2377 Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 08, N.3, 2017, p. 2377-2404. Silvio Luiz de Almeida e Camilo Onoda Luiz Caldas DOI: 10.1590/2179-8966/2017/30068| ISSN: 2179-8966 Revolução Russa, Estado e Direito: abertura para compreensão das formas sociais e das formações econômico-sociais Russian Revolution, Law and State: openness to understanding social forms and sócio-economic formations Silvio Luiz de Almeida Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected]Camilo Onoda Luiz Caldas Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected]Artigo recebido 16/08/2017 e aceito em 31/08/2017.
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Revolução Russa, Estado e Direito: abertura para ... · 1 Vide MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 448 et ... Marxismo e Direito:
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Revolução Russa, Estado e Direito: abertura paracompreensão das formas sociais e das formaçõeseconômico-sociaisRussian Revolution, Law and State: openness to understanding socialformsandsócio-economicformations
SilvioLuizdeAlmeida
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail:[email protected]
CamiloOnodaLuizCaldas
Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail:[email protected]
3 Vide CALDAS, Camilo Onoda. Perspectivas para o Direito e para cidadania: o pensamentojurídicodeCerronieomarxismo.2.ed.SãoPaulo:Alfa-Omega,2016.4“‘Lúcidointervalo’.Assim,nosfazrecordarumjurista[LuisJiménezdeAsúa],denominou-seoperíododahistória judicialsoviéticaqueseabreimediatamenteapósatomadadopoderpelosbolcheviques. Um período marcado pelo esforço de reorganização legislativa e judiciária,visandobaniralegislaçãoburguesahostilaopoderproletárioedestruiroaparelhojudiciáriodoantigoregime”.NAVES,MárcioBilharinho.MarxismoeDireito:umestudosobrePachukanis.SãoPaulo:Boitempo,2000,p.15.
tratava-se de identificar em que medida o Estado e o Direito estavam
5 LENIN, Vladmir I. O Estado e a revolução. Disponível em:<https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/08/estadoerevolucao/prefacios.htm>.Acessoem05ago.2017.
8 Cf. CERRONI, Umberto. Introducción a la ciencia de la sociedad. Trad. Domènec Bergadà.Barcelona:Critica,1977,p.145.9 Vide a obra de ALTHUSSER, Louiset al.A polêmica sobre o humanismo. Tradução de CarlosBraga.Lisboa:Presença,s/d.eLireleCapital.Paris:FrançoisMaspero,1965.10MASCARO,AlyssonLeandro.Filosofiadodireito.5.ed.SãoPaulo:Atlas,2015,p.554etseq.11VideNAVES,MárcioBilharinho.AquestãododireitoemMarx.SãoPaulo:OutrasExpressões/DobraUniversitário,2014.
Em tais circunstâncias, e uma vez que se logrou difundir tãoamplamenteomarxismodeformado,anossamissãoé,antesdemais nada, restabelecer a verdadeira doutrina deMarx sobre oEstado.[...]TodasaspassagensdeMarxeEngels,pelomenosaspassagens essenciais que tratam do Estado, devem serreproduzidas sob a forma mais completa possível, para que oleitor possa fazer uma ideia pessoal do conjunto e dodesenvolvimento das concepções dos fundadores do socialismocientífico.[...]
12 CERRONI, Umberto, Teoria política e socialismo. Mira Sintra – Mem Martins: PublicaçõesEuropa-América,1976,p.127.13“[...]osobstáculosquehaviambloqueadoapesquisacientíficadeStutchkaedePachukanisforam essencialmente dois: a aceitação acrítica das formulações engelsianas do “Estado-instrumento”,“invenção”dasclassesdominantes,eaconseqüentereconduçãodetodaateoriapolíticaedodireito(reduzidaameraesferadavontade)dentrodeumateoriageralahistórica,naqualEstadoedireitofiguravamcomomerosfatosde“consciência”(dasclasses),deduzidadepressupostas leis gerais de desenvolvimento da sociedade ao invés de induzida da concretaanálisehistóricadosdiferentestipossociais.”Ilpensierogiuridicosovietico.Roma:Riuniti,1969,p.117,Traduçãonossa,Destaquenosso.Emportuguês:Opensamentojurídicosoviético.PóvoadeVarzim:PublicaçõesEuropa-América,1976,p.123-124.
