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SRIE TRADUO
03
RITUAIS DE REBELIO NO SUDESTE DA FRICA1
MAX GLUCKMAN
Braslia, 2011
Universidade de Braslia Departamento de Antropologia
Braslia 2011
1 Traduzido por talo Moriconi Jnior do original: "Rituals of
Rebellion in South-East Africa", in:
Gluckman, Max. Order and Rebellion in Tribal Africa, Cohen &
West, London, 1963 (reimpresso
de 1971), captulo III, pp. 110-136.
Este trabalho, que foi apresentado como The Frazer Lecture,
1952, foi publicado
primeiramente, com o mesmo ttulo Rituals of Rebellion in
South-East Africa pela Manchester
University Press em 1954.
Originalmente publ icado nos Cadernos de Antropologia da Editora
UnB com a
permisso do Autor e da Cohen & West.
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Srie Traduo editada pelo Departamento de Antropologia da
Universidade de Braslia com o objetivo de divulgar textos
traduzidos para o portugus por docentes e discentes no campo da
Antropologia Social. 1. Antropologia 2. Traduo. Departamento de
Antropologia da Universidade de Braslia Solicita-se permuta. Srie
Traduo Vol. 01, Braslia: DAN/UnB, 2011.
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do Instituto de Cincias Sociais: Gustavo Lins Ribeiro Chefe do
Departamento de Antropologia: Lus Roberto Cardoso de Oliveira
Coordenador da Ps-Graduao em Antropologia: Jos Antnio Vieira
Pimenta Coordenadora da Graduao em Antropologia: Marcela Stockler
Coelho de Souza Conselho Editorial: Andra de Souza Lobo Soraya
Resende Fleischer Comisso Editorial: Andra de Souza Lobo Larissa
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Eletrnica: Cristiane Costa Romo
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EDITORIAL
A Srie Traduo uma iniciativa do Departamento de Antropologia da
Universidade de Braslia apoiada pelo Decanato de Extenso desta
Universidade via Edital DEX 1/2010. Como atividade de extenso, o
objetivo desta Srie reunir e disponibilizar a um pblico mais amplo
tradues em formato digital e com acesso livre por intermdio do stio
do Departamento de Antropologia. Tais tradues vm sendo realizadas,
h alguns anos, no mbito do Departamento de Antropologia. At ento,
estes materiais, em sua maioria, estiveram circulando de forma
artesanal e informal, como documentos eletrnicos e/ou cpias
xerogrficas ou mimeografadas.
Os textos foram traduzidos por docentes e discentes do
Departamento
de Antropologia, geralmente para fins didticos. So materiais
referenciais para o corpus terico da disciplina e sua ampla demanda
e utilizao justificam que verses em portugus sejam produzidas,
sobretudo para o pblico graduando, nem sempre versado em uma
segunda lngua.
Cada nmero da Srie dedicado a um s artigo, ensaio ou
material
traduzido. Novas tradues sero sempre bem vindas e, sendo
acolhidas e aprovadas pelo Conselho Editorial bem como garantidas
pelo direito autoral da publicao de origem, podero ser publicados
em nossa Srie Traduo.
Conselho Editorial
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Rituais de rebelio no sudeste da frica
A obra The Golden Bough (O Ramo Dourado), de Sir James Frazer,
prope-se a explicar o ritual do rei-sacerdote do bosque de Nemi, na
Itlia. Ele
inicia esse trabalho monumental descrevendo como:
nesse bosque sagrado havia uma certa rvore, em torno da qual
rondava uma figura carrancuda, a qualquer hora do dia e
provavelmente tambm durante a noite. Na mo trazia uma espada
desembainhada e espreitava atentamente em torno de si, como se
esperasse o ata que, a qualquer momento, de um inimigo. Era um
sacerdote e um assassino e o homem por cujo aparecimento ele
esperava iria mat-lo mais cedo ou mais tarde e assumir o sacerdcio
em seu lugar. Essa era a regra do santurio. Um candidato ao
sacerdcio s lograria obter o posto matando o sacerdote e, tendo
feito isso, retinha o posto at que ele prprio fosse morto por outro
mais forte ou mais esperto.
Frazer levantava assim, logo no incio de sua obra, o problema de
um
rei-sacerdote envolvido numa "rebelio ritual". Ele volta a esse
tema
constantemente, como quando descreve a eleio de "reis de
zombaria" ou de
"reis bodes expiatrios" em muitas sociedades, na poca de Ano
Novo. Esses
reis temporrios eram depois banidos ou sacrificados. Nesta
conferncia em
honra memria de Frazer, proponho a considerao da maneira pela
qual
seus herdeiros antropolgicos interpretam rituais de rebelio
semelhantes.
A partir do bosque de Nemi, a pesquisa intelectual de Frazer o
levou a
uma jornada pelo mundo, atravs do estudo dos povos camponeses
e
primitivos, e pelo tempo, atravs do estudo das grandes
civilizaes do
passado. Estabeleceu relao entre os reis-sacerdotes e uma
grande
quantidade de rituais agrcolas disseminados por todos os
lugares, nos quais
os homens conservavam o "esprito do cereal" no ltimo feixe da
colheita, ou
em animais, ou em seres humanos ou em efgies. s vezes, esses sim
bolos
eram destrudos para devolver a fertilidade ao solo, antes do
plantio. Frazer
mais tarde argumentou que esses costumes, e os mitos
correspondentes,
estavam no centro de certos rituais, com seus mitos associados,
das
civilizaes do antigo Mediterrneo e do Oriente Prximo, rituais e
mitos que se
referiam histria de um deus, s vezes um mortal divinizado, que
morria ou
era morto e que ressuscitava por intermdio do amor de uma deusa
que era
sua me ou sua mulher, ou que estava apaixonada por ele. Os pares
mais
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conhecidos desse tipo so Adnis e Afrodite, Tamuz e Astart, Osris
e Isis,
Dionsio e Demter, Persfone o nico caso em que se tratava de uma
filha
e Demter. Frazer resumiu esses mitos:
Os homens agora viam o crescimento o a decadncia da vegetao e o
nascimento e morte das criaturas vivas como efeitos do crescimento
e da decadncia da fora dos seres divinos, deuses e deusas que
nasciam e morriam, que casavam e geravam filhos, de acordo com o
padro da vida humano... Os nomes de Osris, Tamuz, Adnis e tia, para
os povos do Egito e da sia Ocidental, representavam a decadncia e o
renascimento anuais da vida, especialmente da vida vegetal, que
eles personificavam num deus que peridica mente morria e voltava a
vida'.
Frazer viu, nesses mitos, homens que lidavam dramaticamente com
a
morte e o renascimento da vegetao nas mudanas de estao.
Tpica
desses mitos a fbula do heri morto por um javali ou por um
inimigo
fantasiado de javali. Na sria, o sangue de Tamuz ou Adnis,
ferido, corria para
o mar, pelos rios, na poca em que estes, na sua enchente de
primavera,
carregavam solo verme lho que mudava a cor das guas costeiras. a
esta
cerimnia que Milton se refere no seu poema Ode on the Morning of
Christs
Nativity" (Ode
Manh do Nascimento de Cristo):
In vain the Tyrian Maids their wounded Tammuz mourn. (Em vo as
Moas de Tiro lamentam seu ferido Tamuz).
Realizavam-se cerimnias para ajudar o heri agonizante e, com
ele, a
vegetao.
Sem dvida, Frazer simplificou demais o problema. Mas tem muito
valor
o que ele fez ao ligar as histrias do deus agonizante aos
dispersos rituais
agrcolas e aos costumes relacionados com o rei-sacerdote. Ao
demonstrar
essa ligao, Frazer, como a maioria de seus contemporneos,
estava
interessado nos padres intelectuais que supunha por trs de todos
esses
costumes. O antroplogo moderno, que baseia sua anlise na
observao
detalhada feita no campo, est preocupado mais especificamente
com os
papis cerimoniais das pessoas, categorias de pessoas, e grupos
sociais, uns
em relaes com os outros. Frazer no podia dedicar-se a esse
problema por
no possuir os dados relevantes. Se eu me concentro numa
anlise
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sociolgica, no para negar a importncia da anlise intelectualista
de Frazer.
Portanto, tomarei em considerao os componentes sociais de
cerimnias dos
Bantos do Sudeste, na Zululndia, Suazilndia e Moambique,
anlogas
quelas que preocupavam Frazer. Aqui h (em alguns casos havia),
como em
outros lugares da frica, cerimnias nacionais e locais realizadas
no incio do
perodo das chuvas, na ocasio do plantio, na poca dos primeiros
frutos e na
colheita. Numa dessas cerimnias a idia de uma deusa propiciada
pelos ritos
est claramente expressa; geralmente, no entanto, as cerimnias so
dirigidas
para os espritos ancestrais dos chefes das tribos ou para os
ancestrais dos
grupos do parentesco envolvidos. Mas seja qual for o objetivo
ostensivo das
cerimnias, a caracterstica mais marcante de sua organizao a
maneira
como revelam tenses sociais: as mulheres tm que demonstrar
licenciosidade
e dominncia, em contraste com sua subordinao formal aos
homens;
prncipes devem se comportar com relao ao rei como se
ambicionassem o
trono; sditos demonstram abertamente seu ressentimento contra a
autoridade.
