-
15/05/2015 RevistaProaResenhas
http://www.ifch.unicamp.br/proa/resenhas/resenhailana.htm
1/6
FotogramadodocumentrioIauaret,CachoeiradasOnas
CARELLI, Vincent. Iauaret: cachoeira das onas. Documentrio em
vdeo. 48minutos.VdeonasAldeias/IPHAN/FOIRN,2006.
Odistrito de Iauaret, com cerca de 4mil habitantes, fica
nomunicpio de So
GabrieldaCachoeira(AM).EmNheengatualnguageraltupifaladaatofinaldosculoXVIII
Iauaret significa "cachoeira das onas". Tratase de uma corredeira
cujaimportncianoderivadeaspectospuramenteambientaisepaisagsticos,masdofatodesetratardeumstiosagradoparavriasetniasindgenas.
Os Tukano, Desana, PiraTapuia, Wanano e Tuyuka consideram a
cachoeira de
Iauaret como um dos pontos de parada da cobracanoa que trouxe ao
Uaups seus
ancestrais. Geraldo O antroplogo Geraldo Andrello, que realizou
pesquisas na rea,
explicaque, em todasasnarrativasmticasdessespovos, o surgimentoe
crescimento
dosdiferentesgruposdoUaupssotematizadosnaformadesucessivosdeslocamentos
espaotemporais de seus ancestrais, processo que define tambm
seus respectivos
territrios(ANDRELLO,2008s.p.).
Defato,contamosTarianoprotagonistasdodocumentrioaquiresenhadoque,
antesdosurgimentodoshomens,omundoerahabitadoedominadopeloshomensona.
Ao final dessapocamitolgica, surgiuOkomi,umancestral comumque
foi perseguido
peloshomensonaeque,durantesuafuga,caiualgumasvezes.AsquedasdeOkomi
sinalizadas visualmente pelas pedras do rio no so interpretadas
como fragilidade e
vulnerabilidadedoheri,mas como recomeos seqenciais, umavez que a
cadaqueda
que Okomi sofria, ele se transformava em um animal diferente,
que poderia ensinar
semprealgonovoaosTariano.
Odocumentrio "Iauaret,CachoeiradasOnas"
(48minutos,2006),dirigidopor
Vincent Carelli, rene narrativas de lideranas indgenas do alto
Rio Negro sobre os
significadoseensinamentoscontidosnessapaisagem,revelandoaindaseuesforoesua
luta para fortalecer e legitimar as tradies indgenas. Fruto de
uma parceria entre o
Projeto Vdeo nas Aldeias, o Instituto Socioambiental (ISA), o
Instituto do Patrimnio
HistricoeArtsticoNacional (IPHAN)eaFederaodasOrganizaes
IndgenasdoRio
Negro (FOIRN), o filme constituiu parte importante do processo
de tombamento dessa
paisagemcomopatrimnioculturalimaterial,emagostode2006.
Se hoje o tombamento de uma paisagem natural como patrimnio
cultural
imaterial pode ser realizado pelo IPHAN, nem sempre foi assim.
Para entender a
importncia da novidade, convm remontar ao momento da fundao do
Servio de
PatrimnioHistricoeArtsticoNacional(SPHAN),duranteogovernoVargas,emgrande
partedevidaaosesforosdeMriodeAndrade.Deacordo comodecretolei n
25, de
1937,deveriaserconsideradocomopatrimnioapenas:
O conjunto dos bens mveis e imveis existentes no pas e
cujaconservaosejadeinteressepblico,querporsuavinculaoafatosmemorveisdahistriadoBrasil,querporseuexcepcionalvalorarqueolgicoouetnogrfico,bibliogrficoouartstico(CANANI,2005,p.3).
Observase, na definio acima e em todas as iniciativas das dcadas
que seseguiram, a nfase em obras e legados do passado, em feitos e
produtos notrios,
http://www.ifch.unicamp.br/proa/pdfs/Ilana%20Seltzer%20Goldstein%20-%2021.pdfhttp://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/http://www.ifch.unicamp.br/proa/CITACAO/ilana.html
-
15/05/2015 RevistaProaResenhas
http://www.ifch.unicamp.br/proa/resenhas/resenhailana.htm
2/6
produzidosporartistas consagradosepelaelite intelectual.
Foramdeclaradosdignosdepreservao,sobretudo,conjuntosarquitetnicoscoloniaisbarrocos,comoOuroPretoeoPelourinho.