Assim,narevoluçãode1917,quandoaquestãodasignificaçãodopapel do Estado foi posta em toda a sua amplitude, postapraticamente, como que reclamando uma ação imediata dasmassas, todos os socialistas-revolucionários e todos osmencheviques,semexceção,caíram,imediataecompletamente,nateoriaburguesada"conciliação"dasclassespelo"Estado".14
Em segundo lugar, como consequência do primeiro problema, Lenin
identificava a necessidade de explicar quais as potencialidades e limites do
entre as velhas formas sociais capitalistas e as novas, que poderiam surgir a
partirdoprocessorevolucionário:
Entreasociedadecapitalistaeasociedadecomunista -continuaMarx - situa-se o período de transformação revolucionária daprimeiraparaa segunda.Aesseperíodocorrespondeumoutro,de transiçãopolítica, emqueoEstadonãopode seroutra coisasenãoaditadurarevolucionáriadoproletariado...Essa conclusão de Marx repousa sobre a análise do papeldesempenhadopeloproletariadona sociedadecapitalista, sobreaevoluçãodessasociedadeea incompatibilidadedos interessesdoproletariadoedaburguesia.Antigamente, a questão era posta assim: para conseguiremancipar-se, o proletariado deve derrubar a burguesia,apoderar-se do poder político e estabelecer a sua ditadurarevolucionária. Agora, a questão se põe de modo um poucodiferente: apassagemda sociedade capitalistapara a sociedadecomunista é impossível sem um "período de transição política",em que o Estado não pode ser outra coisa senão a ditadurarevolucionáriadoproletariado.15
É preciso reconhecer um notável esforço na filosofia leninista para
compreender o papel do Estado no processo revolucionário e para o
desenvolvimento do socialismo com vistas ao comunismo. Mesmo
reconhecendo os méritos da teoria leninista ao refletir sobre a organização
notar que Lenin não consegue ultrapassar, substancialmente, a concepção
instrumentalista de Estado – o que pode ser observado inclusive em sua
14 LENIN, Vladmir I. O Estado e a revolução. Disponível em:<https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/08/estadoerevolucao/prefacios.htm>.Acessoem05ago.2017.15Idem,Ibidem.16Cf.CERRONI,Umberto.Teoriapolíticaesocialismo.MiraSintra–MemMartins:PublicaçõesEuropa-América,1976,p.95etseq.
17LENIN,V.I.Obrasescolhidasemtrêstomos.Lisboa/Moscou:Avante!/Progresso,1973(Tomo3),p.581etseq.18UmbertoCerrori,criticandoaindistinção–presentenopensamentoleninistaeengelsiano–acercada formaestatale jurídicanocapitalismoemrelaçãoamodosdeproduçãoanterioresafirmaqueLenin“[...] talcomoEngels,nãoconcebequeexistamtiposdeorganizaçãopolíticaemqueopodercoactivonãoestejaseparadodopodereconômico(dapropriedade),nemqueaseparação moderna diga respeito não só aos “setores especiais” de homens armados, mastambém a todo corpo político e, portanto, ao Estado representativo, que, precisamente porintermédiodarepresentaçãopolítica(asdelegaçõesmedianteaeleição),seseparaeseuneaomundodasatividadesprodutoras”.CERRONI,Umberto.Teoriapolíticaesocialismo.MiraSintra–MemMartins:PublicaçõesEuropa-América,1976,p.131.19Cf.PAULONETTO, João.Apresentação. In:Lenine revoluçãodeoutubro: textosno calordahora(1917-1923).SãoPaulo:ExpressãoPopular,2017.
