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SUBVERSA Vol. 2 | n.º 11 | Junho de 2015 ISSN2359 -5817 VANDER VIEIRA| ERIC COSTA | SÉRGIO SANTOS VALCIÃN CALIXTO | SAMUEL H. DIAS LUÍSA FRESTA | MARCUS DE BESSA MATHEUS JOSÉ | FERNANDA LESSA DANIEL TOMAZ WACHOWICZ | CAROLINE ALEXANDRIA ANDRÉ VICTOR MARQUES | UBIRATHAN DO BRASIL Fotografia DANIEL DRUMOND
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Revista subversa v 2 nº11

Jul 22, 2016

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Page 1: Revista subversa v 2 nº11

SUBVERSA

Vol. 2 | n.º 11 | Junho de 2015 ISSN2359 -5817

VANDER VIEIRA| ERIC COSTA | SÉRGIO SANTOS

VALCIÃN CALIXTO | SAMUEL H. DIAS

LUÍSA FRESTA | MARCUS DE BESSA

MATHEUS JOSÉ | FERNANDA LESSA

DANIEL TOMAZ WACHOWICZ | CAROLINE ALEXANDRIA

ANDRÉ VICTOR MARQUES | UBIRATHAN DO BRASIL

Fotografia DANIEL DRUMOND

Page 2: Revista subversa v 2 nº11

WWW.FACEBOOK.COM/CANALSUBVERSA

[email protected]

@CANALSUBVERSA

Subversa | literatura luso-brasileira |

V. 2 | n.º 11

© originalmente publicado em 15 de junho de 2015 sob o título de

Subversa ©

Edição e Revisão:

Morgana Rech e Tânia Ardito

FOTOGRAFIA:

DANIEL DRUMOND

www.fb.com/drumondcomummso | [email protected]

Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados

como autores desta obra.

Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos

textos ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem

com a realidade

Page 3: Revista subversa v 2 nº11

VANDER VIEIRA | © UM FADO MAIS PESADO QUE UM FARDO |

5

ERIC COSTA | © O INFINITO TILINTAR DAS CHAVES |7

VALCIÃN CALIXTO| © HISTORICIZADO | 10

SAMUEL H. DIAS| © O MEU FINAL |12

LUÍSA FRESTA| © MEMÓRIAS DA CASA COR-DE-ROSA | 14

MARCUS DE BESSA |© PARÓDIA EM RAPSÓDIA 2 | 17

MATHEUS JOSÉ|© ALERGIA A COR CINZA | 20

FERNANDA LESSA| © VÍCIOS | 23

DANIEL TOMAZ WACHOWICZ| © ARTE POÉTICA | 25

CAROLINE ALEXANDRIA| © O AMOR NOS VERSOS DE CAMÕES

E SOPHIA DE MELLO | 27

ANDRÉ VICTOR MARQUES | ARTIGO DE OPINIÃO | 35

UBIRATHAN DO BRASIL| © NÃO VI A GOIABA DOS TEUS

OLHOS | 37

SÉRGIO SANTOS| © BUROCACIA SENTIMENTAL| 41

SUBVERSA

VOL 2 | N.º 11 |15 DE JUNHO DE 2015

Page 4: Revista subversa v 2 nº11

EDITORIAL

O Volume 2 está chegando ao fim, sendo este o penúltimo

número desta etapa que tem nos ensinado tanto. São muitas as

conquistas, desde Janeiro de 2015. Recentemente, enviamos todo o

material do Volume 1 para distribuição no projeto Worldreader. Além

disso, dois eventos de lançamento da versão impressa estão marcados,

um em Porto Alegre e outro no Rio de Janeiro (em breve, confirmaremos

outros tantos).

Entrando em uma fase mais sólida, já existem também alguns

projetos de mudança para o próximo semestre, quando iniciamos o

Volume 3. Somos sempre gratas pelo apoio e colaboração de todos

com o projeto e temos a certeza que muitos outros Volumes ainda virão

por aí.

Desta vez, contamos com a colaboração de mais um profissional

que tem muito a ver com a Subversa. Daniel Drumond, [com um M só]

viaja pelo mundo fotografando, vendendo artesanatos e cantando.

Suas fotografias são narrativas: histórias contadas a partir de seu ver-o-

mundo. É muito curiosa esta relação dos escritores e profissionais de

imagens que passam por aqui. O ambiente é tão genuinamente

colaborativo que os encontros acontecem de forma espontânea e

criativa.

E por que será?

O que este tipo de relações colaborativas tem a dizer, hoje em

dia, para as revistas literárias? E, mais ainda, nas relações profissionais e

artísticas, de modo geral?

Estamos sempre descobrindo, a cada dia. E esta leitura, decerto

nos dirá mais um pouco.

Boa leitura.

As editoras.

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5

VANDER VIEIRA Vitória, ES.

Compus em mim um peso mais de lástima que

os sambas de Cartola

Naquela noite distante, entre mesas distintas

refiz seu nome no barro

vi meu violão em prantos

suas pegadas ficaram marcadas em minha pele

Digo-te que este fardo é mais pesado que um fado

UM FARDO MAIS PESADO QUE

UM FADO

Page 6: Revista subversa v 2 nº11

6

Digo-te que este fado é mais triste

que um rio parado

ou que um sorriso de quem não sabe sorrir

Escalaria montes se quisesse sonhar

Mas nessa terra sem cor de tão negra

prefiro a solidão

Vejo-me entrando por suas narinas

desamparado

como todo órfão

que espera mais e mais de um simples dia

[ensolarado

VANDER VIEIRA é poeta, mineiro do interior do estado e tem 26 anos. É

bacharel em Filosofia e vive em Vitória/ES desde 2009. Venceu o prêmio

UFES de Literatura Portuguesa 2013/14 na categoria Coletânea de

poemas, tendo 10 poemas publicados na coletânea de mesmo nome,

oriunda do prêmio. Tem também poemas publicados em revistas

literárias como Samizdat, Desenredos e Mallarmargens.

