-
ED
I
O B
RA
SIL
EIR
AM
AR
O
-AB
RIL 2012
Combatentes revolucionrios comemoram a preciso de um tiro de
carro de combate disparado contra posies dos partidrios de Kada, em
Sirte, Lbia, 13 Out 11.
AP
/Man
u B
rabo
PB-100-12-03/04Headquarters, Department of the Army
PIN: 102772-000Approved for public release; distribution is
unlimited
EDIO BRASILEIRA MARO-ABRIL 2012
http://militaryreview.army.mil
As Premissas e a Grande Estratgia p. 2 Ben Lombardi
O Emprego da Companhia de Precursores Paraquedista nas Aes nos
Complexos do Alemo e da Penha p. 56 Major Anderson Ramos Marques,
Exrcito Brasileiro
Uma Nova Soluo para a Doutrina das Foras Terrestres p. 72 Major
Christopher Henry, Exrcito dos EUA
CENTRO DE ARMAS COMBINADAS, FORTE LEAVENWORTH, KANSAS
-
General David G. Perkins Comandante, Centro de Armas Combinadas
(CAC)
Cel John J. Smith Editor-Chefe da Military Review
Ten Cel Jeffrey Buczkowski Subdiretor
Redao Marlys Cook Editora-Chefe das Edies em Ingls Miguel Severo
Editor-Chefe, Edies em Lnguas Estrangeiras Maj David Youngdoff
Gerente de Produo
Administrao Linda Darnell Secretria
Edies Ibero-Americanas Paula Keller Severo Assistente de Traduo
Michael Serravo Diagramador/Webmaster
Edio Hispano-Americana Albis Thompson Tradutora/Editora Ronald
Williford Tradutor/Editor
Edio Brasileira Shawn A. Spencer Tradutor/Editor Flavia da Rocha
Spiegel Linck Tradutora/Editora
Assessores das Edies Ibero-americanas Cel Jorge Gatica Brquez
Oficial de Ligao do Exrcito Chileno junto ao CAC/EUA e Assessor da
Edio Hispano-Americana Cel Douglas Bassoli Oficial de Ligao do
Exrcito Brasileiro junto ao CAC/EUA e Assessor da Edio
Brasileira
Foto da capa: Um Elemento de Eq Prec encontra material ilcito ao
executar busca na mata prxima comunidade.
2As Premissas e a Grande EstratgiaBen Lombardi
Uma das crenas provavelmente mais difundidas com respeito ao
pensamento estratgico no mundo ocidental, hoje, a de que nenhum pas
deseja a guerra, sempre acompanhada de corolrios como o conflito
armado irracional e a guerra nunca a soluo.
14Um Ambiente com Limitao de Recursos: Um Guia para Pensar sobre
Mudanas na Estrutura da Fora Major Jeremy Gray, Exrcito dos EUA,
e
Rickey Smith
A partir do final de 2011 e do incio de 2012 muitas mudanas
estaro ocorrendo no Exrcito, por conta de dois itens
inter-relacionados: os resultados da Reviso da Estratgia de Defesa
dirigida pelo Presidente Obama e o incio da entrada em vigor dos
significativos cortes oramentrios no Departamento de Defesa.
24Integrando Inteligncia e Informaes: Os Dez Pontos a Serem
Considerados pelo Comandante General de Diviso Michael T. Flynn e
General (BG) Charles A. Flynn, Exrcito dos EUA
A integrao de Inteligncia e Informaes tem diferentes
significados para diferentes pessoas, mas h um entendimento comum:
sem ela, todo o processo decisrio fica comprometido, cheio de
lacunas que podem levar a erros de avaliao.
29Como Conduzir o Navio de Guerra Estadunidense em Direo
Comunicao Moral (e ao Verdadeiro xito) no Sculo XXITenente-Coronel
Douglas A. Pryer, Exrcito dos EUA
As Foras Armadas no precisam de mais doutrina, e sim de uma
doutrina melhor sobre a tica profissional. Essa nova doutrina deve
ser menos moralmente esquizofrnica; mais clara, racionalmente
fundamentada, de fcil compreenso e comunicada efetivamente em todas
as Foras.
41A Responsabilidade do ComandoTenente-Coronel Joe Doty
(Reserva), Exrcito dos EUA, e Capito de Mar e Guerra Chuck Doty
(Reserva), Marinha dos EUA
Na cultura naval, h duas mximas. A primeira que, se um navio
encalhar, a culpa do comandante. A segunda que ele sempre ser o
responsvel, mesmo quando no for. Essas palavras no so mero discurso
a Marinha dos EUA as coloca em prtica. Muitos comandantes de
embarcaes foram destitudos da funo devido a colises ou
abalroamentos.
-
Raymond T. OdiernoGeneral, United States Army
Chief of Staff
JOYCE E. MORROW Administrative Assistant to the
Secretary of the Army
Official:
0633905
Military Review Publicada pelo CAC/EUA, Forte Leavenworth,
Kansas, bimestralmente em portugus, espanhol e ingls. Porte pago em
Leavenworth Kansas, 66048-9998, e em outras agncias do correio. A
correspondncia dever ser endereada Military Review, CAC, Forte
Leavenworth, Kansas, 66027-1293, EUA. Telefone (913) 684-9338, ou
FAX (913) 684-9328; Correio Eletrnico (E-Mail)
[email protected]. A Military Review pode tambm ser
lida atravs da Internet no Website: http://www.militaryreview.
army.mil/. Todos os artigos desta revista constam do ndice do
Public Affairs Information Service Inc., 11 West 40th Street, New
York, NY, 10018-2693. As opinies aqui expressas pertencem a seus
respectivos autores e no ao Ministrio da Defesa ou seus elementos
constituintes, a no ser que a observao especfica defina a autoria
da opinio. A Military Review se reserva o direito de editar todo e
qualquer material devido s limitaes de seu espao.
Military Review Edio Brasileira (US ISSN 1067-0653) (UPS
009-356)is published bimonthly by the U.S. Army, Combined Arms
Center (CAC), Ft. Leavenworth, KS 66027-1293. Periodical paid at
Leavenworth, KS 66048, and additional maling offices. Postmaster
send corrections to Military Review, CAC, Truesdell Hall, 290
Stimson Ave., Ft. Leavenworth, KS 66027-1293.
Edio Brasileira Revista Profissional do Exrcito dos EUA
Publicada pelo Centro De Armas Combinadas Forte Leavenworth, Kansas
66027-1293 TOMO LXVII MARO-ABRIL 2012 NMERO 2 pgina na internet:
http://militaryreview.army.mil correio eletrnico:
[email protected]
Professional Bulletin 100-12-03/04
45As Lies da Lbia Amitai Etzioni
O xito militar da campanha liderada pela OTAN na Lbia, em 2011,
indica que, mesmo no atual contexto pleno de desafios econmicos,
exigncias de corte de gastos e preocupao com o fato de as Foras
estadunidenses estarem sobrecarregadas no exterior , as misses
humanitrias podem ser executadas efetivamente.
56O Emprego da Companhia de Precursores Paraquedista nas Aes nos
Complexos do Alemo e da PenhaMajor Anderson Ramos Marques, Exrcito
Brasileiro
A Companhia de Precursores Paraquedista, bero das Operaes
Especiais do Exrcito Brasileiro, foi amplamente empregada nas
principais aes conduzidas durante esse perodo de ocupao, vindo a
caracterizar-se como importante elemento multiplicador de combate
das tropas componentes da Fora de Pacificao Arcanjo.
65O Desenvolvimento de Lderes e a Liderana no Exrcito:
Perspectivas de CampoRyan M. Hinds e John P. Steele
A Pesquisa Anual de Liderana do Exrcito, realizada pelo Centro
de Liderana do Exrcito (CAL), analisa e acompanha tendncias nas
atitudes e no desenvolvimento de lderes, na qualidade da liderana e
em sua contribuio para o cumprimento da misso. Mais de cem
perguntas abordam temas relativos qualidade da liderana e ao
desenvolvimento de lderes.
72Uma Nova Soluo para a Doutrina das Foras TerrestresMajor
Christopher Henry, Exrcito dos EUA
Os responsveis pela elaborao da doutrina do Exrcito esto
buscando desenvolver o maior nmero possvel de publicaes de emprego
dual com o Corpo de Fuzileiros Navais (CFN). As duas Foras
Singulares projetam poder militar terrestre e empregam doutrina
dentro de um mesmo princpio geral. A adoo dessas publicaes duais
ajudar na reduo de gastos, na melhoria do processo de formulao de
doutrina e no estabelecimento de uma literatura doutrinria que
possa ser utilizada pelas duas para compartilhar.
78Nosso Erro em Relao ao Mxico Paul Rexton Kan
Definir o tipo especfico de violncia organizada tem implicaes
profundas e de longo alcance para os responsveis pela concepo de
estratgias destinadas aos que a enfrentam no dia a dia. Termos como
insurgncia e terrorismo geram solues polticas e escolhas
estratgicas diferentes das que seriam levantadas em resposta
classificao do problema como criminalidade.
-
As Premissas e a Grande Estratgia Ben Lombardi 2011 Ben
Lombardi
Este artigo foi originalmente publicado na revista Parameters
(Spring 2011).
D urAntE umA EntrEvistA coletiva em Cabul, no incio de dezembro
de 2010, o Primeiro-ministro britnico, David Cameron, declarou que
estava cautelosamente otimista com relao situao no Afeganisto. Ele
prosseguiu, dizendo que 2011 deve ser o ano no qual o progresso
torna-se irreversvel, porque um Afeganisto mais seguro significa
uma Gr-Bretanha mais segura e um mundo mais seguro1. seja qual for
nossa avaliao acerca dessa misso liderada pela Organizao do tratado
do Atlntico norte (OtAn), declaraes como essa nos fornecem as
premissas que, aparentemente, orientam importantes lderes a seu
respeito. nessa curta passagem, Cameron afirmou que houve
progresso, que esse progresso pode ser tornado irreversvel (ou que,
no mnimo, isso o que deve ser feito) e que a estabilidade no
Afeganisto contribui diretamente para a segurana britnica. Que
todas essas opinies so questionveis, no se discute... Que elas
provavelmente fazem parte de um expediente poltico, tambm no...
mas, essa, na verdade, a natureza da relao entre premissas e a
formulao de estratgias. As premissas proporcionam a sustentao que
permite o salto mental em direo a um objetivo poltico passvel de
ser compreendido e aceito.
Estratgia e PremissasEm um artigo recm-publicado, t. X.
Hammes
sustenta que premissas so frequentemente desprezadas na formulao
de estratgia, com consequncias que, s vezes, podem ser extremamente
srias2. inicialmente, podemos fazer duas observaes. Primeiro, dada
a complexidade
da poltica interna, as premissas so obviamente inevitveis e
muitas vezes desempenham umpapel central no processo decisrio.
difcil discordar quando Hammes alerta os leitores que [p]remissas
so essenciais para definir o seu entendimento do problema. segundo,
h uma razo prtica para que essas premissas sejam corretas, ou para
que sejam eliminados tantos erros de juzo quanto possvel: h muita
coisa em jogo. segundo Hammes, ter abandonado completamente a
discusso acerca das premissas fez com que os Estados unidos
tivessem muitas dificuldades na concretizao de seus objetivos
polticos no iraque e no Afeganisto.
sem pretender menosprezar a argumentao de Hammes, afirmamos que
seu alcance desnecessariamente limitado. Ela se concentra quase
exclusivamente nas premissas que influenciam as estratgias de
combate ou, em outras palavras, em como lidar com as ideias
preconcebidas daqueles que conduzem uma campanha militar ou uma
batalha. Esses parmetros no so acidentais. Onde e quando essas
pressuposies tm falhado em suas aplicaes militares , obviamente, a
principal preocupao de Hammes; sua recomendao para que haja um
rigoroso reexame das premissas est relacionada ao desejo de
melhorar a eficcia das Foras Armadas dos Estados unidos da Amrica
(EuA). Contudo, se analisarmos bem, fica evidente que as premissas
afetam todos os nveis onde h formulao de estratgia, desde a grande
estratgia at o nvel ttico, no combate. indo direto ao ponto: se as
premissas bsicas empregadas na formulao da grande estratgia
estiverem incorretas ou forem mal compreendidas, possvel que nem
mesmo um excelente desempenho militar seja capaz de preservar,
proteger e promover os interesses nacionais.