Pachukanis nasceu em Staritsa, província de Tver, no dia 23 defevereiro de 1891, filho de camponeses lituanos. Estudou naUniversidadedeSãoPetersburgoenaUniversidadedeMunique.Alinhado politicamente com os bolcheviques, engajou-se ematividades revolucionárias desde 1907 e, no ano seguinte,ingressou no Partido Operário Social-Democrata Russo. Suamilitância resultou em prisão e condenação ao exílio em 1910peloregimeczarista.RetornouparaSãoPetersburgoanosdepoise retomou as atividades político-partidárias. Após a RevoluçãoRussa de 1917, atuou como “juiz popular” no Comitê Militar-Revolucionário. Alcançou grande notoriedade acadêmica eascendeuaotopodas instituiçõesjurídicasecientíficasdaUniãodas Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Foi vice-presidenteda Academia Socialista (posteriormente, Academia Comunista),Diretor do Instituto de Construção Soviética eDireito. Foi eleitoDeputado Comissário da Justiça da URSS e tornou-se Vice-Comissário do Povo para a Justiça da URSS, cujo primeirocomissário era o jurista Pëtr Stutchka (1865-1932), jurista demaiornotoriedadeàépoca.20
A teoria marxista de Pachukanis sobre o Estado e o Direito possui
Estado, mas aplica o métodomaterialista ao campo jurídico21. Deste modo,
20 CALDAS, Camilo Onoda. Pachukanis. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso FernandesCampilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral eFilosofiadoDireito.CelsoFernandesCampilongo,AlvarodeAzevedoGonzaga,AndréLuizFreire(coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/129/edicao-1/pachukanis>.Acessoem10ago.2017.21 “Pachukanis tem o grande mérito de ter desenvolvido uma crítica da tradição teórica daCiência Jurídica com singular eficácia e pertinência científica, sem indulgência para com aspesquisassuperficiaisesimplistas(cfr.Stutchka)sobreointeressedeclassequemoveriaumououtro jurista a formular suas próprias proposições científicas […] Não casualmente a obra dePachukanisnãosóérepletadereferênciasespecíficasàconcretaanálisecientíficad’Ocapital,
submetidos reciprocamente ao constrangimento das leis e dos contratos
garantidos pelo Estado, núcleodepoder que se apresenta como soberanoe
desvinculado do comando direto de um sujeito em particular ou classeou da Introdução de 57 (note-se que Pachukanis é um dos primeiros a utilizar este texto noplano metodológico), mas também de uma preocupação à importância sintomática dosproblemasdemétodo.”CERRONI,Umberto.Teoriesovietichedeldiritto.Milano:Giuffre,1964,p.XXXIII,Traduçãonossa.22PACHUKANIS,EvguiéniB.Teoriageraldodireitoemarxismo.Trad.PaulaVazdeAlmeida.SãoPaulo:Boitempo,2017,p.117etseq.Ooriginalfoiescritoem1924.23Idem,Ibidem,p.85-86.24Idem,Ibidem,p.143-144.25 VideMASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao estudo do direito. 5 ed. São Paulo: Atlas,2015,p.02-0426 NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e Direito: um estudo sobre Pachukanis. São Paulo:Boitempo,2000,p.79-82.
concomitantemente, rejeitava ser possível uma formação econômico-social
27PACHUKANIS,op.cit.,p.144-146.28VideMASCARO,AlyssonLeandro.EstadoeFormaPolítica.SãoPaulo:Boitempo,2013,p.18.29MARX,Karl.Ocapital:críticadaeconomiapolítica.LivroI:oprocessodeproduçãodocapital.Trad.RubensEnderle.SãoPaulo:Boitempo,2013,p.113etseq.30VideCALDAS,CamiloOnoda.AteoriadaderivaçãodoEstadoedoDireito.SãoPaulo:OutrasExpressões/DobraUniversitário.2015,p.113-114.31PACHUKANIS,op.cit.,p.71.32 CERRONI, Umberto. Introdução. In: STUCKA, Petr Ivanovic. La funzione rivoluzionaria deldirittoedellostato:ealtriscritti.Trad.deUmbertoCerroni.Torino:Einaudi,1967,p.XXV.
esse evento impulsionou e deu abrigo a escritos como do jurista soviético
Pachukanis, cuja radicalidade e originalidade contribuíram, decisivamente,
33 Cf.NAVES,MárcioBilharinho.MarxismoeDireito:umestudo sobrePachukanis. SãoPaulo:Boitempo,2000,p.91etseq.34VideSTÁLIN, Joseph.FundamentosdoLeninismo.SãoPaulo:Global [s.d.]. (ColeçãoBases,v.33),p.51.35 VYSHINSKY, Andrei Y. The law of the soviet state. Trad. Hugh W. Babb. New York: TheMacmillanCompany,1948,p.56etseq.
36VideCALDAS,CamiloOnoda.Pachukanis.EnciclopédiajurídicadaPUC-SP,op.cit..37 CALDAS, Camilo Onoda. A teoria da derivação do Estado e do Direito. São Paulo: OutrasExpressões/DobraUniversitário.2015,p.116etseq..38 A título de exemplo, leia-se o artigo: MIÉVILLE, China. Coerção e forma jurídica: política,direito (internacional) e o Estado. Trad. Pedro Davoglio. Disponível em:<https://lavrapalavra.com/2016/11/04/coercao-e-forma-juridica-politica-direito-internacional-e-o-estado/>.Acessoem09ago.2017.39LÊNIN,V.I.OdesenvolvimentodocapitalismonaRússia:oprocessodeformaçãodomercadointernoparaagrandeindústria.SãoPaulo:AbrilCultural,1982.
