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17/07/2015 RobinsonCruso,deDanielDefoe|Posfcio
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Informaes
Autor: Daniel DefoeTradutor: Hildegard FeistEditora:
BestBolsoPginas: 364Ano de Lanamento: 2009
Lucas Deschain em 17 de julho de 2015 Tweetar 0 1
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Dando sequncia ao especial Ms dos clssicos, debrucemo-nos hoje
sobre uma obra que tida como uma das pioneiras do romance moderno:
Robinson Cruso, do escritor inglsDaniel Defoe (1660-1731).
O livro, publicado em 1719, encontra-se naquele conjunto de
obras literrias cuja inovaofoi tamanha, e cujas solues formais se
tornaram to difundidas, que sem circunstanci-la historicamente e
literariamente ficaria difcil perceber qual foi a sua grande
ruptura ouseu grande pioneirismo. No que tange a Robinson Cruso,
surpreende como sua construose assemelha a formas narrativas que so
absolutamente comuns at o presente, e essatalvez seja uma das
evidncias mais expressivas de sua profunda influncia: a
prpriaconcepo de narrativa literria com a qual estamos acostumados
foi em grande partetalhada por Defoe. A relativa no surpresa que
temos ao ler o clssico que RobinsonCruso uma das principais provas
de que ele fez escola no desenvolvimento da
literaturacontempornea.
Mas, antes de nos estendermos em consideraes em torno de seu
legado, falemos sobre atrama do livro, a histria propriamente dita
que ele conta.
Quem narra as aventuras e as desventuras do livro em questo o
prprio protagonista,Robinson Cruso, filho de uma embrionria classe
mdia inglesa (embora de mentalidadealgo rentier, to burguesa quanto
aristocrtica), cuja condio, como ele nos conta, era umacondio
intermediria, ou o que se poderia chamar de situao superior de uma
vidainferior . Tal como se encaminhava seu futuro, Cruso estaria
garantido, bastava queseguisse nos passos do pai e amealhasse algum
cargo, ou, ainda, que administrasse comprudncia seus proventos. Em
concretizando tal projeto, levaria uma vida tranquila eestvel,
cujos possveis solavancos mais seriam a doce oscilao de marolas
episdicas.
Sobre essa existncia no mundo, essa situao material-existencial,
Defoe incisivo, e fazCruso declarar que () havia muito [que seu
pai] () descobrira, por experinciaprpria, [ser essa] () a melhor
condio do mundo, a mais de acordo com a felicidadehumana, pois no
nos expunha s misrias e s privaes, ao trabalho e ao sofrimento
daclasse obreira da humanidade, e no nos constrangia com a altivez,
o luxo, a ambio e ainveja da classe superior . Apesar dessa pequena
prdica acerca das vicissitudes damediocridade, Cruso no parece se
convencer, e segue algo atormentado por ter tudo todefinido de
antemo. diante dessas condies que ele se lana a aventuras
martimas,fugindo sem avisar seus familiares.
Decorrem diversas e temerosas travessias antes daquela fatdica,
cujas implicaesconstituem o motor de todo o restante da histria.
Cruso navega pelos mares europeus emdiversas rotas, chega a se
estabelecer no Brasil (onde se torna administrador de umaplantation
aucareira) e se lana a uma viagem rumo costa africana para apresar
escravos,tudo isso antes que uma providencial tempestade se
abatesse sobre seu navio e o levasse apique na orla de uma ilha
deserta, deixando todo o restante da tripulao morta. de fatoaqui
que a histria de Robinson Cruso (ou pelo menos sua faceta mais
clebre, a suaporo mais volumosa) se inicia.
A partir dessa ocorrncia (que se encontra em ponto bastante
avanado da obra), toda a
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trama se redireciona. No se trata mais de acompanhar as
aventuras de Cruso, mas, ao queparece, suas desventuras. J no se
est falando mais de um livro que narra peripciaseconmicas e
existenciais de um certo administrador ingls num mundo colonial,
mas deuma histria sobre como esse mesmo sujeito ter de encontrar os
meios para superar seuinfortnio, seja para sair da ilha seja para
sobreviver a ela enquanto constri sua fuga. Meparece que nesse
segundo momento que Robinson Cruso sequestra completamente aateno
do leitor.
H algo de sedutor nas ilhas. A recorrncia delas no pensamento
dos homens causa essasuspeio, e a obra de Defoe talvez nos ajude a
tentar entender por qu. Desde o momentoem que Cruso, pela primeira
vez, resolve se focar mais em estabelecer as bases para umaestadia
longa na ilha (ao invs de tentar escapar dela) at o desfecho do
livro, somoslevados a acompanhar cada nfimo passo que ele d no
(re)estabelecimento dos rudimentosmateriais de uma vida civilizada.
O livro poderia ser uma narrativa crua sobre os limites dohomem,
sobre sua fragilidade ou sobre sua barbarizao ou bestializao na
luta pelasobrevivncia, mas no . Robinson Cruso uma narrativa em que
o homem, o indivduo,se sobressai, apesar das adversidades que a
natureza lhe impe e essa uma das razespelas quais ele to
expressivo, em termos literrios e em termos histricos.
