar pelos universos étnicos dos povos de nossa
pesquisa. O primeiro, advindo do baixo Amazonas, Brasil; o segundo, ao Norte da Noruega.
No entanto, do ponto de vista da trajetória histórica geral, ambos são povos marcados pela
ancestralidade que rege a tradição cultural na contemporaneidade.
Desse modo, os povos Sateré-Mawé e Sámi se unem para além das fronteiras étnicas e
geográficas, a partir dos signos ritualísticos e pelas vertentes da mitologia e da natureza
empregadas nos adornos de tais práticas. Nesse espaço lacunar, a polifonia no ecoar que vem
da floresta Amazônica e das tundras e Taiga do Círculo Polar Ártico refletem a identidade por
meio de manifestações culturais, formas ritualísticas e seus respectivos signos (DIAS, 2013).
Assim, mostram-se nos cantos ancestrais, artesanatos, grafismos e nas expressões linguísticas,
entre outras que resistem ao tempo.
Percebemos que essas questões simbólicas se intercruzam pelo elo da natureza, de onde
se alimentam e vivem para realização de práticas turísticas, conforme narrativa do tuxaua
Ramãw “é da natureza que tiramos nosso alimento e dela nossa matéria prima para o artesanato
e ritual, por isso continuamos plantando sem derrubar a floresta da comunidade”. Acerca de
narrativas memoráveis que este estudo nos fez trilhar por caminhos de belas histórias míticas e
seculares de paisagens que são a âncora de resistência física e cultural.
27
A delimitação do tema se baliza na cultura dos povos Sateré-Mawé e Sámi: culturas
indígenas ancestrais sob o olhar do turismo étnico. O recorte do estudo está no minucioso
levantamento dos signos usados em práticas ritualísticas dos dois povos, e que tem acordado
para o potencial econômico, social e cultural, como partes agregadoras ao turístico.
De tal modo, ao fazer a imersão nos estudos sobre estes povos, nos deparamos com
vários elementos identitários de representações empregados nos rituais. Isso não significa dizer
que sejam apenas os elementos de ligação que os unem, mas também os processos de
descontinuidades de lacunas, os quais surgem quando nos propomos a realizar estudos
comparativos, como evidenciou Durkheim (1985). Sendo assim, os registros encontrados
durante a imersão são contribuições para a garantia dos Sámi e dos Sateré (BOFF, 2016). Outra
contribuição é sinalizar o turismo étnico em áreas metropolitanas, para um turismo sustentável
no contexto social, ambiental e cultural com a finalidade de permanência da tradição cultural.
A diversificação do patrimônio cultural é construída por sentimentos simbólicos na
tradição cultural e, para que os saberes não se percam, eles merecem registros que visem à
preservação, contribuindo para um futuro processo de salvaguarda. No âmbito do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), preconiza-se a garantia dos ofícios (o
modo de preparo das bebidas, realização de ritual, formas de grafismos e preparo de
artesanatos).
A definição oficial de patrimônio cultural imaterial é definida pela Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, 2003, p. 34), como: aquilo que
“se transmite de geração em geração, que é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos de sua interação com a natureza e sua história”. No âmbito da pesquisa realizada na
Noruega, os signos fortalecem os atos que o Parlamento Sámi já sinaliza dentro da organização;
já no domínio dos Mawé, garante a permanência e a valorização da cultura.
Peirce (2017, p. 49), ao classificar as categorias do signo, definiu que a “relação triádica
de comparação são as que fazem parte da natureza lógica de desempenho e estão relacionadas
às naturezas dos fatos; e de pensamento ligadas à natureza das leis. Estas relações triádicas são
divisíveis em outros três modos correlatos”. O signo, a cada momento se divide em dez classes,
derivadas das tricotomias. De modo geral, no campo semântico, a relação triádica do signo
28
defendida pelo autor se relaciona com o signo, com o objeto e com o interpretante. Diante dessa
classificação, será utilizada a décima2 classe, a qual Peirce denominou de símbolo e argumento.
A relação do signo no turismo étnico, para onde se encaminha este objeto, é vista nas
atividades indígenas que servem de atrativo. Elas promovem no indivíduo a curiosidade em
conhecer o estilo de vida diferente do estabelecido nos padrões capitalistas. Nesse sentido,
conhecer o cotidiano e as atrações de um grupo, bem como a forma que se projetam no tempo
e no espaço, conforme Santos (2014), é uma experiência incomum. É nesse contexto que se
evidencia o desafio de reconhecer a semiótica, os signos e imagens como linguagem do turismo
(MELLO, 2019).
É bem verdade que a cultura está integrada em todo processo étnico, no qual os
elementos culturais singulares são as partes constitutivas que compõe a tradição cultural
(MALINOWSKI, 1953). Para estudar um povo, devemos compreender a sua totalidade
pretendida na unidade, na diversidade, na solidariedade dos saberes sob a marca da
transdisciplinaridade (BANDEIRA e COSTA, 2015).
À luz de Ricoeur (1989), compreender esse mundo diversificado de vida, a partir dos
elementos sígnicos presentes nos rituais dos Sateré-Mawé e do povo Sámi, requer desvelar a
essência e o sentido do “fenômeno desses povos, nas representações, investidos de significados
simbólicos”, conforme Langer (2015, p. 12). Além disso, promove a compreensão da forma de
comunicação e de resistência empregadas em rituais. Sobre isso, refletimos sob duas
observações relativas à pesquisa sobre rituais: a primeira é que devemos estar inseridos no
campo da cultura para entendermos o contexto sociocultural, adentrando no universo mítico
relacionado ao mundo espiritual desses povos. A outra observação é perceber a relação dos
signos verbais e não verbais presentes em cerimônias carregadas de simbologia.
No que diz respeito à semiótica aplicada ao turismo, Mello (2019) destaca que os signos
tratam de uma “coisa que pode representar outra”, de sentido polissêmico; o objeto, no caso.
Dialogando com Peirce (2017), numa relação mútua entre o signo, o objeto e o interpretante,
nos deteremos ao símbolo. Nessa abordagem, o Turismo apresenta uma variedade de símbolos
com significados que estão ancorados na paisagem, nas viagens, nos museus, nas pessoas, nos
2 Dez classes do signo (I) Qualisigno, icônico, Remático, II Sinsigno, icônico, Remático, III Sinsigno, indicial,
Remático (IV) Sinsigno Dicente, (V) Legisigno, icônico, Remático, (VI) Legisigno, indicial, Remático, (VII)
Legisigno, indicial, Dicente, (VIII) Legisigno, Símbolo, Remático (IX) Legisigno, Símbolo, Dicente (X)
Legisigno, Símbolo, Argumento (PEIRCE, 2017, p. 55-57).
29
sentimentos, os quais formam elementos sígnicos (MELLO, 2019). O imaginário do turista
acontece involuntariamente a partir da tríade proposta por Peirce, como veremos ao longo da
tese.
Os estudos sobre povos indígenas nos permitiram uma visão crítica sobre os
construtores de identidade e de empatia. Nesse estudo, buscamos a alteridade, contrastando as
relações de semelhanças e as diferenças na construção, com o intuito de incluir os povos
indígenas nas práticas do turismo étnico, como construção de empoderamento. Diante disso,
pretendemos sair da visão romântica de que o indígena não pode prosperar no modelo
contemporâneo de sociedade.
Sendo um tema emergente no atual cenário do século XXI, as atividades turísticas são
estratégias para alavancar o potencial nas administrações dos governos como atividade
econômica. De tal modo, podemos perceber que a Organização Mundial do Turismo (OMT,
2017) aponta essas atividades como a terceira mais importante do mundo.
Abordar o turismo que trata da etnicidade, em especial aquele voltado para a cosmovisão
indígena em espaços organizados pelo próprio indígena, é um tema pouco discutido na
academia. Nesse sentido, é preciso estimular as etnias que vivem em espaços fora das Terras
indígenas a compartilhar os saberes para um público que apresenta interesse em fazer a imersão
e viver momentos autênticos, protagonizados pelos indígenas, denominado de turismo étnico.
Além de fortalecer a etnicidade, de acordo com Azanha (2002, p. 31) um “desafio permanente
e consiste em se reproduzirem como sociedades etnicamente”.
Nesse sentido, foi durante a imersão nas comunidades que percebemos a participação
de turistas nas atividades desenvolvidas pelos comunitários. Não se trata de turismo de massa,
mas sim, um tipo de turismo em que o interessado se apresenta como responsável social, com
forte tendência a contemplar uma cultura diferenciada, voltada para a ecologia e planejada pelos
próprios indígenas, em equilíbrio com a natureza (BOFF, 2016). Nesse âmbito, consideramos
que os conhecimentos de tradição étnica têm um grande valor tanto para o povo Sateré-Mawé
quanto para o povo Sámi.
Assim, empreendemos esforços para abordar um tema sobre culturas indígenas no
turismo, que ainda é pouco discutido no mundo, mas que tem sido apreciado pelos que praticam
o turismo étnico. Esse fato aos poucos tem sido observado no contexto da Amazônia, sobretudo
em Manaus, dentro das comunidades indígenas. O mesmo ocorre na Noruega, cidade de
Tromsø, onde o turismo tem contribuído sobremaneira com as comunidades indígenas.
30
No âmbito da investigação em turismo, uma das principais áreas de interesse está
associada ao planejamento dos destinos turísticos. MacCannell (1999) enfatiza que o turista
estabelece contatos antes de conhecer o lugar, mas aprimora a viagem pelos aspectos simbólicos
do lugar almejado. Essas características específicas justificam uma análise particular pelo que
esses lugares apresentam, no sentido de significativa investigação teórica e aplicada no destino
turístico. Logo, esses territórios focalizam no desenvolvimento do turístico étnico indígena,
como nova política de investidores (SANTOS, 2015).
Para Pettersson (2001), o poder de atração no Sámi tradicional tem crescido no mercado
turístico, atualmente, por meio da cultura com foco no pastoreio de renas e estilo de vida
nômade. Muitos estudos consideram que o desejo do turista em adentrar os espaços indígenas
pode se dar por várias razões, dentre as quais destacamos os signos da tradição cultural, que são
usados em rituais e por isso constituem potencial na área dessa investigação.
Nesse sentido, nossa pesquisa se construiu a partir do pressuposto de que a atividade
turística indígena se desenvolve progressivamente como potencial cultural e econômico nas
cidades. Trata-se de um campo de investigação promissor que pode contribuir com a garantia
da tradição dos povos indígenas. Estamos assim perante uma investigação inserida no âmbito
das Ciências Sociais e enquadrada na esfera do desenvolvimento direcionado ao planejamento
do turismo étnico indígena. Visamos aos signos da ritualização: a natureza, a cosmovisão e o
xamanismo, como produtos estratégicos de atrativos turísticos, como marcadores identitários
de Manaus (AM) e Tromsø (NOR). Tais marcadores fazem parte do imaginário do indígena e
do não indígena e estão intimamente ligados à cultura, pois se afirmam como resultado do
contexto histórico e da tradição cultural, conforme Gastal (2005).
Como ponto de partida, analisamos as especificidades dos elementos sígnicos dos
territórios Mawé e Sámi e tecemos os princípios para o desenvolvimento turístico sustentável,
desde a matéria prima até a finalização das ações como serviço etnocultural para o turista.
Partindo desse estudo, sugerimos, dentro do planeamento do turismo étnico, uma
abordagem holística do setor do turismo e procuramos chegar a uma proposta de referenciação,
a fim de assegurar os signos/símbolos como garantia da sobrevivência dos povos deste estudo,
como fortes marcadores de identidade e da memória.
O interesse em pesquisar questões relacionadas aos povos indígenas, a exemplo do povo
Sateré-Mawé, surgiu aproximadamente há 24 anos, momento em que tive contato com alunos
indígenas, da região do baixo Amazonas, especificamente das cidades de Parintins, Barreirinha,
31
Boa Vista do Ramos e Maués, quando professora do ensino médio pela SEDUC e UEA. Nesse
período, ministrei aulas nos cursos da Pedagogia Intercultural Indígena, História e Letras, com
o componente curricular de Linguística e Cultura Amazônica.
Durante as aulas, era comum o aluno indígena fazer referência às práticas culturais,
como o ato de narrar os mitos, falar da pesca e da caça, dos conhecimentos do pajé, entre outras
situações. Conforme a líder Andreza da Silva (36), “ao longo do tempo, a cultura se perdeu por
medo dos parentes, que não sabem enfrentar o governo e deixam de se reafirmar, “temos que
enfrentar o branco”. A partir desse relato, percebemos a intenção da indígena, o zelo para com
a sua nação, com a finalidade de garantir às futuras gerações as práticas e a identidade cultural
do seu povo.
No exercício da docência, sempre procurei desenvolver atividades voltadas para os
temas relacionados à cultura, à língua e às políticas públicas indígenas, especialmente para a
educação diferenciada. Em uma das aulas, os acadêmicos levaram para a sala de aula o tuxaua
da comunidade e, assim, a cada dia era reafirmada a etnicidade do grupo.
Dessa maneira, este trabalho pode ser considerado como um desdobramento do meu
interesse pelas línguas e culturas ameríndias e Escandinávia. Comungo com Merleau-Ponty
(1999, p. 2), “tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão
minha ou de uma experiência do mundo, sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer
nada”. Por isso, sinto-me incomodada.
Agora, no programa de Pós-Graduação em Turismo e hotelaria (PPGTH) da
Universidade Vale do Itajaí, uma questão surgiu para aprimorar a pesquisa: a possibilidade de
investigar a cultura Sateré-Mawé e a Cultura Sámi. Por meio de vivências e pesquisas, no
campo antropológico e semiótico, percebemos uma possível relação entre esses dois povos e
daí o interesse em aprofundar este tema.
Nesse sentido, durante as experiências e percepções nos espaços indígenas, buscamos
compreender a complexa relação dos signos, usados em rituais entre os dois povos Sámi e
Sateré-Mawé, à luz da semiótica dos signos para o turismo étnico. Esses são os elementos
simbólicos que surgem como eixo central desta tese. O elo sustentável que aproxima esses dois
povos está ancorado na etnicidade.
De tal modo, a temática dos signos em rituais Sateré-Mawé e Sámi no âmbito do turismo
étnico não se evidenciou nas pesquisas que realizamos nas plataformas científicas. Os estudos
32
sobre a abordagem semiótica no Turismo apresentam pouca aplicabilidade, por isso um
adensamento desse tema, certamente, poderá fortalecer futuros estudos. Desse modo,
consideramos um estudo alvissareiro, com potencial inovador no campo científico das Ciências
Sociais. Nessa direção, navegamos pela canoa da transformação, singrando por espaços ainda
não navegáveis, que poderão direcionar novas rotas no manancial da ciência.
Ao navegar pelo dorso verde da serpente do mundo, a Amazônia, é impossível não se
encantar por sua pujança. É a partir dela que inicio minha navegação pelas letras, fazendo dessa
metáfora as entrâncias deste estudo que não se esgota nos belos rios da Amazônia. Igualmente,
para navegar e chegar às margens dos rios amazônicos e dos mares Sámi, os percursos
metodológicos me ajudaram a encontrar o caminho adequado para desvelar o objeto que gerou
esta tese.
Nessa direção, a pesquisa realizada é de cunho qualitativo, descritivo e exploratório,
imbuída de questões que provocaram conexões com outras ciências, no rebojo da
interdisciplinaridade, na perspectiva de Morin (2007). A técnica de coleta de dados utilizada
foi a observação participante, junto a 30 sujeitos, sendo quinze Sámi e quinze Sateré-Mawé,
moradores de áreas metropolitanas (CRESWELL, 2010). Nesse percurso, procedemos com a
aplicação de entrevistas abertas com os líderes das comunidades, acendendo “as memórias
vivas no tempo da narrativa histórica e poética” (RICOEUR, 2010, p. 113).
A partir da Análise de Conteúdo de Bardin (2016), a categorização das narrativas
proporcionou organizar e compreender os achados, com o intuito de revelar informações sobre
os signos dos dois povos estudados. Partindo dessa assertiva, a primeira parte da pesquisa foi
compreender a tradição histórica e cultural das populações, mediante os estudos científicos
seguidos da imersão no campo.
Na habitabilidade dos Sateré-Mawé até o desaguar nos oceanos, atravessando mares
para chegar ao povo Sámi da Noruega, nos permitimos mergulhar mais profundamente nos
encantos dos fiordes, numa vegetação que interage com o homem do Ártico. Um diálogo que
acreditamos ir para além das fronteiras geográficas, um diálogo para além do previsível, uma
abertura para o mundo científico, alargando a interculturalidade num debate interétnico.
Dialogando com Barros (2019), uma investigação rica e diversa no universo incógnito para a
compreensão e construção de um mundo melhor.
A Amazônia, cenário vivo da biodiversidade no sentido mais amplo do termo, se destaca
pela natureza, pelos barrancos e encantos dos rios e dos igarapés. Ela agrega novas formas para
33
o “desenvolvimento sustentável, com ênfase na biotecnologia, piscicultura, ecoturismo e outras
atividades inovadoras” (BENCHIMOL, 2009, p. 511). Por aqui vagueiam vidas que cantam e
encantam, trazendo à mente imagens multifacetadas de uma ambiência convidativa para sair de
suas imagens e adentrar por seus meios ainda ocultos e ocultados do mundo que se adaptou aos
padrões estabelecidos e não aos desvios saudáveis de nossa percepção (DEULEUZE;
GUATTARI, 2007).
Destarte, convém ratificar que Mário de Andrade ao realizar uma viagem pelo
Amazonas (1927), indo até o Peru, retratou na obra “O Turista Aprendiz” o pluralismo cultural
vivenciado por ele, na condição de turista e navegador das terras brasileiras do norte ao sul,
sinalizando as paisagens, os encantos do rio e a bravura dos indígenas. Nessa obra, o autor
demonstra o encantamento diante da cultura indígena, sobretudo no que diz respeito à literatura,
à poesia, à música, à etnografia, ao folclore, à arquitetura, às artes plásticas, à fotografia e às
políticas culturais adotadas pelos povos em contato. Enfim, um universo descrito por múltiplas
culturas carregadas de significações (ANDRADE, 2015).
É certo que, durante milênios, o homem trabalhou com rituais que marcam tradições,
carregados de símbolos que seriam o alicerce de valores éticos, históricos e religiosos,
associados à prática social cotidiana (ELIADE, 2010). Ademais, seguindo o mesmo ideal, o ser
humano da atualidade, continua a marcar seu tempo na história, por meio das práticas
ritualísticas empregadas no dia a dia da vida. Essas práticas são marcadas continuamente por
signos que integram outras culturas diferentes pelo mundo.
A vida diária de cada indivíduo, no seio da sociedade na qual ele se insere, é marcada
pela presença de ritos entendidos por Van Gennep (2018) como um conjunto de cerimônias, de
formalidades praticadas nos campos da religião, da jurisdição, da política, dentre outros. Em
um sentido analógico, também entendemos por rituais toda uma série de procedimentos
invariáveis na realização de determinadas coisas (HOUAISS, 2009), conhecidas como
costumes e hábitos.
Desse modo, os rituais estão presentes desde as primeiras horas do dia: quando
iniciamos um planejamento ou quando estabelecemos tarefas a serem cumpridas em
conformidade com suas normas. Vemos isso no âmbito do trabalho, quando preestabelecemos
horários e tarefas para serem executadas. Também estão presentes na esfera do lar, quando
preparamos refeições, ou ainda nas ruas, no tocante às normas de comportamentos no trânsito,
por exemplo.
34
Todos esses rituais promovem o equilíbrio social em qualquer ambiente da vida diária,
numa conexão com o ato de comunicação (LEACH, 1989). Nós os realizamos muitas vezes de
forma espontânea, sem refletirmos sobre sua relevância. Leach (1989) sugere ainda que os
rituais podem ajudar na construção e criação do tempo, mas também geram cortes nas rotinas
sociais. No entanto, todos esses elementos compõem um conjunto de informações que trazem
uma carga semântica, numa conexão com a linguagem, com a língua, com a linguística e com
a semiótica. Nesse sentido, “os rituais seriam instrumentos que permitem maior clareza às
mensagens sociais” (DA MATA, 1997, p. 83). Nele é possível garantir, ao longo da história, os
processos da tradição cultural do povo, expressando os valores sociais e políticos.
Dialogando com o campo do turismo, todos esses comportamentos permitem ao
indivíduo transpor do campo “A” para o campo “B”, nas escolhas dos destinos turísticos. Essa
linha divisória, segundo Learch (1989), é a liminaridade que vai de um ponto a outro da
passagem. Em outras palavras, um novo tipo de turista – empolgado em mergulhar nas
experiências distintas daquelas oferecidas pelo turismo tradicional –, tem demonstrado
comportamentos e desejo de experimentar novos desafios.
Para Urry (2001, p. 30), o “turismo envolve, necessariamente, o devaneio e a expectativa
de novas e diferentes experiências”, ou seja, a cada vivência, o participante é instigado a novos
sentidos. Nessa direção, MacCannell (1978) considera que o turismo é carregado de um sistema
semiótico em que cada objeto apresenta um símbolo de modo interpretativo para aquele que
aprecia ou vivencia qualquer momento.
Dentro das sociedades indígenas, os signos são também elementos de comunicação.
Nesse sentido, pretendemos analisar, a partir da cultura dos povos indígenas Sateré-Mawé
(Amazonas – Brasil) e do povo Sámi (Tromsø – Noruega), a complexa relação simbólica que
os une, destacando as práticas ritualísticas e suas contribuições para o turismo étnico.
Dito isso, a combinação dos vários saberes científicos das teorias, procedimentos,
conceitos de signos e de turismo étnico vislumbram elementos para fortalecer o planejamento
e o destino turístico com temas emergentes no seio das comunidades indígenas Sámi e Sateré-
Mawé. Mesmo separados geograficamente, é possível visualizar os diálogos com os mesmos
ideais, visto que necessitam de recursos naturais para a permanência dos rituais na garantia de
acesso à inclusão social.
À vista disso, os pressupostos dessa tese buscam responder aos questionamentos
norteadores relativos aos aspectos simbólicos presentes na tradição de ambos os povos: qual a
35
trajetória histórica dos povos Sateré-Mawé e Sámi? Quais signos marcam as culturas Sateré-
Mawé e Sámi? Quais os principais elementos sígnicos da ritualística dos povos Sateré e Sámi?
O que une esses povos e quais contribuições expressam para o turismo étnico?
Assim, partimos da cosmovisão dos povos em estudo para encontrar possíveis
elementos que os aproxime, apesar das distâncias geográficas e da diferença acentuada na forma
de viverem. São dois grandes extremos: de um lado, a cultura do povo Mawé do outro, o povo
do Ártico. O que os une? a partir desse contexto, buscamos delinear nosso olhar sobre o turismo
étnico numa perspectiva mais ampla, pela diversidade cultural para o turismo de ambos os
povos (GASTAL, 2020).
Com intuito de responder aos questionamentos citados, de modo a “exprimir opiniões,
aprender a escutar, ouvir e estabelecer diálogos face a face” (OLSEN, 2015, p. 109), o objetivo
geral desta tese é de analisar, a partir da cultura dos povos indígenas Sateré-Mawé (Amazonas
– Brasil) e do povo Sámi (Tromsø – Noruega), a complexa relação simbólica que os une nas
práticas ritualísticas, bem como as contribuições dessas para o turismo étnico revela uma
categoria de síntese que abarca o todo no entrelaçamento das partes.
A proposta da tese, apesar de já existir meu contato com a temática há muito tempo,
somente se fortaleceu após a conclusão da pesquisa do curso de mestrado3, que teve como título:
“Ritual da Tucandeira da etnia Sateré-Mawé, língua, memória e a tradição cultural”. A partir
dali, percebemos a riqueza dos elementos sígnicos presentes na tradição cultural, sobretudo nos
rituais de passagem do povo Sateré-Mawé. Prospectar esses signos requer habilidades no campo
etnográfico e semiótico, afinal, estamos diante de povos indígenas de culturas complexas que
transitam numa espiritualidade animista, entre o mundo da vida e dos espíritos.
Considerando que o ritual é formado por diversos elementos representativos,
fundamentamo-nos na semiótica de Peirce para melhor analisar e compreender os motivos que
atraem os turistas em praticar e vivenciar a tradição deste povo. Como igara nos rios, deslizando
pelas tradições indígenas, percebemos que a tradição da cultura indígena tem despertado no
turista o desejo de vivenciar experiências em comunidades indígenas, sejam elas no Brasil ou
em outros países como a Noruega.
3 Do curso de mestrado originou-se o e-book de minha autoria, cujo título é: “Ritual de passagem: das terras
indígenas às áreas urbanas dos Sateré-Mawé”, publicado pela Editora Universitária da UEA, em 2019. Tal livro
contribui com importantes ideias presentes nesta tese, recebendo o adensamento diferenciado pela nova
abordagem.
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Mundialmente, as populações indígenas têm chamado atenção de turistas para
realizarem práticas de experiências junto às tribos. Entretanto, a história nos mostra que, por
muitos anos, os povos indígenas foram adjetivados como seres brutos, indolentes, preguiçosos,
dentre outros termos. Atualmente, tais adjetivos têm sido abonado pelos variados discursos
colonizatório. Também, é crescente o empenho dos indígenas e dos pesquisadores em
salvaguardar as tradições, em qualquer área do conhecimento.
Dessa maneira, os signos presentes nos rituais, tanto do povo Sateré-Mawé como do
povo Sámi, marcam a história de um tempo vivido pela tradição cultural e nos apresenta um
ciclo de vida, que tem no mito de origem, sua cosmovisão e vivências cotidianas. Nesse viés,
esses aspectos têm fascinado o visitante em lugares diversificados e de tradição cultural.
Com a finalidade de acenar para a contribuição do turismo étnico no cenário amazônico,
foi possível tecer estudos de teóricos para a afluência pertinente com a natureza indígena e para
a problematização desta investigação, uma vez que, os saberes tradicionais indígenas ainda são
desconhecidos. Na perspectiva de uma visão holística que conduzirá para a valorização da
cultura indígena a partir dos saberes, acenamos ainda para a tradição cultural, do mito ao ritual
e de toda cosmovisão indígena.
Assim, a relevância do estudo é encontrar o elo entre os fenômenos das culturas,
merecendo um mergulho no campo da pesquisa. Assim, podemos dizer que a contribuição do
turismo étnico está inserida no turismo cultural, que valoriza e conserva a etnocultura dos povos
indígenas, alinhando seus aspectos socioculturais, identitários e linguísticos, além de contribuir
com o aspecto econômico e emocional dos comunitários, como a inserção social.
Isso tem sido um componente indutivo nas experiências de turistas que procuram o
estado do Amazonas por vários fatores determinantes: contato com a natureza, desbravamento
dos espaços amazônicos, desvelamento da etnocultura e de seus elementos intersemióticos,
como as ervas para o preparo da cura, além dos adereços e ornamentos, caracterizados por
souvenir, grafismos em artesanatos, dentre outros.
O povo Sámi desponta no turismo de forma planejada e com apoio governamental,
facilitando diálogo dentro do país norueguês. Podemos constatar que a cultura do povo Sámi é
respeitada e valorizada, tendo sua manutenção assegurada. Essas conquistas foram observadas
a partir da etnolinguística, na qual a cultura e a língua são primordiais para a manutenção
ancestral. Ambos os povos em estudo permanecem focados na resistência, na resiliência, a fim
de não serem engolidos pelo avanço da “globalização negativa” (BAUMAN, 2007, p. 13).
37
Como contribuição científica para Amazônia, “deve-se pensar em condições de
infraestrutura, científicas e tecnológicas”, de forma a agregar o turismo étnico, para uma
construção de agenda de gestão de recursos sustentáveis para o estado do Amazonas
(BENCHIMOL, 2009, p. 498). Assim, o turista poderá desfrutar da enigmática cultura indígena
Sateré Mawé, por meio dos símbolos, em relação com a natureza, fortalecendo a mitologia
amazônica.
Da mesma forma, na cidade de Tromsø, os turistas procuram vivenciar experiências
memoráveis junto aos Sámi, a fim de conhecer a cultura milenar, a partir da cosmovisão deste
povo, de forma prazerosa: cuidar e alimentar as renas, pescar, caçar, apreciar a aurora boreal,
apreciar o sol da meia noite, usar os grafismos étnicos, apreciar a natureza, morar na cabana
com os Sámi, visando à sustentabilidade. Para Pettersson (2001), a Noruega é um exemplo de
sucesso do turismo étnico há várias décadas, pois eles procuraram agregar elementos de sua
cultura e de outras atividades que exercem para desenvolver atividades turísticas de forma
responsável.
Bahl (2009) defende que o turismo étnico pode ser entendido como um modo de
expressão de interesse pela cultura e pelo modo de vida de outros povos, bem como uma
tentativa de compreender as diferenças entre os povos. Nesse sentido, consideramos que os
povos indígenas são também se preocupa em ser inseridos no contexto contemporâneo. Assim,
acreditamos que “o ser humano consciente não deve ser considerado à parte do processo de
evolução” (BOFF, 2016, p. 47).
Destarte, o turismo étnico indígena merece ser valorizado e acompanhado, tendo como
finalidade dimensionar e avaliar as interferências, de forma a não descaracterizar as culturas,
que o turismo pode provocar nas comunidades ou em comunidades indígenas. Assim sendo, as
práticas ritualísticas da pescaria, da alimentação e dos momentos xamânicos são simbologias
carregadas de sentimentos ancestrais. Coadunamos com Guimarães (2012, p. 63), quando esse
afirma que “cultura e turismo, nos últimos anos tem sido fundamental para o desenvolvimento
das cidades e países, sobretudo em áreas urbanas”. São questões basilares que envolvem
atividades cuja valorização da produção cultural garante a permanência da memória dos povos
por meio da tradição referente aos rituais.
Nesse sentido, o estudo aponta para as representações sígnicas empregadas nas práticas
ritualísticas que existem entre os povos Sateré-Mawé e o povo Sámi. Além disso, demonstra as
possibilidades de atração para o desenvolvimento do turismo étnico. Outro ponto reside na
38
melhoria das condições de vida para os que vivem em áreas metropolitanas, garantindo a
valorização dos conhecimentos tradicionais, sem comprometer as futuras gerações (ONU,
1991).
Quanto à estrutura da tese, está organizada em quatro capítulos principais, os quais
trazem abordagens teóricas acerca dos pressupostos levantados ao longo do estudo. Também
demonstram o caráter metodológico da pesquisa, bem como os procedimentos desenvolvidos
no decorrer da investigação em campo.
O primeiro capítulo é revelador, pois tece uma abordagem histórica e antropológica que
singra o universo do povo Sateré-Mawé e do povo Sámi, apresentando seus aspectos culturais
e sociais, com os primeiros contatos interétnicos. Dividimos em subseções, por questões de
entendimento didático e metodológico. Apresentamos um recorte das informações encontradas,
a respeito dos povos pesquisados em bibliotecas, museus, acervo em formato digital e da árdua
pesquisa de campo etnográfico junto aos indígenas.
Destacamos que a entrada no campo pesquisa atendeu o ritual dos povos e nos exigiu
cuidados especiais na análise e na avaliação dos documentos. Para tanto, procuramos apresentar
as informações precisas, na forma pela qual nos permitiram compreender os povos indígenas
Sateré-Mawé e Sámi, pautando-nos por evidências de seus saberes ancestrais, bem como o
entendimento da cosmovisão marcada pelos símbolos.
No segundo capítulo, desbravamos os caminhos dos teóricos para o embasamento do
tema emergente na urdidura das ideias conceituais: Religando os saberes ao turismo étnico
indígena Sateré-Mawé e Sámi numa interface com os signos e símbolos. Nesse diálogo
refletimos as contribuições da mitologia na formação do espírito criador a partir das narrativas
presentes nos rituais numa descrição semiótica relacionando ao turismo étnico e suas interfaces.
No terceiro capítulo, buscamos compreender como a mitologia contribuiu para a
formação do espírito criador dos indígenas Sateré-Mawé e Sámi, a partir das narrativas
presentes nos rituais, bem como suas contribuições para o potencial turismo étnico dos povos.
Assim, a mitologia retrata a magia dos elementos identitários, dos mitos que norteiam a vida
das etnias Sateré-Mawé e Sámi.
No quarto capítulo emergimos nos aspectos importantes da ritualística do povo Sateré-
Mawé e Sámi, destacando a intersecção entre as duas culturas, sinalizando as possíveis
39
contribuições dos signos dos povos Sateré-Mawé e Sámi, como marcadores, em contextos de
inclusão para o turismo étnico indígena, no destino e no planejamento turístico.
Nesse olhar, tivemos a sensibilidade para estreitar as intersecções do Sateré-Mawé e
Sámi, no bojo da Teoria da Complexidade (MORIN, 2002) e na semiótica sinalizada por Peirce
(2017), na análise, nas discussões e reflexões dos achados. Os atrativos turísticos tanto no solo
Manauara como na cidade de Tromsø perpassam pela Mãe Natureza, vinculando-se aos
elementos terra, fogo, água e ar, dos quais os povos se nutrem e extraem a matéria prima para
confecção dos adereços, artesanatos e indumentárias.
Finalmente, apresentamos as considerações finais basilares, conforme os resultados
obtidos a partir da longa trajetória investigativa dos signos. Nessas, fizemos a interconexão
entre os dois povos e constatamos que, mesmo distantes geograficamente, ambos realizam
rituais em suas práticas diárias, como possibilidade de inserção no mercado turístico.
Apresentamos ainda os signos e a sua relação com a natureza, destacando a interface do
xamanismo urbano, conforme descrito por Magnani (2005). Demonstramos que o povo Sateré-
Mawé é o único do Brasil a realizar um ritual com a formiga Tucandeira, primando pelo
fortalecimento da cultura no entorno do município de Manaus. Já o povo Sámi tem se
fortalecido pelo turismo sustentável, revigorando os saberes tradicionais, os quais abarcam a
ecologia, sendo considerados como guardiões da floresta.
Como uma canoa singrando no meio de um rio, realizamos a travessia sob os banzeiros
e ondas, rumo ao outro lado do rio, rumo ao outro lado do mar. Aportamos em terra de florestas
e de planícies por onde habitam os espíritos do bem. Por fim, parafraseando Thiago de Mello
(2009), fica decretado que os povos indígenas têm direito à inclusão social, por meio de seus
elementos simbólicos ritualísticos, garantindo à vida na prospecção do turismo étnico, como
protagonista das ações.
METODOLOGIA
A complexidade das pesquisas sociais realizadas nos ambientes dos povos indígenas
caminha por meio das relações de contrastes. Transitamos nesse campo e percebemos o quanto
é diversificado e complexo, ao mesmo tempo que carrega encantos mágicos e sentimentos que
nos envolvem.
40
Partindo do pressuposto de que toda investigação científica é uma viagem aprofundada
que fazemos em busca do objeto de estudo, nos colocamos agora na condição de tecer o
caminho metodológico que nos levou a essa jornada, a partir da complexidade do tema sobre
povos indígenas.
A priori, defendemos a ideia de que um estudo é formado por um sistema interligado
dirigido a um objeto. Esse, por sua vez, não existe sem um sujeito, pois carrega elementos
indissociáveis, sendo necessário compreender o todo, a partir das partes que o compõem
(MORIN, 2011). De tal modo, no campo do turismo, a urdidura da construção metodológica se
operacionalizou em dois momentos: i) o da construção e reconstrução da estrutura do objeto;
ii) o momento do campo de pesquisa e a reconstrução do processo de conhecimento na tecitura
da tese.
Para construir ciência sobre o tema turismo étnico, nos apropriamos de outras ciências,
como a antropologia, a semiótica, a geografia, a sociologia e a engenharia de produção. Essas
disponibilizaram princípios importantes na construção e na compreensão dos casos relativos
aos Sateré-Mawé e aos Sámi no construto dessa metodologia. Morin (2011) enfatiza que a
epistemologia não pode ser rígida ou fechada, deve ser problematizada para uma construção
intersubjetiva, depois é preciso avaliar e problematizar o conhecimento na religação dos
conhecimentos.
Nesse sentido, o conhecimento dos povos indígenas Sateré-Mawé e Sámi não são
lineares, isto é, possuem singularidades que os identificam e exigem inferências e
interpretações. Esses saberes não podem ser ignorados, pois revelam uma carga semântica de
natureza ancestral que contribui com o espaço vivido. Urge uma consciência planetária,
segundo Morin (2011), numa interação de novos conhecimentos que se ligam.
Para determinar a possibilidade do conhecimento é imprescindível pensar que o
conhecimento é construído por partes que se interligam, princípio de redução em que as partes
se religam (MORIN, 2011). Considerando essa articulação, a humanidade tem muitas
possibilidades e caminhos para se chegar a um planeta admirável, sem a extinção das espécies,
sendo assim, acenamos para a garantia dos indivíduos no planeta. Nessa direção, Morin (2013)
enfatiza que a complexidade é díspar que abarca elementos históricos, sociais e culturais do ser.
Ainda para Morin (2012, p. 51), “não só os indivíduos estão na espécie, mas também a
espécie está nos indivíduos; não só os indivíduos estão na sociedade, mas a sociedade também
41
está nos indivíduos, incutindo-lhes desde o nascimento deles a sua cultura”. Essa concepção
reforça que o indivíduo faz parte de um conjunto, isto é, está inserido em um contexto que
colabora para o homem e para o meio. Há uma intersecção que não pode ser fragmentada, daí
percorremos com vistas a responder ao problema central desta investigação estabelecendo um
elo entre o povo Sateré-Mawé e o povo Sámi: o que une esses povos e quais as contribuições
desses para o turismo étnico?
A partir disso, destacamos que nossa abordagem é qualitativa, apoiada no pensamento
complexo e multidimensional (MORIN, 2006), com estratégias etnográficas e semióticas do
tipo descritiva e exploratória, a partir de estudos de caso comparativos (YIN, 2015). Assim,
esta pesquisa vai se construindo pelas teias do conhecimento e na lógica do complexus.
O turismo étnico estabelece nova perspectiva de turismo de natureza antropológica,
social e política que nos sugerem um turismo em campo específico para atividade humana,
construída social e culturalmente pelo contexto em que está sendo realizada. Nesse caso, um
turismo produzido por dois povos indígenas que valorizam as crenças, a cosmologia, o mundo
místico, as danças, os rituais e a organização da sua comunidade, mesmo em um mundo
globalizado.
Estabelecer diálogos entre culturas não é uma tarefa fácil, exige contextualizações no
tempo e no espaço, e essas precisam se sobressair num olhar global. No que diz respeito às
pesquisas semióticas no espaço turístico, essas “[...] devem esclarecer numerosas questões
empíricas concretas, em especial sobre modo de construção e comercialização dos espaços,
percepções e práticas turísticas” (SPODE, 2015, p. 4).
As estratégias de análise foram baseadas na corrente semiótica peirceana em que cada
um desempenhou um papel fundamental para o alcance dos objetivos geral e específicos na
construção da tese. Assim, almejamos conferir e analisar quais os signos atrativos para o
turismo étnico, presentes nas práticas ritualísticas das culturas, bem como as contribuições para
o convívio social em contextos contemporâneos.
Ainda destacando a teoria da complexidade de Morin (2005), devemos reunir os
conhecimentos, globalizá-los e contextualizá-los para a vida. Nos estudos estabelecidos entre
os povos Sámi e Sateré-Mawé está o ato de compreender os saberes e fazeres associados às
raízes mais profundas da vida que, além de dinamizar o íntimo da ancestralidade do homem,
42
traz em si o fenômeno da cognição como possibilidade de criar, aprender e conhecer, numa
inter-relação com o seu entorno.
Do ponto de vista etnográfico, Brito (2016, p. 51) destacou que “a investigação se refere
à análise descritiva da sociedade humana”, visa a conhecer, descrever, explicar e interpretar
com profundidade o modo de vida e a cultura de um povo. Nessa direção, Geertz (2008) ressalta
a questão da etnografia enquanto uma experiência interpretativa na qual o pesquisador não irá
perceber aquilo que seus informantes percebem, mas através do que os outros percebem.
Diante disso, no processo investigativo, com base no contexto interpretativo de Geertz
(2008), prevalece a subjetividade, a individualidade e a descrição detalhada do que é percebido
e observado. Igualmente, a pesquisa etnográfica trata de aspectos antropológicos e sociais e,
conforme descreve Geertz (2008, p. 29), tal pesquisa “orienta o pesquisador na seleção de
informantes, no estabelecimento das relações com a comunidade, além de direcionar quanto ao
mapeamento e construção do diário das atividades de campo”.
A opção pela metodologia qualitativa está fundamentada na definição do problema e do
propósito dos objetivos da pesquisa em tela. Já a pesquisa descritiva expõe características de
determinada população ou de determinado fenômeno. Pode também estabelecer correlações
entre variáveis e definir sua natureza, sem compromisso em explicar os fenômenos que
descreve, embora sirva de base para tal explicação (VERGARA, 2004).
Na abordagem para acesso às pesquisas junto ao povo Sámi, inicialmente tecemos uma
agenda de visitas, passando em 2018 pela embaixada norueguesa, no Rio de Janeiro (Brasil), e
pelo consulado norueguês, em Brasília no ano seguinte. Tanto o acolhimento pela embaixada
como pelo consulado foi de grande valia, pois expusemos nosso projeto de pesquisa e sanamos
algumas dúvidas quanto ao campo e ao povo Sámi. Além disso, tivemos acesso às legislações
e documentações necessárias para a pesquisa de campo.
O coordenador do Programa de Apoio aos Povos Indígenas nos atendeu com muita
atenção e pudemos dialogar sobre os aspectos políticos, sociais e culturais da Noruega. Na
oportunidade, o indígena Sateré-Mawé, Rucian da Silva Vilácio, contribuiu com os diálogos
acerca dos povos indígenas do Amazonas. Além disso, foram fornecidos alguns dados do povo
Sámi por meio digital: sites, catálogos impressos e roteiros de viagens.
43
Concomitantemente, a pesquisa prosseguiu junto ao Núcleo de Pesquisa da
Universidade de Campinas (Unicamp), onde foi possível estabelecer contatos e posteriormente
um manancial de diálogos com professores da Universidade de Tromsø, Centro de Ensino
Superior situado ao norte do Ártico.
Outro recurso para a primeira fase de estudos sobre os Sámi foi a pesquisa bibliográfica
realizada em revistas, livros, plataformas de pesquisa e boletim digital da Universidade de
Tromsø. O boletim UArctic, assinado e lido mensalmente, nos proporcionou informações sobre
os ideais e objetivos da região da Noruega, além da atualização sobre notícias, atividades,
eventos e oportunidades em toda a rede UArtic.
Em novembro de 2018, estabelecemos calendário de pesquisa de campo na Noruega, na
cidade de Tromsø, com os devidos instrumentos de observação e de entrevistas. Tecemos junto
aos pesquisadores da Unicamp e da UIT a delineação do trajeto, prosseguindo com todos os
protocolos necessários para a viagem ao exterior. Assim, após uma investigação minuciosa
sobre a história o povo Sámi, iniciamos a realização no campo físico da pesquisa, realizada no
2º semestre de 2019, na cidade de Tromsø.
No período de um ano, data para o embarque à pesquisa ao exterior, dialogamos com a
Assessoria de Relação Exterior (ARI) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em
Manaus, seguindo os protocolos de pesquisa para o exterior. Elaboramos uma carta de
apresentação à universidade de UIT/Núcleo de Estudos do povo Sámi, assinada pela
coordenação e chefia imediata da Escola Superior de Tecnologia (EST/UEA), com as devidas
recomendações funcionais e estatutárias.
Quanto à hospedagem, obtivemos uma carta com endereço e telefones dos anfitriões,
esses falavam português, norueguês e Sámi. Todas as orientações foram registradas conforme
a legislação internacional, além de disporem seguro viagem e recursos em euro e dólar para
chegarmos até o país. Ao chegar na capital Oslo, as moedas foram trocadas em coroa
norueguesa (kr), moeda oficial da Noruega. Destacamos que o uso da referida moeda foi
indispensável, além da utilização de cartão internacional, pois os serviços básicos são pagos,
preferencialmente, com esse cartão.
Do Brasil a Oslo viajamos pela companhia aérea British Airways, em um voo de 15
horas, com escala no aeroporto de Heathrow (LHR), Londres. De Oslo até Tromsø, optamos
pelos serviços da empresa regional Scandinavian Airlines System (SAS), com duração de 1h50
44
min., em linha reta, 1741 km de distância até Tromsø. A partir de Heathrow, a comunicação se
deu nas línguas inglês e norueguês, e, como recurso comunicativo, adotamos o uso dos
aplicativos google tradutor e weze para traduzir diálogos ou guiar nossas rotas. Ainda em solo
brasileiro, para assegurar a conectividade, comunicação e localização, foi importante a
aquisição cartão skill Sim, que proporcionou o uso de dados ilimitados para os serviços da
pesquisa.
Durante nossas práticas de pesquisa de campo, visitamos bibliotecas, museus e
universidades. Nesses lugares, o uso das tecnologias foi fundamental, desde a impressão até
acesso aos acervos. A partir disso, levantamos vasta literatura sobre o povo Sámi, todas escritas
nas línguas nativa, norueguesa, inglesa e espanhola.
Como instrumento de coleta dos dados, gravamos as entrevistas abertas e realizamos a
captura de imagens fotográficas junto aos participantes, relacionando a trajetória específica de
cada um deles, observando e ouvindo as suas posições e preocupações, conforme a Resolução
CNS n.º 510/2016, artigo 5º: que trata da forma de registro de dados, tanto escritos, quanto
sonoros e visuais.
Foram dias de intenso trabalho que dispusemos para realizar a pesquisa de campo. As
atividades permitiram delinear com profundidade e segurança a vida cultural e histórica dos
Sámi, o que envolveu um vasto conhecimento sobre o assunto, em fontes primárias e
secundárias reunidas em documentos e livros.
A pesquisa trata de um estudo de caso preocupado em tratar da diversidade que há entre
os povos delimitados na pesquisa em campos diferentes (BOURDIEU, 2001). A vida planetária
desses povos reúne conhecimentos de mundo regidos pela natureza como um princípio
emergente, isto é, somando-se a um único objetivo, que é a sobrevivência dos povos na Terra.
O estudo de caso permite a investigação e descrição ponderada das estratégias de coleta e
análise de dados e da conexão entre as evidências, permitindo relacionar o caso e corroborar os
resultados a partir dos fatos (YIN, 2015).
Os povos Sámi e Sateré-Mawé, distintos a princípio, guardam elementos culturais
importantes e comuns que os aproximam. De tal modo, buscamos analisar e compreender os
saberes da tradição cultural entre esses povos indígenas, a partir dos elementos sígnicos
presentes nas práticas culturais ritualísticas, como forma de contributo para o turismo étnico. É
45
com esse desafio semiótico que o desconhecido fertiliza os caminhos para um estudo aplicado
no turismo (MELLO, 2015).
Olsen (2015) garante se tratar de uma abordagem flexível e necessária no campo dos
estudos de caso. Quanto à composição desse tipo de investigação, concordamos com as
pontuações de Eco (2014), para o qual a aproximação do caso se dá pela sensibilidade do
pesquisador. Nesse contexto, Eco propõe apreender o fenômeno num sentido diverso,
interpretando-o por inferências lógicas; por um método de investigação em que sejam
associadas percepções e raciocínios lógicos. Como estratégia de análise, devemos levar em
consideração as regras, as lógicas internas e os resultados dos pressupostos definidos a partir
da relação triádica definidas por Peirce (2017), pois seu pensamento possibilitou um diálogo
com outras escolas de filosofia já estabelecidas no Brasil (CÁRDENAS; HERBERT, 2020).
A semiótica de Peirce (2017) que trata das categorias universais, está definida na tríade:
primeiridade; secundidade e terceiridade. A primeira, se refere a sentir a relação do signo
consigo mesmo, sendo o primeiro contato; a segunda é reagir estabelecendo relação do signo
com seu objeto no seu cotidiano; a terceira é reconhecer e fazer uma relação do signo na junção
das categorias primeira e segunda, com seu interpretante, isto é, a interpretação do conjunto
(DIAS, 2013).
Peirce trata o signo como universal e, para Santaella (2002, p. 29), a semiótica deve
“[...] abrir as portas do espírito e olhar para os fenômenos”, promovendo um olhar meditativo,
sensitivo, partindo dos aspectos da observação e do subjetivismo. Sendo assim, Dias (2013, p.
893) enfatiza que a “Semiótica de Peirce traz sustentação teórica para as diretrizes
metodológicas para analisar a linguagem, independentemente da área do conhecimento”.
Morin (2011) sinaliza para o signo como fenômeno emergente e indissociável à
compreensão da natureza humana e como possibilidade de diálogos processados pelas relações
pessoais interconectadas. Alguns estudos já realizados proporcionaram vislumbrar pistas desse
processo, pelo fato de se debruçarem sobre os estudos dos povos originários em um campo
ainda incipiente. Levando isso em consideração, dialogamos com a Semiótica do Turismo de
MacCannell (1978), Culler (1981), Morin (2011), Mello (2019), entre outros autores com
interface para o turismo étnico.
O percurso teórico da pesquisa foi construído a partir dos objetivos interdisciplinar e
transdisciplinar, tendo como fio condutor o processo de diálogo que possibilitou a interpretação
46
e a compreensão da realidade, a partir de abordagem histórico-antropológica do universo
Sateré-Mawé e Sámi. À luz da semiótica das culturas, foi possível realizar um estudo descritivo
sobre os signos usados em práticas mediante mitologia de origem Sateré-Mawé e Sámi:
símbolos e signos de um povo.
Trata-se de uma pesquisa empírica realizada no tear dos teóricos e pesquisadores para
coletar conhecimentos nos territórios delineados do campo, experienciando momentos
indescritíveis movidos pelas exuberantes paisagens e pelas diferentes convivências. A
complexidade dos momentos sugeriu relacionamentos a serem tecidos e depois fechados, de
modo a permitir uma análise racional, utilitária, porém de fatos subjetivos.
