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i RUMOS DA ANTROPOLOGIA NO MUNDO !-- CONTEMPORNEO: TENDNCIAS
METODOLGICAS E TERICAS DeseMaa
Na esteira de um debate crtico
Neste trabalho, aventuro-me a construir algumas notas, seguindo
a linha de discusses inspirada nas referncias de J ames Clifford e
George Marcus (1991), que assumem, nas interpretaes antropolgicas,
serem o potico e o poltico dimenses inseparveis, estando o
cientfico implcito em suas margens. E na trilha dos debates
ps-modernos da antropologia americana, procuro lanar inquietaes
desafiadoras aos cnones mais rgidos da academia, repensando o
background metodolgico e terico que fundamentou a produo do
conhecimento antropolgico. Ao mesmo tempo, busco contextualizar as
condies de produo deste conhecimento, vislumbrando o fazer
antropolgico frente s transformaes do mundo contemporneo, no que
diz respeito ao trabalho de campo e s representaes etnogrficas.
l Trata-se de um exerccio de reflexo sobre as tendncias
metodolgicas e tericas que marcam a antropologia no final do
sculo, atravs da crtica americana que, no conjunto de suas
experincias renovadoras, vem-se caracterizando como uma "certa
antropologia",
I provocando um "barulho" e despertando para as novas formas de
articular a "experincia". So crticas aos clssicos modelos de
representao cultural da antropologia, a partir dos anos 20 - o
modemismo em antropologia.
De um lado, apresenta-se um caminho aberto por Clifford Geertz,
nos anos 70, que, atravs de uma abordagem interpretativa, olha a
cultura como um conjunto de textos a serem interpretados. A
interpretao,
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baseada num '!l0delo de leitura contextual , surgiu como uma
alternativa s afirmaes de autoridade experiencial. A antropologia
interpretativa desmistifica o que anteriormente passara sem
questionamento na construo de narrativas, tipos, observaes e
descries etnogrficas. Contribuiu para uma crescente visibilidade
dos processos criativos (poticos) pelos quais objetos culturais so
inventados e tratados como significativos. A concepo das culturas
como texto e a anlise antropolgica como interpretao, sempre
provisria, permitiram o estranhamento da autoridade etnogrfica. O
rompimento com o modelo clssico, porm, parcial, j que a
antropologia de Geertz questiona o processo da produo
interpretativa, mas no rompe com a separao radical entre observador
e observado e suas culturas. A interpretao est voltada para uma
outra cultura separada do antroplogo (Clifford, 1998).
De outro lado, emerge, nos anos 80, um quadro de perspectivas
ps-modernas, tomando o texto etnogrfico como objeto de interpretao.
uma discusso que est centrada tanto na forma de pesquisa, quanto na
forma de seu texto. Tem a proposta da escrita de textos polifnicos,
dilgicos ou testemunhais. uma linha do debate recente que faz
cticas ao positivismo cientfico, s diversas formas de reducionismo
e ao empirismo ingnuo, insinuando ao fazer antropolgico uma postura
humanista e o carter sempre provisrio e parcial de toda a anlise
cultural (Trajano Filho, 1988). Atravs de uma noo retrabalhada de
texto, a partir da elaborao da viso de cultura como texto, na
perspectiva de Geertz, que temas como autoridade cientfica e
etnogrfica, a crise da representao, recursos tericos e fazer
etnogrfico, dilogo e polifonia, poder e dominao so tratados de
maneiras diversas, em diferentes "dialetos", com vozes, estilos e
interpretaes idiossincrticas. Em outros termos, algumas posies so
mais moderadas e preocupamse com a procura da "verdade etnogrfica";
outras, mais radicais, questionam a possibilidade de qualquer tipo
de "objetividade" no contato intersubjetivo.Certas tendncias
enfatizam o potencial ctico de uma abordagem mais dialgica e
polissmica que descentraliza a autoridade do autor e deixa falar a
voz do outro. H aquelas que exigem do antroplogo, enquanto autor, a
responsabilidade sobre a sua voz, seu texto, relevando a conscincia
da historicidade e contextualidade de seu ponto de vista, tomando a
sua interpretao parcial (Lagrou, 1994). Em que pesem as
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particularidades dos trabalhos, so preocupaes de: James
Clifford, George Marcus, Meiry Louise Pratt, Vincent Crapanzano,
Renato Rosaldo, Stephen Tyler, Talal Assad, Michel Fischer, Paul
Rabinow, Marcus Cushman, Roth, Michael Taussig, dentre outros.
- Embora algumas experincias venham apresentando a proposio de
alternativas textuais e de modos diversos, o enfrentamento de
problemas polticos e de crtica cultural, a exemplo de: First-Time
de Richard Price (1983); Waiting de Vincent Crapanzano (1985) e
Schamanism, Colonialism and Wild Man de Michael Taussing (1987), o
ps - modernismo americano tem expresso em relao ao trabalho de
desconstruo de textos etnogrficos clssicos e no no tocante produo
de etnografias reveladoras das recentes discusses e cnones das
novas proposies (Caldeira, 1988).
,.
A reflexo proposta coloca-nos diante da problemtica emergente da
contemporaneidade, a exemplo dos processos de mundializao econmica
e da cultura, assim como, um dos seus corolrios, a reposio das
diferenas. Ao analisar as realidades contemporneas, os problemas
que a antropologia pretende resolver impem um constante repensar do
seu papel poltico e social - de uma cincia voltada crtica cultural
- s formas pelas quais tem produzido e representado os significados
da cultura.
Para as novas propostas do fazer antropolgico, os psmodernos
americanos fazem do texto etnogrfico o seu objeto de estudo,
recuperando as formas de pesquisa e de seus textos, desde
Malinowski at os anos 80. Neste sentido, importante fazer algumas
observaes antropologia que produziu estes textos.
As peculiaridades do fazer antropolgico: o mqdernismo em
antropologia
Enquanto a formao do conhecimento nas diferentes reas do saber
e, tambm, nas cincias sociais exprime-se na busca do analista e
pesquisador em ausentar-se o mximo possvel da anlise e da exposio
de dados, assegurando uma posio de "neutralidade e objetividade"
legitimadora da cientificidade, a antropologia tem a sua
especificidade. O conhecimento antropolgico fundamentou-se na
presena do
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pesquisador quer no trabalho de campo, quer no texto etnogrfico.
O antroplogo nunca se afastou de seu texto e da exposio de seus
dados. Caracterizou-se antes como produtor deste instrumento
privilegiado de pesquisa. Em outros termos, de modo objetivo, sua
pretenso ser o mediador entre dois universos culturais, tornando
legvel para um deles uma outra forma de viver que s o antroplogo
vivenciou e traduz, conhece. Como argumenta Caldeira (1988) a
presena do antroplogo nos textos ambgua, j que, ao mesmo tempo, ele
se mostra, ao revelar a realidade conhecida, e se retira para
garantir a objetividade. Nestes termos, seguindo as pistas de
Geertz, descobrimos que a presena do autor nos discursos cientficos
deve ser compreendida, atravs de "peculiaridades de uma curiosa
estratgia de construo textual". Construo esta que se expressa em
diferentes formas conforme, a discursividade introduzida por
Malinowski, EvansPrichard, Lvi-Strauss, entre outros (Geertz, 1989,
p. 94 ).
