expedienteREVISTA ADVIR Publicao da Associao de Docentes da
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Janeiro; Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 1
orientaoaoscolaboradoresREVISTA ADVIR uma revista semestral e
publicar, preferencialmente, artigos de professores da Uerj que
abordem temas relacionados Universidade em todos os seus aspectos:
poltico, administrativo, acadmico, cintfico e cultural. Por ser uma
publicao que se prope a atingir um pblico abrangente, ADVIR no
publicar artigos cientficos especializados. Contudo, sero aceitos
artigos de divulgao cientfica, que devero ser escritos de forma a
permitir o entendimento por leitores de outras reas do
conhecimento. ENTREVISTA Os Conselhos Editorial e Consultivo
definiro o tema desta seo e indicaro nomes dos possveis
entrevistados. No entanto, sero aceitas sugestes de temas e nomes.
PONTO DE VISTA Sero publicados artigos assinados, com pontos de
vista diferenciados acerca do tema central, previamente definido e
divulgado. ACADEMIA Publicar artigos no-especializados de tema
livre, objetivando, com isso, apresentar um demonstrativo da produo
acadmica dos professores da Uerj. A cada nmero, ADVIR procurar
contemplar diferentes reas do conhecimento. ENSINO, PESQUISA &
EXTENSO Publicar textos que analisem e divulguem projetos e
experincias de interesse nos campos do ensino, da pesquisa e da
extenso. ARTE & CULTURA Publicar textos sob as formas de
resenha, crtica ou artigo, sobre temas relacionados aos campos da
arte e da cultura. IMPORTANTE OPINIO Publicar textos que expressem
a opinio pessoal do autor sobre tema de livre escolha. C ENTRE NS
Publicar cartas recebidas, no todo ou em parte, a critrio do
Conselho Editorial. DOCUMENTO Publicar material de carter histrico
e documental, no todo ou em parte, preferencialmente relacionado ao
tema central da revista. Os artigos que no obedecerem aos critrios
aqui divulgados no sero recebidos pela assessoria editorial da
Asduerj. CRITRIOS PARA O ENVIO DE ARTIGOS 1. Artigos de alunos de
graduao devem, necessariamente, ser acompanhados de parecer de um
docente com formao na rea de conhecimento do texto. 2. Notas e
referncias bibliogrficas devero ser colocadas ao final do texto,
conforme padro da ABNT. 3. Todo artigo recebido ser submetido ao
Conselho Consultivo, que decidir, em carter definitivo e com base
em critrios cientficos, sobre sua publicao ou no, ficando a critrio
do Conselho Editorial definir em que edio da revista isto ocorrer,
tendo em vista apenas critrios de adequao editorial. 4. Fotos e
ilustraes sero aceitas como contribuio espontnea, mesmo que no se
faam acompanhar de artigos. As fotos e ilustraes que vierem a ser
utilizadas traro os crditos de seus autores. ADVIR no se
responsabiliza pela devoluo do material recebido. 5. Os artigos
devero, necessariamente, ser enviados j digitados e acompanhados
do(s) crdito(s) do(s) autor(es). 6. A dimenso total dos textos no
poder ultrapassar o limite de 08 (oito) laudas, incluindo-se
referncias bibliogrficas, notas, grficos, etc. 7. O texto dever
vir, necessariamente, acompanhado do nome completo de seu autor,
instituio e setor onde trabalha, ltima titulao, telefone e endereo
completos. 8. Independentemente dos prazos divulgados nos editais
de convocao de artigos, os textos enviados, desde que aprovados
pelo Conselho Consultivo, passam a fazer parte do Banco de Artigos
da revista, aguardando publicao no nmero subseqente.
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 2
ndiceEditorial 4
PONTO DE VISTA 5Universidade e projeto nacional 5 Pedro Luiz
Santiago Senne As Polticas de democratizao do acesso ao Ensino
Superior do governo Lula 11 Maria de Ftima de Paula Universidades
Federais e o REUNI: alteraes nas funes da universidade pblica
brasileira 20 Ktia Lima Financiamento pblico da Uerj: uma questo de
autonomia 27 Susana Moreira Padro As universidades francesas e a
autonomia: o novelo de uma greve (entrevista com os professores da
Universidade de Rouen, Jean Houssaye e Annie T-Schirart) 41
ACADEMIA 51Choque de ordem ou punio dos pobres: uma anlise
necessria 51 talo Pires Aguiar Viagem de Esperana: angstia migrante
frente ao despojamento e a estranheza 55 Ademir Pacelli Ferreira
Dicotomias entre o pblico e o privado no contexto da cidade: como
pensar polticas pblicas neste espao na contemporaneidade? 61
Charles Barros de Figueiredo Espaostemposde formao: momentos do
movimento estudantil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em
um acervo fotogrfico 66 Rebeca Brando Rosa, Thais Barcelos e Nilda
alves
ENSINO, PESQUISA E EXTENSO 74Uma experincia multidisciplinar
envolvendo alunos de Iniciao Cientfica e de Ps-Graduao em Qumica 74
Luiz Claudio de Santa Maria e Ftima Teresa Braga Branquinho O
desafio das universidades na construo da Sustentabilidade
Ambiental: uma proposta de Modelo de Gerenciamento Integrado de
Resduos 79 Elmo Rodrigues da Silva e Luiz Antonio Arnaud Mendes
ARTE E CULTURA 86Entre a Luz e a Sombra: Duas Peas de Samuel
Beckett e o Embate da Criao 86 Isabel Cavalcanti
ENTREVISTA 94"Meta recuperar a infraestrutura" 94 (Entrevista
com o presidente da Faperj, professor Ruy Garcia Marques) Do outro
lado do balco: a viso do pesquisador 102 (As professoras Lcia
Guimares, Sheila Veloso, Valria Gallo e Maria Tereza Goudard
comentam a entrevista do presidente da Faperj)ADVIR N 23 DEZEMBRO
DE 2009 3
editorialPor que discutir Polticas Pblicas para Universidade?
Neste nmero a Revista ADvir discute, com os artigos da seo "Ponto
de Vista", polticas implantadas pelos governos das vrias esferas
com relao s universidades pblicas. Optamos por tal tema, pois, com
o advento do REUNI do Governo Federal, vrios setores se voltam para
este debate. Questes como: autonomia, financiamento, ampliao de
vagas, reorganizao da estrutura universitria, alteraes nos
currculos e, principalmente, nos modelos de formao dos diversos
cursos oferecidos implicam diretamente no funcionamento das
universidades e na manuteno da qualidade alcanada ao longo dos anos
por estas instituies. Torna-se assim imprescindvel discutirmos como
todas estas polticas pblicas propostas e/ou implantadas atingiro o
universo da formao universitria, em particular na UERJ. este debate
que pretendemos iniciar com os textos publicados neste nmero da
ADvir. Para que, no ano do trigsimo aniversrio da Asduerj, nossos
leitores sintam-se convidados a, junto conosco, participar da luta
pela universidade pblica, gratuita e socialmente referenciada, que
tanto buscamos.
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 4
UNIVERSIDADE E PROJETO NACIONALPedro Luiz Santiago
SenneProfessor do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Uerj
Tornou-se lugar comum estender largos elogios s maravilhas que o
ensino pode proporcionar a um pas com atraso em amplas faixas da
vida nacional, a ponto de ser vulgarizada essa opinio no discurso e
nas preocupaes que descem at o homem comum sem, porm, haver uma
reflexo sobre a natureza da importncia e dos limites do seu poder.