Para Mattos (2011, p. 50), “a etnografia traz contribuições para o campo das pesquisas
qualitativas”. Também sobre a pesquisa etnográfica, salientamos que “ela orienta o pesquisador
na seleção de informantes, no estabelecimento das relações com a comunidade, além de
direcionar quanto ao mapeamento e construção do diário das atividades de campo” (GEERTZ,
2008, p. 17).
Partindo da pesquisa qualitativa, delineamos os elementos semelhantes e diferentes
entre a cultura do povo Sateré-Mawé e do povo Sámi, por meio de sistemas complexos de
análises que se intercruzam transversalmente no campo. Isso nos possibilitou estabelecer um
diálogo etnográfico e semiótico para encontrar os elementos comuns e diferentes entre os dois
povos (DIAS, 2013).
Vale destacar que, cada povo foi estudado separadamente, elencando os símbolos
identitários que despertam o interesse dos turistas. Para Cardozo (2006, p. 146), “todo esse
inventário turístico tem se apresentado como importante ferramenta na ordenação da oferta”.
Nessa perspectiva, uma comunidade organizada tem potencial turístico e agrega não somente
valor econômico, mas sobretudo étnico, com valor simbólico, tendo como apelos a natureza e
a espiritualidade (BOFF, 2016).
A seleção do campo de pesquisa foi feita considerando os objetivos deste estudo:
analisar e compreender os signos presentes nas práticas de ritualização dos povos Sateré-Mawé
e Sámi, como contribuição para o turismo étnico. Todo o entendimento foi realizado a partir de
cada tradição cultural, a partir do mito de criação que se manifesta por “processo” das
realizações dos rituais, conforme Santos (2014, p. 69).
47
Os Sateré-Mawé atualmente compõem 17.200 indígenas, sendo 13.650 residentes em
terras indígenas e 3.550 em outras localidades, de acordo com os dados do Sistema de
Informação da Saúde Indígena (SESAI, 2019). Muitos vivem no estado do Amazonas, nas
cidades de Parintins, Maués, Barreirinha, Boa Vista do Ramos, Rio Preto da Eva, Manaquiri,
Iranduba e Manaus (capital). A motivação da escolha se deu pelo fato de percorremos a temática
indígena desse povo por mais de duas décadas, e, durante esses anos, percebemos que essas
comunidades praticam a tradição cultural se firmando em seus territórios destacando-se no
cenário turístico suas práticas ritualísticas.
Por sua vez, o povo Sámi é formado por 60.000 mil pessoas que vivem nos quatro países
denominados de Sa'pmi: Rússia, Finlândia, Noruega e Suécia, conforme destacou Robert
Pettersson (2001). Por outro lado, 35 mil Sámi vivem na Noruega e são frequentemente citados
no desenvolvimento turístico. Para tanto, coletamos dados junto à Universidade de Tromsø
(2017) e, segundo os registros, há 842 Sámi na cidade (TODAL, 2018).
O universo de participantes da pesquisa é composto por 30 indígenas, sendo 15 deles
advindos da área metropolitana de Manaus/Amazonas, Brasil, nas comunidades I’nhãa-Bé e
Sahu-Apé e 15 do município de Tromsø/Noruega, os quais realizam atividades turísticas. Esses
estão na faixa etária de 18 a 80 anos de idade. Vale destacar que, “por participação, queremos
dizer envolvimento de agentes ativos” (OLSEN, 2015, p. 103). A assertiva do autor demonstra
que a pesquisa participante é colaborativa entre as partes envolvidas, permite um melhor
entrosamento tanto entre os membros da pesquisa, quanto com o objeto pesquisado por meio
do processo de reflexão e ação contínua entre seus participantes.
Constantemente somos inqueridas do porquê da preferência pelos Sámi. Acerca disso,
lembramos que esse é um povo cujo percurso histórico é marcado pela repressão e proibição de
suas práticas tradicionais, ambientais, culturais e políticas. Apesar disso, atualmente, os Sámi
têm ressignificado sua etnicidade na realização de práticas voltadas para o turismo. Além dessa
luta e renovação, esse povo data de citações antigas cujo primeiro registro consta no ano 98
(d.C), pelo Romano Publius Comelius Tacitus, na Obra Germânica (DORSCH, 2017).
A organização política, histórica, social e cultural tem atraído admiradores e turistas,
por meio de tradições ancoradas na ancestralidade, na mitologia e na ritualística. Vislumbram
vivenciar emoções em sintonia com a natureza e com a espiritualidade, bem como conhecer o
planejamento e organização política desse povo bimilenário.
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A seleção dos participantes foi do tipo intencional, por acessibilidade. Esses, por sua
vez, foram constituídos por lideranças indígenas que aceitaram participar da construção
dialógica (OLSEN, 2015). Assim, a pesquisa aconteceu com os povos Sámi e Sateré-Mawé,
com estratégias da etnografia.
Quanto à coleta dos dados, essa se deu em duas fases. Na primeira, recorremos aos
estudos por meio de pesquisas bibliográficas em livros, nas plataformas de bases de dados
Ebsco, Scielo, Google Acadêmico, além de repositórios digitais de universidades e portais de
periódicos internacionais. Nas buscas, construímos o tesauro a partir das palavras-chaves
utilizadas: turismo cultural, turismo étnico, turismo com ritual Sámi e Sateré-Mawé, entre
outros termos que consideramos relevantes.
Na segunda fase, entramos no campo da pesquisa nas comunidades Sateré-Mawé,
localizada na região metropolitana da cidade de Manaus, e com o povo Sámi, na cidade de
Tromsø, ao norte da Noruega. A entrada ocorreu após realizarmos contatos telefônicos,
mensagens de e-mails, participação em eventos nacionais e internacionais, rodas de conversas,
oficinas, participação em assembleias e em comunidades.
A coleta documental foi realizada com a leitura de documentos sobre as políticas
públicas referentes ao turismo na região do Polo Ártico, roteiros turísticos já existentes, atos
administrativos do Parlamento Sámi, fotografias, filmes, documentários, imagens de drones e
ainda documentos referentes às localidades e roteiros turísticos. Nessa fase, também foi
elaborado o roteiro de entrevistas para os dois povos, em português, inglês e norueguês.
As técnicas de coleta de dados com as comunidades Sateré-Mawé ocorreram por meio
de observação participante, visando à interação com as organizações indígenas, em reuniões.
Após essas, nos concentramos em entrevistas abertas, diário de campo e roda de conversas, as
quais foram gravadas ou fotografadas, atendendo à Resolução CNS n.º 510/ 2016, Artigo 5º,
que trata da forma de Registro, com as devidas autorizações dos participantes (OLSEN, 2015).
Os contatos para as entrevistas foram realizados com o uso de roteiros. Essas tiveram a
participação de líderes tuxauas, comunitários residentes nas cidades, líderes de associações,
organizações públicas e privadas, turistas e visitantes, bem como pesquisadores. Todas essas
no Brasil e em Tromsø, com os quais tivemos contato.
Segundo Creswell (2010, p. 42), um dos principais aspectos da coleta dos dados é
“observar os comportamentos dos participantes”. Assim, tivemos a preocupação em respeitar o
49
espaço de cada informante, atendendo ao agendamento preestabelecido. Partindo dessa visão,
tivemos o cuidado com a assinatura da documentação exigida, para que todos a realizassem
antes das gravações e registros fotográficos. Dialogando com Bardin (2016), os dados coletados
são organizados por categorias com critérios, transcritos à luz da Análise de Conteúdo, além de
comparáveis. Em seguida, realiza-se a interpretação dos dados e a produção textual, além de
“classificar elementos em categorias que impõe a investigação do que cada um deles tem em
comum com o outro” (BARDIN, 2016, p. 148).
A pesquisa de campo foi realizada com entrevista e protocolo de observação, somando-
se as imagens fotográficas, levantamento “na web ou na internet”, conforme considera Creswell
(2010, p. 179). As entrevistas e as notas de campo foram delineadas, acendendo as memórias
vivas no tempo da narrativa histórica e poética (PAUL RICOEUR, 2010, p. 113). Quanto ao
instrumento da entrevista, cabe ressaltar que não foi fácil fazer uma abordagem etnográfica,
pois os informantes eram arredios e desconfiados. Nesse sentido, dialogamos com Bianchetti e
Meksenas (2008), os quais sinalizam para as dificuldades que o pesquisador deve enfrentar.
Em relação aos procedimentos metodológicos, o estudo foi seccionado nas seguintes
etapas: i) a realização das disciplinas de doutorado no ano de 2017/2, a revisão de literatura e a
elaboração projeto de pesquisa. Essa primeira fase foi de suma importância para delinearmos,
à luz das teorias e das discussões em sala de aula, o caminho metodológico traçado e a forma
de escrita da tese. As disciplinas realizadas durante o ano de 2017, até meados de 2019, nos
auxiliaram na formatação do projeto e no processo de uma escrita mais livre e criativa.
Na segunda fase, nos dedicamos ao trabalho de campo com os dois povos indígenas da
pesquisa, buscando ouvir os sujeitos participantes, tanto no processo de entrevista como na
aplicação do formulário de caráter aberto e, já nesse momento, a produção de um artigo
científico sobre o povo Sámi e povo Sateré-Mawé, publicado na revista Turismo e Sociedade,
com o título: “Patrimônio imaterial e o turismo étnico em comunidade indígena”. Esse também
foi aceito para publicação na revista Rosas dos Ventos, sob o título: “Turismo étnico indígena
no Amazonas: mitos e territórios que contam histórias”, por ocasião da realização da pesquisa
de campo para o processo de qualificação. Durante esse percurso, o trajeto de orientação foi
primoroso, justamente porque nos ofereceu um norte para seguirmos com maior segurança a
trilha do estudo.
50
De tal modo, o trabalho de campo foi basilar no processo de escrita da tese, porque o
contato direto com os sujeitos nos permitiu fazer um paralelo mais equalizado entre teoria e
praxeologia. Na terceira etapa propriamente dita, ocorreu toda a preparação do dossiê para o
exame de qualificação ocorrido em 28 de abril de 2020, por meio da plataforma da Universidade
do Vale do Itajaí (Univali), sala virtual do ambiente BlackBoard, atendendo às exigências de
saúde quanto ao momento pandêmico mundial. A construção textual para esse momento foi
tensa, uma vez que as únicas companheiras eram as ideias que fervilhavam na mente querendo
achar a sua lógica na escrita. Por essa razão, a qualificação foi uma etapa primorosa no processo
de avaliação da tese para que de fato, sob o olhar cuidadoso da banca examinadora,
conseguíssemos sublinhar e corrigir os equívocos, a fim de tomar fôlego para maior
concentração da escrita final.
Na quarta e última fase, prosseguimos com a consolidação e o aprofundamento da
escrita da tese, visando à defesa pública em 2020. Durante todo esse processo, outros materiais
foram de fundamental importância para ajudar a memória no processo de reminiscência. Por
meio da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016), recorremos a outro companheiro de todas as
horas, o caderno de campo. Com as anotações, nos debruçamos sobre a produção de mapas,
vivenciamos as memórias registradas em fotografias, as gravações das histórias relatadas, as
entrevistas, enfim, todos os registros possíveis que utilizamos como recursos e técnicas para o
compósito da tese e que marcaram essa trajetória de construção do conhecimento.
Dialogando com Bardin (2016), os dados coletados foram organizados por categorias
com critérios, transcritos à luz da Análise de Conteúdo, além de comparáveis. Em seguida,
realiza-se a interpretação dos dados e a produção textual, além de “classificar elementos em
categorias que impõe a investigação do que cada um deles tem em comum com o outro”
(Bardin, 2016, p. 148). A categorização das narrativas proporcionou organizar e compreender
os achados com o intuito de revelar informações sobre os signos dos dois povos estudados.
Nessa direção, seguimos as ideias de Bardin (2016), em distintas fases, denominadas: a) pré-
análise; b) exploração do material e tratamento dos dados e, por fim, c) a inferência e a
interpretação.
Na pré-análise, os documentos foram organizados de acordo com a intensão, como
sinalizador para a fase posterior de interpretação. Nessa fase, entramos em contato com os
achados dos discursos, em que estabelecemos as primeiras interconexões, na sistematização dos
juízos (BARDIN, 2016). Quanto à exploração do material, essa ocorreu com a leitura das
51
respostas e do aprofundamento e organização da análise realizada na fase anterior. De forma
sistemática, organizados em categorias e em subcategorias, foi possível compreender os
achados (DIAS, 2013). Na fase da interpretação dos dados, selecionamos os dados encontrados,
e os organizamos para análise agrupada por povo indígena, construindo dois quadros de
resultados com as informações do objetivo geral desse estudo. “Fase longa e fastidiosa, que
consiste em operação de codificação, decomposição” (BARDIN, 2016, p. 131).
Por fim, realizamos as inferências e interpretações em relação aos objetivos elencados
para a pesquisa, encontrando os elementos intersectivos entre Sateré-Mawé e Sámi. Partindo
dessa assertiva, como propósito mais geral, este estudo postula que o Turismo Étnico traz
contribuições para o entendimento das questões de tradição cultural na contemporaneidade, a
partir do olhar transversal e semiótico do participante, aplicado ao turismo (MELLO, 2019). Os
resultados foram analisados em quadros distintos e organizados em oito categorias.
Nesse caminho, foram respeitadas todas as cláusulas do Termo de Consentimento Livre
Esclarecido (TCLE), bem como as autorizações das organizações indígenas do Brasil e da
embaixada norueguesa, conforme legislação de pesquisa vigente para ambos os países. Quanto
às questões legais, este estudo está registrado no Comitê de Ética com o número de CAAE -
14818919.2.0000.5016, parecer de nº 4.270.019, atendendo às exigências das resoluções do
Comitê (CRESWELL, 2010). Quanto à segurança de Saúde, obtivemos seguro viagem, além
da carteira de vacinação internacional exigida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa).
Nas andanças da pesquisa, um momento atípico, e que sinalizamos nos últimos
levantamentos da pesquisa, foi o alastramento do Novo Corona vírus – uma família de vírus
que causam infecções respiratórias, provocando a doença denominada Covid-19 (Sars-coV-2).
Nesse contexto, o estado do Amazonas foi considerado um dos epicentros da doença no Brasil,
afetando diretamente as comunidades. Com isso, destacamos que o povo indígena Sateré-Mawé
sofreu perdas de lideranças indígenas, como o senhor Otávio dos Santos, 67 anos, vítima da
doença no dia 16 de março de 2020. Otávio era tuxaua na comunidade de São Benedito, no rio
Marau, município de Maués, distante 641 km da capital do Amazonas, conforme fonte do Jornal
Amazônia Real (2020).
Tendo em vista as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), da
Fundação de Vigilância Sanitária e dos órgãos da Saúde, seguimos todos os protocolos de
segurança no monitoramento, com responsabilidade, visando à manutenção da saúde dos
52
participantes. Para tanto, usamos o suporte da “netnografia” (KOZINETS, 2014), tendo como
recurso as ferramentas do Instagram e do facebook, numa conexão em tempo real, a fim de ter
acesso às informações sobre protocolos de segurança usados no enfrentamento ao Covid-19.
No campo Sámi, tivemos apoio dos influencers Wilqui Dias e André Garcia Bonotto,
brasileiros residentes na Noruega e criadores dos canais: “Noruega_eu” e “Andregbonotto”,
respectivamente. “O que é interessante perceber na apropriação dos pressupostos da etnografia
é o caráter investigativo e de observação da realidade do outro que continua presente na
netnografia” (SILVA, 2015, p. 342).
Enredando para um universo científico, seguimos com um manto de aura místico,
espiritual e toda a magia encoberta nas montanhas e fiordes. Com esse espírito de aurora boreal,
encontrei a senhora Wilqui Dias, paraense da cidade de Marabá, proprietária da casa onde fiquei
hospedada em Tromsø. Nossos primeiros contatos foram no website do AirBnb.com e no
YouTube onde essa possui o canal “Noruega_eu”, conforme já mencionamos. A comunicação
se deu durante 01 (um) ano até minha chegada à Noruega. Na ocasião da hospedagem, seu
esposo e sua cunhada se apresentaram como Sámi.
Coincidentemente, um dos participantes trabalhava na Universidade de Tromsø, (UIT)
o que nos facilitou acessos pela cidade, encaminhamentos dentro das instituições e na tradução
do idioma norueguês e Sámi. No centro comercial, por sua vez, ao realizarmos pesquisas nas
lojas de souvenir, bibliotecas e museus, ainda contamos com a colaboração de outra brasileira
casada com um nativo, residente em Tromsø, falante do Norueguês, a senhora Vanessa Jensen
que também possui um canal no YouTube.
Posto isto, a incursão realizada durante a fertilidade do campo investigativo sublinhou
uma perspectiva da relação homem e natureza extremamente fiel no contexto diário dos povos,
tanto na visão cosmogônica do Sateré, como também para os povos Sámi. É desse
entrelaçamento que construímos na proa da palavra e da escrita o ofício de limar a tese até a
chegada triunfal. Foi necessário unirmos forças espirituais advindas de Deus, de Tupana, dos
cosmos e dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas para superarmos os sentimentos
de tristeza por conta da pandemia que assolou o mundo. Porém, o entusiasmo, o encantamento
e o otimismo nos momentos de fraqueza foram decisivos quando as energias definhavam.
Parafraseando o consagrado poeta Fernando Pessoa: a cada dia as velas eram erguidas,
singrando pelos rios, mares e estradas, a fim de atracar no porto do conhecimento.
53
CAPÍTULO 1 – UM ESTUDO PELO UNIVERSO INDÍGENA SATERÉ-MAWÉ E
SÁMI
1.1. O Povo Sateré-Mawé no tempo e espaço da história amazônica
Um povo de muitas revelações no campo científico, em que os saberes se transportam
para a ciência. Ao navegar pelo estudo etnográfico, descritivo e reflexivo sobre o universo
indígena Sateré-Mawé, observamos aqui suas vivências no tempo e na história Amazônica, bem
como a magia na construção histórica, política, cultural e social. Desse modo, escolhemos as
comunidades Sahu-Apé e I’nhãa-Bé, ambas na região metropolitana de Manaus, Amazonas
Brasil.
A sofisticação e a complexidade sobre os estudos indígenas nos ofereceram uma
pluralidade sobre os povos da floresta. De tal modo, o ritual de entrada no campo dos estudos
nos permitiu entender a cultura a partir da cosmologia – concepção do mundo –, na incursão
mitológica e histórica de cada povo. No bojo desse contexto, os elementos que fazem parte do
cenário indígena envolvem os partícipes da memória, o meio ecológico e a infraestrutura
(SANTOS, 2014). Foi nesse ambiente, com a permissão dos protagonistas desta pesquisa e
todos os elementos que o cercam que penetramos no universo de pertença desses povos
indígenas.
Inicialmente, caminhamos pelos barrancos dos rios Madeira, Tapajós, Andirá e Marau,
para entendermos a saga histórica do povo Sateré-Mawé, marcado pela corrida na busca da
sobrevivência, baseada na adaptabilidade e as peculiaridades do local. Esse povo, durante a
referida saga, sobreviveu com recursos de subsistência e de criações do imaginário
(BENCHIMOL, 2009).
Os achados na literatura científica e na incursão do campo nos proporcionaram pistas
importantes para a compreensão do povo Sateré-Mawé. Compreensões essas advindas da
cosmogonia e da cosmologia desse povo, mediante os saberes e fazeres tradicionais, da sua
forma de ser, enquanto povo em migração, de tempos passados. É um povo que migra
constantemente e, onde se instalam, costumam preservar a tradição e a memória da etnia, “são
grandes andarilhos vencendo, com incríveis resistência” (NUNES PEREIRA, 2003, p. 50).
Observamos outro tempo histórico na formação do homem amazônico e na atualidade,
ressaltando o protagonismo nas vozes históricas dos Mawé ao se adaptar facilmente nos locais
que migram.
54
A história da Amazônia, quando descrita por cronistas do passado, se mostrou um lugar
desejável, de exuberante floresta e de densas águas do rio Amazonas. Tais descrições foram
mencionadas pelo padre Felipe Bettendorf, nos séculos XVI e XVII; por Carvajal em 1542 e
por Cristobal de Acunã, em 1639, nos territórios navegáveis dos Tupinambá, Tapajós e
Amazonas, esses citados nos estudos de Bernal (2009). Na Amazônia colonial – também
denominada de Amazônia Lusíndia, neologismo usado por Benchimol (2009) para designar o
jogo de palavras entre o prefixo luso e o termo índia –, o conhecer, o saber, o viver e o fazer
foram momentos genuinamente indígenas.
No que diz respeito ao termo Sateré-Mawé, segundo Nunes Pereira (2003), outras
denominações foram dadas pelos cronistas. Algumas dessas, conforme Bernal (2009), foram:
Maué, Andiraze, Moos, Mabué, Mangués, Manguês, Jaquezes, Magueses, Mahués, Magués,
Mauris, Mawés, Maraguá, Mahué, Mangueses. Falantes da língua Tupi, os Sateré-Mawé
dominaram setenta e seis territórios diferentes ao longo do majestoso rio Amazonas.
Em breve análise, percebemos que as terminologias dos nomes designados ao termo
Sateré-Mawé, remetem à língua latina, tendo em vista a desinência – (ae). Essa é proveniente
da primeira declinação, nos casos genitivo singular, como função sintática de adjunto
adnominal.
Também verificamos que, na terceira declinação, a desinência –es encontra-se nos casos
nominativo, função sintática de sujeito ou predicativo do sujeito, por fim, dita na língua tupi
com terminações em /ês/ e (é). Segundo Franceschini (2005), não há acentuação tônica na
língua Mawé, isto é, terminada em /é/, logo essa variação ocasionou o desvio da correta
composição do termo original Satere-Mawe, em língua tupi.
Após essa análise mais técnica, observamos que o nome “Sateré” significa “lagarta de
fogo”, que faz referência ao clã mais importante dentre os que compõem esse grupo étnico e
indica a linha sucessória dos chefes políticos da nação. O segundo nome, “Mawé”, quer dizer
“papagaio inteligente e curioso”, o que não remete a uma designação clânica, mas, segundo
Uggé (1993), faz referência ao próprio povo, presente na cosmologia e narrado nos mitos
– saray potairia (as belas palavras dos Sateré-Mawé) – e nos cantos do Waymat (ritual da
tucandeira), conhecidos como rituais de passagens em que o neófito passa da fase de criança
para a fase adulta.
De rica expressividade em suas tradições, os Mawé apresentam vasto conhecimento
relativo à cultura material, destacando os “teçumes” artesanais, como cestarias, abanos,
55
chapéus, os quais são tecidos pelos homens (LORENZ, 1992, p. 15). Também são conhecidos
pela arte de construir peças em cerâmicas, adereços e utensílios usados na pesca, em atividades
domésticas ou em outras ações.
A visão política, social e econômica é um ponto forte no grupo e, quase sempre, cumpre
uma “função” utilitária no cotidiano da comunidade tribal, conforme Santos (2014, p. 70).
Politicamente, os Mawé se organizam no Conselho Geral Sateré-Mawé (CGTSM), Consórcio
de Produtores do Guaraná e em associações, todos esses estabelecidos por eles em cada polo.
Além desses, há participação efetiva em interlocuções nos órgãos dos governos Federal,
Estadual e Municipal, demonstrando a crescente atuação do povo nas atividades políticas
(FIORE, 2018). Durante as assembleias, os debates são veementes. A organização é feita em
formato de círculo, onde todos podem dialogar, e, na rodada das conversas, não pode faltar o
waraná, um dos signos da etnia, por onde nasce o mito do povo, associado ao guaraná,
cientificamente denominado Paulinia cupana. É pelo consumo do waraná que as ideias fluem
e entram em sintonia com seus deuses primordiais. Tomar guaraná significa experimentar da
energia mais pura e original que remonta a origem da etnia. Para Lorenz (1992, p. 43), “é a
bebida usada pelos Sateré-Mawé durante seus resguardos”, sendo utilizado pelas mulheres no
período menstrual, no pós-parto ou ainda no luto, e, para todos, na festa das Tucandeira.
Ao caracterizar o povo Sateré, Souza (2011, p. 44) destaca que “são originários de uma
vasta área que se encontra entre os rios do baixo Tapajós, no baixo Madeira, delimitado ao norte
pelas ilhas Tupinambarana, no rio Amazonas, ao sul pelas cabeceiras do rio Tapajós”. Seu local
de origem, segundo Batista (2001, p. 35), é “à margem esquerda do rio Tapajós, numa região
sagrada para nossa gente, de densa floresta e cheio de pedras, e, como dizem os velhos, ‘nesse
lugar as pedras falam’”. A alegoria presente nas narrativas nos sugere a animalidade, por um
discurso que se faz entender a personificação do lugar que sugere a origem da humanidade
(MOISÉS, 2002).
Conforme Romano (1982), a migração dos Sateré-Mawé para Manaus tem como
referência a década de 1940, mas por volta 1970 houve uma ebulição étnica na cidade:
“pesquisadores e estudiosos da área indicam que no final da década de 70 e início da década de
80 houve efervescência dessas identidades étnicas na cidade” (SOUZA, 2011, p. 23).
Esse caráter migratório construído estabelece “uma relação na e com a cidade, baseia-
se em categorias diferentes”, segundo Fiori (2018, p. 34), possibilitando mobilidade para uma
fuga dos problemas e conflitos sociais nas Terras Indígenas. Para Santos (2015), as pesquisas
56
sobre Sateré-Mawé não definem as causas pelas quais houve o êxodo rural. Essa atitude é
representada na (figura 1) a qual traz um mapa de migração da tribo.
Segundo Canto (2013), no encontro entre povos colonizadores – ingleses, irlandeses,
espanhóis, franceses e portugueses –, houve forçosamente uma aculturação globalizada, de
assimilação e de readequação no modo de viver e dos costumes. Muitos Sateré fugiram, por
não aceitarem a dominação dos europeus, que os exploravam como mão de obra barata, “uma
reação contra o elemento luso” (NUNES PEREIRA, 2003, p. 42). Para a igreja, eram
considerados pagãos que necessitavam conhecer e adorar a Deus praticando ritos do
catolicismo, provocando uma negação à etnicidade e as práticas ritualísticas ancestrais
(CANTO, 2013).
O desejo de desvendar a Amazônia e seus encantos foram descritos por cronistas. Como
exemplo disso, trazemos a citação de Lorenz (1992, p. 10), a partir de Rodrigues (1882, p. 10),
o qual expressa em primeira pessoa: “quando investigava a natureza do Amazonas, atravessei
a pé por terra, as denominadas terras dos Mauhes, que vão do rio Tapajós ao rio Mauhés assu”.
Explicamos que, nesse trecho, alguns vocábulos apresentam a escrita utilizada na época pelo
cronista.
A cobiça pelas riquezas patrimoniais da etnia sempre atraiu o desenho da ganância, da
exploração da cultura, do extrativismo mineral e animal (NUNES PEREIRA, 2003). Os
colonizadores atravessaram florestas adentro dos mananciais até as distantes cabeceiras dos rios
em busca das especiarias. Assim, os Sateré foram obrigados a se dissiparem para outros lugares,
mantendo memórias e narrativas se firmando e se estabelecendo em outros territórios.
A saída dos nativos das Terras Indígenas para as áreas urbanas de Manaus, figura 1,
aconteceu pela busca da melhoria de vida, visando à saúde e à educação dos filhos, mas
sobretudo para fugir do massacre do explorador, que os chamavam de selvagens, narrados como
fatos da literatura Amazonense pelos cronistas, segundo destacou Mário Ypiranga Monteiro
(1977).
57
Figura 1: Mapa de localização dos Sateré-Mawé migrantes para Manaus – Amazonas, Brasil.
Fonte: IBGE (2019); FUNAI (2019). Elaborado por Tomaz Neto, A. G (2019).
Nesse sentido, Bernal (2009, p.160), descreve três motivos, “a busca de possibilidades
de estudos para os filhos, a necessidade de encontrar um trabalho com objetivo de conseguir
melhor renda para a família e o desejo de aproveitar as facilidades, que não existem no interior
[...] uso de dinheiro e aquisição de produtos. Segundo Araújo (2010) brigas entre as lideranças
do grupo étnico é também uma das causas sinalizadas. Já Uggé (1993), enfatizou que os motivos
dos descontentamentos são motivados por bebidas.
Grande parte dessa etnia vive, atualmente, na região do baixo Amazonas e do Tapajós,
região habitada por grande número de povos e culturas, compondo um cenário diversificado
culturalmente. No que se refere à divisão das Terras Indígenas (TI) em áreas delimitadas pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI), essas estão distribuídas em áreas dos rios Andirá, Marau
e Uaicurapá, de acordo com dados de 2020 do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI).
As áreas indígenas demarcadas na região conhecida do rio Andirá são formadas por
49 aldeias, habitadas por 6.980 pessoas. Já na região do rio Marau, existem 37 aldeias com uma
população de 7.286 indígenas e, na região do rio Uaicurapá, estão localizadas apenas 4 aldeias,
onde convivem aproximadamente 990 pessoas. Além dessas, 1.807 indígenas da mesma etnia
residem em outros municípios do Estado do Amazonas.
58
Contudo, em Terras Indígenas, segundo Teixeira (2005, p. 40), somam-se as três
áreas: Andirá, Marau e Uaicurapá, em um total de 91 aldeias. Atualmente, moram cerca de
17.053 Sateré-Mawé, de acordo com dados do DSEI (2020). Vale destacar que, além dessas
três áreas mencionadas, a FUNAI reconhece uma aldeia de Sateré, na Terra Indígena Koatá-
Laranjal, áreas do povo Munduruku, no Amazonas.
Atualmente, há cinco comunidades oriundas da família Silva localizadas em:
Manaquiri, Nova Olinda do Norte, Rio Preto da Eva, Iranduba e Manaus, essa última com três
comunidades situadas nos bairros Santos Dumont, Compensa II e Tarumã. A consequência da
migração dos Sateré das TI para as áreas urbanas é a desintegração do grupo, conforme acena
Bernal (2009, p. 243): as “primeiras consequências são a redução drástica das relações sociais
[...] neste caso, nas áreas urbanas, isso implica desintegração das sociedades indígenas”.
Nesse contexto, Souza (2011) nos fala do altruísmo feminino e épico da matriarca
Tereza Silva (in memoriam). Essa, após o falecimento do seu esposo Abdon, teve que tomar
duras decisões e deixar as maravilhas da pequena comunidade de Ponta Alegre. Tereza Silva
teve de abdicar do vasto lago do rio Andirá, das águas aniladas e de bravas ondas, do frescor
do orvalho que nutria e umedecia a flor do Ipé, no município de Barreirinha (NASCIMENTO,
2013). Passou então a caminhar por uma trajetória de desafios marcantes para esse povo sabedor
dos rituais da Tucandeira, da pesca, da plantação do guaraná; caçadores e conhecedores da arte
plumária, segundo Nunes Pereira (2003).
Neste estudo, selecionamos duas comunidades I’nhãa-Bé e Sahu-Apé, as quais são
frutos de grandes esforços, dedicação e resistência da Sra. Tereza Silva e de seus filhos. Nossa
escolha se deu por essas comunidades apresentarem relativas potencialidades para
desenvolverem atividades turísticas no entorno de Manaus, a partir de uma ação coletiva e
comunitária, que para Max Weber (2009, p. 25), os objetivos e as semelhança comunitária
“repousa sobre o sentimento e a dimensão subjetiva dos participantes de pertencer (afetiva e
tradicionalmente) ao mesmo tempo”.
Destacamos que o termo aldeia é usado para espaços de origem nativa e geralmente
usado em terras protegidas e demarcadas pela FUNAI. No entanto, no caso das comunidades
deste estudo, lembramos que essas não pertencem à abrangência de terras homologadas pelo
referido órgão, porém, o sentimento de pertencimento das Terras Indígenas permanece
fortemente.
59
A comunidade I’nhãa-Bé, que na língua Sateré - Mawé significa chocalho, foi fundada
no ano dois mil pelo casal Zeila da Silva (in memoriam) e Benedito Carvalho, segundo Araújo
(2010). Atualmente, é chefiada pelo tuxaua (tui’as), único filho homem, o senhor Pedro da Silva
Ramãw, cuja família é constituída pela senhora Irá Ticuna, sua esposa, e mais três filhos
adolescentes: Purêmanã (16 anos), que na língua Sateré-Mawé significa (peito de gavião), Y’y
(12 anos, cujo significado do nome é água) e Ramãw (10 anos, tendo o nome traduzido como
conselheiro). Os nomes fazem referências aos elementos da natureza ou a animais. Uggé (1993,
s/p) explica que “o indivíduo, ao nascer, recebe um nome relacionado a um animal, que pertence
ao clã do pai e que representa a própria família”. Os filhos do casal trilham pelos mesmos ideais
da ancestralidade, participando das atividades no preparo do roçado, no cultivo do guaraná, no
uso do waraná, na participação de rituais de passagem, na produção de artesanato, nos
momentos de escuta das narrativas indígenas, dentre outras práticas da etnia.
A paisagem do local é exuberante, com árvores frutíferas, com grande fartura de
alimentos da pesca, plantação e caça. Local de muita paz, onde a vida apressada não encontra
lugar. Nas palavras de Deleuze (2012, p. 87): “no passado o tempo era a estrutura do espírito”.
O homem tem tempo para apreciar a natureza, interagindo com o ambiente, junto a um
sentimento harmonioso com a Mãe Natureza, constituindo um todo (MORIN, 2014). O coaxar
dos sapos, o cantar dos pássaros, o boto na ponte, o esturro da onça, o gruído do jacaré
estabelecem uma hierarquia sinfônica no ato de cantar. Quando o sol se levanta é hora de
trabalhar no roçado e realizar as atividades diárias que cada membro executa dia após dia.
Porém, o sábado é guardado para o dia do Senhor, com a finalidade de louvar a Deus, seguindo
a denominação Cristã - Adventista do 7º dia. Nesse dia de oração híbrida, as crianças cantam
nas línguas Sateré-Mawé, Ticuna e em português.
Para entrar na comunidade, devemos pedir permissão ao tuxaua, pois se trata de uma
área pertencente a este povo, território de respeito, um local no meio da floresta, rodeado pelas
águas escuras do rio Tarumã-Açu, que desemboca na entrada do igarapé Tiú. Para se chegar à
comunidade I’nhãa-Bé, o trajeto começa pelo centro de Manaus e vai até a margem do rio
Tarumã-açu, via automóvel, em aproximadamente, uma hora de viagem. Em seguida, pega-se
uma pequena embarcação e, em 20 minutos, é possível navegar pelo igarapé até a comunidade,
conforme demonstrado na figura 2.
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Figura 2: Imagem do mapa de localização da Comunidade I’nhãa-Bé.
Fonte: Elaborado por NETO (2020).
Para mostrar melhor o espaço da comunidade elaboramos um croqui, segundo a figura
abaixo sobre a organização tribal: trilha da Tucandeira, barracão cultural, campo de futebol,
casas de dormida, casas da farinha, casa de materiais, cozinha comunitária, escola, roça e igreja.
Para melhor compreender o espaço da comunidade I’nhãa-Bé, apresentamos a figura 3.
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Figura 3: Croqui da Comunidade I’nhãa-Bé.
Fonte: CARVALHO, J. M.; NETO, A. (2019).
Assim, também, nesses espaços são realizadas as atividades de saúde, educação,
visitação, ato religioso e atividades da tradição cultural. Dentre essas, no barracão cultural,
acontece o ritual de passagem, denominado Ritual da Tucandeira, que acontece nos meses de
abril e agosto, em referências ao Dia Nacional do Índio e ao aniversário da comunidade,
respectivamente. Conforme o tuxaua “tradicionalmente, é no mês de novembro que se faz o
ritual, período em que as Tucandeiras são mais fáceis de capturar.
Quanto à educação dos filhos no bilinguismo, tanto o pai, o tuxaua, quanto a mãe, Irá
Ticuna, são professores da comunidade, contratados pela Secretaria Municipal de Educação
(SEMED – Manaus). Em seus contraturnos, ambos aperfeiçoam as línguas Sateré-Mawé,
Ticuna, Português e Inglês, além do coral Kui’á (cuia), das crianças, nas respectivas línguas.
Em entrevista a senhora Irá Ticuna relatou que “pela música relembramos nossos antepassados,
e é um prazer levar nossos cantos musicais aos turistas”.
62
Para os pais, “a língua estrangeira facilita o entendimento de turistas falantes do inglês,
no período da visitação, e assim as crianças apreendem e interagem”. A comunidade promove
a interculturalidade no ambiente familiar, como meio de comunicação em um momento híbrido.
Na saga pelas matas da Floresta Amazônica, com a bravura da senhora Zeila (in
memoriam), filha de dona Tereza Silva, foi a mentora da comunidade I’nhãa-Bé. Mãe de seis
filhos, Kutera, como era conhecida, tinha a preocupação com a educação, saúde e trabalho para
os filhos, sendo um exemplo de mãe dedicada, fiel ao seu povo e a sua família. Visando proteger
seus entes queridos, se viu obrigada a migrar para o município de Manaus, procurando melhores
condições para sua família (BERNAL, 2009).
Conforme relatos do seu filho Pedro Ramãw, atual tuxaua da comunidade, dos seis
filhos, uns residem nas terras indígenas e outros estão alocados em Parintins, Barreirinha e
Manaus, mas permanecem unidos pelos laços da tradição do povo deixados pela matriarca.
“São bons exemplos que a mamãe Zeila Silva Vieira nos deixou”, assim descreveu o tuxaua;
“todas as noites a mamãe nos contava as mais belas histórias dos nossos avós e assim eu faço
com meus filhos”.
Essa é uma das razões pela qual, atualmente, o chefe político Pedro Ramãw se reafirma
e revive toda a tradição com as novas gerações. A raiz familiar é a referência para tuxaua,
conforme figura a seguir. Para resgatar essa memória descrita pelo tuxaua, elaboramos a raiz
familiar, da formação política e social da comunidade I’nhãa-Bé, conforme figura 4, a seguir.
63
Figura 4: Formação política e social da comunidade I'nhãa-Bé.
Fonte: CARVALHO, J. M. (2020).
A comunidade I’nhãa-Bé também agrega outros povos que residem às margens do rio
Tarumã-Açu e em toda atividade turística os comunitários participam, sendo que parte da
arrecadação é distribuída entre os participantes e a outra é revertida para o fortalecimento das
culturas e organização do espaço. A comunidade é um ponto de referência para atendimento à
saúde, que compreende serviços odontológicos, consulta médicas com especialistas,
distribuição de medicamentos, cestas básicas e espaço para reuniões, assembleias, bem como
atendimento com o pajé, o qual utiliza plantas medicinais, defumações com breu, ervas e
preparo de medicamentos da medicina tradicional.
No que diz respeito à comunidade Sahu-Apé, que na língua Sateré-Mawé significa “casa
do tatu”, localizada na Estrada AM-070 (Iranduba/Manacapuru), Km 37, área metropolitana de
Manaus, conforme Sousa (2013). Observamos que essa demonstra grande potencial para o
turismo étnico, na promoção da diversidade e da identidade cultural dos comunitários
(CARVALHO; SANTOS, 2019). Pela sua localização, em área verde e pela logística de acesso
como mostra a figura abaixo.
Essa comunidade já recebeu importantes personalidades, como atores, atrizes,
pesquisadores nacionais e internacionais. Sahu-Apé concentra um número expressivo de
64
famílias, participando de eventos culturais, apoiado por órgãos voltados ao turismo em Manaus
(VILÁCIO et al., 2019).
A saga traçada pelos membros indígenas para a conquista de terras nesse local foi
marcada por conflitos entre o poder público e as comunidades do entorno, resultando até em
prisões, foram dias tensos, segundo Nascimento (2013). Para o professor João Silva, Sateré-
Mawé “essas terras foram doadas pela prefeitura do município de Manacapuru, onde era um
local de mata fechada, foi um processo longo para a aquisição (2020)”.
Os líderes da comunidade não têm fonte de renda fixa. Eles vivem do turismo étnico.
Conforme destacou Nascimento (2010, p. 82), “os moradores do Sahu-Apé se concentram no
atendimento aos clientes”. Constantemente, a comunidade recebe turistas tanto de Manaus
como também de pousadas e de hotéis do entorno da comunidade. Por estar localizada numa
área metropolitana de Manaus, figura 5, o acesso é bem simples, com ruas asfaltadas, água
filtrada e iluminação adequada, facilitando a imersão dos turistas e visitantes que chegam à
capital Amazonense e participam de atividades memoráveis.
Figura 5: Mapa da localização da comunidade Sahu-Apé.
Fonte: MAGALHÃES, MAGNUS (2020).
65
Em 2019, por meio de um trabalho extensionista da Universidade do Estado do
Amazonas, foi possível elaborar o croqui junto com os comunitários sobre a organização e
distribuição dos espaços disponíveis na comunidade (VILÁCIO et al., 2019). A professora
Zelinda da Silva Freitas Neta (2019), em suas narrativas na língua Sateré-Mawé Kian, destaca:
“nossa organização das tarefas e distribuição na comunidade foi pensada pela vovó Baku, cada
localização foi pensada por ela”, que se firmou nesse território, conforme figura 6.
Figura 6: Croqui dos espaços da Comunidade Sahu-Apé
Fonte: VILÁCIO et al., (2019).
O território construído ao logo das vivências históricas da comunidade estabelece um
vínculo afetivo com o lugar. “O território é um produto socialmente produzido, um resultado
histórico da relação de um grupo humano com o espaço que o abriga” (MORAES, 2000, p. 17).
Ao longo do tempo, a comunidade foi se reorganizado para atrair o turista. “Eles querem
conhecer o barracão, a escola e a farmácia” (JOÃO SILVA, 2019). Os comunitários se mantêm
da venda dos artesanatos e de visitas turísticas, sem o apoio de organização ou do governo do
estado.
66
Na Saúde, recebem auxílio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), herdeiros
da senhora Zelinda Silva, sendo os filhos: João, Mizael, Midian, Ismael, Luciane e Lucemir,
residentes no mesmo local. Esses formam um grande clã, vivendo de atividades turísticas, tendo
como base central o Ritual da Tucandeira, o artesanato, a plantação de ervas medicinais e a
farmácia tradicional denominada de kunã.
Quanto à Casa da Tupana, os relatos do pajé senhor Ismael da Silva Freitas (Sahu)
informam que “o local desta terra tem uma terra boa, tudo que se planta nasce. Toda matéria
prima usada nos remédios, tem na aldeia, como mangarataia, ervas, mel de abelha e essências”.
A Casa de Tupana chama atenção pelo ato da cura física e espiritual. É um local sagrado onde
só adentra aquele que tiver permissão do tuxaua e do pajé. A líder tuxaua senhora Midian Freitas
reforçou que o “turista vem em busca da cura. Às vezes o turista nem está doente, mas vem em
busca da paz. Vem em busca de conversar com o pajé”.
Na memória narrativa de João da Silva (2020), “o turismo acontece na comunidade
desde o ano 1990, onde nós fazíamos anel de tucumã para vender na Universidades Federal do
Amazonas (UFAM) e universidades particulares de Manaus, então vem de muitos anos”. Ele
relembra um tempo memorável dentro da comunidade, lamentando o declínio por falta de
incentivos. Atualmente, segundo o João “houve uma queda nas atividades turísticas.
Para Vilácio et al. (2019), de forma harmoniosa, coletiva e compartilhada, a liderança
na comunidade é atualmente exercida pela Tuxaua Midian Silva (Pyan), que assumiu após o
falecimento de sua mãe, a senhora matriarca Zelinda (Baku). Segundo Nascimento (2015),
Zelinda por muitos anos foi reconhecida como a primeira Tuxaua mulher, do povo Sateré-Mawé
à frente da organização política da comunidade Sahu-Apé. Cabe ao tuxaua incumbir as tarefas
aos demais líderes, assim como aos professores, ao pajé (Sahu) – líder espiritual – e aos grupos
de jovens guerreiros (merins).
A parte cultural é transmitida pela senhora Midian Silva, que assumiu o papel de tuxaua.
Ela tem a função de transmitir os saberes sobre mito, ritos, e do espaço sagrado (nosoken). João
destacou que as crianças e jovens são ensinadas a caçar e a pescar. Segundo a tuxaua, o senhor
Moi, que é o pai avô, também ensina as tarefas de sobrevivência aos mais jovens.
As mulheres exercem funções de lideranças dentro da comunidade. Depois que as irmãs
deixaram de ser empregadas domésticas, elas se dedicaram ao artesanato que produzem para
atender o mercado turístico no Estado do Amazonas, garantindo o sustento da famíla
(ARAÚJO, 2010).
67
Destacamos que, na época das vivências em Terras Indígenas, a proteção das tribos era
de responsabilidade do Estado, por meio do Serviço Público de Proteção ao Índio (SPI). O
órgão constantemente registrava conflitos entre colonos e indígenas, por vários motivos, dentre
eles a invasão das terras e o desmatamento. Tais atitudes feriam os princípios da legislação, que
tinha como um dos objetivos integrar o indígena à sociedade. O descumprimento desse objetivo,
por sua vez, suprimiu o SPI em 1967 (BERNAL, 2005). Atualmente, o órgão responsável é a
Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Foi nesse contexto de conflitos e indecisões, carregada de incertezas, medo de criar os
filhos, diante das doenças que apareceram sem cura, sem vacinas para o índio, que a senhora
Tereza Silva enfrentou os desafios. A líder se apegava no Ritual da Tucandeira, realizado com
as picadas das formigas que, segundo suas crenças, funcionam como uma espécie de vacina,
Sateré-Mawé, conforme destacou Pedro Ramãw Silva, neto da senhora Tereza. Foi em meio a
essa luta que a guerreira deixou seu território, alterando suas raízes, as memórias da fase de
criança, migrando com seus oito filhos, sendo sete mulheres e um homem, ainda menores de
idade, para Manaus.
Conforme os relatos do professor João Silva, “a cultura é passada para as crianças, logo
pela manhã, ainda na mesa do café. Na escola, é repassado os conhecimentos da tradição
cultural pelas professoras formadas em história e em pedagogia”. As crianças são estimuladas
a praticarem rituais diários como caçar, pescar, cuidar da floresta e dos animais. João Silva, nos
revelou cada detalhe da comunidade. “O caçador chamado de Mokeu faz armadilhas
tradicional, mas também usa espingarda. Caça paca, tatu, porco do mato e pássaros para
alimentos”. Na comunidade residem 35 pessoas, sendo 19 crianças e adolescentes, na faixa
etária de 01 mês até 13 anos de idade, formando o grupo familiar da senhora Baku, conforme
figura 7.
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Figura 7: Família Sahu-Apé.
Fonte: CARVALHO J.M. (2020).
69
Segundo Pierre Nora (1993, p. 3), “a memória é vida [...] está em permanente evolução,
aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações
sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações [...]”. Assim, as narrativas dos membros
da família sempre se voltam ao passado vividos em Terras indígenas, como afirma o tuxaua
Pedro (2020): “sou índio em qualquer lugar, vivo minhas tradições, comemos peixes assado na
bananeira, banana assada, milho assado, macaxeira”. Essas memórias narradas se transformam
em histórias, permanecendo vivas na tradição.
Os desafios enfrentados pelo povo Sateré-Mawé nas Terras Indígenas ainda hoje
existem. Notamos a luta pelo espaço, a frente contra a intolerância, mantendo sua integridade
física, moral, intelectual, buscando o respeito à singularidade, sua alteridade, o seu modo de
vida. No Estado do Amazonas, essa resistência na sociedade é mantida por 29.506 populações
indígenas, em 35 etnias, num total de 253 Comunidades (DSEI, 2020).
Por outro lado, corroboramos a sustentação de suas práticas ritualísticas, como forma
de internalizar a tradição sociocultural, imersas na sua forma de ser o verdadeiro Sateré,
guerreiros da floresta, com sentimentos, desejos, sonhos e aspirações de forma simbólica, que
se afirmam nos rituais, sobretudo no Ritual da Tucandeira (ALVAREZ, 2009).
Acerca disso, diversos autores destacam variadas formas de comunicação nos rituais.
Para Leach (1995), o ritual não é um tipo de ação e sim qualquer tipo de ação rotinada.
Fundamentados em Turner (2005), Leach (1995) e Saraceni (2013), observamos que todo ritual
traz um elemento principal e representativo, que pode ser humano ou animal, como sapos,
morcegos, vespas, abelhas, vacas, dentre outros.
A magia histórica impregnada nas narrativas enigmáticas dos Sateré-Mawé acena para
a origem do Noçoquem, morada dos heróis míticos do povo. Nas descrições de Nunes Pereira
(2003, p. 22), que viveu com esse povo na década de 1939, consta o lugar de paisagem
exuberante, “pitoresca e opulentas da Amazônia brasileira, sendo a representação panteísta do
Noçoquem”, local onde estão reunidas todas as plantas e animais úteis aos povos, delineado na
lenda do Guaraná. Essa população foi destaque em várias narrativas dos cronistas e viajantes,
“é correndo as ribeiras do Tapajós de parte do leste, fazendo da última cabeceira, viagem de um
dia, se chega ao sítio em que pela terra a dentro se acha já a nação Magues” (NUNES PEREIRA,
2003, p. 24). O interesse dos viajantes era realizar trocas e venda das especiarias. A senhora
Maria Silva (2019) narrou que “muitos comerciantes entravam no rio Andirá em embarcações
conhecidas de regatão”.
70
Assim, a figura representativa, protagonista, no caso específico da etnia Sateré-Mawé,
é a formiga Tucandeira. Com a força da vibrante formiga e a proteção do deus Tupana, o ritual
com as formigas têm atraído turistas para a comunidade. Assim, a família Silva, com a aura da
mitologia e da floresta mantiveram o sustento de suas famílias. Mitologia que, segundo Barthes
(1999, p. 131), “comanda a vida e a morte da linguagem mítica” e é tão singular.