marxistas russos sobre a autodeterminação dos povos, apenas repetirem as
40Asnovasidentidadeshistóricasproduzidassobreaideiaderaçaforamassociadasànaturezados papéis e lugares na nova estrutura global de controle do trabalho. Assim, ambos oselementos, raça e divisão do trabalho, foram estruturalmente associados e reforçando-semutuamente,apesardequenenhumdosdoiseranecessariamentedependentedooutroparaexistirouparatransformar-se.Dessemodo,impôs-seumasistemáticadivisãoracialdotrabalho.Na área hispânica, a Coroa de Castela logo decidiu pelo fim da escravidão dos índios, paraimpedirseutotalextermínio.Assim,foramconfinadosnaestruturadaservidão.Aosqueviviamem suas comunidades, foi-lhes permitida a prática de sua antiga reciprocidade –isto é, ointercâmbiodeforçadetrabalhoedetrabalhosemmercado–comoumaformadereproduzirsuaforçadetrabalhocomoservos.Emalgunscasos,anobrezaindígena,umareduzidaminoria,foi eximida da servidão e recebeu um tratamento especial, devido a seus papéis comointermediáriacomaraçadominante,elhefoitambémpermitidoparticipardealgunsdosofíciosnos quais eram empregados os espanhóis que não pertenciam à nobreza. Por outro lado, osnegrosforamreduzidosàescravidão.QUIJANO,Aníbal.Colonialidadedopoder,eurocentrismoeAmérica Latina. Disponível em <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pdf>.Acessadoem12deAgostode2017.
Em todo o mundo a época da vitória definitiva do capitalismosobreofeudalismoesteveligadaamovimentosnacionais.Abaseeconómica destes movimentos consiste em que para a vitóriatotal da produção mercantil é indispensável a conquista domercadointernopelaburguesia,éindispensávelacoesãoestataldos territórios com uma população da mesma língua, com oafastamento de todos os obstáculos ao desenvolvimento dessalíngua e à sua fixação na literatura. A língua é o meio maisimportante de comunicação entre os homens; a unidade dalínguaeoseulivredesenvolvimentoéumadasmaisimportantescondiçõesdeuma circulação comercial realmente livre e ampla,que corresponde ao capitalismomoderno, de um agrupamentolivreeamplodapopulaçãoemcadaumadasclasses,finalmente,é a condição de uma estreita relação do mercado com cadapatrão,grandeoupequeno,comcadavendedorecomprador.A formação deEstados nacionais,que são os que melhorsatisfazemestasexigênciasdocapitalismomoderno,épor issoatendência de qualquermovimento nacional. Osmais profundosfactores económicos empurrampara isso, e para toda a EuropaOcidental—maisdoqueisso:paratodoomundocivilizado—oque étípicoe normal para o período capitalista é o Estadonacional41.
A partir dessas afirmações Lênin procura dar um sentido histórico à
autodeterminação dos povos, que possa ser relacionado às “condições
econômico-materiais”, longe de “definições jurídicas” e sem “inventar
41 LÊNIN, V. I. Sobre o direito das nações à autodeterminação. Disponível emhttps://www.marxists.org/portugues/lenin/1914/auto/cap01.htm. Acessado em 12 de agostode2017.42Idem,Ibidem.43Idem,Ibidem.
A comparação do desenvolvimento político e económico dediferentespaíses,bemcomodosseusprogramasmarxistas,temumenorme significado do ponto de vista do marxismo, pois sãoindubitáveistantoanaturezacapitalistageraldosEstadosmodernos,como a lei geral do seu desenvolvimento.Mas é preciso fazer comhabilidadesemelhantecomparação.Acondiçãoelementarpara issoé o esclarecimento da questão de se sãocomparáveisas épocashistóricas do desenvolvimento dos países que se compara. Porexemplo, só perfeitos ignorantes (como o príncipeE.
44 LÊNIN, V. I. Sobre o direito das nações à autodeterminação. Disponível emhttps://www.marxists.org/portugues/lenin/1914/auto/cap01.htm. Acessado em 12 de agostode2017.45Idem,ibidem.46Idem,ibidem.
TrubetskóinaRússkaiaMisl)podem“comparar”oprogramaagráriodos marxistas russos com os europeus ocidentais, pois o nossoprograma dá resposta à questão da transformaçãoagráriademocrático-burguesa,daqualnemsequersefalanospaísesocidentais47.