Por isso, eu as chamo de rituais de rebelio. Demonstrarei que
seguem
esquemas tradicionais estabelecidos e sagrados nos quais so
questionadas
as distribuies particulares de poder e no a prpria estrutura do
sistema. Isso
permite protesto institucionalizado, alm de renovar a unidade do
sistema de
vrias e complexas maneiras.
II
Os Zulus no tinham um panteo desenvolvido. Suas idias sobre
o
Deus Supremo eram vagas e no existia frmula ritual de dirigir-se
a ele. O
Cu era responsabilizado por deter minados fenmenos devastadores,
como o
relmpago. Ele era controlado por magos especiais. A nica
divindade
desenvolvida era Nomkubulwana, a Princesa do Cu, homenageada
pelas
mulheres e pelas moas de distritos locais de Zululndia e Natal,
quando as
plantaes comeavam a crescer. A realizao desses rituais agrcolas,
pelas
mulheres, em escala local, contrasta com os grandes ritos
nacionais poca
do plantio e dos primeiros frutos, de que eram encarregados
principalmente os
homens, como guerreiros que serviam ao rei, em quem era
centralizado o
ritual.
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As mulheres no realizam mais o ritual em honra da deusa
Nomkubulwana; por isso no pude observ-lo durante meu trabalho
em
Zululandia. Mas a deusa ainda visita essa terra agrada vel. Ela
se move na
nvoa que marca o fim da estao seca e que anuncia o incio das
chuvas. De
suas casas nas encostas dos montes, os Zulus contemplam essa
nvoa, que
fica suspensa nos vales tocados pela luz do sol nascente, e
comentam a
beleza da Princesa do Cu. Um missionrio em Zululndia
escreveu:
Dizem que sua vestimenta feita de luz e que ela desceu do cu
para ensinar as pessoas a fazerem cerveja, a plantar, a colher,
enfim, todas as artes teis... Ela solteira e faz sua visita na
primavera. Diz-se que algumas partes de seu corpo tm a aparncia de
uma bela paisagem com florestas verdejantes, que outras partes tm a
aparncia de encostas cobertas de relva e que ainda outras parecem
encostas cultivadas. Dizem que ela quem faz a chuva.
De acordo com o Padre Bryant, missionrio catlico que tem sido o
mais
destacado estudioso da histria e da cultura Zulus, supe-se ter
sido ela quem
primeiro deu for ma ao homem. Os Zulus dizem que ela se move com
a neblina
e de um lado ser humano, de outro um rio e de outro coberta de
relva. Se
no se lhe dedicasse nenhum ritual, ela se ofenderia e estragaria
os cereais.
De tempos em tempos, ela aparecia, toda de branco, para as
mulheres, a
quem dava novas leis e dizia o que aconteceria no futuro. O
arco- ris a viga
mestra de sua cabana; ela mora no cu e se relaciona com a
chuva.
Assim, Nomkubulwana evidentemente uma deusa do tipo das
antigas
divindades-cereal do mundo antigo. O Padre Bryant faz essa
comparao
explicitamente e traa paralelos entre seus respectivos ritos.
Entre os Zulus, o
mais importante desses ritos requeria comportamento obsceno da
parte de
mulheres e moas. Estas vestiam-se como homens e tratavam e
tiravam leite
do gado, coisa que normalmente era tabu para elas. Ao longe, na
savana, suas
mes plantavam uma roa para a deusa e lhe ofereciam uma libao
de
cerveja. Depois, essa roa era abandonada. Em vrios estgios
das
cerimnias, as mulheres e as moas ficavam despidas e entoavam
canes
lascivas. Os homens e os rapazes escondiam-se e no podiam
aproximar-se
das mulheres.
Algumas cerimnias antigas analisadas por Frazer tambm eram
marcadas por comportamento lascivo, particularmente de mulheres,
e pelo
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plantio de sementeiras especiais por mulheres. Frazer descreveu
os "jardins de
Adnis", to inteis quanto as roas de Nomkubulwana: trigo, cevada,
alface,
erva-doce e vrios tipos de flores eram semeados em cestas ou
vasos cheios
de terra e tratados durante oito dias, principalmente ou
exclusivamente por
mulheres. Alimentadas pelo calor do sol, as plantas brotavam
rapidamente;
porm, por no possurem raiz, elas definhavam tambm rapidamente e,
ao
cabo de oito dias, eram atiradas no mar ou em riachos,
juntamente com
imagens de Adnis morto''.
Essas semelhanas podem ser levadas muito longe, facilmente. Mas
eu
quero apenas assinalar aqui que em muitas cerimnias clssicas
nessa
estao, assim como na frica, atribua-se s mulheres um papel
dominante e
aos homens um papel subordinado uma palavra que devemos a
esse
arranjo "bacntico". Esses elementos aparecem em cerimnias de
toda a
rea das tribos Bantos do Sudeste. Como exemplo, podemos citar
uma
cerimnia destinada a expulsar pragas da lavoura, que se
realizava entre os
Tsonga, de Moambique:
Misria para o homem que caminha pelas veredas! Ele
impiedosamente atacado por essas viragos, que lhe do empurres e at
o mal tratam. Nenhum de seus companheiros ir em seu socorro. Todos
ficam longe dos caminhos, pois bem sabem que sorte lhes espera se
encontrarem o grupo selvagem!
Esse papel temporariamente dominante da mulher (um papel
dominante
publicamente institudo, realmente aprovado e no apenas
exercido
tacitamente num plano secundrio) contrastava fortemente com os
mores
desses povos patriarcais. Constitui, portanto, meu primeiro
exemplo de um
ritual de rebelio, protesto institucionalizado exigido por uma
tradio sagrada,
aparentemente contra a ordem estabelecida, mas que pretende
abenoar tal
ordem, com o fito de conseguir prosperidade. Para entender como
funcionava
essa rebelio, temos que comparar o comportamento nela
desempenhado pela
mulher com seu comportamento costumeiro.
Em primeiro lugar, importante entender que os homens no apenas
se
abstinham da participao no cerimonial, encarando-o como negcio
de
mulheres. Eles estavam convencidos de que a cerimnia ajudaria a
produzir
colheitas generosas: velhos homens Zulas lamentavam para mim, em
1937,
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que o abandono da cerimnia explicava as pobres colheitas da
poca. Os
homens queriam que o ritual fosse realizado. Seu papel positivo
na cerimnia
era esconder-se e permitir que as moas usassem suas roupas e
fizessem seu
tipo de trabalho, enquanto que as mulheres mais velhas deviam
comportar-se
de maneira obscena, bacntica, ao contrrio do comportamento
normalmente
exigido delas, a discrio.
Em segundo lugar, as cerimnias eram executadas pelas mulheres
e
moas dos distritos locais, enquanto que os homens, como
guerreiros do rei,
participavam das grandes cerimnias do plantio e dos primeiros
frutos, tendo
em vista a prosperidade e a fora da nao. Os interesses diretos
das
mulheres e moas eram confinados a seus distritos e s a entravam
em ao,
para obter prosperidade local. Suas aes cerimoniais, marcadas
pela
dominncia e pelas obscenidades, eram efetivas, ao contrrio de
sua
subordinao e discrio costumeiras. No possvel descrever aqui
detalhadamente o contraste, mas podemos afirmar resumidamente
que as
mulheres, formalmente, estavam em completa de pendncia dos
homens.
Legalmente, as mulheres eram sempre menores, aos cuidados de
pai, irmo
ou marido. Geralmente, no podiam tornar-se politicamente
poderosas.
Casavam-se fora de seus grupos de parentesco, indo para um
domiclio que
lhes era estranho e onde estavam sempre sujeitas a muitas
restries e tabus.
Nos rituais, seu papel no era apenas subordinado, mas tambm
bastante
ambivalente, representando quase sempre o mal. Elas podiam
executar boa
magia, como quando uma mulher grvida queimava remdios cuja
fumaa
favorecia as colheitas. Mas elas no podiam se tornar magas; na
verdade, se
uma mulher passasse sobre uma fogueira onde fora preparada
alguma magia,
ela caa doente. As menstruaes eram benficas, por se constiturem
em
fontes de filhos, mas uma mulher, durante o perodo menstrual,
era geralmente
considerada como uma ameaa constante de perigo. Nessa condio,
elas
podiam estragar magias, arruinar colheitas, matar o gado, roubar
a fora dos
guerreiros e a habilidade dos caadores. Doenas terrveis
acometiam um
homem que mantivesse relaes sexuais com mulher menstruada. Na
religio,
as mulheres tambm eram excludas e consideradas potencialmente
ms. Elas
tinham que ir morar sob a proteo dos ancestrais de seu marido,
que lhes
eram estranhos e aos quais elas no podiam se dirigir
diretamente. Ao
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contrrio dos homens, elas no se transformavam em espritos
ancestrais que
faziam o bem para os filhos vivos em troca de sacrifcios. Pois,
como espritos,
as mulheres eram caprichosamente ms: ancestrais masculinos
normalmente
no continuavam a afligir seus descendentes depois de feito um
sacrifcio, mas
os espritos femininos continuavam a causar prejuzos e maldades.
O poder do
Cu, entre os Zulus, vagamente personificado nas tempestades.
