12 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA MESTRADO EM HISTÓRIA MULHERES NA INDÚSTRIA FUMAGEIRA DE SÃO GONÇALO DOS CAMPOS-BAHIA: COTIDIANO E MEMÓRIAS 1950-1980 Rosana Falcão Lessa Feira de Santana-Bahia 2010
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
MESTRADO EM HISTÓRIA
MULHERES NA INDÚSTRIA FUMAGEIRA DE SÃO GONÇALO DOS
CAMPOS-BAHIA: COTIDIANO E MEMÓRIAS 1950-1980
Rosana Falcão Lessa
Feira de Santana-Bahia
2010
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
MESTRADO EM HISTÓRIA
MULHERES NA INDÚSTRIA FUMAGEIRA DE SÃO GONÇALO DOS
CAMPOS-BAHIA: COTIDIANO E MEMÓRIAS 1950-1980
Trabalho apresentado ao Programa de Mestrado da
Universidade Estadual de Feira de Santana como
requisito de obtenção do grau de Mestre.
Orientador Profº. Drº Charles d´Almeida Santana
Feira de Santana-Bahia
2010
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TERMO DE APROVAÇÃO
ROSANA FALCÃO LESSA
MULHERES NA INDÚSTRIA FUMAGEIRA DE SÃO GONÇALO DOS
CAMPOS-BAHIA: COTIDIANO E MEMÓRIAS 1950-1980
Dissertação aprovada como requisito parcial de obtenção do grau de mestra em
História no Programa de Mestrado da Universidade Estadual de Feira de
Santana- UEFS.
Feira de Santana, 14 de Julho de 2010.
_________________________________
Profº.Drº Charles d´Almeida Santana
__________________________________
Profª Drª Vilma Maria do Nascimento
___________________________________
Profª.Drª.Márcia Maria Barreiros
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“Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de
Deus em Cristo Jesus para convosco.” (1TS 5:18)
Dedico esse trabalho a Deus, a minha família,
em especial meus sobrinhos, Hosana, Marina e
Igor , tão pequenininhos, minha fonte de alegria
e motivação. Vão poder conhecer a História de
nossa amada cidade pela narrativa escrita pela
tia.
16
Recôncavo1
Se queres saber de tudo
De tudo então saberás
Sou índio de sangue latino
Sou negro dos canaviais
Eu sou da nação da cana
Da Bahia suburbana
Do samba em linhas gerais
Luz que ilumina
Iluminai
Iluminai os meus olhos
Meus olhos iluminai
Bahia de todos os santos
Dos santos de todos ais
Rio que corta a minha vida
Cortou-me pra nunca mais
Sou varanda dividida
Mourão que segura viga
Pedra que sustenta o cais
Luz que ilumina
Iluminai
Iluminai os meus olhos
Meus olhos ilumina
1 Composição: Márcio Valverde e Chico Porto
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus a oportunidade de ter certeza que cada ser humano é realmente do
tamanho de seus sonhos, pois ao conseguir realizar esse trabalho pude perceber que posso
superar barreiras que há algum tempo atrás pensava que seriam inatingíveis. A ti toda Honra e
toda glória meu Senhor por me fazer iluminada e me cercar de pessoas maravilhosas que
colaboram intensamente para realização desse sonho.
Agradeço ao Professor Rogério de Fátima que foi a primeira pessoa a acreditar em meu
talento para ser historiadora. Pelos constantes incentivos e por nunca ter desistido de mostrar-
me a capacidade de superação a cada dia. Assim como ele vibrou no momento que fui
aprovada na seleção de mestrado sei que estará muito orgulhoso por essa realização.
À mainha, Lua e Tina, meu sustentáculo, meu braço direito, meu tudo em todos os
momentos.
À Marcelo Caetano, meu noivo, pelo seu comportamento responsável e disciplinado que
me serviram de exemplo, além do carinho, paciência, atenção e amor nos momentos que
mais precisei.
À Professor Charles, meu querido orientador, pela sabedoria, paciência, simplicidade e
uma relação agradável de confiança e estímulos necessários para realização desse trabalho.
Muito obrigada!
A todos os meus colegas do Mestrado, em especial a Luis Alberto e Edicarla Marques,
pelo companheirismo, críticas e sugestões. Pela amizade e nossos momentos inesquecíveis de
descontração.
Não poderia deixar de agradecer a todos os professores do Programa de Mestrado da
UEFS, de forma especial a professora Márcia Barreiros por atentar para importância de meu
projeto, formulado na disciplina ministrada pela mesma e a possibilidade de transformar-lo
num trabalho relevante para a História de São Gonçalo dos Campos. E juntamente com
Professora Elizete pelas valiosas contribuições disponibilizadas no exame de qualificação.
Tenho enorme gratidão à Julival pela disponibilidade, comprometimento e responsabilidade
na realização de seu trabalho viabilizando, da melhor forma possível, as necessidades dos
mestrandos.
À Renato Tadeu e Sr. Otávio Fernandes por estarem sempre dispostos a me ajudar e
colocar à disposição os documentos e informações que precisei para realização do trabalho.
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E, finalmente a todas as charuteiras de São Gonçalo dos Campos que foram de grande
valia para realização desse trabalho e personagens essências na constituição da História do
município, em especial a Dona Romilda,Dona Joana Cazumbá, Dona Julinda Silva, Maria
Antônia, Antônia Célia e a todas e todos que contribuíram para realização desse trabalho.
Tenham meu eterno carinho e gratidão!!!
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RESUMO
O município de São Gonçalo dos Campos, localizado no interior da Bahia, faz parte da
região do Recôncavo na qual a cultura fumageira foi predominante até meados do século XX,
sendo que, esta foi base de todo seu desenvolvimento econômico e um dos fatores que
contribuíram para seu desmembramento de Cachoeira em 1884. Essa lavoura era
caracterizada por ser uma lavoura que utilizava poucos recursos financeiros em seus cuidados,
por isso conhecida como uma lavoura pobre, onde todos poderiam trabalhar. Proporcionando
o acesso à participação de famílias pobres inteiras em seu cultivo, tendo destaque a
participação feminina por ser uma cultura que exigia mais habilidade e paciência do que força
física. Dessa forma, pretendo dar visibilidade à condição social, étnica e econômica, legadas
às charuteiras pela história do município e a forma como a visão de mundo dessas mulheres
foi moldada a partir de seu lugar, ou não-lugar na sociedade sangonçalense.
Palavras-Chave: Gênero, trabalho feminino, representação e poder.
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ABSTRACT
The municipality of São Gonçalo dos Campos, located in Bahia, is part of the Reconcavo region in which the
tobacco culture was prevalent until the mid-twentieth century, and this was all based their economic
development and a factor contributing Waterfall to their demise in 1884. This crop was characterized as a field
that used few financial resources in their care, is commonly described as a poor farm, where everyone could
work. Providing access to participation of poor families in their entire crop, with emphasis on female
participation being a crop that required more skill and patience than physical force. Thus, I intend to give
visibility to social status, ethnic and economic legacy to the history of cigar city and how the worldview of these
women was shaped from its place, or non-place in society sangonçalense. Keywords: Gender, women's work, representation and power.
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ÍNDICE DE IMAGENS
Foto 1. Revista Flash 2004. Charuteira e Félix Menendez.......................................34
Foto 2. Jornal a Verdade 1942....................................................................................36
Foto 3. Fonte: Prefeitura Municipal de São Gonçalo dos Campos - BA, 2005.......50
Foto 4.Fonte: Hugo Carvalho, 2000............................................................................51
Foto 5. Fonte: Hugo Carvalho, 2000...........................................................................53
Foto 6.Fonte Menendez e Amerino.Embalagem dos Charutos Dona Flor..............67
Foto 7. Propaganda dos charutos artesanais na Menendez,1979.............................69
Foto 8.Cubano fazendo charutos. Fonte: Hugo Carvalho, 2000 .............................78
Foto 9.Mulheres charuteiras de São Gonçalo doas campos,2009............................78
Foto 10. Homens fazendo caixas e fiscalizando o trabalho feminino,2009..............80
Foto 11.Separação dos charutos pela tonalidade na Menendez e Amerino,2009....82
Foto 12.Conferência do peso dos charutos na Menendez e Amerino, 2009.............82
Foto.13.Anuário do Fumo,1998. .................................................................................88
Foto 14.Anuário do Fumo,1998...................................................................................88
Foto 15.Brasão encontrado na câmara de vereadores,1988.....................................91
Foto 16. Jornal O Campesino, 04/06/ 1921.................................................................93
Foto 17. Jornal A verdade, 25 /12/1937......................................................................94
Foto 18.Jornal a verdade 1945....................................................................................95
Foto 19.Ata do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Fumo,1960............110
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SUMÁRIO
Primeiras Considerações........................................................................................................12
Capítulo I: As mulheres charuteiras: no lar, nas ruas e avenidas de São Gonçalo dos
campos......................................................................................................................................26
1.1.Desmembrando os Campos da Cachoeira...........................................................................27
1.2 Ser pobre,ser negra e ser mulher em São Gonçalo dos Campos:uma incursão pelas as
hierarquias sociais.....................................................................................................................35
1.3. Maria, Antonia e Elizabete: Quem são essas mulheres?....................................................47
Capítulo II: Industrialização e Trabalho Feminino: Ruptura da tradição?.....................59
2.1. Cubanos na Cidade Jardim: uma resignificação da tradição.............................................60
2.2. “ trabalho de homem e trabalho de mulher”: representações de gênero no cotidiano da
Fábrica.......................................................................................................................................68
2.3. Entre o requinte dos charutos cubanos e a organização familiar.......................................82
Capítulo III: Lazeres e Poderes.............................................................................................87
3.1. Gênero e Poder: As Mulheres e o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do
Fumo.........................................................................................................................................88
3.2. Vozes Masculinas num Espaço Feminino ........................................................................95
3.3.Cantigas, risos e festas......................................................................................................100
Considerações finais.............................................................................................................110
Fontes.....................................................................................................................................113
Referências Bibliográficas....................................................................................................117
Anexos....................................................................................................................................123
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PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES
A vida cotidiana não está fora da história, mas no
“centro” dos acontecimentos históricos: é a verdadeira
essência da substância social. Agnes Haller
Este trabalho é uma forma de declarar meu amor por São Gonçalo dos Campos, cidade
que nasci e cresci. Escolhi escrever a minha versão da História da Cidade a partir dos
excluídos da História que são as mulheres pobres trabalhadoras da cidade. Essa é uma vontade
antiga nutrida desde os tempos de criança quando esperava na porta de casa a passagem das
funcionárias dos armazéns, que inundavam as ruas da cidade durante a semana dando beleza e
movimento às manhãs e as tardes do município. Meus olhos curiosos de criança esperavam a
passagem da última trabalhadora, sentada na porta de minha casa. Estas passavam com
enormes trouxas de fumo na cabeça, o que me inquietava e me instigava a imaginar: o que
elas faziam?Por que elas trabalhavam?Por que falavam alto nas ruas?Quem eram aquelas
mulheres e para onde iam?
Com o passar do tempo elas foram sumindo gradativamente da dinâmica cotidiana da
cidade, e foi chegado o meu momento de desvendar as experiências das mulheres pobres
trabalhadoras de São Gonçalo dos Campos.
São Gonçalo dos Campos, localizado no interior da Bahia, faz parte da região do
Recôncavo na qual a cultura fumageira foi economicamente predominante até meados do
século XX, quando seu cultivo começou a entrar em declínio. A princípio, pela diminuição de
investimentos por parte do governo e pelas intempéries climáticas que desestruturaram a
produção da região. É importante destacar que São Gonçalo dos Campos pertencia a
Cachoeira até 28 de Julho de 1884, data de sua emancipação política. Em 1920, de acordo
com recenseamento oficial, a cidade destacou-se economicamente pela produção de fumo,
que era sua atividade econômica mais relevante.
Há registros de que o município produzia o melhor fumo da Bahia e sempre teve nesse
produto sua principal fonte de riqueza, desde o período Colonial até 1959, quando seu cultivo
começou a entrar em declínio. Segundo informantes o melhor fumo estava na Zona da Mata
24
Baiana, que corresponde à zona do Recôncavo, onde se destacava São Gonçalo dos Campos,
através da marca “Exclusivo São Gonçalo” exportado pelos Pedreiras2.
A qualidade do fumo era tão reconhecida que, em 1941, o então interventor da Bahia,
Landulfo Alves, desapropriou 100 hectares de terra para atender os pequenos agricultores que
quisessem plantar o fumo, além de construir naquele campo estufas para secagem e produção
de cigarros. João Antonil, em trabalho clássico da historiografia brasileira já comentava a
predominância da cultura fumageira em Campos de Cachoeira, denominação de São Gonçalo
dos Campos quando ainda pertencia à comarca de Cachoeira.
Há pouco mais de cem anos que esta folha se começou a plantar e beneficiar na Bahia e vendo o primeiro que a plantou o lucro e boa aceitação em Lisboa animou-se a plantar mais. Até que imitado por vizinhos, que com ambição a plantaram e enviaram em maior quantidade, e depois de grande parte dos moradores dos Campos que chamam da cachoeira, e de outros do sertão da Bahia, passou pouco a pouco a ser um dos gêneros de maior estimação que hoje saem desta América meridional para o reino de Portugal e para outros reinos e repúblicas de nação estranha (ANTONIL, 1963.p.59).
Embora se deva evidenciar a qualidade e a importância do fumo para o município não
podemos esquecer que, como ressalta Valdemiro Lopes dos Santos (1990), a vulnerabilidade
da fumicultura em vários aspectos: a comercialização e beneficiamento da produção torna esta
atividade inteiramente dependente de fatores externos e a fragilidade da organização das
relações de produção faz com que o trabalhador fique sempre preso a uma cadeia de
subordinação. O fumo era cultivado sem nenhum poder de barganha e ainda sofria com a falta
de crédito por parte do governo
A possibilidade de trazer à tona o cotidiano das mulheres charuteiras desse município
baiano advém da ampliação do campo da história com o movimento de Annales, na França
em 1929, que é tido como marco simbólico de constituição de uma nova história. A revista e
o movimento fundados por Bloch e Febvre propunham uma história-problema, viabilizada
pela abertura da disciplina às temáticas e métodos das demais ciências humanas, num
constante processo de alargamento de objetos e aperfeiçoamento metodológico. A
interdisciplinaridade serviria, desde então, como base para formulação de novos problemas,
métodos e abordagens na pesquisa histórica, que estaria inscrita na vaguidão oportuna da
palavra social3.
2 O fumo da cidade esteve concentrado nas mãos de famílias tradicionais, cujos direitos passam de pai para filho, como no caso da família Pedreira. 3 CASTRO, Hebe. História Social. In Domínios da História. CARDOSO, Ciro Falmarion e VAIFANS, Ronaldo (org).Rio de Janeiro:Campus,1997.pp45.
25
Nessa perspectiva de ampliação dos objetos de estudos da história emerge a importância
de focalizar o cotidiano regional e local, pois a história regional e local dá visibilidade a
pequenos mundos, alcançando saberes e viveres populares em dimensões inatingíveis pelas
macro-abordagens, permitindo ao historiador analisar articulações cotidianas nos níveis
social, econômico, político e cultural de determinado grupo social e suas circunstâncias
ambientais e temporais, chegando a relações familiares e pessoais, segundo Erivaldo
Fagundes Neves a História Regional e Local consiste numa proposta de estudo de atividades
de um determinado grupo social historicamente constituído, conectado numa base territorial
com vínculos e atividades, como manifestações culturais, organização comunitária, práticas
econômicas, identificando-se as suas interações internas e articulações exteriores e mantendo-
se a perspectiva da totalidade histórica4.
Para Janaína Amado o estudo do regional abre novas possibilidades de análise do
nacional, aflorando o específico, o próprio, o particular. Enquanto a historiografia nacional
ressalta as semelhanças, a regional lida com as diferenças, a multiplicidade, apresentando o
contexto e o cotidiano, o ser humano historicamente determinado, fazendo a ponte entre o
indivíduo e o social5. A História Regional e Local sem perder a dimensão de totalidade,
restringe o objeto espacial de estudo, permitindo a ampliação do temporal, com a
interdisciplinaridade e universalização do conhecimento. Sendo assim, quando abordamos a
história de regiões como a cidade citada, elabora - se a história dos marginalizados, do
popular ou dos vencidos6.
Nesse sentido os estudos de Gênero efetuados nas décadas de 1970 e 1980 permitiram
acrescentar novos temas aos então chamados estudos sobre a mulher e alargar os modos
convencionais de fazer ciência, abrindo espaço para experiências pessoais e subjetivas das
mulheres. Nessa construção, gênero foi desenvolvido como uma categoria de análise, do
mesmo modo que classe social e raça, os três eixos de organização de poder na sociedade7.
Dessa maneira a historicidade do cotidiano permite focalizar as vivências das mulheres pobres
de São Gonçalo dos Campos, narradas a partir de suas próprias lembranças de um período que
a economia do município estava pautada na fumilcultura e estas mulheres formavam a mão -
de –obra predominante, segundo Elizabeth Souza Lobo a naturalização do modelo conceitual 4 NEVES, Erivaldo Fagundes. História Regional e Local: fragmentação e recomposição da história na crise da modernidade. Feira de Santana: UEFS; Salvador: Arcádia, 2002. PP 45. 5 AMADO, Janaína. História e Região reconstruindo espaço. In :Silva, Marcos(org.). República em Migalhas: História Regional e Local. Brasília CNPq: marco Zero.1990. p.11 e 12. 6 SILVA, Narciso Amâncio da. Decadência Fumageira:São Gonçalo dos Campos,1951-1976.Monografia de Especialização.Universidade Estadual de Feira de Santana,2001.p.09. 7 Scott, Joan.Gênero: uma categoria útil de análise histórica.Educação e realidade.Porto Alegre,v.16,n.2,p.5-22,1990 .
26
de trabalho ser masculino impossibilita de perceber as assimetrias de gênero no interior das
análises dos mecanismos de controle e de submissão que sempre estiveram ocultas por detrás
das formas de dominação de classe.8Nesse sentido essa mesma autora amplia o estudo sobre
trabalho feminino ao contestar a primazia explicativa clássica dos determinantes econômicos-
estruturais sobre os significados da subjetividade e da experiência. Os fenômenos sobre os
quais se apóia a análise, antes localizados na economia ou na produção, passam a ser
buscados nas diferenças e nas relações da força e de poder entre atores que são capazes de ter
iniciativa, de se ver a si mesmos, de lutar e de vivenciar o seu pertencimento a um sexo.
Elizabeth Lobo, Helena Hirata, Cristina Bruschini, entre outras questionaram as segmentações
do mercado de trabalho ao tratar as qualificações masculinas e femininas, as trajetórias
profissionais, os setores e ocupações destinados a homens e mulheres como construções
históricas, sociais culturais, dessa forma a idéia de transversalidade de gênero permite pensar
a ligação indissociável entre opressão sexual (e de classe) exploração econômica (de sexo).
Seguindo essa perspectiva, o trabalho feminino foi a base de sustentação econômica do
município no período estudado, embora essas mulheres tivessem pouca visibilidade ou
valorização, sendo reflexo de sociedade pautada em valores machistas, onde era naturalizada
a subordinação feminina econômica e socialmente. Mesmo sendo produtoras da riqueza
material da cidade a sua participação no trabalho era tida como complementar às outras etapas
envolvidas para comercialização do fumo, ou era vista como complemento da renda dos
maridos que igualmente a estas, exerciam atividades informais, conforme relata D. Ana
Regina, trabalhadora de armazém, 76 anos, moradora da Fazenda Cedro,
Meu marido trabalhava numa fazenda e a gente tudo morava lá numa casinha e pagava a moradia com trabalho da família toda. Eu acordava cedo antes de ir para o armazém ajudava meu marido e meus filhos na lida na roça. Meu marido ficou desempregado porque o dono da fazenda morreu e os filhos dividiram a herança e mandou nóis tudo ir embora de lá. Eu sustentava a casa com o dinheiro que ganhava do armazém e a gente foi morar na casa de mãe e era casa de taipa lá no cruzeiro. Foi um tempo muito difícil, José trabalhava de ajudante de pedreiro e arranjou uns bicos criando galinhas e porco para os meninos vender na feira, mas o dinheiro não dava para nada e ele se jogou na cachaça. Fiquei com tudo nas minhas costas até aposentadoria sair, demorou muito, nem gosto de me lembrar desse tempo.
Faz-se necessário pontuar que nem todas as mulheres eram casadas, casadas no sentido
de possuírem união estável, consensual com um parceiro ao longo da vida ou mesmo no
sentido tradicional, caso raro para mulheres pobres no período estudado, ter a relação
legitimada pelos meios religiosos e judiciais, sendo que a maioria das mulheres possuía
8 LOBO, Elizabeth Souza. A classe Operária tem dois sexos. São Paulo. Editora Brasiliense, 1991.p.195
27
uniões instáveis, ou segundo a fala das mesmas eram amásias, amantes, e outras inúmeras
adjetivações para mulheres que mantinham relacionamentos com vários homens e dessas
relações resultavam filhos de parceiros diferentes. Nesse sentido deve ser ressaltado que essas
assumiam a responsabilidade de criar os filhos, sozinha sem a presença dos pais para ajudá-las
nas despesas. Fica evidente em algumas falas que os homens não assumiam por alegar que os
filhos podiam ser qualquer um e, sendo estes provenientes de relações ilícitas e as mulheres
omitiam o caso por se sentirem erradas pelo comportamento não condizente com a moral
local, viam- se impossibilitadas de qualquer reivindicação.
Parte dos preconceitos que as desclassificavam socialmente provinham de valores
machistas, misóginos, entranhados no sistema escravista e moldados no menosprezo do
trabalho manual ou de qualquer ofício de subsistência. Além destes, também afetavam os
preconceitos advindos da organização da família e do sistema de herança das classes
dominantes, que as relegavam como excedentes sociais mães solteiras e concubinas, parte
integrante do próprio sistema de dominação.9
D. Joana, em relato indica que, como outras mulheres, mantiveram-se como sustentáculo
da família, ao contrário do senso comum, constituiu-se chefe –de- família no momento de
dificuldades financeiras do marido, além de contornar essas dificuldades, estava presente em
todas as atividades diárias para manter os filhos na escola, relata que: No tempo que José trabalhava na fazenda todo mundo tinha que acordar cedo para trabalhar na roça dos patrão,limpar o terreiro,cuidar das leras10,tirar leite e soltar os boi no pasto, de tardezinha os meninos ia pender os bois. Eu acordava junto, ainda tudo escuro para não deixar os meninos ir,eu ia no lugar deles, para deixar eles dormi mais um pouco para estudar.Naquele tempo era uma farda para os três o mais velho estudava de tarde, e o do meio de manhã,eles usavam a mesma farda e quando o mais novo entrou na escola ele usou essa farda também.O dinheiro não dava para comprar livro,mas fazia tudo para os meninos ir para escola,Heriquinho quando farda lascou, ficou um mês pedindo autorização para entrar na escola sem farda até receber dinheiro para comprar outra camisa.
Mulheres em sua maioria negras e pobres recebiam salários baixos, não tinham regime de
trabalho regular e acabavam legitimando a idéia que exerciam uma atividade feminina por ser
um trabalho minucioso e leve e por isso menos importante que o trabalho masculino. As
memórias de D. Antonia têm grande relevância ao retratar esse aspecto, segundo a mesma, Os homens carregam fardos e imprensam o fumo, nóis mulheres íamos destalar o fumo, lavar os galpão e costurava os sacos e tudo para o tratamento das folhas entende? O salário era diferente porque o trabalho dos homem era pesado.
9 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX.Editora Brasiliense,1984,p.9. 10 Covas de plantações.
28
Já era senso comum, até entre algumas mulheres, que o trabalho feminino era leve,
mesmo tendo consciência que elas realizavam quase tudo para o beneficiamento do fumo,
internalizavam teorias preconceituosas que atribuíam toda valoração ao trabalho masculino,
sendo assim, consideravam as atividades realizadas por homens mais pesadas, demonstrando
uma nítida sexualização do trabalho, pois eram atividades que exigiam força física,
resistência, assim como, os setores de chefia, mais valorizados, como gerentes, mestres e
contra- mestres eram masculinos, sendo notório em alguns relatos,no decorrer do trabalho a
consciência da exploração de seu trabalho e a relevância que este tinha para sustentação das
elites citadinas. É perceptível a reação dessas mulheres contra exploração do trabalho
utilizando de táticas particulares para compensar os baixos salários que recebiam, conforme
um dos entrevistados havia mulheres que levavam trouxas de fumo para destalar em casa e
retiravam folhas para ganhos próprios confeccionando charutos,
Elas tinham que pesar o fumo na saída e depois que chegavam para ver se o peso era o normal para a trouxa que elas tinha levado,mas tinha mulher q tirava tanto fumo e completava as trouxa com areia para enrolar o povo11...
Essas mulheres apresentavam reações particulares e coletivas para que pudessem
legitimar a importância de seu trabalho e estabelecer ganhos que possibilitassem a
manutenção familiar, ou seja, mesmo que seus discursos legitimassem a importância do
trabalho masculino, desenvolviam estratégias para compensar a exploração do trabalho.
Dentre tantas a reações a criação do Sindicato dos Trabalhadores do fumo foi a que mais deu
visibilidade à atuação dessas mulheres como mão de obra ostensiva no município estudado.
Esse trabalho objetiva-se discutir as experiências femininas nessa atividade econômica,
com o recorte temporal de 1950, década do apogeu da fumicultura na região, visto que, nesse
período São Gonçalo dos Campos possuía 14 armazéns de beneficiamento do fumo em pleno
funcionamento, nos quais a mão –de- obra predominante era feminina, enquanto que a
masculina era aproveitada, sobretudo na seleção, enfardamento do fumo e na confecção de
caixas e embalagens de charutos. É necessário destacar que nesse período não havia na
cidade, segundo alguns informantes, grandes fábricas de charutos. Ao contrário, existiam
inúmeras manufaturas domésticas que utilizavam o trabalho feminino, mas como constituíam
fabrico de pequeno porte não davam grandes lucros.
11 Depoimento de um mestre de armazém que prefere não ser citado.
29
Ainda nesta primeira década, foi criado em 1959 o Sindicato dos Trabalhadores da
Indústria do Fumo separadamente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, onde a maior parte
dos filiados eram mulheres negras que não tinham uma união conjugal formal, eram chefes de
família lutavam contra a exploração do trabalho reivindicando seus direitos via essa
organização sindical.
Nessa mesma década de 50, porém, matérias jornalíticas alertavam para uma possível decadência do fumo, na Região:
O cultivo do fumo exige assistência de um grande número de trabalhadores e não pode ser substituídos por machinismos agrícolas, como convinha, por ser a lavoura do pobre incapaz de offerecer recursos aos seus cultivadores para adquiri-los. A falta de machinas acaba aggravando a situação do lavrador, a falta de braços e dahi a queda da produção trazendo consigo as consequencias alludidas. Consideramos este o mais importante factor, pois, o único que lhes poderia supplantar, há bastante annos não nos faz sentir seus efeitos... a irregularidade das estações. Mas... se quizermos melhorar a situação não será difícil ; bastaria que os trapiches selecionassem os seus trabalhadores, evitando o grande numero de braços que sahem das fazendas para trabalhar nos armazéns de escolha. Na enorme multidão que esperava a hora regulamentar para o inicio dos trabalhos, na segunda- feira, grande parte vieram das fazendas exactamente nesta epocca que começa a cultura desse produto, exigindo grande número de braços. Cuidemos do presente para garantir o futuro!12
Há uma nítida inquietação relacionada ao futuro, pois plantio e o beneficiamento do
fumo foram atividades que proporcionaram destaque no cenário econômico à cidade de São
Gonçalo dos Campos, que se tornou uma das cidades prósperas do Recôncavo Baiano. Como
conseqüência desse crescimento o município se tornou independente de Cachoeira em 1884 e
manteve-se durante muito tempo na categoria de cidade mais organizada e de abrigar uma
elite com idéias modernizadoras o que proporcionou à cidade uma urbanização planejada,
tendo sido necessário o envio de alguns arquitetos á outras cidades brasileiras e européias para
trazer as novidades para a localidade.
São Gonçalo dos Campos foi local de visita de várias pessoas influentes do Brasil desde
D. Pedro II a Juracy Magalhães, Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas entre outros. Por
possuir o título de Suíça Baiana, Cidade Jardim, pelo seu clima fresco e agradável, foi o local
mais recomendado para cura de doenças, passeios e repouso de pessoas ricas vindas da capital
baiana (Salvador) e de outros lugares do Brasil. Sendo assim, as elites citadinas, do período
12 Jornal A VERDADE, matéria: Cuidemos do Presente para Garantir o Futuro: é preciso evitar o decréscimo na produção de nossa principal lavoura. ANNO I, Cidade de São Gonçalo dos Campos - Ba, 27 de Fevereiro de 1937, nº16.
30
estudado, eram formadas pelos donos de armazéns, gerentes, fazendeiros e alguns
comerciantes que se fizeram presentes na configuração atual do município patrocinando obras
públicas e na ostentação de casarões no centro da cidade.
O recorte vai de 1950 até 1980, com o declínio dessa atividade econômica e
paradoxalmente a institucionalização do trabalho de charuteiras com a implantação da
Menendez e Amerino fábrica de charutos destinados à exportação. Até então o trabalho na
fumicultura era sazonal não dando uma segurança financeira aos trabalhadores que ficavam
dependentes de vários fatores que interferiam nas colheitas. O documento anexo I destaca os
períodos de contratação e dispensa das trabalhadoras de armazéns.
Os autores que estudaram a cultura fumageira no Recôncavo Baiano, como
Valdemiro Lopes, Silza Fraga Borba e Elizabete Rodrigues da Silva associaram a maior
presença de mulheres nessa cultura de cultivo do fumo às condições de pobreza. Para Costa
Pinto, essa predominância de mulheres, deve-se ao fato de ser mão-de-obra farta e barata, e
também porque o trabalho exigia muita paciência e habilidade culturalmente construídas de
mulheres. Contudo, faz-se necessário perceber no decorrer deste trabalho, que estas mulheres
tiveram que se “desdobrar” em várias funções: de mulher, esposa, mãe e operária para dar
conta de todas as atividades sem limitações. Elas desenvolveram formas de sobrevivência e
solidariedade neste mundo do trabalho. Neste sentido, proponho discutir o dia -a- dia dessas
mulheres, compreendendo a vida cotidiana é a vida de todo homem e está relacionado ao
lugar social ocupado pelos indivíduos (Heller, 2002,p.31).
Essas mulheres enfrentaram o preconceito e foram as primeiras do município de São
Gonçalo dos Campos a romper as barreiras do lar, pois o trabalho doméstico até então não
tinha visibilidade. Juntamente com maridos ou mesmo sozinhas, “arregaçaram as mangas” e
foram buscar sustento fora de casa, deixando para trás os tempos em que trabalhavam na
“roça”, quando a maior parte das famílias sustentava-se exclusivamente da produção agrícola
de subsistência, o que não era suficiente para suprir todas as necessidades sejam elas
relacionadas à saúde, materiais e até mesmo alimentares13. Trabalho Feminino, neste
contexto, deve ser entendido não como simples dispêndio de força física e mental, mas como
atividade que envolve além desse dispêndio um conjunto de significados e representações
presentes em todas as esferas da vida. Não sendo trabalho uma atividade isolada, mas aquilo
no qual se baseia e reflete cada atividade isolada, ou seja, o conjunto de uma totalidade.