Malinowski legitimou a figura do antroplogo profissional, atravs
de uma nova abordagem metodolgica - observao participante - , o que
permitiu uma identidade antropologia como cincia, provocando uma
ruptura metodolgica nos procedimentos do pensamento do sculo XIX, o
paradigma representado pelo evolucionismo.O antroplogo deste
perodo, atravs do trabalho de gabinete, colecionava milliares de
fatos etnogrficos de todo o mundo, construindo a histria da
humanidade vista pelo prisma dos deuses, dos sacrifcios, das magias
e da religio (Da Matta, 1984). Para esta antropologia no h a
legitimao do pesquisador de campo nos moldes malinowskianos. Em
termos gerais, prevaleceu um outro modelo de conhecimento
etnogrfico, uma compilao de folclore, costumes, elaborada por um
longo perodo de convivncia, como a de missionrios, viajantes,
administradores coloniais, alguns dos quais possuam melhores
contatos e mais habilidade na lngua nativa do que o "etngrafo". O
etngrafo e o antroplogo, aquele que descrevia e traduzia os
costumes e aquele que era o construtor das teorias gerais sobre a
humanidade, eram personagens distintas (Clifford, 1998). No
processo de classificao dos costumes "primitivos" separava-se os
fatos do contexto de origem, trazendo-os para o universo do
antroplogo e de seus leitores. Comparava-se costume com costume. Os
"outros" estavam apenas em estgios diferentes de evoluo do
"eu".
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r- A etnografia clssica exprime-se pela experincia pessoal de
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cultura. Com o pesquisador de campo profissional emergiu uma
nova fuso de teoria geral com a pesquisa emprica, de anlise
cultural com descrio etnogrfica. O exerccio tradicional da
disciplina consistia em desvendar as lgicas de sistemas os mais
exticos e de formaes culturais as mais diversas, "uma viagem
paradigmtica em direo ao paradigma longnquo" (Geertz, 1989, p. 85).
Criou-se um novo contexto para falar das diferenas e, ao propor que
as culturas fossem entendidas em seus prprios termos, descobrindo o
familiar no extico, a antropologia criticou o etnocentrismo e o
racismo. Aps conviver algum tempo com um grupo (observao
participante), emergir no seu cotidiano, passar por um processo de
transformao e "tornar-se nativo", o antroplogo escrevia textos,
legitimando suas proposies pelo princpio "estive l", o que lhe
conferia o poder de falar sobre "o outro". Reconstrua a cultura
nativa enquanto totalidade, o que se assentava no postulado de um
modelo integrado de cultura. Sustentado por essa aparente unidade
do objeto antropolgico, o pesquisador supunha poder identificar-se
com ele e compreend-lo totalmente, sem intermedirios (Montero,
1991). No texto, aparecia como porta voz dos grupos estudados,
afirmando como viviam e como pensavam os diferentes povos. As
relaes interpessoais davam lugar ao nativo generalizado. Esse novo
contexto para a explicao das diferenas era o "relativismo
cultural", que sustentava a unidade de cada cultura e, ao mesmo
tempo, acentuava a distncia entre elas, dificultando que uma
cultura falasse da outra em termos crticos - embora a crtica
cultural tenha sido o pressuposto em que se ancorou.
No texto clssico, que marcou a etnografia moderna, Os Argonautas
do Pacfico Ocidental, Malinowski argumenta sobre a imensa distncia
entre a apresentao final dos resultados da pesquisa e o material
bruto das informaes coletadas pelo pesquisador, atravs de suas
prprias observaes das asseres dos nativos, do caleidoscpio da vida
tribal (Malinowski, 1978). Nesse sentido, h uma transformao do
antroplogo para entrar em outra cultura, a necessidade de "aprender
a comportar-se como eles", desenvolvendo o sentimento de "empatia".
De outro modo, o antroplogo deveria reinterpretar os "dados
brutos", dependendo da inspirao oferecida pelos estudos tericos,
por uma
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teoria da cultura. Malinowski 'estava muito preocupado com o
problema retrico de convencer seus leitores de que os fatos, que
estava colocando diante deles, eram objetivamente adquiridos e no
subjetivamente. Os artifcios literrios de Os Argonautas, com suas
construes narrativas envolventes, o uso da voz nativa no "presente
etnogrfico", as dramatizaes encenadas, a participao do autor em
cenas da vida cotidiana trobriandesa, so tcnicas que o autor usou
para que tanto sua prpria experincia, quanto a experincia dos
nativos pudessem tambm se tomar a experincia do leitor (Stocking,
1983).
A produo do conhecimento antropolgico fez-se atravs do estudo
dos povos coloniais numa perspectiva "interstcia - o olhar desde
dentro". O enfoque do tipo "coloc-lo todo dentro" para a etnografia
e "deix-lo todo fora para prosa" marcou a forma da passagem do
campo para o texto etnogrfico deste primeiro momento (Geertz, 1989,
p. 94 -95). O antroplogo descrevia textos etnogrficos para os
membros de sua prpria sociedade e no colocava em questo o carter de
poder que se estabelecia entre as duas sociedades. O princpio "eu
estive l" e, assim, "posso falar do outro" demonstra que a
experincia tem servido como eficaz garantia de autoridade
etnogrfica. Deste modo, evoca tanto uma presena participativa, uma
concretude de percepo, uma relao de afinidade emocional, como
sugere um conhecimento cumulativo (sobre uma realidade). E esse
mundo "o meu povo", concebido como criao da experincia, subjetivo e
no dialgico (Clifford, 1998).
Aarte de ourives: questes para a
Antropologia na contemporaneidade
O processo de descolonizao dos imprios coloniais, a mundializao
da cultura e da economia, o interesse pela prpria sociedade (o
estudo de grupos urbanos, bairros da periferia, grupos da religio
afro-brasileira, entre outros) alteram as condies de produo do
conhecimento. O antroplogo no se encontra mais numa situao de
exclusividade quanto produo do conhecimento em relao ao outro.
Perdendo o lugar de sujeito absoluto do conhecimento, ele "agora se
depara com objetos falantes, com um ponto de vista prprio", que
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aceitam ou se contrapem s interpretaes etnolgicas, assumem,
recsam ou corrigem as imagens de si que dividem os acadmicos em
tomo na natureza da explicao antropolgica (Montero, 1991, p.1
04).