Ben Lombardi um cientista de Defesa que atualmente Em geral,
suas pesquisas e trabalhos tratam de temastrabalha na Pesquisa e
Desenvolvimento de Defesa do relacionados segurana e defesa da
Europa. Centro de Anlise e Pesquisa Operacional do Canad.
Maro-Abril 2012 MILITARY REVIEW 2
-
Premissas e Grande estratGia
Portanto, pode-se argumentar que h maior exigncia para que os
responsveis pelas decises no nvel da grande estratgia estejam mais
atentos. E por que assim? Porque nesse nvel que as decises sobre o
emprego da capacidade militar so tomadas e como esse emprego de
fora ir se relacionar a um cenrio muito maior, definido pelos
interesses e objetivos nacionais. Em seu estudo sobre a Espanha do
final do sculo Xvi, Geoffrey Parker elaborou uma definio que
aplicvel ainda hoje, observando que a grande estratgia:
Engloba as decises de um dado Estado sobre sua segurana geral a
ameaa que ele percebe, as formas segundo as quais ele as enfrenta e
os passos que ele toma para que haja coerncia entre os fins e os
meios e cada uma delas envolve a integrao de objetivos polticos,
econmicos e militares, tanto na paz quanto na guerra, para
preservar os interesses de longo prazo, incluindo o gerenciamento
dos fins e dos meios, a diplomacia, e o moral nacional e cultura
poltica, nas esferas militar e civil3.
Em outras palavras, no se trata apenas de derrotar um adversrio
no campo de batalha, mas de como esses problemas militares
contribuem para que os objetivos nacionais sejam atingidos. As
premissas discutidas no nvel grande estratgia consideram,
necessariamente, temas como o papel do pas, provveis rivais e os
meios mais efetivos para alcanar os objetivos nacionais. tendo esse
entendimento amplo em mente, a
discusso a seguir argumenta que precisamos reconhecer que h
diferentes tipos de premissas que afetam a formulao estratgica: as
impostas, as originadas no processo de governo e as de cultura
estratgica. Admitindo que a mitigao de erros tambm um componente
essencial em qualquer tentativa de formular estratgia, o segundo
objetivo deste artigo introduzir a ideia de eficcia nas
premissas.
Trs Tipos de PremissaAqueles que participaram de estados
maiores de planejamento provavelmente esto familiarizados com
premissas impostas. O contato com elas ocorre quando os
encarregados so informados sobre as limitaes polticas de um
governo. As premissas frequentemente definem o mtodo que as
autoridades devem adotar quando tratando de questes relacionadas
formulao de estratgia. uma premissa imposta pode assumir diversas
formas: certos assuntos so rotulados como proibidos para anlise;
pases especficos so submetidos a uma forma particular de avaliao; e
o impacto positivo de certas polticas sobre os interesses nacionais
deve ser aceito sem maiores consideraes. no meio militar, muitos se
referem ao efeito de uma premissa imposta como situar a apreciao e
dai que advm o aspecto controverso de sua aplicao. Essas restries
que, por natureza, so altamente polticas parecem solapar um
processo de anlise lgico e frequentemente so vistas
Cen
tro H
ist
rico
Nav
al d
os E
UA
Mus
eu Im
peria
l da
Gue
rra
Esquerda: O Hms Dreadnought era um navio de guerra da Marinha
Real. Direita: O Hms nelson foi um encouraado da classe
Dreadnought, projetado para a Marinha Real depois da Primeira
Guerra Mundial, incorporando todas as liesaprendidas naquele
conflito. A Regra dos Dez Anos provocou grandes cortes nos gastos,
o que afetou muito a Marinha Real.
MILITARY REVIEW Maro-Abril 2012 3
-
como arbitrrias. uma premissa imposta nem sempre lgica, mesmo
quando responde a uma exigncia poltica no curto prazo.
uma premissa imposta tambm pode interromper o processo de
formulao de
Grande Estratgia... no trata apenas de derrotar um adversrio no
campo de batalha, mas de como os problemas militares contribuem
para que os objetivos nacionais sejam atingidos.
estratgia. Em certos casos, pode assumir a forma de um dogma
que, embora tenha um dia se baseado em uma avaliao racional,
permanece preservada pelo governo por razes que so frequentemente
bem distintas daquelas que lhe deram origem. Esse tipo de premissa
talvez seja capaz de resistir at mesmo a desafios representados por
desenvolvimentos posteriores, que poderiam sugerir sua reviso. As
dificuldades polticas e psicolgicas para a anlise e o abandono de
tais premissas acabam por minar os prprios argumentos que
recomendavam que isso fosse feito. um bom exemplo disso a regra dos
Dez Anos, que influenciou o planejamento estratgico britnico
durante certo perodo do entre-guerras e baseava-se na premissa de
que o pas no enfrentaria um grande conflito por dez anos. um
documento preparado em 1932 para o Comit de Defesa imperial
(Committee of Imperial Defence CID) descreve como a regra dos Dez
Anos alcanou progressivamente forte influncia sobre o planejamento
estratgico do pas:
O assunto de maior importncia para o qual chamamos a ateno do
Comit de Defesa imperial a base das Estimativas das Foras de
Defesa, que diz que deve ser compreendido, para fins de
determinar
as Estimativas das Foras singulares Combatentes, que, para
qualquer data considerada, no haver uma guerra de grandes propores
por dez anos. Essa premissa foi adotada em julho de 1928... Antes
disso houve uma srie de premissas ligeiramente semelhantes (trs
exemplos: a de agosto de 1919, que era aplicvel somente s
estimativas daquele ano, quando a desmobilizao ainda estava em
progresso; a de 1925, cuja aplicao estava relacionada ao Japo e ao
esquema de expanso da Fora Area para Defesa territorial; e a de
1927, relativa a uma guerra em terras europeias). Excetuando-se a
de 1919, somente aps 1928 o princpio tornou-se vlido para aplicao
mundial e a data a considerar passou a avanar dia a dia4.
A premissa que sustentava a regra dos Dez Anos foi fortemente
apoiada por aqueles que defendiam o desarmamento por razes
ideolgicas, bem como por aqueles que buscavam conter gastos
governamentais. neste ltimo grupo, estava Winston Churchill, que,
como ministro da Fazenda (1924-1929), recomendou com insistncia que
a regra fosse tornada um princpio bsico perptuo5.
Apesar de a regra no ter sido uma garantia de paz de dez anos,
ela todavia determinou o planejamento estratgico, uma vez que os
grandes oramentos de Defesa eram considerados politicamente
impossveis. A aplicao da regra ocasionou que, particularmente
depois de 1925, as avaliaes sobre a capacidade militar britnica
ficassem fortemente subordinadas necessidade de reduzir riscos
estabilidade financeira do pas. De fato, como o historiador John
Ferris destaca, o governo usava a regra como uma forma de controle
cerrado sobre o que ele considerava requisies oramentrias pouco
realistas por parte das Foras Armadas6. A compra de novos
equipamentos passou a ser feita somente se atendessem a
necessidades imediatas, um requisito geralmente difcil de ser
atendido pelos Chefes de Estado-maior. Ao analisar as defesas
imperiais no Extremo Oriente, onde as aes japonesas sugeriam que a
regra j no mais se aplicava, o subcomit de Chefes do Estado-maior
observou que [o]
Maro-Abril 2012 MILITARY REVIEW 4
-
Premissas e Grande estratGia
s eventos apresentados sugerem a reviso de nossas prprias
disponibilidades para enfrentar uma possvel agresso inesperada por
parte do Japo. A posio no poderia ser pior. Embora uma avaliao da
posio estratgica ocupada pela Gr-Bretanha fosse entregue ao governo
a cada ano, desde 1919, a regra no foi abandonada at 1932. E, mesmo
nessa ocasio, o governo decidiu excluir planejamentos para
confrontos armados com a Frana, os Estados unidos e a itlia7.
Curiosamente, cerca de quatro anos depois, o regime fascista de
roma se alinhou com a Alemanha nazista, tornando essa nova premissa
igualmente invlida. Ainda que no tenha impedido os substanciais
investimentos da Gr-Bretanha em Defesa, a premissa de que uma
guerra de grandes propores era improvvel, nos dez anos seguintes,
levou as autoridades inglesas a enxergar a deteriorao da situao
internacional com menos preocupao do que poderiam ter feito em
outras circunstncias.
Embora historiadores tenham sustentado que se tratava de uma
poltica razovel, consideradas as circunstncias, a regra dos Dez
Anos vista pelos contemporneos, em geral, como uma premissa imposta
que racionalizava economia custa da segurana da Gr-Bretanha.
importante reconhecer que nem todas asrestries desse tipo so
incorretas. s vezes, elas podem refletir um senso estratgico muito
apurado, fazendo com que as exigncias altamente complexas, impostas
durante a formulao e a avaliao de estratgias, se tornem muito mais
fceis de gerenciar. um exemplo disso a excluso dos Estados unidos
como um possvel adversrio, nos planejamentos britnicos que
antecederam s duas guerras mundiais. um documento preparado para o
CiD, em 1928, afirmou que a improbabilidade de que haja uma guerra
contra os EuA tem sido um fator na poltica deste pas por muitos
anos8. O documento reconhecia que as consequncias de um conflito
com os Estados unidos seriam
O Imperador Meiji recebendo a Ordem da Jarreteira do Prncipe
Artur de Connaught, em 1906, em funo da AlianaAnglo-Japonesa.
MILITARY REVIEW Maro-Abril 2012 5
-
desastrosas para os interesses b r i t n icos . O minis t ro das
relaes Exteriores, sir Austen Chamberlain, observou que tal
conflito estava alm de expectativas razoveis:
nem seria necessrio para os Estados unidos iniciar uma ao blica
contra ns, em protesto. Eles poderiam fechar m e r c a d o s e f o
n t e s f i nance i r a s de suma importncia para ns. tal situao
[seria] a nica capaz de originar uma guerra com os EuA, mas ele no
podia imaginar que algum governo britnico fosse louco o suficiente
para provocar tal posio9. Afirmar que uma guerra com os EuA no
era
plausvel exerceu muito mais do que apenas um papel passivo (a
excluso de um conflito com os EuA dos cenrios militares) no
planejamento britnico. Durante a consolidao da marinha real que se
seguiu introduo de reformas nos primeiros anos do sculo XX, houve
pouca preocupao com respeito reduo de meios navais em guas da
Amrica do norte. Whitehall tambm seguiu essa filosofia quando
definiu seu relacionamento com outros pases. O tratado Anglo-Japons
de Arbitragem (1911) inclua uma clusula que liberava a Gr-Bretanha
de suas obrigaes de aliana no caso de um conflito entre o Japo e os
Estados unidos.