13 Entrevistada: D. Antonia Célia
31
É dentro da abordagem referente ao cotidiano e ao gênero que a história da mulher
fumageira de São Gonçalo dos Campos se insere, a partir de suas próprias visões e
lembranças individuais enraizadas em vivências e experiências próprias. Paul Ricoeur 14diz
que contando história nos damos uma identidade, á medida que nos reconhecemos nas
histórias que contamos.
Para escrever sobre a as mulheres charuteiras a oralidade é fonte específica para a
revelação de suas ações cotidianas. Através desta que poderemos dar voz às essas
trabalhadoras que foram de grande valia para o desenvolvimento e para história do município.
Segundo Maria Izilda Matos (2002) a politização do cotidiano pressupõe uma comunicação
entre o pesquisador e os testemunhos, que provem de um questionamento a partir da inserção
do historiador no mundo contemporâneo. Envolve a interação do sujeito com o objeto, sem
uma neutralidade prefixada, criando uma verdadeira sintonia entre o historiador e seu objeto
de estudo15.
Os depoimentos orais permitem o registro de testemunhos e o acesso à “histórias dentro
da história” e, dessa forma, amplia as possibilidades de interpretação do passado16 dando
visibilidade às especificidades locais confrontando as lembranças das charuteiras, assim como
a percepção que as mesmas tinham de sua condição social,étnica e econômica com a história
da cidade e trajetória da fumicultura no Município.
O uso das fontes orais torna-se imprescindível para investigar o cotidiano feminino,
visões de mundo, valores concebidos de sua origem afro-descendente e as estratégias de
sobrevivência frente à rotina árdua. Contudo, é preciso atentar para os problemas intrínsecos
às fontes orais: a noção do tempo; o limite da memória, sempre seletiva; o envolvimento do
pesquisador durante a entrevista, a não correspondência do relatório do grupo ao que tenha
visto ou feito no passado, mas “o que queria fazer o que acreditava estar fazendo e o que
agora pensa que fez” (PORTELLI, 1997, p.31). Por isso, é preciso captar as sutilezas das
fontes orais e dá-lhe o melhor tratamento possível. As fontes orais abrem novas possibilidades
para recriar um universo que foi marginalizado pelos documentos escritos, por privilegiarem a
política e as instituições.
Os vestígios escritos foram as fontes mais utilizadas por Teixeira e Andrade (1984),
particularmenteos jornais “A Razão” e “A Verdade”, periódicos mais importantes que o
município já teve, para escrever o livro Memória Histórica de São Gonçalo dos Campos, onde 14 RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. Campinas: Papirus, 1994. Tomo I 15 Matos, Maria Izilda.Cotidiano e Cultura:História, Cidadania e Trabalho.EDUSC,2002.p.27 16 ALBERTI, Verena. Fontes Orais: histórias dentro da História. IN PINSK, Carla B. (org.).Fontes Históricas.São Paulo:Contexto,2006.p.20.
32
focalizam questões político e econômica, visto ter sido encomendado pelo então prefeito José
Carlos de Lacerda, para comemorar o centenário de emancipação política do município.
Dessa forma, faz- se necessários outros documentos escritos que tragam à vista a organização
estrutural da fábrica e o seu impacto na organização sócio-econômica do município. No
entanto, a escassez de fontes escritas sobre esse tema, no que diz respeito ao cotidiano dessas
mulheres, levam-nos a optar prioritariamente pela fonte oral, pois os documentos existentes
privilegiam muito mais a oficialidade do trabalho e da instituição, e não as ações cotidianas
das trabalhadoras: “As dificuldades do historiador de penetrar no passado feminino tem
levado os historiadores a lançarem mão da criatividade na busca de pistas que lhe permitam
transpor o silêncio e a inviabilidade .” 17 Assim, privilegiei entrevistas com mulheres e
alguns homens que trabalharam em armazéns no período estudado, e até mesmo anterior, e
também alguns trabalhadores e diretores da Menendez, a primeira fábrica de charutos da
cidade. As entrevistas foram realizadas do período de abril de 2006 á março de 2010.
Procurei mulheres e homens acima de 70 anos que trabalharam no beneficiamento do
fumo e percebi nas fichas cadastrais que a maior parte dessas mulheres não tinha nenhum grau
de instrução, visto que eram nascidas nas décadas 20 e 30, período de grande dificuldade para
negros e pobres por falta de políticas públicas voltadas para as classes populares. Trata-se de
fichas de contratação de um armazém da cidade, antigo armazém Tabacos Urusil,
posteriormente Tabarama, onde registrado o perfil dessas mulheres e suas ocupações no
trabalho, assim como a carga horária que deveriam cumprir. Em geral eram mulheres negras,
solteiras, com grau de instrução formal nulo e a idade variava de 18 a 55 anos, cujas
trajetórias pesquisei também no Anuário Brasileiro do Fumo, fiz uso dos Relatórios de
atividades diárias, normas internas dos armazéns e fábrica de charutos, jornais de circulação
interna como a Verdade, a razão e o Campesino e as Atas de reuniões do Sindicato dos
Trabalhadores da Indústria do Fumo.
Algumas delas eu entrevistei e pedi que me contassem as suas experiências. A partir
dessas narrativas pude cruzar e contextualizar seus relatos com a história do município. Vale
lembrar que,
A priori, a memória perece ser um fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa. Mas Maurice Halbwacachs, nos anos 20 – 30, já havia sublinhado que a memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um
17 SOIHET, Rachel . História das Mulheres.IN CARDOSO,Ciro Flamarion e VAIFAS,Ronaldo.Domínios da História,p.278.
33
fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações e mudanças constantes.
Se destacamos, essa característica flutuante, mutável, da memória tanto individual quanto coletiva, devemos lembrar que na maioria das memórias existem marcos ou pontos relativamente invariantes ou imutáveis18.
Dentre muitas mulheres, Dona Ana Regina Cazumbá Queiroz, 76 anos, moradora da
fazenda Cedro, que exerceu ofício de catadeira em alguns armazéns da cidade durante 44
anos, foi essencial para que eu pudesse entender o cotidiano dessas mulheres.
Assim como de grande relevância foram também as entrevistas com Seu Severiano
Moreira de Freitas, 82 anos, que trabalhou 38 anos nos armazéns da cidade, como prenseiro, e
também executando atividades como carga e descarga de fardos de fumo para os trabalhos
diários. Depois de aposentado conseguiu alfabetizar- se e tornou-se pastor de igreja
protestante.Seu Otávio Fernandes, 85 anos, primeiro presidente do sindicato dos trabalhadores
da industria do fumo e também trabalhador de armazém. Segundo o mesmo “já fiz de um tudo
nessa vida, nunca tive medo de trabalho, quando vi muita exploração fui procurar meus
direito, junto com Daniel Santana daí surgiu o Sindicado, depois disso todo mundo teve
carteira assinada”.
Seu Otávio era pedreiro e perfurador de poços artesianos nos períodos de falta de
trabalho nos armazéns, onde já executou todas atividades “masculinas”, como fazedor de
fardos, descarregador e também já foi mestre ganhando notabilidade sendo um dos primeiros
vereadores negro e pobre da cidade em 1984.
Dona Elizabete Ferreira do Nascimento, 73 anos, trabalhadora de armazém desde
1952 até 1986, durante 34 anos, período que criou seus 8 filhos sozinha, vivendo dos
trabalhos de armazém , assim como Dona Joana Cazumbá, 76 anos, que trabalhou em três
setores da produção e em vários armazéns da cidade criando seus filhos sozinha.
São de grande importância também os relatos de Seu Jairo Nascimento, 78 anos,
gerente de armazém e músico profissional que durante 30 anos com muita arte, geriu o
armazém da URUSIL, transformando as relações de trabalho mais agradáveis e
proporcionando uma divisão sexual dos espaços físicos dentro dos armazéns, que segundo o
mesmo, passaria ser um ambiente mais respeitoso. Além disso, conseguiu reviver no
momento da entrevista o período que trabalhou no armazém, mantendo-me atenta sempre ao
fato de que o momento da entrevista permite ao entrevistado reformular sua identidade, na 18 POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.5. N.10, 1992, p. 200-215.
34
medida em que se vê perante o outro. Ele se percebe “criador de sua história”, a partir do
momento que se dá conta que, mesmo minimamente, transformou e transforma o mundo
(talvez até sem ter consciência disso), questionando os elementos da vida social19. Do
Sr.Edwars Lopes, 82 anos, também gerente de armazém durante 50 anos, do Sr. Renato
Tadeu, gerente da Menendez,sendo este funcionário da fábrica desde os primórdios
executando atividades de charuteiro, Sr. Gilson Cazumbá, gerente de armazém de
beneficiamento do fumo e cuja família tem uma história de ascensão social no município
através dessa atividade, Sr Hugo Carvalho primeiro diretor da Menendez e de algumas
mulheres como Dona Antonia Célia,Dona Raimunda Pereira, Dona Francisca Santos e Dona
Neuza Fernandes, entre outras que foram as primeiras funcionárias da Menendez .
Dentre outras entrevistas que serão de grande relevância, que podem ser apontadas no
decorrer do trabalho e utilizadas nos capítulos posteriores.
Esse trabalho foi escrito em de três capítulos onde procuro discutir inicialmente, no
primeiro capítulo, intitulado As Mulheres Charuteiras: no lar, nas ruas e avenidas de São
Gonçalo dos Campos, os lugares sociais das charuteiras no município, a partir de suas
próprias experiências e vivências. Experiências no sentido thompsoniano, na qual esta se
apresenta como base material da produção de conhecimento e da consciência, ou seja, o
momento em que homens e mulheres retornam como sujeitos, não como sujeitos autônomos,
mas como pessoas que experimentam suas relações produtivas determinadas como
necessidades e interesses antagônicos20.Nesse sentido pretendo mostrar o contexto
sangonçalense, pois para o entendimento do lugar social e do cotidiano das mulheres
charuteiras em São Gonçalo dos Campos, é necessário que seja visualizado um contexto mais
amplo, o contexto originário desse município baiano, a importância da fumicultura para
região.
Através da percepção dessas mulheres, as representações que as mesmas têm si
próprias em relação a percepções generalizantes fica evidenciada uma história “vista de
baixo”, mostrando- as não só como vítimas da história, mas como pessoas capazes de mudar o
curso de suas vidas a partir de estratégias cotidianas e das experiências adquiridas ao longo de
suas vidas. Dessa forma, é evidenciado quem eram as charuteiras, como viviam
cotidianamente fora do trabalho, suas origens e organização familiar.
19 LUCENA, Célia. Tempo e espaço nas imagens das lembranças. In: os desafios contemporâneos da história oral,p.220. 20 Thompson ,Paul .A Voz do Passado.1992,p.187.
35
No segundo Capítulo, Industrialização e Trabalho feminino: Ruptura da Tradição? É
discutida a divisão sexual do trabalho na Menendez e Amerino , as representações que
norteiam essa divisão, representação no sentido trabalhado por Chatier, onde há um
envolvimento do processo de identificação, percepção, reconhecimento, classificação,
legitimação e exclusão. São também portadores do simbólico, ou seja, dizem mais do que nos
mostram ou enunciam, carregam sentidos ocultos, que construídos social e historicamente, se
internalizam no inconsciente coletivo e se apresentam como naturais dispensando reflexões21.
Também pretendo dar visibilidade à manutenção, rompimento e incorporação das tradições,
pois devido à industrialização houve a exigência de charuto essencialmente cubano que
diferiam muito dos moldes locais, ao mesmo tempo foram conservadas algumas tradições
locais que ficam evidenciadas nas propagandas com mulheres negras e nomes romanescos da
cultura baiana.
Através de pesquisas no município pode-se perceber que a Menendez quando iniciou
suas atividades, visava empregar ambos os sexos nas fases de produção de charutos, até
porque eles priorizavam operários que não tivessem experiências nessa atividade, pois
pretendiam um charuto essencialmente cubano. Dessa forma promoveram um curso, de
duração de seis meses, para o treinamento dos operários envolvendo ambos os sexos, sendo
que, as representações acerca das identidades de gênero incorporadas no imaginário social da
cidade fizeram com que os homens se afastassem dessa atividade, sendo ocupada
predominantemente por mulheres e alguns homossexuais. Os homens foram ocupar outras
atividades teoricamente “masculinas” por iniciativas próprias na fábrica.
No terceiro e último capítulo, Lazeres e poderes procurarei dar visibilidade a
participação das charuteiras nas festas profanas e religiosas, pois muitas dessas mulheres eram
participantes de irmandades negras e também, a atuação das mesmas no movimento
sindical.Tendo em vista que em São Gonçalo dos Campos os negros fundaram várias
irmandades, como a de nossa Senhora do Rosário, a da Boa Morte, a do Amparo, e a de São
Benedito, fundadas por homens negros pertencentes ao Quilombo Caracuanha
(Pedreira,1984,p.19), localizado na Cruz. Esses negros se instalaram em uma rua em frete a
Igreja Matriz, trazendo consigo o cruzeiro, símbolo da região em que estavam, fundaram a
irmandade de São Benedito dando a rua o mesmo nome.
Em suma, a vida cotidiana é em grande medida, heterogênea, e isso sob vários
aspectos, sobretudo no que se refere ao conteúdo e à significação ou a importância de novos
21 Chartier, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. DIFEL, 1990.p.32
36
tipos de atividades. São partes orgânicas da vida cotidiana: a organização do trabalho e da
vida privada, os lazeres e o descanso, atividade social sistematizada, o intercambio e a
purificação. A heterogeneidade é imprescindível para conseguir essa explicitação do normal
da cotidianidade e o funcionamento rotineiro da hierarquia espontânea é igualmente
necessário para que as esferas heterogêneas se mantenham em movimento simultâneo22·.
Segundo Maria Izilda Matos os estudos do cotidiano não representam opção para o
pesquisador preocupado com um método que pressuponha equilíbrio, estabilidade e
funcionalidade. A temática do cotidiano é extremamente abrangente e impõe dificuldades
para definições precisas. São muitos obstáculos para os pesquisadores que se atrevem
enveredar pelos estudos do cotidiano: campo minado de incertezas, repleto de controvérsias e
de ambigüidades; caminho inóspito para quem procura marcos teóricos fixos e muito
definidos23, assim, logo nas primeiras páginas de Inventários da Diferenças Veyne postula que
a História não é um inventário de todos os acontecimentos, mas também a individualização de
cada acontecimento, essa individualização é aquilo que a explica e explicita.
22 Heller,Agnes,2000,p32. 23 Matos, Maria Izilda.Cotidiano e Cultura.pp.32.
37
I
CAPÍTULO
As mulheres charuteiras: no lar, nas ruas e
avenidas de São Gonçalo dos campos.
38
1.1 O fumo: desmembrado os Campos da Cachoeira
Terra minha relicário de grandeza, Viver feliz, no teu carinhoso abrigo, Buscando a desejada “Paz” como defesa, Teremos mais amor, menos perigo. Lindas campinas, vales e colinas Tuas palmeiras, bailando no vento, Como Saudar a TERRA CAMPESINA- Dão a teus filhos, maravilhoso alento!24
Os Campos da Cachoeira, antiga denominação de São Gonçalo dos Campos, até o final
do século XIX. Nesse período a cidade ainda pertencia a Cachoeira, região que durante os
séculos XVIII e XIX alcançou seu apogeu. Seu porto era utilizado para escoamento de grande
parte da produção agrícola do Recôncavo Baiano e vasta área do interior da Bahia,
principalmente açúcar e fumo, produtos até hoje contemplados no município, em virtude do
clima e solo propícios. A localidade também apresentava uma significativa presença de
africanos e afro-descendentes em interação com europeus de variadas nacionalidades, sendo
um dos fatores que contribuíram para a riqueza e diversidade da cultura popular e para a
criação de uma sociedade profundamente dividida, em termos de cultura, dos tipos físicos
percebidos, do poder e do status. Em geral essa sociedade consistia em pequena minoria de
europeus e seus descendentes exercendo o poder sobre a maioria de africanos e descendentes
destes25.
Esta interação encontra-se presente na religiosidade local com forte presença da
cultura afro-brasileira em diversas manifestações populares.
Os Campos da Cachoeira era uma das freguesias economicamente mais importantes
do domínio Cacheirano desde o período colonial, pela sua extensão territorial e pelas
condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento de várias culturas agrícolas. Embora o
fumo tenha se alastrado em quase todo Recôncavo, foi nos Campos da Cachoeira que ele deu
os primeiros sinais de desenvolvimento na região. Segundo Vilhena, “a erva do tabaco tem
qualidades diferentes e uma diversidade de nomes, e que todas elas produzem
maravilhosamante por todo Brasil, mas que nos campos das Villas de Cachoeira distante 14
léguas a Oeste da cidade de Salvador, é que nos domínios portugueses no Brasil, se descobriu
a terra mais própria, e melhor para plantação desta lucrativa erva, cujo real contrato anda hoje
24 PEREIRA, Geraldo Alves. São Gonçalo: suas origens pp.23. 25 MINTZ e PRICE. O Nascimento da Cultura Afro- Americana. Uma perspectiva antropológica. Rio de Janeiro:Pallas, 2003, pp.19-58.
39
pelas somas que não ignoras”26. Indica- se, assim, a qualidade do fumo produzido nessa
região e a valoração economica que este produto teve. Principalmente em 1859/1860, o fumo
ocupava pela primeira vez o primeiro lugar na pauta das exportações da Província, perfazendo
30,9% do total exportado, na frente do açúcar com apenas 26,6%. No ano agrícola de
1862/1863, em decorrência da guerra da secessão, a exportação do fumo expandiu- se
enormemente, ultrapassando pela primeira vez o milhão de arrobas exportadas pelo Brasil. O
fumo tornou acupar o primeiro lugar na pauta das exportações baianas nos anos agrícolas de
1872/73, 1873/74, 1875,/76, 1877/78, 1878/79 e 1879/8027 .
Nota-se a importâcia da fumicultura para região, pois como o açúcar , o fumo era um
dos suportes do comércio exterior da Bahia e uma atividade exercida predominantemente por
famílias inteiras com a intensa participação feminina, pois embora fosse uma cultura que
exigia poucos recursos financeiros, era também extremamente trabalhosa nos seus cuidados .
Nos estudos de Barickman fica evidenciado que em 1835, na freguesia de São
Gonçalo dos Campos, no próprio coração dos “Campos da Cachoeira”, famoso pelo cultivo de
fumo, quase dois terços de todos os fogos28 chefiados por lavradores não possuíam escravos.
A difusão do fumo em folha, a partir de meados da década de 1840, tornou a lavoura
fumageira ainda mais acessível às camadas mais pobres da população. De fato, a partir de
1850, os observadores passaram a associar, cada vez mais, o fumo à produção camponesa.
Contribuíram dessa maneira, para estabelecer a duradoura reputação do tabaco como “lavoura
pobre” ou de “quintal” 29. Além disso, a economia oferecia a homens e mulheres livres e
libertos, a maioria negra e mestiça, outras alternativas para o trabalho permanente, como por
exemplo podia se empregar nas fábricas de Cachoeira, São Félix e Maragojipe ou na indústria
têxtil que se desenvolveu na Bahia, na segunda metade do século.30
Entre 1880 e 1890 as fábricas de Charutos experimentaram uma conjuntura de
crescimento das exportações para o mercado europeu. O nível de empregos nessa atividade
também seguiu um ritmo de crescimento. No final do século XIX e início do Século XX, A
Suerdieck, sediada em Cachoeira, em 1916 empregava cerca de 400 operários; em 1921 esse
26 VILHENA, Luis dos Santos. A Bahia no Século XVII(notas de comentários de Braz do Amaral)Bahia:Editora:Itapoan. Vol.I,1969,p.197. 27 SONNEVILLE, J. Os Lavradores de Fumo:Sapeaçu-BA, 1850-1940.Salvador, Mestrado em Ciências Sociais-UFBA,1982p.53 28 Áreas cultiváveis de terra. 29 BARICKMAN, B. Um Contraponto baiano: açúcar fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 pp.245. 30 Barickman, B. J. Até a Véspera: trabalho escravo e a produção de açúcar nos engenhos do Recôncavo Baiano(1850-1881), Afro-Ásia,21-22.1998-1999.pp209-227.
40
número saltou para 900. Em 1887, a Costa Ferreira e Penna, sediada em São Felix e com filial
em Muritiba, empregava 70 trabalhadores; em 1921 esse número estava em torno de 1000
operários. Em 1873, a fábrica Dannemann, fundada por dois imigrantes alemães, empregava
cerca de 300 a 400 trabalhadores; em 1921, contava com cerca de 1.20031.É importante não
perder de vista que as fábricas de charutos ficavam localizadas em Cachoeira, mas as roças de
plantio ficavam as áreas pertencentes à freguesia dos Campos de Cachoeira sendo assim o
fumo já saia de São Gonçalo escolhido e destinado a estas fábricas.
Nesse mesmo período o padre Vicente Ferreira Gomes fez um senso na freguesia de São
Gonçalo dos Campos e percebeu que 80,9% dos escravos que trabalhavam na lavoura
fumageira eram nascidos no Brasil32.
Segundo Nardi(1996), o fumo constituíu-se moeda de troca, para obter víveres e outros
produtos da metrópole, antes de tornar- se, durante a primeira metade do século XVII, um
verdadeiro produto agrícola. Por outro lado, é preciso ressaltar que ao contrário do açúcar, o
fumo não necessitava de capital: qualquer um podia cultivá-lo com facilidade e obter um
produto de grande valor, em relação a outros gêneros alimentícios.
Durante mais de 300 anos, escravos africanos e seus descendentes nascidos no Brasil
trabalharam nos canaviais e nos engenhos produzindo produtos para serem comercializados
no mercado mundial. Produtos como o açúcar, fumo, café e algodão trouxeram uma onda de
prosperidade para Bahia no final do século XVIII.Porém, contrariamente ao açúcar, os
lavradores que produziam fumo dependiam pouco do tráfico de escravos e muito mais do
crescimento natural. Em Barickman(1996) fica evidenciado que o fumo baiano constitui uma
espécie de anomalia na história agraria do Brasil Colonial e oitocentista, pois em nenhuma
outra lavoura de exportação importante os escravos nascidos no Brasil representavam a maior
força de trabalho.Em todas as outras regiões com a economia exportadora bem desenvolvidas,
os fazendeiros, senhores de engenho e lavradores recorriam principalmete ao tráfico atlântico
de escravos para recrutarem mão-de obra. Desse modo, no final do século XVIII, a população
escrava dos distritos fumageiros do Recôncavo já se caracterizava por uma grande maioria de
cativos nascidos no Brasil. Esse mesmo autor ressalta que no final do século XVIII e nas
primeiras décadas do XIX, os escravos representavam cerca de um quinto ou um terço da
população nos distritos fumageiros e produtores de mandioca.
31 FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910).Campinas:São Paulo.Ed.UNICAMP,2006,pp.328 32 Idem, 241.
41
A freguesia de São Gonçalo dos Campos, em 1835, possuía uma população de quase 4
mil escravos, é de se supor que os lavradores de fumo usavam consideravelmente a mão-de-
obra escrava. Dessa forma Barickman conclui que o uso generalizado da mão- de- obra cativa
deu origem no Recôncavo uma das mais densas populações escravas encontradas em
qualquer parte do Brasil. O número de escravos que chegou na Bahia entre 1816-1817, foi de
aproximadamente 89 mil, número que permanecia elevado durante toda primeira metade do
século XIX. Em 1872-1873, ainda estavam entre 72 a 81 mil.
O município de São Gonçalo dos Campos teve como principal atividade econômica,
desde a colonização, a cultura, o beneficiamento e a comercialização do fumo o que
proporcionou à cidade um vertiginoso crescimento econômico durante o século XIX, sendo
um dos fatores que contribuíram para a conquista da elevação à condição de possuir
autonomia político- administrativa, desmembrando-se de Cachoeira em 28 de Julho de 1884.
A economia fumageira manteve-se como base econômica até a década de 70 do século XX
quando foi substituída gradualmente pela pecuária.
Durante o século XIX e XX, essa cultura foi disseminada por todo o território da
província, mas as regiões exportadoras situavam-se nas proximidades do litoral e nos
municípios de Cachoeira, São Félix, Cruz das Almas, São Felipe, Santos Antonio de Jesus,
Nazaré, Maragojipe e São Miguel das Matas, todos no Recôncavo do Sul33. Segundo Antonil,
mistura-se nesse mundo diferentes tipos de trabalhadores agrícolas, meeiros, agregados,
pequenos e médios proprietários, além de escravos34. Esse mesmo autor refere-se à cultura do
fumo em Cultura e Opulência do Brasil, mostrando que essa cultura a todos dá o que fazer;
porque nela trabalham grandes e pequenos, homens e mulheres, feitores e escravos35·.
A grandiosidade da fumicultura para região e as maneiras que essa atividade contribuiu
na formação da cidade, desenvolveram-se com a participação de famílias inteiras nessa
atividade. Mulheres e até crianças podiam, tão bem quanto homens adultos, executar as
delicadas tarefas de semear os canteiros, transplantar as mudas, capar e desolhar os pés de
fumo, manocar e colher as folhas uma a uma.
No século XX, as mulheres muitas vezes passaram a assumir toda a responsabilidade
pelas tarefas diárias nos sítios de fumo do Recôncavo enquanto seus maridos trabalhavam na
33 SANTOS, Valdomiro Lopes. A pecuarização do recôncavo fumageiro: o caso de São Gonçalo, 1987. P.63 34 TEIXEIRA, Marli Geralda e ANDRADE, Maria José Souza. Memória Histórica de São Gonçalo dos Campos. Ed.Comemorativa do 1º Centenário do Município. 1984. Pp48. 35 ANTONIL, André J. Cultura e Opulência por suas Mina e Drogas. 2ªed. São Paulo: Melhoramentos. 1976. Pp.181
42
cidade ou em usinas próximas36. Fraga Filho (2006) indica que a possibilidade de maiores
ganhos com a lavoura de fumo afastou os trabalhadores rurais de trabalharem nas lavouras de
cana, rejeitando o assalariamento nas fazendas. Em entrevistas orais, pude perceber a
existência de famílias de agregados de fazendas que “puderam ter suas casinhas” em bairros
populares da cidade como fruto do trabalho com o fumo. Esses mesmos depoentes afirmam
que livraram seus filhos de realizarem trabalhos rurais e domésticos, carregados de um
estigma de inferioridade do qual os antigos trabalhadores buscavam distanciar-se. Tal
percepção refere-se aas formas de sujeição inerentes a condição escrava, sendo que, o trabalho
agrícola no imaginário local está estritamente ligado a essa condição.
É perceptível a grandiosidade da atividade fumageira até hoje presente na arquitetura
da cidade, permeada de grandes armazéns de beneficiamento em ruínas. Em 1950 havia
aproximadamente 14 armazéns de grande porte com intenso movimento no município. No
ápice da economia do fumo o município sediou importantes firmas compradoras da Bahia
como a Suerdieck S/A, Dannemann, Mongeroth Leone Ltda,Este Asiático Exportação,
Tabacarella do Brasil S/A, Garrido, J. Altino d`Fonseca, Cia Luiz Barreto Filho, Hélio
Cardoso Mascarenhas e Fumos URUSIL37.
Até 1977 não existia fábrica de charutos em São Gonçalo, só produções para ganhos
próprios realizadas por mulheres que trabalhavam na lavoura para completar a renda familiar.
Entretanto os fumos produzidos na localidade eram os mais usados nas fábricas.
No relatório do Instituto Brasileiro do Fumo(IBF), de 1920, fica documentado que “os
fumos da Matta e São Gonçalo são os mais usados nas fábricas de charutos e gozam um preço
elevado, como os de Cruz das Almas que são também superiores, e das zonas mais próximas
conhecidas como “Matta Perto”, por alguns negociantes(...)Em São Gonçalo e em Cruz das
Almas, foram cultivados com cuidados especiais, por alguns agricultores, e cortados folha por
folha, cuidadosamente beneficiados alcançam preços de 80$000 e mesmo 100$000 a arroba.
Estes fumos especiais são quase todas comprados por nossas fábricas de charutos”38.
Estes armazéns de beneficiamento empregavam um número considerável de mulheres
negras e pobres, herdeiras de trezentos anos de escravidão no Recôncavo. Mulheres
trabalhadoras rurais e domésticas que viviam com suas famílias, no sentido de partilharem à
mesma condição social, não no sentido da família burguesa, pois muitas dessas mulheres não
36 Idem,51. 37 TEIXEIRA e ANDRADE.op.cit..pp.88 38 ARQUIVO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA. Seção Republicana. Séc. da Agricultura. Correspondência Anexa ao Regulamento do IBF.pp.3-4.Cx.2378.M.149.
43
conheciam pai ou mãe. Talvez a expressão mais adequada seja de grupos étnicos utilizando a
definição de Barth (1998) como sendo grupos étnicos uma atribuição categórica quando
classifica uma pessoa em termos de sua identidade básica mais geral, presumivelmente
determinada por sua origem e seu ambiente39.
Essas mulheres compunham grupos de agregados em fazendas da região num sistema de
colonato ou arrendamento onde repartiam a produção agrícola e trabalhavam nas fazendas de
ex-senhores ou grandes proprietários da época. Segundo Fraga Filho, (2006) trata- se de uma
prática comum no Recôncavo até meados do século XX. Os senhores concediam o usufruto
de um pedaço de terra em que o rendeiro cultivava gêneros de subsistência ou criava animais.
Parte do excedente produzido poderia ser vendida nas feiras locais. O rendeiro poderia plantar
gêneros de exportação, como fumo ou cana, mas, em contrapartida, pagava a ocupação da
terra com dinheiro ou trabalho semanal nas grandes propriedades40·. Desde o período
colonial os escravos ainda que cativos possuíam roças, como observa Hebe Matos, cujo
cultivo emergiu como uma das dimensões perenes do significado da liberdade41.
Depois de abolida a escravidão, o acesso às roças continuou sendo requisito
fundamental da condição de liberdade. Fraga Filho(2006) evidencia que alguns ex-escravos
conseguiram ampliar as alternativas de cultivo nas roças, plantando até mesmo gêneros de
exportação como fumo. A colheita de tabaco era feita costumeiramente ao longo de todo ano,
o que causava transtorno aos ex-senhores de engenho porque não achava braços para o
trabalho na lavoura canavieira, sobretudo nas conjunturas econômicas em que o preço do
fumo estava favorável.42
A análise das relações de trabalho na agricultura fumageira revela várias categorias: os
proprietários que não produziam fumo, mas recolhiam parte do produto que seus rendeiros
cultivavam e o comercializavam; os proprietários que além de lavradores de fumo também
possuíam rendeiros que o produziam. Esses eram também responsáveis pela revenda do
produto em armazéns; os pequenos proprietários que vendiam o produto a um comprador
intermediário ou entregava diretamente a um armazém. Esses, às vezes trabalhavam a meia ou
como diárias para outros proprietários; e finalmente, os simples rendeiros também
denominados agregados, ou posseiros, que não eram proprietários, recebiam a terra para
cultivar e deveriam pagar uma renda, geralmente um dia de trabalho por semana. Deveriam 39 BARTH,F. “Grupos Étnicos e Suas Fronteiras”.IN POUTIGNAT,P. e Streiff-Fernart, J. Teorias da Etnicidade. São Paulo:Editora da UNESP,1998,pp.185-227. 40 FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia(1870-1910).Campinas:São Paulo.Ed.UNICAMP,2006,pp.233. 41 Idem,pp.173 42 Idem,ibidem.pp;236
44
vender o fumo produzido ao dono da terra, que lhes descontava todos os fornecimentos feitos
desde o preparo da sementeira até a entrega do produto no armazém. Geralmente quando o
fumo era vendido e o acerto de contas ajustado, o que lhes sobrava era uma irrisória quantia, o
que contribuía para um novo ano de dependência. Segundo Sr. Severiano, um dos
entrevistados, um dos fatores que contribuíram para o desaparecimento da lavoura de fumo no
município foi exploração dos donos da terra, pois segundo o mesmo eles lucravam e aos
trabalhadores rurais “não resta um tostão que desse para comprar uma roupa”.