Em 1970, o SPHAN que j havia mudado de nome uma vez antes
foitransformadonoIPHANInstitutodoPatrimnioHistricoeArtsticoNacional.Existiam,aprincpio,trslivrosdeTombo:LivrodoTomboArqueolgico,EtnogrficoePaisagsticoLivrodoTomboHistricoeLivrodoTombodasBelasArtes.
Trsdcadasdepois,paramelhorcontemplaradiversidadeeadinmicaculturais,
surgiu o ProgramaNacional do Patrimnio Imaterial, em2001, que
inovou ao propor a
identificaosistemticaeabrangentedosbensculturaisdenaturezaprocessual.Nesse
momento, procurouse superar a dicotomia entre cultura material e
imaterial, com os
argumentos de que os produtos culturais carregam marcas dos
processos que os
conformaram e de que o saberfazer e os conhecimentos
tradicionais esto
indissociavelmenteligadosadeterminadosobjetosconcretos01.
Afimdepermitiroregistrodopatrimnioimaterial,oDecretoLeiN3.551/2000
criou quatro novos livros de tombo: o Livro de Registro de
Saberes, onde so inscritos
conhecimentos emodos de fazer enraizados no cotidiano das
comunidades o Livro de
Registro das Celebraes, no qual so inscritos rituais e festas
quemarcam a vivncia
coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de
outras prticas da vida
socialoLivrodeRegistrodeFormasdeExpresso,queabrangemanifestaesliterrias,
musicais, plsticas, cnicas e ldicas e o Livro de Registro dos
Lugares, onde so
inscritosmercados,feiras,santurios,praasedemaisespaosemqueseconcentrame
reproduzemprticasculturaiscoletivas.
justamenteemvirtudedacriaodoLivrode
Registro dos Lugares que a Cachoeira do Iauaret pde se tornar o
oitavo patrimnio
culturalimaterialtombadonoBrasil.02
inegvelqueoprocessodeatribuiodevaloracertosbensculturais(enoa
outros)carrega,potencialmente,riscosdearbitrariedade,jqueumrgopblicoum
antroplogo oumesmo um documentarista passam a deter o poder de
decidir o que
merece investimento dentro do repertrio simblico, tcnico e
artstico da sociedade
inteira (CANANI, 2005). Alm disso, a determinao de alguns itens
como patrimnio
imaterial a ser preservado pode gerar desconforto e polmica, j
que eles recebem
diferentessignificaesemgrupossociaisdistintos.
Aodiscutir o quanto delicado lidar comamemria social e
comopatrimnio
cultural,GilbertoVelho(2006)ilustracomocasodoterreirodecandomblCasaBranca,
em Salvador. At que se chegasse a seu tombamento, em 1984, houve
inmeras
divergncias. poca, vrios membros do Conselho do IPHAN
consideravam
despropositadotombarseumareasemconstruesarquitetonicamenterelevantes.Mas
GilbertoVelho,relatordoprocesso,sustentouapertinnciadesegarantiracontinuidade
deumaexpressoculturalcujoespaosagradoeraoterreiro.Avitriadesuaposiofoi
difcil e controversa, pois os setores mais conservadores do
catolicismo brasileiro
estavamtemerososquantovalorizaodocultoafrobrasileiro(VELHO,2006,p.240).
Tambmno caso daCachoeira de Iauaret, houve disputa entre os
vrios povos
envolvidos,jqueosTarianoqueriamserosautoresdoregistro,oquelhesconsignaria
ascendnciasobreacachoeiraeelevariasuaversodomitocomoaoficialedefinitiva.
No final, devido resistncia dos outros povos, o pedido de
registro da cachoeira foi
assinadoporlideranasTarianoeTukano,masemnomedetodasasetniasdeIauaret.
OIPHANreconheceuIauaretcomopatrimnioculturalbrasileironodia05/08/2006eo
documentriodeVincentCarelli constituiuparte importantedodosside
justificativado
tombamentodacorredeira.
Mas,almdeseupapelpolticoeinstrumental,odocumentriodeVincentCarelli
tem outras qualidades. bem feito, tem ritmo e sensibiliza o
espectador pelamaneira
comoconstriasimagens.Nacenainicial,vriosndiosescutamasprdicasdeumpadre
catlico branco. Em seguida, deixam a igreja, falando uma lngua
do tronco Aruak,
propositalmente sem traduo. No o contedo de suas falas que
importa, mas o
contraste sugestivo do conflito entre duas vises demundo, uma
nativa, outra imposta
pelocolonizador.Essaprimeiracenadofilme,portanto,janunciasuaquestoprincipal:
osdesafiosdocontatoparaosndiosdeSoGabrieldaCachoeiraeaviolnciasimblica
aque tmsido submetidos h dcadas. A locao escolhida para comear,
uma igreja,
nocasual:deacordocomorelatodosprpriossujeitosfilmados,presentesnascenas
seguintes, osmissionrios salesianos, que chegaram regio em1927,
teriamproibido
gradualmentetodasassuasprticastradicionais,atquealgumasdelasdesaparecessem
porcompleto.