Essas mulheres, em Manaus, passaram por dias cinzentos, percorreram muitos bairros,
sem profissão, tiveram que trabalhar como empregadas domésticas e muitas vezes foram
humilhadas, conforme relato da neta Midian Silva, atual tuxaua (2020). Sem deixar a tradição
cultural, foram reconhecidas e convidadas a participarem de atividades turísticas do hotel Ariaú,
segundo destacou Nascimento (2013). Foi a oportunidade do empoderamento da senhora
Tereza Silva e das sete filhas de se reafirmarem na epopeia, na saga dos rios e canoas para a
migração em espaços urbanos, no Estado do Amazonas.
Nas narrativas memoráveis do professor João Silva, destacou que desde “1998 entramos
em parcerias com o hotel Ariaú, e realizamos um projeto na Fundação Estadual dos Povos
Indígenas FEPI, hoje é a Fundação Estadual do índio, FEI, em que tivemos a visão da
importância do turismo na comunidade, na valorização da nossa cultura e com o fechamento
do hotel, nosso trabalho ficou prejudicado”. Para Gastal (2018) cultura dialoga com o turismo
pelo viés da intertextualidade, nesse intercruzamento, necessário para novos tempos, em que o
turista almeja conhecer e vivenciar experiências de vida.
Ao longo desses mais de cinquenta anos em Manaus, seus filhos constituíram famílias
e atualmente vivem tanto na capital do Amazonas, quanto em outros municípios próximos. Na
capital, a família de Dona Tereza está organizada em pequenos grupos que moram em diferentes
bairros da área metropolitana.
Com base em tudo que vimos até aqui, destacamos que a relação homem e natureza é
bem marcante, pois afirma o modo de pensar e de se relacionar com a terra, com os elementos
da floresta, com os animais e com linhagens na ancestralidade, em que não há distinção entre a
natureza e o ser humano, sem interferir na vida dos que vivem na cidade.
Destacamos ainda o trecho da Carta Aberta, da V Marcha dos Povos Indígenas do
Amazonas, datada em dezembro de 2019, que enfatiza a necessidade dos que residem na cidade.
O fragmento é este: “que os parentes que vivem na cidade têm o direito à vida e moradia dignas
e a políticas públicas específicas e diferenciadas” (FOREIA, 2019). Assim, o que as lideranças
71
indígenas buscam é a criação e permanência de políticas públicas e garantir a subsitência das
famílias indígenas que residem nas àres urbanas e metropolitanas de Manaus.
1.2. O povo Sámi e sua construção histórica como povo indígena do Ártico.
Neste item voltaremos nosso olhar para o povo Sámi do Ártico, um povo que tem
resistido ao contexto histórico pela determinação e reafirmação da tradição cultural, como
fortalecimento e reconhecimento dos seus direitos (DORSCH, 2017). Sabemos que a Noruega,
historicamente, envolve uma carga cultural iconográfica que nos revela a saga dos povos do
Ártico, conhecidos pela bravura em navegar lugares desconhecidos, em embarcações próprias,
com vasto conhecimento marítimo e de hábitos diversificados, como pastorear renas, trabalhar
na agricultura e produzir artesanatos manuais. Dessa maneira, segundo Langer (2017, p. 11),
“a diversidade escandinava é baseada na diferença entre grupos de cada região, classificados
como cultura nova ou antiga, estritamente relacionadas à formação das identidades nacionais
durante o século XIX”. Nesse contexto, os povos nórdicos do Norte são uma denominação
decorrente da historicidade, que incluem o povo Sámi, conhecidos como povo do Ártico.
Percebemos a diversidade a partir da capital da Noruega, Oslo. Durante o campo
etnográfico, ao chegar no país norueguês, observamos um povo que tem orgulho da cultura
expressa nos roteiros, conforme anexo A. Nos locais visitados, ainda nos aeroportos,
identificamos sempre a presença de algum elemento que remetesse à cultura do povo Ártico, a
exemplo o canto yoiks nas salas de espera. Já no solo de pesquisa, em Tromsø, nos deparamos
com o emprego constante da língua Sámi, língua cooficial do país. Isso reforça que a cultura
apresenta uma intertextualidade com o turismo, como um fenômeno social presente de forma
planejada em diversos cenários. As narrativas e feitos heroicos do povo também são visíveis
nas leituras dos viajantes daquela época (APOSTOLOS TSIOUVALAS, 2020).
Os feitos heroicos dos Sámi foram divididos em narrativas que falam das crenças e dos
fatos históricos. Nas narrativas ligadas à mitologia, são descritos os seres sobrenaturais da
animalidade, que surgem para vivenciar e alegrar o povo ou para amedrontar ou difamar de
modo bem pejorativo, fazendo atribuições ao não cristão. “Contam sobre os seres que vivem
no mar ou que pastoreiam as suas renas no subsolo, dependendo a sorte e o azar dos humanos
da sua capacidade de compreender e interpretar os fenômenos enfrentados, a realidade e a
natureza circundantes” (ALVES, 2011, p. 30).
72
Nos fatos históricos estão presentes os conhecimentos concretos nos quais são descritas
as origens das cidades, mostrando o percurso até o reconhecimento, considerado o único povo
indígena da Noruega. Sendo assim, a partir da ancestralidade, o teor das narrativas tem a função
do mito, refletindo a visão de mundo e a compreensão das leis que no decorrer do tempo
poderão estar aliadas com os fatos históricos (LÉVI-STRAUSS, 2014).
O termo “povos nórdicos” está relacionado às “questões geográficas, as quais englobam
os antigos habitantes da Islândia, da Noruega, da Suécia, da Dinamarca, da Alemanha, da
Holanda e das Ilhas de Orkney, Shetland e Faroé” (FAUR, 2014, p. 30). Nessa diversidade
geográfica havia a troca de saberes culturais na qual os guerreiros vikings ousavam partir para
longe de sua pátria, em realização comercial, socializando os costumes, crenças, mitos (FAUR,
2014). Assim, a Era Viking passou por dois séculos de invasões na Europa e diminuíram após
a adoção do cristianismo pelo rei Olav Tryggvson em 994, d.C (ALVES, 2018).
A Noruega é um país que tem uma população de 5.372.191 (cinco milhões, trezentos e
setenta e dois mil e cento e noventa e um habitantes), conforme dados do censo de Inteligência
dos Estados Unidos (2018). De características peculiares do Norte do Ártico, é um país
diversificado com marcas históricas. Dentre as comunidades norueguesas, Tromsø é uma
cidade ao Norte da Noruega, de poucos mais de 76 mil habitantes, onde a cultura do povo Sámi
é respeitada e garantida por legislação própria.
Nosso percurso se inicia ao atravessar os mares e buscar as vivências culturais do Ártico,
no campo do turismo étnico. Essa foi sem dúvida a melhor maneira de compreender essa
relação, partindo de sua cosmologia, isto é, voltando-nos “às ideias, aos hábitos, às práticas
ritualísticas e aos sonhos de uma sociedade” (BOFF, 2016, p. 17).
O encantamento em estudar o povo Sámi do Norte da Noruega, em Tromsø, se deu pelo
fato de este ser um dos povos indígenas com história bimilenária e ter resistido a inúmeros
ataques e discriminação pela cosmovisão vivida. Detentores de rituais, embora muitos não mais
utilizados, esse povo tem buscado ressignificar a tradição cultural em diálogo com o governo
norueguês, principalmente após a década de 1980 (HOFFMANN, 2011).
Os Sámi, politicamente, têm seu próprio Parlamento e, na legislação, foram assegurados
os variados signos que marcam a identidade do povo no país. Dentre esses estão a bandeira, a
legislação, a língua, sendo reconhecidos em placas sinalizadoras nas ruas das cidades e noutros
espaços de destaque. Em nossos estudos, percebemos que o Parlamento Sámi, regido pela lei
do mesmo povo, tem poder político junto aos setores governamentais (ALVES, 2011).
73
Atualmente, o Parlamento Sámi estabelece um diálogo harmônico com o governo
Norueguês, na garantia e valorização da tradição cultural (DORSCH, 2017). Destacamos que,
no Brasil, segundo o senhor Bengtson, Kristian, coordenador da Embaixada dos povos da
Noruega, em entrevista, “o fortalecimento dos diálogos entre as instituições e Sámi são sadias
e promovem a sustentabilidade”. São esses os conhecimentos pelos quais o turista que visita à
cidade de Tromsø se sente atraído e manifesta o desejo de conhecer a cultura do povo Sámi do
Ártico.
Na literatura, as origens dos Sámi foram descritas no ano 98, d.C., conforme relata
Dorsch (2017, p. 24).
A primeira vez que um cenário de origens Sámi foi apresentado em fontes literárias
foi pelo romano Publius Cornelius Tacitus, na obra “Germania”, escrita em 98 anno
domini, tornando-se na primeira obra etnográfica sobre as chamadas, tribos bárbaras,
fora do Império Romano (UNRV History, 2003), com um especial foco na localização
geográfica, a afiliação étnico-linguística e os modelos tecnológicos utilizados.
Segundo Alves (2011, p. 27), esses povos foram definidos por J. Martinez no Estudo do
Problema da Discriminação Contra as Populações Indígenas, de 1984, da seguinte maneira:
Tendo uma continuidade histórica com as sociedades anteriores à invasão e
colonização que se desenvolveram em seus territórios, consideram-se diferentes de
outros sectores das sociedades que agora prevalecem nesses territórios, ou em partes
deles. Sectores não dominantes da sociedade e têm a determinação de preservar,
desenvolver e transmitir a futuras gerações, seus territórios ancestrais e sua identidade
étnica, como base da sua existência continuada como povo, de acordo com os seus
próprios padrões culturais, suas instituições sociais e seus sistemas legais.
De acordo com Dorsch (2017), a herança cultural permanece viva, mesmo passando por
fortes preconceitos, conforme crônicas narradas descritas por viajantes, no período de XII, XIII,
XIV e XV. No século XIX e XX, a identidade Sámi teve reconhecimento com crescimento
expressivo dentro do olhar dos governantes noruegueses, caminhando para uma emancipação
cultural.
Já no início do século XX, deu-se início às primeiras pesquisas genéticas sobre o povo
Sámi, desvelando estudos que, no auge de 1990 até 2003, chegaram a achados genéticos que
“determinaram a sequência hereditária de organismos codificados no ADN humano, com o
intuito de identificar o genótipo do genoma humano e mapear um mosaico de sequências de
cromossomas” (DORSCH, 2017, p. 27). Foram períodos tensos, desafiadores, pois a
exploração, as guerras e a navegação marítima fizeram com que os Sámi perdessem parte do
legado cultural. Fato esse sinalizado por Alves (2011, p. 32), que deu destaque à sociedade
74
moderna, a qual nos anos após Segunda Guerra Mundial colocou toda a cultura Sámi perante
vários desafios.
Quanto aos dados étnicos noruegueses, esses apresentam um percentual de 83,2%, que
inclui cerca de 60.000 (sessenta mil) Sámi no país, conforme base de dados da Central de
Intelligence Agency, publicados no portal de notícias via web, em 2018. São considerados
habitantes nômades que vivem nos cinco condados mais ao norte do país, acima do Círculo
Polar Ártico. Eles vivem nos quatro países denominados de Sa'pmi, destacou Robert Pettersson
(2001). Conforme dados do Parlamento Sámi em Tromsø (2017), há no município 842 pessoas
Sámi (TODAL, 2018), essas vivem do comércio, do turismo e principalmente de pastoreio.
Os topônimos usados para designar o povo Sámi aparecem por outros etnônimos, tais
como: Saami, sáami e Sámi. Para Valtonen (2017, p. 53), esses termos estão relacionados à
região, especificamente, onde são empregados pela ecolinguística, levando em consideração a
origem, a evolução e o empréstimo das línguas.
Quanto ao idioma, os Sámi falam dez línguas distintas, com variantes linguisticas,
pertencentes a um grupo linguístico raro no qual se encontram o finlandês e o húngaro “do ramo
fino-úgrica da família Uralic” (LEHTOLA, 2005, p. 10-11). Das dez línguas faladas pelos Sámi,
seis possuem sua própria norma escrita, ancorada nas leis do Parlamento Sámi, que é um tipo
de organização política do povo, divididos em dialetos regionais e são reconhecidos como um
povo indígena na Noruega (KAHN; VALIJÄRVI, 2017). Eles formam um grupo étnico nativo
da Lapônia, abrangendo as regiões setentrionais daquele país, além da Suécia e Dinamarca
(GRAHAM-CAMPBELL, 2006). Apesar das diferenças geográficas, climáticas, linguísticas e
culturais, eles têm a mesma origem e compartilham os saberes de tradição cultural semelhantes,
de acordo com Faur (2014).
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(Unesco, 2013), os seis grupos falantes da língua Sámi estão em situação de perigo, devido aos
fatos associados ao passado histórico do povo. A denominação desses grupos e a quantidade de
falantes é disposta da seguinte maneira: a) Skolt Sámi, com 300; b) North Sámi, com 30.000;
c) Lule Sámi, com 2.000; d) Piter Sámi, com 50; e) Umi Sámi, com 20 e f) Sámi do Sul, com
500 falantes. Esses dados foram apresentados no atlas de 2013 da Unesco, divulgado pela
Universidade de Tromsø, em 2018.
Sobre o Sámi North, os dados da Unesco mostram que, “neste período de 2013, havia
30 mil falantes, sem especificar as cidades” (2018, p. 89). No entanto, na cidade de Tromsø, de
75
acordo com dados do Parlamento Sámi de 2017, o número de eleitores identificados foi de
1.404 pessoas, sendo que desses, apenas 842 votaram na última eleição. De acordo com Dorsch
(2017, p. 47), “os Sámi são representados na Assembleia Parlamentar na Noruega, na Finlândia
e na Suécia e, embora percebidos como órgãos, governam a autonomia Sámi”, no que tange às
políticas sobre educação, cultura, língua e ao estatuto indígena.
Um povo de origem indo-europeia que, na sua diversidade, apresenta diferenças
linguísticas e culturais, porém, também apresentam e compartilham mitos, crenças, costumes
folclóricos e conceitos religiosos semelhantes a outros povos. “À medida que os guerreiros
vikings se aventuravam para longe de sua pátria, em busca de comércio, conquistas e pirataria,
eles também levavam consigo, crenças, mitos e costumes” (FAUR, 2014, p. 629).
O povo Sámi, apesar de muito antigo, é “pouco estudado, praticamente desconhecido.
Eles habitam o Norte da Escandinávia, da Noruega, Finlândia e a Península Kola, com
parentesco com Finlandeses, os samoiedos e as tribos siberianas” (FAUR, 2014, p. 567). No
Brasil, os estudos realizados em relação aos Sámi são incipientes, quando comparados com
produções de povos ameríndios. Por essa razão, nosso estudo se debruça sobre esse povo que
habita a Noruega/ Tromsø, tendo a cidade de Oslo, capital do país, como referência. Essa
localização pode ser vista na figura a seguir.
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Figura 8: Mapa da localização da Capital da Noruega e a cidade de Tromsø.
Fonte: TOMAZ NETO, A. G.; CARVALHO J. M. (2019).
De grande mobilidade dentro do mesmo país, a procura por melhores condições de vida,
principalmente por subsistência, é um dos fatores que Dorsch (2017) assinala. Além disso, as
constantes deslocações podem estar relacionadas à mobilidade dos animais que servem como
caça, ou ainda pelas buscas de plantas e frutos ou escolha de um local de proteção das condições
climáticas ou dos predadores.
No período de verão e outono, períodos mais quentes, as renas são deslocadas para
regiões montanhosas, onde fazem o pasto e junto delas os senhores Sámi fazem a companhia.
Em cada estação do ano, segundo Faur (2014, p. 2.151), ocorre o processo de ritual de “semear,
plantar e colher”; são signos expressos por meio dos artesanatos, dos cantos que marcam a
cosmovisão mítica que funcionam como difusor, movendo e alimentando o espírito Sámi,
ilustrado aqui pela figura 9.
77
Figura 9: Calendário anual: estações do ano.
Fonte: CARVALHO, Joelma M. (2019).
Assim, a complexidade do fenômeno não se configura somente por questões
econômicas da cidade, mas também pela afirmação identitária que marca o Sámi, reforçando a
etnicidade. Já os distintivos remetem desde a origem histórica deste povo até os dias atuais, que
nos permitem apreender não apenas os produtos cristalizados ou convencionais, mas também,
a composição semiótica (MELLO, 2019). Os elementos que marcam a identidade do povo Sámi
estão relacionados com a cosmovisão dos elementos água e Terra e do elemento cósmico
gerador de sentido, de acordo mútuo com as forças da natureza (FAUR, 2014).
Dialogando com Munch (1926), numerosos mitos surgiram e estão relacionados aos
espíritos que sofreram expulsão por meio de cânticos, orações ou água benta dos sacerdotes
religiosos, e, por este motivo, abandonaram forçosamente suas moradas em pedras ou nos
montes. No passado, os Sámi eram ridicularizados ou acusados de serem supersticiosos por
acreditarem em deuses e xamãs. “Dessa história muita coisa se perdeu e ficou ofuscada e muitos
jovens não sabem disso e não entendem sua própria cultura quando se trata do xamanismo”,
lamentou a senhora Unni Lundstedt (2019).
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São muito presentes as lembranças do passado, memórias deixadas pelos ancestrais,
entre os Sámi, conforme destacou Faur (2015, p. 63): “para criar uma sintonia com a antiga
tradição, o ritual de iniciação deve ser ao ar livre”. Desse modo, os símbolos se apresentam em
cada ato, carregado de metáfora, e um simples andar pela beira do mar é como renascer num
momento do passado.
As práticas ritualísticas se estabelecem por meio de pessoas, objetos e locais, de forma
organizada e dinâmica, “criando danças, cantos, músicas entre outros métodos para garantir a
conexão entre o homem e o sagrado” (AYOUB, 2015, p. 408). Também os rituais ocorriam em
locais naturais como as margens do rio, colinas, campos, ou outros locais (AYOUB, 2013).
Dentro desse contexto, destacamos o compartilhamento da senhora Sámi Trine Marit (2019),
esposa do líder xamã, que mostrou com orgulho, uma pequena embarcação de madeira, usado
em ritual da pesca, conforme figura 10.
Figura 10: Embarcação Sámi.
Fonte: Museu Tromsø (UIT), acervo fotográfico, CARVALHO J. M. (2019)
A embarcação representada na (figura 10), se destaca na tradição desse povo. Ela faz
referência aos antepassados e é usada nas noites e dias de pescarias, assim destacou Faur (2014,
p. 55). Nesse sentido, “a presença constante de barcos mostra a importância do mar, tanto como
fonte permanente de alimento, quanto como meio de transporte e intercâmbio comercial”
(ASAD, 2011, p. 265), ou seja, que todo saber histórico marca um povo por meio de símbolos,
que “traz uma concepção e significância intelectual, instrumental e emocional” (ASAD, 2011,
p. 265).
Em relação aos elementos da natureza, a senhora Sámi Trine Marit (2019), de forma
ritualística, retirou das margens do mar uma pedra gelada e toda amarelada de sal. Em um ritual
79
de acolhida, ao receber a pedra, ela estabelecia a sintonia com o povo. Aqui, lanço mão de um
tom ainda mais intimista para afirmar que, ao pegar na pedra, inspirei-me e tão logo retornei ao
mar como agradecimento pelo momento que estávamos vivendo.
Para Apóstolos Tsiouvalas (2020, p. 73) “as narrativas indígenas, o uso de
conhecimentos e crenças espirituais, na tentativa para prevenir incidências iminentes as quais
podem ser encontradas em várias outras formas de literatura oral”. Em forma de gratidão, a
senhora Sámi presenteou-me com outras pedras e conchinhas do mar pois, segundo ela, “os
elementos do mar purificam, vibram e energizam os seres”. Assim, a catarse é um ato de
purificação que projeta os desejos e anseios para um novo momento.
Na mitologia Sámi as pedras fazem conexão com outros mundos, “as grandes pedras
que eram tidas como portais de conexão para os outros mundos, e onde podiam ser realizadas
cerimônias sacrificiais e oferendas às divindades e espíritos” (KENT, 2014, p. 84). Esses eram
momentos para reunir em torno do fogo, cantarolando e se alimentando de frutos da natureza.
1.3. Sateré-Mawé e Sámi: um universo comparativo em construção.
Trilhamos pelos caminhos de dois universos: o primeiro, do povo Sateré-Mawé; o
segundo, do povo Sámi. Esses espaços nos proporcionaram a compreensão da visão
cosmogônica das populações. Ambos os caminhos carregam o altruísmo de guerreiros,
detentores de um manancial cultural, singrando no desejo pela inserção social, de serem
respeitados pela humanidade e de viverem com dignidade no planeta (MORIN, 2014).
Conforme descrito anteriormente, ambos os povos passaram por um processo histórico
de perseguições, de conquistas e de reconhecimento em seus países de origem. De um lado, o
povo Sateré-Mawé, resistindo ao tempo desde o século XVI, em um lugar mítico onde as pedras
falavam, onde a floresta dialogava com os humanos, sendo a natureza o seu habitat,
contribuindo com as necessidades do homem indígena, como o ar, água, terra, alimentos, fauna
e flora. Da mesma forma os Sámi são conhecidos como caçadores-recoletores, os quais
povoavam e ainda povoavam o polo Ártico, com habilidades na caça, na pesca, no ato de
pastorear e com forte presença da tradição cultural (DORSCH, 2017).
A população Sámi apresenta fontes tradicionais de sustento do povo que incluem a
criação de renas, a caça, a pesca, a agricultura e o duodji, artesanato construído de forma
ancestral e que carrega saberes representativos do povo. Essa tradição do mundo nórdico mostra
80
artefatos que revelam inquietações e entusiasmo no cenário artístico, no imaginário, no campo
linguístico e místico (LANGER, 2015).
A geografia é um dos fatores que separam o povo Sateré-Mawé do povo Sámi. A
distância em linha reta entre o centro geográfico do Brasil e o centro de Noruega fixa-se em
torno de 9.866 km ou 6.130 milhas. Assim, o que os unem são os mesmos ideais, motivados
pela riqueza histórica e de tradição cultural que o povo Sámi e Sateré representam para nossos
estudos e para o planeta.
É deles que vem o desejo de salvaguardar os biomas da Amazônia e das Tundras e
Taigas, na proteção do meio ambiente, na garantia de vidas futuras e na manutenção dos povos
das florestas, dos povos do Amazonas e dos povos do Ártico, pois sabemos que os
desmatamentos repercutem seus efeitos nas regiões mais extremas do planeta. Desse modo,
trazem consequências diretas para o sofrimento de ambas as culturas (APOSTOLOS
TSIOUVALAS, 2020)
Sabemos que tanto o povo Sámi quanto os Sateré dependem da natureza para manter a
tradição viva, pois é dela que vem toda a matéria prima para a realização de rituais e festas de
tradição milenar, pois a natureza representa a vida, lugar propício para a realização de tudo. Há
uma ligação profunda com a terra em virtude de seu grande demiurgo – waraná, para o Sateré-
Mawé. As teias mitológicas dos Sámi “foram preservadas até hoje pela transmissão oral por
meio dos mitos, lendas, contos de fada, sagas, crenças e outras manifestações” (FAUR, 2014,
p. 174). A senhora Sámi, Unni Lundstedt (2019), em entrevista, afirmou que o povo “vive em
equilíbrio com a natureza, de modo organizado e independente, com o Parlamento e regimentos
próprio, com hinos e bandeiras criados em 1986 e seus respectivos signos”.
Dentro desse contexto, destacamos que todo dia 06 de fevereiro é comemorado o Dia
do Sámi, conquista de 1995 como reconhecimento pela cultura (ALVES, 2011). Nesse dia, as
festividades acontecem em todo território, difundindo danças, cantos, corridas com renas, além
de comidas típicas do povo, numa troca de saberes singular. Nesse viés, cultura e a sociedade
se estabelecem mutuamente por meio das relações e interações entre indivíduos, transmitindo
a tradição, fazendo surgirem as interações, numa metamorfose da sociedade, em qualquer
cultura e vice-versa (MORIN, 2011).
O mundo mitológico é revelado de signos que assinalam a identidade, a história e a
filosofia de vida compondo a cultura imaterial do povo Sámi, que representa parte substancial
da tradição cultural. A história, o mito e os rituais têm papel importante no tempo e no espaço,
81
de um povo. Segundo Dorsch (2017, p. 23), o mundo mitológico “funciona como um
renascimento unificado, destacando as relações entre Homem, Natureza e Espírito”. No entanto,
com a expansão da grande Indústria e das tecnologias, esses povos têm sofrido ameaças na
saúde e em seus territórios. Desde a década de 70, o lugar sofre com a degradação da biosfera,
envenenamento do meio e ameaça às espécies (MORIN, 2014). Nesse sentido, Bauman (2005,
p. 24) nos convida a refletir sobre identidade e, para ele, “a identidade é algo que é construído
para se manter no que acreditamos ser, e é alvo de um esforço, lutar por ela e protegê-la”.
Na sincronia da exuberante natureza que se molda entre os povos indígenas Sateré e
Sámi, observamos certa semelhança nos costumes e na forma de conviver com a sinergia da
Terra, do Sol, das montanhas, florestas, das águas dos rios e dos oceanos numa força da
“democracia sociocósmica” (BOFF, 2016, p. 154). A expressão dos ofícios, dos saberes,
sabores e práticas ancestrais, que se mantém vivas até hoje, promovem o compartilhamento de
suas culturas para aqueles que praticam o turismo em suas terras, num diálogo intercultural
responsável que, segundo Deleuze (2012), demonstra a complexidade entre natureza e cultura
forma um conjunto interligado.
Nesse sentido, percebemos que ambos os povos sabem administrar as transformações
decorrentes da necessidade da era moderna. Logo, nascem novas perspectivas para o campo do
turismo étnico, por uma política pública pautada no desenvolvimento sustentável e na garantia
do povo indígenas (SANTOS, 2015). Dessa forma, tanto os Mawé quanto os Sámi carregam
uma história construída através das vivências dos seus antepassados com representações
culturais e marcas identitárias advindas dos tempos de narrativas mitológicas. Dialogando com
Morin (2011), esses tecidos de fatos, acontecimentos e interações se unem para formação do
fenômeno do mundo.
Este manancial de conhecimentos demonstrados por meio do mito e dos rituais presentes
ao longo do tempo de maneira salutar nos sugere que, para o contexto atual, é possível vivermos
de forma ecológica com espírito humanitário, sinalizado por Unger (2000), ancorados nos
princípios da civilização, compartilhando tais ideais por meio do turismo e nos espaços culturais
em qualquer lugar. Assim, seguiremos tecendo cada capítulo com os laços e teçume de cada
trançado, seja na fibra do arumã ou em cordas, como olhar de renas para além do fenômeno
desta escrita.
82
CAPÍTULO 2 – RELIGANDO SABERES AO TURISMO ÉTNICO INDÍGENA
SATERÉ-MAWÉ E SÁMI
2.1. A interface da semiótica com o turismo: signos e símbolos
Neste diálogo, refletimos sobre os estudos específicos da semiótica e da relação com o
turismo étnico, entrelaçados e articulados entre os saberes científicos e empíricos que se unem
aqui, na tentativa de iluminarmos nosso estudo em questão, identificando as contribuições da
mitologia na formação do espírito criador dos indígenas Sateré-Mawé e Sámi, a partir das
narrativas presentes nos rituais numa descrição semiótica para o turismo étnico.
Esta fundamental etapa nos proporciona o acesso a uma gama de conhecimentos
vinculados à temática inquirida e contribui para a fundamentação teórica deste estudo. De tal
modo, nos servimos de Jafari (1981); Girard (1990); Uggé (1993); Urry (2001); Peirano (2003);
Turner (2005); Bahl (2009); Peirce (2017); Ricoeur (2010); Eliade (2010); Claude-Lévi-Strauss
(2014); Faur (2014); Spode (2015); Corbari (2016); Agamben (2017); Benjamin (2018);
Campbell (2019) e Mello (2019). Tecemos discussão sobre o turismo cultural, de experiência,
e turismo étnico, e, ao adentrarmos por esses conceitos compreendemos melhor a relação da
vida desses povos em tela. Assim, passamos a debater a prática do turismo e com isso construir
um caminho de conhecimento ao longo de uma história.
As percepções dos conceitos sobre semiótica, turismo étnico, turismo de experiência e
a ritualística xamânica são importantes para nos situarmos e nos alicerçarmos no método da
complexidade de Morin (2014). Dentre os teóricos que abordam a proposição sobre o signo,
Peirce foi o maior representante da teoria. Ele marcou o século XIX e o século XX,
caracterizando o signo em múltiplas divisões.
A semiótica peirceana é considerada eminentemente triádica, isto é, seus elementos
constituintes se estruturam em três dimensões principais: signo; objeto e interpretante. Essa
constituição, por sua vez, vincula-se à lógica e está ancorada nas categorias primeiridade,
secundidade e terceiridade, como ciência dos significados e de relações mútuas. Sinalizamos
ainda que “a tríade peirceana pode ser aplicada a fenômenos sem emitente humano” (ECO,
2012, p. 11). Peirce afirma que as ideias de primeiro, segundo e terceiro são componentes do
conhecimento do indivíduo e “a imaginação faz naturalmente a ligação entre esses componentes
por meio dos pensamentos” (PEIRCE, 2017, p. 13).
83
Como exemplo da primeiridade, trazemos o elemento sol. Esse nos remete aos efeitos
de uma determinada temperatura que podemos definir como quente em determinada estação do
ano. Naturalmente, trata-se de um fenômeno em que não há o que se discutir. Na secundidade,
usaremos o exemplo das formigas Tucandeiras, as quais remetem à picada/ferrar com efeito de
dor, que precisa de outro elemento para esse efeito, isto é, o neófito. E, na terceiridade, segundo
Peirce, há uma junção dos três elementos, denominando-se tríade.
Diante da análise, o sol emite sensação de calor, logo é quente; a formiga Tucandeira
remete ao status de guerreiro; o terceiro é o que representa os elementos para o interpretante,
isto é, a compreensão do que é sol e a formiga Tucandeira, logo sol e formiga Tucandeira são
signos. Certamente, nem toda pessoa conhece a formiga Tucandeira, então, não será possível
estabelecer uma conexão convencional de símbolo (EVERET, 2019). Para melhor compreensão
segue o Quadro 1, cuja finalidade é demonstrar a relação do objeto com o signo e com o
interpretante.
Quadro 1: Relação triádica.
Fonte: CARVALHO, J. M., a partir das ideias de Peirce (2017).
Como ciência dos signos, a semiótica é amplamente contemplada por várias ciências,
tornando-se interdisciplinar nas variadas áreas do conhecimento que abrem novos modos de
compreender os fenômenos, constituindo um elo do objeto de atenção e aprofundamento
(SILVA, 2015). Nessa direção, vale detalhar que, para a Peirce (2017), diferentemente de
Saussure, o signo não basta apenas se expressar de forma verbal e não verbal, ele corrobora
para um universo de sentido polissêmico interpretativo que depende do interpretante.
Diante disso, entendemos que os espaços geográficos, meios sociais, históricos,
antropológicos, etnográficos, semióticos e culturais dos grupos étnicos, expressos por rituais,
estabelecem variados signos que podem ser verbais e não verbais, empregados nas canções, nos
Primeiridade
Não tem relação/
independente
Secundidade
(fenômeno e seus
efeitos)
Terceiridade
Objeto Signo Interpretante
Quente Sol Calor
Picada = Remete dor Formiga Tucandeira Status
Mítica Rena Animal que pode ser comercial
ou não
84
grafismos e na pintura corpórea, especialmente como elementos de comunicação. Além disso,
geram infinitas sensações ligadas aos cinco sentidos que podem ser gustativos, sensoriais, táteis,
auditivos e palatais (MELLO, 2019).
Sendo assim, o signo como natureza social, dentre as várias categorias, é tudo aquilo
que representa um sentido próprio para o indivíduo, cuja capacidade de criar um signo
equivalente o torna convencional; pois “o signo representa alguma coisa que representa o seu
objeto” (PEIRCE, 2017, p. 46). Essa operação é gerada pelo interpretante que, ao se deparar
com os signos, gera novas percepções, isto é, tudo o que o signo representa é designado por seu
objeto. Sinalizamos ainda que o interpretante não é apenas usuário-intérprete, mas sim um outro
criador de novo signo, que se apresenta intimamente participante nos variados processos, na
reprodução de outros.
Destarte, a mente de uma pessoa cria um signo equivalente ou ainda um signo mais
desenvolvido. Ao signo assim criado denominamos interpretante do primeiro signo, esse
representa seu objeto que, por sua vez, constitui uma referência a um tipo de ideia, denominado
de “representâmen” (PEIRCE, 2017, p. 46). Visto assim, o signo é como um procedimento de
intercessão, que abre para o infinito, sendo o significante aquilo que remete sempre para outro
significante, numa cadeia interminável, marcada pela complexidade.
A Semiótica é um ramo da Linguística que se detém sobre a capacidade hermenêutica,
o valor dos ícones, como as imagens, signos – palavras e símbolos no plano da significação que
no conjunto se formam as imagens e verbalizações. É um percurso metodológico capaz de
perceber o que está por detrás daquilo que se confronta (BUENO, 2017).
A semiótica contemporânea vai além, dividida em meio a “vocação de ser filosofia do
signo do sentido e da comunicação de ser uma das ciências humanas [...] que se ocupa das
comunicações” (VOLLI, 2007, p. 13). Assim, o olhar semiótico no turismo traz uma
diversidade de interesses e de comportamentos, numa semiodiversidade do turismo, conforme
destacou Culler (1981). Para além da tipicidade dos signos, eles estão representados em vários
espaços, sejam nos “locais de trabalho, de lazer e socialização […], na nossa vida privada”
(SANTAELLA, 2012, p. 9). A Semiótica é uma ciência formal que tem por objetivo estabelecer
como devem ser todos os signos para uma inteligência capaz de aprender através da experiência
(SILVEIRA, 2007, p. 38).
No viés do turismo, a semiótica tem sido uma nova teia de conhecimento pensada a
partir das ideias de Culler (1981), que visou apoiar o discurso, amparado no seu artigo Semiótica
85
do Turismo: “O turista se interessa por tudo como um sinal da coisa em si”. O interesse em
conhecer e consumir diferentes formas de cultura (URRI, 2001). Nessa mesma ideia, os tecidos
semióticos aparecem como significados presentes nas malas dos turistas, na pretensão de
capturar uma imagem ou na paisagem de uma floresta. De tal modo, “os turistas contemplam
lugares que eles já tenham consumido em forma de imagem. Contemplar é […] fotografar
signos ou marcas, onde os turistas estão emoldurados e fixados” (LARSEN, 2014, p. 305).
Outra contribuição teórica, segundo Mello (2019 apud DANN, 1996), em seu livro, The
language of tourism, foi evidenciar a existência de uma linguagem verbal e não verbal particular
do setor, constituída por um sistema de signos, símbolos e códigos particulares que atuam nos
negócios do turismo. Compreender o multiculturalismo no universo semiótico do signo, no
campo do turismo étnico, é embeber as concepções do objeto, do signo e do seu interpretante.
Para Benjamin (2018, p. 11), “a linguagem comunica a essência de linguagem das coisas”,
sendo que essa comunica a sua própria essência espiritual, em um sentido verdadeiro e único,
que depende dos fatores internos e externos.
Nessa perspectiva, o que se consome no campo do turismo étnico são elementos sígnicos
que, para Mello (2019), é onde reside a tradição cultural, de forma histórica, social e
comunicativa, como comunidade cultural. Esses elementos estão presentes na cultura;
sobretudo nos mitos e nos rituais. Cada ritual é agregado de símbolos, carregados de sentidos,
os quais apresentam um significado que Lévi-Strauss (2014) reconhece como linguagem. O
“ritual nasce no mito que narra a memória dos Entes Sobrenaturais […]. Os personagens dos
mitos são os Entes Sobrenaturais, que permanecem vivos em cada povo” (ELIADE, 2010, p.
11). Assim, essas memórias afirmam a tradição cultural de um povo, desvelando a essência da
linguagem, que carrega uma carga intersemiótica que molda o todo, e, para Morin (2010), o
todo é indivisível e para entendê-lo é preciso conhecer as partes.
No campo do turismo étnico indígena, para se compreender um grupo é necessário
conhecer a tradição cultural e a língua (MALINOWSKY, 1953). Acreditamos que esses dois
elementos são aqueles que mais o caracterizam, compondo o patrimônio cultural de uma região
que se consolida como a identidade de um lugar e de um povo. Destacamos que, a atual
definição oficial de Patrimônio Cultural Imaterial é definida pela Unesco (2003), como
transmissão de valores passada de geração para geração, marcante na interação com a natureza
e com a relevância histórica, de cada cultura, de cada povo e de cada lugar. Baseado nisso, o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tem se preocupado com a
86
patrimonialização das culturas, assegurando que os conhecimentos culturais dos grupos ou
comunidades sejam repassados e constantemente recriados por essas comunidades e ou grupos.
Cabe evidenciar que cada povo carrega em sua memória uma história construída através
das vivências dos seus antepassados, com as representações culturais deixadas pelo tempo,
como mitos, grafismos, formas de caçar, de pescar e de se alimentar, dentre outros, que são
elementos importantes de serem experienciados no turismo étnico. Dito isso, nasce um novo
olhar para o campo do turismo, como uma possível política de sustentabilidade, pautada nas
questões econômicas para os povos indígenas, sem gerar danos à tradição cultural e nem à
memória.
Para Bosi (2003, p. 36), “a memória é uma força subjetiva que alimenta cada nação
indígena”. Ela aparece como força subjetiva mantendo os laços afetivos com os melhores
momentos de cada indivíduo, ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e
invasora. Assim, estimular o turismo junto aos povos indígenas assegura a transmissão dos
valores étnicos, sociais e culturais, no fortalecimento das novas gerações, por meio da memória
coletiva ou individual. Sobre esse viés, Nora (1993, p. 9) nos diz que “a memória é um
fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do
passado”.
Nesse sentido, os povos indígenas do Brasil e da Noruega, sobretudo o povo Sateré-
Mawé e Sámi, têm praticado as várias formas de ritualização em espaços urbanos e região
metropolitana dos respectivos países, de forma a manterem viva a memória dos seus
antepassados. Richardson (2012) enfatizou que o ritual traz mudanças significativas que podem
oferecer dignidade e conectá-los ao pertencimento de identidade.
Nessa medida, atualmente, os indígenas procuram viver com a subsistência baseada no
cultivo da terra, realizando plantações e colhendo frutos da roça. São várias plantações para o
sustento da família em prol do “bem viver que é a busca permanente do equilíbrio Mediante a
participação de todos” (BOFF, 2016, p. 154). Assim, é de forma natural, que a liderança procura
manter às tradições pelos líderes indígenas, caçadores e pescadores, num “equilíbrio entre ser
humano e natureza; equilíbrio entre a produção e o consumo na economia na perspectiva de
uma economia suficiente, decente, sem acumulação” (BOFF, 2016, p. 154). Essas atitudes são
consideradas como patrimônio imaterial, pois geram sentimento e identidade deste povo.
Entendemos que identidade étnica não se caracteriza como algo estático. Barth (2000)
considera que esta pode ser construída a partir das interações dos grupos sociais. No entanto,
87
ele afirma que a influência mútua com outros grupos não leva ao desmoronamento ou
aniquilamento da cultura em espaços híbridos, mas contribui para o empoderamento das
populações. Nesse sentido, é concebível que a fricção étnica persista.
É sabido que, para a cosmovisão indígena, o meio ambiente se apresenta como gerador
de vida harmônica com a natureza “numa espiritualidade ecológica”, conforme mencionou Boff
(2016, p. 183). Nesse ambiente, o indígena se realiza, pois a partir de uma crença animista
interage com a natureza numa relação de apaziguamento com seus deuses e neles e com eles se
realizam e se projetam com pessoas no mundo numa semiose que, segundo Mello (2019, p. 88),
“representa várias possibilidades para o turismo”.
Para os Sámi, os deuses residem nos espaços terreno, celestial e nas rochas onde as
criaturas lendárias, denominadas elfos, se manifestam e estão sintonizadas com os elementos
da natureza, a exemplo da aurora boreal, que encanta e acalma os espíritos. No campo
etnográfico da pesquisa em Tromsø, a senhora Sámi, Trine Marit (58 anos) descreveu o ritual
da seguinte maneira: “o ritual envolve a espiritualidade que gira no batuque do tambor. Há um
diálogo com o tambor. Então, se você for uma pessoa espiritual e souber entrar num transe,
você vai achar a resposta. Escute dentro de você e seja espiritual”. Nesse sentido, “a imaginação
tem uma função projetiva, que pertence ao próprio dinamismo do agir” (RICOEUR, 1989, p.
223). É neste contexto que o respeito à Mãe-Terra é expresso mediante uma atitude ante à vida,
que através da reza e das palavras “pedem permissão” para cruzar num lugar sagrado, como
num fiorde e montanha, ou seja para simplesmente sair de casa ou receber alguém como
visitante.
Outro elemento vivo na tradição é o traje kofte. Esse é identitário, usado na recepção do
turista e em outras ocasiões. O traje sugere o empoderamento do povo em lugares do Ártico nas
cores da organização, além dos expressivos artesanatos denominados de duodji (ALVES,
2011).
O respeito à sagrada Mãe-Terra e aos seus frutos manifesta-se na disposição de tomar o
necessário para alimentar-se ou em sintonia numa crença denominada reza. Entretanto, também
sabemos que todos os seres estão interligados, o homem se conecta com a Mãe-Terra e vice-
versa, num lugar sagrado que evolui constantemente, num círculo em que se estreitam por
afinidade (BOFF, 2016). Para adentrar a floresta, segundo os habitantes que nela convivem, é
necessário estar em harmonia com a natureza, com os animais, respeitando os elementos
constituintes do espaço natural. “As invocações aos animais acontecem em ritual dentro do
88
espaço. Cada membro exerce uma função para a execução das tarefas” (MUÑOZ, 2003, p. 291).
Essas relações com o ambiente, com os recursos e com os fenômenos da natureza também
fazem parte de um conjunto que forma o patrimônio cultural de um grupo de pessoas e pode
constelar para o universo turístico (MELLO, 2019).
Santos (2007) afirmou que as potencialidades da abordagem cultural de um povo,
contribuem para o significado dos lugares, além de estabelecerem conceitos de espaço vivido,
a partir das experiências e descobertas pessoais, bem como da dimensão simbólica da tradição
cultural. Assim, no que diz respeito à tradição de um povo, conceituado por Zuin e Zuin (2009,
p. 80), “a tradição está intimamente ligada à história de uma cultura”. Ela se manifesta por meio
de valores, crenças e rituais transmitidos de geração a geração, ensinados diariamente em rituais
da caça, da pesca, nas festividades, em atos xamânicos, entre outros.
2.2. Turismo étnico e suas interfaces
No que tange ao Turismo étnico, entendemos que os povos indígenas em seu
pertencimento promovem ações e serviços a um público específico, ou seja, aquele público
seleto que não busca o que já conhece, mas o oculto, o revelado e o desconhecido. Para Van
Den Berghe e Keyes (1984) e Valene Smith (1992), o turismo étnico tem como atração principal
o exotismo cultural de uma determinada população. Nesse sentido, fazem parte do atrativo
turístico os elementos sígnicos representados em variadas formas de expressões, como o canto,
a dança, os artesanatos e em toda cultura que carrega sentimentos memoráveis.
O Ministério do Turismo (BRASIL, 2010, p. 20), ao conceituar turismo étnico,
determina-os como “atividades turísticas envolvendo a vivência de experiências autênticas e o
contato direto com os modos de vida e a identidade de grupos étnicos”. Nesse conceito paira
um breve entendimento sobre o termo “autêntico”, que pode ser compreendido como nativo ou
aquele que tem antecedentes indígenas e se reconhece como tal, firmado pela etnicidade,
diferente de indígenas isolados, sem contato com o não indígena.
Atualmente, o turismo conta com muitos segmentos ou tipos de turismo, desde os mais
evidentes aos mais exóticos e até mesmo os que instigam a curiosidade e saciam o ego. De
acordo com Panosso Netto e Ansarah (2009), a ciência, no uso das suas atribuições, tem como
papel sistematizar esses novos tipos de turismo, sem limitar as possibilidades de expansão e
inovação dos novos segmentos.
89
Nesse sentido, Cardozo (2006, p. 145) enfatiza que o “Turismo étnico se configuraria
como uma tendência e forte apelo de atração”, como um produto turístico, agregado de
subjetividade e símbolos da etnicidade, como fio condutor da visitação aos indígenas nativos
ou interculturalizados, que já receberam carga cultural do não indígena. Nessa direção, as ações
desenvolvidas no turismo étnico ocorrem principalmente pelas visitas às comunidades
indígenas, com apresentações de celebrações – rituais, cantos, danças e atrações típicas, bem
como como a aquisição de souvenires, artesanato, pinturas corporais e grafismos
(GREENWOOD, 1992 apud CORBARI et al., 2016).
Como mencionado no início deste capítulo, os estudos adentram no campo internacional
considerando os constructos: ritual indígena, turismo étnico e ritualização, com a finalidade de
levantar os descritores usados nas diversas publicações. Para tanto, elaboramos o apêndice (B)
e (C) no universo de trinta e oito países (38). Sendo assim, a Austrália aparece com vinte e três
publicações (23); os Estados Unidos com dezessete (17); a China com nove (9); o Reino Unido
com sete (07) e o Canadá com seis (6). Logo, a Austrália se destaca com 19,16% das 120
publicações, conforme sinalizado no mapa do apêndice (C). Nos achados, não constatamos
pesquisas com abordagens dessa tese, com os povos indígenas Sámi e Sateré-Mawé. A tabela
1 demostra esse levantamento.
Tabela 1: Literatura internacional sobre ritual indígena, turismo étnico, do povo Sámi e povo
Sateré-Mawé.
TEMA N.º de
Artigos
%
Turismo étnico 26 18,8
Turismo inovação 5 3,6
Turismo povo Sámi 3 2,8
Turismo Cerimônia e Xamanismo 5 3,6
Turismo Cultural indígena 42 30,5
Marketing de experiência, turismo cultural, ecoturismo, turismo de
aventura,
42 29,8
Total 120 100
Fonte: CARVALHO, J. M, a partir do banco de dados da plataforma EBSCO host (2020).
Conforme a tabela 1, percebemos que apenas 26 publicações abordaram a temática
turismo étnico. As demais se debruçaram sobre outros segmentos do turismo de inovação, de
90
cerimônia e xamanismo, de turismo cultural indígena, de marketing de experiência, turismo
cultural, ecoturismo, turismo de aventura.
Trilhando, pois, pelos achados teóricos sobre signos e sua relação com o objeto e o
interpretante, temos uma visão axial, mas que precisa ser relacionada com o todo (MORIN,
2007). Na premissa de Peirce, buscaremos inter-relacionar o turismo étnico à luz da semiótica
como um dos principais fatores de estímulos e de circulação para a mobilidade humana em
contexto contemporâneo. Dessa forma, configura-se como uma atividade cultural impulsionada
pelo desejo dos grupos sociais em vivenciar experiências diferenciadoras de seu cotidiano,
sejam em espaços indígenas ou não indígenas, destacando que o turismo cumpre seu papel
histórico, social e cultural.
O turismo étnico, segundo Corbari (2016), está ancorado no turismo cultural e, de
acordo com pesquisadores das áreas das ciências sociais, do turismo e da antropologia, os
impactos são positivos e refletem para o desenvolvimento do turismo cultural. No entanto, a
transformação de bens e serviços da cultura facilita a preservação das tradições culturais que
talvez se extinguissem se não fossem inseridas no turismo, como destacou Cohen (1985).
Não foram encontrados estudos com Sateré-Mawé ligados ao turismo étnico e nem a
outro segmento do conhecimento. Quanto aos estudos do turismo étnico com Sámi,
encontramos apenas três, que tratam do turismo com renas e com a cultura do mesmo povo.
Nesse contexto, elencamos alguns pesquisadores internacionais que abordam os temas
considerando o número de pesquisas publicadas com a temática turismo étnico.
Quadro 2: Literatura internacional: outros termos relacionados aos temas ritual indígena e
turismo étnico.
Tema Principais contribuições
Turismo étnico
Cathy Richardson (2012); Gabrielle Russell-Mundine
(2012); Austin Beahm (2012), Cyntia Andrade, Nina
Cardona e Jorge Umbelino (2011); Janet Chang, Geoffrey
Wall e Jui-Cheng (Richard) Hung (2012), Adam Keul
(2014).
Turismo de inovação Christian M. Rogerson (2006); Richards, g. (2010); Buchko
et al. (2016).
91
Turismo cultural,
ecoturismo, turismo de
aventura, Marketing e
turismo, multiculturalismo
Habib Alipour, Mehmet Altinay, Kashif Hussain e Nazita
Sheikhani (2010); SP Bansal, Prachant Kumar Gautam e
Arun Singh Thakur (2013) Daniela Angelina Jelincic
(2009); Mark p. Hampton (2010) Michelle M. Jacob (2012);
Jean Carlos Vieira Santos (2016); Rodolfo Mundo
Velásquez Carolina Gómez Hinojosa (2016).
Turismo Cerimônia e
Xamanismo, turismo
religioso
Veronica M. Davidov (2010); Geoffrey Wall e Jui-Cheng;
Richard) Hung (2012.)
Fonte: CARVALHO, J. M, a partir do banco de dados da plataforma EBSCO host - (2020).
O turismo étnico indígena no Brasil é incipiente para os que tem interesse em conhecer
e valorizar a cultura de um povo. Nos estudos brasileiros, o segmento é estudado de forma
genérica dentro do segmento do turismo cultural. Mas a temática no espaço amazônico,
sobretudo em Manaus, é vista com bons olhos pelos indígenas, conforme nos revelou o tuxaua
Pedro Ramãw da Silva, o qual já promove o turismo étnico com base na ancestralidade, nos
ensinamentos deixados pelos avós e pelos pais.