Ao fazerem uma discusso sobre o momento presente e a reavaliao
das idias dominantes e dos quadros referenciais que orientam os
esforos da pesquisa emprica nas cincias humanas, Marcus e Fischer
(1986) tratam da crise da representao e referem-se antropologia
utilizando a metfora da "viso do mundo de ourives", uma vez que a
disciplina concentrou sua ateno na interpretao e descrio de
processos e culturas "observados de perto". Embora percebida como
cincia dedicada ao estudo de sociedades primitivas, isoladas, vem,
h algum tempo, aplicando seu "mtodo de ourives" s sociedades
complexas de nao-estado e inclusive prpria sociedade do
investigador. As inovaes contemporneas no texto etnogrfico so
reveladoras da direo da antropologia a uma sensibilidade histrica e
poltica de um constante refinamento, que est transformando a
maneira
I como a diversidade cultural retratada. As mudanas atuais, das
~ convenes do passado, na passagem para o texto sobre outras
culturas,
li" constituem o "locus de operao" para a funo estratgica
I contempornea da antropologia. As regras definidoras da relao
autor, ~ objeto, leitor, que permitem a produo, a legibilidade e a
legitimidade do texto etnogrfico, esto tomando um rumo diverSo, em
funo do processo de autocrtica pelo qual passa a antropologia, na
medida em
r que os mais variados aspectos de sua prtica vm sendo
questionados e desconstrudos (Caldeira, 1988).
As experincias vivenciadas colocam, lado a lado, antroplogo e
nativo e, ao mesmo tempo, so reveladoras da "diversidade
irredutvel". Ao contrrio dos parmetros da antropologia moderna, que
reconstrua uma totalidade para dar sentido diversidade, o que se
pretende o ponto de vista do nativo e a diversidade de experincias,
cabendo ao antroplogo representar esta diversidade na forma
textual. A antropologia norte-americana chama a ateno para O
autoritarismo dos modelos tradicionais, insinuando a superao das
etnografias monolgicas por um dialogismo inspirado em Mikhail
Bakhin, em que intersubjetividade e o entrecruzamento de muitas
vozes - polifonia tm expressividade (Bakhtin, 1981, Apud. Clifford
& Marcus, 1991).
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Nesse sentido, modos de vida trocam influncias, imitam-se entre
si, pretendem dominar-se uns aos outros, pretendem traduzir-se
reciprocamente, subverter-se entre si. A anlise cultural se acha
imersa em todo movimento de contestao ao poder.
Apesar das insistentes discusses sobre a incorporao do ponto de
vista nativo, hoje, a antropologia vem- se mostrando mais sensvel
ao reconhecimento da dificuldade desta incorporao. Deste modo, o
que se evidencia a presena autoritria do antroplogo pesquisador
quer no ato de pesquisa, quer na interpretao de dados. O argumento
o carter ocidental da Antropologia Social e Cultural, implcito em
sua matriz disciplinar, que compromete o antroplogo com uma
subcultura especfica, profissional, formadora de um "olhar"
comprometido com uma lgica etnocntrica, cuja arrogncia sequer
percebida pelo pesquisador, a despeito de seus esforos para lograr
a neutralidade. Nesses termos, para evitar tal arrogncia necessria
uma compreenso da investigao antropolgica como uma "etno-Igica",
entre outras. O exerccio da lgica do antroplogo precisa ser
confrontado com o exerccio da lgica do nativo, no encontro
etnolgico (Oliveira, 1990). Sem privilegiar a lgica do pesquisador,
h que se dar espao para a lgica do pesquisado, estabelecendo relaes
dialgicas simtricas. Apesar do descompasso entre os mundos de
interao, a busca da democratizao dessas relaes constitui-se como
imperativo da investigao. a efetivao de uma "antropologia
plurivocal ou polifnica", onde a voz do outro est junto com a do
antroplogo. Aqui emerge a questo tica, j que sero constantemente
buscadas pr-condies para este tipo de antropologia. Estas
pr-condies permitem a "comunidade de argumentao cop.stituda no
encontro etnogrfico". O dilogo se apresenta como uma modalidade de
acordo entre interlocutores numa relao dialgica. Tal dinmica pode
ser observada no trabalho dos ps-modernos, a exemplo deCrapanzano,
em seu livro Tuhami, que se revela como um autor envolvido na tenso
intelectual e poltica (Crapanzano, 1980).
A questo da tica universal se faz urgente em uma nova era, isto
, em uma civilizao unificada em nvel planetrio pelas conseqncias
tecnolgicas da cincia. E se a tarefa fundamentalmente tica,
racionalmente universal, para o cientista social . a questo como
agir eticamente. No tocante a funo da cincia no mundo
contemporneo,
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Oliveira (1990) incorpora, em suas argumentaes, debates
cientficos a respeito das conseqncias reais das aes humanas,
sustentando trs espaos: o da "micro-esfera" (das normas morais que
se concentram na esfera interna - espao da famnia, vizinhana); o da
"meso-esfera" ( da poltica nacional ); o da "macro - esfera" (dos
interesses vitais de toda a humanidade). Embora estas esferas se
articulem, na "micro" e na "mesoesfera" que a postura relativista
dos antroplogos mais se acentua e ganha consistncia terica na lgica
da disciplina. A expanso dos processos de globalizao carrega em seu
bojo uma ameaa constante a esses princpios particularistas (ameaa s
minorias), sem levar em conta as tradies morais e culturais de cada
grupo.
Saber, tica e ao social supem a necessidade de um acordo
produzido por uma "comunidade de argumentao". Nesse sentido,
populaes afetadas por programas de desenvolvimento esto cada vez
mais conscientes dos efeitos lesivos aos seus interesses e
direitos. O conceito de etno-desenvolvimento sugere a idia de
grupos e indivduos portadores de culturas diferentes e inseridos em
situao intercultural (Stavenhagem, 1985, Apud. Oliveira, 1990). A
tica poltica consiste na criao de espaos de liberdade, implicando
em democratizao do Estado, atravs de programas alternativos. Nesses
termos, preciso que no espao da "meso-esfera" se articulem ou se
compatibilizem os valores particularistas das etnias e das
comunidades
r locais da "micro-esfera" com valores universalistas da
"macro". A crtica ps-moderna aos paradigmas da antropologia, apesar
de
sua promessa no cumprida - em relao crtica cultural e a evidncia
na desconstruo e no na produo de textos - tem sido motivo de
calorosas discusses na academia. Com isso, os estudos contemporneos
no deixam de voltar a ateno aos recentes debates, seja para
incorporar as novas tendncias da pesquisa de campo e da produo de
textos, seja para criticar, colocando limites, a uma "ousadia" que
incomoda. A tribo acadmica est em p de guerra, uma vez que "o campo
cientfico o espao de jogo de uma luta concorrencial " (Bourdieu,
1980).
O trabalho de campo, iniciado com Malinowski e seguido por
outros antroplogos, ilumina as etnografias na contemporaneidade.
Iniciados na antropologia aprendemos a evocar o Pacfico Ocidental e
a compreendermos como se fez "etnografia moderna" com nativos
de
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"carne e osso:', bem como o perfil da relao observador-bservado.
Tambm procuramos perceber a Oceania no recorte de nosso estudo.
Entretanto, a aventura a esta nova Oceania coloca outras questes
para o "navegador" dessas ilhas do mundo contemporneo, que acaba
por reinventar a prtica etnogrfica. a partir dos anos 70 que
antroplogos de "antropologias nativas" comearam a se preocupar com
o estudo das cidades, das prticas culturais de diferentes grupos,
anunciando uma "nova antropologia", que se prope agora em converter
o "familiar" em extico e a se deparar com um outro pesquisado,
aquele que reivindica um dilogo e discute sobre as interpretaes
antropolgicas.