Repetida como um mantra, no parece ter conseqncias maiores que um
mero ritual do politicamente correto, obrigatrio especialmente a
ocupantes de cargos pblicos que rezam o credo sem muita piedade. As
idias displicentes tomam o lugar de concepes bem instrudas e
precedem as prticas mais daninhas aos objetivos do ensino. Uma
evidncia a prosaica confuso entre educao e instruo pblica, to
recorrente que tornou indistinguveis, em boa parte dos discursos,
as diferenas entre aqueles conceitos. Trata-se de engano tom-las
como sinnimos, quando, em verdade, dizem respeito a abrangncia de
competncias diversas, pois a educao de cunho amplo e indefinido,
constrangimento nem sempre sentido, mas presente na socializao dos
indivduos, diz respeito a processos no necessariamente formais e
cuja durao indeterminada, sendo ainda provida por todos os mbitos
de contato social: a famlia, a vizinhana, a igreja, o trabalho, o
clube, o crculo de amigos, hoje, os contatos pela internet e...,
claro, a escola. A instruo pblica, por seu lado, estruturada
formalmente e possui propriedade coercitiva explcita fundada na
vontade poltica do Estado, est calcada num currculo estritamente
controlado pelo poder poltico e serve aos interesses que o
presidem. certo que a educao inclui onde h organizao social
relativamente desenvolvida e voltada para uma vida pblica de
razovel participao poltica, ainda que formalmente a instruo pblica
universal em seu escopo; mas esta corolrio da participao da massa
no processo poltico e objetiva fundamentar uma base para a preveno
do extremismo das lutas sociais. Em adio, os que participam do
processo instrucional esto imbudos de concepes que trazem de todos
aqueles outros lugares e tergiversam sobre o contedo do currculo
com maior ou menor sucesso. Afinal, os lugares de instruo so,
tambm, espaos de socializao, com seu propsito limitado. O fato,
porm, que o peso da educao, com os variados matizes que possui, no
pode ser jogado na conta da instruo pblica,
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 5
pontodevista
pontodevista
pois, excede suas possibilidades fazer a parte substituir o
todo. Ao caracterizar o ensino superior encontramos a orientao de
carter formal e regrado, voltado para a formao profissional com
base em cnones estabelecidos no lastro da tradio da instituio
universitria, mas que recebe o influxo das expectativas da
sociedade em que se insere para criar sua prpria atmosfera
educativa. No bojo desse processo a importncia que detm muito deve
ao papel que pode desempenhar no contexto geral, especialmente
naquilo que diz respeito ao desenvolvimento da sociedade nos mbitos
cultural, tico, cientfico, tecnolgico, e econmico. O Estado
contemporneo concede universidade um papel coadjuvante na formao
dos recursos de poder e a centralidade de sua funo de exponenciar o
conhecimento transforma-a em brao da ao do poder pblico, da a ateno
especial e a necessidade de polticas pblicas especficas. Em todo o
mundo a instruo superior objeto de interesse face ao carter de
vantagem competitiva que oferece aos Estados que fazem largo uso
dos recursos humanos bem adestrados que pode proporcionar, sendo,
como , a principal instituio produtora e difundidora de
conhecimento organizado em bases cientficas, sem prejuzo a
institutos isolados, sejam pblicos ou privados, mas que esto bem
aqum da abrangncia possibilitada pela integrao entre os objetivos
da universidade moderna: ensino, pesquisa e extenso. Sobre a
pluralidade de ob-
jetos cientficos e culturais debruam-se variegadas linhas de
pensamento, de afiliao e de ao que conflitam e implicam, na
especificidade de cada circunstncia e de cada instituio, o
permanente questionamento das crenas sociais. Tem-se a a riqueza
latente da funo da universidade na sociedade moderna: expressar os
conflitos sociais, dentro de balizas discursivas prprias, e mostrar
que o conhecimento sobre o homem e sobre a natureza no se fecha s
alternativas surgidas desses embates. nessa teia que devemos
inserir a questo das polticas pblicas para a universidade. Todo o
enlace que a universidade pode estabelecer com o poder poltico deve
considerar a necessidade mpar de autonomia de pensamento e de ao,
e, conseqentemente, a liberdade de exerc-la, sem a qual suas funes
ficam prejudicadas e seu papel definha pela impossibilidade de
explorar as diversas influncias sociais. Desde o incio a
universidade obteve esse privilgio e isso constituiu uma tradio
respeitvel. dessa maneira que ela pode ser fiel aos seus propsitos
e, tambm, contrapor-se, em parte, coero do entorno poltico e
social. Porm, ainda que tenha tais garantias assinaladas na
constituio e nas leis, ou simplesmente nos costumes de uma
sociedade, a efetividade dessa postura autnoma depende dos recursos
materiais que recebe da sociedade, posto que a obteno por meios
prprios est alm das suas possibilidades. Isso a coloca na
dependncia de patronos magnificentes ou do poder poltico quanto
ob-
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 6
H, tambm, por outro lado, a possibilidade do encontro dos
setores destitudos de qualquer determinao ou fora social com a
atividade universitria.teno desses meios, residindo a um conflito
insolvel, mas manejvel quando a universidade encontra um papel em
projetos nacionais. Os projetos nacionais tm origem no plano difuso
das necessidades sociais manifestadas aberta ou sub-repticiamente
pelos movimentos e inquietaes de grupamentos insatisfeitos com o
status da repartio dos bens sociais, materiais ou intangveis, e
ganham densidade quando mobilizam o Estado a encampar os seus
objetivos em tal grau que altere a estrutura dessa repartio. No est
em causa se esses agrupamentos so restritos ou amplos, bem
estruturados e coordenados ou ainda incipientes em sua organizao,
se procuram ampliar seu poder ou simplesmente fugir a determinadas
condies de limitao social. O poder poltico responde atravs de
polticas pblicas que satisfaam o objetivo de manter a coeso e a
legitimidade do arranjo de poder num grau razovel de segurana. Tais
polticas so funo do horizonte de projeo daqueles que, detendo
influncia sobre o processo de deciso, orientam o desenvolvimento
geral para um futuro previsvel. Est claro, ento, que a adjetivao de
nacional subentende algum particularismo, um olhar enviesado,
discricionrio, e mesmo assim, sem negar a ordem poltica liberal das
sociedades contemporneas, capaz de, sob certos limites, pactuar com
os descontentamentos emergentes. H, tambm, por outro lado, a
possibilidade do encontro dos setores destitudos de qualquer
determinao ou fora social com a atividade universitria, como objeto
de interesse proporcionado por aquela liberdade original. Nesse
caso, a limitada franquia poltica do conhecimento traz cena o que
no poderia de outro modo aparecer para as conscincias perfiladas
diante do sistema social dominante. A anlise do Estado brasileiro
sobre a questo do ensino pode ser observada em vrios documentos
oficiais, inclusive na chamada pblica para o recebimento de
contribuies ao DOCUMENTO REFERNCIA DO FRUM NACIONAL DE EDUCAO
SUPERIOR e no prprio documento do Conselho Nacional de Educao,
redigido pela Cmara de Ensino Superior do CNE1 . Publicao recente
e, por isso, atual quanto s preocupaes dos homens que decidem os
negcios da instruo pblica, revela um pouco o modo de perceber e de
operar os problemas que afetam a estrutura do ensino superior.
Encampando os resultados da Conferncia Regional de Educao Superior
para a Amrica Latina e Caribe em junho de 2008, sob os auspcios da
UNESCO, o Brasil assume a difuso das concluses daquele encontro,
estimulando a apresentao de idias nelas balizadas e como preparao
para o posicionamento do pas na Conferncia Mundial de Educao
Superior, em Paris, em julho de 2009 ... e, a partir desta,
elaborar documento preliminar sobre a Educao Superior, a ser
debatido na Conferncia Nacional de Educao Superior, em 2010, e
apoiar a reviso do Plano Nacional de Educao para o perodo
2011-2020.2 Com base nas concluses daquela conferncia regional,
sugere o CNE trs ei-
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xos para as polticas pblicas: i) democratizao do acesso e
flexibilizao do modelo de formao; ii) elevao da qualidade e
avaliao; iii) compromisso social e incluso.3 O objetivo final
consiste em ...atender as demandas de conhecimento e formao
advindas do processo de desenvolvimento socioeconmico e cientfico e
tecnolgico... e...apoiar a construo da sustentabilidade social e
econmica e promover a soberania nacional.4 Como linhas de orientao
da ao com vista ao desenvolvimento do ensino superior, essas so
proposies bastante sedimentadas nas concepes na universidade
brasileira, notadamente nas instituies pblicas, mas so claramente
insuficientes para amparar a ambio de tornar a instruo superior um
dos propulsores do desenvolvimento social, econmico e cultural.
Falta um campo para onde se possa expandir a interveno
transformadora e justificar o vultoso investimento que uma
instituio como essa requer da sociedade. Em outras palavras, falta
o prolongamento dos efeitos da ao iniciada com a formao
profissional superior e s completada com o pleno aproveitamento dos
talentos e inteligncia desenvolvidos para a satisfao das
necessidades do pas. De outra forma, seu papel estar reduzido ao de
promover as expectativas de ascenso social pela posse de um diploma
superior. Isso uma possibilidade bem concreta, quando examinada a
inquietao dos formuladores de polticas pblicas. No referido
documento do CNE lamenta-se a frustrao de no se atingir a meta de
30% da populao entre
18 e 24 anos matriculada no ensino superior at 2011, conforme o
PNE - Plano Nacional da Educao. Ainda espanta o CNE que o pas
possua o maior sistema de ps-graduao da Amrica Latina (cerca de dez
mil doutores/ano) e que as desigualdades sociais sejam enormes.5 O
qu significa isso? Por qu o Brasil precisa desse percentual de
matriculas at 2011? Qual a relao entre o nmero de doutores e a
diminuio da desigualdade social? provvel que muitas das nossas
polticas sejam estabelecidas em funo de um comparatismo estatstico,
o qual nutre uma ansiedade por medir posies com base em ndices
elaborados em situaes sociais diferentes e derivados de conceitos e
supostos nem sempre relevantes para o caso nacional. O efeito,
ento, resume-se a diminuir o mal-estar provocado por lugares pouco
elogiosos para o pas e desalentadores para o orgulho das
autoridades, possveis peas acusatrias contra a sua capacidade
administrativa e poltica frente aos adversrios internos e aos
interlocutores internacionais. Provavelmente, a desigualdade seja
melhor combatida por mecanismos de oportunidade de insero num
mercado de trabalho em que a distncia entre a renda mais baixa e a
mais alta obtida por quem trabalha no seja aquela que vigora no
pas. Mas isso est alm do alcance da universidade proporcionar,
pois, depende de mecanismos de regulao poltica da distribuio da
renda nacional, como os referentes propriedade e a tributao do
trabalho e do capital, temas sem dvida bastante discutidos nesta
instituio,
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Ainda no conduzimos com larga autonomia os nossos prprios
projetos, buscamos o prestgio fcil que alimenta a vaidade dos
lderes.a qual contribui dentro dos limites dos argumentos do
conhecimento. Uma universidade, mormente a pblica, requer mais do
que olhar para o seu umbigo como permite o documento ao referir-se
s propostas da conferncia regional voltada ao fortalecimento de sua
atividade. Entre as medidas preconizadas est a fixao do ensino
superior como direito humano e bem pblico; ampliar a cobertura e
encontrar modelos para a incluso democratizante; formao voltada
para o desenvolvimento integral e sustentvel da sociedade;
constituio de redes acadmicas regionais para qualificar
pesquisadores e deter a sua evaso.6 Todas essas recomendaes so
dependentes de decises de investimento, cuja limitao dada pela
frgil capacidade das naes de fazer fortes inverses em uma rea cujo
resultado aparece em longo prazo, o que significa que isso s ser
feito quando houver um projeto nacional, que configure uma
expectativa promissora para a sociedade, ou os que decidem em nome
dela, isso significa que o ensino superior ser considerado pelo seu
valor extrnseco, pelo impacto do conhecimento na transformao
desejada da vida do pas. A estrutura do ensino superior ter
possibilidade de evoluir na direo certa apenas quando encontrar na
sociedade demanda para aquilo que faz. No Brasil, a universidade
pblica tem sustentado um esforo histrico para exercer uma influncia
nos rumos da vida nacional, mas tem sido obrigada a deter-se,
travada pela mesma falta de perspectiva que domina o horizonte do
pas. Isso mesmo. Falta, apesar das percepes predominantes, um
horizonte claro do que queremos ser num mundo em rpida transformao.
Submetemos ao consenso internacional as concepes sobre o futuro da
nao e abdicamos de estipular os princpios que iro norte-lo. Mas
isso explicado porque ainda no conduzimos com larga autonomia os
nossos prprios projetos, buscamos o prestgio fcil que alimenta a
vaidade dos lderes e alinhamo-nos com proposies estranhas, muitas
vezes, ao interesse da sociedade nacional. Num pas assim dirigido,
onde encontrar uma brecha para lanar um projeto nacional e como
convocar a universidade para desenvolvlo no que lhe compete? S
podemos discutir questes secundrias e no verdadeira ao. O princpio
da difuso do conhecimento encontra na expresso democratizao a sua
converso em moeda poltica: a universidade oferecida a um pblico
mais interessado na exibio de um item de promoo de status, prprio
da cultura bacharelesca ainda vigente. O citado documento segue em
suas preocupaes, que espera ver secundadas pelas contribuies da
comunidade interessada, considerando o desequilbrio entre oferta de
vagas em instituies pblicas e privadas, questiona a qualidade do
ensino privado, em geral de cunho mercantil, prope a elevao do
porte do setor pblico no atendimento da demanda, apresenta a
realizao dos programas de distribuio de milhares de bolsas de
estudo em programas como Prouni, ao lado da busca da regu-
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lamentao da participao do capital estrangeiro no ensino...