Na fala de Ramãw, destacamos o seguinte trecho: “aqui na comunidade o turista vai
para a roça, participa do preparo da farinha, dorme em rede e em barracão coberto em palha e
se alimenta da comida indígena”. O sentimento acolhedor do tuxaua demonstra que o turista
vai encontrar o autêntico indígena e experenciar dos costumes. Assim, são os hábitos
memoráveis que determinam as regularidades do pensamento, gerador de significação e da
ação, numa “amplitude à diversidade e à irredutibilidade dos usos da linguagem” (RICOEUR,
1989, p. 24).
Ricoeur (1989, p. 223) ainda enfatiza que “não há ação sem imaginação”. Isto é, nasce
de um imaginário nativo tradicionalmente convencional para cada etnia, na valorização dos
saberes. Nesse sentido, dialogamos também com Toledo e Barrera-Bassols (2009, p. 108), para
os quais:
[...] os saberes locais incorporam uma visão monista do mundo, portanto, a natureza
e cultura são aspectos que não podem ser separados. Não obstante os saberes locais
serem adquiridos por meio do processo de aprendizagem experimentada de maneira
diferenciada de acordo com a idade e o sexo, o conhecimento coletivo total deve ser
entendido como uma teoria social ou como uma epistemologia local sobre o mundo
circundante.
A assertiva do autor mostra que o conhecimento ecológico que se baseia nos saberes,
que acredita no potencial das plantas como vibrações para o indivíduo, a cada dia se renova no
íntimo das pessoas, fortalecendo as boas memórias. Elas demonstram que, compartilhar os
92
saberes de forma interétnica não agride a identidade, pelo contrário, agrega sentimentos, valores
e promove o fortalecimento das identidades mutuamente. Nessa perspectiva, Bauman (2005)
assegura que a intersecção das identidades gera reflexos positivos em cenários de hibridismo
cultural, principalmente em possíveis situações de conflitos.
Percebemos o empenho por parte do turista contemporâneo no interesse em conviver e
estabelecer contato mais próximo com as culturas locais, pois a aproximação da natureza dos
rios, com as vivências dos indígenas mexe com a espiritualidade, além de realizar a
experimentação da legítima tradição, o que nesse sentido o colocaria diante de atrativos como
museus, lugares de patrimônio e comunidades tradicionais e étnicas, conforme destacou Yang
(2011). Para o Ministério do Turismo (BRASIL, 2010, p. 43), há dois tipos de turistas que
fazem uso de atrativos culturais em suas viagens, assim definidos:
Aqueles com interesse específico na cultura (motivação principal), isto é, que desejam
viajar e aprofundar-se na compreensão das culturas visitadas; Aqueles com interesse
ocasional na cultura, sendo uma motivação secundária ou complementar, possuindo
outras motivações que o atraem ao destino relacionando-se com a cultura como uma
opção de lazer.
Logo, os “turistas, muitas vezes, acabam visitando algum atrativo cultural que
denominam turismo cultural, importantes para o destino e que deve ser considerado para fins
de estruturação e promoção do produto turístico” (BRASIL, 2010, p. 42). São diversos os
interesses de turistas, porém, o desejo pelas experiências é diferenciado, carregado de
sentimentos, tendo o patrimônio como atrativo cultural.
As orientações do Ministério do Turismo (BRASIL, 2010) sinalizam ainda para
construção e aplicação de políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal,
promovendo a inserção dos povos indígenas no roteiro turístico. Para isso, o turismo cultural é
entendido como “atividades relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do
patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens
materiais e imateriais da cultura” (BRASIL, 2010, p. 15). Emerge-se, então, o que se entende
hoje por “patrimônio cultural intangível”, “patrimônio cultural imaterial”, “patrimônio oral”,
“patrimônio vivo” ou “cultura tradicional e popular” (GEHRKE, 2013, p. 38). Desse modo, a
floresta é um patrimônio da Amazônia que carrega elementos sígnicos na memória dos povos
indígenas e faz parte do cenário natural para a manutenção dos povos em seus espaços.
93
É interessante ressaltarmos a fala do turista Sr. Mahmud Barat, oriundo de Oslo,
Noruega que, ao conhecer as comunidades indígenas Sateré-Mawé em Manaus, expressou: “o
Amazonas apresenta uma diversidade na cultura. A floresta é muito linda e a paisagem encanta
as pessoas”. Barat destacou ainda que “o povo indígena precisa ser valorizado”. Essas
afirmações indicam que o turismo étnico pode ser um aliado no processo de sobrevivência
desses povos, pois aqueles que de alguma forma os conhecem, entendem e os respeitam podem
levar sua mensagem ao mundo, o que ao contrário de um turismo mal elaborado também pode
atuar de forma contrária (BAHL, 2009).
Logo, o desejo em participar dos encantos do maior bioma da Amazônia estimula
viajantes e turistas de lugares bem distintos do mundo, conforme confirmou o turista norueguês,
ao conhecer os lugares étnicos em Manaus. Dentre os encantos vivenciados pelo Sr. Mahmud
Barat foi ressaltado o espaço urbano da cidade e das áreas metropolitanas onde ainda é possível
participar de momentos junto aos indígenas, conhecer a cultura deles e suas tradições.
Assim, contemplar as ações da ritualística e seus elementos exige um “olhar para
dentro”, na compreensão dos elementos simbólicos, que fazem parte de um conjunto maior, a
Mãe-Natureza, como atrativo turístico em espaços étnicos, segundo Morin, (2007). É, portanto,
desafiador e emergente, relacionar os estudos sobre a diversidade cultural que há entre os povos
indígenas nesse estudo.
Corbari (2016) enfatiza que o turismo étnico se forma a partir dos resultados de dois
tipos de sentimentos. O primeiro ligado aos aspectos sociais, à cultura e à identidade; o segundo,
pelo veículo de divulgação da existência de um grupo étnico. Nesse viés, encontramos o
reconhecimento do turismo étnico e a sua inserção em um contexto nacional e até internacional.
“O turismo tem um discurso muito próprio que é construído com base em uma
linguagem instrumentalizada por determinados valores socioculturais” (MELLO, 2019). Por
ocasião da pesquisa de campo em Tromsø, na Noruega, observamos que o povo Sámi tem
autonomia sob a gerência das ações do turismo étnico, em que usam as práticas sociais e
culturais para atraírem turistas, fato esse que elevou o crescimento turístico na região.
Dessa maneira, o turismo em espaço indígena “[...] se refere às atividades turísticas nas
quais os povos indígenas são diretamente envolvidos, quer através do controle e ou de sua
cultura, que servem como essência da atração” (HINCH; BUTLER, 1996). Porém, a essência
está ligada aos valores identitários do povo indígena a partir da cosmovisão, na história mítica
que faz referência à origem, como destacou Eliade (2007).
94
Santana Talavera (2003) acena que o turismo étnico se vincula ao turismo cultural, pois
utiliza elementos sociais oriundos de um contexto espacial e do cotidiano de uma comunidade
como atrativos turísticos expressos por meio de uma base cultural generalizada. Dessa forma,
o turismo étnico é um tipo de turismo não convencional (BAHL, 2009), sendo que os
interessados nele são os que têm admiração e reconhecem a cultura do outro como valiosa
tradição de referência cultural. Essa ideia corrobora com Van Den Berghe e Keyes (1994), os
quais destacam que, quando o exotismo étnico é o alvo motivacional, denominamos turismo
étnico. Para os pesquisadores, esse turismo é o atrativo, evidenciado em qualquer atividade
turística, logo, se torna o espetáculo a ser visto, analisado e fotografado, resultando da escolha
do destino.
As atividades turísticas são realizadas, preferencialmente, em áreas naturais onde se
pode apreciar não só a paisagem local, mas também as práticas culturais, já que cada etnia
possui uma especificidade sociocultural, conforme destacou Brito (2009). Essas práticas são
carregadas de simbolismo e, “sem dúvida, as representações (signos) das cores estão
intrinsicamente ligadas às emoções e afetividades” (MELLO, 2019, p. 127).
Os indivíduos reagem de acordo com as suas percepções das vivências do mundo, nisso
estabelecem sentimentos vivenciados para além de compreender, mas perceber a trajetória
histórica e cultural empregada pelo grupo, pois são formadas de tradições culturais (BARTH,
2000). Podemos ainda evidenciar que a realidade de todas as pessoas é composta de construções
culturais, sustentadas de modo eficaz tanto pelo mútuo consentimento quanto por causas
materiais inevitáveis. “Esse consentimento, ao que tudo indica, está incrustrado em
representações coletivas tais como a linguagem, as categorias, os símbolos, os rituais e as
instituições” (BARTH, 2000, p. 111), no compósito das vivências míticas.
Assim, o mito permite atar as pontas de sua reflexão acerca das origens étnicas; é no
mito que a cultura de um povo está ancorada (GIRARD, 1990). “Do ponto de vista
antropológico e filosófico, o mito é encarado como termo que designa um estágio do
desenvolvimento humano anterior à História, à Lógica, à Arte” (MOISÉS, 2002, p. 343). Ele
se refere a um tempo do não tempo, aquilo que está presente no mais profundo da imaginação.
O mito diz respeito ao sagrado que estabelece conexão entre o biológico, o religioso o sagrado
e o profano, com regras determinadas.
Segundo Brito (2009), para compreendermos melhor o turismo étnico, precisamos
adotar procedimentos a fim de evitarmos influências ou mesmo modificar os usos e costumes
95
dos povos. Por essa razão, um dos aspectos fundamentais para a realização do turismo étnico
está relacionado à preocupação com a perda da identidade cultural, marcadas pelos elementos
de representações de cada povo (BAHL, 2009). O turismo com responsabilidade agrega valores
culturais, morais, interétnicos, intercultural em prol do bem-estar social e econômico de um
grupo.
Para MacCannell (1984), é uma forma de recriação, preservação e manutenção dos
atributos étnicos e culturais. Assim, o intercâmbio cultural previne conflitos e tensões,
reafirmando identidades locais, gerando um processo de criação e recriação do sentido de
pertencimento, do lugar, do passado, da cultura e de posse (TALAVERA, 2003). Nas narrativas
da tuxaua, Sra. Midian Silva, da comunidade Sahu-Apé, o turismo possibilitou novas
perspectivas e valorização dos artesanatos: “a produção do artesanato mostra nossa cultura [...]
e tem agregado recursos financeiros para a comunidade como modo de sustento das nossas
famílias”.
A migração dos povos indígenas, das Terras Indígenas para as cidades, tem contribuído
para a inserção no mercado turístico local. Acerca disso, vemos “uma cidade em processo, em
vez de uma cidade que se oferece como produto; tem uma cultura própria, com abundância de
inovação e múltiplas conexões, é cidade criativa” (REIS, 2012, p. 221). Nessa direção, Cardozo
(2006) enfatiza que é por meio do turismo étnico que se dá a valorização do artesanato; da
tradição cultural, dos rituais e cerimônias religiosas; fortalecimento do orgulho étnico e
patrimonial. A exemplo, nos museus e ruas da cidade de Tromsø, os turistas procuram por
artesanato genuíno do povo Sámi. Assim, segundo entrevista no museu Polaria, “os artesanatos
Sámi tem um valor simbólico, pois marcam toda a trajetória histórica do povo”, que fundou o
lugar. Assim, observamos que o turismo étnico está diretamente relacionado com a história e
com a cultura de um povo (GASTAL, 2015).
No que tange à tradição do povo Sateré-Mawé, os saberes genuinamente considerados
como patrimônio imaterial têm resistido ao longo da história. Esse povo tem lutado frente a
várias investidas políticas, como nos casos de demarcações de terras, migração das Terras
Indígenas para áreas urbanas, educação para os filhos, saúde e conflitos de situações internas
da etnia. Eles se organizam tendo como referência os ensinamentos dos mais “velhos”,
considerados como guardiões das vozes dos seus antepassados. “Homens e mulheres
desempenham papéis sociais baseados em valores ritualísticos que compõem seu acervo
cultural de forma distinta e ao mesmo tempo interrelacionada”, conforme acenou Nascimento
(2016, p. 15).
96
A relação homem e natureza é bem marcante, pois o modo de pensar e de se relacionar
com a terra, com os elementos da floresta e com os animais tem linhagens na ancestralidade,
período em que não havia distinção entre a natureza e o ser humano. Segundo Boff (2016), a
Terra é fértil, dela podemos tirar nosso sustento e viver em harmonia. Esse sentimento foi
expresso pelo tuxaua Pedro Ramãw, da Comunidade I’nhãa-Bé: “vivemos na comunidade
mantendo o que nossos antepassados deixaram, plantação e cultivo da roça, fortalecimento da
saúde por meio do ritual e do sakpó e repassamos para os nossos filhos”.
No que diz respeito ao turismo étnico, a teoria do signo empregada é a que revela os
desejos dos turistas, nas imersões durante às práticas ritualísticas. Essas funcionam como
conhecimento do sagrado, na forma real de sua ação, materializada na promoção e recepção
dos turistas (MELLO, 2019). O tuxaua Pedro Ramãw, em entrevista, enfatizou que recebe
turistas de diversos lugares: “já recebi turista do Japão, do Brasil, da Noruega, da Nova Zelândia
[...] eles vivenciam rituais, outros preferem ficar uma semana na Comunidade para viver
momentos do cotidiano”, sendo uma forma de revelação que instiga as lembranças do interior.
Diante do exposto, demonstramos que o turismo étnico é um tipo de atividade
diferenciada e para poucos interessados; desprovida de luxo, mas carregado de emoções
sintonizadas com a natureza. Sendo assim, consideramos que esse turismo poderá ser a mola
propulsora de estímulo na revitalização de tudo que remete à origem desses povos. Destacamos,
então, no que diz respeito aos saberes ritualísticos e seus elementos, a mitologia de origem
Sateré-Mawé e a mitologia Sámi, com símbolos e signos para o turismo étnico.
2.3.Turismo de experiência: uma experiência para além do turismo
Não se pode confundir o turismo étnico com turismo de experiência. Cada serviço e
produto traz em seu bojo uma intencionalidade. Nessa direção, a palavra “experiência” no
contexto turístico tem o sentido de arriscar, conhecer, vivenciar um momento único e ou sentir
dor pelo prazer. Para Turner (2005, p. 17), “é o prazer vivido”; é o esperado e o experimentado
que satisfaz o prazer. Esse processo é denominado pelo o autor como “drama social”. Do
mesmo modo, o ritual para o autor é formado por variados símbolos concentrados em objetos
físicos, além de outros componentes que podem ser considerados pelo seu valor.
No século XXI, a nova abordagem de marketing está pautada não somente nos
resultados dos produtos, mas também em momentos marcantes que o turista pretende
97
experimentar. Ele é estimulado a participar e acompanhar o desenvolvimento do produto
esperado, firmado na satisfação, lealdade e praticidade determinantes para uma resposta
satisfatória. Mello e Pinheiro (2013) enfatizam que a crescente utilização do marketing
experiencial ou sensorial se deve à intensa concorrência entre as empresas que impulsiona o
surgimento de novas formas de organização do espaço comercial, visando a atender
necessidades e desejos dos consumidores que querem vivenciar experiências de compra e de
consumo prazerosas.
Igualmente, “se todas as atracções turísticas são experiências culturais”
(MACCANNELL, 1999, p. 33), logo o turista é um consumidor em qualquer segmento do
destino turístico. Assim, a experiência em turismo não apresenta um conceito definido, pois é
bem diversificada, podendo ser vista do enfoque subjetivo “como um fenômeno que é
multifacetado e complexo” (SELSTAD, 2007, p. 19).
Da mesma forma, estudos como o de Pine II e Gilmore (1999) e Bordas (2003) têm
apontado para outras intenções que devem guiar a atividade turística. O turismo de experiência
integra essa tendência propondo novas formas de agregar produtos turísticos com vistas à
construção de conceitos capazes de dar conta das necessidades que o mercado hoje exige do
setor. Logo, quando falamos em turismo de experiência, devemos levar em consideração as
abordagens da antropologia, psicologia, sociologia, isto é, nos aspectos culturais, subjetivos e
sociais, como sinaliza Marujo (2016).
Consideramos que a experiência turística se forma a partir de um conjunto de fatores.
Sendo assim, o turismo de experiência se vincula com a cultura atual e com um novo sujeito,
que já não se satisfaz apenas com produtos e serviços de qualidade, mas procura viver fatos
memoráveis e singulares. Sobre turismo de experiência, Trigo apud Panosso Netto (2010, p.
29) afirma:
A compreensão da experiência como um diferencial a ser oferecido aos consumidores
foi um avanço importante em termos mercadológicos, mas, como em tantos outros
estudos e tentativas de denominação ou classificação na área de gestão e negócios, o
termo caiu em um modismo superficial, que, em boa parte, neutralizou os avanços
conquistados.
Na assertiva, o autor sugere que no turismo de experiência, a viagem deve superar
qualquer obstáculo desprovido de preconceitos, pois a imersão é uma sintonia inesquecível que
agrega de alguma forma uma nova história um novo conhecimento de vida. “A oferta de
experiência acontece quando uma empresa usa intencionalmente os serviços como um palco e
98
os produtos como suporte para atrair os consumidores de forma a criar um acontecimento
memorável” (PINE II; GILMORE, 1999, p. 39).
Na perspectiva da interdisciplinaridade, o turismo tem o papel beber em outras ciências
do conhecimento, a fim de promover o caráter científico no que antes era empírico, fazendo a
interligação dos saberes (MORIN, 2008). Nesse contexto, a intensão dos turistas é a cada dia
se aventurar em buscas de novas experiências, conforme Mello (2019, p. 100 apud CULLER,
1981).
Os turistas se aventuram corajosamente para fora dos hotéis em busca de uma
atmosfera, para descobrir algo que para eles é incomum e autêntico para sua
alteridade, um signo de uma cultura, por exemplo aves e coelhos em pele dependurado
nas janelas de açougues. Caracteristicamente, os turistas enfatizam estas experiências
– momentos considerados como autênticos – quando relatam suas viagens aos outros.
O autêntico é um uso, percebido como signo desse uso e o Turismo, é em grande parte
uma busca de tais signos.
A Noruega é um país que aparece no imaginário coletivo das populações do mundo, em
especial dos brasileiros, por ser repleta de belezas naturais de paisagens montanhosas de bioma
tundra e taiga, com as sedutoras renas que, miticamente, estão no imaginário em que o papai
Noel anda de trenó no gelo. Além desses, está também o espetáculo da aurora boreal e outros
signos experienciados. No entanto, o que motiva o indivíduo a se deslocar de sua residência
para outro lugar deve estar relacionado às variadas representações simbólicas presentes nos
destinos que podemos chamar de imagem mental.
Para Chandler (2002, p. 15), “vivendo num mundo cada vez mais repleto de signos
visuais, precisamos aprender que mesmo os signos mais realísticos não são aquilo que
aparentam ser”. Assim, constatamos no campo da pesquisa na cidade de Tromsø que os turistas
visitantes da comunidade Sámi estão na faixa etária acima de 25 a 30 anos de idade, e se
interessam por patrimônio cultural da região. As visitas são capturadas pelas agências de
turismo, porém, os serviços prestados ao cliente, estão sob a responsabilidade do responsável
Sámi. Todas as atividades dentro do espaço são administradas pelo xamã, com cronograma
detalhado, formando um processo e serviços oferecidos, na comunidade Sámi, conforme
apêndice (D).
As culturas indígenas Sámi e Sateré-Mawé expressam as heranças socioculturais
transmitidas pelo convívio entre as novas e as velhas gerações. Assim, a população Sámi Norte
conseguiu no turismo alternativa para prospectar a tradição cultural e se reafirmar na sociedade.
Da mesma forma, em Manaus, Amazonas, a região ganha destaque pela exuberante floresta e
99
pela cultura indígena. Porém, o turismo ainda é incipiente e se faz necessário uma autogestão
dentro das comunidades indígenas.
Na perspectiva do pensamento moriniano, a tradição dos saberes da cultura dos povos
indígenas são referências para o conhecimento nativo e é dela que a ciência se apropria para
transformar esses saberes em saberes científicos. Conforme Morin (2001, p. 53).
[...] o conhecimento é sempre tradução e reconstrução do mundo exterior e permite
um ponto de vista crítico sobre o próprio conhecimento. Por esta razão eu disse que o
conhecimento sem o conhecimento do conhecimento, sem a integração daquele que
conhece, daquele que produz o conhecimento, e o seu conhecimento é um
conhecimento mutilado. Se deve haver a integração de si mesmo, o autoexame e a
possibilidade de fazer sua autocrítica. Para mim, integrar qualquer conhecimento é
uma necessidade epistemológica fundamental.
Dessa maneira, é bem verdade que em contexto contemporâneo a ressignificação das
culturas identitárias que marcam o povo Sámi e Sateré acontece numa velocidade bem distinta.
Porém partilhadas, sofrendo constantes processos de hibridismo cultural e ainda uma
mestiçagem de culturas que resulta na formação de indivíduos traduzidos, assumindo diferentes
posições ou referências identitárias (CANCLINI, 2008).
A produção intelectual e patrimonial dos povos é expressa pela mitologia, pelos rituais
simbolizados diariamente dentro das comunidades. Viver experiências dentro de uma
comunidade é ocupar-se de um sentimento que brota da alma inspirados no ambiente das
florestas. De tal modo, o pensamento simbólico nasce no mito de origem que traz uma narrativa
passada através das gerações, a partir de uma ordem (CLAUDE-LÉVI-STRAUSS, 2014).
Segundo o indígena Rucian Vilácio (2020), Sateré-Mawé, “os saberes dos povos
indígenas atravessam oceanos levando a magia da cosmologia do nosso povo, seja nos
grafismos, nas plantas medicinais e por sermos filhos do guaraná”. Quanto a isso, esses
símbolos têm despertado interesse da sociedade contemporânea, daí urge a necessidade pela
valorização na garantia do patrimônio e na sobrevivência do planeta, por meio da simbiose
homem e natureza.
Para o marketing, uma boa experiência se torna “memorável”, “extraordinária” (PINE;
GILMORE, 1999). A partir de um olhar semiótico lançado à contemporaneidade, é frequente
perceber nos folders e sites dos hotéis e passeios turísticos em Manaus a articulação entre o
marketing e o turismo de experiência. Dessa aliança, surgem slogans do tipo: “visite o
Amazonas e viva esta experiência; “venham conhecer a Amazônia”; “Paranakari: descubra
100
nossos encantos”; “Conheça as belezas e encantos da Amazônia”; “Venha e descubra a
Amazônia”, entre outras formas convidativas de vender o serviço.
As imagens dessa atividade de venda expõem a exuberante floresta, o pôr do sol, as
trilhas, os rituais indígenas, as pescarias, o caudaloso rio Amazonas e outros tipos de atrativos.
Isso se difere do turismo étnico, em que o próprio indígena promove as atividades objetivando
compartilhar seus saberes, além de vender seus artesanatos e atender um público diferenciado.
Como já vimos, para Morin (2008, p. 53), “o conhecimento, sem o conhecimento do
conhecimento, sem a integração daquele que conhece, daquele que produz o conhecimento e o
seu conhecimento, é um conhecimento mutilado”. Esses saberes devem ser valorizados e
integrados ao contexto social para que no futuro não sejam aniquilados por total
desconhecimento.
Dessa forma, cada povo apresenta identidade peculiar expressa por diversas formas de
linguagens como meio de estabelecer a comunicação representativa, as quais “refletem um
imaginário cultural conhecido, ou melhor, impregnado de coisas interessantes” (MELLO, 2019,
p. 90). Além disso, cria afinidade do homem com a natureza, interligando-os sintaticamente por
elementos constitutivos e simbólicos da ancestralidade como marcas do sagrado. Para Santaella
(2005, p. 51), comunicar “quer dizer o modo pelo qual os elementos se combinam para formar
unidades complexas”. Sendo assim, o ser humano absorve e se incorpora de outras formas de
se comunicar, carregadas de simbolismo, em narrativas de representações que estão presentes
no cotidiano do indivíduo.
O turismo de experiência pode ser realizado em local de tradição cultural indígena, com
modo e tempo de vida diferenciados, os quais devem ser analisados e descritos a partir do olhar
cultural, social e psicológico. São esses os sentimentos que o turista, ao visitar a cidade de
Manaus e a cidade Tromsø, buscam e manifestam na intenção de conhecer a diversidade
cultural dos povos desses lugares.
Os marcadores dentro do sistema de comunicação entre os povos são elementos sígnicos
que fazem parte do cotidiano indígena, carregados de sentimentos ancestrais e de comunicação
entre os povos da humanidade, além de compreenderem as manifestações de comportamento e
valores sociais entre as nações (SANTAELLA, 2005) no viés do turismo, Mello (2019) diz que
a linguagem é riquíssima e se manifesta de incontáveis tipos de signos impregnados na
identidade e marcados pela memória. A “memória é, portanto, um elemento característico da
identidade, tanto coletiva quanto individual, além de ser um elemento importante para o
101
reconhecimento e para a valorização de indivíduos ou grupos, agindo para reforçar sua
autoestima”, conforme definido por Murta e Albano (2002, p. 125).
A intertextualidade entre os teóricos entrelaça as ideias sobre os signos identitários,
presentes em rituais dos povos indígenas Sateré-Mawé e povo Sámi, para uma proposta de
aceitabilidade para o turismo étnico indígena. Assim, de forma implícita ou explicita, todo texto
se entrelaça a outros textos que trazem uma gama de referências de outras vivências
enunciativas (COSTA VAL, 1991). É nesse propósito que buscamos compreender ambas as
culturas, descrevendo a intersecção a partir das diferentes realidades.
Em contextos amazônicos, Santos (2010) enfatizou que o fortalecimento econômico e a
crescente expansão do turismo foram acompanhados pelo aceleramento do fluxo em destinos
turísticos diferenciados. Esses fatos permitiram que a etnia Sateré-Mawé buscasse alternativas
de realizar as manifestações culturais sem descaracterizar a cultura. Assim, para o pajé Ismael
da Silva Freitas, “o turista quando põe a mão na luva está valorizando a nossa cultura, além de
promover renda remuneratória para a comunidade”. Com esse sentimento, o pajé tem o desejo
de compartilhar os saberes de forma responsável dentro do turismo étnico. É também o
momento de compreender semioticamente a essência de viver e conviver na empatia e no
intimismo com a Mãe Natureza, aflorando sentimentos, desejos, em harmonia com um universo
geosemântico poetizado pelos cosmos espirituais.
Da mesma forma, o povo Sámi que vive do pastoreio atrai visitantes de várias partes do
mundo, tendo o elemento sígnicos da rena como representante, conforme destacaram Nils Filho
(1999) e Hutchi (1870). Nessa direção, também o povo Sateré-Mawé carrega um dos seus
maiores símbolos, a formiga Tucandeira, usada num ritual de passagem masculino, no qual o
neófito passa ao status de guerreiro, tornando-se, de acordo com as tradições do povo, um
verdadeiro Sateré.
Já para o povo Sámi, pastorear as renas é um estilo de vida que marca a identidade deste
grupo, como destaca Inka Saara Arttijeff (2016). Há uma forte relação do homem Sámi com as
renas que, para Agamben (2017), trata-se de uma forma de conexão entre o homem e o animal.
Conforme a trajetória histórica do único povo indígena da Europa, descrito no primeiro
capítulo, há uma constante ressignificação perdida ao longo da história, na qual se realizam
práticas ritualísticas no cotidiano.
Em se tratando do povo Sateré-Mawé, nos dias de festividade do Ritual da Tucandeira,
o preparo é realizado antes, durante e depois da cerimônia. Como se trata de uma festa sagrada,
102
os cuidados e os zelos não são expostos a todos os presentes, somente entre seus pares. Esse
tipo de festa tem atraído muitos turistas brasileiros e estrangeiros que, de um modo ou de outro,
se identificam com a cultura Sateré-Mawé, conforme destacou o tuxaua Pedro Ramãw: “o
turista não quer saber de luxo e conforto e sim apreciar e participar das atividades culturais na
comunidade”.
Um dos elementos que prende a atenção dos turistas é a formiga tucandeira, que segundo
o tuxaua “é uma mulher que atrai o guerreiro para participar do ritual”. Essa personificação da
formiga sugere que “a humanização integral do animal coincide com uma animalização integral
do homem” (AGAMBEN, 2017, p. 122).
Outrossim, Nascimento (2016) nos diz que a origem do povo Sateré-Mawé está
diretamente relacionada com a terra e seus elementos centrados nos animais e no homem. Tais
elementos de algum modo expressam similaridade com os Sámi. Isso permite nossa reflexão
sobre o povo Sámi, que também tem seu modo de vida voltado para a agricultura, para o
pastoreio, dentre outras habilidades. Aos olhos externos, esse modo de vida atrai pela condição
do exótico, considerando a sociedade industrial e tecnológica na qual se vive hoje. Assim sendo,
o contato intercultural trouxe aos povos indígenas, ao longo da história, várias transformações
culturais que instigam reflexões sobre o que é “ser índio”, na perspectiva do próprio indígena
e, também, na sociedade não indígena, como acenou Bauman (2005, p. 83-84).
Para Langer (2018, p. 6), “o trabalho mais recente são as discussões sobre questões da
mitologia, como o xamanismo na área nórdica, que aprofundou questões relacionadas às
crenças sobre estruturas cósmicas verticais e, em especial, os mitos envolvendo o deus Thor,
empregado nas narrativas”. É necessário sinalizar que os mitos para os povos do século XXI
funcionam como projeção da imaginação: “obras da imaginação, reconhecidamente anônimas
e coletivas, mas não por isso menos imaginativas” (RUTHVEN, 2010, p. 72).
Dentro da organização do povo Sateré, em dias de apresentação do Ritual da Tucandeira,
cada membro da comunidade tem uma tarefa na preparação da festa ritualística. São atos de
cumprimento à divindade denominada de Tupana, ligada à natureza. As crianças se preparam
para a mudança da fase pueril para a fase adulta, arrumam a maloca, enfeitando com palhas,
sementes, penas de animais e bambu, do qual fazem um objeto musical chamado de buzina,
conforme figura 11, que utilizam para avisar a chegada de um visitante ou início de um ritual,
estabelecendo forças políticas no espaço.
103
Figura 11: Buzina - objeto musical
Fonte: CARVALHO, J. M. (2020).
Para Lefebvere (2000, p. 78), “o espaço-natureza se povoa de forças políticas. A
arquitetura subtrai à natureza um lugar para aprestá-lo ao político através de um simbolismo”.
De forma criativa, o passado permanece vivo em cada atitude elaborada e imerso no saber fazer,
no preparo do produto turístico baseado na crença ancestral marcada pelo simbolismo. Saquet
(2015, p. 79) enfatizou que “o espaço é produzido pelas ações dos homens sobre o próprio
espaço, que aparece como paisagem artificial”, em que o trabalho e os ofícios do saber fazer
são valorizados, conferindo ao homem o protagonismo, na composição do produto histórico
(BANDEIRA e COSTA, 2015).
O preparo de bebidas é um ritual de purificação para os Sateré. Eles preparam diversos
vinhos, como o Tarubá – bebida feita da fermentação da mandioca –, o aluar, bebida produzida
a partir da casca do abacaxi, que fica de molho por três dias, e, após fermentado, é misturado
com água. Além do preparo de chás de cascas e ervas como preciosa, capim santo, mangarataia,
entre outros (CARVALHO, 2015). Por fim, o pó do guaraná dissolvido em água, que o torna
elemento demiurgo, é a marca central do povo Sateré-Mawé, chamado Sakpó.
Ao ingerir o Sakpó, “os Sateré-Mawé empreendem a viagem mítica de volta a um
passado espiritual, onde se dá o encontro com o grande chefe da tribo, o guaraná”
(NASCIMENTO, 2016, p. 92). O objetivo dessa ingestão do Sakpó é estabelecer uma conexão
104
com o mundo misterioso de origem ancestral dos Mawé. Não estamos falando de uma bebida,
mas do demiurgo desse povo que dá sentido à sua existência, integrado por valores e de
consciência mítica. Assim, dialogando com Uggè (1997, s. p.), destacamos que o povo Sateré
cultiva o verdadeiro guaraná, com os saberes ancestrais desde o preparo da terra até o produto
chegar ao consumidor, e, como já mencionado, é outro signo que marca a tradição atualmente
exportada para a Europa (FIGUEROA, 2016). O preparo e o processo são realizados pelos
próprios nativos Sateré-Mawé, conforme apêndice A.
Atualmente, o guaraná é comercializado para o exterior, conforme dados da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa, 2018). De acordo com o presidente do
Noçoquem, Sérgio Wara Garcia, Sateré, “a partir de 2006 foi constituído o consórcio dentro da
organização política do Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé (CGTSM), composto por
Tuxauas, lideranças indígenas, para fazer a exportação dos produtos Sateré-Mawé”. Hoje,
França e Itália são exemplos de países que firmaram parceria com o consórcio.
Conforme dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em outubro de
2020, o produto ganhou selo que “concedeu a Terra Indígena Andirá-Marau como indicação
geográfica (IG) para o guaraná (waraná) nativos dos Sateré-Mawé” (BRASIL, 2020). Assim,
tornou-se um dos signos identitários da ancestralidade que tem alcançado referência nacional e
internacional, pois é produzido em área de floresta livre dos agrotóxicos, trazendo benefícios
para a saúde.
Como apresentamos no capítulo I, a saga dos povos indígenas após migrarem para as
áreas urbanas, passou a ser a de comercializar produtos derivados das Terras Indígenas (TI),
mostrando-se como forma de não perder a identidade. Nesse contexto, a indígena e artesã Sônia
Vilácio (2019), da etnia Sateré-Mawé, em entrevista, nos disse: “os produtos e a matéria-prima
são fontes de geração de renda para as famílias indígenas”. Dessa forma, é importante para o
desenvolvimento do turismo como estratégia de fomentação da independência dos indígenas
(PETTERSSON, 2001).
A partir dessa narrativa se faz necessário uma política governamental para garantir não
somente a divulgação cultural, mas principalmente emprego e renda para os produtores da
cultura (PETTERSSON, 2001). Igualmente, essas atividades merecem receber maior atenção
dos gestores na elaboração de políticas públicas específicas para o desenvolvimento do turismo
étnico, bem como ações ordenadas para diversas regiões e localidades.
105
Durante a imersão no campo etnográfico da pesquisa, podemos destacar a narrativa do
tuxaua Sateré-Mawé, da comunidade I’nhãa-Bé, área do município de Manaus. Em entrevista,
esse relatou: “eu tenho sido procurado por pequenos grupos de turistas, que apreciam a tradição
cultural do povo Sateré-Mawé”. Para Mello (2019, p. 82), “o apelo ao consumo dos signos do
exotismo nas experiências em viagem não é algo novo, embora seja discursado e manifestado,
contemporaneamente, como tal”. Assim, a cultura tem sido divulgada a grupos de turistas que,
para o Tuxaua, trata-se de uma atividade que “deve ser sustentável”, pautada no fundamento da
economia e preservação do ambiente, na garantia da sobrevivência para as famílias que compõe
as etnias presentes nos municípios de Tromsø e Manaus.
Dessa forma, garantir a tradição cultural das populações merece um olhar
governamental na criação de políticas públicas que apoiem as atividades promovidas pelos
indígenas, a fim de garantir a sustentabilidade, autogestão e a inserção social por meio do
turismo étnico, além de resguardar por mais tempo as práticas dos rituais das populações.
2.4. Ritualística indígena e xamanismo
Leach (2009) elaborou uma abordagem dos rituais que privilegia os significados em que
acena para uma nova visão do sentido do ritual, não visto somente como religiosidade, mas
sobretudo apoiado no plano dos significados. Nessa direção, os rituais estão em toda parte, no
ato diário de um indivíduo, no trabalho, no ambiente familiar, nos costumes de um povo, como
pescar, ir à roça para realizar o plantio, entre outros.
Nesse entendimento, turismo étnico para Santana Talavera (2003) é um segmento de
igual para com o turismo alternativo, junto ao turismo ambiental e o ecoturismo. Segundo Little
(2002, p. 40), “é o nível local que começa o processo de construção da autogestão étnica”. É o
desejo de buscar novas alternativas econômicas das populações indígenas em espaços urbanos,
pois eles concorrem desigualmente em terras não indígenas, onde o capitalismo tem poder de
compra e venda.
Na promoção do turismo étnico, os indígenas transformam os rituais em momentos
memoráveis aos turistas, apresentando tais contextos naturalmente como oferendas, em forma
de agradecimento ao deus. “A oferenda precisa ser um coquetel para pedir ajuda dos espíritos.
Então, para pegar um peixe, precisa em entrar num transe”, numa invocação ao Ser supremo,
destacou Trine Marit (2019), esposa do xamã, em Tromsø, Noruega (ELIADE, 2010).
106
Ainda nesse contexto, ao adentrar no campo da pesquisa, em Tromsø, a senhora Trine
Marit nos recebeu com o elemento pedra. Este elemento foi recolhido das margens do mar,
sintonizada com os elementos da natureza como forças positivas e energizantes, sendo
representados por vegetais, minerais, além dos elementos fogo, terra, ar e água. Essa ritualística
nos remete paz espiritual e, segundo Boff (2016, p. 146), “tal dinamismo pode ser visto como
uma totalidade integrante e auto-organizante”, sendo um processo emergente do planeta dos
seres. Essa atitude nos mostra que a vida diária dos povos indígenas em qualquer lugar do
mundo é sempre carregada de crenças que reafirmam o poder empregado nos signos, seja nos
cantos de guerra, nas expressões orais, receitas e ou nos grafismos indígenas que constroem
imagem para o destino turístico. Esses simbolismos “são elementos de afirmação cultural”,
conforme expressos por Santos (2015, p. 125).
Castro (1996) enfatizou que a tradição cultural de um povo é representada pelos saberes
dos povos indígenas ancorados dentro de elos da ecologia, de forma natural e cultural. Esses
saberes têm atraído os não indígenas, sobretudo o turista no contexto do turismo étnico, que se
apoia na cultura de fazer a imersão no cotidiano de um povo. Esse fato foi vivenciado no
município de Tromsø, por meio da agricultura, que é tradição do povo Sámi de se firmar na
Terra, no ato de plantar para se alimentar saudavelmente, por isso convivem com árvores
frutíferas em suas plantações e só retiram da natureza o que vão consumir. “Tal vivência é,
antes de tudo, uma mística que mobiliza as pessoas a viverem o equilíbrio ecológico” (BOFF,
2016, p. 183).
Conforme destaca Asad (1989, p. 268), a ritualística do povo Sateré-Mawé e Sámi é
desafiadora, de forma a reafirmar o fortalecimento dos rituais, impregnados na “vida social,
histórica e cultural, de representações imagéticas”. As culturas nórdicas e amazônicas, podem
apresentar elementos sintáticos que estabelecem uma relação de coesão, nos ritos, nos adereços,
nas pinturas corporais, nos grafismos e nos ritos do pajé, aquele que tem o poder de tratar o
corpo e a mente por meios da cosmologia indígena.
Os ensinamentos do pajé, como rezas, bebidas, cantos, danças, uso de plantas
medicinais, uso de sementes, colares, pinturas, grafismos indígenas ancorados na semiótica da
natureza são elementos simbólicos, carregados de significados, os quais são usados durante os
rituais do povo Sateré-Mawé. Isso mostra “um novo estilo de vida, assentado sobre o cuidado,
a compaixão, a sobriedade compartida, a aliança entre a humanidade e o ambiente” (BOFF,
2016, p. 183). Compreender a cosmovisão é respeitar e manter vivo o imaginário poético de
107
cada povo, no respeito às tradições, por meio dos signos, os quais certificam e validam a
tradição e a identidade dos grupos étnicos, num diálogo semântico.
Assim, a linguagem é simbólica e carregada de signos, os quais motivam o indivíduo à
imersão nas práticas ritualísticas em diversos momentos da vida, ligados à questão filosófica
do significado. Essas linguagens simbólicas se realizam, também, como figuração do que se
representam na sociedade, expressas por signos (EVERETT, 2019).
Os sistemas simbólicos estão ligados à expressão verbal, além de “ações simbólicas,
denominadas de não verbais” (LEACH, 2009, p. 13). Tais ações estabelecem comunicação,
acionando as estruturas dos sistemas mentais, sintaticamente relacionados. Parafraseando
Peirano (2003), vivemos em sistemas de rituais complexos, conectados diariamente, contínuos
e eternizados que marcam momentos cíclicos. Esses momentos se repetem inconscientemente,
como o ato de tomar banho e escovar os dentes.
Como analisou Robert Darnton (2010), esses novos conceitos de ritual em contextos
contemporâneos nos trazem novas leituras para encontrar o significado em vários contextos no
mundo, pois o homem constantemente vive momentos ritualísticos, simbólicos, ressignificando
para se firmar em um tempo que está em constante mudança. Nesse pensamento, a partir das
ideias de Leach (1996), o ritual se conforma como uma linguagem de significados semióticos,
em que os indivíduos e grupos se manifestam por coisas socialmente definidas por uma nação.
Dessa forma, tanto os rituais quanto os mitos, podem ser tratados como linguagens de signos
entrelaçados à língua e à estética, expressando as pretensões dos indivíduos, em qualquer
situação da vida.
Com base no que vimos nesse capítulo, a visão semiótica a partir das culturas dos povos
Sateré-Mawé e Sámi são diversas. Por meio de representações vistas na natureza, no
xamanismo e na mitologia tem sido possível se constituírem atrativos para turistas que preferem
prestigiar um segmento autêntico, em que se possa estabelecer um elo não somente com a
natureza, mas com o espiritual, a partir das vivências ancestrais de outras culturas. Logo, cada
prática tem sentido polissêmico que carrega um sentimento de pertencimento das nações.
No que diz respeito à natureza, essa faz parte do cotidiano dos povos, como a Mãe-
Terra. Já o xamanismo é uma prática espiritual voltada para a cura e pautada nos ensinamentos
ancestrais. Para Santos (2007, p. 230), as “práticas xamânicas foram indiretamente registradas
e frequentemente não reconhecidas durante muito tempo”. Por fim, é na etnicidade que reside
a essência dos povos; é nas práticas que o signo se apresenta como marcas identitárias.
108
CAPÍTULO 3 – DA MITOLOGIA DE ORIGEM SATERÉ-MAWÉ À MITOLOGIA
SÁMI: SÍMBOLOS E SIGNOS DE UM POVO PARA O TURISMO ÉTNICO
3.1. A cosmovisão do povo Sateré-Mawé
No nosso serpentear pela magia do povo Sateré-Mawé – nativo da região amazônica e
envolvido em seu elo xamânico –, apontamos para três signos identitários: o poratin ou
purantin, o Ritual da Tucandeira (waymat) e o guaraná (waraná). Símbolos identitários
carregados de sentimentos ligados à tradição do povo, abancado na essência dos mitos
transmitidos a cada geração (TORRES, 2014). Nesse viés buscamos compreender os aspectos
importantes da ritualística do povo Sateré-Mawé e Sámi seus símbolos e signos para o turismo.
O primeiro, conhecido entre os Mawé como remo sagrado (ALVAREZ, 2009), possui
o formato de um bastão com aproximadamente 1,20 m e se destaca por guardar as escrituras do
povo, apresentando descrições enigmáticas. O desvendamento das iconografias intrigantes do
Poratin é feito somente pelos sábios Sateré, que conseguem decifrar a representação visual de
símbolos e imagens de grande valor estético e cultural. Segundo o tuxaua Pedro Ramãw, o
Poratin “permanece guardado nas terras indígenas em poder dos sábios, em um lugar sagrado.
Ele viaja de comunidade em comunidade para evitar ser roubado. Ninguém sabe seu real
paradeiro. É uma forma de mantê-lo escondido, guardado”.
Acerca disso, Figueroa (2016, p. 65) aponta que o objeto não é “mais observável na
prática, mas que é mantido na memória dos narradores”. Porém, quando inquerimos sobre o
remo Poratin, ele é visto como elemento sagrado, sendo um símbolo sacramental, uma memória
viva, da qual os Sateré Mawé se reportam como “escritos sagrados”. (SOUZA, 2011, p. 30).
Para o pajé Sahu, o “nosso sentimento é de respeito pelo remo sagrado”. Poratin é um signo
valioso dos Sateré-Mawé, que atribui ao Sateré a qualidade de ser um bom menino e um bom
caçador; com significados que regem o caminhar da vida, sem doenças e com fartura na
produção da lavoura (TORRES, 2014).
O segundo elemento representativo dos Mawé é o Ritual da Tucandeira, que tem como
elemento sígnicos a formiga, na qual reside o tempo xamânico do povo, conforme mosaico da
figura a seguir, é “multiforme e determinante na educação dos Sateré Mawé como indivíduo,
grupo tribal e consciência de povo” (UGGÉ, 1991). No Ritual, a Tucandeira tem o “poder de
vacina do índio”, assim destacou o tuxaua Ramãw. Ela é elemento de cura, cuja representação
está nas picadas das ferozes formigas Tucandeiras. Além disso, os Sateré acreditam que esta
109
seja a personificação de uma mulher que atrai o indígena para participar do momento de
transição. Ela desfolha do toco de uma árvore chamada envireira (A) e se destaca por ser valente
e furiosa, figura 12.
Figura 12: Mosaico toco da árvore envireira e luva com Tucandeiras.
Fonte: CARVALHO J. M. (2019).
Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).
A personificada formiga (B) convida o neófito a adentrar no ritual, atraindo-o, em
obediência ao deus Tupana. Em entrevista sobre esse Ritual, o jovem Sateré-Mawé, Rucian da
Silva Vilácio (28 anos) disse: “após eu passar pelo ritual, eu me senti mais fortalecido, a
Tucandeira me deu saúde e poderes para enfrentar a vida, na saúde e na relação matrimonial
familiar”. A cerimônia do ritual de passagem gera mudanças significativas no grupo e,
sobretudo, para o iniciante. Um momento de aprendizagem passado de geração a geração, com
o mesmo sentimento de pertencimento do povo, isto é, de ser guerreiro Sateré, incluso dentro
da nação, de forma “recuperadora e reguladora” (TURNER, 2005, p. 78).
No período da colonização, os rituais eram vistos como atos diabólicos, pois fugiam da
concepção de fé e eram considerados heresias, idolatrias pagãs. Contudo, segundo Canto (2013,
p. 68), “muitas tribos não tinham a noção de Deus, Diabo, céu ou inferno, anjos, mas tinham a
noção do bem e do mal”. Para alguns colonizadores, por desconhecimento acerca dos rituais,
os indígenas não tinham almas. Para os indígenas, tudo era praticado como ritual festeiro, numa
celebração simbólica de qualquer fato da vida, como a roça e a pesca.
Canto (2013, p. 70), a respeito de outras celebrações indígenas, descreveu uma narrativa
do padre João Daniel sobre o rito de passagem de mulheres e homens Sateré-Mawé, no período
da colonização da Amazônia. Sobre esse rito, o autor destaca a visão do padre da seguinte
maneira:
A B
110
[...] não é menos ridículo o segundo abuso que observam com as filhas, na primeira
vez que lhes vem a regra, porque então metem a mão no gênero de cesto, a que
chamam cofo, e neles como em gaiolas as sobem com uma corda até a cumieira da
casa, e ali fazem jejum e rigoroso silêncio, e recolhimento; e quando lhes dão as velhas
(sábias), mingau, certa bebida que faz com farinha e mais nada. E isto depois de tantos
dias, as descem [...] descoradas da rigorosa abstinência (CANTO, 2013, p. 70).
Da mesma forma, o ritual para os homens acontecia com uso das formigas:
Não é menos bárbaro o modo com que os moços para saírem valentes aos quinze anos
de idade. Deve-se saber que há uma casta de formigas, que atazanam a carne, grandes
e cruéis: levam pois os Maués ao seu candidato de valentia junto a boca do
formigueiro, e prendendo-lhe o braço direito com lançadas de fitas de várias cores,
que adquirem nos resgates do guaraná, e então lhes metem o restante do braço no
formigueiro até o cotovelo, e por mais gritos que o padecente dê, ninguém o socorre:
assim sofre ou altura de três dias o martírio, que tanto tempo se deixam as formigas
estar pegadas. Acabados com vidros retalham o braço correndo com o fio agudo a
disforme inchação e acudindo com ervas, fica o índio graduado valente (CANTO,
2013, p. 70).
Na valentia para alcançar o status de guerreiro, como filhos do guaraná, os indígenas
buscam na floresta o grande potencial que a natureza oferece. O poder de cura por meio das
plantas medicinais tem firmado vida harmônica do homem para com a natureza. Para Ramos
(2001, p. 202), “a natureza é compreendida como uma totalidade hierarquizada que vai do reino
mineral, vegetal, animal, culminando no homem”. É da floresta que sai todo o sustento dos
povos indígenas, que no remar da vida caminham resistindo ao tempo.
Toda a filosofia de vida é repassada a cada geração, ancorada nas narrativas dos
antepassados. As comunidades Sateré-Mawé realizam o Ritual da Paca, também conhecido
como Moça Nova. Na comunidade I’nhãa-Bé, o ritual da Moça Nova se deu com a filha do
tuxaua, aos treze anos de idade. Foi no ano de 2017 que a menina (Pyã), filha mais velha dos
três filhos do casal Irá e Ramãw, passou pelo ritual feminino. Mediante um relato, o líder afirma:
“eu fiquei emocionado, daí fizemos como minha mãe Zeila Kutera (in memoriam) ensinou para
minhas irmãs e tudo foi resolvido com a mãe”. Por sua vez, a jovem iniciante, nos relatou que
ficou nervosa e com vergonha: “pensei que eu tinha me ferido e que não podia subir na árvore”
(JOVEM A, 2017).
Diante do momento do ritual da Moça Nova, que a adolescente estava passando, a mãe
nos relatou sua ação e atitude diante de ter uma filha passando pelo ritual feminino.