As contradições na economia fumageira foram evidentes não permitindo uma renda
significativa, aos produtores, mas, enriquecendo exportadores e industriais. O próprio
intermediário, dono de armazém, recebia o preço da mercadoria como imposição do
exportador e o repassava aos compradores. Dessa forma, as firmas exportadoras, sobretudo a
partir da segunda metade do século XIX, controlavam toda a produção e o preço do fumo
produzido no Recôncavo Baiano. Esse controle era exercido não só através dos preços, mas
também através de mecanismos que resultavam na dependência dos donos de armazéns e
produtores, a exemplo da concessão de financiamentos. 43
Em virtude do grande número de trabalhadores envolvidos, foi fundado em 1959 o
sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Fumo com o propósito de reivindicar os direitos
trabalhistas dos funcionários dos armazéns que, segundo alguns entrevistados, trabalhavam
intensamente, numa rotina árdua e os proprietários, na maior parte das vezes, não pagavam os
valores previamente combinados. No romance Jubiabá, Jorge Amado descreve o dia- a – dia
duro dos plantadores de fumo do Recôncavo Baiano no início do século “... montes de folhas
de folhas de fumo se juntavam e , quando a tarde vinha, as mão dos homens havia ganhos de
dez tostões que eles não viam porque já deviam ao patrão quantias
desconhecidas”(1912,p.145).
Concomitantemente à criação do Sindicato houve a pecuarização das áreas fumageiras de
São Gonçalo dos Campos e a associação do cultivo do tabaco a outras culturas como
mandioca e laranja. A partir da década de 70, a cultura fumageira passou pela maior crise de
sua história em função, também, da queda internacional do preço do produto, acarretando o
fechamento de vários armazéns44. É com a fumicultura em declínio que há institucionalização
do trabalho feminino a partir da implantação da primeira Fábrica de Charutos, a Menendez e
Amerino, que produzia charutos para exportação e empregou predominantemente a mão-de-
obra feminina local. Fundada em 1977, como resultado da associação do empresário baiano 43 TEIXEIRA e ANDRADE.pp51 44 Santos, Valdomiro .op.cit.pp52.
45
Mário Amerino da Silva Portugal, do ramo fumageiro do Recôncavo, e da família Menendez,
cubanos detentores do Know-how charuteiro. Essa empresa deu outros rumos à história da
fumicultura em São Gonçalo dos Campos, atribuindo visibilidade nos dias atuais apenas a
produção de charutos cubanos. Pouco é preservado em relação à fase anterior.
Na década de 80, havia o I Museu Fumo fechado em 1988 e nada foi aproveitado.
Assim, quando se fala em fumicultura no município, está estritamente vinculada a dados
econômicos ou relacionada à importância dos donos armazéns. A participação feminina não
tem visibilidade, sendo que a Menendez continuou a manter os tradicionais charutos nos
moldes cubanos e utilizou a propaganda disseminada no Recôncavo, nas quais os charutos
feitos por mulatas tinham um sabor especial, recorrendo a nomes romanescos da cultura
baiana na confecção de novos produtos para se adequarem e valorizarem no mercado local.
A Imagem abaixo mostra um pouco dessa ressignicação da tradição. Nesse sentido a
tradição aparece como uma versão intencionalmente seletiva do passado45,enquanto retrata a
junção do empreendedor Cubano Félix Menendez com uma mulher negra vestida de baiana,
dando ares culturais do recôncavo à produção de charutos cubanos.
Fig1.Fonte: Revista Flash.2004
45 WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de janeiro, Zahar editores, 1979, p.118.
46
É evidente a intenção com a fotografia em articular tradição e competência
administrativa, porém ao mesmo tempo que denuncia o aproveitamento do grande número de
trabalhadores baratos e a tradição do município considerado como um dos melhores
produtores de fumo do recôncavo.
A empresa treinou mão- de- obra feminina e masculina através cursos de duração de seis
meses para produção de charutos essencialmente cubanos, mas as representações
culturalmente construídas relacionadas a separação de trabalho de mulher e trabalho homem
fizeram com que os homens se afastassem da produção de charutos ocupando outros setores
da fábrica, pois esta atividade era considerada essencialmente feminina por exigir muita
paciência e habilidade na confecção dos charutos.
Os charutos cubanos que se diferenciavam muito dos charutos produzidos pelas
trabalhadoras de armazéns para ganho próprio, como atividade complementar à renda dos
armazéns, segundo elas mesmas eram charutos “simples”, com compradores certos. Aqueles
produzidos em Cuba eram feitos predominantemente por homens. Mas, como no Recôncavo
já havia indústrias do ramo charuteiro desenvolvidas desde o século XIX, como por exemplo,
a Dannemann que iniciou suas atividades em 1873 em Cachoeira, utilizando a mão - de- obra
feminina. Nesse período, São Gonçalo dos Campos ainda pertencia àquele município,
comportando armazéns da Dannemann para o beneficiamento do fumo onde vários libertos
trabalhavam.
Nesse contexto, pretendeu-se dar ênfase à participação feminina na cultura fumageira em
São Gonçalo dos Campos: as mulheres eram oriundas de familias, sobretudo, negras.
Mulheres pobres cujas experiências, por sua vez, podem trazer uma versão da História que
ficou esquecida dos relatos oficiais.
1.2. Ser Negra, Ser mulher e Ser pobre em São Gonçalo dos Campos: uma incursão
pelas as hierarquias sociais.
É necessário lembrar que o que une os negros transnacionalmente é a experiência do racismo e da opressão, e mesmo isso se dá de forma diferenciada, criando conseqüências também distintas para construção das subjetividades e identidades negras. (Patrícia Pinho)46
46 PINHO, Patrícia Santana. Reinvenções da África na Bahia. São Paulo,2004. pp.107.
47
Este título foi pensado a partir de algumas entrevistas com trabalhadoras
aposentadas de armazéns de beneficiamento de fumo, pelas pesquisas realizadas em Atas da
Câmara Municipal de São Gonçalo dos Campos do período de 1960-1970 e também pela
leitura de alguns jornais de circulação interna da época de 1920 -1947, como a Verdade e a
Razão, que noticiavam todos os assuntos relevantes para alta sociedade do período. Neles
ficavam explícitos os códigos de conduta moral não havendo lugar para os menos favorecidos
a não ser em páginas de propagandas que falam de remédios para curar a preguiça com negros
fortes trabalhando ou anúncios que desmereciam as crenças africanas. Na imagem abaixo é
evidenciado o contraponto força/preguiça; ciência/ credince.
Fig.2. Jornal a Verdade 1942
Feitas a primeiras considerações sobre a fumicultura no item anterior, privilegiarei nessa
parte descrever o peso da condição social, étnica e econômica, legadas ás charuteiras pela
história do município e a forma como a visão de mundo dessas mulheres foi moldada a partir
do seu lugar social ou o não-lugar na sociedade de São Gonçalo dos Campos. Segundo
Galeotti, as identidades são formadas e negociadas a partir do enlace de um conjunto de
pertinências sociais, como classe, raça, gênero, geração, opção religiosa, orientação sexual,
entre outras. É da interconexão dessas semelhanças e das diferenças que se redefine a própria
noção de experiência, enquanto prática construtora dos sujeitos. As experiências e vivências
favorecem a construção das identidades47. Manuela Carneiro Cunha (1985) postula que as
47 GALEOTTI.A.E Cidadania e Diferenças de Gênero: o problema da dupla lealdade.In:BANACCHIG, GROPPI.A.(orgs). O dilema da cidadania: direitos e deveres das mulheres. São Paulo:UNESP,1994.235-261.
48
representações são articuladas com a organização da vida material e as relações de poder em
cada sociedade48.
A partir da leitura das fontes, nota-se a predominância da população negra no município
tanto pela existência de várias irmandades negras na segunda metade do século XIX, quanto
pelo censo de 1950, ao indicar que metade da população nesse período era negra, 60 anos
após a abolição. Esse destaque deveu- se justamente à cultura fumageira e canavieira.
Provavelmente os escravos que vieram para São Gonçalo eram de origem iorubá, tanto pela
presença expressiva de religiões de matriz africana, como o candomblé, quanto pela
hegemonia desse grupo na região nordeste e principalmente no Recôncavo fumageiro.49
Segundo Luiz Cláudio Dias Nascimento, em torno de 8 mil africanos iorubas, fon e aja-
ewê, provenientes do sul e do centro de Daomé e do sudeste da Nigéria eram desembarcados
nas praias e ilhas da baia de Todos os Santos. Em 1811 esses nagôs perfaziam um total de
50% do contingente africanos morador na cidade do Salvador, em 1830, era 60% do total.50.
Durante o tráfico escravo que a Bahia manteve com Daomé e devido à expansão urbana
das vilas próximas à Bahia de Todos os Santos e zona fumageira, houve uma concentração
específica de africanos jêjes e nagôs. Dessa forma, compreende- se a predominância de
mulheres negras na região, mulheres que pertenciam aos segmentos menos favorecidos da
sociedade. Segundo as fontes, eram ex-raparigas, vendedoras ambulantes de doces, fato,
acarajé, negociavam com ouro em Cachoeira e muitas trabalhavam na lavoura fumageira ou
como charuteiras, cujos proprietários das terras e dos armazéns eram estrangeiros e membros
das elites local. “Esta cultura esteve dominada durante do século XX pelos “gringos” 51,
afirma Luciana Lessa. Alemães, holandeses e uruguaios eram proprietários das firmas
compradoras e exportadoras de fumo, como por exemplo, Mongeroth Leone, Geraldo
Suerdick e Geraldo Dannemann”(TEIXEIRA e ANDRADE,1984,p.88).Tal realidade é
herança da sociedade escravista na qual brancos estrangeiros eram os grandes proprietários e
os negros e negras formavam apenas a mão-de-obra necessária.
A partir das entrevistas realizadas, as mulheres falaram sobre sua experiência e seus
vínculos com a fumicultura. Sem exceção, relataram as dificuldades em serem negras pobres e
mulheres “naquele tempo”, década de 50, pela invisibilidade que tinham, e ao mesmo tempo
48 CUNHA, Manuela Carneiro. Negros Estrangeiros. Os escravos e libertos e sua volta à África. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985, pp.102-151. 49 Anunciação, Luciana Falcão Lessa. Religiosidade Popular em São Gonçalo dos Campos 1870-1920,2001, p 59. 50 Nascimento,1999,p.10 51 Anunciação, Luciana Falcão Lessa. Op.cit. p 60.
49
lembram que gostavam do período pelo fato de não conheceram nada e de saberem seus
“lugares”. Dessa forma, conformavam- se com a sua situação social em que se encontravam,
pois a mulher pobre, cercada por uma moralidade oficial completamente desligada de sua
realidade, vivia entre a cruz e a espada52·, no contexto sangonçalense o sentido de
conformação se configura mais nitidamente quando essas mulheres objetivavam trabalhar
para que seus filhos reproduzissem, se possível, os modos de viver das elites. Segundo
Claudia Fonseca, a norma oficial ditava que a mulher devia ser resguardada em casa, se
ocupando dos afazeres domésticos, enquanto os homens asseguravam o sustento da família
trabalhando no espaço da rua. Longe de retratar a realidade, tratava-se de um estereótipo
calcado nos valores da elite colonial e muitas vezes espelhados nos relatos de viajantes
europeus, que servia como instrumento ideológico para marcar a distinção entre as burguesas
e as pobres53.
Em alguns momentos das narrativas acabam mostrando a insatisfação com vida passada
quando explicitam que proporcionaram a oportunidade dos filhos estudarem, trabalhando o
máximo que puderam para que estes se dedicassem aos estudos e futuramente não passassem
pelas dificuldades que elas passaram. O desejo expresso é que estes tivessem profissões
estimadas que os afastassem dos trabalhos vistos como inferiores na época, como por
exemplo, empregadas domésticas, carroceiros, lavradores, entre outros.
Essas mulheres procuravam integrar seus filhos na sociedade local de uma forma que
apagasse a nódoa de um passado de dificuldades e os tirassem das “fíbrias da pobreza” em
que viveram. Em Florestan Fernandes, na obra Integração do Negro na Sociedade de Classes,
é evidenciado como os negros e os mulatos jamais conseguiram se integrar plenamente, pois
sofreram processos de exclusão de diferentes ordens ao longo da história, que lhes imputou
uma melhor acomodação do ponto de vista socioeconômico dentro das estruturas relacionais
adjacentes à nossa sociedade de classes. Dessa forma percebe-se que, muitos negros desde o
período colonial até a contemporaneidade teoricamente aceitam dimensões da ordem social
vigente buscando a possibilidade de ascensão nas brechas dos sistema capitalista, no contexto
deste trabalho procuro evidenciar que brechas não podem ser entendidas como uma concessão
de cima para baixo, mas como uma condição de ascensão e sobrevivência que foi conquistada
pelo trabalho, resistência e persistência de mulheres e homens negros que eram excluídos
socialmente, mas que sua presença era essencial para o sustento das classes dominantes do
52 Fonseca, Claudia. Ser Mulher, Mãe e Pobre. In: História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2007. pp.516. 53 Idem,PP.517.
50
município. Assim as obras contemporâneas que retratam o cotidiano feminino a inserção da
mulher no mercado de trabalho vêm mostrar a história de mulheres negras pobres recém-
egressas da escravidão que viram nas atividades informais uma oportunidade de sobrevivência
ainda que precárias. Segundo Maria Odila Leite, sempre relegado ao terreno das rotinas
obscuras, o cotidiano tem se revelado na história social como área de improvisação de papéis
informais, novos e de potencialidades de conflitos e confrontos, onde se multiplicam formas
peculiares de resistência e luta.
Nesse sentido, é necessário focalizar que para ser integrado na sociedade da época, além
de ocupar profissões que os livrassem do estigma da subalternidade da escravidão, essas
pessoas deveriam ter sobrenomes de famílias reconhecidas na época, apesar das elites
sangonçalense serem predominantemente mestiça, a cor era um agravante para ascensão
social. É evidente nas entrevistas o silêncio sobre a cor, quando faço referência em alguns
momentos à etnicidade, as mulheres mudam de assunto ou falam que eram todos iguais e que
não havia conflitos relacionados à cor. Segundo Hebe Matos (2000) no século XIX, dizer-se
negro ainda era basicamente, assumir a memória da escravidão inscrita na pele de milhões de
brasileiros54.
Assim, desde os primeiros anos após a abolição os negros, lutam para afastar qualquer
associação da sua imagem ao cativeiro e a subserviência, numa constante busca pela
igualdade55. Em Bastide (1965), veremos que tempos depois, o problema consiste na
manutenção de “relações raciais tradicionais”, fundadas no paternalismo, no cerne mesmo da
sociedade industrial. Assim, ainda que reconhecendo a existência do preconceito de cor entre
nós, a ênfase não é dada no preconceito enquanto mecanismo de reprodução e criação de
desigualdades sociais, ou mesmo no instrumento de luta entre grupos livres em mercados
competitivos, mesmo que a industrialização seja responsabilizada pela agudização do
preconceito. Florestan, por exemplo, prefere sublinhar o fato de que, num primeiro momento,
o negro e o mulato permanecem marginais à estrutura de classes.
Tendo em vista as considerações acima, o relato de um ex - gerente de armazém, sendo
este pertencente à família tradicional da cidade, fala que questões étnicas aparecem, somente
entre as charuteiras em momentos de conflitos onde o primeiro xingamento emitido pelas
mesmas é negro ou preto, sendo este conotação de subalternidade ou inferioridade em relação
às outras pessoas, um defeito, a pior das ofensas. Dessa forma, percebe-se no discurso dos
54 Mattos, Hebe. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p. 20-26. 55 Fraga Filho,2006.op.cit,p.125.
51
entrevistados uma tentativa de esconder o preconceito racial existente no período e incorporar
o discurso de igualdade no município na primeira metade do século XX, as charuteiras numa
tentativa de exaltar a sua condição e os gerentes numa atitude paternalista. As configurações
dos discursos das elites ficam evidentes quando lemos os jornais e percebemos como são
tratados os negros e pobres.
Nas notas de jornal56 existem expressões como “pobre preta velha mergulhada na
ignorância de suas crenças”, expressões que denotam o descrédito que os negros tinham na
visão das elites. E também aparecem nesses jornais, convocações para que os lavradores
pobres pudessem plantar fumo com a ajuda dos donos de armazéns, num tom de benevolência
e caridade a esses trabalhadores pobres, sendo que na realidade havia uma troca de favores
entre estes, pois os donos de armazéns cediam as sementes e os lavradores vendiam a
produção à preços módicos aos mesmos.
Nesse contexto, as mulheres charuteiras projetavam suas aspirações futuras nos filhos,
que poderiam reproduzir os moldes de vida dos grupos mais favorecidos da época, negando
dessa forma um passado marginal. Segundo Patrícia Pinho(2004), a representações
constituem o mundo no qual vivemos, e são usadas pelas pessoas para conceitualizar o
mundo, a si mesmas e aos outros. Os grupos dominantes produzem e reproduzem
representações de si e dos outros que justifiquem sua posição na ordem racial e espacial
vigente. As construções das identidades étnicas representam maneiras encontradas pelos
grupos dominados de manipularem as representações de si, que são reproduzidas pelos
discursos dominantes no interior da sociedade em que vivem, seja para desafiarem e
inverterem seus significados ou mesmo para legitimar o que já vem sendo reproduzido. Nesse
sentido, as identidades étnicas negras devem ser entendidas em sua conexão com os processos
políticos, econômicos e sociais de acordo com os contextos originários57.
Nas memórias de Dona Joana Cazumbá fica bem anuanciada as aspirações das
mulheres trabalhadoras daquele tempo, quando conceitua “mulheres de verdade” como
aquelas que honram com a criação dos filhos, também mostram uma nítida consciência de
classe e de pertencimento a determinado grupo étnico, ou melhor, o sentimento compartilhar a
mesma situação social. O que observamos, enquanto acompanhamos as considerações de
Barth é que os grupos étnicos são categorias de atribuições e identificações realizadas pelos
próprios atores e, assim, tem a característica de organizar a interação entre pessoas, ou seja,
elas se identificam a partir suas características étnicas e sociais ao mesmo tempo percebem a
56 Nota do jornal a Verdade destacada acima,ano 1957/novembro. 57 PINHO, Patrícia Santana. Reinvenções da África na Bahia. São Paulo,2004. pp.81.
52
diferença das elites locais. Os papéis sociais são tão determinados que seria inadequado
indivíduos assumirem outros papéis58.
Segundo o relato de dona Joana,
Naquele tempo era bom quando morava no cedro com minha família porque a lá a gente não conhecia nada, não tinha luz, era lampião as coisas eram difíceis, mas a gente passava, a gente sabia qual era nosso lugar não tinha televisão, então ninguém via nada, nos tempo de hoje todo mundo quer ser igual e faz o que não pode(...)minha vontade era criar meus filhos direito(...) Eu morava com minha mãe no cedro nunca conheci meu pai, morava com meus irmão tudo, a gente tudo lá trabalhava na fazenda pouco vinha na rua, só dia de feira mesmo para vender as coisas que tinha lá (...), as coisa eram frutas e verduras de cada época, banana, abóbora o que tivesse a gente trazia, fazia farinha também para vender... mulher de verdade tem coragem para o trabalho para enfrentar a vida, não é como as de hoje que escolhem o que vão fazer, até quando se têm dois, três filhos nas costas. Naquele tempo a gente não tinha nada, mas queria ver os filhos nos estudos. Eu não estudei porque ajudava minha mãe na roça, só quem estudava aqui era quem era rico porque só tinha os primeiros ensino aqui, depois tinha que estudar em Feira ou Salvador e também tinha escola paga que não era para pobre, e só quem podia era quem tinha dinheiro para pagar, mas nem todo rico deixava sua filhas na casa dos outros(...)Queria meus filho estudado para não trabalhar nas cozinha dos outro.
No relato de D. Joana há uma nítida repulsa pelo emprego de doméstica e a
vontade de afastar seus filhos do trabalho pesado que ela exerceu na vida e uma forma de
incorpora-los na sociedade de uma forma “digna”, a narrativa alinha-se aos padrões morais
vigentes, nos quais moça direita deveria casar para ter filhos.Ao que tudo indica, aos olhos da
sociedade, predominantemente católica e no interior do conflito entre o mistério do pecado
original e o mistério do prazer sexual aqueles membros viviam no pecado, sem educação e
sem pudor, segundo Durkheim o casamento institui a família e ao mesmo tempo deriva dela,
só o vínculo matrimonial permite uma sociedade moral59.
As memórias das ex - trabalhadoras de armazém são permeadas de justificativas que as
livrassem da culpa de não serem guiadas pela moral religiosa do período. Elas buscam se
afastar desse estigma quando priorizam a educação dos filhos, filhos estes que a partir do
momento que foram concebidos por relações informais, deveriam ser educados para não
cometer o mesmo erro, e livrar a mãe do pecado cometido e como uma forma de obter
respeito na sociedade local.
58 BARTH,F. “Grupos Étnicos e Suas Fronteiras”.IN POUTIGNAT,P. e Streiff-Fernart, J. Teorias da Etnicidade. São Paulo:Editora da UNESP,1998,pp.185-227. 59 FRAISSE, Genevieve. Da destinação ao destino. História da diferença entre os sexos.História das Mulheres no Ociedente.Lisboa:Afrontamentos,2004.pp.91.
53
Uma outra entrevistada se orgulha de ter criado seus filhos sozinha e não ter renegado
nenhum trabalho para isso. Assim, Dona Elizabete se orgulha, apesar das dificuldades
financeiras, do trabalho feito no armazém, a que repete várias vezes :
Trabalhei sim no armazéns graças a Deus e tudo que tenho devo a esse trabalho, já trabalhei em vários: no de Jairo(URUSIL), já trabalhei na Tabarama, na Dannermann, já trabalhei em muitos, eu e mãe, todo período que ia contratar funcionários a gente já sabia ia para porta do armazém.Eles ficavam com os funcionários de acordo com a quantidade de fumo que tinha, era muito gente que ficava no trabalho, os que não era chamando naquela hora quando tivesse mais trabalho eles mandava chamar(...)vinha gente de todo lugar para trabalhar no armazém gente de Santana, do Cedro, do gravatá de todo lugar daqui. Era o que tinha para fazer naquele tempo(...)
Nos relatos das ex-trabalhadoras de armazém nota-se uma operacionalidade na
identidade, elas fazem um jogo constante de memória entre o passado e o presente, pois
sempre falam da exploração do trabalho, das duras jornadas que exerciam durante o dia, e
posteriormente, ao fim do expediente no armazém, levavam fardos de fumo para serem
“destalados em casa” com a ajuda dos filhos para que conseguissem o salário combinado, pois
para consegui-lo teriam que trabalhar muito. Segundo algumas entrevistadas elas executavam
todas as atividades do beneficiamento não havendo trabalho leve e pesado. Já trabalharam até
na prensa, que era um trabalho pesado teoricamente masculino, por exigir muita força física
para imprensar o fumo, enfardá-lo e transporta-lo. Uma ex-trabalhadora fala que trabalho de
homem e trabalho de mulher “era só na fala”, mas que ela já trabalhou em tudo dentro do
armazém. Essa operacionalidade é nítida quando falam do presente, pois, dizem que a única
atividade que tinha para fazer e através desta conseguiram aposentaria, construir uma casa,
sendo a casa, para essa população excluída de uma séria de direitos, o lugar privilegiado para
realização do cotidiano da familiar, representando a materialização dos esforços de melhoria
de vida, entre outras conquistas.
Em suma quando relatam o passado é com ressentimento pela exploração do trabalho que
passaram e o presente motivo de orgulho pelo que conseguiram por ter exercido essa
atividade.
Essas mulheres relatam a dignidade que o trabalho lhes proporcionou e a vontade de criar
os filhos nos moldes da moral sangonçalense da época, embora não explicitem a participação
paterna em nenhum momento. Silenciam, evitam falar dos pais, pois ter filhos de vários pais
ou ser mãe solteira era um fator de desqualificação das mulheres. Segundo, Sr. Jairo
Nascimento, um dos gerentes de armazém:
54
Moça de família não trabalhava em armazém de fumo porque trabalhava homem e mulher tudo junto, umas tinham um bom caráter eram casadas e muitos dos esposos também trabalhavam conosco no armazém e outras se aproximavam muito dos homens eram mais desinibidas, o que não era de bom tom, e até hoje não acho que seja porque a mulher fica muito exposta, você entende? As moças de família sempre iam exercer um ofício, iam aprender a costurar, a cozinhar... O trabalho de armazém era mal visto porque era para quem não tinha recursos mesmo não precisava de nenhum grau de instrução para fazer o trabalho e o ambiente não era para moça de família. Quando recebi a proposta de trabalhar em armazém eu estava indo embora da cidade aí resolvi ficar e gerenciar um armazém de grande porte da cidade, nesse período inovamos em muita coisa eu separei, por exemplo, os lugares de trabalho dos e homens e das mulheres para ficar mais respeitoso, não admitia conversinha entre eles e qualquer coisa deveria ser resolvida fora do expediente de trabalho, nunca precisei reclamar ninguém eles me respeitavam muito, acabava fazendo o papel de conselheiro de muitos deles e também tenho uma quantidade infinita de afilhados..Nós fizemos também um refeitório para que as mulheres tivessem um pouco de conforto no horário de almoço porque comiam em pé e muito dispersas, ou saiam para almoçar do lado de fora do armazém, um fato curioso está aí você acredita que elas não usavam o refeitório e continuavam almoçando muito longe uma da outra?Nunca perguntei o motivo, mas creio que tinham vergonha da comida levavam... Outro dia estava na rua aí encontrei uma senhora que falou comigo muito feliz e disse que o período que ela foi respeitada no tempo que trabalhou comigo lá no armazém. Eu não tenho besteira comigo para mim todo mundo é gente eu nem gosto de usar o ter classe baixa ou alta, mas os menos favorecidos porque para mim todo mundo é igual e deve ser respeitado.
No relato acima são perceptíveis alguns códigos de conduta que regiam as diferenças
entre as mulheres que possuíam algum cabedal viviam na reclusão, reduzindo suas vidas a
afazeres domésticos leves e, na maioria das vezes, sem quase nada para fazer60. Mas, havia
algumas mulheres da elite sangonçalense que eram proprietárias de fazendas e as
administravam como fica explicito nos censo das propriedades rurais de 193761. Havia
mulheres que estudavam e se envolviam na política do município, nas atas da câmara são
grafadas a participação dessas mulheres nas discussões de assuntos relevantes na época, como
a educação e modernização da cidade. Conforme os estudos de Márcia Barreiros, na passagem
do século XIX para o século XX a presença feminina nas ruas foi mais evidente, pois estas
acompanhavam as transformações dos costumes da cidade de Salvador, que aos poucos se
modernizava. Assim como na capital, no interior essa presença também foi significativa
60 VASCONCELOS, Vânia Nara Pereira. Evas e Marias em Serrolândia: representações da mulher numa cidade do interior 1960- 1990. Monografia de Especialização. UEFS.1999. 61 No levantamento dos impostos pagos pelas propriedades no jornal A verdade de março de 1937, mostra a existência de mulheres de mulheres donas de várias propriedades, como por exemplo, Ana da Costa Falcão que possuía 5 propriedades no distrito de Sergi, atual Nossa Senhora das Mercês.
55
havendo limitações para que as mulheres “honestas” não se igualassem às mulheres
públicas62.
A exclusão das mulheres fumageiras de São Gonçalo dos Campos frente à moral local é
evidente, pois esta determinava os modos comportamentais de moça direita e de família.
Essas mulheres eram estigmatizadas pelo seu comportamento ou atos teoricamente
irresponsáveis como a formação de famílias irregulares dando uma noção de que a mulher era
culpada por uma vida de erros. No depoimento acima há uma tentativa de mostrar a igualdade
entre todos, considerando que essas mulheres são vítimas da sociedade, contudo evidência-se
a diferença entre as “boas moças” de família e as mulheres charuteiras que formariam um
grupo homogêneo no senso comum, alem de serem negras e pobres muitas não se
enquadravam nos padrões femininos locais. Costa e Pinto diz que a intensa utilização da mão
- de- obra feminina na indústria fumageira aliada ao conhecido padrão de uniões extra-
conjugais, de puro amasiado, tão freqüente, entre as classes pobres brasileiras, especialmente
no interior, são fatores que, nas áreas urbanas da zona do fumo do Recôncavo, quase se
institucionalizaram a prática da mulher operaria sustentar o companheiro, que passa dias nos
bares e bilhares, jogando dama ou jaburu, pegando aqui e ali, um ou outro biscate, quando
não, simplesmente vadiando63.
Cabe considerar, segundo Patrícia Pinho (2004) que os grupos étnicos são sistemas de
definições de limites e fronteiras, onde o contraste funciona como o detonador dos processos
de identidade. Os versos do jornal a Verdade de 27 de fevereiro de 1947 escrito por Arlette
Corrêa Netto, professora e poetisa, explicita essa dicotomia:
Roceira
Eu gosto de ver a Roceira
De trança Fininha
No teu cavallo Arreiado
Assim montada Bem montada de lado.
62 BARREIROS, Márcia Maria. Socialização Feminina: cultura e lazer da mulher de elite em Salvador na Primeira República. IN Metamorfoses: gênero nas perspectivas interdisciplinares. Salvador: UFBA, 1998. Pp165-180. 63 COSTA e PINTO,L.A. O País do Fumo e a Zona da Agricultura de subsistência .IN.BRANDÃO, Maria de Azevedo.Recôncavo da Bahia:Sociedade e economia em transição.UFBA,1998. PP.101-185.
56
Enquanto as outras passam velozes Em bonitos automóveis Pelas ruas da cidade Ostentando vaidades Ta a gentil roceirinha De trancinha fininha
Vaes galopando O teu fogoso alazão
E pensando Calada
Pela estrada no rapagão Bruto e queimado
Que te dê uma casinha Perto do povoado
Algumas vaquinhas Leiteiras e outras
Tantas galinhas poedeiras
Eis gentil roceirinha De trancinha fininha
O teu doce sonho dourado.
