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APORTE FLUVIAL E DISPERSO DE MATRIA PARTICULADA EM SUSPENSO NA
ZONA COSTEIRA DO RIO SO FRANCISCO (SE/AL)
P. R. P. Medeiros1,*, B. A. Knoppers2,**, R. C. dos Santos
Jnior3,***, W.F.L. de Souza4,****
1IGEDMA/LABMAR, Universidade Federal de Alagoas, Macei
(AL)2Departamento de Geoqumica, Universidade Federal Fluminense,
Niteri (RJ)
3Programa de Ps-graduao em Geocincias CTG, Universidade Federal
de Pernambuco, Recife (PE), 4LABAI, Instituto Nacional de
Tecnologia, Rio de Janeiro (RJ),
E-mail: *[email protected], **[email protected],
***[email protected], ****[email protected]
Recebido em novembro de 2006, aprovado para publicao em junho de
2007
ABSTRACT
The So Francisco (SF) river (AB = 634.000 km2, L= 2863 km) and
its coastal zone (Lat. 10o36 S Long. 36o 23W, NE-Brazil) have been
subject to the impact by a dam cascade constructed between the
seventies and the nineties in the middle-lower sector of the basin.
This study addresses todays conditions of the river load and
behavior of suspended matter in the coastal zone, after river ow
was ultimately regulated by the damps in 1995. The study was
conducted from 11/2000 to 03/2002 and comprehended monthly
measurements of river discharge (Qr) and suspended particulate
matter (SPM) loads at the Propri gauging station downstream of the
damps (80 km from the coast), and 11 surface water sampling
transects of SPM along the estuarine mixing zone (EMZ) and the
turbidity plume on the continental shelf. Information on the
pre-dam conditions was obtained from national hydrological data
banks. River discharge (Qr) during the annual cycle was estimated
at 50,3 km3/yr (1595 m3/s), being similar to the annual average of
55,5 7,4 km3/yr (1760 235 m3/s) of the post-dam period (1995-2001)
and 44% lower than the annual average of 94,9 26,9 km3/yr (3010 850
m3/s) of the pre-dam period (1938-1973). The SPM load amounted to
2,28 x 105 t/yr and the yield 0,3 t/km2/yr, corresponding to a
reduction of 94% to pre-dam conditions. The river evolved from a
turbid to a transparent system due to material retainance by the
dam reservoirs and the basins SPM yield is now the lowest in
comparison to other Brazilian coastal rivers impacted by damps. The
lower mesohaline portion (S > 5 to < 15) of the EMZ is now
generally set at the rivers mouth and over the pro-delta shoals,
being more turbid (SPM ~ 10 to 40 mg/L) than the river itself (SM ~
5 mg/L). The impoverishment of riverine SPM in conjunction with the
gain of SM (non-conservative behavior) over the pro-delta shoals
indicates, that the coastal turbid plume of today is being fed and
maintained by resuspended matter from shallow relict muddy
sediments, deposited in earlier times, as well as, from adjacent
coastal erosion.
RESUMO
O Rio So Francisco (AB = 634.000 km2, L= 2863 km) e a sua zona
costeira (Lat. 10o36 S e Long. 36o 23W, SE/AL) vm sendo impactado
por uma cascata de barragens construdas entre as dcadas de setenta
e noventa no setor mdio-baixo da bacia. Este estudo aborda as
condies
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atuais do aporte uvial e do comportamento da matria em suspenso
na zona costeira, aps a regularizao denitiva da vazo pelas
barragens a partir de 1995. O estudo foi realizado durante o perodo
de 11/2000 a 03/2002, compreendendo medies mensais dos uxos de gua
(Qr) e a carga de material particulado em suspenso (MPS) na estao
uviomtrica de Prpria jusante s barragens (80 km da costa), e 11
campanhas de amostragens de guas superciais ao longo da zona de
mistura estuarina (ZME) e da pluma de turbidez na plataforma
continental. Informaes de dados pretritos para a interpretao dos
resultados foram obtidas atravs da anlise de dados hidrolgicos
disponveis em bancos de dados nacionais. Durante o ciclo hidrolgico
estudado, estimou-se uma vazo (Qr) de 50,3 km3/ano (1595 m3/s),
semelhante mdia anual de 55,5 7,4 km3/ano (1760 235 m3/s) do perodo
ps-barragens (1995-2001) regularizado e 44% abaixo da mdia anual de
94,9 26,9 km3/ano (3010 850 m3/s), do perodo pr-barragens
(1938-1973). A carga uvial atual de MPS foi 2,28 x 105 t/ano e a
descarga especca 0,2 t/km2/ano, representando uma reduo de 94% em
comparao a 1970. O rio transformou-se de um sistema de alta
turbidez transparente, devido reteno de matria nos reservatrios ao
longo da cascata. A poro mesohalina da ZME oscila atualmente sobre
o pro-delta e possui maior turbidez (MPS ~ 20 - 40 mg/L) que o
prprio rio (MPS ~ 5 mg/L). O empobrecimento de MPS do rio junto com
o ganho de MPS (comportamento no-conservativo) sobre o pr-delta
indica, que a pluma de turbidez esta atualmente sendo sustentada
por processos de re-suspenso de matria dos sedimentos depositados
anterior construo das barragens e da eroso costeira adjacente.
INTRODUO
O transporte de sedimentos dos continentes para os oceanos
atravs dos rios uma caracterstica fundamental da geologia e
biogeoqumica de nosso planeta. Segundo Milliman (1991), os rios
contribuem com aproximadamente 70% do aporte total mundial de
sedimentos para o oceano. Estimativas dos uxos globais de
sedimentos so da ordem de 18 x 109 t/ano. Englobam a contribuio
atravs dos grandes rios mundiais mais estudados, como tambm, de
extrapolaes das descargas especcas de gua e sedimento de modelos
regionais para a maioria dos 20.000 rios de mdio e pequeno porte
(Milliman & Syvitsky, 1992; Vrsmarty et al., 1997; Hay, 1998).