Coloquei a minha filha na rede, ela estava assustada e chorava muito, dizia que estava
sangrando muito. Ao perceber do que se tratava, conversei com ela explicando que
estava passando pelo ritual da Moça Nova. Separei os utensílios, como bacio, rede,
111
cuia e água. Ela ficou por 15 dias isolada, se alimentando de peixe, pirão, chá e mingau
de tapioca. Nossa tradição é conversar explicando como zelar das roupas intimas e
nem pular no rio” (Entrevista da mãe Irá Ticuna, em outubro de 2017).
Segundo Nascimento (2016, p. 168), “as memórias ancestrais têm força e se encontram
manifestas em rituais de passagem, principalmente do Waiperiá ou da Tucandeira, mais
conhecido (ritual masculino) e o da Paca ou Moça Nova (ritual feminino)”. Esses cuidados com
a saúde, como repouso e alimentação são primordiais para a saúde da mulher, como destacou a
mãe da jovem. Para o tuxaua, “os rituais fortalecem nossa cultura”. Para a tuxaua da
comunidade Sahu-Apé, Sra. Midian da Silva, “todo menino (curumim) tem que cumprir as
etapas do ritual, eu não tenho sentimento pelas dores, isso faz parte da nossa cultura, é a formiga
que cura e que vai tornar um guerreiro”. Ela demonstrou o reconhecimento ao divino e ao
sagrado dentro do cotidiano indígena.
Nesse ínterim, a Floresta Amazônica, desde a sua colonização, é tida como exótica e
temida por apresentar uma cultura diversificada, permeada por mitos e certo mistério em suas
terras, além de proporcionar inúmeras riquezas da fauna e da flora. A respeito do termo exótico,
destacamos que esse, na língua europeia, significava aquele que não é natural da Europa ou
povo ocidental (OLIVEIRA; ZEFERINO; PINHEIRO, 2019), e foi a partir desse pensamento
do colonizador que o exótico amazônico se difundiu.
Ao observarmos a comunidade Sahu-Apé, em Manaus, constatamos que os turistas têm
procurado os espaços indígenas para ouvirem as narrativas e vivências desses sujeitos. Exemplo
disso é a visitação à farmácia indígena, denominada de kunã, onde o pajé explica as
propriedades místicas e curativas de seus remédios, interagindo com os turistas e, às vezes,
diagnosticando “mau-olhado”4, curando a mente e o corpo. Dialogando com Nascimento
(2013), a preparação dos remédios é um ritual, pois envolve saberes e fazeres específicos.
Igualmente, a cura espiritual na farmácia indígena é o local de preparo de remédios com plantas
medicinais da Amazônia, como mel de abelha, arruda, cipó-alho, mastruz, dentre outras.
No campo etnográfico, presenciamos a retirada do mel das casas em que as abelhas o
produzem; elas se alimentam das plantas nativas do local, sem risco de agrotóxicos, o que
permite a produção de um mel puro e de alta qualidade. Nessa visita, presenciamos grupos de
turistas que fizeram a aquisição de 20 ml de mel, no valor de R$ 25,00 (vinte e cinco reais).
Esse fato demonstra que os turistas buscavam do exótico, o que fosse autêntico e distinto da
4 Na concepção amazônica, significa pessoa que adoece pelo olhar maldoso do outro.
112
realidade deles, por isso a compra de um produto que, além de ter sido produzido por indígenas,
era também livre de conservantes. É assim que o sentimento simbólico faz parte do cotidiano
aliado ao empoderamento local; esses imaginários são infinitos (LANGER, 2015), seja em
curas do corpo físico ou no âmbito espiritual.
No turismo étnico, a presença do marketing passa pelos próprios turistas que, ao
vivenciarem experiências junto aos povos indígenas, disseminam os serviços prestados por eles.
Na comunidade Sahu-Apé, a tuxaua Midian afirmou que “muitos turistas agendam visitas para
conhecerem a vida diária dos moradores, participam do ritual, convivem com o pajé usando os
remédios caseiros”, esses, por sua vez, são preparados com ervas extraídas da natureza.
Em 2019, no campo etnográfico, acompanhamos a turista senegalesa, senhorita Eva
Preira, até as comunidades I’nhãa-Bé e Sahu-Apé. Ela conheceu o ritual, os signos e toda a
magia desses lugares. Eva relatou que “a cultura dos povos precisa ser valorizada, é a identidade
do Amazonas” (PREIRA, 2019).
Na comunidade I’nhãa-Bé, a turista participou de brincadeiras com as crianças, fez
trilha na floresta e apreciou a gastronomia indígena do guaraná ralado, sakpó. Na comunidade
Sahu-Apé, a senhorita Eva Preira assistiu a apresentações de cantos indígenas do coral sahu’hi
- das crianças, fez grafismo no corpo e aquisição de artesanato. A floresta lhe prendia a tenção
pelas narrativas dos indígenas, além de poder beber o verdadeiro guaraná da Amazônia, fato
que o deixou fascinada.
Nascimento (2013, p. 39) enfatiza que “o canto é uma espécie de mantra com frases
curtas e repetitivas fazendo alusão às origens dos animais, das plantas e das primeiras
manifestações da origem da etnia”. Em geral, eles são ricos em refrões que são repetidos várias
vezes e suas letras são narrativas que evocam a bravura do povo ao longo da história. Os cantos
remetem às vivências cultural, espiritual e históricas, formando um manancial de
conhecimentos filosóficos do povo, pautados na rica mitologia em que as divindades regem o
certo do povo.
Quanto à forma, ela é considerada uma ode, segundo Moisés (2002, p. 374). A oidê é
um poema lírico, de origem grega, destinado ao canto. Nesse sentido, os cantos do Ritual da
Tucandeira constroem um enredo que explicita a identidade Sateré-Mawé, indicando sua terra
de origem, sua história e cultura, atribuindo a esse povo a característica de guerreiro da floresta.
A cada pisadela dos passos do ritual e a cada ruflar dos tambores ecoam aos seres ancestrais.
113
Os Sateré-Mawé são uma etnia épica, caracterizada por seus feitos heroicos e pela valentia que
resistiu ao período de guerras, ao preconceito e à imposição de outras culturas.
Durante a cerimônia do ritual de iniciação masculina, são entoados vários cantos que
narram epicamente os fatos heroicos de seus ancestrais. Esses cantos são litanias versadas que
apresentam diferentes temáticas, como a floresta, com sua fauna e flora; evocação às guerras, e
invocação às divindades. A exaltação aos animais e às florestas, para Yamã (2007, p. 36), “é
reencarnação dos espíritos dos Grandes Paini”, designação para Pajé, em Mawé, sacerdotes do
deus do bem, que devem ser respeitados.
Percebemos que a natureza dialoga com o turismo étnico sendo um elemento de
estímulo e prospecção para os que a admiram e a veneram. Ela tem poderes fitoterápicos de
conhecimentos ancestrais motivadores para o turista ou para visitantes na atualidade. Assim, o
turista se entusiasma com o povo indígena, pela tradição cultural no município de Manaus e no
seu entorno.
A mítica do verdadeiro guaraná, chamado de waraná pelos Sateré-Mawé, apresenta um
enredo permeado de heroísmo numa relação de afetividade e de sentimentos ancestrais; um
marco natural sagrado no tempo em que os animais eram gente, segundo Nunes Pereira (2003).
É uma narrativa mágica em que aparecem elementos da natureza, como o sol, água, terra,
florestas, além dos seres vivos. Nesse cenário, existem as proibições para quem romper o
território sagrado, acarretando punições dos sobrenaturais.
Os personagens míticos têm poder de seduzir e de encantar, conforme trecho extraído
do mito de origem: “uma cobrinha, conversando com outros animais, certa vez, disse que
Onhiámuáçabê acabaria sendo sua esposa. Foi então espalhar pelo caminho por onde ela
passava todos os dias um perfume que alegrava e seduzia” (NUNES PEREIRA, 2003, p. 131).
A cobra é vista como um elemento articulador dentro do processo, pois ela tem a capacidade
de sedução, de encantar e de causar intrigas no lugar. A presença de animais e metáforas nas
narrativas é constante dentro dos variados enredos míticos (MACIEL, 2016).
O guaraná, waraná teve seu uso descrito pelos missionários Dom Frei João de São José
e Queiroz em Pinhel (2004 apud CANTO, 2013, p. 48): “sobre os índios Maués, costumam
estes índios nas suas solenidades saírem com flautas de canelas de brancos e beber o seu
adorado guaraná por cuias, pintadas de cores de várias cores”. A narrativa em torno do guaraná
tem estimulado outras pessoas a buscarem conhecimento acerca da cultura sateré. “O consumo
114
compartilhado do sakpó é o suporte tradicional principal para o trabalho coletivo e a ação
política” (FIGUEROA, 2016, p. 62).
Assim, para Gastal (2015), a tradição cultural se fixa na memória do turista quando este
for revivê-la, representando materialmente o destino turístico e imaterialmente essas
experiências. No entanto, devemos garantir o patrimônio cultural, apoiando a diversidade; na
proteção e a liberdade de expressão; a fim de possibilitar políticas visionárias capazes de se
relacionar com as questões sociais, ambientais e econômicas (FERREIRA, 2017).
Nessa direção, o patrimônio cultural waraná, segundo Nascimento (2015) é o demiurgo,
princípio organizador ancestral do povo Sateré-Mawé, responsável por manter uma harmonia
terrena e espiritual dos que se embebedem da seiva ancestral. Assim, a mitologia nos faz
acreditar que os poderes xamânicos do pajé (paini, na língua Mawé) estão para além da cura.
A partir disso, “em torno do guaraná, os Sateré-Mawé articulam a concepção de uma sociedade
que se volta para ela mesma, idealizando a circulação coletiva e pacífica da palavra”
(FIGUEROA, 2016, p. 62).
O saber fazer na ritualística do guaraná, cientificamente denominado de Paullinia
cupana, reside no zelo do processo ancestral, do preparo da agricultura, do plantio, da colheita,
do benefício e da mística do çapó/ sakpó. Em reuniões e Assembleias, a bebida waraná marca
os encontros políticos memoráveis. De acordo com o Uggé (1993, p. 28) “é um momento de
torná-lo juntos e reviver, reforçar a memória tribal”. Após a colheita em Terras Indígenas – na
região do rio Andirá e Marau, municípios de Barreirinha e Maués, respectivamente –, o produto
beneficiado em bastão é separado para as reuniões anuais.
Atualmente, com a produção do guaraná no cenário internacional, elaboramos um
fluxograma, apêndice (A) da produção do produto do guaraná, com o apoio do Presidente do
Noçoquem e do Sateré Vilácio (2020), em que percebemos a originalidade do produto
tradicional e todo o envolvimento das lideranças do Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé
CGTSM. No fluxo percebemos o início da origem do alimento, desde o preparo da terra,
plantio, colheita, seleção, secagem do produto até a chegada ao consumidor.
A seguir, apresentamos duas imagens: a primeira (figura 13) expressa o suporte patawi;
a segunda (figura 14), o waraná em bastão dissolvido em água preparado para realização de
reuniões.
115
Figura 13: Signo Sateré-Mawé: patawi.
Fonte: CARVALHO, J. M. (2020).
Na ritualística do preparo do waraná (guaraná), está guardado o segredo existencial do
povo da floresta, que agrega sentido político, marcado na cosmologia dos Sateré-Mawé. O
guaraná é movido por narrativas que acendem a memória da cultura do povo, é onde nascem as
decisões para o grupo. No processo, o guaraná, em formato de bastão, é ralado por mulheres
conhecidas como “aguadeiras”.
Para triturar o alimento, as aguadeiras utilizam uma língua de pirarucu (peixe amazônico
de grande porte), dentro de um recipiente oval denominado cuia, que é colocada sobre o patawi.
Esse objeto é descrito como um “conjunto de utensílios associados, os materiais de que são
feitos e o tratamento dado no preparo são específicos e associados a atributos positivos”
(FIGUEROA, 2016, p. 63). No preparo do waraná há rodadas das narrativas relembrando as
belas histórias do povo entre as senhoras “aguadeiras”, e, consequentemente, repassadas por
gerações.
Nessa fase, o Sakpó ao ser preparado pelas mulheres, é servido a todos durante toda a
cerimônia. Essa bebida não pode faltar, pois é energética, sendo fundamental para manter o
equilíbrio do organismo. Para Nunes Pereira (2003, p. 83), trata-se de “uma bebida
entorpecente”, isto é, uma bebida que provoca intensa energia. “A partilha do capô precipita
116
uma fusão de imagens entre o tuxaua e o guaraná, como chefe que exerce seu poder mediante
um aconselhamento” (FIGUEROA, 2015, p. 62). Para uma boa conversa dentro da família, “o
sakpó acalma os ânimos”, destacou o tuxaua Ramãw (2020).
Alvarez (2009, p. 147) descreve que “a função do sakpó seria a organização do trabalho
comunitário e coletivo”. Isso é evidenciado no passar da cuia para todos que estão presentes
nas cerimônias ritualísticas, pelos participantes e apreciadores.
Figura 14: Waraná (guaraná).
Fonte: CARVALHO, J. M. (2020).
Em entrevista, a senhora sateré, Maria Silva (68 anos), enfatizou que o verdadeiro
guaraná é plantado nas terras indígenas, a partir de um processo ancestral que inicia com o
preparo da terra e vai até o processo da colheita. A mulher tem o ofício de ralar/ triturar o bastão
do guaraná na língua do pirarucu e, durante a celebração, essa tem a função de “iniciar a rodada
ancestral da bebida, que é o momento de pedir ao deus Tupana: saúde, proteção, boa colheita,
ensinamentos” (Maria Silva, indígena Sateré). As infusões de ervas como bebida natural,
também conhecidas como cachaça, é um estimulador, e, junto ao cigarro, ao maracá e às rezas,
também fazem parte do xamanismo tupi, um processo de cura do Pajé (RIBEIRO, 2000).
A mística cosmogônica tem despertado o imaginário coletivo dos que visitam as
comunidades, promovendo o empoderamento dos que nela habitam e aumentando as
possibilidades de manutenção e conservação dos povos e do meio ambiente. As questões
ecológicas têm sido a bandeira de luta pelos povos indígenas, de modo a garantir a
sobrevivência do planeta.
117
3.2. O universo xamânico do povo Sámi
Passamos aqui a navegar pelas narrativas das práticas xamânicas considerando os
tempos atuais em que a mídia eletrônica está direcionada ao mercado tecnológico, e nos quais
as pessoas vivem em tempo acelerado. Assim, na compreensão morfológica do universo
xamânico, que carrega os dados ancestrais e sagrados, é possível observar a essência espiritual
Sámi, mesmo diante do atual cenário de constantes mudanças.
Para Dorsch (2017, p. 24), a cultura Sámi se firma nas “tradições espirituais, com
especial foco na união entre o Homem, a Natureza e o Espírito”. A relação homem e natureza
se estabelece de forma bilateral e organizada, a fim de garantir os costumes assegurados por
leis próprias do povo, para promover sustentabilidade e igualdade no Ártico (HICKS, 2001).
Dorsch (2017, p. 22) enfatiza ainda que a relação entre Sámi e natureza vai além dos modos de
subsistência, das técnicas utilizadas e da sua localização. Essa relação ficou assente em lendas
e histórias, tornando-se cultura do ambiente; foco do mundo Sámi. Em todas as narrativas a
natureza apresenta cenários exuberantes entre os fiords, mas também demonstra a força da
mitologia deixada pela ancestralidade.
Hoffmann (2008, p. 82) destacou que “o processo de afirmação da identidade étnica dos
Sámi ganharia novos contornos na primeira metade do século XX, quando esse povo começou
a buscar formas de expressão política ligadas à defesa de seus interesses”, as quais passam pelas
organizações denominadas de Parlamento Sámi.
Nesse início de século, com o avanço das tecnologias, ocorre um estreitamento de
informações de modo híbrido. Com base nisso, questionamos: em tempos líquidos, em que tudo
passa tão despercebido, irregular e inconstante, o que os povos indígenas nos ensinam? Trata-
se de uma inquietação que tentaremos responder, a fim de contribuir para uma reflexão acerca
do xamanismo Sámi.
De início, trazemos à tona os atos xamânicos, que são técnicas introduzidas por danças,
batidas de tambores, cantorias, plantas alucinógenas, jejuns, isolamento, sofrimento físico ou
psíquico, comunicação com os espíritos ou divindades, além da conexão natural com o
elemento natureza (FAUR, 2014). A respeito disso, a senhora Sámi, Trine Marit, em entrevista,
nos relatou que “o xamanismo envolve a espiritualidade que gira no batuque do tambor em
sintonia com a natureza e os espíritos, ecoada pelo yoiks”. Essa visão de Marit é expressa
118
também por Dorsch (2017), em que pese a natureza como um elemento integrador entre
antepassados e o futuro, estreitando os laços ancestrais.
Assim, no campo da pesquisa em Tromsø, na comunidade Sámi, o uso dos tambores
está presente no ritual de acolhida, ressoado pela canção denominada yoiks, cujo intuito é o de
evocar os espíritos. De acordo com a história, os tambores – com formatos redondos ou ovais
e adornos típicos que retratam o povo – rememoram fortemente as celebrações ritualísticas. Os
tambores remetem a atos do xamanismo do tipo runebom que, de acordo com Ahlback e
Bergman (1991, p. 37), é o ponto central do xamanismo, “um tambor relativamente pequeno,
geralmente oval, muito leve e portátil, com grafismos de animais ambientados”.
Noutro contexto, a senhora Sámi Unni Lundstedt (2019) relata a procura pelos serviços
do xamã, Noaidi. Ela nos conta que as pessoas o buscavam para alcançarem algum tipo de cura
com tratamento e conhecimento milenar. Noaidi, por conta de sua sabedoria, é respeitado e
notado por ser um chefe admirável na cultura Sámi. Alves (2018) destaca que noaidi é o nome
dado aos xamãs capazes de penetrar em diferentes mundos espirituais ao entrarem num estado
de transe por meio de rituais, sacrifícios e canções. Aqueles que fizessem uso dos cuidados do
Xamã eram chamados de feiticeiros primitivos (LEHTOLA, 2005, p. 16). Unni Lundstedt
(2020) relata com sentimento de tristeza que, os que procuravam um xamã sofriam duras penas;
“a história revela que, nos anos 1600, muitos Sámi foram sacrificados e queimados em
fogueiras, pois suas práticas eram consideradas bruxaria”.
Ele estabelece a relação tríade do deus, do filho e do espírito, como o guardião de
saberes. Vale ressaltar que, apesar de a tradição e sabedoria Sámi se destacarem, no decorrer
do tempo foram marcadas pelo preconceito da igreja. Todavia, é possível perceber a resistência
da cultura desse povo em diversas manifestações, como no uso de ervas para curar doenças ou
acalmar os espíritos.
Também em campo de pesquisa, outro exemplo da expressão cultural dos Sámi, ocorreu
com Trine Marit (2019). Essa senhora, diante de nós, muniu-se de meio metro de corda e a
dividiu em seis nós, explicando que “tudo na vida era como uma corda com nó, e a cada dia
devíamos superá-los”. Esse gesto reafirmou a cosmologia como um elemento forte na dinâmica
diária dessa comunidade.
Retomando a figura emblemática de Noaidi, Dorsch (2017, p. 36) enfatiza que esse
“agia como intermediário entre os mundos espiritual e material”. Na sua maioria, as divindades
estabelecem uma relação com a espiritualidade, as quais surgem, geralmente, para alegrar,
119
aborrecer, castigar ou entristecer os Sámi (FAUR, 2014). Conforme Ahlbäck e Bergman
(1991), com o bater o tambor, os noaidi atingem um ritmo intenso que representa o êxtase.
Assim, o xamã entrava num estado de transe, induzido pelo bater de um tambor, figura a seguir,
com imagens míticas desenhadas na pele de rena, na figura 15.
Figura 15: Modelo de tambor com elementos rúnicos.
Fonte: Geassemánu (2011).
A partir das imagens iconográficas, é possível observar que, no centro, a serpente se
apresenta como marco divisor do universo, destacada pela natureza que aparece como mãe dos
seres vivos, alimentando e nutrindo os seres.
Esses, por sua vez, são comunicados por divindades representadas pelos elementos da
natureza: o Sol, a Lua, a água e a terra, ritualizados a cada estação do ano. Foi por meio desse
cenário mágico que novamente Trine Marit (2019) nos explicou a proteção da cobertura do
tambor em pele de rena.
Vale relatar que houve uma época em que os tambores foram classificados pelos
missionários como instrumentos de performance diabólica e muitos foram queimados e
abolidos da cultura (DORSCH, 2017).
Nesse período, os Sámi eram vigiados e proibidos de realizarem ou praticarem qualquer
cerimônia secular, pois se acreditava que mediante atividades como essa, os participantes
120
estariam se comunicando com os espíritos malignos, diabólicos, no momento de incorporar o
transe, conforme explicou Unni Lundstedt (2019).
Desse modo, muitos nativos que desejavam continuar praticando a tradição cultural
eram considerados apenados, não somente pelos missionários estrangeiros, mas também por
professores e funcionários do serviço público. O preconceito era tanto que, até mesmo uma
parte do povo Sámi que se converteu ao cristianismo, não aceitava determinadas práticas
ritualísticas.
Retomando a simbologia dos signos dos rituais, para Langer (2012, p. 23), há “vários
desafios interpretativos e diversas fontes iconográficas e literárias a serem analisadas. A relação
entre texto e imagem na Alta Idade Média ainda é pouco investigada pelos historiadores”.
Prosseguindo nossas descobertas, apresentamos a seguir o tambor Sámi do Norte, usado nas
celebrações ritualísticas de acolhida e evocação aos espíritos por meio dos cantos yoik,
conforme figura 16.
Figura 16: Tambor Sámi Norte.
Fonte: CARVALHO J. M. (2019).
A sintonia com o ritual permite que o turista se envolva cantarolando e realizando
degustação da gastronomia Sámi, participando da tradição cultural sobre rituais de acolhida, de
pesca e noutras cerimônias (ALVES, 2011). As enigmáticas imagens de variadas formas são
usadas em explicações astronômicas, “parece seguro supor que o círculo do Zodíaco e as
121
constelações separadas tenham, sem dúvida, influenciado o posicionamento de figuras em tipos
de tambores Sámi” (AHLBÄCK; BERGMAN, 1991, p. 143). Nesse momento há um preparo
com bebidas – chás com ervas típicas do povo e outras da região. Essa espiritualidade “nos
permite resgatar o senso do sagrado, reencontramos o elo em sua revelação ao ligar polis e
cosmos” (UNGER, 2000, p. 17).
Como acontece em outros povos da humanidade, as práticas xamânicas são descritas
por narrativas que estão divididas em dois momentos: a primeira diz respeito às crenças; já a
segunda se refere às histórias épicas do povo. Para Gastal (2020), a cultura tem uma expressão
simbólica, mas também expressão econômica importantíssima para o turismo, com respeito
pelo patrimônio do outro, levando em consideração a empatia.
As narrativas Sámi contam antigas crenças, costumes sobre os seres que vivem no mar,
nos fiordes, e aqueles que tem a missão de pastorear os seres míticos elegantes, conhecidos
como renas, sejam nas montanhas ou no solo, dependendo da capacidade de se envolverem com
a realidade ou com a natureza do entorno. Assim, as narrativas mostram a visão do mundo com
a intensão de ensinamento (LEHTOLA, 2001).
Na prática da pesca, os rituais xamânicos eram realizados em favor dos deuses, visando
proteção nas viagens marítimas, pedindo calmaria do mar, saúde e muita luz. Nesses rituais, as
oferendas aos deuses eram feitas de diversas formas e, dentre as divindades que eram cultuadas,
citamos a deusa da Primavera, chamada de Rana Neidda. Essa, em forma de gente, “se
manifestava como uma jovem coberta de folhas e flores que conduzia as renas para os lugares
ensolarados” (FAUR, 2014). Para os adeptos dessa cultura, Rana Neidda era uma deusa que
protegia as renas, conforme destacou a senhora Unni Lundstedt (2019).
Ainda nesse contexto de representações, percebemos que, no período de primavera e
outono, as renas são levadas para as montanhas. Elas precisam se alimentar e pegar sol ao ar
livre. Faur (2014, p. 2633) destacou que “a deusa transformava os campos cobertos de neve em
pastos” e, como agradecimento, era oferecido um animal para o sacrifício.
Caminhando para outro ponto que demonstra relação com as divindades místicas do
povo Sámi, verificamos que as estações do ano em Tromsø são bem definidas no calendário do
Ártico, que rege a vida das pessoas que residem no local. Cosmologicamente, como ocorre em
outros povos, os deuses fazem parte da vida cotidiana dos Sámi e estão ancorados nos elementos
terra, ar e água. “Os povos indígenas geralmente não diferenciam terra, costa e mar como
propriedades separadas, mas concebê-las como domínios complementares, parte de um
122
ambiente todo ao qual os humanos estão conectados” (APOSTOLOS TSIOUVALAS, 2020, p.
68). O pertencimento a esses espaços territoriais reafirma a cultura da nação Sámi, demostrando
uma preocupação global.
Ligada ao elemento terra, destacamos a deusa solar Beiwe e sua filha Neida as quais, de
acordo com o mito, percorrem a luz solar em uma carruagem confeccionada por chifres e peles
de rena (FAUR, 2014). Por conta disso, no ambiente interno e externo das cabanas Sámi, é
possível observar o ornamento de chifres e peles de renas, além de serem comercializadas nas
proximidades.
Outros animais como “o castor, a raposa e o urso-pardo, cujas peles são utilizadas
durante os invernos frios, fazem parte da vida diária em qualquer estação do ártico” (DORSCH,
2017, p. 31). A garantia de vida desses animais também está entrelaçada ao elemento ar,
proporcionando a pureza ambiental que nutre o espírito e o físico dos seres planetários. Da
mesma forma a água é um elemento purificador; sem ela, os problemas ambientais devastam a
vida dos seres humanos, das plantas e dos animais. “A água sempre teve um significado
profundo para o homem. Como fonte da vida, substância medicinal, como fluido purificador”
(GUEDES JÚNIOR, 2005, p. 25).
Constantemente, a deusa Beiwe é evocada em prol da saúde do povo Sámi, uma vez que
devido a variadas temperaturas, no longo inverno ártico, é comum haver doenças por falta de
vitaminas, além de casos de depressão e até mesmo transtornos psíquicos. A senhora Unni
Lundstedt (2019), em entrevista, relatou que “devido a estação intensa dos dias escuros, sem
sol, as pessoas ficam com carência de vitaminas”. Para Faur (2014), a cada estação solar, como
agradecimento, são oferecidos mingau e bebidas, além da ritualização de casas besuntadas com
manteiga e enfeitadas como agradecimento à deusa protetora. Nessa direção, Dorsch (2017, p.
36) destacou que:
A adoração e respeito pela natureza desempenhou um papel importante nas tradições
espirituais Sámi onde as divindades eram espíritos da natureza que deambulavam pela
Sáivu (mundo dos espíritos sagrados) e a maioria das cerimónias e rituais estavam
relacionados com a sobrevivência, principalmente, pelos modos de subsistência
primários, a caça e a pesca.
Destarte, percebemos que devido ao percurso histórico dos que sobreviveram aos
ataques culturais, o universo xamânico do povo Sámi se revela de incertezas espirituais, em
relação ao poder do noaidi, resquícios da opressão pelas quais passaram. Assim, o xamanismo
Sámi tem resistido ao tempo por meio de práticas isoladas, por alguns nativos, manifesta pela
123
iconografia ou pelo imaginário social. Para Unni Lundstedt (2019), atualmente não se fala em
xamanismo, pois muitas pessoas fazem conexão com o que é diabólico. Em tempos de mudança
mercantil, essas práticas se perderam no tempo de modo desigual e mutável, em decorrência
das questões políticas e econômicas. Ressignificar pelo viés da tradição tem sido desafiador,
porém, atualmente, tem garantido um modo de vida sustentável pautado no ambiente, na cultura
e na economia.
3.3. Signos e símbolos: expressões de identidade dos Sámi e dos Sateré-Mawé
A história mitológica da humanidade é contada a partir das narrativas épicas dos feitos
heroicos da Europa central, dos povos greco-romanos. Tais narrativas foram estudadas e
divulgadas em livros cujo acesso era restrito a poucas pessoas. No entanto, com o passar dos
tempos e principalmente a partir da expansão das tecnologias de informação e comunicação,
foi possível conhecer outras narrativas mitológicas, como as dos povos nórdico e amazônico.
No que diz respeito à mitologia Sámi, é fato que ainda são escassos estudos
aprofundados na literatura brasileira. Em contrapartida, sabemos que a quantidade de material
acerca da mitologia nórdica é muito vasta. Prova disso são as denominadas Eddas, conjunto de
narrativas descritas no Völuspá, poema considerado o mais antigo do planeta. As Eddas são
sagas que narram mitologicamente os feitos dos deuses, dos heróis e reis.
A narrativa do mito a partir das sagas dão conta que no universo não existia nem céu,
nem terra, nem água, apenas o vapor proveniente de uma fonte. Segundo a descrição de
Bulfinch (2006, p. 31): “dessa fonte saiam 12 rios e, depois de eles terem corrido até muito
distante de sua origem, congelaram-se, tendo as camadas de gelo acumuladas, uma sobre as
outras e o grande abismo se encheu”.
Historicamente, a Noruega se destaca pela literatura dos nórdicos e seccionam a
mitologia em nove momentos, ligados a uma grande árvore denominada de Yggdrasil. Conta-
se que havia um mundo de luz do qual uma variação quente soprou o gelo e o derreteu. Com a
evaporação do gelo, grandes nuvens se formaram e fizeram nascer uma enorme figura de gelo
chamado Ymir e a vaca Audumbla, cujo leite era fonte de alimento para o gigante. Essa vaca se
alimentava do gelo e das pedras de sal.
No relato de Bulfinch (2006), certo dia, quando a vaca estava se alimentando do gelo e
do sal, surgiram os cabelos de um homem. No dia seguinte, do mesmo modo repentino,
124
surgiram a cabeça e o corpo exuberante, que apresentava força, beleza e agilidade; era um novo
deus da raça dos gigantes. A partir desse deus e de sua esposa que surgira depois, nasceram 3
irmãos, Odin, Vili e Ve. Esses mataram o grande Ymir (o gigante de gelo), fazendo formar a
terra com o corpo do gigante; os mares com o sangue dele, as montanhas com os ossos, as
árvores com os cabelos; o céu com o crânio e as nuvens com o cérebro. Assim, constituiu-se a
morada dos deuses e a morada dos homens. Segundo o mito, assim também surgiram o dia, a
noite e as estações do ano.
A partir do surgimento das estações do ano e dos elementos da natureza, nasceram
também os animais que, naquela época, eram como gente. Esses eram alegorias que tinham
vida própria e sentimentos com poderes míticos. Essa magia, contemporaneamente, tem sido
um desvelar sobre o mito do povo Sámi do Ártico. Para Dorsch (2017, p. 35), “o mito da criação
Sámi está diretamente relacionado com os quatro elementos da natureza, sendo estes elementos
as raízes para qualquer transformação natural, nomeadamente, a água, o ar, o fogo e a terra”.
Os Sámi têm despertado o imaginário das pessoas pelo mundo por terem vivenciado e
superado conflitos em um tempo histórico, além de ressignificarem sua cultura e garantirem
sua tradição. Esse fato é visível em filmes como Klaus, o qual mostra os elementos míticos,
aqui denominados de signos, como a rena, o trenó, a aurora boreal, o encantamento dos fiordes,
lugar de respeito dos poderes elfos, onde a magia espiritual se esconde (Dorsch, 2017).
Conforme Langer (2015, p. 24), os “elfos estariam relacionados ao espírito da terra,
associados ao simbolismo da morte, fertilidade e proteção da localidade [...]”; “o ritual dos elfos
também possuía conexão com os deuses”. Acerca disso, a senhora Unni Lundstedt (2019)
relatou que os elfos “vivem nos fiordes e estão relacionados com o poder de cura e a proteção
dos ancestrais”. Ela ainda informou que esses saberes fazem parte da cultura do povo do norte
da Noruega, porém lamenta que “os jovens pouco sabem das histórias, pois por muito tempo
era proibido falar em outros seres”. Nesse sentido, Langer (2015) destaca que as práticas
ritualísticas eram consideradas diabólicas e se propagou como bruxaria no final do período
medieval.
Retornando ao enredo do filme Klaus, citado anteriormente, enfatizamos os personagens
da família indígena Sámi no enredo, os quais revelam a bondade e o desejo de ajudarem outras
pessoas. Nessa mesma ideia, o filme de animação Frozen apresenta aspectos da cultura
norueguesa. O longa mostra como os espíritos são evocados por meio das canções do povo
125
Sámi, conhecidas como yoik. A musicalidade do filme é carregada de sentimentos e
chamamentos ao deus nórdico.
Para Burke (2017), yoik é um canto com uma forma única de expressão da cultura Sámi,
entendido como símbolo da própria cultura tradicional. A canção yoik inicia com um chamado
“ioiô”, que ao longo da história do povo Sámi foi mal interpretado ao ser tratado como o
chamamento a uma entidade que simbolizava algo pecaminoso.
A melodia yoik tem uma sonorização que, ao ser ouvida pelo interpretante não indígena,
parece não haver comunicação, porém, para a etnia, há uma relação de sentimentos e diálogos
com a natureza e com os animais por meio dos deuses. Nesse contexto, a onomatopeia ioiô, a
cada momento que era considerada um comportamento impuro, gerava novos sentidos entre os
indígenas. Em razão disso, muitos nativos Sámi que assimilaram o cristianismo ou o
luteranismo consideraram o yoik como uma prática pagã, gerando um distanciamento com a
cultura genuína do povo Sámi.
A partir de 1966, com as apresentações públicas de movimentos artísticos, o yoik foi
elevado a uma marca identitária, carregada de símbolos, de códigos sigilosos e de significações
camufladas, tornando-se estratégia adequada para o fortalecimento dessa tradição (LEHTOLA,
2005). Atualmente, pudemos constatar que, no Norte do Ártico, há festivais de músicas Sámi,
canções yoiks, as quais são maciçamente divulgadas pelos nativos e pelo governo norueguês
(HOFFMANN, 2011).
Sobre as especificidades do canto yoik, Länsman, membro Sámi (2003), destaca que
o ioiô não precisa ter palavras e que o sentido está no poder de contar uma história vivida no
tempo expresso pela música. O cantador pode descrever melodicamente a história através de
versos, ritmo, expressões ou gestos com auxílio de um tambor.
Nesse sentido, há grande relevância do yoik para a cosmovisão Sámi, pois ao longo da
trajetória histórica de exploração, colonização e conflito, o povo Sámi conseguiu manter a
etnicidade por meio da solidariedade. Segundo Lehtola (2002, p. 106), “na natureza abrangente
e pessoal de seus sentimentos, o yoik une as pessoas, criando solidariedade”.
A cosmovisão desse povo é carregada de simbolismo, eles acreditavam na proteção de
deuses como “Veralden-radien, um dos mais importante, que regia o Universo e era provedor
da fertilidade que sustentava todo o mundo” (ALVES, 2018, p. 224). Além desse,
126
“Bieggalmmái, deus dos ventos de suma importância para os Sámi que rebanhavam renas”,
(ALVES, 2018, p. 224).
Os mitos dos Sámi estão relacionados com os elementos da natureza, terra, sol e água.
Sendo que a terra é a mãe que dá sustento ao homem durante o plantio e pastagem para as renas.
O sol, como elemento de vida que alimenta o espírito do homem do gelo. A água do mar, dando
a sobrevivência aos animais. Sendo assim, a animalidade é um conhecimento por representação
figurativa que se aloja no bojo dos sentidos na evocação dos animais míticos, polissêmicos e
subjetivos, em que “todo animal é um sujeito [...] alguns são indivíduos e que certos animais
podem tornar-se pessoas em suas interações com o humano” (MACIEL, 2016, p. 139). Animais
em território Sámi, como ursos e lobos, eram vistos como personificações de seres de outros
reinos espirituais e, portanto, a caça e a matança ritualística desses animais eram proeminentes,
também no sentido religioso (KENT, 2014, p. 79).
Retornando às questões mitológicas, vemos essas nos artesanatos, conhecidos como
duodji. Esses são visíveis nas lojas da cidade de Tromsø, como as famosas meias artesanalmente
traçadas por mulheres Sámi. Tais indumentárias são agregadas à historicidade representada pelo
tempo e trazem sentimentos carregados de um valor cultural dos nativos por apresentarem
traçados ponto a ponto passados de geração a geração. Os artesanatos duodji são sustentados
pelas representações Sámi que expressam trabalhos exuberantes com grafismos desenhados em
roupas, bonés e em utensílios diversificados. As figuras ilustram esses trabalhos:
Figura 17: Signos em vestuários.
Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).
127
A primeira figura é marcada pela cabana denominada de lavvu, usada em estações para
contemplar a aurora boreal, o sol da meia-noite, dentre outros elementos do espaço celestial,
que remontam uma trajetória histórica dos Sámi. Já a segunda figura faz referência ao homem
pastoreio, em atuação no campo com a rena, a qual é um símbolo dos criadores.
Na loja de artesanato do museu Polaria, no centro comercial de Tromsø, as vitrines
apresentam uma variedade de chaveiros, confeccionados em madeira ou em osso de rena, além
de pulseiras em curtimento de couro, canecas típicas, dentre outros produtos, tendo como
relevante conteúdo simbólico a mítica rena, segundo Boreale (1997), como ilustrado nas figuras
a seguir.
Figura 18: Artesanatos identitários.
Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).
Tradicionalmente, o artesanato (duodji), na descrição da Senhora Unni Lundstedt “é de
um tempo que sempre cuidávamos do nosso artesanato”. Ela relembra a colheita de junco de
grama, o processo de secagem e a utilização no enchimento de luva, tanto para absorção do
calor, como também para amortecimento durante o uso de pastoreio. Também são encontrados
no museu Polaria outros utensílios como luvas, bolsas, pulseiras e assessórios confeccionados
com couro de rena.
As relações com um dado animal nunca são puramente causais; “elas são, além disso,
puramente, semiótica” (MACIEL, 2016, p. 139). Os animais estão presentes no imaginário do
homem do Ártico, alegorizados em mamíferos como renas, ursos, baleias, cachorros e esquilos;
em répteis, como cobras; além de pássaros, como as águias. Aqui, chamaremos atenção para o
elemento cobra, do mito Níöhöggr ou Nidogue, narrado em prosa na Edda. Nesse, a serpente
128
aparece como um equilíbrio do bem e do mal e protege a grande nação dos povos em várias
culturas.
Durante as expedições de comércio marítimo, as navegações eram estilizadas com
personagens da mitologia nórdica. A serpente, formada por duas cabeças, era a gigante e
protetora dos navegantes que buscavam descobrir novas terras. Da mesma maneira, a cobra é
simbólica no imaginário das populações amazônicas, isto é, um ser do qual se teme, mas que
tem um poder de cura por suas propriedades antiofídicas (FAUR, 2014).
No que diz respeito aos rituais do povo do Ártico, esses são variados, mas destacaremos
o ritual sumbl. Segundo Campos (2017), trata-se de um ato ritualístico de ingerir a bebida
conhecida como hidromel, que é produzida com água e mel num processo de fermentação
apurado por vários dias de descansando. Essa bebida é usada no “ritual de consagração”
(CAMPOS, 2017), baseado na sabedoria ancestral (FAUR, 2014), cabendo às mulheres o
preparo e o início da celebração, com traços em comum com outros povos indo-germânicos. A
bebida, ao ser ingerida, é seguida por pedidos à divindade; a rodada de ingestão do líquido se
dá no sentido horário imbuída de canção. “O hidromel é passado de mão a mão, ao redor do
círculo, e cada pessoas faz seus brindes. São dadas três voltas para brindar às divindades, aos
ancestrais, personagens mitológicas [...] e por último amigos e familiares” (FAUR, 2014, p.
9142). É um momento de contato direto com as divindades de caráter sagrado dedicado aos
espíritos, como um fenômeno (ELIADE, 2010).
Destacamos que a bebida escolhida depende da ocasião, mas comumente é usado o
hidromel. Algumas vezes há substituição por vinho, cerveja, sucos e até mesmo leite, como
sinaliza Faur (2017). O importante é celebrar a chegada de um visitante e o colocar na sintonia
entre homem e natureza, “conspirando para a salvação da humanidade”, conforme destacou
Agamben (2017, p. 129).
No campo de pesquisa em Tromsø, a recepção se deu com bebidas da ancestralidade,
que remetem às memórias. O chá e o doce de blueberry (Vaccinium myrtillus) mostram-se
elementos indispensáveis para consagrarem o turista no espaço de experiência. Foi nesse
cenário que o ritual de boas-vindas ocorreu, como rito Sámi (PORTO e MIRANDA, 2015). Na
ocasião, observamos a recepção em torno de um fogaréu dentro da cabana típica, com cantorias
e batuques vindo do tambor e suas representações em contato com a natureza, e com adornos
com peles e chifres de renas no entorno da cabana “essa é a ponte que conduz o reino animal
129
ao humano” (AGAMBEN, 2017, p. 59). Essa sintonia harmônica da presença mítica do animal
rena, mediado pela natureza, dialoga com o pertencimento dos proprietários Sámi.
De acordo com Dorsch (2017, p. 15), as referências na literatura norueguesa sobre o
povo Sámi aparecem nas sagas: “[...] nestas histórias, os Sámi são caracterizados como
feiticeiros e mestres do poder das artes mágicas, dividindo a população pelo respeito e a
admiração, como o medo e o pânico pelas suas capacidades fascinantes”. Dentro desse contexto,
a senhora Unni Lundstedt (2019) relatou que, por muito tempo, “falar em xamanismo era
pertencer a rituais de feitiçaria, então era uma pena ser Sámi, no passado, as histórias contadas
por minha mãe eram de tristezas, um preconceito”.
No que diz respeito à mitologia amazônica, essa se apresenta como um manancial
mitificado pelo homem, narrado pelos cronistas viajantes que se fizeram presentes no processo
de colonização do Brasil e da aculturação do indígena. Assim, as narrativas de tradição oral
marcam uma trajetória e, ao mesmo tempo, descrevem os seres habitantes da Terra. Nessas
narrativas é estabelecida a harmonia entre o homem e a natureza. Nesse sentido, os rios e as
espécies são enigmas do imaginário amazônico que asseguram a rica mitologia, a qual tem forte
influência na vida dos povos indígenas no estado do Amazonas, sobretudo do povo Sateré-
Mawé.
Mitologicamente, segundo Uggé (1993), o povo Sateré-Mawé nasceu do guaraná e foi
o primeiro a cultivar a espécie. Dialogando com Figueroa (2016), o guaraná possui complexo
simbolismo dentro da cultura sateré, pois envolve entendimentos cognitivos para além das
compreensões filosóficas, sociológicas e medicinais. O signo do guaraná está na essência de ser
Sateré-Mawé, impregnado na tradição cultural da etnia.
O mito de origem Sateré-Mawé é contado e descrito pelo povo. Ela é movida pela bebida
ancestral do waraná, narrada na saga épica Mawé. Rucian da Silva Vilácio (2020), indígena
Sateré-Mawé, descreveu o mito em torno do waraná da seguinte maneira:
Contam a história que três irmãos, sendo dois homens e uma mulher. Ela era a dona
do Noçoquem, um lugar de magias, de terra fértil, onde havia plantações das melhores
espécies, como a castanheira e ervas para preparo de remédios medicinal. Ao
caminhar pela floresta, a moça aspirou o perfume, que foi jogado pela cobra, que tinha
o poder de atrair e exalar a floresta. Com esse estrato, a jovem engravidou da cobrinha
temerosa. Os irmãos, desesperados com a gravidez indesejada da irmã, resolveram
abandoná-la do convívio familiar. A irmã desolada foi morar em uma casinha à espera
do nascimento do filho. Os amigos, Mucura, Pato e Saracura, ao perceberam o
isolamento da jovem, prestaram todo apoio.
130
Passaram-se meses e nasceu um lindo menino, com corpo de gente. O menino, bem
ativo cresceu; gostava de andar no roçado e comer as mesmas frutas que os tios
gostavam. Porém, ignorado pelos próprios tios, seu filho foi proibido de comer os
frutos do Noçoquem. Mesmo com as proibições dos tios, um belo dia o menino voltou
ao noçoquem para apanhar castanhas da árvore. Então, foi neste paraíso que o menino
foi encontrado morto. Muito triste com o ocorrido e sem acreditar na brutalidade, a
mãe faz promessas ao filho.
A narrativa épica do waraná mostra a bravura e a resistência do povo, que atualmente é
a fonte sagrada (CAMPBELL, 2019). A narrativa segue com o desfecho para uma nação
humanitária, numa simbiose com a terra. “Meu filho, os teus tios te mataram, mas não penses
que irás ficar sozinho, isolado, [...] serás uma autoridade. Muita gente vai se juntar e tomar o
guaraná”. Assim, esse mito marca o início do povo Sateré-Mawé, que para o missionário Uggé
(1993) representa a partilha do sakpó entre os tuxauas e a humanidade que remete a um mundo
de paz.
Ainda podemos observar, no fragmento da narrativa heroica, “os amigos, Mucura, Pato
e Saracura”. Com isso vemos a presença da animalidade que sugere fazer parte da comunidade,
de modo harmônico entre os seres que comungam da cumplicidade, das trocas afetuosas, mas
que também expressam intrigas entre os comunitários (MACIEL, 2016). Para a tuxaua Midian
da Silva, “os animais como o tatu-bola e o tatu-açu são seres que conversam com a formiga
Tucandeira”. Na descrição, os animais são participantes dos momentos marcantes, como
sujeitos sensíveis, dotados de inteligência e de conhecimento.
A animalidade também é percebida nas canções de tradição Mawé, como visto em um
dos cantos do Ritual da Tucandeira, parte da mitologia Sateré-Mawé. Instituído por seus
ancestrais – Henegke (o tatu-açu), seu irmão Mypynukuri (o tatu-bola) e Hukat’i (gavião-real)
– tecem diálogos, sendo realizados pela primeira vez como forma de distinção e afirmação da
identidade desse povo no contexto das relações com outros povos. Nunes Pereira (2003, p.73)
descreve o canto I, o qual retrata o “mito da origem do Ritual da Tucandeira”:
1- Tatu-Grande fez sair tocandira
2 - Tatu pequeno fez sair tocandira viva
3 - Para cá, para os moços se ferrarem
4- Para ficarem espertos
5 - Em minha mão, tocandira ronca
6 - Tatu-Grande: você se ferra só na mão?
7 - E eu, que é em toda parte?
131
8 - Assim fala o Tatuzinho
9 - É bonito o lugar da minha tocandira
10 - Enfeitado de vermelho
11 - E de pena de gavião-real
12 - E do toco do cumaru
13 - E do toco do ingazeiro
14 - E do toco do cipó-chato
15 - Assim eu era antes
16 - Mas nós havemos de passar
17 - Mas nós havemos de passar
Em toda a letra do canto I, a narrativa descreve a animalidade que aparece expressa nos
diálogos da formiga, do tatu-bola e do tatuzinho, a exemplo do verso oito (“assim fala o
tatuzinho”), no qual constatamos animalidade como um recurso do xamanismo, uma alegoria
aos seres inanimados (MOISÉS, 2002). Corroboramos que “a música e a mitologia são duas
irmãs geradas pela linguagem da mitologia” (LEVI-STRAUSS, 2014, p. 67). Alegoricamente,
a força expressa vem da Mãe Natureza, pois é nela que reside o poder dos seres, como o gavião-
real – símbolo de persistência xamânica – e da poderosa formiga Tucandeira, que alegoriza o
deus Tupana. Nesse viés, Maciel (2016, p. 134) salienta que “um animal, seja qual for,
interpreta o que os outros fazem e o que são, além de interpretar a si mesmo”.
Para o ato ritualístico, há um momento de preparo das formigas, conforme as imagens
(C) e (D) da figura 19. As formigas ficam adormecidas em um recipiente com sumo da folha
do cajueiro, figura C, considerando o que tuxaua Ramãw Silva explica: “o broto do cajueiro é
utilizado para o preparo de uma solução em que as Tucandeiras serão imersas”. Os homens
experientes retiram os brotos novos do cajueiro, aquelas folhas ainda em formação, como
informou o pajé Ismael da Silva (Sahu). Elas são colocadas numa panela de barro ou bacia de
madeira, onde são maceradas para a extração do “sumo”, o qual chamam travoso. Em seguida,
as tucandeiras, de tamanho de 2,2 a 2,5 cm, são colocadas nessa substância, para que
adormeçam. O cantador, juntamente com os jovens que vão participar do ritual fazem o preparo.
Quando as formigas já estão adormecidas, são enfiadas uma a uma, na luva tecida com
palha de palmeira (conforme imagem D da figura 19). Para isso, eles utilizam um graveto bem
fino, semelhante a uma pinça. Sob a liderança do Pajé, “os jovens experientes prendem as
formigas no tipiti da luva. Elas são colocadas presas pelo abdômen, com os ferrões para o lado
132
de dentro da luva e com a cabeça para fora. Após 30 ou 40 minutos de adormecimento, as
formigas voltam à vida, ficam furiosas e valentes”, complementou o tuxaua. Um ofício
existencial de Ser, o verdadeiro Sateré-Mawé, de acordo com o mosaico que segue.
Figura 19: Mosaico do preparo da formiga Tucandeira antes do Ritual.
Fonte: CARVALHO, J. M. (2020).
Para o tuxaua Ramãw Silva (2020), “naquela época os animais falavam, viviam como
gente, e a Tucandeira era a vacina do índio”. Também ressaltamos a forte presença do espírito
criador, da ancestralidade, que alimenta a alma e gratifica os deuses espirituais entre os povos.