Eles
distinguiam dois tipos de Cu. O primeiro, simbolizado pelo raio
em forma de
lmina, bom e masculino; o segundo, simbolizado pelo raio em
forma de
forquilha, feminino e perigoso. Finalmente, assim como os homens
podiam
aprender a se tornar bons magos, tambm elas podiam aprender a
ser
feiticeiras malignas, escolhendo deliberadamente a maldade. Mas
essa
maldade inerente mulher atraa para ela espritos familiares de
carter sexual
que a transformavam em bruxa e que exigiam a vida de seus
parentes. Nos
mitos Zulus, foram Evas que introduziram o assassnio atravs da
feitiaria no
Paraso. A maioria das acusaes de bruxaria feitas entre Zulus
eram lana
das contra mulheres: contra cunhadas ou noras, entre as mulheres
de um
homem ou entre as mulheres de irmos.
Havia um caminho aberto para as mulheres no sentido da boa
ao
ritual. Elas podiam ser possudas por espritos e se tornarem
adivinhas: 90%
desse tipo de adivinhos eram mulheres. Contudo, essa possesso
era uma
doena extremamente dolorosa e podia durar anos e freqentemente
matava o
paciente. O smbolo de uma iniciao bem sucedida era o direito de
carregar
escudo e lana, emblemas da masculinidade.
Assim, a mulher Zulu tinha acentuada sua subordinao social e
sua
inerente posio ambivalente pelas crenas e prticas padronizadas
de seu
povo. Elas potencialmente ameaavam o mal por meios rituais. Mas,
na
prtica, alm de serem teis como principais cultivadoras das roas,
eram
essenciais para a sociedade. A linhagem agntica grupo de
homens
descendentes atravs de homens de um ancestral masculino comum
era o
grupo duradouro dominante no parentesco e na vida familiar Zulu.
As mulheres
de uma linhagem casavam em outra, para ai produzir crianas. Como
diziam os
romanos, mulier finis familiae est. Mas os homens, que eram
socialmente frteis como grupo, pois seus filhos perpetuavam sua
existncia, eram
fisicamente estreis. Devido s leis que os proibiam de se casarem
com
-
mulheres de seu prprio grupo de parentesco, eles tinham que
procurar
mulheres em outro lugar para que obtivessem filhos. Pois mulier
et origo et finis familiae est. Assim, o grupo masculino dependia
de forasteiras para sua perpetuao. Quando essas mulheres entravam
para o grupo do marido, eram
cercadas de restries e tabus. Pois enquanto a continuidade e a
fora do
grupo dependiam dos produtos dessas mulheres, seu aumento em
nmero
ameaava tal continuidade e fora. Um homem cuja mulher lhe d dois
filhos
produz dois rivais na disputa de apenas uma posio e propriedade
e sua
mulher a responsvel por esse perigoso desdobramento da
personalidade
dele. Se o homem tem duas mulheres, ambas com filhos, a diviso,
assim
como o desdobramento, maior. Portanto, o papel da mulher,
produzindo
crianas, simultaneamente fortalece e ameaa romper o grupo:
essa
ambivalncia expressa nas crenas mltiplas a que me referi. As
disputas
masculinas por posio e propriedade ameaavam romper o grupo e
verificavam-se em termos de suas ligaes com o grupo agntico,
atravs das
mulheres forasteiras . Por isso no causa surpresa que as acusaes
de
feitiaria fossem feitas freqentemente por mulheres do mesmo
marido
(ciumentas dos favores desse ltimo, mas tambm interessadas por
seus
filhos) e por homens e mulheres contra cunhadas e noras. Alm
disso, os
homens do grupo, de vido unidade deste, no podiam atacar uns aos
outros
com acusaes de feitiaria, mas podiam faz-lo indiretamente com
acusaes
contra as respectivas mulheres.
O gado entra nessa srie de conflitos primeiramente como o
mais
importante item de propriedade disputado pelo homens, alm da
posio.
Havia na poca abundncia de lei. Outra importante fonte de
conflitos eram as
mulheres. Porm, num certo sentido, mulheres e gado se
identificavam,
embora e, talvez, portanto fossem tabu entre si, j que o
homem
precisava de gado para dar como prestao matrimonial por sua
esposa. O
gado cujo cuidado e mais as atividades guerreiras constituam os
dois
papis mais admirados na sociedade Zulu alm de tabu para as
mulheres,
era o smbolo aparente de sua transferncia para uma vila estranha
e para as
vicissitudes da vida conjugai, deixando a segurana de seu lar
natal. Embora o
casamento fosse a meta de todas as mulheres, as moas estavam
sujeitas a
sofrer ataques histricos durante os anos de namoro, que eram
imputados
-
magia amorosa de seus pretendentes. Quando uma moa se casava,
era
substituda em casa por gado e seu irmo usava esse gado para
obter ele
prprio uma noiva. A estabilidade do casamento do irmo,
estabelecida com
esse gado, dependia da estabilidade do casamento da irm e do
fato dela ter
filhos; pois, teoricamente, se ela se divorciasse (o divrcio na
prtica era muito
raro entre os Zulus) ou se fosse estril, seu ma rido podia
reclamar de volta o
gado usado pelo cunhado para casar-se. Assim, o gado passou a
simbolizar
no s a maneira pela qual uma moa se tornava esposa, mas tambm
o
conflito entre irmos e irms, sendo o irmo o herdeiro do
casamento da irm
do gado do grupo. A irm era excluda dessa herana devido ao seu
sexo. Se o
seu sexo e o do irmo fossem trocados, ela que seria herdeira do
gado e da
predominncia social e ele teria o destino de perpetuar um grupo
que no
aquele dentro do qual nascera. Isso parte do contexto social em
que devemos tentar entender as
cerimnias de Nomkubulwana, com seu protesto de rebelio feminina.
Essas
cerimnias ocorriam quando as mulheres tinham iniciado as
incertas e rduas
tarefas agrcolas anuais e pressagiavam uma boa colheita
concedida por uma
deusa, a nica a deusa dentre uma srie de "deuses" e ancestrais
viris. As
moas jovens ainda em seus domiclios natais, agiam como se fossem
seus
irmos: vestiam roupas de homem, carregavam armas (como os
adivinhos
possudos por espritos) e cuidavam do to amado gado. Seus
irmos
permaneciam nas cabanas, como mulheres. As jovens casadas,
comportando-se de maneira obscena, plantavam o campo da deusa,
assim como os homens,
na capital, semeavam um campo para o rei. Um abandono das
restries
ordinrias e um comportamento invertido e travestido, pelo qual
as mulheres
dominavam e os homens eram omitidos, de algum modo eram
considerados
capazes de realizar algo de bom pela comunidade, ou seja, uma
boa colheita.
bvio que uma grande quantidade de mecanismos psicolgicos e
sociolgicos at mesmo fisiolgicos esto contidos nesse "de
algum
modo eram considerados capazes de realizar algo de bom". No
tenho tempo
para entrar nos detalhes desses mecanismos, sobre os quais, na
verdade, at
agora, sabemos pouco. Aqui eu apenas assinalo que aparentemente
o
cerimonial se opera por um ato de rebelio, por uma demonstrao
aberta e
-
privilegiada de obscenidade , pela ao evidente de conflitos
fundamentais
tanto na estrutura social como nas psiques individuais.
Vendo as coisas desse modo, a Princesa do Cu desaparece num
plano
secundrio, tal como, diria Frazer, sua nvoa matinal quando o sol
se levanta
por sobre os montes. Porm, ela est claramente no centro da
cerimnia.
Como Frazer assinalou a propsito das antigas divindades
correlatas, ela
simboliza a grande mudana sazonal que acompanha a primavera e o
ritmo de
estaes dentro do qual est estabelecida a vida humana. As
colheitas, e
dessas depende a vida social, dependem elas prprias do ritmo
sazonal e da
generosidade e da boa qualidade das estaes. A deusa, possuidora
do
privilgio de conceder ou impedir uma colheita generosa, liga
dessa forma a
vida social ao mundo natural que a cerca. Isso faz, assumindo
uma forma
antropomrfica apropriada ao seu papel de ligar uma sociedade
patriarcal, que
impe pesadas tarefas sobre as mulheres, ao seu meio ambiente de
bosques e
relvas e, assim, parcamente cultivado. Sua figura apenas
parcialmente
humana, pois em parte constitui-se tambm de bosques, relva, rios
e roas.
mulher e frtil, porm donzela e solteira. Ela faz a chuva. Ela
ensinou todos os
ofcios teis e transmite leis s mulheres, que no podem legislar.
No entanto,
a partir do momento em que passamos saber algo sobre os papis
sociais dos
participantes na cerimnia algo que Frazer no sabia podemos levar
nossa
anlise por caminhos no percorridos pelo roteiro intelectualista
de Frazer.
Para ele, esse tipo de cerimnia era uma resposta ao pensamento
humano
sobre o universo; com mais informao sobre o assunto, vemos que
ela reflete
e supera conflitos sociais bem como falta de conhecimento.
III
A cerimnia de Nomkubulwana apenas uma entre vrias que
apresentam esses processos; eu a selecionei porque envolve uma
divindade
do tipo que tanto atraa a ateno de Frazer. Entre os vizinhos
Suazi e Tsonga,
e tambm no Transkei, esses ritos femininos esto associados
expulso de
uma peste provoca da por insetos. H um ritual parecido para
Nomkubulwana,
entre os Zulus. As mulheres Thembu, do Transkei, mais ao sul,
tambm
cuidam do gado numa cerimnia de puberdade feminina. Algumas
cerimnias
desse tipo parecem generalizadas por todas as tribos Bantos do
Sudeste.