Faltam, entretanto, os projetos que mobilizam a sociedade em torno
de grandes realizaes. Sem isso, a universidade se compraz em cuidar
apenas de si mesma, voltada aos projetos de carreira; a associao a
grandes projetos internacionais, cuja mxima ambio manter uma
proximidade com o estado da arte da atividade cientfica e
tecnolgica em alguns setores especficos; a lutar por recursos ao
sabor de demandas pontuais, cujo flego depende dos humores nem
sempre decifrveis. Urge um projeto para desvendar a Amaznia, com
investimentos vultosos em reas to diversas como biologia,
geografia, cincias sociais, geologia, engenharia e outras,
mobilizando todas as universidades interessadas e carreando
recursos humanos para a formao e crescimento de novas instituies no
cho amaznico, entrelaando o desenvolvimento da regio com o
desenvolvimento de instituies superiores na rea e ligadas a todo o
pas. Urge um projeto para conhecer os recursos marinhos a nossa
disposio e possibilitar a sua explorao, algo que j se provou em
parte com o exemplo da atividade petrolfera, e que poderia ter
muito maior repercusso. Urge um projeto para a atividade espacial,
um outro para a sobrevivncia seca nordestina, mais um para...e mais
um... Pede-se, certamente, um projeto para a instruo pblica
fundamental e mdia que abastea a universidade com os recursos que
mais necessita: mentes curiosas, fascinadas pela tarefa de
desvendar o mundo, com coragem de desafiar o convencionado e abrir
novos caminhos. preciso dizer, sinceramente, que a universidade no
barata, no uma pechincha, um luxo quando est plenamente realizando
a sua misso, mas devolve em boa medida aquilo que pede sob a forma
de novas possibilidades de ter
conscincia das coisas do mundo. Tambm no o nico lugar em que se
pode fazer isso, e talvez no o faa da maneira mais radical e
desconcertante, mas onde esta tarefa est mais institucionalizada e
licenciada pelos poderes vigilantes e atinge maior difuso e
capilaridade. Para tristeza dos que amam o conhecimento em si, esse
um valor bastante restrito aos que participam da atividade
cientfica, filosfica ou artstica como um modo de existir no mundo,
mesmo no recinto universitrio sua unanimidade questionvel. A
sociedade a sua volta, portanto, sentir a necessidade que tem dela
quando puder extrair algo que converta em seus prprios valores,
quando o conhecimento, intil em si, encontrar a utilidade da
satisfao das necessidades sociais. O elo entre os dois o projeto de
sociedade, o projeto nacional. A vontade de erigir algo alm do
alcance das possibilidades atuais gera o empreendimento para
superar os problemas nacionais profundos, e no h oportunidade
melhor para exibir a inteligncia bem adestrada. Mas a prpria
vontade precisa ser estvel e imune volubilidade da matria de onde
se origina: a sociedade e o Estado. A necessidade de conscincia e
firmeza polticas est na base de polticas pblicas consistentes para
a universidade.
Notas A chamada pblica do CNE a de n 01/2009 e pode ser
encontrada no stio do MEC ( http://portal.mec.gov.br/ index.php ) e
localizado no cone do Frum Nacional da Educao Superior. 2 Este
trecho est na parte contextualizao, na pgina 1 da chamada pblica. 3
Chamada pblica, pgina 2. 4 Documento referncia para o Frum Nacional
de Educao Superior, pgina 2. 5 Pginas 1 e 2 do Documento. 6 Parte 1
do Documento, pgina 7.1
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AS POLTICAS DE DEMOCRATIZAOdo acesso ao Ensino Superior do
governo Lula
Maria de Ftima de PaulaProfessora da Faculdade de Educao e do
Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal Fluminense
(UFF)
1. Introduo Vivenciamos, sobretudo a partir da dcada de 1990, um
verdadeiro desmonte da universidade pblica brasileira, com um
investimento cada vez menor do Estado no campo da educao superior
pblica. Como consequncia, acelera-se a expanso do processo de
privatizao do sistema de ensino superior, com a insero das
universidades, inclusive as pblicas, na lgica do capital (PAULA,
2002). Mercantiliza-se o sentido da formao universitria, da
pesquisa e da extenso. A formao, transformada em treinamento,
voltase cada vez mais estritamente para o mercado de trabalho,
perdendo o sentido de formao integral do homem para a vida e para a
construo de cidadania participativa. A pesquisa direcionase cada
vez mais para o setor produtivo e para as empresas que a
encomendam, ficando refm da lgica de mercado. A extenso
comercializase e transforma-se em fonte de renda e de complementao
salarial. H uma desfigurao do conceito clssico de autonomia
universitria, crescentemente confun-
dido com autonomia financeira da universidade diante do Estado,
sendo as universidades pblicas cada vez mais impelidas a captarem
recursos junto ao mercado e ao setor produtivo (PAULA, 2003).
importante destacar que nas ltimas dcadas, com a crise fiscal do
Estado em vrias partes do mundo e o avano do modelo neoliberal,
comeou a se dar um novo tipo de relao universidade-governo. O
Estado vai retirando-se progressivamente do financiamento da mesma,
adotando polticas de ajuste neoliberal. Nesse sentido, a educao
superior passa a ser concebida como servio a ser vendido e comprado
no mercado, deixando de ser vista como direito do cidado e dever do
Estado. Esta concepo, ditada, sobretudo, pelos organismos
internacionais, tais como OMC, Banco Mundial, FMI, dentre outros,
tem exercido forte influncia sobre o caso brasileiro, sendo a
educao superior colocada numa relao estreita de custo/benefcio,
segundo uma tica instrumental reducionista. nesse contexto que a
privatizao da edu-
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 11
pontodevista
cao superior ganha destaque no Brasil, quando comparamos o nosso
caso com pases do primeiro e do terceiro mundos. Esse processo de
privatizao tem uma dupla face: de um lado, assistimos proliferao
das instituies privadas, e, de outro lado, estagnao e ao desmonte
das universidades pblicas pelo Estado, favorecendo um processo
crescente de privatizao dessas instituies, pela via do ensino, da
pes1 quisa e da extenso . O sistema de educao superior no Brasil
diversificado, com instituies distintas em termos de qualidade e
prestgio, objetivos, finalidades educativas, dentre outros
aspectos. Temos hoje 257 instituies pblicas (federais, estaduais e
municipais) e 2.141 privadas. No universo das privadas, a grande
maioria compe-se de instituies com fins lucrativos, de qualidade
duvidosa, sendo a menor parte constituda de instituies comunitrias
e confessionais, sem fins lucrativos. As instituies de educao
superior (IES) se organizam como universidades (instituies
complexas que se ocupam do ensino, extenso, pesquisa e ps-graduao,
em geral envolvendo muitos setores do conhecimento, embora se
admitam universidades especializadas em determinada rea), centros
universitrios (sem obrigao com a pesquisa) e faculdades. Segundo
dados de 2007 do INEP/MEC, o Brasil possui 177 universidades, 185
centros universitrios e 2.036 faculdades, sendo cerca de 90% dessas
instituies privadas e apenas 10% pblicas. Das 2.398 IES, 92% so
pequenas instituies que se dedi-
cam somente ao ensino e esto orientadas a fornecer um diploma
mais aligeirado de curso superior aos alunos, com o objetivo de
facilitar a sua insero no mercado de trabalho (DIAS SOBRINHO &
BRITO, 2008, pp. 489 e 495). Esses dados demonstram que o conjunto
da educao superior brasileira um das mais privatizados da Amrica
Latina e do mundo, tendo perdido muito do significado de bem pblico
de qualidade, com exceo das IES pblicas e das IES de natureza
comunitria e confessional. Cabe ressaltar que o sistema de educao
superior brasileiro um dos mais elitistas da Amrica Latina e do
mundo, pois 73% das matrculas esto no setor privado e apenas 27% no
setor pblico. Acrescente-se a isto que as IES pblicas oferecem 63%
dos seus cursos no perodo diurno e apenas 27% no perodo noturno,
acontecendo praticamente o contrrio nas IES privadas. Outro dado
relevante para este cenrio de excluso social do ensino superior, no
Brasil, quando comparado a outros pases da Amrica Latina e do
mundo, o fato de apenas 12% dos estudantes entre 18 e 24 anos
estarem matriculados na educao superior, possuindo o nosso pas uma
taxa bruta de matrcula no ensino superior ao redor de 20%, segundo
os ltimos ndices do Instituto de Estatsticas da UNESCO (DIAS
SOBRINHO & BRITO, 2008, pp. 493-4). A partir dos dados
apresentados, podemos concluir que a maior parte dos estudantes que
ingressa no ensino superior brasileiro o faz pela via privada, em
instituies de qualidade duvido-
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 12
Aps tramitar no Congresso Nacional por quatro anos, finalmente o
projeto de Lei 3627/2004 foi aprovado em novembro de 2008, no dia
em que se comemora a Conscincia Negra.sa, que no realizam pesquisa
nem extenso. Os alunos trabalhadores e provenientes das classes
sociais menos favorecidas econmica e socialmente no encontram
muitas possibilidades de ingresso nas universidades pblicas, de
maior qualidade, que se dedicam ao ensino, pesquisa e extenso, com
um corpo docente mais qualificado. Isso porque as vagas nestas
instituies so limitadas, a concorrncia grande e existe o "funil do
vestibular", que deixa de fora muitos desses estudantes de baixa
renda, provenientes do ensino mdio pblico, nem sempre de qualidade.