Logo, reafirmamos que, mesmo em tempos líquidos (BAUMAN, 2007), de transformações
sociais e, sobretudo, de difusão tecnológica como movimento da modernidade, tanto o povo
Sateré-Mawé como o povo Sámi tiveram que se adaptar e realizar a comunicação de forma
autêntica, em atos xamânicos em favor da cura, seja ela física ou espiritual. Além disso, para
Lévi-Strauss (2014, p. 51), “outra finalidade é utilizar as tradições lendárias para fundamentar
reivindicações contra brancos – reivindicações territoriais, políticas e outras”.
Dessa feita, debruçamos nosso olhar sob a mitologia dos dois povos, Sámi e Sateré-
Mawé, com o intuito de compreender a cultura e sua contribuição para o espírito criador, o qual
fortalece a tradição cultural de conviver em harmonia. Morin (2007), corroborando essa visão,
demonstra que os elementos constituintes que formam a mitologia dos povos, do ponto de vista
sincrônico, ainda preservam os signos/símbolos, os quais não existem isoladamente, pois estão
intimamente ligados à identidade e à ancestralidade que se unem na formação totalitária.
Para Lévi-Strauss (2014, p. 41), em qualquer mitologia, “há deidade ou personagens
sobrenaturais, que desempenham o papel intermediário entre poderes de cima e a humanidade
de baixo”. Essas marcas em contexto contemporâneo são expostas nos grafismos, com valor
D C
133
comercial. Nas rouparias dedilhadas pela indígena Sateré-Mawé, os grafismos ganham
expressões de peles de animais, como cobra e tatu, os quais ressignificam a grande maloca,
conforme ilustra a figura 20.
Figura 20: Artesanato preparados para o turismo.
Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).
Evidenciamos que as práticas xamânicas não são desconexas, elas se unem pelo desejo
de sobrevivência humana, com foco na natureza e com a memória da ancestralidade, isto é, de
resistência ao mundo. Na contemporaneidade, diante das mazelas do mundo, a mitologia
reforça o pensamento ancestral, triangulando o saber informal e empírico com o saber
científico, bebendo das narrativas nas quais o homem é um ser que depende da natureza e vice-
versa, de conhecimento multidimensional (MORIN, 1991).
O sentido de compartilhar saberes entre Sámi e Sateré-Mawé é estreitado por muitos
signos/símbolos que carregam significados a cada nação. Na cidade, fazem e comercializam
nas lojas de souvenir, hotéis e em feiras, com típico artesanato, seu patrimônio cultural, em que
estabelecem novas relações sociais, preservando suas vivências, seus costumes, suas crenças,
herdados dos antepassados, segundo Alves (2011). Para Santos (2015), os utensílios produzidos
artesanalmente têm utilidade diária dentro das comunidades. Todos os dias são produzidos
artesanatos para utilização própria e para turistas.
A seguir, na (figura 21), apresentamos signos usados em práticas ritualísticas e em
atividades domésticas; o primeiro (à esquerda), denominado caneca, confeccionado em madeira
134
sustentável pelo povo Sámi; o segundo (à direita), denominado cuia, objeto nativo da Floresta
Amazônica. Ambos os signos têm estima sentimental de origem ancestral, de valor
mercadológico dentro das comunidades.
Figura 21: Objetos nativos: Sámi e Sateré.
Fonte: CARVALHO, J. M. (2020).
No contexto atual, a necessidade de se sustentar da herança ancestral ganha novas
formas de saberes hibridizados, sem perder a essência do sentido mitológico. Para Canclini
(2008, p. 70), a “hibridização cultural é um processo sociocultural no qual estruturas ou práticas
[...] se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas”. Apesar da hibridização do
mundo exterior, os povos indígenas ainda procuram conter os esforços da conservação cultural.
Nessa discussão, Burke (2003, p. 14) considera que “a Globalização cultural envolve
hibridização”. Essas alterações acontecem gradativamente dentro das comunidades, sem
determinações, acomodando-se ao novo para atenderem às próprias necessidades.
Vemos que, no mundo contemporâneo, a ressignificação cultural dos povos é uma
questão de sobrevivência e resistência, isso ocorre para não serem engolidos pela ação do
homem moderno. Sendo assim, uma nova história de lutas indígenas contribui para a
asseveração de povos que, de acordo com a história, sofreram usurpação, violência,
preconceitos nos múltiplos feitios humanos. Eles são partes da paisagem urbana e suas buscas
existenciais se inscrevem forçosamente na localidade (BAUMAN, 2007). Assim, o contributo
social é garantir a tradição de cada povo, além de manter a floresta viva em prol dos povos da
humanidade.
135
CAPÍTULO 4 – O SAGRADO E O PROFANO: DIÁLOGOS PARA O TURISMO
ÉTNICO
4.1. Turismo étnico: ressignificado ou perda de identidade
Afirmamos que o turismo é um campo que depende da história, da cultura e da tradição
de cada povo para se fertilizar no campo dos negócios. As práticas humanas, em todas as suas
vertentes, podem se tornar um atrativo turístico como um nicho de mercado. Porém, quando se
trata de turismo étnico indígena, devemos levar em consideração os fatores: de respeito e a
empatia, o tempo e a desenvoltura com responsabilidade. Nessa direção, de maneira meticulosa
e intencional, ao descrever os signos como marcadores na intersecção entre as duas culturas,
em contextos de inclusão para o turismo étnico indígena, foi necessário aguçar as habilidades
do ouvir, observar, sentir, descrever e interpretar com profundidade, segundo Brito (2016) cada
elemento sígnico, bem como os registros do diário de campo.
A partir dos estudos bibliográficos, como já mencionado, a trajetória histórica dos povos
indígenas, tanto no Brasil, quanto na Noruega, foi marcada por sofrimentos, preconceitos e
discriminação. Esses povos foram dizimados ou obrigados a buscarem refúgio em locais
distintos do seu ambiente natural. Ao longo do tempo, os indígenas foram vistos como pessoas
sem expressão de saber, sem academia e até vistos pelo colonizador como bruxos, indolentes,
brutos, sem conhecimento, entre outros adjetivos pejorativos.
Já no século XXI a ancestralidade tem atraído os turistas, isto é, os não indígenas; pelos
hábitos da gastronomia, da saúde e pela filosofia e estilo vida. Assim, é pelo turismo que as
oportunidades de interdependência e protagonismo, dos indígenas em áreas urbanas e
metropolitanas ganharam novas conexões com o mundo globalizado. O turismo indígena é
mostrado como uma prática inovadora e que reflete os valores tradicionais, conforme Chan ( et
al., 2016).
A luta dos povos indígenas Sateré e Sámi se deu pelos mesmos ideais. Do lado
brasileiro, os conflitos com invasores de Terras Indígenas – madeireiros e grileiros –,
construção de barragens, extração de mineradoras e o desprestígio por parte dos religiosos ao
encontrarem nativos numa densa floresta. Essas são algumas descrições encontradas na
literatura dos cronistas, primeiros viajantes do Grão-Pará (SANTOS, 2015).
136
Do lado ártico, norueguês, os conflitos por dimensões ambientais, perseguições durante
as expedições, sobretudo na Europa, contribuíram com o evidente apagamento dos povos
Nórdicos, especificamente do povo Sámi, o qual sofreu com a expansão marítima, exploração
de petróleo e desprestígio da língua e dos costumes étnicos.
Em contextos contemporâneos, contrapondo à luta travada ao longo dos séculos
passados, os povos buscaram novas formas de pertencer ao mundo dos não indígenas, resistindo
a muitos conflitos de terras e guerras em defesa da tradição cultural. Nessa direção, foi por meio
de rituais que os povos Sateré-Mawé e Sámi conseguiram manter a cultura milenar, na qual
estão assegurados os valores étnicos, políticos e sociais. “Essas marcas de comportamentos e
os sentimentos de continuidade ou de mudança no cotidiano, que são significativas para os
participantes, são vividas e concebidas através dos símbolos contidos nesses rituais”
(LAPLANTINE; TRINDADE, 1997, p. 7).
A natureza é um marcador que fortalece os rituais que mantêm viva a cultura Sateré-
Mawé, como o waymat – Ritual da Tucandeira –, o Poratin e o guaraná, destacados no capítulo
3. Vale ressaltar o guaraná como um signo que ganhou espaço internacional por meio da
exportação aos países europeus. Segundo Sérgio Wara Garcia, presidente do Noçoquem, as
atividades iniciaram, desde 2006, dentro da organização política do Conselho Geral da Tribo
Sateré-Mawé (CGTSM), composto por tuxauas e lideranças indígenas.
Conforme o referido presidente, “o guaraná possuir 5% de cafeína, rico em ferro e
fósforo, com forte ação no sistema nervoso, combate à fadiga. Estimula atividade cerebral e é
utilizado como energético natural para as atividades físicas e mentais”. Foi com esse valor
identitário que o alimento atravessou o oceano. Na Itália, por exemplo, o produto é bastante
aceito por ser um elemento natural e desperta a atenção de consumidores pela longevidade dos
nativos indígenas. Assim, a marca empregada no valor comercial do guaraná carrega não
somente o produto em si, mas a forma de saber fazer o processo ritualístico e as propriedades
terapêuticas narradas pelo povo Sateré da Amazônia.
No que diz respeito ao povo Sámi, os dados do campo de pesquisa mostraram que são
incontáveis os tipos de rituais ambientados com a Mãe Natureza. Salientamos que devido ao
preconceito e perseguições ao longo da história, o povo Sámi teve que camuflar e negar a
própria tradição cultural por certo período. Porém, segundo Dorsch (2017), foi partir do século
IXX e XX que a identidade desse povo foi compreendida e valorizada pelo governo norueguês
em forma de cooperação, acenou Hoffmann (2011). Diante disso, passaram a ganhar
137
autonomia: “os Sámi reivindicam suas intervenções, que têm se dado exclusivamente junto a
povos indígenas de outros continentes, sempre a partir de demandas provenientes deles”
(BARROSO; NICAISE, 2014, p. 68).
Resistiram e lutaram em busca da resiliência étnica, com apego aos elementos da
natureza, como a Aurora Boreal, os fiordes, a criação de renas e os rituais da pesca, alimentos
e vestimentas que colaboram para o turismo étnico, tanto em áreas urbanas, quanto em regiões
metropolitanas das cidades. Boullón (2002, p. 132) sinaliza que os ambientes naturais e seus
elementos podem ser utilizados para fins turísticos como “montanhas, rios, serras, lagos e
lagoas, quedas d’água, cavernas, entre outros elementos da natureza”.
É certo que, no contexto contemporâneo, por exigência do mercado e pela necessidade
de viver em áreas fora das Terras Indígenas (TI), muitos povos, como os Sateré-Mawé e Sámi,
têm ressignificado a tradição cultural. A exemplo disso, o povo Sateré-Mawé que sempre
produziu o guaraná para o sustento do povo como um dos símbolos da etnia e passou a explorá-
lo comercialmente. Para Laplantine e Trindade (1997, p. 4), “o símbolo é um sistema que não
substitui qualquer sentido, mas pode efetivamente conter uma pluralidade de interpretações”.
O guaraná ganhou campo no mercado internacional, sobretudo em países europeus. Da
mesma forma, o Ritual da Tucandeira tem atraído turistas de outros países onde é possível
socializar e compartilhar os saberes com outras culturas, ornado de afetividade e de significados
oportunizando ao turista a tradição cultural do povo, de origem nativa. Dessa maneira, o turismo
étnico vai se consolidando onde os povos indígenas estão diretamente envolvidos, tornando-os
protagonistas da própria cultura como essência e atração motivacional (BUCHKO et al., 2016).
A migração das Terras Indígenas (TI) para áreas urbanas ou regiões metropolitanas tem
ocasionado o fenômeno da corrida para as cidades. Dentre os fatores que contribuem com isso
está a falta de políticas públicas para esses espaços. Para tanto, destacaremos a nomenclatura
das áreas urbanas e região metropolitana. No tocante à primeira, essa é administrada por cidade,
o que está relacionado com a vida dos indivíduos que nela habitam. Segundo Magnani (2002,
p. 15), “suas práticas estão propriamente inscritas na trama da cidade, isto é, articuladas na e
com a paisagem, equipamentos ou instituições urbanas, considerados não um mero cenário,
mas uma parte constitutiva dessas práticas”. Ao definir o vocábulo “urbano”, o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) se refere ao perímetro, conforme definido por lei
do município. Noutro sentido, as áreas metropolitanas são um núcleo da área urbana que se
138
concentram no entorno das cidades e são beneficiadas com saúde, educação, esporte e lazer
pelo gerenciamento das cidades, instituída por lei complementar (IBGE, 2019).
A ressignificação dos povos indígenas em áreas urbanas e áreas metropolitanas tem três
motivos, dentre eles a educação, a economia e a saúde. Nesse tripé, a economia é o fator que
mais atinge essas populações, uma vez que está vinculado ao contexto de sustento das famílias
e provocaram uma nova concepção de território nas cidades (SANTOS, 2015). Daí reside a
necessidade de socializar os espaços culturais aos turistas que têm apreço pelas vivências dos
povos, a partir do olhar etnográfico.
O turismo coopera para o incremento de povos e pela salvaguarda de tradições culturais
e do meio ambiente (fauna e flora), já que esses são matéria-prima e recursos atrativos para o
turismo étnico (BUCHKO et al., 2016). Podemos encontrar nesse viés o bem-estar econômico,
social e cultural, advindo da renda arrecadada no turismo, favorecendo a criação de novos
empregos que ajudam a equilibrar a economia, dinamizando a arrecadação de impostos e
aquecendo a atividade empresarial do país, tornando-se uma mola propulsora (OMT, 2001).
Em 2003, por meio da I Conferência Estadual dos Povos Indígenas, foi avaliado o
Programa Amazonas Indígena, o qual discutiu o turismo em espaços indígenas, pautado no
“etnodesenvolvimento, sustentabilidade, valorização e divulgação da cultura e dos direitos dos
povos indígenas e o fortalecimento das organizações indígenas” (SANTOS, 2015, p. 69). Essa
conferência marcou os primeiros momentos para o turismo em espaços indígenas, destacando
um turismo organizado e responsável, na garantia da cultura, saúde, economia, recursos naturais
e bem-estar dos povos indígenas do Amazonas.
No campo etnográfico, o tuxaua Ramãw (2020), relatou em entrevista que “o artesanato,
o ritual e o guaraná (waraná) tem sido muito procurado por turistas estrangeiros”. É uma forma
de compartilhar e trocar saberes indígenas, em contextos atuais, incluindo-os como
empreendedores dos seus fazeres e desfrutadores de vida próspera (BUCHKO et al., 2016).
A ressignificação da cultura em tempos híbridos (CANCLINI, 2017) tem despertado
olhares de pessoas não indígenas no cenário turístico. Isso ocorre devido à relação com a
interculturalidade pautada na economia sustentável dentro das comunidades urbanas. Nessa
direção, o tuxaua da comunidade I’nhãa-Bé, Pedro Ramãw, enfatizou: “não podemos viver
isolados, estamos perto do centro urbano de Manaus e promovemos nossas festas no barracão
cultural da comunidade, e sempre estamos socializando nossa cultura com outras pessoas”.
139
Assim, por mais que ocorra transgressão temporária nos hábitos culturais, isso não anula o que
há na essência do ser humano (CANCLINI, 2017).
Nos destinos turísticos, o estado do Amazonas tem despertado interesse de várias
pessoas do mundo devido às belezas naturais, como o majestoso rio Amazonas, seus braços de
rios, o encontro das águas, a gastronomia típica e nativa de costumes indígenas (SANTOS,
2015). Várias empresas oferecem passeios que envolvem visitas a tribos, além de pescarias no
entorno da cidade de Manaus. A exemplo, a empresa Paranakari Turismo, conforme anexo D
(março de 2020) oferece passeios com o título “Descubra nossos encantos”. O folder da
empresa, as atrações contam com a participação em rituais e a descoberta de artesanatos das
tribos, como signos que compõem o ritual.
No portal “Guia de melhores destinos turísticos”, segundo os investidores, “é
interessante conhecer índios, mas é preciso saber que grande parte desses grupos que os turistas
visitam fazem um programa completamente voltado para o turista e para a arrecadação de
dinheiro”. Isso foi possível perceber na avaliação da turista que visitou Manaus, a senhora
Quézia da Silva (2020), a qual destacou que: “a natureza, os índios conhecem bem, mas é
preciso saber: Manaus e seus arredores têm muito mais que fauna e flora”. O discurso da turista
revela o sentimento que essa visualiza ao tratar do universo indígena do Estado do Amazonas.
Portanto, viver momentos da ancestralidade no campo do turismo étnico é saber
valorizar culturas da raiz étnica indígena, a partir das experiências dos povos, seja no Brasil ou
em qualquer lugar do planeta. Nesse sentido, o turismo étnico ou etnoturismo é uma das práticas
turísticas que, quando bem planejadas e pensadas, tem excelentes resultados (SENA;
CHAVEIRO, s. d.). Destarte, o planejamento do turismo em áreas indígenas deve acontecer de
forma que valorize a cultura e acrescente valor às celeridades dos indígenas como fator decisivo
no potencial das comunidades.
Foi preciso reinvenção para atender a um público que valoriza a cultura dos povos
originários da Amazônia e do Ártico. Socializar os rituais em espaços urbanos, em Manaus, tem
sido uma das alternativas das comunidades, conforme destacado na fala de Midian Silva, tuxaua
da Sahu-Apé (2020): “organizamos o centro cultural para apresentação do Ritual da
Tucandeira”. Segundo ela, os turistas procuram a comunidade para conhecer, participar das
atividades e vivenciar o Ritual, colocando a mão na luva com as formigas.
Ressignificar a cultura é uma prática de adequação para atender aos turistas e de
sobrevivência para os moradores das comunidades. Para a líder indígena Sahu-Apé (2019), a
140
“troca de vivências valoriza nossa cultura Sateré-Mawé”. Ela destacou que o Desenvolvimento
na Trilha do Gasoduto “foi um programa que elevou também o turismo na comunidade”, porém,
infelizmente, tinha um tempo definido para início e término, “a comunidade sem apoio de
divulgação, não tem condições de se manter”.
A vontade dos líderes não é perder a identidade, a essência das práticas ritualísticas, mas
fortalecer a cultura por meio do turismo étnico, de forma responsável e compartilhada com os
que promovem a cultura. Trocar experiências interculturais é tornar sociável as vivências com
respeito à cultura, pautada na etnicidade, na construção do turismo étnico, em que se pode aliar
o bem-estar e o desejo por meio dos conhecimentos partilhados, dos saberes dos antepassados
(BANDEIRA; COSTA, 2015).
Em semicírculo, durante o ritual da Tucandeira, é possível perceber que cada membro
exerce uma função política entre os pares (CARVALHO, 2019). O pajé ao centro é o xamã que
tem a função de fumar o cachimbo e fazer a benzedura da grande maloca e dos participantes
para a iniciação masculina, demonstrando temor e pedindo proteção pelo deus Tupana
(ALBUQUERQUE, RENAN; JUNQUEIRA, CARMEN, 2017). Cada membro é benzido com
fumaça de breu branco pelo sábio pajé e, com as mãos protegidas com tinta de jenipapo, o
neófito insere a mão na luva por, aproximadamente, oito minutos. Nesse momento, os turistas
são aclamados pelos líderes.
No campo, com olhar atento, encontramos com o turista Bruno Marcílio, 30 anos de
idade, o qual relatou que “soube da riqueza da Amazônia e dos indígenas pelos nativos
vietnamitas, quando trabalhou em um projeto social no continente asiático”. Bruno, ao chegar
no Amazonas, em julho de 2018, visitou a comunidade Sahu-Apé. Ele narrou que se sentiu
atraído pela mitologia do Sateré-Mawé, por isso decidiu experienciar novos saberes, conhecer
e vivenciar o turismo por meio da cultura e da natureza (BUCHKO et al., 2016).
Em 2019, o turista participou das atividades na comunidade I’nhãa-Bé, permanecendo
vinte dias imerso na cultura. No seu relato, Bruno Marcílio diz: “aprendi a plantar, a colher e a
produzir farinha de mandioca, tapioca, remover o tucupi. Aprendi a pescar com a malhadeira,
com vara de bambu, conhecido de caniço”. Relatou ainda que foram dias de aprendizagens e
que teve a experiência de dormir na rede numa maloca coberta de palha. Nesse período, o turista
ministrou aulas de inglês para as crianças da comunidade. Para Manfredo (2017, p. 252), o
turismo na Amazônia ocorre “como produto e condição de relações históricas e situacionais”.
Assim, cada contexto depende do momento e de oportunidade por um público diferenciado no
141
trato desse setor. Apresentamos, a seguir, a narrativa do turista sobre a participação no Ritual
da Tucandeira.
No início não senti nada, somente poucos movimentos das formigas na minha mão.
Quando o pajé tirou a luva, senti como cortes finos na pele e as formigas fechando as
mandíbulas. Depois vinha e voltava uma dor insuportável, que quando eu pensava
coisas negativas parecia piorar, e, quando eu dançava e conversava, a dor diminuía
muito. A dor intensa fazia eu ficar confuso e dava vontade de fazer as coisas mais
cruéis e ruins, como agredir meu corpo, rolar pelo chão e pular de algum lugar alto.
Parecia que todos eram meus inimigos. Tive muito medo da dor se espalhar por todo
meu corpo. (Relato de Bruno Marcílio, 2019).
Marcílio decidiu participar do Ritual para se sentir forte e o fato de praticar a arte marcial
da capoeira o motivou. “Ao passar por aquela dor insuportável, parece que me fortaleceu”,
relatou. Após vinte e quatro horas de intensas dores, o turista disse que ficou satisfeito pela
experiência, mesmo depois de toda dor e alucinações que sentiu. Após a participação no Ritual,
Bruno destacou a superação de suas fraquezas, comprometendo-se com a cultura Sateré-Mawé.
Tal fato colaborou para compreender o sentido do Ritual, a partir dos cantos, dos grafismos e
após bebida do guaraná. Trata-se do que Nascimento (2016, p. 44) destaca: “a diversidade de
olhares da alma intuitiva permite a aproximação deste rico manancial de histórias e
simbolismos, arcabouço cultural e de sabedoria do povo Mawé”.
A cerimônia do Ritual entra no auge por meio dos cantos, momento de transe em
sintonia com os ancestrais. Dessa forma, compreender essa narrativa vai além de um simples
bailado, isto é, requer envolvimento espiritual e envolvimento com a tradição. Nessa
perspectiva, “a interpretação no sentido hermenêutico revela também a força da poética nativa,
o significado por trás dos símbolos e alegorias” (ALVAREZ, 2009, p. 84). As pisadelas fortes
em semicírculo são ordenadas pelo homem experiente, detentor dos saberes que tem a função
de puxar os cantos, cujo tema evoca à natureza, Terra, Sol, noite e água, com preces para saúde
e colheita do ano vindouro, durante o calendário das festividades para o ritual, o qual ocorre
nos meses de abril e novembro.
As datas, conforme informadas pelo tuxaua da Comunidade I’nhãa-Bé, são organizadas
em consonância com as comemorações do Dia do indígena, é o momento de mudança de status
dentro do grupo e, em novembro, mês da tucandeira. Após a iniciação no ritual, o Sateré
iniciado é considerado um guerreiro de sorte que passa a vivenciar novas formas de
convivência, como respeito, liderança e um guerreiro, junto ao grupo de homens dos iniciados
e daqueles que já completaram o ciclo de participação no Ritual da Tucandeira. Logo, esse rito
de passagem implica mudança de status social. Todo o processo ocorre no tempo de vinte
142
repetições do ato de enfiar a mão na luva com formigas (ALVAREZ, 2005). Nesses meses, a
comunidade é aberta para turistas que almejam conhecer e viver ocasiões memoráveis junto aos
comunitários. Boaventura de Sousa Santos afirma ser “o procedimento capaz de criar
inteligibilidade mútua entre experiências possíveis e disponíveis sem destruir a sua identidade”
(SANTOS, 2005, p. 118).
Para adentrar no centro cultural, o turista se depara com a organização dos participantes
do Ritual. Na entrada, ficam as senhoras Sateré, com a função de acompanhar o processo do
evento; nas laterais, são dispostas as arquibancadas para turistas e visitantes visualizarem toda
a cerimônia. Ao centro, luvas (ipēp tiğ) tecidas em palha de arumã, com mais de cem formigas
Tucandeiras enfiadas no minucioso orifício. O início é marcado pelo pajé que, ao preparar o
corpo-mente dos participantes e dos convidados, dá início ao processo do Ritual em
conformidade com os parâmetros da tradição, sem modificação na estrutura política e social.
A figura 22 sinaliza o etnoespaço da organização hierárquica das lideranças: tuxaua,
pajé, neófitos, homens e mulheres na celebração do Ritual. Cada liderança ocupa um lugar de
representações simbólicas. Cada espaço reflete o campo do sagrado, que se estende para os
turistas.
Figura 22: Etnoespaço: organização política na grande maloca do Ritual.
Fonte: CARVALHO J. M.; VILÁCIO; ROCHA (2020).
143
Os simbolismos trazem vários sentimentos do sagrado: temor ao deus Tupana, pedido
de saúde, fortalecimento matrimonial, fortalecimento da cultura e status de guerreiro. Para
Rucian Vilácio (2020), “a Tucandeira é uma mulher que encanta, atraindo o homem Sateré-
Mawé na perseverança da tradição”. É com esse sentimento que a tradição a cada geração se
fortalece, destacando as celebrações deixadas pelos ancestrais, conforme figura a seguir. Em
todas essas, o contato com a natureza se faz presente, motivo pelo qual os turistas fazem a
imersão aos espaços nativos, em busca de cura espiritual e física, em plena sintonia com a
ecologia (SANTOS, 2005).
Na figura 23, os signos combinam para um diálogo, expressos em tela, que faz
referências ao guaraná, como o mito de origem, gerando comunicação por meio do ritual,
expressa pelo verbal, visual, gustativo, olfativo, reafirmando a tradição cultural, “como temor
a tupana”, complementou Vilácio (2020).
Figura 23: Fortalecimento da Tradição.
Fonte: CARVALHO, J. M. (2020). Desenho e pintura: TAVARES (2020).
A interface do homem com a natureza propicia um espaço de magia, poesia e
encantamento. Esses estão expressos nos espaços da kunã, pelos atos xamânicos do pajé envolta
dos cantos e mitos poetizados e pelas narrativas históricas, cultural e social, em torno da deidade
Tupana e da formiga Tucandeira. Esses signos são patrimônios da cultura Sateré-Mawé, que no
144
Brasil, especificamente no estado do Amazonas, devem entrar como patrimônio imaterial por
registros, conforme destacado pelo Ministério do Turismo (2010, p. 44).
Nesse sentido, a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
senhora Karla Bittar Rodrigues, considerou em entrevista que o patrimônio nativo merece um apreço
primado quanto à salvaguarda da cultura tradicional, conforme se deu em outros casos de referência,
para além dos registros geográficos, como representação do indígena, na garantia etnicidade, segundo
preconiza o Artigo 216 da Constituição Federal Brasileira (1988).
4.2. O turismo criativo entre os Sateré-Mawé e Sámi
O turismo criativo surge pelo avanço do processo migratório nas áreas urbanas ou áreas
afins como estímulo à crescente urbanização, ocorrendo “uma tendência de migração das
grandes cidades para as pequenas áreas urbanas, motivada pela singularidade do seu capital
territorial ao nível das suas condições naturais, culturais e simbólicas, e de qualidade de vida”
(SELADA et al., 2011, p. 80). A migração dos povos indígenas para centros urbanos se deu por
fatores de mudança de vida dos familiares, além de fugas decorrente de conflitos externos aos
indígenas. Então, com os saberes indígenas herdados da tradição cultural de cada povo, foi
possível impulsionar trocas de experiências como valorização do patrimônio histórico imaterial.
Há necessidade de as cidades e, sobretudo de as comunidades, se reinventarem para os
novos negócios, visando à garantia da cultura e do sustento por meio do turismo criativo,
respeitando a “pluralidade, pela coexistência e simultaneidade no urbano de padrões, de
maneiras de viver a vida urbana” (LEFEBVRE, 2001, p. 62). Nesse viés, a cultura ganhou uma
carga semântica agregada ao sustentável, ao patrimônio e à criatividade, na garantia do capital
financeiro, ancorado em políticas de desenvolvimento das cidades como o investimento em
marketing e a globalização da economia informal (CASTELLS, 2000).
Acerca disso, o povo Sámi estudado em Tromsø tem buscado se afirmar etnicamente na
prospecção da cultura, por meio turismo, ancorado na sustentabilidade. Segundo Hoffmann
(2011), foi nas décadas de 1970 e 1980, que as discussões sobre os direitos do povo Sámi, e da
reivindicação de seu status por uma organização etnopolítica do povo, se consolidou. Essa luta
contribuiu com as políticas afirmativas do povo no país, na expansão das “fronteiras
econômicas sobre os territórios tradicionais daquele grupo”, conforme afirmou Hoffmann
(2011, p. 523).
145
Durante o campo da pesquisa, percebemos que as comunidades estão vivenciando um
momento de inovação, apostando em novas estratégias para sobreviver, com o modelo atual de
turismo, que antes era pensada apenas como motivo de viagens a passeio, férias, entre outras
atividades. Surge, assim o turismo étnico indígena, no qual o protagonista é o próprio nativo,
com estratégias de ressignificar a cultura em áreas urbanas, mirando uma inserção ao turismo
criativo.
Desse modo, surge um novo turista (neoturista) que busca experiências culturais,
históricas, reais e nativas de um determinado lugar, proporcionando o desenvolvimento
individual e que agregue novos conhecimentos. A vivência por meios culturais dos patrimônios
históricos, tangíveis e intangíveis, estabelecem uma forte carga simbólica com o turismo
cultural (ABREU, 2011). Destacamos que o patrimônio imaterial ou intangível faz referências
às festas, celebrações, rituais, modos de saber e fazer, conforme preconizado no Decreto de n.º
3.551/2000.
As agências de viagens, segundo Rodrigues Gonçalves (2008), têm estreitado
cooperação entre o turismo e as indústrias criativas, porém nem sempre é fácil experienciar esse
fenômeno, por apresentarem abordagens específicas e que por vezes não são aceitáveis pelos
promotores culturais. É “um momento de renovar a estratégia de desenvolvimento regional a
partir destes vetores: Turismo, Criatividade e Cultura” (GONÇALVES, 2008, p. 19).
Consideramos que a decisão deve partir da filosofia dos povos indígenas, pois são eles que têm
o poder de decisão, ponderando os benefícios vindouros.
Na comunidade Sahu-Apé, vivenciamos estratégias culturais para atender e atrair o
turista, a exemplo uso de páginas do facebook com o título “Aldeia Sahu-Apé - Aisa”. Nessa
página foram apresentadas as atividades turísticas com apresentação do grupo de coral das
crianças sahu, ritual da Tucandeira, preparo dos alimentos e da bebida típica waraná.
Atividades como essas são organizadas pelos comunitários, porém as postagens não são
atualizadas, por falta de acesso à internet. A partir do fluxograma de conhecimentos
tradicionais, as ações para o turista são desenvolvidas pelos mehins - guerreiros e guerreiras.
Toda essa organização é também uma marca da identidade cultural do povo, a forma como se
atribuem valores e significados aos elementos construídos e existentes no determinado pedaço
de chão (SOUZA, 2001).
Pforr e Brueckner (2016) apontam que o turismo tem sido considerado como uma forma
de desenvolvimento sustentável a longo prazo para as comunidades indígenas pois diante das
146
características próprias dessa atividade, promove a valorização da cultura e a vivência com a
natureza, oferecendo oportunidades para engajamento econômico em harmonia com as práticas
ambientais e socioculturais próprias do grupo.
A Amazônia tem um patrimônio imaterial cujo cenário é natural, com a maior
biodiversidade do mundo, sendo um vetor para a expansão do turismo criativo. “É nesse
contexto, de profundas transformações e conflitos socioambientais que a atividade turística vem
se desenvolvendo na região” (BURSZTYN, 2012, p. 41).
Como estratégias de desenvolvimento das comunidades criativas para o turismo
criativo, as cidades têm uma programação anual marcada em calendário cultural e movidas pela
exuberante natureza amazônica. No entanto, chamamos atenção para que essa euforia da cultura
fora das Terras indígenas não caia no desprestígio e na banalização, isto é, as “imagens são
construídas, consumidas e destruídas, numa permanente (des) territorialização da ciranda
especulativa que produz lucro, prestígio e poder” (RIBEIRO, 2006, p. 43).
No Círculo Polar Ártico, os fenômenos da natureza são elementos presentes na vida
diária dos Sámi. As estações do ano são bem definidas e a cada uma delas o povo se organiza
para viver em harmonia com a natureza. Do mês de novembro até janeiro, vemos o período em
que ocorre o fenômeno da escuridão. Nesse tempo, é comum o uso de abajur, lâmpadas
amarelas, velas na entrada e dentro das casas, dos apartamentos e em repartições públicas. Já
os meses de fevereiro e março são períodos em que surge a neve e as temperaturas variam entre
5ºC e -15ºC, detalhes que narram o modo de vida do povo.
Diante da discussão das atividades turísticas, verifica-se que, a partir de algumas
mudanças no espaço em que o grupo reside e desenvolve suas atividades cotidianas, surgem
novas formas de apropriação e uso dos recursos naturais, diante da demanda do turista. Assim,
é preciso compreender o patrimônio e a dinâmica sociocultural que surge desta demanda. Por
isso, o estudo sobre turismo étnico indígena e seu patrimônio imaterial contribuem para trazer
benefícios a muitas outras formas de turismo (CARR et al., 2016).
Em Tromsø, um fato curioso é que, mesmo com a variação de temperaturas, os turistas
experienciam os saberes da cultura Sámi, sobretudo andar com as renas puxadas no trenó e
vivências com o povo nas atividades voltadas para o turismo. No período de setembro a março,
o turista procura contemplar a Aurora Boreal, investindo em valores que chagam a 4.000 coroas
norueguesas (NOK), moeda do país. Na ocasião, o turista busca uma cabana Sámi e se envolve
pelos cantos e alimentos que remetem a significados da ancestralidade. Igualmente, a
147
“criatividade assumiu o seu pleno reconhecimento enquanto matéria prima do novo modo de
produção e que, agora, não ocorre mais em espaços confinados, mas em espaços abertos dos
processos midiáticos” (MAGNAVITA, 2011, p. 73).
No outono, por usa vez, correspondente aos meses de setembro e outubro, a temperatura
varia de 3ºC a 16ºC. O clima é marcado por poucas pancadas de chuva e noutro momento
observa-se um sol ameno, considerado um clima agradável pelos noruegueses. As folhas das
árvores ficam amareladas e depois caem, formando um cenário mágico, aproximando a natureza
do cotidiano das pessoas. Para ilustrar, elaboramos uma tabela descritiva (Tabela 2) das
estações do ano, conforme a narração do Sr. Egil Andersen Lundstedt (2019).
Tabela 2: Estações do ano e fenômenos atrativos.
MESES TEMPERATURA EM
GRAUS CELSIUS FENÔMENO ESTAÇÃO
Janeiro, fevereiro,
março, novembro e
dezembro
5 a -15 Aurora Boreal
Inverno
intenso
Fevereiro e março -1 a -15 Estação com mais neve Inverno
intenso
Novembro até
janeiro -5 a -15
Tempo escuro (abaixo
de zero) Inverno
Abril e maio 4 a 17
Sol da meia-noite (inicia
20 de maio até 20 de
julho)
Primavera
Julho e agosto 9 a 20 Contemplação do Sol Verão
Setembro e outubro 3 até 17 graus Aurora Boreal Outono
Outubro 3 a -2 Aurora Boreal Fim do
outono
Fonte: CARVALHO J. M. (2019).
No verão e no outono, o brilho e o calor do astro rei são intensos. Nesse período de sol,
são utilizadas habitações chamadas de cabana Sámi conhecidas como lavvu, as quais costumam
servir de abrigo e de recepção aos turistas. Suas estruturas têm formato de cone coberto em lona
e sem divisórias, como um tipo de acampamento para contemplar: as estrelas, a Aurora Boreal,
148
o sol da meia noite e o cantar yoik, elementos que reforçam o sistema de comunicação da origem
do mito (BARTHES, 1999).
Na estação do outono, em uma temperatura de 3ºC a 17ºC, as famílias se preparam para
a chegada da majestosa Aurora Boreal. Nessa preparação, as cabanas são organizadas para a
recepção dos turistas. Assim, em atuação no campo etnográfico da comunidade Sámi,
observamos momentos ritualísticos de acolhimento que buscaremos descrever.
No centro da cabana, há fogão e lenhas que formam um fogaréu para os preparos de
alimentos aos visitantes. Essa ritualística remete “a um simbolismo cósmico da comunidade
que é retomado na estrutura do santuário ou da casa cultual” (ELIADE, 2010, p. 24). Acima do
fogo, há uma chaleira de café e outra com chá de limão e erva mate. Durante nossas
observações, enquanto os alimentos eram preparados, Trine Marit cantava as canções yoik com
intensidade, aos sons dos tambores decorados com letras rúnicas, confeccionados com pele de
rena e grafismos representativos de outros seres vivos. Para Faur (2014, p. 226), “as runas
representam um complexo sistema espiritual pelo qual sacerdotes e xamãs ensinavam seus
mistérios”. Essas memórias são mantidas por meio de códigos sagrados com valor sentimental
entre os praticantes da cultura.
No campo das estratégias, foi possível elaborar um etnocircuito de atendimento ao
turista com uso da ferramenta ágil do fluxograma, tanto do povo Sateré-Mawé quanto do povo
Sámi. Esses etnocircuitos foram planejados a partir das andanças no campo desta pesquisa.
Percebemos a necessidade do percurso para a compreensão dos serviços dos turistas nas
comunidades, facilitando as formas de organização e visitação.
Sobre fluxograma, Lucinda (2010, p. 44) define “como uma ferramenta que mostra de
forma gráfica as etapas de um processo e pode ser utilizada na análise de um processo corrente,
pois permite a compreensão rápida do fluxo de atividades". Para Magnani (2012, p. 13),
“circuito descreve o exercício de uma prática ou a oferta de determinado serviço. [...] é também
o exercício da sociabilidade por meio de encontros, comunicação, manejo de códigos”. Nesse
contexto, com os serviços indígenas, o etnocircuito está alicerçado aos saberes de tradição
cultural dos povos.
No que diz respeito aos Sateré-Mawé, destacamos os elementos sígnicos que marcam a
cultura de expressão identitária, como componente indutor aos turistas, destacando o Ritual da
Tucandeira e seus elementos simbólicos, como o guaraná, os objetos artesanais e as narrativas
lendárias (FIGUEROA, 2016). Esses têm demonstrado grande potencial para o
149
desenvolvimento do marketing no estado do Amazonas, sobretudo nas visitações culturais
realizadas na capital.
As comunidades indígenas Sahu-Apé e I’nhãa-Bé não atuam junto às agências de
turismo de Manaus. Percebemos, nesse caso, a falta de incentivos para oportunizar o acesso às
localidades e protagonizar o empreendedorismo local. O turista, ao visitar Manaus, procura
fazer contato com as agências de forma oral, pois essas comunidades não dispõem de uma boa
internet, nem recursos como computadores, impressora ou apoio para a organização e
divulgação das atividades turísticas. Eles são detentores de saberes de tradição cultural, sem
costume do uso da escrita para a promoção e divulgação dos serviços. No entanto, as agências
de turismos utilizam sites com imagens da floresta e do que nela habitam, a exemplo dos
indígenas residentes nas áreas urbanas e metropolitanas da capital amazonense. Isso demonstra
um forte apelo como atrativo e, ao mesmo tempo, concorrência entre os destinos, territórios
estratégicos para garantir vantagens competitivas no mercado do turismo étnico.
Consideramos que, tanto a Amazônia quanto o Círculo Polar Ártico, apresentam
potencialidades intersectivas para o planeta, sendo laboratório das espécies (MARCELINO,
2007). De um lado, o degelo, que segundo os especialistas da Universidade de Tromsø possui
a parte mais afetada na região do oceano Ártico; do outro lado, o crescente nível das águas que
afeta a bacia hidrográfica da Amazônia que, para Cabral, da Silva e Toledo (2018), advém do
aquecimento global, uma das causas para a extinção dos seres vivos do planeta.
Urge sim, assegurar o turismo étnico indígena com interface para o meio ambiente e aos
povos habitantes nesses territórios. Deve-se ter como objetivo salvaguardar o patrimônio, pois
o território é a marca que remete aos fluxos da memória do lugar. Para Deleuze e Guattari, o
território:
[...] não é primeiro em relação à marca qualitativa, é a marca que faz o território. As
funções num território não são as primeiras; elas supõem, antes de tudo, uma
expressividade que faz território. É de fato nesse sentido que o território, e as funções
que ali se exercem, são produtos da territorialização. A territorialização é o ato de
ritmo tornado expressivo, ou de componentes tornados qualitativos (DELEUZE;
GUATTARI, 2012, p. 388).
Toda a expressividade é marcada por signos identitários; é uma forma de comunicação
com as origens históricas, sociais e culturais que retomam a memória dos antepassados, numa
construção identitária que marca a tradição de um povo e o seu território, mesmo estando fora
dele, isto é, fora das Terras Indígenas.
150
4.2.1. Modelo empírico de desenvolvimento do turismo étnico Sateré-Mawé e Sámi
Para entender os saberes ancestrais, no campo do turismo cultural, transpomos as
narrativas das vivências e das práticas desenvolvidas nos barracões, também chamados de casa
cultural. Nesse local de atividades e serviços prestados aos turistas, demonstramos por meio da
ferramenta de fluxograma a presença de regras para receber o visitante, respeitando os valores
étnicos.
De tal modo, como resultado do campo etnográfico, tecemos com os membros da
comunidade Sateré-Mawé, o processo de visitação em três etapas: antes, durante e depois de
cada ação direcionada ao turismo, como expressão simbólica e cultural agregada ao valor
econômico. Esse modelo construído já fazia parte dos conhecimentos ancestrais, no entanto de
forma verbo-visual (MELLO, 2019).
Na primeira etapa, os contatos iniciais são com a liderança do grupo, que tem a função
política de organizar o espaço para a recepção dos turistas. Na segunda etapa, é o momento de
realização da imersão do turista à comunidade, tendo a oportunidade de interagir com a mística
entre os participantes.
Percebemos que o contato inicial é com o tuxaua, pois é ele quem articula politicamente
as ações para atuação turística organizadas em conjunto com outras lideranças da comunidade.
Cada membro tem uma função de atuação dividida entre recepção, trabalho e reunião de
avaliação, bem como planejamento das próximas atividades da comunidade.
Na terceira etapa, é um momento de ação-reflexão-ação do processo, com objetivo de
reavaliar as atividades e dividir os valores recebidos como fruto do trabalho. Além disso, as
atividades ambientais, como a limpeza e a utilização de produtos reutilizáveis, são feitas de
forma a garantir a preservação do meio ambiente, demonstrando a relação harmônica entre a
comunidade e a natureza.
Também o saber fazer das comunidades estão baseados na etnicidade que garante a
continuidade da tradição cultural, sem desvalorizar ou tornar pejorativo diante do turismo
criativo (BANDEIRA e COSTA, 2015). A sustentabilidade é um fator que dialoga com o viés
do desenvolvimento local, garantindo o sustento às famílias que residem nas comunidades.
151
Percebemos que cada comunidade apresenta especificidades diferenciadas, levando em
consideração o local e o acesso aos espaços, conforme demonstrado a seguir, a partir das
observações realizadas na comunidade Sahu-Apé (Quadro 3).
Quadro 3: Etnocircuito do ritual no turismo criativo na comunidade Sahu-Apé.
Fonte: CARVALHO, J. M.; VILÁCIO; DAMASCENO; FERREIRA (2019).
Para os líderes, é praticamente inexistente a presença de marketing e divulgação dos
trabalhos por redes midiáticas, pois no local só existe uma operadora de telefonia que atende a
área e que muitas vezes fica sem sinal. De tal modo, na comunidade I’nhãa-Bé, o processo de
visitação também se inicia com o tuxaua, conforme as fases destacadas no (Quadro 4).
152
Quadro 4: Etnocircuito do ritual no turismo criativo na comunidade I’nhãa-Bé.
Fonte: CARVALHO, J. M.; VILÁCIO; DAMASCENO (2020).
Como visto nessa comunidade, o desenvolvimento do processo é agregado a outros
serviços como transporte fluvial para o turista, organização do espaço, organização e divisão
das tarefas. Na segunda fase, constam: a recepção, o planejamento, alimentação típica, contato
com a floresta e com fauna no decorrer da trilha, exposição de artesanatos até a performance
do Ritual da Tucandeira, um jeito de receber e de saber fazer o desenvolvimento das atividades.
E, na última fase, com saberes ancestrais, são realizadas reuniões e avaliações, dialogando sobre
o planejamento, a divisão da renda e a limpeza dos espaços.
No que diz respeito aos Sámi, os serviços para os turistas são bem modernos e
inovadores, com uso de internet e equipamentos complexos: leitor de CoreCod, facilidade de
153
pagamento dos serviços com cartão de crédito internacional, além de aplicativos em 3d, como
o forecast3d para acompanhar os roteiros da Aurora Boreal e visitações com os Sámi.
No percurso pelas encantadoras estradas e rodovias, as paisagens exóticas típicas da
região são explicadas pelos anfitriões Sámi. Quanto à estrutura física, essa é toda adaptada para
o turista, com acessibilidade às pessoas portadoras de deficiências. As sinalizações das ruas são
em duas línguas, norueguês e Sámi, valorizando e garantindo as culturas, conforme o acordo
com o Parlamento Sámi.
O uso das tecnologias via internet permite a emissão de bilhetes e ingressos detalhados,
constando a saída do transporte, o itinerário e o tempo de duração que o turista participará das
ações. Os rituais da alimentação são elementos que os nativos usaram como criatividade para
atrair o olhar visionário do turista. Andar pelas ruas de Tromsø é conviver com ofertas dos
serviços turísticos disponibilizados nos mapas da cidade, roteiros e agências com variados
serviços ao turista, conforme anexo B, com destaques para visitação com o povo Sámi.
A cidade de Tromsø é conhecida como a capital do turismo e da Aurora Boreal, as
agências usam a imagem do fenômeno como atrativo comercial aos simpatizantes de vários
países do mundo. Na cidade, existem políticas relacionadas à produção e ao desenvolvimento
da pesca do bacalhau, da contemplação das baleias, da cultura ancestral, além de iniciativas que
envolvem a sustentabilidade, meio ambiente e a preocupação com a costeira, no caso do Oceano
Ártico (JACINTO, 2016).
Em campo, ao ser recebida por uma senhora Sámi, foi entoado o canto denominado de
yoik, cantado pelos mais velhos e geralmente por senhoras detentoras da tradição. Em seguida,
foram feitas as explicações do que é ser um Sámi, seguidas de bebidas, geleias, chá e sucos de
berries e moltebaer (frutos silvestres, nas cores vermelhas e negra). A cada dia, essas ações
elevam o crescimento turístico nas comunidades que as praticam.
Após o ritual de chegada, foi servido um alimento denominado sopa de rena (bidos),
temperado com as ervas nativas, cozido com batata da região e cenoura. A sopa é acompanhada
de um pão com textura finíssima e bastante torrado chamado de flatbrød, que em português
significa “pão reto”. Na ritualística do alimento típico do povo Sámi, é enfatizada a cultura por
meio do canto e do batuque, em uma linguagem articulada aos deuses numa harmonia cósmica.
Ligiéro (2011, p. 155) salienta que “o cantar, o dançar e o batucar são a base de distintas
celebrações em rituais”. O alimento foi servido em torno do fogo, onde as pessoas cantarolavam
154
e se satisfaziam do banquete. Para tanto, o processo de recepção e ofertas dos serviços aos
turistas inicia com agendamento direto nas agências, conforme demonstrado no (Quadro 5).
Quadro 5: Etnocircuito do ritual o turismo criativo do povo Sámi
Fonte: CARVALHO, J. M.; VILÁCIO; DAMASCENO (2020).
Na incursão pelo campo, o motorista Sámi, trajando as vestimentas típicas, faz o retorno
com os turistas até o hotel e durante o trajeto narra a o percurso do seu povo: dos tempos antigos
até o momento de crescimento comercial dentro da cidade de Tromsø.
Os habitantes em geral e, sobretudo o povo Sámi, trabalham de acordo com o calendário
das atividades voltadas às estações do ano. Assim, a cada passagem, as agências de turismo
155
oferecem serviços diferenciados com valores que vão de 200 a 4000 mil coroas norueguesas,
dependendo da estação e do serviço prestado ao turista. Para isso, há uma programação anual
em que o turista se planeja previamente.
O aparecimento do turismo criativo é uma exigência do momento contemporâneo que
preconiza a inovação nos serviços e a autonomia dos usuários. As atrações culturais estão
direcionadas a um neoturista, um público com novas motivações e comportamentos que
alimentam os desejos, ao mesmo tempo em que oferecem diversão associada à ancestralidade,
à mitologia, à produção de artesanato local como signos identitários. Logo, o turismo criativo
é potencializador e valorizador da cultura na promoção da economia das cidades.
Para Ferreira (2017, p. 140), a “importância dada à cultura integra-se às políticas
urbanas, culturais e municipais como componente de valorização do espaço urbano e da cultura
local”. As incursões permitiram mostrar os saberes e fazeres dos espaços indígenas Sateré e
Sámi, como patrimônio cultural do ser cosmogônico, no campo do turismo cultural, enquanto
elaboradores, organizadores e difusores de aprendizagens. Entretanto, há tarefas que ainda
necessitam de compreensão pelas possíveis interações, interconexões, que podem emergir para
o turismo criativo.
4.3. Experiências memoráveis entre os povos indígenas Sateré-Mawé e Sámi
Cada povo se expressa pela tradição cultural marcada por signos que os definem pelos
fatores históricos, sociais e culturais. Ao longo da trajetória humana, o homem sempre deixou
suas marcas identitárias em cavernas, pirâmides, madeira, pergaminho, sarcófagos, os quais até
hoje inquietam pesquisadores (PINHEIRO, 2018). Esses fatos são comprovações de que o
homem das primeiras civilizações nos deixou formas de registros históricos e comunicativos
com variados significados.
