SALVADOR SEGUNDA-FEIRA 25/7/2011 3 2 ROMANCE Briga entre famílias deu origem à história que notabilizou a cangaceira baiana Derramamento de sangue e magia negra na saga de Anésia JUSCELINO SOUZA Vitória da Conquista O romance Anésia Cauaçu, de Domingos Ailton, reporta à for- mação do município de Ituaçu, antigo Brejo Grande, e relata as brigas de duas famílias da lo- calidade: os Silvas, conhecidos como "rabudos", e os Gondins, chamados de "mocós". O derramamento de sangue começa quando o major Zezi- nho dos Laços, um dos líderes dos “rabudos”, exige que um primo de Anésia, Augusto Caua- çu, acompanhe seu grupo de jagunços em uma emboscada contra a família Gondim. Augusto se recusa e é assas- sinado a sangue-frio a mando de Zezinho dos Laços. A família Cauaçu se reúne e resolve vingar a morte, assassinando Zezinho dos Laços seis anos depois em uma tocaia na Fazenda Rochedo com uma bala feita do chifre de um boi preto, que fora confec- cionada pelo pai de santo Heitor Gurunga, um sacerdote da re- ligiosidade afro que cuidava do povo pobre da região. Daí em diante a história co- meça a prender a atenção pela narrativa suave, como se pro- jetasse imagens na mente do leitor, e pelo viés dramático ao redor da chacina que viria. “Ao saber da morte de Ze- zinho, seu irmão Cassiano do Areão, o cunhado, coronel Mar- cionílio de Souza, e o filho deste, Tranquilino de Souza, passam a perseguir e matar membros da família Cauaçu e do bando de cangaceiros que acompanha o grupo, comandado por Anésia e seu irmão José Cauaçu”, diz Do- mingos. Surge, então, a lendária fi- gura da cangaceira Anésia Caua- çu, que lidera e enfrenta vários combates com coragem e uma força extraordinária. Tal força, contam os mais velhos, rever- berando relatos de geração em geração, vinha de poderes ocul- tos, tipo magia negra. “Em mui- tos momentos ela envultava (desmaterializava) e virava uma rocha ou toco de árvore”, explica o lavrador Claudionor Souza. Na tentativa de erradicar o bando de cangaceiros e por fim aos embates, o governador da Bahia na época, Antônio Muniz, denomina o movimento arma- do dos Cauaçus de "conflagra- ção sertaneja” e envia para Je- quié e região mais de 240 sol- dados. Os cangaceiros passam a utilizar táticas de guerrilha para enfrentar a polícia. “Anésia cai em emboscada e é presa. Interrogada, é posta em liberdade e concede entrevista de primeira página na edição de 25 de outubro de 1916 do jornal A TARDE sobre a história do ban- do”, enfatiza o autor. Ao saber que a líder fora ren- dida e posta fora de combate, a força policial começa a praticar uma série de arbitrariedades contra a população jequieense e da região, como represália pelo suposto apoio ao cangaço. Não se sabe ao certo qual o paradeiro de Anésia. Alguns sus- tentam que ela mudou o nome e permaneceu em Jequié, como simples lavradora, até morrer, em dia, mês e ano ignorados. Juscelino Souza / Ag. A TARDE Domingos Ailton ouviu relatos de antigos moradores da região, como o lavrador Claudionor Souza, para escrever o romance histórico Anésia Cauaçu lidera e enfrenta vários combates no sertão da Bahia com coragem e uma força extraordinária Narrativas orais e pesquisas garantem fidelidade aos fatos A TARDE de 25 de outubro de 1916 publica entrevista com Anésia O romance não se prende es- sencialmente à trajetória de Anésia enquanto líder do can- gaço e figura máscula. O lado feminino e passional é aflorado na passagem que insere figuras como o mascate Afonso, dan- çador de forró e mulherengo, que se apaixona por ela. Tudo milimetricamente bor- dado com base em narrativas orais de pessoas que ouviram histórias relacionados aos Caua- çus ou que mesmo chegaram a conhecer personagens do ro- mance, como a centenária Al- vina Ferreira, que conviveu com Anésia Cauaçu e morreu com 112 anos de idade, ou Braulino Antônio de Souza, que morreu aos 96 anos, não sem antes ter conhecido o pai de santo Heitor Gurunga. “A obra procura também pre- servar a pronúncia e a morfos- sintaxe popular e é neste sen- tido que é rica em palavras e expressões da variante linguís- tica do catingueiro das primeiras décadas do século 20”, explica o autor, Domingos Ailton. Assim ele procura na ficção revelar fatos históricos e acon- tecimentos presentes na memó- ria coletiva por meio da tradição oral. “Anésia Cauaçu tem uma dimensão tão grande que não cabe apenas nos estudos