O protagonista domestica a natureza, e seu relato o de uma
sobrevivncia bastante bem-sucedida. Cruso no s consegue evitar a
vulnerabilidade alimentar e climtica, mas chega,mesmo, a gozar de
regalos tais como uma casa bastante slida, um cercado forte,
queijo,carne, po, utenslios diversos (vrios de sua confeco), etc.
Se quisssemos falar emforma de sntese, talvez pudssemos dizer que
mais do que sobreviver, Robinson Crusoconseguiu praticamente
viver.
E a vida, mais do que a sobrevivncia, deve-se sua engenhosidade,
sua abnegao emfavor do trabalho duro, da constncia, da
racionalidade e do planejamento. Embora sejaverdade que ele foi em
muito beneficiado por ter conseguido salvar diversas
ferramentas,mantimentos e recursos do navio que naufragara, mesmo a
obteno desses pode sercontabilizada como fruto de sua astcia e de
seu engenho, pois o processo de retirada(como Cruso nos narra
minuciosamente) esteve longe de simples. essa tnica queconsegue
fazer o relato de um naufrgio ser uma narrativa amena e no cruenta,
e asobrevivncia uma experincia de humanizao, ao invs de
animalizao.
O crtico literrio ingls Ian Watt estudou a obra de Daniel Defoe
(juntamente com asobras de Henry Fielding e de Samuel Richardson)
em seu livro A ascenso do romance,procurando rastrear tanto o
significado esttico-literrio de suas narrativas quanto
seussignificados sociais e histricos. Dentre outras concluses ele
aponta como uma dasinovaes desse(s) pioneiro(s) do romance o
preocupar-se com o realismo e com averossimilhana na apresentao das
situaes ficcionais, sendo suas obras expresses deuma nova
racionalidade que grassava o pensamento europeu. Os personagens,
suasdecises, os cenrios, a trama, etc., passam a ser retratados
dentro de uma tica individual efortemente emprica, alternativa ao
ento imperioso apelo s narrativas bblicas ou picas,o que permite
que eles tenham muito menos de abstrao e muito mais de realismo.
Essapreocupao um dos grandes legados de Robinson Cruso, pois se
difundiu enquantoespinha dorsal da construo de diversas obras
literrias que a sucederam, desde o sculoXVIII at os nossos
dias.
Watt v Robinson Cruso (e outros personagens de Defoe) como
encarnaes do homoeconomicus tpico da Economia Poltica, por sua
racionalidade sistemtica voltada ao lucro(chegando s vezes a quase
transformar Cruso num tipo ideal burgus, algo weberiano).Embora
Watt talvez carregue um pouco nas tintas ao defender essa salincia
ideolgica danarrativa de Defoe, no se pode negar que () em Cruso, a
contabilidade supera outrospensamentos e emoes . A sobrevivncia na
ilha deserta se torna possvel pela abnegaode Cruso em lanar-se aos
trabalhos, sendo inclusive por isso que as descries sobre
cadapormenor de suas empreitadas (em domesticar cabras, em tecer
cestos, em lidar com aschuvas, em cultivar a terra, em construir um
forno de barro, etc.) so to numerosas. Atransbordante e verborrgica
narrativa de Defoe, que s vezes parece estar um tanto semdireo,
d-se a esses prstimos ao longo de todo o seu corpo, entre outras
razes pelanecessidade que Defoe enxergava em tomar esses fatos e
situaes como recursos deverossimilhana o que s refora essa viso de
mundo.
O livro de Defoe, no bastasse ajudar a inaugurar, ao lado de
outros escritores, o formato ea voz narrativa tpicas do romance
moderno, acabou tambm por delinear caracteres dopensamento de um
grupo social cuja existncia histrica se fez sentir intensamente
nomundo moderno, tornando-se um documento humano na melhor acepo do
termo. Portal, por esse conjunto de razes, faz-se digno de figurar
no rol dos clssicos.
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1. DEFOE, Daniel. Robinson Cruso. Traduo de Domingos Demasi. Rio
de Janeiro: BestBolso, 2009, p. 12.
2. Ibid.,p. 12.
3. WATT, Ian. A ascenso do romance Estudos sobre Defoe,
Richardson e Fielding. Traduo de Hildegard Feist.
So Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 67.
Lucas DeschainFrequentador de bibliotecas desde o tempo em que
sua idadecabia nos dedos das mos e ontologicamente adepto
dahistoriografia como modo de vida, Lucas_Deschain busca
naliteratura no s o objeto de seu interesse cientfico comotambm a
expresso, em suas mais desconcertantes e inusitadas
facetas, dessa tortuosa, complexa e fascinante coisa a que
chamam de naturezahumana. Acometido de um perfeccionismo que beira
insanidade e de uma maniade transformar a realidade em problema
historiogrfico, ele vai vivendo, lendo,aprendendo, escrevendo
resenhas e tentando, por fim, ensinar algo inspirado naintensidade
de um Kafka, na sensibilidade de um Hesse, no senso
deresponsabilidade de um Steinbeck e na erudio narrativa de um
Saramago. Sigano @Lucas_Deschain
Lucas Deschain por a
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