No entanto, a estimativa da magnitude da contribuio desse
transporte global atravs dos rios de mdio e pequeno porte matria
controversa, devido falta de estudos de monitoramento locais e
regionais mais consistentes e sobre a natureza dos impactos
antrpicos que afetam a descarga especca de sedimentos, tal como o
desmatamento, a eroso, a agricultura e a construo de barragens
(Vrsmarty et al., 1997; Meybeck, 2001).
A discusso sobre o impacto de barragens de preocupao
internacional (WCD, 2000; Vrsmarty et al., 2003) e nacional
(Tundisi et al., 1998; Straskaba e Tundisi; 2000; Medeiros, 2003;
Souza e Knoppers, 2003; Souza et al. 2003; http://www.ana.gov.br).
Barragens e seus reservatrios alteram a carga anual e a pulsao
natural do aporte uvial de gua e matria zona costeira. Os impactos
destas alteraes zona costeira dependem da interao entre inmeros
fatores, tal como o gerenciamento operacional das barragens em funo
da demanda dos seus servios sociedade (energia, irrigao, controle
de cheias), do potencial de reteno e transformao de matria em funo
da idade e do tempo de residncia das guas dos reservatrios, como
tambm da recarga de gua e matria entre o trecho jusante das
barragens costa (Vrsmarty et al., 2003).
Este estudo aborda o impacto de barragens construdas no setor
mdio-baixo e semi-rido da bacia hidrogrca do rio So Francisco sobre
a carga fluvial e o comportamento de material particulado em
suspenso na sua zona costeira. Representa um estudo de caso de um
rio de mdio a grande
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da parte sul da regio, constituindo-se de tabuleiros. No delta e
na base dos tabuleiros, encontram-se terraos marinhos
Pleistocnicos, e para o norte e nordeste tabuleiros tercirios da
Formao Barreiras. A plancie fluvio-marinha ocorre desde Penedo (AL)
at o litoral, constituda de superfcies planas, praticamente sem
desnveis acentuados, formados por sedimentos recentes, aluvionares,
elicos e praiais. Dunas elicas caracterizam grande parte do litoral
((Braz lho, 1980; Dominguez, 1996; Figura 3).
A Plataforma Continental do Rio So Francisco bastante estreita,
variando entre 20 km a 50 km de largura, e a quebra da plataforma
ocorre em profundidades de 40 a 80 m (Knoppers et al., 1999). A
regio costeira dominada por mesomars do tipo semi-diurno com mars
de sizgia atingindo 2,6 m. O regime de ondas de alta energia,
predominando do NE e E em janeiro a maio (vero-outono) e setembro a
novembro (primavera), e ondas de SE ocorrem de maro a agosto
(Dominguez, 1996). guas Tropicais de Superfcie (ATS) da Corrente
Sul Equatorial (CSE) predominam sobre a plataforma continental
(Peterson & Stramma, 1991) e inuenciam diretamente as guas
costeiras (Medeiros, 2003).
A profundidade da regio estuarina do rio So Francisco varivel,
chegando a atingir aproximadamente 14 m prximos foz. O pr-delta do
rio So Francisco localizado entre 0,5 a 2,5 km da foz,
caracterizado por uma forte zona de arrebentao, com ondas altas e
bancos de areia submersos, parte dos quais cam expostos em
baixa-mar (Figura 4).
MATERIAIS E MTODOS
AMBIENTE FLUVIALOs estudos para medio de uxo de
gua e material particulado em suspenso (MPS) foram concentrados
no trecho prximo a uma ponte rodo-ferroviria entre as cidades de
Propri (SE) e Porto Real do Colgio
porte com relevncia regional ecolgica, econmica e social, sendo
utilizado para gerao de energia hidroeltrica, irrigao, navegao,
suprimento de gua, pesca e aqicultura (Marques et al. 2004;
http://www.ana.gov.br). Apresenta um cenrio especco, cujo impacto
antrpico principal gerado por barragens sem potencial natural e
cultural relevante de recarga de gua e matria no trecho jusante das
barragens at a costa. Alm disso, este tipo de sistema tem recebido
pouca ateno quanto a estimativas de seu aporte uvial de material
particulado em suspenso zona costeira. Embora existam registros de
vazo ao longo de seu percurso desde 1936, monitorados pelas
entidades nacionais DNAEE, ANEEL e ANA (veja Programa HydroWeb,
http://www.ana.gov.br), as medidas do material particulado em
suspenso (MPS) no baixo So Francisco so escassas (Milliman, 1975;
Santos, 1993; Lima et al., 2001).
REA DE ESTUDO
O rio So Francisco nasce no estado de Minas Gerais em 1.800 m de
altitude, sua extenso 2.863 km, e possui uma rea de 639.219 km2,
correspondendo a 7,5% do territrio nacional. Desemboca no Oceano
Atlntico Sul na regio Nordeste, na divisa dos Estados de Sergipe e
Alagoas (Lat. 10o36 S e Long. 36o 23W, Figura 1).
Divide-se siogracamente nos setores do Alto, Mdio, Sub-mdio e
Baixo So Francisco (SF, Figura 2) e atravessa vrios domnios
climticos, com clima tropical mido do tipo Kppen Aw no Alto SF, do
tipo Aw a BShw no Mdio SF, to tipo semi-rido BShw no Sub-Mdio SF,
onde se localiza a cascata de barragens, e do tipo AS, quente e
mido, no Baixo-SF ou seja a zona costeira (Bernardes, 1951).