De acordo com os entrevistados da comunidade I’nhãa-Bé, os atrativos mais apreciados
pelos turistas são: o Ritual da Tucandeira e seus elementos simbólicos – bebidas ancestrais,
grafismos, canto, danças. Além disso, buscam também a participação em pescarias, observação
das fases da lua e produção do roçado. A atratividade das atividades realizadas pelo turismo
reforça a imagem como mediadora de informações (GUIMARÃES, 2018).
Para os líderes da comunidade Sateré, o espaço é um ambiente denominado pelos
turistas de paraíso, isto é, de uma imagem bastante privilegiada que se tornou mítica
156
culturalmente em todas as sociedades da Terra (BOFF, 2016). O turismo étnico a cada dia vem
sendo procurado por visitantes que gostam de desafios e de inovação em ambientes culturais
diversificados para visitas de cunho contemplativo. Para o tuxaua Pedro Ramãw da Silva, “os
turistas que participam dos rituais, preferem pescar, caçar, beber chá e apreciar a natureza”.
O que se percebe, nesse início de século XXI, em diferentes destinos, é que as pessoas
buscam atividades e opções variadas, inclusivas, interativas com povos originários, bem como
acena para um propósito social, cultural e ambiental. Para Boff (2016), a vida planetária desses
povos demonstra profunda ambientação com a natureza, primando por alimentos orgânicos,
isto é, aqueles de raiz ancestral desprovida de produtos químicos.
O Quadro 6 demonstra as atividades de atrações turísticas nas comunidades I’nhãa-Bé
e Sahu-Apé, a partir da narrativa dos entrevistados.
Quadro 6: Indutor turístico – Sateré-Mawé.
Fonte: CARVALHO, J. M., junto aos entrevistados (2019).
Os atrativos ao turismo, segundo MacCannell (1979), têm representações simbólicas
denominadas de signos que, para os indígenas, apresentam significados capaz de ligar o sagrado
e o xamanismo em práticas de cura pelo pajé. Destaca-se ainda que o pajé é o “médico”
tradicional na comunidade e, por meio das ervas medicinais, tem poderes de fazer remédios
caseiros. “O homem sempre teve tendência de adorar o misterioso e o fascinante, percebidos
N. Indutor turístico Período Observação
01 Ritual da Tucandeira Abril, novembro ou
quando o turista solicita
Acesso à
comunidade:
1. Contato direto
com o tuxaua;
2. Raramente por
agências
02 Magia da Floresta (realizar trilhas e
aquisição de ervas medicinais)
Anual
03 Pescaria Anual
04 Gastronomia indígena Anual
05 Sabres sobre canto e danças Anual
06 Bebida ancestral – guaraná ou
waraná
Anual
07 Astronomia indígena – apreciar as
fases da lua e fazer trilhas
Anual
08 Arte indígena – Grafismo Anual
157
por ele como diferente, portanto, o exótico, que se corporifica na atração que as pessoas sentem
até hoje para viajar” (MELLO, 2019, p. 92).
O turismo étnico dentro das comunidades tem inquietado alguns pesquisadores da
antropologia, pois, para eles, esse tipo de turismo pode colocar em risco a cultura dos indígenas.
No entanto, o entrevistado da comunidade Sahu-Apé (2019) demonstra que o turismo “é um
momento de socializar a cultura”. Em tom pessoal ele diz que essa atividade é feita “por meio
de nossas práticas, deixadas pelos nossos antepassados. Com isto, garante o sustento dos
moradores da comunidade”.
Nesse sentido, é crescente a preocupação em resguardar o legado dos povos indígenas
por estarem ligados à ancestralidade centrada na cultura, na mitologia e nos rituais. Isso é visto
como filosofia de vida dentro das nações indígenas, como um fenômeno geral dentro das
sociedades modernas, complexo que a cada dia gera discussões a respeito. No viés do turismo
cultural, o turista que opta em realizar o turismo étnico, sendo um novo comportamento do
turista da atualidade, se apresenta sensível às causas indígenas, com interesse em vivenciar
momentos de contemplação com o cosmo, com a natureza.
Na convivência com os indígenas da tribo Sateré-Mawé, o turista tem a opção em dormir
em uma comunidade, participar de rituais, conversar com a tuxaua, cantar com crianças, ficar
em sintonia com o canto da floresta de acolhida, aprender com o pajé, ser atendido na farmácia
kunã. Além disso, o visitante pode se aventurar pelas trilhas na floresta, passear pelo rio em
transporte fluvial de pequeno porte, denominado de bote, em alumínio para focar jacaré no lago.
Também é possível realizar atividades mais passivas como presenciar o amanhecer,
contemplar o anoitecer, dormir na maloca em rede, conhecer a origem e matéria-prima dos
artesanatos, a criação de abelhas, tomar o verdadeiro guaraná (waraná), rodada de chá e
contação das narrativas.
A figura 24 apresenta diversas fotografias que remetem a essas atividades aqui descritas.
No conjunto do mosaico apresentamos a imagem (E) do saber fazer do preparo das formigas na
luva em palha; (F) a realização com ritual com os adornos, luvas, penas de animais e os
participantes pintados com tinta de jenipapo.
158
Figura 24: Mosaico de signos identitários Sateré-Mawé.
Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).
Fonte: CARVALHO, J.M; AMISM (2020).
Na imagem (G), vemos sementes extraídas da natureza; na (H), os anéis de tucumã,
produto cobiçado pelos turistas, do qual são feitos pulseiras e colares com a semente puçá-
Waruru e chumburana, extraídas da região indígena e que são tipicamente empregadas por essa
etnia. Segundo Ribeiro (2000, p. 152), “essas representações iconográficas têm um caráter
mnemônico e estão profundamente enraizados nas vivências e nos enredos míticos tribais”. Na
imagem (I), observam-se variados produtos em exposição para turistas: colares, cuias em
grafites e pinturas ancestrais. Por fim, na (J), apresentamos o guaraná (waraná ralado). Todas
as matérias primas são provenientes das Terras nativas Sateré-Mawé, como informou Vilácio
(2020).
Dentre os fatores que estimulam os segmentos turísticos, especialmente o turismo
cultural que agrega e aproxima o turista com a cultura, com a ancestralidade e com a cosmovisão
F E
G H
I J
159
indígena (CARDOZO, 2006). O patrimônio cultural, visto como marca identitária e simbólica
do lugar, serve como fomento. A inserção dos indígenas no percurso do turismo, tendo como
resultado a autogestão, o empoderamento e o fortalecimento de suas tradições e valores
contribui com o desenvolvimento econômico por meio dos símbolos identitários como atrativo
turístico.
No que diz respeito ao povo Sámi, os atrativos que o identificam na essência de ser povo
do Ártico são variados. De tal modo, no imaginário popular dos brasileiros, os nórdicos recebem
adjetivos como “povo do gelo”, “povo que pastoreia renas”, “povo que anda de trenó”, “povo
que conversa com a aurora boreal” e “povo indígena que tem vestes diferentes”, dando sentido
polissêmico ao interessado. Nesse contexto, os adjetivos são marcados pelos signos do
pastorear com rena, a caça da aurora boreal, a embarcação da pesca e a cabana. No campo
turístico, cada serviço desses tem um custo, conforme quadro a seguir.
Quadro 7: Investimentos no turismo de experiência em Tromsø.
Serviços Moeda
Noruega
Moeda
Brasil
Grupo de
pessoas Duração
Observação do fenômeno da
Aurora Boreal 4.000,00 2.000 10 5h
Experiência em turismo étnico
com o povo Sámi. 2.400,00 1.200,00 10 3h
Passeio para conhecer fiordes 2.200,00 1.100,00 20 5h
Passeio para contemplar baleias 3.200,00 1.600,00 20 3h
Museu Sámi 200,00 100,00 5 2h
Pastorear Renas 200,00 100,00 - 1h
Fonte: CARVALHO, J.M. (2020), baseado na agência VisitTromsø, 2019.
Uma vez compreendida a dinâmica de valores no quadro 7, os quais são bem variáveis
em relação ao Brasil, fica evidente o olhar ao calendário ilustrado na figura 09, que marca as
estações do ano. Sobre isso, a Senhora Wilqui Dias (2019) comenta: “recebo hóspedes
anualmente, dentro das estações: contemplar a Aurora boreal, Sol da meia noite, conhecer
fiordes, acampar com Sámi, esquiar na neve, conhecer as baleias ou conhecer as belas estradas
da Noruega, tem para todos os gostos”.
160
Cada estação tem um tipo de turista. No período outonal, foi percebido um perfil com
faixa etária a partir de 30 anos de idade, e, em sua maioria são turistas orientais. O público de
idosos é também muito frequente, o que corresponde 80% dos turistas, conforme informado
pela gerência da agência de turismo e pelo museu Polaria.
Sobre a experiência de contemplar a Aurora boreal, observamos que esse é um dos signos
encantadores que sinalizam o povo Sámi, pois trata-se de um marcador da comunicação entre
os povos, trazendo uma importante “carga semântica” (GEERTZ, 2008, p. 68). A aurora se
comunica pela forma e expressões das cores, pela dança e pelo período em que aparece emitindo
saberes e sinais para cada tempo, “linguagem significa, neste contexto, o princípio orientado
para a comunicação dos conteúdos espirituais” (BENJAMIM, 2018, p. 9). Nessa direção, o
autor nos convida a penetrar na essência dos seres por meio das expressões. No período da
Aurora boreal, a cidade de Tromsø se torna uma das atrações turísticas para vivenciar as
emoções.
Para tanto, a tecnologia e a inovação despertam o interesse dos turistas na busca pelo
fenômeno. Na figura 25, apresentamos a vista da aurora boreal e o aplicativo forecast3d usado
na caçada à aurora.
Figura 25: Aurora boreal e Aplicativo forecast3d.
Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).
Segundo Salles (2017), a Aurora boreal ocorre sobre o eixo do Polo Norte do planeta.
Tal nome lhe foi dado por Galileu Galilei em 1619, enquanto pesquisava o fenomenal
acontecimento, como parte de um estudo sobre o movimento dos astros celestes. O nome foi
161
escolhido em homenagem à deusa do amanhecer, Aurora, e a seu filho, Bóreas (GUEDES,
2015).
Para contemplar o fenômeno da Aurora Boreal, segundo o povo Sámi, o espaço celestial
deve estar preparado para recebê-la. Atualmente, considerando o uso da tecnologia, um dos
aplicativos utilizados é o “Aurora forecast3d”, desenvolvido para acompanhar o dia e a hora da
aparição do fenômeno. Nesse aplicativo, é possível girar o sol, fazer zoom e monitorar as
atividades solares. Porém, segundo do senhor Egil, o aplicativo é falho, pois o fenômeno
depende da vontade dos deuses. Além que as estações do ano são variáveis, que implica na
visualização da Aurora boreal.
A cidade de Tromsø tem como fomento o turismo, sendo que há vários recursos da
tecnologia para acompanhar o dia de melhor aparição do fenômeno Aurora. André Bonotto, um
influenciador do @andregbonotto, é dos que utiliza recursos para caçar o fenômeno. Ele é
conhecedor da cultura Sámi e recomenda no seu site a “Cultura Norueguesa”, além de outros
aplicativos. No seu blogspot, André oferece pacotes para contemplação da Aurora e expedições
para conhecer o povo Sámi.
Vale destacar que os pacotes para expedições junto ao povo Sámi são administrados
pelos próprios indígenas. A Aurora boreal, segundo Salles (2017), tem um apelo turístico; nessa
assertiva, concordamos com a autora, pois durante o campo da pesquisa foi possível perceber
pacotes turísticos oferecidos pelas agências. É uma atração que envolve saberes tradicionais da
cultura do povo norueguês e sobretudo do povo Sámi.
Na comunidade Sámi, há um lugar propício preparado pelo líder xamã, chamado cabana,
Lavvu, ele cuida da recolhida das lenhas e do preparo do fogo para a recepção dos turistas,
conforme figuras a seguir. O lugar é místico ladeado de cajado, couro e chifres de renas para
acolher o turista a contemplar a Aurora boreal. A esposa do xamã tem a função de explicar todo
o processo da visitação, num período de 3 a 4 horas. Na cabana lavvu, (figura 26) parte externa
e interna da cabana, o turista pode passar a noite para contemplar a aurora e o sol da meia-noite.
162
Figura 26: Lavvu (externo e interno).
Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).
Os turistas participam de experiências com o povo, por meio de agências que realizam
contato com o responsável pelo acampamento. No campo da pesquisa, observamos que o senhor
Sámi, o noaidi, tem estreita relação com as agências e assume a responsabilidade do translado,
do centro de Tromsø à comunidade Sámi. Para tal percurso, há vários pacotes que possibilitam
vislumbrar o “Sol da meia-noite” ou passear no campo com as renas pelo espaço celestial.
Segundo Salles (2017, p. 24), “em muitas culturas, por muito tempo, as auroras tiveram
um apelo sobrenatural, em alguns casos foram consideradas sinais divinos e prenúncios de
momentos prósperos; em outros, o fenômeno era visto como presságio de mau agouro”. Para a
senhora Sámi, Trine Marit (2019), a aurora se mostra majestosamente, ela se movimenta
trazendo mensagem que pode indicar o tempo e muitas vezes estabelece um sentimento íntimo.
Nem toda estação da aurora é visível, há meses em que ela não aparece. Segundo a
senhora Wilqui Dias, “para contemplar a aurora, o espaço celestial deve estar bem escuro, isto
é negro”. Outros afirmam que as auroras produzem sons que sibilam à noite. Os passeios
turísticos para esperar o fenômeno giram em torno, a partir de Kr 1.800,00 (um mil e oitocentas
coroas norueguesas), o que equivale a R$ 900,00 (novecentos reais), conforme descrito no
quadro 7.
A natureza transmite paisagens indescritíveis e proporciona euforia ao observar a aurora
dançar no céu. Como pesquisadora, foi um momento espiritual presenciar o fenômeno da
163
Aurora boreal. Os moradores e turistas de Tromsø comemoram a cada aparição, fazendo os
pedidos a sua crença, com orações envolvidas por muita emoção.
Na cidade, é possível contemplar a aurora com uso de câmeras de longo alcance ou por
celulares, porém como menos nitidez. Ao observar a aurora sem instrumento, o turista aprecia
apenas um clarão esbranquiçado ou cinzento. Porém, ao colocar câmeras apropriadas, é possível
perceber o encantamento dançando, como nuvens ao vento.
Durante a pesquisa de campo, fomos informados que, no mês de agosto e setembro, o
fenômeno de aparição é quase imperceptível. Contudo, no dia 7 (sete) de setembro apareceu a
primeira aurora do ano de 2019, momento mágico, inusitado e espetacular. Nesse dia, a aparição
se deu amena, o que para o povo Sámi não é um bom sinal, pois significa que o inverno será
intenso. Porém, nos dias seguintes, ela se fortaleceu mais exuberante e atraente.
4.3.1. Rena e o ato de pastorear: a essência Sámi
As renas fazem parte da classe dos cervídeos, Cervidae, ou ainda veados (do latim,
venatu, "caça morta"), e constituem uma família de ungulados artiodáctilos e ruminantes, da
qual pertencem animais como a corça, o alce e o caribu. Vivem em manadas silenciosas pelas
altas latitudes e magnificamente adaptados à aridez e a temperaturas baixíssimas. É um animal
de rebanho que resiste a céu aberto nas noites do inclemente inverno, quando a temperatura
chega a -45ºC. Para o Sámi, a rena é a marca da essência de ser Sámi. Sua bravura e resistência
faz o povo persistir e lutar pelo meio ambiente e manter viva a espécie.
Trata-se de um signo que passa por identidade intersemiótica, da qual a essência de ser
um pastor de renas nasce no útero da mãe. Segundo Dorsch (2017), ser Sámi é ser épico e zelar
pela bravura e resistência da tradição cultural narrada na literatura. A rena, por possuir essa
persistência, é homenageada em diversos cantos da cidade de Tromsø, tais como shoppings,
hotéis e ruas.
Para Oliveira (2016, p. 86), de todos os animais, “os mamíferos são os que aparecem
em maior frequência e diversidade simbólica, tanto na mitologia quanto na iconografia”. A
rena, iconograficamente, é estilizada em várias formas: no aspecto comercial, na caça e em
contextos domésticos. Isso se torna importante, pois provoca no visitante o desejo em conhecê-
la e cuidá-la nos pastos. Na mentalidade Sámi, o caçador caça a rena e a rena deixa-se caçar
164
pelo caçador, ou seja, há uma interação mística, uma construção natural da essência espiritual
(DORSCH, 2017, p. 34).
É por meio das agências de turismo que os visitantes desfrutam dos serviços com
pacotes para a visitação nas comunidades Sámi. Percebemos que nem todo Sámi atua no setor
do turismo, por isso a importância das agências. Também não é possível adentrar e visitar
comunidades diretamente, pois em Tromsø há uma organização cultural que deve ser seguida
pelo interessado, seja por meio das agências ou pelos museus.
No museu da Universidade de Tromsø, todos os dias o turista adentra os espaços para
conhecer a cultura Sámi. As narrativas são feitas em norueguês, francês, inglês e sámi. Essas
contam história de conquistas, perseguições e aquisições do povo, bem como sua origem,
vestimentas, artesanatos, tipo de habitação, hábitos alimentares, bandeira e filmes de curta
duração voltados para turistas, estudantes e pesquisadores de todo o planeta. Todo o serviço por
um valor de cem coroas norueguesas. Nos pacotes turísticos, encontra-se a atividade de
experimentar o momento com as renas, conforme figura abaixo. Nessas figuras 27 e 28 o turista
pode se aventurar junto aos animais, experenciando a essência de ser Sámi.
Figura 27: Turista alimentando renas.
Fonte: DIAS, W. (2019).
165
Figura 28: Marcador da cultura em banheiro de Shopping.
Fonte: DIAS, W. (2019).
Como já mencionado, por meio do Parlamento Sámi, o animal rena é respeitado
culturalmente. Em diversos lugares, o signo aparece representado, até mesmo em locais
inusitados como sinalizadores de banheiros. Notamos que essa atitude é uma maneira de afirmar
a identidade do povo Sámi, que vive de pastorear o animal mítico.
Na área comercial, tudo se aproveita da rena: desenho das patas carimbado nos
artesanatos, chifres para utensílios domésticos e peles usadas em cobertores. Apostolos
Tsiouvalas (2020) acena para a preocupação das mineradoras no Ártico com exploração de
mina de cobre, as quais chegam às comunidades Sámi com possibilidades de danos no ambiente
natural. Conforme o pesquisador, a mineradora “está localizada na região de Kvalsund (Sámi
do Norte: Fálesnuorri e Kven: Valasnuora), parte do município de Hammerfest, um dos 39
municípios de Troms e Finnmark County” (2020, p. 24). Os Sámi, denominados de Costeiros
do Norte da Noruega, formam a maioria da população do mesmo povo, habitantes nas áreas de
fiorde e que dependem tradicionalmente da subsistência da pescaria, caçada, agricultura e
produção dos artesanatos.
O respeito aos animais, sobretudo à rena, é ensinado desde a fase pueril. O imaginário
cultural é vivenciado pelo Sámi e, para eles, cuidar da natureza é zelar pelo exuberante
ambiente, pelas majestosas renas e pelos encantadores fiordes, os quais estabelecem sintonia
com os elementos da natureza, numa assimilação dos templos às Montanhas cósmicas e à sua
função de “ligação” entre a Terra e o Céu (ELIADE, 1992, p. 22).
166
De tal modo, presenciamos momentos com a neta da senhora Unni Lundstedt (2019),
que desenhou como ela percebe os animais, com a proteção e vivências na natureza junto as
montanhas. No desenho ilustrado pela criança, é perceptível a ligação com a natureza, ladeada
pela floresta e pelos fiordes.
O mesmo sentimento se dá entre os pastores e criadores dos animais, no caso da criação
de renas, como destacado na (figura 29), expressado por uma criança Sámi, além do patriotismo
e do orgulho da essência Sámi, expressos na bandeira (figura 30). O patriotismo que emana do
povo é destacado pela bandeira Sámi e pelas vestimentas. Sobre as vestimentas, Dorsch (2017,
p. 65) sinaliza que “a roupa reflete tanto o habitat como a identidade cultural e, assim, torna-se
um objetivo significativo para o inquérito cultural”. É possível encontrar os trajes identitários
do povo em lojas de souvenirs, preservando a memória para um tempo presente.
O patriotismo se apresenta nas cores da bandeira, conforme vemos na figura 30. Lembra
ainda a morada de povos primitivos, a exemplo do Ártico, como um pilar cósmico sinalizando
o espaço celestial. Segundo Lehtola (2006), em 1986, foi criado o hino e a bandeira da cultura
Sámi. Assim, dentro da organização Sámi, a legislação e a bandeira são signos patrióticos; cada
elemento é fortemente lembrado com bravura e com sentimento de luta pela não extinção dos
povos, além de assegurar as marcas identitárias narradas pelas histórias da população
identificadas na bandeira do povo.
Figura 29: Desenho de uma criança Sámi.
Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).
167
Figura 30: Bandeira Sámi.
Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).
Durante o estudo no campo da pesquisa, levantamos os signos usados pelos povos
Sateré-Mawé e Sámi e construímos um quadro resumo acerca dos elementos simbólicos, com
suas respectivas trajetórias históricas, distribuídos em seis signos: mitologia, ritual, natureza,
trabalho cotidiano, alimentação e legislação.
Cada símbolo deve estar representado por signos diversificados, os quais são
marcadores da linguagem chamados de objeto. No viés do turismo, cada signo ganha um valor
semântico interpretado de acordo com o interpretante (PEIRCE, 2017). A exemplo, destacamos
o mito de origem, sendo núcleo axiológico que, para os indígenas tem um valor histórico,
sentimental, cultural e de aprendizagens ancestrais situadas pelas narrativas dos mitos e cantos.
Isso para o turista pode remeter a novas vivências geradoras de símbolos nos espaços étnicos
indígenas como patrimônio.
Podemos sinalizar que a dinâmica do turismo étnico, na perspectiva indígena, é uma
atividade turística, com recurso turístico que apresenta pontos fortes, motivacional para destino
turístico, pelo que se apresenta culturalmente (BERGHE, 1980). São discursos ligados ao prazer
em desvelar o inusitado, como um componente indutor com interface entre turismo e na cultura
em contexto atual. Nessa medida, em nosso estudo realizamos a pré-análise e a análise dos
signos presentes nos rituais, na cosmovisão de cada povo estudado (BARDIN, 2016). Esses
168
signos foram dissecados na perspectiva da abordagem semiótica, a fim de relacionar o
sentimento do turista diante dos elementos simbólicos.
As premissas foram geradas a partir do tema central das questões norteadoras, retiradas
das narrativas orais e de documentos escritos que nos possibilitaram construir o quadro das
categorias de congruências e de diferenças entre os achados. Sendo assim, na Categoria 1 (C1),
os dois povos sinalizam que, durante o contexto histórico, ambos sofreram ataques por questões
religiosas e por questões de variados conflitos.
Na C2, os Sateré preservam os signos identitários: Ritual da Tucandeira, Guaraná e o
Poratin. Sendo que este último não é usado em espaços urbanos e nem no turismo étnico. Já o
Sámi, tem o ofício de pastorear renas, produzir artesanatos típicos, tambores, cantos, cabanas,
alimentos e contemplar a aurora boreal e o Sol da meia-noite.
Na C3, os Sateré preservam os cantos de origem, cores tribais, sementes, grafismos,
animais, buzinas, tambores, maloca, canoa, pescaria, plantas medicinais, além das personagens
pajé e tuxaua. Os Sámi, nessa categoria, expressam os cantos, cores tribais, grafismos, uso de
animais, buzinas, tambores, cabana, canoa, material de pescaria, Aurora Boreal, Sol, plantas
medicinais, gelo, fiordes, Rena, urso, bebida, bandeira Sámi e noaidi-Xamã.
Na C4, a cultura está fortemente representada pelo mito de origem, ambiente, sol, Terra,
Território, rituais, xamanismo, espiritualidade e astronomia. Esses elementos foram
considerados signos identitários, marcadores para o turismo étnico em solo norueguês. Assim,
os ideais entre os dois povos é garantir a vida planetária, o reavivamento e a reafirmação dos
saberes as quais marcam a identidade étnica, para reforçar a tradição cultural em contextos
contemporâneos.
No quadro a seguir, consolidaremos as narrativas a partir das entrevistas expressas sobre
os pressupostos levantados, acenando para as semelhanças e indiferenças entre os dois povos
estudados. Nesse sentido, emergimos pela memória e contribuições para o turismo étnico.
169
Quadro 8: Interpretação das narrativas.
Categorias Sateré-Mawé Registros
C1 Trajetória histórica
dos povos Sateré-Mawé Constante migração; Ataques
Orais
Escritos
C2 Signos do Sateré-
Mawé Ritual da Tucandeira, Guaraná e Poratin
Orais
Escritos
C3 Principais elementos
sígnicos da ritualística
do povo Sateré
Canto de origem, cores, sementes, grafismos,
animais, buzinas, tambores, maloca, canoa,
pescaria, plantas medicinais, pajé e tuxaua.
Orais
Escritos
C4 Contribuições para o
turismo étnico
Mito de origem, ambiente, sol, Terra, Território,
rituais, xamanismo, espiritualidade, astronomia
Orais
Escritos
Sámi
C1 Trajetória histórica
do povo Sámi Constante migração; Ataques
Orais
Escritos
C2 Signos Sámi Pastorear renas, artesanatos, tambores, cabanas,
alimentos, Aurora Boreal, Sol da Meia Noite
Orais
Escritos
C3 Principais elementos
sígnicos da ritualística
do povo do Sámi
Cantos, cores, grafismos, animais, buzinas,
tambores, cabana canoa, material de pescaria.
Aurora Boreal, Sol, plantas medicinais, gelo e
fiordes, Rena, urso, bebida, bandeira Sámi,
Noaidi, Traje típico.
Orais
Escritos
C4 Contribuições para o
turismo étnico Mito de origem, ambiente, sol, Terra, Território,
rituais, xamanismo, espiritualidade, astronomia
Orais
Escritos
Fonte: CARVALHO, J. M. (2020) a partir das ideias de BARDIN (2016).
As categorias C1, C3 e C4 apresentam congruências nos achados entre os dois povos,
os quais estabelecem vínculos com o éthos, à preservação da tradição por meio das narrativas
deixadas historicamente aos povos. Na C2, o Sateré realiza ritual de passagem aos neófitos,
com uso da formiga Tucandeira, fato esse que difere os dois povos, segundo Carvalho (2019).
Com o Sámi não foi percebido ritual dessa natureza. No entanto, o animal rena tem forte
significado nas questões míticas e ancestrais (DORSCH, 2017).
Os pajés e tuxauas afirmam que os saberes devem ser repassados às gerações futuras,
pois a continuidade depende unicamente dos esforços de todos e que eles mesmos devem
preservam suas tradições culturais, conforme enfatizado pelo tuxaua da comunidade I’nhãa-Bé
“nossa preocupação é com os jovens que, por morarmos próximo da capital Manaus, sejam
influenciados a não praticarem a cultura”. Na cultura Sámi, o Parlamento estabeleceu normas
para o povo, ao estimular o Ser Sámi com os saberes culturais e etnolinguistico dentro do
território (ALVES, 2011).
170
A partir da semiótica aplicada ao turismo, elaboramos os quadros 9 e 10, de modo
exploratório. Os achados foram agrupados a partir das narrativas dos participantes em:
mitologia, ritual, natureza, trabalho, alimentação e legislação. Os signos são formas de
comunicação dentro de um grupo linguístico.
Para a interpretação, caberá ao interpretante atribuir uma característica que, para Mello
(2019), é uma ideia convencional atribuída aos cinco sentidos, como estratégias de elevar ao
máximo o valor emocional do indivíduo.
Percebemos que as questões de legislação são um fator que protagoniza e empodera uma
nação indígena. Além de se fazer presente nas ações governamentais, como organização
política, esse fato reside no diferencial do Sámi e do Sateré. Sendo que este último, está em
processo de construção política para a organização dentro dos Conselhos (Ramãw, 2020). Já os
primeiros já têm uma trajetória histórica consolidada e a cada dia buscam o fortalecimento da
cultura por meio dos símbolos étnicos (ALVES, 2011).
Para Culler (1981, p. 5), “o autêntico é um uso, percebido como signo desse uso e o
Turismo, é em grande parte uma busca de tais signos”. Isso elucida a ideia que, dentro do
universo do turismo étnico indígena, os turistas procuram vivenciar e experienciar o espaço
vivido nas comunidades, conforme Barros (2019). De tal modo, contribuindo para a economia
local, mas acima de tudo conhecendo a história, os mitos de origem, os cantos, danças, rituais,
adquirindo acessórios, artesanatos, roupas com grafismos e se alimentado da gastronomia
indígena.
Assim, “os turistas contemplam” momentos nunca vivenciados (URRY, 2001, p. 29). É
comum que esse tipo de turista, ao adentrar em uma loja de souvenir adquira uma caneca ou
uma cuia, como lembrança do lugar. Exemplo disso, foi a jovem Eva Preira (29) que, ao visitar
a comunidade Sahu-Apé, solicitou pinturas ancestrais no braço. Naquele momento ela
perguntou o significado de cada grafismo. Também fez aquisição dos artesanatos com as
respectivas explicações dos indígenas vendedores.
Sendo o signo um código de comunicação “multifuncional”, com variadas
características, de infinitos símbolos próprios do ser humano. Este é capaz de interpretar para
que haja a comunicação, em várias situações: seja verbal ou não verbal, expressada de muitas
formas, “isso quer dizer que uma cadeia de signos sempre contém outros signos” (EVERETT,
2019, p. 147).
171
No universo cosmogônico dos dois povos, percebemos que a tradição cultural está
centralizada no mito de origem, conforme descrito nos quadros 9 e 10, do Sámi e Sateré. A
diferença entre os dois povos está na legislação e em alguns elementos da natureza, do
animismo e da animalidade como a rena, os fiordes e o sol da meia-noite, signos culturais e
identitários do Sámi. Já entre os Sateré-Mawé, percebemos que o ritual de passagem, o purantin
e o guaraná (waraná) são genuínos do referido povo. Sendo assim, o pertencimento do Sateré-
Mawé e Sámi é reafirmado pelos signos descritos; e, quando interpretadas, essas ideias tornam-
se convenção social; por meio dos hábitos e do uso, denominados símbolos, os quais se inserem
no turismo cultural (PEIRCE, 2017).
Para melhor compreensão dos signos, elaboramos dois quadros. Como se trata de povos
distintos, os agrupamentos foram organizados individualmente, mediante Yin (2015). O quadro
9 faz referência aos signos da cultura Sámi e o Quadro 10 se volta ao povo Sateré-Mawé.
Quadro 9: Análise dos signos em Sámi.
Fonte: CARVALHO J.M. a partir das ideias de Peirce (2017) e Mello (2019).
CATEGORIAS DE ANÁLISE DO SIGNOS / SÁMI
S
I
G
N
O
S
R
I
T
U
A
L
O signo
linguagem para o
interpretante
Tipologia
Marcadores da
linguagem – objeto
Características
Interpretante
Efeito
sensorial
Mola
atrativa
Mitologia:
origem Sámi Mito
Narrativas/canto
Yoiks
Uma ideia
convencional,
hábitos de uso.
Ex: Sentimento.
Visual
auditiva
Símbolos
Ritual
Roupas típicas,
pesca, plantar,
ritual de
passagem,
natureza.
Cores, matéria prima,
grafismos, penas de
animais, buzinas,
tambores, cabana
canoa, material de
pescaria e artesanato.
Uma ideia
convencional,
hábitos de uso.
Ex: cor azul.
Visual,
auditiva e
Tátil
Natureza
Água, Terra,
Sol, astronomia.
Elementos da
floresta/Aurora
Boreal, plantas
medicinais, gelo e
fiordes.
Uma ideia
convencional,
hábitos de uso.
Ex: vida.
Visual,
Olfativa
e
Gustativa
Trabalho
cotidiano
Seres
personificados Rena, urso, cobra
Uma ideia
convencional,
hábitos de uso.
Visual e
Tátil
Alimentação
Alimentos
ancestrais
Hidromel (usado no
ritual sumbl, carne de
Rena, bidus
Chá de ervas
Uma ideia
convencional,
hábitos de uso.
Ex:
Gustativa
Legislação. Organização
política
Documentos
Bandeira
Ex: Legalidade
do Ser Sámi
Visual
172
Destacamos que é importante assegurar os signos culturais identitários para as futuras
gerações, pois com a globalização muitos signos se tornam hibridizados a outras culturas
(BAUMAN, 2007). Para o tuxaua Ramãw (2020), “a comunidade próxima a cidade de Manaus
desperta nos jovens outras influências que pode comprometer a nossa tradição deixada pelos
nossos pais”. A seguir quadro 10, signos Sateré-Mawé.
Quadro 10-Análise dos signos em Sateré-Mawé.
Fonte: CARVALHO J.M. a partir das ideias de Peirce (2017) e Mello (2019).
Os quadros referentes aos signos entre os dois povos apresentam representações
mentais, orais, escritas e aquelas que remetem a desejos e que envolvem os cinco sentidos
(MELLO, 2019). Para os indígenas, o valor ancestral agregado a cada signo é imensurável, pois
remetem à tradição das populações, sendo signos autênticos.
CATEGORIAS DE ANÁLISE DO SIGNOS / SATERÉ-MAWÉ
S
I
G
N
O
S
R
I
T
U
A
L
O signo
linguagem
para o
interpretante
Tipologia
Marcadores da
linguagem – objeto
Características
Interpretante
Efeito
sensorial
Mola
atrativa
Mitologia:
origem povo Mito
Narrativas/ cantos/
lenda
Uma ideia
convencional,
hábitos de uso.
Ex: Sentimentos
Visual e
Auditivos
Símbolos
Ritual
Pesca, natureza,
caçar, mudança
de status
Cores, sementes,
grafismos, penas de
animais, buzinas,
tambores, maloca,
canoa, material de
pescaria
Uma ideia
convencional,
hábitos de uso.
Ex: vermelho
Visual,
Auditiva
e
Tátil
Natureza
Água, Terra, Sol
Elementos da floresta,
plantas medicinais
Uma ideia
convencional,
hábitos de uso.
Ex: vida
Visual e
Olfativa
Tátil
Trabalho-
cotidiano
Seres
Personificados Formiga, cobra, tatu
Uma ideia
convencional,
hábitos de uso.
Ex: dor
Visual e
tátil
Alimentação Alimento
ancestrais
Guaraná
Uma ideia
convencional,
hábitos de uso.
Ex: energizante
Gustativa
Legislação. Organização
política
Estatuto
(documentos)
Uma ideia
convencional,
hábitos de uso.
Ex: Critérios de
mudar o status
Visual
173
É importante fortalecer e salvaguardar o patrimônio material e imaterial dos povos em
estudo, prospectando para o turismo organizado e planejado, de forma a agregar melhorias da
qualidade de vida e autonomia de gestão econômica, para os que residem nas cidades
(SANTOS, 2015). No viés do planejamento do turismo étnico indígena sustentável, as
estratégias para investimentos deverão atender às necessidades dos turistas com o protagonismo
dos comunitários das comunidades, respeitando a vida tradicional e o cuidado com o meio
ambiente. Nesse sentido, por meio da internet, incluindo imagens dos mapas das cidades nos
anexos B e C, apresentamos categorias que agregam aos serviços, tanto de equipamentos como
das instalações necessárias e com quantitativos que fazem parte do local ou do entorno das
comunidades, em um raio de 30 a 90 km, de suas respectivas cidades. Consideramos que o
planejamento turístico aos destinos traçados necessita de “Planta turística”, elaboramos tabelas
3 e 4, expressado por Boullón (2002, p. 40).
Tabela 3: Classificação dos equipamentos turísticos.
Categoria Tipo Tromsø Manaus
Alojamento Hotel 10 10
Hostel 05 03
Airbnb 02 25
Cabana 01 -
Maloca - 02
Alimentação Restaurantes 10 20
Cafeterias 03 10
Quiosque 04 10
Mercado - 02
Shopping 01 05
Diversão Teatro 01 01
Museu 03 03
Parques temáticos
Bares
01
05
-
10
Pescaria
Passeio com renas
Caça
Passeio em canoas
02
03
03
02
03
-
-
05
Outros serviços Agências de viagens
Guia
02
10
10
20
Comércio 30 30
Transporte turístico 20 30
Primeiros Socorros 02 05
Estacionamento 05 15
Serviço de segurança 01 05
Posto de vacinação 02 02
Fonte: Elaborado pela autora a partir das ideias de Boullón (2002).
174
Na tabela 4, segundo Boullón (2002), as instalações são fatores para a atração turística
aliada ao ambiente e aos fatores da preservação da natureza e de consciência ecológica,
envolvendo mirantes, circuitos, trilhas, teleférico e ski. Além disso, apresentam-se outros
serviços como praias, golf, tênis (atividades esportivas), vestuários, pontes e outros esportes,
como pesca artesanal e natação. A seguir, elaboramos tabela 4, demonstrando a categoria com
as respectivas instalações e quantitativos, no entorno das comunidades estudadas.
Tabela 4: Classificação das Instalações.
Categoria Tipo Tromsø Manaus
Montanha, floresta, selva e caverna
Mirante
Circuitos
Trilhas
Teleférico
Ski
01
-
01
01
05
02
02
02
-
-
Outros Serviços
Praias
Golf
Tênis
Pontes
-
01
01
01
01
01
01
01
Fonte: Elaborado pela autora a partir das ideias de Boullón (2002).
A eficácia da gestão está ligada à competitividade e à sustentabilidade no destino
turístico. O turista do século XXI reafirma a sua intencionalidade na valorização e manutenção
da história e da cultura dos povos. Nas visitações turísticas às comunidades, é cada vez mais
expressivo o interesse por culturas ancestrais. Essas remetem a vários fatores, tais como
adentrar no inusitado, no turismo étnico, em participar de momentos marcantes de aproximação
com a natureza e elementos fitoterápicos, como a medicina tradicional relacionada à cura física
e espiritual.
Para Costa et al. (2012, p. 43), as ações de planejamento devem ser “formas adequadas
e precisam reunir um conjunto de conhecimentos, habilidades e competências que podem ser
adquiridas através da formação formal ou através das experiências pessoais”. No caso dos povos
indígenas deste estudo, por terem altas habilidades, no saber fazer e pela necessidade urbana, é
recorrente a participação em eventos formativos ligados à educação, saúde, cultura e turismo.
Todos esses conhecimentos têm agregado valor ao segmento turístico ligado à base
sustentável da economia, do ambiente e da cultura. Porém, há necessidade de continuidade de
175
políticas públicas, sobretudo no estado do Amazonas, cujo potencial turístico no aspecto
cultural, ambiental e territorial é evidente. A exemplo disso, vemos a Noruega, país em que se
nota por todo território o reconhecimento dado pela UNESCO, como sítios, pinturas rupestres,
igrejas e casas típicas em madeiras e outros elementos da natureza. Esse reconhecimento
impulsionou o avanço do segmento turístico em torno de recursos naturais e culturais. Por fim,
esse modelo nos instiga a avalizar e a investir no patrimônio cultural, garantindo às populações
indígenas reconhecimento dos vários ofícios da tradição.
Em contexto Amazônico, Mafredo (2017), destacou que Manaus, desde 2015, ganhou
destaque por ocasião da copa do mundo. Isso fez com que houvesse novo planejamento e
investimentos em hotéis, pousadas, restaurantes e em áreas de diversão. Entre as opções de
turismo, a autora destacou que as agências oferecem “pacotes com duração de dois a cinco dias
para visitação de botos-cor-de- rosas, almoço de culinária e restaurante regional e visitas em
ritual” (MAFREDO, 2017, p. 40).
Para quem não conhece Manaus, é necessário fazer um breve estudo sobre a cidade e
saber o que há de instalações e equipamentos conforme sinalizou Boullón (2002). Manaus,
muitas vezes é vista como um lugar exótico, onde predominam indígenas andando despidos
pelas ruas, com presença de animais silvestres e de moradias dentro da selva. São narrativas
dessa natureza que estão impregnadas no imaginário de alguns turistas que visitam a Amazônia,
especificamente, a capital do Amazonas.
Logo, percebemos a necessidade de destacar os serviços no entorno das comunidades
indígenas, com a finalidade de minimizar desencontros de informações, principalmente aos
turistas estrangeiros. Nesse sentido, “a carência de informações sobre a dinâmica de transportes,
horários, percursos durante a mudança do fluxo das águas, dentre outras” (MAFREDO, 2017,
p. 48).
4.4. O impacto do turismo como atividade econômica para os dois povos em estudo
A contemporaneidade é marcada por mudanças comportamentais que envolvem a
cultura da ancestralidade, que retoma conhecimentos empíricos, antes usados somente pelos
povos indígenas, tais como a forma de se alimentar, de compreender a natureza e suas
propriedades marcadas por rituais.
176
No mercado econômico, essas práticas vêm ganhando espaço, tanto na indústria
farmacêutica, com uso de produtos fitoterápicos, como na motivação para o turismo cultural,
especificamente o turismo étnico indígena. Além que, as discussões incluem, entre outras
coisas, a capacidade do turismo étnico indígena de fomentar artes culturais, revitalização da
linguagem e tradições (CARR et al., 2016).
Assim, o patrimônio imaterial está ligado às suas expressões culturais, modos de vida,
formas de interação entre homem e ambiente, e os elementos que constroem sua história. É este
patrimônio que é transmitido para as gerações que se sucedem de modo a fazer com que os
membros de um povo mantenham sua identidade e a continuidade do seu modo de vida,
estabelecendo seus territórios.
Diante disso, elencamos os signos dos povos em estudo, pautado no mito de origem,
base da cultura, e, a partir disso, seccionamos em rituais, xamanismo, espiritualidade,
astronomia, ambiente, Sol, Terra e territórios, conforme a figura a seguir. Esses elementos
sígnicos fazem parte da vida diária dos povos Sateré-Mawé e Sámi numa relação intersemiótica
e intersectiva, figura 31.
Figura 31: Elementos intersectivos entre os povos Sateré-Mawé e Sámi.
Fonte: CARVALHO, J. M., baseado nos estudos etnográficos (2020).
Após a análise dos dados, estabelecemos a interconexão para os dois povos, elaboramos
o quadro a seguir, sinalizando os elementos simbólicos que induzem o turista às vivências com
177
povos de tradição cultural no turismo étnico: Ambiente, Ritual, Sol, Xamanismo, Terra,
Espiritualidade, Astronomia e Território. Em seguida, reagrupamos em 4 subcategorias: 1)
Ambiente, natureza, sol; 2) Ritual, Xamanismo Espiritualidade; 3) Astronomia e 4) Território;
conforme (Quadro 11).
Quadro 11: Interconexão para os dois povos para o turismo étnico.
Fonte: Elaborado por CARVALHO, J. M., baseado nos estudos BARDIN (2016).
Diante dos signos intersticiais dos povos, reagrupamos em quarto (4) eixos, nos quais
percebemos as motivações dos turistas que estão pautadas no encantamento, na empatia, na
busca de um benefício para o bem-estar e no fator espiritual como em busca de cura. No item
01, as questões relacionadas ao ambiente englobam os componentes: ecológicos, sociais,
econômicos e culturais, que movem o turista pelo encantamento, sentimento, prazer, cura, além
de momentos contemplativos. No item 02, consideramos o grupo do ritual, xamanismo e
espiritualidade, os quais envolvem os fatores da história do povo e a cosmovisão, na cura física,
espiritual e em mudança de hábitos (status). Já no item 3, destacamos a astronomia como uma
atividade muito procurada em toda a região da Noruega, em especial em Tromsø, sendo
motivada pela contemplação dos astros, Sol da meia noite e Aurora Boreal.
No estado do Amazonas, segundo Bueno e Alves et al. (2019), a astronomia indígena é
pouco estudada e os saberes sobre o céu se faz presente acerca das constelações e dos astros
interpretados pelos povos indígenas. “De acordo com a nossa tradição, o mundo bom Deus
levou para o céu, e o mundo que temos hoje surgiu de uma pessoa, cujo corpo foi transformado
em terras” (OLIVEIRA, 1998, p. 33).
Nesse sentido, a astronomia indígena é escassa a sua aplicabilidade no turismo. No
entanto, os sábios indígenas Sateré informaram que há procura de turistas em contemplar o pôr-
178
do-sol, o amanhecer do dia, caçadas noturnas e a contemplação das fases da lua, as quais têm
um valor simbólico, sendo usadas para pescar, caçar e até mesmo atividades ligadas a questões
biológicas. A exemplo, nos dias de lua nova é permitido cortar o cabelo na cosmologia indígena,
conforme senhora Maria Sateré (2020). No período do mês de novembro é considerado um mês
de produtividade, fértil e de poder, propício para a realização dos rituais, momento de reverberar
sobre a tradição e sobre o cosmo (TURNER, 2005).
O calendário lunar é uma estratégia de uso para plantar, fazer roçado, podar as árvores,
falar das marés, lua cheia, lua nova e coleta das formigas Tucandeiras. Esses atos ritualísticos
são alimentados pelo viés ancestral. Para o tuxaua Sateré Ramãw, “fazer um novo plantio deve
esperar a terra limpar a cada dois anos no período em que a terra está propícia, além do verão
Amazônico”. Assim, a narrativa expressa que a astronomia indígena reafirma o território entre
a terra, sol e origem da noite (NUNES PEREIRA, 2003).
Nessa direção, “na percepção do mundo do tempo meteorológico, terra e céu não se
opõem como real a imaterial, mas estão inextricavelmente ligados como um campo indivisível”
(INGOLD, 2011, p. 97). Para Silva (2013, p. 135), desses “modelos muito abrangentes têm
surgido muitos outros que propõem maior ou menor abordagem holística ao fenômeno do
turismo e procuram evidenciar ou direcionar-se para aspetos mais particulares, como a
qualidade, a competitividade ou a sustentabilidade”. Essa abordagem remete a um novo olhar
no planejamento turístico considerado inovador, que trata de aspectos diferenciados.
No item 4, destacamos o território como marca identitária, que para um povo étnico é
seu espaço de vivência, lugar onde esse povo expressa sua cultura e constrói suas tradições a
partir dos elementos naturais que este território contém. Nesse contexto, destacamos o povo
Sámi que habita o território no Círculo Polar Ártico em meio às geleiras típicas da região, e o
povo Sateré, habitante da Amazônia, na região da linha do equador. Esse último se encontra em
meio à floresta densa e cheia de encantos, e tem conquistado destaque nacional e internacional
tanto pela riqueza do bioma, quanto pelos fatores ambientais que ocasionam o desmatamento e
consequentemente enchentes.
As atividades turísticas dentro das comunidades indígenas devem ocorrer de modo
planejado para a geração de renda dos comunitários. O que percebemos no cotidiano é que a
hibridização dos saberes indígenas está sendo mediada com apelo comercial. No entanto, a líder
da comunidade Sahu-Apé enfatiza: “respiramos a floresta, somos o rio e aqui na comunidade
marcamos nosso território, com tudo que precisamos”. Acerca dessa afirmação, “os indígenas
179
fazem do seu cotidiano e da interação com a natureza, materializado em sua adunação com o
rio, nas relações com as matas, no abraçar do seu chão a representação do espaço vivido”
(BARROS, 2019, p. 170).
Coaduno que os marcadores sígnicos estão definitivamente inclusos entre os fatores de
desenvolvimento econômico, a partir de políticas culturais, respeitando os espaços, conforme
destacou Gastal (2020), sendo que a cultura é um trato humano que deve ser articulada às
econômicas e sociais. Assim, os signos identitários culturais dos povos originários passaram a
fazer parte de estratégica elaboração de projetos gerais de desenvolvimento para as cidades,
agregando modelo econômico cultural para o século XXI.
Assim, Barros (2019, p. 111) destaca que os indígenas “revelam um conjunto de
conhecimentos adquiridos dos seus antepassados pela tradição, por meio de mitos e símbolos,
que transferidos de geração em geração, pela oralidade, os conduzem ao uso dos ecossistemas
naturais de forma sustentável”. Fica evidente que os povos Sámi e Sateré-Mawé buscam
oportunidades para a inserção no âmbito social do turismo.
É coerente que a inclusão dos povos indígenas surja como aporte de diversidade cultural
que há na tradição cultural, inovando e se reinventando em espaços urbanos de forma
responsável e ancorada na sustentabilidade. Reis (2012, p. 24) alerta para “uma confluência
entre o potencial malefício da globalização à diversidade cultural, o impacto das novas
tecnologias de informação e comunicação na geração de oportunidades e competividade
econômica”. A ocorrência desses prejuízos, apesar de parecerem inevitáveis, podem passar por
um trabalho preventivo, respeitando o tempo e o espaço dos povos.
As cidades de Manaus e Tromsø, pela constituição do seu povo e da natureza, têm
potenciais diversificados para o turismo, em especial para o étnico, considerando que “a força
da cidade está ligada à sua dimensão criativa revelada por seu dinamismo cultural e artístico,
único capaz de fazer frente aos efeitos de desinvestimento causado pelo declínio industrial”
(VIVANT, 2012, p. 9-10).
Sobre o dinamismo cultural, não há como mensurar os valores simbólicos pela
expressão cultural e o valor agregado. Porém, os povos muitas vezes se mantêm da produção
da cultura nas cidades gerando renda para sua sobrevivência. Nesse sentido, usaremos a
metáfora da iconografia do patawi, objeto usado como suporte da cuia no momento do consumo
do guaraná. Nas narrativas da Sra. tuxaua Midian da Silva, “o patawi une povos”,
180
“sakporizando” os objetivos de inclusão social, cultural e econômica, exercendo a cidadania,
com os direitos e deveres nação.