FotogramadodocumentrioIauaret,CachoeiradasOnas
-
15/05/2015 RevistaProaResenhas
http://www.ifch.unicamp.br/proa/resenhas/resenhailana.htm
3/6
Nos primeiros cinco minutos, o objetivo explicitado, tanto aos
envolvidos na
filmagem, como ao espectador: quem o faz Geraldo Andrello, do
Instituto
Socioambiental, consultordeVincentCarelli
nessedocumentrio.Oantroplogoaparece
sentadonocho,rodeadoporrepresentantesdosTariano,queoajudamamarcar
sobre
um mapa os locais que devero documentar. Enfatiza que precisam
dos lugares mais
significativos, para que o filme ajude no pedido de registro da
Cachoeira do Iauaret
comopatrimnioimaterialdoBrasil.DuranteaexplicaodeAndrello,oespectadorov
refletido nos culos espelhados de um dos representantes
indgenas. Essa imagem
possibilita diversas interpretaes. Talvez o diretor estivesse
aludindo prpria
empreitada antropolgica, que consiste em se conhecer por meio do
contraste com o
Outroumasegundapossibilidadequeestivessesereferindodificuldadedesecolocar
nolugardoOutro,ouseja,opacidadequesvezesseinstauranodilogointercultural
porfim,quiaimagemdobrancorefletidonosculosdondiosintetizasseasituaode
dependnciapolticaemqueseencontramospovosindgenasnoBrasildehoje.
O respeito autonomia dos sujeitos filmados anunciada numa cena
em que
quatro lderes Tariano esto discutindo em sua lngua, porm com
subttulos o que
devem ou no, falar no documentrio. Decidem no contar alguns
segredos, porque
trazem omal ou porque dizem respeito a benzimentos secretos e
mencionam como
difcil
fazeraseleo.Damesmaforma,soosndiosqueapontam,duranteopercurso
debarco,que locaisdevemser
filmadoseoquesignificam.Opactoentreodiretordo
documentrio e os representantes dos Tariano deixado s claras no
momento da
narrativa do mito de origem, logo antes de as partes da
corredeira comearem a ser
mostradas.ApessoaquevainarrarahistriadoheriOkomiassimcomeaseurelato:
voucontartudocomocombinamos.
A emoo envolvida no processo tampouco obliterada. Um dos
entrevistados/narradores chega a chorar quando se refere ao medo
que sente de que
todasessashistriassepercamelamentaodesinteressedasnovasgeraespelacultura
indgena. E, emdiversos depoimentos assim comona cena domuseu
deManaus a
revolta dos Tariano contra osmissionrios e os brancos vem tona.
Umoutro aspecto
digno de nota, do ponto de vista do partido assumido pelo filme,
que Iauaret no
procura passar uma idia de ndios puros, autnticos. Filmaos
vestidos com roupas
ocidentais,deculosescuros,andandodeavioe trabalhandonocomputador
semque,
apesardisso,pareammenosndios.Dessaforma,noincorrenoriscodetransformar
odocumentrioetnogrfico em taxidermia, que fixa elementos e
processos, de forma
artificial,einterrompeseufluxodetransformaes(RONY,1996,p.101).
UmadasseqnciasmaischeiasdetensonofilmedeCarelli,quedizmuitosobre
osproblemaseassimetriasdepoderenvolvidosnocontatodos
ndioscomosbrancos
aquela filmada no Museu do ndio de Manaus, gerenciado por
freiras provavelmente
ligadas aos salesianos que, dcadas antes, haviam condenado a
produo de adornos
corporaiseosrituaisindgenas,ameaandoosinfratorescomacondenaoaoinferno.
Tudocomeacomoquepareceumasimplesvisita,naqualosTarianoobservamcolares
penduradosemummanequimecomentamqueparecem como de um conhecido,
Seu
Pedro.Mas,aospoucos,aatmosferavaisetornandodensaeconstrangedora,quandoos
ndios exigem da freira acesso livre reserva tcnica onde
encontram vrios adornos
corporais e utenslios que reconhecem como seus. por isso que
desapareceram da
aldeia, exclama um deles. Vamos levar tudo, sugere outro.