-
Outras cerimnias domsticas tambm apresentam o tema da rebelio.
Mas
passo agora a analisar uma grande cerimnia nacional ligada s
colheitas e
realeza, em que fica manifesto o tema da rebelio no processo
poltico.
O reino Zulu foi desmantelado aps a guerra Anglo-Zu lu de 1879,
mas
felizmente os seus vizinhos Suazi ainda realizam cerimnias
nacionais muito
parecidas com aquelas realizadas anteriormente pelos Zulus. A
Dra. Hilda
Kuper nos fornece uma brilhante descrio desses ritos.
A maioria dos observadores toma a cerimnia incwala dos Suazi por
uma cerimnia tpica de primeiros frutos e realmente ningum come
de
algumas colheitas antes que a cerimnia seja realizada. Na maior
parte das
tribos sul-africanas, a quebra desse tabu representava perigo
ritual para o lder
e no para o transgressor, pois aquele que tivera "roubado" seu
direito de
precedncia. H evidncia de que muitos violavam o tabu: se
descobertos,
eram punidos pelos chefes. A prpria sano sobre esse tabu destaca
o tema principal do conflito com o qual estamos lidando. O rei
tinha que competir com
seus sditos para "morder o novo ano", cuja entrada se fazia
quando o sol
alcanava o trpico. Mas o rei tambm deve "competir com o sol" e
iniciar a
cerimnia antes do solstcio. Isso requer algum clculo, j que o
rei tem que se
retirar no minguante da lua, e tambm simboliza que os poderes do
homem
esto declinando. A nao reside na terra e depende das foras
csmicas, mas
estas devem ser utilizadas e mesmo submetidas. Aqui o rei tambm
est
interessado em evitar que suas fronteiras sejam invadidas.
As cerimnias variam conforme a idade do rei: se ele assume o
reinado
ainda rapaz, elas se reduzem a uns poucos ritos; se ele j mais
maduro, elas
florescem. Dos membros do cl real, somente o rei pode encenar o
ritual. O
pensamento histrico Suazi ensina que, quando dois prncipes
organizavam
suas prprias cerimnias, isso levava a grandes desastres:
exrcitos nacionais
eram enviados para punir essa traio. Certos chefes provinciais
imigrantes,
pertencentes a outros cls, mantm seus prprios cerimoniais de
primeiros
frutos, que eles realizam depois, ficando afastados da incwala
do rei.
Duas cabaas so preparadas para a cerimnia. Ambas so
conhecidas
por "Princesa" (inkosatana) e parecem estar liga das Princesa
Inkosatana, a
qual, segundo a Dra. Kuper, "uma divindade do cu, cuja pegada o
arco-ris
e cuja disposio se manifesta pelo relmpago". Isto sugere que
existe alguma
-
relao adicional entre ela e Nomkubulwana. As cabaas so
preparadas por
especialistas hereditrios do ritual, conhecidos como "O Povo
[Sacerdotes - M.
G.] do Mar". Um touro negro roubado do rebanho de algum sdito
no
pertencente ao cl real. "Ele fica enraivecido e orgulhoso" essas
emoes
conflitantes,ao que dizem, impregnam os ingredientes do ritual.
O touro morto
e tiras de sua pele so enroladas em torno das cabaas "princesa".
noite, os
"Sacerdotes do Mar", sob a bno dos ancestrais, do rei, vo obter
gua do
mar, gua dos grandes rios fronteirios e plantas das florestas
emaranhadas
das Montanhas Lubombo. Empresa antigamente arriscada, cortando
terras
inimigas, mas "as guas do mundo eram necessrias para dar fora e
pureza
ao rei". medida que atravessam o pas, os graves sacerdotes pra
ticam
saque permitido sobre a populao.
No dia da noite em que a lua estar escura, as cabaas so
colocadas
num cercado sagrado dentro do curral do rei. Alguns sacerdotes
pilham a
capital. Comeou a "pequena cerimnia". Os regimentos dos
veteranos
organizados por idades renem se no curral, formando-se como o
crescente da
fraca lua. Eles provm da capital onde mora a rainha-me do
falecido pai do
rei. Ento, entoada a sagrada cano real, que se confunde com os
mugidos
do gado: Vs detestais o pequeno rei
Vs detestais o pequeno rei. (repetido) Eu partiria com meu Pai
(o rei)
Temo que nos destituiriam Eles o colocam na pedra: ele dorme com
sua irm
ele com sua Lozithupa ([a] Princesa): Vs detestais o pequeno
rei
Essas palavras so repetidas vrias vezes em ordens variadas.
Durante
o cntico os regimentos procedentes da capital do rei e da
capital da sua
rainha-me entram no curral e o exrcito forma-se como um
crescente lunar.
Rainhas, princesas, mulheres comuns e crianas dispem-se em
fileiras
separadas, distanciadas umas das outras conforme seu status.
Todos cantam
uma segunda cano sagrada: Vs os detestais
Me, os Inimigos no o povo Vs os detestais
O povo feitiveiro Reconhece a traio de Mnbedla
Vs o detestais ,
-
Vs errastes, Curvai o grande pescoo,
tais e tais o detestam, Eles detestam o rei.
Esta cano novamente entoada, seguida de outras, "ricas em
aluses
histricas e preceitos morais", que tambm podem ser entoadas
em
comemoraes seculares. A Dra. Kuper cita uma delas: a cano fala
tambm
dos inimigos que existem entre os prprios sditos do rei,
reclamando vingana
sobre aqueles que se acredita tenham sido os assassinos, por
feitiaria, do pai
do rei, o Rei Bunu. Armemo-nos, homens da capital,
o harm foi queimado, desapareceu o escudo do leo (repetido).
Enquanto isso, o rei est no cercado sagrado. Os Sacerdotes do
Mar
trazem remdios para tratar dele: as mulheres desviam seus olhos,
pois "quem
olha para os remdios do rei pode enlouquecer", Um touro negro
morto
dentro do cercado sagrado. O exrcito passa da formao em
crescente a uma
formao que imita a lua cheia, postando-se junto ao cercado. Atrs
dele vai
um regimento jovem. Enquanto tratado com magia poderosa, o rei
est
rodeado de seus sditos. O exrcito entoa um canto real, emprega
do em todos
os episdios importantes da vida do rei: Rei, triste o vosso
fado,
Rei, eles vos rejeitam, Rei, eles vos odeiam.
O canto silencia; forasteiros que no devem lealdade ao rei,
homens e
mulheres pertencentes ao cl real e as mulheres engravidadas
pelos homens
do cl real so obrigados a irem embora. A Dra. Kuper diz que "o
rei, no pice
do seu tratamento ritual, deve estar cercado apenas por seus
sditos leais, que
no tenham com ele laos de parentesco". O lder dos Sacerdotes do
Mar grita:
"Ele fere com os dois cornos. Nosso Touro"; todos agora sabem
que o rei
cuspiu remdio para dar fim ao velho ano e preparar a entrada do
novo. A
multido aplaude, pois o rei "triunfou e est fortalecendo a
terra". O povo canta
o hino nacional, agora pleno de triunfo, no mais de dio e
repulsa:
-
Eis o Inexplicvel. Nosso Touro! Leo! Vinde.
Vinde, Ser do Cu, Inconquistvel. Movei-vos como as correntes do
mar,
Inexplicvel, Grande Montanha. Nosso Touro. Dispersam. No
cercado, o fogo queima durante toda a noite.
Antes do sol raiar, os homens se renem novamente no curral e
entoam
as canes de rejeio. Eles gritam: "Vem, Leo, desperta, eis que o
sol vos
deixa", "eles o odeiam, o filho de Bunu" e outros insultos, para
animar o rei a
ao. Quando o sol est se levantando, o rei entra no cercado, que
rodeado
pelo exrcito. Eles cantam novamente: Rei, triste o vosso fado,
Rei, eles vos rejeitam, Rei, eles vos
odeiam. Os forasteiros e os membros do cl real so expulsos e a
cerimnia do
cuspir repetida. O ritual acaba a.
Ainda resta um importante "trabalho do povo pelo reinado".
Os
guerreiros limpam as roas da rainha-me, mas seu trabalho
descrito por um
termo que designa trabalho com pouca energia, brincadeira e
perda de tempo
com bobagens. Os lderes de regimento exigem que se trabalhe
com
tenacidade e repreendem os preguiosos, mas sempre empregado o
termo
para trabalho sem energia: desconfio que seja um protesto, pelo
menos ao
nvel do Inconsciente, contra o trabalho para o Estado. O exrcito
dana;
depois, festeja-se o povo, segundo a hierarquia. Isso termina a
pequena
cerimnia e, durante a quinzena seguinte, o povo ensaia as emoes
e as
danas para a grande cerimnia a ser executada quando houver lua
cheia,
ocasio em que os poderes do homem assumem um status mais
elevado.
Gente de todos os recantos do pas se rene para esses dias de
festa nacional.
Os temas que analisarei em seguida j apareceram quando comentei
a
pequena cerimnia. Por isso, e por motivo de falta de tempo,
farei apenas um
resumo da grande cerimnia, a qual foi descrita pela Dra. Kuper
com
insupervel arte. No primeiro dia guerreiros jovens e puros, no
corrompidos
por relaes sexuais empreendem uma rdua jornada para obter
perptuas
ainda verdes e arbustos de crescimento rpido. Depois, eles danam
com o rei.