Page 7: Revista subversa v 2 nº11

7

ERIC COSTA

São Luís, MA.

Somos reféns perpétuos de nosso próprio microcosmo mental. Já

diria eu outras vezes por essas mesmas linhas tortas.

Eternidade é transcendental ao tempo: agrava-se quando se vê

a chave de nossos problemas às mãos de um carcerário cruel, que faz

O INFINITO TILINTAR DAS

CHAVES

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8

do tilintar das chaves a gota torturante que cai sobre a testa

indefinidamente. É desumano – ou talvez seja humano demais? –

constatar: as soluções estão logo ali, mas o braço é curto demais para

alcançá-las – se é que somos capazes de esticá-los.

Um pesadelo. Um medo profundo de não acordar. Uma fiel

certeza de aquela agonizante dimensão ser real por alguns minutos. Por

horas, quem sabe. Em um cárcere profundo, perdem-se as noções de

tempo e espaço. Braçadas, passos largos e quedas a outros planos.

Súbito, um universo em desejada e longamente pretendida expansão.

A orquestra ao fundo, com o maestro de sempre, mas com uma peça

teatral em palco vizinho. Nela a imperfeita simetria com a assimetria tão

sempre pensada: os personagens de sempre, mas em áureo rearranjo.

Poderia se dizer ideal, se tal condição existisse e não fosse uma utopia

palpável apenas às visões distorcidas.

Outrora, do caos a criação – não que a atualidade seja diferente

disto. Do profundo e sombrio pesadelo, um par de minutos em

harmônico sonho.

Há um quê de admiração, no fim, a anarquia deste microcosmo

mental que nos cerca. Sob nosso lúcido controle, somos encarcerados

na vigília. Os muros e grades ao nosso redor? Um pouco de mais do

mesmo daquilo que é intrínseco. Ao sono, parecemos ganhar o pincel

da criatividade, as tintas e até mesmo as telas já prontas que tanto

idealizamos nas tão improdutivas horas que habitam nossos dias. O

piloto automático do acordar, ao dar lugar ao voo planador das horas

de sono, nos faz refletir que a mesma encarcerada mente diurna é

espírito livre à escuridão e capaz de dos pesadelos edificar sonhos em

estalar de dedos.

O que afasta cada um de tal propriedade de constante

mudança, se só ela é de fato permanente? O braço de cada um

poderia, mas não estica o suficiente a alcançar as chaves dos

problemas. É a terceira conclusão que tiro da mesma forma. Segunda?

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9

De fato, a desordem cerca. Até contar torna-se difícil. Mais pura

constatação de se estar perdido meio a um laço infinito.

O braço segue sem esticar. Talvez por incapacidade. Quase

certamente por opção. As portas da percepção me trazem: será

mesmo girar as chaves e explorar novos horizontes o desejo definitivo?

Na imperfeita métrica humana, segue-se caminhando. Ao sabor de

quem dedilha as cordas do universo sim, mas talvez ao som da sinfonia

do tilintar de chaves do carcerário com a qual, quem sabe, já

estejamos acostumados e rendidos. E que talvez meramente

aceitemos.

Um medo agonizante de não acordar, por ora. Um receio sem fim

do que nos habita a simples abertura dos olhos. Quase sempre.

ERIC COSTA é acadêmico de Medicina na Universidade Federal do

Maranhão. Vê o escapismo dos seus dias, às vezes solitária, no futebol,

na música, literatura e em sua própria introspecção.

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10

VALCIÃN CALIXTO

Teresina, PI.

Desejo fenecer na cidade de minha infância.

Ser de fato e para sempre seu húmus,

Isso que projetei durante a vida

E só me foi possível com a indesejada das gentes.

Desde sua fundação

Minha cidadezinha é um monstro,

HISTORICIZADO

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11

Condenado, que se ergue do rio,

Seu desencanto e maldizer.

Em um único dia e noite de infortúnio,

Uma mãe submersa em ossada de boi

Cantou a pedra: - Sete Virgens ou nada,

Sete Marias ou a cidade inundada!

Criou-se logo o Matadouro.

Os grafiteiros lançaram ao céu sete cores,

Os conterrâneos sete pecados ao peito,

Os exóticos, os exorcistas sete almas felinas.

Sete dias de sua criação e a capital

Vive ainda as consequências de sua maldição.

Contudo, sem concessões,

Serei esterco na cidade de minha infância.

Serei eu mesmo seu chão!

VALCIÃN CALIXO é autor de Reminiscências do caseiro Genival (Ed.

Kazuá, 2015), guitarrista/compositor na banda Doce de Sal, integrante

do coletivo Geração TrisTherezina do Piauí e formando em

Comunicação Social pela UESPI.

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SUBVERSA # 1 – Versão Impressa | Volume 1 (2014)

Adquira já a sua, leia um excelente material e participe do

crescimento da Revista.

Um projeto da Revista Subversa e Editora Patuá

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SAMUEL. H. DIAS

Muzambinho, MG.

Os dedos frios...