AnaGita deOliveira, do
DepartamentodePatrimnio Imaterialdasededo
IPHAN,emBraslia,quemmedia o
dilogoentrea freira responsvel pelomuseueos ndios, ansiosospor
reaver o que
deles. Fica combinado que as peas sero devolvidas em
outrosmomentos, quando se
concluremastratativasnecessrias.
TalvezsepossamarriscarduasaproximaesentreVincentCarellieavietnamita
Trinh T.Minhh embora essa cineasta e videoartista seja bemmais
radical em suas
experimentaespsmodernas03.Aprimeiraatentativadefalarpertode/juntoaos
(nearby)sujeitosfilmadosenoporelesousobreeles.Aenunciaodocineasta,desse
modo,noosobjetifica(...)eissonoapenasumatcnicaouumadeclaraoverbal,
masumaatitudenavida,umamaneiradeseposicionaremrelaoaomundo(MINH
apud CHEN, 1992, p.87, traduo da autora). A segunda a valorizao
do aspecto
esttico e criativo do filme etnogrfico. Nas palavras de Minhh, o
processo de
realizaodeumfilmeseaproximadacomposiomusicaledaescritadepoesia.(...)s
alinguagempoticaconseguelidarcomosignificadodeumamaneirarevolucionria(id.
-
15/05/2015 RevistaProaResenhas
http://www.ifch.unicamp.br/proa/resenhas/resenhailana.htm
4/6
ibid.:p.8586,traduodaautora).
MasserqueIauaret,cachoeiradasonasumfilmeetnogrfico?Quandose
podeclassificarumfilmeenquantoetnogrfico?Eisduasquestesquevmmentedo
espectador aps assistir ao documentrio de Carelli. Alguns filmes
costumam ser
rotulados como etnogrficos apenas porque lidam de maneira
simptica com culturas
exticaspopularmentetomadascomoosobjetostpicosdaantropologia.Deacordo
comJayRuby,oequvocoteriasidoiniciadoporAndrLeroiGourhan,que,nadcadade
1940,definiuos filmesetnogrficoscomotodosos
filmesquedescrevessem sociedades
diferentes daquela dos autores (MAC DOUGALL, 1992, p. 52, traduo
minha). Essa
definioapressadaeescorregadiafoiemseguidanuanadaeproblematizada.
Jay Ruby, na dcada de 1970, conceituou como filme etnogrfico
aquele que
produz,dentrodedeterminadoquadroterico,afirmaeseconclusessobretotalidades
culturais. Embora hoje em dia o trabalho antropolgico j no
pretenda chegar a
concluses, nem a representaes totalizantes, alguns princpios
estabelecidos pelo
autor permanecem pertinentes, como a necessidade de um filme
etnogrfico ser
informado,implcitaouexplicitamente,porteoriasculturais,sertransparentequantoaos
mtodosdepesquisaede filmagemutilizadose lanarmodeum
lxicoantropolgico
especfico.
JparaClaudinedeFrance,ofilmeetnogrfico,pilardadisciplinaqueelachama
de antropologia flmica, obedece a outro conjunto de exigncias
epistemolgicas: a
busca de conhecimento sobre o mundo histrico, ou seja, a
finalidade primeira de
produzir conhecimento especfico de onde decorre seu pblicoalvo
imediato bastante
restrito, constitudo pelo prprio antroplogo e seus pares a
submisso a restries
circunstanciais, sejam elas tcnicas, polticas ou interdies da
parte das pessoas
filmadaseorespeitoaotimingdossujeitosfilmados.
David Mac Dougall, por sua vez, sugere que se proceda a uma
delimitao de
fronteirasentreo filmeantropolgicoeo filmesobreantropologia.
Enquanto o primeiro
se prope a explorar integralmente os dados, alcanando novos
patamares tericos, o
segundoapenasrelataconhecimentosexistentes.Osfilmessobreantropologiacostumam
empregarconvenesdidticasejornalsticas,enquantoosfilmesantropolgicoscontm
genunos procedimentos de investigao (cf. MAC DOUGALL, 1998, p.
76). Na mesma
direo,LOIZOS(1993)distinguefilmesantropolgicosdefilmescomvalorantropolgico.
Apesar de ambos se prestarem a anlises culturais, no so, de modo
algum,
equivalentes.