A zona costeira e o delta do Rio So Francisco (A = 800 km2) so
formados pelo Cretceo, Tercirio (Formao Barreiras) e Quaternrio
(aluvies e dunas). A Formao Barreiras integra a maior parte dos
sedimentos
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Figura 1: Localizao da Bacia do Rio So Francisco no Brasil,
trecho do rio na estao uviomrtica em Propri (80 km da costa) e a
sua Zona Costeira.
Pntanos Mangues Depsitos fluviais holocnicos Cristas praiais
holocnicas Dunas ativas holocnicas Dunas inativas holocnicas
Cristas praiais pleistocnicas Leques aluviais pleistocnicos
Cnion do So Francisco
Formao Barreiras
Figura 2: A Bacia hidrogrca do So Francisco e suas subdivises
siogrcas (http://www.ana.gov.br).
Figura 3: Mapa geomorfolgico: sedimentolgico da foz do rio So
Francisco. Fonte: Dominguez (1996) modicado.
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onde, Q corresponde a vazo do rio em m3/s, A a rea da seo
transversal do rio e F o uxo do rio em m/s, medido por meio de
correntmetria.
A rea foi calculada com medies da largura e profundidade de um
trecho do rio com seo transversal mais homognea possvel. Para o
espaamento das verticais (profundidades e fluxos medidos) adotou-se
o posicionamento dos pilares/vos da ponte, para uma melhor
reprodutibilidade entre as campanhas de calibrao. As medies foram
efetuadas em verticais escolhidas em funo da forma da seco e da
distribuio das velocidades (Garcez, 1967; Lind, 1985). As medies
verticais foram executadas em 19 pontos ao longo do eixo
transversal da
(AL) (Figura 1). Antes e durante as coletas do monitoramento
mensal, foram realizadas trs campanhas de calibrao no local. Estas
calibraes tiveram como objetivo comparar as vazes momentneas
medidas com as fornecidas pela CHESF (Companhia Hidreltrica do So
Francisco) e a ANEEL (Agncia Nacional de Energia Eltrica), alm de
identicar a contribuio das diferentes sees transversais do rio, na
composio total da vazo e carga de MPS.
Os pers verticais de correntes foram realizados com correntmetro
do tipo DIGCARTRAN com hlice de SAVAN, acoplado a um guincho.
Executaram-se medies de velocidade na superfcie, 20%, 40%, 60%, 80%
da profundidade total e 1 m acima do fundo. As profundidades ao
longo da seo transversal do rio foram determinadas por um
ecobatmetro do tipo EAGLE SUPRAPRO I. D. (Massman-Oliveira,
2002).
De uma forma genrica, a vazo foi calculada atravs da seguinte
equao:
Q = A x F Eq. 1
Figura 4: Batimetria da foz do rio So Francisco e do pr-delta.
Fonte: Dominguez (1996) modicado.
ponte. Aps anlise dos uxos momentneos e integrao vertical de
cada ponto, foram identificados 4 setores principais com diferentes
contribuies na vazo total, os resultados das calibraes com os
coecientes da vazo da contribuio vazo total de cada setor esto
apresentados na Tabela 1.
Os coecientes da vazo, que descrevem a frao da contribuio de
cada setor na vazo total (Figura 5), demonstram que o setor I
responde por aproximadamente 50% da vazo total e os setores II, III
e IV em torno de 30%, 15% e 5% da vazo total.
Data SetoresI* II** III*** IV****
24/03/02 0,51 0,25 0,17 0,0629/06/00 0,44 0,31 0,20 0,0621/04/00
0,50 0,31 0,15 0,05*VG VP 1, ** VP 1 VP7 7, *** VP 7 VP11 e ****
VP11 VP 18
Tabela 1: Coecientes da vazo da contribuio vazo total nos quatro
setores do perl transversal do rio So Francisco obtidos nas trs
calibraes. VG = Vo Grande do rio correspondente ao setor do canal
principal e VP = Vo Pequeno dos demais setores. Maiores informaes
em Medeiros (2003).
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O monitoramento mensal do ciclo anual deste estudo foi executado
perante medies em 4 pontos posicionados nos setores
estabelecidos.
Quando comparadas s vazes da Usina Hidroeltrica (UHE) Xing, da
estao uviomtrica de Propri (ANEEL), com os valores de vazes obtidas
nas calibraes, observa-se nas trs calibraes executadas diferenas da
ordem de 5 a 10% (Tabela 2). As diferenas existentes se mantm
dentro da margem de erro assumido na determinao da vazo (15%) em
funo da variabilidade horria e diurna das vazes deuentes da UHE
Xing com desvio padro na ordem de 200 a 300 m3/s (Tabela 2).
Ressalta-se a
Figura 5: Setores individualizados a partir das 3 calibraes
realizadas, adotados para as medies mensais do uxo de gua e a carga
de material particulado em suspenso (MPS).
Propri CHESF
Calibrao Estao ANEEL Vazo Diria
Data Vazo (m3/s) Data Vazo (m3/s)
20/04/2000 1978 275 21/04/2000 1807 1965
21/04/2000 1635 222 28/06/2000 1937 340
29/06/2000 1759 185629/06/2000 1960 229
24/03/2002 1658 1303 17-18/03/2002 1292 121
Tabela 2: Comparao das vazes obtidas pela calibrao, da estao
uviomtrica de Propri (ANEEL) e da UHE Xing (CHESF).
impossibilidade de uma comparao mais precisa destas vazes da
ANEEL e da CHESF pelas diferentes metodologias relacionadas ao
nmero e o horrio de leituras durante o dia de cada entidade. As
medies do monitoramento mensal foram executadas entre 09:00 e 12:00
h do dia.