A mesma rotina seguida dia após dia.

Já notou ao seu lado alguém em quem podia confiar?

Deixar as lágrimas romperem as barreiras de incertezas e permitirem

estar em um amor profundo.

Eu estupidamente questionando os erros e os defeitos.

Novamente me encontrarei sozinho em uma onda de constantes

frustrações.

O MEU FINAL

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O Meu Final

Será tão triste quanto à chuva em silêncio.

Mas no fim, não existirá um depois para me questionar.

Desesperado meu coração procurou um ombro... Em Vão.

Vendo esta cena, se ferindo, deixando seus lábios vermelhos.

Ao ver meu próprio sangue em minhas mãos, não me sinto mais vivo.

Morrer primeiro por dentro.

Pessoas encapuzadas no fundo do teatro, aplaudem.

Este foi meu último momento...

Não voltou...

Para me dizer, "não se vá".

Este Final

Dizendo adeus deste mundo, eu estarei poupando-me de terrível

tristeza.

SAMUEL H. DIAS é colaborador frequenta da Subversa e dispensa

biografia.

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LUISA FRESTA

Lisboa, Portugal

Estávamos as três no corredor: a minha filha bebé, Júlia, a minha

irmã, e eu, agachadas, agarradas umas às outras, tremendo de

ansiedade e inquietação. Júlia queixava-se de uma insuportável dor de

cabeça, a mim doía-me o estômago, não podia nem pôr-me de pé

porque a dor ia e vinha como facadas ritmadas e profundas.

Tínhamos deitado a Mamã na sua cama e conseguido que tomasse

um sedativo para que se acalmasse um pouco; tentávamos que não se

MEMÓRIAS DA CASA COR-DE-

ROSA

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apercebesse do que se passava, visto que também não sabíamos

ainda ao certo o que estava a acontecer na nossa rua tranquila, onde

todos os dias se ouvia o canto dos matrindindes1 pelas manhãs azuis e

pegajosas.

A menina divertia-se como se estivéssemos a jogar às escondidas,

tinha nove meses e começava a exprimir-se como uma adulta. Mais

parecia uma anãzinha. Ria-se muito e estava contentíssima por

estarmos todas juntinhas, ninguém tinha saído para trabalhar e

brincávamos com ela. Falávamos da polícia especial anti motins, que

na sua linguagem de bebé se converteu num segundo em «tontin

tontins». Ouviam-se tiros cada vez mais perto de casa, uma velha e

sólida mansão construída antes do medo, antes do cheiro cruel das

balas que coloriam agora o céu cinza e húmido. Depois soubemos que

muitas dessas balas tinham ficado cravadas nos aros das portas ou nas

resistentes e espessas paredes exteriores.

Aprendemos com aquela crise que as democracias não se

constroem por decreto, que nos faltavam ainda anos de maturidade e

experiência para chegar a votar com consciência e tranquilidade. Que

não tínhamos ainda sofrido o suficiente para poder terminar com a

guerra. Naquela manhã conhecemos o gosto do inferno: ninguém nos

tinha ensinado a lidar com aquele tipo de emoções e sensações

demasiado cruas, gráficas e físicas. Aprendemos também que o medo

não é um conceito abstrato mas um rápido processo que revolve o

estômago, acelera o coração, altera os sinais vitais e nos enche as

mãos de água e a vida de ausência.

Quando alguém bateu à porta, um pesado bloco de madeira

esculpida e vidro martelado, Júlia e eu sentimo-nos à beira do colapso.

Insistiram, batendo os nós dos dedos duramente contra o vidro. Um

rapaz de uns dezassete anos pedia muito educadamente que o

1 Espécie de grilos gigantes que vivem no litoral de Angola.

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deixássemos disparar a partir da varanda na fachada principal, que «o

ângulo era perfeito», disse-nos.

Não sei de onde me veio a inspiração mas disse-lhe que a Mamã

estava deitada, que o ruído a incomodava e que, por outro lado, na

varanda ficaria demasiado exposto, seria um alvo fácil para o inimigo.

O miúdo entendeu as minhas razões e recuou com um sorriso

inesperado. Nos seus dentes alvos brilhava a esperança numa vida que

não conheceu: antes mesmo de chegar ao final da escadaria do

jardim, jazia já morto no chão com o mesmo sorriso adolescente com

que me brindou.

LUISA FRESTA nasceu em Portugal e viveu a maior parte da infância e

adolescência em Angola, país com o qual mantém laços de cidadania

e envolvimento cultural e familiar. Dedica-se, sobretudo à escrita,

escrevendo regularmente no Jornal Cultura – Jornal Angolano de Artes,

no portal brasileiro O Gazzeta e na Metropolis, revista portuguesa

especializada em cinema. Publicou em 2014 49 Passos/ Entre os Limites e

o Infinito (poesia), pela Chiado Editora.

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MARCUS DE BESSA

Brasília, DF.

Não sou uma catacrese.

Nunca serei uma catacrese.

Não quero ser uma catacrese.

À parte isso, tenho em mim todas as metáforas do mundo.

Eu prefiro ser essa antítese ambulante,

do que fazer aquela velha onomatopeia sobre tudo.

PARÓDIA EM RAPSÓDIA 2

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Teorema que se prova só, é só um teorema que se prova só,

mas teorema que se prova junto é sinergia.

Arre, estou farto de pleonasmos!

Onde é que há elipses neste mundo?

O poema é uma garrafa de metalepse jogada ao mar

Quem a salva

encontra a si mesmo.