Os versos levam a perceber o pensamento da época e os limites sociais entre as moças da
sociedade e as “Roceirinhas”, mulheres pobres da zona rural que vinham montadas a cavalo
para cidade por não terem recursos e nem o requinte das moças de elites que andavam em
velozes automóveis. A autora tenta mostrar uma saída para vida das “roceirinha” e o
pensamento das mesmas: era sonhar com o casamento com um homem adjetivado de bruto e
queimado, apresentado como aquele trabalhador que pudesse dar condições de vida
condizentes com sua condição social. Seria suficiente uma rocinha e criar alguns animais
independentes do trabalho para outras pessoas, mas para o sustendo de sua própria família.
Nesse poema é enfatizada a importância do casamento para a constituição da família.
Percebe-se que há uma naturalização, uma representação social comum do que é uma família
e desta como condição indispensável para produção reprodução dos seres humanos, o que
implica a idealização de um ambiente harmônico repleto de condições necessárias ao
desenvolvimento de indivíduos saudáveis, equilibrados e produtivos. Em suma, implica
pensar numa organização social baseada na divisão sexual dos papéis complementares e
hierárquicos expressos na sociedade moderna na figura do pai/chefe de família e seu par a
mãe/dona de casa, logicamente acompanhados de sue complemento, a prole64.Essa mesma
ideologia contribui para legitimar o papel da mulher, fazendo com que essas se sintam por
muitas vezes responsáveis exclusivas pelos seus filhos, o que termina por fazê-las indivíduos
mais dóceis à marginalização, aceitando mais facilmente que os homens situações de penúria,
64 MACEDO, Márcia. Relações de Gênero no Contexto Urbano: um olhar sobre as mulheres do meio popular.Cadernos do CAES,2001.
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subocupações e trabalhos penosos em nome dos sustento dos filhos.Segundo Macêdo (2001)
são as mulheres que, dentro do grupo doméstico, aquelas mais dispostas a sacrifícios, muitas
vezes não medindo esforços, para que os filhos possam permanecer na escola e venha
conquistar níveis mais altos de escolarização.
Nas pregações da igreja presentes nas notas de jornais a família também aparece
conceituada como uma instituição que se consumava com a participação da mãe, pai e filhos.
No jornal O Campesino existem vários artigos sobre A família, artigos cujo o teor
objetivavam-se a manutenção “bons costumes”: Causa-nos grande dor, a demasiada vaidade que domina a sociedade atual que não condizem com a modéstia da família brasileira (...).As dansas e a vestes são condenadas, pois, causam o perigo de perversão. Indifferente a si a dansa torna se má e pecaminosa(...)Dahi o mal de dansas e bailes dirigidas por gente libertina e reagem a batuques diabólicos feito demônios entre nós. Desse modo é pecado grave frequentá los, e assistir a ellas, salvo o caso de necessidade, não havendo, porem, perigo de consentimento de taes actos(...) Terminado esta parte, desta nossa pastoral, relativa a família, a qual queremos, santa e feliz esperamos, que nossos amados diocesanos comprehendendo o mal das seduções do mundo, procurarão fazer que resplandam em seus lares, a graça e a beleza das regras da moral cristã em todos os passos da vida de suas famílias. Oh!Preza aos Céos, que o exemplo de santidade, de modéstia, de alegria, de paz da Sagrada Família, refulgindo, com um brilho divino atravez dáquellas paragens da casa de Nazareth, se reproduza entre nós65.
As matérias jornalísticas alertavam sobre a ameaça da modernidade na estabilidade
familiar e também normas comportamentais para que os católicos não perdessem os valores
cristãos e padrões aceitos pelo catolicismo, visto que não podia admitir que as novas modas e
novos hábitos colocassem em risco a organização familiar, até então importantes66:
Segundo Márcia Barreiros (1998), a preocupação das mulheres dos setores privilegiados
em se integrar à modernização foi tão expressiva que acabou sendo alvo de criticas de
diversos segmentos sociais, inclusive de outras mulheres. As criticas não eram relacionadas
apenas aos comportamentos, à nova forma de namorar, mas atingiam até as roupas que se
usavam. Em nome da honra, do pudor e do decoro, os modelos de trajes, os tecidos e cores, os
excessos de adornos eram execrados publicamente, não se admitiam que novas modas
colocassem em risco os costumes das famílias até então importantes, como por exemplo, o
recato feminino, tão bem simbolizado na vestimenta.67
65 Jornal o Campesino,página anexa. 66 Barreiros, Márcia. Op.cit.174 67 Idem,ibidem.
58
Assim, ao destacar que o social é historicamente constituído, nele as experiências sociais
femininas e masculinas diferenciadas emergem numa condição própria em sociedades
específicas, dessa forma, nota-se que a padrões e valores das classes dominantes de São
Gonçalo dos Campos na década de 50 não eram condizentes com o comportamento dos
trabalhadores do fumo da cidade tanto pela história do município quanto pela forma que
aquelas mulheres foram inseridas na sociedade local, numa situação marginal que procuravam
vencer cotidianamente e através de sua experiência souberam contornar as dificuldades
financeiras.
Segundo Fernand Braudel “a história é a soma de todas as histórias possíveis: uma
coleção de ofícios e pontos de vista de ontem, hoje e amanhã”68, então pela necessidade de
maior conhecimento da participação das mulheres, de modo geral, no cenário Histórico faz –
se necessário que os estudos de Gênero venha transpor as construções culturais, pois na
realidade, a elaboração de uma história mais condizente com as demandas contemporâneas só
será possível quando houver uma real expansão dos limites da história, que vise não apenas os
grandes acontecimentos, “mas a fala dos oprimidos e também as desigualdades de poder que
se organizam no mínimo como gênero, classe e raça”, como bem afirma Rachel Soihet69. Dar
voz aos excluídos da história é, portanto, implementar uma ação democratizadora, a própria
história, sendo o estudo de seu cotidiano a via prática de sua aplicação70.
1.3. Ana Regina, Joana e Elizabete: o que fazem essas mulheres?
Sempre relegado ao terreno das rotinas obscuras, o quotidiano tem se revelado na história social como a área de improvisação dos papéis informais, novos e de potencialidades de conflitos e confrontos.
Ecléa Bosi Os jornais A Razão, o Campesino e A Verdade, folhetins de circulação interna das
décadas de 20 à 60 do século XX, são permeados de colunas destinadas ao cultivo e as
propriedades do fumo descrevendo sua composição, valor no mercado externo e a sua
importância para economia local. O jornal A Verdade em matéria de fevereiro de 1947
68 BRAUDEL, Fernand . Op. cit. 69 SOIHET, Rachel . Op. cit.p180 70 SILVA, Elizabete Rodrigues da. Fazer Charutos: uma atividade feminina. Dissertação de Mestrado.UFBA.Salvador-Ba,2001.
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publicou uma sugestiva reportagem que nós dá um panorama geral da relevância e da
dinâmica citadina em virtude da fumicultura:
Segunda-feira a Cidade amanheceu movimentada. Manhã cedo e já o transito era intenso nas ruas principais. Em frente aos trapiches tropas descansavam de longas jornadas nortunas após ter despejado sobre o passeio a preciosa carga de nosso “curo foseo” 71, ao lado dormiam os almocrefes72 e os operários aguardavam a hora do inicio para recomeçar a faina anual da escolha de nosso principal produto de lavoura.
No trecho acima é evidenciado o inicio do período de trabalho dentro dos armazéns e a
migração das pessoas das áreas periféricas e rurais da cidade para o seu centro, onde ficavam
localizados os principais armazéns e se reuniam enormes multidões à procura do trabalho
temporário, o que lhes proporcionaria uma renda, após um longo período de desemprego, que
o autor da coluna chama de “longa feria”, segundo o mesmo,
Na physionomia da enorme multidão de trabalhadores que aguarda com paciência, durante a longa feria, o momento da chamada para escolha, notava-se a satisfação com cada um que se dirigia para o largo portão de entrada para lhes proporcionar os meios de melhor adquirir os gêneros de primeira necessidade para si e a família que já há longos meses vem sentindo as agruras de uma epocha de paralisação e de desemprego com as conseqüências inevitáveis de falta de recursos. Nas fazendas, a mesma actividade; a fartura e o grito dos tropeiros a carregarem as alimárias com enormes e pesados fardos de fumo, que depois de auxiliar a uns, recompensar a outros e enriquecer a alguns, seguem manipuladas para deliciar os descuidados fumantes que não percebem a epopéia do labor que vae na confeição desse aprazível rolo que se desfaz em fumo para gáudio delles.
Os trabalhadores pobres de São Gonçalo dos Campos disputavam a oportunidade de
participar das etapas produtivas do único produto agrícola de grande valor na região, pois este
era o único auxilio financeiro no qual um grande número de famílias poderiam se beneficiar
por um período razoável, que variava a depender das colheitas anuais. O autor, apesar de no
momento da escrita do texto perceber uma grande euforia por parte dos trabalhadores e a
abundancia na produção de fumo, preocupa- se com o futuro quando diz:
Entretanto os dados estatísticos e as espectativas descobrem ao longe uma nuvem desoladora: a redução anual da safra. Sem qualquer outro produto que lhe substitua na roça e no trapiche, sentimos a diminuição que se opera de anno para anno no volume da producção, como sentimos a diferença na nossa balança comercial, por isso desejamos estudar um dos factores que estão concorrendo para esse
71 Nome científico do fumo. 72 Condutores de besta de carga, arrieros.
60
resultado, que, apezar de ainda longe, nos faz pensar nas suas conseqüências.
O crescimento do cultivo de outros produtos agrícolas como mandioca e a pecuarização
das zonas fumageiras foi uma alternativa para aos agricultores com o declínio da fumicultura,
mas a economia não continuou tão dinâmica como na atividade anterior, pois esta envolvia
várias etapas na produção e vários segmentos sociais no processo de produção. O autor da
coluna justifica o declínio da cultura fumageira em virtude da desorganização do trabalho,
atribuição provavelmente improcedente quando percebemos um contexto econômico mais
amplo e a concorrência que o fumo do Recôncavo sofreu em relação às produções sulistas que
passaram a utilizar implementos agrícolas mais eficientes do que os usados no Recôncavo, o
que no texto traz como maquinismos agrícolas, em detrimento o do uso da mão- de – obra de
um grande número de pessoas. Eram, sobretudo mulheres, cujos envolvimentos com o
cotidiano nos armazéns será problematizados: as atividades exercidas por essas mulheres,
suas relações com os patrões, colegas de trabalho e suas famílias, priorizando, dessa forma, a
discussão de seu cotidiano a partir de relatos orais e também a leituras de outras fontes, como
alguns jornais que através de algumas reportagens nos fazem entender a dinâmica cotidiana da
cidade.
O relógio e uma das torres da Igreja Matriz foram doados por uma empresa de
beneficiamento de fumo alemã, dentre outras contribuições como patrocínio nas festas
profanas e religiosas da cidade.
O centro de São Gonçalo dos Campos é permeado de grandes armazéns de fumo que
chegam a tomar quarteirões inteiros, ladeados por casas imponentes rodeadas de árvores que
sombreiam e refrescam a cidade. A foto a seguir nos dá uma visão geral da estrutura
arquitetônica da cidade, onde a Igreja Matriz é o seu ponto central.
61
Fig.3. Fonte: Prefeitura Municipal de São Gonçalo dos Campos - BA, 2005.
Uma cidade com ares bucólicos e ao mesmo tempo com uma dinâmica urbana intensa,
onde, hoje se misturavam rotineiramente automóveis, motos, carros- de- boi, cavalos e
bicicletas como seus meios de transporte mais utilizados e uma grande circulação de pessoas
no centro da cidade, predominantemente às segundas - feiras e aos sábados, como até eram
esses dias são os preferidos dos moradores da zona rural para resolverem pendências na
cidade e aos sábados são realizadas as feiras livres, que é o momento que estas pessoas trazem
seus produtos para serem comercializados na feira e comprar o que lhes faltam. Nesse
momento misturavam- se as variadas classes sociais com interesses diversos no comercio da
cidade, uns pretendem consumir, outros vender e outros apenas transeuntes.
A imagem a seguir retrata umas das principais avenidas de São Gonçalo dos Campos, o
centro comercial, onde se mistura o antigo e o moderno, tanto na arquitetura quanto nos meios
de transporte.
62
Fig.4.Fonte: Hugo Carvalho, 2000.
O cotidiano da cidade é permeado de múltiplos atores que dão vida e sentido a sua
história, que envolvidas na atividade fumageira, sendo peça essencial para seu
desenvolvimento numa relação de interdependência, dinamizavam o comercio da cidade,
enriqueciam os donos de fazenda e armazéns e ao mesmo tempo, mesmo que modestamente,
conquistavam seu espaço na sociedade local.
Às sete horas da manhã, sob o barulho estridente das sirenes que anunciavam o início
de mais uma jornada de trabalho, as principais ruas de São Gonçalo dos Campos se enchiam
de mulheres que caminhavam em grupos em diversas direções, visto que a cidade comportava
vários armazéns em atividade num mesmo momento.
Era um total de aproximadamente dez armazéns espalhados por vários pontos centrais
da cidade, como por exemplo, Hélio Cardoso, Tabarama, Tabacalera, Copata, Tabacos e CIA,
Adriano Predreira, Dannermman, Fumos URUSIL, Suerdieck, dentre outros. As memórias de
Dona Ana Regina Cazumbá, trabalhadora de armazém durante 44 anos, são significativas a
este respeito:
... o serviço começava as sete da manhã parava meio dia para almoçar e voltava uma hora da tarde e ia até cinco, as vezes tinha gente que saia para comer em casa e quem morava longe fazia sua merenda ali mesmo eu ficava no armazém mesmo que eu morava longe e vinha andando. Aqui naquele tempo não tinha estrada era rodagem aí as mulheres que vinha dos lugares mais longe tinha que vim de madrugada para ta no serviço no horário, vinha todo mundo a pé. Tinha o mestre que olhava tudo e controlava tudo lá no armazém e o contramestre era auxiliar do mestre que fiscalizava todo serviço, era muita gente trabalhando... tinha tempos que
63
era tanto trabalho que a gente trabalhava em turnão que pegava das seis da manhã ao meio dia, depois de uma hora da tarde até cinco horas e de seis horas da tarde até dez horas da noite. Aí de tinha as trocas dos grupos.
As atividades nos armazéns geralmente começavam de setembro a janeiro e duravam de 4
a 8 meses dependendo da safra. Os fragmentos do texto acima é significativo na transcrição
dessa dinâmica , o lavradores envolvidos no plantio também procuravam trabalhar nas etapas
do beneficiamento, abandonando o trabalho nas roças, havendo dessa forma, um grande
número de trabalhadores provenientes de alguns distritos e bairros mais distantes do centro
como, Santana do Itaquari, da Fazenda Cedro,Gravatá, Sete Portas, Bairro Santo Antonio,
Jacaré, Bairro São Benedito, dentre outras localidades. É importante pontuar que, atualmente,
muitas dessas localidades deixaram de ser periferia devido ao crescimento da cidade e
ampliação de seu centro urbano.
O armazém da Dannermann, construído em 1920 é um dos maiores da cidade e que
comportava o maior número de trabalhadores no período áureo do fumicultura, a imagem
seguinte retrata a imponência e a constante presença dessas construções e em cada esquina do
município.
Fig.5. Fonte: Hugo Carvalho, 2000.
As mulheres fumageiras possuíam uma presença ostensiva na cidade, embora
institucionalmente informal e socialmente pouco valorizada. O fato de não participarem da
estrutura política e administrativa da cidade não diminuía a importância do papel que
64
desempenhavam73.Assim as mulheres pobres tinham grande participação na fumicultura, base
econômica da região. Rotineiramente convocadas nos jornais para trabalharem no combate às
pragas da lavoura de fumo, popularmente chamadas de saúvas, quando retiravam as pragas
com muito cuidado para não danificar a planta e prejudicar o rendimento da lavoura, segundo
Dona Joana, lavradora de fumo e trabalhadora de armazém ;
A gente tirava praga por praga, família toda trabalhava, eu ia para as roça de fumo com minha mãe e já ajudava ela, de março a abril era o tempo que se plantava o fumo aí não tinha mais sossego até a noite a gente saia para tirar os bicho das planta. Depois quando a planta já tava grande primeiro a gente tirava aqueles primeiras folhas mais bonitas uma a uma, com cuidado para não mexer no resto, depois a gente capava o resto da planta para dar mais folhas bonitas. Depois pendurava as folhas dos lado da casa para secar e depois vendia os armazém. Era um trabalho danado, viu! a gente ainda plantava mandioca, milho tudo a gente fazia. Quando os armazém começa a comprar os fumos mãe ia junto trabalhar lá, ia todo dia cedinho e voltava no fim da tarde eu ficava em casa com os meninos, depois que meus irmão tavam mais crescido também comecei a trabalhar lá também.
Para poder trabalhar nos armazéns, por vezes não era exigido nenhuma especialidade.
Era uma escolha baseada no conhecimento, ou melhor, nas relações de amizade com os
gerentes e mestres de armazéns e também por ordem de chegada. Conforme D. Elizabete e D.
Joana, como já havia um costume no município, gerentes e mestres que eram pessoas
influentes neste trabalho e mandavam as chamar em casa para trabalhar. Quando se tratava de
outros armazéns, nos quais não possuíam conhecimento deveriam ir cedo para fila, pois a
escolha de funcionários era baseada na ordem de chegada e o número de trabalhadores
contratados também variava de acordo com a safra. Segundo Sr. Edvards Lopes eram em
média 550 a 800 pessoas contratadas por período.
Quando conseguiam o trabalho, Seu Severiano relata que ao contrário do que muitos
pensam, não era um período de tranqüilidade financeira, pois havia casos que os donos de
armazém não pagavam os salários previamente combinados, ameaçando e humilhando o
funcionário. Ele lembra de uma contenda que se envolveu com um dono de armazém, que não
queria pagar o salário na forma acertada, dando uma metade do dinheiro que recusou a
receber. Desencadeando uma situação desagradável, onde o proprietário emitiu vários tipos de
ofensas ao mesmo. Esse ex-funcionário de armazém, ao contrário de muitos entrevistados,
73DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no Século XIX. Editora Brasiliense:São
Paulo,1984.p25
65
relatou várias formas de exploração e desentendimentos de mulheres com mestres e gerentes
pela enorme quantidade de trabalho que tinha para ser executado e pelas exigências da
empresa, conforme as reminiscências de Seu Severiano,
Era o único trabalho que tinha para fazer naquele tempo era pesado, mas não tinha outra coisa para fazer. Só pobre trabalhava em armazém ninguém nunca viu quem tivesse alguma coisinha dentro de armazém principalmente mulher, quando parava os trabalhos no armazém a gente ia arrancar toco, tirar madeira de metro, capinar, plantar, a gente fazia tudo, as mulher iam para roça também e trabalhavam em casa de família, dependia muito da necessidade de cada uma, só sei que a gente fazia de tudo. O trabalho era pesado, mas fazer o que?Parado é que não podia ficar já viu pobre poder escolher?
Nas organização dos armazéns havia os trabalhos de limpeza e separação das folhas de
fumo, ou melhor, era isso que constituía o beneficiamento propriamente dito, tirar as
impurezas do fumo, limpeza das folhas e extração dos talos. Eram etapas realizadas
essencialmente por mulheres que se dividiam em várias atividades como a separação das
manocas, que consistia em separar os montes de folhas de fumo que variavam de quantidade,
onde poderia ter até 28 folhas de fumo numa só manoca que eram classificadas de acordo com
o tamanho alto e baixo,alto acima de 22 cm e baixo menor que isso. Havia a passagem das
melhores folhas, as que estavam no ponto de charuto de melhor qualidade e das folhas mais
pesadas, essa separação chama-se de Mata Fina e Mata Norte,estes eram mais grossos e de
qualidade inferior e os Mata fina eram leves e mais saborosos.
As mulheres trabalhavam também na classificação desses fumos e a separação, pois os
mesmos só poderiam ser enfardados de acordo com a classe. As fumageiras do setor de capas
abertas separavam as melhores folhas que serviriam para capa dos charutos, as folhas que
ficavam por cima; os fumos de segunda categoria, chamados de capote, ficavam no
revestimento do charuto, embora ficassem embaixo das capas de primeira qualidade. O fumo
chamado de sapo era usado no enchimento dos charutos, sendo um fumo bom de 18 cm usado
para encher charutos de qualidade. Também existia a seleção das mulheres que trabalhavam
na limpeza do local de trabalho, na costura das trouxas para transportar o fumo. Para melhor
definir essas etapas dona Antonia fala que;
...as mulheres que trabalhavam nas capas abertas ficavam encarregadas de abrir as folhas de fumo com cuidado para não rasgar, as que trabalhava na desata tinham que tirar os talos do fumo que também era chamado de destalação e também tinha as da escolha que tiravam as melhores folhas de fumo que tinha várias qualidades e tinha que ser separado porque umas
66
folhas de fumo deveria servir de enchimento de charutos por serem inferiores e outras, a mais bonitas serviam de capa..tinha gente que trabalhava também na limpeza do armazém, eu nunca trabalhei nisso ficava mais nas capas abertas que só trabalhava com fumo de primeira qualidade...de acordo com o desempenho do trabalho a gente ia mudando de setor, tinha fazer o trabalho direitinho,mas tinha que ser ativa, tinha gente que recebia por produção e as que recebiam diárias, as vezes a gente levava fumo para destalar em casa, era um dinheiro extra, as trouxa eram pesadas antes levar para casa e depois que a gente trazia de novo para o armazém, para evitar que roubassem o fumo... minha filha, naquele tempo todo bico servia para ajudar em casa, a gente entrava em caixa para poder comprar alguma coisa, a gente vendia charutos,vendia doces, a gente fazia tudo, naquele tempo não tinha luxo...
Quando Dona Antonia relata que teria que ser ativa mostra que o interesse dos
gerentes de armazéns era manter a produção diária alta para que os funcionários ficassem
trabalhando menos tempo, pois quanto mais rápido executassem as etapas do beneficiamento,
menos tempo eles gastariam com pagamento de braços para o trabalho. Numa perspectiva de
ascensão de posição dentro do armazém, as mulheres trabalhavam com cuidado e procuravam
mostrar perfeição de modo a conseguir a simpatia dos mestres e passarem a ocupar os setores
mais valorizados. Porém, as mulheres poderiam mudar de setor, mas o salário que recebiam
em todos os setores continuaria os mesmos. De toda sorte; o trabalho passado é relembrado de
maneira a vinculá- lo a dificuldade de sobrevivência, pois, “naquele tempo não tinha luxo”. A
Lembranças de Dona Ana Regina Cazumbá trazem o mesmo tom:
... eu abria três capas de manhã e de tarde, por isso me despidiram e fui para casa, aí me chamaro de novo consegui fazer seis quilos por dia e fui de novo contratada. Todo fio que tive foi trabaiando no armazém. Arriava o trabaio 12horas com uma hora para comer e uma vez por dia a gente parava para tomar leite. Na desata era duro para dar a produção, trabaiava direto em pé e catava o fumo ligeiro para não tomar carão...
Dona Ana Regina mostra o rigor e a disciplina no trabalho na qual eram submetidas,
ficando nítido que os trabalhos leves e pesados só existiam no plano das representações de
gênero Maria Izilda Matos (2002, p.35) o gênero é a representação de uma relação social: de
pertencimento de indivíduo a uma categoria social e da posição desse individuo face a outros
grupos previamente constituídos. Assim, não se trata apenas de uma construção sócio -
cultural, mas também de um aparelho semiótico, ambos convergindo para um conjunto de
representações que atribuem significados aos membros de uma sociedade, nesse sentido o
gênero é produto das representações de auto-representação.
Devido os trabalhos na fumicultura exigirem mais paciência e habilidade do que força
física, teoricamente atributos femininos, era uma atividade realizada na maioria de sua etapas
67
por mulheres, desde o plantio e o trato da lavoura até grande parte do beneficiamento. Os
homens, nessa atividade, encarregavam- se de trabalhar no enfardamento do fumo, na prensa,
carga e descarga para depois ser enfardado e enviado para seu destino que poderia ser para
fábricas de charutos baianas ou exportados para fora do Brasil.
Nota - se no trecho da entrevista de Dona Ana que havia uma hierarquia de atividades
no armazém. Contudo em outras entrevistas as trabalhadoras tentam afastar qualquer relato
que demonstre diferenciação social. Tais diferenças surgem em pequenas passagens, nas quais
procuram elevar a estima, como no relato acima onde a trabalhadora fala que nunca trabalhou
na limpeza, dando uma forte impressão que as capas abertas era uma posição privilegiada
entre as mulheres do beneficiamento. Tudo indica que, os entrevistados procuram reforçar a
identidade e aumentar a auto-estima porque ao recordar o passado, a pessoa se reconhece
como única em todas as etapas da sua vida, como já assinalou Thompson (1992, PP.187),
apesar das mudanças advindas com a idade, pelas perdas e pelo preconceito, o idoso pode
sentir - se ameaçado em sua auto-estima. Ao sentir – se só nesta etapa da vida, encontra novas
forças ao recordar com outros os fatos da sua vida74.
Dessa forma, evidencia-se na memória dos entrevistados uma constante relação
entre passado-presente, pois esse é um momento de valorização e avaliação de sua trajetória
de vida. Quando as charuteiras falam de sua experiência focam seu interesse em relatar as
conquistas que tiveram com o trabalho, o bom cuidado com os filhos e a ascensão dos
mesmos. Não falam muito facilmente da vida pessoal, nem da relação com outros superiores
no armazém como os mestres, contramestres e gerentes, pessoas que fiscalizavam seu
trabalho. Perspectiva diversa é apresentada por L.A. Costa Pinto ao afirmar que nas regiões
fumageiras era comum, uniões conjugais extralegais, de puro amasiado, tão freqüentes entre
as classes pobres brasileiras. Elas procuram relatar que a relação era muito amistosa e
respeitosa, totalmente livre de desentendimento. Por outro lado, quando os homens
trabalhadores de armazém falam de suas experiências ressaltam a participação das mulheres e
o cotidiano das mesmas nos armazéns, nesse sentido, o Sr. Antonio dos Santos narra que;
... lá tinha as preferidas dos mestres porque dizem que eram caso deles lá, elas ganhavam um dinheirinho a mais e também tinha umas regalias no trabalho só pegavam os ofício mais fácil, tem um finado mestre aqui que tem mais de 20 filho só relação com as mulher do armazém... eu ficava só de parte só olhando, tinha umas brigas por causa lá, de mulher, mas acho que o motivo deveria ser por causa dos namorados, amantes sei lá, sabe como é mulher, né?No tempo que eu trabalhei bem poucas eram casadas.
74 Thompson (1992, p.187), em a Voz do Passado.
68
Percebe - se que as mulheres charuteiras associam seus depoimentos aos padrões morais
do período velando qualquer possibilidade de relatarem o passado como algo que pudesse
diminuí-las frente à realidade da época. Preocupado com essa diminuição da memória
Thompson (1992, p.185) afirma que a construção e a narração da memória do passado, tanto
coletiva quanto individual, constituem um processo social ativo que exige ao mesmo tempo
engenho e arte, aprendizado com os outros e vigor imaginativo. Não podemos esquecer que as
charuteiras eram na maioria chefes de família, cabendo-lhe a manutenção da casa e da família
no que diz respeito ao aspecto econômico, assim como a educação dos filhos e outras
responsabilidades; o marido ou amásio normalmente não se responsabilizava por inteiro
nestas questões, apenas, por algumas vezes fornecia uma pequena ajuda (PINTO, 1998, p.
127-129). Estas mulheres que, atuavam no mercado de trabalho, certamente sustentavam a
estrutura familiar daquela sociedade onde as questões de gênero eram bem demarcadas75 e
não poderiam comporem memórias que viessem comprometer o trabalho com que
sustentavam seus filhos.Segundo Macedo(2001)
Nas famílias chefiadas por mulheres, há uma tendência a analisar a saída
do homem do grupo doméstico em termos negativos por significa a
supressão de um componente que tem a cotação mais elevada no
mercado de trabalho o que levaria a uma situação de maior vulnerabilidade
desses domicílios. Mas o contato com as mulheres chefas de família vem
revelando que a saída de homem pode não significar necessariamente
prejuízo para os que ficaram, pois muitas vezes a presença do homem
pode estar se constituindo em um problema para a família, já que em
muitas circunstâncias ela pode estar acarretando situações de conflito,
violência domestica ou ainda desvio de recursos para fora domícilio
(bebidas, jogos, outras mulheres,etc.)
As mulheres são vistas com preconceito que as desclassificam, originários de valores
machistas misóginos, entranhados no sistema escravista e moldados no menosprezo ao
trabalho manual e de qualquer ofício de subsistência. Além destes, as afetavam os
preconceitos advindos das organizações familiares e do sistema de herança das classes
dominantes, que relegavam como excedentes sociais as mães solteiras e concubinas, parte
integrante do próprio sistema de dominação. 76
75 SILVA, Elizabete Rodrigues da. Fazer Charutos: uma atividade feminina. Dissertação de Mestrado/UFBA.Salvador-Ba.2001. 76 Odila Leite. Op.cit.p41
69
Essas mulheres desenvolveram muitas estratégias de sobrevivência, como por
exemplo, conseguiam fumo dos armazéns ou plantavam em seus quintais e faziam charutos
para seus ganhos próprios, pois até 1977 não havia fábricas de charutos na cidade, Dona
Maria Alves fala que;
Como eu não podia sair de casa para trabalhar porque meu marido não deixava e o que ele ganhava era pouco para manter os filhos eu fazia uns trabalho de armazém em casa, ia buscar as trouxa de fumo e destalava em casa, a gente tinha plantação de fumo no quintal, que a gente fazia charutos para vender em Santo Amaro.. já tinha os comprador certo, a gente já fazia de encomenda, fazia com uma prensa manual para os pacotes de charutos ficar bem feitos, enchia o charuto com refugo, o fumo bom chamado de capa era que capaeva o charuto, colocava na prensa para ficar imprensado, o tamanho era bitolado para ficar tudo do mesmo tamanho, aí dava ao negociante para levar para Santo Amaro e os charutos era bem procurado...
Dessa forma as mulheres trabalhadoras de armazém de São Gonçalo dos Campos eram
mulheres e mães guerreiras que não pouparam esforços para poder ganhar respeito e ascensão
social na cidade trabalhando muito para que seus filhos ficassem livres de um passado
marginal e sofrido. Assim Dona Ana Regina, Dona Joana e Dona Elizabete, como outras
tantas mulheres construíram as suas vidas e a de seus filhos no município.
70
II
CAPÍTULO
Industrialização e Trabalho Feminino:
Ruptura da Tradição.
71
2.1. Cubanos na Cidade Jardim: uma resignificação da tradição.
Tradição é uma representação a partir do
momento que é inventada, muitas vezes
“tradições” que parecem ou são consideradas
muito antigas são bastante recentes, quando
não são inventadas.77
Segundo Narciso Amâncio78, os discursos de modernização e progresso do país,
percebidos a partir da década de 50 do século XX, fizeram o governo destinar maiores
recursos e vantagens a industrialização, provocando um declínio nas atividades agrícolas,
principalmente o cultivo do fumo.