Inversa e injustamente, os alunos provenientes das classes sociais
mais abastadas, que cursaram o ensino mdio em escolas particulares
de elite, chegam com muito mais facilidade s universidades pblicas,
sobretudo nos cursos de maior prestgio social, como Medicina,
Engenharias, Direito, Odontologia, dentre outros. 2. As polticas de
democratizao do acesso ao ensino superior do Governo Lula Frente
grande expanso do ensino mdio no pas e demanda cada vez maior dos
concluintes desse nvel por ensino superior, aliadas ao diminuto
nmero de estudantes que ingressam nas instituies de educao superior
brasileiras, uma das prioridades do governo atual tem sido a busca
de solues para a democratizao do acesso educao superior. Nesse
sentido, um dos primeiros passos da Reforma Universitria foi a edio
de medidas que permitissem a democratizao do acesso, com gastos
reduzidos para o governo federal, segundo a lgica instrumental
neoliberal, que concebe a educao superior como um custo oneroso
para os cofres pblicos e no como investimento no sentido da formao
de cidados crticos e qualificados para atuarem no mercado de
trabalho. Das polticas de democratizao do acesso ao ensino superior
propostas pelo Governo Lula, destacamos o Programa Universidade
para Todos (PROUNI), que ser enfatizado a seguir, a poltica de
cotas e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das
Universidades Federais (REUNI). Segundo projeto de lei n? 3627/04,
encaminhado pelo Governo Lula ao Congresso Nacional, as instituies
pblicas federais de educao superior devero reservar em cada
concurso de seleo para ingresso nos seus cursos de graduao, no
mnimo, 50% de vagas para alunos que cursaram integralmente o ensino
mdio em escolas pblicas, incluindo nessa cota os afrodescendentes e
indgenas, de acordo com a proporo de negros, pardos e ndios na
populao do Estado onde est instalada a universidade, conforme os
dados do censo do IBGE. Aps tramitar no Congresso Nacional por
quatro anos, finalmente o projeto de Lei 3627/2004 foi aprovado em
novembro de 2008, no dia em que se comemora a Conscincia Negra. Na
ltima hora, o parlamentar Paulo Renato Souza, ex-Ministro da Educao
do Governo FHC, sugeriu a incluso do corte de renda para beneficiar
os estudantes das classes sociais desfavorecidas
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 13
economicamente, unindo a cota social cota racial, importante
mudana introduzida no Projeto de Lei 3627/2004. importante
ressaltar que a aprovao dessa lei, que conjuga cotas sociais e
cotas raciais, beneficiando estudantes provenientes das escolas
pblicas, pobres, negros e ndios, representa um avano no sentido da
democratizao do acesso ao ensino superior no Brasil, pois facilita
o ingresso desses atores sociais nas universidades pblicas, que
primam por uma formao de qualidade, aliando ensino, pesquisa e
extenso. Uma das aes do atual governo na direo da democratizao do
ensino superior, muito criticada e questionada no meio acadmico,
foi a instituio do REUNI, atravs do decreto n 6.096, de 24 de abril
de 2007, tendo como objetivo, de acordo com seu artigo 1, "criar
condies para a ampliao do acesso e permanncia na educao superior,
no nvel de graduao, pelo melhor aproveitamento da estrutura fsica e
de recursos humanos existentes nas universidades federais". O REUNI
tambm tem como objetivos a elevao da taxa mdia de concluso dos
cursos presenciais de graduao para noventa por cento e da relao de
alunos de graduao por professor para dezoito, num prazo de cinco
anos (art. 1, & 1), praticamente dobrando a relao de alunos por
professores em cursos presenciais de graduao, com precarizao das
condies de ensino. O REUNI possui como diretrizes (art. 2) a reduo
das taxas de evaso, ocupao de vagas ociosas e aumento de vagas de
ingresso, especial-
mente no perodo noturno; ampliao de polticas de incluso e
assistncia estudantil; articulao da ps-graduao com a graduao e da
educao superior com a educao bsica. Todavia, o REUNI alvo de duras
crticas, pois existe a preocupao de que as universidades pblicas
acabem se transformando em "escoles" de terceiro grau, o que
poderia comprometer a qualidade da formao universitria, da pesquisa
e da extenso. As universidades que aderirem ao programa recebero
recursos adicionais do MEC para promoverem a reestruturao de suas
instituies, havendo uma induo do governo, com o consentimento da
maioria das reitorias, no sentido da adeso ao Programa, sem apoio
das bases, que se posicionam contrariamente medida. 2.1. Programa
Universidade para Todos (PROUNI) Uma das propostas para equacionar
o problema da ampliao do acesso sem maiores investimentos, e,
portanto, sem preocupao central com a qualidade da formao, foi
incorporada pelo Programa Universidade para Todos (PROUNI), lanado
oficialmente em 13 de maio de 2004 pelo prprio presidente da
Repblica, Luiz Incio Lula da Silva, e pelo ento ministro da Educao,
Tarso Genro. A proposta foi encaminhada ao Congresso, na forma de
projeto de lei n? 3582/04, assinada por Tarso Genro e por Antonio
Palocci Filho, portanto, com o aval dos Ministrios da Educao e da
Fazenda, sob o regime de "urgncia constitucio-
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 14
importante ressaltar que a aprovao dessa lei, que conjuga cotas
sociais e cotas raciais, representa um avano no sentido da
democratizao do acesso ao ensino superior.nal," para que os
parlamentares pudessem aprov-la o mais rpido possvel, na medida em
que o governo pretendia criar, ainda no segundo semestre de 2004,
cerca de 70/80 mil vagas nas universidades privadas para estudantes
carentes. As principais justificativas apontadas pelo governo para
a criao do PROUNI foram: a) apenas 10% dos jovens brasileiros entre
18 e 24 anos conseguem ingressar no ensino superior; b) desse
percentual, menor ainda o nmero de estudantes de baixa renda que
"consegue vencer as barreiras para ingressar na faculdade"
(Programa Universidade para Todos, 2004, p. 1); c) h um grande
nmero de vagas ociosas nas instituies privadas de ensino superior,
uma ociosidade da ordem de 40%, conforme dados do INEP 2 (2003) ;
d) o aproveitamento de parte dessas vagas ociosas das instituies de
ensino superior privadas para o Programa, na forma de bolsas de
estudo integrais, possibilitar a democratizao do acesso,
viabilizando o ingresso de 300 mil novos estudantes em um prazo de
cinco anos. Segundo o projeto de lei, as bolsas de estudo integrais
para cursos de graduao e seqenciais de formao especfica, em
instituies privadas de ensino superior com ou sem fins lucrativos
(art. 1) sero concedidas a brasileiros cuja renda familiar no
exceda a um salrio mnimo per capita (art. 1, & 1), que cursaram
o ensino mdio completo em escolas pblicas ou a professores da rede
pblica de ensino fundamental, sem diploma de nvel superior (art.
2). Alm disto, o Programa adotar uma poltica de cotas pela qual
sero concedidas bolsas de estudo para alunos autodeclarados negros,
pardos e indgenas, de acordo com a proporo dessas populaes nos
respectivos estados, para o que sero utilizados os dados do Censo
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) - art. 7,
& 1. O processo de seleo dos alunos para as vagas do Programa
ser feito mediante os resultados e perfis socioeconmicos obtidos no
Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM), ficando tais estudantes
dispensados do processo seletivo especfico das instituies privadas
de ensino superior (art. 3). Os mecanismos propostos para as
instituies privadas que participarem do PROUNI so de dois tipos:
(1) As instituies filantrpicas de ensino superior - que j tm iseno
de impostos federais, incluindo o INSS - tero de transformar 20% de
suas matrculas em vagas para o Programa. Conforme projeto de lei,
tal proporo ser aplicada em cada curso, turno e unidade
administrativa da instituio. Hoje, elas j so obrigadas a aplicar
20% de sua renda bruta em "gratuidade", mas a legislao atual que
regula a matria no esclarece qual o tipo de servio a ser oferecido.
Apesar de o assunto ser polmico e de j existirem instituies
filantrpicas que cogitam ingressar na Justia para no serem
obrigadas a reordenar seus gastos assistenciais, essas instituies
devero oferecer os 20% de gratuidade, exclusivamente, em forma de
bolsas de estudo e no mais em outros tipos de atendimento, de
difcil contro-
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 15
le e contabilizao, sob pena de perderem a prpria condio de
instituio filantrpica. (2) No caso das instituies privadas com fins
lucrativos, que atualmente pagam todos os impostos, o projeto de
lei prev a iseno de qua3 tro tributos : o Imposto de Renda das
Pessoas Jurdicas (IRPJ); a Contribuio Social sobre o Lucro Lquido
(CSLL), instituda pela Lei n 7.689, de 15 de dezembro de 1988; a
Contribuio Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins),
instituda pela Lei Complementar n 70, de 30 de dezembro de 1991; e
a Contribuio para o Programa de Integrao Social (PIS), instituda
pela Lei Complementar n 7, de 7 de setembro de 1970 (art. 9). Como
contrapartida, a instituio privada de ensino superior dever
oferecer uma bolsa para cada nove alunos regularmente matriculados
em seus cursos, ou seja, 10% de suas vagas seriam destinadas a
alunos carentes e/ou professores da rede pblica sem diploma de
curso superior. Todas as instituies filantrpicas, se quiserem
manter a condio de entidades beneficentes de assistncia social,
tero de fazer parte do Programa, ao contrrio das demais
universidades privadas, que devero assinar um termo de adeso com o
Ministrio da Educao, com prazo de vigncia de dez anos, renovvel por
igual perodo. Alm disso, ficar vedado o credenciamento de
instituies de ensino superior no FIES (Fundo de Financiamento ao
Estudante do Ensino Superior), caso no ofeream bolsas de estudo
integrais, segundo o percentual determinado pelo
PROUNI ( art. 13). Diante das dificuldades de aprovao do Projeto
de Lei no Congresso e, sobretudo, para atender as presses das
instituies privadas de ensino superior, o presidente baixou a
Medida Provisria 213, em 10/09/2004. Embora no seja idntica ao PL,
a MP mantm a mesma lgica dele, que a de renncia fiscal em troca de
vagas ociosas das instituies privadas, destinadas a alunos com
renda familiar per capita inferior a 1 salrio mnimo (no caso das
bolsas integrais ou iseno total da mensalidade) ou a 3 salrios
mnimos (no caso das bolsas parciais de 50% ou iseno de metade da
mensalidade). Os beneficirios precisam ter cursado o ensino mdio
completo em escola pblica ou em instituies privadas na condio de
bolsistas integrais. A exigncia de renda no se aplica ao professor
da rede pblica de ensino no caso dos cursos de licenciatura e
pedagogia destinados formao do magistrio de educao bsica, nem aos
portadores de necessidades especiais, tampouco aos alunos que se
declararem negros, pardos e indgenas, com direito a ocupar um
percentual das vagas correspondentes ao de cidados autodeclarados
pretos, pardos e indgenas em cada Estado. importante assinalar a
influncia da presso das instituies de ensino superior privadas na
mudana de alguns critrios da MP em relao ao PL, o qual fixava o
limite de renda familiar per capita em um salrio mnimo, ampliado
para trs na MP, que tambm favorece os privatistas ao
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 16
Entretanto, nem todas as instituies de ensino superior com
avaliao insatisfatria so descredenciadas pelo MEC, continuando a
fazer parte do PROUNI.permitir o benefcio a estudante que tenha
feito o ensino mdio com bolsa integral em instituio privada. A
possibilidade de bolsas parciais ou mensalidades parciais pode ser
interpretada como mais uma vitria do setor privado, que, alm de ser
beneficiado com iseno fiscal, passa a ter estudantes que pagam meia
mensalidade, atenuando a grande ociosidade de vagas existentes
nessas instituies, assim como o problema da inadimplncia e da evaso
ocasionadas, dentre outros fatores, pela impossibilidade de os
alunos pagarem os altos custos das instituies privadas. Nesse
sentido, o PROUNI pode ser analisado como um Programa de recuperao
financeira das instituies privadas de ensino superior. Alm disso,
cabe ressaltar a falta de coerncia entre os critrios de seleo dos
alunos beneficirios do Programa, pois no se exige corte de renda
para os professores da rede pblica de educao bsica, para os
portadores de necessidades especiais, nem para os que se declararem
negros, pardos e ndios. Esses beneficirios podem ter renda familiar
per capita superior a 1 ou 3 salrios mnimos, respectivamente
obtendo bolsas integrais ou parciais, o que no garante, nestes
casos especficos, uma incluso baseada no critrio classe social.