Os bons vi sempre passar... no mundo graves assíndetos;

E para mais me espantar... os maus vi sempre nadar;

Em mar de polissíndetos.

Ainda que eu falasse a língua dos homens

Que eu falasse a língua dos anjos,

Sem as gírias eu nada seria.

Hiato hiato, vasto hiato,

se eu me chamasse Renato

seria uma rima, não seria uma solução.

Hiato, vasto hiato,

mais vasta é a minha interrupção.

Era uma crase muito engraçada

não tinha artigo, não tinha nada

ninguém podia acentuar nela, não

porque na crase não tinha preposição.

Convive com suas paródias, antes de escrevê-las.

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Tem paciência se obscuras. Calma, se te provocam.

Espera que cada uma se realize e consuma

com seu poder de perífrase

e seu poder de reticências.

E é sempre melhor o vernáculo que embala do que o canônico que

basta

Porque o que basta acaba onde basta, e onde acaba não basta,

E nada parecido com isso deveria ser a língua da vida...

Mas as coisas findas

Muito mais que lindas,

São aliteração.

Valeu à pena? Tudo vale à pena

Se a hipérbole não é pequena.

Pois sempre há algo de super nova no reino da segunda lei da

termodinâmica.

MARCUS DE BESSA reside em Brasília, onde se sustenta como funcionário

público com a finalidade de se transformar em escritor.

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MATHEUS JOSÉ

Ponte Nova, MG.

a vida manuseia a gente com foice e facão , fervoroso boia fria.

Sabe que o coração

é material corrosivo o qual exige -se luvas para tocá-lo.

Desembestada, a vaca erupção

esmaga verduras e hortaliças,

ALERGIA A COR ZINZA

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acaniveta a carótida , lesiona a panturrilha ,

gás propano no olho da faísca.

Contudo cotidianamente

uma força resistente, com ímpeto de búfalos e bisões,

prossegue subindo a minha cabeça

esta ladeira com o calçamento de terra e bloquetes de

pedras.

O medo a insegurança são substâncias tóxicas no fígado da gente.

Entre o suflê e a fuzilaria entre o mudra e a lâmina da serraria

aturamos – nos.

amor, rapé alucinógeno no meio do coma e dos transtornos do

alumínio.

o poema é aquele que oxigena o sangue

quando encontra – se esmagado

entre os ferrões de aço inoxidável da formiga saúva

que mede o tamanho de uma cidade.

o poema é o analgésico o poema é o sedante.

vida, diária colheita de jiquiris e urtigas.

carreta que transporta querosene tombando numa rodovia .

Com esta sensação prossigo

sensação de barranco e chuva

diante do galpão da indústria de material bélico;

esfregar de folhas de cansanção nas mãos ;

fogos de artificio chuva de raios piruetando na sobrancelha ;

uma outra espécie de horizonte

mais cor mostarda no nascer do sol

Page 23: Revista subversa v 2 nº11

23

mais cor beterraba no pôr do sol

mais cor de jabuticaba estelar na madrugada

que chove debaixo dos supercílios.

MATHEUS JOSÉ MINEIRO DA ZONA DA MATA é poeta e autor do livro A

Cachoeira do Poema Na Fazenda Do Seu Astral (Selo Petrópolis Inc), e

de inúmeros fanzines. Participa da Off FLIP - Paraty desde 2011. Publica

em jornais e diversas revistas literárias. É correspondente da Academia

Petropolitana de Poesia - Casa Raul de Leoni, da Oficina Experimental

de Poesia. Participou de uma série de eventos literários, entre saraus,

feiras e mesas redondas.

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FERNANDA LESSA

São Paulo, SP.

Pode

ser que

flor-escer

a alma

seja questão

VÍCIOS

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de purificação

chorar pra dentro

que assim as lágrimas descem até o

coração

& rega as suas gérberas

ou rosas

-depende do teu estilo-

só tome cuidado:

fungos aparecem

quando se rega mais que o necessário

caso seja jardineiro de primeira viagem

repara bem

nas tuas flores

esteja atento aos detalhes

e aos resultados

dos cuidados:

pode ser que seu Excesso

e várias regadas

estejam

mesmo que sem querer

matando

o que você na verdade

só quer que

Floresça

FERNANDA LESSA é estudante de Letras na Universidade Federal de São

Carlos.

Page 26: Revista subversa v 2 nº11

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DANIEL TOMAZ WACHOWICZ

São Paulo, SP.

Caneta bate em surdos ecos brancos

Que já sangram insanos e inquietos.

Caneta bate nestes muros, vetos

Concretos se desfazem entre trancos.

Aqui se fura a pele e se despeja

O sangue aglutinado nesta tinta.

Aqui, planeja, pensa... pensa e pinta

Com a sanguínea tinta o que deseja.

ARTE POÉTICA

Page 27: Revista subversa v 2 nº11

27

O sangue livra o branco das tensões

De sua fúria cega para o inerte.

O sangue almeja mundos no furor

Deste intenso desejo de criações.

O sangue na caneta expele, inverte,

Reverte o branco e lhe converte em cor.

DANIEL TOMAZ WACHOWICZ é formado em Letras e é professor de

português e inglês, tendo feito diversos cursos de produção literária. Em

2014 fez o lançamento de seu primeiro livro de poesias “Convite ao

abismo”, pela Editora Multifoco. Atualmente estuda música na FPA

(Faculdade Paulista de Artes) e tem como uma das suas metas musicar

seus poemas e o de autores consagrados.