Se, para realizar uma pesquisa, o antroplogo est preso a uma
rede de relaes com significados especficos, sua insero em um campo
de pesquisa supe a compreenso de uma outra teia de relaes e a
negociao de sua presena. O desenvolvimento de um trabalho cientfico
implica em aceitao dos modelos cientficos e o reconhecimento pela
academia. preciso incorporar linhas de pesquisa, discusses tericas
e metodolgicas dos centros de estudos que estamos envolvidos.
Nossos trabalhos sero discutidos com outros cientistas dentro de
cnones especficos. "a ordem do campo cientfico". Entretanto, os
objetos de estudo impem seus padres, principalmente se estivermos
falando de grupos pertencentes a movimentos sociais e polticos. Em
alguns casos, como grupos indgenas, grupos das religies
afro-brasileiras, os nativos tm seus logos para tratar com os
pesquisadores. Assim, o antroplogo convive com outras regras que no
constam nos velhos manuais cientficos. Deste modo, um conhecimento
fundamentado em um poder legitimado pela academia e, ao mesmo
tempo, sujeito s regras de um outro campo, O universo do
pesquisado. A negociao assume formas diversas, quer se trate de
bairros urbanos, quer de grupos indgenas ou outros. O grau de
distanciamento e proximidade com nativos avaliado no decorrer da
experincia de campo, definindo a continuidade ou no da pesquisa. O
campo de pesquisa condiciona a observao, uma vez que o antroplogo
esbarra sempre em posies polticas e hierrquicas de "nativos" e suas
relaes, que tm seus cdigos, seus sistemas de pensamento, suas
lgicas, seu contato com o contexto mais amplo.
Seguir esta linha de discusso, repensar o trabalho de campo, a
partir da subjetividade na relao entre o antroplogo e os
informantes,
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co{l1o ponto central na construo de etnografias, conceitos e
teorias na antropologia (Grossi,1992). As experincias etnogrficas
ocorrem atravs de um processo de comunicao, de trocas, de negociao
entre o antroplogo e os nativos. Nestes termos, so experincias
fragmentadas, com muitas vozes, que se expressam na dialogia. A
realizao de uma pesquisa uma forma de comunicao entre pessoas que
procuram entendimento. O empreendimento etnogrfico deve voltarse
para um objetivo relacional. Fatos dificilmente existem sem relaes.
Encontrando Taso me descobrindo um exemplo interessante de
intersubjetividade. Em oposio aos crticos positivistas, Mintz
sustenta a importncia da amizade para a histria de Taso, seu
informante, trabalhador da cana de acar de Porto Rico. A convivncia
e a afetividade permitiram chegar mais perto e mais fundo, nos
significados desconhecidos entre ambos. Segundo o autor, o que
tomou possvel a continuidade do trabalho com Taso foi a sua
convico, de que a vida deste seu informante, e o que ela sintetiza,
deveria estar disponvel a outros, para que pudessem estudar e
refletir sobre ela. Como escolheu Taso? Para esta indagao diz: eu
no "escolhi" Taso, ele me "escolheu". Trabalhando com ele, Mintz
descobriu mais sobre si mesmo (Mintz, 1980). Nessa relao o
pesquisador se envolve e seus valores e sua viso de mundo passam a
ser condio para compreender as diferenas.
A proposta, tanto dos ps-modernos, quanto de algumas antroplogas
femininas , particularmente norte-americanas, pensar a relao
sujeito-objeto a partir das relaes de gnero. James Clifford e
George Marcus (1991) argumentam que o feminismo tem contribudo
grandemente ao avano da antropologia, uma vez que etngrafas
questionam, com autoridade intelectual, os cnones masculinos
vigentes nas anlises cientficas. A aceitao da obra de Ruth Landes
(1996), A cidade das mulheres, pelos autores ps-modernos, est
baseada na inovao temtica da obra, a experimentao formal do texto,
o tipo de escrita etnogrfica usado pela autora, a estratgia
particular de investigao utilizada, a forma densa e multivocacional
do seu estilo narrativo e a recusa em se acomodar numa explicao
fixa e estvel dos fenmenos. Tambm, o trabalho enfatiza o "eu", a
experincia subjetiva da autora, expondo sobre a construo do seu
objeto e a insistncia em situar-se como judia e mulher (Healey,
1996). O contexto disciplinar no qual a autora
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UEL BIB\JOTE" CENTRAL
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e sua obra estavam inseridas diz respeito escola americana de
Franz Boas, o liberalismo racial scio- cientfico dos EUA e os
estudos afrobrasileiros das dcadas de 30 e 40. Apesar de sua ligao
aos paradigmas da Antropologia norte-americana, Landes permitiu que
o Brasil lhe falasse em seus prprios termos. A excluso do trabalho
de Landes da academia, na poca, refere-se sua inovao temtica, isto
, estudar raa e gnero juntos e seu estilo narrativo, excessivamente
feminino, multivocacional e literato .0 olhar feminino da obra
criticado pelos antroplogos como uma auto-afirmao das mulheres
norte-americanas. Alm disso, esse tipo de estudo era marginalizado
no meio acadmico por estar ligado a uma histria mais ampla,
envolvendo questionamentos ao racismo e ao imperialismo.
Dentro de uma perspectiva relativizadora aceita-se que a
antropologia foi por muito tempo etnocntrica e, com a insero das
mulheres no campo antropolgico, descobre-se tambm que a
antropologia era androcntrica. Relatos de mulheres em campo mostram
a descoberta da identidade feminina pelo jogo de contrastes -
igualdade x diferena - e problematizam a subjetividade na prtica
antropolgica, a partir dos conflitos vividos em campos ligados
sexualidade (Grossi, 1992). A relao sujeito / objeto permeada pela
subjetividade foi trazida pelas mulheres antroplogas. Os homens
antroplogos pouco explicitam seus questionamentos subjetivos
ligados ao gnero. Os questionamentos da relao sujeit%bjeto,
traduzidos pelos homens, remetem destruio do "mito do antroplogo
neutro" e ao questionamento da problemtica do poder, isto , a
questo do colonialismo e suas conseqncias aos povos colonizados. Um
dos conflitos vivenciados pelas mulheres antroplogas o "imaginrio
de mulher", presente nos lugares onde pesquisam e na viso dos
informantes. Para se proteger desse risco, muitas antroplogas se
escondem sob a capa do terceiro gnero, nem homem, nem mulher, mas
um ser neutro, assexuado (Grossi, 1992).
Autores ps - modernos analisam e criticam o significado da relao
pesquisador-pesquisado e, especificamente, antroplogo / informante,
na Antropologia. Os "etngrafos" clssicos, s tardiamente, relataram
suas experincias emcampo, num livro - dirio emque expressam as
ambigidades, as angstias e o sofrimento do antroplogo de carne e
osso face ao outro. Nesse sentido, Um Dirio no sentido estrito do
termo, de Malinowski (1997), segundo Geertz, "demole o mito do
pesquisador de
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I
campo semicamaleo, que se adapta perfeitamente ao ambiente
extico que o rodeia, um milagre ambulante em empatia, tato pacincia
e cosmopolitismo" (Geertz, 1998, p.85). O mergulho na "subjeti
vidade" foi percebido at pouco tempo atrs como "indiscrio" ou
"auto-exposio p-ridcula". Desse modo, autores em seus dirios
esclarecem sobre a natureza de suas experincias pessoais como
relatos literrios e no como antropologia (Grossi, 1992). Hoje,
porm, nas introdues dos trabalhos cientficos, j possvel encontrar
escritos sobre o encontro etnogrfico.