Aps descansarem, no terceiro dia, o rei submetido a um
tratamento com
remdios poderosos. Outro touro, cujo roubo deixou seu
proprietrio
"zangado", morto unha pelos jovens: aquele que no for puro corre
o risco
-
de ferir-se. Pedaos magicamente poderosos desse animal so usados
para
tratar do rei. O quarto dia o principal, quando, citando a Dra.
Kuper, "o rei
aparece em todo o seu esplendor e dramatizada a atitude
ambivalente de
amor e dio que seus irmos e seus sditos no-parentes lhe dedicam
e
dedicam uns aos outros". Enquanto so entoa das as canes de
rejeio e
dio, o rei atravessa a multido , dirigindo-se ao cercado
sagrado. Ele est nu,
a no ser por uma pea de marfim brilhante que cobre seu prepcio.
Suas
mes o lamentam e choram. Ele cospe remdios para que sua fora
passe
para seu povo e o desperte. Em seguida ele come das novas
colheitas e
no dia seguinte isso feito pelos vrios grupos de status da nao,
segundo
uma ordem de precedncia. tarde, o rei, cercado pelos homens do
cl real,
dana cabea do exrcito. A cano outra:
Ns o deixaremos, com seu pais.
Cujos viajantes so como troves distantes, Ouvis, Dlambula,
ouvis?
E as mulheres retrucam:
Ouvis? Vamos, vamos.
Dizem os Suazi que as palavras e a melo dia so selvagens e
tristes como o mar "quando o mar est zangado e os pssaros do mar so
arremetidos contra as ondas". As mulheres do cl real movem-se para
trs e para a frente em grupos pequenos, desespera dos... Muitas
choram. Os ps dos homens batem no cho vigorosa, porm
vagarosamente,as plumas negras ondulam e sacodem, os prncipes
aproximam-se, conduzindo o rei, que est no meio deles. Eles trazem
o rei para seu santurio, aproximando-se cada voz mais. O delrio da
multido aumenta, o volume doa cantos tambm, os corpos balanam o
apertam se contra o cercado; o rei forado a entrar.
A Dra. Kuper deu duas interpretaes aparentemente contraditrias
a
esse rito. A primeira era a de que o cl real quer emigrar
novamente. "Querem
que seu rei venha com eles, querem deixar o povo em quem no
confiam, povo
do pas onde eles ficaram apenas por algum tempo." A segunda
interpretao
era: "O cl real mostra seu dio ao rei. Eles o denunciam e o
expulsam de seu
meio." Eu acho que ambas as interpretaes so corretas, pois ambas
so
acentuadas no ato seguinte . A cano modifica-se:
-
Vinde, vinde, Rei dos Reis,
Vinde, pai, vinde Vinde, rei, oh, vinde aqui, rei.
Os prncipes se arremetem contra a pequena entrada com seus
bastes; chocam seus escudos agitadamente; recuam vagarosamente,
implorantes; tentam induzir o rei a sair; rogam, elogiam: "Sa de
vosso santurio. O sol vos deixa, a Vs, o Elevado.
O rei surge, parecendo um monstro selvagem, a cabea coberta
por
plumas negras, o corpo coberto por uma relva de bordas afiadas
verde
brilhante e por brotos de perptuas. Esses acessrios tm
significados rituais.
Ele "parece relutante em retornar noo. Ele executa uma ardilosa
dana
desvairada". Depois, ele volta para o santurio e novamente os
prncipes
gritam para que ele soja, "o rei dos reis". "Eles recuam, fazem
uma pausa,
curvam-se para a frente. Finalmente o rei responde. Quando ele
se aproxima,
os prncipes se afastam, tentando convenc-lo a que os siga, mas
depois de
dar alguns passos o rei volta e os agrupam novamente por trs
dele. "Os
guerreiros danam vigorosamente, batendo os escudos, pois "o rei
mantm-se
vivo e saudvel pelos movimentos dos guerreiros. A pantomima
prossegue em
tenso crescente... o rei est atemorizante e, medida que a relva,
amolada
como faca, corta sua pele, ele contorce o corpo furiosamente, de
dor e de
fria."
Finalmente, os jovens puros vm para a frente, carregando
escudos
especiais, grandes e pretos. A cano agora de triunfo:
Trovejai profundamente,
Para que eles ouam a estrondosa pancada.
Os jovens golpeiam seus escudos com os punhos,
compassadamente,
enquanto o rei dana em sua direo. Mas os jovens fogem do rei.
Este ainda
volta duas ou trs vezes ao santurio para ressurgir depois,
carregando uma
abbora ainda verde, embora tenha sido colhida no ano anterior. A
corte e os
forasteiros deixam novamente o anfiteatro. O rei recua mais uma
vez,
exasperando os homens; ento, de repente, ele se lana para a
frente e atira a
abbora num escudo. Os homens batem os ps, assobiam e esmurram
seus
escudos. E dispersam.
-
Alguns informantes disseram Dra. Kuper que, no tempo das
guerras, o
homem cujo escudo fora atingido (que assim recebia o poderoso
repositrio,
smbolo do passado) seria morto quando fosse a uma batalha; e ela
sugere
que ele possa ser um bode expiatrio nacional, "um sacrifcio ao
futuro".
O rei est cheio de poder mgico poderoso. Nessa noite ele se
deita
com sua mulher ritual, que feita sua irm de sangue, de maneira
que sangue
real e sangue plebeu se encontram nela para torn-la esposa-irm
do rei. No
dia seguinte, toda a populao est sujeita a tabus e restries,
enquanto o rei
se senta nu e calmo entre seus poderosos conselheiros. "Nesse
dia a
identificao entre povo e rei bem marcada." Por exemplo, gente
que infringe
o tabu de acordar tarde repreendida e punida: "Voc faz com que o
rei
durma", alegam. A rainha-me tambm c tratada com remdios.
No ltimo dia, algumas das coisas usadas na cerimnia so
queimadas
numa grande pira e o povo dana e canta, mas as tristes canes de
rejeio
so agora tabu por um ano. Deve cair chuva e geralmente isso
acontece
para apagar as chamas. Os festejos e orgias so expensas das
autoridades,
faz-se amor alegremente. Os guerreiros limpam os campos reais e
vo depois
para suas casas.
Na vivida exposio da Dra. Kuper, as prprias cerimnias deixam
claro
seu simbolismo mais importante. possvel sentir a atuao das
poderosas
tenses que formam a vida nacional: rei e Estado contra o povo e
o povo
contra rei e Estado; o rei aliado aos plebeus contra os seus
rivais, os irmos-
prncipes; plebeus aliados a prncipes contra o rei; a relao entre
rei e sua
me e entre o rei e suas rainhas; e a nao unida contra inimigos
internos e
externos, numa luta pela sobrevivncia com a natureza. Essa
cerimnia no
apenas uma declarao macia de unio, mas tambm uma nfase no
conflito,
uma afirmativa de rebelio e rivalidade contra o rei, com
afirmaes peridicas
de unio com o rei e de retirada de poder do rei. A estrutura
poltica
santificada na pessoa do rei, por ser essa estrutura a fonte de
prosperidade e
fora que protege a nao interna e externamente. O rei associado a
seus
ancestrais, pois a estrutura poltica se mantm atravs das
geraes,embora
reis e sditos nasam e morram. A rainha-me o liga aos reis passa
dos; suas
rainhas o ligam aos reis futuros. Ha outros elementos
observveis, mas j ficou
claro que os Suazi acreditam que a representao simblica e
dramtica das
-
relaes sociais, em toda a ambivalncia destas, consegue unidade
e
prosperidade.
IV
Primeiramente, devo render homenagem profunda viso de Sir
James
Frazer. Ele assinalou que essas cerimnias agrcolas estavam
ligadas ao
processo poltico e que o deus moribundo freqentemente associado
aos reis
seculares. Ele tambm chamou ateno para a cerimnia de rebelio,
pois
descreveu a difundida ascenso de "reis temporrios", que eram
sacrificados
ou ridicularizados e dispensados depois de alguns dias de
autoridade
ostensiva. Ele no podia extrair de seu inadequado material as
concluses que
extramos. Talvez fosse possvel testar minhas hipteses no
material clssico,
mas suspeito que no haja dados disponveis. A douta anlise do
professor
Frankfort sobre as cerimnias apenas diz que:
os Prncipes Reais, e tambm os Parentes Reais, eram obrigados a
participar. Alm deles, alguns relevos exibem silhuetas designadas
por "homens" ou "sditos". Elas representam as multides de
espectadores que, embora certamente excludos da rea relativamente
restrita do templo, assistiam s procisses ao porto e talvez
participassem de outras formas impossveis de serem reconstrudas por
ns.
Observadores sem treinamento e relatos sobre as sociedades
primitivas
feitos pelos prprios nativos no tm, geralmente, registrado esses
importantes
elementos do cerimonial. Por isso eu me aventuro a sugerir que
as cerimnias
clssicas e aquelas do Oriente Prximo talvez tambm tenham
sido
organizadas para exibir tenses sociais.
V
Estamos diante de um mecanismo social que desafia socilogos,
psiclogos e bilogos a fazerem uma anlise em detalhe dos
processos pelos
quais essa representao do conflito leva ao beneficio da unidade
social. Ns
estamos claramente s voltas com o problema da catarsis- colocado
por
Aristteles em sua Poltica e em sua Tragdia: a. purgao da emoo
atravs
da "piedade, do medo e da inspirao". Minha tentativa aqui
analisar o
quadro sociolgico do processo.