A imposio dessa premissa no planejamento estratgico foi
provavelmente influenciada por uma variedade de consideraes
irracionais, tais como o entendimento de que um conflito entre as
duas principais potncias anglo-saxs seria algo intrinsecamente
errado. Afinal, foi um importante poltico britnico, Joseph
Chamberlain, que, em 1896, referiu-se a uma eventual guerra
angloamericana como um absurdo e um crime, acrescentando que um dia
os dois pases trabalhariam juntos para conformar uma nova ordem
mundial sancionada pela humanidade e pela justia10. igualmente
significativo, contudo, o fato de que essa pressuposio tambm estava
firmemente baseada em uma
Foto de referncia da CIA mostra mssil balstico de alcance
intermedirio sovitico na Praa Vermelha, em Moscou.
CIA
apreciao racional das vulnerabilidades e dos interesses
estratgicos da Gr-Bretanha. J que tal avaliao exigia que a
possibilidade de conflito com Washington fosse evitada, no havia
razo para planejar contingncias militares contra os Estados unidos.
O CiD e, presumivelmente, os estados-maiores dos escales
subordinados foram instrudos a aceitar que tal conflito nunca
aconteceria.
O segundo tipo de pressuposio pode ser chamado de premissa de
processo do governo. Em seu artigo, Hammes escreve que um elemento
crtico de qualquer discusso sobre estratgia deduzir as premissas e,
a seguir, prop-las. isso garante que todos os participantes da
discusso estejam tentando solucionar o mesmo problema. Parece uma
exigncia bvia para a formulao de estratgia, mas ela difcil de
cumprir quando estamos lidando com assuntos de segurana nacional,
especialmente quando uma poltica o produto de um sistema de governo
que vem se tornando progressivamente mais complicado e que envolve
uma grande quantidade de personalidades e rgos. Esse tipo de
premissa tem forte impacto sobre a formulao de estratgia e gerado
por negociao, persuaso e pela troca de opinies entre autoridades,
que muitas vezes representam departamentos governamentais
diferentes, frequentemente obedecendo a um ambiente
predominantemente hierrquico11.
Obviamente, o resultado de um processo desses muito menos
predeterminado do que uma premissa imposta. Ainda que os
participantes de um rgo estejam instrudos
Maro-Abril 2012 MILITARY REVIEW 6
-
Premissas e Grande estratGia
sobre quais posies defender, provvel que os integrantes de outro
no se sintam to limitados. igualmente provvel que estes tragam
diretrizes ou pontos de vista que ofeream alternativas, talvez
opostas, mas muitas vezes perfeitamente justificveis. Quando
autoridades se renem para tomar iniciativas, afirmam Graham Allison
e Philip Zelikow, em seu clssico estudo Essence of Decision (A
Essncia da Deciso, em traduo livre), com frequncia, o resultado ser
diferente do que aquele que qualquer um deles buscava antes de
comearem a interagir como um grupo12. De fato, possivelmente a
imprevisibilidade dessa abordagem que empresta autoridade s
premissas por ela geradas. nenhum indivduo ou rgo pode simplesmente
avocar a si a autoria das concluses tiradas, ficando subentendido
que todos contriburam para que se chegasse a elas. E, no menos
importante, a culpa pelos eventuais juzos errneos compartilhada. A
tendncia de que essas premissas sejam aceitas voluntariamente,
mesmo quando as pessoas que as utilizam no tenham participado
diretamente do processo.
A evoluo da doutrina de conteno dos EuA no incio da Guerra Fria
um exemplo de premissa de processo governamental que impacta a
formulao de estratgia. Originalmente concebida por George Kennan, a
conteno tomou um rumo que no recebeu seu apoio. sua oposio,
contudo, teve pouco impacto nas decises. O nsC-68 (1950), documento
que representou a abordagem oficial quanto poltica de conteno da
unio sovitica, foi redigido por um comit composto por autoridades
dos Departamentos de Estado e de Defesa, chefiado por Paul nitze.
nele, os planejadores estratgicos formularam uma variedade de
premissas cruciais: a crise nas relaes entre estadunidenses e
russos s poderia ser superada por uma transformao interna na unio
das repblicas socialistas soviticas (urss); os Estados unidos
seriam capazes de acelerar as mudanas que j estavam acontecendo na
unio sovitica; e a oposio expanso sovitica em todos os pases era um
interesse nacional direto dos Estados unidos. Kennan no concordava
com todas essas premissas e no foi envolvido na formulao desse
documento. muitas de suas ideias foram transformadas pelo processo
de
formulao do nsC-68 e, embora a poltica de conteno tenha vigorado
por muitos anos, ele no pode ser considerado como seu nico autor,
nem mesmo como seu principal idealizador13. mesmo sem julgarmos a
qualidade das premissas que influenciaram o nsC-68, devemos admitir
que o processo interdepartamental foi bemsucedido ao gerar um
conjunto de premissas de planejamento que durante muito tempo guiou
a grande estratgia dos EuA, com relao Guerra Fria.
Curiosamente, o esforo despendido para gerar um consenso (como
uma premissa aceita por todos, por exemplo) pode revelar a
diversidade entre as vises paroquiais que os rgos participantes
possuem sobre o tema. Esse foi o caso, durante as acirradas
discusses das autoridades britnicas, no final de 1943 e em 1944,
sobre como o mundo ps-guerra deveria ser considerado. no cerne de
um desses debates estavam as avaliaes conflitantes sobre o futuro
das relaes anglo-soviticas. Os planejadores do ministrio de Defesa
tendiam a se concentrar no equilbrio de foras e, ante a constatao
da grande quantidade de meios sob o comando de stalin, passaram a
considerar a urss como a ameaa mais provvel (na verdade, como a
nica ameaa provvel) aos interesses britnicos. Devido a essa
premissa, a confiana que o ministrio das relaes Exteriores da
inglaterra depositava nas naes unidas para a organizao do novo
mundo, parecia absolutamente perigosa necessidade de garantir os
interesses britnicos. Fechados em torno de suas prprias concluses,
os Chefes de Estado-maior rejeitaram categoricamente a posio do
ministrio das relaes Exteriores, segundo a qual qualquer avaliao do
ambiente ps-guerra tinha de se enquadrar linha imposta pela poltica
de ento:
A anlise de uma situao desagradvel que possa surgir no , de
forma alguma, incompatvel com a busca de uma poltica destinada a
evitar que essa mesma situao surja. mesmo assim, o ministrio das
relaes Exteriores parece no aceitar a atitude prudente de
considerar uma garantia para o caso de nossa poltica fracassar. na
verdade, eles parecem presumir que a poltica que pretendemos seguir
estar
MILITARY REVIEW Maro-Abril 2012 7
-
destinada ao xito desde que nenhum planejamento seja feito para
lidar com a possibilidade de que ela fracasse14. Esse argumento
gerou muita hostilidade contra
o ministrio das relaes Exteriores e colocou em destaque tanto as
rivalidades profissionais quanto as diferentes culturas
burocrticas. Ao rejeitar os pontos de vista dos planejadores
militares, uma autoridade dos altos escales arrogantemente atribuiu
sua intransigncia falta de tempo suficiente para dar a devida ateno
aos problemas do ps-guerra15. mas, de longe, o aspecto principal da
disputa esteve relacionado ao entendimento da prpria tarefa. O
ministrio das relaes Exteriores, propenso a manter-se restrito s
linhas j definidas da poltica, recusava-se a aceitar a posio dos
Chefes de Estado-maior, segundo a qual eles deveriam analisar todas
as possibilidades de contratempo. Longe de querer admitir que a
urss era um potencial adversrio aps a derrota da Alemanha, o
ministrio das relaes Exteriores considerava a preservao da aliana
anglo-sovitica como o objetivo principal. Havia grande temor de que
o planejamento para contingncias que os comandantes militares
britnicos propunham pudesse prejudicar esse resultado, gerando
grandes preocupaes entre os soviticos e, provavelmente, levando a
uma espiral descendente de suspeio mtua. Como descreveu uma
autoridade do governo: Os Chefes de Estado-maior no esto apenas
atravessando uma ponte antes de terem chegado a ela, esto
construindo sua prpria ponte, para depois atravess-la16. O
ministrio das relaes Exteriores obviamente considerava que uma
habilidosa diplomacia seria capaz de superar as tenses criadas pelo
equilbrio de foras no psguerra, que tanto inquietava os chefes
militares.
nesse caso, superar as diferenas se tornou uma ponte longe
demais. Gerar consenso com base em pontos de vista opostos, cada
qual gerado por um rgo do governo com seu prprio conjunto de
premissas e responsabilidades, era algo impossvel. A tarefa de
formular um nico documento, estabelecendo um conjunto de premissas
sobre o qual a poltica futura seria fundamentada, tornou-se refm do
processo interdepartamental. O ministrio das relaes Exteriores
buscou superar a resistncia ao
encaminhar a disputa ao gabinete britnico, onde o ministro de
relaes Exteriores, Anthony Eden, logrou neutralizar as preocupaes
de seu prprio partido poltico e concordou que o planejamento de
contingncia para uma guerra com a rssia deveria continuar, mas
confinado a um crculo muito pequeno17. no final, foi preparado um
documento aceito pelo ministrio das relaes Exteriores porque
minimizava a ameaa sovitica enquanto, ao mesmo tempo, os
planejadores de Defesa trabalhavam (mais secretamente) nesse mesmo
problema.
O ltimo tipo de premissa a ser analisado mais difcil de
documentar com base em fatos, mas que se revela, normalmente,
quando tentamos explicar as diferentes reaes do pas a eventos de
repercusso internacional. Esse tipo de premissa captura os
entendimentos implcitos que expressam e do forma ao intento e s aes
coativas dos estadistas e planejadores de polticas de qualquer
pas18. Para melhor entendimento, pode ser chamado de cultura
estratgica. segundo Colin Gray, a cultura estratgica e o estilo
nacional:
tm razes muito profundas, em uma corrente de experincias
histricas prpria como por uma interpretao local. Embora no se
esteja afirmando que a cultura e o estilo sejam imutveis isso seria
absurdo admite-se que a forma de pensar e agir em um pas, o modo
preferencial de lidar com os problemas e as oportunidades, s pode
ser alterada de maneira gradual...19.
Embora nunca possa ser considerada como sendo a principal
determinante de qualquer deciso ou ao, a cultura estratgica fornece
o enquadramento dentro do qual as abordagens s questes de guerra e
paz so consideradas. As atitudes nacionais nas relaes entre pases
obviamente afetam o modo como a poltica externa conduzida e, quando
grandes potncias esto envolvidas, o ponto de equilbrio entre o
consenso e o conflito na poltica internacional20. Para cada pas, a
cultura estratgica definir o ambiente no qual ser formulada sua
estratgia e sero tomadas decises relacionadas diplomacia e ao
emprego de fora armada21.