Assim,deacordocomosparmetrosdefinidosporessescincoespecialistas,talvez
no se possa dizer que Iauaret, cachoeira das onas, seja um filme
etnogrfico no
sentidoplenodotermo.Apesardedarvozandiosdaregioamaznicaetercomopano
efundoquestesbastanterelevanteparaasCinciasSociaiscomoadinmicacultural,
otombamentodebensculturaisimateriais,oempoderamentodeminoriasetc.trata
sedeumdocumentriosobreantropologia,parausaraexpressodeMacDougall,oude
umfilmecomvalorantropolgico,naacepodeLoizos.
Em primeiro lugar, porque o diretor embora seja conhecido pela
prtica da
antropologia compartilhada nos demais trabalhos que realizou no
mbito do projeto
Vdeo nas Aldeias est, aqui, exercendo uma criao autoral,
conforme seu prprio
depoimento. Em segundo lugar, porque o filme foi feito sob
encomenda do IPHAN, um
rgo governamental de gesto do patrimnio, com a finalidade de
compor um dossi
comfimpolticoeno,comoobjetivodediscutiracosmologiaTariano,porexemplo.Em
terceiro lugar, porque Vincent Carelli se define
profissionalmente como fotgrafo e
videomakere admite que precisou da consultoria do antroplogo
Geraldo Andrello, do
InstitutoSocioambiental(ISA)paracompreendercertascoisas.
Noobstante,halgunselementosantropologicamentelouvveisemIauaret:o
respeito ao fluxo da fala dos sujeitos filmados a abertura e a
simpatia sua causa,
traduzidaem imagensquegeram identificaoe comoonoespectador a
contratao
deumndioTarianoparafazeratraduodasfalasquenosoemportugusaexibio
do filme pronto, aps a finalizao, para vrias comunidades
indgenas, que, segundo
Carelli,estoagoraquerendodesenvolveriniciativassimilares.
Independentementedortuloqueaeleseatribua,ofilmeIauaret,cachoeiradas
onas acabou desencadeando alguns processos no local da filmagem,
como o
reconhecimentoeadevoluodosornamentosTarianoqueseencontravamnomuseude
Manaus desde que foram pilhados por missionrios salesianos.
Assim, se a feitura do
FotogramadodocumentrioIauaret,CachoeiradasOnas
-
15/05/2015 RevistaProaResenhas
http://www.ifch.unicamp.br/proa/resenhas/resenhailana.htm
5/6
documentrio no foi plenamente compartilhada para usar uma
expresso de Jean
Rouch, para quem o filme deve ser construdo a partir do debate
entre quem filma e
quem filmado04 , os efeitos gerados pelo filme foram, sem dvida,
poltica e
culturalmenteimportantesparaossujeitosfilmados.
Iauaret,cachoeiradasonas,mesmoquenopossaserconsideradoumfilme
estritamenteetnogrfico,suscitaquestesrelevantesparaaantropologia.E,senoum
filme puramente experimental, do ponto de vista cinematogrfico,
contm imagens
esteticamente sofisticadas. No hesita em tomar partido e a
colaborar para a
transformao da realidade filtrada pela cmera. Alm disso, o
diretor no peca por
excessodedidatismo,nodeixaocorrerredundnciaentrepalavraseimagens,tampouco
ocupao lugarda falados ndios.Eomais
importantequesodeixadasbrechaspara
queoespectador tea relaese construa suasprprias impresses sobreo
sentidodo
queobserva.Eisalgunsdeseusmaiorestrunfos.
01OantroplogoAntonioArantes(2008),quepresidiuoIPHANentre2004e2006,
um dos autores que mais tem insistido que produto e processo
cultural soindissociveis: As coisas feitas testemunham omodo de
fazer e o saber fazer. (...)
Ocabedalproduzidopelotrabalhodegeraesdepraticantesdedeterminadaarteouofcio
algo mais geral do que cada pea produzida ou executada, do que cada
celebraorealizada.(...)Mas,emcontrapartida,encontraseemcadaobraounalembranaquesetemdelaotestemunhodoquealgumcapazdefazer(ARANTES,2008,p.13).
02OprimeiropatrimnioimaterialtombadofoiaArteKusiwatcnicadepinturae
arte grfica dos ndios Wajpi, do Amap a segunda foi a festa do Crio
de NossaSenhoradeNazar,deBelmdoParemseguida
foiavezdoJongo,heranaculturaldos banto tambm o Modo de Fazer
VioladeCocho, o Samba de Roda do RecncavoBaiano e os ofcios das
Baianas de Acaraj e das Paneleiras de Goiabeiras
foramregistradosnoslivrosdoIPHAN.