'" Em o Oficio do etnlogo ou como ter anthropological blues, Da
Matta (1984) argumenta que a formao do pesquisador prope o
planejamento de todas as fases de seu trabalho, mas no o prepara
para I
..
ver, com olhos crticos, seus humores, cansaos e infortnios,
enquanto observador participante. Tambm no explica o mecanismo pelo
qual ele chega a descobrir novidades. O convvio com o outro, o
pensar sobre si mesmo permeiam a "viagem antropolgica", como um
blue que se insinua e ganha fora pela repetio de suas frases ,at se
tomar perceptvel. Sentimento e emoo sero os hspedes no convidados
da situao etnogrfica que se entrelaam com a rotina
intelectualizada.
Entretanto, a subjetividade como instrumento de trabalho no deve
ser justificativa para a indefinio dos limites entre cincia e
ideologia. Portanto, no deve servir de desculpas para repor a
oposio entre verdade a mistificao. A relao intersubjetiva no o
encontro de indivduos autnomos e auto- suficientes. uma comunicao
simblica que supe a repe processos bsicos responsveis pela criao de
significados e grupos (Cardoso, 1986). Nesse encontro, as pessoas
se estranham e fazem um movimento de aproximao, desvendando
sentidos ocultos e explicitando relaes desconhecidas.
A dimenso poltica do trabalho antropolgico com grupos
"marginalizados" outro tema evidenciado nas pesquisas atuais.
Nesses termos, exprime-se a questo do poder, no apenas sobre a
interpelao do "outro", mas de ser o seu intermedirio no contato com
a sociedade inclusiva. impossvel ficar neutro, uma vez que a
comunidade atribui um papel ao antroplogo e espera um engajamento
com efeitos concretos. Neste sentido, emerge o problema de como
falar sobre o grupo sem incrimin-lo e sem dar armas para os outros
grupos, que preferem v-lo dizimado (Lagrou, 1992).
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o trabalho de campo em termos da relao pesquisador / pesquisado
permite reflexes construo de etnografias e conceitos na
antropologia. O entendimento das diferentes interpretaes, para um
mesmo objeto, alm das diferentes referncias sobre o pensamento
social, implica em interpretaes inerentes prpria relao subjetiva
que marca cada trabalho. O "olhar" sobre um recorte emprico formado
pela histria individual do pesquisador e conduz percepo de vrios
aspectos, como responsveis por diferentes leituras, tais como: as
condies polticas e ideolgicas em que se realiza o encontro
etnogrfico, as relaes dialgicas, a questo de gnero, classe social,
status e prestgio.
A convivncia com os informantes - "a perspectiva intersticial" -
continua sendo a forma como os antroplogos contemporneos tm
experincias com outros grupos. No encontro etnogrfico, procuram
sensibilizar-se ao ritual de integrao em grupos com cdigos
particulares, fazem alianas, atam laos, "seduzem" e assumem ,em
alguns casos, o papel de mediadores, a fim de compartilhar dos
interesses polticos do grupo com o contexto mais amplo. O
envolvimento com as rotinas dirias permite conhecer o modo de
operar sistemas simblicos diversos que so postos em movimento por
discursos do pesquisador e dos pesquisados. A negociao do valor
cultural nas condies de intercmbio cultural vem sendo analisada de
maneira persuasiva, assim como a explorao das possibilidades de uma
etnografia mais radicalmente descentrada ou deslegitimada. Essa
etnografia evitaria os tipos de autoridade interpretativa,
corporificados na figura de um exegeta distante, que penetraria nos
emaranhados mistrios de outra cultura, a fim de trazer luz um
sentido oculto, no somente do observador, como tambm dos prprios
participantes dessa cultura (Clifford, 1998).
Para Geertz a compreenso ernogrfica que est ligada ao processo
tradutrio, tanto "achada" como "perdida" nele. A tentativa de
apreender uma cultura implica "em no olhar por trs das aparncias
que nos vinculam com ela, mas olhar atravs delas" (Geertz, 1998,
p.70 ). O autor est convencido da necessidade da etnografia ajudar
a ampliar a possibilidade de um discurso inteligvel entre pessoas
bem diferentes umas das outras, em termos de interesse, de
perspectiva, de riqueza, de poder e, no obstante, contidas num
mundo em que, lanadas como esto numa interminvel conexo, cada vez
mais difcil fugir ao universo
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-
L
uma das outras e, no processo, permanecer com grande grau de
autoconscincia, acerca de o seu prprio poder e dos seus prprios
efeitos (Geertz, 1998). A fora e o valor tieo desse empreendimento
so inseparveis de um reconhecimento da prpria posio e identidade
cultural, por mais provisria e prejudicada que elas possam ser.
Crapanzano considera forada a interpretao de Geertz da briga de
galos como uma forma de arte possvel de ser discutida. A briga de
galos ser, por certo, para os balineses, brigas de galos e no
imagens, fices, modelos e metforas. Ao criticar a arrogao de
Geertz, de autoridade interpretativa, "lamenta a compreenso
elaborada do ponto de vista elaborado do nativo elaborado, supondo
a possibilidade de alguma compreenso pura do nativo do ponto de
vista nativo" (Crapanzano,1991 , p.l19). Assim, suas interpretaes
mostram que "a cultura de um povo um conjunto de textos, eles
mesmos conjuntos, que o antroplogo se empenha em ler por cima do
ombro daqueles a quem eles propriamente pertencem" (Geertz, 1978,
p. 321). Apesar disso, a sua obra no deixa de dizer acerca das
relaes entre o complexo valor das formas culturais e as complexas
formas de valorao efetuadas por e entre culturas (Crapanzano,
1991).
O paradoxo do valor intercultural, para Geertz, reside em como
se envolver com as vozes, experincias e valores dos outros sem se
sentir a tentao de formas de auto-imolao imunizante : a dupla
percepo de que a nossa no seno uma voz entre muitas e que, como a
nica que temos nossa disposio, temos necessariamente de falar com
ela (Geertz, 1998). a dificuldade de mediao da questo do valor,
seja do ponto de vista do eu que se completa a si mesmo no desvio
do "outro" , seja do eu que usa o outro de modo grandioso para
celebrar "a sua falta de ser" (Condor,1994, p. 259).
O estudo do "outro de dentro" tem propiciado discusses, a
antroplogos, sobre as dificuldades em se transpor a realidade
vivida no campo, para a elaborao do discurso cientfico, construindo
um texto etnogrfico que contemple as inmeras possibilidades de
interpretao, e as difceis negociaes entre antroplogo e seus
informantes, presentes no trabalho de campo. Na passagem das
experincias para o texto h perdas do vivido, j que o texto
representa uma forma de adequao ou transformao da realidade que se
mostra
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multifacetada' e dinmica. O comum uma reduo das experincias
vividas em campo, quando transpostas ao texto, delimitando-as
apenas s introdues metodolgicas e s notas de rodap. H tambm distino
entre o nvel descritivo e o interpretativo explicativo. A descrio j
, em si mesma, uma interpretao, no sendo possvel separar fato
emprico da interpretao (Silva, 1998). Na passagem do campo para o
texto, o rigor acadmico impe o distanciamento das experincias
subjetivas vivenciadas em campo para que o texto no perca o seu
carter cientfico.