Ainda analisando os documentos referentes ao PROUNI, encontramos
algumas questes polmicas relacionadas avaliao das instituies
privadas pelo Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior
(SINAES). O PL previa que a instituio seria desvinculada se
apresentasse resultado insatisfatrio por dois anos consecutivos ou
trs intercalados, num perodo de cinco anos. Na MP, a desvinculao da
instituio ocorreria se a mesma apresentasse resultados
insatisfatrios por trs avaliaes consecutivas. Entretanto, nem todas
as instituies de ensino superior com avaliao insatisfatria so
descredenciadas pelo MEC, continuando a fazer parte do PROUNI -
situao que precisa ser reavaliada pelo Ministrio. Um dos fatores
que perpetuam essa prtica est relacionado ao lobby realizado pelos
representantes das instituies privadas junto ao MEC e ao CNE.
Apesar do consenso das entidades envolvidas com a educao superior,
tais como ANDIFES (Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies
Federais de Ensino Superior), ANDES (Associao Nacional dos Docentes
do Ensino Superior), UNE (Unio Nacional dos Estudantes), dentre
outras, quanto necessidade de aumento de financiamento para as
instituies pblicas, o PROUNI pretende resolver o grave problema do
acesso ampliando a renncia fiscal - renncia pouco transparente para
a sociedade - que quase nada sabe sobre o emprego de um dinheiro
que, investido nas instituies pblicas, poderia impulsionar
programas de expanso e modernizao. De acordo com artigo publicado
no jornal Folha de S. Paulo:Nmeros oficiais [...] mostram que os
incentivos fiscais j concedidos pelo governo federal s
instituies
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 17
privadas filantrpicas de ensino superior, foco principal do
programa Universidade para Todos, seriam suficientes para dobrar o
nmero de alunos nas federais. Beneficiadas com iseno fiscal, as
filantrpicas consomem R$ 839,7 milhes ao ano. dinheiro que o Estado
deixa de arrecadar: R$ 634 milhes em contribuies previdencirias ao
INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e mais R$ 205,7 milhes
em tributos recolhidos pela Receita Federal. Estudo feito pelo
Ministrio da Educao, na gesto Cristovam Buarque, indica que seriam
necessrios de R$ 800 milhes a R$ 1 bilho para criar cerca de 520
mil novas matrculas nas universidades federais (CONSTANTINO &
SALOMON, 2004).
Portanto, segundo os dados apresentados, com o dinheiro que o
governo deixa de arrecadar por conta de iseno fiscal concedida s
instituies privadas filantrpicas, seria criado quase o dobro das
vagas propostas pelo PROUNI (300 mil, no prazo de cinco anos) nas
instituies pblicas de educao superior. De maneira pouco coerente, o
governo tem alegado a escassez de recursos para maiores
investimentos nas instituies pblicas, porm, ao mesmo tempo, pratica
a renncia fiscal em nome da democratizao do acesso, que, em muitos
casos, realiza-se com o sacrifcio da qualidade e sem o necessrio
controle da sociedade, oferecendo aos estudantes carentes um ensino
de nvel duvidoso. Os excludos da educao superior devem entrar pela
porta da frente, tendo um ensino de qualidade nas universidades
pblicas. Para tal, as polticas compensatrias e eleitoreiras no
traro solues consistentes, s construdas, de fato, com um
investimento macio, por parte do Estado, na educao pblica
fundamental, mdia e superior. Ao invs de promover a democratizao do
acesso educao superior dos excludos do sis-
tema, a privatizao realizada pelo PROUNI (Mancebo, 2004) refora
as condies histricas de discriminao e negao desse direito aos
setores populares, cristalizando a segmentao e a diferenciao da
educao superior, pois destina aos pobres um ensino de menor
qualidade nas instituies privadas, que, salvo excees, no realizam
pesquisas e ocupam-se mais do treinamento do que da formao,
compreendida no seu sentido amplo. O prprio ex-Ministro da Educao
Tarso Genro, em entrevista divulgada pelo Jornal do Brasil em
23/05/2004, contraditrio ao afirmar que "a plebe vai estudar
medicina e direito l na privataria" (p. A3). 3. Consideraes finais
Pelo exposto, conclumos que as polticas de "democratizao" do acesso
ao ensino superior do Governo Lula so passveis de crticas e
reformulaes. No caso do PROUNI, a proposta pode representar um
aprofundamento da privatizao do sistema de ensino superior no
Brasil, uma vez que funciona como mecanismo de recuperao financeira
das instituies privadas, que deixam de pagar elevadas quantias ao
Estado (renncia fiscal) em troca de vagas ociosas destinadas aos
alunos carentes. Para essas instituies, a medida pode significar
uma ajuda financeira considervel, tendo em vista o alto ndice de
inadimplncia e evaso dos estudantes. Para os alunos, por outro
lado, o PROUNI pode significar um presente de grego, pois sero
encaminhados para faculdades que, em sua maioria, no realizam
pesquisa e oferecem um ensino de qualidade duvidosa. A democratizao
do acesso ao ensino supe-
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 18
rior s se dar de forma satisfatria com a expanso qualificada das
instituies pblicas, com garantia de infra-estrutura e pessoal
qualificado, o que requer recursos e investimentos por parte do
governo. Alm disso, o acesso ao ensino superior deve vir
acompanhado de medidas efetivas que garantam a permanncia dos
estudantes nas universidades. Isto requer investimento considervel
em assistncia estudantil e depende do fortalecimento da educao
pblica em todos os nveis, fundamental, mdio e superior, assim como
de reformas sociais profundas que conduzam a uma melhor distribuio
de renda, rompendo com a aviltante desigualdade e a crnica injustia
social existentes no Brasil.
4. Referncia bibliogrficaAMARAL, Nelson Cardoso. Financiamento
da educao superior: estado x mercado. So Paulo: Cortez; Piracicaba:
Editora UNIMEP, 2003. BRASIL, Dirio Oficial da Unio, Atos do Poder
Executivo. Decreto no. 6.096, de 24 de abril de 2007. Institui o
Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das
Universidades Federais - REUNI. BRASIL, MEC. Projeto de Lei
n?3582/2004. Institui o Programa Universidade para Todos - PROUNI,
e d outras providncias. Disponvel em:< http://www.mec.gov.br
> Acesso em 13 de maio de 2004. BRASIL, MEC. Projeto de Lei
n?3627/2004. Institui o Sistema Especial de Reserva de Vagas para
estudantes egressos de escolas pblicas, em especial negros e
indgenas, nas instituies pblicas federais de educao superior e d
outras providncias. Disponvel em: < http:// www.mec.gov.br> .
Acesso em 26 de maio de 2004.
BRASIL, Medida Provisria 213, de 10/09/2004. Institui o Programa
Universidade para Todos - PROUNI, regula a atuao de entidades
beneficentes de assistncia social no ensino superior, e d outras
providncias. Disponvel em:< http:// www.planalto.gov.br>
Acesso em 20 de setembro de 2004. CONSTANTINO, Luciana; SALOMON,
Marta. "Filantrpica ganha R$ 839,7 milhes de incentivo". Folha de
S. Paulo. So Paulo, 12 de abril de 2004. Cotidiano, p. C1. DARIANO,
Daniela. "A plebe vai estudar na privataria". Entrevista com Tarso
Genro. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 23 de maio de 2004. Pas,
p. A3. DIAS SOBRINHO, Jos e BRITO, Mrcia Regina F. de. "La educacin
superior en Brasil: principales tendencias y desafos". Avaliao,
Revista da Avaliao da Educao Superior, Campinas; Sorocaba, v.13, n.
2, pp. 487-507, jul. 2008. MANCEBO, Deise. "Universidade para
Todos: a privatizao em questo". Pro-Posies, Campinas, vol. 15, n.
3(45), pp. 75-90, set./dez. 2004. PAULA, Maria de Ftima de. A
modernizao da universidade e a transformao da intelligentzia
universitria. Florianpolis: Insular, 2002. ____________. "A perda
da identidade e da autonomia da universidade brasileira no contexto
do neoliberalismo". Avaliao, Revista da Rede da Avaliao
Institucional da Educao Superior, Campinas, v. 8, n. 4, pp. 53- 67,
dez. 2003.