A preocupação do Conselho do Parlamento Sámi (SPC) para Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (APIB) é demonstrada na carta (anexo E), enviada ao Presidente da
República do Brasil, Jair Bolsonaro: “como a maioria dos povos indígenas em todo o mundo,
tanto o povo Sámi quanto os povos Indígenas no Brasil são defensores dos direitos humanos e
ambientais, na vanguarda dos direitos dos povos”. Nesse contexto, Sateré-Mawé e Sámi são
dois povos que se unem pelos valores éticos, políticos e culturais, ao longo da história, em prol
da nação, da vida e da natureza.
Todos esses fatos são descritos no trecho a seguir, estraído da carta (anexo E), e
demonstra a preocupação pela vida dos povos do planeta, em especial os da Amazônia - Brasil,
em 14 de outubro de 2020: “diante disso, esperamos que os países nórdicos e o Brasil possam
trabalhar juntos na proteção dos direitos dos povos indígenas, do meio ambiente e evidenciar
as conexões entre direitos humanos, ecossistemas saudáveis e pessoas”.
Nesse diálogo, usaremos o símbolo patawi, (figura 32), que agrega valor sígnico, em
material tecido em cipó e palha da árvore “bagaba”, que serve de suporte para a cuia. “Pela
mitologia, representa junto com a cuia a estrutura do mundo onde nós vivemos; é a terra com
águas onde vivem os homens” (UGGÉ, 1993, p. 28). Isso reflete o viés humanitário que cada
povo indígena tem para com o outro.
Figura 32: Patawi elemento de união entre os povos.
Fonte: CARVALHO, J. M; MATOS (2020).
181
Do ponto de vista financeiro, o impacto econômico é visto como positivo, pois com a
hibridização e a interculturalidade, favorece o compartilhamento dos saberes de modo
harmônico, isto é, sem agredir, denegrir a imagem e o legado patrimonial dos povos. Nessa
direção, “para que haja cultura, não basta ser autor das práticas sociais; é preciso que essas
tenham significado para aquele que as realiza” (CERTEAU, 1994, p. 142). Daí reside o
pertencimento do lugar com os elementos simbólicos da tradição cultural, experienciado dos
saberes, não como performance, mas com significado.
Por isso, o turismo étnico vai em direção à inovação, tendo como atrativo os elementos
da natureza, além das representações sígnicas que marcam a identidade dos povos indígenas do
lugar. Dialogando com Everett (2019, p. 383), “o argumento é que, sem cultura, não pode haver
compreensão semântica, nem conhecimento de base, nem conhecimento tácito para dar suporte
a novos pensamentos. Nesse sentido, parafraseando o poeta da floresta, Thiago de Mello (2009),
o ser humano é um ser sagrado e nele reside a complexa relação de compreender o outro e a si
próprio.
182
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É o tempo da travessia e se não ousarmos fazê-la
Teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos.
Fernando Pessoa
Enfim, já passamos da travessia. Passamos por altas ondas e precisamos atracar no porto
seguro da ciência. A metáfora da embarcação requer prumar a direção, pois é tempo de ancorar
nos signos das práticas ritualísticas para o turismo étnico. Então, pelo pujante saber xamânico,
inquerimos: quem são esses indígenas de tradição ancestral, amazônicos e noruegueses, que
primam pelo turismo étnico pautado na sustentabilidade em solo indígena? Quais os saberes e
fazeres milenares que são indutores e atrativos para os não indígenas? Nessa direção,
apresentamos nossas considerações acerca dos resultados alcançados em conformidade com os
objetivos propostos no trabalho de pesquisa.
De um lado, os amazônicos; do outro, as cercaduras Tundras e Taigas no Ártico; lugares
fertilizados e imagéticos, os quais se articulam em rede em prol da tradição cultural, por meio
da cultura no campo do turismo étnico. Assim, ambos apresentam preocupações com a natureza
e com o universo planetário, tendo como finalidade a sobrevivência o fortalecimento das
respectivas tradições.
Nesse timão da nau, nos permitimos analisar o turismo a partir da cultura dos povos
indígenas Sateré-Mawé (Amazonas – Brasil) e Sámi (Tromsø – Noruega) sob a ótica do turismo
étnico indígena. Essa trajetória seguiu o viés da complexa relação, tecida em conjunto com os
participantes da pesquisa, na busca de estreitar o que os une, como componente sígnicos
identitários do sagrado, como atrativo turístico, presente nas práticas ritualísticas, revelando
suas contribuições para o turismo étnico. Longe de terminar, vimos que a compreensão das
culturas é algo ilimitado e incompleto, conforme preconizado por Edgar Morin.
No leme dessa nau, a imersão nos ventos nórdicos gelados e a aventura pelos
exuberantes fiordes, moldurados pelas paisagens míticas de Tromsø, nos convidaram a pensar
o planeta como único universo que alimenta os seres terrestres dos quais devemos cuidar.
Conhecemos a cultura Sámi e as respectivas trajetórias no cenário do Ártico, bem como suas
preocupações com as costeiras e com as geleiras do referido país. Sámi ganhou liberdade de
expressão por meio de diálogos com o governo norueguês, vencendo uma árdua e dolorosa luta
que persistia por anos, a fim de garantir a tradição cultural, a língua e os costumes.
183
No Brasil, o Estado do Amazonas se apresenta com cenário de múltiplos adjetivos, os
quais remetem à rica diversidade linguística e étnica ancoradas na fauna e flora amazônicas. As
pessoas que nela habitam manifestam bravuras e felicidades nas andanças pelas estradas e sobre
as águas dos rios, lagos e igarapés. No sopro dos ventos, singram nas suas pequenas
embarcações, ora em tempestades amazônicas, ora na calmaria.
A presença da mitologia amazônica dialoga com as vidas, seja com as formigas
Tucandeiras ou com o alentado pajé, pelas curas que vêm da floresta. A cada dia, esse ritual de
comportamento mexe com o imaginário das populações indígenas e não indígenas, nos
barrancos e nas cidades. A mística revigora-se a cada amanhecer de forma inovadora, na
prospecção de um Amazonas sem desmatamento e sem queimadas para o universo planetário.
Na proa da esperança, procuramos responder o que une os povos em estudo,
considerando um que habita no polo Ártico e outro que vive no Brasil, Amazonas. Assim,
nossos questionamentos passaram por muitas pessoas, as quais embarcaram em nossa viagem
e ainda nos ajudaram a navegar pelas águas sinuosas da pesquisa acadêmica.
Os primeiros, residentes na cidade de Tromsø, são reconhecidos por serem detentores
de cultura bimilenar e que tem atravessado, ao longo da história, muitos desafios e preconceitos,
na tentativa de salvaguardar a tradição histórica. Porém, a resiliência e a autoafirmação
identitária foram decisivas para o respeito da sociedade. Já o segundo, habitantes da região
metropolitana de Manaus, Amazonas, Brasil, têm se afirmado pela tradição cultural que é
transmitida de geração a geração, desde a fase de curumim e de cunhatã, conforme expressado
pelos líderes indígenas Sateré-Mawé “logo pela manhã agradecemos ao criador, Tupana no
conduz diariamente” (RAMÃW, 2020). As duas nações, Sateré e Sámi, enfrentaram muitos
preconceitos ao migrarem para as cidades em busca de segurança, educação, saúde e melhores
condições de vida.
Concordamos, em um tempo pretérito, com o canônico Max Weber (2009) que
enfatizou a capacidade de o homem tecer sua própria teia, ancorada e rica de significados, que
se constrói na cultura de forma diária, interpretativa. Como propósito mais geral, esta tese
postula que o turismo étnico tem contribuição para o entendimento das questões de tradição
cultural na contemporaneidade. Para tanto, apoiamo-nos no enfoque etnográfico, semiótico e
em abordagens de outras perspectivas interdisciplinares, a partir de um estudo denso
entrelaçado por várias áreas do conhecimento, sem a disrupção de todo o processo. Nesse
184
sentido, Tromsø e Amazonas entrelaçam diálogos com a finalidade de garantia dos povos
indígenas e sua inserção como protagonistas no turismo étnico.
Tecer essa relação desvela estudos para discussões acadêmicas e como proposição para
ações políticas (governamentais ou não), para fins de melhor posicionamento do produto
turístico ofertado. Com isso, destacamos a prospecção de novas rotas e percursos turísticos,
ainda sem visibilidade no planejamento e gestão do Estado. Atualmente, em contexto híbrido,
o que percebemos é que o mundo está globalizando os saberes e sabores dos povos indígenas
como fatores determinantes para a indução. Dito isso, levantamos a carência de investimentos
acessíveis aos produtores da cultura amazônica.
O estudo também mostrou práticas bem-sucedidas no turismo da cidade de Tromsø, cuja
tradição cultural, ao longo do tempo, se reinventou para garantir a memória e a cultura do povo,
bem como seus signos linguísticos e não linguísticos. Vimos expressões por meio de canções
tribais, pinturas rupestres, grafismos, vestimentas, alimentação e, sobretudo, no ato de pastorear
e ser pessoa Sámi, valorizando os aspectos humanos da natureza, dos costumes, hábitos, como
marcas identitárias indígenas daquele país. Pontuamos que, em Tromsø, é necessário
investimentos nas comunidades Sámi, as quais estão sendo atingidas pelas mineradoras que
ameaçam o direito de pastorear renas e na continuidade da produção dos serviços no Ártico.
No mundo pós-moderno, vários sistemas de tradições de distintos grupos estão em risco
de extinção, seja por questões linguísticas ou pelo desaparecimento das populações indígenas.
As causas são apontadas como rupturas ligeiras das transformações nos ambientes naturais e
culturais, além de aceleração no ritmo das alterações econômicas, sociais, ambientais e políticas
que ocorrem no planeta por exigência do mercado, num discurso globalizado. No entanto,
destacamos que, para a utilização do patrimônio cultural indígena como indutor turístico,
salientamos a necessidade do planejamento e da gestão das ações do turismo étnico. Logo,
minimizando possíveis impactos de agressão à cultura.
Sob a Teoria da Complexidade moraniana, esta tese navega em um tempo presente, que
instiga novas discussões para o campo de estudo do turismo, apontando para o segmento do
turismo étnico indígena alicerçado no turismo cultural, características que inserem variados
elementos sígnicos dentro de um sistema simbólico de interpretações. Esses, por sua vez,
contemplam os valores éticos, sociais e culturais – arquétipos de vivências, hábitos, saberes,
modos de fazer, modos de viver e percepções que dão sentido à essência do indígena.
185
Destacamos que nesse novo campo de turismo, precisamos evitar que ocorram bruscas
alternâncias e estreitar a visão êmica e ética.
Posto isso, sugerimos diálogos com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional para assegurar “as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações
científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objeto [...] paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico” (IPHAN, 2018, p. 20), como saberes científicos que
devem ser zelados na garantia dos registros e ofícios do saber fazer. Observamos que, em
contexto híbrido, é quase impossível a não convivência com outras culturas, mas a essência
étnica deve ser preservada. Por isso, concordamos com a portaria n.º 375, de 19 de setembro de
2018, capítulo I, artigo 2º, VIII, que trata do Princípio sobre o Desenvolvimento Sustentável.
Nessa está deliberado que: “a geração atual deve ser capaz de suprir suas necessidades, sem
comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações” (IPHAN, 2018).
No cenário mundial há uma grande preocupação com a vida dos seres humanos, no que
diz respeito aos costumes, modo de viver e com a natureza que fornece o sustento. O uso de
recursos culturais, indutivos para o turismo é uma prática antiga e mundialmente reconhecida,
como assevera Thomaz (2010) . Sem dúvida, o turismo étnico tem que ocorrer de forma
responsável e respeitosa, porém, em pleno século XXI, não se pode isolar ou deixar no
anonimato as vivências ritualísticas dos povos indígenas. Esses saberes reforçam a resistência
desta cultura a mais de quinhentos anos. Afinal, como as comunidades Sateré neste estudo estão
no entorno da capital amazonense, certamente precisam gerar fluxo contínuo de atividades
turísticas.
Nessa pesquisa, apresentamos parte do legado da cultura indígena Sateré-Mawé e Sámi
através da cosmovisão indígena ancorada na tradição, mediante rituais desses povos e do mito
de origem que move a trajetória histórica e cultural como possibilidades para o turismo étnico.
Em nossa percepção, concluímos que os marcadores sígnicos, além do espaço, se integram de
forma harmônica com a Mãe-Terra, com o meio ambiente, que contribui com o
desenvolvimento econômico e social em áreas urbanas.
Reforçamos a necessidade de falar sobre o turismo étnico no estado do Amazonas, haja
vista sua dimensão geográfica no país, bem como sua expressividade linguística e cultural
relativas às populações indígenas. Nesse sentido, sugerimos um olhar de maneira êmica, isto é,
na perspectiva de compreender a vida dos participantes, acerca das comunidades que nesse
espaço habitam, tanto nas áreas urbanas como em áreas metropolitanas.
186
Acerca disso, como descrito na trajetória histórica dos Sateré-Mawé, a migração foi
decisiva para adequar a etnicidade com o modelo das cidades e das comunidades. Então,
forçosamente, o estereótipo indígena transplantou e adequou modelos de subsistência para
melhores condições de vida, saúde e educação, em prol da coletividade, segundo Torres (2014).
Desse modo, nas pequenas e grandes cidades, onde ocorre o turismo, os indígenas tiveram que
se reinventar e assegurar o sustento das famílias. Por esses motivos tiveram que aceitar certas
condições impostas pela sociedade e pelo mercado comercial.
Sahu-Apé foi a primeira comunidade que se ajustou ao mercado, por ocasião da
implantação do hotel de Selva Ariaú. Segundo os líderes indígenas, nessa época, o turismo era
intenso e agregava um valor comercial aos comunitários a partir dos serviços prestados ao hotel
“nossos artesanatos tinham um valor respeitado pelos turistas”, destacou professor Sateré, João
Silva. A comunidade se sustentava da comercialização do espaço, da venda de adereços como
bijuterias, cuias e abanadores em palha e por meio do Ritual da Tucandeira. Porém, com o
fechamento do hotel, a comunidade teve que buscar alternativas inovadoras para atrair os
turistas, organizando-se de forma independente, tendo apoio dos pesquisadores e de algumas
ações organizadas pela Fundação Estadual do Índio (FEI), em Manaus. Atualmente, a
comunidade tem enfrentado desafios para manter as atividades culturais, sem perder a visão da
etnicidade.
Também identificamos que, para os dois povos, a natureza é um elemento intersubjetivo
que tonifica e oportuniza, não somente a atração turística, mas também a união interétnica entre
seres que dependem e se interligam para se reafirmarem no território. Essa indissociabilidade,
homem e natureza, é uma necessidade emergente de valorizar e garantir os elementos
simbólicos como atrativo turístico etnocultural, nos municípios de Tromsø e Manaus.
As memórias podem promover a cultura étnica indígena e atrair visitantes como ponto
focal de renda econômica e empregos, e, sobretudo, prospectar, valorizar e garantir a tradição
dos povos. Não se trata de transgredir a cultura, mas sim socializar momentos da tradição.
Vale mencionar que o início do século XXI está sendo marcado por um extermínio de
pessoas, inclusive indígenas, acometidas pela doença Covid-19, consequentemente muitos
saberes da ancestralidade foram perdidos com os mais de trezentos e sessenta e dois óbitos
dentro das comunidades, no território brasileiro, de acordo com dados do mês de agosto
dispostos no portal da Funai (2020). Comunitários, pajés e tuxauas das comunidades não
tiveram tempo de se prepararem para a temerosa doença. Porém, os que resistiram seguem as
187
orientações da Organização Mundial da Saúde e as sábias orientações do pajé, com uso das
práticas ritualísticas, plantas medicinais, uso de isolamento, cura espiritual e de banhos com
plantas aromatizantes e não aromatizantes, como cipó-alho. Sobre isso, a senhora Sônia Vilácio
(2020) comenta: “aqui em casa todos estão sendo curados com a medicina tradicional, as ervas
têm um poder de cura e afastar o que não presta da doença, que é boa para a saúde”, esse termo
é definido pela OMS como o estado completo de bem-estar físico, mental e social, conceito que
transcende à ausência de afecções.
Consideramos que o turismo étnico, enquanto mecanismo indutor e estratégico para a
economia dos municípios em estudo, necessita de divulgação e planejamento de roteiros que
incluam os serviços desenvolvidos pelo protagonismo indígena. A capital manauara se
configura como um forte destino cultural por apresentar uma vasta biodiversidade. O que se
observou foi a falta de esforços públicos para fomentar e despertar olhares para a cultura nos
aspectos do etnoculturais. Os investimentos giram em torno de museus, centros históricos de
Manaus e festivais. Os roteiros turísticos de Manaus (anexo C) excluem as comunidades
indígenas nas ações turísticas, diferentemente de Tromsø, (anexo B) onde o governo dialoga
com o Parlamento Sámi, promovendo a inclusão na sociedade de forma autônoma
(HOFFMANN, 2011).
Consideramos que os governos precisam criar políticas públicas para apoiar as
atividades promovidas pelos indígenas, a fim de garantir a sustentabilidade por meio da
educação e do turismo étnico, além de resguardar por mais tempo as práticas dos rituais das
populações, de forma sustentável. Nesse contexto, vimos que os povos indígenas, ao migrarem
para as áreas urbanas, passam a comercializar produtos derivados das Terras Indígenas (TI),
pois os produtos são fontes de geração de renda para as famílias indígenas.
A relevância em descortinar um universo enigmático das práticas ritualísticas dos povos
Sateré-Mawé e Sámi está em garantir e reafirmar o fortalecimento das respectivas culturas na
vida social, histórica e cultural e de representações imagéticas. No entanto, todo o estudo foi
desafiador e precioso do ponto de vista pessoal e profissional. A pesquisa despertou momentos
de reflexões sobre o percurso trilhado na vida acadêmica, considerando as mais de duas décadas
de doação às questões indígenas e recebendo a troca de saberes.
O Programa de Pós- Graduação em Turismo e Hotelaria (PPGTH/Univali) nos permitiu
perceber um universo fértil das culturas e a possibilidade de tecer diálogos com as várias áreas
do conhecimento, intercalando-as no viés da interdisciplinaridade, sob a ótica da economia,
188
associada à sustentabilidade das comunidades estudadas e das pessoas indígenas. Nessa direção,
nossos estudos primam pela sobrevivência da tradição dos povos, descortinando e estimulando
novos conhecimentos ancorados nos direitos humanos da pessoa indígena, incluindo-os nos
roteiros e festividades turísticas tradicionais, regulados pela legislação vigente de cada povo e
de cada país.
A partir deste estudo, verificamos que a tradição cultural do povo Sateré Mawé, por
meio das práticas ritualísticas, tem um potencial evidente para o turismo étnico. Logo, é
necessário delimitar uma política governamental para garantir a divulgação cultural e o
emprego/renda para os povos que vivem em áreas urbanas e metropolitanas de Manaus. Logo,
atender as demandas que anualmente são discutidas pelas lideranças indígenas, a exemplo a
Carta Aberta de dezembro de 2019, em que revela as reais necessidades dos povos indígenas
no estado do Amazonas, evidenciando um clamor por uma vida digna de inserção na sociedade.
Dessa forma, promover o turismo étnico gerador de recursos para os comunitários não
é uma tarefa fácil, precisa de equilíbrio, ponderações e planejamento. No entanto, os
interessados devem ficar atentos aos impactos que, quando não administrados com
responsabilidade, podem causar um rompimento da cultura dos povos que costumam migrar
para as cidades em busca de melhor qualidade de vida. Para os líderes indígenas, o turismo traz
benefícios positivos, pois é uma forma de promover a interculturalidade e garantir a sustentação
em áreas urbanas e metropolitanas. Quanto ao impacto negativo, assinalamos que a saída dos
territórios originários – das Terras Indígenas para as cidades –, fragiliza a cultura, na
inviabilidade de plantar, pescar e muitas vezes de produzir seus próprios alimentos, artesanatos
e de aquisição da matéria prima para os rituais. “Nossas sementes para o artesanato vêm das
Terras Indígenas, e na cidade a matéria prima tem um custo maior”, descreve a senhora Sônia
Vilácio (2020).
Ao limar a tese, aprendemos que os povos indígenas almejam mudança social e
educacional, sem perder a linhagem ancestral. Porém, quando falamos em turismo étnico, ainda
encontramos pessoas com discursos contrários, tais como: “eles não têm estudos”, “eles não
têm estrutura”, “eles são espertos”. Foram as populações indígenas que nos ensinaram a
importância de plantar e cuidar da floresta, manter a floresta viva e que os rios têm vidas e vidas
que falam. A animalidade dos fenômenos vem do tempo mítico que homem passou a
desacreditar.
189
Assim, no universo científico, esperamos que essa tese possa alargar novas pesquisas
com o povo do Ártico e do Amazonas, como nessa viagem realizada num árduo percurso.
Ressaltamos que o estudo não esgotou todos os saberes da tradição, mas pudemos destacar que
os poderes ancestrais, na visão cosmogônica indígena, devem respeitados e garantidos. Assim,
cuidamos para que o segredo das renas e das formigas Tucandeiras possam garantir a vida dos
povos no mundo planetário, prevalecendo os segredos que devem ser guardados para sempre,
para que não ocorra como a caixa de Pandora, garantindo a essência mítica (CAMPBELL,
2019).
Em escala mundial, corroboramos o segmento do turismo étnico para Manaus e Tromsø,
num enfoque para um mundo sustentável e para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
(ODS), que propõe tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusos, com segurança,
resiliência e sustentáveis, numa perspectiva ecológica (BOFF, 2016). Pretendemos com esse
manancial de conhecimentos, contribuir para alargar novos estudos no campo do turismo étnico.
Como limites da pesquisa, sinalizamos aspectos bem peculiares desse estudo: que nem
todas as narrativas foram postas na íntegra no corpo da tese, por questões de respeito aos povos.
Sendo assim, a impossibilidade de revelar e discutir com profundidade os signos identitários
étnicos, pelo fato de resguardar os saberes ancestrais, respeitando a tradição e o sagrado, sem
ultrapassar os limites dos saberes íntimos, xamânicos pertencentes aos pajés Sateré-Mawé, aos
Noaidi Sámi e aos sábios anciões. Nesse viés, para abarcar estudos de natureza indígena, não
foi suficiente adentrar no universo étnico cultural. Então nos apropriamos da semiótica e da
etnografia como estratégia de abordagem e não como método de pesquisa.
Outro aspecto foi o tempo da natureza do programa do DINTER, período dedicado às
leituras, pesquisas, escrita de artigos, participação em congressos foram limitados, por conta do
momento atual marcado por indecisões da vida planetária. Também consideramos que as
administrações públicas brasileiras – Federal, Estadual e Municipal – não conseguem
compreender que a cultura de um povo reflete a história de uma sociedade. Sem respeito à saúde
à educação e ao meio ambiente, o país sofre ainda com o desmatamento e queimadas, indo na
contramão do Artigo 3º da OIT/Convenção 169, que estabelece aos indígenas: “deverão gozar
plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem
discriminação”.
Ainda sobre este fator relacionado à Covid-19, destacamos o redimensionando as datas
das entrevistas, de acordo com os protocolos de segurança, no campo de estudo. Assim,
190
atendemos a todas as exigências dos Órgãos da Saúde, da UNESCO, FUNAI, dos governos
Federais, Estaduais e Municipais e, principalmente, das comunidades indígenas.
As questões geográficas e linguísticas nos exigiram habilidades para a compreensão e
transposição dos dados. No Amazonas, as comunidades são falantes da língua portuguesa e para
a aplicabilidade do termo de Consentimento Livre Esclarecido – TCLE, tivemos que ler, usando
uma linguagem de fácil entendimento para os comunitários. Em Tromsø, foram necessários
tradutores digitais e presenciais para aplicação das técnicas de entrevistas, em Norueguês e
Sámi. Coletamos os dados e construímos o texto no mesmo local do campo, a fim de evitar
duplo sentido na interpretação dos dados. Os extremos dos países em estudo acarretaram custos
bem nítidos, pois do Brasil até o campo na Noruega conta-se um trajeto de, aproximadamente,
vinte oito horas. Por último, o uso da moeda Coroa norueguesa – kr, com valor cambial acima
da média brasileira, para a qual tivemos que nos adequar e limitar determinados acessos.
Nossa propositura, neste período da Covid-19, é que futuras pesquisas possam ampliar
estudos com outros olhares diante do contexto atual. Novas visões sobre os dados da cultura e
o que foi perdido no cenário mundial, de muitas mudanças sociais, de preconceitos, sem direito
à voz, em que a cada dia cresce a invisibilidade social. Assim, esta tese pode contribuir com os
povos indígenas partícipes para as questões atuais e para salvaguardar o patrimônio cultural das
futuras gerações.
Destacamos que, atualmente, com o advento das tecnologias e a força midiática,
segundo Han (2018), é possível estabelecer conexão em tempo real com qualquer pessoa no
planeta, até mesmo dentro das comunidades. Não se trata de perder a identidade e sim o
reconhecimento e a valorização dos povos indígenas em espaço global. Fato esse observado em
sites de turismo que vendem o título: “Conheça a Amazônia em Ritual Indígena na Amazônia”
e “conheça a Noruega: alimente as renas; venha conhecer a Aurora Boreal”, frases convidativas
vistas no site de André Garcia Bonotto.
Por fim, parafraseando Fernando Sabino: depois dessa longa travessia podemos dizer
que três coisas foram importantes nessa caminhada: a certeza de que estamos sempre
começando, a certeza de que não se pode desistir e a de que podemos continuar. O sentido da
vida faz do medo uma escada, e do sonho uma ponte à procura de novos desafios. Ao navegar
pelas escritas de Peirce, vemos uma semiose infinita, que nos remete aos signos e símbolos
infinitos. Enfim, foi dessa forma ritualística que percorremos pelos caminhos da ciência e
enchemos nossa cuia de signos e símbolos, saberes e sabores para o turismo étnico indígena.
191
REFERÊNCIAS
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ETNOGLOSSÁRIO
De acordo com a NBR 6022:2018 o glossário é uma lista de termos ou expressões
técnicas dispostos em ordem alfabética e utilizadas no texto, cujo objetivo é descrever suas
definições (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2018). Nesse sentido
os termos descritos são oriundos do campo da pesquisa da tese em tela, denominado de
etnoglossário.
Aguadeiras - Termo designado para mulheres Sateré-Mawé que participam do processo de
ralar/ triturar o guaraná, em formato de bastão.
Alimentos ancestrais – Termo usado para remeter aos ensinamentos dos antepassados
plantados e colhidos da mesma forma há milhares de anos. Também mantêm as propriedades
nutricionais de milênios - são alimentos riquíssimos em proteínas de alto valor biológico, fibras,
vitaminas e antioxidantes.
Aluar - bebida produzida a partir da casca do abacaxi, que fica de molho por três dias para a
fermentação.
Amazonas - é um estado no noroeste do Brasil, coberto quase na sua totalidade pela floresta
tropical da Amazónia.
Ancestral - Termo usado em genealogia, é o Antecedente já morto ou o que se localiza em
várias gerações anteriores na representação gráfica da árvore genealógica
Ancestralidade - Termo usado ao legado de antepassados; hereditariedade.
Ariaú Amazon Towers - Foi o primeiro e maior hotel da Floresta Amazônica, possuía 288
quartos dispostos em várias torres cilíndricas interligadas por extensas passarelas de madeira
(total de até 8 kilômetros de passarela), apoiadas sobre palafitas. Algumas destas passarelas
tinha até 40 metros de altura. Sua estrutura era de 66 hectares de área total; contava com
piscinas, auditório panorâmico, bares temáticos e restaurantes.
Ariaú -Termo usado para o rio na Amazônia afluente do Rio Negro, na região noroeste da
cidade de Manaus (distante 60 km da cidade).
Arruda: Bot.] - Planta aromática, também usada na medicina indígena
Arumã - Fibra usada no trançar das luvas tucandeiras; o arumã (ou guarimã) é utilizado pelos
povos indígenas amazônicos, a partir do Maranhão, onde a planta (que tem várias espécies)
cresce em regiões semi-alagadas.
207
Árvore de envireira - Bot.] - Envireira (¨árvore-de-embira¨) é o nome popular de uma árvore
da família das Anonáceas, também chamada de araticu-do-mato.
Aurora Boreal - Termo usado para a aurora polar, um fenômeno óptico composto de um brilho
observado nos céus noturnos nas regiões polares.
Bacalhau - É o nome comum de várias espécies de peixes, típico da Noruega.
Bambú - Bot.] - Denominação comum a várias plantas da família das gramíneas, especialmente
as do gênero Bambusa, de colmo lenhoso e flexível e folhas finas e compridas, que atingem
grandes alturas, cultivadas em regiões tropicais e subtropicais, usado para coletar e armazenar
as formigas tucandeira (Paraponera clavata); também usado em artesanatos.
Barranco: Termo usado para encosta íngreme não coberta de vegetação; faz parte do fenômeno
do rio Amazonas.
Bastão do guaraná - Termo usado como resultado de um processo, depois de descascar a
semente do guaraná, as amêndoas são piladas com um pouco de água morna, e o alto teor de
amido do guaraná faz que se forme uma massa consistente que pode ser modelada. A massa é
rolada numa tábua com as mãos e assim é feito um bastão.
Beiju/ beju/ biju – Tipo de alimento derivado da farinha de mandioca
Benzedeira - Termo usado para aquele que pretende curar doenças, afastar o mal, defender ou
proteger de feitiços etc. por meio de benzeduras; benzedor, curandeiro.
Benzedura - Termo usado no Amazonas para Arte de benzer
Berries- Bot.] - Fruto silvestre típico da região da Noruega. Em botânica , um baga é um
carnuda fruta sem uma pedra produzido a partir de uma única flor contendo um ovário . Bagas
assim definidas incluem oxicoco, arando-vermelho, mirtilo-vermelho ou airela; Groselha-preta
ou cassis; Cereja; Morango.
Bidos - Termo usado para definir um prato tradicional feito de carne de renas, com batata,
cenoura e temperos típicos da Noruega.
Bioma - Termo designado para uma unidade biológica ou espaço geográfico caracterizado de
acordo com o macroclima, a fitofisionomia (aspecto da vegetação de um lugar), o solo e a
altitude específicos.
Braço do rio - Termo usado para um desvio de um rio (igarapé).
Broto - Parte visível de plantas em estágios iniciais de desenvolvimento, no geral consistindo
de um caule em desenvolvimento e folhas.
Buzina - Instrumento de sopro usado em ritual ou celebrações, em Sateré-Mawé – huhehap ou
huhú.
208
Cabana - Termo usado para pequena habitação feita de materiais rústicos (palha, madeira e
ramos).
Cajueiro - Bot.] - Árvore de médio porte (Anacardium occidentale), da família das
anacardiáceas, nativa dos trópicos, com folhas ovaladas e de textura coriácea, pequenas flores
melíferas vermelhas dispostas em panículas e frutos comestíveis.
Caneca - Recipiente com asa usado para líquidos do tipo copo, também conhecido como caneco
Caniço - Vara longa e flexível, da qual pende um fio de nylon com anzol, usada para pescar.
Canoa - embarcação leve de pequeno porte, feita de uma só peça alongada, movida a remo,
vela ou motor de popa, us. em pesca fluvial, usada como transporte na Amazônia.
Cantador - Homem experiente em cantorias, que tem a função de puxar os cantos no ritual de
Tucandeira.
Carne de rena - Carne de rena consumida pelo povo Finlandês e Norueguês.
Chá de ervas - Bot.] - plantas medicinais indígenas, demonstrando ... que exala um cheiro forte,
gerado pela presença de seu óleo essencial. ... Além disso, é consumida principalmente na forma
de chá.
Cipó-alho - Bot.] - Arbusto trepador (Seguieria americana), da família das fitolacáceas, nativo
do Sudeste e Sul (PR) do Brasil, de copa densa, ramos compridos, folhas membranosas, ásperas
e glabras, flores alvacentas, de odor forte, dispostas em racemos
Clã (ywanias) - Termo usado para a posição e organização política e familiar em Sateré-Mawé.
Clãnica - Termo usado para denominar que pertence a um clã.
Cores - impressão provocada nos olhos pela luz refletida pelos corpos; coloração ou tonalidade
apresentada por algo.
Cosmogônico - São mitos que narram a origem do Universo (Cosmos).
Cotidiano - Conjunto de ações que ocorre com alguém todos os dias, de maneira habitual e
sucessiva
Cuia - Termo usado para o fruto bacáceo oviforme da cuieira (Crescentia cujete), que, depois
de maduro, apresenta casca lenhosa e impermeável da qual são feitos diversos objetos. Usada
para tomar bebidas.
Cultura de raiz: Uma cultura que segue de acordo com a tradição dos antepassados.
Cunhantã- Termo usado para designar a pessoa do sexo feminino/ menina
Curumim- Termo usado para designar a pessoa do sexo masculino/ menino
Duodji -Termo usado para artesanato Sámi tradicional, que remonta a uma época em que os
Sámi estavam muito mais isolados do mundo exterior do que hoje.
Eddas - Conjunto de narrativas do povo Sámi descritas no Völuspá.
209
Elfos - Termo usado para designar uma criatura mística da mitologia nórdica e céltica, que
aparece com frequência na literatura medieval europeia.
Envireira-[Bot.], ¨árvore-de-embira¨ é o nome popular de uma árvore da família das
Anonáceas, também chamada de araticu-do-mato.
Farinha de mandioca- Alimento usado na gastronomia indígena no Brasil.
Fiord - Termo do norueguês fjord é uma grande entrada de mar entre altas montanhas rochosas,
originada por erosão causada pelo gelo de antigo glaciar.
Formigas - São insetos pertencentes à família Formicidae da ordem Hymenoptera. São insetos
particularmente populares por serem muito comuns e tidos como altamente organizados.
Gákti - Termo usado para designar traje típico étnico do povo Sámi, Noruega, de variadas cores
e formas; são indicadores da pertença a uma comunidade, comunidade, zona e família.
Grafismos - O grafismo pintado nos corpos indígenas, em seus trajes e utensílios marca a
identidade de cada povo. Um determinado desenho na pintura corporal por exemplo, pode
indicar a quantidade de filhos, a ocupação do índio dentro da tribo ou o cumprimento dos ritos
de passagem
Guaraná - Bot.] Nome científico: (Paullinia cupana) é um cipó originário da Amazônia. É
encontrado no Brasil, Peru, Colômbia e Venezuela, sendo cultivado principalmente no
município de Maués, no estado do Amazonas, e na Bahia
Guerreiro - Status dado ao indígena Sateré-Mawé, ao cumprir as etapas do ritual; Homem
Lutador
Hidromel - É uma bebida alcoólica cuja maior parcela dos seus açúcares, de mel, fermentáveis
de uso na Europa e dos povos do Ártico.
I’nhãa-Bé - Nome da comunidade, localizada na área metropolitana de Manaus, às margens do
rio Negro, no igarapé do Tiú.
I’nhãa-Bé - Substantivo masculino - É um chocalho - adereço feito com sementes, com um
som suavizado que é usado pelos indígenas Sateré-Mawé em cerimônias ritualísticas.
Igapó – Área alagada
Igara – No Brasil, Amazonas, termo usado para designar uma Canoa inteiriça, feita de casca
de árvore.
Igarapé do Tiu - Igarapé que banha a margem da comunidade Inhã-bé, Sateré-Mawé-Manaus-
Am.
Jacaré - Réptil de pequenas proporções (Caiman crocodilus), da família dos aligatorídeos, que
vive em grandes grupos nas Américas do Norte e do Sul, de focinho largo, achatado, e couraça
210
formada de escudos; é muito ágil na água, onde vive quase que exclusivamente; caimão, jacaré-
de-óculos, jacaretinga.
Kofte - Alimento usado para se referir ao prato que contém bolinhas de carne picada, altamente
temperadas e cozidas em sopa ou molho.
Kolt -Termo usado para o traje tradicional Sámi
Kunã -Termo usado na língua Sateré-Mawé é designado para farmácia, lugar de transe, onde o
pajé recebe as pessoas para momentos xamânicos; termo usado para designar farmácia
indígena; e local de contemplação.
Lávvu - Termo usado para denominar uma cabana Sámi; uma residência temporária usada para
contemplar a natureza e a aurora Boeral e outros astros.
Luva- Peça confeccionada em palha, onde se coloca as formigas tucandeira para realizar o
ritual; é um símbolo sagrada e muito respeitado pelos Sateré-Mawé, conhecida como asáripé.
Macaxeira - Tubérculo que serve para como alimento
Malhadeira - Instrumento feito de nylon utilizado na pesca.
Maloca: Habitação indígena comunitária, coberto em palha de formato circular ou retangular,
usada por indígenas da Amazônia.
Mastruz - Pequena planta herbácea (Coronopus didymus), da família das crucíferas, originária
das Américas, cultivada pelas inúmeras propriedades medicinais; mastruço-do-brasil, mastruz.
Matéria prima - Aquilo a partir do qual se inicia alguma coisa que ainda se encontra em estado
bruto; base, fundamento.
Material de pescaria - Materiais usados na pesca do índio ou do caboclo, anzol, rede de
malhadeira e outros.
Medicina indígena - Corresponde ao comportamento orientado para obtenção e preservação
da saúde através das práticas culturais dos povos no estado do Amazonas.
Mel de abelha - Produzido pelas abelhas, além dos benefícios na alimentação, o mel tem
propriedades curativas que podem melhorar sua saúde.
Merins - Termo na língua Sateré-Mawé denominado para jovens guerreiros.
Mito - Uma pessoa ou um fato cuja existência, presente na imaginação das pessoas, não pode
ser comprovada; ficção.
Mokeu - Termo na língua Sateré-Mawé, designado para caçador
Moltebaer - é um fruto uma especiaria Norueguesa, um tipo de framboesa. A framboesa (Rubus
idaeus L.), fruto do framboeseira, é uma pseudobaga e um fruto agregado, cujo sabor suave e
adocicado é utilizado para diversas finalidades, como sorvetes, xaropes, geleias, licores e doces.
Natureza - Conjunto de elementos naturais.
211
Noaidi - Termo usado para um xamã do povo Sámi nos países nórdicos, representando uma
religião de natureza indígena.
Noçoquem, Noçoquém - Termo usado para referir ao lugar de origem como sendo um lugar
da morada de seus heróis míticos, um lugar encantado, designado pelos Sateré-Mawé.
Paini - Termo indígena designado para o Curandeiro/pajé, em Sateré-Mawé
Pajé (Sahú) - Benzedor; curandeiro
Palha - Fibra vegetal seca e flexível usada em trabalhos trançados em artesanatos.
Paneiro - Termo usado para o Cesto de cipó, utilizado para transportar gêneros da roça.
Patawi: Suporte confeccionado com cipó que para os Sateré é o símbolo da união de povos.
Penas de animais - Retiradas das aves para confeccionar artesanatos.
Peneira - Utensílio formado por uma armação circular geralmente de plástico, metal ou madeira
com um fundo em trama bem estreita de arame, plástico, taquara etc., usado para separar
substâncias reduzidas a fragmentos menores.
Pesca - Capturar peixes no rio.
Planta trepadeira - As trepadeiras são plantas de caule longo que necessitam de um tutor ou
suporte para se fixarem. Existem diversas espécies de trepadeiras, as quais se diferenciam pelo
tamanho, textura de folhas, cores e formas das flores, oferecendo assim diversas soluções
paisagísticas
Plantas medicinais - Plantas usadas pelos pajés para cura de suas doenças.
Poratin /Puratiḡ - Termo usado para designar um ícone que representa o estilo de vida do povo
Sateré-Mawé. No plano mítico era uma arma dos veados que perseguiam a Anumarab’it. Nele
estão representadas as principais histórias do povo.
Proa- Termo usado na Marinha náutica como parte dianteira de uma embarcação; parte
dianteira de qualquer coisa.
Pyã ou Pi’ã hĭn- Termo usado para menina em Sateré-Mawé.
Rebojo - movimento de rotação em espiral causado por queda de cachoeira ou pelas correntezas
dos rios; remoinho.
Rede - Material em linha de nylon usado em pescaria.
Rede - Material tecido em algodão usado para dormir.
Remo - Haste de madeira que se vai achatando e alargando para o extremo inferior e que,
funcionando como alavanca interfixa, serve para fazer andar as pequenas embarcações.
Rio Andirá - O rio Andirá é um rio do Amazonas, Brasil.
Rio Tarumã – Rio do Amazonas
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Ritual da Tucandeira - O ritual da tucandeira, realizado pelo povo indígena Sateré-Mawé, é
uma forma de iniciação masculina, de passagem da infância para a vida adulta.
Ritual: Formalidade que integram uma cerimônia; o ritual, conhecido como Waumat, é
praticado pelos Sateré-Mawé há séculos.
Sahu-Apé - Comunidade indígena situada a 40 km de Manaus.
Sahu’hi – Termo usado para o grupo do coral infantil, na língua Sateré-Mawé, tatu pequeno
com batida diferente.
Sakpó ou çapó - Na língua Sateré-Mawé-Tupi (Bebida feita com guaraná em pó)
Sa'pmi: - Região do povo Sámi, que vivem nos quatro países: Rússia, Finlândia, Suécia e
Noruega.
Saray potairia - Formiga comestível (Saúva) do povo Sateré-Mawé.
Seres Personificados - Personificação é um recurso de linguagem que consiste em atribuir
qualidades humanas a seres não humanos.
Sol - Estrela do sistema solar.
Tambores – Instrumentos usados em rituais indígenas Sateré e Sámi
Tarrafear – Termo usado para selecionar; ação de pescar, usando um instrumento chamado de
malhadeira, tecida em algodão ou em nylon, pontos finos ou grossos.
Tarubá – bebida feita da fermentação da mandioca, usada em rituais.
Tatu - [Zool.] - Nome comum de animais mamíferos, desdentados da família dos Dasipodídeos,
dotados de forte carapaça articulada, que vivem na América do Sul.
Tatu Bola - Termo usado na mitologia Sateré-Mawé ao animal Heneḡke
Timão- Do latin termo, eixo de carroça ou arado; roda ou volante como se manobra o leme de
uma embarcação.
Toco - Parte do tronco que fica preso ao solo, após uma árvore ser cortada ou quebrada.
Tucandeira - Grande formiga, venenosa, (Paraponera clavata), da família dos paraponeríneos,
usada no ritual da tucandeira, que marca a passagem da infância para a fase adulta.
Tucum - Palmeira de porte médio (Bactris lindmanniana), nativa do Sul do Brasil, de estipe
com acúleos e frutos pretos, cultivada por suas folhas, das quais se extraem fibras, e pelos frutos,
palmito e sementes comestíveis; coqueiro-tucumã.
Tucupi – Produto derivado da mandioca, líquido tóxico que após cozido é usado na
gastronomia indígena.
Tundra - Região fitogeográfica ártica e subártica de solo rochoso e frio intenso, caracterizada
pela vegetação herbácea e subarbustiva, constituída especialmente por ciperáceas, bem como
vários tipos de musgos e liquens que cobrem o solo.
213
Tuxaua- Termo designado para o líder político indígena, na língua Sateré-Mawé, (tui’as).
Utensílios - Qualquer instrumento de trabalho próprio para a fabricação de um produto ou para
o exercício de uma arte, profissão etc.
Völuspá - Poema considerado o mais antigo do planeta
Waiperiá- Termo usado em referência ao ritual da Tucandeira.
Waraná - O Waraná cultivado pelos Sateré-Mawé na própria terra dele, num contexto de
floresteria análoga, é irmão do guaraná nativo, por isso o totum do fruto da planta mantém todas
as qualidades próprias da semente nativa; símbolo raíz está estreitamente relacionado com o
Poratig como ícone de poder tradicional, que representa a autoridade tradicional do grupo.
Waymat – Termo em Língua Sateré-Mawé (Amazonas – Brasil), designado para ritual da
Tucandeira.
Xamanismo - Conjunto de práticas e ritos místicos que ocorrem entre muitos povos e
sociedades, tendo a figura do xamã como líder espiritual e intermediário entre a realidade
humana e o sobrenatural, com seus poderes curativos e divinatórios.
Yoik – Termo na língua Sámi – designado para os cantos típicos do povo.
FONTE:
Dicionário Michaelis - https://michaelis.uol.com.br. Acessado em 25 de maio de 2020.
http://www.Noçoquem.com/home/a-caminhada-dos-produtores/a-denominacao-de-origem-
do-warana. Acessado em 25 de maio de 2020.
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Sateré-Mawé. Acessado em 25 de maio de 2020.
https://www.dicionarioinformal.com.br/diferenca-entre/envireira/%C3%A1rvores/
214
APÊNDICES
215
APÊNDICE–A: O processo de trabalho do Guaraná (waraná) dos Sateré-Mawé.
Fonte: CARVALHO, J.M; VILÁCIO, R.S; DAMASCENO, V.N.
216
APÊNDICE-B: Estudos realizados em 38 países sobre turismo étnico.
Fonte: CARVALHO J.M (2019).
217
APÊNDICE-C: Imagem do Mapa dos Países de Origem dos Artigos Pesquisados.
Fonte: Dados da plataforma Business Source Complete (EBSCO host) – (2020).
APÊNDICE-D: Imagem do mapa da Comunidade Sámi
Fonte: TOMAZ NETO, A.G e CARVALHO J.M (2020).
218
ANEXOS
219
ANEXO A: Imagem do mapa turístico Oslo- Noruega.
Fonte: Agência de turismo Oslo (2019)
ANEXO B: Imagem do mapa turístico Tromsø – Noruega.
Fonte: Agência de turismo Tromsø (2019).
220
ANEXO C: Imagem do mapa turístico Manaus.
Fonte: Agência de turismo Manaus (2019).
221
ANEXO D: Folder turístico em Manaus.
Fonte: Agência Paranakari – Manaus-Amazonas (2019).
222
ANEXO E: Carta do povo Sámi ao Presidente de República do Brasil.
Povo indígena Sámi, da Europa, manifesta solidariedade à APIB.
14/out/2020
Caro presidente Jair Messias Bolsonaro,
Estamos escrevendo para você em nome do Conselho Parlamentar Sámi.
Os Sámi são os povos indígenas da Finlândia, Noruega, Suécia e nordeste da Rússia. Os
Parlamentos Sámi são os órgãos de governo autônomo dos Sámi. Por sua natureza
representativa, os Parlamentos Sámi expressam uma posição oficial dos Sámi sobre as questões
que lhes dizem respeito. Os Parlamentos Sámi na Finlândia, Noruega e Suécia cooperam por
meio do Conselho Parlamentar Sámi (SPC). As organizações Sámi na Rússia são participantes
permanentes nesta cooperação. O SPC foi estabelecido no ano 2000.
Após suas observações no Debate Geral da 75ª Sessão da Assembleia Geral das Nações
Unidas, 22 de setembro de 2020, gostaríamos de levantar uma preocupação sobre a situação
dos defensores dos direitos humanos ambientais no Brasil. Isso tem ligações com os atuais
incêndios na Amazônia e nos ecossistemas do Cerrado e Pantanal. Estamos cientes de que este
ano há mais focos de incêndios em comparação com anos anteriores, e que muitos deles são
causados por incêndios de origem humana, especialmente para estimular a rebrota de pastagens
e para abrir novas áreas agrícolas. Duvidamos da explicação de que são os povos indígenas no
Brasil que estão por trás desses incêndios.
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Além disso, em 18 de setembro de 2020, o Ministro de Segurança Institucional, General
Augusto Heleno, responsável por questões de segurança nacional, tuitou graves acusações
contra a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), nomeando explicitamente a líder
da APIB Sonia Guajajara, por ter cometido crimes contra o país, espalhar notícias falsas,
mobilizar-se para boicote e também afirmar que a APIB e vários aliados estão trabalhando para
manchar a reputação do Brasil internacionalmente.
Em nossa opinião, as acusações criam um risco de segurança muito real para os líderes
indígenas em geral, e particularmente para Sonia Guajajara e outros representantes da APIB. É
preocupante que isso aumente a retórica de ódio contra os povos indígenas no Brasil,
especialmente considerando os frequentes assassinatos, violência e ameaças contra líderes
indígenas e defensores de direitos humanos e ambientais.
Como a maioria dos povos indígenas em todo o mundo, tanto o povo Sámi quanto os
Povos Indígenas no Brasil são defensores dos direitos humanos e ambientais, na vanguarda da
promoção dos direitos dos Povos Indígenas. Diante disso, esperamos que os países nórdicos e
o Brasil possam trabalhar juntos na proteção dos direitos dos povos indígenas, do meio
ambiente e evidenciar as conexões entre direitos humanos, ecossistemas saudáveis e pessoas.
Isso estará de acordo com os compromissos dos Estados com a Declaração das Nações Unidas
sobre os Direitos dos Povos Indígenas e o Documento Final da Conferência Mundial sobre os
Povos Indígenas.
É correto dizer que os povos indígenas do Ártico e das florestas tropicais estão na linha
de frente das mudanças climáticas. A mudança climática é duas vezes mais intensa no Ártico
do que no resto do planeta. As florestas tropicais são um ator fundamental na mitigação dos
efeitos das mudanças climáticas no planeta, e também são alguns dos ecossistemas mais
importantes e vulneráveis do mundo às mudanças climáticas. Como todos sabemos, as
mudanças climáticas estão resultando em impactos sociais, ambientais e econômicos
generalizados. Os povos indígenas são especialmente vulneráveis devido à estreita conexão
entre os meios de subsistência tradicionais e a natureza. Este é o momento da história em que
não temos outra alternativa prudente a não ser continuar trabalhando juntos: Estados, Povos
Indígenas, ONGs e outros setores da sociedade civil.
Com os melhores cumprimentos: Tuomas Aslak Juuso, Aili Keskitalo, Per-Olof Nutti,
(os tres presidentes dos Parlamentos Sami da Finlândia, Noruega e Suécia (os mesmos também
presidente/vice-presidentes do Conselho Parlamentar Sami).