Uma rede social, mais ou menos externa no espao e no tempo,
percorrida por uma representao. Estamos ento perante uma
representao tipicamente cultural, que consiste numa multiplicidade
de verses mentais e pblicas, ligadas entre si, simultaneamente,
pela semelhana do contedo. O conjunto de representaes, desse tipo,
que circula num grupo humano, constitui a respectiva cultura
(Sperber, 1992). Todas as representaes mentais - mesmo as
comunicadas uma s vez - so concebidas e compreendidas no contexto
de um saber partilhado e constituem, em certo sentido, verses
perifricas, transformaes idiossincrticas de representaes
comuns.
Cada etngrafo vive no terreno de uma experincia nica. Certamente
aproveita a experincia de seus antecessores, os ensinamentos que
recebeu e os instrumentos e tcnicas da profisso, mas o instrumento
principal do seu trabalho um conjunto de relaes pessoais, por meio
das quais se liga a uma rede cultural particular. Esta ltima
constitui-se como um instrumento que constri relaes pessoais,
devendo o outro participar, com as suas idias e sentimentos, na
respectiva construo. A transmisso deste instrumento implica em
descrever, interpretar, concentrando as diversas verses de que se
compe uma representao cultural, uma verso exgua, prtanto, mais
inteligvel para os seus leitores. "O antroplogo tem por tarefa
explicar as representaes culturais, isto , descrever os fatores que
deterTInam a seleo de certas representaes e a.sua partilha por um
grupo social. O etngrafo tem por tarefa, no como ponto nico mas
principal, tornar inteligvel a experincia dos seres humanos, tal
como a sua pertena a um grupo social contribui para determin-la"
(Sperber, 1992, p. 57) .
O que se expressa aqui a problemtica da auto-reflexo, ou seja, o
contexto do encontro etnogrfico em si. Este ltimo reveste-se
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em 'instncias especficas de discursos desenvolvidas a partir de
trs personagens - o antroplogo, o informante, e o leitor - que
formam o contexto de auto - reflexo e no um universo particular de
viso de mundo (Peirano, 1986). Numa antropologia dos discursos
tradicionais a "cultura" era concebida como um objeto a ser
descrito, num corpus estvel de smbolos e significados a serem
interpretados. Agora, adere-se uma definio de cultura temporal e
emergente, na qual os cdigos e representaes so suscetveis de serem
contestados. A tarefa da etnografia passa a ser experimental. O
leitor deixa de lado sua atitude passiva e visto como implicado no
projeto de construo etnogrfica. O leitor se une ao dilogo
aceitando, rejeitando ou modificando a percepo do antroplogo.
A "descrio participante" envolve tambm transformar as pessoas,
que se conhece e se vivencia no cotidiano da experincia etnogrfica,
em sujeitos coletivos. Ao terem contato com esse trabalho
r
t as pessoas no se reconhecem no texto. A impessoalidade pode
bem ser traduzida como neutralidade cientfica, mas tambm como
negociao entre pesquisador e pesquisado para que suas identidades
no sejam
I
reveladas. Tambm h a necessidade de preservar o anonimato dos
interlocutores, o que no impede que se reflita no texto os motivos
e as
l ~ :" conseqncias destes procedimentos.
Ocuidado na elaborao das representaes etnogrficas supe a
facilidade ou no de acesso do grupo pesquisado s etnografias. A
dificuldade de acesso aos interlocutores aumenta a liberdade do
autor do texto na exposio de certas informaes. Entretanto, a
dialogia nas etnografias de campo precisa ser transposta para o
texto. preciso~ expor os contedos das etnografias para a academia e
para o grupo co-autor. Isso impe refletir sobre as condies polticas
que tm sido realizadas com informantes e os dilogos na
academia.
Algumas pesquisas tratam do prestgio da linguagem cientfica
desfrutada no meio de grupos, como os das religies
afro-brasileiras. Os textos etnogrficos, construdos numa
determinada situao de campo, acabam voltando aos nativos,
fornecendo enunciados que os etngrafos deveriam considerar na
construo de suas representaes sobre o grupo. Se o antroplogo produz
interpretaes de primeira ou segunda mo, por sobre os ombros dos
nativos, no se pode deixar de
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levar em conta o fato de que os nativos tambm podero ler a sua
cultura por sobre os ombros dos antroplogos (Silva, 1998). Nos
estudos de religies afro-brasileiras manifesta-se a dependncia mtua
antroplogo/terreiro. Estar perto das "evidncias consolidadas" uma
estratgia de legitimao do seu trabalho e da qualidade de sua
etnografia. O conhecimento das etnografias demonstra a legitimao e
influncias dos sacerdotes. H tambm a produo de textos elaborados
por integrantes da religio , influenciada pelo modelo da escrita
etnogrfica. O estudo etnogrfico no corresponde forma como o
conhecimento transmitido nos terreiros, porm escrever um desafio
para uma religio em que a transmisso feita por tradio oral. A
literatura construda pelos sacerdotes, ao aproximar-se do modelo
acadmico, evidencia a influncia das etnografias no mundo dos
terreiros. Essas etnografias, construdas como "modelos da
realidade", so utilizadas pelos religiosos como "modelos para a
realidade", fornecendo um padro, atravs do qual os religiosos
representam o universo religioso, na prtica, atravs de seus livros
(Silva, 1998). Muitos antroplogos vm submetendo suas informaes, os
resultados parciais ou finais do seu trabalho apreciao dos seus
informantes, seja para autorizar informaes, seja para sugerir
interpretaes. O que se pretende perceber at que ponto a lgica das
interpretaes confirmada ou no pelos grupos, bem como quais os
significados que se pode inferir de cada uma das posies.
Mais do que isso, no podemos esquecer que, alm da observao
participante, cada vez mais o antroplogo utiliza-se de recursos
como gravadores, filmadoras, mquinas fotogrficas. Esses recursos
permitem um registro com maior detalhamento, mas isto no significa
que estamos mais prximos do real, do que na poca em que os cadernos
de campo eram um dos instrumentos privilegiados. Filmar e
fotografar impem uma relao de intimidade e de desconfiana com o
grupo. E o que ouvir e o que registrar depende da representao que
os grupos fazem destas tcnicas.