A grande aproximao entre as medies de vazo da CHESF e da ANEEL
evidenciada atravs da anlise de correlao entre as estaes. A Figura
6 apresenta regresso linear pelo mtodo estatstico de Pearson,
utilizando as mdias mensais das vazes do perodo de Janeiro de 1999
a Dezembro de 2001, que atinge um coeciente de correlao de R2 =
0,9885 (n = 36), com
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o somatrio dos 4 setores, chegando-se dessa forma no uxo total
da transversal. Uma vez determinado o uxo momentneo do material
particulado em suspenso m, estimaram-se as cargas dirias do MPS,
segundo Qm = 0,0864 Fm, aonde Qm a carga diria expressa em
toneladas. A carga total mensal foi obtida pela multiplicao da
carga diria Qm pelo nmero de dias do ms em questo entre as
amostragens.
O monitoramento mensal compreendeu o perodo entre 11/2000 a
03/2002. As amostras foram coletadas com garrafa de coleta tipo Van
Dorn de acrlico, em sub-superfcie, em torno de 20 cm abaixo da
linha de gua. Aps a coleta, as amostras foram armazenadas em
frascos plsticos com volume de 5L, acondicionadas em caixa isopor e
transportadas refrigeradas sob gelo. A matria em suspenso foi
ltrada atravs de ltros tipo Whatman GF/F com dimetro de 47 mm e
porosidade ao redor de 0,7 m. O peso do material em suspenso foi
determinado no Laboratrio de Hidroqumica do LABMAR/ UFAL segundo
Strickland & Parsons (1972), com balana Sartorius (0,1 mg).
Antes da pesagem inicial, os ltros vazios foram pr-lavados com
gua
relao altamente signicativa (p < 0.001). Essa relao indica
que as vazes medidas pela CHESF podem ser utilizadas para a estaao
uviomtrica de Propri, quando no foram disponiveis as vazes da
ANEEL.
O uxo de material em suspenso foi determinado usando-se vazes
fornecidas pela CHESF e os coecientes de vazo estimados nas
calibraes, conforme o descrito pela expresso abaixo.
Eq. 2
onde, Fm o uxo momentneo do material em suspenso, Q a vazo m3/s,
e ai e Ci representam o coeficiente da vazo nos setores i de 1 at N
(ou seja I a IV), e Ci a concentrao do material particulado em
suspenso m nos setores i de 1 a N (ou seja I a IV).
As calibraes serviram para a reduo do nmero de amostras
transversais coletadas durante o monitoramento mensal. Devido s
diferenas das contribuies anteriormente determinadas de cada setor
na vazo e, conseqentemente, no fluxo, a vazo foi ponderada entre os
4 setores. Aps a obteno do uxo ponderado de cada setor,
realizou-se
Propri = 0,9454 x CHESF + 82,593R2 = 0,9885
0
500
1000
1500
2000
2500
0 500 1000 1500 2000 2500CHESF (m3/s)
Pro
pri
(m3 /
s)
Figura 6: Correlao entre as vazes da estao uviomtrica de Propri
e da UHE Xing (CHESF). Janeiro de 1999 a dezembro de 2001.
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abaixo da linha de gua. Os procedimentos de transporte e
preservao das amostras foram os mesmos utilizados no ambiente
uvial. O perodo amostrado foi de novembro de 2000 a janeiro de
2002, totalizando 11 campanhas nas datas de 12/11 e 19/11/2000,
10/02, 21/03, 24/04, 25/05, 17/06, 22/08, 19/09 e 10/11/2001, e
25/01/2002, e 143 estaes amostradas (Figura 7).
O comportamento do mater ia l particulado em suspenso durante a
mistura estuarina foi determinado a partir da anlise de diagramas
de mistura plotando as concentraes de MPS contra a salinidade, como
tambm, das concentraes contra a distncia da foz, com o intuito de
detectar as regies de ganho e perda do MPS ao longo do eixo
principal do esturio e da disperso da pluma de turbidez, conforme a
abordagem descrita em Burton & Liss (1976). Mudanas das
concentraes que ocorrem proporcionalmente linha de diluio ideal
entre as guas fluviais e marinhas representam comportamento
conservador e que ocorrem desproporcionalmente a linha ideal de
diluio, com um ganho ou uma perda de MPS, respectivamente,
representam comportamento no-conservador.
RESULTADOS E DISCUSSO
AMBIENTE FLUVIALVazes
Segundo Hopkinson & Valino (1995), as atividades
antropognicas nos rios e bacias hidrogrficas alteram a durao, a
magnitude e a natureza dos materiais transportados. Dentre as
atividades que tm efeitos pronunciados em ambientes uviais
destaca-se a construo de barragens (Halim, 1991). Uma das modicaes
mais notveis da construo de barragens em rios a modulao ou
regularizao total da vazo, objetivando um suprimento de gua
relativamente constante, necessrio gerao da energia hidroeltrica
conforme a demanda. Essa regularizao provoca grande reduo na
variabilidade da vazo natural, causando severos efeitos sobre a
pulsao natural dos
destilada, secos em estufa 60oC por 6 horas e armazenados dentro
de placas de Petri em dessecador com slica gel. Antes da pesagem
inicial, quatro ltros foram escolhidos como brancos. A pesagem dos
ltros vazios iniciais e os nais correspondentes com MPS, foi
executada em etapas com baterias de dez ltros, iniciando e
terminando cada etapa com a pesagem dos brancos. Este procedimento
foi adotado para correo de eventuais mudanas de umidade dos ltros
que possam ocorrer durante a pesagem. A variabilidade do peso dos
brancos entre as baterias foi < 3%.