Page 28: Revista subversa v 2 nº11

28

CAROLINE ALEXANDRIA

Aracaju, SE.

Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer.

(Luís Vaz de Camões)

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo.

Mal de te amar neste lugar de imperfeição

Onde tudo nos quebra e emudece

Onde tudo nos mente e nos separa.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

O AMOR NOS VERSOS DE

CAMÕES E SOPHIA DE MELLO

Page 29: Revista subversa v 2 nº11

29

Eis dois representativos nomes da Literatura Portuguesa. O

primeiro, Luís Vaz de Camões (século XVI), considerado um dos maiores

autores renascentistas da Europa e o mais importante poeta do

classicismo português. Sua produção literária compreende epopeias e

líricas amorosas. A propósito, no poema Os Lusíadas, Camões reúne

simultaneamente composições épicas e líricas e narra as principais

marcas do Renascimento português, como o humanismo e as

expedições ultramarinas. Inspirou-se em consagradas epopeias

clássicas, como Odisseia, de Homero, bem como A Eneida, de Virgílio,

pois narra fatos históricos, heroicos e mitológicos (representados

alegoricamente) da história de Portugal diante da expansão marítima,

visando conquistar novas terras e explorar riquezas, como a descoberta

do caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama. No entanto,

um aspecto que diferencia Os Lusíadas das antigas epopeias clássicas é

a presença de episódios líricos, como os episódios em que narra o

assassinato de Inês de Castro, em 1355, a mando do rei D. Afonso IV, pai

de D. Pedro, amante desta. São nas poesias líricas que Camões

transborda sensibilidade para os dramas humanos, amorosos ou

existenciais.

Ao lado da épica, a lírica camoniana vem a ser um dos pontos

altos da poesia do século XVI e uma das maiores expressões literárias

em nossa língua. Camões, marcado por uma genialidade singular aos

poetas do seu tempo, deixou-se influenciar tanto pela lírica medieval

portuguesa quanto a lírica italiana dos séculos XIV e XVI, propondo

assim, inovações em sua poética, sobretudo a partir de Petrarca, poeta

italiano. Segundo Silva (2011), a lírica camoniana é singular, pois,

contém os elementos próprios de uma sensível reflexão individual,

afirmando-se como a expressão máxima do eu-poético renascentista e

português. Além disso, a estrutura dos poemas líricos camonianos

apresenta-se composta por sonetos e redondilhas, versos decassílabos,

Page 30: Revista subversa v 2 nº11

30

as odes, as éclogas, as oitavas e as elegias. Os temas mais importantes

são o neoplatonismo amoroso, a reflexão filosófica (sobre os

desconcertos do mundo) e a natureza (confidente amoroso do amante

que sofre).

A temática amorosa prevalece em toda a lírica que trata os

anseios e as paixões do homem, apreendendo o sentido do Amor por

intermédio da Razão. Na lírica amorosa, Camões aborda figuras de

linguagem diversas, como a antítese e o paradoxo. Apresenta ainda

alguns aspectos estilísticos encontrados no Barroco (SILVA, 2011). Assim,

podemos dizer que as composições líricas de Camões oscilam entre o

lirismo confessional, em que o autor dá expressão à sua experiência

íntima, e a poesia de pura arte, em que pretende transpor os

sentimentos e os temas a um plano formal, lúdico (SARAIVA, 1999, p. 51

apud SILVA, 2011).

A segunda epígrafe trás a poesia de Sophia de Mello Breyner

Andresen, poetisa portuguesa do século XX, a primeira mulher a receber

o Prêmio Camões (1999), considerado o maior prêmio literário da

Literatura Portuguesa. Nasceu no Porto em 06 de novembro de 1919 e

morreu em Lisboa em 02 de julho de 2004. Filha de uma família de

aristocratas dinamarqueses, Sophia iniciou a escritura literária desde os

12 anos de idade, aprofundando o gosto a partir dos 14 anos, mas

desde os 4 anos já tinha contato com os poemas de Camões, Antero

de Quental e António Nobre os quais exerceram influência em suas

composições poéticas.

A poesia de Sophia apresenta-se livre, sem rimas e metrificações

rígidas, e com temáticas subjetivas e intimistas, com referências aos

elementos da natureza e ao mar, espaços referenciais para qualquer

ser humano, como nos poemas “Saudades do mar”, da década de 50,

“Paisagem” (1944), pois, para ela, chegar a uma praia dava-lhe certa

“embriaguez” de emoções, ou seja, a praia a renova e a recria,

fisicamente, moralmente e espiritualmente:

Page 31: Revista subversa v 2 nº11

31

Mar

I

De todos os cantos do mundo

Amo com um amor mais forte e mais profundo

Aquela praia extasiada e nua,

Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

II

Cheiro a terra as árvores e o vento

Que a Primavera enche de perfumes

Mas neles só quero e só procuro

A selvagem exalação das ondas

Subindo para os astros como um grito puro.

Ela define ainda o encontro com o mar como sendo um encontro

do homem com o Universo, do homem consigo mesmo. Os sentidos da

poesia de Sophia versam para a liberdade do ser. Revela emoções

comuns, porém profundas na constituição e definição do ser:

As rosas

Quando à noite desfolho e trinco as rosas

É como se prendesse entre os meus dentes

Todo o luar das noites transparentes,

Todo o fulgor das tardes luminosas,

O vento bailador das Primaveras,

A doçura amarga dos poentes,

E a exaltação de todas as esperas.