Pode-se notar a influncia de cultura estratgica pela forma como
a atual poltica
Maro-Abril 2012 MILITARY REVIEW 8
-
Premissas e Grande estratGia
Dep
arta
men
to d
e D
efes
a do
s E
UA
Conferncia de Yalta, fevereiro de 1945. Sentados, da esquerda
para a direita, o Primeiro-Ministro Winston S. Churchill, o
Presidente Franklin D. Roosevelt e o Primeiro-Ministro Josef
Stalin. Junto a eles, alguns dos oficiais do alto-comando dos trs
pases, Fev 1945.
externa estadunidense v o emprego de poder militar. nela, a
avanada tecnologia enfatizada e a reduo do nmero de baixas uma
limitao operacional. Ao mesmo tempo, ela limita os tipos de operaes
militares que podem serempreendidas ou contempladas. famoso o
conselho de robert Kennedy a seu irmo, durante a crise dos msseis
de 1962, para que no iniciasse um ataque-surpresa contra Cuba,
porque isso seria incompatvel com os valores estadunidenses. De
modo mais amplo, a cultura estratgica tambm influencia as polticas
internacionais de Washington. A campanha de Kosovo (1999) e a
guerra com o iraque foram iniciadas, em parte, em funo da crena
arraigada de que os valores dos EuA so universais. no importa o
quanto se deseje comparar a liderana global estadunidense quela do
imprio romano de h vinte sculos ou a qualquer outra grande
potncia desde ento, a perspectiva estratgica dos Estados unidos
muito menos pragmtica do que a maioria e frequentemente afetada por
consideraes normativas.
O fato de considerarmos a existncia da cultura estratgica nos
destaca a realidade de que as premissas nacionais sobre temas
globais, ou sobre o emprego de poder militar, no so universais. O
fato de que a Alemanha pr1914 era uma sociedade altamente
militarizada contribuiu para a grande estratgia usada por Berlim.
incentivou lderes alemes a considerar a guerra como uma opo
atraente (dada a influncia das ideias do darwinismo social) e til
(dada sua histria pregressa). A cultura estratgica tambm pode
mudar, sendo uma derrota catastrfica em combate capaz de ser um
desses catalisadores. Hoje, a identidade alem est fundamentada em
premissas que
MILITARY REVIEW Maro-Abril 2012 9
-
Dep
arta
men
to d
e D
efes
a do
s E
UA
, Erin
A. K
irk-C
uom
o
O Presidente afego, Hamid Karzai, e o Secretrio de Defesa dos
EUA, Leon E. Panetta, reunidos em Cabul, em 14 Dez 11. Panetta
reiterou o compromisso de seu pas com a reconstruo do Afeganisto
como um pas livre e independente.
basicamente deslegitimam muito da histria nacional anterior a
1945. Frequentemente citada como um poder civil, a repblica Federal
descrita como tendo uma cultura de segurana reticente. Graas sua
preferncia pelo multilateralismo, o pblico alemo notoriamente
ambivalente quando se discute o desdobramento do Bundeswehr no
exterior22. Apesar de as recentes misses militares fora do pas (no
Afeganisto, por exemplo) sugerirem que esteja havendo um novo
incremento na poltica externa alem, a realidade que essas
participaes foram concebidas pelos lderes alemes mais como um dever
internacional do que como sendo necessrias exclusivamente aos
interesses nacionais. um entendimento da cultura estratgica de um
pas melhora em muito as previses de como ele reagir a
acontecimentos externos.
A Eficcia das Premissas Por que devemos informar aqueles que
tomam
as decises sobre a existncia de premissas
que influenciam a grande estratgia? O artigo de Hammes que nos
conclama a ampliar nossa conscincia crtica acerca da existncia de
premissas, se quisermos melhorar nossas chances de sucesso militar
parece muito mais apropriado aos pases envolvidos em guerras. mas
no ser possvel que, justamente porque consideramos as premissas
como sendo to naturais, estejamos deixando de fazer um esforo
verdadeiro para analis-las quanto a seu contedo e sua efetividade?
se, em ltima instncia, fazia sentido no planejamento estratgico
britnico no incio do sculo XX a premissa imposta de no planejar uma
campanha militar contra os Estados unidos, no estaria validada,
tambm, a premissa contrria a de que havia diferenas fundamentais e
irreconciliveis com a Alemanha? responder a essa pergunta na
negativa obriga o escritor a passar pelo corredor polons da
histria, porque a Gr-Bretanha acabou enfrentando a Alemanha em uma
segunda guerra. Ainda assim, havia autoridades em Whitehall,
poca,
Maro-Abril 2012 MILITARY REVIEW 10
-
Premissas e Grande estratGia
que estavam preocupadas que as impresses negativas criadas pela
prpria Gr-Bretanha, com suas aes e seu vasto imprio, estivessem
sendo ignoradas23.
O que queremos dizer quando falamos sobre a eficcia de uma
premissa? na vida cotidiana, as premissas ajudam as pessoas a
construir seu entendimento do mundo. Essas crenas nem sempre
dependem de outras para serem confirmadas. no entanto, h um
elemento bilateral inescapvel envolvido na grande
quo adequadamente uma premissa descreve o contexto estratgico e
representa as intenes dos atores polticos que ela descreve?
estratgia, porque o objetivo geral controlar, coagir ou
influenciar outros atores polticos para avanar a busca pelos
objetivos nacionais. Contudo, o ambiente no qual esses objetivos
esto sendo buscados tambm ocupado por interlocutores ativos. E o
que talvez seja at mais interessante eles esto fazendo exatamente a
mesma coisa: aplicando premissas para controlar elementos do mundo
que habitam. Essa ideia, que prega levarmos em considerao as
atividades desenvolvidas por outros atores, adaptando nossa
estratgia de acordo, foi captada pela nova Estratgia de segurana
nacional britnica, quando ela recomenda que sejam buscadas ideias
criativas sobre como melhor alcanarmos nossos prprios objetivos e
impedir que os adversrios alcancem os seus24.
A eficcia , portanto, uma medida da perspiccia quo adequadamente
a premissa descreve o contexto estratgico e representa as intenes
dos atores polticos que ela descreve? isso nos lembra o que
Clausewitz chamou de um julgamento perspicaz e judicioso e uma hbil
inteligncia capaz de captar a verdade25. Concentrarmo-nos nesse
aspecto das premissas serve, portanto, no apenas para enfatizar o
entendimento, mas tambm para expor a
necessidade de termos o mximo controle possvel desse ambiente
altamente dinmico. nesse contexto, devemos sempre ter em considerao
que a incerteza companheira da eficcia. nunca poderemos saber com
certeza se nossas premissas esto corretas, a menos que elas sejam
confrontadas com a realidade que pretenderam descrever. Portanto,
diversas premissas com relevncia estratgica estaro constantemente
sendo questionadas: sero todos os Estados prestes a fracassar ou j
fracassados uma ameaa? ir a globalizao levar a maior
interdependncia internacional e reduo da probabilidade de conflito
entre pases? ser a guerra sistmica uma possibilidade remota? Hoje,
questes como essas so frequentemente convertidas em declaraes que
descrevem temas de segurana internacional atuais, mas devemos nos
lembrar de que talvez a realidade no seja assim.
uma das crenas provavelmente mais difundidas com respeito ao
pensamento estratgico no mundo ocidental, hoje, a de que nenhum pas
deseja a guerra, sempre acompanhada de corolrios como o conflito
armado irracional e a guerra nunca a soluo. no livro The Twenty
Years Crisis, 1919-1939, (A Crise dos vinte Anos, 19191939, em
traduo livre) E. H. Carr discute detalhadamente o impacto que uma
forma de pensar semelhante exerce sobre os coraes e as mentes
daqueles que, nas democracias ocidentais, esto engajados na
formulao e
For
a A
rea
dos
EU
A
Durante a Crise dos Msseis de Cuba, analistas do Centro de
Interpretao Fotogrfica Nacional recebiam imagens obtidaspor
aeronaves de reconhecimento u-2 e rF-101, da Fora Area dos EUA.
MILITARY REVIEW Maro-Abril 2012 11
-
no gerenciamento da poltica internacional. Orientando-se pela
filosofia liberal angloamericana do sculo XiX, os proponentes de
tais crenas inspiraram o surgimento daquilo que Carr denominou o
mito da harmonia de interesses. Este gerou a premissa de que todas
as naes tm idntico interesse em manter a paz, e que qualquer nao
que deseje perturbar essa paz , portanto, irracional e imoral26. O
conflito internacional concebido como ilusrio, pois o interesse
comum une os lados em disputa e, para evit-lo, basta destacar essa
harmonia essencial. Ao observar a influncia desse pensamento em
nosso prprio tempo, Adda Bozeman advertiu sobre o erro de deixar de
considerar a pluralidade de quadros de referncia que caracteriza a
poltica internacional27. O nivelamento resoluto, afirma, levou aos
poucos convico geral de que na realidade no h outros e que a
inimizade, a hostilidade e os equvocos so fenmenos temporrios,
sempre sujeitos a um acordo ou a algum tipo de arranjo28. uma
grande estratgia que presuma que ningum deseja a guerra e que todo
mundo est satisfeito com o status quo, ou que a ele pode se
conformar por meios diplomticos (por concesses e negociaes ou
recorrendo s leis internacionais), deixa o pas vulnervel a qualquer
governo que discorde dessa crena.
A busca da eficcia exige que pressuposies profundamente
arraigadas, como as identificadas por Carr e Bozeman, sejam
reconhecidas e analisadas com critrio. Proceder assim ser cada vez
mais importante, medida que a ordem global
Premissas erradas representam um significativo impedimento na
busca dos objetivos estratgicos.
(definida por valores fundamentais, conceituao poltica e
instituies internacionais) que baseada, em grande parte, em ideais
dos pases ocidentais seja desafiada de forma crescente pelo mundo
no ocidental. sobre isso, o filsofo Charles taylor escreveu:
O grande desafio do sculo vindouro, tanto para a poltica como
para a cincia social, ser compreender o outro. J se foram os dias
em que os europeus e outros ocidentais podiam considerar sua
experincia e cultura como a norma para a qual toda a humanidade
estava direcionada, de modo que o outro pudesse ser visto como
algum experimentando um estgio anterior do mesmo caminho que
havamos trilhado.
Agora sentimos, alerta ele, a total presuno existente na ideia
de que j possuamos a chave para entender as demais culturas e
normas29. Como culturas tradicionais vm passando por uma fase de
forte reafirmao, em todo o mundo, a suposio das elites ocidentais,
de que essas diferenas primordiais no tm sentido poltico, pode nos
desencaminhar de modo perigoso.
Desde o 11 de setembro, temos testemunhado a inabilidade na
busca pela compreenso desse desafio. As autoridades pblicas na
Europa e nos Estados unidos tm, por exemplo, afirmado que os
terroristas inspirados no jihad no entendem a religio que alegam
servir. Alguns negam totalmente o papel da religio no jihadismo e,
em vez disso, oferecem uma explicao baseada no entendimento do
indivduo pelo prisma secularmaterialista (socioeconmico) do
Ocidente. Ainda assim, argumentos como esses levam pergunta: por
que algum presumiria que pessoas imersas em um ambiente cultural to
diferente iriam definir seus objetivos de vida (e o martrio,
paradoxalmente, um objetivo de vida) utilizando-se essencialmente
de ideais ocidentais? Essa imposio de um quadro de referncia
implcito distorce a realidade do povo que ele pretende entender.
razovel presumir que a Al Qaeda e aqueles que apoiam suas aes no
compartilhem a interpretao liberal que o Ocidental faz sobre o que
e o que no aceitvel segundo os princpios do isl.