Dados pretritos da vazo foram obtidas do banco de dados da ANEEL
e processados atravs do programa HydroWeb da ANA
(http://www.ana.gov.br), que permite o clculo instantneo, dirio,
mensal, anual e interanual das vazes. Neste trabalho foram
acessadas as informaes das estaes uviomtricas de Traip (ANEEL cdigo
49660000), localizada 120 km a montante da foz, e de Propri (ANEEL
cdigo 49705000), localizada 80 km da foz, sendo a ltima, a estao do
monitoramento mensal deste estudo. A estao Traip possui registros
contnuos da vazo desde 1936, permitindo uma anlise das condies
antes da construo das barragens at o atual, e a de Prpria desde
1977, que incorpora os estgios iniciais, intermedirios e atuais da
operao das barragens (http://www.ana.gov.br). Ambas as estaes so
compatveis quanto s vazes a partir de 1977 at o atual.
AMBIENTE ESTUARINOAs coletas das amostras no ambiente
estuarino e na pluma costeira de turbidez foram realizadas em
diversos pontos ao longo de pers horizontais incorporaram o trecho
desde 15 km a montante da desembocadura do rio at no mximo 30 km a
jusante sobre a plataforma continental. Os pers foram posicionados
oblquos em relao costa, no sentido norte-sul, correspondendo direo
predominante de deslocamento da pluma de turbidez. As amostras
foram coletadas com garrafa tipo Van Dorn de acrlico 5 L, em
sub-superfcie, em torno de 20 centmetros
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Figura 7: Estaes amostradas (n = 143) nas onze pernadas
realizadas a partir do rio 15 km a montante da foz e na rea
principal de disperso da pluma de turbidez at aproximadamente 20 km
a juzante da foz. Pontos pretos: Estaes coletadas entre Novembro de
2000 a Junho de 2001; Pontos claros: Estaes coletadas entre Agosto
de 2001 a Janeiro de 2002.
fluviomtrica de Traip (AL), localizada em torno de 40 km acima
de Propri (SE). Aps a concluso da construo da Usina hidroeltrica do
Xingo em 1994, a vazo foi denitivamente regularizada, suavizando a
variabilidade sazonal e interanual das vazes do rio a costa.
A variabilidade hidrolgica, associada ao perodo de implementao
dessas usinas hidroeltricas, permitiu a decomposio da srie temporal
da vazo interanual em quatro estgios em funo da implementao e do
impacto de diversas barragens: a) o primeiro estgio entre
1938-1973, abrangeu a construo da UHE de Trs Marias na regio do
Alto SF, que essencialmente no afetou de forma signicativa
variabilidade temporal e a magnitude da vazo do Mdio-Baixo SF,
forantes fsicos do ecossistema. De uma maneira geral, direta ou
indiretamente, a regularizao da vazo a maior responsvel pela
alterao do balano hdrico e sedimentar do ecossistema. A reduo na
hidrodinmica induz maior sedimentao do MPS dentro do rio, eroso das
suas margens e assoreamento, como tambm a eroso costeira, graas
perda do equilbrio de energia entre o rio e o mar e a perda de
reposio de sedimentos uviais na costa.
As diversas barragens em cascata construdas ao longo do tempo
desde a dcada de setenta, provocaram grandes modicaes da pulsao
natural e nas vazes interanuais do mdio-baixo e baixo Rio So
Francisco. A Figura 8 apresenta uma srie de vazes de 1938 a 2001,
registradas na estao
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Apolnio Sales(Moxot)
eSobradinho
Luiz Gonzaga(Itaparica) Xing
Figura 8: Vazes mdias dirias da estao de Traip (AL), no perodo
1938 a 2000.
onde se localiza a cascata de barragens. O potencial de recarga
de gua e matria entre o Alto e o Mdio-Baixo SF alto, compensando o
impacto de Trs Marias e eventuais perdas de MPS associadas reteno
pela barragem (Werneck et al., 2001). b) o segundo estgio definido
entre 1977-1985, incorporou o trmino das barragens de Apolnio Sales
e Sobradinho, sendo a ltima localizada a montante da cascata com
grande potencial de reteno de sedimentos no seu reservatrio. c) o
terceiro estgio de 1986-1994, incorporou a implementao das
barragens de Itaparica e Xing, ltima entrou em operao no nal de
1994. d) o quarto estgio de 1995 a atual, corresponde s condies
ps-barragens com vazo regularizada. Cabe ressaltar, que Sobradinho
corresponde a principal barragem responsvel pela modulao e/ou
regularizao da vazo do rio ao longo da cascata desde 1980 at o
atual. Nestes estgios possvel observar o decrscimo da variabilidade
interanual, assim como da magnitude da vazo mdia ao longo do tempo,
essa tendncia mostrada na Tabela 3.
Alm da reduo da variabilidade inter-anual e da magnitude da
vazo, o Rio So Francisco sofreu drstico decrscimo na variabilidade
sazonal da vazo (Figura 9). Os
picos de enchentes com vazes altas de 8000 a 15.000 m3/s, que
ocorriam naturalmente nos primeiros meses do ano (janeiro a maro)
foram notavelmente suavizados, com excees espordicas de vazes que
ultrapassaram a capacidade limite de controle das barragens, tal
como em 1985 e 1992.
Durante o perodo de estudo ocorreu uma grande estiagem no Alto
So Francisco (Figura 10). Na anlise do grco de precipitao de So
Romo (Alto So Francisco), verica-se que os ndices pluviomtricos do
ano de 2001, nos meses de recarga uvial (janeiro, fevereiro e
maro), caram abaixo da mdia climatolgica.
Esta reduo da precipitao provocou reduo da vazo do rio So
Francisco (Figura 11). A vazo mdia mensal atingiu valores abaixo
dos valores normais regularizados, fazendo com que o perodo de
estudo abrange-se um perodo atpico de vazes. A reduo da vazo
ocasionou uma crise de energia eltrica, que se intensicou no ano de
2001.