De modo geral, o universo temático da autora é abrangente e

pode ser representado por temas como a busca pela justiça social (dar

fim às diferenças entre ricos e pobres), pelo equilíbrio, pela harmonia,

pela tomada de consciência do tempo em que vivemos, o tema da

casa, o amor, a vida em oposição à morte, a memória da infância,

idealismo e individualismo em nível psicológico; separação, saudosismo

em relação às características das cidades de Portugal, como em

“Algarve” (1962), entre outras temáticas subjetivas.

Casa Branca

Casa branca em frente ao mar enorme,

com o teu jardim de areia e flores marinhas

Page 32: Revista subversa v 2 nº11

32

e o teu silêncio intacto em que dorme

o milagre das coisas em que eram minhas.

[...]

Em ti renascerei num mundo meu

e a redenção virá nas tuas linhas

onde nenhuma coisa se perdeu

do milagre das coisas que eram minhas.

Quanto ao estilo de linguagem, Sophia Andresen apresenta um

estilo característico, com símbolos e alegorias, sinestesias, traduzindo-a

em estilos transparentes na relação entre as palavras e as coisas

representadas através de ritmos melódicos, provocando, de modo

geral, harmonia nos sentidos. Para Sophia, a condição para escrever

bem é sentir-se feliz, ou seja, para ela não havia inspiração diante de

qualquer dor ou sofrimento.

Traçamos um paralelo entre a poesia de Luís Vaz de Camões

(século XVI) e Sophia de Mello Breyner Andresen (século XX) no quesito

“temática amorosa”. Nos versos escolhidos, Camões pretende

identificar o significado do “Amor” ao defini-lo de forma abstrata,

conceitual, o amor na dimensão humana:

Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer.

Nesta poesia, o amor é apresentado como um sentimento

essencialmente contraditório, ou até mesmo dizer que o amor seja

indefinível. Mas, estranhamente, capaz de causar entendimentos nos

corações humanos. É uma forma ambígua de apresentar os sentidos

para a palavra “amor”. Os paradoxos criados pela idealização amorosa

são enfatizados pela estrutura poética caracterizada por antíteses,

metáforas, silogismos, oposições e inversões, enfim, pela constante

dualidade apresentados em rimas emparelhadas.

Page 33: Revista subversa v 2 nº11

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Enfim, a lírica camoniana reflete os anseios e desejos do homem

ocidental, sendo também produto de seu tempo, ou seja, preso pelas

principais correntes humanísticas do Renascimento. Neste sentido, o

amor camoniano é misterioso e indefinível, carregando consigo

elementos opostos. Destacamos ainda que o amor na lírica camoniana

remete à falta de razão, à insanidade e, às vezes, à própria morte.

Já a poesia amorosa de Sophia Andresen não apresenta

formalismos estruturais e se caracteriza pela liberdade da métrica, dos

versos e, sobretudo sem rimas. Fala do amor de forma subjetiva,

individual, intimista, algo muito particular do eu-lírico.

Assim o Amor

Assim o amor

espantando meu olhar com teus cabelos

espantando meu olhar com teus cavalos

e grandes praias fluidas avenidas

tardes que oscilavam demoradas

e um confuso rumor de obscuras vidas

e o tempo sentado no limiar dos campos

com seu fuso, sua faca e seus novelos.

Em vão busquei eterna luz precisa.

A temática amorosa na poesia de Sophia é concreta, típica de

alguém que sofre. Já em Camões, o amor é visto de forma mais

idealizada e abstrata. No poema abaixo, vemos que Sophia fez uma

alusão a Camões ao compor um soneto:

Soneto à maneira de Camões

Esperança e desespero de alimento

me servem neste dia em que te espero

e já não sei se quero ou se não quero

tão longe de razoes é meu tormento.

Mas como usar amor de entendimento?

daquilo que te peço desespero

ainda que mo dês – pois o que eu quero

ninguém o dá senão por um momento.

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Mas como és belo, o amor, de não durares,

de sertão breve e fundo o teu engano,

e de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:

também morre o florir de mil pomares

E se quebram as ondas no oceano.

Ao ler a biografia e alguns dos versos de Sophia, observamos que

sua vida e suas lembranças servem de inspiração para compor sua

produção literária, seja em prosa ou poesia. Desse modo, destacam-se

sua infância e adolescência, bem como o contato com a natureza.

Talvez sua aproximação com a lírica amorosa camoniana se justifique,

pois, a sensibilidade poética de Sophia revela traços entre o

modernismo – com liberdade de expressão – e um classicismo,

caracterizado por uma sobriedade específica.

É através da subjetividade presente nos versos de temática

amorosa de Sophia de Melo Breyner Andresen que percebemos o

modelo de homem livre. Assim, o lirismo amoroso seria atribuído à tarefa

de fornecer uma moral social, pois, contribui para libertar sentimentos e

pensamentos humanos, escondidos no mais recôndito da alma

humana. A poética de Camões fala de amor, mas de uma forma geral,

na dimensão humana, na relação entre os homens em sociedade.

Enquanto Sophia particulariza seus sentimentos, traduzindo-os em

acontecimentos e experiências próprias. Cada um no seu estilo literário

e literariedade específica.

Enfim, Camões e Sophia são duas renomadas significações da

Literatura Portuguesa que particularizam suas visões sobre a definição

do que seja amor. São intenções poéticas essenciais, pois, num mundo

materialista, hedonista, fugaz e imediato, o lirismo amoroso, em

particular, e a literatura em geral, talvez sejam a fortaleza contra a

barbárie humana; seja o ponto fixo na busca de nós mesmos, nossa

aceitação em relação ao outro e na relação com o mundo.