Notas1. Segundo Amaral (2003), a preos de janeiro de 2003, o
total de verbas destinadas suniversidades federais caiu de R$ 14
bilhes, em 1989, para R$ 10 bilhes em 2002. 2. Na rede pblica,
somente cerca de 5% das vagas oferecidas em 2003 no foram
preenchidas. 3. As instituies privadas sem fins lucrativos que
aderirem ao Programa ficaro isentas de recolher PIS e Cofins, o que
representa um incentivo bem menor do que o concedido s instituies
com fins lucrativos; na prtica, igualando ambos os tipos de
instituies, no que diz respeito iseno de tributos.
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 19
pontodevista
UNIVERSIDADES FEDERAIS E O REUNI:alteraes nas funes da
universidade pblica brasileira
Ktia LimaProfessora-pesquisadora da Escola de Servio Social e do
Programa de Ps-graduao em educao da Universidade Federal
Fluminense
Introduo Este artigo apresenta alguns resultados da pesquisa que
est sendo desenvolvida, financiada pelo CNPq e pela FAPERJ, sobre
as reformulaes em curso nas universidades federais sediadas no
Estado do Rio de Janeiro. Partindo da considerao de que estas
reformulaes fazem parte das profundas alteraes realizadas na
poltica de educao superior brasileira nos anos de neoliberalismo,
analisa a poltica de reestruturao e expanso das universidades
federais elaborada pelo Ministrio da Educao/MEC (Decreto
Presidencial 6096/07), procurando desvendar seu significado
poltico-pedaggico. Educao superior brasileira: uma reformulao em
processo A reformulao da educao superior, que est sendo realizada
pelo governo Lula da Silva, encontra-se inserida em um processo
mais amplo de reordenamento do Estado brasileiro, caracterizado
pela sistemtica diluio das fronteiras entre pblico e privado, a
partir da materializao
da noo de pblico no estatal operada pelas parcerias entre o
pblico e o privado. Esse processo atravessou o governo Cardoso,
quando a educao foi includa no setor de atividades noexclusivas do
Estado (SILVA JR. e & SGUISSARD, 1999), e est sendo aprofundado
no atual governo por meio de mais uma fase da reforma da educao
superior (NEVES, 2004; NEVES e & SIQUEIRA, 2006 e LIMA, 2007).
O intenso processo de reformulao da poltica de educao superior em
nosso pas est ocorrendo a partir de um conjunto de leis, decretos e
medidas provisrias, como (i) o Sistema Nacional de Avaliao do
Ensino Superior (Sinaes) Lei n 10.861/2004; (ii) o Decreto n
5.205/2004, que regulamenta as parcerias entre as universidades
federais e as fundaes de direito privado, viabilizando a captao de
recursos privados para financiar as atividades acadmicas; (iii) a
Lei de Inovao Tecnolgica (n 10.973/2004), que trata do
estabelecimento de parcerias entre universidades pblicas e
empresas; (iv) o Projeto de Lei n 3.627/2004, que institui o
Sistema Especial
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 20
O Plano de Desenvolvimento Institucional/PDI e a poltica de
avaliao implementada pelo Sistema Nacional de Avaliao da Educao
Superior/SINAES mantm a lgica meritocrtica e produtivista.de
Reserva de Vagas; (v) os projetos de lei e decretos que tratam da
reformulao da educao profissional e tecnolgica; (vi) o Projeto de
Parceria Pblico-Privada (PPP) (Lei n 11.079/ 2004), que abrange um
vasto conjunto de atividades governamentais, (vii) o Programa
Universidade para Todos (ProUni) Lei n 11.096/2005 , que trata de
generosa ampliao de iseno fiscal para as instituies privadas de
ensino superior; (viii) o Projeto de Lei 7.200/06, que trata da
Reforma da Educao Superior e se encontrase no Congresso Nacional;
(ix) a poltica de educao superior a distncia, especialmente a
partir da criao da Universidade Aberta do Brasil e (x) o Programa
de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades
Federais/REUNI - Decreto Presidencial 6096/ 07 e o Banco de
Professor-Equivalente. A fundamentao terica desta dessa refor mulao
est expressa em algumas nucleaes bsicas como a noo da educao como
bem pblico; a diversificao das instituies de ensino superior, dos
cursos e das fontes de financiamento e as concepes de
desenvolvimento, expanso e avaliao da educao superior brasileira. A
noo da educao como um descaracterizado bem pblico cria as bases
polticas e jurdicas para a diluio das fronteiras entre pblico e
privado: se a educao um bem pblico e instituies pblicas e privadas
prestam esse servio pblico (no-estatal), est justificada, por um
lado, a alocao de verbas pblicas para as instituies privadas e a
ampliao da iseno fiscal para estas essas instituies, e, por outro,
o financiamento privado das atividades de ensino, pesquisa e
extenso das instituies pblicas (MANCEBO, 2004). Neste Nesse
sentido, o empresariamento da educao superior (NEVES, 2002), que
foi iniciado com o governo Collor-Itamar, ganhando nova
racionalidade com o governo Cardoso, ser aprofundado no atual
governo a partir de um duplo mecanismo: a ampliao do nmero de
cursos privados e a privatizao interna das instituies pblicas.
Neste Nesse contexto, a burguesia de servios (BOITO JR., 1999)
educacionais sai vitoriosa com os resultados da presso exercida: a
ampliao da iseno fiscal realizada pelo Fundo de Financiamento ao
Estudante do Ensino Superior/FIES e pelo ProUni (Carvalho, 2006) e
a possibilidade de que instituies privadas brasileiras reconheam
diplomas de mestrado e doutorado expedidos por instituies
estrangeiras, prerrogativa que at ento era exclusiva das instituies
pblicas. A outra face deste desse empresariamento1 ocorre pela
abertura para participao do capital estrangeiro na educao
brasileira e pelo estabelecimento de parcerias e/ou compra de
pacotes educacionais para viabilizao da poltica de educao superior
a distncia conduzida pelo governo federal. No interior das
Instituies Federais de Ensino Superior/IFES, o Plano de
Desenvolvimento Institucional/PDI e a poltica de avaliao
implementada pelo Sistema Nacional de Avaliao da Educao
Superior/SINAES mantm a lgica meritocrtica e produtivista que
orientou a poltica de avaliao do governo Cardoso e natu-
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 21
raliza a privatizao interna das IFES pela diversificao das suas
fontes de financiamento realizada por meio da constituio de
receitas prprias geradas com a venda de servios educacionais atravs
das fundaes de direito privado (MeloMELO, 2006). A diversificao das
instituies de ensino superior e dos cursos ser aprofundada. Alm da
estruturao em universidades, centros universitrios e faculdades
isoladas, a reformulao da poltica de educao superior apresenta os
cursos seqenciais, os cursos de curta durao, os cursos de formao
geral e formao especfica e a emisso de diplomas, certificados e
atestados de aproveitamento como formas de aligeiramento da formao
profissional. Uma das mais importantes referncias deste desse
processo de certificao em larga escala o Programa REUNI divulgado
pelo MEC em 2007 como parte do Plano de Desenvolvimento da
Educao/PDE. O Programa REUNI: as alteraes em curso nas
universidades federais O PDE apresenta um conjunto de aes
consideradas como prioritrias para o governo federal.2 .
Considerando os limites deste artigo, deterei minhas anlises no
significado poltico-pedaggico do Decreto Presidencial 6096/07, que
institui o REUNI (Brasil/Presidncia da Repblica, 2007), do
Documento intitulado Diretrizes gerais do Decreto 6096 - REUNI:
Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (Brasil/ MEC,
2007a.) e das Portarias Interministeriais que tratam do Banco de
Professores Equivalentes
(Brasil, MEC/MPOG, 2007). O REUNI foi divulgado pelo governo
Lula da Silva atravs de um Decreto Presidencial (6096/07) e
apresenta os seguintes objetivos: Elevar a taxa de concluso dos
cursos de graduao para 90%; Aumentar o nmero de estudantes de
graduao nas universidades federais; Aumentar o nmero de alunos por
professor em cada sala de aula da graduao; Diversificar as
modalidades dos cursos de graduao, atravs da flexibilizao dos
currculos, da criao dos cursos de curta durao e/ou ciclos (bsico e
profissional) e da educao a distncia; Incentivar a criao de um novo
sistema de ttulos; Viabilizar a mobilidade estudantil entre as
instituies (pblicas e/ou privadas) de ensino. Todas estas essas aes
devero ser realizadas no prazo de cinco anos. Para implementar esta
poltica, as Portarias Interministeriais nmeros 22 e 224/07 (Brasil,
MEC/MPOG, 2007) representam as primeiras medidas efetivas de
implementao do Decreto presidencial, constituindo, em cada
Universidade, um instrumento de gesto administrativa de pessoal: o
banco de professores-equivalentes. O banco ser operacionalizado,
dando-se a cada docente em exerccio em 31/12/06 um peso
diferenciado, segundo o seu regime de trabalho.
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 22
A adeso das universidades federais ao REUNI implica diretamente
dois nveis de precarizao: a da formao profissional e do trabalho
docente.Na medida em que o REUNI objetiva a expanso do ensino de
graduao, fica evidente que aes do governo estimulam as
universidades federais contratao de professores em regime de
trabalho de 20 horas para o trabalho em sala de aula da graduao,
esvaziando o sentido do regime de trabalho em dedicao exclusiva,
base de realizao da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extenso. A adeso das universidades federais ao REUNI implica
diretamente dois nveis de precarizao: a da formao profissional e do
trabalho docente. A precarizao da formao ocorre atravs do
atendimento de um maior nmero de alunos por turma, da criao de
cursos de curta durao e/ou ciclos (bsico e profissionalizante),
representando uma formao aligeirada e desvinculada da pesquisa.
Considerando a necessidade do cumprimento das metas de expanso
apresentadas no decreto, atravs do aumento do nmero de turmas, de
cursos e da relao professor-aluno em sala de aula da graduao, a
dinmica de contratao de professores nas universidades dever
pautar-se no banco de professores-equivalentes, precarizando ainda
mais as condies de trabalho docente (VALE, 2008). A proposta de
diversificao dos cursos de graduao apresentada pelo REUNI no
constitui, entretanto, nenhuma novidade, mas sim a reatualizao das
polticas elaboradas pelo Banco Mundial para os pases da periferia
do capitalismo que expressam a concepo de educao para estes esses
pases: adaptao e difuso de conhecimentos (LEHER, 1998 e SIQUEIRA,
2004). Analisando as bases de fundamentao terica e poltica do
Programa REUNI, encontramos como referncia a reformulao da educao
superior europia europeia denominada processo de Bolonha, que tem
seu incio em 1999 e prossegue no incio do novo sculo com a
finalidade de construir um espao europeu de educao superior at o
ano 2010, atravs da adoo de sistema de graus comparvel ; de um
sistema baseado, essencialmente, em ciclos e da promoo da
mobilidade de estudantes. Esse Um um processo que vem sofrendo
duras crticas pela fragmentao da formao profissional que realiza e
pelo indicativo de formao de um promissor mercado educacional
europeu, facilitando a ao das empresas educacionais (ROSA, 2003).