Fluxos de material particulado em suspenso
Em condies naturais, as concentraes e uxos de material em
suspenso de rios,
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Estgio Mdia Desvio Padro Mnimo Mximo(m3/s)
1938 -1973 3008 852 1768 52441977 -1985 3136 824 1916 40191986
-1994 2204 749 1498 37791995 - 2001 1758 235 1405 1980
Tabela 3: Mdia anual, desvio padro, mnimos e mximos da vazo da
estao uviomtrica de Traip dos quatro estgios hidrolgicos
identicados atravs da anlise de dados pretritos da ANEEL.
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
Jan Fev M ar Abr M ai Jun Jul Ago Set O ut Nov D ez
77-8586-9495-01
m3 /s
0
50
100
150
200
250
300
350
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Pre
cipi
ta
o (m
m) 1999
20002001Mdia Climatolgica
Figura 9: Variao das mdias mensais da vazo da estao uviomtrica
de Propri referentes aos estgios hidrolgicos identsicados.
Figura 10: Comparao da precipitao mdia mensal em So Romo, para
os anos de 1999, 2000 e 2001, com a mdia climatolgica.
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possuem relao com a vazo (Restrepo & Kjerfve, 2001). O
aumento da vazo intensica a velocidade do escoamento uvial, a
capacidade de transporte do rio e a lavagem das margens,
incrementando o material particulado e dissolvido transportado.
A relao da vazo com o material em suspenso no Rio So Francisco
foi praticamente inexistente durante o perodo de estudo. O valor do
coeficiente de determinao encontrado indica ausncia de correlao
significativa (p < 0,05), quando se compara vazo e o uxo de MPS
(R2=0,1596). O desacoplamento da relao entre a concentrao de MPS e
vazo, tambm pode ser evidenciado pela disperso entre as variveis
expressos na Figura 12.
Os fluxos de MPS do perodo de m o n i t o r a m e n t o a p r e
s e n t a r a m u m comportamento que reete a operao da UHE Xing,
nos estgios pr-crise de energia eltrica, crise de energia eltrica e
recuperao da crise do nvel de gua dos reservatrios. Esse manejo da
vazo impediu uma clara relao entre a vazo e MPS, impossibilitando a
criao de uma curva chave com estas duas componentes.
Devido abordagem utilizada neste trabalho, e principalmente ao
perodo atpico que ocorreu durante o estudo, no foi possvel
diferenciar quantitativamente os mecanismos que atuaram na dinmica
do MPS, pela ausncia de informaes sobre o potencial da recarga de
MPS ao longo da cascata e as mudanas ocorridas na dinmica e reteno
de MPS nos reservatrios. de conhecimento geral, que a produo de
sedimentos por uma bacia hidrogrca inuenciada, por diversos
fatores, tanto naturais, quanto antropognicos. Dentre os fatores
naturais destacam-se clima, geologia, relevo e rea da bacia.
Diversas aes antropognicas alteram o padro natural da produo de
sedimentos, algumas incrementam a produo de sedimentos, tal como o
desmatamento, intensicando a eroso, e outras provocam sua reduo,
tal como a construo de barragens, que retm e diminuem a capacidade
de transporte de sedimentos pelos rios (Holeman, 1965; Halim, 1991;
WCD, 2000; Straskraba & Tundisi, 2000; Vorosmarty et al.,
2003).
Os fluxos mdios anuais do MPS (Figura 13) tiveram valores em
torno de 22.000 t/ms. O valor mnimo de fluxo ocorreu no ms de
outubro (perodo de crise) de 2001, cando em torno de 8000
Figura 11: Comparao das vazes mdias mensais da estao de Propri
para o perodo de estudo, fornecidas pela ANEEL.
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Figura 12: Disperso da concentrao de material particulado em
suspenso (MPS) em relao vazo momentnea.
eltrica se estabeleceu, criando um novo estgio de baixos fluxos
e vazes, at dezembro de 2001.
No perodo de recuperao, janeiro a maro de 2002, os fluxos de MPS
elevam-se a nveis superiores ao perodo de pr-crise. Esse
comportamento deve-se, provavelmente, a uma combinao de fatores,
tal como a diminuio do tempo de residncia das guas e re-suspenso do
MPS nos reservatrios, e a lavagem e/ou eroso da calha do rio a
jusante da UHE Xing devido ao aumento da vazo.
t/ ms. Os fluxos de MPS apresentaram, ao longo do perodo de
amostragem, um comportamento que reete a operao da UHE Xing, nos
estgios de pr-crise de energia eltrica, crise de energia eltrica e
recuperao dos reservatrios. No estgio de pr-crise de energia
eltrica, os uxos de MPS apresentam um comportamento crescente, com
um mximo em abril de 2001 (41.460 t/ms), devido as maiores vazes
necessrias a gerao de energia. A partir de maio de 2001 (26.381
t/ms), quando os reservatrios comearam a apresentar nveis crticos,
a crise de energia
Figura 13: Cargas mensais de material particulado em suspenso
(MPS) e mdia do perodo estudado na estao uviomtrica de Prpria.
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Com relao carga anual de MPS (Tabela 4), esta sofreu forte reduo
ao longo do tempo, desde as medies de Milliman (1975), Santos
(1985) e da ANEEL (Werneck et al., 2001). Quando se compara o
resultado encontrado de 228 x 103 t/ano de MPS do ano hidrolgico de
11/2000 a 10/2001 com os resultados de 1970 e 1984-1985 (Tabela 4),
obtm-se uma reduo total de 94% da carga de MPS entre as condies pr-
e ps-barragens. Mesmo quando se analisa a carga de MPS de todo o
perodo de estudo (17 meses), em torno de 371 x 103 t, incluindo
desta forma o perodo de recuperao da crise energtica, o valor ainda
permanece bastante abaixo dos dados pretritos.