-
Eu acentuaria principalmente que o ritual de rebelio ocorre
dentro de
uma ordem social estabelecida, no posta cm questo. No passado os
Bantos
do Sudeste podem ter criticado certas autoridades e indivduos e
se rebelado
contra eles, mas no discutiam as instituies. As mulheres Zulus,
sem dvida
nenhuma, sofriam uma severa presso psquica devido subordinao
social e
ao fato de serem transferidas a grupos estranhos pelo casamento,
mas elas
desejavam casar, ter filhos, campos frteis e bem cultivados para
alimentar
seus maridos e famlia. Durante o ritual de Nomkubulwana, elas
se
transformavam temporariamente em viragos obscenas e suas filhas
se faziam
vaqueiras de porte marcial; mas todas aceitavam a ordem social,
no
formavam um partido de sufragistas. Acho que temos aqui um
indicador (no
necessariamente errado s pelo fato de ser bvio) de uma srie de
razes
pelas quais essas cerimnias africanas podiam expressar livre e
abertamente
conflitos sociais fundamentais. Havia mulheres procurando bons
maridos para
lhes dar filhos e no sufragistas tentando alterar a ordem social
e poltica
existente.
Da mesma forma, na vida poltica africana, os homens eram
rebeldes,
jamais revolucionrios. O rei, os prncipes reais e os sditos,
todos aceitavam a
ordem existente e suas instituies, crendo realmente nelas.
Aqueles que
disputavam o poder contra uma autoridade estabelecida queriam
apenas
conseguir a posio da autoridade para si prprios. A estrutura
descrita pelo
Professor Frankfort a respeito do Egito idntica. O fara "mantm
uma ordem
estabelecida (da qual a justia um elemento essencial) contra o
assalto das
foras do caos". Essa ordem era maat geralmente traduzido para
"verdade", mas "que realmente significa 'a ordem correta1 a
estrutura inerente da
criao,da qual a justia uma parte integrante". Essa ordem era de
tal modo
"efetivamente reconhecida pelo povo, que ao longo de toda a
histria do Egito
no h evidncia de qualquer levante popular", embora houvesse
muitas
intrigas palacianas
A aceitao da ordem estabelecida como certa, benfica o mesmo
sagrada parece permitir excessos desenfreados, verdadeiros
rituais de
rebelio, pois a prpria ordem age para manter rebelio dentro de
seus limites.
Assim, representar os conflitos, seja diretamente, seja
inversamente, seja de
maneira simblica, destaca sempre a coeso social dentro da qual
existem os
-
conflitos. Todo sistema social um campo de tenses, cheio de
ambivalncias,
cooperaes e lutas contrastantes. Isso verdade tanto para
sistemas sociais
relativamente estacionrios que me apraz chamar de repetitivos
como para
sistemas que mudam e se desenvolvem. Num sistema repetitivo os
conflitos
so resolvidos no por alteraes na ordem dos postos ,mas por
substituio
das pessoas que ocupam esses postos. medida que o tempo passa,
o
crescimento e mudana da populao provocam, durante longos
perodos,
realinhamentos, mas no uma mudana radical do padro. E como a
ordem
social sempre contm uma diviso de direitos e deveres e de
privilgios e
poderes, que contrastam com seus opostos, o desempenho
cerimonial dessa
ordem afirma a sua natureza em toda a sua legitimidade. A
cerimnia afirma
que, em virtude de suas posies, povo e prncipes odeiam o rei e,
no entanto,
eles apiam este ltimo. Na verdade esse apoio existe em virtude e
a despeito
dos conflitos que os opem mutuamente. O ponto crtico que, mesmo
se os
prncipes Suazi no odeiam o rei, sua posio social pode atrair
descontentes
que se juntem a eles. Em verdade, numa sociedade de
relativamente pequena
escala, a existncia pura e simples dos prncipes d-lhes um poder
que
ameaa o rei. Assim, em seu comporta mento ritual prescrito e
obrigatrio, eles
exibem tanto oposio quanto apoio ao rei, mas principalmente
apoio ao
reinado. esse o quadro social em que se apresentam os rituais de
rebelio.
Aqui est uma resposta discusso da Dra. Kuper sobre as canes
de
dio e rejeio atravs das quais os Suazi do seu apoio ao rei:
As letras das canes Incwala surpreendem o europeu, acostumado,
nas celebraes nacionais, a ouvir a monarquia ruidosamente
enaltecida, exageradas as virtudes da nao e o pas glorificado. O
tema das canes de Incwala o dio devotado ao rei e sua rejeio pelo
povo. [Escreveu um Suazi]: "A uma cano ou hino uma aluso indireta
aos inimigos do rei; no necessariamente os externos, mas tambm os
membros da famlia real e tambm aqueles entre os homens da tribo. O
verso "ele o odeia! ahoshi ahosh ahoshi" tem a inteno de atacar
todos aqueles que no se juntarem incwala, cuja no participao vista
como um ato de rebeldia, hostilidade e dio ao rei. "Sobre a [cano
de rejeio, ele escreveu]: " uma expresso nacional de simpatia ao
rei, cuja maneira de ser escolhido necessariamente causa o
surgimento de inimigos dentro da famlia real... As canes exibem o
dio evocado pelo rei, mas elas tambm demonstram a lealdade de quem
o apia. As pessoas que entoam a cano fazem-no com dor e sofrimento,
pois odeiam os inimigos dele e os denunciam." [Outro Suazi] disse:
"Acho que essas canes so preventivos mgicos contra males que possam
atingir o rei."
-
Quando o rei se dirige para o santurio, "nu, atravs de seu
povo,
as mulheres choram e a cano de dio soa com penetrante
melancolia. Mais tarde, quando [a Dra. Kuper] perguntou s mulheres
por que elas tinham chorado, a rainha-me respondeu: "foi doloroso
v-lo rei. Meu filho fica sozinho no meio do povo"; as rainhas
disseram: "Ns temos pena dele. Nenhum outro homem poderia caminhar
despido diante de todos". Um velho acrescentou: "Realmente, o
trabalho de um rei pesado".
o rei em particular, odiado e rejeitado por alguns, que deve
inspirar
pena e conseguir o apoio de quem leal. O povo pode detestar o
reinado ao
ressentir sua autoridade, mas no quer subverte-lo. Pois "divino
e o reinado,
no o rei".
Na Europa no podemos mais rejeitar ritualmente apenas o rei,
porque
muitos entre ns, mesmo no Reino Unido, rejeitam odeiam o reinado
e a ordem
social que ele define: portanto, citando a Dra. Kuper, "a
monarquia []
ruidosamente enaltece exageradas as virtudes da nao e o pas
[]
glorificado", 'talvez existam entre ns umas poucas pessoas que
aceitam o
reinado, mas que acham que outra pessoa deveria ocupar o trono.
Geralmente,
em vrias partes da Comunidade, como na minha terra natal da
frica do Sul,
ressente-se a Coroa e no seu titular. Alguns sul africanos
desejam tornar-se
independentes da Coroa; em toda a Comunidade h revolucionrios
que
desejam repblicas , organizadas de maneiras bem diferentes. Em
geral,
ningum luta contra um soberano em particular.
O contraste simplificado esclarece o quadro social do ritual de
rebelio
entre os Suazi. A organizao poltica dos Suazi era um sistema
onde existiam
rebeldes, no revolucionrios. Se um rei se tornasse um tirano, a
reao do
povo no seria a tentativa de estabelecer uma repblica, mas a
tentativa de
encontrar um bom prncipe que pudesse assumir o lugar do rei. Por
crena e
hbito, pela estrutura dos grupos a que se uniam para uma
rebelio, eles eram
forados a buscar na famlia real seu lder salvador. Acreditava-se
firmemente
que apenas membros da famlia real poderiam se tornar reis.
Nas
circunstncias de uma rebelio contra um mau rei, o qual no
observa o valor
da realeza, a revolta de fato empreendida para defender a
instituio da
realeza contra o rei. O povo tem interesse nos valores do
reinado e luta por
eles. Em suma, j que a rebelio para colocar um prncipe de quem
se
espera a observncia desses valores no lugar do rei, com os
mesmos poderes,
-
a rebelio paradoxalmente apia a realeza. Ademais, como o lder de
uma
rebelio um membro da famlia real, a rebelio confirma os direitos
dessa
famlia realeza. Portanto, um prncipe pode convidar plebeus a se
rebelarem
e a atacarem o rei, seu parente, sem invalidar seu prprio
direito de famlia.
Nessa situao, os reis temem rivais de sua prpria camada social e
no
revolucionrios de status mais baixos, e cada rei, por medo de
seus rivais, tem
grande interesse em conformar-se s normas da realeza. Toda
rebelio ,
portanto, uma luta em defesa da realeza e da instituio do
reinado. Nesse
processo, a hostilidade dos plebeus contra os aristocratas se
destina a manter
a soberania dos aristocratas, alguns dos quais lideram os
plebeus revoltosos.