Na década de 90, as associações entre o tabagismo e as diversas doenças ligadas ao
aparelho respiratório, principalmente o câncer de pulmão, traduziram a diminuição dos
incentivos fiscais destinados ao cultivo do fumo. O combate generalizado ao ato de fumar,
assim como o aumento da carga tributária direcionada a esse produto, fez várias empresas do
ramo charuteiro do recôncavo diversificar suas especialidades ou decretarem falência.
Segundo o Ministério da Saúde, o uso do tabaco causa, além de distúrbios na saúde dos
fumantes, um problema ecológico, econômico e cultural. Ecológico porque o uso do tabaco é
a maior causa de poluição doméstica da atualidade, segundo os dados da Organização
Mundial de Saúde (OMS). A esse quadro soma-se a enorme quantidade de agrotóxicos, que
comprometem ainda mais o meio ambiente. O problema cultural é proveniente da ligação que
os jovens fazem com hábito de fumar e a irreverência à “facilitação” da vida social dos
indivíduos e muitas vezes sinônimo de charme e beleza, passando de geração em geração com
pouca restrição e discussão.
Com a intensificação das campanhas de preservação ambiental, os fabricantes de charutos
e cigarros associam a plantação de fumo com menos agroquímicos à plantação de eucalipto
em áreas que não servem mais a cultura fumageira como forma de contribuir com o meio
ambiente.
O Ministério da Saúde e OMS têm disponibilizado recursos para pesquisa que comprovem
os malefícios, as grandes empresas de cigarro pesquisam na tentativa de encontrar variedades
de fumos (cigarro eletrônico), cigarros light (com baixo teor de nicotina, alcatrão e monóxido
de carbono) e novos produtos para fumar, produtos estes que não contenham alcatrão, nicotina 77 HOBSBAWM, Eric e TERENCE, Ranger. Invenção das Tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1999.p38 78 Monografia de Especialização.Pecuarização do Recôncavo Fumageiro.UEFS.p46
72
e que não façam mal à saúde. Alguns resultados de pesquisas indicam que os fumos escuros
contem uma maior quantidade desses componentes prejudiciais à saúde. Sendo a Bahia
tradicionalmente produtora desses fumos escuros, destinados a confecção de charutos e
cigarrilhas e estando São Gonçalo dos Campos entre os municípios produtores de fumos
escuros, o resultado dessas pesquisas repercute na decadência da cultura fumageira local com
grande impacto.
Em relação às campanhas antitabagistas, as pesquisas feitas, tanto por produtores quanto
pela Organização Mundial de Saúde, comprovam a associação do fumo a variadas doenças.
Isso provocou por parte dos produtores uma verdadeira corrida na tentativa de diminuir a
nocividade do fumo, enquanto a OMS intensificou as campanhas que combatem o hábito de
fumar.
Os fumos mais claros com menos teor de nicotina e alcatrão usados na confecção de
cigarros, passaram a ter maior aceitação no mercado, sendo que a restrição da mídia em
relação propaganda de cigarros, tornando anti- social o ato de fumar em público, segregando
os fumantes, afetou o mercado charuteiro. Nestor Jost(1997), presidente da Associação
Brasileira da Indústria do Fumo(Abifumo), em protesto contra a negativização do ato de
fumar publicou um artigo que privilegia a trajetória histórico-social do ato de fumar, onde
segundo o mesmo, antigamente não havia separação entre fumantes e não-fumantes.
as pinturas clássicas já mostravam patriarcas serenos com seus cachimbos ornamentais, como mostram nossos mestres caipiras picando o fumo ou nossos escravos pitando. O século XIX traz a sofisticação dos charutos dos capitalistas opulentos. O cigarro chega aos salões com a ostentação das melindrosas exibindo suas longas piteiras: em desafio a hegemonia masculina retrógrada. O cigarro charme de das fumeses emanciparam as mulheres o acesso ao voto e às carreiras liberais. Pais orgulhosos saudavam a maioridade de seus filhos ao oferecer-lhes o primeiro charuto, ante a emoção e a furtiva lágrima materna. Ancestrais reuniam-se em torno ao porto e charutos eram feitos com carinho artesanal e degustados selando a união entre companheiros. Cercados no lar pela família numerosa e por comensais solícitos, vez ou outra escapa-se para aventuras galantes, subsidiadas no bom tom da época. Nos salões fumavam-se com elegância e discrição; pedindo-se permissão, sempre concedida com naturalidade. Os prazeres do fumo estavam longe e nosso Brasil não era divido entre fumantes e não-fumantes.79
Após ter descrito no capítulo anterior as décadas de 50 a 70 e a dinâmica citadina em
virtude da ascensão da fumicultura na região, tendo como fio condutor o cotidiano das
79 JOST, Nestor.O fumo: tradição e cultura.Anuário Brasileiro do Fumo.p.38.Gazeta, 1997.
73
mulheres trabalhadoras de armazéns, atividade sazonal, que proporcionava oportunidade de
famílias inteiras trabalharem em seu cultivo, por isso também conhecida como lavoura pobre.
Além de cuidados e atenção extremos dos lavradores para combater as pragas e fazer
podagem do período determinado das folhas mais desenvolvidas, ideais para serem enviadas
para o processo de secagem, exigia cooperação e entendimento de todos os familiares sobre
cultura fumageira, nesse sentido embora os recursos financeiros investidos fossem mínimos
os cuidados deveriam ser constantes.
Nesse capítulo focalizo as décadas de 70 a 80, época marcada pela decadência das roças de
fumo, pecuarização das áreas produtoras e a preferência pelos fumos mais claros, produzidos
no sul do país contribuindo, assim, para a retração da produção baiana. Segundo Valdomiro
Lopes dos Santos (1990), o cerne da crise da fumicultura está na derrocada da Alemanha no
último conflito mundial. As empresas sediadas na Bahia, mesmo de propriedade de
brasileiros, estavam sempre ligadas ao capital estrangeiro. Com o fim dos conflitos, as
empresas exportadoras alemãs enfrentaram sérias dificuldades, decorrentes, sobretudo, do
mercado germano, permitindo a entrada de empresas norte- americanas, como a Suerdieck,
por exemplo. Ao intensificar o intercâmbio comercial com alguns países africanos como a
Rodésia e o Malaui, Zâmbia e Angola, a emergência desses novos mercados fez com que os
antigos exploradores perdessem o interesse pela compra do produto baiano80. Silza Fraga
Borba afirma que
O elemento estrangeiro esteve desde o século XIX ligado diretamente à economia do fumo. As firmas sediadas na Bahia mesmo quando seus proprietários eram brasileiros, estavam em sua maioria inevitavelmente ligadas ao capital estrangeiro, sobretudo alemão, cujas firmas se encontravam em Bremen e Hamburgo81.
De 1842 a 1948 existiram no recôncavo aproximadamente 50 fábricas de charutos,
sendo que a primeira foi a Juventude, fundada pelo português Francisco José Cardoso, na
localidade de São Félix82. Atualmente existem quatro fábricas de charutos no Recôncavo,
dentre as quais a Dannermann transformou-se num complexo cultural em São Félix e a
produção de charutos não é mais a sua prioridade, mas a exportação de fumos beneficiados
80 SANTOS, Valdomiro L.pp.58-59.op.cit. 81 BORBA, Silza Fraga Costa.Industrialização e Exportação do fumo na Bahia 1870-1930.Salvador. Dissertação de Mestrado UFBA, 1975,p.71. 82 Idem,ibidem.
74
para Europa. As outras são a Menendez, a Le Cigar em Cruz das Almas e a Chaba em
Alagoinhas.
Em 1959, a produção do fumo em folha em São Gonçalo dos Campos, foi de 820
toneladas e em 1970 caiu para 358 toneladas uma baixa de 56% na produção. Já em 1976, a
produção chegou a seu estado mais decadente com apenas 70 toneladas, reduzindo mais de
80% em relação a já decadente marca de seis anos antes. Nos anos posteriores, houve pequena
recuperação, até que em 1980 a produção atingiu 176 toneladas.83
Paradoxalmente à decadência dessa atividade é que chega a Menendez e Amerino, a
maior fábrica de charutos da Bahia e a primeira de São Gonçalo dos Campos84. Essa empresa
tinha como objetivo fornecer charutos para o mercado estadudinense e parte de europeu.
Mesmo com o recrudescimento das campanhas antitabagistas, os empresários valiam-se dos
costumes requintados de se degustar um charuto e a crescente formação de clubes de
apreciadores do produto. Assim, investiram na perspectiva de que os charutos substituíssem o
consumo de cigarros.
A Menendez fabricava charutos em Cuba, até a ascensão de Fidel Castro ao poder. O
charuto Monte Cristo, considerado de boa qualidade pelos especialistas no assunto, é de sua
criação. Expatriada por questões políticas, ou seja, com a Revolução Cubana e a estatização
das empresas privadas, a família Menendez deslocou-se inicialmente para as Ilhas Canárias,
fundou a Companhia Insular Tabacalera, mantendo a mesma técnica artesanal que a
consagrava em Cuba. Pela falta de êxito do empreendimento nesta localidade, veio para o
Brasil, aportando na Bahia, região de tradição na produção do fumo e também onde já
possuíam contatos com exportadores de fumo beneficiados, os quais, segundos os fabricantes
eram os que mais se assemelhavam com a qualidade do fumo cubano.
No início da década de 70 firmou associação com o empresário baiano Amerino
Portugal, dono de armazém aqui no município e que já era fornecedor de fumo beneficiado
para as fábricas da família Menendez, dando início as atividades no município de São
Gonçalo dos Campos.
Dentre as empresas do ramo charuteiro baiano a Menendez é a maior. Até a década de
90 produzia em média de 3,5 milhões de charutos ao ano, possuindo um armazém de
beneficiamento do fumo em Conceição da Feira, cidade fronteiriça de São Gonçalo e,
escritórios comerciais em Salvador, São Paulo e outro nos Estados Unidos. Na década de 90 o
83 IBGE, Censo Agrícola de 1960,1970,1976 e 1980. 84 SANTOS, Flávia. Internacionalização do Charuto Baiano: relação do mercado baiano com o mercado mundial. Salvador:UNIFACS,2000.p.13.
75
orçamento da Menendez foi de US$1 milhão em investimentos publicitários em revistas
especializadas com a participação sistemática de charuteiras baianas85.
Essa fábrica empregou predominantemente mulheres pobres, porém com características
diferenciadas das mulheres trabalhadoras de armazéns no sentido de escolarização e
configuração do contexto do município no decorrer dos anos que proporcionou melhores
condições vitais quando comparadas às mulheres que trabalharam nos armazéns. Por questão
de sobrevivência e inserção na sociedade, dedicavam-se com atenção e esmero na produção
de charutos para que a arrumação saísse perfeita.
Visando manter as técnicas que a consagrava em Cuba a fábrica procurou selecionar
trabalhadores que não tivessem experiência no ramo charuteiro para que os mesmos
aprendessem a confeccionar os charutos com características essencialmente cubanas, pois
eram destinados à exportação para os Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha e Emirados
Árabes. Eram mercadoria de deleite para um publico de alto poder aquisitivo.
O charuto cubano não é só visto como símbolo de poder ou prazer, mas, sobretudo como
grande gerador de trabalho para região, porque o bom charuto exige uma manipulação
múltipla das folhas de tabaco para fermentação e grande especialização da mão - de- obra
utilizada nas diversas fases de sua composição. Representa um significativo fator de ascensão
social em regiões de reconhecida pobreza86.
Dessa forma, a Menendez adaptou seus interesses comercias à realidade local, visto que,
apesar dos charutos serem feitos no moldes cubanos sua propaganda foi resignificada fazendo
uso das tradições locais. Seja em edições de charutos como nomes de romances baianos, ou
seja, incorporando mitos a cerca da sexualidade das mulatas baianas, que postulavam que a
alta qualidade dos Charutos da Bahia eram provenientes de serem enrolados nas coxas das
mulheres negras e que quanto mais carnudas, bonitas e jovens, melhor ficavam. Segundo
reportagem do jornal A Tarde87 de 79, O Know- how é cubano, mas alma é baiana. Conforme
a imagem abaixo, os Charutos Dona Flor é fruto do encantamento do cubano Félix Menendez
com as histórias e com os personagens de Jorge Amado. O escritor, por sua vez, era um
admirador dos charutos produzidos manualmente por na Menendez & Amerino.
A amizade entre ambos originou a marca Dona Flor, criada em 1987 para comemorar os 20
anos de lançamento do livro Dona Flor e seus Dois Maridos. Era uma homenagem de
Menendez a Jorge Amado e uma forma de associar seus charutos à sedutora personagem que
85 Anuário do fumo,1997. 86 Prefil da Indústria do Fumo,2000. 87 Jornal de circulação no Estado da Bahia,1979.
76
ganhou o mundo na pele de Sonia Braga, no filme dirigido por Bruno Barreto nos anos 70. A
idéia era vender o produto no mercado americano, fechado aos charutos cubanos. Apesar do
apelo de marketing baiano e da origem cubana do fabricante, o charuto de Menendez jamais
conseguiu uma fração sequer da fama e do prestígio das marcas de Cuba.
Isso até o fim dos anos 90, quando uma avaliação da revista americana Cigar Aficionado,
colocou o Dona Flor Robusto (uma das versões da marca) entre os cinco melhores do mundo,
com a nota 92 - antes, nenhum charuto brasileiro havia alcançado os 90. A Cigar Aficionado é
uma espécie de Bíblia entre os apreciadores de charuto, consultada por fumantes do mundo
inteiro88.
Fig.6.Fonte Menendez e Amerino.1987
Pela história do Recôncavo, percebe-se que, nas demais fábricas de charutos, a formação
da mão- de- obra usada na fabricação dos charutos começou no século XVII, antes mesmo das
primeiras indústrias se instalaram na Bahia. Escravas, mulheres de famílias pobres enrolavam,
cotidianamente, folhas de fumo para fazer charutos rudimentares para vender nas feiras. Esses
fumos também eram usados para limpar os dentes. Em Jubiabá, Jorge Amado mostra como
essa população pobre foi incorporada pelas empresas charuteiras que começaram a se instalar
no Recôncavo baiano a partir de 1842. Elas aperfeiçoaram a técnica e passaram o ofício aos
seus descendentes ao longo dos anos.
88 http://charutosecachimbos.com.br/produto-25-charuto_dona_flor_churchill_un.
77
Não perdendo de vista que o caso de São Gonçalo dos Campos possui várias
peculiaridades, pois a cidade serviu como principal campo de plantio nos primórdios da
fumicultura no Recôncavo. As construções dos armazéns de beneficiamento que ainda
existem datam o fim do século XVIII e o início do XIX quando a cidade passou a ter
visibilidade no cenário econômico da região, pela migração de vários fazendeiros que
passaram a investir nessa localidade. Percebe-se na estrutura arquitetônica da cidade a
formação de bairros populares circunvizinhos aos armazéns de beneficiamento do fumo. Por
conta dos longos deslocamentos para o trabalho, várias famílias migraram das áreas mais
distantes do município e formaram bairros em locais estratégicos,que não ficavam na frente
das praças, ou das ruas principais onde habitavam as elites, mas em becos, e transversais que
facilitavam o acesso aos armazéns, como exemplo temos o Bairro da Sete Portas, Gravatá,
Estádio, Santo Antonio, São Benedito, dentre outros.
Até meados do século XX, a cidade nunca havia comportado uma fábrica de charutos. As
mulheres envolvidas na atividade confeccionavam charutos em casa, por conta própria e
fumos de cordas que eram vendidos em quitandas, tabuleiros ou repassados a terceiros para
serem comercializados em Santo Amaro e em outras localidades. Enfim as mulheres já tinham
um saber, uma prática em fazer charutos embora não houvesse fábricas no município, era um
ofício passado de geração a geração, aprendia-se ajudando os mais velhos. Nesse contexto o
estudo das tradições esclarece bastante as relações humanas com o passado e, por conseguinte
o próprio assunto é ofício do historiador. Isso porque a tradição inventada, na medida do
possível, utiliza a história como legitimadora das ações e como cimento de coesão social89.
Como foi descrito no primeiro capítulo, as mulheres envolvidas nessa atividade, eram em
sua maior parte analfabetas. Infere-se que a questão que está sendo tratada é justamente a
resignificação, ruptura e invenção das tradições acerca da fumilcultura na região e a presença
estrangeira que foi fator importante para permanência de alguns elementos que até hoje
identificam esse município baiano como grande produtor de fumo do Recôncavo. Houve uma
adaptação, pois foi necessário conservar velhos costumes em condições novas ou usar velhos
modelos para novos fins. Instituições antigas, com funções estabelecidas, referências ao
passado, linguagens e práticas rituais podem sentir necessidade de fazer tal adaptação90. No
caso estudado, os maiores indícios da grandiosidade da riqueza material advinda da
fumilcultura e participação feminina nessa atividade não foram preservados, salvo as
89 Hobsbawn e Terence Range. Invenção das Tradições. p.16.Paz e Terra 2008. 90 Idem. p.13.
78
propagandas nos domínios da Menedez. Segundo Hobsbawn, por tradição inventada entende-
se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas.
Tais práticas de natureza ritual ou simbólica visam inculcar certos valores e normas de
comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em
relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um
passado histórico apropriado91. Assim, a Menendez, no período de fundação da fábrica usou
um novo tipo de mão-de-obra; a princípio procuraram mulheres que tivessem algum grau de
escolaridade e tivesse a possibilidade de ler as instruções para confecção de charutos cubanos
e capacidade de ascensão na empresa.
Tendo em vista que a maior parte da população do Município estudado é negra,
conseqüentemente essa mão-de-obra foi utilizada na fabricação de charutos cubanos,
atividade artesanal, associada à natureza feminina. Os cubanos se apropriaram dessas
características que identificavam o Recôncavo e ajustaram-nas segundo as exigências da
fábrica para que houvesse maior aceitação nos mercados da Europa e EUA, até porque estes
produtos deveriam ter características próprias, estilos peculiares que os diferenciassem dos
cubanos, pois não poderiam concorrer diretamente, uma vez que Cuba já havia conquistado
vários mercados e consolidado sua qualidade. Ou seja, os donos da fábrica utilizaram
elementos antigos na elaboração de novas tradições inventadas para fins bastante originais. De
certa forma, mudaram o perfil dos trabalhadores e das relações de trabalho e deixaram
permanecer os caracteres que identificavam a tradição e qualidade dos fumos produzidos na
localidade, conforme a imagem abaixo que identifica uma mulher negra produzindo
artesanalmente os tão conhecidos charutos cubanos.
Fig.7. Propaganda dos charutos artesanais na Menendez,1979.
91 Idem. p.9.
79
A invenção das tradições é nítida em alguns casos, já que a história se tornou parte do
cabedal de conhecimento ou ideologia da nação, Estado ou movimento, não corresponde ao
que foi realmente conservado na memória popular, mas aquilo que foi selecionado, escrito,
descrito, popularizado e institucionalizado por quem estava encarregado de fazê-lo. Todavia,
todos os historiadores, sejam quais fossem seus objetivos, estão envolvidos nesse processo,
uma vez que eles contribuem, conscientemente, ou não, para a criação, demolição e
reestruturação de imagens do passado que pertencem não só ao mundo da investigação
especializada, mas também à esfera pública onde o homem atua como ser político.92
2.2. “Trabalho de homem e trabalho de mulher”: representações de gênero no cotidiano
da fábrica.
Durante muito tempo e trabalho feminino foi considerado complementar ao masculino ou
como uma extensão do trabalho doméstico, visto que nossa sociedade, formada a partir dos
paradigmas da cultura européia, branca, masculina, heterossexual e cristã, sendo nomeados e
nomeadas como diferentes aqueles e aquelas que não compartilham desses atributos. A
atribuição da diferença é sempre contingente, ou seja, ela é dependente de uma situação e de
um momento particular. Assim fundada na mentalidade senhorial e patriarcal, a sociedade
sangonçalense, herdeira da história do Recôncavo, naturalizou as diferenças legitimando o
determinismo biológico, escamoteando a construção das identidades, concebendo, dessa
forma, homens e mulheres como pólos opostos que se relacionam dentro de uma lógica de
dominação-submissão que às vezes aparece como invariável.
A história das mulheres fumageiras desse município baiano está inteiramente vinculada a
essa visão de mundo, não deixando de lado que na configuração das relações trabalhistas da
fábrica perceberemos algumas variações: o contexto sócio- histórico das mulheres envolvidas
no trabalho com o charuto nesse momento é diferenciado das mulheres trabalhadoras de
armazém. Estas são protegidas pelas leis trabalhistas, há uma profissionalização da confecção
de charutos onde essas mulheres realizam suas atividades separadas por etapas de produção,
bem num estilo fordista, ou seja, cada qual realiza uma parte da confecção do charuto e são
especializadas no que fazem, como por exemplo, seguindo a descrição feita por Sr. Renato
Tadeu, atual diretor da fábrica, primeiramente as folhas chegam à fábrica em fardos prensados
de 50 ou 60 kg, então, a partir daí o trabalho é todo feminino, exceto a confecção de caixas de
92 Hobsbawn e Terence Range. Invenção das Tradições. p.21.Paz e Terra 2008.
80
madeira, consistindo inicialmente, na escolha da capa, capote e da bucha, posteriormente, as
folhas que são classificadas como capa e capote vão para setor de molhação, localizado num
galpão um pouco separado das outras linhas de produção da fábrica para que fiquem úmidas,
com o vapor produzido por água e a utilização de um ventilador, não esquecendo que as
buchas devem permanecer secas, pois servirão de enchimento para charutos.
Após atingirem a textura adequada as folhas saem do setor de molhação e vão ser
destaladas, ou seja, são retirados os talos que são separados pela suas extremidades direita e
esquerda.Quando chegam ao setor de enchimento, o charuto começa tomar forma, no
momento que o capote envolve a bucha, com uso de cola e uma máquina que é manuseada
manualmente para ter precisão na colagem, onde a folha do capote é colocada e espalmada
para manter o formado, não esquecendo que feito o charuto, este pode variar a bitola, o
tamanho e o diâmetro.Após essa etapa o charuto vai para prensa, onde ele adquire a forma
cilíndrica,e nesse processo ele pode demorar de 20 minutos ou mais na fôrma que é girada 90º
graus dentro do molde para fique bem apertada.Indo para o capeamento, a fase mais exige
atenção e estética na confecção do charuto, o produto é espalmado e envolvido pela sua capa
final.
O fumo não pode ser capeado de qualquer maneira a nervura mais saliente fica para
dentro, após enrolado e colado junta-se 50 charutos que irão para o setor de revisão, onde é
realizada conferencia da perfeição do produto,caso haja algum defeito, volta para ser
corrigido ou desmanchado, caso contrário vai para o secador e posteriormente são separados e
arrumados conforme a tonalidade. Finalizando a produção, o charuto começa a ser estetizado,
sendo anelado e envolvido na bolsa de salofone, sendo finalmente arrumados em maços ou
caixas que vão para o setor de fileiteados para colocar a marca da edição, selo de garantia,
marca da empresa, data de fabricação, validade e todas as informações exigidas pelo
Ministério da Saúde. No setor de expedição os charutos prontos e embalados aguardam a
exportação numa câmara onde permanecem refrigerados para não secar.
Enfim é uma série de exigências como tamanho, cor, peso, espessura e sabor. A
característica da edição é de grande importância na hora de configurar as funções entre as
operárias charuteiras.
As outras áreas do Recôncavo que tiveram a cultura fumageira como seu produto de
maior valor econômico produzindo charutos desde sua origem como no caso descrito por
Elizabete Rodrigues da Silva em Fazer Charutos: uma atividade feminina que discute essa
atividade como uma ocupação eminentemente feminina, na região do recôncavo baiano na
primeira metade do século XX, mais precisamente nas cidades de Maragogipe, Cachoeira,
81
São Félix e Muritiba, estendendo se até a Vila do Cabeça, atual município de Governador
Mangabeira já havia uma grande produção charuteira nas fábricas da Dannemann,Suerdieck,
Costa Ferreira & Pena, entre outras.
São Gonçalo era um dos principais campos de plantio e beneficiamento do fumo usado
nessas fábricas e só a partir da segunda metade do século XX que vai comportar a sua
primeira fábrica charutos. Até então a produção de charutos na localidade estava nas mãos de
mulheres que os faziam para ganhos próprios. Com a instalação da fábrica foram
desenvolvidas características diferentes das demais, tanto em espaço físico como no perfil das
funcionárias segundo dona Raimunda, uma das primeiras funcionárias da Menendez,
Trabalho na fábrica de charutos desde quando começou a funcionar, não cheguei a tomar o curso fui aprendo com o povo lá que tomou e trabalhava lá. Eu sabia ler e escrever era uma coisa que os donos pediam que soubesse ler e escrever para poder ler tudo: aos avisos, instruções, tudo. Mas eu só tinha feito até a quarta série e hoje em dia sei mais coisa que muito jovem estudado aí. Tinha gente lá que estudou mais, aí começou como charuteira e foi para administração. No início não era muita vaga como a gente via nos armazém, mas foi trocando os funcionários, aumentando a produção e eu entrei e fiquei. No meu tempo entrou mais gente também. Na época eu já tinha quatro filhos e saia para trabalhar e deixava os mais velhos tomando conta dos mais novos. Foi uma benção na minha vida esse trabalho porque era difícil achar trabalho aqui. Tinha para ser merendeira de escola e trabalhar na casa dos outros, mas não tinha ninguém para me arranjar para trabalhar nas escola e na casa dos outros eu até me sujeitava por necessidade,mas não gostava preferia até pegar umas roupas para lavar,fazer umas faxinas do que ficar direto como empregada. Na fábrica o povo era muito exigente não podia fazer os charutos de qualquer jeito porque diziam que só gente rica fumava e ia para o estrangeiro.Ficavam lá os mestres espiando a produção o tempo todo até hoje é muito rigorosa a fiscalização.Mas para mim é um trabalho que gosto porque eu ganho meu salário certinho,as vezes atrasa mas sempre recebemos,sei o que devo fazer sou uma funcionária,você me entende?Sei o que devo fazer, cada qual no seu setor. Tenho minhas horas de trabalho e tenho meu dinheiro certo. Meu trabalho não envergonha ninguém!
No depoimento de Dona Raimunda é nítida a mudança no perfil das mulheres e as
perspectivas de vida das mesmas que se dá a partir de sua profissionalização e as condições
do momento histórico. Muitas delas que trabalharam na fábrica eram filhas de trabalhadoras
de armazém, que através de seu trabalho proporcionaram acesso à educação formal de seus
filhos, embora o ensino, no município , a partir da 5ª série do ensino ginasial era pago até o
ano de 1973, um dos filhos das mulheres trabalhadoras de armazém tinha direito a bolsa
ginasial financiada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Fumo, estes
conseqüentemente eram os que podiam dar prosseguimento aos estudos. Sendo comum que
os demais estudassem até a 4ª série primária, pois havia gratuidade até esse período.
82
Dona Romilda, filha mais velha de uma trabalhadora de armazém, seguiu o ofício da mãe
para poder ajudar criar os irmãos e dar acesso à educação a pelo menos dois, que seriam os
que estariam o momento certo de ir à escola.
Nota-se que as mulheres trabalharam e disciplinaram seus filhos nos moldes dos valores
vigentes, sendo que o trabalho feminino foi um recurso valoroso para modificar sua situação
político- cultural- econômica em São Gonçalo dos Campos.
Repensando a questão das mulheres chefes de família retomando o depoimento acima
infere-se que para que ocorresse a inserção dessas mulheres das classe mais baixas no
mercado de trabalho era necessário a transferência do papel de mãe e dona de casa para outros
membros da família, geralmente a filha mais velha, que na maioria dos casos ainda era uma
criança. Alguns estudos vem mostrando como a transformação das meninas em mães
substitutas termina por perpetuar as desigualdades de gênero, pois penalizam as crianças do
sexo feminino ao acelerarem um amadurecimento precoce em relação às de outras classes
sociais, além de dificultar seu processo de escolarização, transmitindo em ultima instância o
mesmo padrão desigual de divisão do trabalho entre os sexos o que termina por poupar os
indivíduos do sexo masculino em detrimento da exploração da fosca de trabalho de meninas e
mulheres93.
Vale lembrar que a República, proclamada pouco mais de um ano após a abolição
definitiva da escravidão, se estruturaria inspirada na Constituição federalista e liberal, que
retirava, porém, o direito do voto dos não alfabetizados ao mesmo tempo em que se eximia de
definir a instrução pública como obrigação do Estado. Apenas na segunda metade do século
XX, a expansão da instrução pública, obrigatória e o voto secreto tornariam a cidadania
política acessível ao conjunto da população brasileira com base em critérios universais94.
Nesse sentido, de modo geral, as filhas das trabalhadoras de armazém gozaram de um
contexto sócio- econômico mais flexível às classes populares. Embora o período pós-
escravidão, segundo Hebe de Matos estende-se profundamente pelo século XX e usando os
termos de Rebecca Scott, que com o passar do tempo havia ainda um substrato de tensão,
estereótipo e preconceito como herança universal dos sistemas de escravidão definidos como
raciais.
Dona Romilda informou-me que era comum, tanto na família dela como em outras, a
saída do município dessas pessoas que conseguiram concluir o segundo grau para cidades
93 MACEDO, Márcia. Relações de Gênero no Contexto Urbano: um olhar sobre as mulheres do meio popular.Cadernos do CAES,2001. 94 Carvalho, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,2003.
83
maiores como Salvador para procurar trabalho, visto que, na capital havia oportunidade de
melhores empregos:
Mãe colocou José Raimundo logo para estudar porque naquele tempo tudo os homem tinha vantagem...(rs) e era comum todo mundo na hora de escolher quem ia ganhar a bolsa do Sindicato, logo escolhiam os meninos. Acho que isso acontecia porque as meninas não davam trabalho, não abusavam em casa nem procuravam confusão na rua. Para se livrar de aborrecimento o povo logo colocava os meninos na escola e as meninas logo se casavam. E como o homem tinha que sustentar a família botava logo eles para estudar e nas outras horas botava para ajudar na lida também. Meus irmãos que estudou foram embora para Salvador, um trabalha na Petrobrás, outra é enfermeira. Tem uma que mora em São Paulo fez um bom casamento e foi acompanhar o marido e a mais nova estuda em Universidade em Salvador essa até hoje não parou de estudar. Só eu que fiquei aqui com mãe.
As memórias de Dona Romilda e Ana Célia dão conta que, o operariado da fábrica foi
constituído por pessoas que tinham conhecimento escolar. No entanto, os poucos anos de
estudo ou segundo grau incompleto limitaram a possibilidade de arranjar empregos melhores
ou até de sai da cidade a procura de melhores oportunidades. Não perdendo de vista que a
fábrica começou suas atividades em 1977, quatro anos após a legalização da escola gratuita.
Constam nas fichas de contratação dessas operárias que a faixa etária era de 19 a 30 anos,
estado civil solteira e o grau de instrução, contrariamente às trabalhadoras de armazém nunca
era nulo variava entre o primário incompleto até o segundo ano ginasial. Assim daí muitas
dessas mulheres puderam ascender de cargo na fábrica, passando a ocupar a condição de
secretária.