Os uxos expressam muito mais as variaes da vazo do que a
distribuio da determinada MPS. No entanto, quando se utiliza
descarga especca, obtida atravs do quociente da carga anual total
de sedimentos normalizada pela rea de drenagem, torna-se possvel
comparao do rendimento com outros rios de pequeno e mdio porte,
conforme as informaes compiladas na Tabela 5. O Rio So Francisco
apresenta descarga especca de sedimentos abaixo aos demais rios
listados na Tabela 5, embora apresente uma das maiores bacias dos
rios de mdio porte e elevada descarga anual de gua, mesmo no ano
atpico estudado. Bastante signicativo foi que no perodo estudado a
vazo reduziu-se em torno de 44% quando comparado ao perodo
pr-barragens, enquanto que a descarga especca de sedimentos
reduziu-se para ~94%. A baixa carga sedimentar medida no baixo So
Francisco a jusante das barragens, deve-se pela reteno de MPS nos
reservatrios ao longo da cascata e pelo baixo potencial de recarga
de gua e MPS dos rios auentes intermitentes, que atinge na mdia
anual em torno de 5% (Medeiros, 2003).
AMBIENTE ESTUARINO E MARINHOComportamento do material
particulado em suspenso
O transporte do MPS, ao longo do gradiente estuarino e sobre a
plataforma
continental, sofre diversas etapas de transformao, disperso e
deposio (Wright e Nittrouer, 1995). Dentre os fatores que controlam
a distribuio do MPS em guas estuarinas, destaca-se a concentrao na
fonte uvial e marinha e a interao entre as massas de gua destas
fontes (Head, 1985). De uma maneira geral, ocorre uma concentrao
mais elevada de material em suspenso na fonte uvial em relao fonte
marinha, uma vez que os rios so a principal via de transporte do
material intemperizado dos continentes em direo ao oceano (Milliman
e Meade, 1983).
Entretanto, a reteno de MPS nos reservatrios das barragens,
transformou o Baixo So Francisco e o seu esturio de um sistema de
alta turbidez transparente, com caractersticas que se assemelham as
guas da margem externa da sua pluma costeira e fonte marinha
(Medeiros, 2003). Neste estudo, as concentraes de MPS da fonte
uvial variaram de 3 a 10 mg/L e na margem da pluma de turbidez e
fonte marinha de 0,7 a 4 mg/L. Estas pequenas diferenas corroboram
as condies atuais de empobrecimento de MPS da fonte uvial, quando
comparados aos gradientes uviais-marinhos de outros rios da costa
Leste do Brasil (Carneiro, 1988; Souza e Knoppers, 2003).
Embora as concentraes e a carga fluvial de MPS do Rio So
Francisco diminuram, observa-se ainda uma pluma de turbidez
expressiva, que se dispersa oblquo costa em direo Sudoeste e Sul
sobre a plataforma continental (Medeiros, 2003). Este fato implica,
que a pluma de turbidez
Ciclo Anual Carga de
MPS Fonte(t/ano)
2000-2001 2,28 x 105 Estudo atual 1984-1985 21 x 105 Santos
(1993)
1970 69 x 105 Milliman (1975)
Tabela 4: Comparao das cargas atuais e pretritas de material
particulado em suspenso (MPS) zona costeira do Rio So Francisco de
estudos publicados.
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Rios reaDrenagem Descarga
guaDescargaSedimento
Descargaespecfica
(103 km2) (km3 a-1) (106 t a-1) (t km2 a-1)Rio So Francisco (1)
640 50 0,23 0,36Rio So Francisco (2) 640 97 6,0 9,0Paraba do Sul
(Brasil) 55 28 0,6 11Rio Doce (Brasil) 90 20 4 44Chira (Peru) 20 5
75 3750Daling (China) 20 1 36 1800Purari (N. Guin) 31 77 80
2580Haiho (China) 50 2 81 1620Fly (N. Guin) 61 77 30 61Mehandi
(India) 130 67 2 15Liaohe (China) 170 6 41 241Rufuji (Tanznia) 180
9 17 94Yana (Eurasia) 220 29 3 14Godavari (India) 310 84 96
310Indigirka (Eursia) 360 55 14 39Limpopo (Moambique) 410 5 33
80Kolyma (Eurasia) 640 71 6 9Chiang-Jiang (China) 770 49 1080
1400Orange (frica do Sul) 1020 11 17 17Murray (Austrlia) 1060 22 30
28
Tabela 5: rea de drenagem, descarga de gua, descarga de
sedimento e descarga especca para diversos rios tropicais e
sub-tropicais do mundo (Milliman & Meade, 1983) e do Brasil
(Carneiro,1998; Souza e Knoppers, 2003). (1) Referente ao ano
hidrolgico estudado (2) Referente a Milliman (1975).
atual esta sendo sustendada por outras fontes de matria, alm do
aporte fluvial. Uma destas fontes a eroso e resuspenso de matria
oriunda dos depsitos de sedimentos finos do pr-delta, localizados
prximos e afora da zona de arrebentao. Indcios destes processos
podem ser observados na Figura 14, que apresenta as relaes entre as
concentraes de MPS e a salinidade (Figuras 14A e 14B) e a distncia
(Figura 15A e 15B), para as campanhas dos perodos de novembro 2000
a junho 2001 (perodo de pr-crise at crise de energia eltrica) e
agosto 2001 a janeiro 2002 (perodo da crise at a recuperao da
vazo), respectivamente. Em todas as ocasies do estudo, a MPS exibiu
um comportamento no- conservador com ganho expressivo em relao
salinidade na poro da zona de mistura estuarina mesohalina de S
> 5 e < 20, localizada entre a foz at 8 km afora. Nesta faixa
estreita do pr-delta, detectou-se um incremento de MPS de 10 a 40
mg/L aos teores da fontes uvial. O
regime de alta energia de ondas e a pulsao da mesomar
semi-diurna representam os principias processos que promovem a
eroso costeira (Dominguez, 1996) e processos de resuspenso do fundo
em reas rasas da regio (Knoppers et al., 1999).