socio- lógicos”, avalia. O romance Anésia Cauaçu também baseia-se em fontes científicas como livros diversos sobre a história de Jequié e dis- sertações de mestrado. CINEMA Arte e polêmica em festival no Maranhão JOÃO CARLOS SAMPAIO São Luís O 1º Festival Internacional Lume de Cinema, sediado em São Luís (Maranhão), consagrou como vencedor o simbólico filme sue- co-polonês O Moinho e a Cruz, de Lech Majewski, em premia- ção ocorrida na noite do último sábado. Só que no ambiente do fes- tival e nas redes sociais o grande assunto do final de semana foi outro filme do evento, o polê- mico A Serbian Movie – Terror sem Limites, de Srdjan Spaso- jevic. Depois da exibição no Ma- ranhão, o filme seria projetado no Festival RioFan, no Rio de Janeiro, no Espaço Caixa Cul- tural. A fita foi vetada por di- rigentes da instituição bancária mantenedora da sala, devido ao conteúdo que mescla sexo e vio- lência. O veto motivou nota de re- púdio da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abrac- cine), na última sexta-feira, di- vulgada desde o Maranhão. No mesmo dia, por determinação judicial, o espaço alternativo en- contrado pelos organizadores do RioFan para a exibição da fita, o Cinema Odeon, recebeu visita de força policial, que apre- endeu a cópia do filme. No sábado, dezenas de ci- neastas, cinéfilos e manifestan- tes que consideraram o ato uma atitude de censura, fizeram ma- nifestação na porta do Odeon, às 22h, horário previsto para a exibição de A Serbian Movie.O filme está longe de ser uma obra-prima, mas também não é explícito nas cenas, nem expôs (a não ser por trucagem) ne- nhum ator a tortura. Raridades Para além das polêmicas, o Fes- tival Lume chamou a atenção pela valorização de filmografias raras, com belos exercícios ar- tísticos. O Moinho e a Cruz,o vencedor, já tinha dividido as atenções com o estoniano As Tentações de Santo Antônio, de Veiko Õunpuu, que mescla in- fluências que vão de David Lynch a Alejandro Jodorowsky. Na pa- ralela mostra Olhar Crítico, o do- cumentário austríaco Totò, de Peter Schreiner, saiu ganhador depois de exibir um belo retrato introspectivo. Entre os brasilei- ros, venceu Além da Estrada, de Charly Braun, mais um filme que o espectador baiano deve aguardar com expectativa. Divulgação A Serbian Film, de Srdjan Spasojevic: exibição cancelada no Rio CURTAS Biblioteca promove oficinas de inverno A Biblioteca Betty Coelho pro- move as oficinas de inverno (ar- tes plásticas, literatura de cor- del, poesia e teatro) entre 28 de julho e 20 de agosto, em sua sede, no bairro da Boca do Rio. Fruto de um prêmio ganho com o Edital Bibliotecas Comunitá- rias Edição 2010, do Ministério da Cultura e Fundação Pedro Calmon, as oficinas têm como participantes alunos da Escola Municipal União Caridade e Abrigo, do Colégio Estadual Rô- mulo Almeida, e demais mo- radores do bairro. As inscrições são gratuitas e estão sendo fei- tas na sede – Rua Lavínia Ma- galhães, 42. A Biblioteca infan- to-juvenil Betty Coelho foi cria- da em março de 2005. Infor- mações, fone 8123-0873. As oficinas da Biblioteca Betty Coelho ensinam artes plásticas, literatura de cordel, poesia e teatro Bando ensaia nova peça teatral O grupo de Teatro Olodum está preparando um novo espetá- culo, batizado de trilogiaRe- mix.DOC#aquartapeça. A mon- tagem transforma a Trilogia do Pelô (composta por Essa é nos- sa praia, Ó paí, Ó! e Bai Bai Pelô) em um novo espetáculo. “É uma reflexão, através de uma remixagem, das três pecas an- teriores. Uma peça-documen- tário, com depoimentos reais de quem vive no Pelourinho”, explica o diretor Marcio Mei- relles. A proposta é que as pes- soas interajam ao vivo na mon- tagem, com depoimentos. Tiago Lima /Divulgação trilogiaRemix.DOC#aquartapeça é a nova peça do Bando de Teatro Encontro de Neide Cortizo com leitores Em homenagem ao Dia Nacio- nal do Escritor, comemorado hoje, a Fundação Pedro Calmon promove o encontro de Neide Cortizo com o público leitor. A partir das 15h, na Biblioteca Pública do Estado da Bahia (Barris), ela fala de sua expe- riência como autora e ilustra- dora de livros infantis. Em 2009, Neide recebeu a terceira menção honrosa em poesia no Prêmio OFF FLIP de Literatura – Categoria Nacional/Exterior, na Festa Literária Internacional de Parati (RJ), com o conjunto de poemas Volátil, Disperso. Capa do livro Anésia Cauaçu, do romancista Domingos Ailton Reprodução