P r emi s sa s e r r adas r ep re sen t am um significativo
impedimento na busca dos objetivos estratgicos. Elas no apenas
desorientam aqueles que so responsveis pelas decises com relao ao
contexto estratgico geral. tambm podem errar na definio dos
adversrios, de suas capacidades polticas e de suas intenes. O
resultado que os recursos, por vezes limitados, acabam mal
aplicados. na luta
Maro-Abril 2012 MILITARY REVIEW 12
-
Premissas e Grande estratGia
contnua contra o jihadismo, a descrena de que as motivaes do
adversrio so bem diferentes daquelas que predominaram nas
sociedades ocidentais j levou at mesmo inabilidade de entender quem
realmente o inimigo. tais erros geraram uma vulnerabilidade
estratgica. no ambiente ps-11 de setembro, a relutncia das
autoridades pblicas em reavaliar tais crenas tem ajudado os
oponentes do Ocidente, permitindo-lhes refinar as premissas que
influenciam seu prprio processo de formulao de estratgia.
Concluso A estratgia e, como este artigo explanou, a
grande estratgia, sero sempre elaboradas em ambientes altamente
complexos, multifacetados e extremamente dinmicos. O controle dos
eventos , com frequncia, algo ilusrio30. E, admitindo que qualquer
sucesso depende, em grande medida, das aes do adversrio, ela
precisa ser passvel de receber adaptaes.
Certa feita, Bismark observou que [o] estadista como algum que
caminha na floresta, que sabe em que direo est andando, mas no em
que ponto sair da mata31. no necessria grande sabedoria para
perceber que, sob tais condies, as premissas so inevitveis. Elas
nos ajudam a mapear uma linha de ao e, embora possam assumir uma
variedade de formas, sua capacidade de nos fornecer discernimento
que determina seu valor. isso ainda mais verdadeiro no campo de
batalha, mas tambm vlido para a grande estratgia. no ltimo pargrafo
de seu artigo, Hammes escreve que, [e]m resumo, como demonstrado
amplamente nos recentes conflitos, uma premissa incorreta pode
invalidar um planejamento por completo. uma srie de premissas
incorretas pode levar ao fracasso estratgico. Elas tm a
possibilidade de ser, como afirma o artigo, um descuido fatal. Ante
todos esses riscos, devemos levar realmente a srio a advertncia de
que precisamos prestar mais ateno s premissas.MR
RefeRncias
1. united Kingdom, Press Conference with President Karzai, 7
December 2010, Number10 The Official Site of the Prime Ministers
Office, December 8, 2010. Disponvel em:
http://www.number10gov.uk/news/speeches-andtranscripts/2010/12/press-conference-with-president-karzai-57937.
Acesso em: 18 abr. 2011.
2. HAmmEs, t. X. Assumptions A Fatal Oversight, Infinity
Journal, issue 1 (Winter 2010): p. 4-6.
3. PArKEr, Geoffrey. The Grand Strategy of Philip II (new Haven:
Yale university Press, 1998), p. 1.
4. united Kingdom, imperial Defence Policy; Annual review for
1932 by the Chiefs of staff sub-Committee, The National Archives,
Committee of Imperial Defence (CID) 1082-B, Feb. 1932.
5. BELL, Christopher M. Winston Churchill, Pacific Security and
the Limits of British Power, 1921-41, in Churchill and Strategic
Dilemmas Before the World Wars: Essays in Honor of Michael I.
Handel (British Foreign & Colonial Pol), ed. John H. maurer
(London: routledge, 2003), p. 62.
6. FErris, John robert. Men, Money and Diplomacy: The Evolution
of British Strategic Foreign Policy, 1919-1926 (Cornell studies in
security Affairs) (ithaca, nY: Cornell university Press, 1989), p.
171-173.
7. united Kingdom, imperial Defence Policy, The National
Archives, CP 264 (33), 10 nov. 1933.
8. united Kingdom, three Questions of imperial Defence related
to Anglo-American relations, The National Archives, CP 368 (28), 27
nov. 1928.
9. ibid. 10. Citado em OWEn, John m. How Liberalism Produces
Democratic
Peace, in Debating the Democratic Peace, ed. michael E. Brown,
sean m. Lynn-Jones, e steven E. miller (Cambridge, mA: the m.i.t.
Press, 1996), p. 146-147.
11. ALLisOn, Graham; ZELiKOW, Philip. Essence of Decision:
Explaining the Cuban Missile Crisis, 2nd ed. (London:
Addison-Wesley, 1999), p. 256.
12. ibid., p. 258. 13. GADDis, John Lewis. Strategies of
Containment: A Critical Appraisal
of Postwar American National Security Policy (Oxford: Oxford
university Press, 1982), p. 90-95.
14. LEWis, Julian. Changing Direction; British Military Planning
for Postwar Strategic Defence, 1942-1947, 2nd ed. (London:
routledge, 2008), p. 131.
15. united Kingdom, Comment by William Cavendish-Bentinck, The
National Archives FO 371/40741A, 31 jul. 1944, in security in
Western Europe
and the n. Atlantic; Attached paper giving the comments of the
Chiefs of staff on PHP memorandum, 29 Jul. 1944.
16. ibid., minute por Frank roberts, 31 Jul. 1944. 17. rOtHWELL,
victor. Britain and the Cold War, 1941-1947 (London:
Jonathon Cape, 1982), p. 123. 18. Hunt, Lynn. Politics, Culture,
and Class in the French Revolution
(Berkeley: university of California Press, 1984), p. 10. 19.
GrAY, Colin. Comparative strategic Culture, Parameters 14, no.
4
(Winter 1984): p. 26. Disponvel em:
http://www.carlisle.army.mil/usAWC/
Parameters/Articles/1984/1984%20gray.pdf. Acesso em: 20 jul.
2006.
20. LEGrO, Jeffrey W. Rethinking the World: Great Power
Strategies and International Order (ithaca, nY: Cornell university
Press, 2005), p. 8.
21. GrAY, Colin. Out of the Wilderness: Prime time for strategic
Culture, Comparative Strategy 26, no. 1 (January-February 2007): p.
5.
22. HArnisCH, sebastian; WOLF, raimund. Germany; the Continuity
of Change, in National Security Cultures: Patterns of Global
Governance, ed. Emil Kirchner e James sperling (London: routledge,
2010), p. 43.
23. nEiLsOn, Keith; OttE, thomas G. The Permanent
Under-Secretary of Foreign Affairs, 1854-1946 (London: routledge,
2009), p. 121.
24. united Kingdom, Hm Government, Apresentado ao Parlamento
pelo Primeiro-ministro, sob Ordens de sua majestade, A Strong
Britain in an Age of Uncertainty: The National Security Strategy
(October 2010), p. 10.
25. CLAusEWitZ, Carl von. On War, ed. e trad. por michael Howard
e Peter Paret (Princeton, nJ: Princeton university Press, 1976), p.
101.
26. CArr, Edward Hallett. The Twenty Years Crisis, 1919-1939
(London: macmillan, 1946), p. 51.
27. BOZEmAn, Adda B. Strategic Intelligence and Statecraft:
Selected Essays (new York: Brasseys, 1992), p. 29.
28. ibid., p. 14. 29. tAYLOr, Charles. Gadamer on the Human
sciences in The Cambridge
Companion to Gadamer, ed. robert J. Dostal (Cambridge, uK:
Cambridge university Press, 2002), p. 126.
30. KrEPinEviCH, Andrew F. e WAtts, Barry D. Regaining Strategic
Competence (Washington, DC: Center for strategic and Budgetary
Assessments, 2009), p. 17.
31. GALL, Lothar. Bismarck, the White Revolutionary; Volume One,
18151871 (London: unwin Allan, 1986), p. 92.
MILITARY REVIEW Maro-Abril 2012 13
-
um Ambiente com Limitao de recursos: um Guia para Pensar sobre
mudanas na
Estrutura da Fora major Jeremy Gray, Exrcito dos EuA, e rickey
smith
Devo dizer-lhes que, quando se trata de prever a natureza e o
local dos nossos prximos engajamentos militares, desde o Vietn,
nosso desempenho tem sido perfeito. No acertamos nem uma vez
sequer, desde Mayaguez, passando por Granada, Panam, Somlia, Blcs,
Haiti, Kuwait, Iraque e outros um ano antes de qualquer uma dessas
misses no tnhamos a menor ideia de que estaramos to engajados.
secretrio de Defesa robert Gates, 25 Fev 11
No passado, tal como ocorreu aps a Guerra do Vietn, nosso
governo aplicou cortes que atingiram todo o oramento da Defesa,
resultando em uma Fora insuficiente e inadequadamente provida de
recursos quando confrontada com as suas misses e responsabilidades.
Historicamente, esse processo tem levado a resultados que
enfraquecem nossa segurana nacional, em vez de fortalec-la e que,
no final, acabaram custando mais nossa nao, quando ela precisou
rearmar-se rapidamente para enfrentar novas ameaas. Estou
determinado a no repetir os erros do passado.
secretrio de Defesa Leon Panetta, 03 Ago 11
a PArtir DO FinAL de 2011 e do incio de 2012 muitas mudanas
estaro ocorrendo no Exrcito, por conta de O Major Jeremy Gray
estrategista no Destacamento Avanado do Centro de Integrao de
Capacidades do Exrcito em Arlington, Virgnia. Ele serviu em vrias
funes ligadas ao planejamento e formulao de polticas noEstado-Maior
Conjunto, no Departamento do Exrcito e em apoio s Operaes Enduring
Freedom e unified response. Ele mestre em Administrao de Projetos
pela Georgetown University e mestre em Inteligncia Estratgica pela
National Defense Intelligence College.
dois itens inter-relacionados: os resultados da reviso da
Estratgia de Defesa dirigida pelo Presidente Obama1 e o incio da
entrada em vigor dos significativos cortes oramentrios no
Departamento de Defesa2. O secretrio Panetta declarou que, no
passado, nosso governo aplicou cortes que atingiram todo o oramento
da Defesa, resultando em uma Fora insuficiente e inadequadamente
provida de recursos quando confrontada com as suas misses... Estou
determinado a no repetir os erros do passado3. A declarao do
secretrio pode servir tanto como uma chamada ao, como pode ser
vista como um prenncio da runa. As redues oramentrias provavelmente
atingiro mais o Exrcito do que as outras Foras singulares, em funo
da j anunciada reduo do oramento-base da Fora e da verba destinada
s Operaes de Contingncia no Exterior.
O mais bvio alvo de cortes dentro do oramento do Exrcito est na
estrutura da Fora. Os custos dessa estrutura geram grandes obrigaes
oramentrias e, portanto, proporcionam uma forma rpida de reduzir
gastos de longo prazo. Contudo, a j anunciada reduo no efetivo
total tambm proporciona uma oportunidade de transformar o Exrcito
de modo que ele possa cumprir as exigncias de sua misso a custos
menores. Ou seja, o Exrcito precisar tomar
Rickey Smith o Diretor do Destacamento Avanado do Centro de
Integrao de Capacidades do Exrcito em Arlington, Virgnia. Ele foi o
Chefe do Estado-Maior da Fora-Tarefa Responsvel pelos Estudos para
a Modularidade do Exrcito, trabalho que levou mais completa
reorganizao das Foras combatentes do Exrcito desde a Segunda Guerra
Mundial. O Sr. Smith bacharel em Administrao de Empresas pela
Middle Tennessee State University, mestre em Administrao de
Empresas pela Tennessee Technological University e Mestre em
Estratgia de Segurana Nacional pela National Defense
University.
Maro-Abril 2012 MILITARY REVIEW 14
-
Uma guarnio de lana-rojes, na Batalha de Osan.