Para Lênin, entretanto, a eventual defesa do direito à
implicava a solidariedade com o pleito de povos e nações historicamente
oprimidas e quepleiteavama própria libertação. Essa é a posição externada
porLêninem“Sobreaquestãonacional”,emabrilde1917:
O imenso mérito histórico dos camaradas sociais-democrataspolacos consiste em que lançaram a palavra de ordem dointernacionalismo, e disseram: o mais importante para nós éconcluir uma aliança fraterna com o proletariado de todos osoutros países, e jamais nos lançaremos numa guerra pelalibertação da Polónia. Este é o seu mérito, e por isso sempreconsideramos socialistas unicamente estes camaradas sociais-democratas polacos. Os outros são patriotas, sãoPlékanovespolacos. Mas desta posição original, em que houvepessoasque,parasalvarosocialismo,seviramobrigadasa lutarcontraumnacionalismo furiosoedoentio, derivaum fenómenosingular: os camaradas vêm dizer-nos que devemos renunciar àliberdadedaPolónia,àsuaseparação48.[...]Mas as pessoas não querem compreender que para reforçar ointernacionalismo não é necessário repetir asmesmas palavras,masquenaRússiadeveinsistir-senaliberdadedeseparaçãodasnações oprimidas, enquanto na Polónia deve acentuar-se aliberdade de união. A liberdade de união pressupõe a liberdadede separação.Nós, os russos, devemos sublinhar a liberdadedeseparaçãoe,naPolónia,aliberdadedeunião49.
47Idem,ibidem.48 LÊNIN, V. I. Discurso sobre a questão nacional. Disponível emhttps://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/12-01.htm. Acessado em 12 de agosto de2017.49 Não pode ser livre um povo que oprime outros povos”,assim diziam os maioresrepresentantes da democracia consequentedo século XIX,Marx eEngels, que se tornaramosmestres do proletariado revolucionário. E nós, operários grão-russos, penetrados pelosentimentodeorgulhonacional,queremos,aconteçaoqueacontecer,umaGrã-Rússia livreeindependente, autónoma,democrática, republicanaeorgulhosa,queassenteas suas relaçõescomosvizinhosnoprincípiohumanodaigualdade,enãonoprincípiofeudaldoprivilégio,quehumilhaumagrandenação.Eprecisamenteporqueaqueremosassim,dizemos:nãosepode,noséculoXX,naEuropa(aindaquesejanaEuropaextremo-oriental),“defenderapátria”deoutraforma que não seja lutando com todos os meios revolucionários contra a monarquia, oslatifundiárioseoscapitalistasdaprópriapátria,istoé,contraospioresinimigosdanossapátria;os grão-russos não podem «defender a pátria» de outra forma que não seja desejando emqualquer guerra a derrota do czarismo, como omal menor para 9/10 da população da Grã-
Percebe-seemLêninapreocupaçãoemdefinironacionalismolongedastradiçõeseda“culturanacional”,quenãodeixadeseraculturadaservidãoedaopressão.Nessesentido,a“defesadapátria”é,antesdetudo,lutarcontrao czarismo, contraos latifundiáriose contraos capitalistasdaprópriapátria,inclusive. Portanto, o nacionalismo presente nos textos de Lênin tem ointernacionalismo como pressuposto, e não se separa do repúdio a todoprivilégio feudal e toda forma de opressão contra outros povos50. Dessamaneira, em Lênin, o sentimento de orgulho nacional não se apartaria dointeressesocialista:
Em segundo lugar, se a história decidir a questão a favor docapitalismodegrandepotênciagrão-russo,daídecorrequeserátanto maior o papelsocialistado proletariado grão-russo, comoprincipal propulsor da revolução comunista, gerada pelocapitalismo.Mas para a revolução do proletariado é necessáriauma longa educação dos operários no espírito damaisplenaigualdadeefraternidadenacionais.Consequentemente,dopontodevistadosinteressesprecisamentedoproletariadogrão-russo,énecessáriaumalongaeducaçãodasmassasnosentidodadefesamaisdecidida, consequente, corajosae revolucionáriadaplena igualdade de direitos e do direito à autodeterminação detodas as nações oprimidas pelos grão-russos. O interesseentendido não servilmente do orgulho nacional dos grão-russoscoincidecomo interessesocialistadosproletáriosgrão-russos(ede todos os outros proletários). O nosso modelo continuará aserMarx,que,depoisdeviverdecéniosemInglaterra,setornoumeioinglêsereivindicouliberdadeeindependêncianacionalparaa Irlanda no interesse do movimento socialista dos operáriosingleses.Em contrapartida os nossos chauvinistas socialistas domésticos,Plekhánov,etc,etc,nesteúltimoehipotéticocasoquefoipornósexaminado, revelar-se-ão traidoresnão só à suapátria, à livreedemocrática Grã-Rússia, mas também traidores à fraternidadeproletária de todos os povos da Rússia, isto é, à causa dosocialismo.