Por outro lado as entrevistas acima evidenciam a continuidade ao senso comum do século
XIX, que considerava que a boa formatura de uma moça era o casamento era disseminado até
então. Os homens eram de certa forma, privilegiados, pois o acesso a educação proporcionaria
melhores condições que as mulheres. Porém a geração de trabalhadoras da fábrica foi
bonificada pelo trabalho de suas mães ou famílias, pois suas condições de vida eram outras: a
organização familiar que dava mais segurança para que pudessem estudar; o contexto citadino
menos preconceituoso e mais aberto às classes mais baixas; e a moradia, nesse momento, na
maior parte dos casos, própria e localizada já dentro da cidade facilitava o cotidiano dessas
mulheres e as colocava numa condição privilegiada e não tão marginalizada como da geração
anterior.
O estudo do cotidiano das mulheres fumageiras permite perceber a progressão social
dessas mulheres, e a importância de dar visibilidade aos estudos que incorporam a mulher e a
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abordagem de gênero na historiografia, situado no quadro das transformações por que vem
passando a história nos últimos tempos. É possível afirmar que, por razões internas e externas,
esses estudos significaram a crise de paradigmas tradicionais na escrita da história, o que
requeria completa revisão de seus instrumentos de pesquisa. Essa crise de identidade levou a
procura de outras histórias, proporcionando a ampliação do saber histórico e permitindo
assim, a descoberta do outro, dando voz aos excluídos da história, entre eles as mulheres95.
Nesse caso, o estudo das mulheres fumageiras permite visualizar a mudança dos arranjos
econômicos e sociais nesse município, a conquista do espaço urbano e, de certa forma
aceitação e respeito na sociedade sangonçalense. Nos discursos de várias entrevistadas,
descritos no primeiro capitulo, é enfatizado que trabalharam no armazém e conseguiram
proporcionar uma vida melhor a seus filhos, de modo que não realizassem as mesmas
atividades que elas, atividades informais que proporcionavam insegurança financeira. Mesmo
sabendo que eram exploradas não teriam outras alternativas a não ser suas tarefas e sempre
fazer uso de estratégias particulares para reclamar seus direitos como enfatizar sua condição
de mães - de- família provedoras do lar para pedir acréscimos salariais, alegando diversos
motivos para contemplação do pedido, como na Ata do Sindicato dos Trabalhadores da
Indústria do Fumo, descrita no terceiro capítulo, na qual numa reivindicação salarial, umas
das funcionárias chora e diz que as diárias recebidas mal davam para comprar o sabão que
fazem uso para manter limpas as roupas utilizadas no trabalho.Algumas das funcionárias
desviavam consideráveis quantidades de fumo dos armazéns para produzir charutos para
ganhos complementariam o orçamento familiar.Segundo um dos depoimentos,
Inicialmente as mulheres levavam uma ou duas trouxas de fumo para serem destaladas em casa e retornavam essas trouxas para o armazém no dia seguinte, com o passar dos anos ninguém queria carregar mais trouxas na cabeça ou na mão e quem tinha carroça levava várias trouxas de fumo e retornava para o armazém no fim da semana e quem não tinha carroça alugava, não sei se esse caso era vergonha de carregar a trouxas ou vontade de levar mais trabalho para casa. Muitas mulheres tiravam as folhas mais bonitas e vendiam por conta própria e para manter o peso inicial, elas molhavam porque a água pesa. Então as seguindo ordens dos donos lá do armazém as trouxas mais molhadas eram cortadas, as pessoas não recebiam por ela. Uma vez tinha uma funcionária que levava muitas trouxas para o pai que era cego destalar e a mãe que tinha uma deficiência na perna realizarem o trabalho em casa e ganhar um dinheirinho extra. Certo dia essa funcionária ficou doente e eu fui visitá-la e o pai dela que era cego não sabia de quem se tratava... e menina, ele ficava apalpando as folhas quando via que eram as melhores e maiores ele separava e colocava separadas das demais. Foi uma situação constrangedora, mas me mantive observando!
95 MATOS, Maria Izilda S. de. Op. cit.
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Vale lembrar que a memória sofre flutuações que são em função do momento em que ela
é articulada, em que ela está sendo expressa. As preocupações do momento constituem um
elemento de estruturação da memória, ou seja, a memória é um fenômeno construído.
Evidencia-se no depoimento acima, que havia um rígido controle no trabalho das mulheres,
por trás da suposta atenção dispensada pelo depoente acima, um mestre que vai visitar
“bondosamente” uma funcionária, havia uma fiscalização na veracidade de seus atos.
As obras contemporâneas que retratam o cotidiano feminino e inserção da mulher no
mercado de trabalho vêm mostrar a história de mulheres negras pobres recém-egressas da
escravidão que viram nas atividades informais uma oportunidade de sobrevivência ainda que
precárias. Segundo Sílvia H.Lara, a vertente mais tradicional da historiografia da transição
postula a tese da “substituição” do escravo para o trabalhador livre e o negro escravo
desaparece da história substituído pelo imigrante europeu. Imbuídos no espírito de Rui
Barbosa os historiadores apagaram da história social a nódoa da escravidão. Assim o escravo
não pertence ao universo dos trabalhadores, também o ex-escravo é excluído. Essa ruptura na
história do Brasil, de tão reiterada, já nos parece bem natural. Vários estudos ainda em
andamento têm revelado novas dimensões das relações entre escravidão e liberdade e inclusão
do negro no mercado capitalista.
Dessa forma, não poderia deixar de citar a importância de obras como Trama e Poder:
um estudo sobre as indústrias de sacaria de café de Maria Izilda Matos, que discute o processo
de industrialização brasileiro, focalizando particularmente os vínculos entre a industrialização
e a cafeicultura. A análise encontra centrada nas indústrias de sacaria de café e privilegia as
relações de trabalho feminino.
Em Quotidiano e Poder em São Paulo do século XIX, Maria Odila Leite retrata a vida
de mulheres pobres que viveram à margem do trabalho formal e desenvolvem uma série de
estratégias para sobreviver: vendedoras de tabuleiros, lavadeiras de rios e chafarizes que
através das experiências cotidianas souberam contornar as dificuldades financeiras. Dessa
forma, na década de 80 também no âmbito da temática do trabalho feminino com destaque
para o trabalho fabril e sob influência do marxismo inglês, representado por E.P.Thompson,
consolidou - se uma abordagem baseada no que se convencionou chamar de “cultura de
resistência” 96. Nessa perspectiva de retratar o cotidiano e de historicizar as relações de
96 Gonçalves, Andréa Lisly . História e Gênero.Belo Horizonte:Autêntica,2006.p.18
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gênero, que Maria Odila Dias97 procura reforçar o estudo das mulheres enquanto seres sociais,
analisando as multiplicidades de temporalidades, a construção do objeto de estudo e
delimitação e problematização.
Joan Scott pontua que a introdução das mulheres na história implicava uma
redefinição de modelos, das noções tradicionais, de produção de conhecimento; implicava a
escrita de uma nova história, e não somente a escrita de uma história das mulheres. Segundo
esta mesma autora, o que se tinha era a produção de uma história das mulheres separada
daquela dos homens. Nesse sentido, ela chama a atenção para a importância do "gênero"
enquanto uma categoria de análise histórica e faz uma conceituação da palavra, trazendo uma
noção relacional, onde mulheres e homens devem ser definidos em termos recíprocos, sendo
que nenhuma compreensão de um deles pode ser encontrada por meio de um estudo isolado.
Para Scott, o termo "gênero" indica erudição e seriedade de um trabalho, já que tem uma
conotação mais objetiva e neutra do que "mulheres", o que foi usado para buscar uma
legitimidade institucional para os estudos feministas na década de 1980. Esta década marca a
utilização do conceito de gênero pelas feministas de forma mais abrangente, e não apenas a
substituição de rótulo; como sugere Guacira Lopes Louro, implica em uma opção teórica, de
produção conhecimento.
Os estudos de gênero procuram dar visibilidade às mulheres enquanto sujeitos
históricos. Ao contrário, segundo alguns autores, das correntes feministas que propõem a
guerra dos sexos. Sendo assim, Louro identifica que o aparecimento do conceito de gênero
provoca algumas controvérsias, pois contribui para o ocultamento do sujeito feminino e por
outro lado à distinção entre gênero e sexo. A distinção entre gênero e sexo foi necessária na
medida em que as lutas contra as interpretações biologistas contribuiram para a separação
entre essas categorias.
A teoria e método dos estudos feministas se propõem analisar as mulheres enquanto
agentes sociais, partindo disso, cabe ao historiador decifrar e objetivar a hermenêutica do
cotidiano que está inserido na proposta de estudo.Segundo Dias cabe aos estudiosos(as),
desconstruir, desmontar e criticar totalidades universais.
Não perdendo de vista que, a construção dos papéis sociais é variável, há vários modus
vivendi, culturalmente construído, mas peculiares a cada região, Estado ou grupo social;
97 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. “Teoria e método dos estudos feministas: perspectiva histórica e hermenêutica do cotidiano”.IN: COSTA, Albertino de Oliveira e Bruschini, Cristina. Uma questão de Gênero. Rio de Janeiro, Fundação Carlos Chagas, 1992.
87
masculino e feminino. Nesse sentido, um dos donos da fábrica estudada, originalmente
cubana, não atribuiu apenas às mulheres a confecção de charutos, pois estes deveriam seguir
um padrão de qualidade e ter características peculiares independente de quem os
confeccionasse.
Em cuba, quem encabeçava a linha de produção de charutos eram predominantemente
homens, a técnica não é considerada masculina por exigir paciência e habilidades manuais,
mas estava à disposição de quem se habilitasse a realizar, ou fosse mão- de- obra
predominante na localidade que o trabalho era realizado. Conforme a imagem abaixo são
produzidos artesanalmente charutos de qualidade por indivíduos do sexo masculino.
Fig 8:Cubano fazendo charutos Fig.9.Mulheres charuteiras de São Gonçalo doas campos
A Menendez e Amerino da década de 70 à 80 empregou aproximadamente 350 pessoas
na confecção de charutos e no beneficiamento de fumo, atividade que era realizada em
Conceição da Feira, sendo que cerca de 90% dos funcionários da fábrica eram do sexo
feminino, pois as representações de gênero que norteiam a mentalidade da região afastaram os
homens dos trabalhos minuciosos do beneficiamento e da confecção de charutos98. Trabalhos
considerados de mulher por exigir paciência e habilidade.
Em todas as entrevistas pode-se notar que os funcionários adjetivavam como coisa de
mulher fazer charutos, colocando em dúvida a sexualidade dos homens que se habilitassem a
realizar tal tarefa. Segundo um dos entrevistados,
98 Dados extraídos do controle interno de funcionários da fábrica.
88
Aqui na cidade sempre foram as mulheres que faziam charutos, quando a fábrica começou empregar as pessoas todo mundo foi fazer o curso de charuteiro só para ter o trabalho garantido e assim que tinham a oportunidade mudavam de setor, só as mulheres continuaram fazendo e tinha uma rapaz que era gay, hoje eu não me recordo o nome dele, mas todo mundo dizia que ele gostava da coisa... era muita brincadeira por causa do formato do produto.Os homens foram ser supervisores,desgarredores de fardos, foram para marcenaria fazer as caixas99.
Através de pesquisas no município pode-se perceber que a Menendez quando iniciou suas
atividades, visava empregar ambos os sexos nas fases de produção de charutos e pessoas que
tivessem algum nível de escolaridade, havendo, dessa forma, uma mudança no perfil das
trabalhadoras de armazém para as trabalhadoras fabris.
Ao observar as entrevistas, ficam nítidas as representações de gênero na fábrica, visto que,
torna-se comum nos discursos dos funcionários, que fazer charutos é uma atividade
essencialmente feminina, pelos mitos que a atividade carrega, havendo uma conotação
erotizada pela forma fálica do produto e a minúcia exigida na sua confecção. As fichas abaixo
indicam que a vinculação da Menendez com o Sistema Nacional de Formação Profissional
Rural- SENAR tinha como objetivo a formação de operários para confeccionar charutos
cubanos independentes do sexo. Conforme a entrevista de Hugo Carvalho, primeiro diretor da
fábrica, o homens até tomavam o curso, mas na hora de trabalhar na linha de produção,
poucos continuavam. Alguns procuravam oportunidades dentro da fábrica mesmo para
trabalhar na confecção das caixas, supervisão, dentre outras atividades e até mesmo os que
saiam do trabalho. Conforme as fichas, percebe-se a presença de ambos os sexos no
treinamento profissional.
99 Depoimento de Renato Tadeu ,atual administrador da fábrica e ex charuteiro.
89
Fig 10. Homens fazendo caixas e fiscalizando o trabalho feminino
Eles priorizavam operários que não tivessem experiências nessa atividade, pois
pretendiam um charuto essencialmente cubano. Dessa forma, promoveram um curso, de
duração de seis meses, para o treinamento dos operários envolvendo ambos os sexos, sendo
que, as representações de gênero incorporados do imaginário social da cidade fizeram com
que os homens se afastassem dessa atividade, sendo ocupada predominantemente por
mulheres e alguns homossexuais. Os homens foram ocupar outras atividades teoricamente
“masculinas” por iniciativas próprias na fábrica. A mão-de-obra masculina era aproveitada,
sobretudo na seleção e enfardamento do fumo e na confecção de caixas e embalagens de
charutos (Teixeira e Andrade, 1984).
90
Segundo Joan W. Scott, as mulheres eram associadas ao trabalho barato, mas nem todo
trabalho barato era considerado para elas. Se eram consideradas para trabalhar nos ramos
têxteis, na confecção, no calçado, no tabaco, na alimentação e na marroquinaria, raramente
eram encontradas nas minas, na construção civil, na construção mecânica ou naval, mesmo
quando havia necessidade de mão-de-obra considerada não qualificada. O trabalho para que
eram contratadas era definido como trabalho de mulher, adequado de algum modo às suas
capacidades físicas e aos níveis inatos de produtividade. Esta prática produziu a divisão
sexual no mercado de trabalho, concentrando mulheres em alguns empregos e não em outros,
colocando-se na base de qualquer hierarquia ocupacional e estabelecendo os seus salários
abaixo do nível básico de subsistência. A identificação do trabalho feminino com certos tipos
de empregos e como mão- de –obra barata já foi formalizada e institucionalizada de várias
maneiras durante o século XIX, de tal modo que se tornou uma questão axiomática, uma
questão de senso comum. Em Chartier, a representação é a compreensão que os homens
buscam do funcionamento de uma dada sociedade ou das operações intelectuais que lhes
permitem apreender o mundo. Nessa perspectiva as relações sócio- históricas constroem os
gêneros e cabe a nós historiadores interpretar o que é tido como natural na relação entre os
sexos.Visando rejeitar um determinismo biológico implícito no uso de termos como sexo ou
diferença sexual, a análise da categoria gênero pretende se referir ao modo como as
características sexuais são compreendidas e representadas ou, então, como são trazidas para a
prática social e tornadas parte do processo histórico.
A história da mulher fumageira de São Gonçalo dos Campos ganha uma cor local, na
medida em que percebemos que a memória é um elemento constituinte do sentimento de
identidade, tanto individual quanto coletiva na medida em que ela é um fator extremamente
importante no sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em
sua reconstrução em si100. Sendo assim é de grande importância a discussão do cotidiano
destas mulheres, a partir de suas próprias visões e lembranças individuais enraizadas em
vivências e experiências próprias. A oralidade é fonte específica para a revelação de suas
ações cotidianas, pois permite aguçar a percepção em relação à visão de mundo dessas
mulheres e do contexto em que estão inseridas. Ainda que os documentos existentes não
privilegiem os diversos aspectos que são relevantes para construção da história de diversos
grupos, as fontes orais abrem essa possibilidade de interpretar o passado dando voz aos seus
100 Pollak, Michael.p204.
91
sujeitos. Nas lembranças de Dona Raimunda fica evidenciado como as mulheres incorporam o
discurso que legitima a distribuição dos papéis, quando diz que
Dá muito trabalho fazer um charuto tem que ter muita paciência. Me diga aí que homem vai ficar sentado enchendo charutos, separando cada um pela cor ? Tem que ter muita habilidade e atenção isso é mais pra mulher. Trabalhar fazendo charutos é a mesma coisa que trabalhar costurando só mulher tem paciência de fazer perfeitinho,como a costura , lembro de um tio meu que fazia charutos para ele mesmo ficar pitando tenho certeza que apesar de saber fazer charutos não trabalharia numa fábrica.E você que é daqui da cidade conhece alguns homens só costuram roupas de homens e não sabem ou não fazem um vestido para mulher porque dá mais trabalho ou não é coisa que homem de verdade faça. Aqui trabalhamos com calma, batendo nossa produção, cada qual em no seu setor, todo mundo fardadinho e sentadinho com nossos horários certo para tudo.
Ao mesmo tempo em que, as mulheres e o senso comum, propagam que os homens não
tinham aptidão para identificar pequenos detalhes nem paciência para confeccionar charutos
em virtude de suas características construídas socialmente, onde o trabalho masculino estava
associado à lógica,ao comando e a força física, estes poderiam ser mestres do trabalho
feminino e fiscalizar a perfeição do produto final.
Fig. 11.Separação dos charutos pela tonalidade Fig.12:Conferência do peso dos charutos.
Talvez para os homens fosse natural exercer o ofício de mestre mesmo que esta
atividade exigisse muita atenção, pois estava numa posição hierarquicamente superior às
mulheres, não se igualando. Ao fazer a recriação do passado, através de entrevistas com
92
pessoas com idade superior a 70 anos, na cidade de São Paulo, Ecléa Bosi101 observa que os
relatos de sua obra são apenas ponto de vista, assim como os livros de História que registram
esses fatos são também um ponto de vista, uma versão do acontecimento, que sofre crítica de
outros livros. Sua preocupação não é com a veracidade do narrador, pois considera que esses
erros são menos graves em suas conseqüências, que as omissões da história oficial. Sobre a
memória, ela diz: é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento. Observa que
muitas coisas não são ditas durante a entrevista, mas em confiança como confidências. Dessa
forma, ficam subentendidas as relações de gênero nos discursos dos depoentes.
Daniele Voldman propõe uma redefinição e uma distinção entre os conceitos de História
Oral, os arquivos orais, as fontes orais, objetivando diminuir as ambigüidades existentes entre
esse novo método (que segundo ele, foi elevado a categoria de disciplina), assim como
Ronald Grele, ressalta a importância dos arquivos orais e a definição da forma mais precisa
possível, das características e os usos das fontes orais para dar credibilidade a Historia Oral.
Grele (1996) propõe uma avaliação da História Oral, destaca alguns de seus problemas, como
a necessidade de se catalogar os dados registrados e avaliar as entrevistas. Dessa forma a
oralidade foi fator estrutural para realização desse trabalho, pois através desse recurso foi
possível se chegar às áreas inexploradas na vida das charuteiras a partir do relato de suas
vivências e experiências próprias Não perdendo de vista que, a categoria gênero, como um
dos principais articuladores das relações sociais no contexto urbano, nos permite entender
como os sujeitos sociais estão sendo construídos cotidianamente por um conjunto de
significados impregnados de símbolos culturais, conceitos normativos, institucionalidades e
subjetividades sexuadas (Scott,1990) que atribuem a homens e mulheres um lugar
diferenciado no mundo, sendo essa diferença atravessada por relações de poder que conferem
a o homem, historicamente uma posição dominante.Segundo Thompson102, o uso da fonte
oral,
Possibilita novas versões da história ao dar voz a múltiplos e diferentes narradores, permitindo a construção da história a partir das próprias palavras daqueles que vivenciaram e participaram de um determinado período, mediante sua referências, e também seu imaginário.
Nesse sentido as fontes orais foram essencias para captar as peculiaridades e as sutilezas
do trabalho feminino em São Gonçalo dos Campos, deixando explicito como homens e
101 Memória e Sociedade :lembranças dos Velhos,op.cit.p.42 102 Thompson.Voz do Passado.pp.41
93
mulheres delimitaram seus papéis a partir das atribuições sexuais historicamente construídas.
Segundo Pollak,
Ninguém pode construir uma auto-imagem isenta de mudança, de negociação, de transformação em função dos outros. A constituição da identidade é um fenômeno que se produzem referencia aos outros, em referencia aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com os outros. Vale dizer que memória e identidade podem perfeitamente ser negociadas, e não são fenômenos que devam ser compreendidos como essenciais de uma pessoa ou de um grupo.
Articulando os depoimentos orais com categoria de análise gênero percebemos que é
naturalizado que as mulheres não dispõem das mesmas condições que os homens para
enfrentar os problemas do cotidiano, isso porque há uma grande concentração do poder e de
recursos produtivos nas mãos dos homens, bem como em termos de acesso diferenciado que
estes têm ao conhecimento.Ao partir desse pressuposto Márcia Macedo(2001) ressalta que por
conta dessas assimetrias mulheres e homens vivem e pensam o mundo a partir de diferentes
lugares, tendo, dessa forma, necessidades diferenciadas. O desafio proposto, segundo Souza
Lobo(1991), é a busca da compreensão dos vários espaços e relações de gênero que se
constrói como o mercado de trabalho, a família, as instituições, as políticas públicas, os meios
de comunicação, etc, que influenciam diretamente na construção de subjetividades de homens
e mulheres103.
2.3. Entre o requinte dos charutos cubanos e organização familiar.
Nessa parte pretendo dar visibilidades às contradições da vida cotidiana das funcionárias
da fábrica, pois estas eram treinadas para confeccionar um produto que é sinônimo de luxo e
prazer para as elites. Não deixando de lado as reflexões acerca do conceito de Bourdieu de
capital cultural, pois na prática cotidiana da vida das mulheres charuteiras é perceptível o
papel da cultura na formação e na luta de classes, sendo a cultura dominante vista como a
melhor e a que possui maior valor simbólico que é legitimado no seu poderio econômico,
Cada classe possui suas experiências objetivas. Assim, a classe trabalhadora e a pequena burguesia tendem à humildade, à aquiescência, ao sentimento de incompetência e à aceitação inconteste da autoridade que decorrem de um conformismo lógico, um sentimento de seu lugar que representam um ajuste da personalidade às condições objetivas e às chances reais desses grupos sociais. (BOURDIEU,P.p.549,1979)
103 MACEDO, Márcia. Relações de Gênero no Contexto Urbano: um olhar sobre as mulheres do meio popular.Cadernos do CAES,2001.
94
Nas entrevistas realizadas, chama atenção como algumas falam “de como é chique” o
público que consome o produto, alternando as impressões com a realidade familiar deixando
evidente que, apesar de trabalharem na fábrica não teriam condições de consumir tal produto.
Visto que Dona Antônia Célia diz que, “mesmo que pudesse não pagaria tão caro por um
charuto”, sendo este, um produto tão comum na localidade. Segundo Antônia Célia,
Charuto era uma coisa comum aqui, lembro que pai fazia e ficava pitando sentando na porta do quintal lá de casa, tinha também uma Senhora que era vizinha de minha casa que fazia para vender,mas era coisa simples não tinha as coisas que tem lá na fábrica.Os povo dos estrangeiro acha charuto chique, aí meus patrões pega,aproveita que os estrangeiro não sabe que aqui é comum e enche o charuto de enfeite e vende bem caro. Menina! tem caixa que custa mais do que o salário que a gente ganha lá. É o dinheiro que nós passa o mês todo comprando comida,apagando água e luz para dar numa caixa de charuto?Até que são bem bonitas,as caixas de madeiras são lindas e os charutos bem feitos ,cheio de plástico,uma tira de papel com brilho de enfeite com nome da edição.Mas,mesmo se eu tivesse dinheiro não pagava o mundo de dinheiro que eles pedem por uma caixa de charuto,acho que não pago porque eu mesmo faço já to acostumada com negócio e o povo lá no estrangeiro não conhece essas coisas e dá mais valor,né?
No depoimento acima fica explicito que a classe trabalhadora vive em função de satisfazer
as necessidades imediatas, ou seja, cada classe social segue seus padrões estéticos que vão
contribuir para que aquele que expresse seus valores seja imediatamente classificado e
continuamente reclassificado dentro de seu próprio grupo104. Cada grupo tende a formar um
padrão específico de preferências que, promove aproximação dentro do mesmo grupo e
dificulta o trânsito a mobilidade social, a incorporação de indivíduos que possuam outros
valores, outros habitus105.
Os consumidores de charutos seguem normas de degustação e exigem qualidade tanto na
estética, como no sabor do produto. Vale lembrar que, a degustação está estritamente
associada a status social, estilo e prazer. Nesse sentido, a entrevista acima mostra o
significado de produzir um charuto para uma funcionária do armazém, produto de luxo para
uma classe social e fonte de renda para outra, que não tem noção do grande mercado se
formou a partir desse produto, pois vale lembrar que para ser um produto de apreciação de 104 SILVA, Gilda Olinto do Valle. Capital Cultural, Classe e Gênero em Bourdieu. Cadernos Informare.Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informção.nº02.v.1.p.24-36.Jul/Dez 1995. 105 BOURDIEU,Pierre.Economia de Trocas Simbólicas.São Paulo:Perspectivas,2007.Ver o conceito de habitus que seria o que explicaria o conformismo e à submissão às autoridades às classes subalternas.
95
classes abastardas, existem vários acompanhamentos para a degustação de um charuto, como
whiskies, vinhos, petiscos dentre outros produtos e maneiras refinadas que os afastam
literalmente dos costumes das classes populares. Segundo Sr. Renato Tadeu,
É comum virem várias pessoas, geralmente apreciadores e usuários, visitar a fábrica no intuito de conhecer melhor a fabricação do produto de perto. Houve a formação de clubes de degustação de charutos.Nesses clubes faziam parte homens e mulheres das elites, artistas baianos de destaque no cenário mundial já apareceram aqui.O charuto de tornou sinônimo de riqueza e poder.Era um hábito que as classes ricas tinham e adotaram vários acompanhamentos que deixaram mais refinado o ato de fumar o charutos,que os diferenciava demais das classes baixas.
Notar-se nos depoimentos e imagens existentes nos anuários propagandas que anunciam
que a degustação de charutos favorece os encontros e as conversas, até mesmo entre as
pessoas mais tímidas, pois a ato de degustar charutos requer um tempo especialmente
dedicado a ele, por isso, favorece a descontração e a aproximação das pessoas. Criou-se o
hábito de degustar charutos após as refeições, segundo matéria do anuário de 1988,
Os Charutos não devem ser degustados durante as refeições mas sim após a sobremesa, no final da refeição completa. Verás como é extremamente relaxante acender o seu charuto preferido depois de uma refeição, após a sobremesa. Não existe um prato ideal para anteceder a degustação de um charuto, o charuto serve como complemento à refeição. Existe até quem diga " mais vale um charuto sem refeição do que uma refeição sem charuto". Vários são os petiscos que podem ser consumidos durante a degustação, como no caso de eventos e reuniões. Haverá o gostinho do petisco na sua boca ao degustar o charuto, esse gostinho poderá misturar-se com o sabor do charuto e poderá agradar ou não, isto vai variar de pessoa para pessoa e de um tipo de charuto para outro, pois as impressões não precisam ser necessariamente as mesmas.
Os valores desses produtos variam muito, as mais caras chegam a custar atualmente R$
1.500,00, enquanto os salários das mulheres são nivelados em um salário mínimo e seguem
um regime de trabalho de 8 horas por dia com algumas restrições.Segundo Bourdieu o capital
cultural é adquirido predominantemente na socialização familiar primária e ali é herdado em
grande parte. As outras fontes são as instituições educacionais transmissoras de cultura ou
conhecimento como escolas e universidades.Nesse sentido os habitus que envolvem os rituais
de degustação praticados culturalmente, passando de geração a geração,sendo sempre
incorporados outros acompanhamentos tornando a ato cada vez mais rebuscado.
96
A classe dominante, ou mais abastada, tem acesso à cultura e a aquisição desta entre os
grupos sociais distintos conferem aos mais privilegiados um poder real e simbólico que os
habilita não somente apresentar os melhores desempenhos escolares, como também uma
relação de naturalidade e de intimidade com as práticas sócias e culturais mais valorizadas
socialmente106. As imagens abaixo,extraídas do anuário comemorativo de 1998, mostram o
luxo e o requinte do público usuário de charutos.
Fig.13.Anuário do Fumo,1998. Fig.14.Anuário do Fumo,1998.
As relações de gênero estão presentes desde a confecção até o momento do consumo do
produto,
A etiqueta da degustação do charuto sugere que homens e mulheres devem acender os charutos de formas diferentes, elegantes de acordo com a masculinidade e a feminilidade dos pares; no caso das mulheres, primeiro deve aquecer-se a ponta, mantendo-a a conveniente distância da chama, levemente inclinado para se obter um aquecimento uniforme e só então levá-lo à boca para que a sucção forme a brasa107.
Após a segunda Guerra Mundial, por motivos que não sei precisar, não encontrei
referências, no ocidente, passou-se a "permitir" o fumo entre as mulheres. Até então, uma
106 Bourdieu.P.op.cit.p.188. 107 http://www.charutos.com.br/artigos/art_charutos01.htm
97
mulher fumante era muito mal vista pela sociedade. Só fumavam as prostitutas e as atrizes
(que para a moral da época, eram mais ou menos a mesma coisa)108.Com passar do tempo
tornou-se elegante o hábito de fumar entre as mulheres,em vista disso a indústria charuteira
investiu no público feminino dando características peculiares às mulheres nas maneiras de
consumir o produto.Nesse sentido, ao perceber as significação do charuto para charuteiras e
para os consumidores infere-se que, segundo Bourdieu, a cultura, como instrumento de
construção do mundo, dando inteligibilidade aos objetos e definindo o que é bom e é ruim
,aceitável e inaceitável produz mecanismos perversos e ocultos responsáveis pelas
desigualdades dos diferentes grupos sociais.
108 http://www.cigarro.med.br/cap12.htm
98
III
CAPÍTULO
Lazeres e Poderes
99
3.1. Gênero e Poder: As Mulheres e o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do
Fumo.
“Os trabalhadores da Indústria do Fumo de São Gonçalo dos
Campos estão completamente abandonados por falta de um
sindicato de sua categoria, que lhe defenda em seus
legítimos direitos, desde que ainda só os trabalhadores
organizados em seu sindicato poderão reivindicar melhores
dias”109
Desde a colonização, a cultura e o beneficiamento do fumo foram atividades
econômicas básicas no município estudado. Esta se caracterizou pela profunda dependência
entre os vários intermediários da produção e comércio, envolvendo os donos da terra;
compradores, enfardadores até firmas exportadoras recaindo sempre o ônus maior sobre os
lavradores110. O brasão do município com a presença de galhos de fumo é indicativo da
riqueza que a fumicultura proporcionou ao município e a posterior pecuarização das zonas
fumageiras, tendo a criação de gado como substituto do cultivo do fumo.
Fig.15.Brasão encontrado na câmara de vereadores 111
Esses mecanismos de forte dependência, segundo Sonneville112, estende-se desde favores
pessoais até a concessão de um pedaço de terra para o plantio, em troca o fornecimento
109 Ata da Reunião do SINDIFUMO,06/12/1959. 110 TEIXERA e ANDRADE, p.86. 111 TEIXEIRA e ANDRADE,p.9. 112 Sonneville, Os lavradores de Fumo de Sapeaçu-Ba,1850-1940,op.cit.
100
obrigatório da mercadoria pelo rendeiro, ou dos empréstimos financeiros aos lavradores
através de adiantamentos de créditos feitos pelas firmas exportadoras aos enfardadores. Desse
modo, a fumicultura em São Gonçalo sempre esteve a cargo dos pequenos proprietários.