03Almdecineastaindependenteeartistaplstica,TrinhT.Minhh,nascidaemHani,em1952,pesquisaedcursosfocadosemestudosfeministas,polticasculturaisecontextos
pscoloniais, na Universidade de Berkeley. Seus filmes normalmente
fazemreferncia a questes de teor antropolgico. Reassemblage (1982)
e Naked Spaces(1985), por exemplo, resultam de uma expedio
etnogrfica de 3 anos que fez
aoSenegalediscutem,deformaousadaepoucolinear,aexotizaoeareconfiguraodeidentidades
resultantes do neocolonialismo. Ela tambm autora, entre
outraspublicaes, de African Spaces Designs for Living in Upper
Volta (1985) e
Woman,Native,Other.Writingpostcolonialityandfeminism(IndianaUniversityPress(1989).
04JeanRouchagranderefernciadaantropologiaflmica,tantopelaqualidade,comopelaquantidadedeobrasquedeixou.Esseengenheirode
formao,quedefendeuumateseemantropologiaorientadaporMarcelGriaule,produziufilmesquesetornaramclssicos,comoLesmatresfous(1954)eMoi,umnoir(1958).ComRouch,acmerasetornou
participante, capaz de suscitar o dilogo intertnico e provocar
reaes nossujeitos filmados. Assumir tal postura tica e esttica
equivalia a praticar umaantropologia compartilhada, assim definida
por Jean Rouch: se eu pergunto a umindgena: Voc acredita em Deus?,
ele pode responder e voc?. A resposta toessencialquantoaperguntaque
lhe foidirigida. (...)Ocinemaoveculoquepermiterealizar (...) essa
antropologia partilhada, que o feedback (Rouchapud
STUTMAN&SCHLLER,1997,p.14).
ANDRELLO,G. & FERREIRA, P. P. Conhecimento tradicional como
patrimnio
imaterial:mitoepolticaentreospovosindgenasdorioNegro.IN:CinciaeCultura[online],2008,vol.
60, no. 1 [citado 20080611], p. 4244.(Disponvel
em:http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S000967252008000100017&lng=pt&nrm=iso)
ARANTES, A. A.. O patrimnio imaterial e a sustentabilidade de
sua salvaguarda. IN:Revista Da Cultura ano IV n. 7. (Disponvel
online no site da
Funceb:http://www.funceb.org.br/pdf.html.Acessoem05/01/2008).
CANANI, A. S. K. B. Herana, sacralidade e poder: sobre as
diferentes categorias dopatrimnio histrico e cultural no Brasil
IN:Horizontes Antropolgicos v.11 n.23. PortoAlegre, jan./jun.
2005.(Texto disponvel online em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010471832005000100009&lng=en&nrm=iso.
Acesso em09/01/2008.)
CHEN, N.. Speaking nearby: a conversation with Trinh T. Minhh.
IN: VisualAnthropologyReviewvol.8n.1.Primaverade1992,p.8291.
FRANCE,C.de(org.).Do filmeetnogrficoantropologia
flmica.Campinas:EditoradaUnicamp,2000.
http://www.funceb.org.br/pdf.html.%20Acesso%20em%2005/01/2008http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252008000100017&lng=pt&nrm=iso
-
15/05/2015 RevistaProaResenhas
http://www.ifch.unicamp.br/proa/resenhas/resenhailana.htm
6/6
LOIZOS,P..Innovationinethnographicfilm.Frominnocencetoselfconsciousness,195585.Chicago:TheUniversityofChicagoPress,1993.
MACDOUGALL,David.Demain,lecinemaethnographique?.IN:CinmActionn.64.julhode1992.
_________..Transculturalcinema.Princeton:PrincetonUniversityPress,1998.
RONY, F. T.The third eye.Race, cinema and ethnographic
spectacle. Durhan/ Londres:DukeUniversityPress,1996.
RUBY,J.Theviewerviewed,viewingthe"other".IN:CRAWFORD,P.I.&HAFSTEINSSON,S.B.Theconstructionoftheviewer.Aarhus:InterventionPress,1996,p.193206.
STUTMAN,R.&SCHULER,E..Campoecontracampo:aloucamaestriadeJeanRouch.IN:SextaFeiran.1.SoPaulo,maiode1997,p.1322.
VELHO, G. Patrimnio, negociao e conflito. IN:Mana,vol.12,
no.1,abr. 2006, p.237248.