Rússia,poisoczarismonãosóoprimeeconómicaepoliticamenteestes9/10dapopulaçãocomotambém a desmoraliza, humilha, desonra, prostitui, habituando-a a oprimir outros povos,habituando-aaencobrirasuavergonhacomfraseshipócritas,pretensamentepatrióticas.Idem,Ibidem.50 LÊNIN, V. I. Acerca do orgulho nacional dos grão-russos. Disponível em.https://www.marxists.org/portugues/lenin/1914/12/12.htm . Acessado em 12 de agosto de2017.
Os inimigos dos trabalhadores não são os judeus, e sim oscapitalistas de todos os países. Entre os judeus, os operáriosesforçados são maioria ‒ e eles são nossos irmãos tambémoprimidospelocapital,nossoscamaradasnalutapelosocialismo‒,mas há também kulaks, exploradores e capitalistas, tal comoentre os russos e entre todas as nações.Os capitalistas buscamsemear e atiçar as hostilidades entre trabalhadores de crenças,nações e raças diferentes, enquanto os que não trabalham semantêmpelaforçaepoderdocapital.Osricaçosjudeus,talcomoos ricaços russos e de todos os países, unidos uns aos outros,subjugam,oprimem,espoliamedividemooperariado.Maldito seja o abominável czarismo, que atormentava eperseguia os judeus. Malditos sejam os que semeiam ahostilidadeaosjudeuseoódioaoutrasnações.Vivaaconfiançafraternaleauniãocombativadostrabalhadoresdetodasasnaçõesnalutaparaderrubarocapital51.
É importante notar, entretanto, que Lenin não faz um uso
instrumental das identidades e dos sentimentos de pertencimento. Para ele,
são realidades que precisam ser levados em conta em qualquer análise
que levaramosoprimidosaempreenderemas lutasmais frontaisedecisivas
contraosistema.
51 LÊNIN, V. I. Sobre os progroms contra os judeus. Disponível emhttps://www.marxists.org/portugues/lenin/discursos/pogroms.htm.Acessadoem12de agostode2017.
direito, não mais limitada pelos horizontes estreitos do capitalismo e seus
idealismos. Os debates pós-revolucionários - em especial os conduzidos por
Pachukanis -, mostraram como o Estado e o direito são formas sociais do
52 Sobre o nacionalismo, racismo e a luta política anticolonial são exemplares os ensaios doautorperuanoJoséCarlosMariátegui.MARIÁTEGUI,JoséCarlos.Sieteensayosdeinterpretacióndelarealidadperuana(1923),LimaEmpresaEditorialAmauta,1995.53VideCABRAL,Amilcar.Obras escolhidas: unidadee luta (vols, I e II). CaboVerde: FundaçãoAmilcarCabral, 2013;MARIÁTEGUI, JoséCarlos.Sieteensayosde interpretaciónde la realidadperuana(1923),LimaEmpresaEditorialAmauta,1995.
VYSHINSKY, Andrei Y.The law of the soviet state. Trad. HughW. Babb.New
York:TheMacmillanCompany,1948.
SobreosautoresSilvioLuizdeAlmeidaDoutor em Direito pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito daUniversidadede SãoPaulo (USP) - Brasil e Pós-Doutor emDireitopela FaculdadedeDireitodaUniversidadedeSãoPaulo(USP)-Brasil.DiretorexecutivodoInstitutoLuizGama.Professorpermanentedoprogramadepós-graduaçãostrictosensuemDireitoPolíticoeEconômicodaFaculdadedeDireitodaUniversidadePresbiterianaMackenzie–SãoPaulo/SP,Brasil.E-mail:[email protected] em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo (USP) - Brasil e Pós-Doutor em Democracia e DireitosHumanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - Portugal. DiretorexecutivodoInstitutoLuizGamaeprofessordaFaculdadedeDireitodaUniversidadeSãoJudasTadeu–SãoPaulo/SP,Brasil.E-mail:[email protected]ãoosúnicosresponsáveispelaredaçãodoartigo.