Simultaneamente, o REUNI uma face do Projeto Universidade Nova
(UFBA, 2007). Apesar de o REUNI e do UniNova apresentarem as mesmas
argumentaes (LDA, 2007) e a mesma proposta de elaborao de uma nova
arquitetura curricular para as universidades pblicas atravs da
organizao de bacharelados interdisciplinares/BI (ciclos bsicos -
comuns a vrias reas de conhecimento - e ciclos
profissionalizantes), o UniNova, na medida em que centralizou sua
proposta nessta nova arquitetura curricular, gerou um conjunto de
crticas de reitores e demais administradores das universidades
federais que reivindicavam financiamento pblico para a realizao das
metas de expanso e reestruturao destas dessas instituies. O REUNI,
portanto, o UniNova com (algum) financiamento pblico condicionado
ao cumprimento de
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 23
metas expressas em um contrato de gesto estabelecido entre cada
IFES e o MEC. O documento intitulado Diretrizes Gerais do REUNI
apresenta as estratgias de controle e acompanhamento impostas pelo
MEC, demonstrando que no existe autonomia efetiva das universidades
para elaborao de seus planos prprios de expanso:O processo de
acompanhamento da execuo das metas propostas pelas universidades
integrantes do REUNI ser realizado por meio da Plataforma PingIFES
(...) seus dados so utilizados na distribuio dos recursos
oramentrios das IFES, a partir de critrios acordados com os rgos de
representao das universidades [com base no] horizonte fixado pelas
metas relativas abertura de novas vagas, s taxas de concluso dos
cursos e ao aumento gradativo da relao entre o nmero de alunos e
professor estabelecidas nos projetos de cada universidade aderente
(...). Alm disso, o processo de verificao das informaes incorporar
a extensa gama de dados coletados por diversos rgos (INEP, CAPES),
inserindo-se, ainda, no contexto do sistema de avaliao estabelecido
pelo SINAES [e articulado ao] envio de analistas in loco, cuja
anlise dever estar especialmente focada nos aspectos previstos no
REUNI e consolidados na proposta da universidade (Brasil/MEC, 2007,
pp.19-/20).
mais subsumidas pela lgica do mercado e do Estado e,
competitiva, nos marcos da produtividade e do empreendedorismo que
hoje atravessam e constituem o trabalho docente e a formao
profissional nas universidades federais. Consideraes finais As
anlises dos documentos acima indicados demonstram que est em curso
uma profunda reconfigurao da formao profissional e do trabalho
docente realizado nas universidades federais brasileiras. Uma
reconfigurao operacionalizada pela diversificao das modalidades da
graduao e de itinerrios formativos que criam as bases para a
fragmentao e aligeiramento da formao e a quebra da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extenso, trip da
universidade pblica brasileira; pela reafirmao da educao a distncia
e do uso intensivo de tecnologias no ensino presencial; pelo
aproveitamento de crditos, prova de proficincia e a circulao de
estudantes entre cursos e programas, e entre instituies de educao,
pblicas e privadas, operacionalizando mais uma estratgia de diluio
das fronteiras entre pblico e privado na poltica educacional. Essa
reconfigurao da formao e do trabalho docente altera
significativamente as funes sociais da universidade pblica,
reduzida a uma universidade de ensino. Esse Um um processo que
ocorre de forma intensa, mas enfrentando muitas resistncias
daqueles que insistem em defender a universidade pblica, gratuita e
de qualidade, instituio social de produo e difu-
Dessa forma, o REUNI e o Banco de professor-equivalente tm como
objetivos alterar substantivamente o sentido das universidades
federais, transfigurando suas funes sociais, reduzidas s atividades
de uma universidade de ensino, baseada no modelo neoprofissional,
heternomo e competitivo (SGUISSARD, 2003). Uma universidade de
ensino ou uma escola profissional; heternoma, no sentido de que
suas atividades poltico-pedaggicas estariam cada vez
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 24
so de conhecimentos referenciados nas lutas histricas dos
trabalhadores e trabalhadoras do nosso pas. Referncias
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2007. 2 Para aprofundar as anlises sobre o PDE consultar Saviani,
2007.1
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 26
FINANCIAMENTO PBLICO DA UERJ:uma questo de autonomia
Susana Moreira PadroProfessora do Instituto de Nutrio Diretora
de Planejamento da Uerj, no perodo de 2004 a 2007
1. Introduo As universidades pblicas brasileiras, desde sua
origem, nunca foram parte integrante dos projetos de
desenvolvimento do pas. Criada tardiamente, em 1920, a primeira
universidade no Brasil constituiu-se pela justaposio de algumas
instituies isoladas, no perodo da Repblica Velha, muito mais por
presses de alguns grupos sociais e por receio do governo central de
perder o controle sobre o ensino superior do que como importante
alicerce para o desenvolvimento do pas no incio daquele sculo.
Passaram pelo Estado Novo, atravessaram o perodo
Desenvolvimentista, onde as exigncias do capital por uma mo de obra
qualificada tornavam-se intensas, sobreviveram Ditadura Militar e
ao milagre econmico, entraram na Nova Repblica, incio da transio
democrtica, e resistem bravamente, j no sculo XXI, ao
neoliberalismo, apesar de todas as tentativas de submet-las
exclusivamente aos interesses privados e s demandas de mercado.
As instituies de ensino superior pblicas, e em particular as
universidades, nascem estatais, fragmentadas e controladas pelos
governos, permanecendo tuteladas at os dias de hoje, sendo os
instrumentos de controle mais tnues ou cerceadores dependendo do
regime poltico instalado. possvel destacar, nesse percurso, apenas
duas instituies que nascem a partir de projetos mais arrojados de
universidade e comprometidos com algumas demandas da sociedade: a
Universidade do Distrito Federal, em 1935, projetada por Ansio
Teixeira, extinta pelo Estado Novo, e a Universidade de Braslia,
idealizada por Darcy Ribeiro, em 1961, que sofre interveno da
ditadura militar, tendo seu projeto inicial totalmente
descaracterizado. Pelo fato de no ter sido considerada, em nenhuma
etapa de sua trajetria e para governo algum desde a sua criao, uma
instituio estratgica para as polticas dos governos institudos, a
universidade nunca esteve no mbito de prioridades dos investimentos
pblicos, tendo sido submetida, em diversas ocasies, a severas
restri-
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 27
pontodevista
es de recursos. De maneira geral, o desfinanciamento pblico,
atravs do corte de verbas, de polticas de incentivam a expanso das
instituies privadas e da captao de recursos pela prpria
universidade, bem como a transferncia de recursos pblicos para as
instituies particulares, so mecanismos comuns a toda a legislao
pertinente ao ensino superior que prevaleceu durante esta
trajetria. Um rpido retrospecto da histria dessas universidades,
com destaque para os principais legislaes e projetos implementados,
indica o carter privatizante das polticas pblicas durante tal
perodo. Essa perspectiva se faz presente, antes mesmo do advento
das universidades, no processo de desoficializao das instituies de
ensino superior, que possibilitou a criao das primeiras instituies
privadas, no incio do sculo XX. Passa pelo Estatuto das
Universidades Brasileiras, de 1931, pelas Leis de Diretrizes e
Bases da Educao, de 1961 e 1996, pelos Planos Nacionais de Educao,
de 1965 e 2001, pela Reforma Universitria da ditadura militar,
promovida em 1968, que implantou o Programa de Crdito Educativo, at
finalmente a instituio do Programa Universidade Para Todos, em
2005. O financiamento pblico das universidades me parece uma
premissa bsica para que a instituio conquiste e exera sua
autonomia. Condio necessria para a produo de conhecimento que
contemple a toda a sociedade, para a liberdade do pensamento crtico
e a formao de cidados que sejam agentes de transformao social,
for-
talecendo a posio estratgica da universidade na construo de uma
sociedade justa e democrtica. Caso contrrio, a busca de recursos
junto iniciativa privada provavelmente submeter a instituio aos
interesses de seus novos financiadores, que dificilmente sero
conciliveis com os da sociedade como um todo, pela prpria dinmica
do sistema econmico, cujas premissas parecem incompatveis com a
ideia de universidade pblica, autnoma e democrtica. Nesta
perspectiva, a produo realizada pela instituio, como resultado de
suas pesquisas e da formao profissional, tenderia a ser apropriada
para a realizao de lucros e acumulao de capital. Partindo desse
pressuposto, este estudo foi desenvolvido para se averiguar a
suficincia dos recursos pblicos disponibilizados para a manuteno e
custeio da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, bem como os
investimentos realizados na instituio atravs desses recursos.
Contribuiu, ainda, para esta iniciativa a percepo da comunidade
universitria acerca de suas precrias condies de trabalho, da falta
de manuteno de sua estrutura e das instalaes prediais e dos salrios
percebidos, sem reposies nos ltimos 8 anos. Para a avaliao dos
valores oramentrios liberados e executados pela universidade,
alguns elementos devem ser considerados: - os valores totais
disponibilizados pelo Governo do Estado para o custeio e para
investimentos; - os mecanismos de liberao, ou seja, se os
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 28
Tomo agora a iniciativa de socializar tais informaes na
expectativa de ampliar, junto comunidade universitria, o
entendimento acerca dos dados oramentrios disponibilizados.recursos
so liberados de acordo com programao da universidade, tanto em
relao ao tipo de despesa quanto aos montantes; - os controles ou
restries do uso dos recursos captados pela prpria universidade,
atravs de convnios ou de prestao de servios que impedem sua
aplicao; - os critrios utilizados pelos gestores da universidade
para aplicao dos recursos liberados e a possibilidade de controle
dessas despesas por parte da comunidade acadmica. da universidade.