A fotografia, o cinema, a televiso, a publicidade, o computador
so hoje elementos presentes no nosso cotidiano de modo cada vez
mais ntimo. Agimos e interpretamos com as imagens, sem percebermos
o quanto elas impregnam valores fundamentais de nossa cultura. As
imagens no falam por si s, mas expressam e dialogam com modos de
vida tpicos das sociedades que as produzem. Nesse dilogo das se
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refe'tem s questes culturais e polticas, exprimindo a
diversidade de grupos e de ideologias, em determinados momentos
histricos. Imagens, assim como textos, so artefats culturais. A
produo e a anlise destes registros permitem a reconstituio da
histria cultural de grupos sociais, bem como uma melhor compreenso
de processos de mudana social, do impacto das frentes econmicas e
da dinmica das relaes intertnicas. A imagem, pela especificidade de
sua linguagem, mais flexvel do que o texto, em sua estrutura
narrativa, no sentido de acomodar mltiplos significados. um
elemento essencial para que se possa analisar como estes
significados so construdos, incutidos e veiculados pelo meio
social. Tambm, o modo como as imagens so recebidas pelo receptor
implica em uma negociao de sentido que transcende a prpria imagem
que se realiza no contexto da cultura e dos textos culturais com
que ela convive. A imagem aponta para estes textos, podendo ser
lida., ela prpria, como um texto (Novaes, 1998). Nesse sentido, a
idia de multimdia aparece tornando possveis diversos padres de
interatividade. Imagens e sons podem, de acordo com interesses em
cada pesquisa, ser mais ou menos importantes. Incorporar meios de
produo de imagem animada investigao cientfica impe uma reflexo a
respeito dos seus alcances e limites (Goifman, 1998).
A utilizao de outros registros, na pesquisa etnogrfica, no pode
mais ser restrita aos cadernos de campo e aos gravadores, emergindo
uma "metodologia interativa" com tcnicas mltiplas .Os novos
suportes da hipermdia (imagens em movimento, hipertexto) apresentam
caminhos potencialmente infindveis para a construo das etnografias,
principalmente, porque postulam a possibilidade de: uma
reconfigurao da natureza do trabalho de campo feito com e pela
hipermdia; a reconfigurao da relao descrio - interpretao postulada
pelo texto etnogrfico clssico e revista pelo hipertexto etnogrfico
ps moderno, com conseqncias evidentes para o principal objeto
terico da antropologia - os significados da cultura (Silva,
1998).
Avaliar o retorno que as representaes antropolgicas tm junto aos
grupos estudados, permite, em grande medida, avaliar o papel de
influncia epoder que os resultados da antropologia podem ter junto
s prticas sociais, como os movimentos polticos organizados das
chamadas minorias.
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Quando se coloca, lado a lado, representantes dos grupos
estudados e antroplogos, para refletir sobre a relao sujeito a
objeto e a produo do conhecimento, est-se enfrentando os problemas
que a ps - modernidade da antropologia vem enfrentando. Neste
sentido, no se fazem mais objetos como antigamente, pois so todos,
alm de objetos, pesquisadores sujeitos e enquanto tais criam seus
grupos especializados em responder, de um lado, o que o antroplogo
quer ouvir e, de outro, esto dispostos a cobrar dos pesquisadores
(Montes, 1994). Objetos pesquisados reivindicam para si, e com
direito, a condio de produzir o seu prprio discurso e saber o seu
lugar na sociedade da qual todos fazemos parte. Enquanto objetos
sujeitos denunciam sobre o conhecimento produzido na academia que,
nas suas concepes, tem servido para ser usado contra eles. Nesse
sentido, a maior parte do que se produz transformado em instrumento
de controle, manipulao e dominao, porque vivemos numa sociedade
violenta, desigual e de classes e de identidades reflexivas,
manifestando-se a disputa e o poder. A antropologia uma disciplina
da reflexividade que se impe entre o "eu e o outro". Pela mediao do
espelho capaz de estabelecer um lugar de onde possvel compreender a
ambos como iguais. Deste modo, a produo do conhecimento deve ser
percebida como "horizonte frente e no apenas como horizonte de
poder". O conhecimento, visto alm do poder, permite fazer pontes e
construir uma dimenso da relao entre pesquisador e seu universo de
pesquisa. A dimenso da reciprocidade permite perceber aquilo que
faz a humanidade, isto , a capacidade de troca (Montes, 1994).
O que tambm emerge a responsabilidade do pesquisador em falar ou
no sobre os "segredos" do grupo estudado. Os estudos antropolgicos
sobre religies afro-brasileiras vm tratando do "segredo", daquilo
que no se penetra sem a iniciao e sem um longo perodo de intimidade
e de confiana mtua com o grupo estudado. Apesar de que as relaes no
sejam hoje to fechadas, como h tempos atrs, a fora do "segredo"
existe tanto para as pessoas de fora estudiosos - quanto para os
prprios membros dos grupos.
Assim como Silva (1998), Carvalho (1994) chama a ateno para a
parte mais essencial de uma tica antropolgica: a construo de textos
que dever ser passada pelo consenso dos membros ou, pelo menos,
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pela consentimento da maioria da coleti vidade. O cuidado ao
entrar em
,
um mundo alternativo, de formas simblicas, deve ser o de
preserv-lo e contribuir para sua continuidade. Se o antroplogo tem
a sensibilidade de descobrir algo maravilhoso, deve reunir mais
sensibilidade para no provocar a sua desintegrao e desencantamento.
Ao deparar-se com o belo, com o fascinante, acaba sendo tocado pela
parte mais destrutiva de seu sistema de valores: o desejo de
possuir o que do grupo estudado. Mais ainda, diferente da distncia
humana no perodo colonialista, no qual a produo de obras era para
um circulo acadmico, hoje interessa recuperar o elo entre os dois
mundos e buscar um consenso, entre o interesse acadmico e do grupo
estudado, no momento em que devemos escrever ou nos calar
(Carvalho, 1994). Nesses termos, do ponto de vista da produo do
conhecimento e da poltica preciso pensar na idia de humanidade e de
igualdade dos seres humanos, para a preservao de heranas culturais,
revelando a formao da cultura brasileira.
A interao contnua num mundo globalizado se expressa na
resistncia e na acomodao de grupos sociais, revelando as semelhanas
e diferenas entre o global e o local e a tendncia para a participao
autocontrolada na integrao global. Para tal, Marcus prope a
redefinio do observador e do observado, criticando a "etnografia"
realista e propondo uma abordagem modernista, a fim de refletir
sobre os dilemas
..
da "etnografia" na modernidade. A primeira define um contexto
social especfico para a identidade, baseando-se no local de
moradia. Em oposio, a segunda reconhece identidades mltiplas e
dispersas, em muitos lugares. Outra problematizao a noo de tempo,
uma discusso que apresenta o entendimento da memria nos seus
mltiplos sinais e expresses com auto-reconhecimento da identidade,
para compreender os processos de diversidade que se derivam da sua
emergncia no mdo de diversas associaes, processando-se na memria
coletiva e individual. A memria fragmentada. E sobre os fragmentos,
os quais se reagrupam, se reordenam em suas conexes e se
reconhecem, que possvel ligar o espao localizado ao curso da
histria (Marcus, 1991). Nesta linha de discusso do mundo
contemporneo , tambm, Aug que traz a sua reflexo. Entre as vrias
questes que levanta, discute categorias tais como: "lugar",
considerando o espao identitrio das relaes pessoais; "no-lugar" ,
considerando o espao no-identitrio, da circulao
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acelerada das pessoas em locais de passagem como: metr,
supermercados, aeroportos, vias expressas, trevos rodovirios,
cadeias de hotis. Argumenta que, para compreender o que denomina de
mundo da supermodernidade, "temos que reaprender a pensar o espao"
(Aug, 1994, p. 38).