Aps a regio de ganho de MPS, as concentraes diminuem claramente
de forma exponencial em direo Sudoeste-Sul. Neste setor
intermedirio da pluma de turbidez, entre aproximadamente 8 e 20 km
da foz, predominam os processos de disperso e sedimentao gradativa
da MPS ao fundo e na margem da pluma a diluio pelas guas tropicais
de superfcie (ATS) da Corrente Sul Equatorial (CSE) (Figura 15).
Embora a maioria das campanhas de amostragem evidenciaram o padro
unimodal de distribuio de MPS ao longo da pluma, foram observadas
diversas anomalias no perodo de agosto 2001 a janeiro 2002,
caracterizadas por uma maior extenso de
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Figura 14: Relao entre a concentrao de material particulado em
suspenso (MPS) de superfcie e a salinidade (S) do esturio e da
pluma costeira do Rio So Francisco nos perodos de 11/2000 06/2001
(A) e 08/2001 01/2002 (B), respectivamente.
Figura 15: Relao entre a concentrao de material particulado e
suspenso (MPS) de superfcie e a distncia (km) da foz do esturio e
da pluma costeira do Rio So Francisco nos perodos de 11/2000
06/2001 (A) e 08/2001 01/2002 (B), respectivamente.
concentraes elevadas de MPS na zona costeira. Quanto ao ms de
setembro 2001, as maiores concentraes corresponderam s estaes de
coleta localizadas prximas e paralelamente costa, enquanto o ms de
janeiro 2002 j representou o perodo de recuperao da vazo aps a
crise de energia eltrica, que acarretou um aumento da carga uvial
de MPS.
A Figura 16 apresenta um exemplo de uma imagem LANDSAT 7 TM e a
Figura 17 a distribuio de MPS desta imagem atravs de calibrao In
Situ, conforme procedimentos descritos em Lorenzzetti et al.
(2003). As imagens corroboram os resultados obtidos sobre o
comportamento da MPS, apresentando menores concentraes no esturio
interno,
o incremento de MPS ao redor da zona de arrebentao e a disperso
e diminuio de MPS at a margem da pluma de turbidez. Dessa forma,
cam evidentes os processos turbulentos que ocasionam a re-suspenso
de material do fundo, devido interao entre o regime de ondas e a
baixa profundidade da zona costeira.
A anlise dos diagramas de mistura e imagens de satlite,
possibilitaram a construo de um modelo conceitual (Figura 18), que
integra e sintetiza os principais processos responsveis pela
concentrao de material na regio estuarina. Destacam-se os processos
de processos de resuspenso como tambm a eroso costeira adjacente
que adicionam material em suspenso ao aporte uvial do Rio So
Francisco.
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Figura 16: Imagem LANDSAT 7 TM do esturio do Rio So Francisco,
obtida em 5 de setembro de 2001 (Lorenzzetti et al., 2003).
Figura 17: Concentrao de material particulado em suspenso (g/m)
estimada pelos valores de reectncia da imagem LANDASAT 7 TM obtida
em 5 de setembro de 2001 (Knoppers et al., 2005).
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ocorrendo um ganho durante a mistura estuarina. Isso ocorreu em
razo da forte turbulncia graas elevada hidrodinmica e o regime de
alta energia de ondas desta regio. Dessa forma, a pluma de
sedimentos na foz do rio So Francisco no uma pluma uvial tpica,
constitui-se de uma pluma de re-suspenso de sedimentos de fundo do
pro-delta e da eroso costeira.
AGRADECIMENTOS
O trabalho recebeu auxlio nanceiros dos projetos GEF So
Francisco (ANA/GEF/PNUMA/OEA) e Ins t i tu to do Milnio- Esturios
(CNPq Proc. No. 420.050/2005-1), como tambm da Bolsa de
Produtividade de B. Knoppers (CNPq Proc. No. 300772/2004-1). Ao
Prof. Dr. Arno Massman-Oliveira pela realizao conjunta das
calibraes da vazo e demais discusses durante o estudo, e aos
colegas Manoel Messias dos Santos e Gergenes Hilrio Cavalcante pelo
apoio no laboratrio e nos trabalhos de campo.
CONCLUSES
O Rio So Francisco sofreu grande reduo da variabilidade
interanual da vazo ao longo do tempo, apresentando tambm reduo da
variabilidade sazonal e diminuio da magnitude da vazo.
Concomitantemente a alteraes dos padres naturais de vazo, ocorreu
grande diminuio do aporte do material em suspenso do rio So
Francisco, evidenciado pela comparao dos dados atuais com estudos
anteriores. Essas alteraes na vazo e no material particulado em
suspenso foram associadas a construes de barragens em cascata no
mdio-baixo Rio So Francisco. O Rio So Francisco apresenta
atualmente pequena descarga lquida de sedimentos devido reteno de
matria em suspenso nos reservatrios das barragens, como tambm do
baixo potencial de recarga de gua e matria em funo das condies
semi-ridas no setor mdio-baixo e baixo So Francisco.
O material em suspenso comportou-se de maneira predominante no
conservativo,
Figura 18: Modelo conceitual dos processos fsicos determinantes
no comportamento de material particulado em suspenso (MPS) na regio
estuarina do Rio so Francisco.
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sediments in coastal seas: six contrasting cases. Estuaries,
18:494-508.
(Footnotes)1To whom the correspondence should be sent:
[email protected]