Ex
rcito
dos
EU
A
decises sobre a estrutura da Fora que sejam fundamentadas por
avaliaes de custo-benefcio. Essas avaliaes dos requisitos futuros
iro exigir que sejam assumidas hipteses, as quais podem levar ao
aumento do risco. Por essa razo, uma contnua anlise dessas hipteses
e dos riscos deve apoiar as decises tomadas a caminho de uma Fora
de melhor valor. se isso no for feito, haver aumento da
probabilidade de que se organize uma Fora insuficiente e, o pior de
tudo, inadequada para o ambiente de segurana enfrentado. uma
abordagem disciplinada, objetiva e baseada em fatos um quadro lgico
deve influenciar continuamente as decises que afetam as opes sobre
a organizao e o tamanho da Fora terrestre.
H vrios aspectos que devemos considerar quando pensamos sobre
estrutura da Fora. Primeiro, as projees sobre quais conjuntos de
misses que a Fora precisar cumprir. segundo, as premissas sobre os
recursos que estaro disponveis ao longo dos anos para desenvolver
uma Fora capaz de cumprir o conjunto de misses que se visualiza.
terceiro, as caractersticas relacionadas organizao de meios e
combinao de capacidades, no projeto de Fora. Esses aspectos no so
variveis binrias, mas escalas mveis que, juntas, proporcionam um
quadro descritivo
estrUtUra da FOra
da melhor estrutura possvel para que a Fora possa cumprir as
misses visualizadas dentro das limitaes impostas pelos recursos
disponveis. na busca por essa estrutura, os necessrios ajustes
terminam por criar brechas entre as misses do Exrcito e os recursos
que esto disponveis. Os responsveis pelo planejamento da Fora
identificam, ento, os riscos impostos por essas brechas e
consideram formas de mitiglos. Portanto, a identificao de riscos e
as estratgias de mitigao a eles associadas compem o quarto aspecto
a considerar quanto tratamos de estrutura da Fora. Finalmente, h
crenas comuns que podem confundir o desenvolvimento
e a avaliao crtica das solues propostas para a estrutura da
Fora, e se faz importante abordar esses fatores.
O Propsito da Estrutura daFora
O que a Fora deve ser capaz de fazer? Essa a principal pergunta
para quem trabalha no desenvolvimento da Fora, e cuja formulao
enseja uma resposta bem simples para a poltica de Defesa. O
discernimento das expectativas atuais, no entanto, no to bvio. As
exigncias impostas pela programao oramentria do Congresso
provavelmente iro obrigar o Exrcito a planejar a Fora do futuro sem
que haja uma expectativa publicamente declarada e politicamente
aceita sobre a capacidade que o Exrcito deve ter. Com as questes
sobre a reeleio tomando vulto neste ano fiscal de 2012, a incerteza
tende a aumentar.
na ausncia de clareza de propsito, os recursos disponveis iro
exercer peso desproporcional sobre as decises tomadas, aumentando,
assim, a distncia entre os fins e os meios na estratgia de segurana
nacional. Embora ainda estejam indefinidos, os parmetros
oramentrios definitivos iro provavelmente surgir antes das definies
do Departamento de Defesa (DOD, na sigla em ingls) sobre aquilo que
se espera do
MILITARY REVIEW Maro-Abril 2012 15
-
Exrcito. Em face dessa situao, as discusses sobre a estrutura da
Fora iro se concentrar na parte da equao que est relacionada aos
meios, guiada por uma interpretao dos fins presumidos pelo DOD,
entendidos como vlidos. O ex-secretrio da marinha, sean OKeefe,
reitera esse ponto: [s]e no h um enquadramento estratgico... [o]
processo assume o controle... [s]ero os programadores e os
contadores de centavos que iro conduzir o trem para chegar a um
nmero4. seria, basicamente, uma transio de uma estratgia
influenciada pelos recursos para uma estratgia determinada pelos
recursos.
Efeito dos Recursos Disponveistendo menos espao para lidar com
uma
variedade maior de futuros, uma estratgia determinada pelos
recursos requer maior dependncia de preciso nas previses sobre o
futuro. Contudo, como disse o ex-secretrio de Defesa em sua
palestra na Academia militar dos EuA, quando se trata de prever a
natureza e o local de nossos prximos engajamentos militares, desde
o vietn, nosso desempenho tem sido perfeito. no acertamos nem uma
vez sequer5. Portanto, a adaptabilidade a capacidade de lidar com
as diferenas que se apresentem com relao ao futuro que ns previmos
torna-se uma estratgia para diminuir os riscos quando tratamos da
estrutura de Fora futura. De modo ideal, um oramento mais
controlado deveria induzir a decises no sentido de uma Fora
flexvel. no entanto, talvez contrariando a intuio natural, possvel
que a Fora se torne mais especializada para cumprir um limitado
conjunto de misses especficas com maior eficincia.
uma Fora adaptvel exige uma medida de liquidez. Em uma Fora
extremamente enxuta, as unidades iro refletir uma abordagem voltada
para maior especializao por definio ou de facto , o que limita a
possibilidade de haver uma estratgia de mitigao de riscos ante
futuros alternativos, alm de aumentar os efeitos potencialmente
adversos, caso estejam organizadas de modo inadequado. Ou seja,
oramentos mais controlados devem induzir uma aposta em uma
estrutura de Fora futura que inclua de tudo um pouco, a no ser que
haja mecanismos de mitigao de riscos embutidos na sua estrutura. O
compromisso com um equilbrio
aceitvel entre a adaptabilidade e a especificidade deve ser a
base das decises de estrutura da Fora.
Aspectos da Estrutura da ForaA ao de determinar a estrutura da
Fora
anloga de tentar construir um avio em pleno voo. H aspectos
fsicos a serem levados em considerao para garantir o voo efetivo:
sustentao, empuxo, gravidade e arrasto. A gravidade o fator
limitador constante, enquanto se manipulam os outros trs, para
super-la. A partir da manipulao desses aspectos, surgir o projeto
do avio que ir atender s necessidades do construtor.
na estruturao da Fora, o desafio est na necessidade contnua de
decises para satisfazer as exigncias mutveis e os recursos
variveis, enquanto a Fora evolui ao longo do tempo. A evoluo da
Fora uma reao contnua reavaliao das premissas sobre o futuro e da
reao a elas. As misses j conhecidas, as novas misses que surgem e a
disponibilidade varivel de recursos iro afetar a mudana. reagindo a
isso, a manipulao ao longo do tempo afeta a evoluo da estrutura da
Fora em quatro aspectos:
Alinhamento geogrfico. Densidade. Organizao. modelo de prontido
da Fora. Cada aspecto representa uma escala mvel. O
alinhamento geogrfico diz respeito ao equilbrio entre os
alinhamentos mundial e regional. A densidade se refere ao equilbrio
entre os efetivos orgnicos e da reserva. A organizao se refere ao
equilbrio entre tropas especializadas e de emprego geral. O modelo
de prontido da Fora um equilbrio entre a prontido por ciclos e a
prontido por diferentes nveis de aprestamento. Esses aspectos nos
proporcionam excelentes pontos de ajuste quando trabalhamos com a
estrutura de Fora no Exrcito.
Alinhamento Geogrfico:Equilbrios Mundial e RegionalO equilbrio
entre tropas disponveis para atuar
em qualquer parte do globo e tropas concentradas em teatros
regionais ou a eles alocadas reflete a adaptabilidade da Fora para
a diminuio de riscos e sua especificidade para atender s
contingncias esperadas.
Maro-Abril 2012 MILITARY REVIEW 16
-
estrUtUra da FOra
O primeiro tipo de tropa proporciona flexibilidade para reagir a
crises em todo o globo, custa da percia regional. Foras globais
preparam-se para executar misses em qualquer ambiente e esto
prontas para serem incorporadas nos diversos planos de contingncia
regionais. Como tal, elas carecem de percia para misses em um
ambiente cultural ou geogrfico especfico de dada regio. no entanto,
proporcionam reduo do risco contra a incerteza sobre os futuros
locais onde ocorrero as misses.
O alinhamento regional permite que as unidades concentrem-se nos
desafios culturais e geogrficos dentro de uma rea. Essas Foras
treinam e esto concentradas nos planos de contingncia dentro de sua
regio especfica. tropas alinhadas regionalmente tm maior
probabilidade de desenvolver relacionamento com as naes parceiras,
devido aos repetidos engajamentos em apoio ao plano de campanha do
teatro de operaes preparado pelo respectivo Comandante Combatente.
Ao mesmo tempo em que possuem esse nvel de percia para dada regio,
as tropas com alinhamento regional deixam de ter a prontido
necessria para cumprir misses fora dela. uma mistura de Foras
globais e regionais pode mitigar algumas das deficincias
identificadas em cada um dos dois tipos.
Densidade: Equilbrio entre
Meios Orgnicos e Meios
Mantidos Centralizados
O equilbrio entre a quantidade de tropas orgnicas e a manuteno
de unidades centralizadas, para agirem como reforo, reflete o
escalo mais adequado ao que se concede autonomia operacional ou
seja, o menor escalo capaz de executar operaes independentes. Por
exemplo, em 2003 o Exrcito tomou a deciso de proporcionar autonomia
operacional s brigadas de combate (BCt, na sigla em ingls), em vez
de restringi-la ao escalo Diviso. Essa deciso fez com que alguns
elementos de apoio antes orgnicos das Divises passassem s BCt,
enquanto os demais foram reunidos em um pool de unidades para que
fossem empregados mais eficientemente por todo o Exrcito, a partir
da organizao por tarefas. O ponto de equilbrio entre meios orgnicos
e aqueles em condies de reforar foi deslocado da Diviso
Brigada.
O conjunto de misses que se espera cumprir determinar o
equilbrio ideal. uma analogia semelhante quela que se atribui ao
General Peter schoomaker, ento Chefe de Estadomaior do Exrcito,
ilustra este ponto. imagine as Divises orgnicas como notas de us$
100, BCts modulares com notas de us$ 20 e as tropas que podem ser
colocadas em reforo como valores de um centavo a us$ 10. Com um
equilbrio apropriado entre meios orgnicos e em reforo, o Exrcito
pode prover recursos conta do Comando Combatente com o troco
praticamente exato. na estrutura antiga, com a Diviso como base,
todas as quantidades devidas eram pagas em notas de us$ 100 e o
troco tornava-se difcil de utilizar. Com a BCt modular, ainda
existem problemas com troco, mas h menos margem para desperdcios. A
tabela proporciona uma perspectiva histrica da mudana de densidade
do Exrcito ao longo do tempo, com vistas a cumprir o conjunto de
misses que se visualizava.
Organizao: Equilbrio entre
Tropas Especializadas e de
Emprego Geral
Em geral, quanto mais especfica for a definio
da organizao a adotar por uma Fora, menor ser a flexibilidade de
suas formaes. Foras especializadas so planejadas para cumprirem
conjuntos de misses especficos. Elas cumprem essas tarefas efetiva
e eficientemente. Em misses que no pertenam a esses conjuntos, sua
eficincia e efetividade diminuem significativamente, situao que se
agrava na mesma proporo com que a nova finalidade se afasta do
propsito para o qual a tropa foi idealizada. Como exemplos, um
batalho de assuntos civis e uma equipe de purificao de gua teriam
muita dificuldade em cumprir misses fora daquilo para o qual sua
estrutura foi planejada. Algumas unidades so mais especializadas do
que outras. Quanto mais especializada ou exclusiva for a organizao
de uma unidade, menos flexvel ser seu conjunto de misses.