Todos esses alinhamentos so dramatizados no ritual de rebelio,
junto
com a unio contra a natureza e os inimigos externos. O rei
fortalecido como
rei e o reinado fortalecido em sua pessoa, atravs da associao
com seus
ancestrais reais, com a rainha-me e com as insgnias reais que
simbolizam a
permanncia do trono. Mas seu isolamento pessoal e os conflitos
centralizados
nele, como indivduo encarregado do trono, expressam
dramaticamente os
alinhamentos reais de lutas pelo podo sistema e intensificam as
aes e
emoes que denotem lealdade. Enquanto o rei ainda menor,
poucas
cerimnias so executadas: os homens no se renem e as canes de
dio
no so entoadas. A posio pessoal do rei muito fraca para permitir
que um
conflito expresse unidade dramtica em oposio complementar.
A estrutura de rebeldia desse tipo de sociedade estacionria foi
h muito
notada pelos historiadores. Mas o ritual de rebelio indica que
podemos levar a
anlise adiante. A grande cerimnia, que os Suazi acreditavam
fortalecer e unir
a nao, atingia esses objetivos, no s devido s canes e danas
generalizadas, s abstenes e festividades, mas tambm devido
nfase
dada rebelio potencial. Se essa nfase, na prtica, fazia com que
a nao
se sentisse unida, no possvel que a rebelio civil em si fosse
uma fonte de
fora para esses sistemas? No posso apresentar aqui todas as
provas que
sustentam essa afirmativa audaciosa. Temos Estados baseados
numa
tecnologia relativamente simples com ligaes comerciais limitadas
que no
tinham produtos suficientes para melhorar seus nveis de vida, em
que os ricos
empregavam sua riqueza principalmente para alimentar seus
dependentes e
aumentar o nmero de seus partidrios. Essas sociedades eram
basicamente
-
igualitrias. Tambm no possuam um complexo sistema econmico que
as
integrasse e mantivesse unidas, alm do fato de que seus sistemas
de
comunicao eram limitados. Cada segmento territorial era
economicamente
autnomo e tenuemente controlado pelo centro. Por isso, com base
em
lealdades e coeso locais, esses segmentos desenvolviam fortes
tendncias a
se separarem do sistema nacional e a se fixarem como
independentes. Mas,
na prtica, os lderes desses segmentos territoriais inclinavam-se
mais a lutar
pelo reinado ou pelo poder em torno dele e no pela independncia.
Assim
guerras civis peridicas fortaleciam o sistema, canalizando as
tendncias
segmentao e demonstrando que a meta mxima dos lderes era o
posto
sagrado do rei. Assim, durante um reinado, longo o satisfatrio,
de um bom rei
Zulu, dois de seus filhos lutavam pela sucesso, estando o pai
ainda vivo. Em
outras naes, havia uma guerra civil entre os herdeiros em
potencial, da qual
todos participavam. Em outras (e.g. Zulu), um rei pacfico
poderia ser atacado
por algum que o acusaria de usurpao. Freqentemente segmentos
da
nao apresenta riam seus prprios pretendentes ao trono, cada
segmento
pronto a morrer por seu verdadeiro prncipe.
Esta sugesto fortalecida pelo fato de que raramente na frica
encontramos regras simples e claras indicando apenas um prncipe
como o
legtimo sucessor. Freqentemente as regras de sucesso so
contraditrias,
por apoiarem diferentes herdeiros (e.g. Bemba). Mais
freqentemente ainda
essas regras operaram muito vagamente na prtica (como entre os
Suazis e os
Zulus). Quase toda sucesso pode despertar o aparecimento de
pretendentes
rivais. Ou ento o herdeiro selecionado dentro da famlia real
(Lozi). Ou
ainda, o reinado circula rotativamente entre diferentes casas da
dinastia real,
casas que representam os diversos segmentos territoriais (e.g.
Shilluk e Nupe).
Outro artifcio a monarquia dual com a autoridade distribuda por
duas
capitais, uma das quais pode ser governada pela irm ou me do rei
(e.g.
Suazi e Lozi). A prpria estrutura do reina do impele s lutas
entre casas rivais
e mesmo guerra civil e fato histrico que essas lutas mantinham
os grupos
componentes da nao unidos numa aliana conflituosa em torno do
lugar
sagrado do rei. Quando um reino se torna integrado por uma
complexa
economia e por um sistema de comunicaes rpidas, as intrigas
palacianas
podem prosseguir, mas os processos comparativamente simples
de
-
segmentao e rebelio so complicados por 1utas de classes e
tendncias
revoluo. O ritual de rebelio deixa de ser apropriado ou
possvel.
VI
Alguns pontos ainda devem ser citados para completar nossa
discusso.
Em primeiro lugar, por que essas cerimnias tm lugar na poca dos
primeiros
frutos e da colheita? Eu sugiro que existem realmente foras
desagregadoras
atuando nessa estao, as quais exigem um estudo fisiolgico e
psicolgico
em todas essas tribos, os primeiros frutos chegam depois de um
perodo de
fome. Podem surgir brigas, causadas pelo repentino acesso
energia
proporcionada pelos novos alimentos. depois da colheita que as
guerras so
organizadas e lutas internas estouram. Mesmo antes disso, a
esperana de
fartura, especialmente de cerveja, leva a uma violenta exploso
de energia nos
homens, que ficam muito briges nessa poca. Na verdade, algumas
pessoas
comem os novos alimentos antes mesmo da cerimnia ser realizada.
Se as
colheitas so boas e muitas tribos sul-africanas no realizavam
cerimnia
alguma se elas no o fossem verifica-se o fim jubiloso das
incertezas. Nesse
pano de fundo, surgem dificuldades quando as plantaes de uma
famlia j
amadureceram enquanto outra ainda passa fome. O tabu imposto
sobre comer
antes do tempo permite que cada famlia entre no perodo de
fartura mais ou
menos ao mesmo tempo que as outras. observvel a emoo que invade
a
sociedade quando entra num perodo de fartura. Por serem
economias de
subsistncia, medida que os suprimentos diminuem, nessas
sociedades,
cada grupo domiciliar tende a retirar-se para dentro de si
mesmo. Depois dos
primeiros frutos e da colheita, so retomadas as atividades
sociais mais
amplas: casamentos, danas, festas da cerveja, passam a ocorrer
diariamente
e atraem vizinhanas inteiras. Essa grande mudana no ritmo da
vida social
acompanhada pelo alvio sentido por todos ao conclurem que mais
um ano se
passou e com sucesso, enquanto as pesadas exigncias do ritual,
com sua
lenta ordenada liberao de emoes conflitantes e energia
reprimida,
controlam o comportamento atravs do programa de cerimnias e
dana
acentuando a unidade. Tudo realizado sob a sano de divindades ou
de
ancestrais reais. Os Lozis no tm nem perodo di' lume nem
grandes
cerimnias.
-
A cerimnia das mulheres e as cerimnias do rei na poca do plantio
e
na dos primeiros frutos so claramente rituais, agrcolas. Algumas
das tenses
sociais e psquicas com as quais elas lutam esto associadas a
fases do ciclo
agrcola e ao alimento que se espera seja produzido ou que tenha
sido
produzido. Mas essas tenses so ligadas s relaes sociais
envolvidas na
produo de alimentos atravs dos atores rituais. O sucesso na
agricultura no
depende apenas da inconstncia da natureza, embora a volubilidade
desta seja
personificada em todas as cerimnias. A deusa nomkubulwana um
esprito-
natureza e pode conceder boas colheitas ou no. Ela um
esprito-natureza
para as mulheres, no s porque est relacionada a colheitas, mas
tambm
porque as mulheres, nas vizinhanas, atuam como corporaes.
Essas
vizinhanas incluem mulheres procedentes dos mais diversos grupos
de
parentesco, com diferentes origens ancestrais; em qualquer caso,
as mulheres
no podem ter acesso aos ancestrais, que so primordialmente
responsveis
pela prosperidade. O ritual de Nomkubulwana , portanto, um culto
da ter ra e a
roa dela plantada ao longe, na savana. Assim como a roa, a
deusa
Nomkubulwana mantm-se fora do crculo da sociedade: ela no entra
na
cerimnia. Ela invocada quando as plantaes comeam a crescer e
quando
so atacadas por pestes, de maneira que as mulheres e sua deusa
so
associadas aos estgios mais incertos da agricultura, poca em que
o trabalho
daquelas mais pesado. Aqui, os celebrantes invertem
drasticamente os seus
papis. Isso sugere, para um estudo psicolgico, a possibilidade
de que a
situao marital das mulheres produz grandes tenses, jamais
superadas. Elas
transparecem na vulnerabilidade das mulheres s desordens
mentais, s
histerias provocadas pelo medo de uma corte mgica por parte dos
homens ou
de uma possesso por esprito. Sociologicamente, o ritual e o
esprito-natureza
parecem estar relacionados com a instabilidade potencial dos
grupos e da vida
domstica.