Os grandes proprietários incapazes de tornarem produtiva toda área de suas fazendas,
acabavam arrendando a periferia de seus domínios a meeiros dedicados a produção de
subsistência ou culturas menores. Segundo Sr. Severiano era muito trabalho e no final quase
não sobrava dinheiro para os lavradores, que segundo o mesmo eram explorados pelos donos
de armazéns e intermediários. Em Sonneville, os fazendeiros que cultivavam fumo sempre
exerciam outras atividades como donos de armazéns de secos e molhados, criadores de gados,
dentre outras, e aos lavradores não restavam outras alternativas, pois estes sempre estavam
presos a uma cadeia de subordinação, trabalhavam no beneficiamento do fumo quando não
estavam na lavoura. As atividades para o cultivo do fumo eram realizadas pelo lavrador e
sua família e na maioria dos casos, os produtores eram dependentes dos compradores, uma
vez que, o produtor não dispunha de capital inicial sendo obrigado a tomar adiantamentos
descontados no final da safra.
Freqüentemente as notas de jornais anunciavam o pagamento de impostos de consumo
pelos compradores, comerciantes e fabricantes de fumo, estes por sua vez repassavam os
impostos para os lavradores que vendiam sua produção por preços baixos tendo pouco ou
nenhum lucro. Nas memórias de Seu Severiano, é notória essa cadeia de exploração quando
fala que ao lavrador não restava um tostão, pois no momento dos acertos finais das contas
muitos lavradores não recebiam nada e acabavam até devendo porque pediam muitos
adiantamentos para manter a produção. Na nota do jornal O campesino de 1947, percebe-se
que há uma convocação para que fosse pago o imposto citado, valores estes que eram
transferidos para os trabalhadores que saiam sempre perdendo nessas relações de trabalho.
Jornal O Campesino,04/06/ 1921.
101
A nota acima é assinada pelo Coletor Federal, Sr. Policarpo Pedreira Daltro,membro de
família proprietária de um dos maiores armazéns existentes na cidade .Percebe-se que donos
de armazém controlavam as relações econômicas da época, através de rede de parentescos e
influência, troca de favores, recaindo sempre os prejuízos para classes menos favorecidas que
eram os trabalhadores rurais.
Em São Gonçalo havia o Instituto Baiano do Fumo criado em 1935 no governo de Juracy
Magalhães, tendo como prioridade orientar os produtores, fornecendo-lhes instrução e
educação, além do crédito necessário ao desenvolvimento de suas atividades.113. Sua sede
estava localizada na periferia da cidade, antiga Estrada Nova que faz a ligação entre Feira-
São Gonçalo. Dispunha de uma excelente área de plantio experimental, contando também,
com uma grande oficina mecânica que atuava na manutenção dos tratores que assistia aos
fumicultores e aos demais veículos. Além disso, possuía uma equipe técnica que
acompanhava de perto as experiências no campo, orientando os produtores do município,
objetivando primordialmente a melhoria na qualidade do fumo e a distribuição gratuita de
semente para os produtores. Uma nota no jornal A Verdade, de 25 de dezembro de 1937, em
matéria animadora, onde é ressaltado o futuro animador da fumicultura no Estado, mostra-nos
as finalidades do Instituto Baiano do Fumo, que era gerido por empresários, donos de
armazém da cidade. Noticiava que esse órgão, fruto do progresso, era destinado ao bem e a
modernização da lavoura fumageira.
113 BAHIA Governo do Estado- Algumas Realizações do governo de Juracy Magalhães. Salvador: Gráfica Oficial do Estado,1937.p.75
102
Jornal A verdade,25 /12/1937
Segundo Valdomiro Santos, o IBF foi desativado com o advento do Golpe Militar de
1964, período que a fumicultura já dava sinais de decadência na região, pelo surgimento de
fumos de melhores qualidades na África, fazendo com que os importadores recusassem o
produto local. Como segue a nota de jornal abaixo, no período áureo da fumicultura, o
Instituto Baiano do Fumo fornecia sementeiras, adubos e pequenos empréstimos para a
aplicação na lavoura fumageira, não perdendo de vista que quem administrava esse órgão era
um dono de armazém. Fica nítido na nota abaixo, uma prática comum no período estudado, os
coronéis,fazendeiros,comerciantes,enfim as pessoas de maior influência nas localidades rurais
usavam os órgãos Estaduais em virtude do clientelismo político, visto que as pessoas menos
abastardas não conheciam seus direitos. É ressaltado no último parágrafo da nota “tudo com a
melhor da boa vontade em benefício dos lavradores pobres”. Fator já evidenciado nas linhas
anteriores, que favorecia que as elites controlassem os recursos mantendo lucros ao seu favor.
103
Jornal a verdade 1945
O IBF contava com profissionais que acompanhavam as experiências dos produtores,
visando a melhoria da plantação na cidade. O fechamento do órgão foi um sinal decisivo para
desorganização dessa produção no município114.
Em 1970 surge o Instituto Baiano de Desenvolvimento Florestal e Recursos Naturais
que além de distribuir mudas de fumo, distribui sementes de árvores frutíferas e plantas
ornamentais. Nesse momento, a fumicultura em São Gonçalo perde visibilidade dando espaço
à cultura da mandioca e a pecuarização de outras áreas115.
É necessário perceber que esse órgão visava manutenção dessa atividade no município
e posteriormente a diversificação de culturas agrícolas em face da queda das exportações de
fumo beneficiado.
Os discursos de modernização e progresso do país fizeram o governo destinar maiores
recursos e vantagens para industrialização, provocando um declínio nas atividades agrícolas,
principalmente o cultivo do fumo.
Recentemente, as associações entre o tabagismo e as diversas doenças ligadas ao aparelho
respiratório, principalmente o câncer de pulmão, traduziram a diminuição dos incentivos
fiscais destinados ao cultivo do fumo e o combate generalizado sobre o ato de fumar.
A câmara de vereadores de São Gonçalo dos Campos mostrou-se preocupada com a crise
fumageira, desde 1951, quando o vereador Edvaldo Brandão Correia apresentou aos colegas
um requerimento, solicitando ajuda aos produtores de fumo.
...atendendo a que, no curso do ano próximo passado, a região fumageira foi assolada por séria crise climática, cujos efeitos tiveram grande repercussão, concorrendo para diminuição da safra do fumo, determinando, assim, embaraços de várias ordens para nossa economia, com reflexos alarmantes na zona sangonçalense, que tenho a honra de
114 Valdomiro Lopes,op.cit. 115 Idem,ibidem.
104
representar a câmara. Requeiro que por intermédio de sua ilustre mesa, seja dirigido ao Excelentíssimo Senhores Doutores Presidente da República e Governador do Estado, urgente apelo em favor dos lavradores, no sentido de auxílio financeiro e fornecimento de adubos e outros elementos capazes de minorar a aflita situação em que os mesmos se encontram.116
O discurso do vereador é norteado pela necessidade de subsidiar o cultivo de outros
produtos, cuja atividade comercial que amparasse economicamente os lavradores pobres da
cidade que em face da decadência da fumicultura ficaria sem fonte de renda. Porém nas
últimas décadas do século, a produção do fumo tem diminuído em toda região, o que, segundo
Narciso Amâncio117, articulou-se com a pecuarização das zonas fumageiras, ou seja, a criação
de gado ocupou os espaços que eram cultivados o fumo e a cultura da mandioca emergiu com
grande força, sendo associada à criação de casas de farinha e produção de derivados do
produto.
Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Fumo- SINDIFUMO
Diante das revezes da fumicultura, da exploração e da falta de garantias trabalhistas,
os trabalhadores da indústria do fumo de São Gonçalo dos Campos criaram em seis de
dezembro de mil novecentos e cinqüenta e nove a Associação dos Trabalhadores da Indústria
do Fumo, tendo como primeiro presidente Otávio Fernandes de Oliveira, por várias vezes
reeleito em face de suas lutas pelos direitos dos trabalhadores. Essa Associação logo foi
transformada em Sindicato tendo outros nomes ligados à sua formação como Daniel Santana e
Ezequiel Pereira dos Santos. Estes, segundo Sr. Otávio Fernandes, conscientizaram o povo
para a necessidade de garantir seus direitos trabalhistas, visto que, nos períodos de
entressafra,os trabalhadores não tinham nenhuma renda. Além de ter como principal garantia
a palavra dos empregadores em relação aos salários quando voltavam no período do
beneficiamento.
O Sindicato foi organizado a partir da experiência de lavradores do município de Feira de
Santana. Tal condição pode ser observada nos textos das atas de reuniões contando com a
participação do presidente do Sindicato daquela cidade, Sr.Valdomiro Santos, tirando dúvidas
e discursando sobre as vantagens e finalidades da agremiação. Na ata do dia seis de dezembro
de 1959 comunica-se que,
116 São Gonçalo dos Campos, Ata de 13 de abril de 1951. 117 Amâncio,Narciso.Decadência Fumageira:o caso de São Gonçalo dos Campos,op.cit.
105
Os trabalhadores da Indústria do Fumo de São Gonçalo dos Campos estão completamente abandonados por falta de um Sindicato de sua categoria para ajudar contra exploração dos patrões e reivindicar melhores dias melhores direitos...os trabalhadores devem estar organizados para defender seus interesses profissionais.
Nessa reunião foi eleita a primeira chapa que presidiu o Sindicato dos Trabalhadores da
Indústria do Fumo, sendo Sr. Otávio Fernandes eleito presidente. Reeleito por várias vezes,
sua administração teve os objetivos básicos: educar os filhos dos associados e tomar
providências necessárias em defesa da classe junto ao Ministério do Trabalho. As reuniões
que aconteciam duas vezes na semana tinham seus discursos baseados na CLT, Consolidação
das Leis do Trabalho, criada através do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 e
sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas, unificando toda legislação trabalhista então
existente no Brasil. Seu objetivo principal é a regulamentação das relações individuais e
coletivas do trabalho, nela previstas.
Os vinculados ao sindicato deveriam pagar uma taxa anual para confecção de carteiras e
manutenção de sua sede. Percebe-se nas fichas de contratação de armazéns de 1960 que a
maior parte dos funcionários já era filiada ao Sindicado, num curto espaço de menos de um
ano. É notório que esses trabalhadores não resistiram à possibilidade de legitimar seus direitos
acabarem com exploração do trabalho.
Essa organização contou com a colaboração da Igreja Católica, que segundo Sr. Otávio,
num momento que eles não tinham local que abrigasse a sede do Sindicato, o padre Josemir,
estimado por toda a população, contrariamente a outros representantes da Igreja, segundo
depoimentos, “foi o que mais se sensibilizou e abraçou as lutas das pessoas mais pobres”.
Cedeu uma das dependências da Igreja para que as reuniões pudessem acontecer, relata
também que os idealizadores da agremiação foram extremamente perseguidos pelas elites,
que eram constituídas por pessoas que tinha algum tipo de ligação com atividade fumageira
na região.
Nas atas das reuniões do sindicato consta a participação do Pe. Josemir Valverde , seus
discursos objetivavam a conscientização da classe trabalhadora, para que estas pudesse saber
seus direitos e deveres.No texto da ata do dia três de Janeiro de 1960, consta a participação do
Padre citado, dando algumas explicações dos deveres que são impostos aos operários e
também os direitos que aos mesmos assiste.Cita algumas formas procedência da classe
106
trabalhadora, diante da reivindicação das funcionárias em relação ao balanceiro, pois sentiam-
se ofendidas e prejudicadas na hora da pesagem do fumo que traziam de casa para armazém.
3.2. Vozes Masculinas num Espaço Feminino
As atividades na fumicultura envolviam um grande número de mulheres, segundo
D.Julinda, uma das três mulheres que presidiram o Sindicato (as duas outras mulheres que
foram presidentes do sindicato são falecidas), nos primórdios da agremiação as mulheres não
tinham voz e sem falar que não havia união na categoria, o que impossibilitava o crescimento
e valorização do trabalho. Dona Julinda explica que,
A gente queria o reconhecimento de nosso trabalho porque os homens ganhavam o valor da diária maior que o das mulheres. Naquele tempo ninguém falava nem reclamava nada não o povo tinha vergonha, medo sei lá. Tinha mestre que queria que a gente desse produção de até dois ,três fardos por dia para ganhar uma diária descente,mas era quase impossível.Quando a gente ia reivindicar não achava o apoio das colegas porque tinha umas que dizia que se a gente tava reclamando era porque não precisava. Os donos de armazém também não dava vez a pobre, se reclamasse botava para fora para ver se arranjava trabalho melhor e também ficava um monte de gente de olho no trabalho, se uma largasse, num instante arranjava outra e botava no lugar, então as mulher ficava tudo com medo de falar.As mulher começaram a ter coragem de uns tempo para cá porque antigamente ninguém falava não.Tinha gente que nem ia para reuniões do sindicato com medo dos patrões saber.
As mulheres tinham consciência da exploração que sofriam e da falta de visibilidade,
respeito e credibilidade feminina. No início do século XX as histórias das mulheres, contada a
partir de sua própria experiência enfatiza espaços diferentes da vida pública em comparação
aos homens, pois essas reivindicavam seus direitos de maneira diferenciada dos homens
procurando se expor menos.No Sindicato, tido tradicionalmente como local masculino, a
mulher raramente assumia papel decisivo.
...dados revelam que a mulher continua sendo uma trabalhadora discriminada, que ganha salários mais baixos que os homens, têm menos acesso que eles ás garantias trabalhistas, raramente ocupa postos de chefia e segue sendo segregadas em guetos ocupacionais. (Bruschini,1988:139)
Constam nas fichas cadastrais e nas assinaturas das atas que os filiados ao Sindicato dos
Trabalhadores da Indústria do Fumo de São Gonçalo dos Campos eram majoritariamente do
107
sexo feminino, sendo que é perceptível que é a redatora ou redator das atas que registra a
presença das filiadas ao final das reuniões, pois nas ficham fica evidenciado no grau de
instrução que a maioria das mulheres era analfabeta e conseqüentemente não assinavam os
nomes, tendo em vista que a mudança do perfil das trabalhadoras mudou a partir da década de
70, as trabalhadoras de armazém até esse período eram majoritariamente analfabetas. Elizete
Passos, na obra Palcos e Platéias, aponta a existência de várias masculinidades e diferentes
feminilidades. A feminilidade era rígida e continuava sendo regida pelo culto da beleza,
distinção, bom comportamento moral, qualidades amarradas ao biológico, inerentes á
constituição feminina. Os homens construíam sua masculinidade no dia- dia mostrando-se
fortes e destemidos, competitivos, controlados, qualidades que eram mostradas nos espaços
públicos, nos palcos. A platéia era destinada ao sexo feminino, ou seja, o espaço do
espectador, de quem assiste, quem silencia, ouve e passa sem marcar presença. Nesse sentido,
os espaços ocupados pelas mulheres fumageiras no Sindicato eram bem delimitados. Elas
eram a platéia, sendo sempre tuteladas em suas reivindicações pelos homens que ocupavam os
palcos discutiam os problemas e tentavam resolvê-los.
Na ata citada acima, há uma discussão e reivindicação de algumas mulheres em relação ao
balanceiro, funcionário que pesava fardos produzidos ao findar do expediente para mensurar a
produção diária de cada funcionária e as trouxas de fumo quando eram levadas para casa.
Depois, quando retornavam com o produto para o armazém, havia uma nova pesagem para
conferir se o peso era condizente com a referência inicial. As mulheres reclamavam que o
balanceiro registrava o peso que lhe desse na cabeça, não o que a balança registrava. Cabia
aos responsáveis do sindicato abrir uma sindicância para apurar as denuncias das
trabalhadoras que estavam sentindo- se prejudicadas. Levando em conta que, era uma prática
comum de algumas mulheres desviar as melhores folhas para ganhos próprios, não sendo um
hábito geral,mas que poderia prejudicar as que não faziam.
As pautas e as atas do Sindicato, assim como entrevistas registram evidencias de que as
mulheres exploradas no trabalho e ganhavam baixos salários. Os representantes sindicais
buscavam utilizar estratégias que visavam conciliar os interesses dos trabalhadores e donos de
armazém. Objetivando não contrariar nenhuma das partes, assumiam nitidamente uma atitude
paternalista ao assistir as reivindicações das mulheres. Nos trechos das atas, sempre após uma
reivindicação algum dos representantes da agremiação se compromete a tirar satisfação às
partes envolvidas na reclamação.
Nesse sentido, no discurso do presidente do sindicato, este relata que a rebeldia é o
maior fracasso da classe operária e descreve as maneiras que a classe citada devia proceder,
108
afirmando que as mulheres deviam ser educadas no trabalho e nas reuniões do Sindicato
fazendo silêncio. Dessa forma, evitariam tomar “carões” dos mestres. Segundo um discurso
moralizante, as reclamações das mulheres gerariam uma situação desconfortável, pois não
prejudicaria só aquelas que conversavam, mas todo o grupo, onde se faziam presentes
mulheres casadas e mocinhas que não poderiam passar por tais constrangimentos. Explicita
que o Sindicato é o espaço que pode ser usado pelos empresários para reclamarem do
procedimento dos operários e vice-versa. Dessa forma percebe-se que o SINDIFUMO era um
espaço nitidamente político e disciplinador no qual as mulheres eram tuteladas por homens
que se faziam responsáveis pelas suas atitudes e as disciplinavam para que satisfizessem os
interesses dos donos de armazém com a maior produção que pudessem. Era uma via de mão
dupla. Por um lado, em que reivindicavam e buscavam os direitos dos trabalhadores baseados
na CLT, pois as conquistas efetivas foram baseadas na lei, ou seja, eles fizeram valer a lei e
conseguiram disseminá-la entre os que não a conhecia. Constam nas atas a proibição do
trabalho infantil, a impossibilidade de se trabalhar na clandestinidade, e as normas de
compensação para trabalhos em dias de feriado. Por outro lado, tentavam não contrariar os
empresários reprimindo atos de rebeldia dos operários até mesmo em situações em que tinham
razão, recomendado que a justiça divina os consolasse, segundo dona Romilda,
Conseguimos muita coisa pelo do Sindicato eu não estudei porque dei o lugar para meus irmãos estudar. Trabalhava eu e mãinha, mas muita coisa o que vigorava era a vontade dos donos porque o poder é o poder né?Tinha gente que reclamava e não dava em nada porque quem tem dinheiro é quem tem voz já vi tanta humilhação em minha vida, que só Deus mesmo e quem não tivesse satisfeito que fosse embora,mas todo mundo precisa né? Tinha que ficar quieto. Nêgo fazia as coisas com o povo que trabalhava depois contava do jeito que quisesse e não dava em nada, mas o Sindicato foi bom,naquele tempo o ginásio era pago aí o Sindicato dava uma bolsa para cada família, como eu era mais velha de casa fui trabalhar, os outros que não tinha bolsa a gente pagava. Hoje é todo mundo formado e mora todo mundo lá em Salvador tenho uma irmã que é enfermeira, outra professora e outro é da Petrobrás... Comecei trabalhar cedo, era costume esconder a idade porque tinha que ajudar em casa,mas tinha um monte de menina que trabalhava para comprar uns cortes de linho porque naquele tempo era chique, tinha dia que no armazém as mulher ia tudo com as roupas de festa trabalhar.Tinha fiscal que ia sempre no armazém aí a gente tudo se escondia nos quartinho que guardava os fardos quando os homens saia ia todo mundo trabalhar de novo.Eu trabalhei para ajudar em casa,antigamente não tinha fogão, geladeira essas coisas de hoje, a gente faziam o lombo com farofa ia esquentando no fogo de lenha e comia a semana toda,muquiava a carne no carvão em cima a a gente colocava pau de maniva e conservava a semana toda também.
109
Nota- se com freqüência nas discussões do Sindicato as desigualdades salariais baseada
no sexo, pois os homens ganhavam pelo valor de suas diárias duas vezes mais que as
mulheres, sendo que estas semanalmente ganhavam 50,60 ou 70 cruzeiros e os homens 120
cruzeiros. Os representantes do sindicato tentavam nivelar os valores pagos ao salário mínimo
porque algumas mulheres utilizavam estratégias particulares para poder reclamar da
exploração, segundo Foucault o poder deveria ser concebido mais como uma estratégia; ele
não seria privilégio de alguém que possui (e transmite) ou do qual alguém se apropria, assim,
os feitos das relações de poder são percebidos estando vinculados a disposições, manobras, a
táticas, técnicas e funcionamentos. Nesse sentido as mulheres choravam alegando que o
dinheiro não dava para comprar comida para que elas se fortalecessem para o trabalho e nem
sabão para lavar as roupas que usavam para ir para o armazém. Na transcrição da ata, de 23 de
maio de 1960, fica legível essa discussão que se arrastou por várias reuniões. Uma das
funcionárias da Suerdieck, dona Maria Adélia, tomou a palavra e reivindicou o salário
dizendo que:
De acordo com a resolução do presidente do sindicato ela teria o direito de receber o salário de acordo com sua produção, então ela e algumas companheiras declarou a seu empregador que só recebia à base do mínimo e ele propôs não pagar, como de fato não pagou.Disse a queixosa que ela e suas companheiras deixaram o dinheiro no escritório e se deparou passando fome até o dia de segunda –feira.O gerente prometeu que quando Dr. Edivaldo chegasse na segunda a tarde resolvia o assunto, no que Dr. Edivaldo chegou, este ultimou dizendo que não pagaria quantia maior de 70 cruzeiros por diária, como não haveria de morrer de fome se sujeitaram a receber a quantia.Disse a mesma que perguntou – Le, algumas de sua companheiras qual o motivo que elas sentavam na escolha junto aos homens e dava a mesma produção na escolha do fumo e na folha de pagamento era lançado 120 Cr$ para os homens, quando elas recebia 70 Cr$. A resposta foi que pagava era essa quantia para mulher e quem não quisesse fosse embora que eu pago o salário que daria o aviso prévio e de maneira que tornou dizendo à companheira Maria Luiza Cerqueira que os prepostos autorizados da firma não autorizavam mais esta conversa ali sob pena de mandar todas ir embora dali sem direito nenhum.
Com o desenrolar da questão, os representantes do Sindicato vão tirar satisfação com o
gerente sobre o que estava acontecendo com os associados. O gerente pediu que fossem
conversar com Dr. Edivaldo. O mesmo alegou que pagava bem demais, pois havia armazéns
que pagavam às funcionárias a quantia de 40 Cr$ por diária. No momento que estava sendo
feito esse relato na sede da agremiação, uma funcionária da Companhia Pan-Americana de
tabacos (COPATA), Maria de Lourdes, confirmou a palavra de Dr.Edivaldo, dizendo que ela
110
ganhava a quantia de 40 Cr$ por diária, sendo apoiada posteriormente pela funcionária Maria
Ermenegilda Alves Pereira que dizia receber no fim do mês a quantia de 260 Cr$ e que faltou
o trabalho um dia e não sabia fazer as contas de seu pagamento. Unidas pelas reivindicações e
injustiças essas mulheres pediram aos responsáveis pelo sindicato para tomassem
providências, pois desta maneira, segundo as mesmas, seus empregadores queriam que elas
morressem de fome.Vale lembrar que é difícil de avaliar o peso destes valores em comparação
ao custo de vida do período.Infere-se que o exercício de poder se constitui por manobras,
técnicas, disposições, as quais são, por sua vez, resistidas e contestadas, respondidas,
absorvidas aceitas ou transformadas.Na concepção de Foucault o exercício de poder se dá
sempre entre sujeitos que são capazes de resistir.
Comparando o passado com o presente, alguns entrevistados consideram a vida atual
melhor, por causa do conforto que a vida moderna oferece e pelas oportunidades de melhor
educação para os filhos. Outros achavam que no passado havia mais fartura nas coisas
indispensáveis, sobretudo alimentação. Segundo Charles Santana118,
A sensação de se “viver bem” decorre, por um ângulo, do fato de terem certas facilidades em satisfazer as necessidades de alimentação, justificando a recorrência à expressão “naquele tempo tudo era fartura. Exceto alguns produtos como farinha, fumo e café destinados à exportação, a maior parcela dos produtos permanecia nas vilas e localidades rurais. Sobretudo até os anos sessenta eram vendidos muitos gêneros alimentícios como banana, abóbora, cana e muitos outros.
Todos, porém são unânimes em manifestar profundo ressentimento em relação ás
condições que eram submetidos na fumicultura. É profunda a consciência de que todos os
lavradores e trabalhadores do beneficiamento foram explorados pelos negociantes de fumo119.
118 SANTANA, Charles. Fartura e Ventura Camponesa:trabalho,cotidiano e migrações:Bahia 1950-1980. São Paulo:Annablume,1998.p38. 119 SONNEVILLE, J. Os Lavradores de Fumo: Sapeaçu-BA, 1850-1940.Salvador, Mestrado em Ciências
Sociais-UFBA,1982 p. 137.
111
3.3. Cantigas, risos e festas
“..mas o quotidiano não é pura sobrevivência
econômica, e creio que essas mulheres fossem alegres,
como têm que ser animosos os que vivem numa rede de
solidariedade.”120
As mulheres fumageiras em São Gonçalo dos Campos tinham presença ostensiva nos
diversos aspectos da dinâmica cotidiana da cidade, participavam das manifestações profanas e
religiosas, segundo Agnes Haller a vida cotidiana é a vida de todo homem e ela é realizada em
suas várias maneiras, inclusive no lazer. As mulheres da sociedade sangonçalense
organizavam seus modos de diversão, resignificavam as comemorações das elites citadinas e
imprimiam a sua participação nas festividades do município.
No ciclo de festas que havia a participação das mulheres charuteiras incluem-se as festas
das irmandades religiosas, dentre as quais têm destaque à irmandade da Boa Morte. Uma
irmandade negra que segundo Luciana Falcão Lessa era composta por mulheres solteiras e
que trabalhavam por conta própria, grande parte dessas mulheres eram charuteiras.
As contribuições das mulheres de São Gonçalo dos campos são evidenciadas em registros
dos armazéns, atas do Sindicato dos trabalhadores da Indústria do Fumo, entrevistas, assim
como alguns jornais da época. Em algumas entrevistas pude perceber a relevância das festas
de São José, Santo Antonio, a Festa do Padroeiro da Cidade, São Gonçalo dos Amarante e a
participação dessas mulheres irmandade da Boa Morte.
Segundo Luciana Falcão Lessa, as mulheres das classes populares compunham essa
irmandade: vendedoras de quitutes, doces, fato e acarajé, trabalhadoras de armazém, enfim
mulheres negras e pobres que mantinham várias manifestações culturais da cidade. Elas
afirmavam um tipo próprio de feminilidade alimentado nas exigências cotidianas da luta do
dia-a-dia pela sobrevivência e por uma tradição que marcava diversas gerações de mulheres,
sobretudo negras. Uma feminilidade impregnada de valentia que não abria mão da
solidariedade e da afetividade e muito menos fugia da submissão ao poder patriarcal121. Nesse
sentido, umas das formas de inserção da vida cultural e organização festiva dessas mulheres
era a participação nessas associações religiosas, que no caso de São Gonçalo dos Campos tem
um destaque especial a irmandade da Boa Morte. Trata-se uma irmandade ou confraria
120 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder.pp.06. 121 HERÁCLITO,Alberto F.Salvador das Mulheres.
112
católica com a presença de elementos do candomblé formada por mulheres negras e mestiças,
que ainda hoje representa expressão e sobrevivência de formas de organização da cultura de
origem afro e do catolicismo barroco, onde havia mistura do sagrado com o profano .
Segundo Pierre Verger (1992), foi como organização advinda das mulheres adeptas à
confraria de Nossa Senhora da Boa Morte que teria sido fundado no início do século XIX o
primeiro Candomblé keto de Salvador. A partir de 1820, a Irmandade teria se expandido para
a cidade de Cachoeira, local onde ainda hoje preserva seus rituais públicos e secretos.
"Foi uma promessa que os escravos fez na luta, no sofrimento, que eles alcançassem a liberdade que a morte seria desaparecida, porque a morte é o sofrimento e a vida é glória. E a glória é para sempre." (D. Estelita, Juíza Perpétua da Boa Morte em depoimento à pesquisadora; janeiro 2000)122.
Nas comemorações dessa confraria existem as cerimônias públicas e as privadas. Nas
públicas ficam definidos os cumprimentos às responsabilidades católicas, embora, no
contexto, de São Gonçalo dos Campos, as irmãs neguem insistentemente a presença do
candomblé, embora esse culto se mostre inerente a essa manifestação religiosa no momento
que observamos a simbologia gestual e dos trajes em todo processo ritual de forma
minuciosamente elaborada, em especial, durante os cortejos fúnebres e gloriosos123. Segundo
Francisca Marques (2002), a cerimônia privativa das Irmãs, é rezado o Ofício de Nossa
Senhora e incensada a pequena casa ou nicho, local onde é arrumada e velada a Santa. Só
depois é feita a saída do corpo de Nossa Senhora morta. Ela é carregada inicialmente pelas
Irmãs que compõem a Comissão da Festa no ano, embora sejam auxiliadas e haja
revezamento durante todo o cortejo no translado do corpo por outras Irmãs. Elas todas
vestem branco, tem contas e brincos brancos, ou prateados, usam torço muçulmano também
branco e carregam tochas com velas acesas. O traje branco é sinal de luto para o
povo de santo. A missa de corpo presente é feita em memória das Irmãs falecidas.
Posteriormente, é realizado o velório de Nossa Senhora124.
Em São Gonçalo dos Campos, após o cortejo a Irmandade oferece uma Ceia Branca
(peixes, pães, alface, arroz branco e vinho) à comunidade. As mulheres que faziam parte da
irmandade tinham ápice de sua comemoração no dia 15 de agosto, ponto culminante de seu
122 MARQUES, Francisca . Festa da Boa Morte:Identidade,Sincretismo e Música na Religiosidade Brasileira. http://www.naya.org.ar/congreso2002/ponencias/francisca_marques.htm 123 NASCIMENTO, Luiz Cláudio Dias Presença do Candomblé na Irmandade da Boa Morte - Uma Investigação Etnográfica Sobre Ritos Mortuários e Religiosidade Afro-Baiana. Dissertação de Mestrado, UFBA, 2002. 124 Marques, Francisca.Festa da Boa Morte:Identidade, Sincretismo e música na religiosidade brasileira.op.cit.
113
momento de graça o momento que elas soltavam um preso como símbolo de liberdade já que
a essa confraria surgiu com o objetivo de alforriar escravos.
Com suas missas e procissões, os ritos públicos da Irmandade da Boa Morte ecoam
aspectos da religiosidade brasileira do século XIX. Os cantos fazem parte do cancioneiro
católico popular, sendo que boa parte do público, tanto na missa quanto nas procissões, os
conhece e acompanha cantando. O repertório rememoriza o dogma da morte e assunção de
Nossa Senhora nas letras que podem falar da devoção à Mãe (Guardiã) da Irmandade, ou
mesmo pedir guarnição125. Os cantos, rezas e litanias são modalidades narrativas onde o
emprego da palavra pronunciada, e cantada, tem força de expressão e manifestação como ato
religioso.