As unidades de emprego geral so planejadas para proporcionar uma
soluo aceitvel para circunstncias no previstas. Espera-se que essas
tropas sejam capazes de se adaptarem com mais facilidade durante o
desenvolvimento da misso em campanha ou por meio de treinamento,
caso
MILITARY REVIEW Maro-Abril 2012 17
-
Cronologia Estrutura da Fora
Histrico Consideraes
1776 a 1917
Bas
eada
no
esca
lo
Reg
imen
to
De 1776 a 1917; os regimentos eram as maiores unidades
permanentes no Exrcito regular dos EUA
Com exceo dos grandes conflitos, como a Guerra Civil, o propsito
principal era garantir a expanso dos Estados Unidos, seus
territrios e protetorados, rumo ao Oeste .
Departamentos Geogrficos representavam a estrutura de comando
acima dos regimentos, em tempos em paz. Operaes dispersas, de
pequena escala, eram a norma.
Divises, Corpos de Exrcito e Exrcitos caracterizavam a estrutura
de comando em tempos de guerra no nvel operacional guerras de
grande escala eram consideradas exceo.
Guerra Civil Os Estados organizavam regimentos de milcia/
voluntrios, e o governo federal fornecia a estrutura de comando que
os centralizava.
Guerra Hispano-Americana
Grandes campanhas militares eram consideradas a exceo e no a
regra.
Ps-Primeira Guerra Mundial
Bas
eada
no
esca
lo
Div
iso
Sendo uma potncia mundial, os EUA se organizaram para futuras
guerras, como sua atribuio normativa primordial.
Propsito Principal: Evitar outra guerra mundial e, caso isso no
fosse possvel, estar preparado para uma guerra de escala global.
Presumiu-se que, estando preparadas para guerras de grande escala,
as Foras poderiam enfrentar contingncias menores com facilidade.
Manter a excelncia na Europa e na Coreia exigia muito investimento
em pessoal e grande poro do efetivo empenhado em rotaes,
treinamento e outras situaes que retiravam militares da
disponibilidade de emprego. Muitas unidades do Teatro de Operaes e
do Componente da Reserva estavam nos nveis de prontido mais baixos
(em pessoal e em equipamento) e no se tornavam prontas para emprego
sem que houvesse muito tempo e recursos investidos. Divises
permanentes tinham dificuldade em controlar e/ou apoiar unidades de
manobra adicionais sem que fossem reforadas em seu efetivo,
particularmente quando essas no eram de capacidades similares (por
exemplo, uma Diviso de Infantaria Leve que recebesse uma Brigada
Blindada). Divises permanentes eram organizadas permanentemente
para satisfazer as demandas em operaes de combate de grande escala
(dotao orgnica de artilharia de apoio direto, defesa qumica, etc.).
Divises permanentes ainda eram dependentes de meios no orgnicos
encontrados no escalo Corpo de Exrcito ou superiores (evacuao
aeromdica, CH-47s, Msseis Patriot, remoo de engenhos falhados,
etc.). Comandos de Apoio de Diviso (DISCOM) otimizados apenas para
apoiar Grupos de Apoio de Corpo de Exrcito (CSG) de Diviso.
Comandos de Apoio de Corpo de Exrcito (COSCOM) otimizados para
apoio de corpos de exrcito,Grupos de Apoio por rea (ASG). Comandos
de Apoio de Teatro (TSCs) otimizados apenas para apoio do Teatro.
Estruturas de apoio para Escales Superiores Diviso (EAD) comearam a
se tornar modulares nos anos 90. Havia 17 diferentes tipos de
brigada de manobra por todo o Exrcito (Regimento de Cavalaria
Blindado - Leve, Brigada de Apoio de Engenharia, etc.), sem contar
o Regimento de Rangers. A maioria das necessidades de tropas
recebidas pelo Exrcito, especialmente no ps-Vietn, era relacionada
ao escalo brigada, mas era proporcionada por Divises, incluindo os
rodzios de unidades na Bsnia e no Kosovo.
1917-2004 O Exrcito foi organizado com base no escalo Diviso de
1917 a 2004. Segunda Guerra
Mundial Mais de 55 Equipes de Combate Regimental foram
empregadas na Segunda Guerra Mundial.
Coreia 4 Equipes de Combate Regimental foram empregadas durante
a Guerra da Coreia.
Vietn
7 brigadas independentes foram empregadas no Vietn, com certa
flexibilidade. Em 1968, trs delas foram combinadas para constituir
a Diviso Americal.
Granada Operaes em Granada e no Panam e at mesmo a Desert Storm
expuseram as limitaes das Divises permanentes e as vantagens das
Brigadas.
Panam
Desert Storm
Final da Guerra Fria
J no final da Guerra Fria, entre 1990 e 2003, a maioria dos
exrcitos do Ocidente e at a Rssia havia convertido suas estruturas
baseadas nas Divises permanentes para estruturas baseadas na
Brigada.
1991-1995
Tendo de enfrentar as profundas redues no efetivo total, o Gen
Sullivan escolheu manter 10 Divises do Exrcito Regular custa de
todas as brigadas independentes, organizando 7 Divises com apenas
duas brigadas na mesma sede e uma brigada fisicamente separada, sem
sua parcela de tropas divisionrias.
2004 at hoje
Bas
eada
na
Brig
ada
Mod
ular
Foram implantadas as recomendaes relativas Modularidade de
Fora-Tarefa, a partir de 2004, para aumentar a flexibilidade, a
agilidade e para proporcionar uma estrutura intercambivel ao
Exrcito Operacional. As iniciativas Crescer o Exrcito e Gerao de
Foras do Exrcito (ARFORGEN) surgiram no mesmo perodo.
Objetivo principal: possibilitar um fluxo constante de Foras
prontas para emprego em operaes de longa durao, dentro de uma
poltica de revezamento entre unidades. A prontido por ciclos e a
modularidade eliminaram o escalonamento por nveis de aprestamento
aqueles que tm e aqueles que no tm passaram a ser aqueles que tm e
aqueles que tero. A prontido por ciclos e o rodzio de unidades
reduzem o efetivo de no prontos para emprego. A estrutura de apoio
modular vlida para qualquer escalo, fornecendo apoio sob medida. As
grandes unidades equivalentes brigada so adaptadas s situaes
operacionais especficas para atender aos objetivos estratgicos, com
menor comprometimento de pessoal. A fatia de brigada no teatro de
operaes (aproximadamente 10.000) menor do que a fatia de Diviso
anterior (aproximadamente 45.000, com trs brigadas de manobra). A
composio de uma Fora de combate pode ser feita de acordo com as
tarefas (ou seja, brigadas pesadas, leves ou Stryker), e esta pode
ser colocada sob qualquer quartel-general de Diviso ou Corpo de
Exrcito. Todas as unidades do Exrcito (dos Componentes da Ativa e
da Reserva) contam com alta prioridade durante algum tempo, em um
ciclo de revezamento.
A variao do Exrcito em densidade ao longo do tempo, com vistas a
atender s misses que se visualizava.
18 Maro-Abril 2012 MILITARY REVIEW
-
estrUtUra da FOra
lhes seja dado tempo suficiente. Elas proporcionam uma Fora
adaptvel que pode minimizar o risco contra a incerteza. Alm disso,
com o devido treinamento e apoio, a tropa de emprego geral pode
prover uma capacidade ampliada que no existe nas unidades
especializadas. uma unidade menos especializada e mais voltada ao
emprego geral, como um batalho de artilharia de campanha, pode se
adaptar rapidamente a novos conjuntos de misso, como no caso da
segurana de comboio realizada no iraque. A efetividade de uma Fora
de emprego geral no cumprimento de novas misses reflete tanto o
tempo que lhe foi concedido para se adestrar como o tempo que vem
executando a nova misso.
O Modelo de Prontido da Fora:
Equilbrio entre Prontido por
Ciclos e Prontido por Nveis de
Aprestamento
Os modelos de prontido da Fora so metodologias para administrar
riscos por meio da definio de como os recursos
serodisponibilizados. preciso considerar o equilbrio entre os dois
modelos na estrutura da Fora para que se obtenha o melhor valor
dentro de um risco aceitvel. A prontido por nveis de aprestamento
se refere atribuio de uma hierarquia de prioridades certas unidades
tm os recursos para manter o nvel de prontido mais alto enquanto
outras recebem recursos conforme determinado para o nvel de
prontido a que pertencem. As unidades de maior prioridade so
empregadas com mais frequncia e tm menos tempo para se preparar. se
a contingncia exigir mais do que as unidades de pronto emprego, ser
agilizado o fornecimento de recursos s unidades das prioridades
seguintes, de modo a que seja criado um fluxo estvel de tropas para
reforar as unidades j empregadas e atender s necessidades do
Comando Combatente.
no passado, o Componente da reserva do Exrcito agia
principalmente como uma reserva estratgica, sendo mantido nos nveis
de prontido mais baixos. A abordagem por nveis de aprestamento o
mtodo de prontido mais eficiente nas situaes em que as exigncias
raramente excedem a capacidade da tropa de pronto emprego. nessa
situao, no entanto, essencial que haja significativa capacidade
para uma mobilizao no planejada, de modo a aumentar o
aprestamento das unidades nos nveis mais baixos (quando a procura
excede a oferta de tropas de pronto emprego). Para que a rpida
mobilizao seja possvel, necessrio que haja investimentos em tempos
de paz em um sistema para o rpido recrutamento de pessoal, em
instalaes para o adestramento e nas capacidades de aumento da
produo industrial.
A anlise de custo-benefcio de um sistema de prontido que assume
que haver uma significativa mobilizao em caso de necessidade
precisa incluir os custos de manuteno da infraestrutura
correspondente, capaz de satisfazer os prazos envolvidos. no mnimo,
a anlise deve reconhecer o risco, em termos de probabilidade de
ocorrncia e possveis consequncias, de no serem feitos ou mantidos
os investimentos no sistema de mobilizao.
A prontido por ciclos se refere a manter o nvel mais alto de
prontido em toda a Fora, com as unidades separadas em grupos de
prontido por prazos preestabelecidos. A unidade que estiver
designada para emprego ou para responder a uma contingncia tem a
prioridade de recursos. uma vez terminado o desdobramento ou o
prazo prescrito para essa unidade, ela retorna ao menor nvel de
prontido de fornecimento de recursos. Ao longo do tempo, a prontido
e a quantidade de recursos da unidade aumentaro progressivamente
antes mesmo do prximo perodo de prioridade ou antes do prximo
desdobramento. O Componente da reserva do Exrcito tambm pode
funcionar com um ciclo de prontido desse tipo, mais prolongado, mas
complementar ao da Fora do Componente da Ativa. Quanto mais alta
for a exigncia de meios da Fora, mais rapidamente as unidades se
revezaro pelo ciclo.
A abordagem por ciclos a mais efetiva quando se pretende
estabilidade no fornecimento de tropas para atender s contingncias
de durao indefinida, quando se faz necessrio o revezamento de
unidades (em vez do rodzio de indivduos). Contudo, esse mtodo se
transforma em um inadequado emprego de recursos caso as tropas que
estejam no perodo de prontido mxima no sejam empregadas. Analisando
a partir da perspectiva de custo-benefcio, preciso que o benefcio
considere o compromisso com a misso atual, bem como a misso de
prevenir e deter.
MILITARY REVIEW Maro-Abril 2012 19
-
As Consideraes da Fora Total Quando se discute a estrutura da
Fora,
normal que o foco seja mantido sobre a Fora operacional do
Componente da Ativa. nos ambientes fiscal e operacional que se
antev, preciso que todo o Exrcito seja considerado. Considerar o
todo da Fora inclui no apenas os Componentes da Ativa e da reserva
do Exrcito, mas tambm um pensamento holstico que inclua as Foras
operacional e geradora como sendo uma s por toda a gama de misses.
um Exrcito menor, com recursos limitados, precisar se valer de
todos os meios para satisfazer s exigncias das misses que receber.
todos os esforos iro exigir cada vez mais sincronizao com solues
desatreladas da percepo tradicional sobre os papis desempenhados.