A cerimnia dos primeiros frutos um ritual poltico organizado
pelo
Estado, que um grupo duradouro: por isso ela exibe diferentes
crenas e
processos. Os Bantos acreditam que os espritos ancestrais do rei
so, no final
das contas, primariamente responsveis pelo clima e por boas
colheitas. Esses
espritos, quando vivos, faziam parte da sociedade e eles esto
sempre perto
de certos lugares sagrados existentes nas habitaes. Eles so
inconstantes
-
em suas aes, mas esto dentro da sociedade. O soberano seu
representante na teria o lhes dirige splicas numa pequena
cerimnia na poca
do plantio. Depois, a cerimnia dos primeiros frutos, destinada a
celebrar uma
estao benfica, novamente envolve o rei e seus ancestrais (os
ZuLus
chamavam a cerimnia de "brincar com o rei"). O ritual organizado
para exibir
os conflitos e a cooperao que constituem sistema poltico. A essa
cerimnia
segue-se uma srie de oferendas de primeiros frutos feitas
separadamente
pelos lderes de todos os grupos polticos aos seus prprios
ancestrais, l onde
eles habitam. Mas as mulheres no fazem nenhuma oferenda da
colheita a
Nomkubulwana, que, por intermdio de outro grupo de crenas,
concedeu
fertilidade. O perodo de segurana na agricultura o dos primeiros
frutos e
colheita , portanto, associado ao rei e ao sistema poltico,
pois, apesar do
conflito que este encerra, de ano a ano ele ordenado e
estabilizado, acima da
estabilidade das unidades domsticas. Contudo, a incerteza e a
selvageria da
natureza podem figurar na cerimnia do rei, embora seja ele mesmo
que as
personifique. Isso ocorre quando, no clmax da cerimnia, ele
surge vestido de
juncos e peles de animais um monstro ou algo selvagem (Silo)
e
improvisa uma dana frentica (improvisa porque ela no lhe foi
previamente
ensinada). Mas, mesmo como um esprito da natureza, o rei a trado
para a
sociedade, por seus inimigos aliados, os prncipes, at que ele
finalmente joga
fora o ano passado num ltimo rito de agresso, atirando uma
abbora no
escudo de um guerreiro, que morrer. Ento ele se torna novamente
rei, mas
numa recluso cercada de tabus, que marca sua subordinao
ordem
poltica. O rei servo de seus sditos. A natureza subjugada pelo
sistema
poltico, num ritual cujo momento dado pelos mais certos fenmenos
da
natureza: os movimentos do sol e da lua.
Os professores Fortes e Evans-Pritchard sugeriram uma hiptese
mais
especificamente sociolgica para explicar de que maneira a coeso
social est
associada s novas colheitas, na cerimnia poltica. Se a
comunidade quer
obter qualquer das coisas que valoriza boa camaradagem, crianas,
mais
gado, vitrias, em suma, prosperidade ela deve ter alimentos.
Isso o trivial
e o bvio. Mas talvez seja menos bvio acentuar que as
interpretaes
comunais na procura de alimentos podem entrar em conflito com os
interesses
individuais. Pois, para obter comida, os homens necessitam de
terras, de
-
enxadas e de gado; eles precisam de mulheres que cultivem suas
roas.
Indivduos ou grupos podem entrar em conflito por motivo de
terra, de
implementos, de gado ou de mulheres. Assim, os interesses
individuais por
comida, to essenciais, opem-se, num certo sentido, aos
interesses da
comunidade de que todos os seus membros sejam prsperos e tenham
muito
alimento. Assim, elementos de conflito originam-se dos prprios
alimentos to
desejados. Esses conflitos so resolvidos porque, ao manter e
cultivar a terra,
ao pastorear o gado e ao casar com mulheres, os homens se
envolvem, no
apenas em atividades tcnicas, mas tambm em aes que, em seus
aspectos
legais e morais, os associam aos seus companheiros. Eles devem
observar
completamente suas obrigaes e respeitar os direitos dos outros,
"porque
seno as necessidades materiais da vida no poderiam mais ser
satisfeitas. O
trabalho produtivo se paralisaria e a sociedade se
desintegraria." Dessa
maneira, o grande interesse de todos a paz, a ordem e a
obedincia Lei. J
que a estrutura poltica garante essa ordem e essa paz,
permitindo assim a
produo de alimentos, associada aos alimentos da comunidade em
geral.
Na cerimnia, a nova comida inaugurada para toda a nao, embora
alguns
sditos a roubem. Assim a ordem poltica de direitos e deveres
interligados
santificada. E orei, que representa essa ordem, entra para o
reinado divino.
Talvez possamos agora ir mais longe e acrescentar que os
conflitos entre
indivduos e ordem poltica como um todo so demonstrados no ritual
de
rebelio. A gratificao individual de todos, inclusive a do prprio
rei,
restringida pela autoridade da ordem. Mesmo o rei se acerca do
reinado com
cuidado: as restries sobre o rei Suazi so mais pesadas
justamente no dia
em que ele est mais ligado ao seu povo. Sua imperfeio pessoal e
o perigo
que oferece de profanar os valores do reinado ficam demonstrados
pelos
insultos a que ele submetido.
VII
Para fazer minha anlise por contraste, eu sugeri que as
cerimnias
polticas modernas talvez no tomem essa forma, porque nossa
prpria ordem
social questionada. claro que esse contraste apenas delineia o
problema.
Na nossa sociedade existem tenses entre grupos demais, polticos
e outros,
para que possam ser dramatizadas de uma maneira simples.
Paradoxalmente,
-
por causa dessa fragmentao de nossas relaes sociais, ns no
temos
rituais desenvolvidos, ou to freqentes, que envolvam o
aparecimento de
pessoas segundo seus papis sociais. O indivduo sob presso tem
alguma
possibilidade de fuga, alterando seu papel ou aderindo a outros
tipos de
relaes sociais. Alm disso, nosso monarca reina, mas no governa;
e,
embora os reis Suazis e Zulus fossem forados a atuar atravs de
funcionrios
que os restringiam, eles reinavam e governavam. Na nossa
sociedade, o
sistema parlamentar e os governos locais so apenas dois dentre
vrios
mecanismos de expresso aberta de oposio. Esses mecanismos
seculares
tambm existem na sociedade Banto e de se notar que raramente
ocorrem
rituais polticos de rebelio entre os Lozis da Rodsia
Setentrional, que
possuem uma organizao governamental que trata de maneira
bastante
elaborada as tenses entre os vrios componentes do Estado, ao
contrrio do
que ocorre entre os Bantos do Sudeste. Mesmo assim h fundamento
em
afirmar que uma "rebelio ritual" pode ser desvirtuada por
tradio, como uma
bno social, em sistemas sociais repetitivos, mas no em sistemas
que
possibilitem revolues fica claro numa exposio feita por um
antigo viajante
francs sobre a cerimnia dos primeiros frutos dos Zulus. Ele
comenta essa
cerimnia, ao analisar seu "governo desptico":
Discusses excitadas tm lugar ao tempo da assemblia geral dos
guerreiros (por volta do dia 8 de dezembro), quando o milho est
maduro. H indagaes livres, que devem ser respondidas imediatamente
pelo rei de uma maneira que satisfaa o povo. Nessas ocasies eu vi
guerreiros comuns se destacarem de suas fileiras e se transformarem
em oradores cheios de vitalidade, extremamente excitados, no se
sustentando o olhar impetuoso do rei Panda, mas at mesmo acusando-
o diante de todos, censurando-o diante de todos, estigmatizando-o
como vil e covarde, obrigando-o a explicar-se, destruindo o
argumento de suas respostas, dissecando essas respostas e
desmascarando sua falsidade; de pois, altivamente, ameaando-o e
finalizando com um gesto de desprezo. Eu tambm vi, depois dessas
discusses, os partidos do rei e da oposio chegarem ao ponto de se
lanarem um contra o outro. Vi que j ningum mais prestava ateno na
voz do dspota e que uma revoluo poderia estourar e que apareceria
um homem ambicioso para tirar lucro da indignao do partido de
oposio ao rei. Mas o que me surpreendeu mais ainda foi a ordem que
se seguia ao fim desse tipo de tribunal populares.
Depois de nossa analiso, ns no nos surpreendemos, pois claro
que
nenhum lder revolucionrio poderia aparecer nesse ponto. O ataque
contra o
-
rei era exigido pela tradio e ele naturalmente culminava com os
guerreiros
exortando ao rei que os liderasse numa guerra.
Restam alguns problemas importantes. Os rituais, enquanto
purificao
cal rtica, eram efetivos apenas para o perodo de sua execuo e
pouco
depois? Ou ser que eles animavam sentimentos persistentes de
consagrao
s guerras seguintes, s grandes caadas tribais e s duradouras
instituies
seculares de poder, que mantinham e uniam a nao? A tendncia
rebelio
requer expresso ritual para que a estrutura social seja mantida?
Por que a
reverso de papis to importante para o mecanismo desse processo?
De
que maneira o prprio ritual mantm dentro de certos limites os
sentimentos de
rebeldia que ele mesmo desperta? Por que algemas cerimnias no
exibem
esse processo de rebeldia e por que cerimnias organizadas dessa
maneira
no ocorrem em vrias situaes de conflito? Aqui eu sugiro que
talvez os
rituais de rebelio sejam confinados a situaes nas quais fortes
tenses so
despertadas pelo conflito entre diferentes princpios
estruturais, que no so
controlados por instituies seculares distintas. Mas a resposta a
esses
problemas est na pesquisa comparada e a ns temos que seguir
sempre as
pegadas de Sir James Frazer.
-
A lista completa dos ttulos publicados pela Srie Traduo pode ser
solicitada pelos interessados Secretaria do: Departamento de
Antropologia Instituto de Cincias Sociais Universidade de Braslia
70910-900 Braslia, DF Fone: (61) 3107-7299 Fone/Fax: (61) 3107-7300
E-mail: [email protected] A Srie Traduo encontra-se disponibilizada em
arquivo pdf no link: www.unb.br/ics/dan