Na Boa Morte, elas podem estar contidas também nas saudações entre as Irmãs, em
preces coletivas, como a Ave-Maria, ou mesmo na entoação de rezas e cantos específicos
contextualizados em cerimônias da Casa126.
Ó Maria, ó Mãe minha Salvadora dos mortais
Me guiai e amparai Para as pátrias celestiais
Aos vossos pés estamos nós Hoje entoando em altas voz
Ó Maria, ó Mãe de Deus Rogai, rogai, rogai por nós Rogai, rogai, rogai por nós
Contra mim do inferno Embora surge o ferro tentador
Doce virgem nessa hora Socorrei-me com a dor
Aos vossos pés estamos nós Hoje entoando em altas voz
Ó Maria, ó Mãe de Deus Rogai, rogai, rogai por nós Rogai, rogai, rogai por nós
O dia 10 de janeiro data de comemoração da festa do padroeiro da cidade, São Gonçalo do
Amarante, é o momento em que se encontram as várias classes sociais do município. Nessa
comemoração que mistura o sagrado e o profano, as irmãs da Boa Morte, após as
comemorações religiosas, lavavam as escadarias do templo católico, com água da fonte da
gameleira, tida como milagrosa em virtude da possível aparição do Santo que denomina a
cidade, dando início às comemorações profanas. Nas celebrações das novenas em louvor ao
padroeiro, cada dia era na intenção de algum grupo, como das crianças, comerciantes, dos
125 Idem,ibidem. 126 Idem.
114
trabalhadores, dos bairros, dos idosos, enfim variavam a cada ano a intenção do novenário.
Segundo Luciana Falcão, somente na década de 90 que o padre Hermenegildo Castorano
separou as comemorações profanas das religiosas127. As memórias de Dona Romilda
(Mimiu), umas das poucas mulheres que xerceu o ofício de mestra de armazém, descrevem a
participação das mulheres fumageiras na festa do padroeiro,
Tinha mulher que esperava o ano todo a festa de São Gonçalo tinha gente que trabalhava só para comprar uns cortes de seda e de linho que era o tecido chique da época para ir para rua ver a festa e tinha que ser linho liso porque se tivesse estampado ninguém queria porque era corte de pobre. O povo fazia caixa para tirar o dinheiro para festa. A festa não era como é hoje era uma coisa menina, que era um luxo, os ricos não se misturavam com os pobres, era uma roupa para cada dia. Os ricos ficavam sentados na porta só apreciando a festa e rodando a igreja matriz, tinha apresentação da lira, fanfarras só pobres que caiam na dança. Tinha bloco de baianas de manhã, na hora da lavagem das escadarias da Igreja, mas quem trabalhava não podia ir, alguns armazéns liberavam as funcionárias para participar dos blocos das baiana de detarde...assim os festejos eu lembro,assim, que não era tudo que a gente ia porque era uma roupa para cada dia e todo mundo reparava.Era a época que todo mundo queria se arrumar e o dinheiro não dava, para você ver tinha gente que trabalhava só para luxar na festa de São Gonçalo, depois que passava a festa colocava as roupas para trabalhar só para se exibir com as colegas no armazém .
Infere-se através da entrevista que os diversos atores sociais experimentavam a festa do
padroeiro de diferentes formas, de acordo com sua classe social, pois normas
comportamentais e morais que regiam a sociedade na época eram condizentes com a origem
das pessoas. Ou seja, as mulheres das classes populares possuíam comportamentos
inoportunos, ou até mesmo extravagantes de acordo com a mentalidade que regia a época,
herança de um modos vivendi senhorial e patriarcal. Essa visão impunha à mulher de maneira
geral, papéis e procedimentos mais recatados. À mulher negra, contudo, devido a sua inserção
na sociedade escravista, foi negada a condição perpétua de mulher. Era uma mulher cujo
comportamento não seguia os padrões femininos, margeava a sociedade, ocupavam empregos
informais, embora ocupassem os espaços públicos descobriram maneiras particulares de
preservar a sua identidade. Haveria de saber se defender daí eram taxadas de respondonas,
barulhentas e espertas128.
Percebe-se que as mulheres das classes populares gostavam da festa, mas sentiam-se
diferentes das elites tentando reproduzir através de modo de vestir as características destas, ou
melhor, usando as palavras de Charles Santana, as entrevistadas que se mantiveram de algum 127Luciana Lessa. Irmãs do cajado:Um estudo sobre a Irmandade da Boa Morte em São Gonçalo dos Campos. 128 SOARES, Cecília Moreira.A Negra de Rua, outros conflitos.Fazendo Gênero na Historiografia Baiana.Salvador NEIM/UFBA,2001.
115
modo, com maior vínculo objetivo com suas origens de trabalhadoras foram reticentes ou se
negaram a comentar seus sentimentos quanto à dominação129. Enquanto as elites citadinas
apreciavam as manifestações festivas sentadas na porta das casas que circundavam a Igreja
Matriz, restringiam a sua participação a comemorações que não fossem abertas a todas as
pessoas e ostentavam vestes luxuosas nas comemorações, as classes populares se divertiam
atrás dos zabumbas e bloquinhos que saiam de alguns bairros e circulavam pelo centro da
cidade como os mandús,blocos das caretas, dentre outros.Segundo as memórias de D.Lúcia
Almeida, senhora que fazia parte de uma família abastadas,
A festa de São Gonçalo até a década de 70 não havia a participação de trios elétricos as era uma festa linda. Esperada durante todo o ano. A festa de São Gonçalo era celebrada através de novenas em louvor ao Padroeiro e a Nossa Senhora do Amparo que é uma santa tão cultuada na cidade quanto São Gonçalo, as novenas eram tão luxuosas que o sermão do padre era intercalado por um coral que cantava músicas em latim, esse coral era composto por senhorinhas e senhores da elite da cidade, assim as pessoas mais abastardas que tomavam aulas de música e os homens manuseavam vários instrumentos musicais, era um hobby para essas pessoas, ensaiavam durante o ano todo era a coisa mais linda do mundo. Ao final das novenas haviam os leilões de prendas, depois começava a apresentação da lira que era chamada de tocata. Os melhores dias da festa eram a quinta- feira da lavagem que vinham pessoas de todas as partes do Brasil, por exemplo a família de meu marido vinha toda de São Paulo no período da festa.A quinta-feira de lavagem de manhã era linda as irmãs da boa morte lavavam as escadarias da igreja vestidas de baiana, acompanhadas pela lira e davam banho de cheiro de alfazema em todos que se divertiam atrás do cortejo , à tarde tinha blocos também, mas o sábado era muito bom e a festa terminava sempre numa segunda-feira, chamada de Segunda-Feira gorda que era ponto culminante dos festejos profanos, o dia que tocavam as melhores liras no coreto da Matriz e a apresentação da Banda Infernal que só participavam homens com as caras pintadas com um óleo preto.A lira era uma coisa mais requintada, então os blocos populares era acompanhados por zabumbas.As coisas eram tão boas e inocentes que era práxi usar lança-perfume, confetes e serpentinas. Na terça-feira encerrava tudo com a procissão que tinha vários andores cada qual escolhia o santo de sua devoção e acompanhava o cortejo, os que iam mais cheios era de Nossa Senhora do Amparo e de São Gonçalo.O do divino era acompanhado por homens da Irmandade do Divino Espírito Santo e da Boa Morte com as mulheres que faziam parte da irmandade. A costureiras da cidade nessa época andavam cheias o dia da procissão você não imagina a luxo.Na terça era o dia que também anunciavam o quem seria o próximo presidente da festa quanto mais rica e tradicional fosse a família do presidente mais suntuosa espera-se que a festa fosse.Eu me lembro que uma das melhores festas foi que o Sr. Aurélio Fonseca foi presidente.
Nota-se como as mulheres de elite vivenciavam a festa de forma diferenciada das
mulheres fumageiras. No depoimento de D. Lúcia há uma rememoração do acontecimento
129SANTANA, Charles.Fartura e Ventura camponesa.p65.
116
com um saudosismo, envaidescimento de ter vivido aquele momento de forma acessível e
tranqüila, pertencendo a um mundo que era almejado por várias mulheres. Nesse sentido,
segundo Márcia Macedo podemos perceber a cidade como um espaço de contrates que
articula uma pluralidade de lógicas que atinge de forma diferenciada seus diversos grupos
sociais, variando segundo o recorte de classe, étnico/racial, idade/geração, gênero, origem
urbano/rural, orientação sexual, religião, entre outros fatores. Essa diversidade também
favorece a articulação de diferentes formas de luta por direitos, fazendo da cidade um espaço
social de construção da cidadania130 ou, como define Dias (2001:12) 131:
O cenário essencial onde se multiplicam, com grande diversidade, dinamicidade e velocidade, movimentos institucionalizados ou não, lutas particularizadas ou não, que buscam compreender o urbano e reelaborá-lo no sentido de conquistas que vão desde a posse a da terra até a afirmação dos direitos.
Na entrevista aparece a ligação entre campanhas beneficentes e as festas populares,
segundo Márcia Barreiros, fator constante no legado histórico do cotidiano dos habitantes da
Bahia. Desde os tempos da colônia, as procissões e as atividades religiosas realizadas na
cidade evidenciavam uma íntima relação entre o sagrado e o profano. O espaço da rua foi
palco constante de várias manifestações e campanhas festivas de cunho filantrópico, e mesmo
quando estas ocorriam sob patrocínio da Igreja Católica, tinha seu lado profano exteriorizado.
As festas consagradas a determinados santos era sempre motivo para músicas, danças, comes
e bebes, fogos de ofício, conversas e descontrações eram verdadeiras reuniões sociais. O
nosso catolicismo barroco caracterizou-se pela forte influência da religiosidade popular132.
Nas festividades de devoção dos trabalhadores do fumo incluem-se o culto a São José um
dos santos mais populares da Igreja Católica, tendo sido proclamado "protetor da Igreja
católica romana"; por seu ofício, "padroeiro dos trabalhadores" e pela fidelidade a sua esposa,
como "padroeiro das famílias", sendo também padroeiro de muitas igrejas e lugares do
mundo. Comemorado no dia 19 de março era a festa mais esperada dos trabalhadores rurais
de São Gonçalo dos Campos. Era composta pela missa em louvor ao Santo e também
comemorações profanas. Especula-se que com a contribuição dos trabalhadores do Sindicato,
este teve possibilidade de trazer Luiz Gonzaga para comemorar a festa. Segundo o depoente a
130 MACEDO, Márcia. Relações de Gênero no Contexto Urbano: um olhar sobre as mulheres do meio popular.Cadernos do CAES,2001. 131 DIAS, José Fernandes .Gestão Democrática e Participação Popular.Cadernos do CEAS,2001.p.191. 132 BARREIROS, Márcia Maria. As damas de caridade: sociabilidades femininas na Bahia Republicana. Fazendo Gênero na Historiografia Baiana. Salvador NEIM/UFBA, 2001.
117
atração era muito cara, mas o número de contribuintes era tão expressivo que houve a
possibilidade de fazer essa comemoração grandiosa. O louvor ao Santo era de caráter
obrigatório aos filiados do Sindicato, sendo essa festa sempre associada ao primeiro de maio,
dia do trabalhador. O 19 de março era comemorado com solenidades católicas e o dia do
trabalhador, em maio, tinha caráter mais reivindicativo e profano com realizações de bingos,
gincanas, sorteios de prêmios, comes e bebes e festas dançantes.No trecho da ata de 21 de
abril de 1960, o presidente o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Fumo, Sr. Otávio
Fernandes lembrou aos companheiros da associação a celebração da missa em louvor ao
protetor dos trabalhadores.
É importante pontuar que as comemorações vinham sempre após sessões solenes no
Sindicato dos Trabalhadores.Em uma dessas sessões documentadas nas atas, contava com a
participação de várias autoridades citadinas entre os empregadores. A missa festiva descrita
abaixo foi realizada no dia 1º de maio de 1961 às 9 horas da manhã reunindo autoridades
como o presidente de honra Sr. Hanibal Pedreira, o Sr. Antonio Pires doa Santos, preposto
autorizado de uma firma , o Sr. Otávio Fernandes de oliveira, presidente do Sindicato, o Sr.
Juca Pedreira, representando o juiz de direito desta comarca, o Sr. Ulisses Peixoto, delegado
de polícia, o Sr. Presídio Gomes, presidente da Lira Sangonçalense, o Padre Josemir Valverde
e, para representar a classe trabalhadora, tomaram parte da mesa duas operárias, a Srª
Normata Fernandes de Oliveira e Srª Maria Hermenegilda Alves Pereira, sendo que a
participação destas parece ter sido de caráter meramente ilustrativos, pois na ata há o
pronunciamento de todos os participantes, menos das mulheres que fizeram parte do evento.
118
Como já foi citado em outras partes do trabalho essas autoridades do município era
constituída pelos empregadores, que estes começaram a sessão parabenizando a união entre os
trabalhadores, que foi fator decisivo para organização e conquistas do Sindicato. Em seguida
o Padre Josemir, ao proferir seu discurso, parabenizou a “união” entre empregadores e
empregados, pedindo que continuasse dessa forma a relação entre estes para que houvesse
maiores conquistas e progresso para todas as classes, usando exemplos bíblicos para ressaltar
as benesses do trabalho com união concluiu o discurso louvando à São José, o patrono de
todos que trabalham. Para finalizar a comemoração, o presidente do Sindicato agradeceu a
presença de todos os ilustres convidados e colaboração de todas as famílias e do povo em
geral que contribuiu para realização das festividades.Sr Otávio Fernandes também conhecido
por ser poeta e escritor, agraciou aos trabalhadores ao declamar, segundo consta na ata abaixo,
um soneto de 25 versos intitulados Triunfo dos Operários. Sendo encerrada a sessão com uma
tocata da lira. Dirigindo- se todos os convidados e filados à sede do Sindicato para os comes e
bebes.
Segundo os entrevistados, as festas juninas eram as mais animadas. Começava com a
festa de Santo Antonio, cuja grande importância se deve por ser considerado padroeiro dos
pobres e, indicativo de abundância. Era cultuado com muita devoção durante as trezenas
ocorridas no mês de Junho, finalizando as comemorações no dia 13, data da morte do Santo e
dia que este recebe várias homenagens. Contemporaneamente no armazém da Ermor
Tabarama o único existente na cidade, essa comemoração é mantida. Dona Romilda lembra
que,
A gente rezava o Santo Antonio durando as treze noites do mês de junho. A festa era muito animada os donos dos armazém dava um monte de coisa para festa era licor, amendoim muita comida.A gente cantava, dançava.A gente enfeitava a capelinha fazia uns docinhos, milho, pão. Levava docinhos para os meninos.Era tanto menino que fazia a fila.Era tanta brincadeira galinha gorda.Era bonito menina era bonito mesmo.No dia 13 os donos do armazém mandava um monte de coisa,laranja e a festa era boa.No São João tinha a canjicada lá no Sindicato que era uma forma de ganhar dinheiro porque a canjica era vendida.Mas a gente se divertia muito dançava,contava causos.
Eram entoadas cantigas que ressaltavam as características e os feitos do santo, como
exemplo a recitada por dona Romilda, Celebremos com fé e gratidão Este Santo que é tão singular. Santo Antonio de inúmeras graças Vamos todos alegres cantar. Santo Antonio se fez doação
119
Pai dos pobres, idosos, sem lar. Junto a ele ninguém era órfão Tinha a todos o pão para dar, O amor de Jesus foi seu tudo, Seu desejo era vê-lo reinar e nós Todos seus filhos amados seu Caminho possamos trilhar.
As festas de São João e São Pedro, além das comemorações no sindicato, que segundo o
depoimento acima tinha o propósito de divertimento dos associados e de arrecadar fundos
para manutenção do órgão. Esses festejos também possuíam um caráter particular e popular
era uma festa muito alegre e esperada, segundo as memórias de Dona Romilda,
As casas eram enfeitadas com badeirolas,eram feitas fogueiras na frente as casas,nas mesas não faltavam licor,laranja e amendoim e muito forró.Era de costume os amigos irem de porta em porta perguntando São João passou por aí?Se dono da casa dissesse que sim era uma festança danada o povo entrava comia, bebia e dançava muito. Antigamente São João era uma festa boa, muita fartura e todo mundo comemorava era uma festa que todo mundo podia participar, festa de roça. As comidas a gente mesmo plantava e o licor a gente mesmo fazia. Tinha tudo.
São Pedro é considerado protetor das viúvas e, era de costume considerar o dia desse santo
como extensão da festa de São João tendo assim, uma semana inteira de comemorações.
Há vestígios da existência de outras comemorações como a festa de Santa Bárbara,
padroeira dos mercados, comemorado no dia 4 de dezembro.
O mercado Municipal, popularmente conhecido como centro de abastecimento, existe
um altar com a imagem da Santa. Por ser uma comemoração ligada diretamente ao
candomblé, muitas devotas da Santa não a citam quando eu pergunto sobre suas festas
prediletas, ainda em São Gonçalo dos Campos, os adeptos ao Candomblé tendem a esconder
tal devoção, creio que com receio de serem discriminados.
Sabe-se que, no dia da comemoração as devotas vestem vermelho, cor do orixá onde é
sincretizada como Iansã, Orixá dos raios e das tempestades. Era uma comemoração que se
estendia durante todo o dia com a celebração de missas e culminavam à noite com bastantes
folguedos, músicas, bebidas e a distribuição de caruru no centro de abastecimento para os
devotos e todos quiserem comparecer ao festejo.
A festa de São Cosme e Damião, comemorada no dia 27 de setembro também era
celebrada, com maior devoção entre as classes populares. Segundo Dona Romilda, era
distribuído doces para crianças durante o dia todo porque Cosme e Damião, no Candomblé,
eram gêmeos amigos das crianças que teriam a capacidade de agilizar qualquer pedido que
120
lhes fosse feito em troca de doces e guloseimas. O nome Cosme significa "o enfeitado" e
Damião, "o popular”.Nas memórias da depoente,
Era distribuido doces o dia todo, enquanto o resto do pessoal da casa preparava o caruru, vatapá,galinha cozida e arroz para ser comido durante a noite.Colovaca o caruru dentro de uma bacia e tinha que ter sete crianças para comer o caruru de mão,todos na mesma bacia,enquanto os adultos ficavam em volta cantando e só podiam comer depois que as crianças terminavam. O dia da festa era uma alegria danada para meninada daqui da rua. Depois de comer o caruru todas as crianças ganhavam doces. Bonitas também eram as músicas da ladainha para São Cosme. Primeiro eram aquelas com ritmo mais lento: "Quem tem São Cosme/ tem devoção". Depois chegava a hora das músicas mais animadas, tipo "São Cosme mandou fazer duas camisinha azul no dia da festa dele São Cosme quer caruru". Ou depois que os meninos acabavam de comer: "Você comeu não me deu/eu também vou comer não lhe dou". Era todo mundo batendo palmas e tinha casa que até colocava banda,gente tocando pandeiro, era animação só.Uma vez tinha uma mulher aqui, muito devota do candomblé que fez uma festança para Cosme e Damião.Um festa de aniversário como se fosse para criança de verdade.
As festas populares de São Gonçalo dos Campos eram mantidas pelos segmentos menos
favorecidos da sociedade, onde predominantemente as mulheres assumiam a organização
davam a cor local aos festejos que, em sua maioria eram regados a muita comida, bebida,
músicas e folguedos. Sempre estava associando o sagrado ao profano e presença da cultura
africana em suas diversas manifestações eram nítidos nos festejos.
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O município de São Gonçalo dos Campos pertenceu a Cachoeira até 1884, ano de sua
emancipação política e, quatro anos anteriores à legitimação da abolição da escravidão.
Vários negros e negras migraram de Cachoeira e de outras regiões do Recôncavo para cultivar
roças de fumo nessa localidade. Era um produto que poderia ser associado a outras culturas de
subsistência e não necessitava de grandes investimentos financeiros, além de ter alto valor
econômico no período.
Um dos fatores que contribuíram para o desmembramento político desse município baiano
da cidade de Cachoeira foi a sua independência econômica oriunda da cultura fumageira que,
segundo Antonil, a todos dava o que fazer, famílias inteiras podiam trabalhar. Nesse sentido
Charles Santana (1998, p.39), postula que os lucros das roças de fumo eram o que supriam as
necessidades de tecidos, roupas e sapatos dos trabalhadores rurais, que levavam pequenos
fardos para serem negociados com o quitandeiro, donos de armazém; trocavam pela quitação
das dívidas ou gêneros alimentícios ou até mesmo por algum dinheiro para ser usado em
alguma emergência,
Contrariamente ao que os quadros estatísticos podem induzir, quando caracterizam a região fumageira, o trabalho com o fumo mantinha-se fortemente familiar e realizado por pequenos produtores. Conforme avaliação do Governo do Estado da Bahia, a participação familiar, nas roças de fumo, corresponderia a algo por volta de 76% do total de trabalhadores, durante os anos 60 e 70. Ao longo dos anos homens, mulheres e crianças envolviam-se no trabalho pouco agradável por exigir constante atenção familiar nas suas etapas: a semeadura, a limpa e a desolha das plantas, a colheita,a secagem e o manocar das folhas133.
Como parte da região do Recôncavo, esse município constituiu-se historicamente pela
presença ostensiva da mão-de-obra negra, onde o trabalho feminino foi essencial para sua
manutenção e sucesso como um dos principais campos de cultivo das melhores folhas de
fumo da região. Elizabete Rodrigues diz que,
O Recôncavo fumageiro foi, relativamente, durante a primeira metade do século XX, o palco de uma economia promissora aos cofres públicos, para os proprietários das empresas de beneficiamento do fumo e fábricas de charutos, assim como foi palco da exploração de uma população envolvida no trabalho desta matéria-prima e seus produtos se expandiram pelo mundo afora. Na mesma medida, o Recôncavo, também, foi palco da formação de uma fisionomia social que não trazia em suas características
133 SANTANA, Charles.Fartura e Ventura.op.cit.p.39.
122
apenas especificidades da lida fumageira, o que já se constituía um fator preponderante, mas também, pela forma como os trabalhadores e, precisamente, as charuteiras lidavam com as questões relativas à sua condição de mulher e de trabalhadora no conjunto das relações sociais134.
Foi nos Campos da Cachoeira, antiga denominação de São Gonçalo dos Campos, que o
trabalho feminino produziu a riqueza material e configurou a estrutura arquitetônica em
virtude dos trabalhos nos armazéns. É perceptível na configuração urbana, a formação de
bairros populares próximo às dependências dos armazéns. Contemporaneamente, no
município, há vestígios esparsos que demonstra, de forma discreta, a grandiosidade dessa
atividade econômica para constituição de sua história. Esse trabalho trouxe à tona o cotidiano
das mulheres charuteiras, seus lugares sociais em São Gonçalo dos Campos no período pós-
abolição, sendo imprescindível dissociar da abordagem as perspectivas de gênero, classe e
raça.
Refletir sobre as relações de gênero implica realizar uma releitura de todo o nosso
entorno, o que significa repensar a cultura, a linguagem, os meios de comunicação social, as
instituições como a família e a religião, os processos políticos como movimentos sociais ou
partidos políticos135. Nesse sentido, através da utilização das fontes orais pude dar voz às
mulheres charuteiras e pessoas envolvidas nesse processo produtivo, permitindo perceber
como homens e mulheres pensavam o mundo a partir de diferentes lugares, tendo, dessa
forma necessidades diferenciadas. Segundo Souza Lobo (1991) a busca da compreensão dos
vários espaços e relações em que se constroem, como mercado de trabalho, a família, as
instituições, as políticas públicas, os meios de comunicação, etc., que influenciam diretamente
na construção das subjetividades de homens e mulheres.
O recorte temporal privilegiado, da década de 50 à 80, 60 anos após a abolição indica
como as mulheres negras vão ocupando os espaços urbanos e progressivamente mudando suas
condições financeiras a partir da ascensão social de seus filhos através da educação, das
conquistas trabalhistas efetivadas pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Fumo e a
mudança do contexto proporcionado pelo desenvolvimento das relações capitalistas.
A fábrica de charutos, Menendez de Amerino, considerada uma das maiores do ramo no
Brasil foi essencial para valorização e visibilidade de São Gonçalo dos Campos como um dos
maiores e melhores campos de plantio de fumo. Essa fábrica de origem cubana, região que
produzia tradicionalmente os melhores charutos do mundo, juntou seu prestígio em
confeccionar charutos com a tradição do Recôncavo de produzir as melhores folhas, 134 SILVA, Elizabete Rodrigues da.op.cit.p180. 135 MACEDO,Márcia.op.cit.
123
beneficiadas por negras e mulatas, dando, dessa forma uma cor local nas características de
seus produtos que segundo propagando do Jornal A tarde, “a alma é baiana, mas saber o
prestígio é cubano”.O trabalho feminino na fábrica mudou radicalmente as relações
trabalhistas existentes costumeiramente no município.Ao contrário das trabalhadoras de
armazém, que realizavam um trabalho sazonal, a princípio sem garantias trabalhistas, as
trabalhadoras da fábrica tomavam curso para fazer charutos, caso peculiar a se relacionado a
outras regiões do Recôncavo , o trabalho era realizado por etapas separadas, ou seja,cada
funcionária era especializada em fazer uma parte do charuto até o produto final.
Como o cotidiano não é só trabalho, as mulheres charuteiras de São Gonçalo dos Campos
também eram alegres, por conta disso não abandonaram as festas populares e algumas
existem até hoje pela vinculação que essas mulheres têm com o candomblé.
124
FONTES
INSTITUIÇÕES VISITADAS/ FONTES ESCRITAS/ FOTOGRAFIAS:
ARQUIVO PARTICULAR-RENATO TADEU
01 Anuários/Jornais 1980-2001
02 Folhetos S/F
FÁBRICA DE CHARUTOS MENENDEZ E AMERINO S/A
01 Fichas do curso de Formação de Charuteiros (as). 1978
02 Fotografias/Normas internas/Folhetos comemorativos 1979-2006
03 Fichas cadastrais dos operários (as). 1978-1990
04 Catálogos de edições de charutos. S/R
05 Certificados do curso de charuteiros 1978
ERMOR TABARAMA ANTIGA COPATA(COMPANHIA PANEMERICANA DE TABACOS)
01 Fichas cadastrais dos funcionários 1950-1970
02 Relações de atividades do armazém 1950-1970
03 Fotografias S/R
BIBLIOTECA MUNICIPAL/CÂMARA MUNICIPAL
01 Jornais A VERDADE/A RAZÃO/O CAMPESINO 1920-1970
02 Atas das sessões de vereadores 1950-1970
SINDICATO DOS TRABALHADORES DA INDÚSTRIA DO FUMO
01 Atas das reuniões do Sindicato 1959-1985
02 Fichas de filiação/carteirinhas dos filiados 1960-1980
125
ARQUIVO PÚBLICO DA BAHIA
Seção Republicana
1. Secretaria de Governo: Correspondências – Ofícios expedidos e recebidos.
Nº Estante Caixa Maço Documento
01 87 1821 156 Doc.nº1935- Ofício-04/06/1924
2.SEC. DOC ADMINISTRATIVA: Gabinete do interventor- Ofícios, memorial e outros 01 87 2281 2862 Relatório da Exportação: exerc.1934 1933/45 02 87 2281 2863 Boletim nº15-03/41 1940/47
3. SECRETARIA DA AGRICULTURA INDÚSTRIA E COMÉRCIO
01 87 2378 149 Doc.557-Decreto criando o IBF 1935/1942 02 87 2378 149 Doc.557-Decreto criando o IBF 1935/1946 03 87 2378 557 Resumo e Relatório do IBF 1936 04 87 2378 149 Doc.557-Fotografia(C.Fumageira) S/D
126
FONTES ORAIS
1. Ana Regina Cazumbá Queiroz, 76 anos, catadeira dentre outras ocupações referentes a
trabalhos em armazéns. Reside na Antiga Fazenda Cedro,Atual Bairro do Cruzeiro.
2. Antonia Célia, 68 anos, exerceu diversas atividades de armazém e trabalha na Menedez e
Amerino .Moradora da Rua das Rosas.Estádio.
3. Antônio dos Santos. 81 anos. Poeta,cantador,contador de causos e descarregador de
fardos.Morador da Rua da Lavanderia.
4. Edwars Lopes, 82 anos, Gerente de armazém. Morador da Rua da Alegria.
5. Elizabete Ferreira Nascimento, 75 anos, setor de capas abertas. Moradora da Rua da
Alegria.
6. Francisca Santos
7. Gilson Cazumbá, 54 anos, gerente da Ermor Tabarama.Morador do Bairro João Durval.
8. Hugo Carvalho, 62 anos, escritor, contador e primeiro Diretor da Menendez e
Amerino.Morador da Rua Coronel Antônio Pedreira.
9. Jairo Nascimento, 78 anos, gerente de armazém e músico profissional. Morador da Rua
Transamazônica.
10. Joana Cazumbá, 76 anos, trabalhou em vários armazéns e já exerceu várias atividades.
Moradora do Bairro Santo Antonio.
11. Neuza Fernandes
12. Otávio Fernandes, 85 anos, prenseiro,descarregador de fardos,ex-vereador, poeta, escritor
autodidata e primeiro presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do
Fumo.Morador do Beco do Fiado.
13. Raimunda Pereira. 60 anos. Funcionária da Menendez. Moradora do bairro Cruzeiro.
14. Renato Tadeu, 52 anos, ex-charuteiro, secretário e administrador da Menendez e Amerino.
Morador da Rua Flamboyant, João Durval.
127
IMPORTANTE: As entrevistas foram realizadas no período de Abril de 2006 à
Março de 2010, nas respectivas residências dos depoentes, conforme é citado na tabela
acima.
15. Severiano Moreira Freitas, 82 anos, prenseiro, descarregador de fardos. Morador do
Bairro Santo Antonio.
16. Maria Lúcia Borges de Souza, 67 anos.Servidora Pública.Moradora da Rua Marecha
Floriano Peixoto.
17. Maria Alves, 80 anos
18. Julinda Santos 60anos trabalhadora de armazém e umas das três presidentas do Sindicato.
Morada da Avenida Cazumbá.
19. Romilda Silva do Espírito Santo, 60 anos. Exerceu várias atividades no armazém e foi a
primeira mestra. Moradora do Bairro Sete Portas.
128
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134
ANEXOS
135
Anexo1.Jornal A Verdade Dezembro de 1947.Destaca a presença de hóspedes ilustres como Juscelino Kubitschek,Juracy Magalhães.
136
Anexo2.O Campesino 4 de março de 1921.Nota que fala sobre a organização da família e os bons costumes.
137
Anexo 3.Localização de São Gonçalo dos Campos no Recôncavo Baiano
138
Anexo 4.Matérias destinadas ao cultivo do fumo.Jornal A Verdade 7 de maio de 1938.
139
Anexo 5.Jornal a Verdade de 1948 noticia a importância de adubos químicos.
140
Anexo 6.Jornal a Verdade de 1948 noticia a importância do campo de Cooperação para os
lavradores do fumo.
141
Anexo 7,8,9 e 10.Atas de Reunião do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Fumo,cujas temáticas foram abordadas no trabalho.
142
Anexo8.
143
Anexo 9.
144
Anexo 10
145
Anexo 11.Ficha de freqüência,contratação e relatório de funcionários(as)
146
Anexo 12 e 13. Certificados de conclusão do curso de charuteiros
Anexo 13