Ao repensarem a Fora total, os decisores precisaro considerar as
seguintes realidades:
Foras determinadas por requisitos legais e por acordos,
incluindo os efetivos alocados aos teatros de operaes.
O apoio do Exrcito a outras Foras singulares e outras exigncias
de carter conjunto, interagncias, intergovernamental ou
multinacional (resumido, em ingls, pela sigla JIIM), como, por
exemplo, prover proteo e apoio logstico, ou preparar o teatro de
operaes para futuras operaes JIIM.
uma Fora organizada com um misto de meios dos Componentes da
Ativa e da reserva.
Os aspectos polticos envolvidos em qualquer mudana que se faa na
estrutura das Foras do Componente da reserva.
requisitos de liquidez da Fora como, por exemplo, efetivos
alocados aos quartis-generais conjuntos e multinacionais ad hoc de
longo prazo; contabilizao do efetivo no pronto (o pessoal em
treinamento militar inicial ou movimentado para novas guarnies, os
baixados nos hospitais e os alunos dos diversos cursos) e dos
militares que no podem ser empregados em operaes; e a razo entre o
tempo de desdobramento em campanha e o tempo de permanncia em
sede.
Risco As decises sobre a estrutura da Fora devem
abordar o delta que existir entre esta e as misses que se pode
esperar, deixando claros os riscos a assumir. identificar, avaliar
e mitigar
riscos so tarefas fundamentais na estruturao da Fora. Em resumo:
uma explicao sobre os riscos assumidos deve instruir os
formuladores de polticas quanto s limitaes que a reviso na
estrutura da Fora ocasionar nas capacidades e habilidades. um
detalhamento desse risco ir moldar o apoio nas discusses polticas e
ajudar a determinar o ponto em que ele se torna inaceitvel o limite
ou a linha limtrofe da Fora singular para uma misso especfica. A
taxonomia utilizada para a elaborao da anlise de risco para o Chefe
do Estado-maior Conjunto proporciona uma abordagem simples para
caracterizar o risco segundo fatores nos campos operacional,
institucional, de desafios futuros e de administrao da Fora. Ela
aprimora a caracterizao dos riscos especificando suas
probabilidades e possveis efeitos. Destacar o risco associado s
opes para estruturar a Fora do Exrcito no quadro do Chefe da Junta
de Chefes de Estado-maior oferece um mtodo mais familiar aos
formuladores de polticas de Defesa, alm de ajudar a definir as
expectativas e a estabelecer a base para a contribuio da Fora
terrestre avaliao do Chefe da Junta, to logo a estrutura tenha sido
escolhida.
Crenas Comuns Agora precisamos abordar trs crenas comuns: A
estrutura da Fora influencia a eficincia
no treinamento e o quanto h de aconselhamento na relao entre os
comandantes superiores e os comandantes subordinados.
um aumento no efetivo das Foras de Operaes Especiais (FE) pode
mitigar as desvantagens de se ter uma Fora convencional menor.
A mobilizao sempre ser rpida. Os efeitos da estrutura da fora
no
aconselhamento e no treinamento. na cultura do Exrcito, muitos
veem a estrutura da Fora como uma forma de abordar temas
relacionados liderana e ao treinamento. Contudo, mudanas na
organizao da Fora no resolvem prontamente todos os desafios
relativos a essas duas reas. Os desafios de hoje talvez estejam
mais relacionados, por exemplo, ao intenso ritmo operacional e ao
plano de realinhamento de bases do que falta de um comandante de
Diviso para enquadrar
Maro-Abril 2012 MILITARY REVIEW 20
-
as brigadas. na verdade, mesmo na antiga estrutura da Fora,
centrada no escalo Diviso, mais de dois teros do Exrcito no estavam
subordinados a comandos de Diviso, sendo simplesmente organizados
por suas tarefas, em suas guarnies. A Fora no divisionria evoluiu
para uma organizao mais modular, nos anos 90. Pode-se argumentar
que os desafios relacionados atuao dos comandantes e ao treinamento
da tropa so maiores para as tropas enquadradas por comandos de
escales superiores brigada, porque as equipes, destacamentos e
companhias se desdobram rotineiramente sem obedecerem organizao por
tarefas tpica de seu aquartelamento-sede.
O aconselhamento executado pelos comandantes no existe
exclusivamente quando h relao de subordinao orgnica. O
desenvolvimento de comandantes uma responsabilidade inerente, que
deve existir entre todos os escales de comando e liderana, seja o
relacionamento baseado em uma situao de subordinao, de apoio direto
ou em uma organizao por tarefa. um bom relacionamento resultar
quando o comandante mentor e o comandante mais moderno buscarem e
fomentarem uma relao aberta, bidirecional e duradoura. O
aconselhamento se desenvolve frequentemente a partir de um rela
cionamento em que o desenvolvimento de lderes facili tado. De fato,
ter um mentor externo sua cadeia de comando tradicional que esteja
aberto discusso franca pode significar melhor padro de
aconselhamento aos comandantes mais modernos. nem a estrutura nem a
organizao da Fora proporcionam a varivel predominante para o
desenvolvimento de lderes ou para esse aconselhamento.
estrUtUra da FOra
Provavelmente, o ritmo operacional varivel (entendido como o
intervalo entre os desdobramentos operacionais consecutivos de um
militar ou de uma tropa n. do t.) impe desgastes a essas relaes
informais, da mesma forma como faz com os relacionamentos
familiares. Quando diminui o ritmo operacional, as unidades
organizadas por tarefas retomam muitas de suas atribuies orgnicas
nas guarnies, tanto as benficas quanto as prejudiciais.
H pouca diferena entre o treinamento de tropas orgnicas das
Divises e aquelas organizadas por tarefas nas guarnies, quando o
ritmo operacional diminui. Quanto maior for o tempo sob o qual a
tropa esteve submetida a uma organizao por tarefas, maiores sero os
reflexos sobre suas atribuies orgnicas. Pode-se argumentar,
contudo, que o constante revezamento de unidades permite melhor
acesso s instalaes de adestramento e ao material em um dado local.
se todas as unidades desdobradas pertencessem a um nico
aquartelamento, as exigncias de treinamento poderiam ultrapassar a
capacidade das instalaes locais.
Mais tropas de operaes especiais. A ideia de aumentar a
quantidade de tropas e unidades de FE para mitigar os efeitos
negativos da
O Subcomandante do 8o Exrcito dos Estados Unidos discursa em
nome do Gen Ex Walter Sharp, Comandante das Foras dos Estados
Unidos na Coreia, em uma cerimnia realizada em 10 Jul 08.
Ex
rcito
dos
EU
A
MILITARY REVIEW Maro-Abril 2012 21
-
reduo de efetivo da Fora convencional vlida, at certo ponto.
Para que essa afirmao esteja correta, ela precisa estar vinculada a
uma estratgia apropriada e deve considerar o mtodo para o
desenvolvimento de Foras de Operaes Especiais. Estas avaliam e
selecionam seus integrantes dentre os mais experientes da Fora
convencional. retirar candidatos de um efetivo relativamente grande
permite que seatribua maior foco qualidade. medida que a proporo
entre Foras convencionais e de FE diminua, pode haver queda da
qualidade desse pessoal. A recente expanso das tropas Especiais do
Exrcito um subsistema dentro da comunidade de Foras Especiais
iniciou um mtodo para aumentar o efetivo recrutando diretamente da
populao civil. Apesar de essa ser uma descrio simplista do
programa, fato que ele produz graduados de FE que no tm qualquer
experincia na Fora convencional alm da recebida no treinamento
militar inicial. Atualmente, os candidatos selecionados de modo
tradicional proporcionam um contrapeso a esse mtodo. Aumentar a
dependncia das Foras Especiais por esse tipo de seleo pode levar a
caminhos indesejados. uma das principais lies obtidas como
resultado dos conflitos atuais foi o fato de que ambas as
comunidades passaram a reconhecer a natureza mutuamente c o m p l e
m e n t a r entre as operaes convencionais e as operaes especiais.
se no possu rem u m e n t e n d i m e n t o mnimo das Foras convenc
iona is , a s F o r a s E s p e c i a i s tero l imitado sua c a p
a c i d a d e d e trabalhar efetivamente com esse tipo de tropa e
de auxiliar Foras Armadas estrangeiras a desenvolver suas tropas
convencionais. A s o p e r a e s n o
iraque e no Afeganisto confirmam o aumento de efetividade das
Foras de Operaes Especiais pela incorporao criteriosa de t ropas
convencionais . um universo de tropas convencionais suficientemente
grande possibilita a mxima das Foras Especiais: qualidade, antes de
quantidade.
Rpida mobilizao. A capacidade de mobilizar meios rapidamente e
expandir a estrutura da Fora em tempos de guerra uma premissa
comum, na maioria das abordagens para a reduo da estrutura da Fora.
H um custo associado a essa premissa, que geralmente no includo:
desenvolver e manter uma infraestrutura de mobilizao.
Foram quase dez anos para que o Componente da Ativa do Exrcito
conseguisse aumentar em 80 mil militares seu efetivo, desde que
comeou a expandi-lo gradualmente, aps o 11 de setembro de 2001 e
isso inclui uma reduo nos padres de admisso e considerveis bnus
para a reteno de pessoal. Leva tempo aumentar os efetivos de uma
Fora composta somente por voluntrios mesmo mediante reconvocao de
pessoal includo na reserva imediata (Individual Ready Reserve, na
designao em ingls). As
As primeiras tropas terrestres estadunidenses desembarcam em uma
estao de trem em algum ponto da Coreia do Sul, Jun 1950.
NA
RA
Maro-Abril 2012 MILITARY REVIEW 22
-
unidades do Componente da reserva do Exrcito j so parte da
estrutura da Fora e possuem certa infraestrutura para manter tropas
treinadas. O sistema que prev o emprego de unidades da reserva
conta, ainda, com a experincia de anos atendendo s seguidas
mobilizaes para atuar nos conflitos recentes. A mobilizao da
populao civil diferente.
A expanso imaginada na maioria das abordagens para a reduo da
Fora est na capacidade de rapidamente mobilizar a populao civil,
bem como no pronto acionamento da indstria para atender s
necessidades em equipamentos. A infraestrutura para essa mobilizao
no existe, em termos prticos. Ela teria de incluir sistemas para
rpida admisso de recrutas, capacidade de treinamento para essa
rpida admisso de pessoal e planos industriais para fornecer o
equipamento decorrente do rpido aumento do efetivo. Essa
infraestrutura de mobilizao custosa e tem uma baixa probabilidade
de ser empregada. torna-se, portanto, um alvo preferencial para
cortes oramentrios. Qualquer reduo da estrutura da Fora que
pressuponha uma rpida expanso tambm deve incluir, em sua anlise
custo-benefcio, o tamanho e a velocidade que se visualiza para essa
expanso, o tempo e o custo para implant-la e os riscos associados
sua execuo. Quanto menor for o efetivo da Fora
estrUtUra da FOra
permanente, maior ser a probabilidade de que a infraestrutura de
mobilizao ser necessria e maior ser o risco decorrente, caso ela no
esteja altura da demanda.
Concluso A reviso estratgica apresentou elemen