Page 35: Revista subversa v 2 nº11

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REFERÊNCIAS

SILVA, Maurício. Poesia e temática amorosa: uma introdução à lírica

camoniana. Revista Litteris – ISSN 19837429, março 2011, n.7.

Sophia de Melo Breyner Andresen. Disponível em:

<http://purl.pt/19841/1/intro.html> Acessado em: 22. set. 2013.

CAROLINE ALEXANDRIA é graduanda em Letras Português e graduada

em Comunicação Social pela Universidade Federal de Sergipe.

Atualmente é pesquisadora-bolsista PIBID/CAPES para Língua

Portuguesa; desenvolve projetos em Comunicação e Expressão,

Linguagens, e a especificidade do Texto Literário; e, participa do Grupo

de Estudos em Poesia Contemporânea: do cânone à margem (diálogos

entre Poesia e Filosofia). Inquieta e sempre disposta a aceitar novos

desafios.

Page 36: Revista subversa v 2 nº11

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ANDRÉ VICTOR MARQUES

Rio de Janeiro, RJ.

Opino sobre não opinar. Ora, como já diz o título: artigo de

opinião. Por isso mesmo: opino por não opinar. A problemática da

escolha tornou-se impraticável: ou se escolhe uma coisa, ou se escolhe

outra. Ou escolho laranja, ou escolho maçã. Ou escolho a passividade,

ou escolho a atividade. Na minha opinião, – e olha outra vez isso

aparecendo - é tudo besteira.

O que é que tem não escolher? Mas não seria isso, uma escolha?

Escolher a não escolher? Talvez! O que eu exatamente sei, é que tudo,

ARTIGO DE OPINÃO

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absolutamente tudo, é preciso escolher um lado. Nem que esse lado

seja o lado dos que não escolhem lado nenhum. Não seria uma

escolha? E que ótima escolha!

E pode vir corrente que for e tentar dizer que não há esse livre

arbítrio: pobres inocentes! Não há determinismo que determine que

tenho ou não poder de escolher. Aliás, tenho o poder de escolher e por

isso escolho renegar deterministas. Sai para lá, seus malucos! Eu sei que

fiz uma escolha. Eu também sei pregava a antiescolha. Seria eu, então,

um antiescolha escolhedor?

Tudo bem! Abrirei mão de minha pregação e farei só mais uma

escolha, ou melhor, já escolhi: escolhi escrever isso aqui. Isso!

Exatamente, isso aqui. Pode não ter sido uma boa escolha escolher

escrever. Pode ter sido só uma triste tentativa de demonstrar algo que

escolhi. Ou até melhor: pode ter sido a mais pura e sincera escolha.

Tudo bem! Não foi. Mas, ainda assim, seria um artigo de opinião. Seria o

artigo de opinião. Não! Seria o meu artigo de mais pura e sincera

opinião. Seria?

ANDRÉ VICTOR MARQUES é estudante de letras – literaturas e obsessivo

por livros. Com o grande sonho necessário de escrever e somente

escrever. Externar os sentimentos reprimidos, a angústias isoladoras, as

felicidades estranhas. Escreve, por amor, no blog Prazer em dizer.

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UBIRATHAN DO BRASIL

Auriflama, SP.

meu bicho selvagem alisando tuas costas domesticadas

sem unhadas noturnas e punhaladas sagradas

feito beronha-varejeira farejo teu couro assustado

e lambo as lágrimas da sua esbórnia

NÃO VI AS GOIABAS NOS TEUS

OLHOS

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eu ainda sento naquela cadeira de pau

com a feiura da minha sanfona

na soleira da minha porta de taquara velha

deslizam doudas cascavéis sertanejas

as prateleiras do meu peito

guardam as marcas das dentadas da primavera

no pomar os jumentos berram,

te falo das tangerinas e morro

a pequena cidade calamitosa grita, rufa

a cidade é um vaga-lume com o neon pifado

há um bando de animais urrando no portão da sua casa

a pomba-gira gargalha no terreno baldio

Tranca Rua translúcido ensaia valsas no quintal

nas praças há um amontoado de deuses dançantes

sisudos anjos catireiros

serafins bêbados em rodas de samba

exus gorjeando castanholas

em cima da mesa regados a gim querubins cantam loas e biscateiam

cartas de amor

e maracatus

Jesus com os bagos maduros galopa a cavalo e bate o sino torto da

catedral abandonada

ayuasca e agricultura caem das unhas

poemas de esterco ejaculados do rabo das vacas de abril

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cachaça sem sexo banha a garganta crua de Charles Parker

vereadores com gravatas de arames farpados bebem antárctica e se

entopem de mocotó

na janela do domingo

um Deus-Saci passeia de cadeira de rodas

no hospício mais doce da cidade castanha

mães com chapéus alaranjados carregam peixes lunáticos dentro dos

bolsos

generais sem saúde costuram bonecas de pano em sabugo de milho

morto

a milicia presenteia padres comedores de bóga em becos lúdicos

pastores eletrocutados em banheiros públicos são

excremento para a horta comunitária

eu ainda sento naquela cadeira de pau

com a feiura da minha sanfona

escuto suas gargalhadas de piano desafinado

meu polegar acrobático executa uma dança contemporânea na

vagina pirofágica

seus maridos fazem moisaicos da sua arcada dentária

a confeiteira te expulsa do paraíso

e das aulas de catequese obesa

pinto sua carniça nos quadros de Dalí

levanto a saia vermelha das vísceras

lavo meu excretor urinário com o dilúvio da sua goela

preparo a mesa com Camões, javalis

amor e refluxos

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espanto você como bicho sarnento

o jantar não da pra 2.