A crise do pensamento antropolgico coincide com o seu sucesso
para alm dos muros da academia A importncia da cultura difundida
por vrios setores da sociedade e a antropologia convocada a emitir
pareceres sobre os problemas sociais. Oque tem a antropologia a
dizer da crise do desenvolvimento econmico e da humanidade, da
descrena nas promessas de um mundo melhor pautado no progresso
tecnolgico, a fragilidade da democracia liberal que engendra novas
formas de opresso e colapso do Estado? O "relativismo cultural"
nesse sentido deve ser um instrumento para compreender as
sociedades complexas, pois os processos de globalizao tm proposto e
renovado as diferenas entre cultura a naes. A cultura tomou-se um
problema para a conscincia contempornea e a anlise de seu cotidiano
e suas mediaes simblicas, um caminho para a compreenso de certos
problemas sociais. Faz-se urgente uma teoria capaz de perceber o
modo como a variedade de experincias produz representaes sociais e
como o pensamento social e poltico hegemnico se enrazam no
cotidiano (Monteiro, 1991). preciso aliar as interpretaes
intersticiais s questes econmicas e polticas mais amplas.
O fazer antropolgico na contemporaneidade envolve a compreenso
do "outro", da prpria cultura e conduz certamente a pensar sobre a
nossa relao com ele e sobre o seu lugar em nosso contexto social.
Os grupos minoritrios tm-se constitudo como bom exemplo para
entender como a antropologia vem repensando o seu papel poltico e
social.
Momento de juntar pistas... Diferente da interpretao da
antropologia moderna, a etnografia
ps- moderna pretende estabelecer uma negociao, um dilogo com os
grupos estudados, sugerindo a expresso de trocas entre uma
multiplicidade de vozes. Escrever etnografia, assim, ter como
modelo o dilogo, a polifonia. A idia diluir no texto a presena do
autor, revelando-a como "autoria dispersa", representando muitas
vozes, muitas
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perspectivas, a produo de textos com plurivocalidade - citaes de
depoimentos, autoria coletiva, dar voz ao grupo estudado. Nas
etnografias possvel representar um novo conceito de cultura, pois a
produo textual situa as interpretaes culturais em diferentes
contedos intercambiveis e obriga os escritores a encontrar diversas
maneiras de apresentar realidades que so negociadas como
intersubjetivas. Cultura , assim, algo sempre relacional, uma
inscrio dos processos comunicacionais que existem historicamente
entre sujeitos em relao de poder. Dialogismo e polifonia so
reconhecidos como modos de produo textual , a autoridade monofnica
questionada. O antroplogo no se encontra mais numa situao
privilegiada em relao produo do conhecimento. Sobre a autoridade
etnogrfica ele. est numa situao justaposta. O leitor, por sua vez,
participante ativo na construo do sentido do texto.
Iluminando reflexes a respeito da dimenso poltica e da critica
cultural, Rabinow considera que a perspectiva poltica presena
marcante nos textos ps-modernos, porm em sua maioria, as questes
polticas so sugeridas (crticas ao colonialismo).O que se expressa a
poltica textual dos estilos e opes textuais. Nesse sentido, a sua
crtica de que a discusso textual nunca vai se sustentar por si s, -
ela deveria estar aliada a uma anlise que tentasse localizar
autores em instituies, textos e instituies num campo epistemolgico
e de poder, com estratgias prprias e marcados historicamente.
Deveria, ainda, analisar as relaes de poder, que definem enunciados
aceitos como verdadeiros, em cada momento. Mais ainda, deveria
incorporar uma anlise sociolgica, estabelecendo as mediaes entre as
crticas, o colonialismo e os experimentos textuais. Deste modo,
chama a ateno para o questionamento da academia americana e seus
jogos de poder (Rabinow,1991).
Alm das reflexes quanto s condies de produo de conhecimento, o
que se vislumbra a realizao da crtica cultural. Enquanto a
antropologia realizada nas metrpoles se v malograda quanto ao
projeto de crtica cultural, as antropologias nativas, tendo um
"outro" que faz parte da prpria cultura do investigador, so
inevitavelmente conduzidas a pensar criticamente sobre a relao com
ele e o seu lugar na sociedade.
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As referncias ps - modernas e as prprias especificidades do
"outro" na sociedade brasileira tm proporcionado reflexes
significativas a respeito do trabalho de campo na relao
pesquisador/ pesquisado, da passagem experincia / texto, do poder
cientfico e no cientfico, da troca ,dentre outras questes.
Ao nos depararmos com a crtica ps-moderma, por um lado,
importante voltar a ateno s observaes de Peirano, quando, ao se
declarar a "favor da etnografia", faz provocaes, argumentando que
toda etnografia precisa ser rica, para que possa sustentar urna
reanlise dos dados iniciais, sendo que a reanlise de um corpo
etnogrfico a prova da adequao e qualidade da etnografia (Peirano,
1991). Por outro lado, em que pesem as crticas aos ps - modernos,
preciso perceber que, esses debates contemporneos, tm possibilitado
um constante repensar sobre metodologias e teorias que fundamentam
o conhecimento antropolgico, revelando que no existe uma frmula
nica na formao acadmica, mas que estamos envolvidos em contnuas
polmicas, bem como acompanhando instituies, a produo de
conhecimentos, o envolvimento com a sociedade mais ampla. Trata-se
de percebermos a dinmica cultural nos processos de globalizao e o
modo como a antropologia vem enfrentando a problemtica da
contemporaneidade. Nesses termos, h a necessidade de se aliarem os
interesses da academia aos interesses dos grupos estudados. No
podemos negar o outro que est constantemente presente na construo
da "leitura" que fazemos de suas prticas sociais. Que "barulho"
saudvel este dos ps-modernos.
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Resumo Na construo deste ensaio, a tentativa mostrar as questes
trazidas pela psmodernidade americana, contextualizando a produo do
conhecimento antropolgico clssico, discutindo metodologias
caractersticas, como o trabalho de campo, a relao observador -
observado, a natureza das representaes etnogrficas e evidenciando a
relevncia destas nos processos de comunicao do mundo
contemporneo.
Palavras-chave: produo do conhecimento antropolgico;
ps-modernidade americana; antropologia e contemporaneidade;
trabalho de campo; representaes etllogrficas. ~.
I, - Abstract Our attempt in writing this essay is to presellt
the issues Americall post-modernity has brougth about,
contextualizillg the production of the classical allthropological
kllowledge,discussing typical methodologies,such as the field
work,the relationship observer-observed alld the nature of
ethnographical representations ,and evidencing their relevance in
the process of communication of the contemporay world.
Key-words: production of antropological knowledge; American
post-modernity; anthropology and contemporaneity; field work,
ethnographical -representations.
Deise Maia professora de Antropologia do
Departamento de Cincias Sociais da UEL
Revista Mediaes, Londrina, v.5, n.2, p.125151,jul./dez.2000
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