O perodo estudado compreende os anos de 1999 a 2008 e os dados
foram levantados no stio oficial da Diretoria de Planejamento e
Oramento da UERJ, disponvel para consulta. Esse perodo foi
escolhido considerando os governos de Anthony Garotinho
(1999/2002), Rosinha Garotinho (2003/2006) e parte de Srgio Cabral
(2007/2008), na expectativa de se verificarem os impactos desses
governos nas liberaes e execues oramentrias. Os dados e as anlises
sero apresentados aqui na forma descritiva. A Comisso de
Planejamento do Conselho Universitrio tem como principal atribuio o
acompanhamento da execuo oramentria da universidade, sendo a Diplan
um rgo da administrao central, responsvel pela consolidao e execuo
do oramento da universidade, que elaborado a partir das informaes
encaminhadas pelos rgos centrais e unidades acadmicas. Submetido e
aprovado pelo Conselho Universitrio, o documento encaminhado ao
Governo do Estado. A despeito dos valores apresentados no oramento,
o governo encaminha universidade, atravs de seu sistema de
gerenciamento (SIG), os limites oramentrios destinados universidade
para execuo no prximo exerccio, estabelecidos pelos seus rgos de
planejamento. Na prtica, os valores fixados no consideram as
demandas e os investimentos necessrios manuteno e ao funcionamento
da instituio aprovados pelo Conselho Universitrio.
2. Oramento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro As
anlises apresentadas neste estudo so frutos das experincias vividas
durante gesto como Conselheira da Comisso Permanente de
Planejamento e Desenvolvimento do Conselho Universitrio, instncia
suprema de deliberao e normatizao da universidade, e na direo da
Diretoria de Planejamento e Oramento da UERJ (Diplan) experincias
que considero enriquecedoras e me possibilitaram conhecer e
desvendar os mecanismos de financiamento da universidade. Tomo
agora a iniciativa de socializar tais informaes na expectativa de
ampliar, junto comunidade universitria, o entendimento acerca dos
dados oramentrios disponibilizados pela administrao, mas que em sua
maioria so de difcil apreenso, e, com isto, facilitar o
acompanhamento e controle da execuo oramentria
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 29
possvel inferir, a partir desses procedimentos, que o tratamento
conferido pelo Governo do Estado ao oramento encaminhado
simplesmente de desconsiderao, j que os valores estabelecidos pelo
sistema no guardam nenhuma relao com os dados enviados pela
universidade, tanto no que diz respeito ao montante como em sua
distribuio nos diferentes programas e investimentos aprovados
internamente. O oramento elaborado pelo governo, para toda
administrao, calculado considerando a receita prevista, atravs de
sua arrecadao, e a execuo do ano anterior, tendo como prioridade
seus prprios projetos e interesses polticos. As especificidades da
universidade em relao aos demais rgos da administrao direta e
indireta, assim como sua autonomia, so, na verdade,
desconsideradas. importante ressaltar que tratamento semelhante
dado Universidade do Estado do Norte Fluminense (UENF). Vale
esclarecer, ainda, que o oramento elaborado pelo executivo e
aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado (ALERJ) tem um
carter autorizativo, ou seja, sua execuo condicionada realizao da
receita prevista e, caso no se concretize, o governo tem a
prerrogativa de contingenciar (congelar) os valores
disponibilizados para os rgos da forma que melhor lhe convier. Alm
disto, faz parte do jogo poltico a aprovao, pela ALERJ, de um
percentual em relao ao total do oramento aprovado que o governo
poder remanejar e alocar segundo suas prioridades.
Iniciados o ano letivo e a execuo oramentria, os recursos so
liberados de acordo com programao definida pela Secretaria de
Planejamento, que normalmente estabelece uma periodicidade mensal.
Todavia, essa poltica est sujeita a alterao a cada novo governo, o
que implica a reorganizao da estrutura e do planejamento da
universidade para se adequar nova realidade, que no depende de suas
prprias motivaes e necessidades, mas so vindas de fora da
instituio. Dentro dos limites liberados mensalmente, a administrao
da universidade solicita os recursos de acordo com sua programao,
ou seja, o pedido feito com o cdigo que indica que tipo de despesa
ser coberta com aquele recurso. As despesas, em todo o estado, so
classificadas conforme sua natureza e recebem um cdigo que as
identifica, como, por exemplo: pagamento de pessoal contratado e de
bolsas para graduao, material de consumo, viagens e dirias,
manuteno, entre outras. Desta forma, possvel identificar, no
oramento executado e nos grupos de despesa, como o recurso liberado
foi utilizado. Como em geral os valores no so suficientes para a
cobertura de todas as demandas da universidade, a prpria
administrao quem determina as prioridades e como ser realizada a
distribuio desse oramento. Qualquer gasto que a universidade
precise realizar, seja de custeio ou investimento, mesmo previsto
em seu oramento, mas que ultrapasse o valor da liberao mensal ou
bimestral progra-
ADVIR N 23 DEZEMBRO DE 2009 30
Os recursos necessrios para a realizao de investimentos na
universidade, como a ampliao de instalaes ou a aquisio de novos
equipamentos, sempre foram mais difceis de ser obtidos.mada, exige
intensas rodadas de negociaes com o governo e, no caso de no haver
previso oramentria, as dificuldades tornam-se bem maiores. Nessas
situaes, a liberao dos recursos depende, na maioria das vezes, da
insero poltica do gestor da universidade no governo e do interesse
poltico pelos projetos apresentados, no estando sua justificao,
portanto, atrelada a critrios claros e transparentes nem relevncia
acadmica e ao atendimento de demandas sociais mais urgentes. Os
recursos necessrios para a realizao de investimentos na
universidade, como a ampliao de instalaes ou a aquisio de novos
equipamentos, sempre foram mais difceis de ser obtidos, sob a
argumentao, por parte dos governos, de que investimentos geram
aumento de recursos para manuteno e custeio. Para se ter uma ideia
da dimenso do problema, no perodo estudado, de 1999 a 2008,
praticamente nenhum investimento proveniente de Fonte do Tesouro
foi realizado na universidade, com exceo dos anos 2006 e 2008. Em
2006, para o trmino do Ncleo Perinatal, maternidade construda no
Hospital Universitrio Pedro Ernesto, que estabelecia uma
contrapartida financeira no contrato firmado com o Ministrio da
Sade, sob pena de pagamento de multa expressiva, e, em 2008, para
reconstruo de parte das instalaes da universidade, atingida pelo
incndio de 2007, e reparos na fachada do prdio principal. Portanto,
duas ocorrncias cujas intervenes eram inevitveis. Fora essas
aplicaes, mais nenhum outro aporte financeiro significativo foi
realizado com recursos do governo, nem mesmo para recuperao das
instalaes prediais, j bastante danificadas. Por fim, importante
esclarecer que os recursos liberados periodicamente atualmente no
so repassados universidade sob a forma de espcie e sim como
recursos oramentrios, o que, na prtica, significa uma autorizao
para realizao da despesa. Uma vez efetivada a despesa, procede-se o
encaminhamento da nota Secretaria de Fazenda, que providenciar o
pagamento, podendo ou no ser realizado de acordo com seu
vencimento, dependendo da poltica de governo estabelecida para tal
fim. Essa nota de despesa recebe a denominao, no jargo contbil do
estado, de Programao de Desembolso (PD). Esse procedimento acarreta
diversos problemas para a gesto da universidade, como a cobrana de
fornecedores e prestadores de servios que, no recebendo o que lhes
devido nos prazos contratados, cancelam entregas e paralisam suas
atividades, bem como a dificuldade de contratar servios e adquirir
materiais diversos a preos competitivos. As consequncias mais
imediatas so os preos acima do mercado que, por vezes, temos de
assumir e os juros e multas com que a universidade tem de arcar
pelos atrasos nos pagamentos, os quais comprometem parte do
oramento da universidade, ficando a instituio de mos atadas frente
a essas situaes. Alm das consequncias mais imediatas e de ordem
operacional apontadas acima, parece-nos
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muito mais grave a situao de total atrelamento s regras impostas
pelo governo, que afrontam diretamente a autonomia da universidade,
impedindo que a instituio possa gerir seus recursos, que, como
veremos mais frente, incluem tambm aqueles classificados como
recursos prprios, afetando o planejamento e o desenvolvimento de
suas atividades fim: o ensino, a pesquisa e a extenso. 3. Fontes de
financiamento Os valores que compem o oramento pblico so
classificados em diferentes fontes que identificam a origem do
recurso e algumas vezes seu destino. So cdigos padronizados e
divulgados em documento denominado Classificador de Receita e
Despesa do Estado, que revisado e atualizado periodicamente pelos
rgos competentes. No caso da UERJ, as fontes de recursos que
constituem seu oramento esto discriminadas na Tabela 1.Tabela 1
Fontes de recurso
Os recursos provenientes do Tesouro, Fonte 00, so pblicos e
advindos da arrecadao do
estado. Alm dessa codificao, o recurso pblico pode receber
outros cdigos, como no caso da Fonte 22, cujo destino foi
previamente definido quando da criao do Fundo Estadual de Combate
Pobreza e Desigualdades Sociais (FECP), aprovado pela ALERJ, mas
sem ter carter permanente. Nessas situaes, os valores que
constituem tais fundos esto vinculados percentualmente a uma
parcela da receita do estado e devem, necessariamente, ser
utilizados de acordo com o que a Lei determinar. A Fonte 22, que
passa a compor o oramento da UERJ a partir de 2007, tem sido
utilizada em despesas realizadas com o programa de incentivo
permanncia dos alunos cotistas, no pagamento de bolsas de auxlio e
despesas diversas, que objetiva facilitar a permanncia e a concluso
do curso de graduao pelos alunos que ingressam atravs do sistema de
cotas. A utilizao desse tipo de recurso em programas permanentes
como esse, pelo menos at a lei vigorar, pode ser uma estratgia do
Governo do Estado para justificar o uso dos percentuais exigidos
por Lei. Procedimento mais adequado seria dotar o prprio oramento
da universidade com os valores necessrios para cobrir tais
despesas, que tambm foram estipuladas atravs de legislao prpria. Na
realidade, outros cdigos como a Fonte 22, que constituem recursos
pblicos, so criados para que se possa acompanhar e controlar a
aplicao efetiva dos recursos conforme estabelecido pela legislao.
De outra forma, seria mui-
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Todo o custeio do Hospital Universitrio Pedro Ernesto coberto
com o oramento da Secretaria de Sade/Fundo Estadual de Sade,
acrescido dos recursos advindos do SUS.to difcil controlar sua
alocao. Alm