UBIRATHAN DO BRASIL é licenciado em Filosofia e bacharel em

Psicologia. Editor e colunista do Jornal Literário Elefante de Menta.

Executou oficinas de fanzine e literatura marginal em Universidades,

coletivos e hospitais psiquiátricos. Em 2012, publicou seu primeiro livro

“Haicai na Marginal Arthur Nonato”, pela BAR EDITORA. Em breve o

autor lança seu segundo livro de poemas “onde foram parar meus

guarda-chuvas”, pela Editora Bartlebee, seguido de um áudiobook

“para deficientes visuais e leitores preguiçosos” e o documentário do

processo.

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SÉRGIO SANTOS

Barreiro, Portugal

BUROCRACIA SENTIMENTAL

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O namorado dá um beijinho na namorada, estão sentados num

belo jardim perto do rio, daquele local conseguem ver o pôr-do-sol. Ele

tem que passar um recibo verde sempre que der um beijo ou qualquer

presente físico de maior relevância. As regras estatais são muito claras,

ele não concorda muito com essa imposição, afinal só os homens é que

passam recibo, as mulheres estão excluídas. Para ele aquela malandra

da ministra do Ministério da Burocracia Humana criou uma lei sexista

que prejudica os homens em desfavor das mulheres, supostamente

quem tivesse a iniciativa é que deveria passar o recibo.

A desculpa foi que seria mais fácil existir apenas um emitente para

a contabilização da informação como se as mulheres fossem apenas

um agente passivo e subalterno, tantos anos de luta feminista

redundaram em subterfúgios comodistas e eticamente incoerentes. O

computador bio-ciborgue acoplado ao cérebro humano faz essas

tarefas enfadonhas e burocráticas em segundos e isso infelizmente

inspirou as autoridades políticas a criarem milhares de leis inúteis e

intrusivas. As informações são enviadas posteriormente pela Internet

para a Direcção-Geral Sentimental Humana para depois poderem ser

processadas e contabilizadas. Realmente pagar 5% de IVA por atos

amorosos heterossexuais é um abuso, devia existir isenção ou a taxa

mínima de 1%.

No princípio do novo ano lá aparece a fatura e o homem tem

que pagar a continha caso contrário entra em incumprimento e nesse

caso a máquina do fisco consegue ser bastante desagradável. Os juros

de mora são um horror, para além de se perder o direito de voto e

milhares de outros direitos e benefícios fiscais. Entrar para a lista negra

do fisco é um assunto sério, mesmo uma pequena infração dá origem a

retaliações extremamente desagradáveis. A injustiça é que o parceiro

masculino tem que avançar com o dinheiro e só posteriormente é que a

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parceira feminina paga 45% do valor destinado ao fisco com a benesse

de poderem pagar essa verba até quatro meses. Se por acaso a

parceira não entregar a verba até à data estipulada, o parceiro

poderá entrar com um processo-crime, o que é manifestamente ridículo

e injusto. A máquina tributária funciona com processos sumários

draconianos e a possibilidade de fugir com subterfúgios é quase nula

dado o nível de controlo e as poderosas ferramentas punitivas e

dissuasoras.

No entanto, se existir um incumprimento da parte da parceira será

necessário pagar custas judiciais e a contratação de um advogado

para que a dívida privada seja cobrada. Além disso, qual é a

justificação para que elas paguem apenas 45%, e não 50%? Trata-se de

um privilégio injustificável e incompreensível. Os gestos amorosos pré-

sexuais e sexuais beneficiam essencialmente os homens logo por isso as

mulheres devem ser ressarcidas por essa suposta injustiça? A lei foi

criada por causa disso? Para o namorado nada disso faz sentido e a

ministra mereceu bem ter sido agredida no parlamento por ter criado

uma lei tão obtusa e discriminatória. O deputado Zigo Figuelix gritou

vários impropérios contra aquela afronta e deu voz a vários milhões de

machos que viram a sua honra e dignidade manchadas. No calor da

discussão fustigou a atarantada ministra com várias “caricias rápidas”,

por causa disso perdeu a imunidade parlamentar e teve que ir para a

prisão. Depois deste incidente violento ele não deixou de ser um herói

para alguns, mesmo enjaulado havia quem o admirasse.

Mas o mundo estava cheio de várias outras injustiças, todos os cidadãos

estavam equipados com bio-computador que basicamente vigiava a

vida deles e desse modo sujeitavam-se que todos os passos fossem

escrutinados pelo Estado. Existia uma deriva colectivista que ameaçava

destruir o que restava da liberdade individual dos cidadãos. Tudo o que

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os indivíduos, viam, ouviam e até pensavam era enviado para uma

gigantesca base de dados.

Poder-se-á pensar que dessa forma, homicídios e outros atos

criminosos teriam os dias contados, infelizmente caiu-se numa espiral de

insanidade que ultrapassou o impensável e o ridículo.

SÉRGIO SANTOS é designer, formador, autor de banda-desenhada e

escritor.

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PARCEIROS:

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APOIO:

(beba com moderação)

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Edição e Revisão:

Morgana Rech e Tânia Ardito

Recepção de originais:

[email protected]

Colaboração especial: DANIEL DRUMOND

[email protected]